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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
A produção artística de Lagoa Henriques:
o processo clássico nos esbocetos de Sissi
Ana Lúcia Mendes Pinto
Dissertação
Mestrado em Ciências da Conservação, Restauro e Produção de Arte Contemporânea
2015
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
A produção artística de Lagoa Henriques:
o processo clássico nos esbocetos de Sissi
Ana Lúcia Mendes Pinto
Dissertação orientada pela Prof (a) Doutora Alice Nogueira Alves
e co-orientada pela Prof.(a) Doutora Marta Frade
Mestrado em Ciências da Conservação, Restauro e Produção de Arte Contemporânea
2015
i
RESUMO
Esta dissertação apresenta um caso de estudo de dois esbocetos em metal, bronze,
pertencentes ao acervo do Mestre Lagoa Henriques, que, no decurso da
investigação, foram identificados como os esbocetos de Sissi, Imperatriz Consorte da
Áustria e a Rainha Consorte da Hungria (1837-1898), cuja escultura final se encontra no
Jardim do Casino do Funchal, Madeira.
O objetivo deste trabalho reside num estudo dos materiais e técnicas adotadas pelo artista
na construção da escultura, de modo a obter um entendimento mais profundo da sua
metodologia de produção artística e possibilitar uma recolha de informação complementar
com vista à necessidade de possíveis intervenções de Conservação e Restauro.
Para melhor compreensão do tema são abordadas as tecnologias da Escultura, ao nível do
procedimento clássico. Os processos e métodos descritos aplicam-se ao processo de
construção de escultura de vulto redondo fundida em metal. Apresentam-se, de forma
sistematizada, algumas das principais etapas na execução do trabalho escultórico, como
sejam a modelação, a moldagem, as técnicas de alteração de escala, a tecnologia da fundição
e a patinação como acabamento superficial.
Esta dissertação procura ilustrar o contributo no estudo da produção artística escultórica
para a Conservação e Restauro: o entendimento profundo da metodologia de produção
artística utilizada possibilita uma recolha de informação complementar com vista à
necessidade de possíveis intervenções de Conservação e Restauro, respeitando a essência
da obra.
Palavras-Chave:
Lagoa Henriques; Imperatriz Sissi; Esbocetos; Tecnologias da Escultura; Produção artística;
Conservação e Restauro
ii
ABSTRACT
This paper presents a case study of two models in bronze, belonging to the the legacy
of Master Lagoa Henriques which, during the investigation, were identified as models of
Sissi, the Empress Consort of Austria and the Queen Consort of Hungary (1837-1898),
whose final sculpture is placed in the Casino Garden – Funchal, Madeira.
The objective of this work lies in the study of materials and techniques used by the sculptor
Lagoa Henriques, in the making of this sculpture, to obtain a deeper understanding of his
artistic production methodology and enable additional data collection for future
Conservation and Restoration interventions.
In order to obtain a better understanding of this subject, the technologies of Sculpture at
the level of the classical procedure are addressed. The processes and methods described
apply to the construction of a sculpture of molten metal in rounded shape. Some of the key
steps in the implementation of sculptural work are presented in a systematic way, such as
modeling, casting, the scale modification techniques, melting technology and patination as
surface finishing.
This paper highlights the contribution of studying sculpture artistic production to
Conservation and Restoration: the deep understanding of the used artistic production
methods allows retrieving associate information regarding Conservation and Restoration
interventions within the spirit of the artwork.
Key Words:
Lagoa Henriques; Empress Sissi; Models; Technologies of Sculpture; Artistic Production;
Conservation and Restoration
iii
Agradecimentos
Agradeço à minha orientadora, Professora Doutora Alice Nogueira Alves, e à minha co-
orientadora, Professora Marta Frade, pelo apoio dado ao longo do trabalho e,
sobretudo, pelo incentivo constante e por acreditarem, sempre.
Obrigada a todos os docentes que me ajudaram e acompanharam. Ao Mestre fundidor
Eugénio Fusco, cuja colaboração foi fundamental. Um agradecimento muito especial à
Professora Sandra Tapadas, pela ajuda e entusiasmo contagiante, que constituiu um motor
de trabalho.
Agradeço, igualmente, à Professora Ana Duarte e à Professora Doutora Marta Manso, pela
possibilidade de realização da presente investigação.
A todos os/as entrevistados/as, que prontamente se disponibilizaram para a realização de
entrevistas, partilhando informações valiosas para a concretização desta dissertação: ao
Senhor António Silva, ao Senhor José Cosme, à Professora Doutora Maria João Gamito e
ao Professor Doutor José Teixeira.
À minha família, por nunca me privar de sonhar e me ajudar, das mais variadas formas, a
concretizar os meus objectivos. Obrigada sobretudo, à minha mãe, por me encorajar
sempre a fazer o que gosto e contribuir para que isso seja possível. Ao Paul, aos meus avós,
à Lena (uma irmã de coração), e um obrigado, muito especial, à minha madrinha, por estar
presente em todos os momentos, pela ajuda incessante e por me ensinar a relativizar
obstáculos.
Obrigado ao João, pelo carinho e infinita paciência a cada variação de humor. Obrigada
pelo incentivo para fazer sempre mais e melhor.
Agradeço à Beatriz por uma amizade tão bonita, que foi fundamental ao longo de todo este
percurso. Aos demais amigos: aos que me ajudaram a trabalhar e aos que me afastaram do
trabalho e contribuíram para manter a minha sanidade mental.
iv
Os grandes artistas ensaiam a cor, ensaiam a terceira dimensão, o volume, e o desenho
é a raiz de todas as artes.
(Lagoa Henriques em Rodrigues, 2010, p.326)
v
Índice
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 1
2. MESTRE LAGOA HENRIQUES ......................................................................................................... 4
2.1. BIOGRAFIA .................................................................................................................................... 4
3. TECNOLOGIAS DA ESCULTURA – O MÉTODO CLÁSSICO ................................................................ 7
3.1. O DESENHO E A MODELAÇÃO ........................................................................................................... 9
3.2. AMPLIAÇÃO E REDUÇÃO ................................................................................................................ 13
3.2.1. Quadrante........................................................................................................................... 13
3.2.2. Réguas Graduadas .............................................................................................................. 14
3.2.3. Pantógrafo .......................................................................................................................... 14
3.2.4. Método dos três compassos ............................................................................................... 15
3.3. MOLDAGEM ................................................................................................................................ 17
3.3.1. Molde de forma perdida ..................................................................................................... 18
3.3.2. Molde de forma não perdida .............................................................................................. 18
3.3.2.1. Molde de tasselos ................................................................................................................... 19
3.3.3. Moldes flexíveis .................................................................................................................. 20
3.3.3.1. Molde de gelatina ................................................................................................................... 20
3.3.3.2. Molde de borracha de silicone ................................................................................................ 21
3.4. A TECNOLOGIA DA FUNDIÇÃO.......................................................................................................... 23
3.4.1. Fundição em areia .............................................................................................................. 27
3.4.1.1. Areias verdes ........................................................................................................................... 28
3.4.1.2. Silicato de sódio – Processo CO2 ............................................................................................. 31
3.4.2. Cera Perdida ....................................................................................................................... 32
3.4.2.1. Método italiano ....................................................................................................................... 35
3.4.2.2. Shell Moulding ........................................................................................................................ 35
3.4.3. Possíveis defeitos de fundição, causas e apresentação de soluções................................... 36
3.5. PATINAÇÃO ................................................................................................................................. 38
4. OS ESBOCETOS DA IMPERATRIZ SISSI.......................................................................................... 42
4.1. CARACTERIZAÇÃO MATERIAL ........................................................................................................... 44
4.1.1. Caracterização da liga metálica ......................................................................................... 44
4.1.2. Caracterização da chapa da base ....................................................................................... 45
4.1.3. Caracterização da solda...................................................................................................... 45
4.1.4. Degradação material .......................................................................................................... 46
4.2. TÉCNICAS DE PRODUÇÃO ................................................................................................................ 49
vi
5. A ESCULTURA FINAL DA IMPERATRIZ SISSI ................................................................................. 59
5.1. MODELAÇÃO EM BARRO ................................................................................................................ 59
5.2. MODELAÇÃO EM GESSO ................................................................................................................. 63
5.3. FUNDIÇÃO EM AREIA ..................................................................................................................... 65
5.4. DEGRADAÇÃO DAS PÁTINAS ............................................................................................................ 68
6. CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 75
7. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................. 79
ANEXOS ............................................................................................................................................... 84
ENTREVISTA - JOSÉ TEIXEIRA ................................................................................................................ 85
ENTREVISTA - MARIA JOÃO GAMITO ................................................................................................... 90
ENTREVISTA - JOSÉ COSME .................................................................................................................. 96
ENTREVISTA - ANTÓNIO SILVA ............................................................................................................. 99
VISITA À FUNDIÇÃO COSME ............................................................................................................... 104
CORRESPONDÊNCIA ENTRE LAGOA HENRIQUES E JOÃO CARLOS ABREU ........................................... 110
OUTRAS OBRAS DE LAGOA HENRIQUES ............................................................................................. 111
vii
Índice de figuras
FIG. 1 - ESQUEMA DO PROCESSO ESCULTÓRICO CLÁSSICO PARA ESCULTURA DE METAL FUNDIDO ..................................... 7
FIG. 2- ESTUDO SISSI - VISTA FRONTAL, BRONZE PATINADO, LAGOA HENRIQUES ...................................................... 43
FIG. 3- ESTUDO SISSI - VISTA FRONTAL, BRONZE NATURAL, LAGOA HENRIQUES ........................................................ 43
FIG. 4- ESTUDO SISSI - VISTA INFERIOR, BRONZE PATINADO, CHAPA DE LATÃO SOLDADA NA BASE, LAGOA HENRIQUES ... 43
FIG. 5 - ESTUDO SISSI - VISTA INFERIOR, BRONZE NATURAL , CHAPA DE LATÃO SOLDADA NA BASE, LAGOA HENRIQUES ... 43
FIG. 6 - DESENHO PREPARATÓRIO DE LAGOA HENRIQUES – IMPERATRIZ SISSI. .......................................................... 49
FIG. 7 - DESENHO PREPARATÓRIO DE LAGOA HENRIQUES – IMPERATRIZ SISSI. .......................................................... 51
FIG. 8 - ESQUEMA DAS POSSÍVEIS ETAPAS UTILIZADAS PELO MESTRE LAGOA HENRIQUES NA CONSTRUÇÃO DA ESCULTURA
DA IMPERATRIZ SISSI .............................................................................................................................. 52
FIG. 9- ESTUDO SISSI, PORMENOR DAS MARCAS DOS TEQUES ................................................................................. 53
FIG. 10- ESTUDO SISSI, PORMENOR DE EMPASTAMENTOS DO MATERIAL .................................................................. 53
FIG. 11- ESTUDO SISSI - VISTA LATERAL DIREITA, BRONZE PATINADO ....................................................................... 55
FIG. 12- ESTUDO SISSI - PORMENOR DA MARCA DE LIMPEZA DA REBARBA ................................................................ 55
FIG. 13- ESTUDO SISSI - VISTA LATERAL ESQUERDA, BRONZE NATURAL .................................................................... 55
FIG. 14- ESTUDO SISSI - PORMENOR DA MARCA DE LIMPEZA DA REBARBA ................................................................ 55
FIG. 15- ESTUDO SISSI - VISTA INFERIOR, BRONZE PATINADO, PORMENOR DO RENDILHADO PROVOCADO PELA ESCÓRIA . 56
FIG. 16- ESTUDO SISSI - VISTA INFERIOR, BRONZE NATURAL, PORMENOR DO RENDILHADO PROVOCADO PELA ESCÓRIA ... 56
FIG. 17 - ESBOCETO DE SISSI, BRONZE PATINADO (PROPRIEDADE DO FUNDIDOR JOSÉ COSME) ..................................... 57
FIG. 18 - MODELAÇÃO DA ESCULTURA FINAL EM BARRO - ESTRUTURA E BUSTO ......................................................... 60
FIG. 19 - ESCULTURA DA IMPERATRIZ SISSI EM BARRO. O DESENHO QUE ACOMPANHA O PROCESSO. ............................ 60
FIG. 20 - LAGOA HENRIQUES A TRABALHAR A ESCULTURA FINAL DA IMPERATRIZ SISSI EM BARRO ................................. 61
FIG. 21 – ESCULTURA DA IMPERATRIZ SISSI, NO JARDIM DO CASINO DA MADEIRA (2015) ......................................... 61
FIG. 22 - REGISTOS FOTOGRÁFICOS UTILIZADOS POR LAGOA HENRIQUES PARA A REPRESENTAÇÃO DA IMPERATRIZ SISSI... 62
FIG. 23 - ESCULTURA IMPERATRIZ SISSI; PORMENOR DAS TEXTURAS NO VESTIDO ...................................................... 63
FIG. 24 - ESCULTURA IMPERATRIZ SISSI; PORMENOR DAS TEXTURAS NO VESTIDO ...................................................... 63
FIG. 25 – DETALHE DO INÍCIO DO PROCESSO DE MOLDAÇÃO DE FORMA PERDIDA. ...................................................... 64
FIG. 26 – MODELO EM BARRO, COM COLOCAÇÃO DE LÂMINAS PARA MOLDAÇÃO ...................................................... 65
FIG. 27 – MODELO EM GESSO, EVIDENCIANDO OS PONTOS DE CORTE ...................................................................... 65
FIG. 28 –AÇÃO DO TRANSPORTE PARA A FUNDIÇÃO ............................................................................................. 66
FIG. 29 - ESQUEMA DO PROCESSO DE FUNDIÇÃO DE AREIA ..................................................................................... 66
FIG. 30 - ESCULTURA IMPERATRIZ SISSI; PORMENOR DE MARCAS DA ZONA SOLDADA ................................................. 67
FIG. 31 - IMPERATRIZ SISSI, EM 2000 ................................................................................................................ 68
FIG. 32- IMPERATRIZ SISSI, VISTA LATERAL, BRONZE, LAGOA HENRIQUES, EM 2015 .................................................. 68
FIG. 33 - FASES DO DESENVOLVIMENTO DAS PÁTINAS NATURAIS NAS LIGAS DE COBRE EM AMBIENTES URBANOS ............ 69
FIG. 34 - PORMENOR DA ALTERAÇÃO DA PÁTINA ORIGINAL NA FACE FIGURA ............................................................. 70
FIG. 35 - PORMENOR DA ALTERAÇÃO DA PÁTINA ORIGINAL NA MÃO DA FIGURA ........................................................ 70
FIG. 36 - PORMENOR DA ALTERAÇÃO DA PÁTINA NO ADORNO DO DECOTE DO VESTIDO ............................................... 71
viii
FIG. 37 - PORMENOR DA ALTERAÇÃO DA PÁTINA NA MÃO, LIVRO E FLOR .................................................................. 71
FIG. 38 - PORMENOR DA ALTERAÇÃO DA PÁTINA ORIGINAL NO CABELO DA FIGURA .................................................... 71
FIG. 39 - PORMENOR DA ALTERAÇÃO DA PÁTINA ORIGINAL NO CABELO DA FIGURA .................................................... 71
FIG. 40 - PORMENOR DE ALTERAÇÃO DA PÁTINA E DA TEXTURA .............................................................................. 72
FIG. 41 - PORMENOR DE ALTERAÇÃO DA PÁTINA .................................................................................................. 72
FIG. 42 - PORMENOR DE ALTERAÇÃO DA PÁTINA .................................................................................................. 73
FIG. 43 - PORMENOR DE ALTERAÇÃO DA PÁTINA NAS PREGAS DO VESTIDO ............................................................... 73
FIG. 44 - PORMENOR DE ALTERAÇÃO DA PÁTINA NA PARTE INFERIOR DO DECOTE DA FIGURA ....................................... 73
FIG. 45 - PORMENOR DE SUPERFICIE DANIFICADA ................................................................................................. 74
FIG. 46 - PORMENOR DE CORROSÃO .................................................................................................................. 74
FIG. 47 - PREPARAÇÃO DA AREIA: USO DE PENEIRAS PARA LIMPAR AS AREIAS .......................................................... 104
FIG. 48 - PREPARAÇÃO DA AREIA ..................................................................................................................... 104
FIG. 49 - CAIXA DE MOLDAÇÃO DE AREIA COM PREPARAÇÃO PARA MACHO ............................................................. 105
FIG. 50 - CAIXA DE MOLDAÇÃO DE AREIA .......................................................................................................... 105
FIG. 51 - MACHO PARA INSERIR NA CAIXA DE MOLDAÇÃO .................................................................................... 106
FIG. 52 - MACHO; PORMENOR DO SISTEMA DE FIXAÇÃO ..................................................................................... 106
FIG. 53 - PORMENOR DOS PERNOS PARA ALINHAMENTO DAS CAIXAS DE MOLDAÇÃO E PEGAS PARA TRANSPORTE .......... 107
FIG. 54 – CAIXA DE MOLDAÇÃO ...................................................................................................................... 107
FIG. 55 – CALCAÇÃO DA AREIA NA CAIXA DE MOLDAÇÃO ..................................................................................... 108
FIG. 56 - CAIXA DE MOLDAÇÃO; CALCAÇÃO DA AREIA ......................................................................................... 108
FIG. 57 - MARCAS DA FOGUEIRA PARA A SECAGEM DOS MOLDES .......................................................................... 109
FIG. 58 – PROPOSTA DE LAGOA HENRIQUES PARA A REALIZAÇÃO DA ESCULTURA DE SISSI: DESCRIÇÃO E ORÇAMENTO ... 110
FIG. 59 – TÁGIDE; MESTRE LAGOA HENRIQUES E A ESCULTURA EM BARRO ............................................................. 111
FIG. 60 – TÁGIDE; ESCULTURA EM BRONZE ....................................................................................................... 111
FIG. 61 - ALVES REDOL; MESTRE LAGOA HENRIQUES E A ESCULTURA EM BARRO ..................................................... 112
FIG. 62 - ALVES REDOL; ESCULTURA EM GESSO .................................................................................................. 112
FIG. 63 - ALVES REDOL; ESCULTURA EM BRONZE ................................................................................................ 112
FIG. 64 - ENCONTRO ENTRE O OCIDENTE E O ORIENTE; MESTRE LAGOA HENRIQUES E A ESCULTURA EM BARRO ............ 113
FIG. 65 - ENCONTRO ENTRE O OCIDENTE E O ORIENTE; ESCULTURA EM BRONZE ...................................................... 113
Índice de tabelas
TABELA 1 - CLASSIFICAÇÃO DOS PROCESSOS DE FUNDIÇÃO ...................................................................................... 23
TABELA 2 - COMPOSIÇÃO TÍPICA DOS MODELOS DE CERA ......................................................................................... 34
TABELA 3 - POSSÍVEIS DEFEITOS DE FUNDIÇÃO, CAUSAS E APRESENTAÇÃO DE SOLUÇÕES ................................................ 36
TABELA 4 - MINERAIS ASSOCIADOS À MALAQUITE ................................................................................................. 47
1
1. Introdução
A componente curricular do Mestrado em Ciências da Conservação, Restauro e
Produção de Arte Contemporânea abrange uma formação académica direcionada para a
produção artística através do estudo da materialidade das obras, com recurso a métodos
de exame e análise e investigação das técnicas de produção utilizadas.
Esta dissertação procura ilustrar o contributo no estudo da produção artística escultórica
para a Conservação e Restauro: o entendimento profundo da metodologia de produção
artística utilizada possibilita uma recolha de informação complementar com vista à
necessidade de possíveis intervenções de Conservação e Restauro, respeitando a
essência da obra.
No primeiro ano do Mestrado, no âmbito das disciplinas de Física, lecionada pela
Professora Doutora Marta Manso, e Conservação, Restauro e Produção de Arte
Contemporânea, orientada pela Professora Doutora Alice Nogueira Alves, foi efetuada
uma visita ao Legado do Mestre Lagoa Henriques, do qual a Faculdade de Belas-Artes
da Universidade de Lisboa é herdeira legítima por vontade expressa pelo artista,
falecido em 2009. O seu espólio, deixado ao cuidado da instituição de ensino,
representa uma mais-valia para a Faculdade, devido ao seu valor artístico, histórico e
cultural, tendo esta o dever de assegurar a sua preservação e valorização.
Na sequência dessa visita, constatei que a maioria das suas esculturas em metal se
encontravam patinadas. Partindo do pressuposto que tal patinação era produto de
corrosão, que estaria a contribuir para a degradação das peças, desenvolvi um trabalho
de investigação para verificar de que forma as ligas metálicas utilizadas na fundição
teriam contribuido para que umas peças apresentassem corrosão à superfície e outras
não.
Como caso de estudo foram selecionados dois esbocetos, isto é, estudos preliminares
tridimensionais de uma escultura, posteriormente identificada como sendo da Imperatriz
Sissi, Imperatriz consorte da Áustria e a rainha consorte da Hungria (1837-1898), que se
encontra no Funchal – Ilha da Madeira, que apresentavam diferente patinação. Na
presente tese são apresentadas apenas algumas particularidades desta análise, uma vez
que este trabalho será apresentado em detalhe num artigo a submeter para publicação.
Neste estudo concluiu-se que os esbocetos são constituidos pela mesma liga metálica,
diferindo apenas na patine, o que invalidou o pressuposto inicial, concluindo-se que a
2
patinação era intencional. Este facto direcionou-me para a investigação das práticas da
produção artística, procurando perceber a metodologia utilizada pelo escultor, dando
origem à presente dissertação: A produção artística de Lagoa Henriques: o processo
clássico nos esbocetos de Sissi. Este tema visa reforçar os conhecimentos adquiridos
durante este Mestrado, aliados com a aprendizagem teórica e prática, adquiridas durante
a licenciatura em Escultura.
Com este objetivo são aqui abordadas as tecnologias da Escultura ao nível do
procedimento clássico, aplicando-se os processos e métodos descritos ao processo de
construção de escultura de vulto redondo fundida em metal. Procurou-se apresentar, de
forma sistematizada, algumas das principais etapas na execução do trabalho escultórico,
como sejam a modelação, a moldagem, as técnicas de alteração de escala, a tecnologia
da fundição e a patinação como acabamento superficial.
Nestas etapas destacam-se os estudos preliminares que constituem a realização de
estudos de composição das formas. Esta fase de estudo e maturação da obra faz parte do
processo clássico da escultura e consiste na execução de desenhos e/ou esbocetos em
barro ou outro material facilmente modelável, geralmente em pequena escala.
O recurso a estudos tridimensionais permite ao escultor trabalhar as características
físicas da obra, como sejam a composição, o volume e a escala. As vantagens da
utilização dos materiais definitivos nos estudos preliminares são facilmente percetíveis:
quando executados com os mesmos materiais e, se possuírem exatamente a mesma
relação proporcional pretendida na escultura final, permitem detetar problemas e
corrigi-los antes da transferência para a grande escala, onde se tornariam maiores e mais
difíceis de solucionar.
No entanto, na obra de Lagoa Henriques, os esbocetos, com as mesmas fases
processuais da escultura final, estão muito mais relacionados com a sua metodologia
rigorosa, em que nada é descurado e, portanto, tudo é definido ao mais ínfimo
pormenor. A aplicação de pátinas nos esbocetos advém da importância dos acabamentos
da escultura na obra de Lagoa Henriques: são os elementos mais externos e, como tal,
mais visíveis e mais próximos de nós, os primeiros a ser apreendidos pelo público,
assumindo um papel fundamental na transmissão da intenção do escultor.
No domínio das tecnologias da Escultura recorreu-se a obras de destaque, tais como
Sculpture: Méthode et Vocabulaire de Marie-Thérèse Baudry (Baudry, 2005), a
Descrição Analítica da Estátua Equestre do Machado de Castro (Castro, 1975), e outros
livros relativos às técnicas, tal como Tecnologias da Escultura de Pedro Anjos Teixeira
3
(Teixeira, 2006). Foram igualmente consultadas dissertações realizadas no âmbito das
tecnologias da fundição artística e da aplicação do gesso na escultura contemporânea, de
Ricardo Manso (Manso, 2011) e Mariana Correia Ramos (Ramos, 2011),
respetivamente. Contou-se ainda com a especial colaboração do técnico de fundição
Eugénio Fusco, para clarificar aspetos específicos dos processos de fundição.
Para uma melhor compreensão das práticas artísticas do Mestre Lagoa Henriques foi
consultada a dissertação realizada por Joana Correia (Correia, 2014), relativa aos
moldes de gesso do escultor. Para a completa compreensão do tema, foi também
essencial a colaboração do Escultor e Professor Doutor José Teixeira, ao qual foi
realizada uma entrevista, na qualidade de especialista de metais e na qualidade de artista
plástico, bem como o contributo de António José Costa da Silva, que trabalhou
diretamente com o artista, como seu assistente. Foi também realizado um estudo de
campo à Fundição Cosme, responsável pela fundição da escultura da Imperatriz Sissi,
para melhor entendimento do processo utilizado e, por fim, efetuou-se uma visita ao
Jardim do Casino da Madeira, onde se encontra a escultura final.
De forma a enquadrar o Mestre Lagoa Henriques, e a sua obra, no contexto cultural e
artístico do panorama nacional, recorreu-se às entrevistas realizadas com o escultor,
publicadas na dissertação de Bruno Araújo Gomes, à informação disponibilizada no site
oficial do artista1, ao Dicionário da Escultura Portuguesa de José Fernandes Pereira
(Pereira, 2005) e ao contributo indispensável da Professora Doutora Maria João Gamito,
primeiro aluna e mais tarde colega do escultor.
1 Disponível em: http://www.lagoahenriques.arte.com.pt/01.htm [Acedido a 27 de Maio de 2014].
4
2. Mestre Lagoa Henriques
2.1. Biografia
António Augusto Lagoa Henriques (1923 – 2009), referenciado na comunidade
académica artística por Mestre Lagoa Henriques, foi professor e escultor, sendo-lhe
atribuída uma enorme importância na projeção das Artes Plásticas em Portugal.
Lagoa Henriques nasceu em Lisboa e desde sempre teve contacto privilegiado com o
mundo das artes. O seu pai, embora comerciante de profissão, era ator amador e a sua
mãe, além de professora de línguas, ensinava Desenho. Quando tinha três anos mudou-
se, com os pais, para a casa do avô, também em Lisboa. O despertar do ―Lagoa
Henriques Artista‖ surgiu da sua relação com o avô, que lhe lia a poesia de Cesário
Verde e de Fernando Pessoa, o levou em passeios pela cidade e à sua primeira visita ao
espaço museológico (Gomes, 2012: 17).
(...) Levou-me ao Terreiro do Paço! (...) E quando eu vejo aquela
praça enorme, iluminada e vejo aquele monumento do D. José a
cavalo com aqueles grupos laterais, eu fiquei espantado! E o meu
avô, que era alfaiate, teve a inteligência de pegar em mim, e sem me
dizer nada (isso recordo-me!) deu a volta ao monumento! Foi ali a
minha descoberta, digamos, da Escultura! (...) (Gomes, 2012: 157).
O primeiro contacto formal de Lagoa Henriques com a formação artística deu-se por
volta dos seus 16 anos, quando se inscreveu, por iniciativa própria, em aulas de desenho
na Sociedade Nacional de Belas-Artes. No entanto, muito por sugestão familiar, quase
seguiu advocacia. O Mestre Agostinho da Silva (1906-1994), na altura seu professor
particular de Filosofia e História, na tentativa de o preparar para os exames de admissão,
teve um papel decisivo no desfecho desta história com a ingressão de Lagoa Henriques
no Curso de Escultura. O dom de Lagoa Henriques não lhe passou despercebido durante
estas aulas e, após visualizar alguns desenhos de Lagoa, disse-lhe:
Sabe uma coisa Lagoa Henriques? Eu devo dizer-lhe que tenho a
impressão que o meu amigo está enganado na vocação. E ainda lhe
digo mais... o meu amigo é um escultor! (Gomes, 2012: 181).
5
No seguimento desta conversa, Lagoa inscreveu-se no Curso Especial de Escultura da
Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (ESBAL) na década de 1940. Em Julho de
1948, pediu a transferência para a Escola de Belas-Artes do Porto, onde concluiu o
Curso Superior de Escultura em 1954, com a classificação máxima de 20 valores e ali
ficou a dar aulas como assistente de Escultura. Foi durante a sua estadia no Porto que
conheceu o escultor Barata Feyo, um dos seus professores, de quem teve grandes
influências na sua prática artística (Correia, 2013: 15).
Entre 1960 e 1963 foi para Itália, como bolseiro, trabalhar como discípulo do Mestre
Marino Marini. Esta experiência foi marcante na obra de Lagoa Henriques, que se
manteve fiel à ―depuração formal que Marino Marini introduzira na tradição figurativa‖
(Pereira, 2005: 335). Para aprofundar a sua cultura artística, viajou para locais como o
Egipto, Grécia, Inglaterra, França, entre outros, procurando contactar com obras
artísticas de todos os tempos (Pereira, 2005: 335).
Quando regressou a Portugal, tornou a lecionar na Faculdade Belas-Artes do Porto, a
convite do professor arquiteto Carlos Ramos, como professor de Desenho. Mais tarde,
em 1966, pediu transferência para a Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde se destacou
no ensino do Desenho e pela criação, em 1974, aquando da restruturação dos seus
cursos, da disciplina de Comunicação Visual. Continuou a lecionar até 1988, ano da sua
reforma da actividade docente, para se dedicar inteiramente à Escultura (Pereira, 2005:
335).
Simultaneamente, entre 1982 e 1983 exerceu funções no Instituto Português do
Património Cultural como coordenador de um projeto de divulgação do património e,
nos anos 90, coordenou a disciplina de Desenho na Escola Superior de Conservação e
Restauro de Lisboa (Correia, 2013). Em 2000 é contratado, como Professor Catedrático
Convidado, para exercer funções docentes na Faculdade de Belas-Artes da Universidade
de Lisboa (Mestre Lagoa Henriques-Site oficial2).
O Mestre foi galardoado em diversas ocasiões pela sua obra escultórica: em 1954
recebeu a medalha de Escultura na Sociedade Nacional de Belas-Artes e o prémio
Soares dos Reis, em 1958 o Prémio Teixeira Lopes e a medalha de honra na Exposição
Internacional de Bruxelas, em 1961 o prémio Diogo de Macedo e, em 1963, o prémio
de Escultura na II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian
(Pereira, 2005: 335).
2 Disponível em: http://www.lagoahenriques.arte.com.pt/01.htm [Acedido a 27 de Maio de 2014].
6
Lagoa Henriques faleceu em Lisboa, a 21 de Fevereiro de 2009, deixando-nos um vasto
e valioso legado. Além da sua obra escultórica, onde destacamos a escultura pública
dispersa por Portugal Continental, Madeira, Brasil e Macau, o escultor marcou o
panorama da arte e do artista português do século XX. A sua fonte de inspiração na
literatura, especialmente na poesia, e seu espírito de colecionador, personificam a
conceção do artista enquanto personalidade ―que professa e exercita alguma arte para a
qual concorre mais o génio e o talento do que as mãos‖ (Rodrigues, 1875: 6).
O Mestre Lagoa Henriques foi um escultor contemporâneo, figurativo, que veio
introduzir nas suas obras uma enorme simplificação formal e contribuir para a alteração
da relação da arte com o público, colocando as esculturas mais próximas deste.
7
3. Tecnologias da Escultura – o método clássico
A escultura da Imperatriz Sissi, obra final dos esbocetos estudados, foi construída
segundo o método clássico. No presente capítulo procede-se à descrição deste método,
relevante para a Conservação e Restauro por permitir identificar a metodologia de
conceção da obra, bem como as características e possíveis defeitos e causas associadas
às tecnologias utilizadas na produção da Escultura.
Para melhor compreensão deste processo, com procedimentos alternativos em várias
fases, e da sequência das etapas de produção, apresenta-se o esquema seguinte, relativo
à formação académica tradicional para escultura de metal fundido.
De acordo com esta metodologia, usando como apoio a Descrição Analítica da Estátua
Equestre do Machado de Castro, que descreve exaustivamente o processo clássico
utilizado, no século XVIII o trabalho tinha início com a definição da composição
através do desenho e de estudos tridimensionais, os chamados esbocetos, em barro ou
outra matéria igualmente moldável (como a cera, por exemplo). Posteriormente, era
executada uma nova modelação, desta vez com a apresentação de todos os detalhes da
escultura final, constituindo uma espécie de maquete, com o nome de modelo (Castro,
1975: 37).
Fig. 1 - Esquema do processo escultórico clássico para escultura de metal fundido
8
O seguimento deste processo dividiu-se em dois caminhos possíveis: a passagem a
gesso ou a ampliação modelada em barro.
De acordo com a obra de Machado de Castro, o modelo podia ser passado a gesso
(Castro, 1975: 111), pela técnica da moldagem, sendo utilizado para auxiliar à execução
da escultura com a escala final, modelada a gesso, com recurso a métodos de
ampliação3. Posteriormente eram retirados moldes em cera e seguia-se com o processo
de fundição por cera perdida (Castro, 1975: 233).
Outra opção consiste na realização da ampliação modelada em barro, com recurso ou
não a métodos de ampliação, e posterior moldagem com vista à passagem a gesso ou
cera, conforme o método de fundição pretendido.
Era comum que o trabalho da ampliação fosse efetuado com o apoio de assistentes,
responsáveis pela construção da ―forma em bruto‖, cabendo ao artista executar a
camada final e adicionar os detalhes desejados. Também o trabalho de moldagem e da
fundição era efetuado por técnicos, os formadores ou modeladores4. A pátina era
geralmente preparada por técnicos especializados.
Este processo de produção escultórica clássico continua a ser utilizado atualmente.
3 No caso da estátua equestre foi utilizado o método das réguas graduadas (Castro, 1975: 141, 144).
bem como o auxílio de compassos (Castro, 1975: 125). 4 Segundo o Diccionario Technico e Historico de Pintura, Esculptura, Architectura e Gravura de
Francisco de Assis Rodrigues um moldador é um artifice que tira ou faz formas, ou moldes, para
n´ellas se fundirem figuras, ornatos e outras obras e um formador é o artifice que professa e exercita o
mister de tirar e vasar formas, feitas sobre os modelos que os artistas lhe entregam para esse fim.
9
3.1. O Desenho e a Modelação
A primeira fase no processo clássico de criação escultórica, a fase de conceção da obra,
inicia-se nos estudos preliminares, dividida em desenhos e estudos tridimensionais
(modelos preparatórios) (Sauras, 2003: 94).
A contribuição do desenho para esta fase reside na possibilidade de estudar a
composição e a forma. Podem, também no desenho, ser estudados pormenores de
anatomia, detalhes dos panejamentos e estudos de movimento (Baudry, 2005: 17).
Em 1875, Francisco de Assis Rodrigues (1801-1877) publicou o Diccionario Technico
e Historico de Pintura, Esculptura, Architectura e Gravura onde apresentou uma série
de termos técnicos comuns ao meio artístico, nomeadamente sobre materiais e
técnicas. Definiu o desenho como:
a arte de representar por meio do lapis, da penna ou do pincel, sem
cores, todos os objectos naturaes ou artificiaes que se nos offerecem
á vista ou á phantasia: arte primitiva, que precedeu á pintura, á
esculptura, á architectura e á gravura, que é o fundamento e a base
d´ellas, e que por isso se denomimam artes do desenho. Sendo pois
o desenho a base e fundamento das bellas artes, o seu estudo é
essencialmente necessário ao pintor, ao esculptor, ao architecto e
ao gravador, e deve preceder a todos os outros estudos especiaes
dos diferentes ramos da arte. Na idéa de desenho deve entrar não
sóomente a parte material, que consiste na justeza das medidas e
regularidade das fórmas, mas tambem tudo o que tem relação com a
attitude, o movimento, a expressão, o equilibrio e ponderação dos
corpos, a proporção e a anatomia dos membros (Rodrigues, 1875:
138, 139).
A definição do termo continua com uma série de indicações de materiais e técnicas de
desenho. Mais tarde, em 1937, Machado de Castro publicou o Dicionário de Escultura,
onde o desenho aparece indicado como o primeiro exercício da Escultura: ―Para tratar
de tal objecto, deve-se contemplar esta Arte (quase nova em Portugal) em tres estados:
primeiro= Exercícios de desenhar: Segundo= Ditos de Modelar: Terceiro= Ditos de
Esculpir(...)‖ (Castro, 1937: 13).
10
A arte da modelação é considerada a base da tradição escultórica. A introdução do
realismo e naturalismo na Escultura, com o Renascimento, veio contribuir para alterar o
modo como a argila era usada na produção artística, o que teve repercussões ao nível do
desenvolvimento do processo artístico escultórico. Estes materiais, que eram até então o
material utilizado no produto final, passam a ser meios transitórios, utilizados na
execução de estudos preliminares do artista: esbocetos modelados (Sauras, 2003).
Esta é uma técnica na qual não existem regras específicas para o modo de
trabalhar/modelar o material, cabendo ao artista, pela prática, adquirir uma técnica
individual, na qual são utilizados materiais macios e flexíveis, facilmente modeláveis,
tais como como a argila e a cera5. Também pode ser utilizado gesso, mas não é um
material muito recorrente devido à sua rápida secagem, não permitindo muitas
alterações da forma (Baudry, 2005: 96).
A denominação barro ou argila, designa o conjunto de matérias terrosas que, quando
misturadas com água, formam uma pasta extremamente maleável. São essencialmente
formadas por um silicato de alumina hidratado, ao qual se juntam, em proporções
variáveis, o óxido de ferro, o manganês, a cal, a areia e o calcário. Estes materiais,
responsáveis pela cor das argilas (amarela, vermelha ou verde), tornam-na mais fusível
e diminuem a sua plasticidade. (Pinheiro, s/d: 3).
Segundo Pinheiro, quando o barro é extraído da terra, vem misturado com outras
impurezas e sujidades. Para eliminar estes dejetos o barro é misturado com uma grande
quantidade de água, até ficar liquefeito. Neste estado, as impurezas são depositadas no
fundo, pois são mais pesadas, e as substâncias vegetais, que flutuam, vêm à superfície.
Após a remoção das sujidades, deixa-se o barro secar e amassa-se até ele apresentar
uma textura boa para ser trabalhado6 (Pinheiro, s/d: 3).
Outro material utilizado na modelação é a cera: um produto de origem animal, maleável
através do aumento de temperatura/aplicação de calor, que ao arrefecer adquire dureza.
Para trabalhar este material, isto é, torná-lo mais maleável, recorre-se à adição de
substâncias como terebentina, aguarrás ou azeite. A pasta é feita em banho-maria: a cera
é derretida primeiro e depois adicionam-se os outros elementos. Esta mistura deve ser
cuidadosamente misturada e posteriormente amassada (Pinheiro, s/d: 15).
5 O recurso a este material é utilizado sobretudo para a realização de peças com vista à sua fundição
através do método da cera perdida.
6 Depois de devidamente preparado pode-se guardar o barro, envolvendo-o com folha de zinco, ou num
saco de plástico. Neste estado ele conserva um certo grau de humidade, sendo apenas necessário
borrifá-lo com água pontualmente (Pinheiro, s/d: 4).
11
Embora com menor frequência, também é possível recorrer ao gesso como material de
modelação. Este resulta da desidratação parcial do mineral gesso, tal como se encontra
no seu estado natural. Trata-se de um material que consiste num pó branco que, pela
adição de água, resulta numa pasta mais ou menos líquida, que endurece quando
exposta à temperatura ambiente. Torna-se assim num material adaptável a diversos tipos
de uso: pode ser trabalhado na modelação enquanto pasta (antes de secar) e, quando
endurecido, pode ser esculpido (Sauras, 2003: 138).
As grandes vantagens destes materiais residem na sua plasticidade. O barro é
extremamente maleável mas depois de seco, conserva a forma7 assim como o gesso. Do
ponto de vista da conservação, as obras executadas em cera são bastante estáveis,
devendo evitar-se a proximidade com fontes de calor. Outra vantagem reside na
possibilidade de reutilização dos materiais, já que tanto a cera, como o barro, depois de
tratados, podem ser utilizados novamente (à exceção do barro cozido8).
Outra vantagem reside na natureza da técnica da modelação, que é a adição: tal como o
próprio nome indica, cria-se pela associação e aglomeração de material. Este fator
facilita a execução de qualquer correção considerada necessária pelo artista.
As ferramentas utilizadas denominam-se teques e existem em diversos formatos e
materiais: os teques de arame são utilizados para extrair pedaços de barro, e os de
plástico e madeira, com diferentes formatos nas extremidades, podem ser utilizados para
alisar, unir, retocar e texturar. Estas são também utilizadas para trabalhar a cera,
podendo também recorrer-se a ferramentas metálicas que, ao serem aquecidas, atuam
sobre a cera atribuindo-lhe uma certa maleabilidade, sem a tornar viscosa.
São ainda utilizadas, muitas vezes, as mãos e os dedos, principalmente o polegar e
indicador, como se de ferramentas se tratassem. A modelação favorece a gestualidade e
realça a espontaneidade criativa do escultor.
Existem diversos tipos de mesas adequadas ao trabalho de modelação. A escolha do tipo
de mesa varia consoante o tamanho e formato da escultura. Para trabalhos
tridimensionais, usam-se, geralmente, cavaletes com um sistema giratório, permitindo
que o tampo rode 360º, o que facilita ao escultor o trabalho sobre todos os ângulos da
obra.
7 Depois de cozido.
8 Quando aquecido ao rubro perde toda a humidade, sofrendo uma contração e transformando-se numa
massa extremamente dura, inatacável pelos ácidos e pelos sais, na qual a água já não tem qualquer
ação (Pinheiro, s/d: 14).
12
Geralmente, a modelação de figuras de vulto redondo requer o recurso a uma armação.
Este suporte funciona como um esqueleto, rígido e resistente, no interior da escultura
modelada. Podem ser utilizados ferros cruzados, aos quais se juntam pequenas cruzetas
ou ―esqueletos‖ (Pinheiro, s/d: 10, 11).
Os ferros cruzados consistem numa estrutura vertical com uma horizontal às quais
podem ser ligadas, por meio de arames finos, cruzetas. A função das cruzetas é manter
um núcleo central coeso, onde se agarra a camada a modelar. São construídas com
bocados de madeira (sendo aconselhável a sua impermeabilização prévia), que se
cortam de acordo com as dimensões do trabalho a executar. A sua colocação pode ser
simples ou em cruz (Teixeira, 2006: 30).
A utilização deste apoio deve suportar o peso da matéria, garantindo a coesão do
material e, embora nem toda a escultura precise de uma armação, é importante para as
extremidades como braços, mãos, pernas e pés, que se afastam do corpo, e são pontos
fáceis de quebrar.
Não existem regras na construção das armaduras, uma vez que estas devem adaptar-se à
especificidade da forma a modelar, contudo há algumas considerações a ter em conta:
Recomenda-se a construção da armação em ferro galvanizado ou outro tipo de
metal igualmente resiliente e com elevada resistência à corrosão. Deve evitar-se
a madeira, pois é um material higroscópico, que facilmente sofre contrações e
dilatações, podendo abrir fissuras na obra modelada.
Ao escolher o arame deve ser ponderado o tamanho e volume da obra que se vai
modelar, devendo existir uma relação proporcional entre a resistência da
armadura e a dimensão da obra. O barro húmido torna-se um material pesado,
sendo comum a utilização de arames retorcidos, para evitar o seu
―deslizamento‖.
Para aligeirar o peso há escultores que, a par com a armadura, recorrem ao uso
de arame de malha de galinheiro, preenchendo ainda mais espaço no interior da
obra modelada.
É aconselhável o assentamento das armações sobre um suporte plano rígido, de
maior tamanho que o espaço a ocupar pela escultura. Como o barro vai assentar
sobre este suporte, a escolha do seu material é importante. Caso se trate de um
material absorvente irá contribuir para o ressequimento do barro. Este problema
pode ser solucionado com a aplicação de uma chapa de zinco sobre a placa de
madeira, ou, simplesmente, através da aplicação de um saco plástico.
13
3.2. Ampliação e Redução
Na Escultura desde a antiguidade procurou-se criar métodos e técnicas que permitissem
uma representação fiel aos modelos. Os métodos de ponteado ou ponteação, constituem
todas as técnicas que, mediante um sistema mecânico e com recurso a instrumentos de
medida, permitem a transladação de pontos do modelo para um outro material (Baudry,
2005: 150).
A sua utilização em Portugal foi um processo moroso, por se tratarem de técnicas mais
usadas em obras de grande porte, incomuns neste país. Assim, o recurso a estes
processos relacionou-se com a grande quantidade de trabalho submetido aos artistas,
facilitado pela possibilidade de executar ampliações a várias escalas (Teixeira, 2006: 91,
92).
Os processos de ampliação constituem o conjunto de métodos de transição entre os
modelos geralmente construídos em materiais maleáveis, como o barro, e a escultura em
material definitivo.
O processo de produção escultórica geralmente não se restringe ao trabalho do artista,
mas envolve a participação de outros técnicos9, sendo o trabalho de ampliação
geralmente efetuado com a ajuda de assistentes. Compete ao escultor executar a
camada final e adicionar os detalhes desejados (Castro, 1975: 124).
3.2.1. Quadrante
O método consiste na colocação de uma espécie de estruturas paralelepipédicas, com
molduras quadradas graduadas sobre o modelo original e em conceber outras, à escala
desejada, sobre o bloco alvo, onde se pretende proceder à reprodução do modelo.
Nestas molduras, divididas em partes iguais, são pendurados fios amovíveis que caem
verticalmente sobre o modelo. A interseção de um destes fios com uma régua graduada,
colocada perpendicularmente, fornece os pontos a marcar no bloco alvo. Este método
apenas permite retirar os pontos mais salientes da forma (Baudry, 2005: 176).
A evolução deste sistema deu origem ao método de Réguas Graduadas.
9 Canteiros e formadores.
14
3.2.2. Réguas Graduadas
Este método consiste em criar duas estruturas paralelepipédicas idênticas, graduadas,
uma para o modelo e outra para a matéria a ampliar.
Estes suportes são constituídos por quatro réguas graduadas verticais, desde a base até
ao topo da escultura, e por réguas graduadas colocadas na horizontal. O primeiro passo
consiste em definir uma unidade de medida. Caso se pretenda uma reprodução à mesma
escala a estrutura será exatamente igual para o modelo e o bloco alvo. Se o objetivo for
uma ampliação ou redução, a unidade de medida tem de estar marcada em proporção na
estrutura do bloco alvo (Baudry, 2005: 171).
Para a ponteação fixam-se outras quatro réguas graduadas horizontais, que deslizam
sobre o eixo das verticais. Por sua vez, desliza sobre estas réguas horizontais, um outro
engenho, também graduado, denominado ponteiro, extensível, marca todos os pontos no
modelo (Teixeira, 2006: 92). Para passar estes pontos para o bloco alvo pode recorrer-se
a duas soluções: ou o engenho é movível e vai sendo trocado de uma estrutura para a
outra, ou é construído um ponteiro à escala desejada para a estrutura do bloco alvo. Esta
solução é mais prática e garante uma maior precisão, pois evita a possibilidade de
oscilações do mecanismo.
3.2.3. Pantógrafo
O primeiro pantógrafo, aplicado ao desenho, foi criado no final do século XVI, tendo
sido adaptado para a Escultura em 1837 por Achilles Colas (1785-1859), permitiu a
ampliação e a redução. No entanto, caso se pretenda uma ampliação que exceda seis
vezes o tamanho do modelo, é necessário fazer ampliações intermédias e, caso os
modelos apresentem prisões (reentrâncias e concavidades), devem ser feitas divisões,
fragmentando o modelo e ampliando cada secção separadamente (Baudry, 2005: 81).
Este sistema é composto por braços articulados que se movem simultaneamente, um
com uma ponta guia e outro com uma ponta, constituindo um instrumento de corte10
:
cada movimento da ponta-guia no modelo é seguido de um semelhante na matéria do
bloco alvo.
A técnica consiste em desbastar sucessivamente o material até se chegar à forma
pretendida. A primeira fase de trabalho consiste num trabalho de esboço, revelador da
10
O tipo de instrumento cortante, varia consoante a matéria que se esteja a trabalhar. No caso do gesso
são os buris, no caso da madeira e da pedra são fresas e, no caso do barro, são teques.
15
forma, e é seguida de um trabalho de precisão. Estes volumes gerais obtêm-se efetuando
fendas/cortes no bloco de gesso macio com um buril. É ao executar cortes na direção
contrária aos primeiros que se remove a matéria do bloco, desenhando progressivamente
as formas. Para evitar a penetração do buril em demasia, o ponto-guia, apoiado em
ângulo reto contra a superfície do modelo, é coberto por um pano com a espessura
pretendida para este trabalho. Quando se termina este processo é retirado o pano, para
que o buril possa então fazer trabalho mais pormenorizado. Para esta fase de
acabamento são utilizados diversos tipos de buris (Baudry, 2005: 81).
3.2.4. Método dos três compassos
O método dos três compassos é um dos processos de ponteação mais antigos. Consiste
na transladação de pontos e permite a realização de cópias à mesma escala, sendo mais
utilizado para a ampliação e redução. Caso o escultor pretenda produzir um objeto
simétrico, este método permite também a transferência de pontos de modo simétrico.
O processo inicia-se com a obtenção de pontos de referência fixos, chamados pontos
mãe: estes pontos, marcados no modelo, são também localizados no bloco alvo, em
posições precisamente correspondentes (Sauras, 2003: 110, 111).
A marcação destes pontos deve ser feita, preferencialmente, de modo a criar um
triângulo no espaço, podendo ser marcados diretamente sobre o modelo (geralmente um
ponto é localizado sempre no topo da escultura e os outros dois, ao mesmo nível, nas
duas zonas mais salientes11
) (Teixeira, 2006: 99). Contudo, o processo mais fácil
consiste em desenhar na superfície plana onde se vai assentar o modelo, dois triângulos
equiláteros em posições contrárias (criando uma estrela de 6 pontas). Faz-se o mesmo
procedimento para o bloco alvo, à escala desejada e, nas extremidades dos triângulos,
são colocados parafusos: cada um desses pontos é um ponto-mãe.
A transladação de pontos do modelo para o bloco de barro executa-se da seguinte
forma: colocam-se as pontas de cada um dos três compassos em três pontos-mãe e as
outras pontas a coincidirem no ponto do modelo a transferir. Repete-se o procedimento,
colocando os compassos nos pontos-mãe do bloco alvo: onde os três riscos se cruzarem
no bloco alvo, encontra-se o ponto exato (Sauras, 2003: 112, 113).
Para executar este método são necessários três compassos, de preferência com pontas
curvas (para alcançarem todo o modelo com facilidade), com um parafuso de orelhas,
11
Num busto estes pontos corresponderiam, geralmente, ao topo da cabeça e às orelhas.
16
garantindo que a medição tirada não se vai alterar durante o procedimento. Caso se
pretenda uma reprodução à mesma escala, os compassos usados podem ser os mesmos
durante todo o processo. Caso se pretenda uma ampliação ou redução, a medição dos
pontos retirados do modelo com compasso é posteriormente duplicada ou triplicada com
o auxílio de uma escala de proporções.
O método mais fácil é recorrer a compassos de proporção, construídos com um
parafuso movível, que é deslocado consoante a escala pretendida. Este compasso é
constituído por duas varas de madeira, fazendo uma espécie de ―X‖: numa das
extremidades do compasso temos a medida do modelo original e, na outra, a medida
ampliada do modelo, por exemplo.
Este método torna o processo mais rápido, uma vez que a percentagem de
ampliação/redução se encontra definida no tipo de compassos utilizados: caso se queira
uma redução para metade a medida que vai desde o furo principal até às pontas dos
arames do lado direito tem de ser sempre o dobro da medida entre o furo principal e as
pontas dos arames do lado esquerdo. Para alterar a percentagem basta mudar a
localização do furo principal: numa redução de 25% seria o quadruplo da distância entre
as pontas do arame e o furo principal.
17
3.3. Moldagem
A moldagem é uma técnica ancestral, utilizada desde o período neolítico, com moldes
de pedra para a fundição de lanças e flechas; pelos Egípcios com moldes de cera e gesso
para a produção de máscaras; e pelos Gregos e Romanos na fabricação de armas de
bronze, bem como meio de registo das características físicas de falecidos (Sauras, 2003:
151).
Esta é uma técnica com uma grande importância histórica, ao nível da divulgação
cultural e artística. No século XVI, quando não existia nenhum meio de comunicação
visual, a moldagem contribuiu largamente para a divulgação de cânones e modelos no
mundo ocidental. A circulação de réplicas e reproduções em gesso das grandes obras da
antiguidade greco-romana e egípcia contribuiu para a difusão do estudo e conhecimento
cultural (Sauras, 2003: 89).
O trabalho de moldagem compete ao formador12
e tem por objetivo a execução de
moldes para a reprodução de objetos tridimensionais. Chama-se modelo à peça primária
- o original - criada pelo artista, com matéria moldável. Denomina-se moldagem ao
processo técnico através do qual, usando moldes, se produz um ou mais exemplares
desse modelo.
Este processo tem por base duas operações: a passagem a negativo da peça original, ou
seja, a produção do molde, e a passagem a positivo do molde ou, por outras palavras, a
reprodução do objeto escultórico original.
Existem moldes perdidos e moldes permanentes, sendo os primeiros destruídos na
obtenção da reprodução (momento de desmoldar). A diferença entre eles é a dureza e
resistência do material constituinte e a técnica de moldagem empregue.
Tradicionalmente o material utilizado no processo de moldagem é o gesso, contudo
existem atualmente outras soluções, como a silicone (Sauras, 2003: 151).
12
Segundo o Diccionario Technico e Historico de Pintura, Esculptura, Architectura e Gravura, de
Francisco Rodrigues de Assis, formador é ―o artifice que professa e exercita o mister de tirar e vasar
fôrmas, feitas sobre os modelos que os artistas lhe entregam para esse fim‖.
18
3.3.1. Molde de forma perdida
O nome dado a esta técnica prende-se com o facto do molde apenas poder ser utilizado
uma vez, pois é destruído durante o processo.
O primeiro passo consiste na colocação de lâminas (geralmente folhas finas de latão
cortadas em formato retangular), ou lastras de barro, que dividem a peça em duas partes.
Depois de definidas as áreas de separação, aplica-se uma primeira camada de gesso
(pouco espesso), com menos de 1cm de espessura, procurando preencher toda a
superfície do modelo. Esta primeira camada de gesso deve ser misturada com um
pigmento de cor. Depois do gesso secar, cobre-se com uma camada muito fina de barro
líquido (barro misturado com água). Este passo, assim como a anterior colocação de
pigmento no gesso, funcionam como alertas, aquando do desmolde, indicando que o
modelo original se encontra perto e minimizando o risco de ferir a sua superfície com as
ferramentas (Fuller, s/d: 11).
Por fim, coloca-se uma camada de gesso, desta vez mais espesso (e sem coloração).
Caso se trate de um modelo de dimensões consideráveis podem ser colocadas barras de
ferro, malha de fibra de vidro ou sisal nestas últimas camadas, para dar mais suporte ao
molde.
Após deixar secar, abre-se o molde e retira-se o barro do interior, bem como as lâminas
usadas para a separação. Lava-se o molde com água corrente e unta-se uniformemente
com desmoldante (geralmente sabão), com especial atenção às zonas de junção entre os
dois moldes. Juntam-se as duas metades do molde (de forma segura) procedendo-se ao
enchimento da forma com o gesso líquido pela parte de baixo do molde. Caso se
pretenda uma figura maciça basta encher o molde na totalidade. Se o objetivo for uma
figura mais leve, o método já requer alguma prática, sendo necessário ir vertendo gesso
em vezes sucessivas e movimentar o molde para ele chegar a toda a superfície,
procurando obter uma espessura regular.
Por fim, pode-se ―descascar‖ o molde até chegar à forma, com ajuda de um formão e de
um maço ou um martelo (Fuller, s/d: 11).
3.3.2. Molde de forma não perdida
A grande vantagem desta técnica, face aos moldes de forma perdida, é a possibilidade
dos moldes poderem ser utilizados diversas vezes.
19
3.3.2.1. Molde de tasselos
Esta é atualmente uma técnica pouco utilizada, dada a complexidade da sua execução e
a facilidade que materiais como a silicone vieram introduzir. Foi desenvolvida para a
reprodução de peças com formas complexas e reentrâncias de difícil acesso.
O método consiste em construir diversos pedaços de gesso, de diferentes tamanhos e
formatos que, quando unidos, formam o conjunto negativo do modelo. A estes
fragmentos chama-se tasselos. Num outro tipo de molde as concavidades, curvas e
contracurvas de uma peça resultariam em prisões, não permitindo a extração do modelo.
Um molde feito em partes evitará este problema. O número de tasselos necessários
depende da complexidade volumétrica do objeto (Fuller, s/d: 27).
Para um objeto de vulto redondo é necessário dividi-lo em, pelo menos, duas partes.
Coloca-se o modelo na posição horizontal e aplica-se uma lastra de barro para dividir a
parte da frente da parte de trás. Posteriormente identificam-se no modelo os locais que
constituem prisões, ou seja, a possibilidade de o modelo ficar preso ao molde pelas suas
reentrâncias. Depois de identificados estes pontos começa-se por definir os contornos
do primeiro tasselo, utilizando lastras de barro ou laminas, e enche-se com gesso líquido
até à altura das barreiras colocadas. Enquanto o gesso não está completamente seco é
necessário fazer com um teque de arame, ou outra ferramenta considerada adequada ao
efeito, meias esferas-fêmeas, na parte superior do tasselo e nas laterais (este passo vai
garantir o encaixe entre os vários tasselos e o encaixe entre os tasselos e a madre, sobre
a qual nos debruçaremos em seguida). Quando completamente endurecido retiram-se as
divisões do tasselo e arredondam-se as suas arestas (este passo vai facilitar o
desencaixe).
Este processo repete-se, cobrindo toda parte da frente do modelo com tasselos, tendo
sempre o cuidado de colocar desmoldante aquando da junção lateral de tasselos. No
final, para garantir a coesão de todos os tasselos no seu respetivo lugar, é feita uma
madre: uma camada de gesso que se coloca sobre os tasselos, constituindo, no fundo,
um único tasselo. É necessária a aplicação de desmoldante entre os tasselos e a madre.
Terminadas estas tarefas tem-se o objeto formado até metade. Este volta-se ao contrário
e executa-se o mesmo processo na outra metade.
Depois do gesso devidamente seco podem separar-se as várias partes do molde:
primeiro tira-se uma das madres e os respetivos tasselos, lavam-se os tasselos e aplica-
se desmoldante tanto nos tasselos como na madre, volta-se a encaixar os tasselos no
20
interior da madre e repete-se o mesmo processo na outra metade. Por fim, fecha-se o
molde e, depois de o colocar na vertical, vaza-se o gesso líquido para o seu interior. O
enchimento poderá ser completo, resultando numa forma maciça ou oca, utilizando-se o
mesmo método descrito anteriormente para o molde de forma perdida.
A peça reproduzida irá apresentar costuras, correspondendo às zonas de junção entre os
vários tasselos, que terão de ser posteriormente removidas (com recurso a uma lixa de
água, por exemplo).
3.3.3. Moldes flexíveis
A técnica de molde por tasselos é extremamente complexa e morosa. Uma das grandes
vantagens das matérias flexíveis consiste nas suas propriedades elásticas, que as tornam
materiais fáceis de separar, evitando o problema das prisões.
A introdução da gelatina, no século XIX, veio reduzir o número de tasselos, permitindo
a captação de maior detalhe, no entanto, tem a grande desvantagem da rápida
deterioração do molde (Ramos, 2011: 32). Já o molde de silicone, além de permitir a
captação minuciosa dos modelos, é uma técnica que possibilita a sua reprodução
perpétua.
3.3.3.1. Molde de gelatina
Para iniciar este processo é essencial que os modelos sejam impermeáveis à água,
bastando, no caso de um modelo de barro, untá-lo com azeite (Fuller, s/d: 33).
O primeiro passo consiste em fazer uma madre, uma espécie de caixa para onde será
vazada a gelatina sobre o objeto original a reproduzir, previamente coberto com
desmoldante. É colocada uma camada o mais homogénea possível, com cerca de 1cm
de espessura de barro e, na parte superior, é moldada uma espécie de orifício/gito.
Cobre-se de gesso, formando duas secções, tendo o cuidado de deixar o orifício aberto.
Após o gesso estar devidamente endurecido, separam-se as duas secções de gesso,
retira-se o barro, se necessário limpa-se o modelo original, voltando este a ser colocado
dentro da ―caixa‖ de gesso, exatamente na mesma posição onde estava inicialmente.
21
Em seguida, verte-se a gelatina quente, previamente preparada13
, pelo orifício e deixa-se
endurecer. A gelatina vai assim preencher o espaço outrora ocupado pela camada de
barro (Fuller, s/d: 34).
Por fim, retira-se o molde em gesso, corta-se a gelatina, fazendo corresponder a zona de
corte à de separação do molde de gesso e, depois de removido o modelo original do
interior, e voltado a juntar o conjunto do molde de gesso com o de gelatina, pode-se
passar à reprodução, pelo vazamento de gesso no espaço anteriormente ocupado pelo
modelo original.
Embora seja possível utilizar este molde mais de uma vez, a sua utilização não é
infinita, uma vez que as formas de gelatina duram apenas alguns dias (Sauras, 2003:
157). Contudo, oferece a vantagem de poder ser cortada em pedaços e derretida de
novo, ficando pronta a aplicar para um novo molde.
3.3.3.2. Molde de borracha de silicone
Uma das grandes vantagens da utilização de moldes de silicone é a sua adaptação a
vários tipos de material14
. Outra é a possibilidade de se adaptar a diferentes
necessidades, já que pode ser aplicado em vários níveis de viscosidade.
Existem vários tipos de silicone, com várias formas de utilização. A preparação da silicone
é feita através da sua adição com um catalisador, devendo esta mistura seguir as
instruções do fabricante. A moldagem em silicone pode ser efetuada segundo diversas
técnicas: molde de silicone vertido, molde de silicone por impressão e molde de silicone
espatulado, sendo estes dois últimos mais apropriados aquando da sua aplicação sobre
suportes verticais ou suspensos, onde é conveniente que a sua consistência seja densa,
de forma a aderir rapidamente (Sauras, 2003: 158, 159).
Para que o processo de moldagem seja eficaz o primeiro passo consiste na limpeza do
modelo original. É essencial estar livre de poeiras e sujidade (Sauras, 2003: 158). De
seguida deve-se aplicar desmoldante sobre toda a superfície do modelo, de forma a
facilitar o processo de desmolde.
A colocação da silicone sobre a peça deve ser feita de forma o mais homogénea
possível15
, e deve ser aplicado em camadas. Os moldes de silicone devem, idealmente,
13
A gelatina é primeiramente amolecida com um pouco de água fria e depois derretida em banho-maria.
Caso a sua consistência se torne demasiado espessa adiciona-se água ou glicerina (entre 180 e 360
gramas para um quilo de gelatina). 14
Pode ser aplicado sobre gesso, cimento, pedra, metal, vidro, plásticos, terracota, porcelana, entre
outros.
22
consistir numa película forte, mas pouco espessa, para não oferecer resistência no
momento de desmolde. Não fornecendo essa pouca espessura a rigidez necessária para
que o molde se suporte por si, é necessária uma armação exterior: uma madre do molde.
Após a cura total do silicone, este é coberto por uma camada de gesso (com cerca de 2 a
3 cm), criando-se a madre do molde. Depois de construída a madre e retirado o modelo
original, pode encher-se o molde com o material desejado16
.
Esta técnica de moldagem permite reproduzir o modelo infinitamente, desde que os
moldes sejam guardados em condições adequadas à sua conservação17
.
15
Deve evitar-se a acumulação de silicone, uma vez que há um grande aumento de temperatura durante
o processo, podendo resultar em consequências no modelo original (no caso do original ser em cera
pode causar deformações). 16
Existe Borracha de Silicone para moldes de alta temperatura, podendo ser usado para fundição. 17
Remeto para a dissertação Estratégias de Prevenção dos Moldes em Gesso de Lagoa Henriques,
realizada no âmbito do Mestrado em Ciências da Conservação, Restauro e Produção de Arte
Contemporânea, por Joana Correia.
23
3.4. A tecnologia da fundição
A tecnologia da fundição compreende o conjunto de procedimentos da produção de objetos
em diversos metais, a partir da sua liquefação e vazamento no interior de moldes. Parte do
princípio que um metal no estado líquido pode ganhar a forma de qualquer recipiente onde
seja inserido. Este processo envolve a passagem do metal líquido para o seu estado sólido,
por arrefecimento (Sauras, 2003: 161).
Existem vários métodos de fundição (ver tabela seguinte). Na presente dissertação são
abordados alguns dos processos de fundição artística mais utilizados, designadamente as
técnicas de areia, pelos processos de areias-verdes e silicato de sódio (processo C02), e de
cera perdida, pelo método italiano e ceramic shell.
Tabela 1 - Classificação dos processos de Fundição
Fonte: Ferreira, 1999: 6, 7)
Processos de moldação perdida/modelo permanente
Processos de fundição com moldação em areia
Processo de moldação em areia-verde
Processo de moldação em areia seca
Processo de moldação com CO2 Silicato
Processo de moldação em Shell-moulding
Processo de moldação de caixa fria
Processo de moldação de selagem por vácuo
Processos de fundição com moldação em agregado
refratário
Processo de moldação com cerâmica
Processo de moldação com gesso
Processos com moldação perdida /modelos perdidos
Processo de fundição com moldação em areia Processos de moldação com modelo evaporável
Processos de fundição com moldação em agregado
refratário Processos de moldação por modelo perdido
Processos de moldação permanente
Processos em moldações metálicas
Processo de vazamento por gravidade em moldações
metálicas
Processo de vazamento sob pressão em moldações
metálicas
Processo de vazamento sob baixa-pressão em
moldações metálicas
Processo de vazamento por centrifugação
Processo de vazamento em moldações com pressões anti gravíticas
Processo de vazamento em moldações metálicas por compressão mecânica
Processo de vazamento contínuo em moldações metálicas
24
O processo de fundição pode ser dividido em quatro momentos:
Construção do molde para fundição;
Fusão da liga metálica;
Vazamento no molde;
Extração, rebarbagem e limpeza.
A passagem dos modelos a metal é geralmente realizada por um fundidor e, nos
procedimentos de fundição acima indicados, abrange o recurso a caixas de moldação,
sistemas de gitagem, machos e ações de limpeza da obra fundida, conforme se descreve nos
pontos seguintes.
Caixas de moldação
A moldação assegura a forma negativa e volume do objeto durante todo o processo. De um
modo geral podemos referir-nos aos moldes de fundição classificando-os em dois tipos:
destrutíveis, quando se utilizam uma única vez, e permanentes, quando podem utilizar-se
várias vezes.
De forma a garantir o sucesso do processo de fundição é necessário que os moldes possuam
algumas propriedades específicas, como sejam:
Os materiais utilizados na construção do molde não devem interagir com o material
da peça (o metal);
Devem ter uma boa capacidade refratária, ou seja, a capacidade de o material não
sofrer alterações (não fundir nem amolecer), quando aquecido ao rubro (Ferreira,
1999: 25);
É importante que seja resistente o suficiente para aguentar a temperatura e a
pressão exercida pelo metal em fusão (Ferreira, 1999: 28);
Deve permitir uma fácil evacuação do ar, para que o enchimento do metal seja
rápido e completo, através da construção de canais próprios para a respiração
(Ferreira, 1999: 26);
Deve ter canais de enchimento e gitos de alimentação garantindo o alcance do
metal a todas as partes do molde (Ferreira, 1999: 351).
Sistemas de gitagem (enchimento e alimentação) e Sistema de ventilação
O sistema de gitagem consiste num conjunto de canais, adicionados externamente ao
molde de fundição, através dos quais o metal flui até preencher a cavidade da moldação.
25
O sistema de ventilação providencia a saída dos gases gerados durante o processo de
fundição:
Os gitos de enchimento consistem em canais de alimentação para a entrada do
metal líquido no molde (Ferreira, 1999: 309).
Os gitos de alimentação funcionam como reservatórios que se mantêm cheios
com metal líquido durante o processo de vazamento: têm como função
compensar com metal a contração do metal na cavidade do molde durante o seu
arrefecimento. Evitam o aparecimento de cavidades na peça fundida (Ferreira,
1999: 309).
Durante o vazamento do metal, ou seja, durante o enchimento do molde, são
originados gases de combustão. Quando se constroem as caixas de moldação é
preciso providenciar canais de ventilação, para deixar sair o ar contido na
moldação e o modelo reproduzido não ficar com defeitos.
Os gitos de respiração/ventilação devem permitir a saída do ar, mas não do
metal. Para esse efeito a sua espessura deve ser a mínima possível, já que, nestas
condições, o metal não sai devido ao fenómeno da capilaridade ou porque
solidifica imediatamente em contacto com esses canais (Ferreira, 1999: 142).
Machos
Para definir cavidades nas peças vazadas, ou seja, construir modelos com partes ocas, é
necessário o uso de macho (Fuller, s/d: 86). A sua aplicação apenas permite criar
espaços vazios abertos pois tem de haver sempre uma via de saída.
A aplicação destes dispositivos pode ter por base uma questão económica por diminuir a
quantidade de metal necessária, o que, no caso de uma liga de bronze, constitui uma
grande diferença monetária. Porém, pode também estar relacionado com as condições
técnicas do local onde vai ser instalada a escultura ou com uma necessidade de reduzir o
seu peso, para facilitar a sua portabilidade.
Os machos podem ser construídos de diversas formas, consoante o tipo de fundição a
ser efetuada.
Para a fundição de areia recorre-se a uma moldagem auxiliar, na qual se forma um
molde para colocar posteriormente no molde da fundição. A sua colocação na
moldagem da fundição só é efetuada depois de já se ter formado a cavidade com o
modelo, sendo necessário adicionar ao molde uns prolongamentos, os prensos, que
26
servem de suporte aos machos18
(Fuller, s/d: 86). O metal é vazado no molde e preenche
o espaço formado entre o macho e a areia da caixa de moldação.
Para a fundição de cera perdida enche-se o interior do modelo de cera com uma pasta
refratária líquida que, ao endurecer, forma o macho. Antes de deixar endurecer
completamente, inserem-se pregos no interior do macho atravessando a cera. Estes
pregos são o elemento que mantém o macho estável, uma vez ancorados ao molde
exterior, também de pasta refratária. No decorrer do processo de fundição, a cera é
derretida, formando-se um espaço vazio entre o molde e o macho, para onde é
posteriormente vazado o metal (Sauras, 2003: 164).
Podem ser utilizados machos metálicos, de areia aglomerada e de cerâmica. A vantagem
de um macho metálico em relação à areia aglomerada reside na sua rigidez. Um macho
de areia pode deformar-se com muito mais facilidade. Por outro lado, um macho de
areia permite cavidades mais complexas e não apresenta qualquer problema quando se
realiza a sua remoção, por se tratar de um material perdido. Relativamente aos machos
de cerâmica, a maior vantagem consiste num melhor acabamento superficial que o
obtido em ambos os outros casos (Ferreira, 1999: 153, 154).
Limpeza da obra fundida
As rebarbas são os excessos de metal provocados pelo extravasamento do metal nas
zonas de junção dos moldes (comuns no caso da fundição em areia). Podem ser
utilizados diversos processos para a eliminação destas marcas: Para esculturas de
pequena dimensão podem ser usadas limas ou escopro e martelo; Para os trabalhos de
maior dimensão podem ser aplicadas rebarbadoras ou rodas de esmeril (Fuller, s/d:
145).
O bocal de enchimento também resulta num prolongamento da escultura que necessita
de ser cortado posteriormente, geralmente com uma rebarbadora com disco de corte,
assim como os gitos de vazamento e de alimentação.
A limpeza da peça pode ser realizada com recurso a diversas ferramentas. O método
tradicional, adequado a esculturas de pequeno porte, é por meio de pincéis e escovas de
arame de aço. Os pincéis permitem limpar todas as reentrâncias, sendo adequados a
peças com muito pormenor. (Fuller, s/d: 145). Para a limpeza de peças grandes recorre-
se ao processo de jacto de areia ou de granalha (Ferreira, 1999: 16).
18
Ver anexo Visita à Fundição Cosme, página 105-106, Figuras 49, 50, 51 e 52.
27
3.4.1. Fundição em areia
Esta técnica terá sido desenvolvida pelos Egípcios e pelos Chineses (Padovano, 1981:
211). Basicamente, o método consiste na impressão do modelo19
em areia e no
enchimento da cavidade resultante dessa compressão com metal fundido. Contudo,
existem diversas etapas intermédias e algumas variações do processo.
O método mais comum utiliza duas caixas de moldagem, simétricas, preenchidas com
uma mistura de areia e argila. O modelo é comprimido, até metade, num dos lados da
caixa de moldagem. O outro lado é encaixado comprimindo na areia a outra metade da
peça. Quando reaberta a caixa de moldagem e retirado o modelo, a areia apresenta a
forma da peça em negativo. Esta cavidade constitui o negativo do modelo e é,
posteriormente, cheia com o metal fundido originando uma reprodução em metal
(Hurst, 1996: 3).
Este ponto apresenta o método de fundição em areias verdes, consistindo na utilização
de um molde de areia húmida comprimida. O método de fundição Silicato de sódio –
Processo CO2, é um processo para peças de grande porte e usa areia dura (pela adição de
um catalisador que a faz endurecer) (Hurst, 1996: 3).
Composição da areia
Como referido anteriormente, as características dos materiais utilizados na construção
do molde influenciam as suas propriedades de refratibilidade e permeabilidade20
. Por
este motivo, o tipo de areia a utilizar no molde de fundição deve ser criteriosamente
escolhido: é essencial ter uma boa plasticidade, moldando-se com facilidade ao formato
do modelo a reproduzir. Deve ser constituída de uma mistura de grão fino e grosso. A
areia mais fina vai fornecer melhores acabamentos (mais lisos), melhora a
permeabilidade do molde e a sua dureza/força. A areia de maior grão apresenta poros
mais largos, facilitando a saída de gases e vapores. Por fim, destaco a sua propriedade
refratária. É importante ter resistência suficiente para aguentar a temperatura e a pressão
exercida pelo metal em fusão (Hurst, 2005: 122).
No processo de fundição importa explicar o uso dos termos areia natural e areia sílica:
A areia natural é considerada adequada para moldes de fundição, sem necessitar
de passar por processos de tratamento além da remoção de impurezas e de serem
19
É importante que o material do modelo possua alguma rigidez, para resistir à força mecânica aplicada
na compressão na areia. Geralmente o material é gesso. 20
Capacidade que o material possui para expelir gases pelos seus poros.
28
desfeitos todos os grânulos (é o caso da areia utilizada no processo de fundição
em areias verdes). Uma areia natural possui entre 4 a 10% de argila como
aglutinante e quanto maior a sua quantidade menor a sua permeabilidade (Hurst,
2005: 121).
A aplicação do termo areia sílica é de alguma forma redundante, uma vez que a
maioria da areia é composta por sílica, SiO2.21
. No entanto, no meio da fundição,
significa uma areia lavada, livre de impurezas. Quanto maior a proporção de
sílica presente na areia, mais refratário se tornará o molde (Hurst, 2005: 121).
3.4.1.1. Areias verdes
A fundição em areias verdes é considerada o método tradicional. As principais
vantagens desta tecnologia são a sua versatilidade, sendo um método adequado a
diversos metais, e a sua capacidade de reciclagem, uma vez que os moldes podem ser
reutilizados inúmeras vezes (Hurst, 2005: 72).
O nome de areias verdes nada tem a ver com a sua cor, mas sim com a origem natural
dos seus constituintes. A areia-verde é formada por uma combinação de areia natural
com argila (5% a 15%) e água (5%). Na proporção adequada a argila misturada com a
água envolve os grãos de areia, resultando numa ligação naturalmente forte entre os dois
elementos (Hurst, 2005: 72).
A maior dificuldade na execução desta técnica é, precisamente, gerir esta proporção,
uma vez que os valores anteriormente mencionados não são fixos, estão dependentes do
tipo de argila e do tipo de grão de areia. Se o molde apresentar demasiada humidade
pode resultar em furos/orifícios; Se tiver défice de água não cumpre corretamente a
função de ligante, podendo causar a desintegração do molde (Hurst, 2005: 72).
Uma das vantagens deste processo de fundição encontra-se na possibilidade de reciclar
a areia infinitamente. No decorrer do processo de fundição a areia seca (perde
humidade) e ganha impurezas. De forma a atribuir-lhe as características necessárias à
reutilização é necessário eliminar possíveis resíduos (com recurso a uma peneira, por
exemplo) e adicionar-lhe água, nova areia natural e aglutinante (Hurst, 2005: 72).
21
Na sua forma cristalina de quartzo, é o mineral mais abundante. O sedimento de quartzo deriva da
desintegração de rochas ígneas (magmáticas) e metamórficas
29
Para a realização do processo são necessárias, pelo menos, duas caixas de fundição22
.
Estas têm de ter a rigidez necessária para suportar a compactação da areia e a pressão do
metal líquido durante o enchimento do molde. Geralmente, são em ferro
(ocasionalmente em madeira, embora não seja tão seguro) e não possuem base, nem
topo. Além de um sistema de encaixe entre as unidades (pernos, por exemplo), é
essencial adotar um mecanismo que garanta a permanência das caixas totalmente
alinhadas quando acopladas, para garantir um posicionamento perfeito do modelo23
.
Para a construção do molde existem duas abordagens possíveis: com o modelo
previamente separado em duas metades ou com o modelo inteiro. A escolha do método
a utilizar irá depender da dimensão e formato do modelo a reproduzir.
Sequência de operações para a construção do molde para modelo
constituído por duas metades (Ferreira, 1999: 22, 23)
1º Colocação de uma das metades do modelo, com a face cortada virada para
baixo, sobre uma placa de madeira (de tampo liso e limpa de qualquer sujidade),
na qual se apoia também a caixa de moldação (é importante centrar o objeto no
interior da caixa);
2º Enchimento da caixa com a areia verde, e sua compactação. É importante
encher a caixa até ao cimo e nivelar devidamente a areia;
3º Virar a caixa ao contrário (o modelo fica com a face cortada virada para
cima), e justaposição da outra metade do modelo;
4º Aplicação de pó de apartar, visando facilitar a posterior separação das duas
caixas e extração dos moldes24
;
5º Colocação dos modelos para o canal de enchimento;
6º Anexação de outra caixa sobre esta e enchimento com areia-verde;
7º Separação das caixas e remoção dos modelos (as duas metades do modelo e o
modelo para o canal de enchimento);
8º Construção dos canais de ventilação25
;
22
Podem ser utilizadas apenas duas caixas ou mais. O número de caixas a utilizar irá depender da
dimensão do modelo que se quer reproduzir (a divisão da areia por mais caixas torna mais fácil a sua
compactação). 23
Ver anexo Visita à Fundição Cosme, página 109, Figura 54. 24
Segundo o Sr. Eugénio Maria Amador Fusco, Técnico de Fundição, o pó de apartar utilizado pode ser
pó chumbo, pó batata ou pó talco. 25
São desenhados sulcos na areia: canais para saída do ar e dos gases de combustão originados durante o
vazamento do metal (HURST, 2006).
30
9º Construção do(s) macho(s) (seco em estuda após a sua moldação) e posterior
insersão na areia (Ferreira, 1999: 34);
10º Fechar as caixas e executar o vazamento do metal;
11º Depois do metal solidificado, abrir as caixas, retirar o modelo reproduzido e
proceder às operações de limpeza da peça.
Sequência de operações para a construção do molde para modelo inteiro
(Hurst, 1996: 44)
1º Colocação de uma caixa de fundição sobre uma placa de madeira (de tampo
liso e limpa de qualquer sujidade) e seu enchimento e calcação (esta areia não
tem de ter propriedades refratárias, pois irá ser substituída por outra no decorrer
do processo);
2º Impressão do modelo nesta areia até à linha longitudinal que demarca a sua
divisão;
3º Aplicação sobre o modelo e sobre areia de pó de apartar, visando facilitar a
posterior separação das duas caixas;
4º Anexação de outra caixa sobre esta e seu enchimento com areia-verde;
5º Separação das caixas e esvaziamento daquela que fora cheia inicialmente,
com a areia não adequada;
6º A caixa com areia-verde é virada ao contrário e sobreposição desta a outra
caixa vazia;
7º Colocação dos modelos para o canal de enchimento e aplicação do pó de
apartar, procedendo posteriormente ao seu enchimento com areia-verde;
8º Separação das caixas e construção dos canais de ventilação;
9º Constroem-se e inserem-se o(s) macho(s) na areia;
10º Fecho das caixas e vazamento do metal;
11º Depois do metal solidificado, abrir as caixas, retirar a reprodução e proceder
às operações de limpeza.
Atualmente, raramente se recorre ao processo de fundição em areias-verdes. No entanto
o entendimento deste processo torna-se essencial, por se encontrar na origem das
abordagens adotadas posteriormente.
31
3.4.1.2. Silicato de sódio – Processo CO2
Este processo foi formalmente introduzido na indústria da fundição por volta de 1950
(Ferreira, 1999: 49). A grande vantagem desta tecnologia face ao método das areias-
verdes reside no facto de não usar água. Existem três variantes do processo de fundição
com silicato de sódio26
. Nesta dissertação, optou-se por restringir a descrição a uma,
utilizada universalmente para fundições de grande e pequena dimensão, com metais não
ferrosos (Hurst, 1999:181).
As principais vantagens da utilização deste processo são a realização de moldes em
grande escala, através da sua divisão em várias partes (neste ponto há uma similaridade
com o processo de moldagem de gesso por tasselos (descrito no ponto 3.3.2.1) e o
melhor acabamento superficial.
O modelo utilizado pode ser em todos os materiais, desde que possuam alguma rigidez,
tal como madeira, resina e metal, para se separarem com facilidade da areia. Para a
construção do molde, utiliza-se areia sílica e silicato de sódio.
O silicato de sódio é aplicado no seu estado líquido, atuando como ligante dos grãos da
areia. A quantidade de ligante varia de acordo com a especificidade destes grãos de
areia, entre 3 a 5% relativamente ao peso da areia (Hurst, 1996). A reação química
resultante desta mistura quando exposta a dióxido de carbono é um molde
extremamente forte (isto acontece porque se dá uma alteração na composição química
da sílica) (Ferreira, 1999: 50).
Os orifícios para a insuflação de gás CO2 (cerca de 11% da massa de silicato de sódio)
devem ser feitos por cabos com cerca de 12mm, estando separados com um intervalo de
cerca de 80mm (Hurst, 2005: 99) Este processo deve ser realizado com muito cuidado, e
com especial atenção ao tempo e à pressão de gaseificação: demasiado gás torna o
material refratário facilmente quebradiço. Este fenómeno é detetável pelo aparecimento
de cristais brancos de bicarbonato de sódio (Hurst, 1996: 181).
Sequência de operações para a construção do molde
1º Preenchimento da caixa de fundição com areia (esta areia não tem de ter
propriedades refratárias, pois irá ser substituída por outra no decorrer do processo) e
posterior compactação e nivelamento;
2º Colocação do modelo na areia;
26
Processo Ferro-Silício e processo silicato de dicálcico (Hurst, 1996: 182, 183).
32
3º Desenho das linhas de divisão e construção dos moldes no modelo (a quantidade
de moldes depende do formato do modelo;
4º Assegurar que os moldes serão facilmente separados, tanto do modelo, como uns
dos outros. Para este efeito é utilizado desmoldante e papel pardo, para envolver as
várias peças evitando a sua união (Manso, 2011: 60).
5º Colocação do sistema de enchimento, alimentação, ventilação e gaseificação;
6º Construção da madre (a peça maior, que engloba todas as partes do molde):
anexação de outra caixa sobre esta e realização do seu enchimento com areia (agora
areia com propriedades refratárias);
8º Virar as caixas (a primeira caixa, preenchida com areia não adequada, após ser
virada, fica na parte de cima), e a areia é retirada;
9º Repetição do procedimento realizado anteriormente: construção do molde
constituído por vários elementos (tasselos), colocação do sistema de ventilação e
gaseificação, bem como enchimento;
10º Abertura das caixas de moldação e separação dos vários moldes para extração
do modelo;
11º Construção e colocação do(s) macho(s);
12º União dos elementos e posterior vazamento do metal líquido pelo canal de
enchimento;
13º Remoção e limpeza da peça.
3.4.2. Cera Perdida
O método de cera perdida é um dos processos mais antigos de fundição (utilizado na
China em 4000 A.C e, posteriormente, na Índia, Egipto, Nigéria e América do Sul)
(Ferreira, 1999: 3).
Esta técnica é aplicada quando o modelo original é em cera, atribuindo-se-lhe a
denominação ―perdida‖ porque o modelo em cera é destruído durante o processo
(Feinberg, 1983: 1).
Esta técnica requer que o modelo original seja em cera, ou caso não o seja, tenha sido
efectuada uma cópia nesse material. O processo consiste em revestir o modelo em cera
de um material refratário27
, criando um molde. É importante que este material seja
27
É importante que este material refratário seja resistente o suficiente para aguentar as contrações da
cera, bem como a temperatura e a pressão exercida pelo metal em fusão.
33
resistente, contudo deverá também possuir alguma fragilidade, para permitir retirar o
objeto fundido do seu interior. Ao nível da sua textura e consistência deverá ser um
material com boas propriedades de permeabilidade, que não sofra alterações durante o
processo e assegurando uma boa reprodutibilidade, isto é, captando com pormenor
todos os detalhes do modelo original.
Para que a condição acima mencionada se verifique o material refratário é constituído
por dois tipos de grão: um mais fino e outro mais grosso. Estes grãos são misturados,
geralmente, com água, com vista à sua adesão ao modelo e é adicionado um aglutinante
para garantir a sua coesão (Hurst, 1996: 61).
Depois de este molde estar devidamente endurecido é aquecido e a cera, o modelo
original, é derretido e, deste modo, extraído do seu interior, formando o negativo. Ao
verter o metal, no estado líquido, para dentro desta cavidade dá-se origem ao objeto
fundido.
Existem diferentes variações deste processo.
Cera
Os modelos de cera têm por base a cera de abelha, no entanto, esta é muitas vezes,
misturada com outras substâncias, aditivos, de forma a melhorar algumas das suas
características e propriedades. Com este intuito são frequentemente adicionados
materiais como resinas, plásticos, plastificantes, antioxidantes, corantes e água. As
diferentes combinações de aditivos, em várias quantidades, podem manipular as
propriedades da cera, tais como o seu ponto de fusão, viscosidade, contração e
expansão, dureza, entre outros (Ferreira, 1999: 112).
Existe uma grande variedade de categorias de ceras, sendo aqui referidas apenas as mais
comuns:
Ceras microcristalinas – consideradas sintéticas, por serem materiais feitos pelo
homem. Derivam do petróleo, sendo obtidas dos resíduos dos óleos
lubrificantes. Estas ceras são opacas e podem variar entre muito suaves ou
extremamente duras, sendo aconselhável a mistura destes dois antípodas na
criação de uma cera boa para trabalhar (Hurst, 1996: 63).
Ceras de parafina – este é o tipo de cera mais comum e, como a anterior,
também deriva do petróleo. Por ser de fácil aquisição e baixo custo é muito
requisitada. Contudo, deve ser combinada com aditivos, pois é considerada
frágil e com alto coeficiente de contração (Ferreira, 1999: 113).
34
Existem diversas receitas estabelecidas para a composição das ceras (ver anexo). O
quadro que se segue apresenta a composição típica dos modelos de cera:
Tabela 2 - Composição típica dos modelos de cera
Fonte: Ferreira, 1999:115
Ingredientes Composição (%)
Ceras (geralmente, mais que uma) 30 - 70
Resinas (uma ou duas) 20 – 60
Plástico (um) 0 - 20
Outros 0 - 5
Sistema de gitagem e ventilação
Para se realizar este processo, o primeiro passo consiste em atribuir um bom sistema de
ventilação, para os gases gerados durante o processo serem libertados e se garantir uma
boa reprodução. O sistema de ventilação consiste na criação de canais (gitos) no interior
do molde. No método de fundição por cera perdida estes canais são construídos em cera,
o mesmo material do modelo original (Sauras, 2003: 166).
A quantidade de canais necessários irá depender da forma do objeto que se quer
reproduzir e das propriedades do material refratário utilizado na construção do molde. É
essencial analisar a peça minuciosamente, de forma a perceber qual a posição
correspondente à colocação da maior parte dos canais no sentido vertical, garantindo a
fluidez do metal no seu interior.
O sistema de ventilação utilizado influencia o modo de enchimento do molde. No modo
indireto a cavidade é cheia pela base e o ar sai pelos respiradouros na parte superior do
modelo (Manso, 2011: 90). Para este efeito são necessários os seguintes canais:
Um canal de enchimento, com vista à entrada do metal líquido no molde. Este
gito é constituído por um bocal afunilado e segue na vertical até à base do molde
conduzindo o metal;
Gitos de alimentação, colocados na horizontal, ligando o gito de enchimento à
cavidade do molde;
Canais que funcionam como respiradouros, colocados com inclinação oposta aos
mencionados anteriormente, com vista à extração de gases.
No sistema de enchimento direto o molde é cheio pela parte superior e o ar sai pelos
respiradouros colocados na base do objeto (Manso, 2011: 90).
35
O canal de enchimento, constituído por um bocal afunilado, conduz diretamente
o metal para a cavidade do molde;
São colocados gitos para a extração de gases com inclinação contrária à do gito
de enchimento.
3.4.2.1. Método italiano
Este processo é considerado o método tradicional. Supõe-se que os romanos terão sido
os primeiros a utilizar este processo, por isso, também é conhecido por Método Romano
(Hurst, 1996: 67). O processo caracteriza-se por a moldação ser construída em bloco
cerâmico.
O molde é construído em duas etapas:
A primeira consiste em fornecer uma espécie de revestimento refratário primário
ao modelo de cera, podendo ser feita por imersão ou pulverização (Ferreira,
1999: 119). Esta camada é composta de chamote (argila refratária calcinada e
moída) de grão fino e gesso, na proporção de dois para um, respetivamente. É
importante que esta camada tenha uma espessura homogénea, com cerca de 2cm
(Hurst et al., 2005: 51).
A segunda camada serve para conferir rigidez ao molde, sendo vazada em forma
de bloco cerâmico. Deve ser constituída por material refratário de maior grão
(50% de chamote e 50% de luto28
) e deve ser misturada com gesso na mesma
proporção referida anteriormente (Hurst et al., 2005: 52).
Após a solidificação do molde, é necessário retirar a cera do seu interior havendo dois
procedimentos possíveis: ou a cera é destruída durante o aquecimento/cozimento da
moldação (o molde é inserido em posição invertida num forno e a cera derrete e
escorre), ou é eliminada por fusão (o material é exposto a vapor sobreaquecido
eliminando qualquer elemento não refratário) (Ferreira, 1999: 125).
3.4.2.2. Shell Moulding
Esta técnica de fundição foi desenvolvida no Reino Unido, em 1938, sendo também
conhecida por moldagem em casca cerâmica, uma vez que é construída por camadas
sobrepostas. É fruto da evolução do processo em bloco cerâmico, apresentando em
relação a este maior rigor dimensional (Ferreira, 1999: 63).
28
Mistura refratária constituída por gesso, pó de tijolo e areia sílica.
36
A diferença no processo de construção do molde em relação ao método italiano, reside,
por um lado, na sua composição que, neste caso, consiste numa mistura de silicato de
etilo, água e um material refratário de grão muito fino e, por outro lado, na forma em
como esta mistura é derramada sobre o modelo original em cera, por camadas
sucessivas (Ferreira,1999: 106, 107).
Segundo o Sr. Eugénio Fusco, Mestre de Fundição, um dos métodos para a elaboração
da casca cerâmica consiste em mergulhar o molde de cera numa barbotina29
constituida
por um ligante (sílica coloidal) e uma farinha refractária (farinha de zircónio), em
suspensão, seguindo-se o envolvimento de refractário em grão, utilizando o sistema de
queda em chuveiro (o tamanho do grão aumenta com a distância da camada ao molde).
A primeira camada de borbotina aplicada deve possuir uma boa capacidade de
reprodutibilidade do modelo, sendo utilizado para o efeito um agente espumante que
atribui a molhabilidade necessária. Contudo, a acção deste aditivo resulta na formação
de espuma, sendo necessário recorrer a um anti-espumante (uma vez que a aderência de
bolhas de ar à superfície dos modelos de cera origina um recobrimento imperfeito que
se traduz em peças fundidas com defeitos superficiais).
A segunda camada de barbotina, cujo objetivo é recobrir as camadas anteriores de
refráctário, já não requer a aplicação do agente espumante.
3.4.3. Possíveis defeitos de fundição, causas e apresentação de soluções
Durante o processo de fundição podem ocorrer falhas técnicas, das quais resultam
defeitos. A tabela seguinte apresenta os mais comuns, identificando o problema que lhes
deu origem, bem como as soluções existentes para os resolver.
Tabela 3 - Possíveis defeitos de fundição, causas e apresentação de soluções
(Fonte: Ferreira, 1999: 313, 314)
Defeito Causa Soluções
Bolhas e vazios Inclusão de gases
Aumento de respiradouros
Eliminação de materiais que possam
reagir originado gases
Gotas frias Fluxos de metal líquidos mal
direcionados
Aumentar a velocidade de vazamento
Pré-aquecimento do molde
29
Também conhecida por lambugem. Designa-se barbotina a qualquer argila misturada com água.
37
Defeito Causa Soluções
Fendas quentes30
Metal sob tensão térmica contrai e rompe Controlar os gradientes térmicos
Usar enregeladores
Fendas frias31
Metal após solidificação não pode
contrair e rompe
Controlar os gradientes térmicos
Usar moldes que não impeçam a
contração
Rebarbas Fluxo de metal líquido extravasa na
junção da moldação
Diminuir a temperatura de vazamento
Aumentar a fixação das caixas de
moldação
Inclusões de óxidos Materiais estranhos ficam no interior do
material solidificado
Limpeza durante o vazamento
Utilizar solidificação direcionada
Cavidades e
contrações
Falta de canais de alimentação e/ou baixa
fluidez do metal
Utilizar solidificação direcionada
Aumentar a temperatura de vazamento
Superfície deformada Cedência das areias de moldação ou do
deslocamento dos machos
Composição dos materiais de moldação
ou dos machos ou diminuir a
velocidade de enchimento
Inclusões (no interior
das peças)
Heterogeneidades provenientes do
aprisionamento de partículas metálicas,
ou não, distintas do metal base. Podem
ser areias ou escória
Utilização de filtros cerâmicos
Camada de areia
vitrificada soldada à
superfície da peça
Velocidade de enchimento excessiva
provoca rutura da camada superficial da
areia
Diminuição da velocidade de
enchimento.
30
Podem aparecer durante o processo de solidificação do metal, devido à contração. 31
Podem surgir após a solidificação completa do metal, durante o seu arrefecimento, devido a tensões
internas.
38
3.5. Patinação
As pátinas consistem na formação de uma camada de óxido na superfície de um
determinado metal, obtidas através da alteração da sua composição química. Pode ser
uma pátina resultante de ação química natural, devido à combinação de elementos
químicos presentes no lugar onde a escultura está localizada (se está perto do mar, num
ambiente húmido, ou exposta a mudanças climáticas...) ou feita propositadamente pelo
artista, com recurso a ácidos. O uso de cor pode ter diferentes resultados: disfarçar a
forma, neutralizá-la ou enfatizar e engrandecê-la.
A alteração artificial pode ser conseguida de duas formas: alteração da superfície,
induzida pelos sais do metal base da liga de bronze - o cobre; ou usando sais de outros
metais. Muitas vezes estas técnicas são utilizadas simultaneamente, para adquirir
variações de cor mais subtis (Hurst, 2005: 209).
O processo de patinação deve ter em conta a liga metálica do objeto que se quer patinar,
uma vez que há determinadas ligas designadas para resistir à corrosão (Hurst, 2005:
263).
O método mais antigo consiste em enterrar a escultura na terra e baseia-se no facto de os
sais presentes na terra reagirem com o metal da peça. No entanto é um processo longo,
podendo levar anos. Atualmente, com o desenvolvimento do conhecimento dos
elementos químicos, a patinação de um metal atinge-se numa questão de horas e a
variedade de cores alcançável e os elementos químicos que as podem produzir são
quase infinitos. Os químicos interagem com o metal criando uma determinada cor e/ou
textura na sua superfície (Hurst, 2005: 222).
Antes da aplicação da pátina deve ser removida qualquer camada de gordura presente na
superfície da peça, uma vez que na presença deste elemento desenvolve-se resistência à
coloração. Contudo, a formação de camadas de óxido pretas ou castanhas, resultantes da
ação de fundição não necessitam de ser removidas, pois fornecem uma camada
primária, na qual as pátinas verdes ou azuis esverdeadas se desenvolvem (se esta
camada de óxido não for homogénea sobre a superfície da peça a pátina irá apresentar
uma coloração diferenciada nas zonas em que o metal se encontra limpo) (Hugues et al.,
1982: 26).
Após a aplicação da solução, seja qual for o método, a superfície deve ser limpa de
qualquer excesso e deve secar completamente (aquando das primeiras aplicações a
39
secagem pode levar um dia ou mais, podendo estas ser mais frequentes no decorrer do
tratamento). Antes de cada aplicação a escultura deve ser limpa com um pano macio
para serem eliminados resíduos da aplicação anterior e ajudar a consolidar a superfície.
Após obter a coloração pretendida, a escultura deve ser friccionada cuidadosamente
com um pano macio para, posteriormente, aplicar uma camada protetora. O material
tradicionalmente utilizado para este efeito é a cera, aplicada com um pano macio sobre
toda a superfície da escultura32
(Hugues et al., 1982: 45).
Aplicação por impregnação
Este método consiste em embrulhar as peças com panos impregnados no químico
desejado. Nas primeiras aplicações o pano deve estar bastante húmido, podendo ser
utilizado um pano mais seco posteriormente a cada aplicação para eliminar a
possibilidade de escorrências da solução, evitando o dano da pátina. Esta sequência
deve ser repetida, com períodos de secagem a cada aplicação, seguindo um
desenvolvimento gradual até se obter uma pátina uniforme (Hugues et al., 1982: 32).
Aplicação com pincéis
O método mais utilizado consiste em usar pincéis de cerda natural na sua aplicação. A
aplicação é feita utilizando dois pincéis, o primeiro embebido na solução seguido de um
seco cuja função é desbastar os excessos e uniformizar a coloração. Para acelerar este
processo, que é longo pelos tempos de secagem necessários entre cada aplicação, pode
recorrer-se ao aquecimento da peça, mas esta técnica exige um grande domínio e prática
pois pode resultar numa superfície poeirenta (Hugues et al.,1982).
Aplicação por imersão
Esta técnica é adequada sobretudo para objetos de pequena dimensão, uma vez que
exige mais gastos. Tal como o nome indica, a peça é imersa na solução e depois
retirada, limpa com um pano macio e deixada a secar. A tonalidade das cores obtidas
depende tanto dos químicos utilizados como do tempo de imersão e da temperatura da
solução (Hugues et al., 1982: 27).
32
Embora bastante duradouro este tratamento necessita de manutenção, especialmente em esculturas no
espaço público, expostas a intempéries (Hugues et al.,1982: 34).
40
Aplicação por spray
A aplicação dos químicos pode ser feita com spray. Neste caso cada camada deve
resultar num revestimento pouco espesso e cada aplicação deve ser seguida de tempo de
secagem (Hugues et al.,1982: 33).
Aplicação com maçarico
A simples aplicação de calor sobre o metal é suficiente para criar alteração da sua
coloração, pela formação de óxidos naturais do metal.
A técnica mais utilizada para aplicar pátinas consiste num processo de reação química
entre o bronze, ácidos químicos e calor, que oxidam a superfície do metal. O processo
inicia-se com o aquecimento da peça com um maçarico, até que esta apresente um
aspeto dourado. Posteriormente é aplicada, com pincéis ou com um pano impregnado, a
solução desejada na área aquecida (Hugues et al.,1982: 36).
Aplicação com vapor
A exposição das peças à ação de vapores e gases durante determinados períodos
também consiste numa ação de alteração da cor dos metais. A técnica consiste em
colocar a escultura numa espécie de recipiente fechado, onde se liberta o gás ou vapor
desejado (Hugues et al.,1982: 38).
Aplicação com pastas
Existem dois métodos distintos para a aplicação das pastas, com resultados ligeiramente
diferentes: recorrendo à impregnação ou utilizando pincéis. Neste último caso é
necessário especial cuidado quando se removem os resíduos da pasta seca, o que é feito
com água fria (Hugues et al.,1982: 35).
A patinação é um processo dependente de inúmeras variáveis, sendo difícil, na verdade
impossível, prever o efeito final. Entre estes destacamos a temperatura ambiente, o grau
de humidade, a pureza dos produtos utilizados, a preparação da superfície, a
composição da liga da escultura e o método de patinação utilizado (Clérin, 2002: 358).
O tempo em que o objeto está em contacto direto com os químicos influencia a
coloração, no entanto é quase impossível definir tempos precisos para cada receita, uma
vez que fatores como a escala da peça, a temperatura e a humidade do local também são
relevantes, como acabámos de referir.
41
Geralmente, peças de grande dimensão exigem mais tempo em contacto com as
soluções que as mais pequenas. Na aplicação por imersão em soluções quentes, uma
peça de maior dimensão provoca um tempo maior de aquecimento. Também é preciso
ter especial atenção a peças com cavidades, por poderem provocar bolsas de ar, das
quais resultam áreas sem cor (Hugues, 1982: 30, 31).
Quando se aplica o spray, a maior dificuldade é criar camadas uniformes, para não
surgir na peça manchas irregulares. É também necessário ter em atenção o local onde se
está a trabalhar, uma vez que se houver poeiras no ar estas são direcionadas para a peça
(Hugues, 1982: 33).
A acumulação/empastamento da solução em determinadas localizações também
constitui um risco, podendo resultar em diferenças de coloração da pátina. As zonas
mais afetadas são as concavidades e a parte inferior do objeto. Para evitar este risco é
preciso ter especial cautela no momento de secagem com um pano macio (Hugues,
1982: 34).
No caso da técnica do maçarico, a temperatura constitui a maior dificuldade: se for
demasiado alta provoca respingos da solução e se não estiver quente o suficiente a
solução não é absorvida pelo metal, ficando unicamente colada na superfície (Hugues et
al., 1982: 36).
42
4. Os esbocetos da Imperatriz Sissi
Em 1997 o Mestre Lagoa Henriques foi convidado por João Carlos Abreu, ex-Secretário
Regional de Turismo e Cultura da Madeira33
, a produzir uma escultura da Imperatriz
Elisabeth Amália Eugénia de Áustria, Sissi.
Isabel da Baviera (1837-1898), conhecida como Sissi, era Imperatriz consorte da
Áustria e a rainha consorte da Hungria, devido ao seu casamento com o Imperador
Francisco José I. A sua estadia na Madeira relacionava-se com problemas de saúde: a
Ilha da Madeira é, desde o século XVI, considerada o local adequado à cura de algumas
doenças, sendo por isso referenciada como hospital natural. Este local acolheu a
Imperatriz da Áustria por duas vezes, entre 1860 e 1894. Aquando da sua estadia na
Madeira, a Imperatriz residia na antiga Quinta da Vigia, espaço atual do Casino onde a
escultura foi colocada. Esta obra apresenta-se como um marco histórico no panorama
cultural madeirense, que pretende marcar a passagem da Imperatriz da Áustria pela Ilha
da Madeira, bem como perpetuar a sua lembrança (Voz da Madeira, 2013).
No âmbito dos estudos preparatórios o Mestre elaborou esbocetos tridimensionais dos
quais resultaram duas reproduções em metal. Estas peças com 18x10x10cm são dois
múltiplos, feitas exatamente pelo mesmo processo, ocas e ambas com chapas soldadas
na base, diferindo na cor da pátina.
Partindo do pressuposto que tal patinação era produto de corrosão, que estaria a
contribuir para a degradação das peças, foi desenvolvido um trabalho de investigação
para verificar de que forma as ligas metálicas utilizadas na fundição teriam contribuido
para que umas peças apresentassem corrosão à superfície e outras não.
33 Ver anexo Correspondência entre Lagoa Henriques e João Carlos Abreu, página 110.
43
Fig. 2- Estudo Sissi - Vista frontal, Bronze Patinado, Lagoa
Henriques
Fig. 3- Estudo Sissi - Vista frontal, Bronze Natural, Lagoa Henriques
Fig. 4- Estudo Sissi - Vista Inferior, Bronze Patinado, Chapa de latão
soldada na base, Lagoa Henriques
Fig. 5 - Estudo Sissi - Vista Inferior, Bronze Natural , Chapa de latão
soldada na base, Lagoa Henriques
44
4.1. Caracterização material
A investigação, efetuada no ano curricular de 2013-14, da suposta degradação dos
esbocetos, com diferente coloração, visava a identificação da sua caracterização
material e dos produtos de degradação que os mesmos apresentavam. Esta investigação
consistiu num estudo morfológico e analítico dos dois esbocetos e resultou de um
estudo multidisciplinar, entre a disciplina de Física, leccionada pela Professora Doutora
Marta Manso, e a disciplina de Conservação, Restauro e Produção de Arte
Contemporânea, orientada pela Professora Doutora Alice Nogueira Alves. Este estudo
envolveu exames de área, como a fotografia com luz visível e ultravioleta, e análises de
composição química dos materiais constituintes da obra, pela técnica de Fluorescência
de raios-X. De modo a analisar possíveis produtos de degradação foram também
realizados exames através da técnica de Espectroscopia de Raman, com recurso aos
equipamentos do então Centro de Física Atómica.
4.1.1. Caracterização da liga metálica
De forma a obter a melhor informação possível sobre a caracterização material dos
esbocetos foram analisados pontos em zonas limpas de cada peça. Através da
Fluorescência de raios X observou-se que os metais constantes (sem alteração de
intensidade) são o cobre e o estanho, o que permitiu identificar a liga como um Bronze.
A partir da quantificação obtida pelo equipamento Tornado constatou-se que a liga não
é homogénea, apresentando ligeiras variações na quantidade dos metais em cada ponto
analisado. Ambas as esculturas apresentam os mesmos materiais na liga, sendo os mais
importantes (em maior quantidade) o cobre, zinco, estanho e chumbo. O aparecimento
de crómio, ferro e níquel é considerado vestigial.
À medida que se foram conhecendo novos metais, o bronze passou a adquirir novas
misturas para além do tradicional cobre-estanho. Metais como o zinco e o chumbo
foram adicionados, atribuindo ao bronze um aspeto mais suave. No entanto, qualquer
que seja a mistura de metais utilizada, o bronze é sempre caracterizado pela
predominância do elemento cobre (Kipper,1996: 23).
A partir desta informação foi possível realizar uma pesquisa mais aprofundada sobre a
constituição das ligas de bronze utilizando como referência a base de dados UNS
(Unified numbering system). A UNS é um sistema de numeração de ligas metálicas que
45
permite, através da percentagem dos metais presentes na sua constituição, a sua
identificação. Assim, a liga metálica utilizada no processo de fundição das esculturas
terá sido uma liga ―leaded tin bronze, embora apresentem diferentes quantidades de
chumbo e zinco (UNS, 2014).
4.1.2. Caracterização da chapa da base
A chapa da base foi aplicada após o processo de fundição, incluindo um sistema de
rosca que permitiria fixar os esbocetos a uma base. O estudo das chapas foi efetuado
com recurso ao espectrómetro portátil com tubo de raios X, o que impossibilitou obter a
quantificação dos elementos metálicos constituintes e desse modo uma indicação mais
precisa da liga. Contudo, pela existência de picos do cobre e do zinco identificou-se a
liga como um latão. Este caracteriza-se por ser uma liga metálica com o zinco como o
segundo metal predominante, com ou sem pequenas quantidades de outros elementos
(Davis, 2001: 7).
4.1.3. Caracterização da solda
A soldagem tem como objetivo a união localizada entre materiais, da mesma
constituição ou não. Nos esbocetos foi utilizada para unir a chapa de base (latão) com a
peça fundida (bronze). No caso em estudo, o processo de soldadura utilizado denomina-
se soldagem a arco elétrico com elétrodo revestido (Shielded Metal Arc Welding-
SMAW) comummente denominado de soldagem a arco manual (Manual Metal Arc
Welding-MMA). É um método de soldadura por fusão, que produz a mistura/união dos
metais utilizando a energia elétrica, sendo o calor produzido usado para obter um cordão
de soldadura pela adição de material (através da utilização de uma vareta - o elétrodo) e
fusão parcial do material base (Davis, 2001: 276, 280).
A dificuldade em determinar qual a composição da liga da solda consiste no facto de o
processo de soldadura resultar numa mistura entre o material fundido do elétrodo com o
metal base da peça a unir (Marques et al., 2005: 161).
O elétrodo revestido é constituído pela alma, uma vareta metálica, e pelo revestimento,
uma massa dura e quebradiça em redor da alma, composta de matérias orgânicas ou
minerais, cuja função consiste em produzir gases de proteção contra a contaminação
atmosférica, criar escória de proteção (para um resfriamento lento da solda) e induzir
elementos desoxidantes (Marques et al., 2005: 182, 186).
46
A composição química da alma deve ser escolhida de acordo com o tipo de metal a ser
soldado, sendo que para a soldagem de ligas de cobre é recomendada a utilização da
alma do elétrodo em cobre ou em de ligas de cobre (Davis, 2001: 280).
As análises efetuadas permitiram presumir que foi utilizada a mesma solda nas duas
peças e que foi aplicado um elétrodo com uma alma de Phosphor Bronze (Fósforo
bronze). Estes elétrodos, designados como EcuSn-C, contêm aproximadamente entre
5% e 8% de estanho (Davis, 2001: 280, 288). O fósforo é utilizado como desoxidante:
todas as ligas de cobre são sujeitas a oxidação durante processos de fundição. O
oxigénio reage com o cobre e forma óxido cuproso que, caso não seja removido, causa
contínua solidificação durante a fundição, provocando porosidades do material e
diminuindo a sua força mecânica. A desoxidação com fósforo é considerada a mais fácil
e mais económica, consistindo num processo onde basicamente se impede a absorção do
hidrogénio (Davis, 2001: 181).
O revestimento do elétrodo consiste numa mistura de diferentes materiais, na maioria
óxidos, e do aglomerante/ligante, sendo a sua composição variável consoante o
elemento principal utilizado (Marques et al., 2005: 186).
A amostra utilizada para análise de espectroscopia de Raman foi retirada na base da
escultura, próximo a uma zona de soldadura, o que pode justificar a identificação do
espectro obtido como dióxido de zircónio (ZrO2). A função do zircónio como elemento
principal do revestimento do elétrodo é facilitar a destacabilidade da escória (Clarence,
1973). Por outro lado, no espectro de fluorescência de raios X da soldadura além de ter
sido identificada a presença de zircónio, podemos encontrar potássio, geralmente o
ligante utilizado (Wainer, 1979: 188).
4.1.4. Degradação material
Uma liga metálica é constituída por uma associação de diferentes elementos em
quantidades variáveis, sendo esta variação limitada, pois depende, principalmente, da
miscibilidade dos elementos em questão. Existem casos de imiscibilidade completa
onde se dá a justaposição dos elementos, sendo um dos exemplos o sistema cobre-
chumbo, no qual o chumbo fica concentrado em glóbulos dispersos (Scott, 2002: 15,
16).
Nos dois esbocetos, observou-se que as contagens de chumbo aumentavam na análise
de pontos escuros em comparação com a análise dos pontos limpos, havendo também
47
uma diminuição pouco significativa das contagens de cobre. Este fenómeno pode ser
explicado por haver um determinado número de metais que se comportam
anodicamente em relação ao cobre (nesse caso atuando como cátodo). Este tipo de
reação caracteriza-se pela perda e ganho de eletrões, sendo o elemento que perde
denominado ânodo e o que ganha denominado cátodo. O chumbo não é solúvel numa
liga de cobre, portanto, ao arrefecer, terá tendência para se separar da liga, formando
glóbulos individuais. Estes glóbulos estão rodeados de uma extensa região catódica do
cobre, o que pode resultar numa oxidação do chumbo, formando carbonatos ou óxidos
básicos à superfície: há um fluxo de eletrões do ânodo para o cátodo e, por sua vez, a
deficiência de eletrões do ânodo resulta em reações químicas de oxidação (Scott, 2002:
15, 16).
A espectroscopia de Raman revelou a presença de malaquite (CuCO3Cu(OH)2), um
carbonato hidróxido de cobre, resultante da reação química entre o cobre e o H2O
presente no ar. O espetro obtido foi comparado com um espetro de referência e foi
verificado na literatura quais as bandas de Raman comuns na malaquite, apresentando
uma boa correlação. No entanto, o espetro apresenta também outras bandas que não são
características da malaquite, o que pode ser explicado por esta raramente se encontrar
sozinha mas sim na presença de outros carbonatos de cobre (Mineral Gallery, 1995-
2013).
Ao analisar as esculturas com o microscópio digital foram identificadas diversas zonas
com possíveis produtos de degradação.
A presença de enxofre (S) detetada nas análises, sugere a existência de outros produtos
de degradação associados à malaquite. A tabela 4 apresentada indica alguns desses
minerais que, para além do enxofre, podem conter os já referidos cloro e/ou cálcio:
Tabela 4 - Minerais associados à Malaquite
Mineral Fórmula Classe
Aurichalcite (Zn,Cu)5(CO3)2(OH)6 Carbonato de Zinco-cobre
Atacamite Cu2Cl(OH)3 Hidróxido cloreto de cobre
Antlerite Cu3SO4(OH)4 Hidróxido sulfato de cobre
Rosasite (Cu,Zn)2CO3(OH)2 Carbonato Hidróxido de cobre-
zinco
Bronchantite CuSO4(OH)6 Sulfato hidróxido de cobre
Antes de se encontrarem no acervo Lagoa Henriques, sabe-se que os esbocetos, estavam
no ateliê do artista, em Belém. Dada a proximidade com um ambiente marítimo poder
48
dar origem a produtos de corrosão do cobre, sendo os mais vulgarmente encontrados o
cloreto cuproso e sulfato cuproso, e uma vez que foi identificado cloro (Cl) nos
espetros, podemos deduzir a presença deste tipo de corrosão (Conservation Research
Laboratory, 2000). Por outro lado, a presença de cálcio (Ca) visível nos mesmos
espetros, possivelmente deve-se a uma contaminação do gesso utilizado nos moldes
para o processo de fundição, sugerindo também a possibilidade de corrosão por cloreto
de cálcio (EPA, 2001).
49
4.2. Técnicas de produção
O conhecimento do processo criativo artístico é especialmente relevante para a correta
interpretação de uma obra e indispensável em intervenções de Conservação e Restauro,
quer como fonte documental, quer para distinguir eventuais características do processo
produtivo de patologias. Este ponto foca o processo criativo artístico de Lagoa
Henriques na construção da escultura da Imperatriz Sissi.
O processo tradicional da Escultura tem início nos estudos preliminares: os desenhos e
os esbocetos. A obra nasce da ideia que é refletida no desenho, os chamados desenhos
preparatórios, esquissos e esboços, posteriormente traduzidos em forma e objeto pela
modelação.
Fig. 6 - Desenho preparatório de Lagoa Henriques – Imperatriz Sissi.
Fonte: Gentilmente cedido pela direção do Legado Lagoa Henriques/FBAUL
50
A propósito do lugar adquirido pelo desenho no processo criativo de Lagoa Henriques
remeto para uma entrevista realizada por Luís Filipe Rodrigues: ―(...) este foi o primeiro
desenho que eu fiz para a escultura. Logo, este desenho, no fim, também é um
<<desenho-processo>>, porque é o primeiro registo de uma ideia para corporizar em
três dimensões aquilo que me foi solicitado‖ (Rodrigues, 2010: 329).
O processo de produção artística do Mestre Lagoa Henriques segue a linha clássica ao
nível das tecnologias utilizadas: primeiro o artista desenha e depois modela.
O processo criativo consiste nos procedimentos, nas atividades, nas
etapas que precisam ser percorridas, para a concretização de
determinada obra visível. É dentro desse pressuposto, a partir da
obra, que serão encontradas as etapas e os diferentes modos com
que se revelam. (Santos, 2004: 178).
Neste contexto, para aceder ao processo de criação artística de Lagoa Henriques, foi
necessário refletir sobre os procedimentos de forma inversa, reconstruindo as etapas.
Partindo dos esbocetos em bronze e da escultura final começaram por esquematizar-se
todos os caminhos possíveis (Figura 8). De seguida, a partir de uma observação atenta
das características presentes nos esbocetos e com recurso a registos de outros trabalhos
realizados pelo artista foi possível ir eliminando hipóteses e
consequentemente/paralelamente definir o percurso efetuado pelo Mestre Lagoa
Henriques.
51
Fig. 7 - Desenho preparatório de Lagoa Henriques – Imperatriz Sissi.
Fonte: Gentilmente cedido pela Direção do Legado Lagoa Henriques/FBAUL
52
Fig. 8 - Esquema das possíveis etapas utilizadas pelo Mestre Lagoa Henriques na construção da escultura da Imperatriz Sissi
53
Uma observação atenta das características superficiais dos esbocetos permite deduzir
que a escultura primária e portanto original, terá sido trabalhada através da técnica da
modelação. É possível identificar marcas, riscos sobre a própria peça, que remetem para
o uso de teques, os instrumentos utilizados nesta técnica (Figura 9). Por outro lado, a
aglomeração da matéria remete para a técnica utilizada, que se caracteriza pela adição
de material (Figura 10).
Fig. 9- Estudo Sissi, Pormenor das marcas dos
teques
Fig. 10- Estudo Sissi, Pormenor de empastamentos do material
Os materiais mais comummente usados para a modelação são o gesso, a cera e o barro.
A possibilidade do modelo original ter sido executado em barro era muito grande. Na
dissertação de Joana Correia são referidas as ―inúmeros estudos em barro‖ no seu ateliê,
indicando o barro como o material de trabalho habitual de Lagoa Henriques (Correia,
201: 68). No entanto, foram investigadas todas as hipóteses.
Em conversa com a Professora Doutora Maria João Gamito concluiu-se que, embora o
gesso fosse um material recorrente na obra de Lagoa Henriques, a sua aplicação era para
a passagem do modelo em barro a gesso, e não como material de modelação. O mesmo
se aplica à cera, existindo, que se saiba, apenas um único exemplar neste material,
construído a partir de um original em barro. A matéria inicial do escultor era sempre o
barro34
.
Os esbocetos são ocos, o que coloca a hipótese do modelo original, em barro, também o
ser. No entanto, este aspeto não é obrigatório, uma vez que, como se descreve no ponto
34
Ver anexo Entrevista - Maria João Gamito, página 90.
54
3.4, estas cavidades podem ser construídas com recurso a machos, introduzidos
posteriormente, no momento de fabricação dos moldes de fundição.
Como ilustra o esquema da Figura 8, existem diferentes técnicas usadas para a
moldação a gesso (passagem do modelo em barro para gesso), sendo a sua escolha
determinante para o processo de fundição utilizado posteriormente.
A possibilidade de o artista ter recorrido directamente a borracha de silicone para
moldes de alta temperatura foi rapidamente descartada, uma vez que este material só
pode ser usado para chumbo ou estanho (no máximo de 400 graus de temperatura) e as
esculturas são em bronze. O recurso à utilização de moldagem de borracha de silicone
para reproduções em gesso ou cera foi excluído, por se saber que este material não era
comum ao reportório do artista, tendo sido utilizado para preservação da sua obra já
após o seu falecimento (Correia, 2014). Restava, assim, a possibilidade do escultor ter
recorrido ao molde de forma perdida ou ao molde por tasselos. O molde perdido, com a
respetiva reprodução em cera, não era adequado, uma vez que existem duas reproduções
iguais e esta técnica apenas permite a realização de uma única reprodução. Por outro
lado, um molde de tasselos permitiria executar duas reproduções em cera que
previamente poderiam ser fundidas pelo método de cera perdida. Contudo, a opção da
cera perdida foi excluída após terem sido identificadas, nos esbocetos, marcas
associadas ao processo de fundição em areia35
. Do exposto conclui-se que o escultor
recorreu ao método de forma perdida, passando o modelo a gesso, seguido da sua
reprodução em metal, pelo processo de fundição de areia.
O método mais comum de fundição de areia utiliza duas caixas de moldagem
simétricas, preenchidas com uma mistura de areia e argila: o modelo original é passado
a um material mais duro (neste caso, gesso36
), para posteriormente ser comprimido até
metade, num dos lados da caixa de moldagem. O outro lado da caixa de moldagem é
encaixado comprimindo na areia a outra metade da peça e, quando reaberta a caixa de
moldagem e retirado o modelo, a areia apresenta a forma da peça em negativo (Ferreira,
1999: 22, 23). Este espaço é posteriormente cheio com o metal em estado líquido e
forma-se o produto final em metal. Dado que se trata de uma caixa de fundição dividida
em duas partes, a zona de divisão/partição resulta sempre em excessos de metal, ou seja,
35
Esta informação foi posteriormente consolidada com a entrevista realizada ao Senhor José Cosme
(página 98), proprietário da Fundição Cosme, responsável pela fundição dos esbocetos e da escultura
final. 36
A presença de cálcio e enxofre, dois elementos constituintes do gesso (CaSO4.H2O), detetados nos
exames de fluorescência de raios X fortalecem esta hipótese.
55
em irregularidades na superfície (Ferreira, 1999: 314). Estas marcas são posteriormente
rebarbadas e limadas, sendo facilmente detetadas a olho nu nas duas esculturas:
superfícies com brilho e texturas diferentes, como atestam as imagens posteriores.
Fig. 11- Estudo Sissi - Vista lateral direita, Bronze patinado Fig. 12- Estudo Sissi - Pormenor da marca de
limpeza da rebarba
Fig. 13- Estudo Sissi - Vista lateral esquerda, Bronze natural Fig. 14- Estudo Sissi - Pormenor da marca de
limpeza da rebarba
56
É também possível deduzir que a caixa de fundição terá sido cheia na vertical, a partir
da base: o metal, quando é fundido, fica com uma nata, um composto de impurezas e
cinzas (escória), mais leve que o metal e, por isso mesmo, flutua. Ao vazar o metal
incandescente no molde, o metal mais puro é mais pesado e, por gravidade, deposita-se
no fundo, enquanto o mais leve, com a escória, fica à superfície. Por um lado, as peças
apresentam uma maior densidade na zona da cabeça e menor na base. Por outro, o
rendilhado visível na parte interior das peças, junto à base, corresponde ao último metal
vazado, onde a deposição concentra mais resíduos de impurezas. Este rendilhado é
visível nas duas peças, sendo mais acentuado na peça com a pátina azulada (Figura 15),
o que indica que esta terá sido fundida em segundo lugar.
Fig. 15- Estudo Sissi - Vista inferior, Bronze
Patinado, Pormenor do rendilhado provocado pela
escória
Fig. 16- Estudo Sissi - Vista inferior, Bronze Natural,
Pormenor do rendilhado provocado pela escória
A fundição destes esbocetos tinha como objetivo maior o estudo da cor, mediante
aplicação de pátinas. De acordo com a opinião do Professor Doutor José Teixeira,
especialista na área dos metais, a escultura com um tom mais amarelado apresenta a cor
57
natural do bronze (sem pátina), enquanto a escultura com um tom mais azulado
apresenta uma pátina artificial37
.
No âmbito das entrevistas e visitas efetuadas para aprofundar os conhecimentos sobre
os métodos e técnicas utilizados pelo Mestre Lagoa Henriques, tomei conhecimento da
existência de um outro esboceto (Figura 17), com a mesma dimensão e aparentemente
construído pelas mesmas técnicas, mas com maior detalhe38
e com uma pátina
diferenciada (com um verde mais forte). Esta peça encontra-se na posse do Técnico de
Fundição José Cosme, responsável pela sua fundição, bem como de outras obras do
escultor.
Fig. 17 - Esboceto de Sissi, Bronze patinado (propriedade do fundidor José
Cosme)
Este tom esverdeado, no bronze, pode ser conseguido de várias maneiras, como seja
através do uso de ácido nítrico, muriático, ou, de uma solução à base de sal, vinagre e
37
Ver anexo Entrevista – José Teixeira, página 85. 38
Foi descoberto aquando de uma visita à Fundição Cosme. Trata-se de uma oferta realizada por Lagoa
a José Cosme (o proprietário da oficina de fundição).
58
amoníaco, sendo este último o processo utilizado nos esbocetos da Sissi. Segundo
António Silva, o assistente de Lagoa Henriques, o método utilizado na patinação das
esculturas era o da impregnação.
Para além do estudo das pátinas, foi encontrada evidência, nos três esbocetos, que o
Mestre Lagoa Henriques também estudou a forma de fixar a escultura ao respetivo
suporte: após a fundição, na base dos esbocetos foi soldada uma chapa de metal com um
orifício roscado ao centro. Segundo o Professor Doutor José Teixeira, ―o orifício
roscado serve para prender a obra ao plinto, a fim de precaver a sua queda ou
desaparecimento‖39
. Refira-se que a escultura final se encontra exposta sobre um bloco
de mármore, podendo ter sido usado o mesmo sistema de fixação, embora não tenham
sido encontradas outras evidências fotográficas ou escritas a reforçar esta interpretação.
39
Ver anexo Entrevista – José Teixeira, página 85.
59
5. A Escultura Final da Imperatriz Sissi
A escultura da Imperatriz Sissi encontra-se localizada no Jardim do Casino da Madeira-
Funchal, tendo sido inaugurada em 2000 (Sipa, 2000), apresentando a aplicação das
técnicas testadas pelo Mestre Lagoa Henriques nos esbocetos.
A documentação referente à encomenda da escultura da Imperatriz Sissi contém
informação valiosa sobre a descrição genérica da obra proposta e sobre as etapas do
projeto40
. Este teria um custo total de 24.000 contos (119.711 euros), dividido em quatro
prestações iguais, correspondendo às fases de execução:
Apresentação do projeto: desenhos, estudos tridimencionais (esbocetos);
Trabalho concluído em barro;
Trabalho concluído em gesso;
Trabalho concluído nos materiais definitivos.
5.1. Modelação em barro
Note-se que depois dos esbocetos, Lagoa Henriques poderá ter realizado uma
modelação intermédia de maior dimensão, o modelo, contudo não existem quaisquer
registos deste passo. Ao consultar a documentação referente a esta encomenda, foram
encontrados registos fotográficos, revelando que o artista, após os estudos
tridimencionais, executou o modelo em barro já à escala da escultura final (segunda fase
do projeto). Foi também verificado, em outras obras, que este era o procedimento
habitualmente utilizado pelo escultor41
.
No processo de modelação da escultura em barro à escala final é necessário utilizar uma
estrutura de suporte no interior da figura modelada para apoiar o barro, contribuindo
para a estabilidade da figura. Lagoa Henriques, segundo o seu assistênte António Silva,
para construir esse ―esqueleto‖ recorria, se possível, a materiais reciclados,
nomeadamente ripas de madeira usadas na construção civil, com pedaços de cimento
agregados e já sujeitas a intempéries (água e calor), não por motivos económicos, mas
por permitir uma melhor adesão do barro e também por serem menos suscetíveis a
sofrer dilatações e contrações que provocariam danos no trabalho42
.
40
Ver anexo Correspondência entre Lagoa Henriques e João Carlos Abreu, página 110. 41
Ver anexo Exemplos de outras obras de Lagoa Henriques, página 111. 42
Ver anexo Entrevista – António Silva, página 9999.
60
Fig. 18 - Modelação da escultura final em barro -
estrutura e busto
Fonte: Gentilmente cedido pela Direção do Legado
Lagoa Henriques/ FBAUL
Fig. 19 - Escultura da Imperatriz Sissi em barro. O desenho que
acompanha o processo.
Fonte: Gentilmente cedido pela Direção do Legado Lagoa
Henriques/ FBAUL
O enchimento em barro da ―forma em bruto‖ competia ao assistente de Lagoa
Henriques, reservando este para si o trabalho de modelação. Para esse efeito a peça era
colocada num cavalete giratório, que permitia ao artista rodar integralmente a obra, que
era observada e modelada de todos os ângulos com o mesmo rigor43
. Este método de
trabalho é especialmente adequado para peças de vulto redondo, expostas ao público em
toda a sua superfície, como é o caso da escultura da Imperatriz Sissi, implantada no
Jardim do Casino da Madeira.
43
Ver anexo Entrevista – António Silva, página 99.
61
Fig. 20 - Lagoa Henriques a trabalhar a escultura final da
Imperatriz Sissi em barro
Fonte: Gentilmente cedido pela Direção do Legado Lagoa
Henriques/ FBAUL
Fig. 21 – Escultura da Imperatriz Sissi, no Jardim do
Casino da Madeira (2015)
O trabalho final de Lagoa Henriques resultava de inúmeras adequações, originadas no
decorrer do processo de construção. Era comum ao escultor alterar o projeto durante o
processo, existindo na sua obra maquetes que divergem em relação ao resultado final44
.
De um modo geral, os modelos são ampliados recorrendo a métodos mecânicos para
facilitar o processo entre a escala reduzida e escala final, contudo isto não constitui uma
regra e, muitas vezes os escultores ampliam unicamente com recurso à observação
visual. Este último é o processo utilizado pelo Mestre: um trabalho maioritariamente
intuitivo e criativo.
44
Outras obras que ilustram esta mesma questão são a escultura de Fernando Pessoa, cuja posição da
mão foi alterada na obra em gesso e o Alves Redol, que na maquete se encontra vestido e na figura
final nu.
62
Fig. 22 - Registos fotográficos utilizados por Lagoa Henriques para a representação da Imperatriz Sissi
Fonte: Gentilmente cedido pela Direção do Legado Lagoa Henriques/FBAUL
As palavras do Mestre Lagoa Henriques, quando se refere à sua obra, falam do seu
trabalho como uma dicotomia entre a escultura íntima, que ele faz para si próprio, e a
escultura pública:―(...)Porque a minha obra, como sabe, determina-se por escultura
íntima que eu não posso deixar de fazer por prazer, por inquietação, e escultura pública.
A chamada escultura de encomenda (...)‖ (Gomes, 2012: 253). Tratando-se a Imperatriz
Sissi de um trabalho de encomenda, há sempre restrições ao nível do motivo, no
entanto, a documentação mostra que Lagoa teve total liberdade para realizar a escultura.
A descrição inicial do projeto45
, remete para um cão aos pés da figura, substituído por
um livro na mão de Sissi, como atesta a escultura final. Em relação aos esbocetos, a
escultura final de Sissi apresenta um maior detalhe: no trabalho do rosto, para o qual
Lagoa Henriques se socorreu de fotografias da Imperatriz; na aplicação da cor, pelo uso
de pátinas, diferenciando o corpo dos panejamentos; nos acabamentos das texturas,
através das rendas, para os quais o escultor utilizou uma pedra, escolhida por si, pelo
resultado que a abrasão do mar lhe havia causado, bem como um pano rendilhado da
época, imprimido contra o barro (Figuras 23 e 24).
45
Ver anexo Correspondência entre Lagoa Henriques e João Carlos Abreu, página 110.
63
Fig. 23 - Escultura Imperatriz Sissi; Pormenor das texturas no vestido
Fig. 24 - Escultura Imperatriz Sissi; Pormenor das texturas no vestido
5.2. Modelação em gesso
Após a conclusão do trabalho de modelação, o passo seguinte consistiu em passar este
modelo a gesso. Para este trabalho Lagoa recorria a formadores46
. Embora não se saiba
concretamente o método de formação utilizado, deduz-se, através da informação
fornecida pelo assistente de Lagoa, o Senhor António Silva, a utilização de moldagem
de forma perdida. Este inicia-se com a colocação de lâminas que dividem a peça em,
46
Lagoa Henriques trabalhou com diversos formadores, entre os quais o Senhor Venâncio, responsável
pela moldagem dos esbocetos e da escultura final da Imperatriz Sissi.
64
pelo menos, duas partes, como é visível na figura 25, e posterior aplicação de camada de
gesso, misturado com pigmento de cor47
, seguido de uma camada fina de barro líquido
e, por fim, uma camada de gesso branco espesso48
.
Fig. 25 – Detalhe do início do processo de moldação de forma
perdida.
Fonte: Gentilmente cedida pela Direção do Legado Lagoa
Henriques/FBAUL
A empresa responsável pela fundição da escultura, Fundição Cosme & Filhos Lda,
conhecida pela sua tradição nesta área pelo processo de areia, à qual foi feita uma visita
e realizada uma entrevista com o proprietário, o Senhor José Cosme, forneceu
informação valiosa para esta dissertação. Foi através deste contacto que se confirmou o
processo de fundição utilizado, tanto nos esbocetos, como na escultura final. Ali
apurámos que a reprodução em gesso, oca no seu interior, foi cortada, segundo o Senhor
José Cosme, em quatro partes aquando da sua ida para a fundição.
47
Na entrevista, o Senhor António Silva refere a utilização de um gesso com pigmento rosa (Ver
Entrevista da página 99). 48
Ver Entrevista-António Silva, página 99.
65
Fig. 26 – Modelo em barro, com colocação de lâminas para
moldação
Fonte: Gentilmente cedida pela Direção do Legado Lagoa
Henriques/FBAUL
Fig. 27 – Modelo em gesso, evidenciando os pontos de
corte
Fonte: Gentilmente cedida pela Direção do Legado
Lagoa Henriques/FBAUL
As figuras acima evidenciam duas zonas de corte da figura, uma horizontal e outra
vertical, na saia. Verifica-se que o Mestre Lagoa Henriques planeou logo na criação do
modelo em barro quais as futuras zonas de corte do modelo em gesso, possivelmente
para acautelar o acabamento perfeito do trabalho final.
5.3. Fundição em areia
O modelo em gesso foi cortado pelo pessoal da Fundição Cosme e transportado do
ateliê do artista para a oficina de fundição já fragmentado49
.
49
Ver Entrevista-José Cosme, página 96.
66
Fig. 28 –Ação do transporte para a Fundição
Fonte: Gentilmente cedida pela Direção do Legado Lagoa Henriques/FBAUL
Esta ação facilitou, não só o transporte da obra, mas também questões práticas
relacionadas com o processo de fundição utilizado, a fundição em areia seca.
Fig. 29 - Esquema do processo de fundição de areia
67
Os quatro fragmentos foram fundidos em caixas separadas e, posteriormente, soldados.
Estas marcas de soldadura são visíveis em alguns pontos da escultura final, como atesta
a figura seguinte. Segundo o Professor Doutor Teixeira ―a partir de meados do século
XX, os fundidores começaram a utilizar recursos complementares que possibilitam a
moldagem das esculturas, de grande porte, em partes que são depois soldadas. O
inconveniente da assemblage é que o metal de adição da soldadura, sendo diferente do
metal de base da fundição, acaba depois por se notar; percebendo-se as costuras no
momento da aplicação da pátina‖50
.
Fig. 30 - Escultura Imperatriz Sissi; Pormenor de marcas da zona soldada
O processo de fundição em areia seca é muito semelhante ao processo de fundição em
areia verde (descrito no ponto 3.4.1.1) diferindo no facto da resistência da areia ser
atingida através da calcação, seguida de uma secagem do molde - já pronto. No caso da
Fundição Cosme o único aglomerante adicionado à areia é água, para a tornar húmida
para calcar, sendo posteriormente seca numa fogueira51
.
50
Ver anexo Entrevista-José Teixeira, página 85. 51
Ver anexo Visita à Fundição Cosme, página 104, Figura 48 e página 109, Figura 57.
68
5.4. Degradação das pátinas
Na escultura final da Imperatriz Sissi (figura 31) foram aplicadas pelo menos três
pátinas artificiais diferentes: uma pátina azulada, aplicada em todo o vestido; uma
castanha, na zona do corpo da figura; uma pátina preta, no cabelo e no livro.
As pátinas, previamente testadas nos esbocetos, foram também aplicadas pela Fundição
Cosme na escultura final, tendo sido facultados, por esta, os elementos constituintes de
duas das receitas utilizadas: o azul resultou de uma mistura de sal amoníaco e vinagre e
o castanho de água e sulfureto de potássio.
As figuras seguintes apresentam uma fotografia tirada à escultura na altura da sua
implantação no local (2000) e outra mais recente, de dezembro de 2015. Nesta imagem
é bem visível a alteração da cor das pátinas, natural da sua exposição aos fatores
ambientais.
Fig. 31 - Imperatriz Sissi, em 2000
Fonte: Gentilmente cedida pela Direção do Legado Lagoa
Henriques
Fig. 32- Imperatriz Sissi, vista lateral, Bronze, Lagoa
Henriques, em 2015
69
Através da informação recolhida junto do fundidor José Cosme, sabe-se que foi aplicada
uma camada de cera sobre a escultura, para proteger as pátinas52
. No entanto, este tipo
de tratamento exige manutenção e, embora não se tenha tido acesso a informação
relacionada diretamente com este facto, a degradação da pátina é visível a olho nu,
levando a supor que mesmo que a escultura tenha sido sujeita a qualquer ação de
prevenção desde a sua implantação esta não foi suficiente para manter a sua coloração
original.
Fig. 33 - Fases do desenvolvimento das pátinas naturais nas ligas de cobre em ambientes urbanos
Fonte: Fontinha et all, 2008: 88
Esta degradação das pátinas preocupava muito Lagoa Henriques, por alterar a perceção
das formas. Este processo moroso ocorre apenas numa camada muito superficial do
metal, contudo a sua alteração provoca mudanças significativas na cor e textura das
esculturas, sendo estes aspetos muito importantes na obra do escultor.
Nas ligas de cobre a corrosão resulta numa camada superficial (pátina) com
características protetoras, constituídas por óxidos de cobre e carbonatos básicos. No
entanto, determinadas condições atmosféricas podem contribuir para o desenvolvimento
de outros compostos, como sulfatos e cloretos de cobre, habituais em ambientes
marítimos, podendo acelerar o processo de corrosão. Este pode muito bem ser o caso da
escultura da Imperatriz Sissi: a sua localização, em ambiente exterior e perto do mar,
52
Ver anexo Entrevista-José Cosme, página 96.
70
pode constituir a principal causa de degradação da pátina, pela reação dos compostos
nela existentes com iões de cloreto, presentes no ar (Fontinha, 2008: 88).
O esquema anterior (Figura 33) ilustra o desenvolvimento da degradação das pátinas
das ligas de cobre, em ambiente atmosférico, a partir das sucessivas alterações da cor: a
degradação tem início com um tom castanho-avermelhado e evolui para uma mistura de
pátinas, numa primeira fase pretas e posteriormente verdes, sendo nesta última que há
maior risco de perda de material. Nenhuma destas fases é reversível, podendo ocorrer
em diferente graus consoante a exposição das diferentes faces da escultura.
Fig. 34 - Pormenor da alteração da pátina original na face
figura
Fig. 35 - Pormenor da alteração da pátina original na mão da
figura
A pátina preta, presente na escultura final, aparece de forma generalizada nas zonas
inicialmente patinadas a castanho-dourado (corpo da figura, embutido frontal no decote
do vestido e flor segura sobre o livro) e nas pátinas outrora pretas brilhantes, que agora
apresentam um preto fosco (cabelo e livro).
71
Fig. 36 - Pormenor da alteração da pátina no adorno do
decote do vestido
Fig. 37 - Pormenor da alteração da pátina na mão,
livro e flor
Fig. 38 - Pormenor da alteração da pátina original no
cabelo da figura
Fig. 39 - Pormenor da alteração da pátina original no
cabelo da figura
O aparecimento das pátinas pretas pode apresentar um tom mais acastanhado ou mais
esverdeado, sendo constituídas principalmente por cuprite (Fontinha, 2008: 89). A
formação das pátinas verdes inicia-se com a presença de água, podendo observar-se
sobretudo nas zonas de escorrimento, e resulta da reação com a cuprite e cloretos
(Fontinha, 2008: 90).
72
Ao nível do vestido pode observar-se um desvanecimento generalizado da cor azul. Esta
perda é resultante, em parte, da interatividade do público, que se abraça lateralmente à
figura, estando estas zonas mais escuras (Figuras 41 e 42).
Fig. 40 - Pormenor de alteração da pátina e da textura
Fig. 41 - Pormenor de alteração da pátina
73
Fig. 42 - Pormenor de alteração da pátina
Por outro lado, foram observados outros tipos de corrosão, manchas e alterações nas
texturas da escultura que se consideram relevantes e por isso elementos que carecem de
estudo adicional num futuro próximo.
Fig. 43 - Pormenor de alteração da pátina nas pregas
do vestido
Fig. 44 - Pormenor de alteração da pátina na parte
inferior do decote da figura
74
Fig. 45 - Pormenor de superficie danificada
Fig. 46 - Pormenor de corrosão
75
6. Conclusão
Na realização de tratamentos de Conservação e Restauro é necessário adaptar as
metodologias de trabalho aos materiais, tecnologias e concetualidade envolvida na
produção de arte. Para minorar o risco de uma ação de Conservação e Restauro alterar o
significado da obra é necessário avaliar se o estado de conservação do objeto está em
conflito com a intenção do artista, sendo essencial o trabalho junto de historiadores,
assistentes, familiares e/ou amigos dos artistas.
No caso da arte contemporânea, normalmente os artistas ainda se encontram vivos e a
sua participação e contribuição podem ser cruciais para o sucesso de uma intervenção:
ao identificar os materiais e técnicas utilizadas na produção e o âmbito intelectual e
simbólico do objeto, o artista auxilia na compreensão da obra e na proposta do
tratamento a efetuar. Contudo, quando não é possível chegar ao artista, a participação de
técnicos especializados nas tecnologias de produção utilizadas pode ser determinante.
Esta dissertação vem ilustrar a mais-valia na realização do estudo multidisciplinar,
tendo em conta o início do estudo de uma obra pela investigação histórica e técnica e,
principalmente, pela observação, que constitui a primeira abordagem à avaliação do
estado de conservação de obras escultóricas em metal, bem como noutro material. Uma
observação minuciosa e atenta revelará de imediato qualquer defeito mais óbvio.
Contudo, a inspeção visual apresentará mais resultados quanto maior for o
conhecimento do analisador. Por outras palavras, é imperativo saber para onde olhar e o
que procurar.
No entanto, a inspeção visual, só por si, não garante a deteção de defeitos internos,
sendo necessário recorrer aos métodos de exame e análise. No presente caso, a junção
das práticas de laboratório com as preocupações da Conservação e Restauro e o domínio
das tecnologias de produção artística utilizadas, permitiu um estudo conclusivo da
caracterização técnica e material dos esbocetos da Imperatriz Sissi, elaborados por
Lagoa Henriques como estudos preliminares da escultura encomendada para o Jardim
do Casino do Funchal – Ilha da Madeira. Permitiu também identificar quais os
elementos valorizados pelo escultor, contribuindo para direcionar as metodologias de
conservadores-restauradores na preservação e conservação, tanto dos esbocetos, como
da escultura final.
76
O conhecimento sobre o tipo de características e possíveis defeitos e causas associadas
às tecnologias utilizadas na produção da Escultura permite, mais fácilmente, distinguir
as patologias das características resultantes de um determinado processo de conceção e
construção. Por um lado, o trabalho multidisciplinar permite uma melhor reflexão
aquando da seleção de materiais a aplicar, implementando melhores soluções e, por
outro, uma melhor aplicação no uso das técnicas e materiais.
No caso em estudo, a observação e as análises efetuadas anteriormente aos esbocetos
em metal da Imperatriz Sissi permitiram a sua caracterização técnica e material,
concluindo que foram construídos de acordo com o processo tradicional da Escultura:
barro (modelação por adição) – gesso (moldagem, possivelmente pelo método perdido)
– bronze (fundição em areia seca). Foram também identificados os elementos utilizados
nas pátinas azuis/esverdeadas (sal, vinagre e amoníaco).
Os estudos preliminares apresentam os elementos que serão depois mais elaborados e
desenvolvidos em grande escala. Os esbocetos de Sissi são essenciais, enquanto
transmissores do conhecimento dos materiais e procedimentos utilizados pelo escultor.
Por um lado, por vezes, há uma certa inflexibilidade nas obras realizadas por
encomendadores, que acaba por levar os artistas a fazer algumas cedências, para, no
fundo, conciliar os seus interesses com os do encomendador. Por outro, como
demonstra o caso dos esbocetos de Sissi, e outras obras do Mestre Lagoa Henriques, o
artista pode mudar de ideias durante o decorrer da construção da obra. Esta questão
acaba por exemplificar a importância do conservador-restaurador ter de reger o seu
trabalho num estudo aprofundado das obras a intervencionar, um estudo técnico e
também artístico, que perceba a metodologia artística utilizada em cada caso e
identifique a obra na sua época, mas também no estilo pessoal do seu autor e nas
circunstâncias envolventes à motivação da sua construção.
A passagem dos esbocetos a bronze e a sua posterior patinação constituem uma fase de
pesquisa extensa no seu processo criativo em que nada é descurado e onde o escultor
procura estudar os materiais e os tratamentos de superfície, para posterior aplicação na
escultura final.
Do ponto de vista da linguagem plástica é possível observar uma grande diferença entre
os estudos iniciais e a escultura final. Os esbocetos apresentam uma espontaneidade e
frescura ligada com uma procura da forma, uma ação muito gestual. A escultura final
apresenta um trabalho mais demorado, onde se pretende o acerto da escala e proporção
77
e onde, sobretudo, há um trabalho minucioso ao nível da qualidade das superfícies: as
texturas e a coloração/patinação.
No domínio das tecnologias, de um ponto de vista processual, Lagoa Henriques é um
escultor de natureza clássica. Os sinais de modernidade evidenciam-se nos seguintes
pontos:
A anulação do naturalismo pela substituição de uma simplificação formal que
evidencia a pureza das formas: na escultura final da Imperatriz Sissi a
simplificação aparece ao nível do tratamento do rosto, apresentando um
tratamento mais cuidado e pormenorizado dos panejamentos.
A perda da verticalidade, quer pela introdução da escala humana, quer pela
abolição do plinto: enquanto a Escultura tradicional era ―separada‖ do público,
pelo uso do plinto, Lagoa Henriques não utiliza qualquer mediador entre o real e
o simbólico: o posicionamento da escultura final da Imperatriz Sissi, sobre um
bloco de mármore, que possui a altura exata dos membros inferiores não é um
acaso. Trata-se de uma nova ligação da Escultura com o público, a Escultura não
deve apenas ser observada, e o público é convidado para essa interação, para
esse diálogo.
O trabalho de acabamento superficial da escultura, pela texturização e aplicação
da cor era muito importante para o Mestre Lagoa Henriques, representando uma
parte significativa do seu processo criativo.
Embora a Conservação e Restauro de Arte Contemporânea se distinga pela
problemática do uso de novos materiais e técnicas, exige também o conhecimento dos
materiais e técnicas tradicionais que continuam a ser utilizados e, por vezes, até
recriados com novas abordagens. Outro aspeto a considerar é o uso de ferramentas não
habituais, como no caso de Lagoa Henriques o recurso a pedras ou rendas impressas.
A realização desta dissertação permitiu identificar que o foco de trabalho do Mestre
Lagoa Henriques se encontra na qualidade das superfícies, a pátina e as texturas fazem
parte do seu processo de expressão artística e, por isso, a sua degradação ou anulação
vai contra a sua intenção. Ao observar a escultura final da Imperatriz Sissi foram
detetadas alterações ao nível da coloração das pátinas e das texturas. Estas são
provocadas tanto pelo uso como por exposição a determinadas condições atmosféricas.
Porém, Lagoa Henriques promovia a interação entre a obra e o público, fator que
também pode contribuir para a alteração da pátina. Assim, é questionável até que ponto
78
os danos resultantes dessa interatividade podem pôr em risco a leitura da obra, tendo em
conta o objetivo do seu criador? Quais são os padrões de degradação aceitáveis?
De forma a definir possíveis ações de Conservação e Restauro a adotar é necessária a
realização de um diagnóstico apurado, realizado por especialistas, que possam definir o
tipo de intervenção a efetuar.
79
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84
ANEXOS
85
Entrevista - José Teixeira
Esta entrevista teve lugar na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa no
dia 2 de Julho de 2014. Foi realizada, em contexto informal, por Ana Lúcia Pinto
seguindo-se a sua transcrição gravada em registo áudio53
.
Ana Lúcia - Antes de mais, agradeço a sua disponibilidade. O propósito desta
entrevista consiste em perceber um pouco mais sobre o processo de criação e produção
artística dos dois estudos Lagoa Henriques. As duas esculturas de pequeno porte
fundidas em metal e que terão sido os esboços, as maquetes, que deram origem à
escultura da Imperatriz Sissi, localizada no Funchal. O professor José Teixeira regente
da cadeira de metais lecionada na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa
e é na qualidade de especialista da área e na qualidade de artista plástico que a sua
colaboração se torna essencial. A primeira questão que eu gostaria de lhe colocar, com
base na observação das esculturas, é sobre o que professor pode aferir sobre acerca do
seu processo de fundição.
José Teixeira - Apercebo-me aqui que as peças são dois múltiplos, exatamente feitas
pelo mesmo processo. Uma está em bronze natural e a outra tem uma pátina esverdeada.
Ana Lúcia - Mas a pátina terá sido propositada?
José Teixeira - Sim, esta é uma peça sem pátina. Isto dá-me a ideia que é fundição de
areia, porque apresenta as marcas das ‗rebarbas‗ (abrasão do esmeril da retificadora) ao
longo de uma linha longitudinal que divide a peça ao meio. Neste processo a escultura é
moldada num lado até metade, (o professor exemplificou a forma como a escultura é
colocada na horizontal para ser mergulhada na areia) e no outro a restante parte. Aqui
pode ver-se, a olho nu, perfeitamente, a costura resultante da união duas metades; nota-
se um vinco com diferente de luminosidade, que corresponde a outra textura, diversa do
grão da restante superfície da peça, que equivale à zona limada. A mim, dá-me a ideia
que, de facto, as peças foram reproduzidas pelo processo de fundição de areia.
Provavelmente em alguma fundição do Norte54
.
53
A transcrição desta entrevista foi revista pelo entrevistado. 54
Em Gaia existe alguma tradição de fundição artística pelo processo de fundição de areia por exemplo
a Fundição Lage e a Fundição Cosme & Filhos Lda.
86
Relativamente à diferença de cor do bronze nota-se, nesta peça, (o professor observa a
base da escultura) a diferença de tom e textura entre o interior e o exterior em que a base
foi rebarbada, soldada, limada, antes de receber a pátina.
No caso de a liga ser latão os tons esverdeados conseguem-se, por exemplo, com uma
receita à base de água (100 partes), sulfato de cobre, (8 partes) e sais de amoníaco (2
partes). Este tom esverdeado, no bronze, pode ser conseguido de várias maneiras:
através do uso de ácido nítrico, muriático ou, de uma solução à base de sal, vinagre e
amoníaco.
Ana Lúcia – Considera que as peças foram reproduzidas a partir de um modelo em
gesso?
José Teixeira - Sim, certamente, a partir de um modelo em gesso. Conhece o processo
de fundição e areia? A peça é mergulhada na caixa de areia refratária, metade num lado
e metade no outro e, depois, o molde é colocado na vertical. A caixa é composta por
duas metades simétricas, tem uns pernos e uns buracos (macho e fêmea), que encaixam
e firmam ambas as partes. A peça é normalmente moldada uma parte em metade da
caixa e a outra na oposta. Depois são feitos sulcos que correspondem aos gitos dos
respiradouros e sistema de abastecimento do bronze ao molde. Neste caso, julgo que foi
feito pelo processo de fundição de areia, pois se reparar existiu aqui um macho neste
buraco (o professor aponta para o interior oco da escultura). Eu calculo que tenha sido
cheia assim. Porquê? Porque as superfícies mais delicadas, que têm mais pormenores,
devem ser preservadas da adição de elementos estruturais. Neste caso, julgo que as
peças foram moldadas de modo a ficarem com as bases voltadas para cima. No interior,
havia um macho, (para fazer o oco) e na periferia havia os gitos, que são elementos
normalmente cilíndricos, e que convergem para uma taça por onde depois se dá
enchimento do molde. Há aliás, aqui outro aspeto que também me leva a concluir que,
de facto, ela deverá ter sido cheia a partir da base uma vez que a que a figura não tem
pés. Ao optar por um vestido comprido, o escultor omite os pés, o que facilita, de facto,
a reprodução do objeto. E eu digo isto baseado também, numa outra observação, que é a
seguinte: o metal quando é fundido fica com uma nata que é um composto de impurezas
e cinzas (escória) que são mais leves que o metal e que por isso flutuam. Já vi
fundidores a lançarem bocados de vidro no cadinho, para aglutinar as impurezas. Ao
vazarem o metal incandescente no molde o que acontece é que o metal mais puro é mais
pesado e por gravidade se vai depositar no fundo e o mais leve, com a escória e com as
cinzas, fica à superfície. Aqui, neste caso, nota-se que a densidade da peça é maior na
87
zona da cabeça e menor na base. Este rendilhado aqui, na base, corresponde ao último
metal vazado do cadinho onde a deposição concentra mais resíduos de impurezas. Aqui
nesta (o professor pega na escultura com a pátina esverdeada) não se nota tanto,
imagino que tenha sido fundida primeiro. E a outra deverá ter sido a última. Depois dos
moldes cheios cortam-se a taça ou o cálice (que corresponde ao funil de enchimento) e
os gitos, sendo o metal reaproveitado para novas fundições. A peça é feita como se
fosse um sino; para não ficar maciça puseram-lhe aqui um macho, que é um positivo,
normalmente, feito com areia e com uma resina, que vai ocupar este espaço. Se reparar
o formato interior é precisamente igual em ambas as esculturas, o que indica que foram
moldadas no mesmo sítio pelas mesmas mãos. Este processo é fundamental,
particularmente nas esculturas de grande dimensão. Imagine o peso que teriam e os
custos que implicariam se as esculturas em bronze não fossem ocas? São ocas, por uma
questão económica e também para facilitar a portabilidade. A partir de meados do
século XX, os fundidores começaram a utilizar recursos complementares que
possibilitam a moldagem das esculturas, de grande porte, em partes que são depois
soldadas. O inconveniente da assemblage é que o metal de adição da soldadura, sendo
diferente do metal de base da fundição, acaba depois por se notar; percebendo-se as
costuras no momento da aplicação da pátina.
Ana Lúcia - E essa incompatibilidade entre os metais também poderia resultar em
alguns processos de corrosão e degradação?
José Teixeira - Sim, particularmente, nos metais ferrosos. Quanto maior for a
heterogeneidade das matérias mais perecíveis elas se tornam. O sítio do metal soldado
altera-se do ponto de vista físico e químico, daí que seja mais suscetível à corrosão.
Aqui (na base) nota-se bem o efeito do calor motivado pelo acrescento de uma chapa de
latão, com um orifício roscado ao centro, que foi soldada, precisamente, para assegurar
alguma integridade; o orifício roscado serve para prender a obra ao plinto, a fim de
precaver a sua queda ou desaparecimento. Neste, múltiplo que não recebeu pátina,
observam-se melhor os vestígios (respingos) da soldadura no seu interior. Verifica-se,
aqui (o professor mostra o interior da escultura) pela cor (amarelo), que o metal deve ser
latão. O bronze, como tem mais cobre apresenta, normalmente, um tom mais rosado.
Este amarelo, que aqui se vê brilhante, é tal como saiu da fundição. Foi apenas limpo
das areias aqui depositadas (macho) e o resto foi tratado de uma maneira semelhante.
Nota-se, nesta peça, que a cor do interior é semelhante à do exterior, embora o interior
não tenha sido tratado com tanto cuidado, uma vez que não é para ficar visível. No
88
exterior apercebermo-nos dos gestos da modelação e até me faz pensar, pelo tipo de
modelado, que, talvez, o modelo tenha sido executado em cera...
Ana Lúcia - Também tive essa impressão...
José Teixeira - A avaliar por estes pelo empastado (que faz lembrar alguma pintura)
diria que o modelo inicial não foi feito em barro; a superfície lisa e o efeito de escorrido
consegue-se mais facilmente em cera. Repare que o escultor não só modela como tira
partido da matéria plástica, dando largas a uma certa espontaneidade no gesto. Vê-se,
aqui, que o teco desenha sobre a própria peça; risca, quer para sugerir alguma anatomia
interna quer para acentuar as pregas do vestido.
Ana Lúcia - A escultura final tem um vestido com uma pátina verde (que é muito
aproximado ao tom verde de um dos estudos) enquanto o corpo é mais dourado. Na sua
opinião pensa que o Mestre Lagoa Henriques terá testado num destes estudos a pátina
que mais lhe convinha?
José Teixeira - Pela experiência que ele tinha, saberia o que era mais adequado.
Embora este tipo de tratamento seja mais ou menos tradicional na escultura em bronze e
se deva considerar que os estudos mantêm alguma autonomia relativamente à
ampliação. O Lagoa era essencialmente um modelador. Embora ele se pudesse assumir
como um artista moderno, que usava de uma certa liberdade de simplificação formal
como se pode alias verificar pelo Fernando Pessoa que esta no Chiado. Ele foi aluno no
Porto e interiorizou, bastante, a influência de Barata Feio que foi um pioneiro da
modernidade, o fazer uso dessa simplificação formal na estatuária Portuguesa. De
qualquer modo, ambos se mantiveram fieis, do ponto de vista processual, à matriz de
formação clássica. O procedimento continua semelhante ao do classicismo oitocentista.
Onde o escultor começa por modelar para, a seguir, passar à moldagem e proceder,
depois, à passagem ao material definitivo - trasladação à pedra ou fundição.
Ana Lúcia - Para concluir, o professor concorda, então, que estes estudos, neste
momento, valem tanto como a escultura final e são independentes, autónomos, dela?
José Teixeira - Não diria que valem tanto. Há duas questões que eu colocaria — uma é
o valor de uso e a outra é o valor de troca. No fundo, o valor não é uma coisa absoluta.
Depende de quem o atribui. O valor de uso tem uma componente afetiva, sentimental,
de usufruto de quem, enfim, detém a obra e a desfruta. O valor de troca está sujeito ao
mercado de trocas. Tem a ver com o aspeto financeiro a que esta sujeita a obra. Mas isto
também não é feito em termos absolutos, depende da cotação do artista no mercado;
depende de muitas outras coisas, nomeadamente, se a escultura é pública, ou, se é obra
89
intimista. A obra doméstica ou intimista é para ter em casa, na prateleira da biblioteca,
ou para estar num museu, enquanto a de maior porte, a escultura pública, é destinada,
como o próprio nome designa, ao espaço público. Digamos que a escultura pública tem
um carácter mais democrático, uma vez que pode ser fruída por quem passa, enquanto a
obra intimista é mais reservada. Por outro lado, quando se fala de valor, há que
distinguir a qualidade da quantidade; se formos apenas a olhar para o estrito valor
material, a obra em espaço público é mais onerosa, o que não implica que do ponto de
vista estético, seja sempre mais valiosa que o estudo. A obra de arte não vale pela
dimensão nem vale pelo sítio. Digamos que não constitui um aspeto de caracterização
absoluto. Não há uma grelha de avaliação relativamente à obra de arte, onde cada caso é
um caso, que não se deve eximir ao contexto cultural e artístico que a determina.
Ana Lúcia - Muito obrigada pela sua colaboração e pela sua disponibilidade para a
concretização desta entrevista...
José Teixeira - Tive muito gosto, Ana Lúcia, espero que sejas bem-sucedida no
trabalho e qualquer dúvida...cá estaremos para resolver.
Ana Lúcia - Tenho a certeza que sim, obrigada.
90
Entrevista - Maria João Gamito
Esta entrevista teve lugar no Legado Lagoa Henriques, local onde se encontram
acondicionadas as obras do escultor, no dia 24 de Novembro de 2015. Foi realizada, em
contexto informal, por Ana Lúcia Pinto seguindo-se a sua transcrição gravada em
registo áudio.
Ana Lúcia - A Doutora Maria João Gamito teve o privilégio de trabalhar lado a lado
com o escultor, pelo que a sua colaboração se torna essencial. As perguntas colocadas
nesta entrevista têm como objetivo perceber o processo de produção escultórica do
Mestre Lagoa Henriques, tendo como caso de estudo a escultura da Imperatriz Sissi. Em
que área colaborou com o escultor?
Maria João Gamito - Trabalhei com ele enquanto colega na Escola de Belas-Artes, na
altura em disciplinas de Comunicação Visual, onde já tinha sido aluna dele, e Desenho,
onde também já tinha sido sua aluna.
Ana Lúcia – Comunicação Visual foi uma disciplina criada pelo Mestre Lagoa
Henriques, certo?
Maria João Gamito – Exatamente. Na revisão curricular que aconteceu em 1974-75...
instaurou essa disciplina e também os cursos de Design, que só então apareceram.
Ana Lúcia – Em relação à importância do desenho para Lagoa Henriques... desenhar
era parte do processo escultórico?
Maria João Gamito – Desenhar fazia parte da vida dele! O desenho tinha na obra dele
uma importância enorme: quer ao nível da autonomia do próprio desenho, ele era um
desenhador compulsivo que desenhava todos os dias; quer ao nível dessa preparação das
esculturas, dos primeiros apontamentos para as esculturas; quer ao nível do registo
diário do quotidiano, que aparece nos diários gráficos... E isso é muito interessante, é
que esses desenhos, esses primeiros apontamentos, são feitos tão avulso como os outros,
eles aparecem integrados no dia-a-dia dele.
Ana Lúcia – Ele também foi responsável pela introdução do diário gráfico nas Belas-
Artes...
Maria João Gamito – Sim, na disciplina de Comunicação Visual e Desenho. Ele
propunha aos alunos a realização de um diário gráfico como registo de um quotidiano,
pelo qual nós passávamos, e que ele praticava muito antes disso... é nesse contexto do
registo constante que ele insere os programas, os modelos, os apontamentos, as
91
primeiras ideias para as obras que lhe encomendavam, ou que ele tomava a iniciativa de
realizar.
Ana Lúcia – É nesse contexto que também aparece a escultura íntima, que nasce desses
desenhos que ele faz para ele?
Maria João Gamito – Não... porque essa diferença entre escultura íntima e escultura
pública é uma diferença que se situa mais no plano da diferença entre a encomenda e o
trabalho do escultor. A escultura íntima é a escultura que se faz sem nenhum objetivo
para além do exercício da escultura, dessa prática da escultura, independentemente de
qualquer programa que venha de fora... tem uma dimensão diária também. A escultura
pública responde sempre a uma encomenda. Ele considerava que a escultura íntima era
uma escultura de liberdade, a escultura em que o artista se expressa livremente...
Ana Lúcia – Por inquietação...
Maria João Gamito – pelo quer que seja... ao contrário da pública que vem sempre
envolta em constrangimentos da personagem, da situação, do lugar, dos custos, dos
poderes.
Ana Lúcia – Em relação à Imperatriz Sissi, houve restrições por parte do
encomendador?
Maria João Gamito – A documentação que existe mostra que ele teve total liberdade
para realizar a escultura. Aliás, a própria mudança que houve desde o primeiro projeto,
que tinha o cão, até esta figura definitiva, mostra essa liberdade.
Ana Lúcia – Sim, em vez do cão, que estaria aos pés da Sissi, a escultura apresenta-nos
um livro nas suas mãos... algum motivo específico para esta mudança?
Maria João Gamito – São especulações...todos nós podemos ter uma opinião mas, não
sabendo qual foi a razão da mudança, não ultrapassa o plano da especulação.
Podemos dizer que há uma simplificação do conceito, há uma contenção maior, porque
a figura deixou de ter o apêndice do cão... o livro está sobreposto às dobras do vestido,
há uma maior contenção daquela peça mas é só isso que podemos dizer...
Ana Lúcia – Era um criar contínuo...essas alterações faziam parte do seu processo?
Maria João Gamito – Criar é um palavrão enorme... pesadíssimo... cheio de variantes e
subtilezas... Eu acho que era uma inquietação permanente, uma insatisfação
permanente. Havia sempre uma necessidade enorme de acautelar tudo. O tratamento das
texturas, por exemplo, é um sintoma disso, o acompanhamento dos processos de
patinação é outro... A questão é sempre a da depuração da forma. Uma procura
sistemática encontrada no fazer, porque é no fazer que as coisas aparecem, é no fazer
92
que um professor ensina o desenho ou a escultura, não é teoricamente. Esse fazer faz
acontecer caprichos... faz acontecer descobertas... e ele ia atrás delas, e ia muito bem!
Ana Lúcia – Falou dos acabamentos das superfícies, quer através do tratamento das
texturas, quer pela utilização de pátinas, o que é uma constante no seu trabalho. Que
relevância atribuía Lagoa Henriques à aplicação destes acabamentos?
Maria João Gamito – A relevância era total...porque para ele, na obra, nada podia ser
descurado… e essa qualidade das superfícies, de alguma maneira, é a zona de contacto
connosco e ela tinha de ser qualificada.
Ana Lúcia – A degradação da pátina, que ocorre com a passagem do tempo, isso
incomodava Lagoa Henriques?
Maria João Gamito – Incomodava muito... incomodava-o a ele e às pessoas que
gostavam da obra dele. No caso de outra obra dele, que está na Madeira, o grupo
escultórico A Terra e o Mar, na Ilha de Santa Cruz, a pátina está a desaparecer, por
oxidação do mar...
Ana Lúcia – Sim, a localização é propícia a essa alteração...
Maria João Gamito – E também porque as pessoas a utilizam: sentam-se nela, deitam-
se nela... tocam-lhe. Esse desgaste, provocado pelo uso, ou por uma exposição às
condições atmosféricas, tudo isso vai anulando a pátina... e isso preocupava-o. Mas não
o suficiente para abdicar do seu projeto de vivialidade entre as esculturas e as pessoas.
Ana Lúcia – Estávamos a falar há pouco das inovações ao nível académico que Lagoa
Henriques introduziu: a disciplina da Comunicação Visual, o diário gráfico, os
referentes e os modelos... Eu li numa entrevista, realizada ao escultor, no âmbito da tese
de mestrado de Bruno Gomes, que Lagoa Henriques considerava o processo de ensino
tradicional da escultura limitativo:
(...)aqui em Lisboa, e até no Porto, fazia-se um curso inteiro apenas a trabalhar no
barro como material intermédio, para depois se passar a gesso e depois do gesso
passava-se a bronze ou a pedra! O que é sob o ponto de vista da formação e da
aprendizagem...extremamente limitativo! (... (Gomes, 2012: 26).
A que limitações ele se referia?
Maria João Gamito – É muito claramente a questão dos modelos, mas é também a do
contacto com os novos materiais, que a reforma de 1957 vem implementar no ensino...
entre as várias inovações que essa reforma trouxe, uma delas, muito importante, foi a
renovação dos materiais. Essa renovação dos materiais fazia com que o próprio
93
pensamento da escultura se dirigisse para objetos que já não eram só desse tempo
previsível das passagens de uns para os outros...
Nesse processo, que Lagoa descreve, e é o processo convencional da Escultura
académica, barro – gesso – bronze, ou outro material, nós aqui temos uma progressão,
uma espécie de hierarquia dos materiais. Os materiais provisórios, os da modelação, o
barro, os da passagem, o gesso, e depois essa reprodução num material perene, a pedra
ou o bronze... nos novos materiais isso não existe. Porque tens peças diretamente
recortadas em aço, construídas diretamente em poliuretano... tens uma democratização
dos materiais e, portanto, havia uma inovação ao nível dos modelos, também ao nível
dos processos e muito ao nível do alargamento da escultura para o território dos novos
materiais, que já estavam incluídos nos programas de 1957.
Ana Lúcia – Em relação às tecnologias e materiais utilizados pelo Mestre Lagoa
Henriques, o material usado para a modelação era habitualmente o barro. Era costume
recorrer a outro tipo de matéria moldável? Cera, por exemplo? Gesso?
Maria João Gamito – A matéria inicial era o barro, mas depois há processos de
formação para gesso ou cera... a única que eu conheço é a peça que está em Lagos e da
qual existe uma fotografia em cera precisamente. Foi essa peça que apareceu agora num
leilão... portanto a cera existe, em qualquer sítio, e é a partir desse original que estão a
ser feitas reproduções.
Ana Lúcia – Ele recorria a modelos vivos para a representação da figura humana?
Maria João Gamito – Recorria, e não era só para a representação da figura humana!
Ele tinha no ateliê pombos à solta e tem vários desenhos com esses pombos. Um deles,
a legenda do desenho é Múrcio, que era o nome desse pombo. Ele pousava no ombro
dele enquanto ele desenhava e trabalhava. Portanto não era só para a representação da
figura humana, ele usava modelos vivos para a representação.
Ana Lúcia – A importância do desenho à vista...
Maria João Gamito - Sim.
Ana Lúcia - Após a realização dos esbocetos, o Mestre Lagoa Henriques executava
uma nova modelação em barro, já há escala final... para este processo, o Mestre recorria
a algum processo de ampliação, método dos três compassos ou algum outro dispositivo
que ajudasse a essa transferência de escalas, a partir do esboceto realizado
anteriormente?
Maria João Gamito - Essa ampliação era realizada à vista... intuitiva. Porque se fosse
tão mecânica, como essa dos três compassos, limitava-se a passar a outra escala aquilo
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que já existia e nós já vimos como, no exemplo da supressão do cão, a construção do
livro, a mão do Fernando Pessoa, o processo de ampliação implicava também sempre
novas adequações... vê-se nas fotografias dos esbocetos, ou na Sissi, o trabalho das
rendas na figura final... é claro que há um processo de invenção, não é uma ampliação
simples, e que tem outra vez a ver com a qualidade das superfícies.
Ana Lúcia – Na obra do Mestre como se relaciona a ligação da literatura e da poesia
com a escultura?
Maria João Gamito - Relacionam-se a partir de um ex-libris do Lagoa: a poesia é a
passagem do não ser ao ser, que ele foi buscar a Platão. Esta é a raiz fundadora dessa
relação: a passagem de um estado de não acontecimento para um estado de
acontecimento. Em termos mais profundos essa é a relação primária e depois há outra,
mais superficial, que tem a ver com ele próprio na esteira do Barata Feyo, que foi
professor dele, e de quem um crítico tinha dito que era um escultor da poesia, ou um
escultor de poetas... o próprio Lagoa foi um escultor de poetas, ele fez inúmeras
esculturas e monumentos a poetas. A relação tem a ver com essa emergência de um
acontecimento.
Ana Lúcia – Há alguns autores em particular que tenham sido referência, que seja
importante destacar?
Maria João Gamito - Isso devias ser tu a procurar...
Ana Lúcia – Eu apercebi-me principalmente de Almada Negreiros... o retrato de
Fernando Pessoa é muito semelhante à escultura que o Mestre realizou na Brasileira ...
esta relação foi propositada?
Maria João Gamito - Ainda no outro dia te disse que é uma pena teres de entregar a
tua tese tão brevemente porque aquele livro que está agora em provas tem essas relações
todas, a do Almada também... mas os escultores de referência, mais próximos ou mais
longínquos são o Barata Feyo e depois os escultores que influenciaram o Barata Feyo,
mas que também o influenciaram a ele, o Marino Marini, com quem trabalhou em Itália.
E depois os outros, que influenciavam os escultores bolseiros em Roma: o Rodin,
incontornável, o Bourdelle, o Maillol...o Henri Moore também.
Ana Lúcia – Há mais alguma observação, em relação ao Mestre Lagoa Henriques, ao
seu trabalho, ao seu processo, que considere pertinente e que não tenha sido mencionada
durante esta entrevista?
Maria João Gamito - Não é nada que tu não tenhas referido... é só para o entendimento
da obra deste homem. A questão do ofício, da naturalidade do ofício: não há pompa no
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trabalho do Lagoa Henriques, não há vedetismo. Ele faz questão de afirmar, como nas
aulas, e isso para ele formava também a atividade pedagógica, há um processo de
trabalho honrado, uma honradez na profissão que ele comparava com o ofício medieval
da escultura, do aprendiz oficial e mestre, por exemplo. Uma honradez que faz com que,
liberto dessas questões da resposta pública, haja a questão da honradez do ofício, do
escultor que é capaz de recomeçar ―n‖ vezes e, nesse recomeçar, estão os acidentes
todos que podem acontecer à escultura, designadamente o próprio desaparecimento da
peça que se está a trabalhar, ou porque caiu, ou porque se esborrachou, qualquer coisa...
e é preciso sempre recomeçar. É essa paciência, que para ele passa também por uma
honradez no trabalho, que eu acho que é importante no trabalho do Lagoa Henriques.
Ana Lúcia – Muito obrigada pela sua colaboração, que será essencial para o
desenvolvimento do meu trabalho.
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Entrevista - José Cosme
Esta entrevista teve lugar na Fundição Cosme, em Canelas, Vila Nova de Gaia, no dia
23 de Novembro de 2015. Foi realizada, em contexto informal, por Ana Lúcia Pinto
seguindo-se a sua transcrição gravada em registo áudio.
Ana Lúcia – A Fundição Cosme era responsável pela maioria dos trabalhos do Mestre
Lagoa Henriques?
José Cosme – Sim, a partir de cerca de 1986 ele trabalhou sempre connosco.
Ana Lúcia – Trouxe aqui umas imagens da escultura final em estudo para lhe mostrar e
trouxe também imagens dos primeiros estudos que Lagoa Henriques fez para esta
escultura. Era hábito do Lagoa Henriques mandar sempre fazer a fundição destes
estudos em pequena dimensão antes de passar à escultura final, de grande dimensão?
José Cosme – Não, de vez em quando fazia maquetes pequenas como essa mas
dependia... havia peças que eram mesmo pequenas e nunca passavam a grande
dimensão.
Ana Lúcia – Era Lagoa que definia o processo de fundição que desejava ou era o
fundidor que aconselhava?
José Cosme – Éramos nós.
Ana Lúcia – E as ligas também?
José Cosme – Sim.
Ana Lúcia – Em relação a estes esbocetos, sabe-me dizer qual foi o processo de
fundição utilizado?
José Cosme – Foi pelo processo de areia, nós só trabalhamos com areia.
Ana Lúcia – Pois, eu já tinha essa ideia porque nas laterais havia marcas de rebarba...
José Cosme – Sim, e ele não gostava muito que se tirassem essas marcas...gostava que
as peças ficassem com a rebarba.
Ana Lúcia – O escultor já lhe trazia a escultura em gesso ou era passada a gesso aqui
na fundição?
Ana Lúcia – Não, já vinham em gesso. Ele tinha um formador de gesso, o Venâncio, da
Costa da Caparica.
Ana Lúcia – Quando andei a pesquisar a documentação deste trabalho descobri
imagens da escultura em gesso fragmentada em três partes, salvo erro...
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José Cosme – Nós é que a cortámos. Se as peças fossem muito grandes cortávamos
aqui ou lá no ateliê dele...
Ana Lúcia – Para facilitar o transporte?
José Cosme – Sim, exatamente. Mas depois tinha a ver com o processo, porque ela não
foi feita inteira... nós víamos as caixas que íamos usar para a fundição e cortávamos
conforme as dimensões necessárias. A escultura foi feita em quatro partes: o busto e a
saia dividida em três partes...
Ana Lúcia – E era soldada no fim?
José Cosme - Sim.
Ana Lúcia – O interior era oco?
José Cosme - Sim, todas as peças são ocas.
Ana Lúcia – Pode-me explicar como se fazem os machos?
José Cosme - Nós temos duas caixas, a forma, e um macho. Vou-lhe explicar aqui com
uma peça...Colocamos a peça na areia assim (na horizontal)... calculamos qual é o lado
que tem melhor saída...
Ana Lúcia – Por causa das prisões?
José Cosme - Exatamente! Fazemos os tasselos, abrimos as duas caixas...e depois
fazemos exatamente a mesma coisa aqui (do outro lado) mas com menos uns 4 ou 5
mm... encho as caixas da areia, imprimo a peça e quanto tiver bem fechada eu corto a
grossura de um lado e outro, para ficar oca.
Ana Lúcia – A aplicação das pátinas também foi realizada aqui?
José Cosme - Era tudo feito aqui!
Ana Lúcia – O escultor já vinha com uma ideia das pátinas que queria utilizar?
José Cosme - Já. Ele pedia as pátinas que queria e às vezes vinha cá, mas nem sempre...
quando eram esculturas grandes ele vinha sempre.
Ana Lúcia – Gostava de assistir ao processo...
José Cosme - Ele vinha cá, via se gostava ou não, via se tinha algum defeito...se tivesse
dizia para corrigir os erros na pátina.
Ana Lúcia – Acontecia ele mandar aplicar uma pátina e depois de mudar de ideias e
mandar aplicar outra ou já vinha decidido?
José Cosme – Já, já tinha decidido.
Ana Lúcia – Observando estas imagens, estas cores, sabe-me indicar quais terão sido
as pátinas utilizadas? As receitas?
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José Cosme – Francamente não sei... para o verde eles usam vinagre e um sal
qualquer... não sei...
Ana Lúcia – Estas fotografias apresentam uma fotografia tirada no ano de 2000, em
que foi inaugurada e outra já de 2014. Observa-se a alteração da cor, principalmente do
dourado, que não sei se é bronze natural ou se é pátina...
José Cosme – É pátina, é castanho...
Ana Lúcia – O que poderá ter originado a alteração?
José Cosme – A oxidação devido ao tempo...
Ana Lúcia – Era aplicada alguma camada protetora no fim? Cera, por exemplo?
José Cosme – Cera, sim... mas como a escultura está perto do mar...
Ana Lúcia – Muito obrigada pela sua colaboração, que será essencial para o
desenvolvimento do meu trabalho.
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Entrevista - António Silva
Esta entrevista teve lugar no local de trabalho do Senhor António José Costa da Silva,
em Algés, Oeiras, no dia 2 de Dezembro de 2015. Foi realizada, em contexto informal,
por Ana Lúcia Pinto seguindo-se a sua transcrição gravada em registo áudio.
Ana Lúcia – Qual eram as suas funções enquanto assistente do Mestre Lagoa
Henriques?
António Silva – As minhas funções eram preparar o barro, cortá-lo, amassá-lo, colocá-
lo numa cesta com um pano molhado e um plástico, para estar sempre húmido... o
Mestre ia tirando os bocados de barro que eu cortava e ia aplicando na escultura.
Ana Lúcia – Era costume o Sr. António fazer a forma em bruto e o Mestre as camadas
mais superficiais e os acabamentos ou era o Mestre a fazer tudo?
António Silva – Havia alturas em que eu fazia a estrutura, o esqueleto, já com as
proporções da altura e da largura, e depois o Lagoa mandava-me encher. Quando já
estava o braço ou a perna com a proporção certa o Lagoa começava então a trabalhar: a
tirar a barro, a pôr barro...
Ana Lúcia – Além destes esbocetos encontrei, numa visita à Fundição Cosme, outro
esboceto semelhante. Era costume do Mestre Lagoa Henriques realizar uma grande série
de esbocetos em barro para definir a forma e composição da obra?
António Silva – Ele fazia uma maquete e a partir da maquete fazia a escultura. Ao fim
de dois anos, quando já tinha a escultura pronta, tinha uma nova ideia que não tinha
relação com a maquete... Como o Fernando Pessoa, em que a maquete não tem relação
com a escultura: na maquete tem uma mão sobre o joelho e na escultura tem uma mão
sobre a mesa.
Ana Lúcia – Pois, eu li que no documento inicial do projeto a escultura era apresentada
com um cão aos pés, o que nunca veio a acontecer.
António Silva – Ah, sim, para o João Carlos Abreu! Havia um cão?
Ana Lúcia – É verdade! Mas ele realmente mudou de ideias! A referência ao cão só
aparece nesse documento, pelo menos no que toca aos documentos a que eu tive acesso.
António Silva – Pois, a Sissi tem é um livro.
Ana Lúcia– Além destes esbocetos, o Mestre Lagoa Henriques fez algum modelo
intermédio ou passou diretamente para a escultura final em barro?
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António Silva – Havia aqui uma desproporção muito grande (O senhor António aponta
para os membros inferiores da figura; a altura da saia). Um amigo do Lagoa sugeriu
fazer em esferovite, mas não funcionou, e acabamos por fazer o esqueleto em madeira.
Eu até trouxe aqui, para a Ana Lúcia ver, um pedaço de madeira igual ao que o Mestre
usava. Ele usava esta madeira, que se cortava, e com a qual se fazia uma cruzeta com
arame. Eu por vezes perguntava ao Mestre porque é que ele não comprava umas ripas
de madeira e ele explicava que estas ripas, já usadas, com pedaços de cimento e que já
tinham levado água, agarravam melhor o barro. A partir do esqueleto é que se começava
a pôr o barro, porque se não o barro cai.
Ana Lúcia – Claro, é muito pesado...
António Silva – Sim! As cruzetas eram feitas com arame que se agarrava ao esqueleto e
o barro assim, seguro nas cruzetas, não caía.
Ana Lúcia – E a escultura em barro já foi feita com a parte da saia oca? Porque o
modelo em gesso é oco...
António Silva – O barro não. Quando o formador faz os moldes em gesso começa por
lhe tirar o barro de dentro. Estes esbocetos (O senhor António aponta para as três
fotografias dos esbocetos) têm todos o mesmo tamanho não têm?
Ana Lúcia – Sim, precisamente!
António Silva – Pois, isto são maquetes em que o Lagoa experimentava a cor... as
pátinas...
Ana Lúcia – Esta encomenda era uma obra pública, a representação de uma
personagem. O mestre recorreu a algum modelo vivo para a sua representação?
António Silva – Não, ele não conseguiu encontrar ninguém. Às vezes havia uma aluna
que era parecida ou que tinha um cabelo parecido, mas não, a Sissi foi à base de
fotografias. E há outra coisa muito interessante aqui no barro: o Lagoa utilizava umas
pedras batidas pelo mar, seixos, com que ele batia no barro...
Ana Lúcia – Para dar a textura?
António Silva – Sim, para dar a textura ao barro. E aqui em cima, tem um rendilhado!
Ele recorreu a um pano da época e chegou à escultura e imprimiu!
Ana Lúcia – Portanto, esses acabamentos eram todos dados no barro. No gesso já não
era feito qualquer trabalho...
António Silva – Não, no gesso não fez nada.
Ana Lúcia – Ele tinha muito cuidado com as texturas, eram muito importantes no
trabalho dele...
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António Silva – Eram muito importantes e ele era muito ligado ao mar, andava junto ao
mar a ver pedras que pudessem fazer texturas no barro... Quando já tinha a escultura
feita passava muito tempo a bater com as pedras, com muito jeito...
Ana Lúcia – Um trabalho de precisão e muita paciência!
António Silva – Era!
Ana Lúcia – Tanto os esbocetos como a escultura final foram passados do barro a
gesso. Quem fazia esse trabalho? o Lagoa tinha um formador?
António Silva – Com fundidores trabalhou com o Bernardino e, quando este faleceu,
com a sua viúva. Depois mudou para o Cosme! Ele era uma pessoa muito exigente! Se
houvesse alguma coisa mal fundida, ou que se visse a costura, ele mandava fundir outra
vez. Formadores de gesso ele teve alguns mas o mais importante era o Venâncio!
Ana Lúcia – Foi o Venâncio quem fez o gesso da Sissi?
António Silva – Foi!
Ana Lúcia – Sabe qual era o método que ele utilizava para a passagem a gesso?
António Silva – Sei que ele usava um gesso rosa e um branco... Ele é o melhor nesse
trabalho.
Ana Lúcia – A aplicação de pátinas era uma constante no seu trabalho. Era ele que
escolhia as pátinas e mandava aplicar?
António Silva – Era. Ele mandava fazer a pátina no Cosme e quando não gostava da
pátina pedia ao Cosme uns ácidos e experimentava-se lá no ateliê... e eu experimentava
as pátinas e o Mestre via quais gostava. A pátina às vezes era muito a cor do ouro e o
Lagoa detestava aquela cor! Então fazia-se uma fogueira e metia-se lá a escultura, que
ficava com uma cor como se já tivesse 50 ou 70 anos! O tempo é que faz a pátina...
Ana Lúcia – Segundo sei há dois processos principais na produção da pátina: através da
aplicação simultânea de calor, com um maçarico, e ácidos ou pela impregnação dos
ácidos num pano, que depois é aplicado sobre a superfície da obra. Qual era o método
utilizado?
António Silva – Eu não ia lá muito ao Cosme...mas acho que eles faziam uma com um
pano...
Ana Lúcia – Uma boneca?
António Silva – Exatamente! Uma boneca que se passava no bronze.
António Silva – Sabe, uma das coisas muito importantes na escultura do Lagoa é que
ele usava sempre material usado... até mesmos os plásticos...
Ana Lúcia – Para encobrir o barro?
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António Silva – Sim, os novos não dão! Porque não aderem bem. E a madeira era
sempre uma que já fosse usada! Não era por não gastar o dinheiro, era porque
funcionava melhor! Mesmo arame já usado é mais maleável!
Ana Lúcia – Isso é uma lição muito interessante! Principalmente para os alunos de
escultura, sempre a precisar de materiais!
António Silva – Olhe, quando estivemos a trabalhar no Alves Redol, o Lagoa às tantas
chateou-se e decidiu que ia por a figura toda nua! Os encomendadores não gostaram
inicialmente mas ele pediu para a mulher do Alves Redol ir ver o trabalho e ela aceitou
de imediato. Foi aprovada pela mulher do Redol!
Ana Lúcia – E é uma belíssima escultura! Ele não aceitava restrições no trabalho!
António Silva – Não! Mas se for ver na maquete ele está vestido! Mas depois da
maquete passa-se um ano, dois anos, e depois ele mudava de ideias! O Fernando Pessoa,
por exemplo, tinha a mão sobre o joelho na maquete... nós tivemos a trabalhar até às
duas da manhã, para no outro dia o Venâncio passar a gesso...Mas às 3 da manhã o
Lagoa acordou-me!
Ana Lúcia – E o Senhor António já estava a ver o que ia acontecer...
António Silva – Já! Ele tinha ido ler... ele lia muito sobre as esculturas que ia fazer,
sobre as personagens... E quando leu: a mão sobre a mesa no café... decidiu que ia pôr a
mão sobre a mesa. Eu ainda lhe disse que o ferro já estava soldado e o braço já estava
tão perfeito... mas começámos às 4 da manhã e tirámos o barro, cortámos o ferro,
aquecemos o ferro... o Lagoa voltou a fazer o braço... e eram duas horas da tarde quando
estava feito... o Venâncio à espera! O Mestre tinha uma coisa muito interessante, ele
perdia as noites a trabalhar! Ele começava a trabalhar ao final do dia! Quando ele já
estava no final de um trabalho, passava as noites inteiras a trabalhar!
Ana Lúcia – Garantir que estava tudo perfeito...
António Silva – E ele estava sempre a mandar rodar os cavaletes, sempre a olhar e a
olhar...
Ana Lúcia – Para trabalhar todos os ângulos...
António Silva – Quando estava a fazer o Papa e já depois de ter sido passado a gesso e
a bronze... pediu a minha opinião e eu disse-lhe que o papa tinha um erro! Os papas
tinham um anel e aquele não tinha! Então mandou pôr lá uma anilha! Ele trabalhava
imenso mas também viajava muito! Uma vez disse-me: ―Sabes onde é que a gente tem
de ir? À Síria! Porque há lá guerra e qualquer dia desaparece.‖.
Ana Lúcia – Infelizmente parecia que ele estava a adivinhar...
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António Silva – Nós estivemos na Síria e ele ensinou-me muito! Ainda antes de ele
falecer fomos ao Japão e estivemos lá quase dois meses! Eu levava sempre uma injeção
de cultura! A minha relação com o Mestre era muito trabalho mas compensava depois
numa amizade muito forte... ele foi o melhor amigo que tive e o melhor escultor.
Ana Lúcia – Vê-se que guarda muito carinho desse tempo...
António Silva – O Lagoa ensinou-me a matéria e o Carlos Amado ensinou-me o
espírito! Saí dali com uma experiência muito forte.
Ana Lúcia – Muito obrigada pela sua colaboração neste trabalho porque o Senhor
António, com esta conversa, também me transmitiu não só a matéria mas o espírito do
Lagoa Henriques!
António Silva – O Lagoa tinha uma frase muito forte: a estética, a ética e a poética!
Para ele era a coisa mais importante!
Ana Lúcia – Era um modo de vida...
António Silva – Ele era um poeta, tem poemas e poemas... a estética era muito
importante... ele era do clássico! A Ana Lúcia já conhece a história do Agostinho da
Silva?
Ana Lúcia – Sim, sei que ele lhe deu explicações para a preparação dos exames de
admissão a advocacia...
António Silva – Sim... ele foi falar com a mãe do Lagoa e disse-lhe: ―O seu filho está
enganado na vocação, é um bom escultor, um bom desenhador!‖
Ana Lúcia – Senhor António muito obrigada pelo tempo que me dispensou! Foi valioso
para a minha dissertação.
António Silva – De nada Ana Lúcia!
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Visita à Fundição Cosme
Fig. 47 - Preparação da areia: uso de peneiras para limpar as areias
Local: Fundição Cosme & Filhos
Fig. 48 - Preparação da areia
Local: Fundição Cosme & Filhos
105
Fig. 49 - Caixa de moldação de areia com preparação para macho
Local: Fundição Cosme & Filhos
Fig. 50 - Caixa de moldação de areia
Local: Fundição Cosme & Filhos
106
Fig. 51 - Macho para inserir na caixa de moldação
Local: Fundição Cosme & Filhos
Fig. 52 - Macho; Pormenor do sistema de fixação
Local: Fundição Cosme & Filhos
107
Fig. 53 - Pormenor dos pernos para alinhamento das caixas de moldação e pegas para transporte
Local: Fundição Cosme & Filhos
Fig. 54 – Caixa de moldação
Local: Fundição Cosme & Filhos
108
Fig. 55 – Calcação da areia na caixa de moldação
Local: Fundição Cosme & Filhos
Fig. 56 - Caixa de moldação; Calcação da areia
Local: Fundição Cosme & Filhos
109
Fig. 57 - Marcas da fogueira para a secagem dos moldes
Local: Fundição Cosme & Filhos
110
Correspondência entre Lagoa Henriques e João Carlos
Abreu
Fig. 58 – Proposta de Lagoa Henriques para a realização da escultura de Sissi: descrição e orçamento
Fonte: Gentilmente cedido pela Direção do Legado Lagoa Henriques
111
Outras obras de Lagoa Henriques
Tágide
Fig. 59 – Tágide; Mestre Lagoa Henriques e a escultura em barro
Fonte: http://www.mariamorais.interdinamica.pt/artes/mm/x47yv349w.htm
Fig. 60 – Tágide; Escultura em bronze
Fonte: https://s-media-cache-
ak0.pinimg.com/originals/8c/48/4e/8c484e4408a169092958026764bbfed5.jpg
112
Lagoa Henriques: Alves Redol
Fig. 61 - Alves Redol; Mestre Lagoa Henriques e a escultura
em barro
Fonte:
http://www.mariamorais.interdinamica.pt/artes/mm/x47yv35
1w.htm
Fig. 62 - Alves Redol; Escultura em gesso
Fonte: http://alegriabreve47.blogspot.pt/2011/11/o-museu-do-neo-
realismo-em-vila-franca.html
Fig. 63 - Alves Redol; Escultura em bronze
Fonte:
http://3.bp.blogspot.com/_lgs4qjqN_tc/TNsF0v1lmpI/AAAAAA
AABpE/ZQNC15kQDN0/s1600/Imagem3.jpg
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Lagoa Henriques: Encontro entre o Ocidente e o Oriente
Fig. 64 - Encontro entre o Ocidente e o Oriente; Mestre Lagoa Henriques e a escultura em
barro
Fonte: http://www.mariamorais.interdinamica.pt/artes/mm/x47yv340w.htm
Fig. 65 - Encontro entre o Ocidente e o Oriente; Escultura em bronze
Fonte: http://macauantigo.blogspot.pt/2010/08/estatua-de-lagoa-henriques.html
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