View
1
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
A INTERAÇÃO ENTRE ALUNOS
NA SALA DE AULA
Ana Augusta de Medeiros
Orientadora:
AngeÚJ Valadares Dutra de Souza Campos
Dissertação submetida como requisito parcial
para a obtenção do grau de mestre em Educação.
Rio de Janeiro
Fundação Getúlio Vargas
Instituto de Estudos Avançados em Educação
Departamento de Psicologia da Educação
1992
ii
À Marcia Filgueiras Nunes que por sua adesão à
proposta inter acionista, concretizou com sua
participação questionadora toda diversidade
contida nessas idéias.
111
AGRADECIMENTOS
A Renato Cesar Môller, pela colaboração, fundamental e desafiadora
À professora Angela Valadares Dutra de Souza Campos, orientadora deste
trabalho, pela motivação intelectual e delicadeza humana
Ao Professor Celso Sá, mestre e incentivador, pela riqueza das sugestões.
À Anna Helena Moussatché, pela confiança com que nos conduziu à sala de aula,
campo deste trabalho.
Ao corpo docente, administrativo e funcional da Escola Municipal C. C. Santos
Anjos, pela receptividade e consideração.
Aos alunos da Escola Municipal c.c. Santos Anjos, pela cooperação e emoção.
A todos professores, funcionários e alunos do IESAE por manterem viva esta
Instituição.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo
apoio necessário para a realização desta dissertação através da bolsa de mestrado.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) pela
bolsa de Finalização de Mestrado, que nos permitiu concluir este trabalho.
A meus filhos, Julia e Daniel, pela compreensão e alegria
iv
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 1
1 - FRACASSO ESCOLAR NO BRASIL 3
1.1 - Estudos e pesquisas: os enfoques dominantes _ 3
1.2 Pesquisas recentes: alguns resultados e novos
desafios
1.3 - Tendências prevalecentes e seus
ação pedagógica . . . . . . .
impactos sobre a
2 - A INTERAÇÃO ENTRE ALUNOS: UMA NOVA PERSPECTIVA NO CAMPO DA
PSICOSSOCIOLOGIA EDUCACIONAL
2.1 - A organização social das atividades em sala de aula
2.2 Competição e cooperação: processos sociais
2.3 Estnlturas cooperativas, competitivas e
individualistas: usos, desusos, polêmicas . . . .
2.4 - A organização social das atividades e o rendimento
escolar . . . . .
2.5
2.4.1 - Revisões de pesquisas
2.4.2 - Métodos cooperativos
2.4.3 - Os processos de interação e sua relação com
a aprendizagem
- O interacionismo
Piaget
na epistemologia genética de Jean
3 - UMA EXPERIÊNCIA EM AÇÃO NO ESPAço DA SALA DE AULA
4 - RESULTADOS, CONSIDERAçõES E SUGESTÕES .
4.1 - Considerações sobre a evolução dos alunos nas noções
operatórias observadas e no desenvolvimento da
9
22
36
38
42
45
49
50
61
73
90
108
184
aquisição da leitura e da escrita . . . . . . . . 184
4.2 - O rendimento escolar dos alunos: conceitos
bimestrais e situação final . . .. ..... 191
4.3 - Considerações sobre possíveis conexões entre o
avanço conceitual e o rendimento escolar . . . . .. 192
v
4.4 ConsideraçOes sobre as relações entre o
desenvolvimento intelectual, o rendimento escolar e
o papel das interações entre alunos em lma pedagogia
const~Jtivista . . . . . . .
4.5 - Considerações finais e sugestões
5 - BIBLIOGRAFIA
vi
199
203
209
A interação entre
trabalho escolar em
educacional capaz de
RESUMO
alunos na sala de aula através da promoção do
pequenos
contribuir
grupos
de
representa uma
modo importante
inovação
para o
enfrentamento do fracasso escolar.
A revisão da literatura sobre o tema revelou a existência de
inúmeros estudos que têm discutido o valor dessas relações, muitos
dos quais buscam na epistemologia genética de 'Jean Piaget subsídios
para explicar os benefícios intelectuais observados que possam influir
no rendimento escolar.
A análise das várias correntes interpretativas sobre as causas
do fracasso no ensino público brasileiro, sobretudo em suas séries
iniciais, apontou uma tendência atual de se buscar no interior da sala
de aula elementos que possam reverter o quadro de evasão e repetência.
A pesquisa-ação realizada em uma eacola municipal, na sala de
aula de uma primeira série, durante o ano de 1990, teve como objetivo
prático a introdução de uma forma de organização que priorizasse o
trabalho em grupo, sob a perspectiva construtivista e interacionista
piagetiana. O objetivo de conhecimento consistiu em se verificar a
possibilidade de realização desse propósito em uma escola pública e
auferir os resultados da intervenção relacionando-os com o rendimento
dos alunos.
vii
A observaçao de pares de alunos executando tarefas escolares sob
determinadas condições, permitiu-nos a elaboração de um modelo
conceitual que distingue e nomeia as modalidades de conflito
(imposição e independência) e de cooperação (delegação e
interdependência), podendo contribuir deste modo para futuras
pesquisas que pretendam aprofundar as implicações desses modos
interativos com os avanços intelectuais e com o rendimento escolar.
o saldo positivo constatado ao final do ano letivo, no que diz
respeito ao avanço intelectual e à aprovação para a série seguinte,
vem corroborar o pressuposto inicial sobre o valor dessas interações e
seu potencial em revigorar a prática pedagógica.
viii
ABSTRAGr
The etudent interaction in the cIaeeroom through the promoting
of cIaeework in emall groupe repreeente an educational innovation abIe
to contribute in an important way to face echolaetic failure.
The review of literature about the eubject hae unveiled the
exietence of uncoutable etudiee which have been diecueeing the value
of theee relationehipe, many of which eearch in Jean Piaget'e genetic
epiethemology subsidies to explain the obeerved intelectual benefite
and which could influence the scholaetic efficiency.
The analyeis of the eeveral interpretative tendenciee about the
cause of failure in Braeilian public teaching, above alI in ite
preliminar seriee, hae highlighted an actual tendency to look in the
interior of the claeeroom for elemente which could revert the
elopement and repetition frame.
The action-reeearch developed in a municipal echool, in a firet
eeriee claeeroom, during the year of 1990, has had a practical goal,
the introduction on an organization which give precedence to team
work, under piagetian conetrutiviet and interactional perepective.
The ecientific goal hae coneieted in the verifying the poeeibility of
execution of thie purpoee in a public echool ando to obtain the
intervening outcomee relating them with etudentá efficiency.
The obeervation of couplee of etudente executing echolaetic
ix
taaka under determined conditiona, haa allowed ua the evolvement of
conceptual model which diatinguiahea and deaignatea the aorta of
conflicta (impoaition and independence) and of cooperation (delegation
and interdependence), being able to contribute thia way for future
reaearchea which intend to deepen the inferencea of theae interative
waya with intelectual advancea and with acholaatic efficiency.
The poaitive balance evidenced at the end of the achool year, in
reapect to intelectual advance and to approval to the following
aeriea, comea to corroborate the initial project about the value of
theae interactiona and ita potential to revigorate pedagogical
practice.
x
APRESENTAÇÃO
o estudo das interações sociais em conjunto com a questão das
representações sociais têm-se constituído o campo privilegiado sobre o
qual se debruçam os estudiosos da psicossociologia hodierna. Do ponto
de vista educacional, o estudo sobre as relações que pontuam o
interior da sala de aula se abre para examinar a importância das
interações entre professor e alunos e mais recentemente, entre os
próprios alunos.
o presente estudo tem por objetivo apresentar as várias formas
que a interação entre alunos pode assumir em sala de aula e refletir
sobre os benefícios que dessas interações, enfatizadas através do
trabalho escolar em pequenos grupos, possam resultar em um melhor
rendimento dos alunos, com reflexos diretos no problema da repetência
e evasão escolares.
Para tanto, apresentamos no primeiro capitulo, um pequeno
histórico sobre os enfoques explicativos do fracasso no ensino público
brasileiro, resultados de pesquisas recentes e a tendência atual em se
buscar no interior da sala de aula elementos significativos para a
construção de um saber pedagógico renovador.
o segundo capitulo contém uma revisão da literatura sobre a
interação entre alunos na sala de aula, explora questões relacionadas
à adoção do trabalho em grupo e discute o aspecto interacionista da
epistemologia genética de Jean Piaget, teoria que, a nosso ver,
fundamenta o valor dessas interações.
2
O relato da experiência vivida na sala de aula de uma escola
municipal, entremeado por consideraçoes metodológicas e ponderações
sobre as conseqüências da intervenção pedagógica naquele contexto, dá
forma ao terceiro capítulo.
Por fim, no quarto capítulo, apresentamos uma tentativa de
organização de resultados e descobertas através de considerações
acerca das possíveis conexões entre o desenvolvimento intelectual, o
rendimento escolar e a interação entre alunos na sala de aula.
CAPI'l'UW 1
FRACASSO ISCDLAR 10 BRASIL
1.1 - Istudos e pesquisas: 08 enfoques oo.iMntes
3
Os estudos sobre o fracasso escolar no Brasil, em especial os
que focalizam as primeiras séries do primeiro grau, têm evoluído ao
longo do tempo na tentativa de explicar as causas da evasão e da
repetência na escola pública do país.
Em uma primeira fase, predominava nesses estudos o enfoque
psicopedagógico, quando era imputado ao aluno - particularizado em
habilidades e dons - toda e qualquer responsabilidade por seu êxito ou
malogro escolar.
A história dos primórdios da pesquisa educacional no Brasil
confunde-se com a pesquisa em psicologia quando, no início deste
século, pedagogos e psicólogos realizavam experimentos de laboratório
com escolares infantis na linha da psicologia do desenvolvimento e
levavam os resultados encontrados para as salas de aula das escolas
normais1 • A literatura sobre o aparecimento dos testes de
inteligência já sugere esta ligação ao relatar que o primeiro teste de
Alfred Binet - a escala Binet-Simon de 1905 - foi construído por
encomenda de uma comissão do governo francês para aplicação em alunas
consideradas subnormais das escolas de Paris. (Anastasi, 1977)
1 A partir da Lei 5.692/71, o antigo curso normal passou a se denominar Curso de Formacão de Professores.
4
Copit e Patto (1979) ressaltam a importância dada na época aos
laboratórios experimentais - como o Pedagógium (planejado por Binet e
criado no Rio de Janeiro em 1916) assim como o da Escola Normal de São
Paulo (inaugurado em 1914) - e aos trabalhos de Lourenço Filho sobre a
maturidade para a aprendizagem da leitura.
A relação entre o psicológico e o pedagógico se ~titabelecera no
interior de um modelo médico impregnado de tp.orlas racistas e de
estereótipos sociM;R. Patto (1988) relata a importância fundamental
da medicina na Psicologia Educacional brasileira:
"Na passagem do século, freqüenteJDente os estudos de psicologia e de dl1tropologia foram conduzidos por médicos-pesquisadores, muitas vezes preocUPados com as relações entre raça, cliJDa e personalidade, desenVi01Viendo temas de G.riJDinologia e fBiquiatria Forense, visdl1do a cO/l1preensão e solução de probleJD8.8 sociais através de progr8.JIl8.S de Hedicina Social. A influência desta vertente médica da peicologia tornou-se ainda maior DOS meios emlcacionais a partir do momento eJD que a presença de médicos no corpo docente das escolas nortD8.is passou a ser usual. De outro lado, a própria trajetória institucional de muitos destes médicos foi decisiva para os rumos da ~licaçKo do insucesso escolar e do trat8.JDento que passou a lhe ser dispensado nas décadas seguintes: dos Hospitais fBiquiátricos para os Institutos, Ligas e Clinicas de Higiene I1ental, destes para os Serviços de Inspeção Hédico-Escolar, destes para as Clinicas de Orientação Infdl1til estatais e destas para os Depart8.JDentos de Assistência ao Escolar das Secretarias de Educação . .. (p. 75)
A marca da abordagem psicopedagógica se fez presente também no
discurso oficial. A análise realizada por Patto (1990) do material
sobre o fracasso escolar publicado na Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos do INEP-MEC, em sua trajetória de 1944 a 1984, confirma
5
tal influência na medida em que identifica um tipo de discurso que a
autora denomina de "fra turado "; se do ponto de vista pedagógico - e
sob a égide dos princípios escolanovistas - há um reconhecimento da
inadequação das práticas da escola pública de ensino elementar (que
por seu formalismo se distancia do aluno e portanto o afasta) persiste
ainda a atribuição das dificuldades apresentadas pela criança a
distúrbios físicos e psíquicos que impedem o êxito escolar.
Estender a culpabilidade do aluno à sua família, ao meio social
em que vive e à classe sócio-cultural a que pertence passou a ser a
nova face da interpretação do fracasso escolar, respaldada nas teorias
ambientalistas americanas prevalecentes a partir dos anos sessenta e
que subsidiaram as várias iniciativas educacionais de caráter
compensatório naquele país e, mais tarde, no Brasil.
Denominada teoria da privação cultural, surgiu como uma reação à
corrente que acreditava na inferioridade da raça negra para explicar a
condição desigual em oportunidades vivida pela população negra
norte-americana. A nova abordagem provocou uma série de alterações no
rumo das justificativas para o fracasso escolar assim descritas por
Nicolaci-da-Gosta (1987):
"(a) desvincula-se a inteligência do fator genético-racial; (b) vincula-se o nivel intelectual ao periodo pré-escolar, o que, por sua vez, evita UD1
questionaJDento da instituiç60 escolar e responsabiliza a faJDilia pelo sucesso ou insuceBBo; conseqüentemente, (c) a faJDilia assUD1e o ~pel anteriormente atribuido à raça; através desta transposiç80 de responsabilidades, (d) nega-se o raciBlIJO e os discursos paB8lJlD a se referir a 'crianças e flJllJilias pobres'; (e) abre-se, ent80, UD1
espaço para a intervenç80 institucional,
anteriormente inexistente, caracteristicas raciais n80 (p.19-20)
6
na medida em que podem ser alteradas."
Segundo Patto (1990), a influência desta teoria se fez sentir
particularmente na produção acadêmica de docentes e alunos de
pás-graduação e na produção cientifica do Departamento de Pesquisas
Educacionais da Fundação Carlos Chagas. Ao final da década de
sessenta, por exemplo. um programa de pesquisas coordenado por Ana
Maria Poppovic procurou dirigir seus estudos para a melhoria da
qualidade do ensino destinado às camadas mais pobres da população
brasileira. A produção do grupo voltou-se para os fatores
extra-escolares e a forma como estes repercutiam no rendimento dos
alunos com o objetivo de organizar curriculos de intervencão para
atacar o problema da repetência no ensino fundamental. Embora fosse
admitida alguma culpa por parte da escola, a ênfase dada era na
disparidade cultural em uma visão não antagônica que tratava as
classes sociais apenas como diferentes. Conforme assinala a autora:
"( ... ) no apogeu da teoria da carência cultural, o discurso educacional não padecia da fra tllra que contraiu quando da vigência daJJ idéiM escolanovistas; ao contrário, a causa principal do fracasso encontrava-se no aluno, cabendo à escola UII1a parcela de responsabilidade por não se adequar a este aluno de baixa renda. Na verdade, lJB caUBlJB intra-escolares do fracasso escolar e a critica ao sisteJDlJ de ensino havilJll1 sido secundarizadas no IIllJrCO desta concepç60 . .. (Patto, 1990, p.112)
Na tentativa de contornar as criticas à educação compensatória,
a equipe de pesquisadores desenvolveu, em uma segunda fase, outra
linha de pensamento que aliava o enfoque social ao campo
7
institucional, expondo ao debate a natureza, os valores e as práticas
escolares. Com os resultados das pesquisas sobre o conhecimento
psicológico, social e cognitivo das crianças ao entrarem para a vida
escolar, a equipe partiu para uma pesquisa-intervenção com o chamado
Programa Alfa Cl~O objetivo era o de desenvolver materiais
curriculares para os anos iniciais do primeiro grau, destinado às
crianças das camadas de baixa-renda e a seus professores.
Se este programa, no entender de Patto (1990) se ressentiu por
estar norteado por um referencial "problemático", que não reconhecia o
caráter antagônico das classes sociais no âmago da sociedade
capitalista, ainda assim pode ser apontado como pioneiro no "reinício
de atenção para as condições do ensino que tO/llaria corpo na pesquisa
educacional na passagem da década de setenta para os anos oi tenta
( ••• )" (p.113)
Em meados da década de setenta, ao mesmo tempo em que a teoria
da carência cultural informava a produção cientifica sobre o fracasso
escolar, teorias de cunho sociológico oriundas da Europa já destacavam
a função reprodutora da escola na sociedade dividida em classes para
manter uma situação de dominação. Rsta critica penetrou nos meios
mais avançados do pensamento educacional brasileiro, revertendo um
quadro de otimismo predominante na época que acreditava nas
possibilidades da escola como centro irradiador de ações est~ladoras
para reformas estruturais de caráter progressista. Chamadas de
critico- reprodutivistas, estas teorias, por sua mirada
macrossociológica, instauraram um certo estado de imobilismo ao
8
postularem que o exercicio pleno da vocaç80 transformadora atribuída ã
escola só se daria pela transformação dos determinantes est~lturais
mais amplos.
Foi justamente pela negação dessa postura - sem deixar de
reconhecer a importância da tese da reprodução por sua crítica ã
teoria da carência cultural - que a produção sobre o fracasso escolar
no Brasil viu se delinear uma terceira posição já detectada pela ampla
pesquisa de Brandão, Baeta e Rocha (1982)2 como
"( ... ) uma perspectiva de análise que incorpora o contexto sócio-econâmico e político de forma menos fatalista e que procura descobrir dentro da escola o que lhe é específico, SeJIJ descuidar nem do indivíduo nem do social, mas procurando incorporar a categoria "totalidade" na análise da prática escolar . .. (p.12)
As palavras de Mello (1982) também ilustram com riqueza esta
nova tendência:
"( ... ) admi ti desde o início que se a escola é parte inseparável da totalidade do social - e é exatamente isso que me obriga a reconhecer que ela é determinada pelos fatores econÔlDicos aJIJplos -, então ela apresenta internamente as me8llllls relações de mudança e de reprodução que caracterizam aquela totalidade. Isso significa dizer que agir dentro da escola é tambéllJ agir na sociedade da qual ela não pode ser separada. Em palavras mais s1.mples: há o que fazer nesta escola existente, para qUeJIJ, como eu, quer torná-la menos seletiva e e11tlsta do que ela é hoje . .. (p.14)
Novos rumos surgiram desta forma, com pesquisas que passaram a
2 A referida pesquisa intitulada "O estado da arte da pesquisa sobre evasão e repetência no ensino de lQ grau no Brasil" cobriu a produção acadêmica sobre u tema durAnte o periodo de 1971 a 1981.
9
hllt'lr.ar no interior da escola as contradições ali existentes, pelo
reconhecimento de que há um espaço prõprio para a ação escolar no
esforço de transformação da sociedade.
1.2 - Pesquisas recentes: alguns reBUl. tados e DOV08 desafios
Dentre os inúmeros trabalhos realizados a partir desta nova
abordagem, destaca-se a proposta de uma equipe de pesquisadores,
sediada na Universidade Federal de Pernambuco CUFPe) e liderada por
Terezinha Carraber, que procura trazer a questão do conhecimento para o
centro da análise educacional. Para esses estudiosos, não basta
afirmar que o fracasso escolar da criança pobre é um problema do
sistema: faz-se necessário analisar o que acontece dentro da escola e
compreender as contribuições desta criança para o processo de
apropriação do conhecimento escolar.
Estudos realizados por essa equipe com crianças das camadas
populares têm demonstrado que esses alunos, mesmo quando fracassam na
escola, apresentam õtimos resultados em tarefas que fazem parte de seu
cotidiano e que exigem conhecimento lógico-matemático equivalente ao
que a escola requer. Por que, então, a escola ignora esta competência
tão claramente exibida fora da situação escolar?
Baseada nesta indagação, a equipe tem desenvolvido um trabalho no
campo da educação com a formação de professores e supervisores da rede
estadual de Pernambuco - o Projeto Aprender Pensando - que examina os
resultados das pesquisas indicativos de que as dificuldades exibidas
10
pelas crianças na escola, tanto ao aprenderem matemática quanto ao
aprenderem a ler, n80 são resultados de deficiências intelectuais mas
de diferenças de modo de pensar.
Na busca das bases cognitivas
primeiros estudos realizados pela
da aprendizagem
equipe da UFPe
escolar, os
partiram do
pressuposto de que o fracasso escolar das crianças pobres explicava-se
por um atraso em seu desenvolvimento cognitivo. No entanto, se de um
lado estudos experimentais colocavam a aprendizagem como dependente do
desenvolvimento cognitivo, por outro, estudos comparativos em
diferentes culturas indicavam que a escolarização promove tal
desenvolvimento. Essas dúvidas foram exploradas através de vários
trabalhos e, finalmente, a hipótese inicial foi colocada à prova em uma
pesquisa publicada sob o título "Fracasso escolar: uma questão social"
(Carraher & Schliemann, 1983a). Tratava-se de relacionar de modo
sistemático o desenvolvimento cognitivo como descrito em Piaget e a
aprendizagem escolar da matemática no Brasil. A pesquisa analisou a
contribuição da criança para a aprendizagem da matemática através da
(a) análise das relações entre o conhecimento escolar e desenvolvimento
cognitivo da criança; (b) caracterização do desenvolvimento cognitivo e
da aprendizagem escolar das crianças pressupostamente destinadas ao
fracasso e (c) comparação sistemática interclasses para detectar as
diferenças na contribuição da criança para a aprendizagem escolar em
função de sua origem social. A pesquisa trabalhou com crianças de
escolas públicas e particulares. As escolas públicas escolhidas
atendiam a uma população pobre e mostravam alto indice de reprovação e
evasão nas duas primeiras séries. As escolas particulares, ao
11
contrário, apresentavam alto índice de aprovação e atendiam a camadas
de renda média e média-alta.
Os dois gnlpos de crianças diferiam quanto à idade e quanto à
série que freqüentavam mas tinham em comum o fato de estarem na série
onde era iniciado o ensino de matemática. Cada criança foi
individualmente examinada em duas seqüências de tarefas: (a) aquelas
relacionadas ao desenvolvimento cognitivo e (b) aquelas relacionadas ao
currículo escolar da matemática. Os resultados apontam para três
conclusões principais: (a) a aprendizagem da matemática está
relacionada ao nível de desenvolvimento cognitivo independentemente da
origem social da criança; (b) ao iniciar a instrução matemática, as
crianças de camadas sociais diversas encontram-se em níveis de
desenvolvimento cognitivo comparáveis e (c) a aprendizagem da
matemática não é significativamente diferente em crianças de camadas
sociais diversas, embora os índices de reprovação em matemática sejam
marcadamente discrepantes.
A constatação de que as crianças das classes populares, apesar de
freqüentemente reprovadas, apresentam a mesma competência em matemática
que as crianças de classes média e média-alta, ensejou outra pesquisa
relatada no artigo "Na vida dez, na escola zero: os contextos culturais
da aprendizagem da matemática" (Carraher et alo, 1982)3. Vários
autores estudados pelos pesquisadores (Labov, Leacock, Heath e Cole)
3 Artigo publicado em 1982, portanto em data anterior à publicação dos resultados da pesquisa "Fracasso escolar: uma questão social" (Carraher & Schiliemann, 1983a).
12
apontam inconsistências entre o desempenho de sujeitos considerados
culturalmente desfavorecidos em situações formais e experimentais e o
desempenho desses mesmos sujeitos em situações informais e cotidianas.
Transpondo este raciocínio para o contexto da sociedade de classes, a
pesquisa procurou diferenças entre a competência matemática de crianças
pobres quando eram examinadas na escola e fora da escola. Trabalhou-se
com um grupo de crianças em duas situações: de teste informal, na qual
as crianças eram avaliadas em seus locais de trabalho; de teste formal,
em que requeria-se lápis e papel para a resolução dos mesmos problemas
ou contas utilizados na situação informal. Os resultados foram
considerados surpreendentes, e mesmo dramáticos, pelos autores da
pesquisa: havia uma enorme discrepância entre a performance em contexto
informal e em contexto chamado escolar.
':.4s crianças pobres, que resolvilJlll corretamente problemas de aritmética em 98% dos casos fora da escola, nAo conseguiam resolver JlJais do que 38% de continhas apresentadas no estilo escolar, embora essas envolvessem os meBIIJos nÚIIJeros que tinh8I/J surgido nos problemas resolvidos fora da escola." (Carraher et aI., 1986, p.82)
Concluem os autores que se há um fracasso na aprendizagem escolar
da aritmética, este não se deve a uma deficiência da criança ou do
contexto sócio-familiar que a cerca. g um fracasso da própria escola
que tem se revelado incompetente para avaliar seus alunos e para
aproveitar os conhecimentos que estes trazem de seu cotidiano.
A rejeição da hipótese de que o fracasso seletivo das crianças
pobres no início da aprendizagem da matemática possa ser explicado por
atrasos no desenvolvimento cognitivo é de importante significação porém
13
não pode 8er extrapolada para toda8 a8 área8 de en8ino. Ao e8tudar o
de8envolvimento cognitivo e alfabetização, Carraher & Rego (1984)
encontraram um atra80 con8iderável na8 crianças de e8cola pública com
relação a08 pré-requi8it08 cognitiv08 no início da aprendizagem da
leitura e da e8crita. Se o de8empenho das criança8 pobre8 é inferior
ao da8 criança8 da8 clas8e8 mai8 aba8tadas, e8te fato, para 08
pe8qui8adores, não é suficiente como explicação do fraca8so. Seria
portanto incorreto inferir que e8te possa ser interpretado em term08 de
deficiência cognitiva. Atra80 não é deficiência, adverte a equipe da
UFPe. Ne8ta mesma pesqui8a, observou-se um acentuado progresso no
de8envolvimento cognitivo ao final do ano letivo ainda que os nívei8 de
aprendizagem escolar para garantir a promoção do aluno não tenham sido
8uficientes.
A série de pesquisas realizadas (a) sobre o conhecimento
matemático nas atividades cotidianas e (b) sobre a comparação entre o
de8empenho na resolucão de problemas em uma situação informal e em uma
situaçAo escolar por alunos que usam a matemática em sua vida diária
fora da escola desencadeou diferentes reações por parte dos educadores.
Segundo os próprios pesquisadores, houve entusiasmo "entre aqueles que
estavam dispostos a tratar a escola COlIJO UlDa situaçAo de aprendizagem,
dentre muitas, numa cultura c~lexa e indUstrializada" (Carraher,
1988, p.101) e ceticismo por parte daqueles comprometidos com a atual
e8trutura e8colar.
Na tentativa de superar a controvérsia constatada nos primeiros
trabalhos sobre a natureza das habilidades desenvolvidas na vida
14
prática - habilidades vistas pelos que duvidam dos resultados como
habilidades restritivas, concretas - outras investigações envolvendo o
esquema da proporcionalidade e, portanto, de habilidades mais
sofisticadas - foram encetadas. A análise teóricu de todos esses nOV0R
estudos permite ao grupu da UFPe afirmar que
"( ... ) tanto no caso de operações aritméticas como no caso de modelos matemáticos ~is complexos. a prática da matemática na vida diária oferece condições para a constru,~Ao dos meBlIJos invarÍlwtes. defiJlindo uma capacidade básica para a aprendizagem de matemática escolar. " (Schliemann et aI., 1988, p.l63)
No decorrer da análise, alguns avanços teóricos conquistados pela
equipe se efetivam nas seguintes direções:
1 - definição do papel das diferenças culturais na questão do conceito;
2 - estabelecimento das diferenças e semelhanças entre conceitos
aprendidos dentro e fora da escola;
3 - compreensão do problema da chamada decalagem horizontal4 contido
na teoria genética de Jean Piaget, que apresenta dificuldades em
explicar as diferenças de desempenho entre situações diversas em que os
mesmos invariantes possam estar envolvidos.
Utilizando a abordagem de Vergnaud (1985) no estudo de conceitos,
foi formulada uma hipótese a respeito da possibilidade do
desenvolvimento dos mesmos modelos básicos na vida e na escola: "( .•. )
é possivel qll~, apesar das grandes diferenças nas situações,
4 '~B decalagens carcterizam a repetição ou a reprodução do meBl110 pl'ocesso formador em diferentes idades. ( ... ) Falaremos de decalagens horizontais quando uma mesma operação se aplica a conteúdos diferentes . .. Jean Piaget, Problemas de psicologia genética. 1913, p. 52.
15
encontraremos as mesmas propriedades como subjacentes ao raciocínio
matemático dentro e fora da escola . .. (Schliemann et alo, 1988, p.147)
Estudando o conceito, Vergnaud distingue, para fins de análise,
três conjuntos definidores, quais sejam:
a - um conjunto de situações que dão sentido ao conceito;
b - um conjunto de invariantes operatóriQB subjacentes ao tratamento
desta situação pelo sujeito;
c um conjunto de símbolos utilizados na representação dos
invariantes, das situações, dos procedimentos de tratamento.
Partindo dessa distinção, é possivel comparar os conceitos
desenvolvidos dentro e fora da escola, a saber:
a - o conjunto de situações usado na escola para a aprendizagem do
conceito pode ser amplo ou restrito, dependendo da prática pedagógica
do professor, mas constata-se que essas situações estão sempre
distanciadas da vida diária. Na escola, os estudantes preocupam-se em
utilizar as fórmulas ensinadas pelo professor e não em refletir sobre o
sentido das questões, o que leva muitas vezes a resultados absurdos.
Isto certamente não ocorreria no cotidiano fora da escola, quando os
problemas têm significado real e não são s~lesmente números que devam
ser operados. Assim, os significados atribuidos aos conceitos na vida e
na escola são diferentes, o que revela de pronto a importância do
contexto na compreensão do conceito;
b - os invariantes são propriedades definidoras do conceito; as tarefas
cotidianas apresentam os mesmos invariantes, mas como os contextos são
diferenciados, não se pode afirmar que ~licam no mesmo conceito;
16
C os símbolos utilizados para a representação do conceito são
diferentes na matemática da escola (que é escrita) e na matemática
utilizada na rua (que é oral).
Portanto, se os invariantes demonstram a capacidade básica por
parte do st~eito de raciocinar coerentemente com uma estrutura
lógico-matemática, isto não implica dizer que todos os usos de uma
estrutura definam conceitos idênticos porque, ao variarem os
significados e as simbolizações, também irão variar os modos de
analisar e de agir durante a resolução de problemas. As diferenças na
organização conceitual dos sujeitos, decorrentes de diferenças
culttlrais, intervêm na criação das situações e na escolha das formas de
simbolização.
Rsta hipótese de que os mesmos invariantes não significam uma
idêntica organização conceitual tem implicações educacionais
importantes. Pode explicar porque as crianças que não aprendem na
escola revelam capacidade de compreender a matemática fora da situação
formal. No entanto, como os próprios pesquisadores reconhecem, é
necessário investigar mais detalhadamente o alcance de diferentes
sistemas simbólicos e as diferentes fronteiras dos conceitos
matemáticos. R principalmente, com o avanço desses estudos, tentar-se,
de algum modo, articular a competência matemática da criança,
constatada em situações informais, ao objetivo de fazê-la dominar, de
fato, o instrumental fornecido pela escola - os chamados amplificadores
11
culturais da capacidade existenteo.
* * *
No artigo em que avalia criticamente a psicologia educacional,
Libâneo (1985) aponta para a necessidade de se fazer uma psicologia das
relações sociais uma vez que a psicologia ocidental tem-se
caracterizado pelo compromisso com o individualismo, acarretando uma
visão abstrata da criança, isto é, fora do contexto social em que esta
se insere. Ao defender uma intervenção pedagógica que valorize o que
há de positivo na experiência social das classes populares objetivando
uma superação do quadro de altos indices de evasão e repetência nas
escolas públicas, Libâneo propõe algumas questões que, no seu entender,
deveriam fazer parte das investigações da psicologia educacional.
Tais questões, convém assinalar, não passavam inteiramente
despercebidas pelo conjunto de educadores brasileiros da época. De
fato. ainda no limiar da década de oitenta, já eram atentamente
observadas como veremos a seguir:
a - "até que ponto o i.rJ8ucesso escolar de~ ser atribuido a
deficiêDcillB de ordea intelectual?" (Libâneo, 1985, p.172)
o Sobre o conceito de amplificador cultural ver: Teresinha Carraher, Sociedade e inteligência. 1989a, p.79.
18
Neo foi encontrado qualquer déficit cognitivo em relação às habilidades
requeridas para o início da aprendizagem da matemática nas crianças das
camadas populares, conforme as conclusões da pesquisa "Fracasso
escolar: uma questão social" (Carraher & Schliemann, 1983a). Quanto à
aprendizagem da leitura e da escrita, os resultados a que chegaram
Carraher & Rego (1984) configuram um atraso perfeitamente superado ao
longo do ano escolar. Na tentativa de compreender porque a escola não
reconhece esta superação, os pesquisadores indagam se a avaliação
escolar não refletiria tão somente forças ideológicas, econômicas e
culturais exteriores à escola, ao invés da competência acadêmica dos
alunos.
b - "por que há ~ entre a ~tlb2c1a dlt cr11Jl1()1J J2IUJ
at1vidltdes escolares e a CIflJtJC1dade revelada.. outras at1vidades?"
(Libâneo, 1985, p.172)
Em relação ao ensino da matemática, de acordo com o grupo de
pesquisadores da UFPe, o fracasso escolar aparece como fracasso da
escola (a) pela incapacidade de aferir a real capacidade da criança;
(b) pelo desconhecimento dos processos naturais que levam a criança a
adquirir o conhecimento e (c) pela incapacidade de estabelecer uma
ponte entre o conhecimento formal que deseja transmitir e o
conhecimento prático do qual a criança, pelo menos em parte, já dispõe.
Em relação à alfabetização, os pesquisadores fazem notar que a escrita
é uma invenção cultural e como tal varia qualitativamente entre as
culturas. Os niveis de organização dos sistemas de representação -
escritas ideográficas, silábicas, alfabéticas - são opcionais.
19
'j4s crianças de clUlladas sociais mais elevadas vivem cercadas por este objeto cultural; seus pais são alfabetizados e usam a leitura e a escrita nos mais diversos contextos. As crianças de camadas sociais mais baixas. por outro lado, têm muito meJl0S contacto com a língua escrita . .. (Carraher & Rego, 1984, p.51
Esses fatos podem explicar o atraso considerável que aquelas crianças
apresentam em relação aos pré-requisitos cognitivos ao iniciarem a
alfabetização. Para os pesquisadores, os re8Ultados sugerem a
necessidade de revisões das práticas escolares na preparação e na
avaliação do alfabetizando. Novamente é a escola que é posta em
questão no que diz respeito à sua capacidade de ajustar-se às maneiras
de atuar e pensar das crianças provenientes das diferentes camadas
sócio-econômicas.
c - ..... .eio escolar est:J.ullJ12te, ,. vários BtmtidOB, CODtribuirla para
.,1os favorecidos ~?" (Libâneo, 1985, p.172)
Os estudos realizados pelo GEEMPA ( Grupo de Estudos sobre Educação -
Metologia de Pesquisa e Ação), a partir de 1979, para verificar como as
crianças das classes populares aprendem e as causas de seu insucesso,
resultaram na construção de uma proposta didática que incorpora a
realidade e as vivências dessas crianças. Implementado inicialmente de
modo alternativo em uma classe experimental de primeira série na Vila
Santo Operário, em Canoas, RS, o projeto se estendeu a partir de 1983
para a rede pública oficial. Os primeiros resultados da experimentação
foram significativamente positivos tanto em relação ao rendimento do
aluno quanto ao índice de aprovação para as séries subseqüentes. Além
20
disso, a assiduidade dos alunos e a quase total inexistência de evasões
durante a experiência levaram o grupo acreditar que a pouca freqüência
e a grande evasão "tão comuns nas escolas da vila, não seriam
características deste tipo de população, mas uma conseqüência da
proposta didática da escola regular." (Craidy et a!., 1983, p.214)
d - "qual é, de fato, a ezteDBão das deBVlJIltaserJs BÓCio-cul.turais que
as crilJllÇaB pobres efetiw.ente carregsa?.."a.:, efetiw.ente, IJB
deBVlJIltBgens poderia. se trlJDBfozwar ~ pcmtos de apoio para deslaDCbar
a ação educativa?" (Libâneo, 1985, p.172)
Experiências pedagógicas como as do GEEMPA vêm demonstrar que a
extensão das desvantagens sócio-culturais está diretamente implicada na
maneira como a escola agrega à sua proposta educacional as experiências
e vivência concreta de seus alunos. As pesquisas realizadas com a
população da Vila Santo Operário permitiram ao GEEMPA conhecer algumas
das peculiaridades das famílias e dos próprios alunos que freqüentavam
a classe experimental: o predomínio do corporal sobre o intelectual,
dificuldades por parte da criança em seu processo de individuação,
baixa motivação para cursar a escola regular. Essas características
permitiram a determinação de princípios gerais orientadores da ação
pedagógica tais como (a) ampliar ao máximo os campos de expressão com a
recuperação das atividades manuais e corporais, dirigidas agora para o
trabalho escolar; (b) realizar uma ligação indissociável entre a
criatividade e a cognição ao incentivar a expressão da individualidade
do aluno e (c) motivar a presença do aluno na escola pela
intensificação do prazer de aprender. (Craidy et aI., 1983)
21
e - ué poBBível II/JIlter os aes.os par6aetros da cultura padr60 das
cllUlBes socialaente favorecidas para, por JM§todos adequados, ~lOB
para as classeB poPllares?U (Libâneo, 1985, p.172)
A crítica que o grupo de UFPe faz à escola como incapaz de entender e
valorizar a criança não se restringe ao ensino público.
pesquisa de Carraher & Schliemann (1983b) sobre adição e
Por exemplo, a
subtração na
escola, com sujeitos de classe média e classe popular, demonstra que as
estratégias ou algoritmos ensinados pela escola nem sempre são os
preferidos pela criança e. além disso, são os que mais usualmente levam
a erros.
Desta forma. a questão central não seria a de adequar às classes
desprivilegiadas a cultura padrão mas, no que diz respeito ao ensino
escolar, adequá-lo ao pensamento infantil. Na referida pesquisa não
foram encontradas diferenças entre as crianças das duas camadas sociais
quer no tipo de estratégia preferida, quer no número de respostas
certas.
1.3 - Tendências prevalecentes e seus ~to8 sobre a açIo pedag6aica
o exame da produção científica brasileira que versa sobre o
problema do fracasso escolar na escola pública, aponta para caminhos
que já se delineiam com nitidez. Apesar das várias correntes
interpretativas, é possível se afirmar que há um sentido consensual a
respeito da participação decisiva da instituição escolar para reverter
o quadro atual, e da necessidade de se buscar no interior da escola,
através de uma troca de conhecimentos, os elementos necessários para
22
implementar tal mudança.
Do ponto de vista da ação do pesquisador que entra em contato com
a instituição escolar para investigar as questoes ligadas à evasão e à
repetência no primp.iro grau, podemos distinguir duas posturas:
a dos que pretendem examinar as práticas, os processos, seus
protagonistas, sem no entanto exercer um papel ativo de colaboração
durante o período de investigação;
a dos que optam por uma ação participativa, muitas vezes
impulsionados pelos resultados de pesquisas como as acima definidas e
que apontem para caminhos possíveis de transformação.
No primeiro conjunto estão, entre muitos outros, os estudos do
grupo da Fundação Carlos Chagas, os do GEEMPA e os desenvolvidos pelos
pesquisadores da UFPe. Do segundo conjunto são exemplos as
experiências educacionais derivadas, respectivamente, daqueles estudos:
o Projeto Alfa, a proposta de alfabetização do GEEMPA, o Projeto
Aprender Pensando.
Ainda do primeiro conjunto. cumpre citar o estudo de Patto (1990)
sobre a produção do fracasso escolar que inclui, em sua primeira parte,
uma extensa revisão da literatura sobre o tema e, na segunda, o relato
da pesquisa desenvolvida no interior de uma escola pública de primeiro
grau, na periferia da cidade de São Paulo. Tematizando desde as raizes
históricas das concepções sobre o fracasso para desembocar na análise
da natureza do discurso oficial brasileiro, Patto arremata a revisão de
literatura identificando três afirmações que habitam as pesquisas mais
23
recentes 80bre a8 desigualdades educacionais na 80ciedade brasileira:
- 'M dificuldades de aprend1~ escolar da crilJllÇlJ pobre decorre. de
BUIJB CODdiçóes de vida. ,. (p. 121)
- '~escola pública é la! escola adequada às crilUlÇaB de clllBBe aédia e
o professor terJde a lIIlir~ _ sala de aul.a~ terJdo _ aente ,.. alUllO
ideal • .. (p.123)
"Os professores não elJt:tmcte. ou di.scr.i_j",.. seus alU1lOB de clllBBe
baiJr.a por tertllll pouca BelJBibilidade e /lI"IUlde falta de CODbeciaento a
respeito dos padriJeB culturais dos alU1lOB pobres~ _ função de sua
condição de cllUJBe Édia • .. (p.125)
São afirmações que precisam ser revistas, avalia Patto. O
pensamento educacional brasileiro mais atual estaria ainda impregnado
da teoria da carência cultural.
"li ÚI1portan te notar que se nos anos de predO/lJinio da teoria da deficiência cultural os aspectos intra-escolares receberam pouca atenção, e se na vigência da teoria da diferença cultural a responsabilidade da escola pelo fracasso ficou lÚl1itada à sua inadequaçAo à clientela, à lJIedida. que as pesquiB4B vão desvendando mais criticamente aspectos da estrutura e do funcionamento do sisteJ1J8. escolar, ao invés da. tendência a atribuir à clientela as caUBaS do fracasso escolar ter sido superada, ela foi apenas acrescida de consideraç(Jes sobre a JIIá qualidade do ensino que se oferece a essas crianças. " (Patto, 1990, p.120)
- A idéia de que as crianças pobres sofrem deficiências ou
distúrbios em seu desenvolvimento, desencadeou a tendência para a
24
defesa de uma escola mais adequada a essas dificuldades. Face à.s
alegações, contidas na primeira afirmação identificada por Patto, de
que as condições de vida dessas crianças impediriam um desempenho bem
sucedido, a autora questiona a validade de se apostar no sucesso pela
mudança da escola. Priorizar os fatores intra-escolares como meio para
se reverter o quadro de fracasso é uma atitude que nAo se coaduna com a
crença de que as dificuldades estariam no meio social, portanto fora da
escola.
- A segunda afirmação tem por pressuposto um conhecimento dos
padrões culturais da primeira socialização das crianças que ingressam
nas escolas públicas. De acordo com Patto, os padrões culturais das
populações que vivem nas periferias das grandes cidades - provavelmente
padrões muitos heterogêneos - não sao ainda conhecidos; portanto,
afirma-se o que na verdade se desconhece. Além disso, a transposição
das teorias crítico- reprodutivistas - em especial a teoria da
reprodução de Bourdieu e Passeron - para o caso brasileiro merece
cautela, alerta Patto, para que não se confundam as exigências do
ensino universitário francês (a que tais teóricos se referiam) com as
da maioria das escolas primárias públicas brasileiras:
"Seus professores poBsuem ' c8,Pi tal cul tural' e o exigem de BeUB alunos? Será que eBta escola chega a veicular '0 B8.ber da classe dominante' e OB altoB indiceB de repetência podem Ber eAPlicadoB como reBiBtência~ por parte dos alunoB~ à i.JJIposição deBte Baber?" (Patto~ 1990~ p.124)
Em vários estudos atuais, duas afirmaçOes andam de maõs dadas:
(a) os professores carecem de competência técnica; (b) 08 professores
25
estão preparados para lidar com outro tipo de clientela. Patto indaga
da compatibilidade dessas afirmações e põe em questão a idéia de que os
professores das escolas públicas do primeiro grau partam do pressuposto
de que seus alunos são parecidos com seus filhos, apercebendo-se da
diferença somente após o contato inicial:
.~ visão negativa que têm da clientela é resultado de seu contato com elas [as crianças] na escola ou é anterior a esse contato? Estas crianças 'saem da escola etiquetadas e estil/lllatizadas' ou já esMo etiquetadas e estil/lllatizadas quando nela illlfI'8ssam?" (Patto,1990, p.125)
- Esta discussão leva a outra: a ligação entre o conhecimento que
o professor tem de seus alunos pobres e a literatura científica. A
terceira afirmação induziria à suposição de que (a) este conhecimento
está presente na literatura especializada; (b) que o desconhecimento
por parte do professor não guarda qualquer relação com a literatura que
o informa. Ora, de acordo com Patto "o desconhecimento a respeito
dessas crianças é generalizado e está presente também no corpo do
conhecimento científico ( ... ) (p.125). A autora lança a hipótese de
que muitos textos, divulgados para sanar as deficiências da formação
docente estejam, de fato, confundindo o professor. No seu entender, a
"alegada 'falta de sensibilidade' do professor, por sua vez, pode
taJDbéJI1 ser intensificada pela confiI'/ll8.ção cientifica de seus
precanceitos de classe. " (p.125)
Na apresentação das conclusões da pesquisa, Patto reafirma a
necessidade da revisão das teorias do déficit e da diferença cultural.
Em sua opinião, a inadequação da escola ocorre mui to mais (a) de sua má
26
qualidade, (b) "da suposição de que os alunos pobres não têm
habilidades que na realidade lIluit.as vezes POSSUeJl1" (p.340), (c) "da
expectativa que a clientela não aprenda ou que o faça em condições em
vários sentidos adversas à aprendizagem ( ... )". (p.340)
Ao fazer evoluir sua argumentação, Patto recorre à menção de
vários autores para corroborar suas conclusões. No entanto, salvo em
uma nota de rodapé, não faz referência ao corpo de pesquisa
desenvolvido pelo equipe da UFPe que, a nosso ver, contribui também de
modo imprescindível para a contestação das teorias do déficit (a) ao
reconhecer e constatar a má qualidade da escola, (b) ao demonstrar que
os alunos pobres possuem as habilidades necessárias para serem bem
sucedidos na vida escolar e (c) ao abalar, com seus achados, as bases
em que se apoiam o baixo nível de expectativa por parte do professor de
que esses alunos aprendam. Se esta equipe defende a idéia das
diferenças culturais, de modo algum o faz adicionando à afirmação da
escola ineficaz a concepção de uma clientela carente. Se avança na
explicitação das diferenças, a equipe explora com cuidado as relações
entre a cultura e a aprendizagem, denunciando a naturalizaçã.o das
formas culturais de apreensã.o do conhecimento 6.
Ainda em suas críticas, Patto reporta-se ao pouco saber
pedagógico que permeia o ensino elementar no Brasil, fato que se
agrava, a seu ver, pelo desconhecimento por parte dos educadores dos
6 Nesse sentido torna-se imperativa a leitura do livro de Teresinha Carraher, Sociedsde e Intel1géncis, 1989a, especialmente o capitulo "Cultura e aprendizagem diferenças entre grupos".
27
avanços da psicologia 1'I()(~ial. No entanto, experiências como as do
GEEMPA, citada pela autora, não são, no nosso entender, apenas um
indicador de que as crianças pobres "são capazes de reflexâo, avaliação
critica~ abstração e uso adequado da linguagem. " (p.342). Representam
mais: sao provas inequívocas de que esse saber pedagógico já se
constrói há algum tempo. Tratam-se de experiências atentas à
importância do ambiente sócio-cultural do aprendiz na produção do
conhecimento escolar, que se inspiram na teoria construtivista e
interacionista de Jean Piaget e buscam uma didática capaz de romper com
o modelo tradicional ao privilegiar a interação entre alunos na sala de
aula.
Piaget penetrou no Brasil, conforme relata Ramozzi-Chiarottino
(1987), na década de trinta através da teoria; a aplicação prática de
suas idéias acentuou-se tão somente a partir de 1970, com ênfase na
educação pré-escolar, por iniciativa de escolas particulares. Uma das
obras pioneiras é a de Lauro de Oliveira Lima, criador do método
psicogenético, uma tentativa de "traduzir em termos de Didática, as
descobertas da Psico/18nética" (Lima, 1976, p.9). Este método baseia-se
na participação ativa do estudante, motivado pelos constantes desafios,
ou situações-problema, propostos pelo professor. O trabalho escolar é
organizado pela divisão da turma em equipes que permitam o confronto de
pontos de vista divergentes, o que provoca um desequilíbrio a ser
solucionado. A ênfase na cooperação persegue ideais de respeito mútuo e
de conquista de autonomia plena (moral, intelectual e social).
A princípio divulgado em seminários e cursos de aperfeiçoamento
28
para professores e pensado em sua aplicação com adolescentes, tal
método se consolidou com a criação do Centro Experimental e Educacional
Jean Piaget, mantenedor de uma escola pré-primária, ampliada
posteriormente para abranger o primeiro grau. Se este fato garantiu
um espaço-tempo, permanente e continuo, para o evoluir do método,
circunscreveu a experiência ao âmbito do ensino privado.
Igualmente engendrada no marco teórico da epistemologia genética,
a experiência pedagógica do GEKMPA surgiu, como já comentado, no bojo
do movimento interessado em pesquisar as causas do fracasso escolar.
Voltado, no início, para o ensino da matemática, este grupo elaborou
uma proposta didática para a alfabetização de crianças das classes
populares com modificações tanto no ambiente tradicional da sala de
aula como na orientação para o ensino e a aprendizagem.
o levantamento sócio-antropológico das famílias dos alunos
participantes da classe experimental destacava duas importantes
características: (a) a resolução de problemas cotidianos pela "família
ampliada "; (b) a dificuldade por parte das crianças em conquistarem sua
individuação (talvez por pertencerem a um grupo não reconhecido pela
sociedade mais ampla). g Grossi (1985) quem comenta:
"Norma1IDente. na Vila Santo Operário. os probleJ/J8.B são resolvidos na família ~liada, constituída pelos parentes reais ou pelos vizinhos. Até JDeB/110 o dinheiro é, em parte, socializado neste conjunto de pessoas, ao DJenos em situações de penúria; basta que alguém tenha emprego para que, nesta família ampliada todos COIIIBlI1. JDeBIIJO que seja só W1J sopAo . .. (p.86)
Quanto à segunda característica. Grossi exemplifica com o fato de
29
haver, em uma mesma familia, inúmer08 nome8 própri08 8emelhantes; para
aquela população esta é uma maneira de permitir um rápido
reconhecimento d08 membros de uma determinada familia. Por outro lado,
ob8ervando 08 alun08 em sala de aula, os pesquisadores constataram um
dificuldade entre as crianças em se conhecerem e guardarem os nomes de
8eus pares como não se 8entis8em membros participante8 de um grupo.
Movidos pela critica à clá8sica di8po8ição das carteiras
escolares, arrumadas em filas para um único foco, o profe8sor
disposição esta que, no entender do GEEMPA é uma violência ao modo de
viver dessas crianças - e pela necessidade em ampliar as oportunidade8
de expressão da individualidade do aluno, 08 pe8qui8adores
e8tabeleceram como 08 doi8 grande8 eixo8 da propo8ta didática a
expre8são da criatividade e o trabalho em pequenos grupos.
Relat08 sobre algun8 projet08 educacionai8 mai8 recente8
evidenciam a preocupação cada vez mais con8tante com o incremento da
interação entre alun08. O projeto "Uma experiência na pré-e8cola"
(Ferreiro, 1990, p.96), derivado do Projeto Aprender Pensando, foi
de8envolvido em uma e8cola pública da periferia do Recife, no per iodo
de 1986-7, com uma turma de pré-e8cola, tendo enfatizado as atividade8
conduzidas em pequenos grupo8 para a comparação entre a8 produçõe8
infantis e para o intercâmbio de informaçõe8. Outro projeto - "Relato
da prá.tica pedagógica do ciclo da alfabetização" (Ferreiro, 1990, p.95)
- in8erido na politica educativa municipal do Recife, de8de 1986, entre
inúmera8 inovaçGes, voltou-se para as prá.tica8 de 8ocialização e
interação entre os alun08. Em Porto Alegre, o trabalho em grupo já faz
30
parte do cotidiano das escolas municipais desde 1990; em São Paulo,
também na rede pública, esta forma de organização do trabalho escolar
tem avançado para as séries mais adiantadas do primeiro grau.
* * *
A teoria psicogenética de Jean Piaget revolucionou de maneira
definitiva a compreensão sobre o pensamento infantil. As propostas de
aplicação da teoria na prática educacional fluiram como que
naturalmente, originadas de um forte entusiasmo por parte daqueles que
anteviam mudanças promissoras. A eBte otimismo inicial, sucedeu um
certo Bentimento de fruetação pela morosidade com que surgiam OB
resultados desejadoB ou meemo pela dificuldade em aliar os nOVOB
conhecimentoB a uma prática tão marcada pela urgência do cotidiano.
No artigo em que analiBa aB aplicaçõeB da teoria genética no
campo da aprendizagem eBcolar, no contexto maiB amplo daB relaçõeB
entre a pBicologia e a educação, Coll (1987) situa eBBa reverBão de
expectativas na década de Betenta,
escola capitalista moBtrava a
desigualdades sociaiB.
em um mundo em crise e em que a
face perverBa de reprodutora das
Mas é preciBamente nessa mesma época que, inBpirados na teoria
genética piagetiana, foram encetadoB trabalhoB experimentaiB sobre a
31
evolução da língua escrita realizados por Emilia Ferreiro e Ana
Teberosky os quais vieram elucidar o processo pelo qual a criança
constrói a escrita. A esses estudos sobre a psicogênese da língua
escrita acrescentaram-se os trabalhos de G. Vergnaud e colaboradores
sobre a construção psicogenética das estruturas aditivas elementares e
das estruturas multiplicativas, formando um expressivo corpo teórico
sobre os processos cognitivos mais diretamente ligados à aprendizagem
escolar.
Esses esforços para a elaboração de uma psicopedagogia dos
conteúdos especificos da aprendizagem escolar constituiriam a base para
a construção de uma metodologia didática, que daria um novo ânimo e
ampliaria de modo significativo as possibilidades de aplicação da
psicogenética.
Nos últimos dez anos, as descobertas de Ferreiro foram se
integrando paulatinamente ao ambiente educacional brasileiro através de
iniciativas como as assinaladas anteriormente ou mesmo por professores
entusiastas que, isoladamente, colocaram-nas em prática no seu
dia-a-dia escolar. Se a psicogênese da língua escrita não é um método,
sua adoção em sala de aula pressupõe no entanto a assunção de posições
muitas vezes opostas às do ensino tradicional. No lugar das cartilhas,
um material de leitura rico em significações s6cio-culturais para o
grupo que aprende; uma nova postura na avaliação, relegando a dicotomia
acerto-erro ao relevar as conquistas do aluno e sua produção; o
respeito ao ritmo próprio de cada aluno e uma dinâmica interacional que
se instala entre professores e alunos e entre os próprios alunos.
32
A psicogênese da língua escrita se propagou com mais rapidez e de
modo mais profundo do que a teoria genética de Piagel., o que se
compreende dada a preemênt;la em se acabar de vez nn Brasil, com o
estigma de pais dp. analfabetos. No entanto, esse fato talvez tenha
contribuído para um desconhecimento da significação mais profunda da
psicogênese e uma certa confusão na aplicação de seus princípios.
Relatos de experiências e observacões mostram como estão arraigados,
mesmo entre os professores que reconhecem o valor dessas descobertas,
as posturas tradicionais quanto ao papel do professor e dos alunos em
sala de aula.
Todas as contribuicões, tanto as dos seguidores da teoria
genética como as dos que, profundamente motivados, se valeram de suas
implicacões para mudar o quadro de fracasso escolar junto às populacões
mais pobres do pais, serviram para iluminar o entendimento acerca de
como a crianca constrói o conhecimento. Entender como a criança pensa
é um passo colossal para uma verdadeira renovacão no ensino escolar.
Traduzir esse entendimento através de práticas que componham o cenário
propicio para a viabilizacão das inovacões é, em nosso entender, o
impulso necessário para se lancar à outra margem.
No artigo em que discute a chamada "crise de identidade" por que
passa a Didática, Soares (1985) propõe um movimento de revisão desta
disciplina cujo objeto especifico não mais seria o processo
ensino-aprendizagem mas a aula entendida como fenômeno que possui
certas peculiaridades, ultrapassando a diversidade dos contextos em que
ocorre e dos conteúdos que ali s&o desenvolvidos. A Didática tem
33
contribttído com prescrições e denúncias; para a autora é chegada a hora
da descrição da prática pedagógica tal como realmente ocorre em sala de
aula.
Se por um lado é primordial que o professor da escola pública
entenda o processo de construção do conhecimento infantil e admita que
o saber elaborado pelas crianças em seu dia-a-dia partilha das mesmas
estruturas necessárias para a construção do saber escolar, por outro
lado, torna-se imprescindível captar o fenômeno vivo que é a aula para
que um novo professor e uma nova escola possam de fato se constituir.
A pesquisa atual voltada para a interpretação do fracasso e
sustentada por esses pressupostos penetrou na sala de aula, quer
através da observação, quer por meio da co-participação, para, na
prática, e à luz das teorias que elabora, forjar novos rumos para a
educação.
o trabalho que ora se apresenta inclui-se no conjunto de
pesquisas participativas através da alternativa metodológica da
pesquisa-ação conforme descrita por Thiollent (1988). Seu objetivo é o
de oferecer uma proposta didática que não se pretende modelar, mas que
percorre caminhos compatíveis com o interacionismo construtivista ao
propor a substituição do esquema tradicional de comunicação entre
alunos pela promoção do trabalho escolar em pequenos grupos.
o tema trabalho ea grupo tem ensejado opiniões divergentes quanto
à sua adoção em salas de aula do primeiro grau. Polemizado em um
artigo da
"Alunos do
34
revista Nova Escola dirigida a professores deste grau -
1Q grau devem trabalhar em grupo? Sim. Não." (1986) - as
opiniões a favor ressaltam a importância de o aluno se sentir como
membro de um subgrupo, ao invés de ser um entre trinta ou quarenta
alunos. Destacam também a viabilidade de o aluno dar e receber ajuda
de seus companheiros (quando dispostos em pequenos grupos) incentivado
em suas iniciativas de comunicação com seus pares. Por outro lado, as
restrições a este tipo de organização do trabalho escolar apoiam-se nas
mais variadas afirmações:
- a divisão da turma em pequenos grupos não garante a sociabilizaçAo
dos alunos;
- a sociabilizaçAo não é um objetivo importante em todos os graus de
ensino, particularmente para o aprendizado no primeiro grau;
- o trabalho em grupo leva à dispersA0 e fomenta a preguiça;
- este tipo de organização em sala de aula dificulta a avaliação do
desempenho individual porque nem sempre todos os membros do grupo
participam efetivamente do trabalho a ser executado; alguns alunos
ficam apenas com as tarefas sem importância;
- não se desenvolve o raciocínio em grupo;
- para se superar, o aluno deve fazer um esforço individual e o grupo
pode atrapalhar.
Cinco anos após, o tema volta a
publicação (Souza, 1991) apresentado agora
ser enfocado pela mesma
como um tipo de organização
em sala de aula que se coaduna perfeitamente com o "conatrutivismo"
(termo usado pelo conjunto dos professores ligados aos primeiros anos
de escolarizaçAo para identificar as idéias de Emilia Ferreiro). As
•
35
professoras regentes entrevistadas demonstram estarem cientes da
importância da troca entre alunos e da conquista da autonomia por este
em relação ao professor. Como na outra reportagem, riscos na adoção do
trabalho em grupo são apontados:
- a improdutividade do grupo;
- o oportunismo de certos alunos que se aproveitam da situação para não
participarem;
- as dificuldades na avaliação, principalmente quando os grupos são
heterogêneos.
o debate sobre a pertinência do recurso do trabalho em grupo
surge aliado a uma temática mais abrangente, a da interação social e,
em especial, a interação entre alunos na sala de aula. A revisão da
literatura apresentada a seguir, no segundo capítulo desta dissertação,
revela a existência de inúmeros estudos que têm discutido
exaustivamente o valor dessas interações, muitos dos quais buscam na
teoria piagetiana do conhecimento a justificativa para os beneficios
cognitivos resultantes dessas relações e que podem fornecer respostas à
justeza das afirmações de apoio ou de restrição ao uso da organização
interativa do trabalho escolar em sala de aula.
CAPÍTUID 2
A INTKRAçM DTRK AIlK>S: UMA lUlA PlRSPKc:rIVA
NO CWU M PSIOOSSOCIOIOOIA IOOCACICIW.
36
Entre os estudos realizados por pesquisadores norte-americanos
sobre a organização social da sala de aula destacam-se os que,
principalmente a partir da década de setenta, apontam para importância
da interação entre alunos na consecução dos objetivos educacionais.
InÚMeras pesquisas surgiram na convicção de que as interações
construtivas entre alunos são imprescindiveis no rendimento escolar,
no processo de socialização e no desenvolvimento cognitivo e emocional.
Alertados pelas conseqüências advindas do predominio das relações
estruturadas em bases competitivas na formação da personalidade do
aluno norte-americano, estudiosos como D. W. Johnson, Roger T. Johnson,
Robert E. Slavin entre outros, têm publicado inÚMeros livros e artigos
em que enfatizam a aprendizagem por grupos cooperativos.
De modo geral, esses autores procuram repenBar o papel das
interações em sala de aula e suprir uma lacuna deixada pela
psicossociologia educacional que tradicionalmente tem enfatizado as
relações professor-aluno. Em um artigo de titulo sugestivo - Student
student interaction: the neglected variable in education - D. Johnson
(1981) mostra como o enfoque dado ao papel do adulto nas escolas norte
americanas têm restringido as interaçCea entre alunos a atividades
extra-curriculares, a situações informais como a hora do recreio e tem
37
ajudado a qualificar essas interações como indesejáveis em sala de aula
por pressupostamente resultarem em baixo rendimento escolar, em
conversas paralelas às tarefas em pauta e por se constituírem em uma
fonte geradora de conflitos. Por outro lado, resultados de pesquisas
(citados em Johnson e Johnson, 1974, p.217 e 1978, p.4) indicam que os
estudantes norte-americanos percebem a escola como competitiva não
obstante preferissem a ênfase na cooperação, e que as atitudes de ajuda
são interpretadas pelos estudantes como comportamentos reprovados pela
sociedade em que vivem.
Johnson (1981) aponta três importantes
prática educacional corrente:
discrepâncias nest.a
a. a ênfase na relação professor-aluno com a consequente eliminação
da interação entre alunos em sala de aula quando esta interação
seja talvez o determinante mais importante no êxito escolar;
b. o predomínio do ensino em bases competitivas e individualistas
quando as experiências em aprendizagem cooperativa parecem ser
bem mais efetivas na promoção de resultados educacionais
desejados;
c. a supressão de situações de conflito em sala de aula quando o
espírito de argumentação sobre temas acadêmicos exercem uma
poderosa influência no desempenho,
desenvolvimento do estudante.
na socialização e no
Para este autor, as relações cooperativas entre alunos na sala de
aula influenciam de modo decisivo as aspirações educacionais, no
rendimento real e na socialização dos valores, atitudes e modos de
38
perceber o mundo pelos estudantes. Mais do que as interações de alunos
com professores, as interações entre pares são preditoras de uma futura
saúde psicológica, ensinam competências necessárias para a redução do
isolamento social, proporcionam um contexto propício para o controle
dos impulsos agressivos e ajudam as crianças e aos adolescentes a
desenvolverem habilidades para visualizarem outros pontos de vista que
não os seus. (Johnson, 1981)
2.1 - A organizaçHo social das atividades s sala de aula
A relação cooperativa é uma das três formas básicas de
organização das atividades escolares em sala de aula definidas seja a
partir das idéias de Kurt Lewin sobre a motivação intrínseca seja a
partir da teoria comportamental da aprendizagem e portanto da motivação
extrínseca. Segundo Jobnson e Johnson (1974), a teoria de Lewin afirma
que o estado de tensão em um indivíduo determina um movimento em
direção ao cumprimento dos objetivos almejados. Desta forma, três
estados podem ser caracterizados:
1. quando há uma interdependência cooperativa para a realização do
objetivo;
2. quando há uma interdependência competitiva para a realização do
objetivo;
3. quando o indivíduo tem objetivos individualistas não relacionados
a objetivos de outros indivíduos.
o tipo de interdependência entre os alunos na realizaç!o das
tarefas tendo em vista a consecução dos objetivos educacionais é
39
denominada de estrutura por objetivo (goé11 Btructllre) por Johnson e
Johnson (1974).
Rsta concepção utiliza-se do campo teórico construido por M.
Deutsch para definir cooperação e competição no funcionamento de
pequenos grupos: -cooperação é uma situação social em que os
indivíduos estão estreitamente ligados em uma correlação positiva na
realização de seus objetivos. Desta forma, um individuo s6 pode
alcançar seu objetivo se,
objetivo próprio. Em uma
e apenas se, o outro indivíduo alcançar o
situação cooperativa, o estudante busca um
resultado que é benéfico para todos os participantes.
competição é uma situação social em que os objetivos de cada
participante são tão ligados que há uma correlação negativa na
realização de seus objetivos. Em uma situação competitiva, o
estudante procura não apenas ser bem sucedido como também procura
o fracasso dos outros participantes.
individualismo é uma situação em que os objetivos dos individuos
são independentes una dos outros. Em uma situação individualista,
o aluno procura o melhor resultado para si mesmo, não obstante os
outros alunos atinjam ou não seus objetivos.
A definição de cooperação implica no fato de que quando um
individuo se comporta de maneira a aumentar suas chances no cumprimento
de seus objetivos, aumenta também as chances dos participantes da
interação cooperativa de alcançarem seus objetivos. Desta constatação
advém conseqüências psicológicas assim especificadas por Deutach:
na relação cooperativa, as ações dos membros são intercambiáveis;
40
se um membro está engajado em um comportamento não há necessidade
de que outros membros repitam o mesmo comportamento;
na relacão cooperativa, se as acões de um indivíduo mobilizam os
outros indivíduos em direcão a seus objetivos, serão consideradas
positivas pelos outros membros da relacão, tanto quanto o próprio
mobilizador como pessoa;
se as acões de um indivíduo mobilizam os outros membros da
relacão cooperativa a seus objetivos, os outros indivíduos serão
receptivos para a tentativa de mobilizacão proposta por aquele
indivíduo no sentido de engajá-los no comportamento que
facilitará a todos suas acões. Desde que cada membro do grupo
contribua de alguma maneira para cumprir a tarefa, todos terão
uma experiência bem sucedida.
Na relacão competitiva, quando um indivíduo se comporta de forma
a aumentar suas próprias chances de êxito no cumprimento do objetivo
proposto, ele diminui as chances dos outros, a quem está ligado, de
alcancar suas metas. Advêm daí, segundo Deutsch, reacões opostas às
estabelecidas nas relações cooperativas por parte das pessoas que
participam da competição: agirão no sentido de impedir em vez de
facilitar, serão influenciadas
positivamente, sentirão aversão no
de modo
lugar de
negativo ao invés
apreciarem e tenderão
de
a
corrigir ao invés de se satisfazerem com as ações dos outros. Como só
pode haver um ganhador, muitas pessoas terão uma experiência frustrada.
Resumindo, Deutsch observa que um indivíduo tenderá a facilitar as
aç~es dos outros quando percebe que tais ações irão promover suas
chances em realizar sua meta e tenderão a impedir as ações dos outros
41
quando percebe que tais ações serão prejudiciais à realização de seus
objetivos.
Da teoria comportamental outros estudiosos distinguem estruturas
cooperativas, competitivas e individualistas de acordo com a maneira
como são distribuídas as recompensas entre os participantes do grupo:
trata-se da estrutura de rec~ (reward structure). Na estrutura
cooperativa, a recompensa do indivíduo é diretamente proporcional à
qualidade do trabalho realizado pelo grupo. Na competitiva, um
indivíduo recebe a recompensa máxima enquanto os outros recebem a
recompensa mínima. Na estrutura individualista, os indivíduos são
recompensados de acordo com a qualidade de seu trabalho independente da
qualidade do trabalho dos outros individuos. Desta forma, a
distribtlição da recompensa motiva os individuos a se comportarem
cooperativamente, competitivamente ou individualisticamente, dependendo
da estrutura de recompensa.
A estrutura de recompensa em sala de aula é definida por S1avin
(1977) como o conjunto de regras sob as quais os estudantes são
recompensados por 'seu desempenho acadêmico. O autor chama atenção para
a diferença entre os termos estrutura de ~ cooperativa e
oo.petitiva e cooperaçio e caçetiçio. As estruturas definem o conjunto
de regras que estabelecem a alocação de recompensa e não um conjunto de
comportamentos:
"( •.• ) A cOl/lpetição pode ser um resultado de uma estrutura de recompensa cOIQpetitlva JII8.S é taJDbéJIl uma variável dependente cuja ocorrência deve ser registrada". (Slavin, 1977, p.634)
42
A modalidade de organização das atividades adotadas em sala de
aula - cooperativa, competitiva ou individualista - expressa, segtUldo
Johnson e Johnson (1974) um fundamento de valor implícito que ÍLUlciona
como um currículo inconsciente. O~ autores lamentam o fato cJP. que haja
POUCü reconhecimento por parte dos educadores da poderosa influência
que a escolha de uma ou outra estrutt~a exerce sobre o comportamento
dos estudantes e criticam as correntes educacionais não-diretivas por
se iludirem com a proposta de uma situação neutra em sala de aula: os
alunos simplesmente tendem a reproduzir a organização mais habitual da
escola, isto é, a estrutura competitiva.
2.2 - <:<.petição e cooperação: proce8808 sociais
o interesse dos educadores empenhados em promover a interação
cooperativa na sala de aula está diretamente ligado a uma visão de
sociedade em que os estudantes possam se ajudar mutuamente e que
portanto tornem-se adultos plenamente desenvolvidos em sua capacidade
de inter-relacionamento pessoal e no seu comportamento em grupo. Trata
se de uma alternativa às estruturas tradicionais, competitiva e
individualista.
Johnson e Johnson (1974) fazem uma análise do que denominam de os
mitos da competição:
a afirmação de que a sociedade ocidental é altamente competitiva
e que os estudantes devem então ser preparados para este mundo em
que sobrevivem os adaptados;
a idéia de que o sucesso, o rendimento, o esforço, a ambição e a
43
motivação dependem do êxito na competição com outros indíviduos;
a alegação de que a competição constrói o caráter e fortalece o
jovem para a vida no chamado mundo real;
a constatação de que os estudantes dão preferência às relações
competitivas.
A essas convicções dominantes na sociedade norte-americana,
Johnson e Johnson (1974) contrapõem os seguintes argumentos:
o tipo de interação humana predominante é interação cooperativa
que torna possível a constituição da famEia, do grupo, da
organização, da escola. Até na comunicação entre dois indivíduos
é necessária a interação cooperativa para o estabelecimento de
uma linguagem comum que permita o entendimento e também para um
acordo acerca de normas de comportamento. A competição é apenas
uma pequena parte da interação entre os indivíduos na sociedade e
provavelmente não muito importante.
a estrutura competitiva não assegura um rendimento maior do que a
estrutura cooperativa. A teoria da motivação para a realização
demonstra que pequenos riscos de fracasso servem como um desafio
para aumentar a competência individual, explica também que este
processo fundamenta-se na avaliação realizada pelo indivíduo das
dificuldades envolvidas na tarefa e do nível de habilidade de que
dispõe e não no fato de o individuo se sentir melhor que os
outros indivíduos. "O êxito no alcance de um objetivo n60 depende
em ganhar de outros indivíduos aBsá CO/DO o fraclJSso em atingir
um objetivo n60 significa perder para outros individuos." (p.
218)., A situação competitiva pode ameaçar e desencorajar pessoas
não muito convictas de sua vitória e muitos
44
estudantes
simplesmente se afastam ou não participam até o fim. Em situações
de motivação extrínseca, a competição existe apenas quando a
quantidade de reforço que não pode ser compartilhado por todos é
limitada e quando cada participante acredita nas suas chances de
vitória.
as pesquisas realizadas constatam que as crianças parecem se
divertir nas estruturas competitivas de recompensa quando estão
ganhando e enquanto apresentam algum dominio
tarefa; comprovam igualmente que as crianças
participar de competições que impõem muitas
estudos verificam a preferência por parte de
na execução da
se recusam a
tarefas. Outros
estudantes pelas
situações instrucionais cooperativas em relação às competitivas,
especialmente se já vivenciaram situações de aprendizagem
cooperativas.
Para afirmar a superioridade da cooperação, Johnson e Johnson
(1974), baseados em teóricos como Asch, Deutsch, Mead, consideram a
interação cooperativa uma necessidade biológica para os seres humanos.
No entanto é notório que a sociedade ocidental percebe a competição - e
não a cooperação - como o processo social verdadeiramente decisivo.
Segundo Ogburn e Nimkoff (1975), essa idéia de luta pela vida
(competição, conflito, oposição já presente no pensamento grego,
acompanha vários filósofos como Hobbes, Hume, Rousseau, Hegel até
desembocar nas teorias evolucionistas com a doutrina da seleçao natural
dos mais aptos de Darwin .
. ~ idéia da luta pela vida, em que os lDllis aptos
45
sobrevivem, acabou sendo encarada como a maior generalizaç~o, talvez, efetuada no século XIX. Tomando-se em consideração, Kropotkin levantou duas questões desafiadoras de explicação: Com que armas principais é esta luta levada a efeito; e quem pode ser considerado como mais apto? Kropotkin argumenta que a luta não é tanto entre membros de uma dada espécie, mas dlltes entre espécies diferentes; e mais do que tudo, é uma luta de todas as espécies contra circunstâncias adversas. À idéia de competição dentro da especle confere IJarwin grande ênfélBe, enquanto negligencia completamente o fato de que a cooperação desempenha importante papel na sobrevivência . .. (Ogburn e Nimkoff, 1975, p.240)
Ainda citando Kropotkin, os autores dão vários exemplos de
cooperação entre animais desde a alimentação e a proteção da prole até
o recurso das colônias e das migrações. Lembram igualmente que entre
seres humanos o auxílio mútuo se expandiu de tal forma a permitir a
sobrevivência de vários grupos de deficientes físicos e mentais,
limitados em seu poder para lutar pela sobrevivência.
Esses argumentos servem de base para Ogburn e Nimkoff afirmarem
que cooperação e competição são, na verdade, processos co-ocorrentes e
estreitamente relacionados entre si. Tanto o conflito pode envolver
cooperação (como no caso da coesão intragrupal face a ameaça de um
inimigo externo), quanto a competição pode ser condição para que a
cooperação se dê de forma mais intensa e produtiva ( como nos programas
de incentivo em empresas, indústria etc.)
2.3 - Istruturas cooperativas, ~titivas e individuali8tas: usos,
deSUS08, polêlrlcas
46
Não obstante a apologia que fazem da interação cooperativa,
Johnson & Johnson (1974) reconhecem que as três formas de organização
devam ser usadas pelo professor de acordo com os objetivos educacionais
específicos e com a viabilização do trabalho em sala de aula. As
estruturas cooperativas, nas tarefas que envolvam a solução de
problemas e a discussão em grupo; as competitivas, em tarefas simples
como soletração, vocabulário, assim como em competições atléticas e em
jogos; as estruturas individualistas, para a aprendizagem de um assunto
ou habilidade específicos.
Na extensa revisão sobre as pesquisas que comparam as três
modalidades de estruturas em situações de aprendizagem - e que dá ampla
vantagem aos resultados advindo das estnlturas cooperativas quer no
domínio cognitivo, quer no afetivo, quer nos processos de aprendizagem
interpessoais e grupais - Johnson e Johnson (1974) admitem que a
competição possa ser uma fonte de divertimento, de excitação e de
liberação de energia em muitas atividades quando ganhar ou perder não
envolva um alto nível de ansiedade. ,
'jts vezes as estudantes podem querer c~tir para avaliar suas habilidades Já que a ~tição é uma fortlla de se fazer julglJJlJentos cOJ/lparativos e de se saber o que de fato se capaz de realizar . .. (p.231)
Por sua vez Slavin (1977) ressalta uma série de estudos
realizados em um período de tempo bem mais longo que o comumente
empregado em pesquisas de laboratório demonstrando efeitos positivos
resultantes de competições grupais em situações de treinamento e de
jogos. O autor constata também a necessidade comum entre os estudantes
em comparar suas habilidades e competências com as de seus
41
companheiros.
A combinação da cooperação intragrupo com a competição intergrupo
é uma das soluções mais frequentes para conciliar as duas tendências no
emprego das estruturas por objetivo ( ou das estruturas de recompensa)
em sala de aula. Um dos efeitos mais positivos dessa prática é a
possibilidade de maior controle da turma pelo professor além da maior
facilidade na aceitação das regras escolares por parte dos estudantes.
Ainda sobre competição, Ogburn e Nimkoff (1915) distinguem a
competição dirigida aos objetivos a alcançar da competição
personalizada, a que denominam rivalidade.
°r ... ) os estudantes não encaru seus colegas COJDO cOlJlpetidores, eJI1bora seja verdade que apenas certo número de honras escolares esteja à disposição de tal modo que, se certos membros da classe os alcançam, são elas autOJDaticamente negadas aos out~s.r ... ) Este fenÔlDeno se conserva de tipo "cOJDpetição" enquanto a atenção deles estiver focalizada para os objetivos que procuram alcançar. Assi.IIJ que se dá uma mudança de interesse, dos objetos da c~tição para os próprios competidores, teJl10S então o que se chama rivalidade . .. (p.239)
Rivalidade definida por Ogburn e Ntmkoff é competição definida
por Deutsch: o competidor não visa apenas o prêmio mA8 a derrota dos
outros competidores pois para ganhar precisa que os outros percam. O
exemplo contido na citação acima caracteriza certas situações ambíguas
que permeiam muitas atividades desenvolvidas em sala de aula em que a
competição, na verdade presente, não é explicitada.
Para melhor entendimento da posição dos pesquisadores norte-
48
americanos que apostam nas interações cooperativas contra o predomínio
das estruturas competitivas e individualistas, é necessário lembrar a
inovação introduzida na sala de aula da escola elementar daquele país a
partir de 1910. Cohen (1981) relata:
.. ( ... ) grandes gnlpos realizando UllJa só tarefa deram lugar a pequenos grupos trabalhando sem a supervisão direta do professor ou a individuos trabalhando no seu próprio ritmo; a orientaç60 abrangente do professor foi lllOdificada em certas salas de aula para dar considerável autonOJDia ao aluno; a interaçllo entre os alunos não foi mais proibida, tornando-se UIIJ
comportamento aceito na sala de aulas; as tarefas foram enriquecidas ~ra incluir multimeios, peI'I/Jitindo a alguns alunos alcançar objetivos de IIJOdo diferente dos demais . .. (p. 9 -10)
g possível inferir desse relato uma tendência dessas modificações
rumo a um não-diretiviamo, o que talvez tenha contribuído para um
retorno rápido (já a partir de 1980) às classes tradicionais. Aliás é
esta a interpretação defendida por Cohen: a confusão entre delegação de
autoridade aos alunos (pressuposto das classes abertas) e falta de
controle da classe ( uma conseqüência quase inevitável do não-
diretivismo) fez com que os professores ou simplificassem a proposta
inovadora a fim de supervisionarem mais diretamente seus alunos ou
perdessem de fato o controle de classe com graves prejuízos para o
rendimento escolar.
A implementação de grupos cooperativos pressupõe uma preparação
dos alunos que devem seguir regras para se comportar cooperativamente.
Aliás - e como já foi anteriormente citada - é esta a própria definição
de uma estrutura por objetivo (ou estrutura de recompensa): um conjunto
de normas que definem o comportamento dos alunos em sala de aula para a
49
execução das tarefas escolares.
Há de certo um tom estrutural-funcionalista na proposta desses
didatas da cooperação quando falam em relações sociais ajustadas, em
adaptação social, saúde psicológica etc. Há, no caso especial dos
Johnsons, o reconhecimento da importância da presença do conflito na
sala de aula com a realização de uma série de pesquisas sobre o efeito
das controvérsias produzidas durante a interação. Há também uma
preocupação ética quando cobram da escola que se posicione e explicite
claramente para os estudantes o tipo de organização a que estão
submetidos em sala de aula. Há sobretudo um cuidado em investigar os
beneficios produzidos pelas relações cooperativas no rendimento
escolar.
2.4 - A organização aocial das atividades e o rendiwento escolar.
Os estudos acerca das interações entre pares na sala de aula têm
se desenvolvido predominantemente em ~as linhas distintas. A primeira
trata de relacionar a organização social das atividades e os modos
interativos que então se estabelecem. A segunda procura dimensionar os
efeitos desta organização sobre o nível de rendimento dos
participantes.
Segundo Col! (1984), para a primeira linha evidenciam-se claros
resultados a favor da superioridade da organização cooperativa sobre as
demais por favorecer as relações caracterizadas pela simpatia, atenção,
cortesia, respeito mútuo e por sentimentos reciprocos de obrigação e
50
ajuda que, por sua vez, se estendem aos professores e a toda
instituição escolar. Além disso, os grupos cooperativos são, ao
contrário dos que se formam em situações competitivas, mais fluidos e
abertos e têm por base a motivação e o interesse do aluno. Com relação
à segunda linha de pesquisa, os resultados não são consensuais, isto é,
a partir dos dados obtidos não há clara determinação de que as
situações cooperativas se sobreponham às competitivas ou às
individualistas quanto ao rendimento do aluno. Muitas revisões
importantes têm sido publicadas no intuito de comparar os inúmeros
trabalhos de cunho experimental feitos em laboratório ou em sala de
aula, e de aprofundar propostas e métodos alternativos aos
tradicionalmente empregados no âmbito escolar.
2.4.1- Revi8Õe8 de pesqu!BaB
Michaels (1977) elaborou uma revisão de dez estudos para analisar
a eficácia das estruturas de recompensa grupais e cooperativas,
sugeridas por Deutsch, D. Johnson, 65
R. Johnson e outros como alternativas às estruturas de recompensa
individuais e competitivas. Segundo Michaels, se há forte evidência de
que as estruturas de recompensa alternativas são mais efetivas no
fortalecimento da colaboração da coordenação, da atitude positiva
perante às tarefas e aos membros do grupo, a tentativa de demonstrar a
superioridade dessas estruturas quanto ao fortalecimento do desempenho
escolar independente dos estudantes é bem menos convincente.
Nesta revisão Michaels distingue quatro tipos básicos de
51
estruturas de recompensa que, no seu entender, são as mais frequentes
tanto na sala de aula quanto nas pesquisas em laboratório:
a. estrutura contingencial de recompensa individual, em que o
desempenho de cada indíviduo é comparado a um modelo pré
estabelecido para determinar a alocação de recompensa a cada
indivíduo As recompensas não estão relacionadas entre os
indivíduos.
b. estrutura contingencial de recompensa de grupo, em que o
desempenho de cada grupo é comparado de modo independente a um
modelo pré-estabelecido para determinar a destinação da
recompensa a cada grupo. As recompensas não estão relacionadas
entre os grupos mas se relacionam positivamente entre os
indivíduos de cada grupo. Esta forma também é denominada de
cooperação pura (pure cooperation);
c. estrutura de competição individual, em que a distribuição das
recompensas entre os indivíduos é feita de acordo com os
desempenhos relativos. Ao recompensaR estão negativamente
rp.Jacionadas entre os indivíduos.
d. estrutura de competição de grupo, em que as recompensas são
distribuídas de modo diferente entre os grupos de acordo com os
desempenhos relativos. As recompensas são caracteristicamente
alocadas de maneira igual dentro de cada grupo. (Michaels, 1977,
p.88)
Para melhor distinguir as estruturas de contingência das de
competição, Michaels (1977) ressalta que nessas últimas o total de
recompensa é fixo o que implica em dizer que há escassez dos recursos
disponíveis. Além disso, nas estruturas
52
competitivas há
interdependência negativa das recompensas entre as unidades (indivíduo
ou grupo) enquanto que nas contingenciais há independência das
recompensas entre as unidades.
Embora cite o artigo publicado em 1914 por Johnson e Johnson,
Michaels utiliza-se tão somente da expressão estrutura de :reco.;pensa.,
não levando em conta a distinção de caráter teórico estabelecida por
aqueles autores entre essas estruturas e as por eles denominadas de
estruturas por objetivo. No entanto, ao delinear as quatro estruturas
básicas consideradas na revisão, Michaels liga as estruturas de
contingência à abordagem do reforço e as estruturas de competição à
abordagem da cooperação-competição de Deutsch e outros teóricos.
Os critérios adotados por Michaels na seleção dos estudos
incluídos na revisão ora descrita foram:
a operacionalização de pelo menos duas das estruturas básicas;
a utilização de estudantes como sujeitos;
a administração de recompensas que variam do reconhecimento
público ao dinheiro;
a realização de experimentos em laboratório ou em sala de aula
medindo desempenhos independentes porém apenas em tarefas
consideradas de relevância acadêmica tais como matemática,
leitura, ortografia e exercícios em laboratório. Foram omitidos
estudos cujas tarefas já implicavam a interação cooperativa como
por exemplo a discussão em grupo.
53
O resultado da revisão aponta para uma nitida superioridade da
estrutura de competição individual que surge como a mais efetiva no
desempenho independente dos estudantes. No entanto, no entender do
autor, essa conclusão de modo algum invalida as criticas feitas às
estruturas de recompensa tradicionais: dependendo do modo como a
competição individual é implementada, muitas de suas características
"tornam-se ineficazes para muitos dos estudantes, principalmente para
os que apresentam UJII baixo rendimento inicial. "(p.95). Os motivos
são assim enunciados por Michaels (1977):
1 - o valor e a utilidade das notas altas variam consideravelmente
entre os estudantes;
2 - a probabilidade em receber notas altas também varia: é maior para
os estudantes mais capazes e menor para os menos capazes;
3 - o esforço necessário para alcançar um alto desempenho varia
inversamente à capacidade porque geralmente os ganhos obtidos por
estudantes que de inicio se mostram menos capazes raramente
recebem reforço. Desta forma, os estudantes que mais necessitam
de incentivo são os que menos o recebem.
Todos esses fatores contribuem para que o efeito desejado com o
estabelecimento em sala de aula de uma estrutura competitiva individual
incida apenas sobre um terço do conjunto dos estudantes, justamente o
terço que habitualmente já conquista as notas mais altas na turma.
Michaels (1977) fez notar que, em contraste com esta constatação, os
estudos selecionados para revisão, por seguirem de perto as formulações
de reforço (5kinner), de utilidade (Ofshe & Ofehe) e de exPeCtativa
(Kukla) "tornaVlUll as recO/lJpensas valiosas mais 1IDediataIIJente
54
disponíveis devido a uma maior probabilidade de recebê-las, mediante um
esforço razoável. " CP. 96)
Publicada no mesmo ano, a resenha de Slavin (1977) também analisa
várias pesquisas que procuram relacionar estruturas de recompensa e
desempenho escolar. Incluindo, entre outros, sete dos dez artigos
revistos por Michaels, Slavin constata igualmente que as estruturas de
recompensa competitiva e individual são mais eficazes do que as
cooperativas para aumentar o rendimento escolar mas em duas condições
especificas; (a) nas pesquisas feitas em laboratório ou em situações
assemelhadas e (b) quando os sujeitos não dispõem de recursos
importantes que possam reter ou compartilhar à vontade. A partir
dessas ressalvas, Slavin reavalia tal constatação e prevê novos
achados, com vantagens para as estruturas de recompensa cooperativas,
através do deslocamento das pesquisas para a sala de aula e com a real
oportunidade de troca entre os estudantes de informações
significativas.
Segundo Slavin, os membros de um grupo dispõem de pelo menos duas
maneiras para melhorar a performance dos outros membros. A primeira é
a de reforçar os outros membros com base na performance individual.
As estruturas de cooperação possibilitam que os sujeitos do grupo se
encorajem mutuamente no sentido de elevar o desempenho do grupo: é a
chamada pressão do grupo ou "forças para a respo11SlJ.bilidade"
(responeability forces), registradas direta ou indiretamente por
algumas pesquisas incluidas na revisao (p. 639). A segunda maneira é a
habilidade em compartilhar dos recursos disponíveis tanto para
55
minimizar os esforços do grupo quanto para facilitar uma performance de
alto nível.
As análises sobre as relações entre o tipo de tarefa proposto e
as estruttwas de recompensa (cooperativas ou competitivas) realizadas
por algumas das pesquisas revistas, atribuem a maior ou menor eficácia
dessas estruturas ao tipo de tarefa proposto no exper~nto. As
estruturas cooperativas se mostrariam superiores em promover o
desempenho quando a tarefa em pauta fosse do tipo interdependente
(isto é, que requer coordenação); as estruturas competitivas e
individualistas seriam mais eficientes quando a tarefa em pauta fosse
do tipo independente (isto é, em que os sujeitos não dependem de outros
para executá-la).
Ao constatar resultados diversos em outras pesquisas, Slavin
lança o argumento de que não seria a natureza da tarefa e sim a
oportunidade de compartilhar informações o que determina a maior ou
menor efetividade das estruturas de recompensa cooperativas.
Embora muitos dos estudos incluidos na revisão tenham permitido a
ocorrência de reforço baseado na performance individual entre os
membros do grupo, poucos ofereceram oportunidades para o
compartilhamento de recursos entre os membros do grupo. Ademais, como
observa Slavin, as situações de laboratório são extremamente pobres
quando comparadas às de sala de aula. Nos experimentos os sujeitos
participantes eram estranhos entre si, os grupos cooperativos logo se
dissolviam com pouca oportunidade para o desenvolvimento de pressões
56
entre os membros. Desta forma, pondera o autor, seria totalmente
impróprio generalizar do laboratório para a sala de aula.
Slavin aposta nas pesquisas realizadas em sala de aula com
duração de tempo significativa, em número bem escasso até então.
Acredita que novas pesquisas sobre estruturas cooperativas com pequenos
grupos possam evidenciar ganhos no rendimento escolar advindos dessas
estruturas. Se não há dúvidas de que as estruturas cooperativas são as
que trazem maiores benefícios ao relacionamento entre os alunos, por
que então pergunta Slavin - não lançar mão do uso simultâneo de
estruturas cooperativas e de estruturas competitivas e individualistas,
já que essas últimas são consideradas mais efetivas para o rendimento
escolar? Michaels (1911) também chama atenção para a propriedade da
combinação de estruturas individuais e de grupo a fim de dar aos
estudantes inicialmente menos capazes chances reais de serem
recompensados por seu esforço.
Sharan (1980) examinou, avaliou e comparou cinco métodos
propostos por vários autores para a condução da aprendizagem em
pequenos grupos cooperativos e os estudos experimentais realizados para
a avaliação de seus efeitos. Além do rendimento escolar, a revisão de
Sharan analisou também a eficácia desses métodos na promoção de
atitudes positivas em relação à escola e da integração étnicas em sala
de aula multiraciais.
Quanto ao primeiro aspecto o rendimento acadêmico - os
resultados demonstram que os alunos organizados em pequenos grupos,
57
quando comparados àqueles submetidos às classes tradicionais,
apresentam aproveitamento superior embora esses ganhos não sejam
consistentes para todos os grupos e nem para todas as medidas. Todos os
métodos apresentam também efeitos positivos nas variáveis sócio
afetivas e nas relações étnicas em sala de aula.
Da mesma forma, Slavin (1980) sintetizou os resultados de várias
investigações de campo em que os métodos de aprendizagem cooperativa
são implementados em sala de aula da escola elementar e secundária.
Esta resenha confirma a utilidade dos métodos de aprendizagem
cooperativa no aumento do rendimento dos estudantes, na promoção de
relações étnicas positivas em escolas onde não há segregação, no
interesse mútuo e na auto-estima dos estudantes.
Michaels e Slavin demonstram que os estudos realizados concluem
pela superioridade das estruturas tradicionais no que concerne à
promoção do rendimento escolar mas fazem notar que esta conclusão está
muito colada aos pressupostos teóricos e às condições metodológicas no
encaminhamento dessas pesquisas. Por outro lado, D. W. Johnson e R. T.
Johnson são unânimes na constatação da eficácia das estruturas
cooperativas tanto sobre as competitivas quanto sobre as
individualistas em todos os aspectos inerentes à formação escolar.
Slavin aposta no uso simultâneo de estruturas cooperativas e
competitivas; Michaels, nas estruturas de grupo e individuais - ambos
autores preocupados em conjugar os beneficios de uma e outra
organização em prol de um melhor rendimento para tod08 08 estudante8.
Sharan, Slavin, e os Johnaons além de outros autores e
colaboradores criaram métodos em que os estudantes trabalham em
pequenos grupos cooperativos. Sharan e Slavin avaliaram esses métodos
através de estudos experimentais e concluem que há um saldo positivo em
relação ao aproveitamento escolar e a outros aspectos envolvidos
igualmente relevantes.
Para aclarar as divergências e buscar um denominador comum acerca
da real eficácia das várias estruturas por objetivo na promoção do
rendimento e da produtividade, Johnson, Maruyama, Johnson, Nelson e
Skon (1981) selecionaram cento e vinte e dois estudos que estão
incluídos em resenhas, muitas das quais acima relatadas7 • Segundo
Coll (1984), tanto pelo tipo e volume das pesquisas revistas quanto
pela metodologia aplicada, este trabalho constitui um balanço
atualizado sobre o temas.
Três polêmicas principais surgem da análise das resenhas:
a. se as situações cooperativas produzem um rendimento melhor do que
as situações competitivas, ou o inverso;
b. se as situações cooperativas produzem um rendimento melhor do que
as situações individualistas, ou o inverso;
c. se a competição intergrupos é necessária para que a cooperação
seja eficaz.
7 As resenhas são: May & Doob, 1937; Murphy et aI., 1937; Miller & 1963; Johnson & Johnson, 1974, 1975; Hayes, 1976; Michaels, 1977; Slavin, 1977; Sharan, 1980.
B De fato, não foi encontrado qualquer estudo tão abrangente e com o mesmo propósito em data posterior.
59
A metodologia utilizada para a análise das conclusões dos cento e
vinte e dois estudos foi a meta-análise que procura combinar os
resultados de experimentos independentes para realizar uma integração.
No entender dos autores, a meta-análise é especialmente aplicável ã
pesquisa que relaciona estruturas por objetivo e rendimento uma vez que
há um número considerável de estudos sobre o tema que lancam mão de
variáveis idênticas ou pelo menos conceitualmente similares.
Baseados no resultado da meta-análise, os autores apresentam
quatro proposições teóricas:
1. .~ cooperação é superior à caçetiçKo para proaJver reI'.ltl:l.eIlto e
PI"Odutiv1dade.
a possível lançar a hipótese de que a superioridade da cooperação aumenta quanto mais os sujeitos são solicitados a realizar U/D produto grupal (tarefa interdependente), a trabalhar e/D tarefas que não sejam as decodificações e correções de rotina, a encorajar a produtividade uns aos outros, a exercer tutoria mútua, a exercitar cognitivamente a matéria a ser aprendida, ( ... ) A cooperação é superior à CO/IIpetição in ter pessoal para promover rendilDento superior. Esses resultados valeJIJ para qualquer disciplina (li.nguageJIJ, artes, leitura, /DateJDática, ciência, estudos soc~alS, psicologia e educaçKo física), para todos os grupos de idade (eJDbora os resultados sejam mais significativos para os préuniversitários do que para os estudantes universitários) para tarefas que envolvaJ/l formaçKo de conceitos, resolução de problemas verbais, cate~rização, resolução de problemas espaClalS, retenção e /DeJDÓria, desempenho /Dotor, adivinhações, julgamentos e prognósticos." (Johnson et aI., 1981, p. 56)
Os resultados da comparação entre cooperação com competição
intergrupo e a competição interpessoal são também francamente
60
favoráveis à cooperação, principalmente quando os sujeitos são
solicitados li elaborar um produto grupal.
2. .~ cooperação é superior aOB esforços individualistas na proIIOÇão
do rendHJento e da produtividade_ •• (p. 57)
Esta superioridade aumenta quando a tarefa não é a de rotina,
quando a
trabalho.
tutoria entre pares é encorajada e quando não há divisão de
Esses resultados também abrangem todas as disciplinas
escolares e todos os grupos de idade.
A comparação entre a cooperação e competição inter grupo e as
situações individualistas indica igualmente a BUperioridade da
cooperação em relação a estrutura por objetivo individualista.
3. .~ cooperaç40 BSI ca.,petiç60 iDtergrupo ~ve rendhlento e
produtividade JJUperio.res IJOB da cooperaçifo cc. cc.petiao
iDtergrupo_ •• (p. 57)
Esta conclusão é apenas tentativa uma vez que o número de estudos
que comparam diretamente as duas condições é ainda muito pequeno.
Baseia-se no fato de que a cooperação sem competição produziu
resultados mais convincentes quando da comparação entre a cooperação e
competição interpessoal e as estruturas por objetivo individualistas.
A conclusão vale principalmente experimentos de curta duração em que é
solicitado ao grupo um único produto.
4. "lIiio há diferelJÇlJ. signifiClJ.tiVIJ. entre a ca.,petiçKo iDterpeBBOl!Jl. e
IJB estruturllB por obJetivo iDdl.vidualistas lJlJ. ~ do
rendhlento e da produtividade_ .. (p. 57)
61
Os resultados não demonstram uma tendência nítida. Quando as
tarefas devem ser cumpridas de modo independente e o contato e
interação entre os sujeitos não é permitido, a competição pode se
mostrar superior às situações indivimlalistas.
2.4.2 Métodos cooperativos
A aprendizagem cooperativa, isto é, a noção de estudantes
trabalhando de forma cooperativa para fins de aprendizagem, é uma
antiga idéia em effitcação. De acordo com Buckholdt & Wodarki (1978),
Comenius acreditava que os estudantes poderiam se beneficiar tanto em
ensinar quanto em serem ensinados por seus pares; na Inglaterra tem-se
notícia do uso de grupos estudantis cooperativos já no século XVIII;
nos Estados Unidos, no século XIX. Slavin (1980) relata que na década
de 20 experimp.ntava-se nos laboratórios norte-americanos os efeitos da
cooperação no rendimento e em outras variáveis. No entanto, e como
dissemos anteriormente, apenas nas últimas décadas a cooperação foi
introduzida de fato na sala de aula das escolas daquele país e alguns
métodos surgiram envolvendo pequenos grupos e tutoria entre pares. São
estes:
a. o método Jigsaw, de Aronson (Aronson et aI., 1978);
b. o método Teams-Games-Tournaments - TGT -de DeVries (DeVries e
Slavin, 1978);
c. o método Student Teams Academic Divisions, de Slavin (Slavin,
1978) ;
d. a aprendizagem cooperativa desenvolvida por D. Johnson e R.
Johnson ( Johnson & Johnson, 1978, Slavin, 1980, Sharan, 1980);
62
e. o metodo Small Group Teaching de Sharan, (Sharan, 1980)9.
o método Jigsaw tem por objetivo criar a interdependência dos
alunos através da divisão entre eles das tarefas de aprendizagem e pela
estruturação da interação em cada grupo.
São formados pequenos grupos heterogêneos, compostos de cinco a
seis membros, denominados times. O tópico a ser estudado é subdividido
em tantas partes quanto o número de membros de cada time. Os alunos dos
vários times responsáveis pela mesma parte da matéria se reúnem para
estudar em conjunto e voltam a seus times originais incumbidos de
ensinar a seus companheiros o que foi estudado. Ao final do processo,
todos os alunos devem dominar a totalidade do tópico para se submeterem
a um teste individual. A nota resultante será então somada às notas
individuais de cada aluno.
Com o método Jigsaw, os alunos aprendem que nenhum deles pode ter
êxito sem a ajuda de cada membro do time e que cada um tem uma
contribuição fundamental e exclusiva a dar. O papel do professor é o de
facilitar o processo acompanhando de perto a evolução dos grupos
intervindo de vez em quando para aperfeiçoar e intensificar as
interações construtivas nos grupos. Além disso, cabe ao professor a
seleção dos temas curriculares.
Slavin (1980) faz notar que o método Jigsaw favorece a
e Shlomo Sharan pertence à Escola de Educação da Universidade de Tel-Aviv.
63
interdependência da realização da tarefa mas não promove a
interdependência na distribuição da recompensa porque o grupo não é
premiado como tal.
No método TGT, os alunos formam time de quatro a cinco membros
cuja composição deve refletir as diferenças existentes na turma no que
diz respeito ao rendimento escolar, etnia e sexo. Cada time deve se
preparar através da tutoria entre os membros para um torneio a ser
realizar no dia seguinte, sobre um tópico selecionado pelo professor.
No torneio, vários grupos são formados, cada um por três alunos de
nível eqtlivalente, representantes de diferentes times; esses alunos
competem entre si em jogos sobre o tema estudado anteriormente nos
times. Cada torneio dura cerca de quarenta minutos e se repete a cada
semana; os jogos consistem em perguntas com respostas curtas. Os
pontos obtidos por cada representante são somados aos escores de seus
times. As chances em obter o máximo de pontos para os times é
garantida pela homogeneidade no nível de rendimento escolar entre os
participantes de cada gupo do torneio. Os resultados são divulgados
pelo professor com o reconhecimento dos times que alcançaram os pontos
mais altos. Os participantes de cada grupo nos torneios sempre variam
em função das performances individuais anteriores na mesma disciplina;
os times permanecem constantes por pelo menos seis semanas para que se
estabeleçam laços mais duradouros entre seus membros.
O método TGT garante uma interdependência na distribuição de
recompensa: quanto mais os membros dos times se ajudam na aprendizagem
do tópico, maior a probabilidade de conquistarem pontos mais altos para
64
o time.
Este método foi desenvolvido na Unviversidade Johns Hopkins, nos
Estados Unidos, a partir de 1910. Pesquisas efetuadas ao longo de cinco
anos comprovavam a eficácia do método em uma extensa gama de variáveis
dependentes: rendimento escolar, respeito mútuo entre os estudantes,
relações étnicas positivas, normas entre pares propiciando melhor
rendimento escolar. O método introduzira importantes inovações como a
aprendizagem em times, os jogos instrucionais, a tutoria entre pares,
as oportunidades de recompensa para todos os estudantes independente do
nível de performance, as recompensas semanais para os times. No
entanto, as pesquisas não deixavam claro se o sucesso do método poderia
ser atribuído apenas à técnica de grupo ou a outros fatores presentes.
Em resposta a esta questão foi construida uma técnica simplificada que
recebeu o nome de Student Teams - Achievement Divisions ou STAD. Esta
simplificação poderia contribuir também de duas maneiras: servir de
alternativa para o método TGT àqueles professores que hesitavam em usar
este método por sua complexidade; tornar concreta a possibilidade de
uma utilização permanente das técnicas de times em lugar de um uso
meramente suplementar à instrução tradicional. (Slavin, 1918)
O método STAD, ao contrário do método TGT, dispensa os jogos e os
torneios embora também use times de quatro a cinco componentes,
estruturados nas mesmas bases que os do TGT. Os participantes dos times
ajudam-se mutuamente na preparação para os testes individuais que se
realizam duas vezes por semana. As notas obtidas são transformadas em
pontos de acordo com um sistema de divisão por rendimento e só então
somados para formar o escore do time.
65
O sistema de divisão por
rendimento consiste em distribuir todos os allIDos da turma em divisões
de acordo com o rendimento anterior: os seis primeiros formam a Divisão
1, os seis se~lintes, a Divisão 2 e assim por diante. Essas divisões
servem apenas para converter os resultados dos testes em pontos para os
times; os estudantes não interagem com outros de sua divisão,
desconhecendo na verdade a composição de cada uma. Em uma divisão, o
estudante que obteve a melhor nota no teste individual recebe oito
pontos para seu time, o segundo melhor obtém seis pontos e assim
sucessivamente. Este sistema garante que a nota de cada estudante seja
comparada apenas com as notas de outros estudantes com o mesmo nivel de
rendimento, universalizando desta maneira a oportunidade em contribuir
para aumentar os escores dos times. Com a continuidade da aplicação do
método STAD, os estudantes vão "galgando" as várias divisões, o que
mantém a igualdade da divisão através do tempo; quando muito grande, a
primeira divisão é subdividida em Divisão I e Divisão I A.
Outro ponto importante do método é o plano intensivo de
atividades instrucionais que a classe deve seguir: quarenta minutos de
aula expositiva dada pelo professor, quarenta de tutoria entre pares
nos times e vinte minutos para os testes individuais. Esse esquema é
repetido duas vezes por semana.
Os estudos sobre os métodos TGT e STAD fazem crer que nem a
tutoria entre pares e nem o sistema de escores são os pontos decisivos
para aumentar o rendimento escolar mas sim a estrutura de recompensa de
grupo e o plano incentivo de atividades instrucionais subjacente a cada
66
um.
De acordo com Slavin (1980), as pesquisas encetadas por D.
Johnson e R. Johnson usam técnicas cooperativas simplificadas em que os
estudantes, dispostos em pequenos grupos, são convidados a executar as
tarefas escolares em sala de aula de modo cooperativo; a tarefa é a
mesma para todos os grupos; o professor comenta e elogia a atuação dos
grupos mas não são distribuídas recompensas grupais. No entender
daquele autor, essas pesquisas não são suficientes para se constituírem
uma avaliação pertinente das técnicas divulgadas no livro Learning
Together and Alone, de D. Johnson e R. Johnson, publicado em 1975.
Neste livro, além de descreverem as técnicas cooperativas, os autores
comentam os possíveis usos das estruturas por objetivo competitivas e
individualistas. Sharan (1980) afirma que, embora o método dos Jolm80ns
empregue a discussão em grupo, a promlção coletiva pelos estudantes, a
abordagem de pergunta e pesquisa realizadas pelos estudantes - as
tarefas escolares empregadas nos estudos empíricos desenvolvidos sobre
o método requerem freqüentemente a retenção da informação e habilidades
para aprendizagem ao invés da solução de problemas e da interpretação.
g possível inferir as linhas principais do método idealizado
pelos Jobnsons a partir do sumário sobre o papel do professor na
instrução cooperativa apresentado em um de seus artigos (Jobnson &
Johnson, 1978, p. 12-3):
1. Especificar sempre que possível os objetivos instrucionais;
2. Selecionar o tamanho do grupo de acordo com o tipo de tarefa
proposta; estudantes mais jovens requerem grupos menores,
67
estudantes com mais idade podem formar grupos maiores. O tamanho
ideal do grupo varia de acordo com os recursos necessários para
completar a lição ou o projeto (quanto maior o grupo, maior a
disponibilidade de rectwsos), as habilidades cooperativas dos
membros dos grupos (quanto menos habilitados forem os membros,
menor deverá ser o grupo) e a natureza da tarefa.
3. Indicar os membros dos grupos. A indicação aleatória geralmente
assegura uma boa combinação de meninos e meninas, falantes e
passivos, líderes e seguidores, aprendizes entusiastas e
relutantes. Às vezes o professor pode desejar que os alunos façam
suas escolhas, outras vezes pode querer agrupar a turma de acordo
com seus interesses. Muitas vezes o professor indicará a
composição dos grupos de modo a garantir a presença, em um mesmo
grupo, de estudantes com alta, baixa e média habilidade.
4. Arrumar a sala de aula. Os professores podem querer dispor os
grupos de modo que não haja interferência na aprendizagem um do
outro. Dentro de cada grupo, os estudantes devem ser capazes de
reconhecer os materiais relevantes, conversar uns com os outro,
trocar idéias e materiais. Geralmente, a disposição em círculo é
a mais indicada; as mesas compridas devem ser evitadas.
5. Fornecer o material adequado. Quando os estudantes estão apenas
iniciando a aprender como cooperar, ou quando alguns estudantes
apresentam dificuldades em dar sua contribuição ao grupo, o
professor pode organizar o material como se fosse um quebra
cabeça de peças recortadas, distribuindo cada peça a um membro do
grupo. Para que o grupo possa completar a tarefa proposta será
necessário que cada um faça a sua parte e assegure a inclusão
68
desta no trabalho grupal.
6. Explicar a tarefa e a estrutura por objetivo cooperativa. A
tarefa pode ser, por exemplo, completar com êxito um exercício de
matemática ou de estudos sociais. Para explicar a estrutura por
objetivo cooperativa o professor deve deixar claro que o objetivo
deve ser alcançado em grupo, especificar o sistema de avaliação e
comunicar que cada membro será recompensado de acordo com a
qualidade do trabalho do grupo.
7. Observar a interação entre alunos. Não basta pedir para que os
alunos cooperem. O professor deve observar os grupos para
verificar os problemas que surgem durante a cooperação.
8. Intervir como consultor para ajudar os grupos a resolverem seus
problemas quando estão trabalhando efetivamente juntos e ajudar
os membros dos grupos a aprender habilidades interpessoais e
grupais necessárias à cooperação.
9. Avaliar o produto do grupo de acordo com o sistema de avaliação
por critério de referência.
O método Small-Group Teaching é um plano geral de organização em
sala de aula que inclui a discussão, a pesquisa em grupo (J/.l'OllP
inqlliry) e a coleta de dados pelos estudantes. Estes selecionam
subtõpicos específicos dentro de um tema geral - quase sempre indicado
pelo professor - e se organizam em pequenos grupos heterogêneos de dois
a seis membros. Cada grupo desenvolve o plano de aprendizagem
distribuindo o material entre seus membros para buscar informações
dentro e fora da escola. Os dados coletados são analisados e avaliados
para que o grupo possa planejar a maneira como irá sintetizá-los de
69
forma interessante para apresentação aos colegas da turma. A
apresentação é avaliada por toda a classe e pelo professor.
Há um alto grau de interdependência nas tarefas e de autonomia
entre os estudantes mas pela indefinição na distribuição das
recompensas no grupo, a interdependência nessa dimensão é baixa.
Resumindo as características comentadas por Slavin (1980) a
tabela I apresenta os diferentes efeitos desses métodos sobre os
elementos constituintes da organização em sala de aula das tarefas
escolares.
TABlIA 1
Características das Técnicas de Aprendizage. Cooperativa
Técnicas Interdependência Interde~end~ncia Responsabilidade I.posiç~o da Co.peti~~o na reco.pensa na arefa indi vídual estrutura grupal
pelo professor
T6T alta baixa alta alta si.
STAD alta baixa ai ta alta si.
Jigsaw baixa alta alta alta n~o
S.all- baixa aI ta baixa baixa n~o 6roup T
Técnicas baixa baixa baixa baixa n~o Johnson
Adaptaç~o da tabela apresentada por SIavin, I980,p. 323.
Sharan (1980) classificou os métodos cooperativos em dois
conjuntos principais:
a. os métodos de tutoria entre pares (Peer-Tutoring methods) que
incluem o Jigsaw, o TGT e o STAD;
b. O modelo de investigaç!o de grupo (Group-Investigation model- GI)
que inclui o método desenvolvido por D. Johnson e R. Johnson e o método
70
Small-Group Teaching.
Para marcar as diferenças entre os métodos, o autor listou onze
dimensões que, submetidas a quatro juízes (todos familiarizados com a
aprendizagem em grupo), deveriam ser distribuídas por uma escala de um
a cinco. Essa escala não compreendia um juízo de valor mas descreveria
a extensão a que uma certa característica definiria o funcionamento ou
procedimento de cada método. Os métodos de tutoria entre pares foram
alocados no lado esquerdo da escala, com os números 1 ou 2 e os métodos
GI no lado direito, com os números 4 ou 5. Desta forma foi possível
dicotomizar os dois conjuntos de métodos apresentados na tabela 2.
Longe de pretender uma validação para esta tabela, Sharan observa
que a comparação tem apenas um valor heurístico e prático podendo
servir de guia ao professor na escolha do melhor método de acordo com
os objetivos a alcançar.
Todos esses métodos cooperativos pressupõem uma reorganização da
sala de aula tradicional em pequenos grupos de alunos; entretanto,
destaca Sharan, os métodos de tutoria entre pares conservam algumas
características das organizações tradicionais em que a instrução é dada
à turma como um todo: a ênfase na aquisição de informação básica e de
habilidades através da apresentação pelo professor do conteúdo da
aprendizagem com posterior recapitulação por parte do aluno; testagem
individual; pouca discussão ou nenhuma discussão em aberto das idéias
embora a tutoria aumente consideravelmente a comunicação bilateral.
(p.264)
71
TABELA 2
Critical Differences between Peer-tutoring and 6roup-investigation "ethods Df Cooperative Learning in Teals
Peer-tutoring Sroup-Investigation
Source and variety of Infor.ation and the Nature Df the Learning Task
(1) Inforlation is translitted by the teacher or a text
(2) Learning sources are lilited to cards, a worksheet or Iecture
(3) Tasks elphasize infor.ation and/or skill aCQuisition
(1) Inforlation is gathered by the pupils
(2) Learning sources are varied in nUlber and kind
(3) Tasks stress problel-solving interpretations, synthesis, and application of inforlation
Interpersonal Relations and CO.lunication
(4) Peer cOllunication in teals is prilarly unilateral or bilateral (dyadic)
(5) Peer co •• unication is for rehearsal of teacher-taught lateriais
(6) Peer interactions frequently ilply status distinctions ("r teach, you listen.')
(7) Pupiis interact sporadically or in dyads
(4) COllunication in teals is prilarily bilateral and lultilateral (discussionJ
(5) Peer cOllunication is for interpretation and exchange Df ideas
(6) Interactions are pri.arily based on IUtUaI exchange
(7) 6roup .elbers coordinate activities on a group-wide basis
Acadelic Product, Evaluation and Rewards
(8) Acadelic product is independent (i.e there is cooperation in .eans but not in goals)
(9) Evaluation is prilarily individual(indvidual tests, scores)
(10) Rewards are extrinsic (reinforcelent in the forl Df personal praise)
(8) Acadelic product is interdependent (i.e there is cDoperation in leans and in goals
(9) Evaluation is both individual and group (group report or project as collective produd)
(lO) Rewards are pri.arily intrinsic (selfdirected interest in topicl
Classrool Organization
(iI) The class functions as an aggregate of teals which are uncoordinated or engaged in a uniforl task
FONTE: Sharan, 1980, p. 263-264.
(11) The class functions as a "group of groups' with between-group coordination and division of labor and tasks
72
Decerto, a dicotomização consolidada na classificação penaliza
alguns métodos de tutoria entre pares. Como reconhece Sharan, mui tas
vezes tais métodos podem modificar a configuração organizacional na
sala de aula, no sentido de uma agregação de indivíduos (o caso da
instrução para toda a turma) para uma agregação de times; no entrullo
não há por parte da clas~e um propósito acaop.mico coletivo pois tais
m(:~Lí)dOR não usam a cooperação como um objetivo de aprendizagem, mas
apenas uma interdependência em termos de recompensa. De modo oposto,
no modelo G-1 o produto final se constitui como parte integrante do
processo de aprendizagem antes mesmo que a avaliação se efetue.
(The G-I 1IJ0del) ( ... ) eoneentrates 011 having pupils gather inforllJation froJlJ a broad spectruDJ of informational sources in eollaboration wlth clasamates. Learnlng tasks are relatively camplex, involvlng hlgh-level eognltive processes, including the seiection and criticai interpretation of information, problem soiving and producing a coilective synthesis of ideas ( ... ). I ~ioys differentiated role assi/Pllll8nts withln groups and between groUPB, so that individuais contribute unlque products for integratlon in the group proJect, and different tedllls can investigate different aspects of a to pie, or different topics, as the case lDdY be. In this lIJlUl17er , neither individuais nor groups need dupileate eaeh other#s efforts unnecessarl1y. /)oubtlessiy, ÍIIlpiementation of the G-I methodos entails greater investment in teacher trainlng and educationai change than do the peer-tutoring methods( . .. )" (Sharan, 1980, p. 265)
g importante notar que como idealizador do Small-Group Teaching -
e também devido à escassa especificação dos procedimentos no método
desenvolvido pelos Johnsona Sharan define o modelo G-1 pelo
aprimoramento de algumas etapas do próprio Small-Group Teaching.
Assim, a forma de avaliação diversifica-se podendo incluir tanto o
julgamento'do trabalho individual quanto o do trabalho de grupo e
73
inclusive de ambos, aumentando desta forma o grau de interdependência
das recompensas.
Sharan prevê usos complementares de um grupo ou outro de métodos
dependendo dos diferentes aspectos da aprendizagem em sala de aula e do
grau de complexidade da implementação do ponto de vista organizacional
e sócio-interativo. A seu ver, os métodos de tutoria podem servir de
treinamento aos alunos no período que precede a um trabalho cooperativo
de pesquisa escolar.
2.4.3 - Os proceS80S de interac&> e 8UA relacão caa a aprendizagea
o corpo de pesquiaas sobre as interações cooperativas verifica
que essaa relações promovem de fato maior amizade e aceitação noa
grupos além de refletir de modo importante nos resultadoa de
aprendizagem. Reata, no entanto, aaber quais oa comportamento a
eapecíficoa da interação entre alunoa que elevam o nível do
aproveitamento da aprendizagem.
A resenha de Webb (1982) faz um levantamento de muitaa pesquiaas
sobre a experiência vivenciada peloa estudantes quando interagem em
pequenos grupos; examina as pesquisas sobre (a) a relação entre a
interação e o rendimento escol~,
(b) os preditores da interação em pequenos grupos e (c) os mecanismos
que possam explicar como a interação grupal se relaciona com o
rendimento escolar.
74
Segundo Cohen (1987), nesta revisão, Webb
"( ... ) dá importante passo à frente ao focalizar os próprios processos de interação e suas relações com a aprendizagem, em vez de seu relaciondJIJento com a inovaçKo específica que alterou a estrutura de tarefas da classe tradicional para a aprendizagem em pequenos grupos." (p. 20 )
Sobre a relação entre interação em grupo e rendimento escolar, as
pesquisas demonstram que tanto oferecer ajuda a quanto receber ajuda
são, de modo geral, ações benéficas ao rendimento; já os comportamentos
não orientados para a execução das tarefas e o comportamento passivo
relacionam-se negativamente com o rendimento.
Ao verificar inconsistências nos resultados de alguns estudos
sobre dar e receber ajuda, Webb faz notar que as observações sobre o
comportamento de ajuda deveriam distinguir ajuda solicitada da não
solicitada, e ainda se a solicitação é ou não atendida, uma vez que,
segundo a lógica instrucional os alunos necessitados de ajuda
(indicados por fazerem perguntas ou cometerem erros) aproveitariam mais
as explicações obtidas do que aqueles que não as necessitam (indicados
pela ausência de perguntas e pelos acertos realizados). Outra
conclusão da resenha é a de que a ajuda em processo - com explicações
sobre o modo de se chegar à resposta correta - é mais proveitosa que a
ajuda "tel'llinal", isto é, a que apenas informa a resposta certa.
As medidas gerais de participação (como por exemplo o número de
verbalizações) e as variáveis de ajuda não específicas (como por
exemplo a não distinção nas pesquisas entre ajuda solicitada e não
solicitada) correlacionam-se apenas debilmente coa o rendimento ou
15
mostram relações inconsistentes com o mesmo.
As relações entre dar explicações e receber explicações e o
aproveitamento da aprendizagem tendem a ser positivas mas nem todos os
estudos revistos por Webb apresentam resultados significativos. A
autora atribui este fato a pelo menos dois fatores: a complexidade da
tarefa e a precisão das explicações. Explicar aos outros pode ser mais
benéfico para quem explica quando o material em pauta é complexo
exigindo
quando o
desta forma integração
material é simples e
imprecisas, a tendência é a de
e reorganização, o que não ocorre
direto. Se as explicações forem
não haver relação entre receber
explicações sobre a tarefa e o rendimento da aprendizagem.
Webb analisou também o que denominou de preditores da interação:
características dos indivíduos, dos grupos e das estruturas de
recompensa grupal que possam ajudar a predizer a interação entre os
membros do grupo. De todos os preditores examinados, tanto a
habilidade do estudante quanto a estrutura de recompensa são os que
mantém as relações mais consistentes com as interações entre alunos.
Assim, estudantes com um nível maior de habilidade dão melhores
explicações que os de nível inferior; recompensar os estudantes pelo
rendimento do grupo como um todo promove de forma regular o
comportamento de ajuda. As instruções dadas aos alunos para que
trabalhem com os outros alunos nem sempre são efetivas a menos que
acompanhadas de recompensas grupais.
Ao estudar os efeitos das estruturas de recompensa sobre a
76
interação no grupo, Webb faz uma importante distinção entre essas
estruturas e outros fatores, quais sejam: (a) a estrutura de interação
(se os estudantes são ou não estimulados a trabalhar como os outros),
(b) a ponderação dos pontos para se chegar ao escore global do
indi víduo ou do grupo e (c) o grupo de comparação (se a performance do
indivíduo ou do grupo é avaliada de forma dependente ou independente
com relação à performance de outros indivíduos ou grupos da classe).
Na maioria das pesquisas, a estrutura de interação confunde-se com as
de recompensa ou se mantém constante. Na tabela 3, Webb descreve esses
fatores com detalhes.
Uma importante contribuição de Webb diz respeito à questão da
produtividade do grupo. Geralmente os estudos sobre as estruturas de
recompensa focalizam a contribuição do rendimento de cada indivíduo
para sua própria recompensa. De modo diverso, Deutsch, em três estudos
analisados por Webb, comparou grupos cooperativos e competitivos em
função de sua produtividade. Como os outros estudos, Deutsch também
comprovou que os estudantes organizados em grupos cooperativos, mais do
que os dispostos em grupos competitivos, tendem a trabalhar mais
juntos, são mais cooperativos e participam de forma mais equivalente.
No entanto, diferente dos outros estudos, os estudantes dos grupos
cooperativos tenderam mais que os grupos competitivos, a dividir o
trabalho a ser executado a fim de evitar a duplicação de esforços.
Ainda que essa estratégia seja extremnmp.nte eficaz para a execução do
trabalho se complete, diz Webb, há sempre o perigo do predomínio da
especialização; um mesmo individuo se incumbindo sempre do mesmo
aspecto o que, do ponto de vista educacional é contraproducente. "Se
11
TABELA 3
Factors varied in 5tudl~S Coeparing Individual and 6roup Rewards Stru:ture
Factor
ReNard Structure lndivldual group
Interaction Structure Individual
6roup
Weighting Scores
Unweighted Group Score
Weighted Group Score
Weighted Individual Score
COlparasion 6roup Entire Class
Achievelent Oivisions
Self
Fonte: WebD 1982, p.435
Description
Students receive scores based on their ONn perforeance. 6roup's score is based on the perforlance of alI eelbers. AlI eeebers of the group receive the saee score.
Students work individually without interaction with others Variation: Students are allowed, but not encouraged, to to Nork with others.
Students are assigned to groups and are encouraged to interact with each other.
6roup's score is unweighted average of eelber{'s scores.
6roup's score is weighted average eelber's scores, with lowest scores weighted 10St
Individual's score is weighted cOlbination of individuai's score and group average (e, g., 331 individual, ó7l group)
Individual or group's perforlance is evaluated rei ative to perforlance of entire class
Perforlance is evaluated relative to hOlogeneous strata within class.
Perforlance is evaluated relative to individuai's or group's previous perforlance.
uma estrutura de recompensa baseada no
78
rendimento estÍlIlula a
participação de todos os membros do grupo em todos os aspectos da
tarefa, é de se esperar que a aprendizagem seja lDélior que a alcançada
com UlIla estrutura de reCOlIlpensa baseada na qualidade do produto do
grupo." (Webb, p.438,1982)
Os estudos sobre o modo como a participação em grupo pode ajudar
na aprendizagem propõem a mediação de dois tipos de mecanismos: os que
afetam os processos cognitivos e as variáveis sócio-emocionais.
Entre as variáveis sócio-emocionais pesquisadas estão a
motivação, ansiedade e a satisfação. Alguns autores revistos por Webb
afirmam que a motivação é uma força importante, pelo menos nas
estruturas de recompensa grupal: na medida em que a ação de cada um
irá influenciar na recompensa de todos, os membros do grupo tendem a
auxiliar seus companheiros em seus esforços o que aumenta o esforço
individual.
Outras pesquisas sugerem (a) que os alunos de aprendizagem lenta
preferem pedir ajuda a seus companheiros do que ao professor, (b) ou
mesmo que esta preferência é geral entre os estudantes, (c) que os
alunos preferem grupos pequenos a outros tipos de situações. Além
disso, pelo menos dois artigos comprovam que os estudantes sentem mais
satisfação em participar de situações cooperativas do que de situações
competitivas.
Apesar de todos esses resultados, Webb chama atenção para o fato
19
de que não tenham sido ainda desenvolvidas pesquisas que demonstrem,
por exemplo,
satisfação
se a interação grupal por si só aumenta a motivação e a
contribuindo para reduzir a ansiedade. No entender da
autora, seria importante relacionar o nível das variáveis sócio
emocionais com a quantidade e o tipo de interação no grupo, como dar e
receber ajuda.
Os mecanismos que afetam os processos cognitivos avaliados pelas
pesquisas levantadas por Webb são a verbalização, os sinais verbais e
não verbais e a resolução de conflito.
Alguns estudos de aprendizagem por discriminação afirmam que é
mais fácil a lembrança de um estimulo verbalizado do que a de um não
verbalizado; outros sugerem que a verbalização também é útil durante a
prática de uma tarefa de resolução de problema. Porém dois estudos
importantes põem em dúvida a hipótese de que a mera verbalização do
material seja o mecanismo responsável pelo incremento da aprendizagem
de alunos que interagem em grupo nas tarefas escolares.
A intenção da verbalização é mais importante que o próprio ato de
verbalizar. g esta a conclusão sugerida por um estudo que comparou
diferentes situações em que um estudante se preparava para transmitir
verbalmente a outrem um conteúdo especifico: (a) para um outro aluno
que também estudava o mesmo conteúdo,(b) para um colega que
supostamente deveria estar aprendendo o mesmo conteúdo e (c) para um
experimentador que supostamente dominaria o conteúdo. Se o s~les
fato de verbalizar fosse essencial para promover o rendimento, as três
situações resultariam em ganhos equivalentes.
80
Isto não ocorreu: os
grupos que verbalizaram ou para os companheiros ou para outros alunos
foram mais eficientes do que os que verbalizaram para o experimentador.
A explicação dada pelos autores da pesquisa é a de que, neste último
caso, o encarregado da verbalização se colocava no papel de aluno e nos
outros dois casos, no de professor.
A pesquisa de Bargh e Schul (1980), comentada por Webb, sobre os
benefícios cognitivos do ato de ensinar vem corroborar tais achados.
Os autores compararam o rendimento de dois grupos que receberam o mesmo
material verbal para estudar: o primeiro para si mesmo e o segundo
para ensiná-lo a outro estudante. O grupo que se preparou para ensinar
obteve escores significativamente maiores no teste aplicado ao final do
experimento. Para Bargh e Schul, a explicação mais provável para esse
resultado é a de que o método de estudo utilizado pelos sujeitos que
esperavam ensinar o material a outro estudante resultou em uma
estruturação cognitiva altamente organizada, permitindo a apreensão
tanto das relações entre os fatos apresentados como dos próprios fatos.
Um segundo experimento neste mesmo estudo leva à hipótese de que mera
verbalização não se demonstra eficaz para aumentar o rendimento da
aprendizagem.
Pesquisadores educacionais estão igualmente atentos à t.portância
da reestruturação cognitiva no rendimento da aprendizagem realizada em
grupo. Webb destaca alguns resultados, com a ressalva de que pesquisas
mais sistemáticas poderiam modificar o caráter predominantemente
especulatiVO da maioria dos estudos então disponíveis:
81
a. o "feedback" do grupo e a oportunidade em compartilhar os recurso
disponíveis pelos membros do grupo (hipótese proposta por Slavin,
1977, já mencionada anteriormente) permitem a reformulação de idéias e
a oportunidade para que novas informações sejam descobertas, o que
talvez não ocorresse caso o esforço fosse individual;
b. a recepção passiva da informação é insuficiente para permitir a
mudança de atitudes e de opinião; o indivíduo é um processador ativo da
informação e a participação no grupo com ajuda mútua permite a
comparação entre as informações anteriores e as novas e a modificação
ou mesmo a substituição de conceitos quando necessário.
Ao estudarem os sinais verbais e não verbais presentes na
interação, alguns autores levantam a hipótese de que as crianças
aprendem melhor quando interagem em grupo porque usam uma linguagem
compreensível para todos. Outros estudiosos sugerem que as crianças
são capazes de distinguir, com maior freqüência e exatidão que os
adultos, os sinais não verbais emitidos por seus colegas.
o terceiro mecanismo identificado por Webb a resolução de
conflito - é objeto de estudo de Johnson e Johnson (1979) que destacam
a controvérsia entre os membros do grupo como uma estratégia para
tornar construtivo o conflito de idéias e opiniões dos estudantes.
Excluir da sala de aula as situações de conflito é twa das
discrepâncias mais usuais na prática educacional corrente uma vez que
o conflito está sempre presente nas situações de aprendizagem (a) seja
entre professor e aluno, (b) seja entre alunos e (c) seja ainda entre o
82
que se sabe e o que se está. aprendendo. Evitar ou ignorar a presença
do conflito pode significar uma perda de oportunidades para que se
intensifiquem a motivação, os inBiBhtB criativos, o desenvolvimento
cognitivo e a própria aprendizagem.
A partir da afirmação de Deutsch de que o conflito existe sempre
que ocorram atividades incompatíveis, Johnson e Johnson definem
controvérsia como a incompatibilidade de idéia3, de informações, de
conclusões, de teorias ou opiniões, e a von~ade de se rnlscar acordo.
Uma ~érie de hipóteses sobre cnmn a controvérsia promove aprendizagem é
lp.vantada: a controvérsia provoca uma conflito conceitual, isto é, a
presença de idéias incompatíveis que devem se reconciliar; o conflito
desperta a curiosidade espistêmica, isto é, a busca ativa de mais
informação, de novas experiências e de uma perspectiva cognitiva e
raciocínio mais adequados para resolver o sentimento de incerteza
provocado pelo conflito conceitual. Rssa modificação de perspectiva
geralmente se dá. através da compreensão mais precisa da pespectiva
cognitiva e do processo de raciocínio doa outros. Finalmente, deste
movimento origina-se uma conclusão maia criativa e de melhor qualidade,
construida a partir de um acordo entre os que estão envolvidos na
controvérsia.
Oa resultadoa de inúmeras pesquisas encetadas pelos próprios
autores com colaboradores e por diversos estudiosos da cognição
respaldam oa resultados propostos na descrição do processo da
controvérsia e os beneficios de sua utilização para fins educacionais.
83
Em relaçao ao conflito conceitual e à curiosidade epistémica, há
evidências de que o desacordo outra pessoa pode
exploração das idéias do outro, busca de
provocar tentativas de
novas informações e
reorganização do conhecimento anterior. O contexto da controvérsia
será tão mais competitivo quanto maior forem (a) o desacordo entre os
estudantes ou entre o professor e os estudantes, (b) a freqüência em
que ocorre o desacordo e (c) o número de pessoas que discordem da
posição do estudante. Além disso, quanto mais afrontados se sentirem
os estudantes, mais intenso será o conflito conceitual e o sentimento
de incerteza gerado por este. (Johnson e Johnson, 1979, p.54)
Para resolver uma controvérsia, o estudante necessita ser capaz
de se colocar na perspectiva cognitiva de seus opositores a fim de
entender como esses organizam e interpretam a informação. Uma
perspectiva cognitiva é uma organização cognitiva usada para dar
significado ao conhecimento de uma pessoa e à estrut\~a de seu
raciocínio. A comparação entre pessoas que experienciaram ou não
situações de controvérsia demonstra que as primeiras são maia capazes
de compreender a perspectiva cognitiva do outro e de predizer qual a
linha de raciocínio escolhida por seu oponente em questões futuras.
Há também evidência de que a controvérsia pode promover o
desenvolvimento cognitivo e moral para estágios mais elevados. Johnson
e Johnson referem-se especificamente à teoria do desenvolvimento
cognitivo de Piaget, aos trabalhos de Kolberg sobre o desenvolvimento
moral e a inúmeros experimentos que comprovam a ocorrência de ganhos
cognitivos para indivíduos n!o-conservativos quando em contato com
84
indivíduos conservativos na resolução de tarefas propostas.
o processo da controvérsia, desde o conflito conceitual à
possível transição para um estágio cognitivo e moral superior,
contribui igualmente para a melhoria qualitativa das decisões e da
resolução de problemas, com reflexos positivos na aprendizagem. O
grande aporte de informações, a variedade dos fatos e a mudança do
enfoque no conhecimento requeridos no processo resultam em mudanças de
julgamento que irão influir na qualidade das decisões; além disso o
processo permite a seus participantes maior capacidade em generalizar
08 princípios apreendidos para a mais variadas situações.
Johnson e Johnson (1979) mencionam pesquisas que evidenciam a
importância em discordar, argumentar, debater, apresentar pontos de
vistas opostos, idéias e informações divergentes para os insishts
criativos. Comentando os resultados de estudos sobre o papel da
interação interpessoal no incremento da quantidade e da qualidade das
idéias nos sentimentos de incentivos e prazer e na originalidade da
expressão na solução de problemas, os autores afirmam:
"These studies dsonstrated that controversies can encourage groUp IIJeJlJbers to dig into a probleJD, raise isslles, and settle ths in ways that show the benefits of a wide of ideas being llsed, as Flell as resulting in a hish rlU'1l!e degree of eJDOtional involvement in and cOllJlllitment to solving the problel1JS the group is working on . .. (p.57)
A defesa da presença do conflito em sala de aula não contradiz a
ênfase que tais autores dão às estruturas por objetivo cooperativas:
ao distinguir as controvérsias construtivas das que podem reverter em
85
prejuízo para o processo educativo, Johnson e Johnson pontuam que
somente tais estruturas favorecem a comunicação entre os oponentes,
contribuem para que se estabeleça lW clima de aceitação mútua,
favorecem a convicção de que a controvérsia é construtiva, exigem o
lidar não apenas com idéias e informações mas também com sentimentos,
consolidam a definição de conflito como um problema a ser resolvido em
conjunto e não uma situação para se ganhar ou para se perder. Por fim,
há evidências de que o contexto cooperativo conduza ao reconhecimento
de pontos de contato entre as diferentes posturas.
De modo complementar às estrutl~as por objetivo cooperativas,
outras condições necessárias para que a controvérsia se transforme em
importante estratégia educacional são (a) a diferença entre seus
participantes em termos de personalidade,
anterior, classe social, estratégias
sexo, atitudes, experiência
cognitivas de raciocínio,
perspectiva cognitiva, informações e habilidades; (b) a quantidade de
informação relevante disponível entre os estudantes; (c) a habilidade
do estudante para se colocar no ponto de vista do outro (perspective
taking-skills) e (d) a capacidade em discordar do outro sem que este
tome uma posição defensiva. (Johnson e Johnson 1979, p. 57-58)
Embora haja evidência de que a heterogeneidade do grupo amplie a
ocorrência de controvérsia, os resultados são contraditórios no que se
refere à eficácia na resolução de problemas. Enquanto certos estudos
afirmam que os grupos heterogêneos são superiores aos homogêneos quanto
à qualidade e a criatividade da solução e à satisfação com a solução
encontrada pelos membros do grupo, outros estudos concluíram pela
86
equivalência dos dois grupos para gerar soluções de qualidade. Face a
esses achados, Johnson e Johnson pressupõe duas condições para que a
heterogeneidade do grupo alcance plenamente suas possibilidades em
sobrepujar os grupos homogêneos: a disponibilidade de informações
importantes para que o problema seja resolvido e a habilidade para se
trocar informação.
Quanto mais informação o grupo dispuser, mais chances terá para
resolver o problema colocado. Porém somente dispor de informação não
garante que esta seja utilizada: pesquisas demonstram que quando a
tarefa permite um rápido reconhecimento da resposta, esta é aceita de
imediato; no caso contrário, a qualidade da discussão em grupo pode
auxiliar na resolução do problema mesmo quando o nível de competência
do grupo seja baixo. Mas, para os autores, a capacidade de se colocar
no ponto de vista do outro (perspectiva-taking skill) é provavelmente a
mais importante habilidade na troca de informações. Trata-se da
"habilidade para compreender como um problema ou uma situação são
e~rimentados cosnitivamente e afetivamente por outra pessoa.
(Johnson e Johnson, 1979, p. 60) Seu oposto, o egocentrismo, é o
limitar-se à sua própria perspectiva sem se dar conta da perspectiva do
outro e nem dos limites a que se está restrito. 8 justamente essa
capacidade de se por no lugar do outro que irá determinar o melhor
aproveitamento das informações disponíveis, a efetividade das trocas e
condução da controvérsia no sentido construtivo.
Por fim, é importante, senão imprescindíveJ, que a discordância
entre os participantes da controvérsia ocorra de modo a que a
87
competência dos oponentes não seja lX)sta em dúvida. Estudos que
comparam situações de divergência comprovam q\le quando há confirmação
da competência do olX)nente, este se torna mais receptivo, mais
interessado em ouvir as idéias do outro e desejoso de incorlX)rar a
informação e o raciocínio do outro à sua própria análise do problema.
A resenha de Webb e os outros estudos aqui expostoB revelam os
avanços alcançados no eBforço de reflexão sobre o papel das interações
entre alunoB e enriquecem o debate sobre o UBO do trabalho em grupo na
sala de aula. Se os resultados reforçam OB pontos poBitivoB
levantadoB, pelos docentes brasileiroB nas entrevistas comentadas no
final do primeiro capítulo, algumaB conBeqüências apontadaB como
restritivas podem agora ser reavaliadas:
a. a heterogeneidade do grupo cc.o fator :iJçeditivo para \.a
avaliaç&o Jl8.is precisa do deseçenho individua.l;
A importância da heterogeneidade do grupo, tão bem defendida
pelos JohnsonB, Bobrepuja, a nOBBO ver, o temor pela dificuldade
em Be realizar uma avaliação individual dOB alunos. Muitos dos
métodos acima descritos conciliam a avaliação do grupo e a
avaliação individual que podem ocorrer em momentos diferenteB, de
acordo com os objetivos almejados, sem prejuízo de uma ou de
outra forma.
Falar de interação entre alunos, sobretudo quando são uBados OB
termos correlatos como interação entre pareB, interação entre
iguai~, lX)de dar uma idéia de que a homogeneidade é o ponto de
partida.
88
No ensino regular (ao menos nos primeiros graus de
ensino) pressupOe-se um certo nivelamento dos alunos por faixa
etária, pela aprovação nas séries anteriores etc. No entanto, o
sentido da ênfase na interação entre alunos está na oposição
entre uma organização em sala de aula que exclua esta interação,
e outra que coloque esta interação no centro da ação educativa e
reconheça no professor o papel de organizador, condutor e
facilitador para que essas interações fluam no sentido dos
objetivos educacionais.
b. a iaprodutividade do grupo e a não participação por preguiça ou
dispersão;
A produtividade' do grupo como objetivo educacional desejável é
posta em questão por Webb. Cabe à escola dar oportunidades aos
estudantes para que possam experimentar diferentes papéis e
exercitar diferentes atividades. Ora, o trabalho em pequenos
grupos é o veículo por excelência para este propósito.
A idéia de trabalho em grupo está muito ligada à de uma
organização cooperativa em que os membros se reúnam para cumprir
um objetivo comum. Mas essa participação exige uma aprendizagem.
Johnson e Jobnaon (1914) falam de pré-requisitos cognitivos para
que os alunos atuem em uma estrutura por objetivo: estar ciente
da existência dos outros, identificar e responder às suas ações,
perceber a natureza da interdependência e se dar conta das
implicações decorrentes dessas interdependência para seu
comportamento e para o comportamento dos outros. Nas estruturas
cooperativas esse entendimento resulta em ajuda mútua; nas
89
estruturas competitivas, em tentativas para impedir que os outros
cumpram seus objetivos; nas estruturas individualistas, em
ignorar o comportamento do outro (p.216). Desta forma, para que o
trabalho em grupo possa evoluir no sentido de uma colaboração
efetiva, torna-se necessário que os membros tenham oportunidade
de vivenciar situações cooperativas. Impossível esperar que
alunos submetidos a estruturas competitivas ou individualistas
desenvolvam habilidades para cooperarem entre si. Do nosso
ponto de vista, a falta de engajamento por parte de um aluno no
grupo é muito mais um indício de que as interações construtivas
devam ser fomentadas do que uma conseqüência inelutável do uso
dessa organização em sala de aula.
c. a aocializaçlo na escola ele.entar, o grupo e a aprendi 7,ageII
individual ;
O argumento de que a sociabilização das crianças nos primeiros
anos do ensino regular não deve ser objeto de preocupação da
prática pedagógica está muito relacionada a uma visão de que o
desenvolvimento do raciocínio e a apreensão dos conteúdos
escolares dependem de um esforço individual que poderá ser
afetado negativamente pela interferência dos outros estudantes
uma vez que haveria tendência à dispersão (conversas paralelas
etc.) Na base desta argumentação estão pelo menos dois
pressupostos: o de que os alunos só se interessam por temas
alheios aos que estão em pauta na sala de aula, e o de que o
raciocínio se desenvolve sem qualquer ligação com o meio social
em que o sujeito está inserido (e que por certo inclui seus
90
pares) .
Entendemos que a constataç~o da veracidade do primeiro
pressuposto deveria levar o bom senso a recomendar uma mudança de
temas e não prescrever amarras para submeter os alunos. Além
disto, imaginar, como o segundo pressuposto, que cada aluno é
ameaçado no desenvolvimento de seu modo de pensar e em sua
aprendizagem por seus colegas é admitir que o meio circundante
não têm relevância para que o processo se realize ou que essa
relevância restringe-se, na sala de aula, a figura do professor.
o encaminhamento dessas questões orienta-se necessariamente para
o exame das relações entre o meio social, o desenvolvimento cognitivo e
a aprendizagem. Neste ponto, a epistemologia genética de Jean Piaget,
por seus pressupostos interacionistas e construtivistas, torna-se de
vital importância para um aprofundamento dessa discussão.
2.5 - O interacionisao na epistea>logia genética. de Jean Piaget
A teoria de Jean Piaget é uma teoria do conhecimento;
construtivista porque supõem que as estruturas cognitivas não se
encontram pré-formadas no sujeito nem são impostas a este pela
realidade exterior mas resultam de uma construção progressiva;
interacionista porque propõe uma interdependência entre o sujeito que
conhece e o objeto a ser conhecido. Assim, o conhecimento se constrói
na interação sujeito-objeto, interação análoga a que ocorre entre o
organismo e o meio. De fato, Piaget (1918), estabelece um paralelo
entre conhecimento e vida:
91
( ... ) Ora, sendo o sujeito um aspecto do orglllJisD1o e o objeto um sector qualquer do meio, o probleJJ1a. do conhecimento corres~~nde, deste ponto de vista, ao problema. das relações entre o organi8I1Jo e o meio, questâ"o que é difícil negar que se tra.ta da questdo mais geral da biologia e que se encontra a cada. passo, dando eJJ1 cada caso soluções múltiplas tdO diferentes entre si como as soluções epistemológicas ou pslco-genétlcas." (p.58)
A história das soluções oferecidas aos problemas mais gerais
dessas relações permitiu a Piaget elaborar - a partir da distinção
entre as interpretações fixistas e as evolucionistas - um esquema
comparativo em torno de três hipóteses acerca da adaptação, de cujo ,
cruzamento com as teorias biológicas, epistemológicas e da psicologia
da inteligência, depreende-se os quadros 1 e 2.
Evolucionista, Piaget defende a proposta de um tertium que
consiste em uma síntese dialética entre os polos lamarkista e
neodarwinista. Há nesse tertium um interessante resgate da tese
lamarkista da herança do adquirido, a partir do conceito do biólogo
Waddington chamado de assimilação genética: a integração de um caráter
surgido "inicialmente ligado a uma alteração do meio e que subsiste
hereditariamente /lleBJllO depois de anulada essa alteração. " (Piaget,
1973a, p. 128) Mas se há confirmação do fato, a p.xplicação é
divergente. Para Lamark, a ação direta do meio seria suficiente para
introduzir ou eliminar caracteres hereditários. Waddington - a partir
dos resultados de experiências e das observações do próprio Piaget
sobre limneas lacustres - sustenta que o fenótipo tem também, ao lado
do genótipo e do meio, significado evolucionário. Cada genótipo
HIPÓTESES ACERCA DA ADAPTAÇ~O
ATRIBUíDA A FATORES EXTERNOS AO
OR5ANISMO
ATRIBUíDA A FATORES INTERNOS AO ORGANISMO
ATRIBUíDA A U"A INTERAÇ~O ENTRE FATORES EXTERNOS E INTERNOS
BIOLÓSICAS
CRIAC!ONISMO, V ITALISMO
A adaptaç~o se deve à har.onia pré estabelecida entre o organis.o e o
.eio
PREFORlmllO
A adaptaç~o se deve à u. prefor.is.o que per.ite ao or
ganis.o a reagir a qualquer situaç30 tornando reais suas estruturas visuais.
EI'IER6~NCIA
A adaptaç30 se deve ao ·surgi.ento"de estruturas de conjunto, irredutíveis a seus ele.entos e deter.inadas si.ultanea.ente de dentro e de fora.
QUADRO 1
HiPÓTESE ~IXISTA
EPISTEMOLÓSICAS
REALISMO
A raz30 é u.a adequaç30 inata a for.as ou essências
eternas
APRIORISMO
Explica o conhecitento
por estruturas internas anteriores à experiência.
FENOIIENOLOSIA CONTHIPoRANEA
Analisa apenas as diversas for.as de pensa.ento recusando-se ao .es.o te.po a retirA-las geneticatente UIaS das outras e a dissociar nelas a parte do sujeito e a dos objetos.
PSEOLÓGICASí TEORiAS CONTEIIPORÂNEAS DA INTEU5ÊNCIA
INTELI6~NCIA VISTA COMO FACULDADE
Conheci.ento direto dos seres físicos e das idéias lógicas ou .ate.~ticas .ediante har.onia pré-estabelecida entre
o intelecto e a realidade
INTELI6~NCIA COIIO ESPELHO ESPELHO DA LÓGICA
A inteligência é deter.inada por estruturas externas que
se explicitai no decorrer do desenvolvi.ento.
TEORIA DA FORMA (SESTALT)
A totalidade é irredutível aos ele.entos que a co.pOe., regida por leis prÓprias de organizaç30 ou de equilíbrio.
Fonte: Piaget, Jean, Psicologia da inteligEacia, Rio de Janeiro, Zahar, 1977a, p. 21-27
92
HIPÓTESE ACERCA DA ADAPTAÇ~O
, ATRIBüIDA A FATORES EXTERNOS AO ORGANISMO
, ATRIBUiDA A FATORES INiERNOS AO ORGANISMO
, ATRIBUIDO A UI'IA INTERÇ~O ENTRE FATORES EXTERNOS E INTERNOS
TEORiAS
QUADRO 2 ,
HIPOiESE EVOLUCIONISTA
BIOLÓGICAS EPISiEMOL6GICAS
LAIIARCKISIIO EIIPIRISIIO
Explica as varia- Explica o conheci-çOes adaptativas lento pela pressao pela press~o do das coisas. do leio.
IIUiACIONISI'IO CONVENCIONAL ISIIO PRAGI1A TI SilO
Explica as variaçOes Atribue. adeQuaçao adaptativas pelas do espírito ao lutaçOes endógenas real à livre cria-COII posterior ç~o de noçOes sub-seleç~o jetivas seleciona-
das COI o telpO segundo UI princi-pio de silples cOlodidade.
TEORIA DO TERTIUII INTERACIONISI101 EPISTEI10LOGIA SENtTICA
Explica as variaçOes Explica o conhe-adaptativas por ula cilento COlO UI
interaç30 progressiva produto de ula dos fatores internos e colaboraç~o
externos. indissociável entre a expe-
riência e a deduç30.
PSICOLÓGICAS! TEORIAS CONTE~PORA~E~5 DA INTELIG~NCIA
E~PIRISIIO ASSOC!ASSGM~SjA
Expllca a inteligêncla pelo leio externo.
TENTATIVA E ERRO
Ex. a teoria do tateiJ de Claparede Que explica a inte-ligência pelas tentativas ou hipóteses devidas à a!ivida-do sujeito e a sua seleç~o efetuada no decorrer do telpo sob a press~o da experiência (erro ou fracasso).
, TEORIA OPERATORIA
As operaçOes intelectuais cuja forla superior é lógica e late-lática, constitue. atividades reais, sob o duplo aspecto de
produç30 peculiar ao sujeito e de ula experiência possível
da realidade.
Fonte: Piaget, Jean. Psicologia da intelig~.cja, Rio de Janeiro, Zahar, 1977a, p.2127
93
94
admite potencialmente a produção de um certo número de fenótipos
diferenciados que irão se desenvolver ou não graças às interações
recíprocas entre o organismo e o meio.
A descoberta da existência de genes reguladores é de fundamental
importância para a concepção interacionista piagetiana porque permite
reformular a idéia, defendida pelo neodarwinismo clássico, de que o
genoma estaria a salvo das influências exteriores. Se há atividade
reguladora, sua função será certamente, diz Piaget, a de conservar o
sistema, informando-o dos obstáculos, dos bloqueios, dos desequilíbrios
que possam interferir no curso da epigênese pela interação entre o
programa genético e as solicitações do meio. Mas não se trata, como no
entender de Lamark, de uma mensagem que se imprimirá ao material
genético comandando as variações que deverão ser adotadas mas de
informação sobre desequilíbrios internos repercutindo retroativamente
até atingir os genes reguladores.
'~inda que os gens reguladores das sínteses epigenéticas nKo fossem exatamente os meamos que dirigeJlJ as trBJ181/1issões hereditárias às gerações seguintes, o genO/llll no seu conjunto seria concebido como uma totalidade. Pbr isso, aquela situaçKo perturbadora acabará. trBJ1sferindo-se aos gene responsá.veis pela tranSIIJissão hereditária. (Casávola e Caatorina, 1988, p.127)
g esta a assimilação genética de Waddington, a qual Piaget chamou
de fenocópia, uma reconstrução por seleção imposta pelo meio interno
que, à diferença do lamarkismo, "não implica uma fixação hereditária do
fenótipo ( ... ) e também nKo reduz a relação entre este e o genótipo a
um fato fortuito em todos os casos (o pressuposto de aleatoriedade do
neodarwinismo (Casávola e Caatorina, 1988, p. 128)
95
A analogia persegtlida por Piaget com relação aos problemas postos
pelas grandes teorias (biológicas, epistemológicas e da psicologia da
inteligência) é transposta para sua concepção de conhecimento e o faz
desenvolver uma epistemologia genética cuja base é a idéia de auto-
regulação. O processo de organização auto-reguladora está presente na
evolução orgânica assim como na formação paicogenética; da mesma forma
que a fenocõpia é uma reconstrução com seleção imposta pelo meio
interno de variações inicialmente exógenas, "toda transformaçdo da
inteligência é vista como uma reconstruçdo endógena de dados fornecidos
pela experiência." (Piaget, In: Bringuier, 1978, p.159). A
inteligência surge então como adaptação mental, entendendo-se a
adaptação como o equilíbrio entre a atividade que o sujeito exerce
sobre o objeto modificando-o (assimilação) e a atividade que o objeto
impõe ao sujeito (a acomodação). Assimilação e acomodação - as duas
faces do mesmo processo interativo que tende, nessa dialética
construtivista, a ultrapassar os estados anteriores sempre com abertura
para novos possíveis, graças a auto-regulação. Eis então a hipÓtese
central da epistemologia genética:
"Os processos cognocitivos aparecem entKo simultaneamente CO/DO a resultante da auto-regulação orgânica, da qual refleteJl1 os JDeCaniBIDos essenciais, e como os órgdos mais diferenciados dessa regulação no âmbito das interações com o exterior, de tal maneira que acabam, no hOJllelll, por estendê-las ao universo inteiro." (Piaget, 1973&, p.38)
A necessidade de nutrição, procriação e preservação faz com que o
organismo se conduza de modo a estender o meio em que está inserido.
Essa extensão - que na escala biológica se acelera com o surgimento do
homem - garante as trocas com o exterior mas torna-se ao mesmo tempo
96
uma ameaça porque amplia os riscos de não satisfação das necessidades.
O organismo - verdadeiro "sistema aberto" (termo de Bertalanffy
utilizado por Piaget) - busca então um fechamento que, no entanto,
jamais é alcançado. O aparecimento da regulação perceptiva aumenta as
possibilidades de obtenção dos recursos mas gera também incerteza uma
vez que a extensão modifica as necessidades. Por outro lado, o poder
de autocorreção que caracteriza as regulações - chamado por Piaget de
"regulaç(Jes de regulações" - amplia ad infinitum as possibilidades de
desenvolvimento. Piaget ilustra este fenômeno com o desenvolv~nto
sensório motor no homem o qual, a partir dos reflexos iniciais, cresce
por uma sucessão cada vez mais complexa de conduta através da
"diferenciação por acomodação dos esquemas de assimilação." (Piaget,
1973a, p.398)
A superação dos interesses iniciais do organismo faz com que a
extensão do meio abranja tanto o meio biológico quanto o meio
cognitivo. Os mecanismos cognitivos surgem como os órgãos
especializados que regulam as trocas com o exterior. O fechamento do
sistema se delineia com a representação ou pensamento pela aceleração
da distância espaço-temporal entre forma e conteúdo e que supõem "o
conjun to das trocas in terindívíduli j f'I ou sociais, além das trocas COIIJ o
meio individual." (Piaget, 1973a, p.399)
g neste ponto que a importância do meio social na epistemologia
genética fica explicitado. O conhecimento humano tem nat\weza dupla:
coletiva e individual. Ao lado da transmissão hereditária há a
transmissão externa que permite a construção das civilizações. A
97
lógica e a matemática são elaborações de um sujeito epistêmico, ao
mesmo tempo indivíduo e coletividade mas descentrado de seu eu
particular e das imposições de seu grupo. o indivíduo só inventa e
inova porque exprime as interações proporcionadas pelas organizações
societárias, assim como as trasmissões hereditárias, são promltos da
vida e a lógica, uma só, que "num único cérebro ou num sistema de
cooperaçôes ( ... )" (Piaget, 1973a, pA16)
Apesar de a epistemologia genética se estruturar em bases
claramente interacionistas, o fato de Piaget não ter se aprofundado no
estudo das relações sociais tem originado interpretações que põem em
dúvida a real importância do meio social em sua teoria.
No entender de Banks-Leite (1991), se o construtivismo em Piaget
se encontra "bem caracterizado ", o mesmo não ocorre com o
interacionismo. Ao mencionar Ducret, Banks-Leite lembra que a obra da
Escola de Genebra, tanto empírica quanto teórica, se deteve apenas no
estudo do papel do sujeito "em detrimento de llD1 estudo do papel do meio
na estruturação das conffi1tas do BUjeito. " (p.26)
Dois exemplos são os estudos sobre a imitação e sobre a
aprendizagem. No primeiro, não se encontra a análise do modo como o
modelo contribui para a formação da conduta imitativa embora seja
ressaltado o predomínio da acomodação sobre a assimilação em sua
gênese. No segundo, a ênfase no papel do sujeito como construtor de
conhecimento atende à necessidade na época de se oferecer uma
contraposição à interpretação empirista mas não faz a análise da
98
contribuição do meio. Outra questão apontada por Banks Leite é o fato
de a epistemologia genética ater-se "à tradição filosófica clássica que
estuda a relação BUjei to-objeto fisico"
influência dos objetos sociais cuja
CP. 27) dedicando-se pouco à
contribuição é vista como
equivalente a do meio físico nos primórdios da construção intelectual,
ou seja, no período sensório-motor.
Na tese de doutoramento em que propõe uma reformulação dessa
crítica ao modelo piagetiano, Arendt (1987) lembra que o próprio
Piaget, em dado momento de sua trajetória epistemológica, prenunciava
uma nova fase em projetos futuros para "recomeçar análise do
desenvolvÍDJento cognitivo mas situando-se do ponto de vista do objeto e
já não do sujei to ( ... )" (Piaget, apud Arendt, 1987, p. 45). Essa
intenção é
(1983), no
reafirmada por Piaget em seu
qual os autores analisam
livro escrito com R. Garcia
as relações entre ciência,
psicogênese e ideologia e sugerem que a história das ciências é
exemplar quanto ao predomínio do meio social no processo cognitivo.
Para Arendt tais análises revelam não apenas uma disposição de Piaget
em realizar uma descentração com a mudança de perspectiva (do sujeito
para o objeto) mas, principalmente, em atingir um interacioniamo pleno.
Toda essa polêmica far-ee-ia inútil do ponto de vista do presente
trabalho, caso a epistemologia genética não oferecesse em seu arcabouço
teórico subsídios para um repensar a prática educacional, em especial
no que tange a interação entre alunos na sala de aula. Ora, é o
próprio Piaget que, na critica ao sistema tradicional do ensino,
coloca-se por inteiro a favor do ''método de trabalho em grupos", da
99
"pesquisa em comul1J ou em equipes orgdJ1izadas ", enfim, da cooperação
como "fator essencial do progresso intelectual ". (Piaget, 1977b, p. 351)
A proposta de Piaget de que os problemas biológicos da adaptação
se relacionam com os problemas psicológicos e epistemológicos a
hipótese de que há uma continuidade entre os processos biológicos e
cognitivos - tem como sustentáculo um programa experimental de vulto no
campo da psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem. Por esse
programa cada noção constitutiva do conhecimento é pesquisada,
esboçando-se então a sucessão de estádios de ordem constante,
caracterizado cada estádio por uma estrutura de conjunto que o define.
A construção da inteligência humana é universal e presidida por quatro
fatores: (1) o crescimento orgânico, em especial a maturação dos
sistemas nervoso e endócrino, (2) o exercício e a experiência
adquirida, (3) as interações e as transmissões sociais e finalmente (4)
a equilibração, o mecanismo interno auto-regulador de compensações que
se realizam de forma retroativa e antecipadora pela atividade do
sujeito como resposta às perturbações exteriores. 8 a equilibração (ou
auto-regulação) o fator fundamental de harmonização entre os outros
três, necessários porém não suficientes para explicarem o
desenvolvimento mental; é a equilibração que permite a construção
seqüencial das estruturas no sentido progressivo de um equilíbrio cada
vez mais estável. (Piaget e Inhelder, 1976)
Parte integrante do conjunto de pesquisas realizadas por Piaget e
colaboradores é o estudo sobre a gênese do julgamento moral, publicado
em 1932 (Piaget. 1977b) no qual são relatadas e analisadas as conversas
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
100
com crianças sobre as regras, as prescriçOes dos adultos e a idéia de
justiça. Neste e em outro texto escrito em 1945 (Piaget, 1973b), a
partir dos resultados obtidos, está contida a teoria da moralidade da
epistemologia genética que consolida o paralelismo entre o
desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento social. A vida socia] ,
diz Piaget, cunstitui-se imprescindíve] para que o indivíduo tome
consciênciFl do funcionamento da mente e transforme "em normas
propriame.nte. ditas, os sÍIlJples equilíbrios funcionais imanelltes a toda
atividade melltal ou meBll10 vital" (Piaget, 1977b, p.347) g pela
descentração, ou eliminação do egocentrism01o , que o sujeito abandona
os estados de alogismo e anomia iniciais para alcançar a autonomia de
idéias e de sentimentos. A formação do espírito crítico nasce da
discussão e esta só é possível entre iguais. g no interior do grupo
que são elaboradas as noções de igualdade, reciprocidade, respeito
mútuo, formadoras da idéia de justiça. Pela discussão entre iguais
produz-se, do ponto de vista lógico, a reflexão e a verificação
objetiva; do ponto de vista moral, o julgamento objetivo e a
interiorização das regras. A cooperação é a fonte da autonomia
racional e moral, o ápice da psicogênese.
Concordante com Durkheim de que a sociedade não equivale à soma
dos indivíduos, Piaget se propõe a pensar o todo (a sociedade) como
constituído pelas interações entre os indivíduos ao invés de colocá-lo
10 O egocentrismo caracteriza-se pela a indissociação entre o mundo exterior e o próprio eu. Para uma discussão sobre este conceito e o estatuto do social em Piaget, ver Luci Banks Leite O construtivismo em Revista: As interações sociais na perspectiva piagetiana. (mimeo)
.. nA ono!!!) oy:>" ..... r.aLQn ...
101
à margem das consciências individuais. Isso permite a Piaget pensar as
conseqüências das relações de idade. especialmente entre adultos e
crianças e conceituar a coação e a cooperação como termos-limite da
escala de relações sociais. A coação induz à heteronomia pois implica
em autoridade e submissão; a cooperação, baseada na igualdade de
direitos e na reciprocidade, implica em autonomia. g o respeito ao
adulto que faz com que a criança siga as regras impostas e este fato
garante a continuidade entre as gerações; no entanto, com o passar da
idade, as pressões tornam-se colaterais e esse respeito transforma-se
em respeito mútuo de par com o desenvolvimento das normas racionais.
o estudo da construção do pensamento lógico no indivíduo autoriza
Piaget a concluir que o desenvolvimento caminha progressivamente da
ação efetiva e irreversível para a operação ou ação virtual e
reversível. A lógica é uma forma de equilíbrio final das ações
coordenadas de modo a constituir um sistema de composições reversíveis.
Mas esse progresso se dá passo a passo com a socialização intelectual
do indivíduo de modo que as ações sociais só atingirão um estado de
equilíbrio caso constituam também um sistema composto e reversível.
Este sistema que engendra tanto as operações mentais como a cooperação
social é o "agrupamento", cujas leis de composição não comportam a
contradição.
"( ... ) Ora" está claro que o penslJ./Dento em comum favorece a não-contradição; é IDuito lIJais fácil se contradizer, quando penslJ./DOS por nós somente (o egocentriSllJo) do que quando os parceiros estão lá para lembrar o que dissemos anteriormente e as proposições que Já admitimos." (Piaget, 1973b, p. 181)
102
o egocentrismo impede que as condições necessárias ao equilíbrio
cooperativo se estabeleçam. São estas: (a) a utilização de um sistema
comum de comunicação, com palavras de mesmo sentido e conceitos
homogêneos, (b) a conservação suficiente das proposições anteriormente
admitidas e (c) o estabelecimento de proposições recíprocas e
coordenáveis, quer sejam comuns, quer sejam distintas. A coação, por
sua vez, não admite reciprocidade porque as obrigações fluem em um
único sentido. Esta situação cria um "falso equilibrio" em que há uma
linguagem comum mas falta estabilidade interna.
Para construir agrupamentos o indivíduo deve se socializar pois a
reversibilidade completa só se atinge com o simbolismo socializado, a
objetividade e a coerência. Já a cooperação só conduz à formação de
agrupamentos pela linguagem e pela psicomotricidade individual pois as
operações são um sistema de ações. Em resumo, diz Piaget, (l973b) "as
funções individuais e as funções coletivas se referem WI1BB às outras,
na eAPlicaç60 das condições necessárias ao equilibrio lógico. " (p.196)
Se a coação repele o egocentrismo quando impõe uma norma exterior
a ser seguida, por outro lado consolida seus hábitos quando não permite
o questionamento da imposição. Podemos então entender a importância da
troca entre iguais, em que os indivíduos, livres da coação, podem
discutir, comparar intenções, formular críticas. Não surpreende pois
que Piaget se declarasse desde seus primeiros trabalhos sobre a gênese
do pensamento infantil, adepto do "trabalho eJD grupo" e do "self-
103
goverl1DJel1t" e que reconhecesse na figura do adulto mui to mais um
colaborador que um mestre (Piaget, 1977b). Surpreendente, sim, é a
idéia, muito veiculada nos meios educacionais de hoje, segundo a qual
Piaget privilegiaria o individual em detrimento do social. Ao
especular sobre as possíveis causas dessa interpretação Coll (1984)
observa que, embora Piaget tenha formulado hipóteses sobre o papel da
cooperação no desenvolvimento cognitivo e se pronunciasse favorável a
métodos pedagógicos que estimulasse a troca entre os altffios, 'nem ele
nem a maior parte de seus seguidores deram prosseguimento a essas
hipóteses nem as submeteram à verificação experimental. " (p.124).
Além disso, as restrições feitas por Piaget ao caráter coercitivo da
relação professor-aluno nas escolas de métodos tradicionais, teriam
contribuído para que "muitos psicólogos da educação de orientação
genética se fixassem de maneira exclusiva e unilateral nas relações que
a criança mdJltém com o meio físico ( ... )" (p. 125)
As observações de Coll merecem
Piaget formulou hipóteses sobre
algumas considerações. De
o papel da cooperação
fato
no
desenvolvimento mental ainda no inicio de suas investigações. Se não
houve um aprofundamento acerca dos diversos modos pelos quais a relação
interativa possa se configurar, houve certamente a incorporação de tais
hipóteses à formulação central da teoria, situando-nas no âmago da
construção da autonomia da razão. No estudo em que confronta a obra
piagetiana com a teoria do conhecimento kantiano, Freitag (1990)
constata que, se em Kant, a razão teórica (ou pensamento lógico) e a
razão prática (ou razão moral) se complementam por justaposição, em
Piaget esta relação é essencialmente dialética. Para Kant, explica
104
Freitag, a raz&> teórica limita-se ao mundo da natureza que é o mundo
da heteronomia, independente da vontade humana; a razão prática é o
mundo da liberdade. 'Í'1 relação entre um e outro dSpectO da raz80
permanece externd." (p. 61) Em Piaget, a autonomia da razão depende da
instrumentalização fornecida pelo pensamento lógico (ou pensamento
hipotético- dedutivo).
"O mundo da natureza não é UDJ dado, regido por leis he teronOll1as. O mundo da na tureza é e deve ser transformado, segundo a von tade do homem. Ora, o que vale para a natureza vale também para a sociedade. Se em Kant a raz60 teórica estava proibida de pensar a liberdade, o pensamento lógico de Piaget adquire no seu estágio hipotético-demltivo a cOll1petência teórica de pensar essa liberdade, generalizando-a para o mundo dos hOll1ens." (Freitag, 1990,p.61)
g no interior do grupo, graças ao confronto de pontos de vista
divergentes, ao intercâmbio de opiniões, às confirmações ou ao abandono
de posições anteriormente assumidas, que as normas de procedimento se
estabelecem. Mas é também no interior do grupo que o pensamento formal
se constitui, com as características de reversibilidade e coordenação a
permitir a comunicabilidade do pensamento.
Poderíamos então concluir que em Piaget, interacionismo e
construtivismo estão inalienave1mente implicados, que o interacionismo
se explica pelo construtivismo e que este está implícito no
interacionismo. o fato de o próprio Piaget ter reconhecido, a certa
altura de seu trabalho, a necessidade de alterar a perspectiva inicial
para reconstruir a teoria do ponto de vista do objeto, apenas confirma
uma extraordinária coerência, alcançando com esta intenç&O a plenitude
operatória de reversibilidade e coordenação contida em sua expressão
105
explicativa da evolução do conhecimento.
Em relação às aplicações educacionais da teoria genética,
gostaríamos de ressaltar que, desde a primeira obra publicada
Didática Psicológica, de Hans Aebli, em 1951 (Aebli, 1910) a
cooperação entre alunos, o trabalho em equipes, a discussão em comum,
têm surgido como elementos imprescindíveis da abordagem metodológica.
g bem verdade que o impacto maior tenha sido a descrição do
desenvolvimento infantil, com seus estádios evolutivo e uma consequente
perspectiva de promoção do desenvolvimento operatório. Mas é inegável
também que encontramos nas publicações referências claras (quanto à
origem, norte-americana, inglesas, francesas etc, quanto ao propósito,
de caráter introdtttório à teoria até os guias práticos para o
professor, passando por relatos e reflexões aprofundadas sobre
experiências educacionais vividas) sobre a importância do trabalho em
grupo, o papel da cooperação na construção da objetividade do
pensamento e da personalidade autônoma.
Quanto à afirmação de que os seguidores de Piaget não deram
prosseguimento a pesquisas que tematizassem os efeitos da cooperação, o
artigo de Coll fornece elementos que nos leva a uma interpretação
adversa. Com o propósito de relatar as descobertas mais recentes sobre
a influência da interação entre alunos na aprendizagem, o próprio Coll
refere-se a hipótese do conflito sociocognitivo segundo o qual o
conflito cognitivo nasce do "confronto entre os esquemas de diferentes
sujeitos e (que) se produz no transcurso da interação social . .. (Co11,
1984 p. 121) Ora, a hipótese do conflito sociocognitivo foi gerada no
106
interior da Escola de Genebra, por psicólogos sociais e psicopedagogos
contemporâneos de Piaget, a partir da noção de conflito cognitivo,
noção esta originária dos estudos genebrinos sobre aprendizagem e
desenvolvimento.
A hipótese do conflito sociocognitivo prolonga o debate acerca do
estatuto do social nos trabalhos de Genebra. As primeiras pesquisas
realizadas pela equipe de W. Doise remontam à década de 70 e já em 1976
Piaget publicava um artigo reafirmando a importância das trocas
inter individuais com a ressalva de que - em uma crítica direta àquelas
pesquisas - o mecanismo ftmdamental do conhecimento são as coordenações
das aeões auto-reguladas e que "o trabalho coletivo não funcionaria sem
indivíduos dispondo de um sistema nervoso com regulaçõe;..;
biopsicológicas • .. (Moro, 1987, p.23) Em rp.8posta, Doise (1983) ao
lembrar que a Auto-regulação é tanto uma construção social quanto
individual, considera que o papel do psicólogo social é o de estudar as
condições sociais de elaboração e de atualização das regulações
cognitivas.
"O que nos parece fundamental no que diz respei to aos resultados dessas pesquisas, ti que os fatores sociais não são preponderantes, neJll atuam de forma isolada. As interações sociais não são eJIl si mesmas geradoras de novos sistemas ou fortDâB de conhecimento, mas podeJll susci tar certas si tuaç{Jes de confli to que por sua vez podeJll dar lugar a novas estruturações cOll11itivaB. 11 nesse sentido que as izlterações socllJ.ÚJ, não são constitutivas eJIl si meBIlJas, mas conatltutlVlJB do prCJCeBBO de equ111braç6o." (BanksLeite, 1992, mimeo)
No decorrer do próximo capítulo, ao relatarmos a experiência que
mantivemos em uma escola municipal, teremos a oportunidade de explanar
101
os pressupostos básicos que norteiam essas pesquisas e as
possibilidades que abrem para que a interaç!o entre alunos na sala de
aula se configure como uma alternativa válida para a melhoria do ensino
fundamental.
108
CAPÍruw 3
UMA KXPKRIiRcIA Df AcNJ NO KSPAÇX> DA. SAIA DE AULA
A idéia de uma pesquisa que somasse em sua concepção um objetivo
de conhecimento e um objeto de ação é uma contribuição de Kurt Lewin.
Cunhada de pesquisa-ação (action research) pelo próprio Lewin,
desenvolveu-se orientada para promover mudanças de ordem psicossocial.
Trata-se, em nosso entender, de introduzir no movimento da pesquisa os
benefícios advindos do conhecimento gerado na dinâmica do processo.
Certamente a intenção de se criar esse tipo de pesquisa nasce de
uma necessidade das ciências sociais em reformular o modo de
aproximação a seu objeto de estudo, questionando o posicionamento, mais
afeito às ciências naturais, de neutralidade, objetividade e
distanciamento por parte do pesquisador.
Definir a pesquisa-ação ou pela prioridade dada àqueles que têm
um problema a resolver ou pela ê~faae na ação em detrimento da
contribuição científica, são duas maneiras de fragilizar este método de
pesquisa. De acordo com Rapoport (1970)
"a pesquisa-aç60 pretende contribuir simultaneamente para o alívio das preocupações de ordem prática das pessoas que estKo em si tuações problemáticas e para os objetivos das ciências sociais pela colaboração conjunta no interior de um quadro ético mlltUaJDente acei tável". (p. 499)
No livro em que lança as bases para uma metodologia da pesquisa-
109
aç~o, Thiollent (1988) ressalta que essa estratégia de pesquisa social
se distingue das demais pesquisas alternativas (como por exemplo, a
pesquisa-participante) por sua forma de ação planejada que incorpora
objetivos práticos e teóricos. Como forma que é de experimentação em
uma situação real, a pesquisa-aeão supõe um papel ativo de seus
participantes na
transformação.
solução de problemas ou com vistas a uma
"Sem dúvida, a pesquisa -ação exige uma estrutura de relação entre pesquisadoreB e pessoas da situação investigada que seja participativo. ( ... ) l1as a participação do pesquisador não qualifica a especificidade da pesquisa-ação, que consiste em organizar a investigação em torno da concepção, do desenrolar e da avaliação de uma ação pltll1eJada ". (p.15)
Foi CC!! o intuito de introduzir em uma sala de aula um novo tipo
de organização que priorizasse o trabalho em grupo que iniciamos a
procura de uma escola pública de primeiro grau. Pública, pela
preocupação com a questão do fracasso escolar; nesse grau porque a
primeira série é o início oficial da escolarização, quando a avaliação
do desempenho do aluno pode levar ou não a uma promoção para a série
seguinte. Se era este o nosso propósito prático, o objetivo de
conheciment.o consistia em verificar a possibilidade da introdução dessa
proposta em uma sala de aula com aquelas características e auferir os
resultado3 da ação relacionando-os com o rendimento escolar dos alunos.
Por se incluir na linha alternativa, a pesquisa-ação implica em
formas de raciocínio bem mais flexíveis que as utilizadas na linha
convencional (as regras lógico-formais e os critérios estatisticos).
110
Nem por isso exclui as hipóteses, as inferências, as comprovações;
porque lida com conhecimentos obtidos em situações comunicativas ou de
integração, a pesquisa-ação incorpora a esses procedimentos a
argumentação.
"( ... )A pesquisa-ação nlIo perde a sua legitimidade CieJltífica pelo fato dela estar em condição de incorporar raciocínios imprecisos7 dialógicos ou argumenta ti vos acerca de problemas relevantes". (Thiollent, 1988, p. 28)
Desta forma, a pesquisa-ação comporta hipóteses que, ao longo do
processo, são alteradas ou fortalecidas, em um esquema
predominantemente qualitativo e argumentativo. São verdadeiras
diretrizes que organizam a pesquisa em torno de possíveis conexões ou
implicações não necessariamente causais mas suficientemente precisas
para demonstrar que "X tem algo a ver com Y na si tuação considerada"
(p. 56). A verificação das hipóteses diretrizes se dá na prática e por
critérios definidos pelos participantes da pesquisa.
Tínhamos por diretrizes iniciais as seguintes afirmações:
a promoção das interações entre alunos na sala de aula em torno
da execução das tarefas escolares e através de pequenos grupos
propicia o desenvolvimento intelectual;
o rendimento escolar, ao menos nos primeiros níveis de
escolarização, está estreitamente ligado ao desenvolvimento
intelectual.
São diretrizes ancoradas na teoria genética de Jean Piaget, que
concebe o desenvolvimento como um processo espontâneo explicativo da
111
aprendizagem; que pensa o conhecimento como resultante da açao do
sujeito sobre o objeto
trocas interindividuais
também diretrizes que
psicólogos sociais e
e não como uma cópia do real; e que aposta nas
na dinamização do processo educativo. Mas são
querem levar em conta as contribuições dos
educadores acerca dos efeitos da interação,
principalmente em sua relação com o rendimento escolar, embora muitas
dessas pesquisas tenham se pautado em pressupostos estranhos à teoria
genética, o que, a nosso ver, não impede interpretações em novas bases.
Em relação à segunda diretriz, uma explicação importante. No
primeiro capítulo desta dissertação referimo-nos ao impacto causado nos
meios educacionais pela teoria genética. Uma das tentativas da
aplicação da teoria é a que transforma o desenvolvimento operatório em
meta da educação. A proposta se concretiza com a repetição em sala de
aula das situações experimentais uti~izadas por Piaget e colaboradores
para estudar a gênese das estruturas operatórias. Na objeção que faz a
este tipo de aplicação educacional da teoria genética Coll (1987)
lembra que se a competência operatória é requisito para a aprendizagem
de certos conteúdos, em nenhum caso se confunde com esta; "o probleJ1Ja
pedagógico consistt..~, entâo. eJ1J detertlJinar qual o método maiB eficaz
para que o allUlo Be aproprie de conhecimentoB C01JBiderado Beu nivel de
competência operatória" (p. 181-182). Pensamos com Coll quando este
afirma que a escolha dos conteúdos escolares é atribuição da sociedade.
De fato, atrelar a educação a conhecimentos psicológicos é esvaziá-la
de sua função social. No entanto, a sociedade estabeleceu - e muito
antes do advento da teoria genética - que no início da escolarização a
criança aprende a ler, escrever e contar. Ora, para ler, escrever e
112
contar (contar na acepç~ de realizar operações aritméticas) a criança
passa por uma verdadeira revolução conceitual, desvendada justamente
pela teoria genética. Se a escola interpõe como primeiro desafio a
seus iniciantes esses conteúdos, atrela desta maneira a avaliação do
rendimento escolar à transformação das estruturas do pensamento. Nesse
sentido, a proposta de promoção automática da primeira à segunda série
do primeiro grau não subtrai a exigência; apenas estende o tempo para
que esta possa ser cumprida.
o ponto de partida era, então, escolher um campo de pesquisa no
qual a intervenção pudesse se viabilizar. Esta escolha, intencional,
se faria por critérios qualitativos em função da relevância que o grupo
apresentasse em relação aos propósitos da ação. Por se tratar de uma
situação muito especifica cujo universo é delimitado pela sala de aula,
a história do comprometimento das pessoas envolvidas com a busca da
transformação do real era um fator fundamental para se proceder à
escolha.
Convidadas a freqüentar um grupo de estudos, chegamos a uma
escola municipal que, na época, oferecia tão somente turmas para
jardim-de-infância, Classes de Alfabetização (C.A.), primeira e segunda
séries do primeiro grau. O convite partiu de uma professora
universitária que ali desenvolvia um projeto denominado JTevenç60 aOB
FToblemdB da Aprendizagem cujo intuito era o de divulgar as idéias da
psicogênese da língua escrita. Iniciado em 1988, o projeto realizou
durante aquele ano um acompanhamento semanal das turmas de
alfabetização na escola. No ano seguinte, formou-se um grupo de estudos
113
para aproftmdamento da teoria e para permitir a troca de informaçoes
sobre experiências em sala de aula entre as professoras interessadas em
participar. Esses encontros, quinzenais, se deram durante todo o ano de
1989, com adesão parcial das professoras da escola e de outras,
provindas tanto de escolas mtmicipais do mesmo DECu como de outros
mtmicípios próximos. Em semanas alternadas, o projeto dava
prosseguimento ao trabalho em sala de aula com turmas de alfabetização
e jardim-de-infância.
Sabedora de nosso interesse em acompanhar o dia-a-dia de uma
turma, a coordenadora do projeto nos apresentou a uma professora que,
na época, regia uma Classe de Alfabetização e cuja prática inspirava-se
nas propostas da psicogênese da língua escrita de Emilia Ferreiro.
A existência desse projeto, por um lado, e a localização e
características da escola, por outro, apontavam para uma perspectiva de
viabilização de nosso trabalho. A escola, pública e de primeiro grau
conforme os pré-requisitos que haviamos estabelecido, localiza-se em um
bairro da zona eul da cidade do Rio de Janeiro. A zona sul é habitada
por classes média e média-alta, porém o quarteirão onde a escola se
situa distingue-se por uma peculiaridade: a presença de um conjtmto
habitacional popular edificado para abrigar a população de uma favela
antes ali existente e que fora destruída por um incêndio. Tão singular
quanto a presença de uma comtmidade de baixa renda ocupando uma área
~~ DEC - Distrito de Educação e Cultura. Rio de Janeiro tem vinte quatro DECs.
o município do
114
plana dentro de um bairro nitidamente valorizado ~2, é o fato de que
a referida população dê preferência a outras escolas municipais, não
tão próximas, para matricular seus filhos. Pelo menos dois fatores
poderiam explicar essa rejeição: o primeiro liga-se a uma história de
fracasso e repetência que resulta em um estigma de "escola fraca"; o
segundo, por um motivo de ordem prática, qual seja, a inexistência da
classes de terceira e quarta séries, o que obriga a transferência do
aluno para outra escola tão logo conclua a segunda série.
o vínculo da escola com a comunidade se faz pela utilização de
alguns de seus espaços para atividades promovidas pela associação de
moradores e pelo bloco carnavalesco como bailes, jogos de futebol,
preparação para o carnaval. No passado, segundo alguns testemunhos, os
laços entre escola e comunidade se faziam mais significativos pelo
oferecimento de cursos para mães, oficina de eletricidade, etc. No
segtmdo semestre do ano de 1990, alguns membros da comtmidade tentaram
intensificar essas relações, oferecendo-se para reorganizar a
biblioteca (então inativa por falta de um biliotecário) e iniciar um
sistema de empréstimo de livros aos alunos, o que de fato foi feito.
A construção de um CIKP~3 próximo à escola criou um certo temor
de que esta se visse obrigada a encerrar suas atividades por uma
redução significativa da clientela, atraída pelo novo sistema.
12 No Rio de Janeiro, quando ocorre essa proximidade em geral é acompanhada de uma característica marcante: ricos no plano, pobres no morro.
13 Centro Integrado de Educação Pública.
115
Surgiram, então, idéias para a revitalização das relações entre escola
e comunidade, com a implantação de uma terceira série em 1991 e cursos
profissionalizantes para jovens.
Ainda na fase exploratória da pesquisa e já descoberto o campo de
ação, todo cuidado volta-se para uma avaliação prospectiva em termos de
"detectar apoios e resistências, convergências e divergências, posições
otÍJJ1ist8.8 e céticas, etc." (Thiollent,1988, p. 48). Importante também,
é garantir um ambiente de aceitação entre os participantes e não criar
expectativas que extrapolem as possibilidades da ação.
No ano de 1988 foi publicada pela Secretaria Municipal de
Educação do Rio de Janeiro uma Proposta Curricular (Rio de Janeiro,
1988), como um documento preliminar para discussão, organizado em torno
de objetivos e conteúdos distribuídos pelas várias séries - do Jardim
de-infância à 8ª série - a partir de determinados conceitos-chave. Não
é nossa intenção analisar o documento mas registrar o momento vivido
pelas escolas municipais e, em particular, o da escola que abria na
época suas portas para um projeto impregnado dos novos ares trazidos
pelo conatrutivismo e para professoras recém-chegadas e interessadas
nessas inovações.
Era esse o caso da professora com quem desenvolveríamos a
experiência. Formada pelo Curso de Formação de Professores, com
especialização em pré-escolar, em um dos colégios estaduais mais
conceituados do Rio de Janeiro, iniciou sua experiência profissional em
duas escolas particulares com turmas de Jardim-de-infância. Sua
116
atençSo para a psicogênese da lín~la escrita fora provocada pelas
similitudes entre as sugestões sobre procedimentos pedagógicos
inferidos da teoria - e propagadas no grupo de estudos e nas visitas
que a coordenadora fazia às várias classes da escola - e as práticas do
método denominado natural, adotado por uma das escolas onde trabalhara
anteriormente.
Durante o segundo semestre de 1989 acompanhamos o trabalho desta
professora com sua turma de C.A. Este
experiência propriamente dita (com uma turma
período que
de primeira
precedeu a
série e ao
longo de todo o ano escolar de 1990) foi de fundamental importAncia,
quando pudemos praticar um verdadeiro "reconhecimento da área" e, por
outro lado, expor nossas idéias e intenções e nos expor para a
aceitação ou a rejeição pela comunidade escolar.
A participação em pesquisas que nos permitiram, em situações
anteriores, adentrar em salas de aula de escolas de primeiro grau, além
da informação advinda de relatos sobre observações e experiências ali
desenvolvidas, delineiam um quadro em que a interação entre alunos,
quando existe, não é vista como um elemento propulsor na geração de
conhecimento com reflexos no aproveitamento escolar. Pelo contrário, a
literatura especializada e ficcional sempre evidenciou a quase aversão
da instituição escolar àquele relacionamento.
Outra característica apreendida no convivio com as escolas em
geral é a grande diferença de uma sala de pré-escolar para outra das
séries do ensino regular. Enquanto na primeira as paredes se enfeitam
117
em quase todos os espaços (muitas vezes exibindo trabalhos dos alunos),
as mesas convidam à formação de grupos e as atividades se distribuem
por várias áreas (cantinho da leitura, dos jogos etc.), já na primeira
série a sala se vê desnudada de qualquer apelo visual (quando muito, o
alfabeto com figuras ilustrativas), as carteiras (no máximo para dois
altmos) enfileiradas de modo a dirigir o olhar para um único foco onde
está o professor e o quadro-negro. Caderno, lápis, quadro, giz. E a
meio caminho, neste desaparecimento do lúdico, a Classe de
Alfabetização. Se é esta uma visão um tanto extremada, as observações
na turma de C.A. de algum modo nos levaram a refletir sobre tais
diferenças.
Havia um intuito claro na professora de abrandar a passagem de
uma situação para outra, ao colocar as crianças em torno das carteiras
em grupos de quatro, ao não impor uma rigidez disciplinar permitindo a
conversa entre eles (embora as propostas de atividades fossem para a
execução individual), ao transcrever os textos trabalhados em papel
pardo para afixá-los nas paredes. Foi esse desejo de afastar uma
rotina empobrecedora, manifestado por esta e outras professoras da
escola, que nos moveu a propor várias atividades, envolvendo a formação
de grupos e a cooperação, como que em um ensaio para o ano vindouro.
Na pesquisa-ação, a formulação do tema está orientada para a
transformação de uma situação que se quer melhor. g, assim, uma
formulação de caráter normativo pautada por um ideal, que envolve
negociações entre seus participantes de modo a satisfazer ambas as
expectativas.
118
"'1uitos autores considerélOl que s§ó apenas as populações que determindl11 o tema. Outros dizem que há sempre lll11a adequaçâó a ser estabelecidél entre as expectativas dél populélção e as da equipe de pesquisadores. A nosso ver, deve haver entendimento. Um tema que não interessar ti população ndo poderá ser tréltado de modo particiPéltivo. Um tema que naó interessélr aos pesquisadores ndO será levado a sério e eles nâó desempenhardo lll11 Pélpel eficiente". (Thiollent, 1988, p.51)
Aliada à definição do tema e do objetivo da pesquisa está a
colocação clara dos problemas os quais se pretende resolver ou das
transformações que se deseje operar.
"Na SUél formulação, lll11 problema destél natureza é colocado da seguinte forma: a) análise e deliJllitaçao da situélçâo inicial; b) delineélOlento da situélção final, em fWlção de critérios de desejélbilidade e de factibilidade; c) identificação de todos os probleméls a serem resolvidos para permitir a PélssageJJJ de (a) a (b); d) planejamento das ações correspondentes; e) execução e avaliação das ações". (Thiollent, 1988, p. 53-54)
o tema de nosso estudo - a interação entre alunos na sala de aula
- formulado de modo normativo e inserido na temática maior do fracasso
escolar, em particular a repetência e o baixo rendimento, coloca a
seguinte pergunta: como promover a interação entre alunos na sala de
aula de modo a elevar o rendimento e reduzir a repetência? A
instituição escolar não considera a interação entre os alunos na sala
de aula como elemento capaz de contribuir para a melhoria do rendimento
escolar; assim, quando não proibida, a interação não é direcionada
neste sentido.
A observação e a participação na turma de C.A. permitiu a
119
antecipaç~ de situações que poderiam se configurar no futuro:
a concentração de esforços na alfabetização propriamente dita com
ênfase quase exclusiva na linguagem natural em detrimento das
atividades que estimulassem o pensamento numérico;
uma preocupação muito forte por parte da professora com o
desempenho futuro dos alunos na primeira série quando a promoção,
ao contrário do que ocorre no C.A., depende de um processo
avaliativo;
a diferenciação feita pelas próprias crianças entre as atividades
com lápis e papel e outras denominadas "brincadeiras": jogos,
colagens, desenhos etc.
A situação inicial da experiência se prenunciava: a professora
compreendia a importância de uma nova estrutura organizacional na sala
de aula com o incentivo à interação entre os alunos mas esperava
sobretudo contribuições para responder a contento as exigências das
instâncias superiores quanto a seu trabalho. De nossa parte, temíamos
que a ênfase dada na alfabetização para a linguagem natural viesse a se
recrudescer impedindo a introdução de atividades mais abrangentes e
mais variadas. As crianças, por sua vez, espelhando as expectativas da
família, esperavam que a escola cumprisse o seu papel ensinando-os a
ler e a escrever.
Essa diversidade de expectativas apresentava-se como um desafio e
não como um empecilho para o desenvolvimento da experiência. Se era
imprescindível que houvesse um entendimento sobre o que é relevante -
120
um bom ensino e um bom aproveitamento - de modo algum esperávamos
consenso no caminhar. Afinal, o quadro teórico a que recorríamos
demonstrava que cooperação e conflito são processos presentes e
indissociados na interação e que os obstáculos podem se transvestir em
possibilidades de êxito.
No início do ano a turma estava composta por vinte e três alunos.
Este número oscilou bastante ao longo do ano devido a vários motivos.
Alguns alunos nunca compareceram, outros foram transferidos para a
segunda série tanto pela idade quanto por já estarem lendo e escrevendo
com certa desenvoltura.
Além disto, novos alunos foram ffilrgindo a cada mês, o último em
agôsto, transferido de uma escola de outro município. Desses
retardatários, apenas dois concluíram o ano letivo na turma.
A maioria dos alunos tinha sete anos de idade em fevereiro, dois
com oito, dois com nove e duas meninas com doze anos as quais logo
foram conduzidas para a segunda série. As criancaa que ingressaram
posteriormente se encaixavam nesta faixa etária com excecão de um
menino com doze anos que permaneceu por pouco tempo no grupo,
transferido para o turno da tarde.
o levantamento das fichas informativas, preenchidas pelo
responsável quando da matrícula do aluno, permitiu-nos o acesso a dados
sobre a realidade sócio-econômica da turma. Dos vinte e seis aluno8 que
fizeram parte da turma seja durante todo o ano letivo, seja apenas por
121
algtun período, treze moravam em favelas, sete no conjtUlto habitacional
no interior do qual a escola se situa e seis em residências do bairro,
geralmente onde a mãe trabalhava como empregada doméstica ou o pai como
porteiro de edifício. Empregada doméstica era, aliás, a profissão
predominante entre as mães; havia também balconistas e serventes.
Entre os pais, além de porteiroti ou vigias de edifício, hAvla os que
trabalhavam como balr.nnista, ajudante de cozinheiro, confeiteiro,
auxiliar de escritório. A religião mais declarada fora a católica com
três exceções, todas evangélicas.
A partir do segttndo semestre, o número se estabiflizou em
dezenove crianças, dez meninos e nove meninas. Desse grupo de alunos,
seis estavam cursando a primeira série pela segttnda vez, os quais com
exceção de um, todos novos na escola. Onze cursaram a Classe de
Alfabetização na própria escola, um ingressou em agosto transferido de
Otltra escola e finalmente uma menina, embora promovida para a segttnda
série por uma escola de outro estado da federação, acompanhou a turma
por questões de rendimento escolar.
Ao início do ano letivo estabelecemos algumas formas de controle
para tornar possível uma futura comparação de certos aspectos do
desenvolvimento intelectual dos alunos nessa época e ao final do ano.
Procedemos ao exame das noções cognitivas consideradas básicas para a
aprendizagem matemática através de provas operatórias, originadas dos
trabalhos de Piaget e Szeminska (1975) sobre a conservação de
quantidades numéricas, de quantificação da inclusão das classes e da
122
seriaçãol.4 .
Dissemos anteriormente que Piaget concebe o conhecimento como o
resultado da ação do sujeito sobre o objeto. Nesta ação o sujeito pode
retirar do objeto suas propriedades. e o faz por abstração simples.
Mas é capaz também de estabelecer relações nesta ação por abstração
reflexiva (ou construtiva, como quer Kamii, 1988, pois este termo
indica melhor "que esta abstração é uma construção feita pela mente, ao
invés de representar apenas o enfoque sobre algo Já existente nos
número só é possível graças a esse objetos "p.17). A construção do
conhecimento lógico-matemático e nada mais é do que a síntese entre
dois tipos de relações: as de ordem (ou seriação) e as de inclusão
hierárquica (ou inclusão das classes). No início dessa gênese a
criança, mesmo já sabendo contar, por não conservar a quantidade. pensa
que esta varia de acordo com a configuração espacial.
A primeira prova por nós utilizada está descrita em Inhelder,
Bovet e Sinclair (1977, p. 165-166) com modificações sugeridas por
Carraher (1989) quanto ao material - ao invés de fichas, moedas - e
quanto ao
balas. A
significado emprestado ao material moedas para comprar
prova de inclusão das classes foi realizada utilizando-se
cartões ilustrados com cachorros. gatos e outros animais, no lugar de
flores. como em Inhelder, Bovet e Sinclair (1977. p. 275-276). De
acordo com Piaget e Szeminska (1975) a prova para a conservação da
quantidade revela tres níveis de desenvolvimento: (a) o não
14 A prova de seriação não foi realizada.
123
conservativo, quando a criança afirma que a quantidade varia de acordo
com a disposição espacial das fichas ou
intermediário, quando a criança hesita
moedas, (b) o
entre respostas
nível
não-
conservativas e respostas de conservação, e neste caso não apresenta
justificativas explícitas e completas; (c) o de conservação, quando a
disposição espacial não impressiona mais a criança e esta apresenta
argumentos sólidos de identidade (não se tirou, não se pôs), de
reversibilidade (pode-se voltar à disposição anterior) e a de
compensação (uma fileira é mais comprida mas há um espaço maior entre
as fichas ou moedas). Na prova de inclusão das classes a criança no
primeiro nível não compara o número de elementos da subclasse com o
número da classe mais geral; no nível intermediário hesita. No nível de
conservação, a criança entende que a classe mais geral tem mais
elementos que uma das subclasses.
Realizadas as provas ficou constatado que das 22 crianças
interrogadas, a maioria estava no primeiro nível na prova de inclusão
das classes e nos dois primeiros níveis na de conservação da
quantidade.
Ao longo do ano letivo a professora regente realizou sucessivas
avaliações do nível de desenvolvimento da escrita e da leitura de
acordo com as descobertas da paicogênese da língua escrita. As
pesquisas encetadas por Ferreiro e Teberosky (1985) revelaram a
existência de um processo construtivo e ordenado através do qual a
criança
alcança a compreensão do sistema alfabético. Os níveis mais gerais
124
desse desenvolvimento são:
a. nível pré-silábico, em que não há correspondência entre a grafia
e o som;
b. nível silábico, em que há ttma procura de correspondência entre a
grafia e a sílaba culminando na representação de uma sílaba por
uma letra;
c. nível silábico-alfabético, período de transição, em que coexistem
formas de grafia de tipo silábico e de tipo alfabético;
d. nível alfabético, em que a correspondência fonema-grafia é
alcançada com a descoberta dos elementos da sílaba, sem ou com
valor sonor010 •
Esses níveis abrangem categorias e subcategorias. A partir do
momento em que a criança passa a distingüir o desenhar do escrever, o
problema que se coloca é o de conciliar critérios, impostos por ela
própria, de cunho quantitativo (quantidade mínima de letras que uma
palavra deve possuir para expressar algo geralmente três) e
qualitativo (letras iguais que se sucedem não podem ser lidas). Essa
construção de formas de diferenciação culmina com a fonetização da
escrita: é o início do nível silábico, quando a criança se volta para
as propriedades sonoras do significante. As condições anteriores são
contraditas pelas exigências impostas por características desta nova
fase. O exemplo mais marcante é o da quantidade de letras para as
1~ Sem valor sonoro convencional - quando a crianca atribui qualquer fonema a qualquer letra com valor sonoro convencional - quando a crianca atribui às letras o valor convencional de nosso sistema de escrita (Ferreiro, 1982, p. 30-31).
125
palavras monossilábicas: pela interpretação silábica essas palavras
deveriam ter apenas uma letra mas isso vai de encontro à exigência de
quantidade mínima. Por outro lado, a interpretação silábica passa a ser
posta em dúvida pelo confronto com a escrita dos adultos, sempre com
mais letras do que a hipótese silábica poderia aceitar. Confrontos
como estes geram progressivos desequilíbrios que se estruturam em outro
nível, o silábico-alfabético. Desde o nível silábico as letras podem
adquirir valores sonoros mais ou menos estáveis, fato que evolui até o ~
nível alfabético. A descoberta de que a sílaba não é uma unidade mas
que pode ser deBmembrada em elementoB menoreB marca a entrada no nível
alfabético. Novos problemaB se assomam, tanto de cunho quantitativo (a
falta de re~llaridade no número de letraB que compõe a Bílaba) quanto
de cunho qualitativo (a identidade do Bom não corresponde à identidade
de letraB e vice-verBa, com as conseqüenteB dificuldadeB ortográficas).
A avaliação do nível de deBenvolvimento da eBcrita conBiste em um
ditado em que a criança é levada a eBcrever palavras com variações na
quantidade de sílabas (mono, di, tri e tetra Bílábicas) e uma oração,
todaB com o meBmo campo semântico (Ferreiro e Palacio, Fasc.2, 1982, p.
24). A criança então é convidada a ler o que eBcreveu, ocaBião em que
PÕe em evidência as hipóteBeB que norteiam Bua concepção de eBcrita na
época.
Na t\lrma 102, OB primeiros reBultadoB demonBtraram que apenaB uma
criança eBtava no nível pré-Bilábico, quatro no nível silábico, cinco
no Bilábico-alfabético e a~ restanteB no nível alfabético.
126
No estudo da relação entre o saber .formal e o inf()rmal no âmbito
da pesquisa-açao, Thiollent (1988) considera dois universos culturais:
(a) o dos especialistas em que inclui os técnicos e os pesquisadores e
(b) o dos interessados. No caso específico da experiência em curso,
poderíamos dizer que tanto a pesquisadora quanto a professora incluíam
se no rol dos especialistas; a pesquisadora como tal e a professora
como uma técnica tanto por sua experiência docente como por estar
cursando a graduação em Pedagogia. Além disso, pela história de seu
interesse na psicogênese da lí~la escrita, a professora já recorria,
desde o ano anterior, aos ditados avaliativos dos níveis,
identificando-os com certa facilidade. Este não era o caso da
pesquisadora, com experiência anterior tão somente em provas
operatórias. De certo modo, o fato de a professora ter incorporado à
sua rotina a avaliação do desenvolvimento da escrita e da leitura
explica-se por uma situação comentada no capitulo primeiro desta
dissertação. Dizíamos então que a propagação da teoria de Ferreiro foi
mais rápida e profunda que a de Piaget nos meios educacionais
brasileiros, mormente no meio daqueles que lidam com os alunos das
escolas públicas de primeiro grau. Se para a professora era importante
estar ciente ao longo do ano acerca dos niveis de desenvolvimento
implicados com a alfabetização, não havia qualquer preocupação quanto
ao desenvolvimento operatório, reflexo da ênfase, a nosso ver
excessiva, que a escola dá à alfabetização em sentido restrito.
Desta forma, os ditados se integravam às atividades escolares,
porém as provas operatórias tiveram que ser realizadas em outra sala,
obrigando a ausência temporária da criança da sala de aula e
127
prejudicando o contato diário da pesquisadora com a turma. Este fato,
acrescido das oscilações na freqüência das crianças (transferências,
faltas, etc.) prolongaram por demais o tempo antes previsto para as
provas, precipitando a decisão de não mais nos estendermos, excluindo
então a prova de seriação. De fato não era nossa intenção fazer um
diagnóstico cognitivo das noções operatórias básicas para aprendizagem
da matemática. Almejávamos, tão somente, instituir formas de controle
para que pudessemos estabelecer conexões entre a ação proposta, o
desenvolvimento operatório em alguns de seus aspectos e o rendimento
escolar, observadas as pecularidades da linha metodológica adotada.
Desde o início do ano letivo, participamos de modo intenso na
organização de grupos para a leitura de histórias infantis e na
introdução de jogos com cartas. A aceitação da presença da pesquisadora
explicava-se. Da parte das crianças, porque muitas cursaram no ano
anterior a Classe de Alfabetização com a mesma professora e estavam
familiarizadas com a pesquisadora em sala de aula ( a professora sempre
teve o cuidado de nos apresentar à turma e de explicar o trabalho que
pretendíamos desenvolver). Da parte da professora, porque essa turma
inicial apresentava uma diversidade extrema, desafiando a criação de
estratégias que envolvessem interesses tão diversos.
Por iniciativa da professora e com a participação dos alunos,
foram estabelecidas as regras da turma. As crianças sugeriram a
primeira regra: Fazer silêncio e prestar atençlo. "Quando?" perguntou a
professora. Respostas variadas: "Na segunda-feira ... ", "O tempo
todo ... ", "Tem que ficar em silêncio o tempo todo?" indaga ou a
128
professora. A turma em uníssono: "Não!". "Então? .. " retrucou a
professora esperando uma definição que não veio, o que a levou a
decidir: Fazer ailêncio e preatar atenção quando for preciso.
À medida em que as regras surgiam, a professora fazia o registro
em um cartaz de forma a que estas ficassem expostas na aala de aula.
Algumas crianças disseram: Hao fazer bagunça. na aula. Hão chegar
atrasado na eacola. Manter a sala liJlpe.. Um aluno comentou que não se
deve jogar pão no pátio da escola. A professora elogiou a lembrança mas
observou que aa regras da turma valem para a sala de aula. Outras
regras: Ir ao bmbeiro e ir beber água ac:.ente nas horas determiMMa.
Esperar a 8UIl vez. Terminadas as sugeatões e concluído o cartaz, cada
criança copiou o resultado em seu caderno.
o estabelecimento de regras de convivência em aala de aula faz
parte das sugestões dadas pela coordenadora do projeto Prevenção aos
Problemas de Aprendizagem. Se o momento de criação é uma importante
tomada de consciência para a socialização do grupo, a manutenção do
cumprimento das regras, poderia comprometer o estabelecido, dada a sua
generalidade e extensão. Tornava-se necessário forjar situações em que
a cobrança não resultasse em mera obediência de momento. Por outro
lado, urgia de nossa parte uma avaliação do comportamento interativo
dos alunos quando da execução de uma tarefa estruturada para esse fim.
A tarefa consistiu em pedir à turma, agrupada em pares (oito
pares e um trio), a reprodução da primeira página de um jornal - ou do
primeiro caderno ou de outros como, por exemplo, o caderno de esportes.
129
Para incentivar a cooperação, foi distribuída apenas uma folha de papel
para cada dupla e solicitado o uso de apenas um lápis. Cada par
disptmha de um exemplar de jornal (escolhido entre vários) para
realizar a reprodução; era possível também fazer uma criação própria
contanto que o produto apresentasse características de primeira página:
título, data, textos distribuídos em colunas (para facilitar os textos
poderiam ser representados por traços horizontais), fotografias. O
trabalho final seria avaliado entre os pares de acordo com a presença
ou não das características exigidas.
Da observação atenta das relações entre as duplas16 delineamos
de modo tentativo um modelo que parece representar as modalidades
interativas envolvidas na execução de uma tarefa da qual deva resultar
um produto único. (Ver Quadro 1)
As modalidades de conflito, expressas na primeira coluna,
distinguem-se pelo desacordo entre os membros para a realização da
tarefa. Duas situações podem se configurar:
a. um só membro executa a tarefa devido à ~ição que exerce
sobre o outro, tomando para si a tarefa que deveria ser realizada
a dois;
b. os dois membros executam a tarefa mas de forma
~te pois não há acordo para a execução em conjunto. Cada
um age a seu modo, executando um trabalho que considera só seu.
16 Observamos os modos interativos do trio e de sete das oito duplas que participaram da atividade.
130
QUADRO 1
MODALIDADES INTERATIVAS ENVOLVIDAS NA EXECUÇÃO DE UMA TAREFA
Processo interativo ominante CONFLITO COOPERAÇÃO
NQ de executores da tarefa
Um Imposição Delegação
Dois Independência Interdependência
As modalidades de cooperação, indicadas na segunda coluna, destacam-
se pelo acordo entre os membros para a realização da tarefa. Novamente
observam-se duas alternativas:
a. um só membro executa a tarefa quando há delegação por parte de um
dos pares para que o outro seja o executor;
b. os dois membros executam a Esta
pode ser considerada a modalidade de cooperação propriamente dita
uma vez que as decisões e o produto final resultam de uma ação
conjunta.
o acordo não está necessariamente atrelado a uma ação conjunta; é
este o caso da delegação. Por sua vez o conflito pode admitir a ação
dos dois membros mas sempre de modo independente, seja (1) em trabalhos
individuais seja (2) no mesmo trabalho mas em tempos sucessivos.
131
A natureza da tarefa pode ser um fator decisivo a determinar o
executor em função das habilidades disponíveis. No caso da delegação,
pelo reconhecimento no outro de maior capacidade para a ação; no caso
da imposição e da ação independente, pelo não reconhecimento no outro
das habilidades requeridas.
Na troca permanente que caracteriza a interdependência surgem
momentos de imposição, de delegação e de independência. No entanto,
essas formas não se estabilizam, absorvidas que são pelo movimento
integrativo que predomina na relação.
Na turma 102, as modalidades interativas acima caracterizadas tomaram
a seguinte feição:
1 - Modalidades de conflito
a. Imposição - surgiu na disputa do material. Em um caso, o dono
do único lápis disponivel não admitiu seu uso pelo parceiro e
tomou a si a tarefa; no outro caso, um dos membros também se
apossou do material (folha de papel e lápis) e executou toda a
tarefa. Nos dois casos, embora os membros excluidos reclamassem,
acabaram por aceitar a situação e não trabalharam.
b. Independência - ocorreu com a execução da tarefa pelos dois
membros em tempos sucessivos. De inicio houve a tentativa para o
trabalho conjunto, logo desfeita à medida em que os pares
reconheceram a impossibilidade de articularem seus esforços. Ambos
acabaram por participar da elaboração mas em momentos distintos; o
132
membro que primeiro teve o papel e o lápis em suas mãos executou
parte da tarefa desistindo de dar prosse~limento ante o protesto
do outro. Este, por sua vez, tão logo se viu de posse do material
assumiu o trabalho até concluí-lo.
2 - Modalidades de cooperação
a. Delegação - sobreveio quando um parceiro reconheceu no outro
maiores habilidades específicas para a tarefa proposta (desenhar,
escrever, dividir o espaço em colunas etc.), abdicando de seu
direito de contribuir para a realização do trabalho.
b. Interdependência - notada tanto no trio quanto em duas duplas.
À semelhança da delegação, houve momentos em que um membro
reconhecia no olltro maior capacidade para uma ação específica,
contudo, esse reconhecimento não implicou em desistência de
participação. À semelhança da imposição, registraram-se tentativas
de posse do material para a execução solitária, no entanto,
rejeitadas pelo parceiro que não aceitou se submeter; à semelhança
da independência, momentos de desacordo beiraram a desagregação do
par, porém - e é esta a singularidade da interdependência
prevaleceu a intenção dos membros de executarem a tarefa em
respeito às regras estabelecidas (no caso, o limite do material e
a elaboração conjunta.)
A interdepeDdência também poderia admitir um tipo de conjunção em
que só l~ executa e o outro assessora. Claro está que tudo dependerá da
natureza da tarefa e das habilidades envolvidas. De todo modo, a
interdependência não comporta a cisão, característica da iDdepeDdência
133
e que traz como resultado a realização solitária de cada membro em
momentos diferentes em um só produto ou mesmo mais de um produto final.
Como se tratava de uma ação educativa, tanto a professora quanto a
pesquisadora prestaram orientação ao responderem as dúvidas e ao
tentarem contornar as dificuldades apresentadas pelas crianças,
sobretudo na distribuição dos textos e das fotografias no papel. A
condição de um grupo com maior número de componentes fez com que a
professora desse uma atenção mais alongada ao trio. Em todo caso, tanto
com o trio quanto com as duplas houve cuidado para que a intervenção
educativa não modificasse o rumo do processo interativo. Interessante
notar que na turma 102 não se registrou independência com produção de
dois trabalhos, respeitada, portanto, a regra do limite de material: um
só lápis e um só papel. Além disso, cumpre enfatizar, não houve um só
caso em que a tarefa não tenha sido concluída.
A avaliação do resultado feita pelos pares consistiu em comparar o
trabalho pronto com um exemplar de jornal e verificar a presença ou não
dos itens estipulados (título, data, fotografias, distribuição do texto
em colunas, localização das fotografias e das ilustrações). Somente as
duplas (incluindo o trio) que trabalharam em interdependência
conseguiram cumprir as cinco metas propostas. A performance das outras
duplas oscilou entre o cumprimento de duas ou três metas, com exceção
da única dupla que trabalhou em independência ao alcançar quatro
metasl.7.
Sabemos da importância que a cooperação tem para a epistemologia
l.7 A dupla cuja modalidade interativa não foi observada, alcançou duas metas.
134
genética. Devemos ressaltar que em sua concepçao de cooperação Piaget
sempre incluiu o conflito sob a forma de discussão em comum, confronto
de opiniões. A cooperação - sistema de operações efetuadas em comum - é
fonte de crítica e a crítica nasce da discussão; no plano do pensamento
cooperação é discussão e reflexão, origem das deduções (Piaget, 1977).
o estudo sistemático realizado pelo pesquisador Smedslund1s na década
de sessenta sobre os conceitos da teoria genética, originou a hipótese
de que a conservação se desenvolve a partir de um estado de conflito
cognitivo que reorganiza as ações intelectuais do sujeito (Flavell,
1971). Em 1974, os estudos sobre a aprendizagem publicados por
Inhelder, Bovet e Sinclair (1977) consolidaram a noção de conflito
cognitivo segundo a qual o sujeito é obrigado a remanejar 06 esquemas
previamente disponíveis rumo à construção de nOV06 esquemas e,
portanto, a um novo patamar de equilíbrio. g desta mesma época, como já
mencionáramos, os primeiros estudos que conciliam a idéia de conflito
cognitivo com o papel da interação social na construção da
inteligência, mas querendo estabelecer um laço causal entre interação
social e desenvolvimento cognitivo. De acordo com essa hipótese, as
coordenações cognitivas individuais são precedidas e possibilitadas por
coordenações entre os indivíduos que ocorrem durante a interação social
(Doise e Mackie, 1981).
As pesquisas experimentais sobre a hipótese do conflito
sociocognitivo confirmam que a interação social é uma fonte de
16 Segundo Moro (1987) Smedslund foi um dos primeiros a preconizar a ocorrência desses conflitos na relação da criança com outro indívíduo como necessária para a descentração intelectual(pag. 43).
135
progresso cO~litivo, porém, apenas nas situações em que o confronto de
opiniões esteja presente. A criança que participa de certas
coordenações sociais pode se tornar capaz de executar tais coordenações
por si só, o que não ocorria em situações anteriores. Dependendo das
condições, essa capacidade pode se revestir de um caráter estável e se
estender para outras situações e outros materiais. Certos instrumentos
cognitivos são indispensáveis para que o conflito sociocognitivo
ocorra, como a capacidade para diferenciar as abordagens em jogo na
interação.
Esses postulados da hipótese do conflito sociocop,nitivo se coadtmam
com as propostas de Johnson e Johnson sobrp. n organização do trabalho
escolar em torno de estruturas por objetivo. No artigo de 1974, os
autores se referem a certos pré-requisitos cognitivos indispensáveis
para que os alunos participem efetivamente dessas estruturas:
- estar consciente da existência dos outros;
- ser capaz de identificar e responder às ações dos outros indivíduos;
- estar ciente da natureza da estrutura por objetivo em pauta e
compreender quais as implicações que a estrutura adotada representa
tanto para o comportamento do próprio sujeito quanto para o dos outros
participantes. (Johnaon & Johnson, 1974, p. 216)
Ora, se a condição da participação está no desenvolvimento das
coordenações cognitivas que as possibilitem, é competência da escola,
não simplesmente esperar que essas coordenações se consolidem, mas
criar um cenário propicio para sua atualização. Ao destacarem melhores
resultados cognitivos obtidos na troca conflituosa entre crianças
136
comparados aos alcançados na troca entre criança e adulto-modelo, as
pesquisas sobre a hipótese do conflito sociocognitivo corroboram, a
nosso ver, a instituiç80 do trabalho em pequenos grupos em sala de
aula. Além disso, a análise das modalidades interativas constituintes
do modelo acima proposto nos induz a pensar a interdependência como uma
situação educativa privilegiada a conter todos os outros modos
observados mas que, ao contrário dos tipos que encerra, permite em seu
movimento tanto a oposição quanto a conjunção das opiniões em jogo.
Tais conclusões, aliadas à necessidade de sistematizar a cobrança das
regras de sala de aula e o desejo de garantir a interação permanente
entre os alunos, ensejaram a implantação e o desenvolvimento de uma
forma de
competição
"corrida".
organização
intergrupal,
que combinasse cooperação intragrupo com
em uma espécie de concurso denominado
o tema mais presente nos textos trabalhados em sala de aula na época
era o dos animais. Daí a "Corrida dos Animais" na qual concorreriam
pares, o menor grupo possível, para facilitar uma almejada integração
entre dois alunos em seu transcorrer. De acordo com Moro (1991), um
grupo de menor número de componentes facilitaria "a ocorrência da
descentração, por haver menor nlÍDJero de ações do outro a serem
inferidas como diferentes ou opostas, pois estes outros são ou um
sparceiro ou dois".
137
Por sugestão da professora, a escolha dos pares foi feita livremente
entre as crianças. Porque os ausentes do dia foram esquecidos, alguns
acertos foram necessários nos dias subseqüentes para que todos fossem
incluídos. Confeccionadas uma "pista de corrida" (uma folha de
cartolina com traços horizontais que demarcavam os valores a serem
galgados pelos pares) e a figura dos vários animais que nomeavam as
duplas (Cachorro, Vagalume, Formiga, Galo, Bode, Gato, Pônei, Sapo,
Caracol, Peixe, Pintinho), foram estabelecidas as seguintes regras:
a. os componentes de cada dupla deveriam se sentar sempre juntos;
haveria liberdade na escolha da mesa e da dupla com a qual se
dividiria a mesma mesa (as carteiras duplas foram agrupadas duas a
duas de modo a formar uma mesa retangular em torno da qual se
sentavam quatro crianças);
b. os pontos para cada dupla seriam obtidos de acordo com uma
avaliação realizada ao final do dia escolar, conforme o
cumprimento das regras da turma anteriormente estabelecidas.
Freqüência e pontualidade seriam avaliadas separadamente. Cada
membro obtinha pontos que somados aos de seu parceiro formavam o
escore diário da dupla;
c. as duplas que alcançassem 150 pontos seriam as vencedoras da
corrida.
Se usada a terminologia de Michaels (1977), tratava-se de uma
estrutlwa contingencial de recompensa de grupo (ou cooperação pura) em
que a recompensa eram os pontos obtidos por cada
desempenho era comparado, de modo independente,
grupo e em que o
a um modelo pré-
estabelecido, no caso, o conjunto das regras definido em sala.
138
Entre as inúmeras dificuldades que surgiram ao longo desta pesquisa-
ação, a tentativa de empregar uma estrutura que, segundo Michaels,
estaria ligada à abordagem do reforço, poderia se constituir em um
impasse teóric019 • A análise cuidadosa dos objetivos pretendidos, no
entanto, dava à proposta um caráter mais abrangente que, a nosso ver,
justificava sua adoção:
1. o estabelecimento de regras em sala de aula é indispensável para
que o trabalho escolar se efetue. Tem, contudo, um sentido mais
profundo. Sabemos com Piaget que a prática e a consciência das
regras são construções paulatinas que culminam na autonomia da
codificação e na obediência por consentimento mútuo. Entendíamos -
na posição de pesquisadora - que as regras estabelecidas na turma
102 não se coadunavam com as idéias de incentivo à interação entre
alunos. Assim, como fazer silêncio e prestar atenção se a intenção
era de que os alunos interagissem entre si? Qual seria o
significado de fazer silêncio e prestar atenção quando for
preciso? Quem e como determinaria o momento propício? Estaria
claro para os alunos o porquê de não fazer bagunça e como ou para
que esperar a sua vez?
A pesquisa-ação supõe interação permanente entre pesquisadores e
participantes da pesquisa. Se por um lado havia aceitação tanto
19 Para uma reflexão sobre a relacão entre os pressupostos teóricos que norteiam o professor e sua acão na sala de aula ver Luci Banks Leite, "Consideracões sobre as perspectivas construtivista e interacionista em Psicologia: o papel do professor", no prelo.
139
pela professora quanto pelos alunos da presença e das sugestoes da
pesquisadora, deveria haver por parte desta twa compreensão acerca
da interação entre a professora e seus alunos e, sobretudo, da
história dessas relações naquele ambiente escolar. O reflexo dessa
história estava marcado naquelas regras da ttrrma. As crianças eram
as primeiras a reconhecer que delas era esperado o silêncio, a
atenção, o "não fazer bagunça". A professora achava natural essa
exigência mesmo engajada em uma proposta educacional mais aberta.
Desta forma não caberia uma atitude de reprovação por parte da
pesquisadora. Ao contrário, a corrida poderia ser um instrumento
que tornasse aparente, pela evolução dos acontecimentos, essas
contradições.
"Numa Vlsao reconstrutiva, a concepção das atividades pedagógicas e educacionais não é vista como transmissão ou aplicação de informação. Tal concepção possui uma dimensão conscientizadora. Na investigação associada ao processo de reconstrução,elementos de tomada de consciência são levados em consideração nas próprias situações investigadas em particular entre os professores e na relação professores/alunos" (Thiollent,1988, p. 75-76)
2. Na revisão apresentada no segundo capítulo dessa dissertação sobre
as formas de organização em sala de aula, duas menções foram
feitas quanto ao uso da cooperação intragrupo em conjunto com a
competição intergrupo. Na primeira, esta organização era
apresentada como uma solução alternativa para o impasse entre os
resultados que confrontam a relação entre 0.5 estrut.uras e o
rendimento escolar. Na segunda, a mesma organização era objeto de
140
extensa avaliação realizada por Johnson et aI. (1981) e que não
confirmava a superioridade dessa alternativa (comparada ao uso da
estrutura cooperativa sem competição). Era no entanto apenas uma '-
conclusão tentativa, face à precariedade de pesquisas disponíveis
que comparassem os efeitos dessas organizações.
Se concordamos com os irmãos Johnson que as estruturas
competitivas possam ser perniciosas, sobretudo quando não
explici tadas, consideramos também que nem toda competição
significa rivalidade no sentido de condicionar a vitória à derrota
dos O\ltros competidores. Admitir como vencedores todos os pares
que ultrapassassem os 150 pontos era \lIDa forma de banir a
rivalidade. Além disso, era nossa intenção promover outros
concursos, caso houvesse aceitação e resultados proveitosos, em
que a alteração dos pares abriria novas possibilidades de
vitórias.
3. Os pressupostos da teoria genética de Jean Piaget serviram para
nos impulsionar à realização desta pesquisa-ação; no entanto, os
desafios que se sucedem no desenrolar de \lIDa ação requerem, muitas
vezes, tomadas de decisão por caminhos em que a aplicação dos
f\lndamentos teóricos não se fazem muito claros. O exemplo de maior
impacto foi o da adoção de uma estrutura de recompensa. Mas seria
a corrida \lIDa estrutura de recompensa nos moldes dos princípios
que norteiam a teoria do reforço? Pensamos que não. Nosso intuito
foi o de dar \lID sentido lúdico a \lIDa forma de organização que
tinha, do ponto de vista da pesquisadora, o objetivo de viabilizar
141
a cobrança de regras na sala de aula mas ao mesmo tempo de trazer
à tona a impropriedade de seu conteúdo. Tratava-se na verdade de
um jogo, com vencedores e perdedores - é claro - cujos resultados,
entretanto, nao pretendiam marcar excelências ou predestinar
derrotas.
Ao compararmos as características desta proposta com as delineadas na
tabela 1 de Slavin (1980), apresentada no segundo capítulo desta
dissertação, teremos uma idéia mais precisa de suas particularidades.
Como nos métodos TGT e STAD, há alta interdependência na recompensa,
com a reunião dos pontos de cada membro para formar o eacore do par. Já
que o propósito era, a princípio, regular o cumprimento das regras, não
caberia a avaliação da interdependência na tarefa; contudo, a intenção
de ultrapassar a questão disciplinar ou mesmo de transformá-la na
questão vital do rendimento, propiciava momentos em que fossem
propostas tarefas com alto grau de interdependência, isto é tarefas que
requerem coordenação para serem executadas (Slavin, 1977). Nessas
ocasiões a corrida se aproximaria dos métodos Jigsaw e Small Group
Teaching. Em tais métodos a medida da responsabilidade individual está
na exigência de que cada membro contribua de modo único e fundamental
para o êxito do grupo; na corrida, o cumprimento das regras dependeria
do comportamento de cada um, portanto, alta responsabilidade como nos
métodos TGT, STAD e Jigsaw. Da mesma forma e como o TGT e o STAD, a
corrida seria caracterizada pela alta imposição da estrutura pela
professora, constituindo-se num período preparatório para interações
mais intensas e conseqüentes. Sua própria conformação - cooperação
intragrupo com competição intergrupos -definiria a existência de
142
competição de gr\lpo, i~lalando-a novamente com os métodos TGT e STAD.
o balanço desta comparação aproxima a corrida aos métodos TGT, STAD e
Jigsaw, classificados por Sharan (1980) como métodos de tutoria. De
fato, ao consultarmos a tabela 2 no segundo capítulo desta dissertação,
em que são relacionadas as diferenças entre tais métodos e o modelo G
I, constatamos semelhanças pelo uso das díades, pela uniformidade da
tarefa quando proposta e mesmo pelo incentivo a momentos de tutoria.
Segundo o próprio Sharan, esses métodos mostram-se mais eficazes para a
iniciação às relações cooperativas. Alguns princípios do modelo G-I
estão todavia presentes nos propósitos mais gerais que presidem a
corrida: a promoção das trocas mútuas, a discussão entre as partes, a
avaliação ao mesmo tempo individual e grupal, enfim, as estruturas
cooperativas como objetivo de aprendizagem. Por outro lado, inúmeras
sugestões retiradas das linhas principais que norteiam as técnicas
utilizadas pelos Johnson estão também presentes, desde o tamanho do
grupo de acordo com a idade, passando pela disposição das carteiras até
a postura do professor como dinamizador do processo.
A Corrida dos Animais transcorreu no mês de abril. Neste período
dirigimos uma atenção especial para a
professora. Observações anteriores
relação entre
denotavam que
cada aluno e a
as crianças
estabeleciam um canal direto de comunicação com a professora levando a
ela seus deveres de casa ou de aula para correção, reclamando de outras
crianças, pedindo licença para sair de sala, solicitando material ou
ajuda para escrever uma palavra e esclarecer dúvidas.
143
g incontestável que a autoridade do professor deva ser reconhecida em
sala de aula, mas é verdade também que essa relação aluno-professor
quebra de certa forma o sentido de grupo e prejudica uma almejada
ênfase na interação entre todos2o . Alguns estudos sobre a interação
entre pares demonstram que os professores muitas vezes se sentem
ameaçados pela força advinda dessas relações e de seu potencial para
minar as normas organizacionais da escola. A questão do controle de
classe surge sempre quando as abordagens centradas no aluno estão em
pauta. OiPardo e Freedman (1988) alertam que muitas vezes os adeptos da
aprendizagem através de pequenos grupoS21 apontam entusiasticamente o
poder advindo da dinâmica do grupo sem atentar para as inúmeras
pesquisas que tratam de como canalizar tal poder para fins educativos.
Esta lacuna faz com que os professores duvidem da praticidade dessas
abordagens face à necessidade real do manejo de classe e de normas
disciplinares. Segundo esses mesmos autores, o uso que o professor faz
dos pequenos grupos pode refletir uma mudança conceitual profunda ou
contribuir apenas para o cumprimento de uma agenda centrada no
professor em uma classe fragmentada. O dilema está em como dividir o
poder de modo produtivo entre professor e alunos.
Para além do problema disciplinar, mas ainda inserida nas relações
via única como as estabelecidas naquela sala de aula, estava também a
forma pela qual o conhecimento era concebido: algo a ser construído
20 Sobre este tema ver Claudia Davis et aI., Papel e valor das interaçOes sociais em sala de aula, 1989.
21 O tema do artigo desses autores é a aprendizagem da escrita através de grupos em que os estudantes respondem-se uns aos outros por escrito.
144
pelo sujeito na interação com seu meio físico e social ou algo a ser
recebido pronto, no caso, daquela que estabelecia o que estava certo ou
errado. Não havia qualquer atitude prepotente por parte da professora
que, pelo contrário, preocupava-se em dar um atendimento individual,
com explicações atenciosas aos alunos sobre as correções. Ocorre que o
esquema não se sustentava uma vez que era impossível atender ao mesmo
tempo um aluno de cada vez e a turma como um todo.
A leitura do apêndice do livro de Kamii (1988) sobre a autonomia como
objetivo da educação serviu como ponto de partida para um início de
mudança nas vias de comunicação em sala de aula. Segundo Kamii - e à
luz da teoria de Piaget - a correção dos erros que as crianças cometem
sem uma sondagem acerca do modo como chegaram a um resul tado pode
convencê-las de que "a verdade advém somente da cabeça do
professor"(p.IJ h). Professora e pesquisadora haviam testemunhado
exemplos similares aos comentados por Kamii de crianças que apagam suas
respostas perante a simples pergunta de como havia chegado àquele
resultado; uma prova inconstestável da insegurança do aluno quanto a
seu prõprio conhecimento.
o caminho era fazer com que as crianças compartilhassem suas tarefas
na execução e na correção das mesmas. Além de permitir que trocassem
idéias com seus pares, essa mudança dava oportunidade para que
constatassem a possibilidade de haver mais de uma resposta considerada
correta em um exercício. Desta forma, a correção do dever de casa
passou a ser realizada com a participação de todos e a utilização do
quadro-negro, embora a professora não dispensasse, ao final da
atividade, um atendimento
conferir as correções.
145
individual, percorrendo as mesas para
A princípio havia uma divergência entre pesquisadora e professora
quanto a esse momento de atendimento individual. A teoria
construtivista nos ensina que uma correção não é garantia para a
reformulação de um conhecimento. Aos poucos, pudemos entender que, se
de início tal atenção era excessiva, seu desaparecimento era
injustificável: é imprescindível que o professor conheça cada aluno,
suas peculiaridades pois se é ele um sujeito epistêmico, está presente
na sala por sua concretude. Lado a lado com a questão da distribuição
de poder entre professor e aluno este é, ao nosso ver, outro ponto
crucial da proposta de trabalho em pequenos grupos. g necessário uma
dosagem meticulosa da ênfase no atendimento ao grupo e ao indivíduo.
N8Q foi muito fácil fazer com que os alunos mostrassem seus deveres
uns aos outros. A resistência se dava provavelmente pela incerteza
sobre as respostas e temor a críticas. Havia também outro motivo. g
interessante notar que, já nesta idade, as crianças se preocupam em
esconder suas respostas dos colegas para que estes não as copiem. Foi
nos possível observar este comportamento em outra escola com crianças
de Classe de Alfabetização. Certamente a competição velada de que nos
fala Johnson e Johnson (1974), presente nas salas de aula da maioria
das escolas, é elemento importante para a explicação dessa conduta.
A avaliação da corrida era feita ao final do dia escolar. Com os
nomes dos pares escritos no quadro-negro, a professora perguntava a
146
cada aluno se havia chegado na hora e cumprido as regras. As próprias
crianças avaliadas respondiam; na discordância, outros alunos
aparteavam e a professora opinava. Havia um nítido sentido de confiança
entre professora e alunos que não pareciam se ofender ou ressentir
quando contestados em suas afirmações.
No decorrer do processo, observamos que alguns pares resistiam em
permanecerem juntos. Esta era uma reação previsível: embora a escolha
tenha sido livre, alguns arranjos foram feitos a fim de se encaixar
ausentes e não escolhidos. Por outro lado observamos uma tendência de
certos pares em estarem sempre com outros na mesma mesa. Ora, se o
objetivo era ao mesmo tempo fortalecer a relação entre membros de um
par e possibilitar um número significativo de contato entre pares,
tornava-se necessário direcionar a experiência nesse sentido. Quanto
ao primeiro intento, foi criado um novo item na avaliação: se ficou coa
o par; para garantir trocas mais variadas, a professora passou a
designar quais pares deveriam se sentar juntos no dia. Foram
programadas também atividades que envolviam a cooperação entre os dois
pares da mesma mesa.
Um dos indicadores mais interessantes de que alguma mudança havia
ocorrido nas crianças foi o fato de uma das mães comentar que seu filho
estava muito apreensivo por haver faltado aula e não ter obtido pontos
na corrida. Conforme comentário da professora, a freqüência sempre
fora obrigatória e até então não havia sido motivo de preocupacão.
O incentivo às atitudes de ajuda eram constantes no transcorrer da
147
experiência mas havia momentos especiais para que a cooperação fosse
mais intensa - tarefas estruturadas de tal modo a que, de cada par,
resultasse num só produto.
De uma conversa entre alunos e professora surgiu a idéia de que os
pares vencedores receberiam um pequeno trabalho como os que as crianças
tinham por hábito oferecer à professora; um desenho, um bilhete, uma
dobradura de papel. Mas essa idéia não se concretizou. Embora três
pares tenham ultrapassado os 150 pontos, a saber, Cachorro (153
pontos), Formiga (156 pontos) e Galo (159 pontos), apenas este último,
com o maior escore, foi reconhecido como vencedor. No entender de
todos, uma próxima corrida seria a oportunidade para que os outros
pares vencessem. A princípio, interpretamos esta situação como um
quadro de competição, reflexo das relações competitivas presentes na
sociedade. Concluímos que, se o espírito competitivo estava tão
presente a ponto de alterar uma intenção inicial de minimizá-lo, não
caberia encobrí-lo. No entanto, a consulta aos princípios pedagógicos
que nortearam a experiência relatada por Kamii e DeClark (1988) com
alunos de primeira série, apontavam para uma outra ordem de cOllpreensão
do que ocorrera. Nesta idade, afirmam as autoras, as crianças quando
jogam não estão muito interessadas em saber quem venceu. Buscar
vitórias em futuras corridas poderia então traduzir o desejo de
participar novamente. Partir para uma segunda vez deveria significar
um aprimoramento da ação. Importante sim era não tornar o concurso uma
finalidade em si mas um caminho para a interação entre alunos. Embora
estivessem presentes os elementos extraídos das informações obtidas do
conjunto de pesquisas comentadas no segundo capítulo do presente
148
trabalho, a primeira corrida foi de fato para nós - alunos, professora
e pesquisadora - uma proposta em gestação.
No período de tempo entre o final da primeira corrida e o início da
próxima, estivemos professora e
organizar um planejamento semanal das
pesquisadora
atividades.
ocupadas em
Nesta época já
haviamos introduzido jogos em grupo que estimulassem o pensamento
numérico, de acordo com as sugestões de Kamii e DeClark (1988) além de
experiências científicas elaboradas para a introdução de conceitos tais
como flutuação, densidade, circuito elétrico, magnetismo, microscopia,
cores, etc.
o planejamento ficou assim estabelecido: segunda-feira, uma
experiência científica; terça-feira, trabalho diversificado de leitura
e escrita; quarta-feira, jogos em grupo; quinta-feira, trabalho
diversificado de leitura e escrita; sexta-feira, dramatização.
o fato
fossem
de não se haver ainda adotado um livro texto
introduzidos temas, explorados durante um certo
permitia que
período de
tempo, cuja função era a de trazer para a sala de aula os conteúdos
(principalmente de Ciências e Integração Social) sugeridos pela
Proposta Curricular adotada pela Secretaria Municipal de Educação.
A adoção de jogos em grupo como atividade para estimular o pensamento
numérico vinha ao encontro de nossos objetivos: jogos pressupõem
interação com situações de conflito e cooperação; exigem o
estabelecimento de regras e tomada de decisão em conjunto. O trabalho
149
diversificado de leitura e escrita foi uma exigência da professora face
aos resultados das avaliações do nível de desenvolvimento da escrita e
da leitura. Na ocasião, o quadro incial havia se alterado com a
concentração de alunos, salvo poucas exceções, no nível silábico
alfabético e no nível alfabético.
o trabalho
oportmlidades
diversificado, separando os dois grupos, dava
para que cada um fosse atendido de acordo com seu nível
de desenvolvimento.
As atividades de dramatização previam a livre expressão do p,estn e da
fala. O fato de ocorrer em outro local da escola (Pom um salão com
espelhos e barras para aulas de dança) e na sexta-feira refletia um
almejado momento de descontração.
A segunda corrida foi no mês de maio e se chamou Corrida dos Meios de
Transportes (ou simplificadamente como de fato se usou, a Corrida dos
Transportes). Para a formação de pares, apenas uma exigência: não
escolher o par anterior. As crianças deveriam escrever em um pedaço de
papel seu nome e o do aluno escolhido. O clima foi de negociação:
combinavam-se parcerias, solicitava-se ajuda para escrever o nome do
colega, protestava-se ao se saber escolhido por alguém indesejado. Era
preciso explicar que esta era apenas uma verificação das preferências
para depois se chegar a um consenso. Novamente os ausentes foram
esquecidos o que é compreensível: afinal, não se negocia com quem não
está presente. Reveladas as parcerias, foi possível notar uma
tendência para a escolha de um par do meamo sexo.
150
Na primeira corrida, a escolha fora muito influenciada pelo modo como
os alunos se agrupavam no dia. Até então os próprios alunos escolhiam
em que mesa se sentar: os primeiros a entrar selecionavam os lugares
considerados os melhores, perto do quadro-negro e próximo à mesa da
professora. Já naquela ocasião, verificou-se a tendência de escolha
pelo mesmo sexo, que veio a se confirmar na escolha para a segunda
corrida. De certo modo, essa característica era um reflexo de uma
separação que ocorria na formação das filas para entradas e saídas da
sala, na divisão dos banheiros e nas brincadeiras no pátio.
Das dezoito escolhas prévias, dez foram recíprocas originando cinco
pares do mesmo sexo. Para a formação dos sete pares restantes, a
professora tentou coordenar a inclusão dos ausentes e a diversificação
dos pares segundo o sexo. De uma conversa sobre os meios de transporte
conhecidos pelos alunos e do subseqüente trabalho de recorte e colagem
de figuras extraídas de revistas, surgiram os nomes dos pares:
Caminhão, Camionete, Bicicleta, Trem, Ônibus, Motocicleta, Navio,
Avião, Foguete, Helicóptero, Trator e Ambulância.
A avaliação diária para a corrida se desenvolveu do mesmo modo, mas
houve alteração dos itens. O item freqUência se reduziu ao item
pontualidade pois chega na hora ou atrasado quem comparece. Convencida
da impossibilidade de avaliar todas as regras da turma, a professora
(para nosso contentamento) sugeriu apenas mais uma regra: atenção.
Outros itens alternavam-se de acordo com a conveniência do dia: se
ficou CCII o par, se ajudou o colega (também chamada cooperação), se
trouxe o dever de casa, se cc.pletou o exercício proposto em sala.
151
Para contornar as eventuais resistências em ficar com o par,
alternavam-se atividades individuais, de par, com o grupo da mesa (dois
pares juntos); experimentou-se também uma atividade com toda a turma em
cooperação: a construção de uma maquete que representava a escola e
suas cercanias. Essa maquete foi exposta em local próximo à sala da
diretoria para toda a comunidade escolar.
Se essa experiência não reproduziu de modo específico os métodos
descritos no segundo capítulo, desta dissertação levou em conta seus
princípios mais gerais e, principalmente, as conclusões das pesquisas
que se debnlçaram sobre as relações entre esses métodos e o rendimento
escolar. Segundo Slavin (1978), os estudos sobre os métodos TGT e STAD
apontaram o plano intensivo de atividades instrucionais como um dos
fatores decisivos para a influência desses métodos no aproveitametno
dos alunos. Programar atividades constantes para os alunos foi um
objetivo perseguido duarante toda a experiência. São enormes as
dificuldades pelas quais passa uma professora de primeiro segmento em
uma escola pública: faltam recursos materiais e principalmente tempo
para efetuar esse plano. A reprodução de qualquer material escrito
criado quer pelos alunos quer pela professora era feita por ela própria
em mimeógrafo. Durante a semana escolar, além da hora do recreio, a
professora dispunha somente de meia-hora sem a turma, quando duas
professoras vinham lecionar Cultura Religiosa. Naquela ocasião não
havia professor de educação física nem de educação artística. Por
outro lado, a professora cumpria um rígido horário de trabalho: pela
manhã, com a turma 102 de 7:30 às 12:00 horas; pela tarde com uma turma
de Classe de Alfabetização, de 12:30 às 17 horas. As noites eram
152
dedicadas ao curso de graduação em Pedagogia. Essa rotina diária da
professora da turma 102 provavelmente reproduzia a de inúmeros outros
professores em todo o país.
A intensificação das atividades oferecidas aos alunos tornou-se
possível graças a presença da pesquisadora que compartilhava e dividia
com a professora as tarefas cotidianas: a pesquisa de temas, a
preparação de uma experiência científica, a reprodução de exercícios e
textos em mimeógrafo, a orientação ao alunos nos jogos e nas tarefas
diversificadas.
No decorrer dessa segunda corrida, concentramo-nos, professora e
pesquisadora, em estimular nos pares atitudes de ajuda incluindo o
empréstimo de material (lápis, borracha, régua). Essa era uma questão
delicada. Em primeiro lugar, porque deveriamos levar em conta, antes
de mais nada, a condição sócio-econômica daqueles alunos pois é muito
fácil emprestar a outro o que se tem com facilidade e certamente não
era este o caso. Em segundo, era preciso distinguir na resistência do
aluno o que era motivado pelo temor - diremos assim - de não mais
dispor do material e o que era devido a uma
necessidade de compartilhar o material para que uma
realizada.
incompreensão da
tarefa pudesse ser
Por certo, a disponibilidade financeira da família era determinante
para a presença ou não de
cor, caneta hidrográfica,
um material mais
estoj o, mochila.
observar alguns casos interessantes em que
diversificado - lápis de
No entanto, foi possível
alunos com dificuldades na
153
escrita sempre se esqueciam de trazer lápis.
Nessa época registramos um indício claro de mudança nas crianças com
respeito à aceitação mútua e à atitude de ajuda. A professora havia
preparado tun texto com exercícios em lacunas; a pedido da pesquisadora,
distribuiu apenas uma folha para cada par. Até então, essa prática
ainda causava muita reclamação por parte dos alunos: alegavam que o
companheiro se apossava da folha, que não podiam ler ou que não
desejavam trabalhar com seu par. Para nossa surpresa naquele momento
os pares, tão logo receberam a folha, se dispuseram a ler o texto um
para o outro e, uma vez conCltlída a leitura, a preencher as lacunas,
alternando um e outro a escrita.
Esta nova configuração - na verdade forjada já três meses e meio de
experiência em curso - levantava uma questão importante. Sabemos com
Webb (1982) que dar e receber ajuda são processos interativos benéficos
para o rendimento escolar. Por outro lado, a hipótese do conflito
sociocognitivo afirma que
"a interação social qualquer ProSTesso. uma situação em que tarefa, se provocar o 1987 p.51)
de pares não provoca por si só Ela só será IDdis propícia do que o indivíduo executa isolado uma conflito sociocosnitivo . .. (Moro,
No entanto, como garantir a presença do conflito sociocognitivo no
decorrer da ação cooperativa? Esta também é uma pergunta de Perret-
Clermont (1978) nas páginas finais de seu livro:
'J4s nOSBdS investigaç{)es puseram igualmente em evidência o facto de que não basta, para que ela (a colaboração) tenha um alcance educativo, que lllDB dada
154
tarefa reúna crianças para a efetivaç~ó de uma ação COlDLlDJ, se esta não as obriga a LlDJa confrontação entre os seus diferentes palItos de vista. Todas as actividades ditas de "cooperaçâ.ó" serâ.·o realmente aptas para provocar verdadeiras coordenações interilldividuais que sejam fonte de confli tos sód.ocognitivos?' (p.336)
A nossü ver o teor da tarefa n RAr executada constitui, sem dúvida,
um fator fundamental a ser considerado. Na revisão das aplicações
educacionais da teoria genética, Coll (1987) analisa, entre outras, a
proposta interacionista do desajuste ótimo:
os
.. ( ... ) a intervenção pedagógica deve ser concebida eJIJ
termos de elaboração de si tuações que permi tam LlDJ grau ótÍlIlo de desequilíbrio, isto é, que superem o nível de compreensão do aluno mdS que não o superem tanto que não possam ser assimilados ou que torne ÍIIlpossível restabelecer o equilíbrio . .. (p.189)
De fato, para que haja conflito durante a interação é necessário que
participantes da interação tenham instrumentos cognitivos
específicos. Doise (1983) chama atenção para o fato de que os ganhos
cognitivos serão nulos caso a diferença entre as centrações não seja
notada.
Em sala de aula o professor não pode observar e registrar todos os
acontecimentos, falas, ações de seus alunos; seria então muito difícil
assegurar de que os alunos se beneficiem sempre das interações no
sentido do progresso intelectual. A nosso ver, a estratégia que deve
ser adotada é a de diversificar ao máximo a qualidade dessas interações
tanto através do maior número de trocas possíveis entre os diferentes
alunos como por um programa intensivo de tarefas as mais variadas e que
155
coloquem problemas a serem resolvidos.
Ao levarmos em conta as modalidades interativas destacadas no modelo
apresentado no Quadro 1 deste capítulo, podemos notar que as situações
conflittloSas de t.pQsição e de independência, pela falta de acordo
entre as partes, não permitem que os desafios advindos da execução da
tarefa torne-se campo para o confronto de pontos de vista. Nesses
casos, o conflito está na própria relação, antes portanto que a
explicitação de uma possível diferença de idéias de como executar a
tarefa possibilite o surgimento do conflito sociocognitivo. Do mesmo
modo, quando há delegação e um só membro tome a si a tarefa, o
desligamento do outro membro impede a troca e um possível afloramento
deste conflito. Somente na situação de interdependência, em que está
presente a decisão do como executar a tarefa a dois, o conflito
sociocognitivo poderá acontecer. Deste modo, a interdependência não
garante a presença do conflito sociocognitivo mas certamente é a
condição prévia para sua ocorrência.
À vista destas reflexões, os jogos em grupo com a finalidade de
aprendizagem quer da aritmética, quer da lingttagem, quer de conteúdos
informativos, se destacam como atividade particularmente rica ao
envolver ao mesmo tempo a colaboração e a competição, o estabelecimento
e o cumprimento de regras 22
22 Sobre a importância dos jogos na interação Bocial ver Kamii e DeClark, 1988, p.171.
156
foram introduzidos charadas, enigmas e jogos com palavras, mtlitos dos
quais criados e confeccionados pela professora.
A Corrida dos Transportes terminou com a vitória da dupla Trem, única
que alcançou os 150 pontos. A diferença desta para a Corrida dos
Animais ficou por conta da composiçao do par vencedor, agora dois
meninos e anteriromente duas meninas.
No mês de junho estávamos em plena Copa do Mundo de Futebol e o tema
vez por outra, era comentado pelos alunos em sala. Surgiu assim a
Corrida dos Países da Copa, oportunidade para mostrar mapas, falar de
outros países e, naturalmente, de futebol. As regras para a escolha
dos pares não diferiu das estabelecidas na corrida anterior.
A avaliação também seguiu o mesmo caminho: a pontualidade, atenção,
se ficou com o par, se realizou a tarefa proposta. O planejamento de
atividades diferenciadas por dia da semana também foi mantido.
O primeiro impasse foi causado pela escolha dos nomes de cada par;
todos queriam ser a dupla Brasil. Compreendendo que deste modo seria
impossível distingüir um par de outro, os alunos escolheram os
seguintes países: Iugoslávia, Bélgica, Itália, Costa Rica, Argentina,
Romênia, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Camarões e Tchecoeslováquia. O
entusiasmo pela corrida ficou prejudicado quando o time do Brasil
perdeu nas oitavas de final e saiu da Copa. Além disso, a necessidade
de se proceder a uma avaliação do bimestre e a proximidade das férias
fizeram com que em dado momento se decidisse o término do concurso, com
157
a vitória da dupla Costa-Rica, composta de uma menina e de um menino
que já haviam ganho respectivamente a Corrida dos Animais e a dos
Transportes.
Final do semestre, tempo de avaliaç80. No entender da professora, os
alunos deveriam passar pela experiência da prova individual. No
primeiro bimestre não houvera prova escrita; na época, a necessidade de
se registrar um conceito no boletim de cada aluno fez com que a
professora avaliasse o desempenho nas atividades de escrita, leitura,
aritmética ao longo do bimestre, além de considerar o comportamento
disciplinar. A medida de comparação foi o desenvolvimento de cada um.
A adoção de conceitos ao invés de notas prática oficial nas escolas
municipais do Rio de Janeiro - permitiu que o critério adotado se
traduzisse de modo flexível o bastante para retratar o momento de cada
aluno.
No segundo bimestre a professora elaborou duas provas escritas, uma
de língua portuguesa e outra de aritmética. Embora a pesquisadora
desejasse que o desmpenho nas corridas servisse de critério para o item
"comportamento", este desempenho contribuiu apenas como uma referência.
Para a professora, as posições finais em cada corridn não expressavam a
• realidade individual. A diferença do primeiro bimestre, em que a
conduta do aluno no item "comportamento" levava em conta somente o
respeito às regras, neste segundo bimestre, por sugestão da
pesquisadora, este item se transformou em "participação/comportamento",
mais condizente com a ênfase na interação.
158
Os resultados das avaliações do primeiro e segtmdo semestre são os
que se segtlem, usados para a comparação apenas os conceitos dos vinte
alunos que cursaram todo o primeiro semestre:
Conceitos Número de alunos
lQBimestre 2QBimestre
A 8 8
B 7 5
c 5 5
D 2
E
A diferença entre o segundo e o primeiro bimestre foi de certo modo
equilibrada: apenas um aluno teve o conceito rebaixado de A para C; 14
alunos obtiveram o mesmo conceito; dois ficaram abaixo do conceito
imediatamente inferior e três alcançaram um conceito acima23 .
A prova de língua portuguesa constou de duas partes: a primeira com
um texto e exercícios de interpretação, a segunda com exercícios de
gramática. o texto, criado pela própria professora, chamava-se "A
turma 102" e relatava as várias atividades desenvolvidas no primeiro
semesstre; constituiu-se para nós pesquisadora, um indício claro de que
a professora fora atingida pelo "sentidoàegrupo". Decerto, a
23 Os conceitos abrangem as notas da seguinte escala: de 90 a 100 A de 70 a 89 B de 50 a 69 C de 30 a 49 D de O a 49 E
159
intensificação organizada das interações entre alunos na sala de aula
tem reflexo imediato na qualidade das interações entre o professor e
alunos e podem significar lwa integração real, resguardados os papéis
de educador e educandos.
A avaliação do rendimento escolar em uma proposta que quer se
inspirar nos pressupostos construtivistas esbarra sempre na discussão
conteúdo escolar versus desenvolvimento cogni ti vo. No primeiro
bimestre, os alunos com conceito "A" foram (a) aqueles que mais
progrediram demonstrando terem alcançado níveis mais avançados
(sobretudo na leitura e na escrita) e (b) os que, por já saberem ler e
escrever, desempenhavam com mais facilidade as tarefas escolares. No
segundo bimestre, as provas escritas requeriam um certo domínio da
leitura e da escrita para que pudessem ser respondidas. A professora
teve o cuidado de ler para todos o conteúdo das provas e repetí-lo
quando necessário para aqueles alunos com dificuldades na leitura.
Saber ler e escrever pode ser considerado um "conteúdo escolar" mas é,
antes de mais nada, como demonstrou Ferreiro, uma aprendizagem
conceitual, construção do sl~eito que aprende. Era de se esperar
portanto, o que de fato ocorreu: as notas mais altas 24 da provas de
língua portuguesa (interpretação e gramática) foram as dos alunos na
época do nível alfabético com valor sonoro, as piores ou dos que recém
24 No primeiro bimestre foram dadas notas para leitura, escrita, aritmética, comportamento. A média aritmética desses quatro itens foi transformada em conceito. No segundo bimestre, leitura, interpretaçao (primeira parte da prova de língua portuguesa), gramática (segunda parte da mesma prova), aritmética (prova escrita) e participação/comportamento. A média dos cinco itens foi também transformada em conceito.
160
haviam desenvolvido a hipótese alfabética ou dos que permaneciam em
outro níveis (uma aluna no nível silábico e dois allmos no nível
silábico-alfabético).
A correpondência verificada entre o nível conceitual e o
aproveitamento escolar na leitura e na escrita não pôde ser verificada
com respeito à aprendizagem matemática. Até então as atividades de
matemática eram as seguintes:
- solução de problemas do dia-a-dia: votação, contagem, distribuição de
material com antecipação de contagem, resto, numeração de páginas etc.
- jogos em grupo ( com cartas, com dados, bingo) sempre envolvendo
operações aritméticas, a princípio
subtração;
de soma e posteriormente de
- no último mês do . semestre, a adoção de um livro de matemática por
decisão da professora devido a dois motivos principais: (a) a
necessidade de uniformizar os conteúdos veiculados nas turmas de
primeira série da escola e (b) a importância dada pelas crianças e seus
familiares à adoção de um livro.
A prova de aritmética na época foi elaborada com base em alguns
conteúdos trabalhados no livro adotado coincidentes com os que estavam
sendo avaliados na outra turma de primeira série do turno da manhã. De
modo geral, nossos alunos não tiveram dificuldades em responder às
questões sobre pertença, igualdade, maior ou menor, tipos de conjunto.
A relação entre o desenvolvimento cognitivo (melhor dizendo, o
desempenho nas duas provas operatórias realizadas ao início do ano
letivo) e o desempenho nas atividades matemáticas evidenciava-se no
cotidiano, quando os alunos que se encontram no terceiro nível se
161
destacavam na solução dos problemas apresentados oralmente e nos jogos.
Em Moro (1981) encontramos um resumo da literatura sobre a relação
das noções operatórias-concretas e o rendimento escolar em matemática.
o relato de dois trabalhos chama atenção por suas conclusões. O de
Brun, realizado em 1915 condena exercícios escolares que se limitem a
certas noções operatóras ou à transcrição de provas operatórias porque
estas foram idealizadas para diagnóstico e não para a aprendizagem.
"Tal como se tem pra ti cado o ensino moderno de matemática, conclui Brun, centrado em determinadas noç(Jes operatórias, ele desvirtua a natureza dos conteúdos matemáticos e artificializa a concretização pedagógica. Recomendou, então, que as crianças reinventassem as noções a partir de trocas significativas com o "real" escolar (professores e colegas)." Moro, 1981, p.53)
Decerto, as atividades cotidianas e os jogos sugeridos por Kamii e
DeClark (1988) estão muito longe de um simples exercitar das noções
operatórias; constituiriam, no nosso entender, uma forma de ativar as
.. trocas significativas" referidas por Brun. Aliás, não seriam essas
trocas as propiciadas pela organização em sala de aula promotora de
interações construtivas e que afetam, como pudemos constatar, tanto
alunos como professor?
O segundo relato é o da pesquisa de Perret-Clermont e colaboradores
de 1982. As conclusões se aproximam da proposta de Vergnaud sobre a
definição de conceito, descrita no capítulo primeiro desta dissertação:
"( ... ) a di.6lensKo operatória que define um conceito matemático é acompanhada, no aluno, de uma dimens60 de caráter representativo, a representação social que ele, aluno, faz de matemática na escola. Isso ocorreria porque, no ensino, os objetos matemáticos sofrem descontextualizaç60 dos mesmos
162
objetos. num processo em que estes S~o transformados." (Moro, 1987, p.54)
o contexto social em que se dá a aprendizagem da matemática e a
representação da criança faz deste contexto afetariam a atividade
cognitiva do aluno, concluem os autores do estudo.
Em 1980, Perret-Clermont juntamente com Schubauer-Leoni haviam
verificado a ausência de relação entre a solução de problemas aditivos
e a notação aritmética anteriormente aprendida 26
Se o conceito for pensado a partir dos três conjuntos definidores
como quer Vergnaud, pode-se entender que o contexto e a simbolização
produzam uma transformação exigindo a elAboração de novos conceitos, o
qlle explicaria as dificuldades na aprendizagem da matemática.
Por outro lado, lembra Moro, os resultados da pesquisa de Carraher e
Schliemann sobre o fracasso escolar, comentados no primeiro capítulo
desta dissertação, apontam para a relação entre a aprendizagem da
matemática e o desenvolvimento cognitivo, independente da origem sócio-
econômica do aluno.
A revisão dessa literatura ressalta a importância do conflito
cognitivo na aprendizagem de noções operatório-concreta "e~
especialmente, em situaç§"o de interação com seus pares ou JDeBlDO com
20 A descricão desta pesquisa está em A.A. Medeiros. Influência da interacão social nas construções cognitivas e aquisicões escolares, p.87-96, dez. 1989/jan.1990.
163
adulto modelo." (Moro, 1981, p.55) As controvérsias ficam por conta
de pelo menos três pontos, assim relacionados por Moro:
a. a diferença da ênfase dada nesses estudos ao papel dos fatores da
inteligência;
b. a influência da tradição behaviorista no uso do reforçamento
(apresentação de respostas corretas) e na apresentação dos
resultados (análise exclusivamente quantitativa) "o que leva a
dúvidas sobre a natureza e o valor dos progressos obtidos com as
intervenç~es como revel a dores de construções operatórias no
sentido que lhes deu Piaget . .. (Moro, 1981, p. 55 )
c. a apresentação das noções operatório-concretas ora afirmadas, ora
negadas como preditoras do aproveitamento escolar.
Estamos de acordo com Moro de que é inadequado reduzir o ensino de
matemática ao aprendizado estrito de noções operatórias; nossa
experiência, repetimos, nem em seu todo, nem com relação à aprendizagem
matemática, preocupou-se em exercitar em sala tais noções. A
observação livre dos alunos nos permitiu, repetimos ainda, registrar a
facilidade com a qual os alunos que haviam atingido os níveis mais
avançados das noções verificadas26 resolveram problemas matemáticos
(nas situações do dia-a-dia, nos jogos em grupo ou mesmo quando os
problemas eram colocados oralmente pela professora). Não observamos,
no entanto, qualquer relação entre essa facilidade para a resolução de
problemas matemáticos e o nível de desenvolvimento da leitura e da
26 Evitamos usar o termo alunos operatórios uma vez que não realizamos um diagnóstico operatório dos alunos.
164
escrita27 . Na turma 102, encontramos as mais diversas combinações:
alunos alfabéticos já no início do ano e ainda no primeiro nível na
conservação da quantidade e na inclusão de classe; alunos silábicos e
no terceiro nível, seja somente na conservação da quantidade seja nas
duas noções observadas; alunos alfabéticos e conservativos em ambas
noções. Finalmente, foi também possível observar que os alunos mais
desembaraçados na resolução dos problemas orais mas que ainda não
haviam se desenvolvido plenamente na leitura e na escrita, não
obtiveram rendimento equivalente ao oral na prova escrita de
matemática.
Nesse ponto, gostaríamos de fazer um pequeno paralelo entre esta
pesquisa-ação e a experência relatada por Kamii e DeClark no já
mencionado livro Reinventando a aritmética: implicaçõeB da teoria de
Piaget (1988) . Convencida de que é essencial para o pesquisador
trabalhar na sala de aula com professores porque estes possuem uma
experiência e t~a perspectiva que aquele não têm, e no intuito de
eliminar a instrução tradicional de aritmética na primeira série, Kamii
escolheu Georgia DeClark, mestranda do programa em educação infantil da
Universidade de Illinois, Chicago. Do mesmo modo, mobilizada pelo
desafio de enfrentar o fracasso da escola pública no Brasil,
27 Embora não estejamos relacionando o nível operatório do pensamento e o nível de conceitualização em leitura e escrita, cabe esclarecer que para Ferreiro e Palácio (1982) "o nível operatório facilita o acesso ao sistema alfabético de escrita, mas não é condição necessária. Em outros termos, as crianças pré-operatórias podem chegar a compreender o sistema alfabético de escrita tanto como os operatórios, mas estes compreenderão com maior facilidade
(fasc.5,p.92)
165
acreditamos como Kamii, e muito inspirada em seu exemplo, que a sala de
aula e o professor não podem estar alheados da construção de um saber
pedagógico que se quer transformador. Encontramos a professora da
turma 102, ainda graduanda face a sua pouca idade, pelas mãos de um
projeto liderado por uma educadora universitária comprometida com a
mudança. Nossa intervenção não esteve circunscrita ao programa de
matemática: de caráter mais abrangente porque concentrado na
organização das atividades escolares mas nem por isso pretencioso,
consciente que estávamos de nossas limitações. À maneira de Georgia
DeClark, a professora da turma 102 havia chegado "à condição de reduzir
seu poder o tanto quanto possivel" (palavras de Kamii na p. 11)
proporcionando a seus alunos a necessária autonomia de ação para seu
desenvolvimento. Da mesma forma que Georgia DeClark, a professora da
turma 102, ainda que não tão conhecedora dos pressupostos
construtivistas e interacionistas face ao grau de ensino que
freqüentava, também portava dúvidas e incertezas quanto à sua
aplicação, sobretudo quanto à avaliação do rendimento escolar.
A proposta de Kamii era eliminar as folhas de exercício (a) ao
introduzir o lúdico através dos jogos em grupo e (b) ao retirar das
situações diárias os elementos significativos para aprendizagem
matemática. Georgia DeClark só utilizou as folhas de exercício ao
fazer quatro avaliações ao longo do ano para verificar como seus alunos
enfrentariam a representação escrita das equações aditivas. A
professora da turma 102 adotou os jogos em grupo e aproveitou as
situações do dia-a-dia para incentivar o pensamento matemático mas
preferiu não abandonar a representação da escrita matemática quando
166
adotou o livro didático. Sua adesão ao incentivo permanente ã
comunicação entre os altmos, ã troca de idéias, ã comparação dos
resultados obtidos, com espaço livre para a resolução de possíveis
conflitos, no entanto, emprestou ao uso do livro um caráter muito
diverso daquele normalmente empregado dentro de um esquema tradicional.
As dúvidas e incertezas a que antes nos referimos gravitam em torno da
avaliação, de como fazer o registro nos boletins, de como fazer com que
os pais entendam o processo, de como conciliar a necessidade de
tmificar objetivos educacionais para as turmas da mesma série e ao
mesmo tempo proceder com autonomia. A adesão incondicional a um
programa desse tipo não depende exclusivamente da convicção de um
professor e de um pesquisador compromissados com todas as suas
conseqüências. Passa também por outras instâncias, dentro e fora da
comunidade escolar, além de necessitar, como reconhece Kamii, de 'maior
experÍlDentaçao e avaliaçao crítica." (p.303). Para Kamii, a leitura e
a escrita dos numerais são objetivos apropriados para a primeira série,
mas a escrita de equações é totalmente inadequada e deve ser evitada
pois as crianças não raciocinam do modo como as equações st'
apresentam2B • A escola deve esperar que a criança assimile a relRçÃo
hiérár~lica entre os termos de uma equação para representá-la por
escrito. Bem entendido, dar este tempo não significa estar
imobilizada: a escola tem seu papel e neste ponto a contribuição do
livro de Kamii e DeClark é muito clara, com sugestões de ativ.idades que
substituem as tradicionais folhas de exercício na aprendizagem da
matemática. O que Kamii está dizendo é de fundamental importância para
28 O capitulo 5 do livro de Kamii e DeClark (1988) d~ute essa questão.
167
a educação escolar: está solicitando à escola que proporcione ao
aprendiz o tempo que ele necessita (dando as condições as mais
propícias) para construir esse conhecimento e poder representá-lo.
Deste ponto de vista, a proposta de Kamii se aproxima à idéia da
promoção automática29 da primeira à segtmda série. Comentáramos
anteriormente que quando a escola admite a promoção automática está
apenas estendendo o prazo para que o aluno cumpra a exigência da
sociedade de que ele aprenda a ler, escrever e contar. Ma é fato
também que, se a exigência permanece, há, por outro lado, maior
probabilidade de que o aluno possa cumprí-la em sua plenitude.
Ao elaborar um roteiro sugestivo para o planejamento de uma pesquisa-
ação, Thiollent (1988) destaca o seminário, forum de exame, debate e
tomada de decisão sobre o processo de investigação e do qual fazem
parte os pesquisadores e os membros significativos implicados na
pesquisa. A partir das informações obtidas, definem-se as diretrizes,
avaliam-se as ações, divulgam-se os resultados (Thiollent, 1988, p. 58-
60) .
Em nossa pesquisa poderíamos distinguir ao menos três tempos de
seminário de acordo com os participantes envolvidos:
as trocas entre a turma 102 e a pesquisadora, quando sugestões
traduzidas por esta eram discutidas por todos;
- as trocas incessantes entre a professora e a pesquisadora, na busca
29 Esta único, que grau e faz Educação do
idéia tem se traduzido na implantação do bloco elimina a reprovação nas séries inciais do lQ parte de um projeto da Secretaria Municipal de Rio de Janerio a ser inciciado em 1993.
1~
cotidiana pela organização do trabalho escolar;
as reuniões semanais entre o corpo docente e a administração da
escola quando era dedicado um tempo para o planejamento das atividades
semanais; neste tempo contávamos com a presença da professora
universitária coordenadora do projeto que trazia textos para serem
lidos e debatidos, solicitava o relato de uma atividade experimentada
pelas professoras da escola com o objetivo de realizar uma análise da
ação dentro da proposta construtivista.
Todos esses são momentos que contribuiram para o evoluir da pesquisa;
contudo as trocas entre professora e pesquisadora constituíram, sem
dúvida, o sustentáculo do processo. No depoimento em que descreve como
passou do ceticismo à convição, Georgia DeClark relata seu temor em
aceitar a mudança de método e o motivo pelo qual decidiu ir avante: o
apoio e a vontade da pesquisadora em trabalhar junto, respeitando sua
autonomia e poder de decisão. Nós também como pesquisadora
comprendeendemos que estar diariamente disponível para e na turma 102
era vital para o andamento da pesquisa. Além disso, todas as sugestões
partidas da pesquisadora passaram sempre pelo crivo da professora e com
esta ficava a palavra final.
A inserção de um pesquisador em um grupo que quer evoluir no sentido
da autonomia, resulta em um impasse original: se por um lado o
pesquisador é elemento integrante do grupo porque tem papel ativo no
contexto da pesquisa e faz parte do movimento rumo aos objetivos de
resolução dos problemas inicialmente colocados, é, de outro modo,
elemento alienígena que deve, com o tempo, se retirar.
169
Longe de ser o principal ator, lugar ocupado no entender de Thiollent
(1988) "por que.m faz ou quem está efetivamente interessado na ação"
(p.70) o pesquisador tem papel auxiliar embora em al~Uls casos deva se
envolver mais intensamente. De qualquer modo, não há neutralidade nem
por parte dele nem por parte dos atores:
':A convicção a que podem chegar acerca da necessidade ou da Justeza de l1IDa ação amadurece durante B deliberação no seio do seminário e dos outros grupos participantes da pesquisa." (Thiollent, 1988, p. 10)
Chegamos então ao se~do semestre, com a introdução de um livro
texto de portu~lês e a prevalência de um período de observação para que
a avaliação das realizações passadas apontassem novas formas de
continuação futura.
Livres para escolherem seus companheiros a mesa, os alunos não
formavam grupos fixos mas notava-se uma tendência para se agruparem de
acordo com o sexo: grupos de meninos, grupos de meninas.
Um trabalho que empolgou as crianças neste período foi a preparação
para uma votação simulada de eleição de governador do Estado do Rio de
Janeiro, conforme aconteceria no mês de outubro em todo o país.
A primeira atividade foi a confecç!o de cartazes ilustrados com os
nomes dos candidatos reais e de seus respectivos partidos;
posteriormente foram preparadas as cédulas e encenada a votação com uma
urna para recolher os votos das crianças, da professora e da
pesquisadora, chamadas uma a uma para votar. A apuração dos votos, a
contagem dos votos válidos e nulos, o número de alunos ausentes, foram
110
momentos para a ativaç~o do pensamento aritmético.
o trabalho de execução dos cartazes foi realizado por três grupos de
quatro alunos e um de três alunos. Esses grupos ampliados são de
difícil organização porque as atividades (no caso, escolher as
ilustrações, recortar, colar, escrever nomes e título, desenhar) devem
se ordenar cronologicamente e alguns membros, devido à limitação do
material disponível (neste trabalho : uma folha de papel pardo, folhas
de jornal com fotografias dos candidatos, uma tesoura, um tubo de
cola)30 ficam temporariamente sem trabalho, o que pode originar
impaciência e desinteresse. Foram observados os modos interativos de
independência,delegação, imposição e interdependência mas o movimento
entre estes modos era bem mais intenso que nas díades porque a
sucessão de atividades alternava as configurações, desfeitas tão logo
uma determinada tarefa cessasse.
o uso de grupos ampliados tentado aliás em algumas tarefas
desenvolvidas no primeiro semestre - apesar dos incovenientes acima
apontados, podia representar um estimulante desafio para o
prosseguimento da intervenção. A avaliação do período precedente nos
indicava a seguinte situação quanto aos objetivos almejados;
objetivo prático - introduzir em uma sala de aula uma organização
que priorizasse o trabalho em grupo - estava assegurado: se o trabalho
em grupo não era uma organização permanente, acontecia com regularidade
ao A princípio, cada grupo dispunha de apenas uma caneta de cor; depois foi estimulada a negociação entre os grupos de
modo que cada um dispusesse de mais cores.
171
e bem aceito pelos alunos e pela professora, tornando-se um fato na
turma 102;
- o objetivo de conhecimento - verificar a posssibilidade de introdução
de uma proposta de interação entre alunos em uma sala de aula de escola
pública de primeiro grau e auferir os resultados da ação relacionando
os com o rendimento escolar dos alunos caminhava: constatada a
possibilidade da ação, os resultados da avaliação do primeiro semestre
conferiam um saldo positivo para a turma 102.
Sentíamos insatisfação quanto ao fato de a "corrida" estar
prioritariamente voltada para a cobrança de regI'a~ de comportamento
disciplinar embora tenha sido o veír.ulo para viabilizar os trabalhos
feitos em grupo. De fato, durante os três concursos no primeiro
semestre, contávamos com a permanência dos pares, com a disposição das
mesas de modo a possibilitar que diferentes pares se sentassem frente
a frente, mantínhamos vivo o sentimento lúdico. Lembramos aqui a reação
de muitos alunos face aos jogos, considerados "brincadeiras" e não
atividades escolares. A curta duração que envolvia o interesse de
algumas crianças nessas atividades ou mesmo o desinteresse que outras
manifestavam pelos jogos em geral foram uma das incógnitas que não
soubemos decifrar. A "corrida", se não atraía a todos o tempo todo,
sempre contou com a adesão de da turma. Estava claro contudo, que a
intenção inicial de que todos os alunos passassem pela experiência da
vitória era remota e pisávamos com insegurança no terreno da
competição.
Nesta ocasião, uma das atividades de ciência foi a de plantar grãos
172
de feij~o para acompanhar o crescimento das plantinhas. Incumbidas de
cuidar dessas e de outras plantas trazidas por elas mesmas, as crianças
tiveram a idéia de iniciar uma Corrida das Plantas. Na tentativa de
contornar as características mais frágeis das corridas anteriores,
propusemos à professora grupos maiores (de quatro alunos) e avaliações
para a contagem de pontos tão somente de trabalhos em grupo em tarefas
interdependentes.
Os dezenove alunos, número estabilizado até o final do ano letivo,
deveriam fazer suas escolhas de modo a que cada grupo fosse constituído
de dois meninos e duas meninas. Esta exigência ia de encontro à
tendência de formação de grupos do mesmo sexo; um número maior de
participantes em cada grupo não excluía, porém, a possibilidade de
pares de meninas e pares de meninos porque a forma da mesa - retangular
- obrigava a uma separação do grupo dois a dois. Por não ser divisivel
por quatro, o número de alunos da turma resultou em um grupo de quatro
e três de cinco membros.
Ao comparar classes da escola elementar classificadas como abertas,
semi-abertas e tradicionais, Hallinam, citada por Cohen (1987)
encontrou nas classes abertas padrões sociométricos muito diversos dos
observados nas classes tradicionais, concentrados estes nas chamadas
"estrelas" (alunos muito escolhidos) e nos isolados, alunos sem chances
de integração pela pouca ou nenhuma escolha:
"( ••• ) a pesquiBadora encontrou (nas claBBeB abertas) UJDa diBtribuiçKo menos hierarquizada de eBcolhas, com um nÚJ1Jero menor de iBoladoB e de lídereB do ponto de viBta sociométrico. Afora isso, diades assi.JDétricdB (eJD que aB escolhaB por amizade nKo Bão
173
reciprocas) a tríades intransitivas ocorriam menos freqüentemente na classes abertas que nas tradicionais e se dissolviam mais rapidamente, dando lugar a situações equilibradas". (p. 15).
A escolha dos grupos pelas crianças, embora em situação muito diversa
da idealizada para estabelecer os padrões sociométricos vigentes em uma
sala de aula, apontou para um delineamento mais próximo ao encontrado
por Hall inam nas classes abertas. Solici tamos aos alunos que
escrevessem em uma folha de papel o nome de três companheiros com os
quais gostaria de participar neste novo concurso. Os meninos
escolheriam duas meninas e um menino; as meninas, dois meninos e uma
menina. Das negociações intensas e temperadas pelo desafio de
escrever o nome dos colegas resultou um quadro de escolhas bem
distribuídas para mais da metade da turma presente (os ausentes sempre
esquecidos) . Houve um caso inédito de um aluno que se recusou a
participar; seu nome também não foi incluído nas escolhas e atribuímos
este fato a uma provável contrapartida da turma àquela negativa. Este
era um aluno muito agressivo que passava por uma fase difícil de
constante atrito com a turma. Outros três alunos não foram escolhidos:
o primeiro era um aluno faltoso (o chamado aluno "turista" que
comparece um dia e falta dois ou três) o que dificultava muito seu
engajamento na turma; o segundo, um aluno muito tímido que pouco
falava, um dos mais novos e o de mais baixa estatura; o terceiro, muito
comunicativo e que nunca havia apresentado qualquer dificuldade em se
relacionar. De qualquer modo, tão logo a professora escreveu no quadro-
negro as escolhas e abriu o debate para os acertos necessários, os
"isolados" presentes foram logo admitidos por iniciativa da própria
174
turma. A formação definitiva dos grupos, no entanto, ficou para o dia
seguinte de modo que a inclusão dos ausentes se desse com o
consentimento de todos.
, Os nomes dos grupos, dados pelos alunos, foram: Arvores, Flores,
Folhas e Frutos. Pelas novas regras, a disposição do grupo em torno da
mesa passaria a ser livre (alertamos as crianças das vantagens de
poderem se sentar a cada dia com um membro diferente do grupo) e o
escore seria único por grupo e não mais o somatório dos pontos
individuais. Os itens avaliados seriam combinados previamente à
realização de cada trabalho (de modo geral: a ajuda aos colegas, o
empréstimo de material, a adequação do produto à proposta inicial).
A vinculação do concurso a uma tarefa interdependente com um produto
final único aproximava-o do objetivo de conhecimento da intervenção
porque privilegiava a estrutura cooperativa propiciando o
estabelecimento dos modos interativos interdependentes. Mantinha-se
presente o cumprimento de regras não mais as coercitivas,
disciplinares, mas as "regras do jogo", combinadas com antecedência.
As tarefas interdependentes são as que, de acordo com a classificação
de Miller e Hamblin citados por Slavin (1977), não podem ser
desempenhadas por um só indivíduo pois exigem coordenação de esforços.
Tanto os métodos Jigsaw quanto o Small-Group Teaching utilizam a
tarefa interdependente, subdividindo o tema geral em várias partes ou
por um dos alunos de cada time (no caso do Jigsaw) ou pelos diferentes
grupos (no caso do Small-Group Teaching) de modo que o tema geral seja
175
conhecido por todos apenas se os alunos se coordenarem para
compartilhar a informaçao. No caso da turma 102, ao invés da
subdivisão dos temas, idealizamos a interdependência da ação pela
limitação (ou escassez) do material disponível devido ao tipo de tarefa
proposta, geralmente a concepção de cartazes ou de pequenas histórias
com texto e ilustrações. De acordo com Slavin (1980), a estrutura de
tarefa em uma sala de aula resume todas as atividades de um dia
escolar: a preleção do professor, os exercícios escritos, a discussão
em grupo, etc. Essa estrutura pode
sistema de grupo adotado: estudantes
também variar
trabalhando
de acordo com o
em tarefas com
prescrições individuais, em pequenos grupos homogêneos ou
heterogêneos - em que os estudantes são ou não permitidos a ajudar uns
aos outros, com ou sem ajuda do professor, etc. Podemos inferir desse
critério de Slavin uma estreita relação entre a organização da turma e
o tipo de tarefa adotado: dificilmente alcançaríamos modos interativos
interdependentes propondo tarefas independentes, de execução
individual.
Tendo em vista a proposta interacionista do desajuste õtimo, os
desafios lançados durante esta "Corrida das Plantas" ficaram por conta:
(a) da exigência de uma planificação espacial mais elaborada na
distribuição do texto e das ilustrações e, (b) do predomínio do texto
escrito sobre as ilustrações. Essa ênfase na fluência da língua
escrita justificava-se pois na época (mês de setembro) a maioria da
turma já havia alcançado o nível alfabético com valor sonoro
convencional.
A decisão de contar pontos para a corrida somente quando ocorriam as
176
tarefas interdependentes com avaliação previamente combinada entre a
professora e os grupos impediu, ao contrário do que ocorrera nas outras
corridas, a contagem diária dos escores. Notamos que a princípio os
alunos protestaram: com o tempo porém parecÍ<.un perder pouco a pouco o
interesse Ix-!lo concurso. De fatn, a contagem do escore era um momento
divertido, realizado muitas vezes no último momento do dia escolar: o
nome dos pares e os itens a avaliar eram escritos no quadro-negro, a
professora anotava os pontos, as crianças faziam as somas. Conhecia
se, então, a posição do dia, o grupo que avançou, o que retrocedeu, o
que ficou na mesma posição.
Pensamos então em aproveitar algumas situações diárias para
recompensar o grupo com pontos toda vez que um de seus membros se
sobressaísse de alguma maneira (por dar solução a um problema, por dar
alguma sugestão considerada interessante ou pela turma ou pela
professora). Além de manter vivo o interesse de todos pela corrida,
esta medida foi também a maneira que a pesquisadora achou para minorar
uma certa tendência da professora em usar a corrida como punição quando
o comportamento disciplinar tumultuava o trabalho escolar. De uma
conversa entre professora e pesquisadora (e depois da professora com os
alunos) ficou combinado que ao invés de perder pontos poder-se-ia dar
relevo às pequenas conquistas pessoais, ou mesmo ao fato de um ou mais
grupos estarem completos quando os outros tivessem um de seus membros
ausentes.
Uma das consequências mais notáveis observadas a partir dessa decisão
foi que em pouco tempo as próprias crianças, tão logo davam alguma
177
sugestao considerada boa ou solucionavam um problema, passaram a
reivindicar pontos para seus grupos. Não seria essa prática lwa
oportunidade real para "dar voz às crianças", mesmo comprometida com a
difícil questão da recompensa? Como era estimulante constatar a
transformação daqueles indivíduos que sabiam ser a escola uma
instituição repressora, esperando deles o "bom comportamento", saírem
de sua timidez e reclamarem seus direitos!
No mês de outubro conseguimos nos reunir com os pais. Até então o
contato com a família tinha se dado nos mais diversos modos, a saber:
- na entrada quando a professora esperava a chegada da turma para se
dirigir à sala de aula;
- na própria sala de aula, ou por iniciativa do responsável (os pais
tinham livre trânsito na escola) ou para atender a um chamado da
professora;
na entrega dos boletins do primeiro semestre quando foi possível
mostrar alguns trabalhos realizados em grupo e fazer comentários sobre
o aproveitamento dos alunos;
nas reuniões promovidas pela escola para esclarecer alguma campanha
geralmente envolvendo questões de saúde. Foi justamente em uma delas
que os pais da turma 102 tiveram a oportunidade de ver a maquete
construída pelos alunos;
- na festa junina, quando conhecemos alguns pais que não freqüentavam a
escola.
Queríamos, no entanto, muito mais: ainda que tardiamente, querí8lÍl08
explicar n08SOS objetivos, os grupos, os jogos; queríamos ouvir as
178
opiniões, debater as falhas, pedir sugestões. Ao comentar o que
representa uma inovação educacional (no caso, a troca entre iguais,
dispostos em pequenos grupos, acerca da produção escrita em sala de
aula), DiPardo e Freedman (1988) af irmam:
"BecaLJse the classroom filled with student talk repreSeJlts a marked departure from what has long been the âl11erican norm, i t requires a revolution not only in the teacher ~s concept of language learning, but also in the home and school comDllmities that shape students ~ ideas concerning what it means to be in school" (p. 144).
Comentava-se muito na escola que os pais não tinham tempo para
freqüentar as reuniões, que a maioria trabalhava fora de casa,e não
poderiam dispor mais do que o necessário para levar ou buscar seus
filhos. Nossa reunião, no entanto, não confirmou essa expectativa:
compareceram dez responsáveis dos dezenove alunos que frequentaram o
segundo semestre, sete mães, uma avó e dois pais. A professora
explicou a proposta de interação entre altmos, mostrou os trabalhos
elaborados em grupo, falou sobre os jogos e em especial sobre a
corrida, distribuiu as provas do terceiro bimestre e teceu comentários
sobre cada aluno. Os pais deram demonstrações de que estavam
satisfeitos com a ação desenvolvida. Sobre este encontro, gostaríamos
de fazer algumas reflexões:
os pais admitem propostas edtlcacionais diversas das que estão
habituados quando sentem confiança nas pessoas que lideram o trabalho;
essa confiança é adquirida ao constatarem o empenho e a dedicação do
professor e, sobretudo, ao verificarem as modificações refletidas no
119
comportamento de seus filhos31 ;
- mesmo assim, persistem as dúvidas sobre o desempenho futuro dos
allillos, agora submetidos a uma inovaç~o educacional (na próxima série,
com outra professora, em outra escola)32.
A Corrida das Plantas, ao contrário dos outros concursos em que
alguns pares tomavam a dianteira e terminavam entre os primeiros
lugares, foi bem mais equilibrada: três dos quatro grupos permaneceram
algum tempo na dianteira, o quarto conquistou ao final o segundo lugar.
Sabemos das dificuldades do trabalho em grupos ampliados: muitas vezes
as próprias crianças se organizavam em duplas ou trios, dentro de um
mesmo grupo; outras vezes a professora antecipava a divisão, mas
desfazendo associações habituais.
Observações realizadas no mês de novembro de oito pares executando
uma tarefa interdependente (ordenação de uma história ilustrada em
quadrinhos com criação de texto, a exemplo de uma atividade
desenvolvida em sala de aula comentada por Smolka, 1988, p. 81-93),
registramos sete pares desenvolvendo modos cooperativos (dois por
delegação e cinco em interdependência) e um par em que se deu a disputa
pelo material disponível para a realização independente mas que
31 A reunião durou quarenta e cinco minutos, per iodo no qual não se registrou qualquer lamento por parte dos responsáveis sobre a impossibilidade de permanecer.
32 Este é um leitmotiv nos relatos das inovações educacionais. Pais das mais diversas camadas sociais temem suas conseqüências quando o retorno ao método tradicional for necessário. Ver por exemplo DeClark e Kamii. Para nós sempre soou estranho pensar o tradicional como garantia de adequação e sucesso.
resultou na produção de apenas um trabalho.
180
Do ponto de vista
educacional. quando a delegação - um modo de interação cooperativo - se
faz pelo desinteresse de um dos parceiros (como esses de turma 102)
torna-se tão indesejável quanto a imposição pois nos dois casos, t~ só
membro trabalha. Esta constatação não significa que a independência
seja menos prejudicial pois garante a ação dos dois membros mas afasta
as possibilidades de conjunção.
Os resultados da avaliação do terceiro bimestre comparados aos dos
anteriores, e limitado agora aos 18 alunos presentes desde o início
(dois alunos sairam da escola, um novo chegou somente em agosto) são os
seguintes:
Conceitos Número de alunos
lQBim. 2QBim. 3QBim.
A 7 8 5
B 6 5 9
C 5 5 1
D 1 3
E
Os três conceitos D confirmavam dificuldades que se evidenciavam ã
medida em que o semestre ia avançando, sobretudo no terreno da leitura.
Embora as notas das provas (escritas e orais) não fossem ponderadas, o
número de provas de leitura e escrita (leitura e interpretação de
texto, ditado, gramática) contra uma nota pela prova escrita de
181
matemática e outra pelo item participação/comportamento, conferiam um
peso maior à aprendizagem da linguagem natural. Além disso, por ser
também através de prova escrita e dessa vez incluindo as equações
aditivas, a avaliação do pensamento mal.emático ficavA r.omprometido pela
maior ou menor intimidaop. do aluno com a língua escrita, quando não
pelo problema mais amplo levantado por Kamii.
A Corrida das Plantas terminou em meados de novembro; os grupos
alcançaram pontos muito próximos mas a vitória do grupo Flores ficou
caracterizada, seguido dos grupos Árvores, Frutos e Folhas. Ao final
do ano letivo chegamos a ensaiar uma organização de grtlpoS de três
alunos (duas meninas e um menino ou dois meninos e uma menina) sem
concurso, apenas para dar prosseguimento às atividades interativas.
Empenhada em chegar ao final dos livros adotados, a professora não mais
propôs tarefas interdependentes; as interações se restringiram então à
comunicação entre os alunos na correção de um dever de casa ou de um
exercício feito em sala. A elaboração individual de um calendário para
o ano seguinte, com ilustrações desenhadas pelos próprios alunos,
serviu também para ativar as trocas. A disposição das mesas de modo a
reunir pequenos grupos permaneceu até o final do ano letivo.
o rápido avanço do tempo levou à decisão de não submeter os alunos a
um conjunto de provas escritas neste quarto bimestre. Dos dezenove
alunos, nove alcançaram conceitos A e B e foram aprovados já no
182
primeiro Conselho de Classe33 •
Os dez alunos restantes permaneceram na escola em período de
recuperaçao mas apenas cinco geravam dúvidas quanto à sua aprovação.
Alguns acontecimentos anteciparam decisões que angustiavam professora e
pesquisadora: o aluno faltoso não mais compareceu e assim não
participou do período de recuperação, tendo sido reprovado por
falta34 • Outro aluno de rendimento instável foi considerado aprovado
porque a família estava de mudança para outro estado da federação: a
aprovação foi acompanhada de uma carta redigida pela professora
explicando o processo de alfabetização desenvolvido na turma 102, as
características do aluno, as prováveis causas de seu rendimento
irregular e os motivos pelos quais entendia que o aluno poderia
frequentar a segunda série no ano vindouro. O rendimento nas provas
escritas de língua portuguesa e matemática elaboradas especialmente
para o período de recuperação serviu de critério último (mas não
exclusivo) para aprovar um dos três alunos e reprovar os outros dois.
33 Incluímos entre esses nove alunos, a menina que participou da turma 102 durante todo o ano, obteve os conceitos A, B, B e B mas que estava matriculada na segunda série por questões de transferência. Consideramos a inclusão desta aluna em nossos resultados justificável por ela ter participado de todo o processo da intervenção e de todas as avaliações realizadas. De fato, ela s6 não pertenceu à turma 102 do ponto de vista oficial.
34 Através de um contato entre a professora e o responsável, tomamos conhecimento dos motivos das faltas. A tentativa em transferir o aluno para o turno da tarde (já que o principal problema era a impossibilidade de acordálo a tempo de chegar à escola dentro do horário permitido) resultou infrutífera. O fracasso no intento de equacionar esse problema que sabemos se repetir em outras escolas do país abre o debate sobre as relações entre a instituição escolar e a comunidade a qual esta deve servir.
183
Assim, dos dezenove alunos, três foram reprovados (um por falta e dois
por rendimento) e dezesseis passaram para a segunda série do primeiro
grau.
184
CAPI'1'UW 4
RKSULTAOOS, roNSIDKRAWKS K SUGKSTÕKS
4. 1 Considerações sobre a evolução dos alunos nas noções operatórias
observadas e no desenvolvi1lento da aquisição da leitura e da
escrita.
No decorrer do período da recuperação, tivemos a oportunidade de
repetir as provas operatórias realizadas ao inicio de ano letivo. Da
mesma forma que anteriormente, as entrevistas foram gravadas e
registradas em protocolos. Apresentamos nos quadros I e 2 os
resultados dessas provas. Nomeamos cada aluno com uma letra do
alfabeto. Os algarismos entre parenteses logo após a letra indicam a
idade do aluno na época da entrevista. Note-se que os primeiros
dezoito alunos (de a a s) são os que acompanharam a turma durante todo
o ano letivo. O aluno identificado pela letra a não foi entrevistado
em dezembro por não ter mais comparecido às aulas. Os alunos de tez
são os que não frequentaram o segundo semestre. O aluno identificado
pelas letras 00 é o que chegou em agosto.
As informações obtidas pelos ditados de palavras e frases seguidos de
leitura realizados ao longo do ano para avaliar o nível de
desenvolvimento da escrita e da leitura compõem o quadro 3 no qual as
letras nomeiam os alunos e os algarismos em parenteses indicam suas
idades no mês de fevereiro.
185
QUADRO 1
NOÇ~O DE QUANTIDADES NUM~RiCA5:
CC1paraç~c e~t·e os niveis observados ao InicIo e ao final do ano letivo
DATA l1ar/Abríl1aio/90 Dez 90
Nfms NfvEIS AlüNOS lQ "0 4_ 3Q lQ 2Q 3Q
à (9,8) (10,11 ) S/R b (7,11) 18,7) c (7,4) X (8)
d (7,10 ) (8,5) X
e (7,5) (8,1 ) X f (7,11 ) X (8,7)
9 (8,5) X (9,1 ) h (7,10) (8,4)
(Cf,7) no, 2) X j
f" .... ' \1,,)1 (8)
i (7,4) (8, i) 1\ (9,11) (10,7) X
n (S,l) I (8,8) o (9,! i (9,7)
P (8,1 ) (8,9) X
q (8.1 i) X (9,7)
r (7) X (7,9 ) s {7, 7 j X (8,3) t (7,6) S/R u (7,2) X S/R v (7,8) S/R x (8, I j) S/R z (7,6) X S/R 00 S/R (9,10) X
LE5ENDA: S/R = Se. registro
186
QUADRO 2
NOÇ~O DE INClUS~O DAS :LASSES:
COlparaç~o entre os níveis observados ao inicio e ao final do ano letivo
DATA Abril Maio/9O Dez 90
NíVEIS I
NIVEIS ALU"C~ lQ "O L_ 3Q '0 L 2º 3º
a (9,8) X (10,11 ) SíR b (6) (8,7)
c (7,4) (8) X ti (7,10) X (8,5) e (7,5) X (8,1) f (7,11) (8,7)
g (8,5) X (9,1) X h (7,10) X (8,4) i (9,7) (10,2) X j (7,4) X (8) X
I (7,4) X (8,1) X I (9, li) X (l0,7) X n (7,11) I (8,8) X o (9) (9,7) X p (8,1) X (8,9)
G (9) X (9,7) X
r (7, I) X (7,9) s (7,8) X (8,3) I t (7,6) X S/R u (7,2) X SiR v (7,8) S/R x (6,11) S/R z (7,6) X S/R 00 S/R (9,10) X
LEGENDA: S/R = Sei registro
187
QUAIH) 3
:EEE~~JLVIMENTG DA ESCRITA E DA LEIrURA AO LONGS ~2 ANO LETIV:
CiLjN:JS FEVEREiRO "!ARÇO AE:<IL JULYQ OiJTLibRO DEZ~:-lBRO
d \ 9 ,6) a 1 f , cal I ~ aI I. cal
~ i7,9) SíR aI f. COI ai f. COI
C : 7 ,) '\ ; • ~ 40 J si1.- alf. ai f. sei alt. sell aI f. sem al f. COII
d : 7,7) si1.- alf sil.-alf. si1.- alf. aI f. COII alf. :01
e r 7 ,3; aI f. COI aI f. COII! a: f. eOI
i 7,9) si1.- alf si1.- alf. alf.col ai f. COII! aI f. COI
g (3,.) ) silábico silábico ai f. COII
11 r 7,7) pré-sil si1.- alf. alf. COI alf. Gll
{9,5} S/R S/R sí1.- al f. alf. COII aI f. cal
0,2) I ~
al! • co. I f aI .. :::01
(7,3) silábico silábico aI f. sei ai f. COI aI f. co.
I (9,10) si1.- ai f. alf. COI aI f. eOI
n (7 ~ 10 ) aI f. COI aI f. COI
o (8,9) S/R ai f. COI ai f. COI
P (7,11 ) aI f. cal aI f. COI
q (8,10 ) sil.- alf. si1.- ai f. si 1.- aI f.
r (6, 11) alf. COI aI f. COI
5 (7,4) si1.- alt. si1.- alf. ai f. sei ai f. COI alt. COI
t (7,3) S/R S/R alf. co.
u 16,10) S/R S/R
v (7,5) S/R S/R
x (8,7) S/R S/R alt. cal
z (7,9) si lábico si lábico
00 ~ 7 ,11 } S/R SíR S/R aI f. COI aI f. COI
LEGENDA: pré-sil: pré-si lAbüo I .. all.sel: alfabético sei valor sonoro convencional sil.-aif.:slláblCO alfabético alf. COI: alfabético COIII valor sonoro convencionai S/R: sei registro
1M
A observaç~ dos quadros 1, 2 e 3 aponta para um nítido avanço da
turma tanto nas noções operatórias enfocadas quanto no desenvolvimento
da aquisição da leitura e da escrita.
Em relação às noções operatórias, a comparação entre a situação ao
início e ao final do ano, restringida portanto aos 11 alunos, de b a
S36, destaca os seguintes pontos:
a - segundo à alteração do nível evolutivo
1 - noção de quantidades numéricas
Dos dezessete alunos considerados três já haviam atingido o nível
de conservação ao início do ano letivo; entre os quatorze
restantes, onze alteraram de nível evolutivo, o que confirma o
progresso da turma nesta noção considerado ademais o fato de que
nenhum aluno persistiu no primeiro nível.
2 - noção de inclusão das classes
Nesta noção apenas l~ aluno apresentava respostas de conservação a
o início do ano. Entre os dezesseis alunos então passíveis de
progresso, 10 evoluíram para níveis superiores, número que
expressa igualmente um avanço considerável nessa noc~o, embora
três alunos tenham persistido no primeiro nível.
30 Os alunos de b a B são os que foram entrevistados nos dois momentos, o que permite a comparação dos resultados.
189
b - segundo à conservaçao da noção
1 - noção de quantidades numéricas
Treze alunos entre os dezessete considerados deram respostas de
conservação em dezembro, dez dos quais evoluíram para este
terceiro nível durante o ano letivo. As argumentações
apresentadas foram as de igualdade, não se registrando argumentos
de compensação ou de reversibilidade.
2 - noção de inclusão das classes
Seis dos dezessete alunos encontravam-se em dezembro no terceiro
nível entre os quais três evoluíram durante o ano letivo.
o quadro 4 permite a comparação do progresso em uma e outra noção
estudada. Verificamos que se nos ativermos apenas ao número total de
alunos conservativos ao final do ano letivo, o avanço na noção de
quantidades numéricas é bem mais expressivo do que na noção de inclusão
de classes. Devemos, no entanto, considerar que o n(~ero de alunos
conservativos, i.e. no terceiro nível, já ao início do ano era menor na
noção de inclusao das classes, expressando provavelmente uma
dificuldade mais acentuada no desenvolvimento desta noção. De fato, o
grande número de alunos ainda no primeiro nível ao início do ano pode
ser outro indicador dessa dificuldade: se na noção das quantidades
numéricas apenas pouco mais de um terço da turma era não conservativa,
i.e. estava no primeiro nível, na noção de inclusão das classes mais da
metade dos alunos situava-se ainda neste nível.
190
QUADRO 4
~VAhÇO CONCEITUAL DOS ALUNOS NAS ~QÇ3ES PES~Ui5ADAS
I
NÃO ALUr~23:t.jIvE~ NQ DE AL~~OS liLIt, NQ DE ALUNOS CONSERVA7ivOS '.; ~~ ALUNOS CONS. "t I
EVOL~~TIVQ AL TERAqAI1 O NT"~' , • VtL f3Q , 1\ nlvel,' ~ 1 º ni vei) EYOLJT UQ
NOÇ~O I I
INICIO ANO FINAL DO ANO l!í; '~lJ ANO FINAL ANO I
OPERAíORiH LETIVO LETIVO LETiVO LETiVO
NaçÃO DE 11 (el UI total 3 (el UII 13 (el um 6 (eI UI O (el UI
QUANTIDADE de 14) total de 17) total de 17) total de 17) total de 17) NUMÉRICA
NQÇ~O DE IN[LUS~O 10 (el UI total 1{ em UII total ó(el UI total 13 (el UI 1 (eDl UI " DAS CLASSES de l' ,
10' de 17) de 17) total de 17) total de i7)
Podemos concluir que os avanços em uma e outra noção se equivalem,
seja pela situação final comparada a do início do ano, ao levarmos em
conta os diferentes graus de dificuldade para a evolução em cada uma,
seja pelo número de alunos que alteraram de nível evolutivo, a maioria
nos dois casos.
Em relação ao desenvolvimento da aquisição da leitura e da escrita
(ver quadro 3), do total de dezessete alunos focalizados (de b a 8),
sete já eram alfabéticos com valor sonoro convencional ao início do ano
(meses de fevereiro e março). Em abril dois alunos alcançaram este
nível; ao final do semestre (mês de julho) a turma contava com quinze
alunos alfabéticos (entre os quais doze com valor sonoro convencional),
expressando um notável progresso que evoluiu até abranger a quase
totalidade (dezesseis alunos alfabéticos entre os quais somente um sem
dar valor sonoro convencional às letras) no mês de outubro. li de se
ressaltar o rápido avanço do aluno b, pré-silábico em fevereiro e já em
abril alfabético com valor sonoro convencional. Note-se também que o
191
allmo c embora tenha permanecido quase todo o ano no nível alfabético
sem valor sonoro convencional passou a dar valor sonoro às letras no
período de recuperaç~o (mês de dezembro). o allIDo q, (mico que não
atingiu o nível alfabético, apresentou um desenvolvimento de difícil
interpretação, ora parecendo avançar, ora parecendo retroceder.
4.2 - O rendi.JEnto escolar dos alunos: conceitos bblestrais e situação
finaL
Os conceitos alcançados durante o ano letivo e a situação final de
cada allIDo estão descritos no quadro 5.
QUADRO 5
RENDi"ENTO ESCJLAR: ConceItos e Situaç30 Final
Conceitos Alunos bilestrais recuperaç30 Situaç30 Final
.!.~ 2Q ~o ,)- 4Q
a B C O reprovado por falta b B A B C aprovado após recuperaç~o
~ íl O O reprovado após recuperaç~o '" d B B r C aprovado após recuperaç30 .. e fi A A B aprovado direto
B B B li aprovado direto 9 C B B C aprovado após recuperaç30 h A A A A aprovado direto
C C B C aprovado apÓs recuperaç30 A A B B aprovado direto C C B C aprovado após recuperaç30
11 A A B B aprovado direto ri li li li A aprovado direto o A A li A aprovado direto íl B B B B aprovado direto Q C C O O reprovado apÓs recuperaç~o r li fi A fi aprovado direto s B C B C aprovado após recuperaç30 00 C C aprovado após recuperaç30
192
Através do qudro 5. podemos notar que todos os alunos que obtiveram
os conceitos A e/ou B (à exceção do aluno b) durante os três primeiros
bimestres foram os alunos aprovados direto, i.e os que não entraram em
recuperação final. O allIDo b passaria direto para a segunda série se
não houvesse faltado muito no último bimestre, tornando imprescindível
sua presença no período de recuperação para uma avaliação mais
atualizada de seu aproveitamento escolar.
4.3 Considerações sobre possíveis conexões entre o avanço concei tua!
e o rendbaento escolar.
Sabemos com Thiollent (1988) que a metodologia da pesquisa-ação não
nos permite efetuar qualquer ligação causal entre os fatos observados.
Para precisar com mais clareza nossos objetivos na busca das relações
entre o avanço co~ceitual,~ o rendimento escolar, reproduzimos a seguir
o parágrafo inteiro no qual Thiollent esclarece essa questão,
parágrafo, aliás, que contém frases já mencionadas no início do
capítulo terceiro desta dissertação, quando da apresentação da
metodologia adotada:
"No contexto que nos interessa, a formulaçlIo da hipótese não é necessariamente de forma causal entre os elementos ou variáveis considerados. Não se trata de querer 1110strar que X determina Y. Para fins descritivos, a hipótese qualitativa é utilizada para organizar a pesquisa erJI torno .de possíveis conexfJes ou implicações não-causais, l11as suficienteJDente precisas para se estabelecer que X terJI algo a ver COI11 Y na situaçlIo considerada." (p.56)
Para efeito de análise, diremos que existe conexão entre o avanço
193
conceitual36 e o rendimento escolar quando os alunos que avançaram
nas noções operatórias observadas (ou então, os altmos que apresentaram
respostas de conservação em dezembro)37 foram aprovados. Da mesma
forma, há conexão entre o avanço conceitual e o rendimento quando os
alunos que não progrediram nas noções operatórias observadas (ou então
os alunos que não apresentaram respostas de conservação em dezembro)
foram reprovados. De modo inverso, diremos que não há conexão entre o
avanço conceitual e o rendimento escolar quando os alunos que avançaram
(ou os alunos que apresentaram respostas de conservação em dezembro)
foram reprovados, e ainda quando os alunos que não avançaram (ou os
alunos que não apresentaram respostas de conservação em dezembro) foram
aprovados.
Da tentativa em comparar o avanço conceitual ao rendimento escolar
representado pela situação final de cada aluno, gostaríamos de acentuar
os seguintes aspectos, referentes aos alunos de b a s nos quadros 6, 1
e 8:
1 - Quanto à noção de quantidades maéricaa
Em uma primeira análise poderiamos afirmar que não há qualquer
conexão entre o avanço conceitual e a situação final. De fato,
como podemos observar no quadro 6, os alunos b, p e r, embora não
tendo alterado de nível conceitual, lograram aprovação ao final do
36 Consideramos sob a denominação de avanço conceitual a alteração do nível evolutivo de acordo com a comparação entre as situações AO início e ao final do ano letivo.
37 Incluímos neste grupo, portanto, os alunos já conservativos ao início do ano letivo.
194
ano letivo. Além disto, os dois alunos reprovados estão entre os
que evoluíram de nível. No entanto, se considerarmos os treze
alunos que apresentaram respostas de conservação em dezembro
(d, e, f, g, h, i, j, 1, ., n, o, q, s,), verificaremos que, à
exceção do aluno q (reprovado), todos foram promovidos para a
segunda série do primeiro grau.
QUADRO ó
CD~PARAÇaO DO AVANÇO CONCEITUAL NA NOÇ~O DE QUANTIDADES NU~tR!CAS CO~ A SITUAÇÃO FINAL
Aluno Avanço conceitual Situaç~o final
b c d e f
9 h
• n o p q r 5
n~o
si. 3Q nível • sim para o 3Q nívei si. para o 3Q nível si. para o 3Q nível 3Q nível l si. para o 3º nível sil para o 3Q nível si. para o 3Q nível si. para Q 3Q nível si. para o 3Q nível 3Q nível l n~o
si. para o 3º nível n~o
si. para o 3º nível
aprovado apÓs recuperaç~o reprovado aprovado após recuperaç~o aprovado direto aprovado direto aprovado após recuperaç~o aprovado direto aprovado após recuperaç~o
aprovado direto aprovado apÓs recuperaç~o aprovado direto aprovado direto aprovado direto aprovado direto reprovado aprovado direto aprovado após recuperaç~o
Legenda: * Alunos que ao inicio do ano letivo já era. conservativos nesta noç~o.
2 - quanto à noç&o de inclusão das classes
Através do quadro 7, podemos constatar que entre os alunos que não
progrediram (g, i, 1, q, r) encontram-se as três formas de situação
final, a saber, reprovação, aprovação após recuperação e aprovação
direta. Porém, se consideramos os alunos que evoluíram nesta
noção (b, c, d, e, f, h, J, a, n, p, s) e os que apresentaram
195
respostas em dezembro (b, f, h, j, n, o), podemos detectar uma
conexao entre o avanço conceitual e a situação final. Assim, entre
os onze alunos do primeiro grupo, à exceção do aluno c (reprovado),
todos foram aprovados para a série seguinte. Já em relação aos
seis alunos do segundo grupo, a aprovação abrangeu a todos, sem
exceção.
QUADRO 7
CGMPARAÇ~D 00 AVANÇO CONCEITUAL NA NOC~O DE INCLUS~O DAS CLASSES COM A SITUACAo FINAL
aluno
b c
e
11
n o p
q r s
Avanço Conceitual
si, para 3Q nível si. si. si. si. para 3Q nível n~o
si. para 3Q nível n~o si. para 3Q nível n~o
si!! si. para o 3Q nível 3Q níveU si. n~o n~o
si.
Situaç~o Final
aprovado após recuperaç~o reprovado aprovado apÓs recuperaç~o aprovado direto aprovado direto aprovado apÓs recup~raç~o aprovado direto aprovado após recuperaç~o aprovado direto aprovado após recuperaç~o aprovado direto aprovado direto aprovado direto aprovado direto reprovado aprovado direto aprovado após recuperaç~o
lESENDA: • Aiuno que ao início do ano já era conservativo nesta noç~o.
3 - quanto às duas DOCÕeS observadas
o aluno r foi o único que não progrediu em ambas as noções38
38 Embora o fator idade nao sirva para justificar a permanência do aluno r no nivel intermediário em ambas noções durante o decorrer do ano letivo, é de se ressalvar que, entre os dezessete alunos considerados nesta análise, era esse o aluno de menor idade, com sete anos ainda em dezembro.
196
tendo alcançado, no entanto, a aprovação direta. Neste caso não há
a conexão procurada mas, se considerarmos os alunos que evoluíram
nas duas noções (c, e, f, j, m, n, s), poderemos notar que, à
exceção do aluno c (reprovado) todos obtiveram aprovação para a
segunda série. Além disso, todos os alunos que apresentaram
respostas de conservação nas duas noções em dezembro (f, b, j, n,
o) foram aprovados de forma direta.
Em resumo, as conexões entre o desenvolvimento nas noções observadas
e o rendimento escolar não são claras. A comparação entre a situação
dos alunos ao início e ao final do ano letivo aponta para um avanço
significativo nas duas noções. Podemos constatar que todos alunos
conservativos por ocasião da primeira prova, em uma e outra noção,
foram aprovados. Por outro lado, o avanço conceitual não implicou
necessariamente em aprovação embora os casos em que consideramos haver
conexão, sobretudo
numericamente.
em ambas as noções, sejam mais expressivos
4 - quanto ao deaenvoln.ento da aquisiçllo da leitura e da escrita.
Uma vez que o desenvolvimento na aquisição da leitura e da escrita
foi registrado ao longo de todo o ano letivo, faremos a análise das
possíveis conexões entre o avanço conceitual e a situação final
levando em conta a época em que os alunos alcançaram o nível mais
avançado, isto é. o alfabético com valor sonoro convencional.
Através do Quadro 8, podemos observar uma nítida correspondência
197
QUADRO 8
aluno Avanço :oRceitual *
b alf.ccl valor sonoro la aprovado após recuperaç~o
c sim para alf.sem valor sonoro (Iarço) reprovado
d sim para alto (DI valor sonoro(out.) aprovado apÓs recuperaç~o
e alf.ccR valor sonoro la aprovado direto
si. para ajf.col valor sonoro (abril) aprovado direto
9 si. pa~a alf.ccl valor sonoro (julho) aprovado após recuperaç~o
h sil para alLcolI valor sonoro (abril) aprovado direto
silll para ai f. COII valor sonoro (j ul ho) aprovado após recuperaç~D
1 + a.,. COII vaiar sonoro U aprovado direto
si 111 pa~a alf.col valor sonoro (out. ) aprovado após recuperaç~o
11 sill para alf.col valor sonoro (Iarçol aprovado direto
n alf CO!!! valor sonoro U aprovado direto
o • + a! I. CC1 vaior sonoro U aprovado direto
[) aI f. COI valor sonoro U aprovado direto
q n~o reprovado
r alf. COI valor sonoro aa aprovado direto
5 sill para alf. cal valor sonoro (out.) aprovado apÓs recuperaç~o
LESENDA: alf.sel valor sonoro = alfabetizaç~o sei valor sonoro convencional alf.col valor sonoro = alfabetizaç~o cal valor sonoro convencional t O conteúdo dcs parênteses refere-se à época el que o aluno atingiu o nível indicado II Aluras que ao início do ano letivo já era. alfab@ticos COI valor sonor~ convencional
198
entre o grupo de alunos que mais cedo alcançaram o nível alfabético,
(incluídos os que já eram alfabéticos em fevereiro), e a aprovaçao de
forma direta. De fato, à exceção do ahmo b, todos os que já em abril
estavam naquele nível - e, f, b, j, a, n, 0, p, r - passaram direto
para a segunda série. Quanto aos que alcançaram mais tarde (a partir
de julho) o nível alfabético com valor sonoro convencional (d, g, i, 1,
s) é fato que foram aprovados mas todos somente após o período, de
recuperação. Tanto o ahmo que não evoluiu C q) quanto o que permaneceu
alfabético sem valor sonoro convencional Cc) quase todo o ano letivo,
foram reprovados.
o resultado dessas comparações confirmam as relações tentativas que
lançamos ao comentar os conceitos obtidos pelos alunos durante o ano
letivo. De fato, pela ênfase dada aos aspectos linguísticos na
primeira série do primeiro grau, sobretudo na escola pública, saber ler
e escrever é a porta de entrada para o caminho que leva aprovaçã039 •
Esta constatação vai ao encontro da segunda diretriz que norteou a
presente pesquisa-ação e que prevê uma estreita relação entre o
desenvolvimento intelectual e o rendimento escolar nas séries iniciais
39 Para uniformizar a amostra examinada a partir do início da instrução matemática, Carraher e Schliemann (1983a) foram obrigadas a incluir crianças de séries diferentes pois no Recife, ao menos naquela época, o ensino da matemática na escola pública só se iniciava na segunda série do 1Q Grau, quando na escola privada se fazia na primeira.
199
do ensino fundamental, se entendermos a aquisição da leitura e da
escrita como tlma conquista conceitual e não uma habilidade para
odecodificar signos linguísticos. Claro está que a conexão se
concretizou por exigência da própria escola mas que repercute o
pensamento da sociedade mais ampla. Estaria então a instituição escolar
totalmente atrelada à sua condição, sem poder renovador? Acreditamos
que não. Quanto mais a escola procurar conhecer seu aluno,
reconhecendo-o um ser pensante que expressa em suas ações o contexto
sócio-cultural interator na construção de seu todo, com mais
propriedade poderá reformular e ampliar os parâmetros que norteiam sua
prática avaliativa. O papel das interações entre alunos na sala de aula
e seu potencial inovador se impõem nessas considerações por motivos que
tentaremos explicitar no próximo tópico.
4. 4 ConaideraçlSes sobre as relações entre o desenvolvmento
intelectual, o reud:iaento escolar e o papel das interações entre alunos
e. \.a pedagogia CODStrutivista.
O propósito em relacionar o desenvolvimento intelectual ao rendimento
escolar esbarra no modo como se concebe o conhecimento. Avaliar o
rendimento com base em uma teoria que vê no individuo o artífice de seu
próprio saber pressupõe substituir o foco na correção das respostas
para dirigi-lo ao processo pelo qual foram produzidas e para os
argumentos que a sustentam. Uma das contribuições mais revolucionárias
200
da teoria psicogenética foi a de redefinir o estatuto do erro
( "entendido como raciocínios incorretos da criança diéUlte de situações
problemáticas" Casávola e aI., 1988, p.33) na aquisição de
conhecimentos. Do ponto de vista das estruturas definidoras de uma
etapa de desenvolvimento, o erro é o indício do que a criança pode ou
não fazer; do ponto de vista dos mecanismos formadores que explicam a
passagem de uma estrutura para outra, o erro pode denotar a abertura do
pensamento para novos possíveis.
Piaget (1987) distingue dois mecanismos cognitivos de diferentes
significações: um que "visa ~ o conjunto de realidades
fisicas e lógico-matemáticas", outro que "serve para ter êxito em todos
os dominios, desde as ações lDdis elementares até a solução de probleJIJas
abstratos. "(p. 58). O real constitui-se pelo conjunto dos mecanismos de
compreensão; a abertura para novos possíveis depende dos mecanismos que
se orientam para o êxito.
Perante um problema a resolver, a criança organiza sua ação passo a
passo com vista ao objetivo que pretende alcançar. Tais ações
aequenciadas sofrem modificações à medida que se mostram ineficazes,
substituídas então por outras mais adequadas ao propósito final. Ora,
muitas vezes os fracassos, ao contradizerem o sistema de interpretação
que guia a ação (as chamadas "teorias em ação") irão propiciar a tomada
de consciência de uma regularidade mais geral a englobar a
interpretação anterior. Piaget (1987) observa que
... ueTECA .... Ac.lO GETOLlO 9AIllIIA.
201
"do ponto de vista da iJ1Vençlro, um erro corrigido pode ser mais fecllndo que um êxito imediato, porque a comparação da hipótese falsa e suas consequências proporciona novos conhecimentos e a comP8raçâó entre erros dá lugar a novas idéias". (p, 61)
Do ponto de vista pedagógico é necessário portanto distinguir com
Davis e Espósito (1990) três diferentes tipos de erro que podem ser
cometidos pela criança em suas tarefas escolares, de acordo com as
seguintes situações:
quando a criança já dispõe dos esquemas necessários para apreensão
do conhecimento mas erra por ignorar as formas consideradas
corretas. Muitos dos erros ortográficos cometidos vão por esta
linha, quando a criança precisa de informação sobre qual letra
utilizar para escrever determinada palavra (s ou z, ç ou ss etc.);
quando a criança não dispõe dos esquemas necessários e a tarefa
proposta torna-se muito distante, indo além de suas possibilidades
estruturais - trata-se aqui do erro sistemático;
quando a criança, a partir de um plano de ação organizado por
teorias em aç!'o comete erros construtivos, erros que na verdade
constituem um dos possíveis em pauta do processo criativo que
procura o êxito.
No primeiro caso cabe à escola instrumentalizar seu aluno no sentido
da busca e aprimoramento da informação; no caso dos erros sistemáticos,
evidenciam-se as possibilidades atuais do aluno e cabe à escola rever
sua proposta levantando desafios reconhecidos como tais pela criança;
202
finalmente no caso dos erros construtivos, cabe à escola distin~lí-los
e considerá-los como possibilidades de avanço intelectual.
Resta o problema de tornar exequível em sala de aula a atividade
docente que se quer construtivista, a oferecer contrapropostas,
problemas, a expor contradiçoes, a desequilibrar o aluno a fim de
estimular a elaboração de hipóteses mais abrangentes e o alcance de
estados de equilíbrio mais avançados.
Retornamos neste ponto a nossa primeira diretriz que aponta a
interação entre alunos como elemento propulsor do desenvolvimento
intelectual. De fato, somente uma organização em sala de aula que
estimula o diálogo, a troca de idéias, o debate, a contraproposta, a
variedade de soluções (não apenas entre professor e alunos mas
principalmente entre os próprios alunos pelo potencial de diversidade
que este tipo de interação encerra, poderá concretizar uma pedagogia
para o desenvolvimento. Em outras palavras, assim como a descoberta
dos níveis estruturais impõe à intervenção pedagógica limites de acordo
com as possibilidades de compreensão do aluno, a aplicação dos
pressupostos construtivos não pode prescindir da comunicação entre os
sujeitos que aprendem acerca do objeto a conhecer.
203
4.5 - Considerações finais e sugestões
Ao final do primeiro capítulo, incluímos esse trabalho no grupo de
pesquisas participativas que, através da prática e pela teoria, busca
novos rumos para a educação. A eleição da linha metodológica da
pesquisa-ação idealizado por Thiollent (1988) traduz um desejo de ouvir
e de se fazer ouvir, de agir e deixar agir e, sobretudo, de aprofundar
e conhecer. Destacados por este autor, apresentaremos a seguir os
principais aspectos da metodologia acompanhados de comentários sobre a
intervenção na turma 102:
a. "há r.aa a.pla e ezplícita interação eIJtre pesquisadores e peBBOlJB
J..plicadas Da situação investigada; "(p. 16)
Esta interação ampla e explícita entre pesquisadora e a turma
consolidou-se pela duração da intervenção - longa o suficiente para
criar laços de comprometimento parte a parte - e pela qualidade das
relações - por vezes concordantes, por vezes conflituosas como quer
a realidade, mas afinal convergentes de modo a permitir o
prosseguimento da ação.
b. "desta interação resulta a orrIe. de prlorld1J.de dos probletMB IJ
se:re. pesqulBlJdos e das soluções IJ Bersl enca-inlutdas sob fOr7IIJ de
açab concreta;" (p. 16)
204
No papel de pesquisadora tivemos a intenção de garantir a interação
entre os alunos em sala de aula. A questão fundamental que tmiu a
professora (ensinar) e os alunos (aprender) encerrava dúvidas e
perplexidades que, no entender da pesquisadora, poderiam ser
redimencionadas pela intensificação das interações entre os alunos.
(Lembramos a alteração verificada na qualidade das interações entre
a professora e seus alunos, enriquecidas por tal intensificação).
A conjtmção desse objetivo mais abrangente com o atendimento às
prioridades configuradas no desenrolar da ação atendeu de modo
pleno, a nosso ver, esse aspecto metodológico.
c. "O objeto de investigação não é OOlIBtitzúdo pelas peBBOilB e sn.
pela situação BOCial e pelos proble6IBB de diferentes naturezas
encontrados Desta situação;" (p.IS)
o objeto
de aula
de nossa investigação foi a interação entre alunos na sala
e os benefícios resultantes desta interação,
pressupostamente interligados com um melhor aproveitamento escolar.
O saldo positivo tanto no que diz respeito ao avanço intelectual
dos alunos quanto à aprovação para a segunda série é um indício de
que uma organização em sala de aula que privilegia a interação
entre alunos, inserida em uma concepção construtivista e
interacionista do conhecimento, pode-se constituir como um caminho
importante para o enfrentamento do fracasso escolar.
205
d. "o objetivo da pesquisa-ação consiste e. resolver OU7 pelo .enos7
eIIl esclarecer OB proble.aa da situação observada" (p.16)
A organização dos alunos em pequenos grupos expõe duas questões de
fundamental importância que, curiosamente, dizem respeito mais à
interação entre o professor e seus alunos do que propriamente entre
estes. São questões que se não devidamente enfrentadas, podem por
em risco a ênfase na interação. Trata-se da distribuição do poder
entre professores e alunos e do atendimento, individual ou
coletivo, prestado pelo professor. Os problemas observados em sala
de aula demonstraram que, em ambos os casos, a busca de equilíbrio
das forças em jogo é a maneira mais sábia para a condução do
processo educativo. Muito poder para os alunos em sala de aula
pode resultar em perda de controle da turma pelo professor e em
consequência ou um retorno a práticas disciplinares que impeçam a
livre comunicação entre os alunos ou a resultados débeis em termos
de aproveitamento escolar.
pequenos grupos não deve
professor a cada aluno mas
Por outro lado. a
excluir uma atenção
sempre com o cuidado
organização em
individual do
para que esta
interação não se sobreponha à ênfase na troca entre iguais.
e. "há durante o prtJCeSS07 ... a~to daB deciBlJes7 das aç{Jes e
de toda a atividade intencional. dos atores da situaçHo: "(p7 16)
As expectativas prenunciadas na época que precedeu à intervenção na
206
turma 102, norteou o desenvolvimento da ação e conferiu, assim
julgamos, legitimidade aos esforços envidados para sua satisfação.
A preocupação em alargar o horizonte conceitual dos alunos deu
origem a um planejamento semanal que contivesse uma multiplicidade
de experiências, garantindo o avanço na leitura e na escrita mas
explorando também o pensamento numérico e a imaginação. Uma das
conseqüências mais significativas do acompanhamento realizado
durante a pesquisa foi o modo pelo qual a avaliação do rendimento
escolar se processou: a teoria construtivista e interacionista do
conhecimento permitiu a admissão do avanço conceitual como um
crlt..ério válido de rendimento lado a lado à concepção tradicional
que valoriza a correção nas respostas. Se a reprovação se pautou
mais pelas dificuldades apresentadas com a leitura e a escrita, é
verdade também que o desenvolvimento do pensamento numérico
(através dos jogos e de situações diárias) e a participação nas
tarefas especialmente concebidas para ativar a interação cresceram
em significância para a professora, alunos e pais.
f. "a pesquisa não se lWta a z.-a fonlll. de ação (risco de ativis.o):
pretende-se lJraeD.tar o CODbecJ..ento dos pesqulBIJdores e o
conhect.ento ou o "nível de CODIlCi&1cilJ •• das peBBOll.B e /P'UPOB
considerados". (p. 16)
A observação de pares de alunos executando tarefas escolares sob
determinadas condições, permitiu-nos a concepção de um modelo
201
conceitual em que os polos interativos de conflito e cooperação
explicitam-se em suas nuances, redefinidas do ponto de vista
educacional. A interdependência surge assim como a modalidade
interativa por excelência a possibilitar o conflito e a união de
idéias. Ao distinguir as modalidades de conflito e de cooperação,
em termos de imposição, independência, delegação e
interdependência, o modelo supre a necessidade de se particularizar
e nomear cada relação. Esta distinção permite o abandono de formas
ambíguas, encontradas em alguns estudos como, por exemplo,
"cooperação propriâJJ1ente dita" usada para dar relevo aos aspectos
exclusivos da interdependência, ou mesmo que confundam interação
com cooperação (forma que, se admitida, excluiria o conflito da
interação entendida como processo social mais amplo a abranger os
dois polos, cooperação e conflito). Engendrado no dect~so da ação
e consolidado após seu término, o referido modelo abre espaço para
novas investigações. Há de se compreender melhor os motivos pelos
quais uma ou outra modalidade se instaura de modo a instrumenta
lizar o professor em sua ação diretiva. Há sobretudo de se
aprofundar sobre as implicações dos modos interativos com o
desenvolvimento cognitivo, em especial a hipótese, aqui lançada, de
que o modo interdependente seria condição necessária embora não
suficiente para o afloramento do conflito sociocognitivo.
A interação entre alunos na sala de aula traduzida pelo trabalho
escolar em pequenos grupos desponta como um recurso capaz de viabilizar
208
as inovações trazidas pela proposta construtivista do conhecimento. Se
é veículo, é também decorrência de tais princípios, incompatível com a
postura que só reconhece poder e saber no professor. Na sociedade
contemporânea a escola tem um papel ftrndamental pela oporttmidade que
dispõe em multiplicar e enriquecer os contatos entre os altmos. Nesse
sentido pensamos que as contribuições da teoria de Jean Piaget vêm se
somar às idéias dos educadores progressistas que reivindicam uma escola
democrática. A escola para todos deve ser também a escola que abriga
as relações democráticas em seu interior e forma o cidadão que luta
por esses valores.
209
BIBLIOGRAFIA
AEBLI, Hans. Didática psicológica: aplicação à didática da psicologia de Jean Piaget. São Paulo: Companhia Editora Nacional, EDUSP, 1971. 196p.
Alunos do 1Q grau devem trabalhar em grupos? Sim. Não. Nova Escola, São Paulo, ano I, n.2, p.28-29, abro 1986.
ANASTASI, Anne. Testes psicológicos. São Paulo: EPU, 1977. 798p.
ARENDT, Ronald João Jacques. Da psicogênese à sociogênese: por uma interação radical no modelo dialético de Jean Piaget. Tese (Doutorado em psicologia) Instituto Superior de Estudos e Pesquisas Psicosociais, Fundação Getúlio Vargas - Rio de Janeiro, 1987.
ARONSON, Elliot, BRIDGEMAN, Diane, GEFFNER, Robert. Interdependente interactions and prosocial behavior. LTournal of Research and Develop,ment in Evaluation, v. 12 , n.l, p. 16-27, 1978.
BANKS-LEITE, Luci. As dimensões interacionistas e construtivistas em Vygotsky e Piaget. Cadernos Cedes, 24, p. 25-31, 1991.
----- Considerações sobre as perspectivas construtivistas e interacionista em Psicologia: o papel do professor. São Paulo, Idéias, Fundação para o Desenvolvimento da Educação (no prelo)
----- Construtivismo em revista: o papel das interações sociais na perspectiva piagetiana. Seminário Construtivismo em Revista - organizado por CENP/FDE, São Paulo 1992 (mimeo)
BARGH, John, SCHUL, Yaacov. On the cognitive benefits of teaching. LTournal of Edllcational Psychology. v.72, n.5, p. 593 - 604, 1980.
BRANDÃO, Zaia, BAETA, Anna Maria Bianchini, ROCHA, Any Dutra Coelho da. Evasão e Repetência no Brasil: a escola em questão. Rio de Janeiro, Achiamé, 1983. 104p.
210
BRINGUIER, Jean-Claude. Conversando com ,Jean Piaget. Rio de Janeiro. Difel, 1978. 210p.
BUCKHOLDT, David, WODARSKI, John. Effects of different reinforement systems on cooperative behaviors exhibi ted by children in classroom contexts. ,Journal of Research and Development in Education, v.12, n.!, 50-68, 1978.
CARRAHER, Teresinha Nunes. Passando da planta para a construção: um trabalho de mestres. In: Na vida dez, na escola zero. São Paulo: Cortez, 1988. 182p. p. 101-125.
----- Sociedade e inteligência. São Paulo: Cortez, 1989a, 133p.
-----. O método clássico: usando os exames de Piaget. São Paulo. Cortez, 1989b, 161p.
CARRAHER, Teresinha Nunes; CARRAHER, David Williams; SCHLIEMANN, Analúcia Dias. Na vida dez, na escola zero: os contextos culturais da aprendizagem da matemática. Cadernos de Pesquisa, São Paulo. n. 42, p. 79-82, ago. 1982.
----- Cultura, escola, ideologia continuando um debate. Cadernos de Paulo, n. 57, p. 78-85, maio 1986.
e cognição: Pesquisa, São
CARRAHER, Teresinha Nunes; REGO, Lúcia L. Brwone. Desenvolvimento cognitivo e alfabetização. Revista Brasileira Estudos Pedagógicas, Brasilia v.65; n.149, p.38-55, jan/abr. 1984.
CARRAHER, Teresinha Nunes, SCHIEMANN, Analúcia Dias. Fracasso escolar: uma questão social. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.45, p. 3-19, maio 1983a.
----- A adição e a subtração na escola: algoritmos ensinados e estratégias aprendidas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasilia, v.64, n.148, p. 234-242, set/dez. 1983b.
CASÁVOLA, Horácio Miguel, CASTORINA, José Antonio. Comentários sobre a doutrina biológica piagetiana. In: Psicologia genética: aspectos metodológicos e implicações pedagógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. 130p. p. 123-130.
211
COHEN, Elizabeth. A sociologia da sala de aula 1972 1984. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasilia, v.68, n. 158, p. 7-40, jan/abr. 1987.
COLL, César. Estructura grupal, interacci6n entre alumnos y aprendizaje escolar. Infancia y Apl'endiza..ie, Barcelona, n.27/28; p.119-138, 1984.
-----. As contribuições da psicologia para a educação: teoria genética e aprendizagem escolar. In: BANKS -LEITE, Luci (org.) Piaget e a Escola de Genebra. São Paulo. Cortez, 1987. 206p. 164-197.
COPIT, Melany S. PATTO, Maria Helena Souza. A criançaobjeto na pesquisa psicológica. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.31, p.6-9, dez.1979.
CRAIDY, Carmem Maria, GROSSI, Esther Pillar, FIALHO, Norma Regina Marzola. Uma proposta didática para alfabetização de crianças as classes populares. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília v. 64, n. 148, p.208-216. set/dez. 1983.
DAVIS, Cláudia, ESPÓSITO, Yara Lúcia. Papel e função do erro na avaliação escolar. Cadernos de Pesquisa, São Paulo. n. 74, p. 71-75, ago. 1990.
DAVIS, Claudia, SILVA, Maria Alice S. S., ESPOSITO, Yara Lúcia. Papel e valor das interações sociais em sala de aula. Caderno de Pesquisa, São Paulo, n. 71, p. 49-54, novo 1989.
DEVRIES, David; SLAVIN, Robert. Teams tournaments (TGT): review of ten experiments. Journal of Research and 1n Education, v.12, n.1, p. 28-38. 1978.
games classroom
Development
DIPARDO, Anne, FREEDMAN, Sarah Warshauer. Peer response groups in the writing classroom: theoretic foundations and new directions. Review of Educational Research, v.58, n.2, p. 119- 49, 1988.
DOISE, Willem. Apprentissage, psychologie genetique et psychologie sociale: une ~ansformation de paradigmes. Archives de Psychologie, Geneve, v. 51, n.196, p. 17-22, mara 1983.
212
FERREIRO, Emilia (org.) Os filhos do analfabetismo: proposta para alfabetização escolar na América Latina. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. 101p.
FERREIRO, Emilia; PALACIO, Margarita Gómez y colaboradores. Aná1isis de las perturbaciol1eu en e1 pl'ocesso de apl'endizl.I.íe de la 1ecto ~scl'i tUl'a. ~Rsciculo 1. El momento inicial y e1 momento final deI aprendizaje escolar: comparacion de las escrituras producidas por los ninos en el primer ano escolar. D.G.E.E., SEP- OEA, Mexico, 1982.
-----. Análises de las perturbaciones en e1 processo de apl'endizaje de la 1ecto - escritura. Fascículo 2. Evolución de la escritura durante el primer ano escolar. D.G.E.E., SEP-OEA, Mexico, 1982.
FERREIRO, Emilia, TEBEROSKI, Ana. Psicogênese da 1ingua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. 284p.
FLAVELL, John H. La psicologia evolutiva de Jean Piaget. Buenos Aires: Paidós, 1911. 484p.
FREITAG, Bárbara. Razão teórica e razão prática: Kant e Piaget. Ande, São Paulo, ano 9, n. 15 p. 55-68, 1990.
GROSSI, Esther Pillar. Alfabetização em classe popular. Cadel'nos de Pesquisa. São Paulo, n. 55, p. 85-90, nov. 1985.
HAYES, Louise. The use of group contingencies for behavioral control: a review. Psycho1ogica1 Bu11etin, v.83, n.4, p. 628-648, 1916.
INHELDER, Barbel, BOVET, Magali, SINCLAIR, Hermine. Aprendizagem e estruturas do conhecimento. São Paulo: Saraiva, 1911. 282p.
JOHNSON, David W. Student-student interaction: the neglected variable in education. Educationa1 Researcher, v.10, n.1, 1. 5-10, jan. 1981.
JOHNSON, David W., JOHNSON, Roger T. Instructional goal structure: cooperative, competi tive , or individualistic. Review of Educationa1 Research, v.44, n.2, p. 213-240, 1914.
----- Learning competition, Cliffs, N.J.:
213
together and alone: cooperation, and individualization.. Englewood Prentice - Hall, 1975.
----- Cooperative, competitive, and individualistic learning. JOllrnal of Research anel Development in Education, v.12, n.l, p. 3-15, 1978.
----- Conflict in the classroom: controversy and learning. Review of Edllcational Research, v. 49, n.l, p. 51-70, 1979.
JOHNSON, David W., et aI. Effects individualistic meta-analysis, p.47-62, 1981.
MARUYAMA, Geoffey, JOHNSON, Roger, of cooperative, competitive, and
goal structures on achievement: a Psychological Bulletin, v.89, n.l,
KAMII, Constance. A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget para a atuação junto a escolares de 4 a 6 anos. Campinas: Papirus, 1988. 124p.
KAMII, Constance, DECLARK, Georgia. aritmética: implicações da teoria Campinas: Papirus, 1988. 308p.
Reinventando a de Piaget.
LIBÂNEO, José Carlos. Psicologia educacional: uma avaliação crítica. In: LANE, Silvia, CODO, Wanderley (orgs.) Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo. Brasiliense, 1985, p. 154-180. 220p.
LIMA, Lauro de Oliveira. Escola secundária organização, métodos e processos. Rio de Forense - Universitária, 1976. 670p.
moderna: Janeiro.
MAY, M., DOOB, L. Competition and cooperation. Social Science Research Council BUlletin, New York, Social Science Research Council, 25, 1937.
MEDEIROS, Ana Augusta. Influência da interação social nas construções cognitivas e aquisições escolares. Forum Educacional, Rio de Janeiro, v.14, n.l, p. 87-96, dez 1989/fev 1990.
MELLO, Guiomar Namo. Magistério de lQ competência ao compromisso político. Cortez, 1982, 151p.
grau: da São Paulo:
214
HICHAELS, James W. Classroom reward structures and academic performance. Review of Educational Research, v. 47, n.!, p. 87-98, 1977.
HILLER, L. HAHBLIM, R. Interdependence, differential rewarding, and productivity. American 50ciological Review, n. 28, p. 768-778, 1963.
HORO, Maria Lucia Faria. Aprendizagem operatória: a interação social na criança. São Paulo: Cortez, 1987, 168p.
----- Crianças com crianças aprendendo: interação social e construção cognitiva. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 79, p. 31-43, nov., 1991.
MURPHY, G., MURPHY, L., NEWCOMB, T. Experimental social psycho10gy. New York: Harper, 1937.
NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. Sujeito e cotidiano: um estudo da dimensão psicológica do social. Rio de Janeiro: Campus, 1987. 98p.
OGBURN, William F., NIMKOFF, Meyer F. Acomodação e assimilação. In: CARDOSO, Fernando Henrique, IANNI, Octávio (orgs.) Homem e sociedade: leituras básicas de sociologia geral. São Paulo: Nacional, 1975. 317p.
PATTO, Maria Helena Souza. O fracasso escolar como objeto de estudo: anotações sobre as características de um discurso. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 65, p. 72-77, maio, 1988.
-----. A produção do fracasso escolar: histórias de submisso e rebeldia. São Paulo: T.A. Queiroz, 1990. 385p.
PERRET-CLERMONT, Anne-Nelly. A construção da inteligência pela interaçâ'o social. Lisboa: Socicultur, 1978. 366p.
PIAGET, Jean. Biologia e conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1973a. 423p.
-----. Estudos sociológicos. Rio de Janeiro: Forense, 1973b. 231p.
Problemas de psicologia Janeiro: Forense, 1973c. 157p.
genética.
215
Rio de
----- Psicologia da inteligência. Rio de Janeiro: Zahar, 1977a. 178p.
----- O julgamento moral na criança. São Paulo. Mestre Jou, 1977b. 358p.
----- Biologia e conhecimento. Porto: Rés, 1978. 352p.
----- O possível, O impossível e o necessário (As pesquisas em andamento ou projetadas no Centro Internacional de Epistemologia Genética). In: BANKS -LEITE, Luci(org.) Piaget e a Escola de Genebra. São Paulo. Cortez, 1987, 206p. 51-71.
PIAGET, Jean, GARCIA, Rolando. Psychogenese et histoire des sciences. Paris: Flamarion, 1983. 310p.
PIAGET, Jean, INHELDER, Barbel. A psicologia da cl'iança. São Paulo: Difel, 1976, 137p.
PIAGET, Jean, SZEMINSKA, Alina. A gênese do número na criança. Rio de Janeiro. Zahar, 1975. 331p.
RAMOZZI-CHIAROTTINO, Zélia. ° déficit pode ser real. Entrevista sobre: A inteligência da criança brasileira. Psicologia, Ciência e Profissão. Brasília, ano 7. n.l. 1987. p. 21-24.
RAPOPORT, Robert N. Three dilemmas in action research. Human Relations, London, v.23, n.6, p. 499-513, dec. 1970.
RIO DE JANEIRO. Proposta curricular: docume~to preliminar para discu ssão. Diário Oficial [do Huni cipi o do Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, suplemento especial, 15 jun. 1988.
SCHLIEMANN, Analúcia, CARRAHER, David; CARRAHER, Teresinha. Na vida dez, na pt:rcola zero. São Paulo: Cortez, 1988. 182p.
SHARAM, Shlomo. Cooperative learning in small groups: recent methods and effects on achievement, attitudes, and ethnic relations. Review of Educational Research, v.50, n.2, p. 241-271, 1980.
216
SLAVIN, Robert E. Classroom reward structure: an analytical and practical review. Review of EducatioJ1é/l ReSeé/l'ch, v. 47, n.4, p. 633-650, 1977.
-----. Student teams and achievement divisions. Journal of Research and Development in EducatioJ1, v. 12, n.l., p. 39-49, 1978.
----- Cooperative learning. Review of Educational Research, v.50, n.2, p. 315-342, 1980.
SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo. São Paulo: Cortez, Campinas: Editora da Unicamp, 1988. 135p.
SOARES, Magda. Didática: uma disciplina em busca de sua identidade. Ande, São Paulo, ano 5, n.9, p.39-42, 1985.
SOUZA, Nilson de, SILVEIRA, Eliane, GOMES, Vera. Trabalho em grupo: um dinâmico recurso para acelerar a aprendizagem. Nova Escola, São Paulo, ano VI, nQ 50, p. 48-50, ago. 1991.
SZAJDENFISZ, Bela Malvina. Mãe-de-al uno , quem é você? Ou mãe-de aluno - papéis sociais e representações da escola pública. Um estudo de campo. Dissertação (Mestrado em Educação) - Instituto de Estudos Avançados em Educação - Fundação Getulio Vargas - Rio de Janeiro, 1990.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa - aç§o. São Paulo: Cortez, 1988. 108p.
VERGNAUD, Gérard. Conceitos e esquemas numa teoria operatório da representação. Tradução por Anna Franchi e Dione Luchesi de Carvalho. mimeo. Tradução de: Concepts et schemes dans une théorie opératoire de la représentation. Phsychologie Française, v. 30, n.3-4, p.245-252. novo 1985.
WEBB, Noreen M. Student interaction and learning in small groups. Review of Edl.lcational Research. v.52, n.3, p. 421-445, 1982.
Dissertação apresentada aos Srs.:
Nome dos
• /~ t'~~v~ ~"-c-úh~~ ') ~ Angela Valadares Dutra de Souza Campos ~
(Orientadora) J. Componentes da
Banca Examinadora
Anna Maria Bianchini Baeta
J) ~ ni be e: tnL" úl:;nO ~ Denise Cipriano Jabou
Visto e permitida a impressão
Rio de Janeiro, ~/ ~/ 1992
Coordenador Geral do IESAE
Recommended