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A INTERAÇÃO ENTRE ALUNOS

NA SALA DE AULA

Ana Augusta de Medeiros

A INTERAÇÃO ENTRE ALUNOS

NA SALA DE AULA

Ana Augusta de Medeiros

Orientadora:

AngeÚJ Valadares Dutra de Souza Campos

Dissertação submetida como requisito parcial

para a obtenção do grau de mestre em Educação.

Rio de Janeiro

Fundação Getúlio Vargas

Instituto de Estudos Avançados em Educação

Departamento de Psicologia da Educação

1992

ii

À Marcia Filgueiras Nunes que por sua adesão à

proposta inter acionista, concretizou com sua

participação questionadora toda diversidade

contida nessas idéias.

111

AGRADECIMENTOS

A Renato Cesar Môller, pela colaboração, fundamental e desafiadora

À professora Angela Valadares Dutra de Souza Campos, orientadora deste

trabalho, pela motivação intelectual e delicadeza humana

Ao Professor Celso Sá, mestre e incentivador, pela riqueza das sugestões.

À Anna Helena Moussatché, pela confiança com que nos conduziu à sala de aula,

campo deste trabalho.

Ao corpo docente, administrativo e funcional da Escola Municipal C. C. Santos

Anjos, pela receptividade e consideração.

Aos alunos da Escola Municipal c.c. Santos Anjos, pela cooperação e emoção.

A todos professores, funcionários e alunos do IESAE por manterem viva esta

Instituição.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo

apoio necessário para a realização desta dissertação através da bolsa de mestrado.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) pela

bolsa de Finalização de Mestrado, que nos permitiu concluir este trabalho.

A meus filhos, Julia e Daniel, pela compreensão e alegria

iv

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 1

1 - FRACASSO ESCOLAR NO BRASIL 3

1.1 - Estudos e pesquisas: os enfoques dominantes _ 3

1.2 Pesquisas recentes: alguns resultados e novos

desafios

1.3 - Tendências prevalecentes e seus

ação pedagógica . . . . . . .

impactos sobre a

2 - A INTERAÇÃO ENTRE ALUNOS: UMA NOVA PERSPECTIVA NO CAMPO DA

PSICOSSOCIOLOGIA EDUCACIONAL

2.1 - A organização social das atividades em sala de aula

2.2 Competição e cooperação: processos sociais

2.3 Estnlturas cooperativas, competitivas e

individualistas: usos, desusos, polêmicas . . . .

2.4 - A organização social das atividades e o rendimento

escolar . . . . .

2.5

2.4.1 - Revisões de pesquisas

2.4.2 - Métodos cooperativos

2.4.3 - Os processos de interação e sua relação com

a aprendizagem

- O interacionismo

Piaget

na epistemologia genética de Jean

3 - UMA EXPERIÊNCIA EM AÇÃO NO ESPAço DA SALA DE AULA

4 - RESULTADOS, CONSIDERAçõES E SUGESTÕES .

4.1 - Considerações sobre a evolução dos alunos nas noções

operatórias observadas e no desenvolvimento da

9

22

36

38

42

45

49

50

61

73

90

108

184

aquisição da leitura e da escrita . . . . . . . . 184

4.2 - O rendimento escolar dos alunos: conceitos

bimestrais e situação final . . .. ..... 191

4.3 - Considerações sobre possíveis conexões entre o

avanço conceitual e o rendimento escolar . . . . .. 192

v

4.4 ConsideraçOes sobre as relações entre o

desenvolvimento intelectual, o rendimento escolar e

o papel das interações entre alunos em lma pedagogia

const~Jtivista . . . . . . .

4.5 - Considerações finais e sugestões

5 - BIBLIOGRAFIA

vi

199

203

209

A interação entre

trabalho escolar em

educacional capaz de

RESUMO

alunos na sala de aula através da promoção do

pequenos

contribuir

grupos

de

representa uma

modo importante

inovação

para o

enfrentamento do fracasso escolar.

A revisão da literatura sobre o tema revelou a existência de

inúmeros estudos que têm discutido o valor dessas relações, muitos

dos quais buscam na epistemologia genética de 'Jean Piaget subsídios

para explicar os benefícios intelectuais observados que possam influir

no rendimento escolar.

A análise das várias correntes interpretativas sobre as causas

do fracasso no ensino público brasileiro, sobretudo em suas séries

iniciais, apontou uma tendência atual de se buscar no interior da sala

de aula elementos que possam reverter o quadro de evasão e repetência.

A pesquisa-ação realizada em uma eacola municipal, na sala de

aula de uma primeira série, durante o ano de 1990, teve como objetivo

prático a introdução de uma forma de organização que priorizasse o

trabalho em grupo, sob a perspectiva construtivista e interacionista

piagetiana. O objetivo de conhecimento consistiu em se verificar a

possibilidade de realização desse propósito em uma escola pública e

auferir os resultados da intervenção relacionando-os com o rendimento

dos alunos.

vii

A observaçao de pares de alunos executando tarefas escolares sob

determinadas condições, permitiu-nos a elaboração de um modelo

conceitual que distingue e nomeia as modalidades de conflito

(imposição e independência) e de cooperação (delegação e

interdependência), podendo contribuir deste modo para futuras

pesquisas que pretendam aprofundar as implicações desses modos

interativos com os avanços intelectuais e com o rendimento escolar.

o saldo positivo constatado ao final do ano letivo, no que diz

respeito ao avanço intelectual e à aprovação para a série seguinte,

vem corroborar o pressuposto inicial sobre o valor dessas interações e

seu potencial em revigorar a prática pedagógica.

viii

ABSTRAGr

The etudent interaction in the cIaeeroom through the promoting

of cIaeework in emall groupe repreeente an educational innovation abIe

to contribute in an important way to face echolaetic failure.

The review of literature about the eubject hae unveiled the

exietence of uncoutable etudiee which have been diecueeing the value

of theee relationehipe, many of which eearch in Jean Piaget'e genetic

epiethemology subsidies to explain the obeerved intelectual benefite

and which could influence the scholaetic efficiency.

The analyeis of the eeveral interpretative tendenciee about the

cause of failure in Braeilian public teaching, above alI in ite

preliminar seriee, hae highlighted an actual tendency to look in the

interior of the claeeroom for elemente which could revert the

elopement and repetition frame.

The action-reeearch developed in a municipal echool, in a firet

eeriee claeeroom, during the year of 1990, has had a practical goal,

the introduction on an organization which give precedence to team

work, under piagetian conetrutiviet and interactional perepective.

The ecientific goal hae coneieted in the verifying the poeeibility of

execution of thie purpoee in a public echool ando to obtain the

intervening outcomee relating them with etudentá efficiency.

The obeervation of couplee of etudente executing echolaetic

ix

taaka under determined conditiona, haa allowed ua the evolvement of

conceptual model which diatinguiahea and deaignatea the aorta of

conflicta (impoaition and independence) and of cooperation (delegation

and interdependence), being able to contribute thia way for future

reaearchea which intend to deepen the inferencea of theae interative

waya with intelectual advancea and with acholaatic efficiency.

The poaitive balance evidenced at the end of the achool year, in

reapect to intelectual advance and to approval to the following

aeriea, comea to corroborate the initial project about the value of

theae interactiona and ita potential to revigorate pedagogical

practice.

x

APRESENTAÇÃO

o estudo das interações sociais em conjunto com a questão das

representações sociais têm-se constituído o campo privilegiado sobre o

qual se debruçam os estudiosos da psicossociologia hodierna. Do ponto

de vista educacional, o estudo sobre as relações que pontuam o

interior da sala de aula se abre para examinar a importância das

interações entre professor e alunos e mais recentemente, entre os

próprios alunos.

o presente estudo tem por objetivo apresentar as várias formas

que a interação entre alunos pode assumir em sala de aula e refletir

sobre os benefícios que dessas interações, enfatizadas através do

trabalho escolar em pequenos grupos, possam resultar em um melhor

rendimento dos alunos, com reflexos diretos no problema da repetência

e evasão escolares.

Para tanto, apresentamos no primeiro capitulo, um pequeno

histórico sobre os enfoques explicativos do fracasso no ensino público

brasileiro, resultados de pesquisas recentes e a tendência atual em se

buscar no interior da sala de aula elementos significativos para a

construção de um saber pedagógico renovador.

o segundo capitulo contém uma revisão da literatura sobre a

interação entre alunos na sala de aula, explora questões relacionadas

à adoção do trabalho em grupo e discute o aspecto interacionista da

epistemologia genética de Jean Piaget, teoria que, a nosso ver,

fundamenta o valor dessas interações.

2

O relato da experiência vivida na sala de aula de uma escola

municipal, entremeado por consideraçoes metodológicas e ponderações

sobre as conseqüências da intervenção pedagógica naquele contexto, dá

forma ao terceiro capítulo.

Por fim, no quarto capítulo, apresentamos uma tentativa de

organização de resultados e descobertas através de considerações

acerca das possíveis conexões entre o desenvolvimento intelectual, o

rendimento escolar e a interação entre alunos na sala de aula.

CAPI'l'UW 1

FRACASSO ISCDLAR 10 BRASIL

1.1 - Istudos e pesquisas: 08 enfoques oo.iMntes

3

Os estudos sobre o fracasso escolar no Brasil, em especial os

que focalizam as primeiras séries do primeiro grau, têm evoluído ao

longo do tempo na tentativa de explicar as causas da evasão e da

repetência na escola pública do país.

Em uma primeira fase, predominava nesses estudos o enfoque

psicopedagógico, quando era imputado ao aluno - particularizado em

habilidades e dons - toda e qualquer responsabilidade por seu êxito ou

malogro escolar.

A história dos primórdios da pesquisa educacional no Brasil

confunde-se com a pesquisa em psicologia quando, no início deste

século, pedagogos e psicólogos realizavam experimentos de laboratório

com escolares infantis na linha da psicologia do desenvolvimento e

levavam os resultados encontrados para as salas de aula das escolas

normais1 • A literatura sobre o aparecimento dos testes de

inteligência já sugere esta ligação ao relatar que o primeiro teste de

Alfred Binet - a escala Binet-Simon de 1905 - foi construído por

encomenda de uma comissão do governo francês para aplicação em alunas

consideradas subnormais das escolas de Paris. (Anastasi, 1977)

1 A partir da Lei 5.692/71, o antigo curso normal passou a se denominar Curso de Formacão de Professores.

4

Copit e Patto (1979) ressaltam a importância dada na época aos

laboratórios experimentais - como o Pedagógium (planejado por Binet e

criado no Rio de Janeiro em 1916) assim como o da Escola Normal de São

Paulo (inaugurado em 1914) - e aos trabalhos de Lourenço Filho sobre a

maturidade para a aprendizagem da leitura.

A relação entre o psicológico e o pedagógico se ~titabelecera no

interior de um modelo médico impregnado de tp.orlas racistas e de

estereótipos sociM;R. Patto (1988) relata a importância fundamental

da medicina na Psicologia Educacional brasileira:

"Na passagem do século, freqüenteJDente os estudos de psicologia e de dl1tropologia foram conduzidos por médicos-pesquisadores, muitas vezes preocUPados com as relações entre raça, cliJDa e personalidade, desenVi01Viendo temas de G.riJDinologia e fBiquiatria Forense, visdl1do a cO/l1preensão e solução de probleJD8.8 sociais através de progr8.JIl8.S de Hedicina Social. A influência desta vertente médica da peicologia tornou-se ainda maior DOS meios emlcacionais a partir do momento eJD que a presença de médicos no corpo docente das escolas nortD8.is passou a ser usual. De outro lado, a própria trajetória institucional de muitos destes médicos foi decisiva para os rumos da ~licaçKo do insucesso escolar e do trat8.JDento que passou a lhe ser dispensado nas décadas seguintes: dos Hospitais fBiquiátricos para os Institutos, Ligas e Clinicas de Higiene I1ental, destes para os Serviços de Inspeção Hédico-Escolar, destes para as Clinicas de Orientação Infdl1til estatais e destas para os Depart8.JDentos de Assistência ao Escolar das Secretarias de Educação . .. (p. 75)

A marca da abordagem psicopedagógica se fez presente também no

discurso oficial. A análise realizada por Patto (1990) do material

sobre o fracasso escolar publicado na Revista Brasileira de Estudos

Pedagógicos do INEP-MEC, em sua trajetória de 1944 a 1984, confirma

5

tal influência na medida em que identifica um tipo de discurso que a

autora denomina de "fra turado "; se do ponto de vista pedagógico - e

sob a égide dos princípios escolanovistas - há um reconhecimento da

inadequação das práticas da escola pública de ensino elementar (que

por seu formalismo se distancia do aluno e portanto o afasta) persiste

ainda a atribuição das dificuldades apresentadas pela criança a

distúrbios físicos e psíquicos que impedem o êxito escolar.

Estender a culpabilidade do aluno à sua família, ao meio social

em que vive e à classe sócio-cultural a que pertence passou a ser a

nova face da interpretação do fracasso escolar, respaldada nas teorias

ambientalistas americanas prevalecentes a partir dos anos sessenta e

que subsidiaram as várias iniciativas educacionais de caráter

compensatório naquele país e, mais tarde, no Brasil.

Denominada teoria da privação cultural, surgiu como uma reação à

corrente que acreditava na inferioridade da raça negra para explicar a

condição desigual em oportunidades vivida pela população negra

norte-americana. A nova abordagem provocou uma série de alterações no

rumo das justificativas para o fracasso escolar assim descritas por

Nicolaci-da-Gosta (1987):

"(a) desvincula-se a inteligência do fator genético-racial; (b) vincula-se o nivel intelectual ao periodo pré-escolar, o que, por sua vez, evita UD1

questionaJDento da instituiç60 escolar e responsabiliza a faJDilia pelo sucesso ou insuceBBo; conseqüentemente, (c) a faJDilia assUD1e o ~pel anteriormente atribuido à raça; através desta transposiç80 de responsabilidades, (d) nega-se o raciBlIJO e os discursos paB8lJlD a se referir a 'crianças e flJllJilias pobres'; (e) abre-se, ent80, UD1

espaço para a intervenç80 institucional,

anteriormente inexistente, caracteristicas raciais n80 (p.19-20)

6

na medida em que podem ser alteradas."

Segundo Patto (1990), a influência desta teoria se fez sentir

particularmente na produção acadêmica de docentes e alunos de

pás-graduação e na produção cientifica do Departamento de Pesquisas

Educacionais da Fundação Carlos Chagas. Ao final da década de

sessenta, por exemplo. um programa de pesquisas coordenado por Ana

Maria Poppovic procurou dirigir seus estudos para a melhoria da

qualidade do ensino destinado às camadas mais pobres da população

brasileira. A produção do grupo voltou-se para os fatores

extra-escolares e a forma como estes repercutiam no rendimento dos

alunos com o objetivo de organizar curriculos de intervencão para

atacar o problema da repetência no ensino fundamental. Embora fosse

admitida alguma culpa por parte da escola, a ênfase dada era na

disparidade cultural em uma visão não antagônica que tratava as

classes sociais apenas como diferentes. Conforme assinala a autora:

"( ... ) no apogeu da teoria da carência cultural, o discurso educacional não padecia da fra tllra que contraiu quando da vigência daJJ idéiM escolanovistas; ao contrário, a causa principal do fracasso encontrava-se no aluno, cabendo à escola UII1a parcela de responsabilidade por não se adequar a este aluno de baixa renda. Na verdade, lJB caUBlJB intra-escolares do fracasso escolar e a critica ao sisteJDlJ de ensino havilJll1 sido secundarizadas no IIllJrCO desta concepç60 . .. (Patto, 1990, p.112)

Na tentativa de contornar as criticas à educação compensatória,

a equipe de pesquisadores desenvolveu, em uma segunda fase, outra

linha de pensamento que aliava o enfoque social ao campo

7

institucional, expondo ao debate a natureza, os valores e as práticas

escolares. Com os resultados das pesquisas sobre o conhecimento

psicológico, social e cognitivo das crianças ao entrarem para a vida

escolar, a equipe partiu para uma pesquisa-intervenção com o chamado

Programa Alfa Cl~O objetivo era o de desenvolver materiais

curriculares para os anos iniciais do primeiro grau, destinado às

crianças das camadas de baixa-renda e a seus professores.

Se este programa, no entender de Patto (1990) se ressentiu por

estar norteado por um referencial "problemático", que não reconhecia o

caráter antagônico das classes sociais no âmago da sociedade

capitalista, ainda assim pode ser apontado como pioneiro no "reinício

de atenção para as condições do ensino que tO/llaria corpo na pesquisa

educacional na passagem da década de setenta para os anos oi tenta

( ••• )" (p.113)

Em meados da década de setenta, ao mesmo tempo em que a teoria

da carência cultural informava a produção cientifica sobre o fracasso

escolar, teorias de cunho sociológico oriundas da Europa já destacavam

a função reprodutora da escola na sociedade dividida em classes para

manter uma situação de dominação. Rsta critica penetrou nos meios

mais avançados do pensamento educacional brasileiro, revertendo um

quadro de otimismo predominante na época que acreditava nas

possibilidades da escola como centro irradiador de ações est~ladoras

para reformas estruturais de caráter progressista. Chamadas de

critico- reprodutivistas, estas teorias, por sua mirada

macrossociológica, instauraram um certo estado de imobilismo ao

8

postularem que o exercicio pleno da vocaç80 transformadora atribuída ã

escola só se daria pela transformação dos determinantes est~lturais

mais amplos.

Foi justamente pela negação dessa postura - sem deixar de

reconhecer a importância da tese da reprodução por sua crítica ã

teoria da carência cultural - que a produção sobre o fracasso escolar

no Brasil viu se delinear uma terceira posição já detectada pela ampla

pesquisa de Brandão, Baeta e Rocha (1982)2 como

"( ... ) uma perspectiva de análise que incorpora o contexto sócio-econâmico e político de forma menos fatalista e que procura descobrir dentro da escola o que lhe é específico, SeJIJ descuidar nem do indivíduo nem do social, mas procurando incorporar a categoria "totalidade" na análise da prática escolar . .. (p.12)

As palavras de Mello (1982) também ilustram com riqueza esta

nova tendência:

"( ... ) admi ti desde o início que se a escola é parte inseparável da totalidade do social - e é exatamente isso que me obriga a reconhecer que ela é determinada pelos fatores econÔlDicos aJIJplos -, então ela apresenta internamente as me8llllls relações de mudança e de reprodução que caracterizam aquela totalidade. Isso significa dizer que agir dentro da escola é tambéllJ agir na sociedade da qual ela não pode ser separada. Em palavras mais s1.mples: há o que fazer nesta escola existente, para qUeJIJ, como eu, quer torná-la menos seletiva e e11tlsta do que ela é hoje . .. (p.14)

Novos rumos surgiram desta forma, com pesquisas que passaram a

2 A referida pesquisa intitulada "O estado da arte da pesquisa sobre evasão e repetência no ensino de lQ grau no Brasil" cobriu a produção acadêmica sobre u tema durAnte o periodo de 1971 a 1981.

9

hllt'lr.ar no interior da escola as contradições ali existentes, pelo

reconhecimento de que há um espaço prõprio para a ação escolar no

esforço de transformação da sociedade.

1.2 - Pesquisas recentes: alguns reBUl. tados e DOV08 desafios

Dentre os inúmeros trabalhos realizados a partir desta nova

abordagem, destaca-se a proposta de uma equipe de pesquisadores,

sediada na Universidade Federal de Pernambuco CUFPe) e liderada por

Terezinha Carraber, que procura trazer a questão do conhecimento para o

centro da análise educacional. Para esses estudiosos, não basta

afirmar que o fracasso escolar da criança pobre é um problema do

sistema: faz-se necessário analisar o que acontece dentro da escola e

compreender as contribuições desta criança para o processo de

apropriação do conhecimento escolar.

Estudos realizados por essa equipe com crianças das camadas

populares têm demonstrado que esses alunos, mesmo quando fracassam na

escola, apresentam õtimos resultados em tarefas que fazem parte de seu

cotidiano e que exigem conhecimento lógico-matemático equivalente ao

que a escola requer. Por que, então, a escola ignora esta competência

tão claramente exibida fora da situação escolar?

Baseada nesta indagação, a equipe tem desenvolvido um trabalho no

campo da educação com a formação de professores e supervisores da rede

estadual de Pernambuco - o Projeto Aprender Pensando - que examina os

resultados das pesquisas indicativos de que as dificuldades exibidas

10

pelas crianças na escola, tanto ao aprenderem matemática quanto ao

aprenderem a ler, n80 são resultados de deficiências intelectuais mas

de diferenças de modo de pensar.

Na busca das bases cognitivas

primeiros estudos realizados pela

da aprendizagem

equipe da UFPe

escolar, os

partiram do

pressuposto de que o fracasso escolar das crianças pobres explicava-se

por um atraso em seu desenvolvimento cognitivo. No entanto, se de um

lado estudos experimentais colocavam a aprendizagem como dependente do

desenvolvimento cognitivo, por outro, estudos comparativos em

diferentes culturas indicavam que a escolarização promove tal

desenvolvimento. Essas dúvidas foram exploradas através de vários

trabalhos e, finalmente, a hipótese inicial foi colocada à prova em uma

pesquisa publicada sob o título "Fracasso escolar: uma questão social"

(Carraher & Schliemann, 1983a). Tratava-se de relacionar de modo

sistemático o desenvolvimento cognitivo como descrito em Piaget e a

aprendizagem escolar da matemática no Brasil. A pesquisa analisou a

contribuição da criança para a aprendizagem da matemática através da

(a) análise das relações entre o conhecimento escolar e desenvolvimento

cognitivo da criança; (b) caracterização do desenvolvimento cognitivo e

da aprendizagem escolar das crianças pressupostamente destinadas ao

fracasso e (c) comparação sistemática interclasses para detectar as

diferenças na contribuição da criança para a aprendizagem escolar em

função de sua origem social. A pesquisa trabalhou com crianças de

escolas públicas e particulares. As escolas públicas escolhidas

atendiam a uma população pobre e mostravam alto indice de reprovação e

evasão nas duas primeiras séries. As escolas particulares, ao

11

contrário, apresentavam alto índice de aprovação e atendiam a camadas

de renda média e média-alta.

Os dois gnlpos de crianças diferiam quanto à idade e quanto à

série que freqüentavam mas tinham em comum o fato de estarem na série

onde era iniciado o ensino de matemática. Cada criança foi

individualmente examinada em duas seqüências de tarefas: (a) aquelas

relacionadas ao desenvolvimento cognitivo e (b) aquelas relacionadas ao

currículo escolar da matemática. Os resultados apontam para três

conclusões principais: (a) a aprendizagem da matemática está

relacionada ao nível de desenvolvimento cognitivo independentemente da

origem social da criança; (b) ao iniciar a instrução matemática, as

crianças de camadas sociais diversas encontram-se em níveis de

desenvolvimento cognitivo comparáveis e (c) a aprendizagem da

matemática não é significativamente diferente em crianças de camadas

sociais diversas, embora os índices de reprovação em matemática sejam

marcadamente discrepantes.

A constatação de que as crianças das classes populares, apesar de

freqüentemente reprovadas, apresentam a mesma competência em matemática

que as crianças de classes média e média-alta, ensejou outra pesquisa

relatada no artigo "Na vida dez, na escola zero: os contextos culturais

da aprendizagem da matemática" (Carraher et alo, 1982)3. Vários

autores estudados pelos pesquisadores (Labov, Leacock, Heath e Cole)

3 Artigo publicado em 1982, portanto em data anterior à publicação dos resultados da pesquisa "Fracasso escolar: uma questão social" (Carraher & Schiliemann, 1983a).

12

apontam inconsistências entre o desempenho de sujeitos considerados

culturalmente desfavorecidos em situações formais e experimentais e o

desempenho desses mesmos sujeitos em situações informais e cotidianas.

Transpondo este raciocínio para o contexto da sociedade de classes, a

pesquisa procurou diferenças entre a competência matemática de crianças

pobres quando eram examinadas na escola e fora da escola. Trabalhou-se

com um grupo de crianças em duas situações: de teste informal, na qual

as crianças eram avaliadas em seus locais de trabalho; de teste formal,

em que requeria-se lápis e papel para a resolução dos mesmos problemas

ou contas utilizados na situação informal. Os resultados foram

considerados surpreendentes, e mesmo dramáticos, pelos autores da

pesquisa: havia uma enorme discrepância entre a performance em contexto

informal e em contexto chamado escolar.

':.4s crianças pobres, que resolvilJlll corretamente problemas de aritmética em 98% dos casos fora da escola, nAo conseguiam resolver JlJais do que 38% de continhas apresentadas no estilo escolar, embora essas envolvessem os meBIIJos nÚIIJeros que tinh8I/J surgido nos problemas resolvidos fora da escola." (Carraher et aI., 1986, p.82)

Concluem os autores que se há um fracasso na aprendizagem escolar

da aritmética, este não se deve a uma deficiência da criança ou do

contexto sócio-familiar que a cerca. g um fracasso da própria escola

que tem se revelado incompetente para avaliar seus alunos e para

aproveitar os conhecimentos que estes trazem de seu cotidiano.

A rejeição da hipótese de que o fracasso seletivo das crianças

pobres no início da aprendizagem da matemática possa ser explicado por

atrasos no desenvolvimento cognitivo é de importante significação porém

13

não pode 8er extrapolada para toda8 a8 área8 de en8ino. Ao e8tudar o

de8envolvimento cognitivo e alfabetização, Carraher & Rego (1984)

encontraram um atra80 con8iderável na8 crianças de e8cola pública com

relação a08 pré-requi8it08 cognitiv08 no início da aprendizagem da

leitura e da e8crita. Se o de8empenho das criança8 pobre8 é inferior

ao da8 criança8 da8 clas8e8 mai8 aba8tadas, e8te fato, para 08

pe8qui8adores, não é suficiente como explicação do fraca8so. Seria

portanto incorreto inferir que e8te possa ser interpretado em term08 de

deficiência cognitiva. Atra80 não é deficiência, adverte a equipe da

UFPe. Ne8ta mesma pesqui8a, observou-se um acentuado progresso no

de8envolvimento cognitivo ao final do ano letivo ainda que os nívei8 de

aprendizagem escolar para garantir a promoção do aluno não tenham sido

8uficientes.

A série de pesquisas realizadas (a) sobre o conhecimento

matemático nas atividades cotidianas e (b) sobre a comparação entre o

de8empenho na resolucão de problemas em uma situação informal e em uma

situaçAo escolar por alunos que usam a matemática em sua vida diária

fora da escola desencadeou diferentes reações por parte dos educadores.

Segundo os próprios pesquisadores, houve entusiasmo "entre aqueles que

estavam dispostos a tratar a escola COlIJO UlDa situaçAo de aprendizagem,

dentre muitas, numa cultura c~lexa e indUstrializada" (Carraher,

1988, p.101) e ceticismo por parte daqueles comprometidos com a atual

e8trutura e8colar.

Na tentativa de superar a controvérsia constatada nos primeiros

trabalhos sobre a natureza das habilidades desenvolvidas na vida

14

prática - habilidades vistas pelos que duvidam dos resultados como

habilidades restritivas, concretas - outras investigações envolvendo o

esquema da proporcionalidade e, portanto, de habilidades mais

sofisticadas - foram encetadas. A análise teóricu de todos esses nOV0R

estudos permite ao grupu da UFPe afirmar que

"( ... ) tanto no caso de operações aritméticas como no caso de modelos matemáticos ~is complexos. a prática da matemática na vida diária oferece condições para a constru,~Ao dos meBlIJos invarÍlwtes. defiJlindo uma capacidade básica para a aprendizagem de matemática escolar. " (Schliemann et aI., 1988, p.l63)

No decorrer da análise, alguns avanços teóricos conquistados pela

equipe se efetivam nas seguintes direções:

1 - definição do papel das diferenças culturais na questão do conceito;

2 - estabelecimento das diferenças e semelhanças entre conceitos

aprendidos dentro e fora da escola;

3 - compreensão do problema da chamada decalagem horizontal4 contido

na teoria genética de Jean Piaget, que apresenta dificuldades em

explicar as diferenças de desempenho entre situações diversas em que os

mesmos invariantes possam estar envolvidos.

Utilizando a abordagem de Vergnaud (1985) no estudo de conceitos,

foi formulada uma hipótese a respeito da possibilidade do

desenvolvimento dos mesmos modelos básicos na vida e na escola: "( .•. )

é possivel qll~, apesar das grandes diferenças nas situações,

4 '~B decalagens carcterizam a repetição ou a reprodução do meBl110 pl'ocesso formador em diferentes idades. ( ... ) Falaremos de decalagens horizontais quando uma mesma operação se aplica a conteúdos diferentes . .. Jean Piaget, Problemas de psicologia genética. 1913, p. 52.

15

encontraremos as mesmas propriedades como subjacentes ao raciocínio

matemático dentro e fora da escola . .. (Schliemann et alo, 1988, p.147)

Estudando o conceito, Vergnaud distingue, para fins de análise,

três conjuntos definidores, quais sejam:

a - um conjunto de situações que dão sentido ao conceito;

b - um conjunto de invariantes operatóriQB subjacentes ao tratamento

desta situação pelo sujeito;

c um conjunto de símbolos utilizados na representação dos

invariantes, das situações, dos procedimentos de tratamento.

Partindo dessa distinção, é possivel comparar os conceitos

desenvolvidos dentro e fora da escola, a saber:

a - o conjunto de situações usado na escola para a aprendizagem do

conceito pode ser amplo ou restrito, dependendo da prática pedagógica

do professor, mas constata-se que essas situações estão sempre

distanciadas da vida diária. Na escola, os estudantes preocupam-se em

utilizar as fórmulas ensinadas pelo professor e não em refletir sobre o

sentido das questões, o que leva muitas vezes a resultados absurdos.

Isto certamente não ocorreria no cotidiano fora da escola, quando os

problemas têm significado real e não são s~lesmente números que devam

ser operados. Assim, os significados atribuidos aos conceitos na vida e

na escola são diferentes, o que revela de pronto a importância do

contexto na compreensão do conceito;

b - os invariantes são propriedades definidoras do conceito; as tarefas

cotidianas apresentam os mesmos invariantes, mas como os contextos são

diferenciados, não se pode afirmar que ~licam no mesmo conceito;

16

C os símbolos utilizados para a representação do conceito são

diferentes na matemática da escola (que é escrita) e na matemática

utilizada na rua (que é oral).

Portanto, se os invariantes demonstram a capacidade básica por

parte do st~eito de raciocinar coerentemente com uma estrutura

lógico-matemática, isto não implica dizer que todos os usos de uma

estrutura definam conceitos idênticos porque, ao variarem os

significados e as simbolizações, também irão variar os modos de

analisar e de agir durante a resolução de problemas. As diferenças na

organização conceitual dos sujeitos, decorrentes de diferenças

culttlrais, intervêm na criação das situações e na escolha das formas de

simbolização.

Rsta hipótese de que os mesmos invariantes não significam uma

idêntica organização conceitual tem implicações educacionais

importantes. Pode explicar porque as crianças que não aprendem na

escola revelam capacidade de compreender a matemática fora da situação

formal. No entanto, como os próprios pesquisadores reconhecem, é

necessário investigar mais detalhadamente o alcance de diferentes

sistemas simbólicos e as diferentes fronteiras dos conceitos

matemáticos. R principalmente, com o avanço desses estudos, tentar-se,

de algum modo, articular a competência matemática da criança,

constatada em situações informais, ao objetivo de fazê-la dominar, de

fato, o instrumental fornecido pela escola - os chamados amplificadores

11

culturais da capacidade existenteo.

* * *

No artigo em que avalia criticamente a psicologia educacional,

Libâneo (1985) aponta para a necessidade de se fazer uma psicologia das

relações sociais uma vez que a psicologia ocidental tem-se

caracterizado pelo compromisso com o individualismo, acarretando uma

visão abstrata da criança, isto é, fora do contexto social em que esta

se insere. Ao defender uma intervenção pedagógica que valorize o que

há de positivo na experiência social das classes populares objetivando

uma superação do quadro de altos indices de evasão e repetência nas

escolas públicas, Libâneo propõe algumas questões que, no seu entender,

deveriam fazer parte das investigações da psicologia educacional.

Tais questões, convém assinalar, não passavam inteiramente

despercebidas pelo conjunto de educadores brasileiros da época. De

fato. ainda no limiar da década de oitenta, já eram atentamente

observadas como veremos a seguir:

a - "até que ponto o i.rJ8ucesso escolar de~ ser atribuido a

deficiêDcillB de ordea intelectual?" (Libâneo, 1985, p.172)

o Sobre o conceito de amplificador cultural ver: Teresinha Carraher, Sociedade e inteligência. 1989a, p.79.

18

Neo foi encontrado qualquer déficit cognitivo em relação às habilidades

requeridas para o início da aprendizagem da matemática nas crianças das

camadas populares, conforme as conclusões da pesquisa "Fracasso

escolar: uma questão social" (Carraher & Schliemann, 1983a). Quanto à

aprendizagem da leitura e da escrita, os resultados a que chegaram

Carraher & Rego (1984) configuram um atraso perfeitamente superado ao

longo do ano escolar. Na tentativa de compreender porque a escola não

reconhece esta superação, os pesquisadores indagam se a avaliação

escolar não refletiria tão somente forças ideológicas, econômicas e

culturais exteriores à escola, ao invés da competência acadêmica dos

alunos.

b - "por que há ~ entre a ~tlb2c1a dlt cr11Jl1()1J J2IUJ

at1vidltdes escolares e a CIflJtJC1dade revelada.. outras at1vidades?"

(Libâneo, 1985, p.172)

Em relação ao ensino da matemática, de acordo com o grupo de

pesquisadores da UFPe, o fracasso escolar aparece como fracasso da

escola (a) pela incapacidade de aferir a real capacidade da criança;

(b) pelo desconhecimento dos processos naturais que levam a criança a

adquirir o conhecimento e (c) pela incapacidade de estabelecer uma

ponte entre o conhecimento formal que deseja transmitir e o

conhecimento prático do qual a criança, pelo menos em parte, já dispõe.

Em relação à alfabetização, os pesquisadores fazem notar que a escrita

é uma invenção cultural e como tal varia qualitativamente entre as

culturas. Os niveis de organização dos sistemas de representação -

escritas ideográficas, silábicas, alfabéticas - são opcionais.

19

'j4s crianças de clUlladas sociais mais elevadas vivem cercadas por este objeto cultural; seus pais são alfabetizados e usam a leitura e a escrita nos mais diversos contextos. As crianças de camadas sociais mais baixas. por outro lado, têm muito meJl0S contacto com a língua escrita . .. (Carraher & Rego, 1984, p.51

Esses fatos podem explicar o atraso considerável que aquelas crianças

apresentam em relação aos pré-requisitos cognitivos ao iniciarem a

alfabetização. Para os pesquisadores, os re8Ultados sugerem a

necessidade de revisões das práticas escolares na preparação e na

avaliação do alfabetizando. Novamente é a escola que é posta em

questão no que diz respeito à sua capacidade de ajustar-se às maneiras

de atuar e pensar das crianças provenientes das diferentes camadas

sócio-econômicas.

c - ..... .eio escolar est:J.ullJ12te, ,. vários BtmtidOB, CODtribuirla para

.,1os favorecidos ~?" (Libâneo, 1985, p.172)

Os estudos realizados pelo GEEMPA ( Grupo de Estudos sobre Educação -

Metologia de Pesquisa e Ação), a partir de 1979, para verificar como as

crianças das classes populares aprendem e as causas de seu insucesso,

resultaram na construção de uma proposta didática que incorpora a

realidade e as vivências dessas crianças. Implementado inicialmente de

modo alternativo em uma classe experimental de primeira série na Vila

Santo Operário, em Canoas, RS, o projeto se estendeu a partir de 1983

para a rede pública oficial. Os primeiros resultados da experimentação

foram significativamente positivos tanto em relação ao rendimento do

aluno quanto ao índice de aprovação para as séries subseqüentes. Além

20

disso, a assiduidade dos alunos e a quase total inexistência de evasões

durante a experiência levaram o grupo acreditar que a pouca freqüência

e a grande evasão "tão comuns nas escolas da vila, não seriam

características deste tipo de população, mas uma conseqüência da

proposta didática da escola regular." (Craidy et a!., 1983, p.214)

d - "qual é, de fato, a ezteDBão das deBVlJIltaserJs BÓCio-cul.turais que

as crilJllÇaB pobres efetiw.ente carregsa?.."a.:, efetiw.ente, IJB

deBVlJIltBgens poderia. se trlJDBfozwar ~ pcmtos de apoio para deslaDCbar

a ação educativa?" (Libâneo, 1985, p.172)

Experiências pedagógicas como as do GEEMPA vêm demonstrar que a

extensão das desvantagens sócio-culturais está diretamente implicada na

maneira como a escola agrega à sua proposta educacional as experiências

e vivência concreta de seus alunos. As pesquisas realizadas com a

população da Vila Santo Operário permitiram ao GEEMPA conhecer algumas

das peculiaridades das famílias e dos próprios alunos que freqüentavam

a classe experimental: o predomínio do corporal sobre o intelectual,

dificuldades por parte da criança em seu processo de individuação,

baixa motivação para cursar a escola regular. Essas características

permitiram a determinação de princípios gerais orientadores da ação

pedagógica tais como (a) ampliar ao máximo os campos de expressão com a

recuperação das atividades manuais e corporais, dirigidas agora para o

trabalho escolar; (b) realizar uma ligação indissociável entre a

criatividade e a cognição ao incentivar a expressão da individualidade

do aluno e (c) motivar a presença do aluno na escola pela

intensificação do prazer de aprender. (Craidy et aI., 1983)

21

e - ué poBBível II/JIlter os aes.os par6aetros da cultura padr60 das

cllUlBes socialaente favorecidas para, por JM§todos adequados, ~lOB

para as classeB poPllares?U (Libâneo, 1985, p.172)

A crítica que o grupo de UFPe faz à escola como incapaz de entender e

valorizar a criança não se restringe ao ensino público.

pesquisa de Carraher & Schliemann (1983b) sobre adição e

Por exemplo, a

subtração na

escola, com sujeitos de classe média e classe popular, demonstra que as

estratégias ou algoritmos ensinados pela escola nem sempre são os

preferidos pela criança e. além disso, são os que mais usualmente levam

a erros.

Desta forma. a questão central não seria a de adequar às classes

desprivilegiadas a cultura padrão mas, no que diz respeito ao ensino

escolar, adequá-lo ao pensamento infantil. Na referida pesquisa não

foram encontradas diferenças entre as crianças das duas camadas sociais

quer no tipo de estratégia preferida, quer no número de respostas

certas.

1.3 - Tendências prevalecentes e seus ~to8 sobre a açIo pedag6aica

o exame da produção científica brasileira que versa sobre o

problema do fracasso escolar na escola pública, aponta para caminhos

que já se delineiam com nitidez. Apesar das várias correntes

interpretativas, é possível se afirmar que há um sentido consensual a

respeito da participação decisiva da instituição escolar para reverter

o quadro atual, e da necessidade de se buscar no interior da escola,

através de uma troca de conhecimentos, os elementos necessários para

22

implementar tal mudança.

Do ponto de vista da ação do pesquisador que entra em contato com

a instituição escolar para investigar as questoes ligadas à evasão e à

repetência no primp.iro grau, podemos distinguir duas posturas:

a dos que pretendem examinar as práticas, os processos, seus

protagonistas, sem no entanto exercer um papel ativo de colaboração

durante o período de investigação;

a dos que optam por uma ação participativa, muitas vezes

impulsionados pelos resultados de pesquisas como as acima definidas e

que apontem para caminhos possíveis de transformação.

No primeiro conjunto estão, entre muitos outros, os estudos do

grupo da Fundação Carlos Chagas, os do GEEMPA e os desenvolvidos pelos

pesquisadores da UFPe. Do segundo conjunto são exemplos as

experiências educacionais derivadas, respectivamente, daqueles estudos:

o Projeto Alfa, a proposta de alfabetização do GEEMPA, o Projeto

Aprender Pensando.

Ainda do primeiro conjunto. cumpre citar o estudo de Patto (1990)

sobre a produção do fracasso escolar que inclui, em sua primeira parte,

uma extensa revisão da literatura sobre o tema e, na segunda, o relato

da pesquisa desenvolvida no interior de uma escola pública de primeiro

grau, na periferia da cidade de São Paulo. Tematizando desde as raizes

históricas das concepções sobre o fracasso para desembocar na análise

da natureza do discurso oficial brasileiro, Patto arremata a revisão de

literatura identificando três afirmações que habitam as pesquisas mais

23

recentes 80bre a8 desigualdades educacionais na 80ciedade brasileira:

- 'M dificuldades de aprend1~ escolar da crilJllÇlJ pobre decorre. de

BUIJB CODdiçóes de vida. ,. (p. 121)

- '~escola pública é la! escola adequada às crilUlÇaB de clllBBe aédia e

o professor terJde a lIIlir~ _ sala de aul.a~ terJdo _ aente ,.. alUllO

ideal • .. (p.123)

"Os professores não elJt:tmcte. ou di.scr.i_j",.. seus alU1lOB de clllBBe

baiJr.a por tertllll pouca BelJBibilidade e /lI"IUlde falta de CODbeciaento a

respeito dos padriJeB culturais dos alU1lOB pobres~ _ função de sua

condição de cllUJBe Édia • .. (p.125)

São afirmações que precisam ser revistas, avalia Patto. O

pensamento educacional brasileiro mais atual estaria ainda impregnado

da teoria da carência cultural.

"li ÚI1portan te notar que se nos anos de predO/lJinio da teoria da deficiência cultural os aspectos intra-escolares receberam pouca atenção, e se na vigência da teoria da diferença cultural a responsabilidade da escola pelo fracasso ficou lÚl1itada à sua inadequaçAo à clientela, à lJIedida. que as pesquiB4B vão desvendando mais criticamente aspectos da estrutura e do funcionamento do sisteJ1J8. escolar, ao invés da. tendência a atribuir à clientela as caUBaS do fracasso escolar ter sido superada, ela foi apenas acrescida de consideraç(Jes sobre a JIIá qualidade do ensino que se oferece a essas crianças. " (Patto, 1990, p.120)

- A idéia de que as crianças pobres sofrem deficiências ou

distúrbios em seu desenvolvimento, desencadeou a tendência para a

24

defesa de uma escola mais adequada a essas dificuldades. Face à.s

alegações, contidas na primeira afirmação identificada por Patto, de

que as condições de vida dessas crianças impediriam um desempenho bem

sucedido, a autora questiona a validade de se apostar no sucesso pela

mudança da escola. Priorizar os fatores intra-escolares como meio para

se reverter o quadro de fracasso é uma atitude que nAo se coaduna com a

crença de que as dificuldades estariam no meio social, portanto fora da

escola.

- A segunda afirmação tem por pressuposto um conhecimento dos

padrões culturais da primeira socialização das crianças que ingressam

nas escolas públicas. De acordo com Patto, os padrões culturais das

populações que vivem nas periferias das grandes cidades - provavelmente

padrões muitos heterogêneos - não sao ainda conhecidos; portanto,

afirma-se o que na verdade se desconhece. Além disso, a transposição

das teorias crítico- reprodutivistas - em especial a teoria da

reprodução de Bourdieu e Passeron - para o caso brasileiro merece

cautela, alerta Patto, para que não se confundam as exigências do

ensino universitário francês (a que tais teóricos se referiam) com as

da maioria das escolas primárias públicas brasileiras:

"Seus professores poBsuem ' c8,Pi tal cul tural' e o exigem de BeUB alunos? Será que eBta escola chega a veicular '0 B8.ber da classe dominante' e OB altoB indiceB de repetência podem Ber eAPlicadoB como reBiBtência~ por parte dos alunoB~ à i.JJIposição deBte Baber?" (Patto~ 1990~ p.124)

Em vários estudos atuais, duas afirmaçOes andam de maõs dadas:

(a) os professores carecem de competência técnica; (b) 08 professores

25

estão preparados para lidar com outro tipo de clientela. Patto indaga

da compatibilidade dessas afirmações e põe em questão a idéia de que os

professores das escolas públicas do primeiro grau partam do pressuposto

de que seus alunos são parecidos com seus filhos, apercebendo-se da

diferença somente após o contato inicial:

.~ visão negativa que têm da clientela é resultado de seu contato com elas [as crianças] na escola ou é anterior a esse contato? Estas crianças 'saem da escola etiquetadas e estil/lllatizadas' ou já esMo etiquetadas e estil/lllatizadas quando nela illlfI'8ssam?" (Patto,1990, p.125)

- Esta discussão leva a outra: a ligação entre o conhecimento que

o professor tem de seus alunos pobres e a literatura científica. A

terceira afirmação induziria à suposição de que (a) este conhecimento

está presente na literatura especializada; (b) que o desconhecimento

por parte do professor não guarda qualquer relação com a literatura que

o informa. Ora, de acordo com Patto "o desconhecimento a respeito

dessas crianças é generalizado e está presente também no corpo do

conhecimento científico ( ... ) (p.125). A autora lança a hipótese de

que muitos textos, divulgados para sanar as deficiências da formação

docente estejam, de fato, confundindo o professor. No seu entender, a

"alegada 'falta de sensibilidade' do professor, por sua vez, pode

taJDbéJI1 ser intensificada pela confiI'/ll8.ção cientifica de seus

precanceitos de classe. " (p.125)

Na apresentação das conclusões da pesquisa, Patto reafirma a

necessidade da revisão das teorias do déficit e da diferença cultural.

Em sua opinião, a inadequação da escola ocorre mui to mais (a) de sua má

26

qualidade, (b) "da suposição de que os alunos pobres não têm

habilidades que na realidade lIluit.as vezes POSSUeJl1" (p.340), (c) "da

expectativa que a clientela não aprenda ou que o faça em condições em

vários sentidos adversas à aprendizagem ( ... )". (p.340)

Ao fazer evoluir sua argumentação, Patto recorre à menção de

vários autores para corroborar suas conclusões. No entanto, salvo em

uma nota de rodapé, não faz referência ao corpo de pesquisa

desenvolvido pelo equipe da UFPe que, a nosso ver, contribui também de

modo imprescindível para a contestação das teorias do déficit (a) ao

reconhecer e constatar a má qualidade da escola, (b) ao demonstrar que

os alunos pobres possuem as habilidades necessárias para serem bem

sucedidos na vida escolar e (c) ao abalar, com seus achados, as bases

em que se apoiam o baixo nível de expectativa por parte do professor de

que esses alunos aprendam. Se esta equipe defende a idéia das

diferenças culturais, de modo algum o faz adicionando à afirmação da

escola ineficaz a concepção de uma clientela carente. Se avança na

explicitação das diferenças, a equipe explora com cuidado as relações

entre a cultura e a aprendizagem, denunciando a naturalizaçã.o das

formas culturais de apreensã.o do conhecimento 6.

Ainda em suas críticas, Patto reporta-se ao pouco saber

pedagógico que permeia o ensino elementar no Brasil, fato que se

agrava, a seu ver, pelo desconhecimento por parte dos educadores dos

6 Nesse sentido torna-se imperativa a leitura do livro de Teresinha Carraher, Sociedsde e Intel1géncis, 1989a, especialmente o capitulo "Cultura e aprendizagem diferenças entre grupos".

27

avanços da psicologia 1'I()(~ial. No entanto, experiências como as do

GEEMPA, citada pela autora, não são, no nosso entender, apenas um

indicador de que as crianças pobres "são capazes de reflexâo, avaliação

critica~ abstração e uso adequado da linguagem. " (p.342). Representam

mais: sao provas inequívocas de que esse saber pedagógico já se

constrói há algum tempo. Tratam-se de experiências atentas à

importância do ambiente sócio-cultural do aprendiz na produção do

conhecimento escolar, que se inspiram na teoria construtivista e

interacionista de Jean Piaget e buscam uma didática capaz de romper com

o modelo tradicional ao privilegiar a interação entre alunos na sala de

aula.

Piaget penetrou no Brasil, conforme relata Ramozzi-Chiarottino

(1987), na década de trinta através da teoria; a aplicação prática de

suas idéias acentuou-se tão somente a partir de 1970, com ênfase na

educação pré-escolar, por iniciativa de escolas particulares. Uma das

obras pioneiras é a de Lauro de Oliveira Lima, criador do método

psicogenético, uma tentativa de "traduzir em termos de Didática, as

descobertas da Psico/18nética" (Lima, 1976, p.9). Este método baseia-se

na participação ativa do estudante, motivado pelos constantes desafios,

ou situações-problema, propostos pelo professor. O trabalho escolar é

organizado pela divisão da turma em equipes que permitam o confronto de

pontos de vista divergentes, o que provoca um desequilíbrio a ser

solucionado. A ênfase na cooperação persegue ideais de respeito mútuo e

de conquista de autonomia plena (moral, intelectual e social).

A princípio divulgado em seminários e cursos de aperfeiçoamento

28

para professores e pensado em sua aplicação com adolescentes, tal

método se consolidou com a criação do Centro Experimental e Educacional

Jean Piaget, mantenedor de uma escola pré-primária, ampliada

posteriormente para abranger o primeiro grau. Se este fato garantiu

um espaço-tempo, permanente e continuo, para o evoluir do método,

circunscreveu a experiência ao âmbito do ensino privado.

Igualmente engendrada no marco teórico da epistemologia genética,

a experiência pedagógica do GEKMPA surgiu, como já comentado, no bojo

do movimento interessado em pesquisar as causas do fracasso escolar.

Voltado, no início, para o ensino da matemática, este grupo elaborou

uma proposta didática para a alfabetização de crianças das classes

populares com modificações tanto no ambiente tradicional da sala de

aula como na orientação para o ensino e a aprendizagem.

o levantamento sócio-antropológico das famílias dos alunos

participantes da classe experimental destacava duas importantes

características: (a) a resolução de problemas cotidianos pela "família

ampliada "; (b) a dificuldade por parte das crianças em conquistarem sua

individuação (talvez por pertencerem a um grupo não reconhecido pela

sociedade mais ampla). g Grossi (1985) quem comenta:

"Norma1IDente. na Vila Santo Operário. os probleJ/J8.B são resolvidos na família ~liada, constituída pelos parentes reais ou pelos vizinhos. Até JDeB/110 o dinheiro é, em parte, socializado neste conjunto de pessoas, ao DJenos em situações de penúria; basta que alguém tenha emprego para que, nesta família ampliada todos COIIIBlI1. JDeBIIJO que seja só W1J sopAo . .. (p.86)

Quanto à segunda característica. Grossi exemplifica com o fato de

29

haver, em uma mesma familia, inúmer08 nome8 própri08 8emelhantes; para

aquela população esta é uma maneira de permitir um rápido

reconhecimento d08 membros de uma determinada familia. Por outro lado,

ob8ervando 08 alun08 em sala de aula, os pesquisadores constataram um

dificuldade entre as crianças em se conhecerem e guardarem os nomes de

8eus pares como não se 8entis8em membros participante8 de um grupo.

Movidos pela critica à clá8sica di8po8ição das carteiras

escolares, arrumadas em filas para um único foco, o profe8sor

disposição esta que, no entender do GEEMPA é uma violência ao modo de

viver dessas crianças - e pela necessidade em ampliar as oportunidade8

de expressão da individualidade do aluno, 08 pe8qui8adores

e8tabeleceram como 08 doi8 grande8 eixo8 da propo8ta didática a

expre8são da criatividade e o trabalho em pequenos grupos.

Relat08 sobre algun8 projet08 educacionai8 mai8 recente8

evidenciam a preocupação cada vez mais con8tante com o incremento da

interação entre alun08. O projeto "Uma experiência na pré-e8cola"

(Ferreiro, 1990, p.96), derivado do Projeto Aprender Pensando, foi

de8envolvido em uma e8cola pública da periferia do Recife, no per iodo

de 1986-7, com uma turma de pré-e8cola, tendo enfatizado as atividade8

conduzidas em pequenos grupo8 para a comparação entre a8 produçõe8

infantis e para o intercâmbio de informaçõe8. Outro projeto - "Relato

da prá.tica pedagógica do ciclo da alfabetização" (Ferreiro, 1990, p.95)

- in8erido na politica educativa municipal do Recife, de8de 1986, entre

inúmera8 inovaçGes, voltou-se para as prá.tica8 de 8ocialização e

interação entre os alun08. Em Porto Alegre, o trabalho em grupo já faz

30

parte do cotidiano das escolas municipais desde 1990; em São Paulo,

também na rede pública, esta forma de organização do trabalho escolar

tem avançado para as séries mais adiantadas do primeiro grau.

* * *

A teoria psicogenética de Jean Piaget revolucionou de maneira

definitiva a compreensão sobre o pensamento infantil. As propostas de

aplicação da teoria na prática educacional fluiram como que

naturalmente, originadas de um forte entusiasmo por parte daqueles que

anteviam mudanças promissoras. A eBte otimismo inicial, sucedeu um

certo Bentimento de fruetação pela morosidade com que surgiam OB

resultados desejadoB ou meemo pela dificuldade em aliar os nOVOB

conhecimentoB a uma prática tão marcada pela urgência do cotidiano.

No artigo em que analiBa aB aplicaçõeB da teoria genética no

campo da aprendizagem eBcolar, no contexto maiB amplo daB relaçõeB

entre a pBicologia e a educação, Coll (1987) situa eBBa reverBão de

expectativas na década de Betenta,

escola capitalista moBtrava a

desigualdades sociaiB.

em um mundo em crise e em que a

face perverBa de reprodutora das

Mas é preciBamente nessa mesma época que, inBpirados na teoria

genética piagetiana, foram encetadoB trabalhoB experimentaiB sobre a

31

evolução da língua escrita realizados por Emilia Ferreiro e Ana

Teberosky os quais vieram elucidar o processo pelo qual a criança

constrói a escrita. A esses estudos sobre a psicogênese da língua

escrita acrescentaram-se os trabalhos de G. Vergnaud e colaboradores

sobre a construção psicogenética das estruturas aditivas elementares e

das estruturas multiplicativas, formando um expressivo corpo teórico

sobre os processos cognitivos mais diretamente ligados à aprendizagem

escolar.

Esses esforços para a elaboração de uma psicopedagogia dos

conteúdos especificos da aprendizagem escolar constituiriam a base para

a construção de uma metodologia didática, que daria um novo ânimo e

ampliaria de modo significativo as possibilidades de aplicação da

psicogenética.

Nos últimos dez anos, as descobertas de Ferreiro foram se

integrando paulatinamente ao ambiente educacional brasileiro através de

iniciativas como as assinaladas anteriormente ou mesmo por professores

entusiastas que, isoladamente, colocaram-nas em prática no seu

dia-a-dia escolar. Se a psicogênese da língua escrita não é um método,

sua adoção em sala de aula pressupõe no entanto a assunção de posições

muitas vezes opostas às do ensino tradicional. No lugar das cartilhas,

um material de leitura rico em significações s6cio-culturais para o

grupo que aprende; uma nova postura na avaliação, relegando a dicotomia

acerto-erro ao relevar as conquistas do aluno e sua produção; o

respeito ao ritmo próprio de cada aluno e uma dinâmica interacional que

se instala entre professores e alunos e entre os próprios alunos.

32

A psicogênese da língua escrita se propagou com mais rapidez e de

modo mais profundo do que a teoria genética de Piagel., o que se

compreende dada a preemênt;la em se acabar de vez nn Brasil, com o

estigma de pais dp. analfabetos. No entanto, esse fato talvez tenha

contribuído para um desconhecimento da significação mais profunda da

psicogênese e uma certa confusão na aplicação de seus princípios.

Relatos de experiências e observacões mostram como estão arraigados,

mesmo entre os professores que reconhecem o valor dessas descobertas,

as posturas tradicionais quanto ao papel do professor e dos alunos em

sala de aula.

Todas as contribuicões, tanto as dos seguidores da teoria

genética como as dos que, profundamente motivados, se valeram de suas

implicacões para mudar o quadro de fracasso escolar junto às populacões

mais pobres do pais, serviram para iluminar o entendimento acerca de

como a crianca constrói o conhecimento. Entender como a criança pensa

é um passo colossal para uma verdadeira renovacão no ensino escolar.

Traduzir esse entendimento através de práticas que componham o cenário

propicio para a viabilizacão das inovacões é, em nosso entender, o

impulso necessário para se lancar à outra margem.

No artigo em que discute a chamada "crise de identidade" por que

passa a Didática, Soares (1985) propõe um movimento de revisão desta

disciplina cujo objeto especifico não mais seria o processo

ensino-aprendizagem mas a aula entendida como fenômeno que possui

certas peculiaridades, ultrapassando a diversidade dos contextos em que

ocorre e dos conteúdos que ali s&o desenvolvidos. A Didática tem

33

contribttído com prescrições e denúncias; para a autora é chegada a hora

da descrição da prática pedagógica tal como realmente ocorre em sala de

aula.

Se por um lado é primordial que o professor da escola pública

entenda o processo de construção do conhecimento infantil e admita que

o saber elaborado pelas crianças em seu dia-a-dia partilha das mesmas

estruturas necessárias para a construção do saber escolar, por outro

lado, torna-se imprescindível captar o fenômeno vivo que é a aula para

que um novo professor e uma nova escola possam de fato se constituir.

A pesquisa atual voltada para a interpretação do fracasso e

sustentada por esses pressupostos penetrou na sala de aula, quer

através da observação, quer por meio da co-participação, para, na

prática, e à luz das teorias que elabora, forjar novos rumos para a

educação.

o trabalho que ora se apresenta inclui-se no conjunto de

pesquisas participativas através da alternativa metodológica da

pesquisa-ação conforme descrita por Thiollent (1988). Seu objetivo é o

de oferecer uma proposta didática que não se pretende modelar, mas que

percorre caminhos compatíveis com o interacionismo construtivista ao

propor a substituição do esquema tradicional de comunicação entre

alunos pela promoção do trabalho escolar em pequenos grupos.

o tema trabalho ea grupo tem ensejado opiniões divergentes quanto

à sua adoção em salas de aula do primeiro grau. Polemizado em um

artigo da

"Alunos do

34

revista Nova Escola dirigida a professores deste grau -

1Q grau devem trabalhar em grupo? Sim. Não." (1986) - as

opiniões a favor ressaltam a importância de o aluno se sentir como

membro de um subgrupo, ao invés de ser um entre trinta ou quarenta

alunos. Destacam também a viabilidade de o aluno dar e receber ajuda

de seus companheiros (quando dispostos em pequenos grupos) incentivado

em suas iniciativas de comunicação com seus pares. Por outro lado, as

restrições a este tipo de organização do trabalho escolar apoiam-se nas

mais variadas afirmações:

- a divisão da turma em pequenos grupos não garante a sociabilizaçAo

dos alunos;

- a sociabilizaçAo não é um objetivo importante em todos os graus de

ensino, particularmente para o aprendizado no primeiro grau;

- o trabalho em grupo leva à dispersA0 e fomenta a preguiça;

- este tipo de organização em sala de aula dificulta a avaliação do

desempenho individual porque nem sempre todos os membros do grupo

participam efetivamente do trabalho a ser executado; alguns alunos

ficam apenas com as tarefas sem importância;

- não se desenvolve o raciocínio em grupo;

- para se superar, o aluno deve fazer um esforço individual e o grupo

pode atrapalhar.

Cinco anos após, o tema volta a

publicação (Souza, 1991) apresentado agora

ser enfocado pela mesma

como um tipo de organização

em sala de aula que se coaduna perfeitamente com o "conatrutivismo"

(termo usado pelo conjunto dos professores ligados aos primeiros anos

de escolarizaçAo para identificar as idéias de Emilia Ferreiro). As

35

professoras regentes entrevistadas demonstram estarem cientes da

importância da troca entre alunos e da conquista da autonomia por este

em relação ao professor. Como na outra reportagem, riscos na adoção do

trabalho em grupo são apontados:

- a improdutividade do grupo;

- o oportunismo de certos alunos que se aproveitam da situação para não

participarem;

- as dificuldades na avaliação, principalmente quando os grupos são

heterogêneos.

o debate sobre a pertinência do recurso do trabalho em grupo

surge aliado a uma temática mais abrangente, a da interação social e,

em especial, a interação entre alunos na sala de aula. A revisão da

literatura apresentada a seguir, no segundo capítulo desta dissertação,

revela a existência de inúmeros estudos que têm discutido

exaustivamente o valor dessas interações, muitos dos quais buscam na

teoria piagetiana do conhecimento a justificativa para os beneficios

cognitivos resultantes dessas relações e que podem fornecer respostas à

justeza das afirmações de apoio ou de restrição ao uso da organização

interativa do trabalho escolar em sala de aula.

CAPÍTUID 2

A INTKRAçM DTRK AIlK>S: UMA lUlA PlRSPKc:rIVA

NO CWU M PSIOOSSOCIOIOOIA IOOCACICIW.

36

Entre os estudos realizados por pesquisadores norte-americanos

sobre a organização social da sala de aula destacam-se os que,

principalmente a partir da década de setenta, apontam para importância

da interação entre alunos na consecução dos objetivos educacionais.

InÚMeras pesquisas surgiram na convicção de que as interações

construtivas entre alunos são imprescindiveis no rendimento escolar,

no processo de socialização e no desenvolvimento cognitivo e emocional.

Alertados pelas conseqüências advindas do predominio das relações

estruturadas em bases competitivas na formação da personalidade do

aluno norte-americano, estudiosos como D. W. Johnson, Roger T. Johnson,

Robert E. Slavin entre outros, têm publicado inÚMeros livros e artigos

em que enfatizam a aprendizagem por grupos cooperativos.

De modo geral, esses autores procuram repenBar o papel das

interações em sala de aula e suprir uma lacuna deixada pela

psicossociologia educacional que tradicionalmente tem enfatizado as

relações professor-aluno. Em um artigo de titulo sugestivo - Student­

student interaction: the neglected variable in education - D. Johnson

(1981) mostra como o enfoque dado ao papel do adulto nas escolas norte­

americanas têm restringido as interaçCea entre alunos a atividades

extra-curriculares, a situações informais como a hora do recreio e tem

37

ajudado a qualificar essas interações como indesejáveis em sala de aula

por pressupostamente resultarem em baixo rendimento escolar, em

conversas paralelas às tarefas em pauta e por se constituírem em uma

fonte geradora de conflitos. Por outro lado, resultados de pesquisas

(citados em Johnson e Johnson, 1974, p.217 e 1978, p.4) indicam que os

estudantes norte-americanos percebem a escola como competitiva não

obstante preferissem a ênfase na cooperação, e que as atitudes de ajuda

são interpretadas pelos estudantes como comportamentos reprovados pela

sociedade em que vivem.

Johnson (1981) aponta três importantes

prática educacional corrente:

discrepâncias nest.a

a. a ênfase na relação professor-aluno com a consequente eliminação

da interação entre alunos em sala de aula quando esta interação

seja talvez o determinante mais importante no êxito escolar;

b. o predomínio do ensino em bases competitivas e individualistas

quando as experiências em aprendizagem cooperativa parecem ser

bem mais efetivas na promoção de resultados educacionais

desejados;

c. a supressão de situações de conflito em sala de aula quando o

espírito de argumentação sobre temas acadêmicos exercem uma

poderosa influência no desempenho,

desenvolvimento do estudante.

na socialização e no

Para este autor, as relações cooperativas entre alunos na sala de

aula influenciam de modo decisivo as aspirações educacionais, no

rendimento real e na socialização dos valores, atitudes e modos de

38

perceber o mundo pelos estudantes. Mais do que as interações de alunos

com professores, as interações entre pares são preditoras de uma futura

saúde psicológica, ensinam competências necessárias para a redução do

isolamento social, proporcionam um contexto propício para o controle

dos impulsos agressivos e ajudam as crianças e aos adolescentes a

desenvolverem habilidades para visualizarem outros pontos de vista que

não os seus. (Johnson, 1981)

2.1 - A organizaçHo social das atividades s sala de aula

A relação cooperativa é uma das três formas básicas de

organização das atividades escolares em sala de aula definidas seja a

partir das idéias de Kurt Lewin sobre a motivação intrínseca seja a

partir da teoria comportamental da aprendizagem e portanto da motivação

extrínseca. Segundo Jobnson e Johnson (1974), a teoria de Lewin afirma

que o estado de tensão em um indivíduo determina um movimento em

direção ao cumprimento dos objetivos almejados. Desta forma, três

estados podem ser caracterizados:

1. quando há uma interdependência cooperativa para a realização do

objetivo;

2. quando há uma interdependência competitiva para a realização do

objetivo;

3. quando o indivíduo tem objetivos individualistas não relacionados

a objetivos de outros indivíduos.

o tipo de interdependência entre os alunos na realizaç!o das

tarefas tendo em vista a consecução dos objetivos educacionais é

39

denominada de estrutura por objetivo (goé11 Btructllre) por Johnson e

Johnson (1974).

Rsta concepção utiliza-se do campo teórico construido por M.

Deutsch para definir cooperação e competição no funcionamento de

pequenos grupos: -cooperação é uma situação social em que os

indivíduos estão estreitamente ligados em uma correlação positiva na

realização de seus objetivos. Desta forma, um individuo s6 pode

alcançar seu objetivo se,

objetivo próprio. Em uma

e apenas se, o outro indivíduo alcançar o

situação cooperativa, o estudante busca um

resultado que é benéfico para todos os participantes.

competição é uma situação social em que os objetivos de cada

participante são tão ligados que há uma correlação negativa na

realização de seus objetivos. Em uma situação competitiva, o

estudante procura não apenas ser bem sucedido como também procura

o fracasso dos outros participantes.

individualismo é uma situação em que os objetivos dos individuos

são independentes una dos outros. Em uma situação individualista,

o aluno procura o melhor resultado para si mesmo, não obstante os

outros alunos atinjam ou não seus objetivos.

A definição de cooperação implica no fato de que quando um

individuo se comporta de maneira a aumentar suas chances no cumprimento

de seus objetivos, aumenta também as chances dos participantes da

interação cooperativa de alcançarem seus objetivos. Desta constatação

advém conseqüências psicológicas assim especificadas por Deutach:

na relação cooperativa, as ações dos membros são intercambiáveis;

40

se um membro está engajado em um comportamento não há necessidade

de que outros membros repitam o mesmo comportamento;

na relacão cooperativa, se as acões de um indivíduo mobilizam os

outros indivíduos em direcão a seus objetivos, serão consideradas

positivas pelos outros membros da relacão, tanto quanto o próprio

mobilizador como pessoa;

se as acões de um indivíduo mobilizam os outros membros da

relacão cooperativa a seus objetivos, os outros indivíduos serão

receptivos para a tentativa de mobilizacão proposta por aquele

indivíduo no sentido de engajá-los no comportamento que

facilitará a todos suas acões. Desde que cada membro do grupo

contribua de alguma maneira para cumprir a tarefa, todos terão

uma experiência bem sucedida.

Na relacão competitiva, quando um indivíduo se comporta de forma

a aumentar suas próprias chances de êxito no cumprimento do objetivo

proposto, ele diminui as chances dos outros, a quem está ligado, de

alcancar suas metas. Advêm daí, segundo Deutsch, reacões opostas às

estabelecidas nas relações cooperativas por parte das pessoas que

participam da competição: agirão no sentido de impedir em vez de

facilitar, serão influenciadas

positivamente, sentirão aversão no

de modo

lugar de

negativo ao invés

apreciarem e tenderão

de

a

corrigir ao invés de se satisfazerem com as ações dos outros. Como só

pode haver um ganhador, muitas pessoas terão uma experiência frustrada.

Resumindo, Deutsch observa que um indivíduo tenderá a facilitar as

aç~es dos outros quando percebe que tais ações irão promover suas

chances em realizar sua meta e tenderão a impedir as ações dos outros

41

quando percebe que tais ações serão prejudiciais à realização de seus

objetivos.

Da teoria comportamental outros estudiosos distinguem estruturas

cooperativas, competitivas e individualistas de acordo com a maneira

como são distribuídas as recompensas entre os participantes do grupo:

trata-se da estrutura de rec~ (reward structure). Na estrutura

cooperativa, a recompensa do indivíduo é diretamente proporcional à

qualidade do trabalho realizado pelo grupo. Na competitiva, um

indivíduo recebe a recompensa máxima enquanto os outros recebem a

recompensa mínima. Na estrutura individualista, os indivíduos são

recompensados de acordo com a qualidade de seu trabalho independente da

qualidade do trabalho dos outros individuos. Desta forma, a

distribtlição da recompensa motiva os individuos a se comportarem

cooperativamente, competitivamente ou individualisticamente, dependendo

da estrutura de recompensa.

A estrutura de recompensa em sala de aula é definida por S1avin

(1977) como o conjunto de regras sob as quais os estudantes são

recompensados por 'seu desempenho acadêmico. O autor chama atenção para

a diferença entre os termos estrutura de ~ cooperativa e

oo.petitiva e cooperaçio e caçetiçio. As estruturas definem o conjunto

de regras que estabelecem a alocação de recompensa e não um conjunto de

comportamentos:

"( •.• ) A cOl/lpetição pode ser um resultado de uma estrutura de recompensa cOIQpetitlva JII8.S é taJDbéJIl uma variável dependente cuja ocorrência deve ser registrada". (Slavin, 1977, p.634)

42

A modalidade de organização das atividades adotadas em sala de

aula - cooperativa, competitiva ou individualista - expressa, segtUldo

Johnson e Johnson (1974) um fundamento de valor implícito que ÍLUlciona

como um currículo inconsciente. O~ autores lamentam o fato cJP. que haja

POUCü reconhecimento por parte dos educadores da poderosa influência

que a escolha de uma ou outra estrutt~a exerce sobre o comportamento

dos estudantes e criticam as correntes educacionais não-diretivas por

se iludirem com a proposta de uma situação neutra em sala de aula: os

alunos simplesmente tendem a reproduzir a organização mais habitual da

escola, isto é, a estrutura competitiva.

2.2 - <:<.petição e cooperação: proce8808 sociais

o interesse dos educadores empenhados em promover a interação

cooperativa na sala de aula está diretamente ligado a uma visão de

sociedade em que os estudantes possam se ajudar mutuamente e que

portanto tornem-se adultos plenamente desenvolvidos em sua capacidade

de inter-relacionamento pessoal e no seu comportamento em grupo. Trata­

se de uma alternativa às estruturas tradicionais, competitiva e

individualista.

Johnson e Johnson (1974) fazem uma análise do que denominam de os

mitos da competição:

a afirmação de que a sociedade ocidental é altamente competitiva

e que os estudantes devem então ser preparados para este mundo em

que sobrevivem os adaptados;

a idéia de que o sucesso, o rendimento, o esforço, a ambição e a

43

motivação dependem do êxito na competição com outros indíviduos;

a alegação de que a competição constrói o caráter e fortalece o

jovem para a vida no chamado mundo real;

a constatação de que os estudantes dão preferência às relações

competitivas.

A essas convicções dominantes na sociedade norte-americana,

Johnson e Johnson (1974) contrapõem os seguintes argumentos:

o tipo de interação humana predominante é interação cooperativa

que torna possível a constituição da famEia, do grupo, da

organização, da escola. Até na comunicação entre dois indivíduos

é necessária a interação cooperativa para o estabelecimento de

uma linguagem comum que permita o entendimento e também para um

acordo acerca de normas de comportamento. A competição é apenas

uma pequena parte da interação entre os indivíduos na sociedade e

provavelmente não muito importante.

a estrutura competitiva não assegura um rendimento maior do que a

estrutura cooperativa. A teoria da motivação para a realização

demonstra que pequenos riscos de fracasso servem como um desafio

para aumentar a competência individual, explica também que este

processo fundamenta-se na avaliação realizada pelo indivíduo das

dificuldades envolvidas na tarefa e do nível de habilidade de que

dispõe e não no fato de o individuo se sentir melhor que os

outros indivíduos. "O êxito no alcance de um objetivo n60 depende

em ganhar de outros indivíduos aBsá CO/DO o fraclJSso em atingir

um objetivo n60 significa perder para outros individuos." (p.

218)., A situação competitiva pode ameaçar e desencorajar pessoas

não muito convictas de sua vitória e muitos

44

estudantes

simplesmente se afastam ou não participam até o fim. Em situações

de motivação extrínseca, a competição existe apenas quando a

quantidade de reforço que não pode ser compartilhado por todos é

limitada e quando cada participante acredita nas suas chances de

vitória.

as pesquisas realizadas constatam que as crianças parecem se

divertir nas estruturas competitivas de recompensa quando estão

ganhando e enquanto apresentam algum dominio

tarefa; comprovam igualmente que as crianças

participar de competições que impõem muitas

estudos verificam a preferência por parte de

na execução da

se recusam a

tarefas. Outros

estudantes pelas

situações instrucionais cooperativas em relação às competitivas,

especialmente se já vivenciaram situações de aprendizagem

cooperativas.

Para afirmar a superioridade da cooperação, Johnson e Johnson

(1974), baseados em teóricos como Asch, Deutsch, Mead, consideram a

interação cooperativa uma necessidade biológica para os seres humanos.

No entanto é notório que a sociedade ocidental percebe a competição - e

não a cooperação - como o processo social verdadeiramente decisivo.

Segundo Ogburn e Nimkoff (1975), essa idéia de luta pela vida

(competição, conflito, oposição já presente no pensamento grego,

acompanha vários filósofos como Hobbes, Hume, Rousseau, Hegel até

desembocar nas teorias evolucionistas com a doutrina da seleçao natural

dos mais aptos de Darwin .

. ~ idéia da luta pela vida, em que os lDllis aptos

45

sobrevivem, acabou sendo encarada como a maior generalizaç~o, talvez, efetuada no século XIX. Tomando-se em consideração, Kropotkin levantou duas questões desafiadoras de explicação: Com que armas principais é esta luta levada a efeito; e quem pode ser considerado como mais apto? Kropotkin argumenta que a luta não é tanto entre membros de uma dada espécie, mas dlltes entre espécies diferentes; e mais do que tudo, é uma luta de todas as espécies contra circunstâncias adversas. À idéia de competição dentro da especle confere IJarwin grande ênfélBe, enquanto negligencia completamente o fato de que a cooperação desempenha importante papel na sobrevivência . .. (Ogburn e Nimkoff, 1975, p.240)

Ainda citando Kropotkin, os autores dão vários exemplos de

cooperação entre animais desde a alimentação e a proteção da prole até

o recurso das colônias e das migrações. Lembram igualmente que entre

seres humanos o auxílio mútuo se expandiu de tal forma a permitir a

sobrevivência de vários grupos de deficientes físicos e mentais,

limitados em seu poder para lutar pela sobrevivência.

Esses argumentos servem de base para Ogburn e Nimkoff afirmarem

que cooperação e competição são, na verdade, processos co-ocorrentes e

estreitamente relacionados entre si. Tanto o conflito pode envolver

cooperação (como no caso da coesão intragrupal face a ameaça de um

inimigo externo), quanto a competição pode ser condição para que a

cooperação se dê de forma mais intensa e produtiva ( como nos programas

de incentivo em empresas, indústria etc.)

2.3 - Istruturas cooperativas, ~titivas e individuali8tas: usos,

deSUS08, polêlrlcas

46

Não obstante a apologia que fazem da interação cooperativa,

Johnson & Johnson (1974) reconhecem que as três formas de organização

devam ser usadas pelo professor de acordo com os objetivos educacionais

específicos e com a viabilização do trabalho em sala de aula. As

estruturas cooperativas, nas tarefas que envolvam a solução de

problemas e a discussão em grupo; as competitivas, em tarefas simples

como soletração, vocabulário, assim como em competições atléticas e em

jogos; as estruturas individualistas, para a aprendizagem de um assunto

ou habilidade específicos.

Na extensa revisão sobre as pesquisas que comparam as três

modalidades de estruturas em situações de aprendizagem - e que dá ampla

vantagem aos resultados advindo das estnlturas cooperativas quer no

domínio cognitivo, quer no afetivo, quer nos processos de aprendizagem

interpessoais e grupais - Johnson e Johnson (1974) admitem que a

competição possa ser uma fonte de divertimento, de excitação e de

liberação de energia em muitas atividades quando ganhar ou perder não

envolva um alto nível de ansiedade. ,

'jts vezes as estudantes podem querer c~tir para avaliar suas habilidades Já que a ~tição é uma fortlla de se fazer julglJJlJentos cOJ/lparativos e de se saber o que de fato se capaz de realizar . .. (p.231)

Por sua vez Slavin (1977) ressalta uma série de estudos

realizados em um período de tempo bem mais longo que o comumente

empregado em pesquisas de laboratório demonstrando efeitos positivos

resultantes de competições grupais em situações de treinamento e de

jogos. O autor constata também a necessidade comum entre os estudantes

em comparar suas habilidades e competências com as de seus

41

companheiros.

A combinação da cooperação intragrupo com a competição intergrupo

é uma das soluções mais frequentes para conciliar as duas tendências no

emprego das estruturas por objetivo ( ou das estruturas de recompensa)

em sala de aula. Um dos efeitos mais positivos dessa prática é a

possibilidade de maior controle da turma pelo professor além da maior

facilidade na aceitação das regras escolares por parte dos estudantes.

Ainda sobre competição, Ogburn e Nimkoff (1915) distinguem a

competição dirigida aos objetivos a alcançar da competição

personalizada, a que denominam rivalidade.

°r ... ) os estudantes não encaru seus colegas COJDO cOlJlpetidores, eJI1bora seja verdade que apenas certo número de honras escolares esteja à disposição de tal modo que, se certos membros da classe os alcançam, são elas autOJDaticamente negadas aos out~s.r ... ) Este fenÔlDeno se conserva de tipo "cOJDpetição" enquanto a atenção deles estiver focalizada para os objetivos que procuram alcançar. Assi.IIJ que se dá uma mudança de interesse, dos objetos da c~tição para os próprios competidores, teJl10S então o que se chama rivalidade . .. (p.239)

Rivalidade definida por Ogburn e Ntmkoff é competição definida

por Deutsch: o competidor não visa apenas o prêmio mA8 a derrota dos

outros competidores pois para ganhar precisa que os outros percam. O

exemplo contido na citação acima caracteriza certas situações ambíguas

que permeiam muitas atividades desenvolvidas em sala de aula em que a

competição, na verdade presente, não é explicitada.

Para melhor entendimento da posição dos pesquisadores norte-

48

americanos que apostam nas interações cooperativas contra o predomínio

das estruturas competitivas e individualistas, é necessário lembrar a

inovação introduzida na sala de aula da escola elementar daquele país a

partir de 1910. Cohen (1981) relata:

.. ( ... ) grandes gnlpos realizando UllJa só tarefa deram lugar a pequenos grupos trabalhando sem a supervisão direta do professor ou a individuos trabalhando no seu próprio ritmo; a orientaç60 abrangente do professor foi lllOdificada em certas salas de aula para dar considerável autonOJDia ao aluno; a interaçllo entre os alunos não foi mais proibida, tornando-se UIIJ

comportamento aceito na sala de aulas; as tarefas foram enriquecidas ~ra incluir multimeios, peI'I/Jitindo a alguns alunos alcançar objetivos de IIJOdo diferente dos demais . .. (p. 9 -10)

g possível inferir desse relato uma tendência dessas modificações

rumo a um não-diretiviamo, o que talvez tenha contribuído para um

retorno rápido (já a partir de 1980) às classes tradicionais. Aliás é

esta a interpretação defendida por Cohen: a confusão entre delegação de

autoridade aos alunos (pressuposto das classes abertas) e falta de

controle da classe ( uma conseqüência quase inevitável do não-

diretivismo) fez com que os professores ou simplificassem a proposta

inovadora a fim de supervisionarem mais diretamente seus alunos ou

perdessem de fato o controle de classe com graves prejuízos para o

rendimento escolar.

A implementação de grupos cooperativos pressupõe uma preparação

dos alunos que devem seguir regras para se comportar cooperativamente.

Aliás - e como já foi anteriormente citada - é esta a própria definição

de uma estrutura por objetivo (ou estrutura de recompensa): um conjunto

de normas que definem o comportamento dos alunos em sala de aula para a

49

execução das tarefas escolares.

Há de certo um tom estrutural-funcionalista na proposta desses

didatas da cooperação quando falam em relações sociais ajustadas, em

adaptação social, saúde psicológica etc. Há, no caso especial dos

Johnsons, o reconhecimento da importância da presença do conflito na

sala de aula com a realização de uma série de pesquisas sobre o efeito

das controvérsias produzidas durante a interação. Há também uma

preocupação ética quando cobram da escola que se posicione e explicite

claramente para os estudantes o tipo de organização a que estão

submetidos em sala de aula. Há sobretudo um cuidado em investigar os

beneficios produzidos pelas relações cooperativas no rendimento

escolar.

2.4 - A organização aocial das atividades e o rendiwento escolar.

Os estudos acerca das interações entre pares na sala de aula têm­

se desenvolvido predominantemente em ~as linhas distintas. A primeira

trata de relacionar a organização social das atividades e os modos

interativos que então se estabelecem. A segunda procura dimensionar os

efeitos desta organização sobre o nível de rendimento dos

participantes.

Segundo Col! (1984), para a primeira linha evidenciam-se claros

resultados a favor da superioridade da organização cooperativa sobre as

demais por favorecer as relações caracterizadas pela simpatia, atenção,

cortesia, respeito mútuo e por sentimentos reciprocos de obrigação e

50

ajuda que, por sua vez, se estendem aos professores e a toda

instituição escolar. Além disso, os grupos cooperativos são, ao

contrário dos que se formam em situações competitivas, mais fluidos e

abertos e têm por base a motivação e o interesse do aluno. Com relação

à segunda linha de pesquisa, os resultados não são consensuais, isto é,

a partir dos dados obtidos não há clara determinação de que as

situações cooperativas se sobreponham às competitivas ou às

individualistas quanto ao rendimento do aluno. Muitas revisões

importantes têm sido publicadas no intuito de comparar os inúmeros

trabalhos de cunho experimental feitos em laboratório ou em sala de

aula, e de aprofundar propostas e métodos alternativos aos

tradicionalmente empregados no âmbito escolar.

2.4.1- Revi8Õe8 de pesqu!BaB

Michaels (1977) elaborou uma revisão de dez estudos para analisar

a eficácia das estruturas de recompensa grupais e cooperativas,

sugeridas por Deutsch, D. Johnson, 65

R. Johnson e outros como alternativas às estruturas de recompensa

individuais e competitivas. Segundo Michaels, se há forte evidência de

que as estruturas de recompensa alternativas são mais efetivas no

fortalecimento da colaboração da coordenação, da atitude positiva

perante às tarefas e aos membros do grupo, a tentativa de demonstrar a

superioridade dessas estruturas quanto ao fortalecimento do desempenho

escolar independente dos estudantes é bem menos convincente.

Nesta revisão Michaels distingue quatro tipos básicos de

51

estruturas de recompensa que, no seu entender, são as mais frequentes

tanto na sala de aula quanto nas pesquisas em laboratório:

a. estrutura contingencial de recompensa individual, em que o

desempenho de cada indíviduo é comparado a um modelo pré­

estabelecido para determinar a alocação de recompensa a cada

indivíduo As recompensas não estão relacionadas entre os

indivíduos.

b. estrutura contingencial de recompensa de grupo, em que o

desempenho de cada grupo é comparado de modo independente a um

modelo pré-estabelecido para determinar a destinação da

recompensa a cada grupo. As recompensas não estão relacionadas

entre os grupos mas se relacionam positivamente entre os

indivíduos de cada grupo. Esta forma também é denominada de

cooperação pura (pure cooperation);

c. estrutura de competição individual, em que a distribuição das

recompensas entre os indivíduos é feita de acordo com os

desempenhos relativos. Ao recompensaR estão negativamente

rp.Jacionadas entre os indivíduos.

d. estrutura de competição de grupo, em que as recompensas são

distribuídas de modo diferente entre os grupos de acordo com os

desempenhos relativos. As recompensas são caracteristicamente

alocadas de maneira igual dentro de cada grupo. (Michaels, 1977,

p.88)

Para melhor distinguir as estruturas de contingência das de

competição, Michaels (1977) ressalta que nessas últimas o total de

recompensa é fixo o que implica em dizer que há escassez dos recursos

disponíveis. Além disso, nas estruturas

52

competitivas há

interdependência negativa das recompensas entre as unidades (indivíduo

ou grupo) enquanto que nas contingenciais há independência das

recompensas entre as unidades.

Embora cite o artigo publicado em 1914 por Johnson e Johnson,

Michaels utiliza-se tão somente da expressão estrutura de :reco.;pensa.,

não levando em conta a distinção de caráter teórico estabelecida por

aqueles autores entre essas estruturas e as por eles denominadas de

estruturas por objetivo. No entanto, ao delinear as quatro estruturas

básicas consideradas na revisão, Michaels liga as estruturas de

contingência à abordagem do reforço e as estruturas de competição à

abordagem da cooperação-competição de Deutsch e outros teóricos.

Os critérios adotados por Michaels na seleção dos estudos

incluídos na revisão ora descrita foram:

a operacionalização de pelo menos duas das estruturas básicas;

a utilização de estudantes como sujeitos;

a administração de recompensas que variam do reconhecimento

público ao dinheiro;

a realização de experimentos em laboratório ou em sala de aula

medindo desempenhos independentes porém apenas em tarefas

consideradas de relevância acadêmica tais como matemática,

leitura, ortografia e exercícios em laboratório. Foram omitidos

estudos cujas tarefas já implicavam a interação cooperativa como

por exemplo a discussão em grupo.

53

O resultado da revisão aponta para uma nitida superioridade da

estrutura de competição individual que surge como a mais efetiva no

desempenho independente dos estudantes. No entanto, no entender do

autor, essa conclusão de modo algum invalida as criticas feitas às

estruturas de recompensa tradicionais: dependendo do modo como a

competição individual é implementada, muitas de suas características

"tornam-se ineficazes para muitos dos estudantes, principalmente para

os que apresentam UJII baixo rendimento inicial. "(p.95). Os motivos

são assim enunciados por Michaels (1977):

1 - o valor e a utilidade das notas altas variam consideravelmente

entre os estudantes;

2 - a probabilidade em receber notas altas também varia: é maior para

os estudantes mais capazes e menor para os menos capazes;

3 - o esforço necessário para alcançar um alto desempenho varia

inversamente à capacidade porque geralmente os ganhos obtidos por

estudantes que de inicio se mostram menos capazes raramente

recebem reforço. Desta forma, os estudantes que mais necessitam

de incentivo são os que menos o recebem.

Todos esses fatores contribuem para que o efeito desejado com o

estabelecimento em sala de aula de uma estrutura competitiva individual

incida apenas sobre um terço do conjunto dos estudantes, justamente o

terço que habitualmente já conquista as notas mais altas na turma.

Michaels (1977) fez notar que, em contraste com esta constatação, os

estudos selecionados para revisão, por seguirem de perto as formulações

de reforço (5kinner), de utilidade (Ofshe & Ofehe) e de exPeCtativa

(Kukla) "tornaVlUll as recO/lJpensas valiosas mais 1IDediataIIJente

54

disponíveis devido a uma maior probabilidade de recebê-las, mediante um

esforço razoável. " CP. 96)

Publicada no mesmo ano, a resenha de Slavin (1977) também analisa

várias pesquisas que procuram relacionar estruturas de recompensa e

desempenho escolar. Incluindo, entre outros, sete dos dez artigos

revistos por Michaels, Slavin constata igualmente que as estruturas de

recompensa competitiva e individual são mais eficazes do que as

cooperativas para aumentar o rendimento escolar mas em duas condições

especificas; (a) nas pesquisas feitas em laboratório ou em situações

assemelhadas e (b) quando os sujeitos não dispõem de recursos

importantes que possam reter ou compartilhar à vontade. A partir

dessas ressalvas, Slavin reavalia tal constatação e prevê novos

achados, com vantagens para as estruturas de recompensa cooperativas,

através do deslocamento das pesquisas para a sala de aula e com a real

oportunidade de troca entre os estudantes de informações

significativas.

Segundo Slavin, os membros de um grupo dispõem de pelo menos duas

maneiras para melhorar a performance dos outros membros. A primeira é

a de reforçar os outros membros com base na performance individual.

As estruturas de cooperação possibilitam que os sujeitos do grupo se

encorajem mutuamente no sentido de elevar o desempenho do grupo: é a

chamada pressão do grupo ou "forças para a respo11SlJ.bilidade"

(responeability forces), registradas direta ou indiretamente por

algumas pesquisas incluidas na revisao (p. 639). A segunda maneira é a

habilidade em compartilhar dos recursos disponíveis tanto para

55

minimizar os esforços do grupo quanto para facilitar uma performance de

alto nível.

As análises sobre as relações entre o tipo de tarefa proposto e

as estruttwas de recompensa (cooperativas ou competitivas) realizadas

por algumas das pesquisas revistas, atribuem a maior ou menor eficácia

dessas estruturas ao tipo de tarefa proposto no exper~nto. As

estruturas cooperativas se mostrariam superiores em promover o

desempenho quando a tarefa em pauta fosse do tipo interdependente

(isto é, que requer coordenação); as estruturas competitivas e

individualistas seriam mais eficientes quando a tarefa em pauta fosse

do tipo independente (isto é, em que os sujeitos não dependem de outros

para executá-la).

Ao constatar resultados diversos em outras pesquisas, Slavin

lança o argumento de que não seria a natureza da tarefa e sim a

oportunidade de compartilhar informações o que determina a maior ou

menor efetividade das estruturas de recompensa cooperativas.

Embora muitos dos estudos incluidos na revisão tenham permitido a

ocorrência de reforço baseado na performance individual entre os

membros do grupo, poucos ofereceram oportunidades para o

compartilhamento de recursos entre os membros do grupo. Ademais, como

observa Slavin, as situações de laboratório são extremamente pobres

quando comparadas às de sala de aula. Nos experimentos os sujeitos

participantes eram estranhos entre si, os grupos cooperativos logo se

dissolviam com pouca oportunidade para o desenvolvimento de pressões

56

entre os membros. Desta forma, pondera o autor, seria totalmente

impróprio generalizar do laboratório para a sala de aula.

Slavin aposta nas pesquisas realizadas em sala de aula com

duração de tempo significativa, em número bem escasso até então.

Acredita que novas pesquisas sobre estruturas cooperativas com pequenos

grupos possam evidenciar ganhos no rendimento escolar advindos dessas

estruturas. Se não há dúvidas de que as estruturas cooperativas são as

que trazem maiores benefícios ao relacionamento entre os alunos, por

que então pergunta Slavin - não lançar mão do uso simultâneo de

estruturas cooperativas e de estruturas competitivas e individualistas,

já que essas últimas são consideradas mais efetivas para o rendimento

escolar? Michaels (1911) também chama atenção para a propriedade da

combinação de estruturas individuais e de grupo a fim de dar aos

estudantes inicialmente menos capazes chances reais de serem

recompensados por seu esforço.

Sharan (1980) examinou, avaliou e comparou cinco métodos

propostos por vários autores para a condução da aprendizagem em

pequenos grupos cooperativos e os estudos experimentais realizados para

a avaliação de seus efeitos. Além do rendimento escolar, a revisão de

Sharan analisou também a eficácia desses métodos na promoção de

atitudes positivas em relação à escola e da integração étnicas em sala­

de aula multiraciais.

Quanto ao primeiro aspecto o rendimento acadêmico - os

resultados demonstram que os alunos organizados em pequenos grupos,

57

quando comparados àqueles submetidos às classes tradicionais,

apresentam aproveitamento superior embora esses ganhos não sejam

consistentes para todos os grupos e nem para todas as medidas. Todos os

métodos apresentam também efeitos positivos nas variáveis sócio­

afetivas e nas relações étnicas em sala de aula.

Da mesma forma, Slavin (1980) sintetizou os resultados de várias

investigações de campo em que os métodos de aprendizagem cooperativa

são implementados em sala de aula da escola elementar e secundária.

Esta resenha confirma a utilidade dos métodos de aprendizagem

cooperativa no aumento do rendimento dos estudantes, na promoção de

relações étnicas positivas em escolas onde não há segregação, no

interesse mútuo e na auto-estima dos estudantes.

Michaels e Slavin demonstram que os estudos realizados concluem

pela superioridade das estruturas tradicionais no que concerne à

promoção do rendimento escolar mas fazem notar que esta conclusão está

muito colada aos pressupostos teóricos e às condições metodológicas no

encaminhamento dessas pesquisas. Por outro lado, D. W. Johnson e R. T.

Johnson são unânimes na constatação da eficácia das estruturas

cooperativas tanto sobre as competitivas quanto sobre as

individualistas em todos os aspectos inerentes à formação escolar.

Slavin aposta no uso simultâneo de estruturas cooperativas e

competitivas; Michaels, nas estruturas de grupo e individuais - ambos

autores preocupados em conjugar os beneficios de uma e outra

organização em prol de um melhor rendimento para tod08 08 estudante8.

Sharan, Slavin, e os Johnaons além de outros autores e

colaboradores criaram métodos em que os estudantes trabalham em

pequenos grupos cooperativos. Sharan e Slavin avaliaram esses métodos

através de estudos experimentais e concluem que há um saldo positivo em

relação ao aproveitamento escolar e a outros aspectos envolvidos

igualmente relevantes.

Para aclarar as divergências e buscar um denominador comum acerca

da real eficácia das várias estruturas por objetivo na promoção do

rendimento e da produtividade, Johnson, Maruyama, Johnson, Nelson e

Skon (1981) selecionaram cento e vinte e dois estudos que estão

incluídos em resenhas, muitas das quais acima relatadas7 • Segundo

Coll (1984), tanto pelo tipo e volume das pesquisas revistas quanto

pela metodologia aplicada, este trabalho constitui um balanço

atualizado sobre o temas.

Três polêmicas principais surgem da análise das resenhas:

a. se as situações cooperativas produzem um rendimento melhor do que

as situações competitivas, ou o inverso;

b. se as situações cooperativas produzem um rendimento melhor do que

as situações individualistas, ou o inverso;

c. se a competição intergrupos é necessária para que a cooperação

seja eficaz.

7 As resenhas são: May & Doob, 1937; Murphy et aI., 1937; Miller & 1963; Johnson & Johnson, 1974, 1975; Hayes, 1976; Michaels, 1977; Slavin, 1977; Sharan, 1980.

B De fato, não foi encontrado qualquer estudo tão abrangente e com o mesmo propósito em data posterior.

59

A metodologia utilizada para a análise das conclusões dos cento e

vinte e dois estudos foi a meta-análise que procura combinar os

resultados de experimentos independentes para realizar uma integração.

No entender dos autores, a meta-análise é especialmente aplicável ã

pesquisa que relaciona estruturas por objetivo e rendimento uma vez que

há um número considerável de estudos sobre o tema que lancam mão de

variáveis idênticas ou pelo menos conceitualmente similares.

Baseados no resultado da meta-análise, os autores apresentam

quatro proposições teóricas:

1. .~ cooperação é superior à caçetiçKo para proaJver reI'.ltl:l.eIlto e

PI"Odutiv1dade.

a possível lançar a hipótese de que a superioridade da cooperação aumenta quanto mais os sujeitos são solicitados a realizar U/D produto grupal (tarefa interdependente), a trabalhar e/D tarefas que não sejam as decodificações e correções de rotina, a encorajar a produtividade uns aos outros, a exercer tutoria mútua, a exercitar cognitivamente a matéria a ser aprendida, ( ... ) A cooperação é superior à CO/IIpetição in ter pessoal para promover rendilDento superior. Esses resultados valeJIJ para qualquer disciplina (li.nguageJIJ, artes, leitura, /DateJDática, ciência, estudos soc~alS, psicologia e educaçKo física), para todos os grupos de idade (eJDbora os resultados sejam mais significativos para os pré­universitários do que para os estudantes universitários) para tarefas que envolvaJ/l formaçKo de conceitos, resolução de problemas verbais, cate~rização, resolução de problemas espaClalS, retenção e /DeJDÓria, desempenho /Dotor, adivinhações, julgamentos e prognósticos." (Johnson et aI., 1981, p. 56)

Os resultados da comparação entre cooperação com competição

intergrupo e a competição interpessoal são também francamente

60

favoráveis à cooperação, principalmente quando os sujeitos são

solicitados li elaborar um produto grupal.

2. .~ cooperação é superior aOB esforços individualistas na proIIOÇão

do rendHJento e da produtividade_ •• (p. 57)

Esta superioridade aumenta quando a tarefa não é a de rotina,

quando a

trabalho.

tutoria entre pares é encorajada e quando não há divisão de

Esses resultados também abrangem todas as disciplinas

escolares e todos os grupos de idade.

A comparação entre a cooperação e competição inter grupo e as

situações individualistas indica igualmente a BUperioridade da

cooperação em relação a estrutura por objetivo individualista.

3. .~ cooperaç40 BSI ca.,petiç60 iDtergrupo ~ve rendhlento e

produtividade JJUperio.res IJOB da cooperaçifo cc. cc.petiao

iDtergrupo_ •• (p. 57)

Esta conclusão é apenas tentativa uma vez que o número de estudos

que comparam diretamente as duas condições é ainda muito pequeno.

Baseia-se no fato de que a cooperação sem competição produziu

resultados mais convincentes quando da comparação entre a cooperação e

competição interpessoal e as estruturas por objetivo individualistas.

A conclusão vale principalmente experimentos de curta duração em que é

solicitado ao grupo um único produto.

4. "lIiio há diferelJÇlJ. signifiClJ.tiVIJ. entre a ca.,petiçKo iDterpeBBOl!Jl. e

IJB estruturllB por obJetivo iDdl.vidualistas lJlJ. ~ do

rendhlento e da produtividade_ .. (p. 57)

61

Os resultados não demonstram uma tendência nítida. Quando as

tarefas devem ser cumpridas de modo independente e o contato e

interação entre os sujeitos não é permitido, a competição pode se

mostrar superior às situações indivimlalistas.

2.4.2 Métodos cooperativos

A aprendizagem cooperativa, isto é, a noção de estudantes

trabalhando de forma cooperativa para fins de aprendizagem, é uma

antiga idéia em effitcação. De acordo com Buckholdt & Wodarki (1978),

Comenius acreditava que os estudantes poderiam se beneficiar tanto em

ensinar quanto em serem ensinados por seus pares; na Inglaterra tem-se

notícia do uso de grupos estudantis cooperativos já no século XVIII;

nos Estados Unidos, no século XIX. Slavin (1980) relata que na década

de 20 experimp.ntava-se nos laboratórios norte-americanos os efeitos da

cooperação no rendimento e em outras variáveis. No entanto, e como

dissemos anteriormente, apenas nas últimas décadas a cooperação foi

introduzida de fato na sala de aula das escolas daquele país e alguns

métodos surgiram envolvendo pequenos grupos e tutoria entre pares. São

estes:

a. o método Jigsaw, de Aronson (Aronson et aI., 1978);

b. o método Teams-Games-Tournaments - TGT -de DeVries (DeVries e

Slavin, 1978);

c. o método Student Teams Academic Divisions, de Slavin (Slavin,

1978) ;

d. a aprendizagem cooperativa desenvolvida por D. Johnson e R.

Johnson ( Johnson & Johnson, 1978, Slavin, 1980, Sharan, 1980);

62

e. o metodo Small Group Teaching de Sharan, (Sharan, 1980)9.

o método Jigsaw tem por objetivo criar a interdependência dos

alunos através da divisão entre eles das tarefas de aprendizagem e pela

estruturação da interação em cada grupo.

São formados pequenos grupos heterogêneos, compostos de cinco a

seis membros, denominados times. O tópico a ser estudado é subdividido

em tantas partes quanto o número de membros de cada time. Os alunos dos

vários times responsáveis pela mesma parte da matéria se reúnem para

estudar em conjunto e voltam a seus times originais incumbidos de

ensinar a seus companheiros o que foi estudado. Ao final do processo,

todos os alunos devem dominar a totalidade do tópico para se submeterem

a um teste individual. A nota resultante será então somada às notas

individuais de cada aluno.

Com o método Jigsaw, os alunos aprendem que nenhum deles pode ter

êxito sem a ajuda de cada membro do time e que cada um tem uma

contribuição fundamental e exclusiva a dar. O papel do professor é o de

facilitar o processo acompanhando de perto a evolução dos grupos

intervindo de vez em quando para aperfeiçoar e intensificar as

interações construtivas nos grupos. Além disso, cabe ao professor a

seleção dos temas curriculares.

Slavin (1980) faz notar que o método Jigsaw favorece a

e Shlomo Sharan pertence à Escola de Educação da Universidade de Tel-Aviv.

63

interdependência da realização da tarefa mas não promove a

interdependência na distribuição da recompensa porque o grupo não é

premiado como tal.

No método TGT, os alunos formam time de quatro a cinco membros

cuja composição deve refletir as diferenças existentes na turma no que

diz respeito ao rendimento escolar, etnia e sexo. Cada time deve se

preparar através da tutoria entre os membros para um torneio a ser

realizar no dia seguinte, sobre um tópico selecionado pelo professor.

No torneio, vários grupos são formados, cada um por três alunos de

nível eqtlivalente, representantes de diferentes times; esses alunos

competem entre si em jogos sobre o tema estudado anteriormente nos

times. Cada torneio dura cerca de quarenta minutos e se repete a cada

semana; os jogos consistem em perguntas com respostas curtas. Os

pontos obtidos por cada representante são somados aos escores de seus

times. As chances em obter o máximo de pontos para os times é

garantida pela homogeneidade no nível de rendimento escolar entre os

participantes de cada gupo do torneio. Os resultados são divulgados

pelo professor com o reconhecimento dos times que alcançaram os pontos

mais altos. Os participantes de cada grupo nos torneios sempre variam

em função das performances individuais anteriores na mesma disciplina;

os times permanecem constantes por pelo menos seis semanas para que se

estabeleçam laços mais duradouros entre seus membros.

O método TGT garante uma interdependência na distribuição de

recompensa: quanto mais os membros dos times se ajudam na aprendizagem

do tópico, maior a probabilidade de conquistarem pontos mais altos para

64

o time.

Este método foi desenvolvido na Unviversidade Johns Hopkins, nos

Estados Unidos, a partir de 1910. Pesquisas efetuadas ao longo de cinco

anos comprovavam a eficácia do método em uma extensa gama de variáveis

dependentes: rendimento escolar, respeito mútuo entre os estudantes,

relações étnicas positivas, normas entre pares propiciando melhor

rendimento escolar. O método introduzira importantes inovações como a

aprendizagem em times, os jogos instrucionais, a tutoria entre pares,

as oportunidades de recompensa para todos os estudantes independente do

nível de performance, as recompensas semanais para os times. No

entanto, as pesquisas não deixavam claro se o sucesso do método poderia

ser atribuído apenas à técnica de grupo ou a outros fatores presentes.

Em resposta a esta questão foi construida uma técnica simplificada que

recebeu o nome de Student Teams - Achievement Divisions ou STAD. Esta

simplificação poderia contribuir também de duas maneiras: servir de

alternativa para o método TGT àqueles professores que hesitavam em usar

este método por sua complexidade; tornar concreta a possibilidade de

uma utilização permanente das técnicas de times em lugar de um uso

meramente suplementar à instrução tradicional. (Slavin, 1918)

O método STAD, ao contrário do método TGT, dispensa os jogos e os

torneios embora também use times de quatro a cinco componentes,

estruturados nas mesmas bases que os do TGT. Os participantes dos times

ajudam-se mutuamente na preparação para os testes individuais que se

realizam duas vezes por semana. As notas obtidas são transformadas em

pontos de acordo com um sistema de divisão por rendimento e só então

somados para formar o escore do time.

65

O sistema de divisão por

rendimento consiste em distribuir todos os allIDos da turma em divisões

de acordo com o rendimento anterior: os seis primeiros formam a Divisão

1, os seis se~lintes, a Divisão 2 e assim por diante. Essas divisões

servem apenas para converter os resultados dos testes em pontos para os

times; os estudantes não interagem com outros de sua divisão,

desconhecendo na verdade a composição de cada uma. Em uma divisão, o

estudante que obteve a melhor nota no teste individual recebe oito

pontos para seu time, o segundo melhor obtém seis pontos e assim

sucessivamente. Este sistema garante que a nota de cada estudante seja

comparada apenas com as notas de outros estudantes com o mesmo nivel de

rendimento, universalizando desta maneira a oportunidade em contribuir

para aumentar os escores dos times. Com a continuidade da aplicação do

método STAD, os estudantes vão "galgando" as várias divisões, o que

mantém a igualdade da divisão através do tempo; quando muito grande, a

primeira divisão é subdividida em Divisão I e Divisão I A.

Outro ponto importante do método é o plano intensivo de

atividades instrucionais que a classe deve seguir: quarenta minutos de

aula expositiva dada pelo professor, quarenta de tutoria entre pares

nos times e vinte minutos para os testes individuais. Esse esquema é

repetido duas vezes por semana.

Os estudos sobre os métodos TGT e STAD fazem crer que nem a

tutoria entre pares e nem o sistema de escores são os pontos decisivos

para aumentar o rendimento escolar mas sim a estrutura de recompensa de

grupo e o plano incentivo de atividades instrucionais subjacente a cada

66

um.

De acordo com Slavin (1980), as pesquisas encetadas por D.

Johnson e R. Johnson usam técnicas cooperativas simplificadas em que os

estudantes, dispostos em pequenos grupos, são convidados a executar as

tarefas escolares em sala de aula de modo cooperativo; a tarefa é a

mesma para todos os grupos; o professor comenta e elogia a atuação dos

grupos mas não são distribuídas recompensas grupais. No entender

daquele autor, essas pesquisas não são suficientes para se constituírem

uma avaliação pertinente das técnicas divulgadas no livro Learning

Together and Alone, de D. Johnson e R. Johnson, publicado em 1975.

Neste livro, além de descreverem as técnicas cooperativas, os autores

comentam os possíveis usos das estruturas por objetivo competitivas e

individualistas. Sharan (1980) afirma que, embora o método dos Jolm80ns

empregue a discussão em grupo, a promlção coletiva pelos estudantes, a

abordagem de pergunta e pesquisa realizadas pelos estudantes - as

tarefas escolares empregadas nos estudos empíricos desenvolvidos sobre

o método requerem freqüentemente a retenção da informação e habilidades

para aprendizagem ao invés da solução de problemas e da interpretação.

g possível inferir as linhas principais do método idealizado

pelos Jobnsons a partir do sumário sobre o papel do professor na

instrução cooperativa apresentado em um de seus artigos (Jobnson &

Johnson, 1978, p. 12-3):

1. Especificar sempre que possível os objetivos instrucionais;

2. Selecionar o tamanho do grupo de acordo com o tipo de tarefa

proposta; estudantes mais jovens requerem grupos menores,

67

estudantes com mais idade podem formar grupos maiores. O tamanho

ideal do grupo varia de acordo com os recursos necessários para

completar a lição ou o projeto (quanto maior o grupo, maior a

disponibilidade de rectwsos), as habilidades cooperativas dos

membros dos grupos (quanto menos habilitados forem os membros,

menor deverá ser o grupo) e a natureza da tarefa.

3. Indicar os membros dos grupos. A indicação aleatória geralmente

assegura uma boa combinação de meninos e meninas, falantes e

passivos, líderes e seguidores, aprendizes entusiastas e

relutantes. Às vezes o professor pode desejar que os alunos façam

suas escolhas, outras vezes pode querer agrupar a turma de acordo

com seus interesses. Muitas vezes o professor indicará a

composição dos grupos de modo a garantir a presença, em um mesmo

grupo, de estudantes com alta, baixa e média habilidade.

4. Arrumar a sala de aula. Os professores podem querer dispor os

grupos de modo que não haja interferência na aprendizagem um do

outro. Dentro de cada grupo, os estudantes devem ser capazes de

reconhecer os materiais relevantes, conversar uns com os outro,

trocar idéias e materiais. Geralmente, a disposição em círculo é

a mais indicada; as mesas compridas devem ser evitadas.

5. Fornecer o material adequado. Quando os estudantes estão apenas

iniciando a aprender como cooperar, ou quando alguns estudantes

apresentam dificuldades em dar sua contribuição ao grupo, o

professor pode organizar o material como se fosse um quebra­

cabeça de peças recortadas, distribuindo cada peça a um membro do

grupo. Para que o grupo possa completar a tarefa proposta será

necessário que cada um faça a sua parte e assegure a inclusão

68

desta no trabalho grupal.

6. Explicar a tarefa e a estrutura por objetivo cooperativa. A

tarefa pode ser, por exemplo, completar com êxito um exercício de

matemática ou de estudos sociais. Para explicar a estrutura por

objetivo cooperativa o professor deve deixar claro que o objetivo

deve ser alcançado em grupo, especificar o sistema de avaliação e

comunicar que cada membro será recompensado de acordo com a

qualidade do trabalho do grupo.

7. Observar a interação entre alunos. Não basta pedir para que os

alunos cooperem. O professor deve observar os grupos para

verificar os problemas que surgem durante a cooperação.

8. Intervir como consultor para ajudar os grupos a resolverem seus

problemas quando estão trabalhando efetivamente juntos e ajudar

os membros dos grupos a aprender habilidades interpessoais e

grupais necessárias à cooperação.

9. Avaliar o produto do grupo de acordo com o sistema de avaliação

por critério de referência.

O método Small-Group Teaching é um plano geral de organização em

sala de aula que inclui a discussão, a pesquisa em grupo (J/.l'OllP

inqlliry) e a coleta de dados pelos estudantes. Estes selecionam

subtõpicos específicos dentro de um tema geral - quase sempre indicado

pelo professor - e se organizam em pequenos grupos heterogêneos de dois

a seis membros. Cada grupo desenvolve o plano de aprendizagem

distribuindo o material entre seus membros para buscar informações

dentro e fora da escola. Os dados coletados são analisados e avaliados

para que o grupo possa planejar a maneira como irá sintetizá-los de

69

forma interessante para apresentação aos colegas da turma. A

apresentação é avaliada por toda a classe e pelo professor.

Há um alto grau de interdependência nas tarefas e de autonomia

entre os estudantes mas pela indefinição na distribuição das

recompensas no grupo, a interdependência nessa dimensão é baixa.

Resumindo as características comentadas por Slavin (1980) a

tabela I apresenta os diferentes efeitos desses métodos sobre os

elementos constituintes da organização em sala de aula das tarefas

escolares.

TABlIA 1

Características das Técnicas de Aprendizage. Cooperativa

Técnicas Interdependência Interde~end~ncia Responsabilidade I.posiç~o da Co.peti~~o na reco.pensa na arefa indi vídual estrutura grupal

pelo professor

T6T alta baixa alta alta si.

STAD alta baixa ai ta alta si.

Jigsaw baixa alta alta alta n~o

S.all- baixa aI ta baixa baixa n~o 6roup T

Técnicas baixa baixa baixa baixa n~o Johnson

Adaptaç~o da tabela apresentada por SIavin, I980,p. 323.

Sharan (1980) classificou os métodos cooperativos em dois

conjuntos principais:

a. os métodos de tutoria entre pares (Peer-Tutoring methods) que

incluem o Jigsaw, o TGT e o STAD;

b. O modelo de investigaç!o de grupo (Group-Investigation model- GI)

que inclui o método desenvolvido por D. Johnson e R. Johnson e o método

70

Small-Group Teaching.

Para marcar as diferenças entre os métodos, o autor listou onze

dimensões que, submetidas a quatro juízes (todos familiarizados com a

aprendizagem em grupo), deveriam ser distribuídas por uma escala de um

a cinco. Essa escala não compreendia um juízo de valor mas descreveria

a extensão a que uma certa característica definiria o funcionamento ou

procedimento de cada método. Os métodos de tutoria entre pares foram

alocados no lado esquerdo da escala, com os números 1 ou 2 e os métodos

GI no lado direito, com os números 4 ou 5. Desta forma foi possível

dicotomizar os dois conjuntos de métodos apresentados na tabela 2.

Longe de pretender uma validação para esta tabela, Sharan observa

que a comparação tem apenas um valor heurístico e prático podendo

servir de guia ao professor na escolha do melhor método de acordo com

os objetivos a alcançar.

Todos esses métodos cooperativos pressupõem uma reorganização da

sala de aula tradicional em pequenos grupos de alunos; entretanto,

destaca Sharan, os métodos de tutoria entre pares conservam algumas

características das organizações tradicionais em que a instrução é dada

à turma como um todo: a ênfase na aquisição de informação básica e de

habilidades através da apresentação pelo professor do conteúdo da

aprendizagem com posterior recapitulação por parte do aluno; testagem

individual; pouca discussão ou nenhuma discussão em aberto das idéias

embora a tutoria aumente consideravelmente a comunicação bilateral.

(p.264)

71

TABELA 2

Critical Differences between Peer-tutoring and 6roup-investigation "ethods Df Cooperative Learning in Teals

Peer-tutoring Sroup-Investigation

Source and variety of Infor.ation and the Nature Df the Learning Task

(1) Inforlation is translitted by the teacher or a text

(2) Learning sources are lilited to cards, a worksheet or Iecture

(3) Tasks elphasize infor.ation and/or skill aCQuisition

(1) Inforlation is gathered by the pupils

(2) Learning sources are varied in nUlber and kind

(3) Tasks stress problel-solving interpre­tations, synthesis, and application of inforlation

Interpersonal Relations and CO.lunication

(4) Peer cOllunication in teals is prilar­ly unilateral or bilateral (dyadic)

(5) Peer co •• unication is for rehearsal of teacher-taught lateriais

(6) Peer interactions frequently ilply status distinctions ("r teach, you listen.')

(7) Pupiis interact sporadically or in dyads

(4) COllunication in teals is prilarily bilateral and lultilateral (discussionJ

(5) Peer cOllunication is for interpretation and exchange Df ideas

(6) Interactions are pri.arily based on IUtUaI exchange

(7) 6roup .elbers coordinate activities on a group-wide basis

Acadelic Product, Evaluation and Rewards

(8) Acadelic product is independent (i.e there is cooperation in .eans but not in goals)

(9) Evaluation is prilarily individual(ind­vidual tests, scores)

(10) Rewards are extrinsic (reinforcelent in the forl Df personal praise)

(8) Acadelic product is interdependent (i.e there is cDoperation in leans and in goals

(9) Evaluation is both individual and group (group report or project as collective produd)

(lO) Rewards are pri.arily intrinsic (self­directed interest in topicl

Classrool Organization

(iI) The class functions as an aggregate of teals which are uncoordinated or engaged in a uniforl task

FONTE: Sharan, 1980, p. 263-264.

(11) The class functions as a "group of groups' with between-group coordina­tion and division of labor and tasks

72

Decerto, a dicotomização consolidada na classificação penaliza

alguns métodos de tutoria entre pares. Como reconhece Sharan, mui tas

vezes tais métodos podem modificar a configuração organizacional na

sala de aula, no sentido de uma agregação de indivíduos (o caso da

instrução para toda a turma) para uma agregação de times; no entrullo

não há por parte da clas~e um propósito acaop.mico coletivo pois tais

m(:~Lí)dOR não usam a cooperação como um objetivo de aprendizagem, mas

apenas uma interdependência em termos de recompensa. De modo oposto,

no modelo G-1 o produto final se constitui como parte integrante do

processo de aprendizagem antes mesmo que a avaliação se efetue.

(The G-I 1IJ0del) ( ... ) eoneentrates 011 having pupils gather inforllJation froJlJ a broad spectruDJ of informational sources in eollaboration wlth clasamates. Learnlng tasks are relatively camplex, involvlng hlgh-level eognltive processes, including the seiection and criticai interpretation of information, problem soiving and producing a coilective synthesis of ideas ( ... ). I ~ioys differentiated role assi/Pllll8nts withln groups and between groUPB, so that individuais contribute unlque products for integratlon in the group proJect, and different tedllls can investigate different aspects of a to pie, or different topics, as the case lDdY be. In this lIJlUl17er , neither individuais nor groups need dupileate eaeh other#s efforts unnecessarl1y. /)oubtlessiy, ÍIIlpiementation of the G-I methodos entails greater investment in teacher trainlng and educationai change than do the peer-tutoring methods( . .. )" (Sharan, 1980, p. 265)

g importante notar que como idealizador do Small-Group Teaching -

e também devido à escassa especificação dos procedimentos no método

desenvolvido pelos Johnsona Sharan define o modelo G-1 pelo

aprimoramento de algumas etapas do próprio Small-Group Teaching.

Assim, a forma de avaliação diversifica-se podendo incluir tanto o

julgamento'do trabalho individual quanto o do trabalho de grupo e

73

inclusive de ambos, aumentando desta forma o grau de interdependência

das recompensas.

Sharan prevê usos complementares de um grupo ou outro de métodos

dependendo dos diferentes aspectos da aprendizagem em sala de aula e do

grau de complexidade da implementação do ponto de vista organizacional

e sócio-interativo. A seu ver, os métodos de tutoria podem servir de

treinamento aos alunos no período que precede a um trabalho cooperativo

de pesquisa escolar.

2.4.3 - Os proceS80S de interac&> e 8UA relacão caa a aprendizagea

o corpo de pesquiaas sobre as interações cooperativas verifica

que essaa relações promovem de fato maior amizade e aceitação noa

grupos além de refletir de modo importante nos resultadoa de

aprendizagem. Reata, no entanto, aaber quais oa comportamento a

eapecíficoa da interação entre alunoa que elevam o nível do

aproveitamento da aprendizagem.

A resenha de Webb (1982) faz um levantamento de muitaa pesquiaas

sobre a experiência vivenciada peloa estudantes quando interagem em

pequenos grupos; examina as pesquisas sobre (a) a relação entre a

interação e o rendimento escol~,

(b) os preditores da interação em pequenos grupos e (c) os mecanismos

que possam explicar como a interação grupal se relaciona com o

rendimento escolar.

74

Segundo Cohen (1987), nesta revisão, Webb

"( ... ) dá importante passo à frente ao focalizar os próprios processos de interação e suas relações com a aprendizagem, em vez de seu relaciondJIJento com a inovaçKo específica que alterou a estrutura de tarefas da classe tradicional para a aprendizagem em pequenos grupos." (p. 20 )

Sobre a relação entre interação em grupo e rendimento escolar, as

pesquisas demonstram que tanto oferecer ajuda a quanto receber ajuda

são, de modo geral, ações benéficas ao rendimento; já os comportamentos

não orientados para a execução das tarefas e o comportamento passivo

relacionam-se negativamente com o rendimento.

Ao verificar inconsistências nos resultados de alguns estudos

sobre dar e receber ajuda, Webb faz notar que as observações sobre o

comportamento de ajuda deveriam distinguir ajuda solicitada da não

solicitada, e ainda se a solicitação é ou não atendida, uma vez que,

segundo a lógica instrucional os alunos necessitados de ajuda

(indicados por fazerem perguntas ou cometerem erros) aproveitariam mais

as explicações obtidas do que aqueles que não as necessitam (indicados

pela ausência de perguntas e pelos acertos realizados). Outra

conclusão da resenha é a de que a ajuda em processo - com explicações

sobre o modo de se chegar à resposta correta - é mais proveitosa que a

ajuda "tel'llinal", isto é, a que apenas informa a resposta certa.

As medidas gerais de participação (como por exemplo o número de

verbalizações) e as variáveis de ajuda não específicas (como por

exemplo a não distinção nas pesquisas entre ajuda solicitada e não

solicitada) correlacionam-se apenas debilmente coa o rendimento ou

15

mostram relações inconsistentes com o mesmo.

As relações entre dar explicações e receber explicações e o

aproveitamento da aprendizagem tendem a ser positivas mas nem todos os

estudos revistos por Webb apresentam resultados significativos. A

autora atribui este fato a pelo menos dois fatores: a complexidade da

tarefa e a precisão das explicações. Explicar aos outros pode ser mais

benéfico para quem explica quando o material em pauta é complexo

exigindo

quando o

desta forma integração

material é simples e

imprecisas, a tendência é a de

e reorganização, o que não ocorre

direto. Se as explicações forem

não haver relação entre receber

explicações sobre a tarefa e o rendimento da aprendizagem.

Webb analisou também o que denominou de preditores da interação:

características dos indivíduos, dos grupos e das estruturas de

recompensa grupal que possam ajudar a predizer a interação entre os

membros do grupo. De todos os preditores examinados, tanto a

habilidade do estudante quanto a estrutura de recompensa são os que

mantém as relações mais consistentes com as interações entre alunos.

Assim, estudantes com um nível maior de habilidade dão melhores

explicações que os de nível inferior; recompensar os estudantes pelo

rendimento do grupo como um todo promove de forma regular o

comportamento de ajuda. As instruções dadas aos alunos para que

trabalhem com os outros alunos nem sempre são efetivas a menos que

acompanhadas de recompensas grupais.

Ao estudar os efeitos das estruturas de recompensa sobre a

76

interação no grupo, Webb faz uma importante distinção entre essas

estruturas e outros fatores, quais sejam: (a) a estrutura de interação

(se os estudantes são ou não estimulados a trabalhar como os outros),

(b) a ponderação dos pontos para se chegar ao escore global do

indi víduo ou do grupo e (c) o grupo de comparação (se a performance do

indivíduo ou do grupo é avaliada de forma dependente ou independente

com relação à performance de outros indivíduos ou grupos da classe).

Na maioria das pesquisas, a estrutura de interação confunde-se com as

de recompensa ou se mantém constante. Na tabela 3, Webb descreve esses

fatores com detalhes.

Uma importante contribuição de Webb diz respeito à questão da

produtividade do grupo. Geralmente os estudos sobre as estruturas de

recompensa focalizam a contribuição do rendimento de cada indivíduo

para sua própria recompensa. De modo diverso, Deutsch, em três estudos

analisados por Webb, comparou grupos cooperativos e competitivos em

função de sua produtividade. Como os outros estudos, Deutsch também

comprovou que os estudantes organizados em grupos cooperativos, mais do

que os dispostos em grupos competitivos, tendem a trabalhar mais

juntos, são mais cooperativos e participam de forma mais equivalente.

No entanto, diferente dos outros estudos, os estudantes dos grupos

cooperativos tenderam mais que os grupos competitivos, a dividir o

trabalho a ser executado a fim de evitar a duplicação de esforços.

Ainda que essa estratégia seja extremnmp.nte eficaz para a execução do

trabalho se complete, diz Webb, há sempre o perigo do predomínio da

especialização; um mesmo individuo se incumbindo sempre do mesmo

aspecto o que, do ponto de vista educacional é contraproducente. "Se

11

TABELA 3

Factors varied in 5tudl~S Coeparing Individual and 6roup Rewards Stru:ture

Factor

ReNard Structure lndivldual group

Interaction Structure Individual

6roup

Weighting Scores

Unweighted Group Score

Weighted Group Score

Weighted Individual Score

COlparasion 6roup Entire Class

Achievelent Oivisions

Self

Fonte: WebD 1982, p.435

Description

Students receive scores based on their ONn perforeance. 6roup's score is based on the perforlance of alI eelbers. AlI eeebers of the group receive the saee score.

Students work individually without interaction with others Variation: Students are allowed, but not encouraged, to to Nork with others.

Students are assigned to groups and are encouraged to interact with each other.

6roup's score is unweighted average of eelber{'s scores.

6roup's score is weighted average eelber's scores, with lowest scores weighted 10St

Individual's score is weighted cOlbination of individuai's score and group average (e, g., 331 individual, ó7l group)

Individual or group's perforlance is evaluated rei ative to perforlance of entire class

Perforlance is evaluated relative to hOlogeneous strata within class.

Perforlance is evaluated relative to individuai's or group's previous perforlance.

uma estrutura de recompensa baseada no

78

rendimento estÍlIlula a

participação de todos os membros do grupo em todos os aspectos da

tarefa, é de se esperar que a aprendizagem seja lDélior que a alcançada

com UlIla estrutura de reCOlIlpensa baseada na qualidade do produto do

grupo." (Webb, p.438,1982)

Os estudos sobre o modo como a participação em grupo pode ajudar

na aprendizagem propõem a mediação de dois tipos de mecanismos: os que

afetam os processos cognitivos e as variáveis sócio-emocionais.

Entre as variáveis sócio-emocionais pesquisadas estão a

motivação, ansiedade e a satisfação. Alguns autores revistos por Webb

afirmam que a motivação é uma força importante, pelo menos nas

estruturas de recompensa grupal: na medida em que a ação de cada um

irá influenciar na recompensa de todos, os membros do grupo tendem a

auxiliar seus companheiros em seus esforços o que aumenta o esforço

individual.

Outras pesquisas sugerem (a) que os alunos de aprendizagem lenta

preferem pedir ajuda a seus companheiros do que ao professor, (b) ou

mesmo que esta preferência é geral entre os estudantes, (c) que os

alunos preferem grupos pequenos a outros tipos de situações. Além

disso, pelo menos dois artigos comprovam que os estudantes sentem mais

satisfação em participar de situações cooperativas do que de situações

competitivas.

Apesar de todos esses resultados, Webb chama atenção para o fato

19

de que não tenham sido ainda desenvolvidas pesquisas que demonstrem,

por exemplo,

satisfação

se a interação grupal por si só aumenta a motivação e a

contribuindo para reduzir a ansiedade. No entender da

autora, seria importante relacionar o nível das variáveis sócio­

emocionais com a quantidade e o tipo de interação no grupo, como dar e

receber ajuda.

Os mecanismos que afetam os processos cognitivos avaliados pelas

pesquisas levantadas por Webb são a verbalização, os sinais verbais e

não verbais e a resolução de conflito.

Alguns estudos de aprendizagem por discriminação afirmam que é

mais fácil a lembrança de um estimulo verbalizado do que a de um não

verbalizado; outros sugerem que a verbalização também é útil durante a

prática de uma tarefa de resolução de problema. Porém dois estudos

importantes põem em dúvida a hipótese de que a mera verbalização do

material seja o mecanismo responsável pelo incremento da aprendizagem

de alunos que interagem em grupo nas tarefas escolares.

A intenção da verbalização é mais importante que o próprio ato de

verbalizar. g esta a conclusão sugerida por um estudo que comparou

diferentes situações em que um estudante se preparava para transmitir

verbalmente a outrem um conteúdo especifico: (a) para um outro aluno

que também estudava o mesmo conteúdo,(b) para um colega que

supostamente deveria estar aprendendo o mesmo conteúdo e (c) para um

experimentador que supostamente dominaria o conteúdo. Se o s~les

fato de verbalizar fosse essencial para promover o rendimento, as três

situações resultariam em ganhos equivalentes.

80

Isto não ocorreu: os

grupos que verbalizaram ou para os companheiros ou para outros alunos

foram mais eficientes do que os que verbalizaram para o experimentador.

A explicação dada pelos autores da pesquisa é a de que, neste último

caso, o encarregado da verbalização se colocava no papel de aluno e nos

outros dois casos, no de professor.

A pesquisa de Bargh e Schul (1980), comentada por Webb, sobre os

benefícios cognitivos do ato de ensinar vem corroborar tais achados.

Os autores compararam o rendimento de dois grupos que receberam o mesmo

material verbal para estudar: o primeiro para si mesmo e o segundo

para ensiná-lo a outro estudante. O grupo que se preparou para ensinar

obteve escores significativamente maiores no teste aplicado ao final do

experimento. Para Bargh e Schul, a explicação mais provável para esse

resultado é a de que o método de estudo utilizado pelos sujeitos que

esperavam ensinar o material a outro estudante resultou em uma

estruturação cognitiva altamente organizada, permitindo a apreensão

tanto das relações entre os fatos apresentados como dos próprios fatos.

Um segundo experimento neste mesmo estudo leva à hipótese de que mera

verbalização não se demonstra eficaz para aumentar o rendimento da

aprendizagem.

Pesquisadores educacionais estão igualmente atentos à t.portância

da reestruturação cognitiva no rendimento da aprendizagem realizada em

grupo. Webb destaca alguns resultados, com a ressalva de que pesquisas

mais sistemáticas poderiam modificar o caráter predominantemente

especulatiVO da maioria dos estudos então disponíveis:

81

a. o "feedback" do grupo e a oportunidade em compartilhar os recurso

disponíveis pelos membros do grupo (hipótese proposta por Slavin,

1977, já mencionada anteriormente) permitem a reformulação de idéias e

a oportunidade para que novas informações sejam descobertas, o que

talvez não ocorresse caso o esforço fosse individual;

b. a recepção passiva da informação é insuficiente para permitir a

mudança de atitudes e de opinião; o indivíduo é um processador ativo da

informação e a participação no grupo com ajuda mútua permite a

comparação entre as informações anteriores e as novas e a modificação

ou mesmo a substituição de conceitos quando necessário.

Ao estudarem os sinais verbais e não verbais presentes na

interação, alguns autores levantam a hipótese de que as crianças

aprendem melhor quando interagem em grupo porque usam uma linguagem

compreensível para todos. Outros estudiosos sugerem que as crianças

são capazes de distinguir, com maior freqüência e exatidão que os

adultos, os sinais não verbais emitidos por seus colegas.

o terceiro mecanismo identificado por Webb a resolução de

conflito - é objeto de estudo de Johnson e Johnson (1979) que destacam

a controvérsia entre os membros do grupo como uma estratégia para

tornar construtivo o conflito de idéias e opiniões dos estudantes.

Excluir da sala de aula as situações de conflito é twa das

discrepâncias mais usuais na prática educacional corrente uma vez que

o conflito está sempre presente nas situações de aprendizagem (a) seja

entre professor e aluno, (b) seja entre alunos e (c) seja ainda entre o

82

que se sabe e o que se está. aprendendo. Evitar ou ignorar a presença

do conflito pode significar uma perda de oportunidades para que se

intensifiquem a motivação, os inBiBhtB criativos, o desenvolvimento

cognitivo e a própria aprendizagem.

A partir da afirmação de Deutsch de que o conflito existe sempre

que ocorram atividades incompatíveis, Johnson e Johnson definem

controvérsia como a incompatibilidade de idéia3, de informações, de

conclusões, de teorias ou opiniões, e a von~ade de se rnlscar acordo.

Uma ~érie de hipóteses sobre cnmn a controvérsia promove aprendizagem é

lp.vantada: a controvérsia provoca uma conflito conceitual, isto é, a

presença de idéias incompatíveis que devem se reconciliar; o conflito

desperta a curiosidade espistêmica, isto é, a busca ativa de mais

informação, de novas experiências e de uma perspectiva cognitiva e

raciocínio mais adequados para resolver o sentimento de incerteza

provocado pelo conflito conceitual. Rssa modificação de perspectiva

geralmente se dá. através da compreensão mais precisa da pespectiva

cognitiva e do processo de raciocínio doa outros. Finalmente, deste

movimento origina-se uma conclusão maia criativa e de melhor qualidade,

construida a partir de um acordo entre os que estão envolvidos na

controvérsia.

Oa resultadoa de inúmeras pesquisas encetadas pelos próprios

autores com colaboradores e por diversos estudiosos da cognição

respaldam oa resultados propostos na descrição do processo da

controvérsia e os beneficios de sua utilização para fins educacionais.

83

Em relaçao ao conflito conceitual e à curiosidade epistémica, há

evidências de que o desacordo outra pessoa pode

exploração das idéias do outro, busca de

provocar tentativas de

novas informações e

reorganização do conhecimento anterior. O contexto da controvérsia

será tão mais competitivo quanto maior forem (a) o desacordo entre os

estudantes ou entre o professor e os estudantes, (b) a freqüência em

que ocorre o desacordo e (c) o número de pessoas que discordem da

posição do estudante. Além disso, quanto mais afrontados se sentirem

os estudantes, mais intenso será o conflito conceitual e o sentimento

de incerteza gerado por este. (Johnson e Johnson, 1979, p.54)

Para resolver uma controvérsia, o estudante necessita ser capaz

de se colocar na perspectiva cognitiva de seus opositores a fim de

entender como esses organizam e interpretam a informação. Uma

perspectiva cognitiva é uma organização cognitiva usada para dar

significado ao conhecimento de uma pessoa e à estrut\~a de seu

raciocínio. A comparação entre pessoas que experienciaram ou não

situações de controvérsia demonstra que as primeiras são maia capazes

de compreender a perspectiva cognitiva do outro e de predizer qual a

linha de raciocínio escolhida por seu oponente em questões futuras.

Há também evidência de que a controvérsia pode promover o

desenvolvimento cognitivo e moral para estágios mais elevados. Johnson

e Johnson referem-se especificamente à teoria do desenvolvimento

cognitivo de Piaget, aos trabalhos de Kolberg sobre o desenvolvimento

moral e a inúmeros experimentos que comprovam a ocorrência de ganhos

cognitivos para indivíduos n!o-conservativos quando em contato com

84

indivíduos conservativos na resolução de tarefas propostas.

o processo da controvérsia, desde o conflito conceitual à

possível transição para um estágio cognitivo e moral superior,

contribui igualmente para a melhoria qualitativa das decisões e da

resolução de problemas, com reflexos positivos na aprendizagem. O

grande aporte de informações, a variedade dos fatos e a mudança do

enfoque no conhecimento requeridos no processo resultam em mudanças de

julgamento que irão influir na qualidade das decisões; além disso o

processo permite a seus participantes maior capacidade em generalizar

08 princípios apreendidos para a mais variadas situações.

Johnson e Johnson (1979) mencionam pesquisas que evidenciam a

importância em discordar, argumentar, debater, apresentar pontos de

vistas opostos, idéias e informações divergentes para os insishts

criativos. Comentando os resultados de estudos sobre o papel da

interação interpessoal no incremento da quantidade e da qualidade das

idéias nos sentimentos de incentivos e prazer e na originalidade da

expressão na solução de problemas, os autores afirmam:

"These studies dsonstrated that controversies can encourage groUp IIJeJlJbers to dig into a probleJD, raise isslles, and settle ths in ways that show the benefits of a wide of ideas being llsed, as Flell as resulting in a hish rlU'1l!e degree of eJDOtional involvement in and cOllJlllitment to solving the problel1JS the group is working on . .. (p.57)

A defesa da presença do conflito em sala de aula não contradiz a

ênfase que tais autores dão às estruturas por objetivo cooperativas:

ao distinguir as controvérsias construtivas das que podem reverter em

85

prejuízo para o processo educativo, Johnson e Johnson pontuam que

somente tais estruturas favorecem a comunicação entre os oponentes,

contribuem para que se estabeleça lW clima de aceitação mútua,

favorecem a convicção de que a controvérsia é construtiva, exigem o

lidar não apenas com idéias e informações mas também com sentimentos,

consolidam a definição de conflito como um problema a ser resolvido em

conjunto e não uma situação para se ganhar ou para se perder. Por fim,

há evidências de que o contexto cooperativo conduza ao reconhecimento

de pontos de contato entre as diferentes posturas.

De modo complementar às estrutl~as por objetivo cooperativas,

outras condições necessárias para que a controvérsia se transforme em

importante estratégia educacional são (a) a diferença entre seus

participantes em termos de personalidade,

anterior, classe social, estratégias

sexo, atitudes, experiência

cognitivas de raciocínio,

perspectiva cognitiva, informações e habilidades; (b) a quantidade de

informação relevante disponível entre os estudantes; (c) a habilidade

do estudante para se colocar no ponto de vista do outro (perspective­

taking-skills) e (d) a capacidade em discordar do outro sem que este

tome uma posição defensiva. (Johnson e Johnson 1979, p. 57-58)

Embora haja evidência de que a heterogeneidade do grupo amplie a

ocorrência de controvérsia, os resultados são contraditórios no que se

refere à eficácia na resolução de problemas. Enquanto certos estudos

afirmam que os grupos heterogêneos são superiores aos homogêneos quanto

à qualidade e a criatividade da solução e à satisfação com a solução

encontrada pelos membros do grupo, outros estudos concluíram pela

86

equivalência dos dois grupos para gerar soluções de qualidade. Face a

esses achados, Johnson e Johnson pressupõe duas condições para que a

heterogeneidade do grupo alcance plenamente suas possibilidades em

sobrepujar os grupos homogêneos: a disponibilidade de informações

importantes para que o problema seja resolvido e a habilidade para se

trocar informação.

Quanto mais informação o grupo dispuser, mais chances terá para

resolver o problema colocado. Porém somente dispor de informação não

garante que esta seja utilizada: pesquisas demonstram que quando a

tarefa permite um rápido reconhecimento da resposta, esta é aceita de

imediato; no caso contrário, a qualidade da discussão em grupo pode

auxiliar na resolução do problema mesmo quando o nível de competência

do grupo seja baixo. Mas, para os autores, a capacidade de se colocar

no ponto de vista do outro (perspectiva-taking skill) é provavelmente a

mais importante habilidade na troca de informações. Trata-se da

"habilidade para compreender como um problema ou uma situação são

e~rimentados cosnitivamente e afetivamente por outra pessoa.

(Johnson e Johnson, 1979, p. 60) Seu oposto, o egocentrismo, é o

limitar-se à sua própria perspectiva sem se dar conta da perspectiva do

outro e nem dos limites a que se está restrito. 8 justamente essa

capacidade de se por no lugar do outro que irá determinar o melhor

aproveitamento das informações disponíveis, a efetividade das trocas e

condução da controvérsia no sentido construtivo.

Por fim, é importante, senão imprescindíveJ, que a discordância

entre os participantes da controvérsia ocorra de modo a que a

87

competência dos oponentes não seja lX)sta em dúvida. Estudos que

comparam situações de divergência comprovam q\le quando há confirmação

da competência do olX)nente, este se torna mais receptivo, mais

interessado em ouvir as idéias do outro e desejoso de incorlX)rar a

informação e o raciocínio do outro à sua própria análise do problema.

A resenha de Webb e os outros estudos aqui expostoB revelam os

avanços alcançados no eBforço de reflexão sobre o papel das interações

entre alunoB e enriquecem o debate sobre o UBO do trabalho em grupo na

sala de aula. Se os resultados reforçam OB pontos poBitivoB

levantadoB, pelos docentes brasileiroB nas entrevistas comentadas no

final do primeiro capítulo, algumaB conBeqüências apontadaB como

restritivas podem agora ser reavaliadas:

a. a heterogeneidade do grupo cc.o fator :iJçeditivo para \.a

avaliaç&o Jl8.is precisa do deseçenho individua.l;

A importância da heterogeneidade do grupo, tão bem defendida

pelos JohnsonB, Bobrepuja, a nOBBO ver, o temor pela dificuldade

em Be realizar uma avaliação individual dOB alunos. Muitos dos

métodos acima descritos conciliam a avaliação do grupo e a

avaliação individual que podem ocorrer em momentos diferenteB, de

acordo com os objetivos almejados, sem prejuízo de uma ou de

outra forma.

Falar de interação entre alunos, sobretudo quando são uBados OB

termos correlatos como interação entre pareB, interação entre

iguai~, lX)de dar uma idéia de que a homogeneidade é o ponto de

partida.

88

No ensino regular (ao menos nos primeiros graus de

ensino) pressupOe-se um certo nivelamento dos alunos por faixa

etária, pela aprovação nas séries anteriores etc. No entanto, o

sentido da ênfase na interação entre alunos está na oposição

entre uma organização em sala de aula que exclua esta interação,

e outra que coloque esta interação no centro da ação educativa e

reconheça no professor o papel de organizador, condutor e

facilitador para que essas interações fluam no sentido dos

objetivos educacionais.

b. a iaprodutividade do grupo e a não participação por preguiça ou

dispersão;

A produtividade' do grupo como objetivo educacional desejável é

posta em questão por Webb. Cabe à escola dar oportunidades aos

estudantes para que possam experimentar diferentes papéis e

exercitar diferentes atividades. Ora, o trabalho em pequenos

grupos é o veículo por excelência para este propósito.

A idéia de trabalho em grupo está muito ligada à de uma

organização cooperativa em que os membros se reúnam para cumprir

um objetivo comum. Mas essa participação exige uma aprendizagem.

Johnson e Jobnaon (1914) falam de pré-requisitos cognitivos para

que os alunos atuem em uma estrutura por objetivo: estar ciente

da existência dos outros, identificar e responder às suas ações,

perceber a natureza da interdependência e se dar conta das

implicações decorrentes dessas interdependência para seu

comportamento e para o comportamento dos outros. Nas estruturas

cooperativas esse entendimento resulta em ajuda mútua; nas

89

estruturas competitivas, em tentativas para impedir que os outros

cumpram seus objetivos; nas estruturas individualistas, em

ignorar o comportamento do outro (p.216). Desta forma, para que o

trabalho em grupo possa evoluir no sentido de uma colaboração

efetiva, torna-se necessário que os membros tenham oportunidade

de vivenciar situações cooperativas. Impossível esperar que

alunos submetidos a estruturas competitivas ou individualistas

desenvolvam habilidades para cooperarem entre si. Do nosso

ponto de vista, a falta de engajamento por parte de um aluno no

grupo é muito mais um indício de que as interações construtivas

devam ser fomentadas do que uma conseqüência inelutável do uso

dessa organização em sala de aula.

c. a aocializaçlo na escola ele.entar, o grupo e a aprendi 7,ageII

individual ;

O argumento de que a sociabilização das crianças nos primeiros

anos do ensino regular não deve ser objeto de preocupação da

prática pedagógica está muito relacionada a uma visão de que o

desenvolvimento do raciocínio e a apreensão dos conteúdos

escolares dependem de um esforço individual que poderá ser

afetado negativamente pela interferência dos outros estudantes

uma vez que haveria tendência à dispersão (conversas paralelas

etc.) Na base desta argumentação estão pelo menos dois

pressupostos: o de que os alunos só se interessam por temas

alheios aos que estão em pauta na sala de aula, e o de que o

raciocínio se desenvolve sem qualquer ligação com o meio social

em que o sujeito está inserido (e que por certo inclui seus

90

pares) .

Entendemos que a constataç~o da veracidade do primeiro

pressuposto deveria levar o bom senso a recomendar uma mudança de

temas e não prescrever amarras para submeter os alunos. Além

disto, imaginar, como o segundo pressuposto, que cada aluno é

ameaçado no desenvolvimento de seu modo de pensar e em sua

aprendizagem por seus colegas é admitir que o meio circundante

não têm relevância para que o processo se realize ou que essa

relevância restringe-se, na sala de aula, a figura do professor.

o encaminhamento dessas questões orienta-se necessariamente para

o exame das relações entre o meio social, o desenvolvimento cognitivo e

a aprendizagem. Neste ponto, a epistemologia genética de Jean Piaget,

por seus pressupostos interacionistas e construtivistas, torna-se de

vital importância para um aprofundamento dessa discussão.

2.5 - O interacionisao na epistea>logia genética. de Jean Piaget

A teoria de Jean Piaget é uma teoria do conhecimento;

construtivista porque supõem que as estruturas cognitivas não se

encontram pré-formadas no sujeito nem são impostas a este pela

realidade exterior mas resultam de uma construção progressiva;

interacionista porque propõe uma interdependência entre o sujeito que

conhece e o objeto a ser conhecido. Assim, o conhecimento se constrói

na interação sujeito-objeto, interação análoga a que ocorre entre o

organismo e o meio. De fato, Piaget (1918), estabelece um paralelo

entre conhecimento e vida:

91

( ... ) Ora, sendo o sujeito um aspecto do orglllJisD1o e o objeto um sector qualquer do meio, o probleJJ1a. do conhecimento corres~~nde, deste ponto de vista, ao problema. das relações entre o organi8I1Jo e o meio, questâ"o que é difícil negar que se tra.ta da questdo mais geral da biologia e que se encontra a cada. passo, dando eJJ1 cada caso soluções múltiplas tdO diferentes entre si como as soluções epistemológicas ou pslco-genétlcas." (p.58)

A história das soluções oferecidas aos problemas mais gerais

dessas relações permitiu a Piaget elaborar - a partir da distinção

entre as interpretações fixistas e as evolucionistas - um esquema

comparativo em torno de três hipóteses acerca da adaptação, de cujo ,

cruzamento com as teorias biológicas, epistemológicas e da psicologia

da inteligência, depreende-se os quadros 1 e 2.

Evolucionista, Piaget defende a proposta de um tertium que

consiste em uma síntese dialética entre os polos lamarkista e

neodarwinista. Há nesse tertium um interessante resgate da tese

lamarkista da herança do adquirido, a partir do conceito do biólogo

Waddington chamado de assimilação genética: a integração de um caráter

surgido "inicialmente ligado a uma alteração do meio e que subsiste

hereditariamente /lleBJllO depois de anulada essa alteração. " (Piaget,

1973a, p. 128) Mas se há confirmação do fato, a p.xplicação é

divergente. Para Lamark, a ação direta do meio seria suficiente para

introduzir ou eliminar caracteres hereditários. Waddington - a partir

dos resultados de experiências e das observações do próprio Piaget

sobre limneas lacustres - sustenta que o fenótipo tem também, ao lado

do genótipo e do meio, significado evolucionário. Cada genótipo

HIPÓTESES ACERCA DA ADAPTAÇ~O

ATRIBUíDA A FATORES EXTERNOS AO

OR5ANISMO

ATRIBUíDA A FATORES INTERNOS AO ORGANISMO

ATRIBUíDA A U"A INTERAÇ~O ENTRE FATORES EXTERNOS E INTERNOS

BIOLÓSICAS

CRIAC!ONISMO, V ITALISMO

A adaptaç~o se deve à har.onia pré estabelecida entre o organis.o e o

.eio

PREFORlmllO

A adaptaç~o se deve à u. prefor.is.o que per.ite ao or­

ganis.o a reagir a qualquer situa­ç30 tornando reais suas estruturas visuais.

EI'IER6~NCIA

A adaptaç30 se deve ao ·surgi.ento"de estruturas de con­junto, irredutíveis a seus ele.entos e deter.inadas si.ul­tanea.ente de den­tro e de fora.

QUADRO 1

HiPÓTESE ~IXISTA

EPISTEMOLÓSICAS

REALISMO

A raz30 é u.a adequaç30 ina­ta a for.as ou essências

eternas

APRIORISMO

Explica o conhecitento

por estrutu­ras internas anteriores à experiência.

FENOIIENOLOSIA CONTHIPoRANEA

Analisa apenas as diversas for.as de pensa.ento re­cusando-se ao .es.o te.po a re­tirA-las genetica­tente UIaS das outras e a dissociar nelas a parte do sujeito e a dos objetos.

PSEOLÓGICASí TEORiAS CONTEIIPORÂNEAS DA INTEU5ÊNCIA

INTELI6~NCIA VISTA COMO FACULDADE

Conheci.ento direto dos seres físicos e das idéias lógicas ou .ate.~ticas .ediante har.onia pré-estabelecida entre

o intelecto e a realidade

INTELI6~NCIA COIIO ESPELHO ESPELHO DA LÓGICA

A inteligência é deter.inada por estruturas externas que

se explicitai no decorrer do desenvolvi.ento.

TEORIA DA FORMA (SESTALT)

A totalidade é irredutível aos ele.entos que a co.pOe., regida por leis prÓprias de orga­nizaç30 ou de equilíbrio.

Fonte: Piaget, Jean, Psicologia da inteligEacia, Rio de Janeiro, Zahar, 1977a, p. 21-27

92

HIPÓTESE ACERCA DA ADAPTAÇ~O

, ATRIBüIDA A FATORES EXTERNOS AO ORGANISMO

, ATRIBUiDA A FATORES INiERNOS AO ORGANISMO

, ATRIBUIDO A UI'IA INTERÇ~O ENTRE FATORES EXTERNOS E INTERNOS

TEORiAS

QUADRO 2 ,

HIPOiESE EVOLUCIONISTA

BIOLÓGICAS EPISiEMOL6GICAS

LAIIARCKISIIO EIIPIRISIIO

Explica as varia- Explica o conheci-çOes adaptativas lento pela pressao pela press~o do das coisas. do leio.

IIUiACIONISI'IO CONVENCIONAL ISIIO PRAGI1A TI SilO

Explica as variaçOes Atribue. adeQuaçao adaptativas pelas do espírito ao lutaçOes endógenas real à livre cria-COII posterior ç~o de noçOes sub-seleç~o jetivas seleciona-

das COI o telpO segundo UI princi-pio de silples cOlodidade.

TEORIA DO TERTIUII INTERACIONISI101 EPISTEI10LOGIA SENtTICA

Explica as variaçOes Explica o conhe-adaptativas por ula cilento COlO UI

interaç30 progressiva produto de ula dos fatores internos e colaboraç~o

externos. indissociável entre a expe-

riência e a deduç30.

PSICOLÓGICAS! TEORIAS CONTE~PORA~E~5 DA INTELIG~NCIA

E~PIRISIIO ASSOC!ASSGM~SjA

Expllca a inteligêncla pelo leio externo.

TENTATIVA E ERRO

Ex. a teoria do tateiJ de Claparede Que explica a inte-ligência pelas tentativas ou hipóteses devidas à a!ivida-do sujeito e a sua seleç~o efetuada no decorrer do telpo sob a press~o da experiência (erro ou fracasso).

, TEORIA OPERATORIA

As operaçOes intelectuais cuja forla superior é lógica e late-lática, constitue. atividades reais, sob o duplo aspecto de

produç30 peculiar ao sujeito e de ula experiência possível

da realidade.

Fonte: Piaget, Jean. Psicologia da intelig~.cja, Rio de Janeiro, Zahar, 1977a, p.2127

93

94

admite potencialmente a produção de um certo número de fenótipos

diferenciados que irão se desenvolver ou não graças às interações

recíprocas entre o organismo e o meio.

A descoberta da existência de genes reguladores é de fundamental

importância para a concepção interacionista piagetiana porque permite

reformular a idéia, defendida pelo neodarwinismo clássico, de que o

genoma estaria a salvo das influências exteriores. Se há atividade

reguladora, sua função será certamente, diz Piaget, a de conservar o

sistema, informando-o dos obstáculos, dos bloqueios, dos desequilíbrios

que possam interferir no curso da epigênese pela interação entre o

programa genético e as solicitações do meio. Mas não se trata, como no

entender de Lamark, de uma mensagem que se imprimirá ao material

genético comandando as variações que deverão ser adotadas mas de

informação sobre desequilíbrios internos repercutindo retroativamente

até atingir os genes reguladores.

'~inda que os gens reguladores das sínteses epigenéticas nKo fossem exatamente os meamos que dirigeJlJ as trBJ181/1issões hereditárias às gerações seguintes, o genO/llll no seu conjunto seria concebido como uma totalidade. Pbr isso, aquela situaçKo perturbadora acabará. trBJ1sferindo-se aos gene responsá.veis pela tranSIIJissão hereditária. (Casávola e Caatorina, 1988, p.127)

g esta a assimilação genética de Waddington, a qual Piaget chamou

de fenocópia, uma reconstrução por seleção imposta pelo meio interno

que, à diferença do lamarkismo, "não implica uma fixação hereditária do

fenótipo ( ... ) e também nKo reduz a relação entre este e o genótipo a

um fato fortuito em todos os casos (o pressuposto de aleatoriedade do

neodarwinismo (Casávola e Caatorina, 1988, p. 128)

95

A analogia persegtlida por Piaget com relação aos problemas postos

pelas grandes teorias (biológicas, epistemológicas e da psicologia da

inteligência) é transposta para sua concepção de conhecimento e o faz

desenvolver uma epistemologia genética cuja base é a idéia de auto-

regulação. O processo de organização auto-reguladora está presente na

evolução orgânica assim como na formação paicogenética; da mesma forma

que a fenocõpia é uma reconstrução com seleção imposta pelo meio

interno de variações inicialmente exógenas, "toda transformaçdo da

inteligência é vista como uma reconstruçdo endógena de dados fornecidos

pela experiência." (Piaget, In: Bringuier, 1978, p.159). A

inteligência surge então como adaptação mental, entendendo-se a

adaptação como o equilíbrio entre a atividade que o sujeito exerce

sobre o objeto modificando-o (assimilação) e a atividade que o objeto

impõe ao sujeito (a acomodação). Assimilação e acomodação - as duas

faces do mesmo processo interativo que tende, nessa dialética

construtivista, a ultrapassar os estados anteriores sempre com abertura

para novos possíveis, graças a auto-regulação. Eis então a hipÓtese

central da epistemologia genética:

"Os processos cognocitivos aparecem entKo simultaneamente CO/DO a resultante da auto-regulação orgânica, da qual refleteJl1 os JDeCaniBIDos essenciais, e como os órgdos mais diferenciados dessa regulação no âmbito das interações com o exterior, de tal maneira que acabam, no hOJllelll, por estendê-las ao universo inteiro." (Piaget, 1973&, p.38)

A necessidade de nutrição, procriação e preservação faz com que o

organismo se conduza de modo a estender o meio em que está inserido.

Essa extensão - que na escala biológica se acelera com o surgimento do

homem - garante as trocas com o exterior mas torna-se ao mesmo tempo

96

uma ameaça porque amplia os riscos de não satisfação das necessidades.

O organismo - verdadeiro "sistema aberto" (termo de Bertalanffy

utilizado por Piaget) - busca então um fechamento que, no entanto,

jamais é alcançado. O aparecimento da regulação perceptiva aumenta as

possibilidades de obtenção dos recursos mas gera também incerteza uma

vez que a extensão modifica as necessidades. Por outro lado, o poder

de autocorreção que caracteriza as regulações - chamado por Piaget de

"regulaç(Jes de regulações" - amplia ad infinitum as possibilidades de

desenvolvimento. Piaget ilustra este fenômeno com o desenvolv~nto

sensório motor no homem o qual, a partir dos reflexos iniciais, cresce

por uma sucessão cada vez mais complexa de conduta através da

"diferenciação por acomodação dos esquemas de assimilação." (Piaget,

1973a, p.398)

A superação dos interesses iniciais do organismo faz com que a

extensão do meio abranja tanto o meio biológico quanto o meio

cognitivo. Os mecanismos cognitivos surgem como os órgãos

especializados que regulam as trocas com o exterior. O fechamento do

sistema se delineia com a representação ou pensamento pela aceleração

da distância espaço-temporal entre forma e conteúdo e que supõem "o

conjun to das trocas in terindívíduli j f'I ou sociais, além das trocas COIIJ o

meio individual." (Piaget, 1973a, p.399)

g neste ponto que a importância do meio social na epistemologia

genética fica explicitado. O conhecimento humano tem nat\weza dupla:

coletiva e individual. Ao lado da transmissão hereditária há a

transmissão externa que permite a construção das civilizações. A

97

lógica e a matemática são elaborações de um sujeito epistêmico, ao

mesmo tempo indivíduo e coletividade mas descentrado de seu eu

particular e das imposições de seu grupo. o indivíduo só inventa e

inova porque exprime as interações proporcionadas pelas organizações

societárias, assim como as trasmissões hereditárias, são promltos da

vida e a lógica, uma só, que "num único cérebro ou num sistema de

cooperaçôes ( ... )" (Piaget, 1973a, pA16)

Apesar de a epistemologia genética se estruturar em bases

claramente interacionistas, o fato de Piaget não ter se aprofundado no

estudo das relações sociais tem originado interpretações que põem em

dúvida a real importância do meio social em sua teoria.

No entender de Banks-Leite (1991), se o construtivismo em Piaget

se encontra "bem caracterizado ", o mesmo não ocorre com o

interacionismo. Ao mencionar Ducret, Banks-Leite lembra que a obra da

Escola de Genebra, tanto empírica quanto teórica, se deteve apenas no

estudo do papel do sujeito "em detrimento de llD1 estudo do papel do meio

na estruturação das conffi1tas do BUjeito. " (p.26)

Dois exemplos são os estudos sobre a imitação e sobre a

aprendizagem. No primeiro, não se encontra a análise do modo como o

modelo contribui para a formação da conduta imitativa embora seja

ressaltado o predomínio da acomodação sobre a assimilação em sua

gênese. No segundo, a ênfase no papel do sujeito como construtor de

conhecimento atende à necessidade na época de se oferecer uma

contraposição à interpretação empirista mas não faz a análise da

98

contribuição do meio. Outra questão apontada por Banks Leite é o fato

de a epistemologia genética ater-se "à tradição filosófica clássica que

estuda a relação BUjei to-objeto fisico"

influência dos objetos sociais cuja

CP. 27) dedicando-se pouco à

contribuição é vista como

equivalente a do meio físico nos primórdios da construção intelectual,

ou seja, no período sensório-motor.

Na tese de doutoramento em que propõe uma reformulação dessa

crítica ao modelo piagetiano, Arendt (1987) lembra que o próprio

Piaget, em dado momento de sua trajetória epistemológica, prenunciava

uma nova fase em projetos futuros para "recomeçar análise do

desenvolvÍDJento cognitivo mas situando-se do ponto de vista do objeto e

já não do sujei to ( ... )" (Piaget, apud Arendt, 1987, p. 45). Essa

intenção é

(1983), no

reafirmada por Piaget em seu

qual os autores analisam

livro escrito com R. Garcia

as relações entre ciência,

psicogênese e ideologia e sugerem que a história das ciências é

exemplar quanto ao predomínio do meio social no processo cognitivo.

Para Arendt tais análises revelam não apenas uma disposição de Piaget

em realizar uma descentração com a mudança de perspectiva (do sujeito

para o objeto) mas, principalmente, em atingir um interacioniamo pleno.

Toda essa polêmica far-ee-ia inútil do ponto de vista do presente

trabalho, caso a epistemologia genética não oferecesse em seu arcabouço

teórico subsídios para um repensar a prática educacional, em especial

no que tange a interação entre alunos na sala de aula. Ora, é o

próprio Piaget que, na critica ao sistema tradicional do ensino,

coloca-se por inteiro a favor do ''método de trabalho em grupos", da

99

"pesquisa em comul1J ou em equipes orgdJ1izadas ", enfim, da cooperação

como "fator essencial do progresso intelectual ". (Piaget, 1977b, p. 351)

A proposta de Piaget de que os problemas biológicos da adaptação

se relacionam com os problemas psicológicos e epistemológicos a

hipótese de que há uma continuidade entre os processos biológicos e

cognitivos - tem como sustentáculo um programa experimental de vulto no

campo da psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem. Por esse

programa cada noção constitutiva do conhecimento é pesquisada,

esboçando-se então a sucessão de estádios de ordem constante,

caracterizado cada estádio por uma estrutura de conjunto que o define.

A construção da inteligência humana é universal e presidida por quatro

fatores: (1) o crescimento orgânico, em especial a maturação dos

sistemas nervoso e endócrino, (2) o exercício e a experiência

adquirida, (3) as interações e as transmissões sociais e finalmente (4)

a equilibração, o mecanismo interno auto-regulador de compensações que

se realizam de forma retroativa e antecipadora pela atividade do

sujeito como resposta às perturbações exteriores. 8 a equilibração (ou

auto-regulação) o fator fundamental de harmonização entre os outros

três, necessários porém não suficientes para explicarem o

desenvolvimento mental; é a equilibração que permite a construção

seqüencial das estruturas no sentido progressivo de um equilíbrio cada

vez mais estável. (Piaget e Inhelder, 1976)

Parte integrante do conjunto de pesquisas realizadas por Piaget e

colaboradores é o estudo sobre a gênese do julgamento moral, publicado

em 1932 (Piaget. 1977b) no qual são relatadas e analisadas as conversas

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100

com crianças sobre as regras, as prescriçOes dos adultos e a idéia de

justiça. Neste e em outro texto escrito em 1945 (Piaget, 1973b), a

partir dos resultados obtidos, está contida a teoria da moralidade da

epistemologia genética que consolida o paralelismo entre o

desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento social. A vida socia] ,

diz Piaget, cunstitui-se imprescindíve] para que o indivíduo tome

consciênciFl do funcionamento da mente e transforme "em normas

propriame.nte. ditas, os sÍIlJples equilíbrios funcionais imanelltes a toda

atividade melltal ou meBll10 vital" (Piaget, 1977b, p.347) g pela

descentração, ou eliminação do egocentrism01o , que o sujeito abandona

os estados de alogismo e anomia iniciais para alcançar a autonomia de

idéias e de sentimentos. A formação do espírito crítico nasce da

discussão e esta só é possível entre iguais. g no interior do grupo

que são elaboradas as noções de igualdade, reciprocidade, respeito

mútuo, formadoras da idéia de justiça. Pela discussão entre iguais

produz-se, do ponto de vista lógico, a reflexão e a verificação

objetiva; do ponto de vista moral, o julgamento objetivo e a

interiorização das regras. A cooperação é a fonte da autonomia

racional e moral, o ápice da psicogênese.

Concordante com Durkheim de que a sociedade não equivale à soma

dos indivíduos, Piaget se propõe a pensar o todo (a sociedade) como

constituído pelas interações entre os indivíduos ao invés de colocá-lo

10 O egocentrismo caracteriza-se pela a indissociação entre o mundo exterior e o próprio eu. Para uma discussão sobre este conceito e o estatuto do social em Piaget, ver Luci Banks Leite O construtivismo em Revista: As interações sociais na perspectiva piagetiana. (mimeo)

.. nA ono!!!) oy:>" ..... r.aLQn ...

101

à margem das consciências individuais. Isso permite a Piaget pensar as

conseqüências das relações de idade. especialmente entre adultos e

crianças e conceituar a coação e a cooperação como termos-limite da

escala de relações sociais. A coação induz à heteronomia pois implica

em autoridade e submissão; a cooperação, baseada na igualdade de

direitos e na reciprocidade, implica em autonomia. g o respeito ao

adulto que faz com que a criança siga as regras impostas e este fato

garante a continuidade entre as gerações; no entanto, com o passar da

idade, as pressões tornam-se colaterais e esse respeito transforma-se

em respeito mútuo de par com o desenvolvimento das normas racionais.

o estudo da construção do pensamento lógico no indivíduo autoriza

Piaget a concluir que o desenvolvimento caminha progressivamente da

ação efetiva e irreversível para a operação ou ação virtual e

reversível. A lógica é uma forma de equilíbrio final das ações

coordenadas de modo a constituir um sistema de composições reversíveis.

Mas esse progresso se dá passo a passo com a socialização intelectual

do indivíduo de modo que as ações sociais só atingirão um estado de

equilíbrio caso constituam também um sistema composto e reversível.

Este sistema que engendra tanto as operações mentais como a cooperação

social é o "agrupamento", cujas leis de composição não comportam a

contradição.

"( ... ) Ora" está claro que o penslJ./Dento em comum favorece a não-contradição; é IDuito lIJais fácil se contradizer, quando penslJ./DOS por nós somente (o egocentriSllJo) do que quando os parceiros estão lá para lembrar o que dissemos anteriormente e as proposições que Já admitimos." (Piaget, 1973b, p. 181)

102

o egocentrismo impede que as condições necessárias ao equilíbrio

cooperativo se estabeleçam. São estas: (a) a utilização de um sistema

comum de comunicação, com palavras de mesmo sentido e conceitos

homogêneos, (b) a conservação suficiente das proposições anteriormente

admitidas e (c) o estabelecimento de proposições recíprocas e

coordenáveis, quer sejam comuns, quer sejam distintas. A coação, por

sua vez, não admite reciprocidade porque as obrigações fluem em um

único sentido. Esta situação cria um "falso equilibrio" em que há uma

linguagem comum mas falta estabilidade interna.

Para construir agrupamentos o indivíduo deve se socializar pois a

reversibilidade completa só se atinge com o simbolismo socializado, a

objetividade e a coerência. Já a cooperação só conduz à formação de

agrupamentos pela linguagem e pela psicomotricidade individual pois as

operações são um sistema de ações. Em resumo, diz Piaget, (l973b) "as

funções individuais e as funções coletivas se referem WI1BB às outras,

na eAPlicaç60 das condições necessárias ao equilibrio lógico. " (p.196)

Se a coação repele o egocentrismo quando impõe uma norma exterior

a ser seguida, por outro lado consolida seus hábitos quando não permite

o questionamento da imposição. Podemos então entender a importância da

troca entre iguais, em que os indivíduos, livres da coação, podem

discutir, comparar intenções, formular críticas. Não surpreende pois

que Piaget se declarasse desde seus primeiros trabalhos sobre a gênese

do pensamento infantil, adepto do "trabalho eJD grupo" e do "self-

103

goverl1DJel1t" e que reconhecesse na figura do adulto mui to mais um

colaborador que um mestre (Piaget, 1977b). Surpreendente, sim, é a

idéia, muito veiculada nos meios educacionais de hoje, segundo a qual

Piaget privilegiaria o individual em detrimento do social. Ao

especular sobre as possíveis causas dessa interpretação Coll (1984)

observa que, embora Piaget tenha formulado hipóteses sobre o papel da

cooperação no desenvolvimento cognitivo e se pronunciasse favorável a

métodos pedagógicos que estimulasse a troca entre os altffios, 'nem ele

nem a maior parte de seus seguidores deram prosseguimento a essas

hipóteses nem as submeteram à verificação experimental. " (p.124).

Além disso, as restrições feitas por Piaget ao caráter coercitivo da

relação professor-aluno nas escolas de métodos tradicionais, teriam

contribuído para que "muitos psicólogos da educação de orientação

genética se fixassem de maneira exclusiva e unilateral nas relações que

a criança mdJltém com o meio físico ( ... )" (p. 125)

As observações de Coll merecem

Piaget formulou hipóteses sobre

algumas considerações. De

o papel da cooperação

fato

no

desenvolvimento mental ainda no inicio de suas investigações. Se não

houve um aprofundamento acerca dos diversos modos pelos quais a relação

interativa possa se configurar, houve certamente a incorporação de tais

hipóteses à formulação central da teoria, situando-nas no âmago da

construção da autonomia da razão. No estudo em que confronta a obra

piagetiana com a teoria do conhecimento kantiano, Freitag (1990)

constata que, se em Kant, a razão teórica (ou pensamento lógico) e a

razão prática (ou razão moral) se complementam por justaposição, em

Piaget esta relação é essencialmente dialética. Para Kant, explica

104

Freitag, a raz&> teórica limita-se ao mundo da natureza que é o mundo

da heteronomia, independente da vontade humana; a razão prática é o

mundo da liberdade. 'Í'1 relação entre um e outro dSpectO da raz80

permanece externd." (p. 61) Em Piaget, a autonomia da razão depende da

instrumentalização fornecida pelo pensamento lógico (ou pensamento

hipotético- dedutivo).

"O mundo da natureza não é UDJ dado, regido por leis he teronOll1as. O mundo da na tureza é e deve ser transformado, segundo a von tade do homem. Ora, o que vale para a natureza vale também para a sociedade. Se em Kant a raz60 teórica estava proibida de pensar a liberdade, o pensamento lógico de Piaget adquire no seu estágio hipotético-demltivo a cOll1petência teórica de pensar essa liberdade, generalizando-a para o mundo dos hOll1ens." (Freitag, 1990,p.61)

g no interior do grupo, graças ao confronto de pontos de vista

divergentes, ao intercâmbio de opiniões, às confirmações ou ao abandono

de posições anteriormente assumidas, que as normas de procedimento se

estabelecem. Mas é também no interior do grupo que o pensamento formal

se constitui, com as características de reversibilidade e coordenação a

permitir a comunicabilidade do pensamento.

Poderíamos então concluir que em Piaget, interacionismo e

construtivismo estão inalienave1mente implicados, que o interacionismo

se explica pelo construtivismo e que este está implícito no

interacionismo. o fato de o próprio Piaget ter reconhecido, a certa

altura de seu trabalho, a necessidade de alterar a perspectiva inicial

para reconstruir a teoria do ponto de vista do objeto, apenas confirma

uma extraordinária coerência, alcançando com esta intenç&O a plenitude

operatória de reversibilidade e coordenação contida em sua expressão

105

explicativa da evolução do conhecimento.

Em relação às aplicações educacionais da teoria genética,

gostaríamos de ressaltar que, desde a primeira obra publicada

Didática Psicológica, de Hans Aebli, em 1951 (Aebli, 1910) a

cooperação entre alunos, o trabalho em equipes, a discussão em comum,

têm surgido como elementos imprescindíveis da abordagem metodológica.

g bem verdade que o impacto maior tenha sido a descrição do

desenvolvimento infantil, com seus estádios evolutivo e uma consequente

perspectiva de promoção do desenvolvimento operatório. Mas é inegável

também que encontramos nas publicações referências claras (quanto à

origem, norte-americana, inglesas, francesas etc, quanto ao propósito,

de caráter introdtttório à teoria até os guias práticos para o

professor, passando por relatos e reflexões aprofundadas sobre

experiências educacionais vividas) sobre a importância do trabalho em

grupo, o papel da cooperação na construção da objetividade do

pensamento e da personalidade autônoma.

Quanto à afirmação de que os seguidores de Piaget não deram

prosseguimento a pesquisas que tematizassem os efeitos da cooperação, o

artigo de Coll fornece elementos que nos leva a uma interpretação

adversa. Com o propósito de relatar as descobertas mais recentes sobre

a influência da interação entre alunos na aprendizagem, o próprio Coll

refere-se a hipótese do conflito sociocognitivo segundo o qual o

conflito cognitivo nasce do "confronto entre os esquemas de diferentes

sujeitos e (que) se produz no transcurso da interação social . .. (Co11,

1984 p. 121) Ora, a hipótese do conflito sociocognitivo foi gerada no

106

interior da Escola de Genebra, por psicólogos sociais e psicopedagogos

contemporâneos de Piaget, a partir da noção de conflito cognitivo,

noção esta originária dos estudos genebrinos sobre aprendizagem e

desenvolvimento.

A hipótese do conflito sociocognitivo prolonga o debate acerca do

estatuto do social nos trabalhos de Genebra. As primeiras pesquisas

realizadas pela equipe de W. Doise remontam à década de 70 e já em 1976

Piaget publicava um artigo reafirmando a importância das trocas

inter individuais com a ressalva de que - em uma crítica direta àquelas

pesquisas - o mecanismo ftmdamental do conhecimento são as coordenações

das aeões auto-reguladas e que "o trabalho coletivo não funcionaria sem

indivíduos dispondo de um sistema nervoso com regulaçõe;..;

biopsicológicas • .. (Moro, 1987, p.23) Em rp.8posta, Doise (1983) ao

lembrar que a Auto-regulação é tanto uma construção social quanto

individual, considera que o papel do psicólogo social é o de estudar as

condições sociais de elaboração e de atualização das regulações

cognitivas.

"O que nos parece fundamental no que diz respei to aos resultados dessas pesquisas, ti que os fatores sociais não são preponderantes, neJll atuam de forma isolada. As interações sociais não são eJIl si mesmas geradoras de novos sistemas ou fortDâB de conhecimento, mas podeJll susci tar certas si tuaç{Jes de confli to que por sua vez podeJll dar lugar a novas estruturações cOll11itivaB. 11 nesse sentido que as izlterações socllJ.ÚJ, não são constitutivas eJIl si meBIlJas, mas conatltutlVlJB do prCJCeBBO de equ111braç6o." (Banks­Leite, 1992, mimeo)

No decorrer do próximo capítulo, ao relatarmos a experiência que

mantivemos em uma escola municipal, teremos a oportunidade de explanar

101

os pressupostos básicos que norteiam essas pesquisas e as

possibilidades que abrem para que a interaç!o entre alunos na sala de

aula se configure como uma alternativa válida para a melhoria do ensino

fundamental.

108

CAPÍruw 3

UMA KXPKRIiRcIA Df AcNJ NO KSPAÇX> DA. SAIA DE AULA

A idéia de uma pesquisa que somasse em sua concepção um objetivo

de conhecimento e um objeto de ação é uma contribuição de Kurt Lewin.

Cunhada de pesquisa-ação (action research) pelo próprio Lewin,

desenvolveu-se orientada para promover mudanças de ordem psicossocial.

Trata-se, em nosso entender, de introduzir no movimento da pesquisa os

benefícios advindos do conhecimento gerado na dinâmica do processo.

Certamente a intenção de se criar esse tipo de pesquisa nasce de

uma necessidade das ciências sociais em reformular o modo de

aproximação a seu objeto de estudo, questionando o posicionamento, mais

afeito às ciências naturais, de neutralidade, objetividade e

distanciamento por parte do pesquisador.

Definir a pesquisa-ação ou pela prioridade dada àqueles que têm

um problema a resolver ou pela ê~faae na ação em detrimento da

contribuição científica, são duas maneiras de fragilizar este método de

pesquisa. De acordo com Rapoport (1970)

"a pesquisa-aç60 pretende contribuir simultaneamente para o alívio das preocupações de ordem prática das pessoas que estKo em si tuações problemáticas e para os objetivos das ciências sociais pela colaboração conjunta no interior de um quadro ético mlltUaJDente acei tável". (p. 499)

No livro em que lança as bases para uma metodologia da pesquisa-

109

aç~o, Thiollent (1988) ressalta que essa estratégia de pesquisa social

se distingue das demais pesquisas alternativas (como por exemplo, a

pesquisa-participante) por sua forma de ação planejada que incorpora

objetivos práticos e teóricos. Como forma que é de experimentação em

uma situação real, a pesquisa-aeão supõe um papel ativo de seus

participantes na

transformação.

solução de problemas ou com vistas a uma

"Sem dúvida, a pesquisa -ação exige uma estrutura de relação entre pesquisadoreB e pessoas da situação investigada que seja participativo. ( ... ) l1as a participação do pesquisador não qualifica a especificidade da pesquisa-ação, que consiste em organizar a investigação em torno da concepção, do desenrolar e da avaliação de uma ação pltll1eJada ". (p.15)

Foi CC!! o intuito de introduzir em uma sala de aula um novo tipo

de organização que priorizasse o trabalho em grupo que iniciamos a

procura de uma escola pública de primeiro grau. Pública, pela

preocupação com a questão do fracasso escolar; nesse grau porque a

primeira série é o início oficial da escolarização, quando a avaliação

do desempenho do aluno pode levar ou não a uma promoção para a série

seguinte. Se era este o nosso propósito prático, o objetivo de

conheciment.o consistia em verificar a possibilidade da introdução dessa

proposta em uma sala de aula com aquelas características e auferir os

resultado3 da ação relacionando-os com o rendimento escolar dos alunos.

Por se incluir na linha alternativa, a pesquisa-ação implica em

formas de raciocínio bem mais flexíveis que as utilizadas na linha

convencional (as regras lógico-formais e os critérios estatisticos).

110

Nem por isso exclui as hipóteses, as inferências, as comprovações;

porque lida com conhecimentos obtidos em situações comunicativas ou de

integração, a pesquisa-ação incorpora a esses procedimentos a

argumentação.

"( ... )A pesquisa-ação nlIo perde a sua legitimidade CieJltífica pelo fato dela estar em condição de incorporar raciocínios imprecisos7 dialógicos ou argumenta ti vos acerca de problemas relevantes". (Thiollent, 1988, p. 28)

Desta forma, a pesquisa-ação comporta hipóteses que, ao longo do

processo, são alteradas ou fortalecidas, em um esquema

predominantemente qualitativo e argumentativo. São verdadeiras

diretrizes que organizam a pesquisa em torno de possíveis conexões ou

implicações não necessariamente causais mas suficientemente precisas

para demonstrar que "X tem algo a ver com Y na si tuação considerada"

(p. 56). A verificação das hipóteses diretrizes se dá na prática e por

critérios definidos pelos participantes da pesquisa.

Tínhamos por diretrizes iniciais as seguintes afirmações:

a promoção das interações entre alunos na sala de aula em torno

da execução das tarefas escolares e através de pequenos grupos

propicia o desenvolvimento intelectual;

o rendimento escolar, ao menos nos primeiros níveis de

escolarização, está estreitamente ligado ao desenvolvimento

intelectual.

São diretrizes ancoradas na teoria genética de Jean Piaget, que

concebe o desenvolvimento como um processo espontâneo explicativo da

111

aprendizagem; que pensa o conhecimento como resultante da açao do

sujeito sobre o objeto

trocas interindividuais

também diretrizes que

psicólogos sociais e

e não como uma cópia do real; e que aposta nas

na dinamização do processo educativo. Mas são

querem levar em conta as contribuições dos

educadores acerca dos efeitos da interação,

principalmente em sua relação com o rendimento escolar, embora muitas

dessas pesquisas tenham se pautado em pressupostos estranhos à teoria

genética, o que, a nosso ver, não impede interpretações em novas bases.

Em relação à segunda diretriz, uma explicação importante. No

primeiro capítulo desta dissertação referimo-nos ao impacto causado nos

meios educacionais pela teoria genética. Uma das tentativas da

aplicação da teoria é a que transforma o desenvolvimento operatório em

meta da educação. A proposta se concretiza com a repetição em sala de

aula das situações experimentais uti~izadas por Piaget e colaboradores

para estudar a gênese das estruturas operatórias. Na objeção que faz a

este tipo de aplicação educacional da teoria genética Coll (1987)

lembra que se a competência operatória é requisito para a aprendizagem

de certos conteúdos, em nenhum caso se confunde com esta; "o probleJ1Ja

pedagógico consistt..~, entâo. eJ1J detertlJinar qual o método maiB eficaz

para que o allUlo Be aproprie de conhecimentoB C01JBiderado Beu nivel de

competência operatória" (p. 181-182). Pensamos com Coll quando este

afirma que a escolha dos conteúdos escolares é atribuição da sociedade.

De fato, atrelar a educação a conhecimentos psicológicos é esvaziá-la

de sua função social. No entanto, a sociedade estabeleceu - e muito

antes do advento da teoria genética - que no início da escolarização a

criança aprende a ler, escrever e contar. Ora, para ler, escrever e

112

contar (contar na acepç~ de realizar operações aritméticas) a criança

passa por uma verdadeira revolução conceitual, desvendada justamente

pela teoria genética. Se a escola interpõe como primeiro desafio a

seus iniciantes esses conteúdos, atrela desta maneira a avaliação do

rendimento escolar à transformação das estruturas do pensamento. Nesse

sentido, a proposta de promoção automática da primeira à segunda série

do primeiro grau não subtrai a exigência; apenas estende o tempo para

que esta possa ser cumprida.

o ponto de partida era, então, escolher um campo de pesquisa no

qual a intervenção pudesse se viabilizar. Esta escolha, intencional,

se faria por critérios qualitativos em função da relevância que o grupo

apresentasse em relação aos propósitos da ação. Por se tratar de uma

situação muito especifica cujo universo é delimitado pela sala de aula,

a história do comprometimento das pessoas envolvidas com a busca da

transformação do real era um fator fundamental para se proceder à

escolha.

Convidadas a freqüentar um grupo de estudos, chegamos a uma

escola municipal que, na época, oferecia tão somente turmas para

jardim-de-infância, Classes de Alfabetização (C.A.), primeira e segunda

séries do primeiro grau. O convite partiu de uma professora

universitária que ali desenvolvia um projeto denominado JTevenç60 aOB

FToblemdB da Aprendizagem cujo intuito era o de divulgar as idéias da

psicogênese da língua escrita. Iniciado em 1988, o projeto realizou

durante aquele ano um acompanhamento semanal das turmas de

alfabetização na escola. No ano seguinte, formou-se um grupo de estudos

113

para aproftmdamento da teoria e para permitir a troca de informaçoes

sobre experiências em sala de aula entre as professoras interessadas em

participar. Esses encontros, quinzenais, se deram durante todo o ano de

1989, com adesão parcial das professoras da escola e de outras,

provindas tanto de escolas mtmicipais do mesmo DECu como de outros

mtmicípios próximos. Em semanas alternadas, o projeto dava

prosseguimento ao trabalho em sala de aula com turmas de alfabetização

e jardim-de-infância.

Sabedora de nosso interesse em acompanhar o dia-a-dia de uma

turma, a coordenadora do projeto nos apresentou a uma professora que,

na época, regia uma Classe de Alfabetização e cuja prática inspirava-se

nas propostas da psicogênese da língua escrita de Emilia Ferreiro.

A existência desse projeto, por um lado, e a localização e

características da escola, por outro, apontavam para uma perspectiva de

viabilização de nosso trabalho. A escola, pública e de primeiro grau

conforme os pré-requisitos que haviamos estabelecido, localiza-se em um

bairro da zona eul da cidade do Rio de Janeiro. A zona sul é habitada

por classes média e média-alta, porém o quarteirão onde a escola se

situa distingue-se por uma peculiaridade: a presença de um conjtmto

habitacional popular edificado para abrigar a população de uma favela

antes ali existente e que fora destruída por um incêndio. Tão singular

quanto a presença de uma comtmidade de baixa renda ocupando uma área

~~ DEC - Distrito de Educação e Cultura. Rio de Janeiro tem vinte quatro DECs.

o município do

114

plana dentro de um bairro nitidamente valorizado ~2, é o fato de que

a referida população dê preferência a outras escolas municipais, não

tão próximas, para matricular seus filhos. Pelo menos dois fatores

poderiam explicar essa rejeição: o primeiro liga-se a uma história de

fracasso e repetência que resulta em um estigma de "escola fraca"; o

segundo, por um motivo de ordem prática, qual seja, a inexistência da

classes de terceira e quarta séries, o que obriga a transferência do

aluno para outra escola tão logo conclua a segunda série.

o vínculo da escola com a comunidade se faz pela utilização de

alguns de seus espaços para atividades promovidas pela associação de

moradores e pelo bloco carnavalesco como bailes, jogos de futebol,

preparação para o carnaval. No passado, segundo alguns testemunhos, os

laços entre escola e comunidade se faziam mais significativos pelo

oferecimento de cursos para mães, oficina de eletricidade, etc. No

segtmdo semestre do ano de 1990, alguns membros da comtmidade tentaram

intensificar essas relações, oferecendo-se para reorganizar a

biblioteca (então inativa por falta de um biliotecário) e iniciar um

sistema de empréstimo de livros aos alunos, o que de fato foi feito.

A construção de um CIKP~3 próximo à escola criou um certo temor

de que esta se visse obrigada a encerrar suas atividades por uma

redução significativa da clientela, atraída pelo novo sistema.

12 No Rio de Janeiro, quando ocorre essa proximidade em geral é acompanhada de uma característica marcante: ricos no plano, pobres no morro.

13 Centro Integrado de Educação Pública.

115

Surgiram, então, idéias para a revitalização das relações entre escola

e comunidade, com a implantação de uma terceira série em 1991 e cursos

profissionalizantes para jovens.

Ainda na fase exploratória da pesquisa e já descoberto o campo de

ação, todo cuidado volta-se para uma avaliação prospectiva em termos de

"detectar apoios e resistências, convergências e divergências, posições

otÍJJ1ist8.8 e céticas, etc." (Thiollent,1988, p. 48). Importante também,

é garantir um ambiente de aceitação entre os participantes e não criar

expectativas que extrapolem as possibilidades da ação.

No ano de 1988 foi publicada pela Secretaria Municipal de

Educação do Rio de Janeiro uma Proposta Curricular (Rio de Janeiro,

1988), como um documento preliminar para discussão, organizado em torno

de objetivos e conteúdos distribuídos pelas várias séries - do Jardim­

de-infância à 8ª série - a partir de determinados conceitos-chave. Não

é nossa intenção analisar o documento mas registrar o momento vivido

pelas escolas municipais e, em particular, o da escola que abria na

época suas portas para um projeto impregnado dos novos ares trazidos

pelo conatrutivismo e para professoras recém-chegadas e interessadas

nessas inovações.

Era esse o caso da professora com quem desenvolveríamos a

experiência. Formada pelo Curso de Formação de Professores, com

especialização em pré-escolar, em um dos colégios estaduais mais

conceituados do Rio de Janeiro, iniciou sua experiência profissional em

duas escolas particulares com turmas de Jardim-de-infância. Sua

116

atençSo para a psicogênese da lín~la escrita fora provocada pelas

similitudes entre as sugestões sobre procedimentos pedagógicos

inferidos da teoria - e propagadas no grupo de estudos e nas visitas

que a coordenadora fazia às várias classes da escola - e as práticas do

método denominado natural, adotado por uma das escolas onde trabalhara

anteriormente.

Durante o segundo semestre de 1989 acompanhamos o trabalho desta

professora com sua turma de C.A. Este

experiência propriamente dita (com uma turma

período que

de primeira

precedeu a

série e ao

longo de todo o ano escolar de 1990) foi de fundamental importAncia,

quando pudemos praticar um verdadeiro "reconhecimento da área" e, por

outro lado, expor nossas idéias e intenções e nos expor para a

aceitação ou a rejeição pela comunidade escolar.

A participação em pesquisas que nos permitiram, em situações

anteriores, adentrar em salas de aula de escolas de primeiro grau, além

da informação advinda de relatos sobre observações e experiências ali

desenvolvidas, delineiam um quadro em que a interação entre alunos,

quando existe, não é vista como um elemento propulsor na geração de

conhecimento com reflexos no aproveitamento escolar. Pelo contrário, a

literatura especializada e ficcional sempre evidenciou a quase aversão

da instituição escolar àquele relacionamento.

Outra característica apreendida no convivio com as escolas em

geral é a grande diferença de uma sala de pré-escolar para outra das

séries do ensino regular. Enquanto na primeira as paredes se enfeitam

117

em quase todos os espaços (muitas vezes exibindo trabalhos dos alunos),

as mesas convidam à formação de grupos e as atividades se distribuem

por várias áreas (cantinho da leitura, dos jogos etc.), já na primeira

série a sala se vê desnudada de qualquer apelo visual (quando muito, o

alfabeto com figuras ilustrativas), as carteiras (no máximo para dois

altmos) enfileiradas de modo a dirigir o olhar para um único foco onde

está o professor e o quadro-negro. Caderno, lápis, quadro, giz. E a

meio caminho, neste desaparecimento do lúdico, a Classe de

Alfabetização. Se é esta uma visão um tanto extremada, as observações

na turma de C.A. de algum modo nos levaram a refletir sobre tais

diferenças.

Havia um intuito claro na professora de abrandar a passagem de

uma situação para outra, ao colocar as crianças em torno das carteiras

em grupos de quatro, ao não impor uma rigidez disciplinar permitindo a

conversa entre eles (embora as propostas de atividades fossem para a

execução individual), ao transcrever os textos trabalhados em papel

pardo para afixá-los nas paredes. Foi esse desejo de afastar uma

rotina empobrecedora, manifestado por esta e outras professoras da

escola, que nos moveu a propor várias atividades, envolvendo a formação

de grupos e a cooperação, como que em um ensaio para o ano vindouro.

Na pesquisa-ação, a formulação do tema está orientada para a

transformação de uma situação que se quer melhor. g, assim, uma

formulação de caráter normativo pautada por um ideal, que envolve

negociações entre seus participantes de modo a satisfazer ambas as

expectativas.

118

"'1uitos autores considerélOl que s§ó apenas as populações que determindl11 o tema. Outros dizem que há sempre lll11a adequaçâó a ser estabelecidél entre as expectativas dél populélção e as da equipe de pesquisadores. A nosso ver, deve haver entendimento. Um tema que não interessar ti população ndo poderá ser tréltado de modo particiPéltivo. Um tema que naó interessélr aos pesquisadores ndO será levado a sério e eles nâó desempenhardo lll11 Pélpel eficiente". (Thiollent, 1988, p.51)

Aliada à definição do tema e do objetivo da pesquisa está a

colocação clara dos problemas os quais se pretende resolver ou das

transformações que se deseje operar.

"Na SUél formulação, lll11 problema destél natureza é colocado da seguinte forma: a) análise e deliJllitaçao da situélçâo inicial; b) delineélOlento da situélção final, em fWlção de critérios de desejélbilidade e de factibilidade; c) identificação de todos os probleméls a serem resolvidos para permitir a PélssageJJJ de (a) a (b); d) planejamento das ações correspondentes; e) execução e avaliação das ações". (Thiollent, 1988, p. 53-54)

o tema de nosso estudo - a interação entre alunos na sala de aula

- formulado de modo normativo e inserido na temática maior do fracasso

escolar, em particular a repetência e o baixo rendimento, coloca a

seguinte pergunta: como promover a interação entre alunos na sala de

aula de modo a elevar o rendimento e reduzir a repetência? A

instituição escolar não considera a interação entre os alunos na sala

de aula como elemento capaz de contribuir para a melhoria do rendimento

escolar; assim, quando não proibida, a interação não é direcionada

neste sentido.

A observação e a participação na turma de C.A. permitiu a

119

antecipaç~ de situações que poderiam se configurar no futuro:

a concentração de esforços na alfabetização propriamente dita com

ênfase quase exclusiva na linguagem natural em detrimento das

atividades que estimulassem o pensamento numérico;

uma preocupação muito forte por parte da professora com o

desempenho futuro dos alunos na primeira série quando a promoção,

ao contrário do que ocorre no C.A., depende de um processo

avaliativo;

a diferenciação feita pelas próprias crianças entre as atividades

com lápis e papel e outras denominadas "brincadeiras": jogos,

colagens, desenhos etc.

A situação inicial da experiência se prenunciava: a professora

compreendia a importância de uma nova estrutura organizacional na sala

de aula com o incentivo à interação entre os alunos mas esperava

sobretudo contribuições para responder a contento as exigências das

instâncias superiores quanto a seu trabalho. De nossa parte, temíamos

que a ênfase dada na alfabetização para a linguagem natural viesse a se

recrudescer impedindo a introdução de atividades mais abrangentes e

mais variadas. As crianças, por sua vez, espelhando as expectativas da

família, esperavam que a escola cumprisse o seu papel ensinando-os a

ler e a escrever.

Essa diversidade de expectativas apresentava-se como um desafio e

não como um empecilho para o desenvolvimento da experiência. Se era

imprescindível que houvesse um entendimento sobre o que é relevante -

120

um bom ensino e um bom aproveitamento - de modo algum esperávamos

consenso no caminhar. Afinal, o quadro teórico a que recorríamos

demonstrava que cooperação e conflito são processos presentes e

indissociados na interação e que os obstáculos podem se transvestir em

possibilidades de êxito.

No início do ano a turma estava composta por vinte e três alunos.

Este número oscilou bastante ao longo do ano devido a vários motivos.

Alguns alunos nunca compareceram, outros foram transferidos para a

segunda série tanto pela idade quanto por já estarem lendo e escrevendo

com certa desenvoltura.

Além disto, novos alunos foram ffilrgindo a cada mês, o último em

agôsto, transferido de uma escola de outro município. Desses

retardatários, apenas dois concluíram o ano letivo na turma.

A maioria dos alunos tinha sete anos de idade em fevereiro, dois

com oito, dois com nove e duas meninas com doze anos as quais logo

foram conduzidas para a segunda série. As criancaa que ingressaram

posteriormente se encaixavam nesta faixa etária com excecão de um

menino com doze anos que permaneceu por pouco tempo no grupo,

transferido para o turno da tarde.

o levantamento das fichas informativas, preenchidas pelo

responsável quando da matrícula do aluno, permitiu-nos o acesso a dados

sobre a realidade sócio-econômica da turma. Dos vinte e seis aluno8 que

fizeram parte da turma seja durante todo o ano letivo, seja apenas por

121

algtun período, treze moravam em favelas, sete no conjtUlto habitacional

no interior do qual a escola se situa e seis em residências do bairro,

geralmente onde a mãe trabalhava como empregada doméstica ou o pai como

porteiro de edifício. Empregada doméstica era, aliás, a profissão

predominante entre as mães; havia também balconistas e serventes.

Entre os pais, além de porteiroti ou vigias de edifício, hAvla os que

trabalhavam como balr.nnista, ajudante de cozinheiro, confeiteiro,

auxiliar de escritório. A religião mais declarada fora a católica com

três exceções, todas evangélicas.

A partir do segttndo semestre, o número se estabiflizou em

dezenove crianças, dez meninos e nove meninas. Desse grupo de alunos,

seis estavam cursando a primeira série pela segttnda vez, os quais com

exceção de um, todos novos na escola. Onze cursaram a Classe de

Alfabetização na própria escola, um ingressou em agosto transferido de

Otltra escola e finalmente uma menina, embora promovida para a segttnda

série por uma escola de outro estado da federação, acompanhou a turma

por questões de rendimento escolar.

Ao início do ano letivo estabelecemos algumas formas de controle

para tornar possível uma futura comparação de certos aspectos do

desenvolvimento intelectual dos alunos nessa época e ao final do ano.

Procedemos ao exame das noções cognitivas consideradas básicas para a

aprendizagem matemática através de provas operatórias, originadas dos

trabalhos de Piaget e Szeminska (1975) sobre a conservação de

quantidades numéricas, de quantificação da inclusão das classes e da

122

seriaçãol.4 .

Dissemos anteriormente que Piaget concebe o conhecimento como o

resultado da ação do sujeito sobre o objeto. Nesta ação o sujeito pode

retirar do objeto suas propriedades. e o faz por abstração simples.

Mas é capaz também de estabelecer relações nesta ação por abstração

reflexiva (ou construtiva, como quer Kamii, 1988, pois este termo

indica melhor "que esta abstração é uma construção feita pela mente, ao

invés de representar apenas o enfoque sobre algo Já existente nos

número só é possível graças a esse objetos "p.17). A construção do

conhecimento lógico-matemático e nada mais é do que a síntese entre

dois tipos de relações: as de ordem (ou seriação) e as de inclusão

hierárquica (ou inclusão das classes). No início dessa gênese a

criança, mesmo já sabendo contar, por não conservar a quantidade. pensa

que esta varia de acordo com a configuração espacial.

A primeira prova por nós utilizada está descrita em Inhelder,

Bovet e Sinclair (1977, p. 165-166) com modificações sugeridas por

Carraher (1989) quanto ao material - ao invés de fichas, moedas - e

quanto ao

balas. A

significado emprestado ao material moedas para comprar

prova de inclusão das classes foi realizada utilizando-se

cartões ilustrados com cachorros. gatos e outros animais, no lugar de

flores. como em Inhelder, Bovet e Sinclair (1977. p. 275-276). De

acordo com Piaget e Szeminska (1975) a prova para a conservação da

quantidade revela tres níveis de desenvolvimento: (a) o não

14 A prova de seriação não foi realizada.

123

conservativo, quando a criança afirma que a quantidade varia de acordo

com a disposição espacial das fichas ou

intermediário, quando a criança hesita

moedas, (b) o

entre respostas

nível

não-

conservativas e respostas de conservação, e neste caso não apresenta

justificativas explícitas e completas; (c) o de conservação, quando a

disposição espacial não impressiona mais a criança e esta apresenta

argumentos sólidos de identidade (não se tirou, não se pôs), de

reversibilidade (pode-se voltar à disposição anterior) e a de

compensação (uma fileira é mais comprida mas há um espaço maior entre

as fichas ou moedas). Na prova de inclusão das classes a criança no

primeiro nível não compara o número de elementos da subclasse com o

número da classe mais geral; no nível intermediário hesita. No nível de

conservação, a criança entende que a classe mais geral tem mais

elementos que uma das subclasses.

Realizadas as provas ficou constatado que das 22 crianças

interrogadas, a maioria estava no primeiro nível na prova de inclusão

das classes e nos dois primeiros níveis na de conservação da

quantidade.

Ao longo do ano letivo a professora regente realizou sucessivas

avaliações do nível de desenvolvimento da escrita e da leitura de

acordo com as descobertas da paicogênese da língua escrita. As

pesquisas encetadas por Ferreiro e Teberosky (1985) revelaram a

existência de um processo construtivo e ordenado através do qual a

criança

alcança a compreensão do sistema alfabético. Os níveis mais gerais

124

desse desenvolvimento são:

a. nível pré-silábico, em que não há correspondência entre a grafia

e o som;

b. nível silábico, em que há ttma procura de correspondência entre a

grafia e a sílaba culminando na representação de uma sílaba por

uma letra;

c. nível silábico-alfabético, período de transição, em que coexistem

formas de grafia de tipo silábico e de tipo alfabético;

d. nível alfabético, em que a correspondência fonema-grafia é

alcançada com a descoberta dos elementos da sílaba, sem ou com

valor sonor010 •

Esses níveis abrangem categorias e subcategorias. A partir do

momento em que a criança passa a distingüir o desenhar do escrever, o

problema que se coloca é o de conciliar critérios, impostos por ela

própria, de cunho quantitativo (quantidade mínima de letras que uma

palavra deve possuir para expressar algo geralmente três) e

qualitativo (letras iguais que se sucedem não podem ser lidas). Essa

construção de formas de diferenciação culmina com a fonetização da

escrita: é o início do nível silábico, quando a criança se volta para

as propriedades sonoras do significante. As condições anteriores são

contraditas pelas exigências impostas por características desta nova

fase. O exemplo mais marcante é o da quantidade de letras para as

1~ Sem valor sonoro convencional - quando a crianca atribui qualquer fonema a qualquer letra com valor sonoro convencional - quando a crianca atribui às letras o valor convencional de nosso sistema de escrita (Ferreiro, 1982, p. 30-31).

125

palavras monossilábicas: pela interpretação silábica essas palavras

deveriam ter apenas uma letra mas isso vai de encontro à exigência de

quantidade mínima. Por outro lado, a interpretação silábica passa a ser

posta em dúvida pelo confronto com a escrita dos adultos, sempre com

mais letras do que a hipótese silábica poderia aceitar. Confrontos

como estes geram progressivos desequilíbrios que se estruturam em outro

nível, o silábico-alfabético. Desde o nível silábico as letras podem

adquirir valores sonoros mais ou menos estáveis, fato que evolui até o ~

nível alfabético. A descoberta de que a sílaba não é uma unidade mas

que pode ser deBmembrada em elementoB menoreB marca a entrada no nível

alfabético. Novos problemaB se assomam, tanto de cunho quantitativo (a

falta de re~llaridade no número de letraB que compõe a Bílaba) quanto

de cunho qualitativo (a identidade do Bom não corresponde à identidade

de letraB e vice-verBa, com as conseqüenteB dificuldadeB ortográficas).

A avaliação do nível de deBenvolvimento da eBcrita conBiste em um

ditado em que a criança é levada a eBcrever palavras com variações na

quantidade de sílabas (mono, di, tri e tetra Bílábicas) e uma oração,

todaB com o meBmo campo semântico (Ferreiro e Palacio, Fasc.2, 1982, p.

24). A criança então é convidada a ler o que eBcreveu, ocaBião em que

PÕe em evidência as hipóteBeB que norteiam Bua concepção de eBcrita na

época.

Na t\lrma 102, OB primeiros reBultadoB demonBtraram que apenaB uma

criança eBtava no nível pré-Bilábico, quatro no nível silábico, cinco

no Bilábico-alfabético e a~ restanteB no nível alfabético.

126

No estudo da relação entre o saber .formal e o inf()rmal no âmbito

da pesquisa-açao, Thiollent (1988) considera dois universos culturais:

(a) o dos especialistas em que inclui os técnicos e os pesquisadores e

(b) o dos interessados. No caso específico da experiência em curso,

poderíamos dizer que tanto a pesquisadora quanto a professora incluíam­

se no rol dos especialistas; a pesquisadora como tal e a professora

como uma técnica tanto por sua experiência docente como por estar

cursando a graduação em Pedagogia. Além disso, pela história de seu

interesse na psicogênese da lí~la escrita, a professora já recorria,

desde o ano anterior, aos ditados avaliativos dos níveis,

identificando-os com certa facilidade. Este não era o caso da

pesquisadora, com experiência anterior tão somente em provas

operatórias. De certo modo, o fato de a professora ter incorporado à

sua rotina a avaliação do desenvolvimento da escrita e da leitura

explica-se por uma situação comentada no capitulo primeiro desta

dissertação. Dizíamos então que a propagação da teoria de Ferreiro foi

mais rápida e profunda que a de Piaget nos meios educacionais

brasileiros, mormente no meio daqueles que lidam com os alunos das

escolas públicas de primeiro grau. Se para a professora era importante

estar ciente ao longo do ano acerca dos niveis de desenvolvimento

implicados com a alfabetização, não havia qualquer preocupação quanto

ao desenvolvimento operatório, reflexo da ênfase, a nosso ver

excessiva, que a escola dá à alfabetização em sentido restrito.

Desta forma, os ditados se integravam às atividades escolares,

porém as provas operatórias tiveram que ser realizadas em outra sala,

obrigando a ausência temporária da criança da sala de aula e

127

prejudicando o contato diário da pesquisadora com a turma. Este fato,

acrescido das oscilações na freqüência das crianças (transferências,

faltas, etc.) prolongaram por demais o tempo antes previsto para as

provas, precipitando a decisão de não mais nos estendermos, excluindo

então a prova de seriação. De fato não era nossa intenção fazer um

diagnóstico cognitivo das noções operatórias básicas para aprendizagem

da matemática. Almejávamos, tão somente, instituir formas de controle

para que pudessemos estabelecer conexões entre a ação proposta, o

desenvolvimento operatório em alguns de seus aspectos e o rendimento

escolar, observadas as pecularidades da linha metodológica adotada.

Desde o início do ano letivo, participamos de modo intenso na

organização de grupos para a leitura de histórias infantis e na

introdução de jogos com cartas. A aceitação da presença da pesquisadora

explicava-se. Da parte das crianças, porque muitas cursaram no ano

anterior a Classe de Alfabetização com a mesma professora e estavam

familiarizadas com a pesquisadora em sala de aula ( a professora sempre

teve o cuidado de nos apresentar à turma e de explicar o trabalho que

pretendíamos desenvolver). Da parte da professora, porque essa turma

inicial apresentava uma diversidade extrema, desafiando a criação de

estratégias que envolvessem interesses tão diversos.

Por iniciativa da professora e com a participação dos alunos,

foram estabelecidas as regras da turma. As crianças sugeriram a

primeira regra: Fazer silêncio e prestar atençlo. "Quando?" perguntou a

professora. Respostas variadas: "Na segunda-feira ... ", "O tempo

todo ... ", "Tem que ficar em silêncio o tempo todo?" indaga ou a

128

professora. A turma em uníssono: "Não!". "Então? .. " retrucou a

professora esperando uma definição que não veio, o que a levou a

decidir: Fazer ailêncio e preatar atenção quando for preciso.

À medida em que as regras surgiam, a professora fazia o registro

em um cartaz de forma a que estas ficassem expostas na aala de aula.

Algumas crianças disseram: Hao fazer bagunça. na aula. Hão chegar

atrasado na eacola. Manter a sala liJlpe.. Um aluno comentou que não se

deve jogar pão no pátio da escola. A professora elogiou a lembrança mas

observou que aa regras da turma valem para a sala de aula. Outras

regras: Ir ao bmbeiro e ir beber água ac:.ente nas horas determiMMa.

Esperar a 8UIl vez. Terminadas as sugeatões e concluído o cartaz, cada

criança copiou o resultado em seu caderno.

o estabelecimento de regras de convivência em aala de aula faz

parte das sugestões dadas pela coordenadora do projeto Prevenção aos

Problemas de Aprendizagem. Se o momento de criação é uma importante

tomada de consciência para a socialização do grupo, a manutenção do

cumprimento das regras, poderia comprometer o estabelecido, dada a sua

generalidade e extensão. Tornava-se necessário forjar situações em que

a cobrança não resultasse em mera obediência de momento. Por outro

lado, urgia de nossa parte uma avaliação do comportamento interativo

dos alunos quando da execução de uma tarefa estruturada para esse fim.

A tarefa consistiu em pedir à turma, agrupada em pares (oito

pares e um trio), a reprodução da primeira página de um jornal - ou do

primeiro caderno ou de outros como, por exemplo, o caderno de esportes.

129

Para incentivar a cooperação, foi distribuída apenas uma folha de papel

para cada dupla e solicitado o uso de apenas um lápis. Cada par

disptmha de um exemplar de jornal (escolhido entre vários) para

realizar a reprodução; era possível também fazer uma criação própria

contanto que o produto apresentasse características de primeira página:

título, data, textos distribuídos em colunas (para facilitar os textos

poderiam ser representados por traços horizontais), fotografias. O

trabalho final seria avaliado entre os pares de acordo com a presença

ou não das características exigidas.

Da observação atenta das relações entre as duplas16 delineamos

de modo tentativo um modelo que parece representar as modalidades

interativas envolvidas na execução de uma tarefa da qual deva resultar

um produto único. (Ver Quadro 1)

As modalidades de conflito, expressas na primeira coluna,

distinguem-se pelo desacordo entre os membros para a realização da

tarefa. Duas situações podem se configurar:

a. um só membro executa a tarefa devido à ~ição que exerce

sobre o outro, tomando para si a tarefa que deveria ser realizada

a dois;

b. os dois membros executam a tarefa mas de forma

~te pois não há acordo para a execução em conjunto. Cada

um age a seu modo, executando um trabalho que considera só seu.

16 Observamos os modos interativos do trio e de sete das oito duplas que participaram da atividade.

130

QUADRO 1

MODALIDADES INTERATIVAS ENVOLVIDAS NA EXECUÇÃO DE UMA TAREFA

Processo interativo ominante CONFLITO COOPERAÇÃO

NQ de executores da tarefa

Um Imposição Delegação

Dois Independência Interdependência

As modalidades de cooperação, indicadas na segunda coluna, destacam-

se pelo acordo entre os membros para a realização da tarefa. Novamente

observam-se duas alternativas:

a. um só membro executa a tarefa quando há delegação por parte de um

dos pares para que o outro seja o executor;

b. os dois membros executam a Esta

pode ser considerada a modalidade de cooperação propriamente dita

uma vez que as decisões e o produto final resultam de uma ação

conjunta.

o acordo não está necessariamente atrelado a uma ação conjunta; é

este o caso da delegação. Por sua vez o conflito pode admitir a ação

dos dois membros mas sempre de modo independente, seja (1) em trabalhos

individuais seja (2) no mesmo trabalho mas em tempos sucessivos.

131

A natureza da tarefa pode ser um fator decisivo a determinar o

executor em função das habilidades disponíveis. No caso da delegação,

pelo reconhecimento no outro de maior capacidade para a ação; no caso

da imposição e da ação independente, pelo não reconhecimento no outro

das habilidades requeridas.

Na troca permanente que caracteriza a interdependência surgem

momentos de imposição, de delegação e de independência. No entanto,

essas formas não se estabilizam, absorvidas que são pelo movimento

integrativo que predomina na relação.

Na turma 102, as modalidades interativas acima caracterizadas tomaram

a seguinte feição:

1 - Modalidades de conflito

a. Imposição - surgiu na disputa do material. Em um caso, o dono

do único lápis disponivel não admitiu seu uso pelo parceiro e

tomou a si a tarefa; no outro caso, um dos membros também se

apossou do material (folha de papel e lápis) e executou toda a

tarefa. Nos dois casos, embora os membros excluidos reclamassem,

acabaram por aceitar a situação e não trabalharam.

b. Independência - ocorreu com a execução da tarefa pelos dois

membros em tempos sucessivos. De inicio houve a tentativa para o

trabalho conjunto, logo desfeita à medida em que os pares

reconheceram a impossibilidade de articularem seus esforços. Ambos

acabaram por participar da elaboração mas em momentos distintos; o

132

membro que primeiro teve o papel e o lápis em suas mãos executou

parte da tarefa desistindo de dar prosse~limento ante o protesto

do outro. Este, por sua vez, tão logo se viu de posse do material

assumiu o trabalho até concluí-lo.

2 - Modalidades de cooperação

a. Delegação - sobreveio quando um parceiro reconheceu no outro

maiores habilidades específicas para a tarefa proposta (desenhar,

escrever, dividir o espaço em colunas etc.), abdicando de seu

direito de contribuir para a realização do trabalho.

b. Interdependência - notada tanto no trio quanto em duas duplas.

À semelhança da delegação, houve momentos em que um membro

reconhecia no olltro maior capacidade para uma ação específica,

contudo, esse reconhecimento não implicou em desistência de

participação. À semelhança da imposição, registraram-se tentativas

de posse do material para a execução solitária, no entanto,

rejeitadas pelo parceiro que não aceitou se submeter; à semelhança

da independência, momentos de desacordo beiraram a desagregação do

par, porém - e é esta a singularidade da interdependência­

prevaleceu a intenção dos membros de executarem a tarefa em

respeito às regras estabelecidas (no caso, o limite do material e

a elaboração conjunta.)

A interdepeDdência também poderia admitir um tipo de conjunção em

que só l~ executa e o outro assessora. Claro está que tudo dependerá da

natureza da tarefa e das habilidades envolvidas. De todo modo, a

interdependência não comporta a cisão, característica da iDdepeDdência

133

e que traz como resultado a realização solitária de cada membro em

momentos diferentes em um só produto ou mesmo mais de um produto final.

Como se tratava de uma ação educativa, tanto a professora quanto a

pesquisadora prestaram orientação ao responderem as dúvidas e ao

tentarem contornar as dificuldades apresentadas pelas crianças,

sobretudo na distribuição dos textos e das fotografias no papel. A

condição de um grupo com maior número de componentes fez com que a

professora desse uma atenção mais alongada ao trio. Em todo caso, tanto

com o trio quanto com as duplas houve cuidado para que a intervenção

educativa não modificasse o rumo do processo interativo. Interessante

notar que na turma 102 não se registrou independência com produção de

dois trabalhos, respeitada, portanto, a regra do limite de material: um

só lápis e um só papel. Além disso, cumpre enfatizar, não houve um só

caso em que a tarefa não tenha sido concluída.

A avaliação do resultado feita pelos pares consistiu em comparar o

trabalho pronto com um exemplar de jornal e verificar a presença ou não

dos itens estipulados (título, data, fotografias, distribuição do texto

em colunas, localização das fotografias e das ilustrações). Somente as

duplas (incluindo o trio) que trabalharam em interdependência

conseguiram cumprir as cinco metas propostas. A performance das outras

duplas oscilou entre o cumprimento de duas ou três metas, com exceção

da única dupla que trabalhou em independência ao alcançar quatro

metasl.7.

Sabemos da importância que a cooperação tem para a epistemologia

l.7 A dupla cuja modalidade interativa não foi observada, alcançou duas metas.

134

genética. Devemos ressaltar que em sua concepçao de cooperação Piaget

sempre incluiu o conflito sob a forma de discussão em comum, confronto

de opiniões. A cooperação - sistema de operações efetuadas em comum - é

fonte de crítica e a crítica nasce da discussão; no plano do pensamento

cooperação é discussão e reflexão, origem das deduções (Piaget, 1977).

o estudo sistemático realizado pelo pesquisador Smedslund1s na década

de sessenta sobre os conceitos da teoria genética, originou a hipótese

de que a conservação se desenvolve a partir de um estado de conflito

cognitivo que reorganiza as ações intelectuais do sujeito (Flavell,

1971). Em 1974, os estudos sobre a aprendizagem publicados por

Inhelder, Bovet e Sinclair (1977) consolidaram a noção de conflito

cognitivo segundo a qual o sujeito é obrigado a remanejar 06 esquemas

previamente disponíveis rumo à construção de nOV06 esquemas e,

portanto, a um novo patamar de equilíbrio. g desta mesma época, como já

mencionáramos, os primeiros estudos que conciliam a idéia de conflito

cognitivo com o papel da interação social na construção da

inteligência, mas querendo estabelecer um laço causal entre interação

social e desenvolvimento cognitivo. De acordo com essa hipótese, as

coordenações cognitivas individuais são precedidas e possibilitadas por

coordenações entre os indivíduos que ocorrem durante a interação social

(Doise e Mackie, 1981).

As pesquisas experimentais sobre a hipótese do conflito

sociocognitivo confirmam que a interação social é uma fonte de

16 Segundo Moro (1987) Smedslund foi um dos primeiros a preconizar a ocorrência desses conflitos na relação da criança com outro indívíduo como necessária para a descentração intelectual(pag. 43).

135

progresso cO~litivo, porém, apenas nas situações em que o confronto de

opiniões esteja presente. A criança que participa de certas

coordenações sociais pode se tornar capaz de executar tais coordenações

por si só, o que não ocorria em situações anteriores. Dependendo das

condições, essa capacidade pode se revestir de um caráter estável e se

estender para outras situações e outros materiais. Certos instrumentos

cognitivos são indispensáveis para que o conflito sociocognitivo

ocorra, como a capacidade para diferenciar as abordagens em jogo na

interação.

Esses postulados da hipótese do conflito sociocop,nitivo se coadtmam

com as propostas de Johnson e Johnson sobrp. n organização do trabalho

escolar em torno de estruturas por objetivo. No artigo de 1974, os

autores se referem a certos pré-requisitos cognitivos indispensáveis

para que os alunos participem efetivamente dessas estruturas:

- estar consciente da existência dos outros;

- ser capaz de identificar e responder às ações dos outros indivíduos;

- estar ciente da natureza da estrutura por objetivo em pauta e

compreender quais as implicações que a estrutura adotada representa

tanto para o comportamento do próprio sujeito quanto para o dos outros

participantes. (Johnaon & Johnson, 1974, p. 216)

Ora, se a condição da participação está no desenvolvimento das

coordenações cognitivas que as possibilitem, é competência da escola,

não simplesmente esperar que essas coordenações se consolidem, mas

criar um cenário propicio para sua atualização. Ao destacarem melhores

resultados cognitivos obtidos na troca conflituosa entre crianças

136

comparados aos alcançados na troca entre criança e adulto-modelo, as

pesquisas sobre a hipótese do conflito sociocognitivo corroboram, a

nosso ver, a instituiç80 do trabalho em pequenos grupos em sala de

aula. Além disso, a análise das modalidades interativas constituintes

do modelo acima proposto nos induz a pensar a interdependência como uma

situação educativa privilegiada a conter todos os outros modos

observados mas que, ao contrário dos tipos que encerra, permite em seu

movimento tanto a oposição quanto a conjunção das opiniões em jogo.

Tais conclusões, aliadas à necessidade de sistematizar a cobrança das

regras de sala de aula e o desejo de garantir a interação permanente

entre os alunos, ensejaram a implantação e o desenvolvimento de uma

forma de

competição

"corrida".

organização

intergrupal,

que combinasse cooperação intragrupo com

em uma espécie de concurso denominado

o tema mais presente nos textos trabalhados em sala de aula na época

era o dos animais. Daí a "Corrida dos Animais" na qual concorreriam

pares, o menor grupo possível, para facilitar uma almejada integração

entre dois alunos em seu transcorrer. De acordo com Moro (1991), um

grupo de menor número de componentes facilitaria "a ocorrência da

descentração, por haver menor nlÍDJero de ações do outro a serem

inferidas como diferentes ou opostas, pois estes outros são ou um

sparceiro ou dois".

137

Por sugestão da professora, a escolha dos pares foi feita livremente

entre as crianças. Porque os ausentes do dia foram esquecidos, alguns

acertos foram necessários nos dias subseqüentes para que todos fossem

incluídos. Confeccionadas uma "pista de corrida" (uma folha de

cartolina com traços horizontais que demarcavam os valores a serem

galgados pelos pares) e a figura dos vários animais que nomeavam as

duplas (Cachorro, Vagalume, Formiga, Galo, Bode, Gato, Pônei, Sapo,

Caracol, Peixe, Pintinho), foram estabelecidas as seguintes regras:

a. os componentes de cada dupla deveriam se sentar sempre juntos;

haveria liberdade na escolha da mesa e da dupla com a qual se

dividiria a mesma mesa (as carteiras duplas foram agrupadas duas a

duas de modo a formar uma mesa retangular em torno da qual se

sentavam quatro crianças);

b. os pontos para cada dupla seriam obtidos de acordo com uma

avaliação realizada ao final do dia escolar, conforme o

cumprimento das regras da turma anteriormente estabelecidas.

Freqüência e pontualidade seriam avaliadas separadamente. Cada

membro obtinha pontos que somados aos de seu parceiro formavam o

escore diário da dupla;

c. as duplas que alcançassem 150 pontos seriam as vencedoras da

corrida.

Se usada a terminologia de Michaels (1977), tratava-se de uma

estrutlwa contingencial de recompensa de grupo (ou cooperação pura) em

que a recompensa eram os pontos obtidos por cada

desempenho era comparado, de modo independente,

grupo e em que o

a um modelo pré-

estabelecido, no caso, o conjunto das regras definido em sala.

138

Entre as inúmeras dificuldades que surgiram ao longo desta pesquisa-

ação, a tentativa de empregar uma estrutura que, segundo Michaels,

estaria ligada à abordagem do reforço, poderia se constituir em um

impasse teóric019 • A análise cuidadosa dos objetivos pretendidos, no

entanto, dava à proposta um caráter mais abrangente que, a nosso ver,

justificava sua adoção:

1. o estabelecimento de regras em sala de aula é indispensável para

que o trabalho escolar se efetue. Tem, contudo, um sentido mais

profundo. Sabemos com Piaget que a prática e a consciência das

regras são construções paulatinas que culminam na autonomia da

codificação e na obediência por consentimento mútuo. Entendíamos -

na posição de pesquisadora - que as regras estabelecidas na turma

102 não se coadunavam com as idéias de incentivo à interação entre

alunos. Assim, como fazer silêncio e prestar atenção se a intenção

era de que os alunos interagissem entre si? Qual seria o

significado de fazer silêncio e prestar atenção quando for

preciso? Quem e como determinaria o momento propício? Estaria

claro para os alunos o porquê de não fazer bagunça e como ou para

que esperar a sua vez?

A pesquisa-ação supõe interação permanente entre pesquisadores e

participantes da pesquisa. Se por um lado havia aceitação tanto

19 Para uma reflexão sobre a relacão entre os pressupostos teóricos que norteiam o professor e sua acão na sala de aula ver Luci Banks Leite, "Consideracões sobre as perspectivas construtivista e interacionista em Psicologia: o papel do professor", no prelo.

139

pela professora quanto pelos alunos da presença e das sugestoes da

pesquisadora, deveria haver por parte desta twa compreensão acerca

da interação entre a professora e seus alunos e, sobretudo, da

história dessas relações naquele ambiente escolar. O reflexo dessa

história estava marcado naquelas regras da ttrrma. As crianças eram

as primeiras a reconhecer que delas era esperado o silêncio, a

atenção, o "não fazer bagunça". A professora achava natural essa

exigência mesmo engajada em uma proposta educacional mais aberta.

Desta forma não caberia uma atitude de reprovação por parte da

pesquisadora. Ao contrário, a corrida poderia ser um instrumento

que tornasse aparente, pela evolução dos acontecimentos, essas

contradições.

"Numa Vlsao reconstrutiva, a concepção das atividades pedagógicas e educacionais não é vista como transmissão ou aplicação de informação. Tal concepção possui uma dimensão conscientizadora. Na investigação associada ao processo de reconstrução,elementos de tomada de consciência são levados em consideração nas próprias situações investigadas em particular entre os professores e na relação professores/alunos" (Thiollent,1988, p. 75-76)

2. Na revisão apresentada no segundo capítulo dessa dissertação sobre

as formas de organização em sala de aula, duas menções foram

feitas quanto ao uso da cooperação intragrupo em conjunto com a

competição intergrupo. Na primeira, esta organização era

apresentada como uma solução alternativa para o impasse entre os

resultados que confrontam a relação entre 0.5 estrut.uras e o

rendimento escolar. Na segunda, a mesma organização era objeto de

140

extensa avaliação realizada por Johnson et aI. (1981) e que não

confirmava a superioridade dessa alternativa (comparada ao uso da

estrutura cooperativa sem competição). Era no entanto apenas uma '-

conclusão tentativa, face à precariedade de pesquisas disponíveis

que comparassem os efeitos dessas organizações.

Se concordamos com os irmãos Johnson que as estruturas

competitivas possam ser perniciosas, sobretudo quando não

explici tadas, consideramos também que nem toda competição

significa rivalidade no sentido de condicionar a vitória à derrota

dos O\ltros competidores. Admitir como vencedores todos os pares

que ultrapassassem os 150 pontos era \lIDa forma de banir a

rivalidade. Além disso, era nossa intenção promover outros

concursos, caso houvesse aceitação e resultados proveitosos, em

que a alteração dos pares abriria novas possibilidades de

vitórias.

3. Os pressupostos da teoria genética de Jean Piaget serviram para

nos impulsionar à realização desta pesquisa-ação; no entanto, os

desafios que se sucedem no desenrolar de \lIDa ação requerem, muitas

vezes, tomadas de decisão por caminhos em que a aplicação dos

f\lndamentos teóricos não se fazem muito claros. O exemplo de maior

impacto foi o da adoção de uma estrutura de recompensa. Mas seria

a corrida \lIDa estrutura de recompensa nos moldes dos princípios

que norteiam a teoria do reforço? Pensamos que não. Nosso intuito

foi o de dar \lID sentido lúdico a \lIDa forma de organização que

tinha, do ponto de vista da pesquisadora, o objetivo de viabilizar

141

a cobrança de regras na sala de aula mas ao mesmo tempo de trazer

à tona a impropriedade de seu conteúdo. Tratava-se na verdade de

um jogo, com vencedores e perdedores - é claro - cujos resultados,

entretanto, nao pretendiam marcar excelências ou predestinar

derrotas.

Ao compararmos as características desta proposta com as delineadas na

tabela 1 de Slavin (1980), apresentada no segundo capítulo desta

dissertação, teremos uma idéia mais precisa de suas particularidades.

Como nos métodos TGT e STAD, há alta interdependência na recompensa,

com a reunião dos pontos de cada membro para formar o eacore do par. Já

que o propósito era, a princípio, regular o cumprimento das regras, não

caberia a avaliação da interdependência na tarefa; contudo, a intenção

de ultrapassar a questão disciplinar ou mesmo de transformá-la na

questão vital do rendimento, propiciava momentos em que fossem

propostas tarefas com alto grau de interdependência, isto é tarefas que

requerem coordenação para serem executadas (Slavin, 1977). Nessas

ocasiões a corrida se aproximaria dos métodos Jigsaw e Small Group

Teaching. Em tais métodos a medida da responsabilidade individual está

na exigência de que cada membro contribua de modo único e fundamental

para o êxito do grupo; na corrida, o cumprimento das regras dependeria

do comportamento de cada um, portanto, alta responsabilidade como nos

métodos TGT, STAD e Jigsaw. Da mesma forma e como o TGT e o STAD, a

corrida seria caracterizada pela alta imposição da estrutura pela

professora, constituindo-se num período preparatório para interações

mais intensas e conseqüentes. Sua própria conformação - cooperação

intragrupo com competição intergrupos -definiria a existência de

142

competição de gr\lpo, i~lalando-a novamente com os métodos TGT e STAD.

o balanço desta comparação aproxima a corrida aos métodos TGT, STAD e

Jigsaw, classificados por Sharan (1980) como métodos de tutoria. De

fato, ao consultarmos a tabela 2 no segundo capítulo desta dissertação,

em que são relacionadas as diferenças entre tais métodos e o modelo G­

I, constatamos semelhanças pelo uso das díades, pela uniformidade da

tarefa quando proposta e mesmo pelo incentivo a momentos de tutoria.

Segundo o próprio Sharan, esses métodos mostram-se mais eficazes para a

iniciação às relações cooperativas. Alguns princípios do modelo G-I

estão todavia presentes nos propósitos mais gerais que presidem a

corrida: a promoção das trocas mútuas, a discussão entre as partes, a

avaliação ao mesmo tempo individual e grupal, enfim, as estruturas

cooperativas como objetivo de aprendizagem. Por outro lado, inúmeras

sugestões retiradas das linhas principais que norteiam as técnicas

utilizadas pelos Johnson estão também presentes, desde o tamanho do

grupo de acordo com a idade, passando pela disposição das carteiras até

a postura do professor como dinamizador do processo.

A Corrida dos Animais transcorreu no mês de abril. Neste período

dirigimos uma atenção especial para a

professora. Observações anteriores

relação entre

denotavam que

cada aluno e a

as crianças

estabeleciam um canal direto de comunicação com a professora levando a

ela seus deveres de casa ou de aula para correção, reclamando de outras

crianças, pedindo licença para sair de sala, solicitando material ou

ajuda para escrever uma palavra e esclarecer dúvidas.

143

g incontestável que a autoridade do professor deva ser reconhecida em

sala de aula, mas é verdade também que essa relação aluno-professor

quebra de certa forma o sentido de grupo e prejudica uma almejada

ênfase na interação entre todos2o . Alguns estudos sobre a interação

entre pares demonstram que os professores muitas vezes se sentem

ameaçados pela força advinda dessas relações e de seu potencial para

minar as normas organizacionais da escola. A questão do controle de

classe surge sempre quando as abordagens centradas no aluno estão em

pauta. OiPardo e Freedman (1988) alertam que muitas vezes os adeptos da

aprendizagem através de pequenos grupoS21 apontam entusiasticamente o

poder advindo da dinâmica do grupo sem atentar para as inúmeras

pesquisas que tratam de como canalizar tal poder para fins educativos.

Esta lacuna faz com que os professores duvidem da praticidade dessas

abordagens face à necessidade real do manejo de classe e de normas

disciplinares. Segundo esses mesmos autores, o uso que o professor faz

dos pequenos grupos pode refletir uma mudança conceitual profunda ou

contribuir apenas para o cumprimento de uma agenda centrada no

professor em uma classe fragmentada. O dilema está em como dividir o

poder de modo produtivo entre professor e alunos.

Para além do problema disciplinar, mas ainda inserida nas relações

via única como as estabelecidas naquela sala de aula, estava também a

forma pela qual o conhecimento era concebido: algo a ser construído

20 Sobre este tema ver Claudia Davis et aI., Papel e valor das interaçOes sociais em sala de aula, 1989.

21 O tema do artigo desses autores é a aprendizagem da escrita através de grupos em que os estudantes respondem-se uns aos outros por escrito.

144

pelo sujeito na interação com seu meio físico e social ou algo a ser

recebido pronto, no caso, daquela que estabelecia o que estava certo ou

errado. Não havia qualquer atitude prepotente por parte da professora

que, pelo contrário, preocupava-se em dar um atendimento individual,

com explicações atenciosas aos alunos sobre as correções. Ocorre que o

esquema não se sustentava uma vez que era impossível atender ao mesmo

tempo um aluno de cada vez e a turma como um todo.

A leitura do apêndice do livro de Kamii (1988) sobre a autonomia como

objetivo da educação serviu como ponto de partida para um início de

mudança nas vias de comunicação em sala de aula. Segundo Kamii - e à

luz da teoria de Piaget - a correção dos erros que as crianças cometem

sem uma sondagem acerca do modo como chegaram a um resul tado pode

convencê-las de que "a verdade advém somente da cabeça do

professor"(p.IJ h). Professora e pesquisadora haviam testemunhado

exemplos similares aos comentados por Kamii de crianças que apagam suas

respostas perante a simples pergunta de como havia chegado àquele

resultado; uma prova inconstestável da insegurança do aluno quanto a

seu prõprio conhecimento.

o caminho era fazer com que as crianças compartilhassem suas tarefas

na execução e na correção das mesmas. Além de permitir que trocassem

idéias com seus pares, essa mudança dava oportunidade para que

constatassem a possibilidade de haver mais de uma resposta considerada

correta em um exercício. Desta forma, a correção do dever de casa

passou a ser realizada com a participação de todos e a utilização do

quadro-negro, embora a professora não dispensasse, ao final da

atividade, um atendimento

conferir as correções.

145

individual, percorrendo as mesas para

A princípio havia uma divergência entre pesquisadora e professora

quanto a esse momento de atendimento individual. A teoria

construtivista nos ensina que uma correção não é garantia para a

reformulação de um conhecimento. Aos poucos, pudemos entender que, se

de início tal atenção era excessiva, seu desaparecimento era

injustificável: é imprescindível que o professor conheça cada aluno,

suas peculiaridades pois se é ele um sujeito epistêmico, está presente

na sala por sua concretude. Lado a lado com a questão da distribuição

de poder entre professor e aluno este é, ao nosso ver, outro ponto

crucial da proposta de trabalho em pequenos grupos. g necessário uma

dosagem meticulosa da ênfase no atendimento ao grupo e ao indivíduo.

N8Q foi muito fácil fazer com que os alunos mostrassem seus deveres

uns aos outros. A resistência se dava provavelmente pela incerteza

sobre as respostas e temor a críticas. Havia também outro motivo. g

interessante notar que, já nesta idade, as crianças se preocupam em

esconder suas respostas dos colegas para que estes não as copiem. Foi­

nos possível observar este comportamento em outra escola com crianças

de Classe de Alfabetização. Certamente a competição velada de que nos

fala Johnson e Johnson (1974), presente nas salas de aula da maioria

das escolas, é elemento importante para a explicação dessa conduta.

A avaliação da corrida era feita ao final do dia escolar. Com os

nomes dos pares escritos no quadro-negro, a professora perguntava a

146

cada aluno se havia chegado na hora e cumprido as regras. As próprias

crianças avaliadas respondiam; na discordância, outros alunos

aparteavam e a professora opinava. Havia um nítido sentido de confiança

entre professora e alunos que não pareciam se ofender ou ressentir

quando contestados em suas afirmações.

No decorrer do processo, observamos que alguns pares resistiam em

permanecerem juntos. Esta era uma reação previsível: embora a escolha

tenha sido livre, alguns arranjos foram feitos a fim de se encaixar

ausentes e não escolhidos. Por outro lado observamos uma tendência de

certos pares em estarem sempre com outros na mesma mesa. Ora, se o

objetivo era ao mesmo tempo fortalecer a relação entre membros de um

par e possibilitar um número significativo de contato entre pares,

tornava-se necessário direcionar a experiência nesse sentido. Quanto

ao primeiro intento, foi criado um novo item na avaliação: se ficou coa

o par; para garantir trocas mais variadas, a professora passou a

designar quais pares deveriam se sentar juntos no dia. Foram

programadas também atividades que envolviam a cooperação entre os dois

pares da mesma mesa.

Um dos indicadores mais interessantes de que alguma mudança havia

ocorrido nas crianças foi o fato de uma das mães comentar que seu filho

estava muito apreensivo por haver faltado aula e não ter obtido pontos

na corrida. Conforme comentário da professora, a freqüência sempre

fora obrigatória e até então não havia sido motivo de preocupacão.

O incentivo às atitudes de ajuda eram constantes no transcorrer da

147

experiência mas havia momentos especiais para que a cooperação fosse

mais intensa - tarefas estruturadas de tal modo a que, de cada par,

resultasse num só produto.

De uma conversa entre alunos e professora surgiu a idéia de que os

pares vencedores receberiam um pequeno trabalho como os que as crianças

tinham por hábito oferecer à professora; um desenho, um bilhete, uma

dobradura de papel. Mas essa idéia não se concretizou. Embora três

pares tenham ultrapassado os 150 pontos, a saber, Cachorro (153

pontos), Formiga (156 pontos) e Galo (159 pontos), apenas este último,

com o maior escore, foi reconhecido como vencedor. No entender de

todos, uma próxima corrida seria a oportunidade para que os outros

pares vencessem. A princípio, interpretamos esta situação como um

quadro de competição, reflexo das relações competitivas presentes na

sociedade. Concluímos que, se o espírito competitivo estava tão

presente a ponto de alterar uma intenção inicial de minimizá-lo, não

caberia encobrí-lo. No entanto, a consulta aos princípios pedagógicos

que nortearam a experiência relatada por Kamii e DeClark (1988) com

alunos de primeira série, apontavam para uma outra ordem de cOllpreensão

do que ocorrera. Nesta idade, afirmam as autoras, as crianças quando

jogam não estão muito interessadas em saber quem venceu. Buscar

vitórias em futuras corridas poderia então traduzir o desejo de

participar novamente. Partir para uma segunda vez deveria significar

um aprimoramento da ação. Importante sim era não tornar o concurso uma

finalidade em si mas um caminho para a interação entre alunos. Embora

estivessem presentes os elementos extraídos das informações obtidas do

conjunto de pesquisas comentadas no segundo capítulo do presente

148

trabalho, a primeira corrida foi de fato para nós - alunos, professora

e pesquisadora - uma proposta em gestação.

No período de tempo entre o final da primeira corrida e o início da

próxima, estivemos professora e

organizar um planejamento semanal das

pesquisadora

atividades.

ocupadas em

Nesta época já

haviamos introduzido jogos em grupo que estimulassem o pensamento

numérico, de acordo com as sugestões de Kamii e DeClark (1988) além de

experiências científicas elaboradas para a introdução de conceitos tais

como flutuação, densidade, circuito elétrico, magnetismo, microscopia,

cores, etc.

o planejamento ficou assim estabelecido: segunda-feira, uma

experiência científica; terça-feira, trabalho diversificado de leitura

e escrita; quarta-feira, jogos em grupo; quinta-feira, trabalho

diversificado de leitura e escrita; sexta-feira, dramatização.

o fato

fossem

de não se haver ainda adotado um livro texto

introduzidos temas, explorados durante um certo

permitia que

período de

tempo, cuja função era a de trazer para a sala de aula os conteúdos

(principalmente de Ciências e Integração Social) sugeridos pela

Proposta Curricular adotada pela Secretaria Municipal de Educação.

A adoção de jogos em grupo como atividade para estimular o pensamento

numérico vinha ao encontro de nossos objetivos: jogos pressupõem

interação com situações de conflito e cooperação; exigem o

estabelecimento de regras e tomada de decisão em conjunto. O trabalho

149

diversificado de leitura e escrita foi uma exigência da professora face

aos resultados das avaliações do nível de desenvolvimento da escrita e

da leitura. Na ocasião, o quadro incial havia se alterado com a

concentração de alunos, salvo poucas exceções, no nível silábico­

alfabético e no nível alfabético.

o trabalho

oportmlidades

diversificado, separando os dois grupos, dava

para que cada um fosse atendido de acordo com seu nível

de desenvolvimento.

As atividades de dramatização previam a livre expressão do p,estn e da

fala. O fato de ocorrer em outro local da escola (Pom um salão com

espelhos e barras para aulas de dança) e na sexta-feira refletia um

almejado momento de descontração.

A segunda corrida foi no mês de maio e se chamou Corrida dos Meios de

Transportes (ou simplificadamente como de fato se usou, a Corrida dos

Transportes). Para a formação de pares, apenas uma exigência: não

escolher o par anterior. As crianças deveriam escrever em um pedaço de

papel seu nome e o do aluno escolhido. O clima foi de negociação:

combinavam-se parcerias, solicitava-se ajuda para escrever o nome do

colega, protestava-se ao se saber escolhido por alguém indesejado. Era

preciso explicar que esta era apenas uma verificação das preferências

para depois se chegar a um consenso. Novamente os ausentes foram

esquecidos o que é compreensível: afinal, não se negocia com quem não

está presente. Reveladas as parcerias, foi possível notar uma

tendência para a escolha de um par do meamo sexo.

150

Na primeira corrida, a escolha fora muito influenciada pelo modo como

os alunos se agrupavam no dia. Até então os próprios alunos escolhiam

em que mesa se sentar: os primeiros a entrar selecionavam os lugares

considerados os melhores, perto do quadro-negro e próximo à mesa da

professora. Já naquela ocasião, verificou-se a tendência de escolha

pelo mesmo sexo, que veio a se confirmar na escolha para a segunda

corrida. De certo modo, essa característica era um reflexo de uma

separação que ocorria na formação das filas para entradas e saídas da

sala, na divisão dos banheiros e nas brincadeiras no pátio.

Das dezoito escolhas prévias, dez foram recíprocas originando cinco

pares do mesmo sexo. Para a formação dos sete pares restantes, a

professora tentou coordenar a inclusão dos ausentes e a diversificação

dos pares segundo o sexo. De uma conversa sobre os meios de transporte

conhecidos pelos alunos e do subseqüente trabalho de recorte e colagem

de figuras extraídas de revistas, surgiram os nomes dos pares:

Caminhão, Camionete, Bicicleta, Trem, Ônibus, Motocicleta, Navio,

Avião, Foguete, Helicóptero, Trator e Ambulância.

A avaliação diária para a corrida se desenvolveu do mesmo modo, mas

houve alteração dos itens. O item freqUência se reduziu ao item

pontualidade pois chega na hora ou atrasado quem comparece. Convencida

da impossibilidade de avaliar todas as regras da turma, a professora

(para nosso contentamento) sugeriu apenas mais uma regra: atenção.

Outros itens alternavam-se de acordo com a conveniência do dia: se

ficou CCII o par, se ajudou o colega (também chamada cooperação), se

trouxe o dever de casa, se cc.pletou o exercício proposto em sala.

151

Para contornar as eventuais resistências em ficar com o par,

alternavam-se atividades individuais, de par, com o grupo da mesa (dois

pares juntos); experimentou-se também uma atividade com toda a turma em

cooperação: a construção de uma maquete que representava a escola e

suas cercanias. Essa maquete foi exposta em local próximo à sala da

diretoria para toda a comunidade escolar.

Se essa experiência não reproduziu de modo específico os métodos

descritos no segundo capítulo, desta dissertação levou em conta seus

princípios mais gerais e, principalmente, as conclusões das pesquisas

que se debnlçaram sobre as relações entre esses métodos e o rendimento

escolar. Segundo Slavin (1978), os estudos sobre os métodos TGT e STAD

apontaram o plano intensivo de atividades instrucionais como um dos

fatores decisivos para a influência desses métodos no aproveitametno

dos alunos. Programar atividades constantes para os alunos foi um

objetivo perseguido duarante toda a experiência. São enormes as

dificuldades pelas quais passa uma professora de primeiro segmento em

uma escola pública: faltam recursos materiais e principalmente tempo

para efetuar esse plano. A reprodução de qualquer material escrito

criado quer pelos alunos quer pela professora era feita por ela própria

em mimeógrafo. Durante a semana escolar, além da hora do recreio, a

professora dispunha somente de meia-hora sem a turma, quando duas

professoras vinham lecionar Cultura Religiosa. Naquela ocasião não

havia professor de educação física nem de educação artística. Por

outro lado, a professora cumpria um rígido horário de trabalho: pela

manhã, com a turma 102 de 7:30 às 12:00 horas; pela tarde com uma turma

de Classe de Alfabetização, de 12:30 às 17 horas. As noites eram

152

dedicadas ao curso de graduação em Pedagogia. Essa rotina diária da

professora da turma 102 provavelmente reproduzia a de inúmeros outros

professores em todo o país.

A intensificação das atividades oferecidas aos alunos tornou-se

possível graças a presença da pesquisadora que compartilhava e dividia

com a professora as tarefas cotidianas: a pesquisa de temas, a

preparação de uma experiência científica, a reprodução de exercícios e

textos em mimeógrafo, a orientação ao alunos nos jogos e nas tarefas

diversificadas.

No decorrer dessa segunda corrida, concentramo-nos, professora e

pesquisadora, em estimular nos pares atitudes de ajuda incluindo o

empréstimo de material (lápis, borracha, régua). Essa era uma questão

delicada. Em primeiro lugar, porque deveriamos levar em conta, antes

de mais nada, a condição sócio-econômica daqueles alunos pois é muito

fácil emprestar a outro o que se tem com facilidade e certamente não

era este o caso. Em segundo, era preciso distinguir na resistência do

aluno o que era motivado pelo temor - diremos assim - de não mais

dispor do material e o que era devido a uma

necessidade de compartilhar o material para que uma

realizada.

incompreensão da

tarefa pudesse ser

Por certo, a disponibilidade financeira da família era determinante

para a presença ou não de

cor, caneta hidrográfica,

um material mais

estoj o, mochila.

observar alguns casos interessantes em que

diversificado - lápis de

No entanto, foi possível

alunos com dificuldades na

153

escrita sempre se esqueciam de trazer lápis.

Nessa época registramos um indício claro de mudança nas crianças com

respeito à aceitação mútua e à atitude de ajuda. A professora havia

preparado tun texto com exercícios em lacunas; a pedido da pesquisadora,

distribuiu apenas uma folha para cada par. Até então, essa prática

ainda causava muita reclamação por parte dos alunos: alegavam que o

companheiro se apossava da folha, que não podiam ler ou que não

desejavam trabalhar com seu par. Para nossa surpresa naquele momento

os pares, tão logo receberam a folha, se dispuseram a ler o texto um

para o outro e, uma vez conCltlída a leitura, a preencher as lacunas,

alternando um e outro a escrita.

Esta nova configuração - na verdade forjada já três meses e meio de

experiência em curso - levantava uma questão importante. Sabemos com

Webb (1982) que dar e receber ajuda são processos interativos benéficos

para o rendimento escolar. Por outro lado, a hipótese do conflito

sociocognitivo afirma que

"a interação social qualquer ProSTesso. uma situação em que tarefa, se provocar o 1987 p.51)

de pares não provoca por si só Ela só será IDdis propícia do que o indivíduo executa isolado uma conflito sociocosnitivo . .. (Moro,

No entanto, como garantir a presença do conflito sociocognitivo no

decorrer da ação cooperativa? Esta também é uma pergunta de Perret-

Clermont (1978) nas páginas finais de seu livro:

'J4s nOSBdS investigaç{)es puseram igualmente em evidência o facto de que não basta, para que ela (a colaboração) tenha um alcance educativo, que lllDB dada

154

tarefa reúna crianças para a efetivaç~ó de uma ação COlDLlDJ, se esta não as obriga a LlDJa confrontação entre os seus diferentes palItos de vista. Todas as actividades ditas de "cooperaçâ.ó" serâ.·o realmente aptas para provocar verdadeiras coordenações interilldividuais que sejam fonte de confli tos sód.o­cognitivos?' (p.336)

A nossü ver o teor da tarefa n RAr executada constitui, sem dúvida,

um fator fundamental a ser considerado. Na revisão das aplicações

educacionais da teoria genética, Coll (1987) analisa, entre outras, a

proposta interacionista do desajuste ótimo:

os

.. ( ... ) a intervenção pedagógica deve ser concebida eJIJ

termos de elaboração de si tuações que permi tam LlDJ grau ótÍlIlo de desequilíbrio, isto é, que superem o nível de compreensão do aluno mdS que não o superem tanto que não possam ser assimilados ou que torne ÍIIlpossível restabelecer o equilíbrio . .. (p.189)

De fato, para que haja conflito durante a interação é necessário que

participantes da interação tenham instrumentos cognitivos

específicos. Doise (1983) chama atenção para o fato de que os ganhos

cognitivos serão nulos caso a diferença entre as centrações não seja

notada.

Em sala de aula o professor não pode observar e registrar todos os

acontecimentos, falas, ações de seus alunos; seria então muito difícil

assegurar de que os alunos se beneficiem sempre das interações no

sentido do progresso intelectual. A nosso ver, a estratégia que deve

ser adotada é a de diversificar ao máximo a qualidade dessas interações

tanto através do maior número de trocas possíveis entre os diferentes

alunos como por um programa intensivo de tarefas as mais variadas e que

155

coloquem problemas a serem resolvidos.

Ao levarmos em conta as modalidades interativas destacadas no modelo

apresentado no Quadro 1 deste capítulo, podemos notar que as situações

conflittloSas de t.pQsição e de independência, pela falta de acordo

entre as partes, não permitem que os desafios advindos da execução da

tarefa torne-se campo para o confronto de pontos de vista. Nesses

casos, o conflito está na própria relação, antes portanto que a

explicitação de uma possível diferença de idéias de como executar a

tarefa possibilite o surgimento do conflito sociocognitivo. Do mesmo

modo, quando há delegação e um só membro tome a si a tarefa, o

desligamento do outro membro impede a troca e um possível afloramento

deste conflito. Somente na situação de interdependência, em que está

presente a decisão do como executar a tarefa a dois, o conflito

sociocognitivo poderá acontecer. Deste modo, a interdependência não

garante a presença do conflito sociocognitivo mas certamente é a

condição prévia para sua ocorrência.

À vista destas reflexões, os jogos em grupo com a finalidade de

aprendizagem quer da aritmética, quer da lingttagem, quer de conteúdos

informativos, se destacam como atividade particularmente rica ao

envolver ao mesmo tempo a colaboração e a competição, o estabelecimento

e o cumprimento de regras 22

22 Sobre a importância dos jogos na interação Bocial ver Kamii e DeClark, 1988, p.171.

156

foram introduzidos charadas, enigmas e jogos com palavras, mtlitos dos

quais criados e confeccionados pela professora.

A Corrida dos Transportes terminou com a vitória da dupla Trem, única

que alcançou os 150 pontos. A diferença desta para a Corrida dos

Animais ficou por conta da composiçao do par vencedor, agora dois

meninos e anteriromente duas meninas.

No mês de junho estávamos em plena Copa do Mundo de Futebol e o tema

vez por outra, era comentado pelos alunos em sala. Surgiu assim a

Corrida dos Países da Copa, oportunidade para mostrar mapas, falar de

outros países e, naturalmente, de futebol. As regras para a escolha

dos pares não diferiu das estabelecidas na corrida anterior.

A avaliação também seguiu o mesmo caminho: a pontualidade, atenção,

se ficou com o par, se realizou a tarefa proposta. O planejamento de

atividades diferenciadas por dia da semana também foi mantido.

O primeiro impasse foi causado pela escolha dos nomes de cada par;

todos queriam ser a dupla Brasil. Compreendendo que deste modo seria

impossível distingüir um par de outro, os alunos escolheram os

seguintes países: Iugoslávia, Bélgica, Itália, Costa Rica, Argentina,

Romênia, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Camarões e Tchecoeslováquia. O

entusiasmo pela corrida ficou prejudicado quando o time do Brasil

perdeu nas oitavas de final e saiu da Copa. Além disso, a necessidade

de se proceder a uma avaliação do bimestre e a proximidade das férias

fizeram com que em dado momento se decidisse o término do concurso, com

157

a vitória da dupla Costa-Rica, composta de uma menina e de um menino

que já haviam ganho respectivamente a Corrida dos Animais e a dos

Transportes.

Final do semestre, tempo de avaliaç80. No entender da professora, os

alunos deveriam passar pela experiência da prova individual. No

primeiro bimestre não houvera prova escrita; na época, a necessidade de

se registrar um conceito no boletim de cada aluno fez com que a

professora avaliasse o desempenho nas atividades de escrita, leitura,

aritmética ao longo do bimestre, além de considerar o comportamento

disciplinar. A medida de comparação foi o desenvolvimento de cada um.

A adoção de conceitos ao invés de notas prática oficial nas escolas

municipais do Rio de Janeiro - permitiu que o critério adotado se

traduzisse de modo flexível o bastante para retratar o momento de cada

aluno.

No segundo bimestre a professora elaborou duas provas escritas, uma

de língua portuguesa e outra de aritmética. Embora a pesquisadora

desejasse que o desmpenho nas corridas servisse de critério para o item

"comportamento", este desempenho contribuiu apenas como uma referência.

Para a professora, as posições finais em cada corridn não expressavam a

• realidade individual. A diferença do primeiro bimestre, em que a

conduta do aluno no item "comportamento" levava em conta somente o

respeito às regras, neste segundo bimestre, por sugestão da

pesquisadora, este item se transformou em "participação/comportamento",

mais condizente com a ênfase na interação.

158

Os resultados das avaliações do primeiro e segtmdo semestre são os

que se segtlem, usados para a comparação apenas os conceitos dos vinte

alunos que cursaram todo o primeiro semestre:

Conceitos Número de alunos

lQBimestre 2QBimestre

A 8 8

B 7 5

c 5 5

D 2

E

A diferença entre o segundo e o primeiro bimestre foi de certo modo

equilibrada: apenas um aluno teve o conceito rebaixado de A para C; 14

alunos obtiveram o mesmo conceito; dois ficaram abaixo do conceito

imediatamente inferior e três alcançaram um conceito acima23 .

A prova de língua portuguesa constou de duas partes: a primeira com

um texto e exercícios de interpretação, a segunda com exercícios de

gramática. o texto, criado pela própria professora, chamava-se "A

turma 102" e relatava as várias atividades desenvolvidas no primeiro

semesstre; constituiu-se para nós pesquisadora, um indício claro de que

a professora fora atingida pelo "sentidoàegrupo". Decerto, a

23 Os conceitos abrangem as notas da seguinte escala: de 90 a 100 A de 70 a 89 B de 50 a 69 C de 30 a 49 D de O a 49 E

159

intensificação organizada das interações entre alunos na sala de aula

tem reflexo imediato na qualidade das interações entre o professor e

alunos e podem significar lwa integração real, resguardados os papéis

de educador e educandos.

A avaliação do rendimento escolar em uma proposta que quer se

inspirar nos pressupostos construtivistas esbarra sempre na discussão

conteúdo escolar versus desenvolvimento cogni ti vo. No primeiro

bimestre, os alunos com conceito "A" foram (a) aqueles que mais

progrediram demonstrando terem alcançado níveis mais avançados

(sobretudo na leitura e na escrita) e (b) os que, por já saberem ler e

escrever, desempenhavam com mais facilidade as tarefas escolares. No

segundo bimestre, as provas escritas requeriam um certo domínio da

leitura e da escrita para que pudessem ser respondidas. A professora

teve o cuidado de ler para todos o conteúdo das provas e repetí-lo

quando necessário para aqueles alunos com dificuldades na leitura.

Saber ler e escrever pode ser considerado um "conteúdo escolar" mas é,

antes de mais nada, como demonstrou Ferreiro, uma aprendizagem

conceitual, construção do sl~eito que aprende. Era de se esperar

portanto, o que de fato ocorreu: as notas mais altas 24 da provas de

língua portuguesa (interpretação e gramática) foram as dos alunos na

época do nível alfabético com valor sonoro, as piores ou dos que recém

24 No primeiro bimestre foram dadas notas para leitura, escrita, aritmética, comportamento. A média aritmética desses quatro itens foi transformada em conceito. No segundo bimestre, leitura, interpretaçao (primeira parte da prova de língua portuguesa), gramática (segunda parte da mesma prova), aritmética (prova escrita) e participação/comportamento. A média dos cinco itens foi também transformada em conceito.

160

haviam desenvolvido a hipótese alfabética ou dos que permaneciam em

outro níveis (uma aluna no nível silábico e dois allmos no nível

silábico-alfabético).

A correpondência verificada entre o nível conceitual e o

aproveitamento escolar na leitura e na escrita não pôde ser verificada

com respeito à aprendizagem matemática. Até então as atividades de

matemática eram as seguintes:

- solução de problemas do dia-a-dia: votação, contagem, distribuição de

material com antecipação de contagem, resto, numeração de páginas etc.

- jogos em grupo ( com cartas, com dados, bingo) sempre envolvendo

operações aritméticas, a princípio

subtração;

de soma e posteriormente de

- no último mês do . semestre, a adoção de um livro de matemática por

decisão da professora devido a dois motivos principais: (a) a

necessidade de uniformizar os conteúdos veiculados nas turmas de

primeira série da escola e (b) a importância dada pelas crianças e seus

familiares à adoção de um livro.

A prova de aritmética na época foi elaborada com base em alguns

conteúdos trabalhados no livro adotado coincidentes com os que estavam

sendo avaliados na outra turma de primeira série do turno da manhã. De

modo geral, nossos alunos não tiveram dificuldades em responder às

questões sobre pertença, igualdade, maior ou menor, tipos de conjunto.

A relação entre o desenvolvimento cognitivo (melhor dizendo, o

desempenho nas duas provas operatórias realizadas ao início do ano

letivo) e o desempenho nas atividades matemáticas evidenciava-se no

cotidiano, quando os alunos que se encontram no terceiro nível se

161

destacavam na solução dos problemas apresentados oralmente e nos jogos.

Em Moro (1981) encontramos um resumo da literatura sobre a relação

das noções operatórias-concretas e o rendimento escolar em matemática.

o relato de dois trabalhos chama atenção por suas conclusões. O de

Brun, realizado em 1915 condena exercícios escolares que se limitem a

certas noções operatóras ou à transcrição de provas operatórias porque

estas foram idealizadas para diagnóstico e não para a aprendizagem.

"Tal como se tem pra ti cado o ensino moderno de matemática, conclui Brun, centrado em determinadas noç(Jes operatórias, ele desvirtua a natureza dos conteúdos matemáticos e artificializa a concretização pedagógica. Recomendou, então, que as crianças reinventassem as noções a partir de trocas significativas com o "real" escolar (professores e colegas)." Moro, 1981, p.53)

Decerto, as atividades cotidianas e os jogos sugeridos por Kamii e

DeClark (1988) estão muito longe de um simples exercitar das noções

operatórias; constituiriam, no nosso entender, uma forma de ativar as

.. trocas significativas" referidas por Brun. Aliás, não seriam essas

trocas as propiciadas pela organização em sala de aula promotora de

interações construtivas e que afetam, como pudemos constatar, tanto

alunos como professor?

O segundo relato é o da pesquisa de Perret-Clermont e colaboradores

de 1982. As conclusões se aproximam da proposta de Vergnaud sobre a

definição de conceito, descrita no capítulo primeiro desta dissertação:

"( ... ) a di.6lensKo operatória que define um conceito matemático é acompanhada, no aluno, de uma dimens60 de caráter representativo, a representação social que ele, aluno, faz de matemática na escola. Isso ocorreria porque, no ensino, os objetos matemáticos sofrem descontextualizaç60 dos mesmos

162

objetos. num processo em que estes S~o transformados." (Moro, 1987, p.54)

o contexto social em que se dá a aprendizagem da matemática e a

representação da criança faz deste contexto afetariam a atividade

cognitiva do aluno, concluem os autores do estudo.

Em 1980, Perret-Clermont juntamente com Schubauer-Leoni haviam

verificado a ausência de relação entre a solução de problemas aditivos

e a notação aritmética anteriormente aprendida 26

Se o conceito for pensado a partir dos três conjuntos definidores

como quer Vergnaud, pode-se entender que o contexto e a simbolização

produzam uma transformação exigindo a elAboração de novos conceitos, o

qlle explicaria as dificuldades na aprendizagem da matemática.

Por outro lado, lembra Moro, os resultados da pesquisa de Carraher e

Schliemann sobre o fracasso escolar, comentados no primeiro capítulo

desta dissertação, apontam para a relação entre a aprendizagem da

matemática e o desenvolvimento cognitivo, independente da origem sócio-

econômica do aluno.

A revisão dessa literatura ressalta a importância do conflito

cognitivo na aprendizagem de noções operatório-concreta "e~

especialmente, em situaç§"o de interação com seus pares ou JDeBlDO com

20 A descricão desta pesquisa está em A.A. Medeiros. Influência da interacão social nas construções cognitivas e aquisicões escolares, p.87-96, dez. 1989/jan.1990.

163

adulto modelo." (Moro, 1981, p.55) As controvérsias ficam por conta

de pelo menos três pontos, assim relacionados por Moro:

a. a diferença da ênfase dada nesses estudos ao papel dos fatores da

inteligência;

b. a influência da tradição behaviorista no uso do reforçamento

(apresentação de respostas corretas) e na apresentação dos

resultados (análise exclusivamente quantitativa) "o que leva a

dúvidas sobre a natureza e o valor dos progressos obtidos com as

intervenç~es como revel a dores de construções operatórias no

sentido que lhes deu Piaget . .. (Moro, 1981, p. 55 )

c. a apresentação das noções operatório-concretas ora afirmadas, ora

negadas como preditoras do aproveitamento escolar.

Estamos de acordo com Moro de que é inadequado reduzir o ensino de

matemática ao aprendizado estrito de noções operatórias; nossa

experiência, repetimos, nem em seu todo, nem com relação à aprendizagem

matemática, preocupou-se em exercitar em sala tais noções. A

observação livre dos alunos nos permitiu, repetimos ainda, registrar a

facilidade com a qual os alunos que haviam atingido os níveis mais

avançados das noções verificadas26 resolveram problemas matemáticos

(nas situações do dia-a-dia, nos jogos em grupo ou mesmo quando os

problemas eram colocados oralmente pela professora). Não observamos,

no entanto, qualquer relação entre essa facilidade para a resolução de

problemas matemáticos e o nível de desenvolvimento da leitura e da

26 Evitamos usar o termo alunos operatórios uma vez que não realizamos um diagnóstico operatório dos alunos.

164

escrita27 . Na turma 102, encontramos as mais diversas combinações:

alunos alfabéticos já no início do ano e ainda no primeiro nível na

conservação da quantidade e na inclusão de classe; alunos silábicos e

no terceiro nível, seja somente na conservação da quantidade seja nas

duas noções observadas; alunos alfabéticos e conservativos em ambas

noções. Finalmente, foi também possível observar que os alunos mais

desembaraçados na resolução dos problemas orais mas que ainda não

haviam se desenvolvido plenamente na leitura e na escrita, não

obtiveram rendimento equivalente ao oral na prova escrita de

matemática.

Nesse ponto, gostaríamos de fazer um pequeno paralelo entre esta

pesquisa-ação e a experência relatada por Kamii e DeClark no já

mencionado livro Reinventando a aritmética: implicaçõeB da teoria de

Piaget (1988) . Convencida de que é essencial para o pesquisador

trabalhar na sala de aula com professores porque estes possuem uma

experiência e t~a perspectiva que aquele não têm, e no intuito de

eliminar a instrução tradicional de aritmética na primeira série, Kamii

escolheu Georgia DeClark, mestranda do programa em educação infantil da

Universidade de Illinois, Chicago. Do mesmo modo, mobilizada pelo

desafio de enfrentar o fracasso da escola pública no Brasil,

27 Embora não estejamos relacionando o nível operatório do pensamento e o nível de conceitualização em leitura e escrita, cabe esclarecer que para Ferreiro e Palácio (1982) "o nível operatório facilita o acesso ao sistema alfabético de escrita, mas não é condição necessária. Em outros termos, as crianças pré-operatórias podem chegar a compreender o sistema alfabético de escrita tanto como os operatórios, mas estes compreenderão com maior facilidade

(fasc.5,p.92)

165

acreditamos como Kamii, e muito inspirada em seu exemplo, que a sala de

aula e o professor não podem estar alheados da construção de um saber

pedagógico que se quer transformador. Encontramos a professora da

turma 102, ainda graduanda face a sua pouca idade, pelas mãos de um

projeto liderado por uma educadora universitária comprometida com a

mudança. Nossa intervenção não esteve circunscrita ao programa de

matemática: de caráter mais abrangente porque concentrado na

organização das atividades escolares mas nem por isso pretencioso,

consciente que estávamos de nossas limitações. À maneira de Georgia

DeClark, a professora da turma 102 havia chegado "à condição de reduzir

seu poder o tanto quanto possivel" (palavras de Kamii na p. 11)

proporcionando a seus alunos a necessária autonomia de ação para seu

desenvolvimento. Da mesma forma que Georgia DeClark, a professora da

turma 102, ainda que não tão conhecedora dos pressupostos

construtivistas e interacionistas face ao grau de ensino que

freqüentava, também portava dúvidas e incertezas quanto à sua

aplicação, sobretudo quanto à avaliação do rendimento escolar.

A proposta de Kamii era eliminar as folhas de exercício (a) ao

introduzir o lúdico através dos jogos em grupo e (b) ao retirar das

situações diárias os elementos significativos para aprendizagem

matemática. Georgia DeClark só utilizou as folhas de exercício ao

fazer quatro avaliações ao longo do ano para verificar como seus alunos

enfrentariam a representação escrita das equações aditivas. A

professora da turma 102 adotou os jogos em grupo e aproveitou as

situações do dia-a-dia para incentivar o pensamento matemático mas

preferiu não abandonar a representação da escrita matemática quando

166

adotou o livro didático. Sua adesão ao incentivo permanente ã

comunicação entre os altmos, ã troca de idéias, ã comparação dos

resultados obtidos, com espaço livre para a resolução de possíveis

conflitos, no entanto, emprestou ao uso do livro um caráter muito

diverso daquele normalmente empregado dentro de um esquema tradicional.

As dúvidas e incertezas a que antes nos referimos gravitam em torno da

avaliação, de como fazer o registro nos boletins, de como fazer com que

os pais entendam o processo, de como conciliar a necessidade de

tmificar objetivos educacionais para as turmas da mesma série e ao

mesmo tempo proceder com autonomia. A adesão incondicional a um

programa desse tipo não depende exclusivamente da convicção de um

professor e de um pesquisador compromissados com todas as suas

conseqüências. Passa também por outras instâncias, dentro e fora da

comunidade escolar, além de necessitar, como reconhece Kamii, de 'maior

experÍlDentaçao e avaliaçao crítica." (p.303). Para Kamii, a leitura e

a escrita dos numerais são objetivos apropriados para a primeira série,

mas a escrita de equações é totalmente inadequada e deve ser evitada

pois as crianças não raciocinam do modo como as equações st'

apresentam2B • A escola deve esperar que a criança assimile a relRçÃo

hiérár~lica entre os termos de uma equação para representá-la por

escrito. Bem entendido, dar este tempo não significa estar

imobilizada: a escola tem seu papel e neste ponto a contribuição do

livro de Kamii e DeClark é muito clara, com sugestões de ativ.idades que

substituem as tradicionais folhas de exercício na aprendizagem da

matemática. O que Kamii está dizendo é de fundamental importância para

28 O capitulo 5 do livro de Kamii e DeClark (1988) d~ute essa questão.

167

a educação escolar: está solicitando à escola que proporcione ao

aprendiz o tempo que ele necessita (dando as condições as mais

propícias) para construir esse conhecimento e poder representá-lo.

Deste ponto de vista, a proposta de Kamii se aproxima à idéia da

promoção automática29 da primeira à segtmda série. Comentáramos

anteriormente que quando a escola admite a promoção automática está

apenas estendendo o prazo para que o aluno cumpra a exigência da

sociedade de que ele aprenda a ler, escrever e contar. Ma é fato

também que, se a exigência permanece, há, por outro lado, maior

probabilidade de que o aluno possa cumprí-la em sua plenitude.

Ao elaborar um roteiro sugestivo para o planejamento de uma pesquisa-

ação, Thiollent (1988) destaca o seminário, forum de exame, debate e

tomada de decisão sobre o processo de investigação e do qual fazem

parte os pesquisadores e os membros significativos implicados na

pesquisa. A partir das informações obtidas, definem-se as diretrizes,

avaliam-se as ações, divulgam-se os resultados (Thiollent, 1988, p. 58-

60) .

Em nossa pesquisa poderíamos distinguir ao menos três tempos de

seminário de acordo com os participantes envolvidos:

as trocas entre a turma 102 e a pesquisadora, quando sugestões

traduzidas por esta eram discutidas por todos;

- as trocas incessantes entre a professora e a pesquisadora, na busca

29 Esta único, que grau e faz Educação do

idéia tem se traduzido na implantação do bloco elimina a reprovação nas séries inciais do lQ parte de um projeto da Secretaria Municipal de Rio de Janerio a ser inciciado em 1993.

1~

cotidiana pela organização do trabalho escolar;

as reuniões semanais entre o corpo docente e a administração da

escola quando era dedicado um tempo para o planejamento das atividades

semanais; neste tempo contávamos com a presença da professora

universitária coordenadora do projeto que trazia textos para serem

lidos e debatidos, solicitava o relato de uma atividade experimentada

pelas professoras da escola com o objetivo de realizar uma análise da

ação dentro da proposta construtivista.

Todos esses são momentos que contribuiram para o evoluir da pesquisa;

contudo as trocas entre professora e pesquisadora constituíram, sem

dúvida, o sustentáculo do processo. No depoimento em que descreve como

passou do ceticismo à convição, Georgia DeClark relata seu temor em

aceitar a mudança de método e o motivo pelo qual decidiu ir avante: o

apoio e a vontade da pesquisadora em trabalhar junto, respeitando sua

autonomia e poder de decisão. Nós também como pesquisadora

comprendeendemos que estar diariamente disponível para e na turma 102

era vital para o andamento da pesquisa. Além disso, todas as sugestões

partidas da pesquisadora passaram sempre pelo crivo da professora e com

esta ficava a palavra final.

A inserção de um pesquisador em um grupo que quer evoluir no sentido

da autonomia, resulta em um impasse original: se por um lado o

pesquisador é elemento integrante do grupo porque tem papel ativo no

contexto da pesquisa e faz parte do movimento rumo aos objetivos de

resolução dos problemas inicialmente colocados, é, de outro modo,

elemento alienígena que deve, com o tempo, se retirar.

169

Longe de ser o principal ator, lugar ocupado no entender de Thiollent

(1988) "por que.m faz ou quem está efetivamente interessado na ação"

(p.70) o pesquisador tem papel auxiliar embora em al~Uls casos deva se

envolver mais intensamente. De qualquer modo, não há neutralidade nem

por parte dele nem por parte dos atores:

':A convicção a que podem chegar acerca da necessidade ou da Justeza de l1IDa ação amadurece durante B deliberação no seio do seminário e dos outros grupos participantes da pesquisa." (Thiollent, 1988, p. 10)

Chegamos então ao se~do semestre, com a introdução de um livro

texto de portu~lês e a prevalência de um período de observação para que

a avaliação das realizações passadas apontassem novas formas de

continuação futura.

Livres para escolherem seus companheiros a mesa, os alunos não

formavam grupos fixos mas notava-se uma tendência para se agruparem de

acordo com o sexo: grupos de meninos, grupos de meninas.

Um trabalho que empolgou as crianças neste período foi a preparação

para uma votação simulada de eleição de governador do Estado do Rio de

Janeiro, conforme aconteceria no mês de outubro em todo o país.

A primeira atividade foi a confecç!o de cartazes ilustrados com os

nomes dos candidatos reais e de seus respectivos partidos;

posteriormente foram preparadas as cédulas e encenada a votação com uma

urna para recolher os votos das crianças, da professora e da

pesquisadora, chamadas uma a uma para votar. A apuração dos votos, a

contagem dos votos válidos e nulos, o número de alunos ausentes, foram

110

momentos para a ativaç~o do pensamento aritmético.

o trabalho de execução dos cartazes foi realizado por três grupos de

quatro alunos e um de três alunos. Esses grupos ampliados são de

difícil organização porque as atividades (no caso, escolher as

ilustrações, recortar, colar, escrever nomes e título, desenhar) devem

se ordenar cronologicamente e alguns membros, devido à limitação do

material disponível (neste trabalho : uma folha de papel pardo, folhas

de jornal com fotografias dos candidatos, uma tesoura, um tubo de

cola)30 ficam temporariamente sem trabalho, o que pode originar

impaciência e desinteresse. Foram observados os modos interativos de

independência,delegação, imposição e interdependência mas o movimento

entre estes modos era bem mais intenso que nas díades porque a

sucessão de atividades alternava as configurações, desfeitas tão logo

uma determinada tarefa cessasse.

o uso de grupos ampliados tentado aliás em algumas tarefas

desenvolvidas no primeiro semestre - apesar dos incovenientes acima

apontados, podia representar um estimulante desafio para o

prosseguimento da intervenção. A avaliação do período precedente nos

indicava a seguinte situação quanto aos objetivos almejados;

objetivo prático - introduzir em uma sala de aula uma organização

que priorizasse o trabalho em grupo - estava assegurado: se o trabalho

em grupo não era uma organização permanente, acontecia com regularidade

ao A princípio, cada grupo dispunha de apenas uma caneta de cor; depois foi estimulada a negociação entre os grupos de

modo que cada um dispusesse de mais cores.

171

e bem aceito pelos alunos e pela professora, tornando-se um fato na

turma 102;

- o objetivo de conhecimento - verificar a posssibilidade de introdução

de uma proposta de interação entre alunos em uma sala de aula de escola

pública de primeiro grau e auferir os resultados da ação relacionando­

os com o rendimento escolar dos alunos caminhava: constatada a

possibilidade da ação, os resultados da avaliação do primeiro semestre

conferiam um saldo positivo para a turma 102.

Sentíamos insatisfação quanto ao fato de a "corrida" estar

prioritariamente voltada para a cobrança de regI'a~ de comportamento

disciplinar embora tenha sido o veír.ulo para viabilizar os trabalhos

feitos em grupo. De fato, durante os três concursos no primeiro

semestre, contávamos com a permanência dos pares, com a disposição das

mesas de modo a possibilitar que diferentes pares se sentassem frente

a frente, mantínhamos vivo o sentimento lúdico. Lembramos aqui a reação

de muitos alunos face aos jogos, considerados "brincadeiras" e não

atividades escolares. A curta duração que envolvia o interesse de

algumas crianças nessas atividades ou mesmo o desinteresse que outras

manifestavam pelos jogos em geral foram uma das incógnitas que não

soubemos decifrar. A "corrida", se não atraía a todos o tempo todo,

sempre contou com a adesão de da turma. Estava claro contudo, que a

intenção inicial de que todos os alunos passassem pela experiência da

vitória era remota e pisávamos com insegurança no terreno da

competição.

Nesta ocasião, uma das atividades de ciência foi a de plantar grãos

172

de feij~o para acompanhar o crescimento das plantinhas. Incumbidas de

cuidar dessas e de outras plantas trazidas por elas mesmas, as crianças

tiveram a idéia de iniciar uma Corrida das Plantas. Na tentativa de

contornar as características mais frágeis das corridas anteriores,

propusemos à professora grupos maiores (de quatro alunos) e avaliações

para a contagem de pontos tão somente de trabalhos em grupo em tarefas

interdependentes.

Os dezenove alunos, número estabilizado até o final do ano letivo,

deveriam fazer suas escolhas de modo a que cada grupo fosse constituído

de dois meninos e duas meninas. Esta exigência ia de encontro à

tendência de formação de grupos do mesmo sexo; um número maior de

participantes em cada grupo não excluía, porém, a possibilidade de

pares de meninas e pares de meninos porque a forma da mesa - retangular

- obrigava a uma separação do grupo dois a dois. Por não ser divisivel

por quatro, o número de alunos da turma resultou em um grupo de quatro

e três de cinco membros.

Ao comparar classes da escola elementar classificadas como abertas,

semi-abertas e tradicionais, Hallinam, citada por Cohen (1987)

encontrou nas classes abertas padrões sociométricos muito diversos dos

observados nas classes tradicionais, concentrados estes nas chamadas

"estrelas" (alunos muito escolhidos) e nos isolados, alunos sem chances

de integração pela pouca ou nenhuma escolha:

"( ••• ) a pesquiBadora encontrou (nas claBBeB abertas) UJDa diBtribuiçKo menos hierarquizada de eBcolhas, com um nÚJ1Jero menor de iBoladoB e de lídereB do ponto de viBta sociométrico. Afora isso, diades assi.JDétricdB (eJD que aB escolhaB por amizade nKo Bão

173

reciprocas) a tríades intransitivas ocorriam menos freqüentemente na classes abertas que nas tradicionais e se dissolviam mais rapidamente, dando lugar a situações equilibradas". (p. 15).

A escolha dos grupos pelas crianças, embora em situação muito diversa

da idealizada para estabelecer os padrões sociométricos vigentes em uma

sala de aula, apontou para um delineamento mais próximo ao encontrado

por Hall inam nas classes abertas. Solici tamos aos alunos que

escrevessem em uma folha de papel o nome de três companheiros com os

quais gostaria de participar neste novo concurso. Os meninos

escolheriam duas meninas e um menino; as meninas, dois meninos e uma

menina. Das negociações intensas e temperadas pelo desafio de

escrever o nome dos colegas resultou um quadro de escolhas bem

distribuídas para mais da metade da turma presente (os ausentes sempre

esquecidos) . Houve um caso inédito de um aluno que se recusou a

participar; seu nome também não foi incluído nas escolhas e atribuímos

este fato a uma provável contrapartida da turma àquela negativa. Este

era um aluno muito agressivo que passava por uma fase difícil de

constante atrito com a turma. Outros três alunos não foram escolhidos:

o primeiro era um aluno faltoso (o chamado aluno "turista" que

comparece um dia e falta dois ou três) o que dificultava muito seu

engajamento na turma; o segundo, um aluno muito tímido que pouco

falava, um dos mais novos e o de mais baixa estatura; o terceiro, muito

comunicativo e que nunca havia apresentado qualquer dificuldade em se

relacionar. De qualquer modo, tão logo a professora escreveu no quadro-

negro as escolhas e abriu o debate para os acertos necessários, os

"isolados" presentes foram logo admitidos por iniciativa da própria

174

turma. A formação definitiva dos grupos, no entanto, ficou para o dia

seguinte de modo que a inclusão dos ausentes se desse com o

consentimento de todos.

, Os nomes dos grupos, dados pelos alunos, foram: Arvores, Flores,

Folhas e Frutos. Pelas novas regras, a disposição do grupo em torno da

mesa passaria a ser livre (alertamos as crianças das vantagens de

poderem se sentar a cada dia com um membro diferente do grupo) e o

escore seria único por grupo e não mais o somatório dos pontos

individuais. Os itens avaliados seriam combinados previamente à

realização de cada trabalho (de modo geral: a ajuda aos colegas, o

empréstimo de material, a adequação do produto à proposta inicial).

A vinculação do concurso a uma tarefa interdependente com um produto

final único aproximava-o do objetivo de conhecimento da intervenção

porque privilegiava a estrutura cooperativa propiciando o

estabelecimento dos modos interativos interdependentes. Mantinha-se

presente o cumprimento de regras não mais as coercitivas,

disciplinares, mas as "regras do jogo", combinadas com antecedência.

As tarefas interdependentes são as que, de acordo com a classificação

de Miller e Hamblin citados por Slavin (1977), não podem ser

desempenhadas por um só indivíduo pois exigem coordenação de esforços.

Tanto os métodos Jigsaw quanto o Small-Group Teaching utilizam a

tarefa interdependente, subdividindo o tema geral em várias partes ou

por um dos alunos de cada time (no caso do Jigsaw) ou pelos diferentes

grupos (no caso do Small-Group Teaching) de modo que o tema geral seja

175

conhecido por todos apenas se os alunos se coordenarem para

compartilhar a informaçao. No caso da turma 102, ao invés da

subdivisão dos temas, idealizamos a interdependência da ação pela

limitação (ou escassez) do material disponível devido ao tipo de tarefa

proposta, geralmente a concepção de cartazes ou de pequenas histórias

com texto e ilustrações. De acordo com Slavin (1980), a estrutura de

tarefa em uma sala de aula resume todas as atividades de um dia

escolar: a preleção do professor, os exercícios escritos, a discussão

em grupo, etc. Essa estrutura pode

sistema de grupo adotado: estudantes

também variar

trabalhando

de acordo com o

em tarefas com

prescrições individuais, em pequenos grupos homogêneos ou

heterogêneos - em que os estudantes são ou não permitidos a ajudar uns

aos outros, com ou sem ajuda do professor, etc. Podemos inferir desse

critério de Slavin uma estreita relação entre a organização da turma e

o tipo de tarefa adotado: dificilmente alcançaríamos modos interativos

interdependentes propondo tarefas independentes, de execução

individual.

Tendo em vista a proposta interacionista do desajuste õtimo, os

desafios lançados durante esta "Corrida das Plantas" ficaram por conta:

(a) da exigência de uma planificação espacial mais elaborada na

distribuição do texto e das ilustrações e, (b) do predomínio do texto

escrito sobre as ilustrações. Essa ênfase na fluência da língua

escrita justificava-se pois na época (mês de setembro) a maioria da

turma já havia alcançado o nível alfabético com valor sonoro

convencional.

A decisão de contar pontos para a corrida somente quando ocorriam as

176

tarefas interdependentes com avaliação previamente combinada entre a

professora e os grupos impediu, ao contrário do que ocorrera nas outras

corridas, a contagem diária dos escores. Notamos que a princípio os

alunos protestaram: com o tempo porém parecÍ<.un perder pouco a pouco o

interesse Ix-!lo concurso. De fatn, a contagem do escore era um momento

divertido, realizado muitas vezes no último momento do dia escolar: o

nome dos pares e os itens a avaliar eram escritos no quadro-negro, a

professora anotava os pontos, as crianças faziam as somas. Conhecia­

se, então, a posição do dia, o grupo que avançou, o que retrocedeu, o

que ficou na mesma posição.

Pensamos então em aproveitar algumas situações diárias para

recompensar o grupo com pontos toda vez que um de seus membros se

sobressaísse de alguma maneira (por dar solução a um problema, por dar

alguma sugestão considerada interessante ou pela turma ou pela

professora). Além de manter vivo o interesse de todos pela corrida,

esta medida foi também a maneira que a pesquisadora achou para minorar

uma certa tendência da professora em usar a corrida como punição quando

o comportamento disciplinar tumultuava o trabalho escolar. De uma

conversa entre professora e pesquisadora (e depois da professora com os

alunos) ficou combinado que ao invés de perder pontos poder-se-ia dar

relevo às pequenas conquistas pessoais, ou mesmo ao fato de um ou mais

grupos estarem completos quando os outros tivessem um de seus membros

ausentes.

Uma das consequências mais notáveis observadas a partir dessa decisão

foi que em pouco tempo as próprias crianças, tão logo davam alguma

177

sugestao considerada boa ou solucionavam um problema, passaram a

reivindicar pontos para seus grupos. Não seria essa prática lwa

oportunidade real para "dar voz às crianças", mesmo comprometida com a

difícil questão da recompensa? Como era estimulante constatar a

transformação daqueles indivíduos que sabiam ser a escola uma

instituição repressora, esperando deles o "bom comportamento", saírem

de sua timidez e reclamarem seus direitos!

No mês de outubro conseguimos nos reunir com os pais. Até então o

contato com a família tinha se dado nos mais diversos modos, a saber:

- na entrada quando a professora esperava a chegada da turma para se

dirigir à sala de aula;

- na própria sala de aula, ou por iniciativa do responsável (os pais

tinham livre trânsito na escola) ou para atender a um chamado da

professora;

na entrega dos boletins do primeiro semestre quando foi possível

mostrar alguns trabalhos realizados em grupo e fazer comentários sobre

o aproveitamento dos alunos;

nas reuniões promovidas pela escola para esclarecer alguma campanha

geralmente envolvendo questões de saúde. Foi justamente em uma delas

que os pais da turma 102 tiveram a oportunidade de ver a maquete

construída pelos alunos;

- na festa junina, quando conhecemos alguns pais que não freqüentavam a

escola.

Queríamos, no entanto, muito mais: ainda que tardiamente, querí8lÍl08

explicar n08SOS objetivos, os grupos, os jogos; queríamos ouvir as

178

opiniões, debater as falhas, pedir sugestões. Ao comentar o que

representa uma inovação educacional (no caso, a troca entre iguais,

dispostos em pequenos grupos, acerca da produção escrita em sala de

aula), DiPardo e Freedman (1988) af irmam:

"BecaLJse the classroom filled with student talk repreSeJlts a marked departure from what has long been the âl11erican norm, i t requires a revolution not only in the teacher ~s concept of language learning, but also in the home and school comDllmities that shape students ~ ideas concerning what it means to be in school" (p. 144).

Comentava-se muito na escola que os pais não tinham tempo para

freqüentar as reuniões, que a maioria trabalhava fora de casa,e não

poderiam dispor mais do que o necessário para levar ou buscar seus

filhos. Nossa reunião, no entanto, não confirmou essa expectativa:

compareceram dez responsáveis dos dezenove alunos que frequentaram o

segundo semestre, sete mães, uma avó e dois pais. A professora

explicou a proposta de interação entre altmos, mostrou os trabalhos

elaborados em grupo, falou sobre os jogos e em especial sobre a

corrida, distribuiu as provas do terceiro bimestre e teceu comentários

sobre cada aluno. Os pais deram demonstrações de que estavam

satisfeitos com a ação desenvolvida. Sobre este encontro, gostaríamos

de fazer algumas reflexões:

os pais admitem propostas edtlcacionais diversas das que estão

habituados quando sentem confiança nas pessoas que lideram o trabalho;

essa confiança é adquirida ao constatarem o empenho e a dedicação do

professor e, sobretudo, ao verificarem as modificações refletidas no

119

comportamento de seus filhos31 ;

- mesmo assim, persistem as dúvidas sobre o desempenho futuro dos

allillos, agora submetidos a uma inovaç~o educacional (na próxima série,

com outra professora, em outra escola)32.

A Corrida das Plantas, ao contrário dos outros concursos em que

alguns pares tomavam a dianteira e terminavam entre os primeiros

lugares, foi bem mais equilibrada: três dos quatro grupos permaneceram

algum tempo na dianteira, o quarto conquistou ao final o segundo lugar.

Sabemos das dificuldades do trabalho em grupos ampliados: muitas vezes

as próprias crianças se organizavam em duplas ou trios, dentro de um

mesmo grupo; outras vezes a professora antecipava a divisão, mas

desfazendo associações habituais.

Observações realizadas no mês de novembro de oito pares executando

uma tarefa interdependente (ordenação de uma história ilustrada em

quadrinhos com criação de texto, a exemplo de uma atividade

desenvolvida em sala de aula comentada por Smolka, 1988, p. 81-93),

registramos sete pares desenvolvendo modos cooperativos (dois por

delegação e cinco em interdependência) e um par em que se deu a disputa

pelo material disponível para a realização independente mas que

31 A reunião durou quarenta e cinco minutos, per iodo no qual não se registrou qualquer lamento por parte dos responsáveis sobre a impossibilidade de permanecer.

32 Este é um leitmotiv nos relatos das inovações educacionais. Pais das mais diversas camadas sociais temem suas conseqüências quando o retorno ao método tradicional for necessário. Ver por exemplo DeClark e Kamii. Para nós sempre soou estranho pensar o tradicional como garantia de adequação e sucesso.

resultou na produção de apenas um trabalho.

180

Do ponto de vista

educacional. quando a delegação - um modo de interação cooperativo - se

faz pelo desinteresse de um dos parceiros (como esses de turma 102)

torna-se tão indesejável quanto a imposição pois nos dois casos, t~ só

membro trabalha. Esta constatação não significa que a independência

seja menos prejudicial pois garante a ação dos dois membros mas afasta

as possibilidades de conjunção.

Os resultados da avaliação do terceiro bimestre comparados aos dos

anteriores, e limitado agora aos 18 alunos presentes desde o início

(dois alunos sairam da escola, um novo chegou somente em agosto) são os

seguintes:

Conceitos Número de alunos

lQBim. 2QBim. 3QBim.

A 7 8 5

B 6 5 9

C 5 5 1

D 1 3

E

Os três conceitos D confirmavam dificuldades que se evidenciavam ã

medida em que o semestre ia avançando, sobretudo no terreno da leitura.

Embora as notas das provas (escritas e orais) não fossem ponderadas, o

número de provas de leitura e escrita (leitura e interpretação de

texto, ditado, gramática) contra uma nota pela prova escrita de

181

matemática e outra pelo item participação/comportamento, conferiam um

peso maior à aprendizagem da linguagem natural. Além disso, por ser

também através de prova escrita e dessa vez incluindo as equações

aditivas, a avaliação do pensamento mal.emático ficavA r.omprometido pela

maior ou menor intimidaop. do aluno com a língua escrita, quando não

pelo problema mais amplo levantado por Kamii.

A Corrida das Plantas terminou em meados de novembro; os grupos

alcançaram pontos muito próximos mas a vitória do grupo Flores ficou

caracterizada, seguido dos grupos Árvores, Frutos e Folhas. Ao final

do ano letivo chegamos a ensaiar uma organização de grtlpoS de três

alunos (duas meninas e um menino ou dois meninos e uma menina) sem

concurso, apenas para dar prosseguimento às atividades interativas.

Empenhada em chegar ao final dos livros adotados, a professora não mais

propôs tarefas interdependentes; as interações se restringiram então à

comunicação entre os alunos na correção de um dever de casa ou de um

exercício feito em sala. A elaboração individual de um calendário para

o ano seguinte, com ilustrações desenhadas pelos próprios alunos,

serviu também para ativar as trocas. A disposição das mesas de modo a

reunir pequenos grupos permaneceu até o final do ano letivo.

o rápido avanço do tempo levou à decisão de não submeter os alunos a

um conjunto de provas escritas neste quarto bimestre. Dos dezenove

alunos, nove alcançaram conceitos A e B e foram aprovados já no

182

primeiro Conselho de Classe33 •

Os dez alunos restantes permaneceram na escola em período de

recuperaçao mas apenas cinco geravam dúvidas quanto à sua aprovação.

Alguns acontecimentos anteciparam decisões que angustiavam professora e

pesquisadora: o aluno faltoso não mais compareceu e assim não

participou do período de recuperação, tendo sido reprovado por

falta34 • Outro aluno de rendimento instável foi considerado aprovado

porque a família estava de mudança para outro estado da federação: a

aprovação foi acompanhada de uma carta redigida pela professora

explicando o processo de alfabetização desenvolvido na turma 102, as

características do aluno, as prováveis causas de seu rendimento

irregular e os motivos pelos quais entendia que o aluno poderia

frequentar a segunda série no ano vindouro. O rendimento nas provas

escritas de língua portuguesa e matemática elaboradas especialmente

para o período de recuperação serviu de critério último (mas não

exclusivo) para aprovar um dos três alunos e reprovar os outros dois.

33 Incluímos entre esses nove alunos, a menina que participou da turma 102 durante todo o ano, obteve os conceitos A, B, B e B mas que estava matriculada na segunda série por questões de transferência. Consideramos a inclusão desta aluna em nossos resultados justificável por ela ter participado de todo o processo da intervenção e de todas as avaliações realizadas. De fato, ela s6 não pertenceu à turma 102 do ponto de vista oficial.

34 Através de um contato entre a professora e o responsável, tomamos conhecimento dos motivos das faltas. A tentativa em transferir o aluno para o turno da tarde (já que o principal problema era a impossibilidade de acordá­lo a tempo de chegar à escola dentro do horário permitido) resultou infrutífera. O fracasso no intento de equacionar esse problema que sabemos se repetir em outras escolas do país abre o debate sobre as relações entre a instituição escolar e a comunidade a qual esta deve servir.

183

Assim, dos dezenove alunos, três foram reprovados (um por falta e dois

por rendimento) e dezesseis passaram para a segunda série do primeiro

grau.

184

CAPI'1'UW 4

RKSULTAOOS, roNSIDKRAWKS K SUGKSTÕKS

4. 1 Considerações sobre a evolução dos alunos nas noções operatórias

observadas e no desenvolvi1lento da aquisição da leitura e da

escrita.

No decorrer do período da recuperação, tivemos a oportunidade de

repetir as provas operatórias realizadas ao inicio de ano letivo. Da

mesma forma que anteriormente, as entrevistas foram gravadas e

registradas em protocolos. Apresentamos nos quadros I e 2 os

resultados dessas provas. Nomeamos cada aluno com uma letra do

alfabeto. Os algarismos entre parenteses logo após a letra indicam a

idade do aluno na época da entrevista. Note-se que os primeiros

dezoito alunos (de a a s) são os que acompanharam a turma durante todo

o ano letivo. O aluno identificado pela letra a não foi entrevistado

em dezembro por não ter mais comparecido às aulas. Os alunos de tez

são os que não frequentaram o segundo semestre. O aluno identificado

pelas letras 00 é o que chegou em agosto.

As informações obtidas pelos ditados de palavras e frases seguidos de

leitura realizados ao longo do ano para avaliar o nível de

desenvolvimento da escrita e da leitura compõem o quadro 3 no qual as

letras nomeiam os alunos e os algarismos em parenteses indicam suas

idades no mês de fevereiro.

185

QUADRO 1

NOÇ~O DE QUANTIDADES NUM~RiCA5:

CC1paraç~c e~t·e os niveis observados ao InicIo e ao final do ano letivo

DATA l1ar/Abríl1aio/90 Dez 90

Nfms NfvEIS AlüNOS lQ "0 4_ 3Q lQ 2Q 3Q

à (9,8) (10,11 ) S/R b (7,11) 18,7) c (7,4) X (8)

d (7,10 ) (8,5) X

e (7,5) (8,1 ) X f (7,11 ) X (8,7)

9 (8,5) X (9,1 ) h (7,10) (8,4)

(Cf,7) no, 2) X j

f" .... ' \1,,)1 (8)

i (7,4) (8, i) 1\ (9,11) (10,7) X

n (S,l) I (8,8) o (9,! i (9,7)

P (8,1 ) (8,9) X

q (8.1 i) X (9,7)

r (7) X (7,9 ) s {7, 7 j X (8,3) t (7,6) S/R u (7,2) X S/R v (7,8) S/R x (8, I j) S/R z (7,6) X S/R 00 S/R (9,10) X

LE5ENDA: S/R = Se. registro

186

QUADRO 2

NOÇ~O DE INClUS~O DAS :LASSES:

COlparaç~o entre os níveis observados ao inicio e ao final do ano letivo

DATA Abril Maio/9O Dez 90

NíVEIS I

NIVEIS ALU"C~ lQ "O L_ 3Q '0 L 2º 3º

a (9,8) X (10,11 ) SíR b (6) (8,7)

c (7,4) (8) X ti (7,10) X (8,5) e (7,5) X (8,1) f (7,11) (8,7)

g (8,5) X (9,1) X h (7,10) X (8,4) i (9,7) (10,2) X j (7,4) X (8) X

I (7,4) X (8,1) X I (9, li) X (l0,7) X n (7,11) I (8,8) X o (9) (9,7) X p (8,1) X (8,9)

G (9) X (9,7) X

r (7, I) X (7,9) s (7,8) X (8,3) I t (7,6) X S/R u (7,2) X SiR v (7,8) S/R x (6,11) S/R z (7,6) X S/R 00 S/R (9,10) X

LEGENDA: S/R = Sei registro

187

QUAIH) 3

:EEE~~JLVIMENTG DA ESCRITA E DA LEIrURA AO LONGS ~2 ANO LETIV:

CiLjN:JS FEVEREiRO "!ARÇO AE:<IL JULYQ OiJTLibRO DEZ~:-lBRO

d \ 9 ,6) a 1 f , cal I ~ aI I. cal

~ i7,9) SíR aI f. COI ai f. COI

C : 7 ,) '\ ; • ~ 40 J si1.- alf. ai f. sei alt. sell aI f. sem al f. COII

d : 7,7) si1.- alf sil.-alf. si1.- alf. aI f. COII alf. :01

e r 7 ,3; aI f. COI aI f. COII! a: f. eOI

i 7,9) si1.- alf si1.- alf. alf.col ai f. COII! aI f. COI

g (3,.) ) silábico silábico ai f. COII

11 r 7,7) pré-sil si1.- alf. alf. COI alf. Gll

{9,5} S/R S/R sí1.- al f. alf. COII aI f. cal

0,2) I ~

al! • co. I f aI .. :::01

(7,3) silábico silábico aI f. sei ai f. COI aI f. co.

I (9,10) si1.- ai f. alf. COI aI f. eOI

n (7 ~ 10 ) aI f. COI aI f. COI

o (8,9) S/R ai f. COI ai f. COI

P (7,11 ) aI f. cal aI f. COI

q (8,10 ) sil.- alf. si1.- ai f. si 1.- aI f.

r (6, 11) alf. COI aI f. COI

5 (7,4) si1.- alt. si1.- alf. ai f. sei ai f. COI alt. COI

t (7,3) S/R S/R alf. co.

u 16,10) S/R S/R

v (7,5) S/R S/R

x (8,7) S/R S/R alt. cal

z (7,9) si lábico si lábico

00 ~ 7 ,11 } S/R SíR S/R aI f. COI aI f. COI

LEGENDA: pré-sil: pré-si lAbüo I .. all.sel: alfabético sei valor sonoro convencional sil.-aif.:slláblCO alfabético alf. COI: alfabético COIII valor sonoro convencionai S/R: sei registro

1M

A observaç~ dos quadros 1, 2 e 3 aponta para um nítido avanço da

turma tanto nas noções operatórias enfocadas quanto no desenvolvimento

da aquisição da leitura e da escrita.

Em relação às noções operatórias, a comparação entre a situação ao

início e ao final do ano, restringida portanto aos 11 alunos, de b a

S36, destaca os seguintes pontos:

a - segundo à alteração do nível evolutivo

1 - noção de quantidades numéricas

Dos dezessete alunos considerados três já haviam atingido o nível

de conservação ao início do ano letivo; entre os quatorze

restantes, onze alteraram de nível evolutivo, o que confirma o

progresso da turma nesta noção considerado ademais o fato de que

nenhum aluno persistiu no primeiro nível.

2 - noção de inclusão das classes

Nesta noção apenas l~ aluno apresentava respostas de conservação a

o início do ano. Entre os dezesseis alunos então passíveis de

progresso, 10 evoluíram para níveis superiores, número que

expressa igualmente um avanço considerável nessa noc~o, embora

três alunos tenham persistido no primeiro nível.

30 Os alunos de b a B são os que foram entrevistados nos dois momentos, o que permite a comparação dos resultados.

189

b - segundo à conservaçao da noção

1 - noção de quantidades numéricas

Treze alunos entre os dezessete considerados deram respostas de

conservação em dezembro, dez dos quais evoluíram para este

terceiro nível durante o ano letivo. As argumentações

apresentadas foram as de igualdade, não se registrando argumentos

de compensação ou de reversibilidade.

2 - noção de inclusão das classes

Seis dos dezessete alunos encontravam-se em dezembro no terceiro

nível entre os quais três evoluíram durante o ano letivo.

o quadro 4 permite a comparação do progresso em uma e outra noção

estudada. Verificamos que se nos ativermos apenas ao número total de

alunos conservativos ao final do ano letivo, o avanço na noção de

quantidades numéricas é bem mais expressivo do que na noção de inclusão

de classes. Devemos, no entanto, considerar que o n(~ero de alunos

conservativos, i.e. no terceiro nível, já ao início do ano era menor na

noção de inclusao das classes, expressando provavelmente uma

dificuldade mais acentuada no desenvolvimento desta noção. De fato, o

grande número de alunos ainda no primeiro nível ao início do ano pode

ser outro indicador dessa dificuldade: se na noção das quantidades

numéricas apenas pouco mais de um terço da turma era não conservativa,

i.e. estava no primeiro nível, na noção de inclusão das classes mais da

metade dos alunos situava-se ainda neste nível.

190

QUADRO 4

~VAhÇO CONCEITUAL DOS ALUNOS NAS ~QÇ3ES PES~Ui5ADAS

I

NÃO ALUr~23:t.jIvE~ NQ DE AL~~OS liLIt, NQ DE ALUNOS CONSERVA7ivOS '.; ~~ ALUNOS CONS. "t I

EVOL~~TIVQ AL TERAqAI1 O NT"~' , • VtL f3Q , 1\ nlvel,' ~ 1 º ni vei) EYOLJT UQ

NOÇ~O I I

INICIO ANO FINAL DO ANO l!í; '~lJ ANO FINAL ANO I

OPERAíORiH LETIVO LETIVO LETiVO LETiVO

NaçÃO DE 11 (el UI total 3 (el UII 13 (el um 6 (eI UI O (el UI

QUANTIDADE de 14) total de 17) total de 17) total de 17) total de 17) NUMÉRICA

NQÇ~O DE IN[LUS~O 10 (el UI total 1{ em UII total ó(el UI total 13 (el UI 1 (eDl UI " DAS CLASSES de l' ,

10' de 17) de 17) total de 17) total de i7)

Podemos concluir que os avanços em uma e outra noção se equivalem,

seja pela situação final comparada a do início do ano, ao levarmos em

conta os diferentes graus de dificuldade para a evolução em cada uma,

seja pelo número de alunos que alteraram de nível evolutivo, a maioria

nos dois casos.

Em relação ao desenvolvimento da aquisição da leitura e da escrita

(ver quadro 3), do total de dezessete alunos focalizados (de b a 8),

sete já eram alfabéticos com valor sonoro convencional ao início do ano

(meses de fevereiro e março). Em abril dois alunos alcançaram este

nível; ao final do semestre (mês de julho) a turma contava com quinze

alunos alfabéticos (entre os quais doze com valor sonoro convencional),

expressando um notável progresso que evoluiu até abranger a quase

totalidade (dezesseis alunos alfabéticos entre os quais somente um sem

dar valor sonoro convencional às letras) no mês de outubro. li de se

ressaltar o rápido avanço do aluno b, pré-silábico em fevereiro e já em

abril alfabético com valor sonoro convencional. Note-se também que o

191

allmo c embora tenha permanecido quase todo o ano no nível alfabético

sem valor sonoro convencional passou a dar valor sonoro às letras no

período de recuperaç~o (mês de dezembro). o allIDo q, (mico que não

atingiu o nível alfabético, apresentou um desenvolvimento de difícil

interpretação, ora parecendo avançar, ora parecendo retroceder.

4.2 - O rendi.JEnto escolar dos alunos: conceitos bblestrais e situação

finaL

Os conceitos alcançados durante o ano letivo e a situação final de

cada allIDo estão descritos no quadro 5.

QUADRO 5

RENDi"ENTO ESCJLAR: ConceItos e Situaç30 Final

Conceitos Alunos bilestrais recuperaç30 Situaç30 Final

.!.~ 2Q ~o ,)- 4Q

a B C O reprovado por falta b B A B C aprovado após recuperaç~o

~ íl O O reprovado após recuperaç~o '" d B B r C aprovado após recuperaç30 .. e fi A A B aprovado direto

B B B li aprovado direto 9 C B B C aprovado após recuperaç30 h A A A A aprovado direto

C C B C aprovado apÓs recuperaç30 A A B B aprovado direto C C B C aprovado após recuperaç30

11 A A B B aprovado direto ri li li li A aprovado direto o A A li A aprovado direto íl B B B B aprovado direto Q C C O O reprovado apÓs recuperaç~o r li fi A fi aprovado direto s B C B C aprovado após recuperaç30 00 C C aprovado após recuperaç30

192

Através do qudro 5. podemos notar que todos os alunos que obtiveram

os conceitos A e/ou B (à exceção do aluno b) durante os três primeiros

bimestres foram os alunos aprovados direto, i.e os que não entraram em

recuperação final. O allIDo b passaria direto para a segunda série se

não houvesse faltado muito no último bimestre, tornando imprescindível

sua presença no período de recuperação para uma avaliação mais

atualizada de seu aproveitamento escolar.

4.3 Considerações sobre possíveis conexões entre o avanço concei tua!

e o rendbaento escolar.

Sabemos com Thiollent (1988) que a metodologia da pesquisa-ação não

nos permite efetuar qualquer ligação causal entre os fatos observados.

Para precisar com mais clareza nossos objetivos na busca das relações

entre o avanço co~ceitual,~ o rendimento escolar, reproduzimos a seguir

o parágrafo inteiro no qual Thiollent esclarece essa questão,

parágrafo, aliás, que contém frases já mencionadas no início do

capítulo terceiro desta dissertação, quando da apresentação da

metodologia adotada:

"No contexto que nos interessa, a formulaçlIo da hipótese não é necessariamente de forma causal entre os elementos ou variáveis considerados. Não se trata de querer 1110strar que X determina Y. Para fins descritivos, a hipótese qualitativa é utilizada para organizar a pesquisa erJI torno .de possíveis conexfJes ou implicações não-causais, l11as suficienteJDente precisas para se estabelecer que X terJI algo a ver COI11 Y na situaçlIo considerada." (p.56)

Para efeito de análise, diremos que existe conexão entre o avanço

193

conceitual36 e o rendimento escolar quando os alunos que avançaram

nas noções operatórias observadas (ou então, os altmos que apresentaram

respostas de conservação em dezembro)37 foram aprovados. Da mesma

forma, há conexão entre o avanço conceitual e o rendimento quando os

alunos que não progrediram nas noções operatórias observadas (ou então

os alunos que não apresentaram respostas de conservação em dezembro)

foram reprovados. De modo inverso, diremos que não há conexão entre o

avanço conceitual e o rendimento escolar quando os alunos que avançaram

(ou os alunos que apresentaram respostas de conservação em dezembro)

foram reprovados, e ainda quando os alunos que não avançaram (ou os

alunos que não apresentaram respostas de conservação em dezembro) foram

aprovados.

Da tentativa em comparar o avanço conceitual ao rendimento escolar

representado pela situação final de cada aluno, gostaríamos de acentuar

os seguintes aspectos, referentes aos alunos de b a s nos quadros 6, 1

e 8:

1 - Quanto à noção de quantidades maéricaa

Em uma primeira análise poderiamos afirmar que não há qualquer

conexão entre o avanço conceitual e a situação final. De fato,

como podemos observar no quadro 6, os alunos b, p e r, embora não

tendo alterado de nível conceitual, lograram aprovação ao final do

36 Consideramos sob a denominação de avanço conceitual a alteração do nível evolutivo de acordo com a comparação entre as situações AO início e ao final do ano letivo.

37 Incluímos neste grupo, portanto, os alunos já conservativos ao início do ano letivo.

194

ano letivo. Além disto, os dois alunos reprovados estão entre os

que evoluíram de nível. No entanto, se considerarmos os treze

alunos que apresentaram respostas de conservação em dezembro

(d, e, f, g, h, i, j, 1, ., n, o, q, s,), verificaremos que, à

exceção do aluno q (reprovado), todos foram promovidos para a

segunda série do primeiro grau.

QUADRO ó

CD~PARAÇaO DO AVANÇO CONCEITUAL NA NOÇ~O DE QUANTIDADES NU~tR!CAS CO~ A SITUAÇÃO FINAL

Aluno Avanço conceitual Situaç~o final

b c d e f

9 h

• n o p q r 5

n~o

si. 3Q nível • sim para o 3Q nívei si. para o 3Q nível si. para o 3Q nível 3Q nível l si. para o 3º nível sil para o 3Q nível si. para o 3Q nível si. para Q 3Q nível si. para o 3Q nível 3Q nível l n~o

si. para o 3º nível n~o

si. para o 3º nível

aprovado apÓs recuperaç~o reprovado aprovado após recuperaç~o aprovado direto aprovado direto aprovado após recuperaç~o aprovado direto aprovado após recuperaç~o

aprovado direto aprovado apÓs recuperaç~o aprovado direto aprovado direto aprovado direto aprovado direto reprovado aprovado direto aprovado após recuperaç~o

Legenda: * Alunos que ao inicio do ano letivo já era. conservativos nesta noç~o.

2 - quanto à noç&o de inclusão das classes

Através do quadro 7, podemos constatar que entre os alunos que não

progrediram (g, i, 1, q, r) encontram-se as três formas de situação

final, a saber, reprovação, aprovação após recuperação e aprovação

direta. Porém, se consideramos os alunos que evoluíram nesta

noção (b, c, d, e, f, h, J, a, n, p, s) e os que apresentaram

195

respostas em dezembro (b, f, h, j, n, o), podemos detectar uma

conexao entre o avanço conceitual e a situação final. Assim, entre

os onze alunos do primeiro grupo, à exceção do aluno c (reprovado),

todos foram aprovados para a série seguinte. Já em relação aos

seis alunos do segundo grupo, a aprovação abrangeu a todos, sem

exceção.

QUADRO 7

CGMPARAÇ~D 00 AVANÇO CONCEITUAL NA NOC~O DE INCLUS~O DAS CLASSES COM A SITUACAo FINAL

aluno

b c

e

11

n o p

q r s

Avanço Conceitual

si, para 3Q nível si. si. si. si. para 3Q nível n~o

si. para 3Q nível n~o si. para 3Q nível n~o

si!! si. para o 3Q nível 3Q níveU si. n~o n~o

si.

Situaç~o Final

aprovado após recuperaç~o reprovado aprovado apÓs recuperaç~o aprovado direto aprovado direto aprovado apÓs recup~raç~o aprovado direto aprovado após recuperaç~o aprovado direto aprovado após recuperaç~o aprovado direto aprovado direto aprovado direto aprovado direto reprovado aprovado direto aprovado após recuperaç~o

lESENDA: • Aiuno que ao início do ano já era conservativo nesta noç~o.

3 - quanto às duas DOCÕeS observadas

o aluno r foi o único que não progrediu em ambas as noções38

38 Embora o fator idade nao sirva para justificar a permanência do aluno r no nivel intermediário em ambas noções durante o decorrer do ano letivo, é de se ressalvar que, entre os dezessete alunos considerados nesta análise, era esse o aluno de menor idade, com sete anos ainda em dezembro.

196

tendo alcançado, no entanto, a aprovação direta. Neste caso não há

a conexão procurada mas, se considerarmos os alunos que evoluíram

nas duas noções (c, e, f, j, m, n, s), poderemos notar que, à

exceção do aluno c (reprovado) todos obtiveram aprovação para a

segunda série. Além disso, todos os alunos que apresentaram

respostas de conservação nas duas noções em dezembro (f, b, j, n,

o) foram aprovados de forma direta.

Em resumo, as conexões entre o desenvolvimento nas noções observadas

e o rendimento escolar não são claras. A comparação entre a situação

dos alunos ao início e ao final do ano letivo aponta para um avanço

significativo nas duas noções. Podemos constatar que todos alunos

conservativos por ocasião da primeira prova, em uma e outra noção,

foram aprovados. Por outro lado, o avanço conceitual não implicou

necessariamente em aprovação embora os casos em que consideramos haver

conexão, sobretudo

numericamente.

em ambas as noções, sejam mais expressivos

4 - quanto ao deaenvoln.ento da aquisiçllo da leitura e da escrita.

Uma vez que o desenvolvimento na aquisição da leitura e da escrita

foi registrado ao longo de todo o ano letivo, faremos a análise das

possíveis conexões entre o avanço conceitual e a situação final

levando em conta a época em que os alunos alcançaram o nível mais

avançado, isto é. o alfabético com valor sonoro convencional.

Através do Quadro 8, podemos observar uma nítida correspondência

197

QUADRO 8

aluno Avanço :oRceitual *

b alf.ccl valor sonoro la aprovado após recuperaç~o

c sim para alf.sem valor sonoro (Iarço) reprovado

d sim para alto (DI valor sonoro(out.) aprovado apÓs recuperaç~o

e alf.ccR valor sonoro la aprovado direto

si. para ajf.col valor sonoro (abril) aprovado direto

9 si. pa~a alf.ccl valor sonoro (julho) aprovado após recuperaç~o

h sil para alLcolI valor sonoro (abril) aprovado direto

silll para ai f. COII valor sonoro (j ul ho) aprovado após recuperaç~D

1 + a.,. COII vaiar sonoro U aprovado direto

si 111 pa~a alf.col valor sonoro (out. ) aprovado após recuperaç~o

11 sill para alf.col valor sonoro (Iarçol aprovado direto

n alf CO!!! valor sonoro U aprovado direto

o • + a! I. CC1 vaior sonoro U aprovado direto

[) aI f. COI valor sonoro U aprovado direto

q n~o reprovado

r alf. COI valor sonoro aa aprovado direto

5 sill para alf. cal valor sonoro (out.) aprovado apÓs recuperaç~o

LESENDA: alf.sel valor sonoro = alfabetizaç~o sei valor sonoro convencional alf.col valor sonoro = alfabetizaç~o cal valor sonoro convencional t O conteúdo dcs parênteses refere-se à época el que o aluno atingiu o nível indicado II Aluras que ao início do ano letivo já era. alfab@ticos COI valor sonor~ convencional

198

entre o grupo de alunos que mais cedo alcançaram o nível alfabético,

(incluídos os que já eram alfabéticos em fevereiro), e a aprovaçao de

forma direta. De fato, à exceção do ahmo b, todos os que já em abril

estavam naquele nível - e, f, b, j, a, n, 0, p, r - passaram direto

para a segunda série. Quanto aos que alcançaram mais tarde (a partir

de julho) o nível alfabético com valor sonoro convencional (d, g, i, 1,

s) é fato que foram aprovados mas todos somente após o período, de

recuperação. Tanto o ahmo que não evoluiu C q) quanto o que permaneceu

alfabético sem valor sonoro convencional Cc) quase todo o ano letivo,

foram reprovados.

o resultado dessas comparações confirmam as relações tentativas que

lançamos ao comentar os conceitos obtidos pelos alunos durante o ano

letivo. De fato, pela ênfase dada aos aspectos linguísticos na

primeira série do primeiro grau, sobretudo na escola pública, saber ler

e escrever é a porta de entrada para o caminho que leva aprovaçã039 •

Esta constatação vai ao encontro da segunda diretriz que norteou a

presente pesquisa-ação e que prevê uma estreita relação entre o

desenvolvimento intelectual e o rendimento escolar nas séries iniciais

39 Para uniformizar a amostra examinada a partir do início da instrução matemática, Carraher e Schliemann (1983a) foram obrigadas a incluir crianças de séries diferentes pois no Recife, ao menos naquela época, o ensino da matemática na escola pública só se iniciava na segunda série do 1Q Grau, quando na escola privada se fazia na primeira.

199

do ensino fundamental, se entendermos a aquisição da leitura e da

escrita como tlma conquista conceitual e não uma habilidade para

odecodificar signos linguísticos. Claro está que a conexão se

concretizou por exigência da própria escola mas que repercute o

pensamento da sociedade mais ampla. Estaria então a instituição escolar

totalmente atrelada à sua condição, sem poder renovador? Acreditamos

que não. Quanto mais a escola procurar conhecer seu aluno,

reconhecendo-o um ser pensante que expressa em suas ações o contexto

sócio-cultural interator na construção de seu todo, com mais

propriedade poderá reformular e ampliar os parâmetros que norteiam sua

prática avaliativa. O papel das interações entre alunos na sala de aula

e seu potencial inovador se impõem nessas considerações por motivos que

tentaremos explicitar no próximo tópico.

4. 4 ConaideraçlSes sobre as relações entre o desenvolvmento

intelectual, o reud:iaento escolar e o papel das interações entre alunos

e. \.a pedagogia CODStrutivista.

O propósito em relacionar o desenvolvimento intelectual ao rendimento

escolar esbarra no modo como se concebe o conhecimento. Avaliar o

rendimento com base em uma teoria que vê no individuo o artífice de seu

próprio saber pressupõe substituir o foco na correção das respostas

para dirigi-lo ao processo pelo qual foram produzidas e para os

argumentos que a sustentam. Uma das contribuições mais revolucionárias

200

da teoria psicogenética foi a de redefinir o estatuto do erro

( "entendido como raciocínios incorretos da criança diéUlte de situações

problemáticas" Casávola e aI., 1988, p.33) na aquisição de

conhecimentos. Do ponto de vista das estruturas definidoras de uma

etapa de desenvolvimento, o erro é o indício do que a criança pode ou

não fazer; do ponto de vista dos mecanismos formadores que explicam a

passagem de uma estrutura para outra, o erro pode denotar a abertura do

pensamento para novos possíveis.

Piaget (1987) distingue dois mecanismos cognitivos de diferentes

significações: um que "visa ~ o conjunto de realidades

fisicas e lógico-matemáticas", outro que "serve para ter êxito em todos

os dominios, desde as ações lDdis elementares até a solução de probleJIJas

abstratos. "(p. 58). O real constitui-se pelo conjunto dos mecanismos de

compreensão; a abertura para novos possíveis depende dos mecanismos que

se orientam para o êxito.

Perante um problema a resolver, a criança organiza sua ação passo a

passo com vista ao objetivo que pretende alcançar. Tais ações

aequenciadas sofrem modificações à medida que se mostram ineficazes,

substituídas então por outras mais adequadas ao propósito final. Ora,

muitas vezes os fracassos, ao contradizerem o sistema de interpretação

que guia a ação (as chamadas "teorias em ação") irão propiciar a tomada

de consciência de uma regularidade mais geral a englobar a

interpretação anterior. Piaget (1987) observa que

... ueTECA .... Ac.lO GETOLlO 9AIllIIA.

201

"do ponto de vista da iJ1Vençlro, um erro corrigido pode ser mais fecllndo que um êxito imediato, porque a comparação da hipótese falsa e suas consequências proporciona novos conhecimentos e a comP8raçâó entre erros dá lugar a novas idéias". (p, 61)

Do ponto de vista pedagógico é necessário portanto distinguir com

Davis e Espósito (1990) três diferentes tipos de erro que podem ser

cometidos pela criança em suas tarefas escolares, de acordo com as

seguintes situações:

quando a criança já dispõe dos esquemas necessários para apreensão

do conhecimento mas erra por ignorar as formas consideradas

corretas. Muitos dos erros ortográficos cometidos vão por esta

linha, quando a criança precisa de informação sobre qual letra

utilizar para escrever determinada palavra (s ou z, ç ou ss etc.);

quando a criança não dispõe dos esquemas necessários e a tarefa

proposta torna-se muito distante, indo além de suas possibilidades

estruturais - trata-se aqui do erro sistemático;

quando a criança, a partir de um plano de ação organizado por

teorias em aç!'o comete erros construtivos, erros que na verdade

constituem um dos possíveis em pauta do processo criativo que

procura o êxito.

No primeiro caso cabe à escola instrumentalizar seu aluno no sentido

da busca e aprimoramento da informação; no caso dos erros sistemáticos,

evidenciam-se as possibilidades atuais do aluno e cabe à escola rever

sua proposta levantando desafios reconhecidos como tais pela criança;

202

finalmente no caso dos erros construtivos, cabe à escola distin~lí-los

e considerá-los como possibilidades de avanço intelectual.

Resta o problema de tornar exequível em sala de aula a atividade

docente que se quer construtivista, a oferecer contrapropostas,

problemas, a expor contradiçoes, a desequilibrar o aluno a fim de

estimular a elaboração de hipóteses mais abrangentes e o alcance de

estados de equilíbrio mais avançados.

Retornamos neste ponto a nossa primeira diretriz que aponta a

interação entre alunos como elemento propulsor do desenvolvimento

intelectual. De fato, somente uma organização em sala de aula que

estimula o diálogo, a troca de idéias, o debate, a contraproposta, a

variedade de soluções (não apenas entre professor e alunos mas

principalmente entre os próprios alunos pelo potencial de diversidade

que este tipo de interação encerra, poderá concretizar uma pedagogia

para o desenvolvimento. Em outras palavras, assim como a descoberta

dos níveis estruturais impõe à intervenção pedagógica limites de acordo

com as possibilidades de compreensão do aluno, a aplicação dos

pressupostos construtivos não pode prescindir da comunicação entre os

sujeitos que aprendem acerca do objeto a conhecer.

203

4.5 - Considerações finais e sugestões

Ao final do primeiro capítulo, incluímos esse trabalho no grupo de

pesquisas participativas que, através da prática e pela teoria, busca

novos rumos para a educação. A eleição da linha metodológica da

pesquisa-ação idealizado por Thiollent (1988) traduz um desejo de ouvir

e de se fazer ouvir, de agir e deixar agir e, sobretudo, de aprofundar

e conhecer. Destacados por este autor, apresentaremos a seguir os

principais aspectos da metodologia acompanhados de comentários sobre a

intervenção na turma 102:

a. "há r.aa a.pla e ezplícita interação eIJtre pesquisadores e peBBOlJB

J..plicadas Da situação investigada; "(p. 16)

Esta interação ampla e explícita entre pesquisadora e a turma

consolidou-se pela duração da intervenção - longa o suficiente para

criar laços de comprometimento parte a parte - e pela qualidade das

relações - por vezes concordantes, por vezes conflituosas como quer

a realidade, mas afinal convergentes de modo a permitir o

prosseguimento da ação.

b. "desta interação resulta a orrIe. de prlorld1J.de dos probletMB IJ

se:re. pesqulBlJdos e das soluções IJ Bersl enca-inlutdas sob fOr7IIJ de

açab concreta;" (p. 16)

204

No papel de pesquisadora tivemos a intenção de garantir a interação

entre os alunos em sala de aula. A questão fundamental que tmiu a

professora (ensinar) e os alunos (aprender) encerrava dúvidas e

perplexidades que, no entender da pesquisadora, poderiam ser

redimencionadas pela intensificação das interações entre os alunos.

(Lembramos a alteração verificada na qualidade das interações entre

a professora e seus alunos, enriquecidas por tal intensificação).

A conjtmção desse objetivo mais abrangente com o atendimento às

prioridades configuradas no desenrolar da ação atendeu de modo

pleno, a nosso ver, esse aspecto metodológico.

c. "O objeto de investigação não é OOlIBtitzúdo pelas peBBOilB e sn.

pela situação BOCial e pelos proble6IBB de diferentes naturezas

encontrados Desta situação;" (p.IS)

o objeto

de aula

de nossa investigação foi a interação entre alunos na sala

e os benefícios resultantes desta interação,

pressupostamente interligados com um melhor aproveitamento escolar.

O saldo positivo tanto no que diz respeito ao avanço intelectual

dos alunos quanto à aprovação para a segunda série é um indício de

que uma organização em sala de aula que privilegia a interação

entre alunos, inserida em uma concepção construtivista e

interacionista do conhecimento, pode-se constituir como um caminho

importante para o enfrentamento do fracasso escolar.

205

d. "o objetivo da pesquisa-ação consiste e. resolver OU7 pelo .enos7

eIIl esclarecer OB proble.aa da situação observada" (p.16)

A organização dos alunos em pequenos grupos expõe duas questões de

fundamental importância que, curiosamente, dizem respeito mais à

interação entre o professor e seus alunos do que propriamente entre

estes. São questões que se não devidamente enfrentadas, podem por

em risco a ênfase na interação. Trata-se da distribuição do poder

entre professores e alunos e do atendimento, individual ou

coletivo, prestado pelo professor. Os problemas observados em sala

de aula demonstraram que, em ambos os casos, a busca de equilíbrio

das forças em jogo é a maneira mais sábia para a condução do

processo educativo. Muito poder para os alunos em sala de aula

pode resultar em perda de controle da turma pelo professor e em

consequência ou um retorno a práticas disciplinares que impeçam a

livre comunicação entre os alunos ou a resultados débeis em termos

de aproveitamento escolar.

pequenos grupos não deve

professor a cada aluno mas

Por outro lado. a

excluir uma atenção

sempre com o cuidado

organização em

individual do

para que esta

interação não se sobreponha à ênfase na troca entre iguais.

e. "há durante o prtJCeSS07 ... a~to daB deciBlJes7 das aç{Jes e

de toda a atividade intencional. dos atores da situaçHo: "(p7 16)

As expectativas prenunciadas na época que precedeu à intervenção na

206

turma 102, norteou o desenvolvimento da ação e conferiu, assim

julgamos, legitimidade aos esforços envidados para sua satisfação.

A preocupação em alargar o horizonte conceitual dos alunos deu

origem a um planejamento semanal que contivesse uma multiplicidade

de experiências, garantindo o avanço na leitura e na escrita mas

explorando também o pensamento numérico e a imaginação. Uma das

conseqüências mais significativas do acompanhamento realizado

durante a pesquisa foi o modo pelo qual a avaliação do rendimento

escolar se processou: a teoria construtivista e interacionista do

conhecimento permitiu a admissão do avanço conceitual como um

crlt..ério válido de rendimento lado a lado à concepção tradicional

que valoriza a correção nas respostas. Se a reprovação se pautou

mais pelas dificuldades apresentadas com a leitura e a escrita, é

verdade também que o desenvolvimento do pensamento numérico

(através dos jogos e de situações diárias) e a participação nas

tarefas especialmente concebidas para ativar a interação cresceram

em significância para a professora, alunos e pais.

f. "a pesquisa não se lWta a z.-a fonlll. de ação (risco de ativis.o):

pretende-se lJraeD.tar o CODbecJ..ento dos pesqulBIJdores e o

conhect.ento ou o "nível de CODIlCi&1cilJ •• das peBBOll.B e /P'UPOB

considerados". (p. 16)

A observação de pares de alunos executando tarefas escolares sob

determinadas condições, permitiu-nos a concepção de um modelo

201

conceitual em que os polos interativos de conflito e cooperação

explicitam-se em suas nuances, redefinidas do ponto de vista

educacional. A interdependência surge assim como a modalidade

interativa por excelência a possibilitar o conflito e a união de

idéias. Ao distinguir as modalidades de conflito e de cooperação,

em termos de imposição, independência, delegação e

interdependência, o modelo supre a necessidade de se particularizar

e nomear cada relação. Esta distinção permite o abandono de formas

ambíguas, encontradas em alguns estudos como, por exemplo,

"cooperação propriâJJ1ente dita" usada para dar relevo aos aspectos

exclusivos da interdependência, ou mesmo que confundam interação

com cooperação (forma que, se admitida, excluiria o conflito da

interação entendida como processo social mais amplo a abranger os

dois polos, cooperação e conflito). Engendrado no dect~so da ação

e consolidado após seu término, o referido modelo abre espaço para

novas investigações. Há de se compreender melhor os motivos pelos

quais uma ou outra modalidade se instaura de modo a instrumenta­

lizar o professor em sua ação diretiva. Há sobretudo de se

aprofundar sobre as implicações dos modos interativos com o

desenvolvimento cognitivo, em especial a hipótese, aqui lançada, de

que o modo interdependente seria condição necessária embora não

suficiente para o afloramento do conflito sociocognitivo.

A interação entre alunos na sala de aula traduzida pelo trabalho

escolar em pequenos grupos desponta como um recurso capaz de viabilizar

208

as inovações trazidas pela proposta construtivista do conhecimento. Se

é veículo, é também decorrência de tais princípios, incompatível com a

postura que só reconhece poder e saber no professor. Na sociedade

contemporânea a escola tem um papel ftrndamental pela oporttmidade que

dispõe em multiplicar e enriquecer os contatos entre os altmos. Nesse

sentido pensamos que as contribuições da teoria de Jean Piaget vêm se

somar às idéias dos educadores progressistas que reivindicam uma escola

democrática. A escola para todos deve ser também a escola que abriga

as relações democráticas em seu interior e forma o cidadão que luta

por esses valores.

209

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Dissertação apresentada aos Srs.:

Nome dos

• /~ t'~~v~ ~"-c-úh~~ ') ~ Angela Valadares Dutra de Souza Campos ~

(Orientadora) J. Componentes da

Banca Examinadora

Anna Maria Bianchini Baeta

J) ~ ni be e: tnL" úl:;nO ~ Denise Cipriano Jabou

Visto e permitida a impressão

Rio de Janeiro, ~/ ~/ 1992

Coordenador Geral do IESAE