ARmanda Duarte, Visao, 28 Janeiro, 1999

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8/3/2019 ARmanda Duarte, Visao, 28 Janeiro, 1999

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'SOPRO FRIO NAS ORELHAS'fornece uma pinça para que oespectador desatento possa pisar e destruir as obras expostas

efémeras, as obras de Armanda Duarteas expectativas do visitante

apresençaA •

aausencla

H ROSENGARTEN

título, Sopro Frio nas Orelhas, introa nota dominante desta mostra, pateno Museu de História Natural, em Lisum sussurro suave e fresco que

é soprado, a dar-nos um breve arrena espinha: ténue, fugaz e, no entana provocar em nós uma ressonância so

Duarte tem vindo, desde há alanos, a trabalhar com materiais tradi

e identificados como pertencena áreas do feminino: lã, fio, farinha ... Esmateriais remetem, por sua vez, para tra

frequentemente relegadas pauma autoria anónima: coser, bordar, fabolos. Ela borda estes materiaisde uma perspectiva feminista agressie teórica - posição, digamos, cona classificação, o nomear, a feitura de ob

monolfticos que a teoria feminisidentifica geralmente com o patriarca-

do -, mas com uma sensibilidade apurada e, percebe-se, intuitiva. Os seus objectos, frequentemente instalados in situ, limitam-se a existir apenas lá onde estão: pairam algures entre a presença e a ausência.

o JOGO DAS PEÇAS

A farinha, a que foi dada a forma de corações numa prateleira de madeira, forma provocadoramente O Jogo da Bran.ca de Neve; dedais empilhados e enfiados até 190 centímetros de altura constituem a Pequena T01Te sem Fim, enquanto Grande Coração de Canela é, na realidade, a toalha rendilhada feita no chão, o tecido em xadrez composto por grãos de arroz.A artista fornece uma pinça pa

ra que o espectador desatento possa- na esperança de encontrar 'obras' de arte com um aspecto mais familiar - pisar e destruir as obras da exposição. (Durante a inauguração, aconteceram muitos acidentes deste tipo.) Tenho-te na Pe-

le é uma série de lenços coloridos transparentes cortados no centro, ficando apenas a bainha como contorno frágil desses quadrados no chão.Encantatória é também a obra Inicia

ção B, um conjunto de pingos de tin-

ta de óleo secos retirados de mesas e cava

letes de pintura durante as aulas que Armanda Duarte dá no Arco. Cuidadosamente colocados sobre lamelas de vidro, como as utilizadas nos laboratórios de sangue, destacam-se contra a parede branca. Estes espécimes minúsculos - despojos da actividade pictórica - lançam reflexos delicados do vidro para a parede, tornando-se eles próprios numa pintura de sombra e luz.De maneira desconcertante, este conjun

to de obras de presença tão frágil e ténue activa o espaço enorme da Sala do Vea

do, no Museu de História Natural, em Lisboa - patente até 31 de Janeiro -,

de uma forma que poucas (e mais agressivas) mostras o fizeram até agora: o visitante é convidado a reparar nas mais pequenas fendas existentes no chão e nas paredes no seu cuidado para não pisar os trabalhos.A obra de Armanda Duarte encer

ra um paradoxo raro: totalmente efémera - com a beleza de uma asa da borboleta que ameaça passar a todo o momento para a inexistência -, provoca no visitante uma postura de atenção pouco. habitual, perturbando as expectativas de durabilidade e «coisidade» com que habitualmente investimos as obras de arte. _

VIS1\O 28 de Janeiro de 1999