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ARTIGO PDE 2010: UMA EDUCAÇÃO FILOSÓFICA COM CARACTERÍSTICAS EMANCIPATÓRIAS TENDO COMO FUNDAMENTO CONTRIBUIÇÕES DE HABERMAS.
AUTOR:Prof. Eli de Abreu Passos1
Orientador: Dr. Prof. Gelson João Tesser2
Resumo
Este artigo científico elaborado a partir do tema: Uma educação filosófica com características emancipatórias tendo como fundamento contribuições de Habermas. Tem como pressuposto a preocupação com formação crítica dos alunos a partir de uma metodologia voltada ao consenso e não de confrontos. Para isso, destaca-se alguns aspectos relevantes do pensamento de Habermas, sobre Ação Comunicativa que se sustenta em quatro pilares de validade: inteligibilidade, verdade, correção e veracidade. Neste sentido, Habermas lança sua teoria do Agir Comunicativo em contraposição ao Agir Instrumental no contexto do mundo-da-vida. Esta postura não abre mão da razão crítica mas com características emancipadoras que não se submete à servidão da razão instrumental. Também apresenta sua teoria da evolução social tendo como base contribuições de Piaget e Kolberg, enfatizando o caráter cognitivo, interacionista e ético de sua teoria. sociedade. Seu pensamento tem pontos convergentes e também divergentes do pensamento marxista e da Escola de Frankfurt. Sua crítica que se situa na esfera superestrutural faz diagnósticos das patologias sociais que se estabelecem pelas formas de dominação na sociedade contemporânea. As contribuições de Habermas encontra em sala de aula ambientes propícios visto que é ali que o diálogo se estabelece de maneira democrática mediado pelo professor. Contudo deve-se reconhecer as dificuldades de infraestrutura e até culturais, visto que as propostas educacionais são muito mais direcionadas à razão instrumental, mas é aí que está o maior desafio docente, buscando a intersubjetividade. Palavras-chave: Educação; Filosofia; Ação comunicativa; Consenso; Habermas.
1Mestre em Filosofia pela UI de Lisboa, graduado em Teologia, licenciado em Filosofia e Letras pela FAFI de Palmas PR com especialização em literatura Brasileira pela Faculdade Bagozzi, Curitiba. 2 Doutor em Educação na área de História, Filosofia e Educação pela UNICAMP,SP, mestre em educação, pela PUC, do Rio Grande do Sul, licenciado em filosofia pela PUC,PR, e especialista em Antropologia Filosófica pela UFPR. Professor de Filosofia da Educação pela UFPR.
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1.Introdução
O tema, uma educação filosófica com características
emancipatórias tendo como fundamento, contribuições de Habermas, contém
desafios no mínimo intrigantes. Em primeiro lugar a preocupação em propor
uma educação filosófica com características emancipatórias é na verdade
reafirmar um dos propósitos desta disciplina. Também buscar no pensador
Jürgen Habermas os fundamentos para esta maneira de ensinar é, na verdade,
preocupar-se com a formação crítica do aluno sem perder de vista os aspectos
humanizantes.
Habermas(2003) indica fundamentos teóricos importantes e devem ser
analisados como ponto de partida para buscar novos caminhos no ensino de
filosofia. Nasceu em 1929 e cresceu na Gummersbach renana, de família
burguesa protestante. Desde muito jovem teve a sua disposição uma livraria
marxista que o impulsionou a entender, criticar e posicionar-se sobre Karl Marx
e o marxismo. Foi contemporâneo de Horkheimer, um dos presidentes do
Instituto de Pesquisa Social, também conhecida como Escola de Frankfurt e de
outros pensadores como, Adorno, Hans Georg Gadamer e Karl Lowith.
Portanto, relacionou-se indiretamente com aquela instituição embora não
concordasse com alguns posicionamentos de seus membros.
Esta pesquisa propõe uma linha crítica desvinculada do pensamento
marxista mas ao mesmo tempo com uma certa ligação ao pensador, Karl Marx,
visto que Habermas também foi membro da chamada Escola de Frankfurt.
A crítica social habermasiana, buscou diálogo com outras correntes
tidas como conservadoras, mas sabia o que estava buscando, a sua proposta
da Ação comunicativa, resgata a capacidade humana de resolver conflitos de
maneira dialógica e consensual. Para este pensador, é possível o
enfrentamento de situações conflitantes e injustas prescindindo da crítica ácida
e negativa e apostando no consenso coletivo. Neste sentido a valorização do diálogo é colocado como ponto de partida e de chegada para a formação da
crítica social emancipatória.
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Antes de entrarmos no tema relacionado ao pensamento de Habermas é
importante discutir o termo emancipação, pois este aspecto constitui-se um
eixo importante no entendimento do assunto.
Segundo o Dicionário de Filosofia, “emancipação é um processo de
libertação da humanidade em relação a qualquer tipo de vínculo religioso,
político, econômico etc, que impeça sua plena realização”(ABBAGNANO, 2007.
p.362).
Para Karl Marx o termo emancipação tem duas vias. “A Emancipação
Política que se limita a igualar formalmente os indivíduos diante da lei e a
Emancipação Humana, que diz respeito a superação das desigualdades não só
no âmbito político mas também no âmbito econômico e social”. (ABBAGNANO,
2007, p.362).
Emanuel Kant afirma: “O iluminismo é saída dos homens do seu estado
de minoridade devido a eles mesmos”( ABBAGNANO, 2007, p.618). Esta
postura coloca a razão como geradora da emancipação humana.
A Escola de Frankfurt, afirma que “ o ideal “iluminista” de Emancipação é
parte integrante de uma dialética da razão destinada a gerar, em virtude dos
seus próprios pressupostos, os horrores da desrazão”( ABBAGNANO, 2007,
p.362).
Os conceitos de emancipação gerados em vários momentos da história
colocam aspectos sociais, políticos e epistemológicos como forças geradoras
da emancipação humana, contudo, Habermas lança uma nova perspectiva que
deve ser observada pelos docentes de filosofia e por todos que fazem parte
das instituições educacionais, é possível propor uma nova maneira de ensinar
filosofia crítica emancipatória enfatizando aspectos mais humanizantes. Neste
sentido a educação, especificamente o ensino de filosofia, pode transformar-se
numa força emancipatória importante, dando ao indivíduo condições de
participar da vida social atual sem se submeter à várias tipos de escravidão
provocados pelos encantos alienantes proporcionados pela racionalidade
instrumental.
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2. A CONTRAPOSIÇÃO DICOTÔMICA ENTRE OS TERMOS, AGIR COMUNICATIVO E AGIR INSTRUMENTAL, MUNDO DA VIDA E MUNDO DOS SISTEMAS.
Para Habermas o agir instrumental e agir comunicativo se realizam no
mundo dos sistemas e no mundo da vida, estes dois mundos se desenvolvem
concomitantemente da seguinte maneira. As sociedades são originalmente um
todo formado pela intersubjetividade do reconhecimento de tradições, valores,
normas de ação comuns, o que lhes confere uma característica essencialmente
integradora, nesta sociedade anteriormente coesa, em que se estabelece a
cultura, é que se situa o chamado Mundo-da-vida.
Acontece que, ao longo a evolução, devido ao aumento da complexidade
das sociedades, gerado a partir das necessidades de reprodução material,
esta coesão social sofreu abalos, foi desmembrada, cada qual responsável por
funções específicas. Isso se deu, tanto com referência às funções de
reprodução material, quanto em relação às funções de reprodução simbólica,
criando-se de um lado, um campo formado pela economia, administração,
sistema jurídico e complexo militar, além da ciência, denominada
genericamente de sistema, do qual cada um dos mencionados é um
subsistema; e, de outro, uma esfera formada pela cultura, sociedade e
personalidade reunidas sob a denominação de mundo-da-vida (ARAGÃO,2006,
p. 118).
As características do agir instrumental são as ações com objetivos
voltados a atender o mundo dos sistemas, este mundo tem alguns pilares de
sustentação que são: dinheiro (mercado-sistema econômico) e poder (sistema
político, administração burocrática, estado moderno). Segundo Habermas, “sob
o signo de uma razão instrumental autonomizada a racionalidade da
dominação da natureza mescla-se à irracionalidade do domínio de classes, e
as forças produtivas desencadeadas estabilizam as relações de produção
alienadoras”( HABERMAS,2012, p. 267).
As características do agir comunicativo situa-se no mundo-da-vida, é o
sistema de comunicação que permeia o relacionamento humano e serve como
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instrumento de entendimento e coesão social, pois tem como ponto de partida
a busca do entendimento. A ideia central é: a racionalidade econômica e burocrática do sistema penetra crescentemente nas esferas do mundo da vida, coloniza-as e leva, desta forma, a perdas de liberdade e de sentido. O agir comunicativo deve contrarrestar isso abrindo oportunidade de entendimento num sentido abrangente, não restrito. Esse direcionamento de sua teoria baseia-se num fundamento da teoria da ação que diferencia entre agir teleológico, normativo e dramatúrgico e, de forma abrangente, acolhe o agir comunicativo orientado ao entendimento com suas pretensões de inteligibilidade, verdade e correção normativa. (SCHAFFER,2009, p. 44).
Percebe-se neste posicionamento, que Habermas não se limita ao
diagnóstico das patologias sociais, mas aponta uma saída para que sejam
superadas as patologias causadas pela racionalidade econômica e burocrática
no mundo da vida, esta saída, é o agir comunicativo. Quando refere-se a
racionalidade econômica e burocrática está se referindo a “ampliação das
esferas sociais que ficam submetidas aos critérios da decisão racional”,
(HABERMAS, 1968, p. 45)
Segundo o autor, o mundo dos sistemas traz prejuízos éticos “perda da
moralidade”, e enfraquece as forças de coesão social do mundo da vida o que
pode levar uma sociedade ao caos, pois passa-se a dar demasiada importância
ao poder e ao valores econômicos. O agir comunicativo é uma proposição
histórica que soa como um antidoto a esta situação, pois a comunicação, a
fala, tem força capaz de analisar criticamente e resistir a esta distorção
sistêmica.
O autor diferencia o agir comunicativo de outras formas de ação no
contexto social emprega-se para isso procedimento filosófico, onde conceitos
são apresentados de forma gradativa. *Agir teleológico ( orientado numa finalidade) visa a realização de um objetivo. Como agir estratégico, ele forma a base das abordagens da teoria dos jogos e da teoria da decisão na economia, na sociologia, e na psicologia social. *Agir normativo, refere-se a grupos que orientam sua ação em valores comuns. A obediência à norma é esperada de todos os membros. Esse modelo serve de fundamento para a teoria atual dos papéis(Durkheim e Parson). *Agir dramatúrgico, reporta-se à autorrepresentação expressiva diante de um público(Goffman). *Agir comunicativo, finalmente refere-se ao entendimento discursivo entre sujeitos capazes de falar e de agir, cientificamente, é empregado no assim chamado interacionismo simbólico. ( SCHAFER,2009 p. 46).
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Há nestes três primeiros conceitos, também processo de comunicação,
embora este agir não se limita ao simples ato de entendimento teórico mas de
ação prática.
No caso do agir comunicativo há um entendimento direto. São sujeitos
que atuam linguisticamente em cada um destes “mundos”, na verdade, trata-se
de um mundo social subjetivo. As ações estão relacionadas a metas com
pretensões de validades diferentes. Conforme esclarece Aragão. É em função do modo como especificam a coordenação da ação entre ações direcionadas a metas dos diferentes participantes, cada um com suas pretensões de validade, que se pode distinguir entre os diferentes tipos de ação social. Segundo a tipologia de ação de Habermas, se o mundo de coordenação visa ao entrelaçamento de cálculos egocêntricos de utilidade, temos a ação teleológica; que pode tornar ação estratégica, quando neste cálculo entrar a antecipação de decisões por parte de, pelos menos, um ator. Se visa a um acordo socialmente integrante sobre valores e normas, instituído através da tradição cultural e da socialização, temos a ação regulada normativamente. Se visa a uma relação consensual entre atores e seu público, temos a ação dramaturgica. Por fim, se visa “alcançar entendimento”, no sentido de um processo de interpretação cooperativo, mas, ao mesmo tempo, não se limita apenas isso, pois deve permitir o estabelecimento de relações com o mundo, temos a ação comunicativa. ( ARAGÃO,2006, p. 53-54).
A ação comunicativa se sustenta em quatro pilares de validade:
inteligibilidade, verdade, correção, e veracidade. Alcançar entendimento é um
processo em que os participantes chegam a um determinado acordo sobre
determinada proposição. Não há qualquer tipo de coerção, mas sim
entendimento intersubjetivo entre os participantes, pois todos tem as mesmas
oportunidades de decisão. Vencerá a proposição que apresentar melhores
argumentos. É assim que se estabelece o caráter emancipatório, pois quando
se estabelece o agir comunicativo há um distanciamento dos mecanismos de
coerção e até das formas como se concebe o mundo. Há uma aposta no poder
da comunicação como forma de combater o dogmatismo e a dominação social.
Este estágio, pode-se dizer que é uma etapa evoluída da sociedade.
Para os frankfurtianos as relações de dominação inerentes ao
conhecimento científico, foram identificadas como razão instrumental, que se
estabelece na sociedade quando o sujeito se apropria do objeto a ser
conhecido unicamente com pretensões de dominação. Esta postura acaba
colocando o processo de emancipação prisioneira do mundo dos sistemas.
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Para Habermas não se pode colocar a razão prisioneira do sistema
estabelecido e portanto sem forças para reagir e propor mudanças. Na sua
visão além da razão instrumental que pode se configurar como força de
dominação há outros tipos de razão capaz de libertação e emancipação, a
razão comunicativa. Neste sentido este novo pensamento habermasiano muda
a relação entre os sujeitos da seguinte forma: Enquanto que na razão instrumental a relação de conhecimento e ação se faz nos moldes da filosofia da consciência, entre o sujeito que conhece e o objeto apreendido, mesmo que este objeto também seja um sujeito, isto é, numa relação monológica, solitária e autoritária, na razão comunicativa ela é intermediada pela linguagem o que significa que ela será realizada entre sujeitos, todos igualmente capacitados, atribuindo-lhe essencialmente um caráter de diálogo, no que lhe permite escapar da lógica da subjetivação reificante da filosofia da consciência.(ARAGÃO,2006, p. 60).
A razão comunicativa, indica que é possível distanciar-se da crítica
frankfurtiana e propor uma libertação e emancipação social como fundamento
para uma nova sociedade mais humana que deverá surgir. Elabora-se ai uma
inversão da fórmula frankfurtiana de razão-dominação para, razão libertação
realizada no mundo-da-vida.
A emancipação social habermasiana não tem caráter individual, mas
transita do individual para o coletivo social no contexto do mundo-da-vida, num
processo evolutivo que tem como ponto de partida sua capacidade interativa e
de aprendizagem que se realiza pela linguagem. Neste sentido, o autor recorre
a dois pensadores estruturalistas, Piaget e Kolberg.
3. A TEORIA DA EVOLUÇÃO SOCIAL: DESENVOLVIMENTO HUMANO TENDO COMO FUNDAMENTO CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET E KOLBERG.
A teoria de evolução social com características humanizantes, é mais um
aspecto em que Habermas se distância de críticos como Karl Marx e outros
que defendiam o materialismo histórico. Para Habermas a evolução começa
nas estruturas da consciência coletiva verificada nas leis e nas fases da
moralidade, e na interação social a partir daí, esta evolução irá se refletir nas
estruturas sociais.
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Habermas crê que o motivo mais forte que levou os homens a buscarem a convivência social e a evoluir enquanto espécie não foi o trabalho, e sim a interação, e isto fica bastante claro, quando ele estabelece a aquisição da linguagem como o marco decisivo para o início da história humana. Habermas acredita, em segundo lugar, que a evolução material das sociedades é uma consequência de sua evolução cultural.(idem, p.74).
Esta metodologia habermasiana encontra na racionalidade cartesiana
ocidental fortes resistências, mas mesmo assim pretende mostrar a importância
e a validade de seu posicionamento, para isso apresenta uma argumentação
importante em 6 itens, que de certa forma esclarece seu posicionamento,
conforme esclarece a autora Lucia Maria de Carvalho Aragão.
1. Os indivíduos são dotados de uma capacidade de aprendizagem que, através da prática comunicativa, pode ser ampliada às sociedades como um todo, e que, partilha coletivamente, forma um potencial cognitivo disponível para enfrentar os desafios evolutivos ao nível das sociedades; 2. tal capacidade de aprendizagem coletiva, em analogia com os processos de aprendizagem individuais, obedece a fases de evolução determinadas; 3. essas fases de evolução são determinadas primariamente pela lógica do desenvolvimento próprio às estruturas internas do mundo-da-vida, e só secundariamente pela dinâmica de desenvolvimento; 4. a lógica do desenvolvimento própria às estruturas do mundo-da-vida é, por sua vez, determinada pela lógica da racionalização comunicativa, ou seja, pela sequência de estágios de desenvolvimento da moralidade e da lei; 5. na modernidade, a sequência de estágios da moralidade e da lei teria atingido o seu ponto culminante, com uma “expansão de valores” ao nível da cultura; 6. todas as tendências contrárias à institucionalização de tal nível moral e legal, alcançado ao nível cultural, devem ser atribuídas à intromissão de fatores de desenvolvimento próprios à razão instrumental nas estruturas do mundo-da-vida, ocasionada pela dominação de uma classe economicamente constituída- cuja referência não são mais os valores, mas dinheiro e poder- gerando ali distúrbios de desenvolvimento ou, conforme a terminologia de Habermas, “ patologias sociais”, que podem ser analisadas pelo conceito de “forma de entendimento”.(idem,p.75-76)
Há nesta visão do processo evolutivo social habermasiano um ponto
importante que deve ser enfatizado. A evolução social como um todo é
precedido de um outro tipo de evolução a nível de aprendizagem, pois traz em
si as marcas do desenvolvimento cultural que se projetam no nível normativo,
ou seja, a evolução cognitiva funcionando como ponto de partida para a
evolução social.
Habermas analisa o desenvolvimento do indivíduo (ontogênese),
focalizando três aspectos: o desenvolvimento da capacidade de conhecimento,
da capacidade interativa e da capacidade linguística.
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Seu posicionamento sobre o desenvolvimento da capacidade de
conhecimento tem bases no posicionamento piagetiano que aponta para
desenvolvimento individual em quatro fases:
1º O simbiótico em que a criança, durante o seu primeiro ano de vida, não é capaz de perceber uma separação entre si própria, seu próprio corpo, suas pessoas de referência e o ambiente externo.
2º O egocêntrico, a fase sensorial-motora, em que a criança não é capaz de delimitar-se objetivamente em relação ao meio ambiente e em que só consegue perceber as situações, a partir de seu próprio ponto de vista.
3.º O sociocêntrico-objetivista, ou a fase das operações concretas, em que a criança diferencia entre coisas e eventos manipuláveis, de um lado, e diferentes sujeitos de ação e suas expressões, de outro. Aqui ela já não confunde mais os sinais linguísticos com o referente e com o significado, e tem consciência do caráter perspectivista de seu próprio ponto de vista. Sua objetividade agora já está totalmente delimitada em relação à natureza externa e à sociedade;
4.º O universalista, que começa na adolescência, e estabelece o início de pensamento reflexivo, onde o jovem é capaz de pensar por hipóteses, deixando de lado tanto o objetivismo de uma natureza dada quanto o sociocentrismo de um sistema de normas naturais-espontâneas. O jovem passa a questionar e relativizar pretensões de validade, antes aceitas ingenuamente, das afirmações e normas.(ARAGÃO, 2006, p.81).
A evolução, ou desenvolvimento da capacidade cognitiva dos seres
humanos não pode ser entendida como o único componente importante, nem
tampouco componente isolado mas estabelece conexões com outros
elementos, como a capacidade interativa do indivíduo. Neste sentido,
Habermas recorre a Lawrence Kolberg, a: TEORIA DO DES ENVOLVIMENTO
MORAL, em três níveis, A,B e C. e seus subníveis.
Nível A – Nível pré-convencional ( a maioria das crianças com menos de 9
anos.).
Nível Definição Frase que exemplifica
Subnível 1 – O nível heterônomo
Agir bem é obedecer cegamente às prescrições e às autoridades, para evitar punições e sofrimentos corporais
“Faça isso direito”! (uma das máximas atribuídas aos nazistas)
Subnível 2 – O nível do individualismo, do pensamento fim-meios e da
Agir bem é servir às necessidades próprias e alheias e comportar-se no
“uma mão lava outra!”(sabedoria popular)
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troca sentido da troca recóproca concreta
Nível B – Nível convencional ( a maioria dos jovens e adultos)
Subnivel 3 – O nível das expectativas, relações e conformidade mútua interpessoal.
Agir bem significa fazer um papel bonito, preocupar-se com os outros, comportar-se de maneira leal e confiável com companheiros e estar disposto a cumprir regras e corresponder as expectativas.
“ o que não queres que se faça a ti, também não o faças a nenhum outro!”( A regra de ouro, ver Evangelho de Lucas 6.31)
Subnível 4 – O nível do sistema social e da ausência de consciência.
Agir bem significa comprir bem seus deveres na sociedade, manter a ordem social e preocupar-se com o bem-estar da sociedade.
“Tranquilidade é o primeiro dever do cidadão” - ou seja, segurança antes de tudo – ( de uma pixação em muros de Berlim)
Nivel C – Nivel pós- convencional (alguns adultos com mais de 20 anos)
Subnível 5 – O nível do contrato social ou da utilidade para todos e dos direitos do indivíduo.
Agir bem significa defender os direitos fundamentais assim como os valores básicos e os contratos na sociedade, mesmo quando entram em choque com regras e leis concretas de um subsistema social.
“Ser proprietário é ter obrigações, o uso da propriedade deve servir ao mesmo tempo ao bem comum” ( algo semelhante consta da maioria das constituições)
Subnível 6 – O nível dos princípios eticos universais (solidariedade social)
Agir bem significa considerar como básicos os princípios éticos que toda a humanidade deve seguir.
“Age de modo tal que tua máxima possa valer sempre como princípio de uma legislação universal”! ( O imperativo categórico de Kant).
ASSMANN e MO SUNG(2000,p.37-38)
Para ele Kolberg “pouca gente alcança a maturidade ética exigida por
uma consciência solidária universal” ou seja, capacidade interativa, constante
no subnível 6,(ASSMANN e MO SUNG, 2000,p. 37), sua teoria longe de ser
pessimista levanta a hipótese de que se deve superar os entraves das
limitações éticas. É importante entender como se dá a passagem de um
estágio ao outro e qual a repercussão desta passagem na vivência de
problemas do cotidiano.
Kolberg compreende a passagem de um para outro estádio como um aprendizado. O desenvolvimento moral significa que a pessoa em crescimento transforma e diferencia de tal maneira as estruturas cognitivas já disponíveis em cada caso que ela consegue resolver melhor do que anteriormente a mesma espécie de problemas, a saber, a solução consensual de conflitos de ação moralmente relevantes, ao fazer isso, a pessoa em crescimento compreende o seu próprio desenvolvimento moral como um processo de aprendizagem. Pois, em cada estádio superior, ela deve poder explicar até que ponto estavam errados os juízos morais que considerava corretos no estádio precedente.( HABERMAS, 1983,p. 154-155).
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Este também é um posicionamento piagetiano que explica o
desenvolvimento moral atrelado ao desenvolvimento cognitivo. Este
desenvolvimento superando os três patamares, pré-convencional, convencional
e pós-convencional, não pode ser entendido a partir de influências adquiridas
do contexto social que faz parte, ou, de um programa de aprendizado
sistematizado mas a partir de uma reorganização cognitiva própria.
Habermas utiliza-se destas teorias evolutivas (ontogenéticas) de Piaget e
a evolução da capacidade interativa de Kolberg apenas como ponto de partida,
para determinar sua teoria da ação comunicativa. A partir daí desenvolve sua
teoria da evolução, (filogenética), baseado na ideia de que estes modelos de
evolução do indivíduo podem se repetir na evolução social moral da sociedade.
É na aquisição da linguagem que se estabelece o nascimento das sociedades
e é na mediação linguística que cada individuo irá construir sua identidade
cultural e iniciar seu processo de hominização e a experimentar uma evolução
ética e moral. Há então uma interligação entre o aprendizado individual e social
conforme explica a autora Lucia Maria de Carvalho Aragão:
De um lado, os indivíduos só podem desenvolver sua competência interativa e linguística cominando as estruturas de racionalidade que já encontram presentes em suas famílias de origem – assimilando as ideias morais as estruturas sociais de direito; e, de outro, as sociedades só podem ser modificadas através do aprendizado construtivo dos indivíduos socializados. De uma perspectiva, pode-se falar de um “primado das estruturas sociais de consciência sobre as individuais”, mas, de outro, tem-se que reconhecer que “as sociedades só “aprendem em sentido figurado”, ou seja, que, na verdade, são os indivíduos que aprendem e transformam sua base de conhecimento num estoque de capacidades e informações que, uma vez intersubjetivamente partilhados, pode levar a sociedade como um todo a aprender, passando a ser institucionalizado como “regra para possíveis soluções de problemas”.(ARAGÃO,2006, p.84)
Na verdade é uma tese da homologia entre as estruturas individuais, do
eu, e as estruturas dos sistemas sociais. Habermas procura explicar sua tese
estabelecendo determinados paralelismo entre as fases de desenvolvimento
piagentiano e de Kohlberg e as fases da evolução socio-culturais da
humanidade.
Segundo Habermas, já nas sociedades paleolíticas, podiam-se encontrar representações magico-animistas, mas tão particularistas e pouco coerentes que não davam margem a formação de uma
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“visão de mundo”. Só com as representações míticas da ordem do mundo é “que se torna possível construir um nexo de analogias, no qual todos os fenômenos naturais e sociais são articulados e podem ser transformados uns nos outros.(...)Da mesma forma que, na concepção egocêntrica da criança, todos os fenômenos são relativizados em função de si próprio, na imagem sociomórfica das sociedades paleolíticas essa relatativização se dá em função do centro formado pelo grupo tribal.(...) Nas civilizações desenvolvidas, dá-se o rompimento com o mito e nascem as imagens cosmológicas do mundo, as filosofias e as religiões, que substituem as narrativas míticas por fundamentações argumentativas.(ARAGÃO,2006,p 84-85)
Habermas menciona a visão evolutiva da sociedade retrocedendo as
origens num primeiro momento de representações mágico-animistas e de
apego às crenças e mitos . Posteriormente nas civilizações desenvolvidas as
sociedades passam a se organizarem tendo como fundamento os sistemas
criados pela linguagem
4. A TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA COMO PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO
O interesse emancipatório habermasiano procura resistir todas as formas
de coerção existentes na sociedade, sua postura crítica resgata o principal
projeto frankfurtiano na década de 30 chamada “Teoria Social Crítica”,
conforme esclarece a autora Lúcia Maria de Carvalho Aragão.
Na Teoria do Agir Comunicativo(1981), Habermas, procura (a) reabilitar as intenções originais da Teoria Crítica da década de 30, e (b) substituir o modelo crítico da dominação através da relação de apropriação material do excedente da produção que origina as classes sociais, pelo modelo da crítica da cultura moderna ou da modernidade, uma vez que os conflitos fundamentais da sociedade contemporânea não se dão mais ao nível de estrutura econômica, mas foram deslocadas para a esfera superestrutural. (c). Através dessas duas atitudes, de reabilitação e alteração simultâneas do modelo crítico, Habermas procurou estabelecer um diagnóstico das patologias sociais contemporâneas que fornecesse à ciência social um referencial de análise crítica das formas de dominação objetivamente supérfluas. Em resumo, o interesse emancipatório seria a consciência crítica e auto-reflexão do interesse prático, que, no intuito de promover a interação entre os homens, acabou implicando o cerceamento da liberdade individual e na reificação das relações sociais. Assim como o interesse prático, ele também visa à interação, mas uma interação que seja ditada não pela normatividade, mas pela racionalidade. Sua especificidade é a adoção da racionalidade como critério único, não de uma razão qualquer, mas de uma razão crítica, que é essencialmente libertadora
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e emancipatória. Essa razão crítica, a razão prática é “precisamente essa razão guiada por um interesse que , sozinho, é capaz de ter um poder prático, por intermédio da inteligência política dos cidadãos esclarecidos” (1975) , p.89). E a ciência que lhe corresponde, geralmente não pode ser dissociada de suas intenções práticas, de um interesse na libertação, porque, na medida em que critica as formas de poder hipostasiadas, trabalha no sentido da emancipação.(ARAGÃO, 2006, p. 57-58)
O interesse prático habermasiano tem um viés emancipatório
impulsionado pela auto-reflexão que tem como objetivo uma nova sociedade.
Esta nova sociedade pode surgir pela interação social pautada não pela
obediência às leis institucionalizadas, ou pelo poderio político, econômico ou
bélico mas intermediada pela linguagem que são práticas comunicativas diárias
e realizada no entendimento, na força do melhor argumento e consenso entre
sujeitos.(ARAGÃO, 2006, p.62) Prioriza-se a solidariedade mesmo que ela seja
desprezada por sistemas pautados pela razão instrumental e que se localizam
no mundo-da-vida.” No diálogo, de um mundo da vida partilhado, ancorado nas
perspectivas reciprocamente referentes e ao mesmo tempo permutáveis”.
(HABERMAS, 2004,p. 86). Delineia-se o processo de argumentação e
aprendizagem emancipatória.
E importante entender que a capacidade de aprendizagem por parte dos
indivíduos e suas práticas comunicativas, podem ser partilhadas coletivamente
e estender-se a toda a sociedade, formando um potencial emancipatório que se
contrapõe a todas as formas de dominação. No entendimento de Habermas
as sociedades podem evoluir se cada indivíduo aprender com seus erros, para
isso, deve-se buscar o entendimento e rejeitar qualquer forma de dominação.
Assim toda a teoria de evolução social está fundamentada neste duplo
caminho, ou seja, aprendizagem individual e aprendizagem social coletiva
visando a emancipação e também projetando um mundo mais humano e mais
ético.
5. A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO EM SALA DE AULA E NO GRUPO DE TRABALHO EM REDE - GTR
É importante lembrar que a sala de aula é um espaço propício para o agir
comunicativo porque toda organização escolar está voltada para os aspectos
cognitivos e interacionais, pois o ambiente educativo e de interação entre
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professores e alunos sugerem também uma comunicação com base no
entendimento e nos valores morais e éticos, tendo em vista a formação do
sujeito crítico e emancipado.
A formação do sujeito, enquanto tarefa básica da educação escolar vinculada à tradição, encontra formas de superação de um fundamento que entra em queda pela possibilidade de extrair uma racionalidade comunicativa das condições sociais. Trata-se de componentes estruturais do mundo da vida, cuja realização, depende diretamente do processo educativo, capaz de produzir competência interativa e de autonomia. (HERMANN, 1999, p.63).
Tendo em vista a formação do sujeito emancipado a sala de aula foi o
local de implementação do projeto e aconteceu concomitantemente outra
atividade importante visando conclusão do programa, trata-se do Grupo de
Trabalho em Rede – GTR direcionado aos professores da rede estadual de
educação pública. Nestas experiências práticas a metodologia seguiu a linha
habermasiano , ou seja, foram permeados pelo diálogo e interatividade.
Foram 12 encontros ao longo de quase 3 meses. Em primeiro lugar o
debate fixou-se sobre o tema emancipação, neste momento o debate não ficou
restrito em sala de aula, mas socializando-o com outros alunos e na colocação
de cartazes nos corredores da escola com perguntas provocativas sobre o
tema.
Em algumas aulas procederam-se estudos em grupo oportunizando o
conhecimento de alguns aspectos biográficos sobre a vida do pensador Jürgen
Habermas.
Houveram estudos em grupo procurando esclarecer a contraposição
dicotômica entre os termos, agir comunicativo e agir instrumental, mundo-da-
vida e mundo dos sistemas. Foi um debate focalizando a sociedade capitalista
atual e o envolvimento com a tecnologia da informação e rede sociais, o filme
Rede Social, foi esclarecedor.
Em outros encontros aconteceram debates seminários sobre as
possibilidades de evolução moral e interativa, com base em Piaget e Kolberg e
como entender os aspectos emancipatórios neste contexto.
Uma das conclusões significativas dos debates foram, a necessidade de
ter mais temas que enfatizem estes aspectos da ação comunicativa, ou seja,
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acreditar que é possível construir uma sociedade mais justa pelos caminhos
que levem ao consenso, ao entendimento e solidariedade.
A firme convicção de que vivemos numa sociedade excludente, violenta,
injusta e que tem provocado medos e patologias. E a ação comunicativa é uma
alternativa importante quando se pensa numa sociedade diferente, mais
humana e justa.
A escola é um ambiente que propicio para desenvolver novos tipos de
consciência crítica e emancipada, e apostar numa guinada cultural que permita
maior entendimento e bem estar social.
No grupo GTR o debate foi mais intenso e consistente, pois os colegas
professores, alguns com pesquisa neste assunto, trouxeram suas impressões
sobre o projeto e ao mesmo tempo suscitaram debates acalorados sobre as
dificuldades docentes e estruturais que em muitas situações impedem melhor
desempenho do professor em sala de aula.
Alguns demostravam preocupação com respeito ao futuro da filosofia
como este depoimento: Li com atenção seu Projeto "Contribuições de Habermas para o ensino de filosofia: Questões da Ação Comunicativa como fundamento para a formação emancipatória do aluno" e achei desafiante o tema bem como a pesquisa realizada. É de real importância esta preocupação inicial de que ainda a Filosofia não se encontrou como disciplina em atividade dentro do espaço "sala de aula" nas escolas públicas, pois isto pode ferir até o fundamento de seu nascimento, com relação sua metodologia histórica peripatética em praça pública. Porém os tempos atuais nos chamam a uma nova metodologia e novas práticas. ( PGTR 1 *)
Alguns declararam que esta proposta pode suscitar uma nova forma de
relacionamento entre aluno e professor: Penso que a colaboração deste projeto se dá nas possiblidades de os professores repensarem suas relações com os alunos, já que o cerne, a meu ver do projeto é analisar alternativas de comportamentos de alunos e professores, que evitem conflitos e consequentemente levem ao diálogo, implicando em uma busca para uma emancipação plena e eficaz de toda a comunidade. Assim, um questionamento inicial para todos nós educadores ou colaboradores da escola, a partir deste projeto perpassa pela pergunta: “( PGTR 2*)
Alguns colegas focalizaram aspectos da sociedade atual principalmente a
questão do domínio das máquinas e a tecnologia sobrepondo aos seres
humanos, e neste sentido o tema em foco constitui-se de grande relevância. Contemporaneamente percebe-se que o pensar esta saindo de moda, as tecnologias estão dominando todos os setores da vida humana, o homem, cada vez mais está sendo dominado pelas maquinas. Muitas das decisões tomadas por executivos de grandes
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corporações empresariais são procedentes de dados fornecidos pela inteligência artificial. E a lógica do sistema capitalista, ninguém pode perder tempo. Nesse tipo de educação a ênfase está na utilidade, no pragmatismo, tudo é transformado em mercadoria. Enfim, o “agir comunicativo” está sendo sobreposto pelo “agir instrumental”, é a chamada humanização das maquinas. Nesse contexto, o tema é pertinente e de grande relevância para a área de filosofia que busca reconquistar seu espaço na matriz curricular, pensar a sua função enquanto disciplina que possa contribuir para a “emancipação intelectual” do discente.(PGTR 3*).
O reconhecimento da relevância do tema também veio permeado de
questionamentos quanto a questão curricular e sua infraestrutura escolar
adequada. Excluída do currículo do ensino público brasileiro, o ensino de filosofia, assim como de sociologia, foi reinserido visando a constituição de um ensino para a cidadania, para o exercício da democracia, para a formação de seres autônomos e críticos. Nesse contexto, criou-se uma grande expectativa, assim como resistência, sobre a atividade dos professores e professoras dessas disciplinas. Se buscarmos realizar o plano dessa proposta pedagógica, o tipo de ação, de comunicação proposta por Habermas parece bastante adequado. Obviamente levanta-se a questão da possibilidade de um agir comunicativo, em oposição ao agir instrumental, não-crítico, mas meramente reprodutor. Se até mesmo a ciência serve essa racionalidade instrumental, pode a escola superar essa realidade? Pode a escola tornar-se ambiente de diálogo e entendimento, sem coercitividade? (PGTR 4*)
Assim, os alunos/as – no contexto escolar, percebem que o processo de
emancipação visando a libertação de todas as amarras (pessoais e sociais)
passa pelo processo de constante diálogo como outro, ocorrendo, assim, o
processo de intersubjetividade pela racionalidade comunicativa. Portanto, a
educação (mesmo num ambiente escolar com as dificuldades tecnicistas) o
processo de ensino-aprendizagem (que envolve toda a comunidade escolar) se
torna local privilegiado desta emancipação pessoal e social.
____________________________ *Os depoimentos em epígrafe, com as siglas PGTR1, PGTR2, PGTR3, PGTR4 referem-se a professores participantes
do GTR (Grupo de Trabalho em Rede, requisito obrigatório para a conclusão do PDE)
Para Habermas, a ação comunicativa é o centro de produção,
conhecimento, amadurecimento e efetivação de uma comunidade ética. Assim,
a comunicação deve ser pautada em elementos tanto de signos linguísticos de
racionalidade, intencionalidade e, claro, compreensibilidade, inclusive moral.
O prof Dr. Gelson João Tesser lembra que, “ `a educação caberá
participar, de algum modo, com os conteúdos mínimos, porém complexos da
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filosofia , da ciência, da arte, da história, etc... estruturados na perspectiva
comunicativa. “ e relaciona os pontos que servem como uma espécie de
objetivos habermasiano a serem seguidos:
a) Formar sujeitos capazes de desempenhar atos de fala, de linguagem e ação.
b) Formar pessoas para que tenham êxito, sucesso na vida, mas que também sejam capazes de empreender ações emancipatórias libertadoras;
c) Formar sujeitos, atores participantes de uma comunicação, livre, emancipatória;
d) Formar sujeitos (pessoas) para participarem de uma comunidade ideal de fala;
e) Formar pessoas capazes de empreender proferimentos verdadeiros e debates, discursos interessantes e amancipatórios. ( TESSER, 2004, p.96)
Como vimos esta não pode ser uma tarefa isolada de alguns professores
“visionários”, mas um projeto a ser assumido por toda a comunidade escolar,
mas isso não significa menosprezo as pequenas iniciativas, pois pode estar aí
o embrião de uma cultura evoluída pautada pelo diálogo e entendimento.
Segundo Jürgen Habermas “a cultura constitui o estoque ou a reserva de
saber do qual os participantes da comunicação extraem interpretações no
momento em que tentam se entender sobre algo no mundo”(HABERMAS,
2012, a, p. 252).
6. Considerações Finais
Faz-se necessário destacar alguns aspectos importantes do pensamento
humanista de Jürgen Habermas focalizados ao longo desta pesquisa e que se
constituem fundamentos para a proposta de trabalho em sala de aula.
Em primeiro lugar, sua postura de análise crítica social tem sim uma
tonalidade crítica mas humanista porque desloca o eixo de análise procurando
fixar-se no âmbito da cultura moderna, ou seja, na esfera superestrutural onde
segundo Habermas é ali que se estabelece os conflitos fundamentais da
sociedade e não nas relações de produção onde se originam as classes
sociais.
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A postura habermasiana do interesse emancipatório é outro aspecto
importante, visa libertar-se de todas as formas de coerção existentes na
sociedade, desta forma sua teoria da ação comunicativa, tem como eixo o
entendimento mútuo não como um fim em si mesmo mas como um meio para
alcançar a emancipação social.
A sua teoria da ação comunicativa orientada para o entendimento mútuo
tem como ponto de partida a linguagem numa relação não mais de sujeito-
objeto, para sujeito – sujeito. Este entendimento realiza-se no mundo da vida
que pode ser entendido como o contexto sócio cultural que uma sociedade está
inserida.
Habermas critica o ideal iluminista, mas ao mesmo tempo aposta no
poder emancipatório da razão dentro de uma perspectiva dialógica, que
segundo ele pode proporcionar ao sujeito e às sociedades uma auto reflexão,
ou uma capacidade de auto-crítica revendo seus caminhos e resolvendo suas
patologias. Na perspectiva de Habermas, a razão instrumental escraviza
coisifica, reduz a objeto, mas a razão comunicativa emancipa e humaniza.
Na visão habermasiana, a sociedade está fragmentada entre dois
mundos, o mundo-da-vida e o mundo dos sistemas e a subordinação do mundo
da vida ao mundo dos sistemas geram as patologias, distorções e degradação
ética e moral. A referencia a teoria sócio interacionista de Piaget e do
desenvolvimento moral de Kolberg servem para fundamentar o posicionamento
habermasiano de que toda a história da evolução humana tem como ponto de
partida as ideias prático-morais, ou seja, no nível da reflexão. Entende-se este
processo da seguinte maneira. Primeiro a evolução se processa a nível de
consciência coletiva com a sociedade conseguindo alcançar novos patamares
de moralidade respaldadas por leis estabelecidas institucionalmente. Num
segundo momento estes novos níveis de evolução de consciência moral darão
suporte para o surgimento de novas estruturas sociais mais coesas e refletindo
no bem estar social, ou seja, uma ressignificação a nível cultural.
Na discussão sobre a pertinência desta pesquisa para o ensino de
filosofia e a implementação em sala de aula suscitaram algumas inquietações.
Em primeiro lugar no acervo bibliográfico das escolas há uma ausência
inquietante das obras de Habermas e de outros autores com novos
direcionamentos para a discussão e ensino de filosofia, o mesmo acontece
com respeito ao conteúdo didático.
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A discussão sobre a importância da formação da consciência crítica do
aluno na sua maioria, tem como fundamento autores que se alinham a uma
metodologia marxista.
A formação de uma consciência emancipada que pelo entendimento e
diálogo, busque o enfrentamento das patologias sociais parece ainda distante
das discussões escolares.
Há que se abrir caminhos nos pequenos espaços que se abrem e mesmo
onde não há espaços deve-se acreditar que a filosofia pode propor novas
metodologias que arejem a prática escolar, que na sua maioria é clássica,
tradicional e instrumental a serviço do mundo dos sistemas.
Deve-se ter a consciência que todas as áreas educacionais tem um fim
emancipatória implícito que extrapola seus limites e objetivos puramente
profissionais ou epistemológicos. Nesta perspectiva da educação
emancipatória, deve-se buscar princípios humanizantes capazes de contrapor
ao consumismo e a racionalidade instrumental vigentes em nossa sociedade,
afinal, esta colonização da racionalidade instrumental estabelecida ainda gera
uma consciência de minoridade e subserviência cultural, além da degradação
dos valores éticos e morais.
A ação comunicativa habermasiana quando enfatiza o diálogo entre
sujeitos, está enfatizando também a necessidade da inclusão das minorias, do
respeito mútuo, da solidariedade, da não violência, da quebra dos preconceitos
e rejeição às atitudes dogmáticas, e anuncia que é possível acreditar numa
nova sociedade com paz e justiça social
No Brasil a Paulo Freire enfatiza a pedagogia dialógica com vistas a
autonomia dos seres humanos principalmente da classe oprimida , partindo de
uma metodologia crítica progressista que indica a passagem da consciência
ingênua à consciência crítica.
Os autores Hugo Hassmann e Jung Mo Sung e seu livro Competência e
sensibilidade solidária afirmam que educar, aprender e conhecer precisam
acontecer dentro de uma proposta humanizante, com um pressuposto de que
cada ser humano está num processo de vir-a-ser. Esta na verdade é uma
aposta num futuro melhor, onde se deve investir não só na preservação da
espécie , ou do Planeta Terra, mas na possibilidade de uma vida feliz para
todos.
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O prof Tesser, afirma que “ a competência dos indivíduos em sociedade
depende dos processos de aprendizagem que dela fazem parte.” ( TESSER,
2004, p. 125). Esta competência deve necessariamente, passar pela mediação
da linguagem que possibilita a intersubjetividade entre sujeitos, também tem
como fundamento um dos pilares importantes de coesão social que é a
questão ética. Estas facetas ligadas à competência, constituem-se algumas
das características da ação comunicativa. Para Jürgen Habermas “ a
investigação volta-se muito mais às estruturas profundas do pano de fundo do
mundo da vida, estruturas que se corporificam nas práticas e operações de
sujeitos capazes de falar e agir” (HABERMAS, 2004, p.19).
O ensino de filosofia assim como qualquer uma outra disciplina deve
conter uma intencionalidade que extrapole a sala de aula e chega até as
estruturas sociais vigentes, acreditando que é possível investir em projetos
humanizantes e numa sociedade capaz de priorizar a vida ao invés da
máquina. Neste sentido, a filosofia é uma orientação e reflexão sobre a vida na
dimensão ética.
REFERÊNCIAS
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