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Centro Universitário de Belo Horizonte - UniBH
Marissa Guerson
Os desafios atuais da União Européia:
discutindo o processo de integração europeu em questões identitárias
Belo Horizonte
Junho de 2010
Marissa Guerson
Os desafios atuais da União Européia:
discutindo o processo de integração europeu em questões identitárias
Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte – UniBH como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais.
Orientador: Professor Leandro Rangel
Belo Horizonte
Junho de 2010
RESUMO A atual fase vivida pela União Européia no seu processo de integração, com o
proposto aprofundamento, está marcada por resultados negativos e pela resistência e
insatisfação do cidadão europeu, colocando o modelo de integração europeu em
questionamento. A discussão foca em questões identitárias como maior responsável pelos
problemas enfrentados atualmente. Busca-se definir a identidade do bloco, seu papel social e
político, e compreender sua relação com as identidades nacionais e subnacionais. Primeiro
apresenta-se uma abordagem teórica sobre a questão, e então observa-se o posicionamento
prático da União Européia, identificando suas ações políticas e sua legislação relativas ao
problema identitário, considerando também sua eficácia em solucionar os problemas.
Conclui-se que de fato a questão identitária influencia de maneira decisiva para o sucesso
geral do bloco, e as soluções apresentadas até então não se mostraram suficiente, exigindo
uma reformulação do projeto de integração.
PALAVRAS-CHAVE
União Européia; Aprofundamento; Alargamento; Questões identitárias; Direito Comunitário.
ABSTRACT
The current phase lived by the European Union in its integration process, with the
proposed deepening, is marked by negative results and by the European citizen resistance and
disappointment, bringing the European integration model into questioning. The discussion
focuses on identity issues as the most responsible for the problems faced nowadays. It is
attempted to define the union´s identity, its political and social role, and understand its
relation with the national and sub national identities. Presenting first a theoretical approach to
the identity issue, and then observing the practical position the European Union has taken,
identifying its political actions and its legislation regarding the identity issue, also considering
their efficiency in solving the problems. It is concluded that the identity issue indeed
influences in a decisive way the general success of the union, and the solutions presented so
far don’t appear to be enough, demanding a reformulation of the integration project.
KEY WORDS
European Union; Deepening; Enlargement; Identity issues; Community Law.
1
Os desafios atuais da União Européia: discutindo o processo de integração europeu em questões identitárias
Marissa Guerson1 Leandro de Alencar Rangel2
INTRODUÇÃO
Desde a queda do muro de Berlim a comunidade européia teve sua essência mudada e
muitos problemas identitários se reacenderam. Dentre os fatores que provocaram esta situação
e a mantém encontram-se a globalização acelerada, o surgimento de uma nova ordem mundial
de informações e a redução da manufatura. A União Européia se encontra em um estado que
Giddens (2007) chama de Era Global3, onde uma série de condições sociais demonstra as
muitas mudanças ocorridas na rotina de vida dos europeus. Existe hoje uma luta pela Europa,
pelo que ela representa e pelo que deveria se tornar4. A diferença entre esta Era Global e a
globalização, é que a segunda é um processo ou uma série de processos complexos, que são as
forças responsáveis por estas mudanças, que uma vez estabelecidas formam a Era Global.
Sabe-se que a preocupação dos franceses e holandeses que votaram contra a
constituição única não era essencialmente sobre a constituição. Na França, a grande maioria
dos que disseram não à proposta ainda acreditavam que uma constituição era necessária. Os
holandeses estavam preocupados com os países menores serem muito controlados pelos
maiores, e ambos franceses e holandeses, eram mais preocupados com questões econômicas e
sociais do que com a constituição em si, acreditando que tantas mudanças propostas, como a
questão do alargamento, seriam mais prováveis de piorar a já difícil situação no bloco.
The rejection of the Treaty establishing a Constitution for Europe in the referenda held in France and the Netherlands in spring of 2005 and the ensuing political turbulences may well be interpreted as the symptoms of a crisis of legitimation that had been latent for a longer time (Kraus, 2008, p.7).
1 Graduando em Relações Internacionais do Centro Universitário UNI-BH 2 Professor Orientador do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário UNI-BH 3 Para aprofundar sobre a discussão representada por esta expressão ver ALBROW, Martin. The Global Age. Cambridge: Polity Press, 1996 4 Neste trabalho não será apresentado com detalhes o contexto e as condições políticas que moldaram a criação da União Européia. Para aprofundar sobre este tema ver O´NEILL, Michael. The Politics of European Integration . London: Routledge, 1996.
2
Todos estes problemas apresentados trazem grandes obstáculos ao modelo social da
União Européia. Mas, para observar estes obstáculos que impedem o sucesso dos sistemas de
bem-estar social não se pode focar apenas na globalização. Alguns dos problemas
fundamentais vêm de mudanças estruturais internas, que estão conectadas aos efeitos da
globalização, mas não são inteiramente movidas por estes efeitos. Como exemplo disto, a
demora da reforma e crescimento interno não podem ser explicados invocando a globalização
como único responsável. Outra pergunta importante é se existe a consciência de uma crise na
União Européia. De certa forma, as oposições à constituição foram formas de demonstrar essa
consciência e a vontade de manter o status quo, e não piorar a situação do bloco.
A recusa inicial da constituição única da União Européia por Irlanda, França e os
Países Baixos, também serve como uma demonstração dos problemas de identidade que ainda
assombram o bloco. Um problema latente na União Européia é definir claramente qual é sua
identidade, no sentido do que esta união é, para que serve, e o que ela representa hoje, já que
as suas características se modificaram ao longo dos anos e o bloco não tem o mesmo papel
que exercia quando da sua criação. Quando perguntados sobre a identidade da União
Européia, a maioria dos cidadãos europeus não sabe responder, é possível dizer ainda que até
mesmo os políticos da União não sabem responder a esta pergunta claramente. No entanto, a
necessidade de se esclarecer esta questão é fundamental para permitir que os problemas sócio-
econômicos enfrentados pelo bloco hoje possam ser resolvidos. Nenhuma tentativa de
resolução destes problemas será bem sucedida se o problema fundamental da identidade não
for respondido. O porquê da existência da União Européia hoje poderá rapidamente ser
estabelecido se puder ser identificado também o mundo ao qual ela tem de se relacionar. O
papel inicial da EU5 ainda é muito importante, mas não mais o único, e está em um processo
de definição. Antes, a natureza econômica do bloco6 definia que o motivo de sua existência
era para permitir os membros certas vantagens no campo econômico, que de forma
independente não conseguiriam. Pode-se inferir que as mudanças buscadas atualmente para
garantir à União maior ação nos campos sociais e político sejam uma tentativa ou uma
percepção dos membros do bloco de poderem ter vantagens também nestes campos, que não
5 Será usado ao longo do texto o termo UE, como abreviatura que se refere à União Européia. 6 A União Européia é resultado de um processo de evolução e desenvolvimento de tratados que inicialmente estabeleciam comunidades com perfil essencialmente econômico. Por exemplo, o Tratado de Roma, em 1958, pode ser considerado como a primeira fase dos diversos processos que resultaram na criação da União Européia. Este tratado entre Itália, França, Alemanha e os países do Benelux estabeleceu a formação da European Economic Community, que tinha o objetivo de criar uma união em certos setores de seus mercados. Para mais, ver DEDMAN, Martin J. The Origins and Development of the European Union 1945-95. A History of European Integration. London: Routledge, 1996.
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poderiam ter agindo sozinhos como atores individuais no sistema internacional. Quando os
Estados abriram mão de certa autoridade no campo econômico não encontraram tantos
conflitos para consolidar um bloco de integração. Os benefícios de uma união econômica são
muito perceptíveis para uma população, o que fez a União Européia ser bem aceita quando do
seu início, pela característica de integração econômica que tinha. Mas, ao buscarem o avanço
para as áreas social e política, os obstáculos aparecem vindos das sociedades envolvidas neste
processo.
No ambiente contemporâneo, a globalização revelou uma relação interdependente que
o campo econômico tem com o social e o político. Uma relação que se mostra mais forte
ainda entre o econômico e o social, quando um setor apresenta problemas afeta o outro de tal
maneira que a população acaba associando um ao outro, sendo difícil para a sociedade
diferenciar essas áreas. Desta forma, quando o bloco de integração não consegue garantir o
mesmo desempenho econômico positivo que apresentava anteriormente, faz com que a
sociedade associe o fato ao setor social e político e se mostre apreensiva nestes assuntos
também. A população tem que entender que o sistema de bem estar social hoje tem funções
diferentes daquele de antigamente, funções que muitas vezes o Estado sozinho não consegue
cumprir satisfatoriamente.
Contra as afirmativas dos céticos sobre a compatibilidade democrática da União
Européia, Kraus (2008) acredita que pode ser argumentado que a perda de autonomia nas
decisões políticas pelos Estados não deve ser entendida como uma conseqüência da estrutura
de um progresso na integração, e sim como um efeito de arranjos intergovernamentais que são
aceitos, se não foram também deliberadamente pretendidos pelos Estados. Quando se tem
tantos desafios impostos pela competitividade econômica neste cenário atual, independente
das orientações ideológicas dos Estados, eles podem tomar as políticas da União como uma
desculpa para justificar cortes nos orçamentos e outras medidas dos governos estatais que
desagradam à população, mas que são necessárias para firmar as finanças do Estado. Até
porque, se os governos eleitos democraticamente para o Conselho Europeu7 quisessem,
poderiam mudar as prioridades políticas da União.
Arrisca-se dizer também que os políticos não sabiam o quanto teriam de abrir mão da
autonomia de seus Estados para alcançar o avanço da União Européia. E a população não
consegue enxergar claramente os benefícios que podem advir desse tipo de união política, 7 Além do Parlamento Europeu, o Conselho Europeu é a instituição que adota a legislação da UE através de regulamentações e diretivas, e prepara decisões e recomendações. Maiores informações disponíveis em: <http://www.europarl.europa.eu/parliament/expert/displayFtu.do?language=en&id=74&ftuId=FTU_1.3.6.html>. Acesso em: 18 jun. 2010.
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econômica e social, ainda mais quando os primeiros resultados desse aprofundamento se
mostram negativos. Em um ambiente em que não é só o Estado que abre mão de sua
autonomia, mas também a própria sociedade, acostumada a enxergar o campo social e o
campo político como assuntos particulares de uma nação, inclusive com um sentimento de
orgulho pessoal. Nas palavras de Dahl (1994, p.26) the EU may be regarded as the
paradigmatic exponent of a sweeping transformation giving rise to transnational systems that
severely limit the political, economic, social and cultural autonomy of nation-states.
A União Européia não é um Estado e também não pode ser chamada de uma simples
área de livre comércio, sua identidade não foi definida ainda, é um experimento em
andamento. No entanto está claro que não se pode pensar nos mecanismos do bloco como os
de um ator estatal, pois não é assim que funciona. Eles não podem ser desenvolvidos com as
mesmas idéias de alguém que desenvolve políticas nacionais. Para definir a identidade do
bloco é também importante estar claro quais são os mecanismos que este utiliza para se
relacionar com outros Estados e outros blocos, e também com seus próprios Estados
membros. É um paradoxo difícil para a sociedade entender que para se obter maior autonomia
na instância internacional os Estados dentro de um bloco de integração, ao menos na relação
entre si, têm de abrir mão de grande parte de suas autonomias nacionais.
A legitimidade da União Européia é diferente da de um Estado nacional, ela vem da
aprovação de um demos, o qual exige saber qual é a identidade do bloco para continuar
legitimando sua autoridade. Por que os europeus abririam mão de toda, ou ao menos uma
parte, de sua identidade nacional, que é relativamente bem definida, para desenvolverem uma
única ou segunda identidade européia, cujas características estão longe de serem bem
definidas? Pedir a um cidadão que apóie um suposto futuro brilhante com o aprofundamento
da União Européia quando o seu presente já não o agrada, é muito complicado. Os cidadãos
europeus têm razão em exigir mais transparência dos políticos pró União Européia,
principalmente na questão do alargamento.
Nas palavras de Giddens (2007, p.ix) one should stop pretending that the European
Union post-1989 is simply an enlarged version of what existed before. The identity of the EU
simply cannot be the same as it was when there is an open border to the East – and
increasingly to the south too. Em poucas palavras, se um aprofundamento e alargamento do
bloco são desejados, o que é hoje a União Européia? Qual é ou deveria ser seu projeto? E
quais mecanismos internos usará para alcançar esse projeto?
5
OS PROBLEMAS ENFRENTADOS NA UNIÃO EUROPÉIA
Os problemas enfrentados atualmente na União Européia devem ser bem expostos
antes de se buscar a definição de uma identidade para o bloco. Assim é possível contemplar
com transparência necessária quais são os pontos fracos da integração para estabelecer uma
identidade em harmonia com as exigências do contexto europeu, e que seja durável e
eficiente. Se as implicações dos problemas na União Européia não forem bem observadas, a
probabilidade de se estabelecer uma identidade que continue a não agradar o cidadão europeu
é grande. E ao observarem-se os problemas é possível estabelecer a relação que estes têm com
a ausência de uma identidade concisa, e enxerga-se as razões de uma identidade bem formada
ser essencial para contornar tais dificuldades. A identidade da União Européia tem de
contemplar os problemas atuais vividos no bloco, e ainda mais, deve pensar além da situação
atual, tentar criar instrumentos que evitem possíveis conflitos futuros dentro da integração.
Começando pelo modelo social europeu, é praticamente um consenso, tanto entre os
que apóiam como os que são contra a União Européia, de que o mesmo está passando por
muitos problemas ou vem, até mesmo, falhando em seus propósitos. Não oferece mais a
mesma estabilidade aos cidadãos europeus que fornecia anos atrás. O modelo social europeu,
ou MSE, é uma parte essencial do que a União representa, mas para o modelo ser eficiente
não pode contemplar apenas a área social, já que a prosperidade e redistribuição econômica
são também fatores essenciais para seu sucesso. Não pode ser também um modelo único, pois
existem muitas diferenças entre os sistemas de bem-estar social dos países do bloco. Os
objetivos básicos do modelo social europeu são alcançar um Estado desenvolvido e
intervencionista, que financiado por impostos relativamente altos, provê um sistema de bem-
estar social robusto oferecendo proteção social eficiente, em um grau considerável para todos
os cidadãos, e em especial para a classe mais necessitada, contendo as desigualdades
econômicas e sociais em suas diversas formas. A real situação do modelo na Europa de hoje
varia muito de Estado para Estado, seus valores, suas conquistas e objetivos mudam em grau
entre os Estados do bloco. Segundo Giddens (2007) uma série de valores é fundamental para
sustentar o MSE, como cultivar uma coesão e solidariedade social, encorajar a comunicação
aberta com as indústrias, e fornecer direitos sociais e econômicos para os cidadãos como um
todo, protegendo com intervenção ativa os mais vulneráveis na sociedade. Uma identidade
européia deve contemplar esses valores e fazer com que os Estados, sob a sombra desta
identidade, tenham tais valores enraizados em suas sociedades.
6
A regeneração econômica que se esperava acontecer com a introdução do mercado
comum europeu e da moeda única não aconteceu, e os resultados econômicos da União, nos
últimos 20 anos fomentaram as preocupações recentes. O bloco foi passado para trás pelos
Estados Unidos. Os Estados Unidos apresentam nos últimos anos uma situação melhor que a
União Européia, desde a década de 80, seu crescimento e estabilidade macroeconômica são
maiores que a do bloco europeu. Em uma estatística sobre o PIB8 per capita9, divulgada pela
Nation Master10, vê-se que em 2006 comparando os resultados dos norte-americanos com a
União Européia tem-se uma grande diferença de desenvolvimento entre eles. Enquanto os
Estados Unidos apresentavam um PIB de $ 44.155,00 per capita, a União Européia
apresentava $ 24.217,28 per capita11.
Outro problema acontece com a presença de imigrantes, no caso europeu, sua boa
economia e seu sistema de bem-estar social desenvolvido não garantem que os imigrantes e as
minorias étnicas dos Estados estejam também integrados às sociedades. Giddens (2007)
afirma que a tolerância com a imigração está diminuindo nos países europeus, na Dinamarca e
Finlândia os sentimentos anti-imigrantes está se fortalecendo e os Países Baixos,
historicamente conhecidos por receberem abertamente diversas etnias, tiveram muitos casos
de intolerância dos cidadãos holandeses quanto aos imigrantes e minorias étnicas. Certamente
estes acontecimentos ajudaram os holandeses a obter o resultado negativo no referendo sobre
a constituição única da União em 2005 (GIDDENS, 2007, p.25).
A inclusão de 10 novos Estados membros ao bloco, em 2004, aumentou a população
européia em aproximadamente 19%, enquanto o PIB aumentou apenas 9%, e o PIB per capita
diminuiu em 7%12. No alargamento de 2007, que incluiu Romênia e Bulgária ao bloco,
novamente apresentou-se um saldo negativo, onde a população aumentou aproximadamente
6,48%, enquanto o PIB aumentou somente 2,04% e o PIB per capita voltou a diminuir
8 Produto interno bruto (PIB): renda devida à produção, dentro dos limites territoriais do país. Para mais, ver PINHO, Diva; VASCONCELLOS, Marco Antonio (Org.). Manual de economia. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 274 9 PIB per capita é um indicador econômico muito usado para analisar a qualidade de vida de um país. Para calculá-lo divide-se o PIB pelo número total de habitantes do país. Tem-se então uma noção da qualidade de vida geral da sociedade. 10 Nation Master é um site que disponibiliza uma grande base de dados, e também apresenta estatísticas comparadas entre Estados, regiões e blocos. A Nation Master tem suas fontes de dados retiradas de pesquisas de outras agências como The CIA World Factbook e as Nações Unidas. 11 Para ver a estatística completa divulgada pela Nation Master acessar <http://www.nationmaster.com/graph/eco_gdp_percap-economy-gdp-per-capita.> Acesso em: 18 jun. 2010. 12 Dados disponíveis em <http://www.nationmaster.com/encyclopedia/Statistics-relating-to-enlargement-of-the-European-Union#2004_Enlargement>. Acesso em: 18 jun. 2010.
7
4,17%13. Problemas de desigualdade e coesão aumentaram tanto na União Européia quanto
internamente nos Estados membros. Existe um fundo proposto na União chamado de
European Globalisation Adjustment Fund14 (EGF) que serve para apoiar os Estados membros
quando precisam de recursos para oferecer treinamento e ajuda financeira para trabalhadores
desempregados, como resultado principalmente dos efeitos da globalização. Foi um passo
adotado principalmente para acalmar a preocupação dos europeus com o alargamento do
bloco que poderia significar perda de trabalhos. Ainda assim, é visto apenas como um
pequeno gesto, já que os recursos financeiros do fundo são limitadíssimos.
Um grave problema é que a intensa discussão existente na Europa sobre os problemas
da integração, com bases econômicas de pesquisa, não recebe o mesmo esforço no campo
social. Deutsch (1957) já afirmou que as dinâmicas políticas dos processos de integração não
podem ser devidamente compreendidas sem levar em conta o aspecto social incrustado a elas.
E com as mudanças ocorridas na região desde a criação do bloco, não se pode esperar que
programas de justiça e bem-estar social possam ser efetivamente bem desenvolvidos e
empregados se estas mudanças não estão sendo observadas pelos tomadores de decisão.
O envelhecimento da população européia é um caso a ser discutido como um dos
fatores responsáveis por tantas dificuldades enfrentadas pelo bloco. Na União Européia, os
maiores de 60 anos de idade representam aproximadamente 20% da população e mais de 30%
são maiores de 50 anos. Os motivos para este envelhecimento é o fato de as pessoas hoje
viverem mais do que no passado, a expectativa de vida das mulheres em pelo menos metade
dos Estados europeus hoje é de pelo menos 80 anos15. E também, a existência de uma taxa de
natalidade muito baixa, onde quase todos os Estados europeus apresentam taxas de natalidade
abaixo do nível de reposição.
Há de se ressaltar que, desde o começo dos anos 90 até a metade da década, muitos
Estados europeus obtiveram resultados melhores do que outros, tanto em termos econômicos
como sociais. O sistema de bem-estar social não está falhando em todos os lugares. Fazer
comparações entre Estados que foram bem-sucedidos e os que não foram pode levar a
conclusões muito interessantes. Uma pesquisa feita, sobre os níveis econômicos de alguns
Estados europeus, que incluía o aumento do PIB, da inflação e da sustentabilidade
13 Dados disponíveis em: <http://www.nationmaster.com/encyclopedia/Statistics-relating-to-enlargement-of-the-European-Union#2007_Enlargement>. Acesso em: 18 jun. 2010. 14 Para mais informações sobre o EGF acessar: <http://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=326&langId=en>. Acesso em: 18 jun. 2010. 15 LANZIERI, Giampaolo. Eurostat: Statistics in Focus. 81/2008. Disponível em <http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_OFFPUB/KS-SF-08-081/EN/KS-SF-08-081-EN.PDF>. Acesso em: 18 jun. 2010.
8
econômica16 demonstrou que os países mais bem-sucedidos foram Dinamarca, Finlândia e
Suécia, e todos estes desenvolveram sistemas de bem-estar social. Enquanto Alemanha,
França e Itália foram os piores em desempenho de crescimento econômico. Vários fatores
poderiam ser apontados como responsáveis por este bom desempenho, no entanto, existe um
em comum entre os três Estados que se destaca, sendo este o padrão de investimentos sociais
feito por eles. Todos investiram muito em tecnologia e educação, têm os menores níveis de
desigualdade econômica no mundo, e se dão muito bem nos indicadores de saúde e bem-estar.
Essas conquistas são resultados de reformas apoiadas pelos governos. Todos os três
reestruturaram seus mercados de trabalho. Para alcançar o balanço financeiro ideal, alguns
cortes foram feitos no Estado, mas sem piorar a situação de pobreza e desigualdade em geral.
Trabalho é considerado uma prioridade nesses Estados, já que é a melhor saída para acabar
com a pobreza. As taxas de natalidade dos países nórdicos, se comparadas com a da EU,
permanecem altas. As políticas para ajudar mães solteiras também são muito eficientes.
Reformaram a previdência social para conseguir sua sustentabilidade em longo prazo, e
apóiam os mais velhos a continuarem no mercado de trabalho ou voltarem para ele. A lição se
aplica à União Européia, reformas no sistema previdenciário de diversos Estados são
necessárias para torná-los sustentáveis a longo tempo. Os jovens devem ser ensinados a
poupar mais e serem incentivados a terem filhos, mas o principal ponto da reforma é
incentivar os mais velhos a permanecerem no mercado de trabalho por mais tempo.
Os países nórdicos não foram os únicos a obterem grande melhora nos últimos anos.
Irlanda, Reino Unido e Holanda também foram bem-sucedidos. Todos fizeram reformas, altos
investimentos estruturais e liberalização do mercado de trabalho. Alguns dizem que o
exemplo dos países nórdicos não pode ser seguido por Estados europeus, haja vista a
diferença de tamanho dos países, e a facilidade que estes teriam de implantar tais reformas
seria muito maior do que a dos europeus. Mesmo assim, a questão é identificarmos quais os
elementos que podem ser implantados em outro país. E mais importante é saber se os
impostos recolhidos para financiar as políticas governamentais, que podem até serem
elevados, pois é necessário para implementarem-se tantas reformas, estão sendo aplicados
com eficiência pelos governos e as políticas sociais e econômicas estão sendo efetivamente
construídas para garantir o retorno dos investimentos.
16 Indicadores econômicos divulgados pela Eurostat em: <http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/structural_indicators/indicators/economical_context>. Acesso em: 18 jun. 2010.
9
O TRATADO DE LISBOA
A maioria das opiniões sobre o que deveria ser feito para melhorar a situação da União
Européia se concentra nas mudanças propostas no Tratado17 de Lisboa18. Oficialmente a
União Européia afirma que o propósito de reforma com o Tratado de Lisboa é aumentar a
legitimidade, eficiência e transparência da União. O Tratado de Lisboa altera o tratado que
estabeleceu a Comunidade Européia mudando seu nome para Treaty on the Functioning of the
European Union e o termo comunidade é substituído pelo termo união ao longo de todo o
texto. A União Européia deixou claro que o novo tratado tem também a intenção de aumentar
o nível democrático do bloco, mudando o processo de tomada de decisão e aumentando a
participação dos cidadãos, também deixaram claro que o novo tratado não cria uma união com
símbolos estatais, como, por exemplo, bandeira ou hino. Além disso, não usou-se mais os
termos constituição como havia sido feito anteriormente na proposta do Tratado
Constitucional, o qual foi rejeitado, explicado os motivos para esta mudança de estratégia na
formulação do tratado. Porém, o texto atual do Tratado de Lisboa preservou as bases
constitucionais importantes, que se julga serem necessárias para a intenção de criar o caráter
jurídico moderno da União.19 Uma das mudanças do Tratado é conferir à União Européia
personalidade jurídica, a capacitando assim a assinar tratados internacionais nas áreas de sua
competência e também permitindo sua filiação a alguma organização internacional.
Pode-se ver com clareza a tentativa da União de garantir mais eficiência e
transparência ao bloco com a organização e esclarecimento dos poderes da União, onde suas
competências são pela primeira vez limitadas e expostas publicamente através de um tratado.
O Tratado estabelece três tipos de competência - a exclusiva, a partilhada e a auxiliar20 -,
garantindo assim que as competências e o poder sobre áreas que não são exclusivas à União
sejam devolvidos aos Estados membros, que retomam certa autonomia em algumas áreas.
17 Os tratados, fonte primária ou originária de direito comunitário, são convenções internacionais de tipo clássico, produto exclusivo da vontade soberana dos Estados contratantes, concluídas na conformidade das regras do direito internacional e das respectivas normas constitucionais. CAMPOS, João Mota de. O Ordenamento Jurídico Comunitário. 5ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. 4v. (Direito Comunitário IIv). p. 21. 18 O Tratado de Lisboa emenda o Tratado da União Européia e o Tratado que estabelece a Comunidade Européia, entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2009. A discussão sobre o tratado começou no final de 2001 como um projeto constitucional, com o objetivo principal de substituir o sistema legal da União Européia por um sistema jurídico moderno. 19 Para mais ver publicações oficiais da União Européia sobre o Tratado de Lisboa acessar <http://europa.eu/lisbon_treaty/index_en.htm>. Acesso em: 18 jun. 2010. 20 Na área de competência exclusiva estabelece somente a União Européia pode legislar e os Estados membros podem apenas aplicar a legislação, na competência partilhada os Estados membros podem legislar e adotar medidas legais quando a União já não o tiver feito, e na competência auxiliar a União adota medida para complementar ou apoiar as políticas dos Estados membros.
10
Além de oferecer a transparência, essas limitações certamente ajudarão a tornar as ações do
bloco mais eficientes.
Uma mudança proposta pelo Tratado de Lisboa é, por exemplo, o método aberto de
coordenação (OMC em inglês, Open Method of Coordination), criado para suprir a
necessidade da União de ter capacidade de intervenção direta a fim de promover as reformas
necessárias.
In broad areas of economic, employment and social policy the Member States have to meet reform challenges that are similar throughout Europe. The convergence of challenges has been driven by the economic integration within the internal market, and the effects of the fast changing global economy, technological innovation and demographic change. Therefore, a new instrument was needed which supports the Member States in their reform efforts, while respecting their legal competences.21
Segundo Giddens (2007), algum progresso pode ser destacado. A média geral de
empregos na União Européia aumentou, onde também as pessoas com idade entre 55 e 64
anos estão mais ativas no mercado de trabalho, e a participação da mulher aumentou
consideravelmente. No entanto, existem muitas diferenças desses resultados entre os vários
Estados do bloco. As disparidades regionais dentro da União Européia são ponto central de
discussões dentro da Agenda de Lisboa, os termos coesão e convergência são os mais usados.
De acordo com o autor convergência significa um processo de integração das
macroeconomias estatais do bloco, enquanto coesão é simplesmente fazer com que a
qualidade de vida dos cidadãos de países pobres seja pelo menos mais equilibrada com a dos
países ricos. Apesar da tentativa de aumentar a coesão entre as regiões européias, as
diferenças entre as mais desenvolvidas e os mais necessitadas ao invés de diminuírem estão
aumentando ao passar dos anos do bloco. As regiões que têm as menores receitas financeiras
da Europa mantêm seus resultados, enquanto as regiões com grande movimentação continuam
aumentando suas receitas.
A disparidade só tende a aumentar, e ao contrário do que comumente pensaria-se, as
regiões mais pobres da Europa nem sempre estão nos Estados mais pobres, a disparidade
dentro das fronteiras dos Estados europeus é também enorme. Os fundos do bloco22, como o
Global Adjustment Fund já citado anteriormente, são os principais recursos que os europeus
têm para diminuir a disparidade entre eles, tanto no âmbito nacional, como no subnacional.
21 Disponível em: <http://ec.europa.eu/employment_social/spsi/the_process_en.htm>. Acesso em: 18 jun. 2010. 22 Existem vários fundos mais antigos que o Global Adjustment Fund, mas que também apresentam recursos limitados. O texto trata detalhadamente sobre o Global Adjustment Fund por ser o mais atual no bloco.
11
Porém, os fundos são limitados, e não aumentaram suas arrecadações após o alargamento. A
tendência é o problema da disparidade se tornar ainda mais complicado de se resolver. As
diferenças econômicas entre os Estados e as regiões simplesmente não admitem um tipo de
política uniforme, que é comum de ser desenvolvida no bloco, cada área tem de ser observada
em particular para estabelecerem políticas que atendam as necessidades locais das regiões.
Por isto, as políticas uniformes não têm muita eficiência.
Por esta fraqueza da União, o Tratado de Lisboa foi constantemente criticado para que
reformulações fossem feitas nele, como a alteração das políticas de reestruturação. Ter uma
definição clara entre as relações da União Européia com os processos de decisão nacionais
permite que se atinja um nível de tomada de decisão e regulação mais eficiente, fortalecendo
o método aberto de coordenação. É ideal também voltar o orçamento do bloco para as
questões de crescimento, de convergência e reestruturação, deixando a questão da agricultura,
que na maioria das vezes é o foco do orçamento, para os Estados membros coordenarem em
nível nacional. A falta de reformas estruturais em níveis nacionais, principalmente em alguns
Estados importantes do bloco, é uma causa mais clara do motivo para o baixo rendimento que
a União Européia apresenta hoje. O método aberto de coordenação é uma boa tentativa de
estabelecer uma identidade européia, no entanto, está sendo construído de forma errada pela
inobservância de alguns aspectos intrínsecos à questão identitária.
A Europa consegue manter seu modelo social? É a pergunta mais comum que aparece
depois de tantos problemas apresentados, mas reformulando a pergunta, poderia a Europa não
manter seu modelo social? Um dos grandes problemas é como coordenar tantas condições,
tão diversas entre os Estados europeus, sem enfraquecê-las no processo. Não será fácil
implementar reformas no modelo social europeu. A maioria das inovações têm de ser
implementadas no nível nacional, e algumas nações são mais importantes do que outras, pela
contribuição econômica que têm na União. Como dito anteriormente é possível aprender com
as lições de países menores, mas deve-se entender que a aplicação de suas políticas em
Estados maiores tem de ser diferente. Defender o modelo social não pode significar apoiar a
ordem em que se encontra atualmente o sistema europeu. Novamente a globalização pode ser
levantada em questão, mas os eventos que ocorrem fora das fronteiras européias são apenas
uma das fontes de dificuldades que eles enfrentam. Nenhum, nem mesmo poucos Estados,
podem ser culpado do mau desempenho europeu. Mesmo os bem-sucedidos apresentam
problemas.
12
Um modelo social eficiente tem que colocar crescimento e trabalho acima de tudo,
assim como os Estados com melhores resultados o fizeram, mas certamente sem excluir os
outros fatores. Um nível alto de empregos, com um salário mínimo decente é desejável, pois
disso deriva o aumento do capital disponível para investir em programas sociais. Giddens
(2007) acredita que ter um trabalho é a melhor saída para acabar com a pobreza. Uma das
metas de Lisboa é alcançar uma média de 70% da força de trabalho empregada, mas depende
da vontade dos Estados que possuem taxas de desemprego altas de aceitarem as reformas
necessárias para contornar esta situação. A flexibilidade dos mercados de trabalho é essencial
em um período de intenso avanço tecnológico. Fazer com que os trabalhadores sejam
capacitados e tenham vontade de seguir em frente é muito importante, o treinamento e
adaptação às novas tecnologias permite que o sistema empregatício continue eficiente.
Contudo, não se deve ater somente aos exemplos bem-sucedidos, como os dos países
escandinavos, pois eles também têm problemas que não conseguem resolver. Deve-se pensar
além dos exemplos práticos atuais. Mesmo nas nações com altos níveis empregatícios ainda
existem pessoas capazes de trabalhar que não têm um emprego. Flexibilidade e segurança no
mercado de trabalho devem andar juntos, para que o trabalhador possa se adaptar ao mercado
com proteção garantida. O ideal seria criar políticas que já ajudem as pessoas mesmo antes
que elas percam um trabalho.
Hoje em dia os trabalhos requerem mão-de-obra muito bem treinada, e não adianta
resistir às mudanças impostas pela nova era global, o importante é proteger o trabalhador e ser
capaz de torná-lo mão-de-obra novamente. A força de trabalho utilizada em manufatura é
muito pouca agora, o Estado tem de garantir que não exista falta de trabalho para todos os
níveis de qualificação da mão-de-obra e também que aqueles que desejarem se capacitar e
melhorar a qualidade de seu trabalho tenham a oportunidade de fazê-lo. Os direitos
trabalhistas, motivo de muita contestação às propostas de Lisboa, podem e devem sim
continuar a regular o mercado. A mobilidade social na Europa nas últimas décadas se baseou
nas mudanças estruturais, nas mudanças da distribuição de trabalhos, muitas pessoas puderam
subir a qualidade de suas ocupações, pois os cargos de alto nível cresceram muito mais em
relação às ocupações industriais ou da agricultura. As fontes estruturais que davam a
oportunidade de mobilidade social estão se esgotando, e a não ser que aconteçam novamente
mudanças dinâmicas no mercado de trabalho a direção que a mobilidade social permite não é
bem definida.
13
Se observadas as instituições de governo da União Européia, ou seja, as agências que
contribuem diretamente em promover as políticas do bloco e tentam reformular o modelo
social falho, defender a mínima intervenção do bloco sobre as políticas de bem-estar social
nos Estados membros por afirmar que não são benéficos é um erro. A legislação que a União
criou sobre direitos trabalhistas, leis para diminuir discriminação e direitos sociais foram
muito importantes e eficientes em seus objetivos no interior dos Estados. Mas não existe uma
posição clara e equilibrada de como funciona a aplicação das decisões tomadas nos órgãos da
União Européia. O método aberto de coordenação, desenvolvido na Agenda de Lisboa, é uma
tentativa de resolver este problema, ao permitir que as agências do bloco possam intervir
diretamente nos governos dos Estados para promover as políticas formuladas no nível da
União. Mesmo que esse método seja bem sucedido, os objetivos da Agenda de Lisboa não
serão alcançados por isso, e nem mesmo pelas políticas de nível nacional. O mais importante
é conseguir criar uma vontade política nacional. Se as reformas puderem ser feitas nos países
certos com a direção certa, os objetivos propostos em Lisboa serão atingidos com maior
sucesso do que os políticos esperam. Mas para convencer os europeus a desejarem as
reformas, tem de ser mostrado a eles que as reformas propostas em Lisboa são para promover
a justiça e o bem-estar social ao invés de aumentar os problemas e as injustiças. Esse é um
ponto essencial, que não pode ser esquecido pelos governantes. Os ajustes que serão feitos
com as reformas devem ser explicitamente divulgados, mesmo em áreas que acabarão saindo
prejudicadas pelo objetivo final, os cidadãos precisam estar cientes desse prejuízo, pois de
outra forma não é possível convencer a população de que tais reformas são bem-vindas e
obter a vontade política nacional. O método aberto de coordenação é um processo
verticalizado, de cima para baixo, e por isso também está sendo construído da forma errado,
se utilizassem um método que vise uma forma horizontal, como um aprendizado mútuo entre
os Estados membros do bloco, ele seria muito mais eficiente e teria uma aceitação maior entre
os cidadãos europeus.
A QUESTÃO DO ALARGAMENTO
Com a entrada de dez novos membros no bloco, as discussões sobre o impacto do
alargamento sobre os países ricos ressurge e influencia nos resultados dos referendos sobre a
constituição. Os trabalhadores dos novos Estados integrados ao bloco, inclusive os bem
qualificados, estão mais dispostos a trabalharem por menos que os trabalhadores dos países
antigos do bloco. Desta forma, surgem também outras perguntas, como por exemplo, se os
14
salários mínimos abaixarão, se as indústrias realocarão suas bases para os novos Estados,
levando com elas as oportunidades de trabalho.
A Agenda de Lisboa focou nas transformações que aconteceram nas economias das
sociedades avançadas. Um novo tipo de economia chegou e está aqui para ficar. As mudanças
sociais que acompanharam essas transformações não foram observadas com devida
necessidade pelos analistas, a rotina da vida dos cidadãos mudou radicalmente. Essas
mudanças precisam ser identificadas e analisadas para entendermos as implicações que têm
sobre as políticas. Precisa-se discutir com fundamentos a idéia de justiça social nos debates
sobre Lisboa, a falta de uma análise profunda é um dos motivos pelo qual é tão difícil aplicar
a Agenda de Lisboa. Tem-se que provar com evidências claras, de que a reforma promove
justiça social, e não piora a situação. Tem-se de mudar a idéia que se tem sobre o que é o
bem-estar social. A idéia não significa apenas evitar riscos, e sim mudanças no estilo de vida
que sejam positivas, ou seja, não é apenas evitar as dificuldades, mas melhorar a situação em
geral, independente de uma dificuldade existente. A questão da diversidade cultural deve ser
trazida para o centro dos debates sobre o bem-estar social. É um dos elementos básicos que
devem ser reformulados junto com o modelo social. Buscar maneiras de relacionar a
diversidade com os valores culturais comuns a estas sociedades. Nas palavras de Kraus (2008,
p.8) Europe is a mosaic composed of different ethnic, regional or national patterns of
identification, manifold historical traditions and a variegated set of languages and cultural
standards.
Quando discutimos os problemas do alargamento, os argumentos fogem desta questão
identitária e focam em outros problemas. O mesmo aconteceu com a proposta da Constituição
Única da União, que, de acordo com discurso dos políticos, seria apenas a consolidação de um
projeto que já estava em andamento. Problemas muito piores foram mascarados nas
discussões acerca da Constituição Única, mudanças radicais na rotina dos europeus seriam
muito mais importantes de serem levadas em consideração.
O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE
Subsidiariedade é um princípio do Direito Comunitário muito importante de ser
observado para se analisar o funcionamento ideal de um bloco de integração. Basicamente o
princípio diz que o ente maior, a Comunidade, só deve interferir quando for claramente
necessário para garantir o sucesso dos objetivos da comunidade. Este princípio ajuda a
explicar o motivo para a formação de comunidades de integração, pelo aspecto negativo que
15
evidencia, sendo ele o fato de que o Estado em algum momento ou em algum setor não tem
capacidade de atuar sozinho e solucionar seus problemas. Desta forma, o valor da
subsidiariedade está no fato de que a Comunidade maior tem capacidade para interferir e
ajudar o Estado quando e onde ele não consegue o fazer sozinho. Uma integração regional é
regida pela subsidiariedade da Comunidade em relação a seus membros. O princípio da
subsidiariedade é explicado observando as raízes etimológicas da palavra, onde o vocábulo
latino subsidium significa ajuda, encorajamento, e no que se refere a uma Comunidade,
significa o apoio que um ente maior oferece para os entes menores a fim de garantir o respeito
aos direitos (QUADROS, 1995, p.14).
O princípio da subsidiariedade serve hoje como guia para a União Européia decidir
quando deve agir naqueles setores que não são de sua competência exclusiva. O motivo para
se incluir este princípio nos tratados comunitários é de proteger a capacidade dos Estados
membros de tomarem decisões e ações por conta própria resguardando em parte a soberania
dos Estados, e ao mesmo tempo proteger a União para realizar tais interferências que sejam
necessárias para concluir os objetivos da comunidade como um todo. CARNEIRO (2007,
p.50) coloca que o fundamento do princípio da subsidiariedade, como se evidencia, é
justamente a diversidade, o pluralismo de interesses, existentes tanto no interior de cada
membro, mas também entre os Estados entre si, e entre os Estados e a própria Comunidade.
Exclusivamente, no caso europeu o princípio só se aplica aos setores que têm
competência partilhada entre a União e os Estados membros. Se o setor for de competência
exclusiva da União ou do Estado membro o princípio não é válido. Com o Tratado de Lisboa
delimitando claramente os poderes de competência exclusiva da União a aplicação do
princípio da subsidiariedade ganhou uma aplicação também mais clara. Ele serve para regular
as ações da União Européia, a fim de garantir que nos setores em que o nível de autoridade do
Estado, seja o local, regional ou central sejam capazes de suficientemente cumprir suas tarefas
a União não interfira, e também justifica a intervenção quando as autoridades não
conseguirem satisfatoriamente cumprir suas metas. Isto está regulado através do artigo 5(3) do
Tratado da União Européia:
Em virtude do princípio da subsidiariedade, nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva, a União intervém apenas se e na medida em que os objectivos da acção considerada não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros, tanto ao nível central como ao nível regional e local, podendo
16
contudo, devido às dimensões ou aos efeitos da acção considerada, ser mais bem alcançados ao nível da União.23
Pode-se observar as três condições colocadas para observar se a ação da União é ou
não contrária ao princípio. Primeira, deve-se observar se é ou não uma área em que a
competência seja exclusiva da União. Segunda, se não é de competência exclusiva da União
os objetivos não poderiam ser satisfatoriamente alcançados com a ação dos Estados membros.
Terceira e última condição, se estes objetivos poderão então serem mais bem sucedidos
através da ação da União. Se estas três condições estiverem sendo respeitadas então a ação da
União Européia não estará desrespeitando o princípio da subsidiariedade.
O Tratado da União Européia já dispunha em seu artigo 12(b) 24 que uma das funções
dos parlamentos nacionais é de monitorar e agir para que o princípio da subisidiariedade seja
cumprido dentro da União. Segundo a legislação vigente da União Européia, qualquer
parlamento nacional tem oito semanas a partir da data de publicação de uma proposta de ato
legislativo para enviar aos presidentes do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão
Européia uma argumentação fundamentada sobre o motivo da lei proposta em questão não ser
compatível com o princípio da subsidiariedade, e se esta argumentação receber ao menos um
terço dos votos reservados para Parlamentos nacionais, o draft tem de ser revisto.25 Ou então,
se em um procedimento comum uma maioria simples de Parlamento nacionais concordarem
que a proposta legislativa discutida for contrária ao princípio, a questão é levada ao
Parlamento e Conselho europeus, que decidem se a proposta é compatível ou não com o
princípio. Para isso, é necessário uma maioria de ao menos 55% dos membros do Conselho
Europeu ou então uma maioria da votação no Parlamento Europeu. Portanto, a grande
mudança positiva que o Tratado de Lisboa trouxe para o uso do princípio da subsidiariedade,
foi ter fortalecido na prática o papel dos parlamentos nacionais em monitorar o respeito ao
princípio. Ao limitar bem as competências da União e a dos Estados membros, o Tratado de
Lisboa facilitou o monitoramento da aplicação correta do princípio da subsidiariedade.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
23 A versão consolidada do texto do Tratado da União Européia em português está disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:083:0013:0046:PT:PDF>. Acesso em: 18 jun. 2010. 24 O artigo 12(b) do Tratado da União Européia dispõe que: Os Parlamentos nacionais contribuem ativamente para o bom funcionamento da União: Garantindo o respeito pelo princípio da subsidiariedade, de acordo com os procedimentos previstos no Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. 25 Quando se trata de uma legislação em relação à cooperação policial e judicial em questões criminais essa exigência passa a ser de apenas um quarto da votação.
17
Quando se coloca que o ano de 1989 marca uma divisão na história da União Européia
é porque até então a integração européia estava marcada pelo contexto da Guerra Fria. A
identidade do bloco era marcada pelo contraste do liberalismo econômico dos norte-
americanos com o socialismo estatal. Quando se afirma que a União Européia não pode
simplesmente ser a mesma depois de 1989 não se deve apenas ao fato de ter aceitado muitos
outros Estados pobres como membros, e sim porque a identidade do bloco mudou
profundamente, tornando-se problemática. Abrir o bloco para os Estados do leste não foi
simplesmente um alargamento, como os líderes gostam de se referir ao processo (GIDDENS,
2007).
Não se discute que na época em que o comunismo dominou o leste europeu, ele
representava algo que ameaçava o ideal defendido pelos europeus ocidentais. Mas, ainda
assim, a região era mais estável. A União Soviética controlava a região e era responsável por
manter certa estabilidade. Com o fim da Guerra Fria e os eventos de 89, a responsabilidade
soviética chega ao fim e a região torna-se um problema muito pior do que era antes.26 A
decisão de abrir as fronteiras da União Européia pode ser vista como uma tentativa dos líderes
europeus de trazer pra junto de si seus inimigos, mantê-los perto para que possam observá-los.
As constituições de muitos novos Estados, como a República Tcheca27, a Eslováquia28, a
Eslovênia29 e Lituânia30, foram mais um motivo para os europeus se preocuparem em manter
um controle da região. Desde 89, muitos quilômetros de divisão territorial foram redefinidos e
sabe-se que a população não está totalmente satisfeita com as fronteiras estabelecidas, o
sentimento de que algum pedaço de terra dado a outros os pertence é comum no leste europeu.
A inclusão da Turquia tornou-se um objetivo essencial neste processo de influência e controle
europeu sobre o Oriente Médio.
A proposta da Constituição não mencionou como lidariam com estes problemas, e por
isso vê-se que os cidadãos franceses e holandeses que disseram não em seus referendos sobre
a aprovação da constituição tinham preocupações muito maiores do que apenas o problema de
criar uma identidade legal da União no sistema ou dar mais autonomia ao bloco nos processos
de tomada de decisão. As mesmas forças que provocaram os eventos de 1989 são as que
assombram hoje a União Européia, mudança na rotina de vida dos cidadãos e as mudanças
26 Para uma discussão sobre a situação dos conflitos após o fim da Guerra Fria, ver KAPLAN, Robert D. The coming anarchy: shattering the dreams of the post Cold War. New York: Vintage Books, 2001. 27 Constituída em 1993, após a divisão da Checoslováquia. 28 Constituída em 1993, após a divisão da Checoslováquia. 29 Proclamou independência em 1991. 30 Proclamou independência em 1990.
18
causadas pela globalização acelerada. O avanço da comunicação hoje é tão grande que não
permite que sociedades se mantenham tão fechadas como antes. Os cidadãos neste contexto
querem liberdade e autonomia, e os Estados que não conseguem se adaptar a este meio estão
fadados ao fracasso.
Considerando as mudanças no mundo hoje, é preciso não só mostrar como a União
Européia funciona, mas convencer o mundo novamente do porquê de sua existência. Dizer
que a União trouxe paz para a Europa não é mais suficiente para convencer o povo da
existência da organização. Segundo Giddens (2007) um dos efeitos benéficos da Era Global é
que agora as nações não têm mais aquele ímpeto de promover guerras por causa de territórios.
Obviamente ainda existem grupos pequenos que lutam por isso, como o IRA31 e o ETA32 na
Europa, mas em nível estatal, é muito mais comum hoje os Estados mais fracos brigarem por
causa de territórios do que os Estados fortes, como os da União Européia. Os riscos de hoje
são outros, como o terrorismo ou armas nucleares, a probabilidade de ocorrer hoje alguma
guerra territorial na Europa é muito pequena.
A percepção da identidade nacional antigamente era obtida pela oposição com as
outras nações, principalmente as nações inimigas. O último sistema internacional que
propiciava essa visão era o da Guerra Fria. Agora as nações, incluindo os membros da União
Européia, têm de se definir como nações de outra maneira, o que não implica que o Estado-
nação tende a acabar, muito pelo contrário, pois hoje o Estado tem de se firmar não contra um
inimigo só ou uma pequena coalizão de Estados inimigos, e sim contra um mundo todo. A
nação de hoje tem de defender seus interesses se reafirmando perante um mundo
interconectado, onde os inimigos não são mais bem definidos.
Neste mesmo processo, enquanto a globalização se aprofunda, as nações acabam
desenvolvendo interesses comuns e os regionalismos surgem em diversas partes do mundo,
não é só a Europa que vive este fenômeno, a América do Sul33, África34 e Ásia35 têm suas
31 No começo do século XX, Organizações nacionalistas na Irlanda deram início ao IRA, um grupo de resistência católico para protestar contra a opressão protestante no país naquela época. Desde sua formação original, o IRA, se desmembrou em vários grupos posteriores, e que apesar de terem assumidos outros nomes, o termo IRA continua sendo usado comumente para se referir às organizações paramilitares de resistência que atuam na Irlanda do Norte. Para mais, acessar <http://www.globalsecurity.org/military/world/para/ira.htm>. Acesso em: 21 nov. 2009. 32 Fundado em 1959, o grupo ETA deu início às suas atividades que tinham como objetivo político a soberania e autodeterminação do povo basco. Passaram a adotar uma política de luta armada em 1968. Suas intenções incluíam a separação territorial da Espanha e França para a formação de um novo Estado autônomo Basco. Para mais, acessar <http://www.cdi.org/terrorism/eta.cfm>. Acesso em 22/11/2009 às 14:00 horas. 33 Com o Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai iniciam na América do Sul um bloco de integração econômica denominado Mercosul (Mercado Comum do Sul). Para mais, acessar <http://www.mercosul.gov.br/>. Acesso em: 19 jun. 2010.
19
versões de regionalismo acontecendo. E inclusive a interação dos vários blocos regionais
entre si é muito comum.
O grande princípio a ser apoiado para responder aos motivos da existência da UE é de
que a cooperação e o compartilhamento de recursos permite aos membros terem mais poder
de negociação do que teriam se não participassem do bloco. Ao pensar superficialmente
alguns acreditam que dividir essa autonomia nacional significa perda da soberania estatal, o
que não é verdade se analisada com profundidade a questão. O peso da voz da União Européia
em um ambiente de negociações é muito maior do que o peso de um Estado sozinho. Ser
representado através da União Européia garante aos Estados maior poder de negociação do
que poderiam ter sozinhos. No mundo atual, o porquê de se associar a um bloco vai muito
além de questões econômicas ou poder de barganha aumentado, a organização européia
também provê aos cidadãos muito mais segurança do que os Estados nacionais podem
oferecer36.
Existem papéis que a União Européia já representa e outros que ela pode e deve ainda
representar para os seus Estados membros. O bloco já tem a função de garantir a manutenção
da paz nas regiões próximas a ele, como a problemática área balcânica, mas eles devem e têm
capacidade de ainda proteger os cidadãos europeus de outras ameaças que surgiram neste
cenário internacional moderno, problemas como a mudança climática, terrorismo, doenças
pandêmicas e crime internacional.
A UE precisa se definir, e sem sombra de dúvidas se entende que hoje ela é um projeto
político, e não mais apenas econômico. No entanto, fica ainda o problema de se definir que
tipo de projeto político ela é. Muitos defendem a idéia do Federalismo, que atualmente é
considerado um pensamento ultrapassado. Segundo a visão federalista essa a União Européia
se tornará um super-estado, o que é muito improvável.
O pensamento federalista se concentra essencialmente em estruturar a Comunidade Européia com as características próprias do modelo federal. Estas são as razões desta tendência, que pretende reconhecer nos órgãos estabelecidos pelos Tratados constitutivos similitudes com a organização constitucional do Estado federal e
34 O principal bloco de integração econômica na África é o SADC (Southern African Development Community), iniciado em 1980 conta atualmente com 15 Estados membros. Para mais, acessar <http://www.sadc.int/>. Acesso em: 19 jun.2010. Outro processo de integração na região africana é o União Africana (African Union), iniciado em 1999. Para mais, acessar <http://www.africa-union.org/>. Acesso em: 19 jun. 2010. 35 O bloco de integração econômica na Ásia é a APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation), que também promove a cooperação dos países asiáticos com os países da região Pacífico. Iniciou em 1989. Para mais, acessar <http://www.apec.org/>. Acesso em: 19 jun. 2010. 36 Observar o discurso feito por Lord Robertson, então Secretário Geral da OTAN em 11 de junho de 2001, intitulado European Defence: Challenges and Prospects. Disponível em <http://www.otan.nato.int/docu/speech/2001/s010611a.htm>. Acesso em : 19 jun. 2010.
20
invoca, como reforço, a supremacia do direito comunitário sobre os direitos dos Estados-Membros e de certas disposições comunitárias auto-aplicadas e obrigatórias no ordenamento jurídicos dos Estados-Membros (OLIVEIRA, 2005, p. 47).
Além disso, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que coloca a possibilidade
de o Estado sair do bloco de integração regional, a idéia de um federalismo “literal” não
caberia mais como possível projeto político da União Européia.
Outros defendem a idéia de um intergovernamentalismo, uma espécie de um conselho
de nações. Algumas nações menores do bloco temem o modelo federalista com medo de que
sua capacidade de voz dentro da comunidade seja diminuída. E os recentes membros que
acabaram de escapar do controle da União Soviética desejam menos ainda este modelo
federalista, o intergovernamentalismo seria muito mais bem aceito entre estes.
Três princípios estão vinculados ao institucionalismo intergovernamental: primeiro, o intergovernamentalismo implica na asserção de que os governos nacionais são os atores principais e a União Européia é considerada um campo para a continuação das políticas domésticas por outros meios; segundo, as negociações são feitas sobre um denominador comum mínimo, que reflete a oposição de poder dos Estados-Membros, incluindo mecanismos de compensação aos Estados-Membros menores; terceiro, refere-se a proteção das soberanias nacionais dos Estados-Membros, a fim de evitar uma outorga sem limites claros às instituições centrais (OLIVEIRA, 2005, p.55).
Mesmo que o federalismo seja considerado um modelo descartado, há pontos
fundamentais que ele apresenta que devem ser respeitados para se definir qual é o verdadeiro
projeto político da União Européia. O mais importante a ser aprendido com eles é a
necessidade de se melhorar o processo de tomada de decisão e a liderança do bloco. Estes dois
pontos podem ser alcançados sem que se aprofunde no modelo federalista37. Porém um
modelo intergovernamentalista permite que os Estados privilegiem os interesses nacionais
prejudicando os interesses comuns do bloco e também que os Estados maiores se imponham
sobre os menores, o que acontece na prática hoje.
Para Kraus (2008), o debate sobre a legitimidade da União começou com a pergunta se
a UE sofria ou não de um déficit democrático, e o autor acredita que se o bloco União
Européia se candidatasse como membro de sua própria comunidade, provavelmente não seria
aceito em seu domínio institucional, por falhar em atingir o critério democrático que impõe
sobre todos os membros. Giddens (2007) corrobora essa idéia da falha democrática do bloco,
37 Seguindo a lógica do trabalho, que não defende o federalismo, não serão feitas maiores explicações sobre esta corrente teórica. Para aprofundar sobre o argumento eurofederalista ver NIESS, Frank. Die Europäische Idee – aus dem Geist des Widerstands. Frankfurt: Suhrkamp, 2001. p. 47.
21
e acredita que um projeto político para a União Européia não precisa ser criado, pois já existe
um equilíbrio institucional democrático acontecendo no bloco que precisaria apenas de ser
melhorado e bem definido. Por exemplo, a Constituição Única da União seria apenas mais um
instrumento a solidificar um projeto político que já está em andamento. Nesta mesma lógica,
pode-se dizer que o aprofundamento da integração não necessariamente excluirá o elemento
democracia. Kraus (2008) também concorda que o fraco déficit democrático europeu é apenas
uma questão transitória, que deve deixar de causar grandes impactos assim que uma
legitimidade democrática for alcançada no nível transnacional.
Fukuyama (2004), Ignatieff (2003) e Krasner and Pascual (2005) colocam a
democratização como elemento essencial na construção de uma nação bem-sucedida.
Seguindo esse pensamento, Kraus (2008, p.14) confere ao processo de democratização como
uma etapa essencial para o sucesso do bloco, afirmando que in recent years, the experiences
with failed states in different areas of the world seem to have led to a general renaissance of
approaches which make democratization contingent upon successful nation and state
building.
O autor acredita existir basicamente duas etapas a serem discutidas sobre a integração
e democracia na Europa. Primeiro, deve-se delimitar a competência entre a EU, os Estados e
os níveis subnacionais, em alguns Estados. E a segunda etapa é implantar princípios
democráticos nas estruturas institucionais da União que permitam legitimar essa política
européia emergente. A etapa da delimitação de competências deve levar em conta critérios
que garantam a eficiência funcional, e oferecer maior transparência na política multinível. A
questão da segunda etapa é testar a possibilidade de construir uma política européia
compatível com as regras democráticas já estabelecidas na Europa.
Em modernas democracias ocidentais, a legitimidade das regras políticas vem do
princípio de soberania popular, mas como o caso da UE é de uma sociedade diferenciada, o
princípio não pode ser aplicado em tal maneira direta (KRAUS, 2008, p.17). A soberania se
torna manifesta nas estruturas institucionais criadas para os governados controlarem seus
governantes. Assim, um ponto principal seria existir eleições regulares para os cidadãos
escolherem seus representantes, e no sistema institucional europeu isso ainda não existe
apropriadamente. Das instituições européias, três são as responsáveis pelas tomadas de
decisão e pelas políticas adotadas, o Conselho da União Européia, a Comissão Européia38 e o
38 A Comissão é a instituição européia que tem o monopólio sobre a iniciativa legislativa e importantes poderes executivos em políticas como competitividade e comércio exterior. É o principal corpo executivo da EU. Para
22
Parlamento Europeu39, são chamados pela própria UE de o triângulo institucional da
organização.40 Destes, o principal órgão legislativo é o Conselho Europeu, que não responde
diretamente ao eleitorado europeu, e o mesmo acontece com a Comissão Européia, sendo
somente o Parlamento Europeu eleito pelos cidadãos europeus, mas suas competências
legislativas são bem limitadas. O tratado de Lisboa não considerou tais idéias com a atenção
que mereciam. Ao menos, todas as propostas diferentes que são defendidas para a
democratização da Europa parecem concordar que este objetivo só pode ser alcançado através
de uma reforma das instituições políticas.
Ao discutir os aspectos institucionais da compatibilidade e capacidade democrática da
EU, volta-se a um problema substancial. Na questão da compatibilidade, até que ponto a
integração entra em conflito com a soberania de um demoi41. O princípio da subsidiariedade
oferece ou não proteção suficiente para as estruturas democráticas nacionais, regionais e
locais para não serem comprometidas pela europeinização42 da construção de decisão política.
Na questão da capacidade, o problema é saber as chances de se estabelecer genuinamente um
demos43 transnacional na EU. Conclui-se que o déficit democrático europeu corresponde
significativamente aos problemas de um déficit de demos que acaba comprometendo todas as
iniciativas para democratização do sistema europeu. Essa tese é defendida por autores de
diferentes nacionalidades dos países do bloco, mostrando que esse pensamento não surgiu
como uma idéia particular, tem-se Scharpf (1999) na Alemanha, Manent (1997) na França,
Siedentop (2000) no Reino Unido e Zetterholm (1994) na Dinamarca. E por isso, os
problemas relacionados com o déficit democrático não podem ser separados da questão sobre
a qualidade e o papel de um demos europeu no processo de construção política transnacional.
Kraus (2008) acredita que as bases culturais e sociais são os elementos disponíveis para o
mais ver sobre status legal, composição, organização e operação da Comissão acessar <http://www.europarl.europa.eu/parliament/expert/displayFtu.do?language=en&id=74&ftuId=FTU_1.3.8.html 39 A organização e operação do Parlamento Europeu são governadas por suas regras de procedimento. As partes gerenciais, comitês, delegações e grupos políticos guiam as atividades do Parlamento. Sua estrutura geralmente muda após revisões dos tratados e alargamentos. Para mais ver <http://www.europarl.europa.eu/parliament/expert/displayFtu.do?language=en&id=74&ftuId=FTU_1.3.3.html 40 Ver <http://www.europarl.europa.eu/parliament/expert/displayFtu.do?language=en&id=73&ftuId=theme1.html 41 Demoi é o plural de demos e se refere aos povos comuns de diversos Estados. 42 Europeinização é um termo comumente usado por diversas abordagens teóricas que buscam entender um fenômeno ocorrendo por causa do estabelecimento da União Européia. Entende-se por Europeinização uma série de processos que influenciam e envolvem não só os Estados membros da União Européia, como os candidatos à membros e os vizinhos europeus. Para uma discussão sobre os diferentes processos vinculados ao termo europeinização ver OLSEN, J (2002). The Many Faces Of Europeanization. Journal of Common Market Studies, 40 (5) 921-52 43 Demos é um termo do Grego antigo e se refere ao povo de um Estado.
23
fortalecimento da UE como uma comunidade política, deixando claro o entendimento da
relação intrínseca entre identidade, cultura e democracia na Europa contemporânea.
A essência da União Européia é muito bem explicada nas palavras de Joseph Weiler:
Constitutional actors in the member states accept the European constitutional discipline not because as a matter of legal doctrine, as is the case in the federal state, they are subordinate to a higher sovereignty and authority attaching to the norms by the federal principle, the constitutional demos. They accept it as an autonomous voluntary act, endlessly renewed on each occasion of subordination, in the discrete areas governed by Europe, which is the aggregate expression of other wills, other political identities, other political communities (WEILER, 2002, p.68).
Quando os europeus acreditarem que são submissos a regras porque derivam de
valores comuns a todas as comunidades envolvidas no bloco, passarão a legitimar o poder da
União Européia.
A CRIAÇÃO DE UMA IDENTIDADE EUROPÉIA
A cidadania européia é a ferramenta principal da União para o desenvolvimento de
uma identidade européia. Os artigos 17 a 22 do Treaty Establishing The European Community
apresentam as bases para definir o que é uma cidadania européia, quem tem direito a ela, e os
direitos e deveres de um cidadão europeu. O principal objetivo é estabelecer como se dá a
relação entre o cidadão e a União Européia, fomentando o sentimento de identificação do
cidadão com a Comunidade, criar uma opinião pública européia e aumentar a consciência da
identidade européia. Para todo cidadão europeu os principais direitos que a cidadania lhe
garante são o direito de mover e residir livremente dentro dos Estados membros da União
Européia44 e o direito de votar e se candidatar em eleições para o Parlamento Europeu e em
eleições municipais do Estado membro em que o cidadão residir.
O artigo 1745 do EC Treaty46 apresenta um ponto muito importante para o
desenvolvimento da identidade européia ao enfatizar que a cidadania européia apenas
complementa e não substitui a cidadania nacional da pessoa. Ao deixar claro que a União não
pretende eliminar a cidadania nacional, um elemento principal que compõe a identidade de
um povo, o cidadão se torna mais receptivo ao desenvolvimento da identidade européia.
Porém, ao mesmo tempo em que o artigo 17 representa com esta colocação um ponto 44 Essa liberdade de movimento está sujeita a algumas limitações justificadas por políticas de segurança e saúde públicas. Observar artigos 39(3), 46(1) e 55 do EC Treaty. 45 O artigo 17(1) do EC Treaty dispõe que: Citizenship of the Union is hereby established. Every person holding the nationality of a Member State shall be a citizen of the Union. Citizenship of the Union shall complement and not replace national citizenship. 46 Abreviatura que se refere ao European Community Treaty.
24
fundamental para o desenvolvimento da identidade européia ele acaba prejudicando o
processo. Segundo o artigo 17 do EC Treaty todo indivíduo que tenha nacionalidade de um
Estado membro é um cidadão da União Européia. No entanto, como a nacionalidade de cada
país é definida de acordo com a legislação de cada Estado, isto representa uma fragilidade
para a União. Já que os Estados são autônomos para serem mais liberais na questão de
conceder cidadania nacional, podem ser grandes receptores de movimentos migratórios que
ao trazerem ainda mais diversidade cultural ao bloco comprometem e retardam o
desenvolvimento da identidade européia.
Dentre os direitos que o cidadão deve ter garantido pela União, os direitos
fundamentais são os primeiros a serem discutidos pois são, sem dúvida, a base para o
desenvolvimento de todos os outros direitos, além disso para se exigir os deveres a um
cidadão europeu, seus direitos fundamentais devem estar muito bem assegurados. Um
discurso47 dado em 18 de março de 2010 pela vice-presidente da European Comission
responsible for Justice, Fundamental Rights and Citizenship, Viviane Reding48, exemplifica
bem as posições recentes que a União vem tomando em relação à proteção aos direitos
fundamentais, apresentando-a como uma das preocupações mais básicas do Direito
Comunitário Europeu, no entanto nenhum dos tratados constitutivos dispõe uma lista clara
sobre o que seriam os direitos fundamentais do cidadão europeu. Por isso, para garantir que os
direitos fundamentais estejam seguros na aplicação e interpretação do Direito Comunitário, a
União Européia adotou uma Carta de Direitos Fundamentais, que também serve para
assegurar os indivíduos à não interferência dos órgãos europeus na soberania de seus Estados.
A Carta cobre direitos em três grandes áreas, a dos direitos civis, dos direitos políticos e dos
direitos sociais e econômicos49. A Carta dos Direitos Fundamentais, em seu artigo 22, impõe
à União Européia uma obrigação de respeitar a diversidade lingüística. A União afirma que o
respeito à diversidade é um valor essencial do bloco, não só aos idiomas, mas também o
respeito à pessoa humana e aceitação a outras culturas. Apesar da Carta dos Direitos
47 A vice-presidente da European Comission responsible for Justice, Fundamental Rights and Citizenship fez um discurso em 18/03/10 na cidade de Bruxelas onde afirmou que the Charter should become the compass for all EU politics. Disponível em <http://europa.eu/rapid/pressReleasesAction.do?reference=SPEECH/10/108>. Acesso em: 19 jun. 2010. 48 Para mais informações sobre a European Comission responsible for Justice, Fundamental Rights and Citizenship e sua vice-presidente, acessar <http://ec.europa.eu/commission_2010-2014/reding/index_en.htm>. Acesso em: 21 jun. 2010. 49 Nenhum dos direitos é novidade, mas o mérito da Carta está em reunir em um só documento oficial os direitos fundamentais reconhecidos no ambiente europeu, implementando o princípio da indivisibilidade dos direitos fundamentais, e acabando com a distinção que existia até então entre os direitos civis e políticos, e entre os direitos econômicos e sociais. Para mais, acessar <http://www.europarl.europa.eu/factsheets/2_1_2_pt.htm>. Acesso em: 19 jun. 2010.
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Fundamentais de fato tocar questões relevantes à preservação identitária dentro da União
Européia, a falha está no tempo de sua adoção que veio consideravelmente tarde, no ano de
2000. E ainda, de acordo com o artigo 6 do Tratado da União Européia, a Carta de Direitos
Fundamentais só se tornaria legalmente aplicável quando da entrada em vigor do Tratado de
Lisboa. Como Lisboa só entrou em vigor no final de 2009 a obrigação à execução dos
dispostos na Carta foram exigidos mais tarde ainda. Esses atrasos colaboram para dificultar o
processo de aprofundamento da União Européia e representam uma grande falha da política
de desenvolvimento social européia.
Além das questões envolvendo a cidadania européia, ações que promovam a aceitação
da diversidade cultural dentro do bloco são muito importantes para mostrar ao europeu que a
sua cultura não será deteriorada no processo de aprofundamento do bloco. As chamadas
Common Policies são políticas que seguem uma linha de ação harmonizada e guiada pela
Comunidade em certas áreas, que têm a intenção de provocar resultados melhores e alcançar
os objetivos propostos50. O relevante das Common Policies para a discussão dos desafios
atuais da União Européia em suas questões identitárias está em seu tocante à cultura e
educação, onde a União desenvolveu políticas comuns para promover a diversidade
lingüística, onde se coloca os idiomas como uma riqueza da diversidade cultural da Europa. E
a União acredita que a capacidade dos cidadãos europeus de se comunicarem em mais de um
idioma é um elemento positivo no mundo competitivo, sendo assim, um dos objetivos da
política comum da União sobre cultura e educação é fazer com que cada cidadão europeu
saiba se comunicar fluentemente em mais dois idiomas além da língua materna. A capacidade
de se comunicar em outras línguas melhora a competitividade do trabalhador europeu e
proporciona o melhor uso da liberdade de movimento dentro do bloco.
Para alcançar estes objetivos a União Européia pede o apoio de seus Estados membros
para melhorarem o acesso do cidadão ao aprendizado de outros idiomas, sugerindo que
oportunidades no sistema educacional sejam mais amplas e incentivos ao aprendizado desde
crianças. Além disso, programas de apoio foram criados pela União para promover o
aprendizado e cooperação entre os estudantes de outros países. Os principais programas de
apoio financeiro aos estudos foram o The Socrates and Leonardo da Vinci educational and
vocational training programmes51. Outro programa é o Lingua52, que apóia diversos projetos
50 São conhecidas como políticas comuns por tocarem todos os Estados membros. Essas políticas são destinadas a diversas áreas, como coesão regional, transportes, sociedade, meio ambiente e desenvolvimento tecnológico. 51 O projeto foi lançado em 1995 e incluía oito áreas de ação, onde quatro eram sobre promover aprendizado de idiomas.
26
envolvendo o incentivo aos cidadãos europeus para conhecerem a diversidade lingüística
presente no ambiente europeu. O mais famoso programa é o Erasmus53, que foca na
cooperação no nível de educação superior através da mobilidade dos estudantes. O dia 26 de
setembro foi estabelecido pelo Conselho Europeu como o European Day of Languages54,
celebrado todo ano desde 2001 com vários eventos promovendo o aprendizado de idiomas. O
principal programa atual é o Integrated Action Programme in the Field of Lifelong Learning55
que tem o período de 2007 a 2013 para apoiar financeiramente a educação na Europa. Este
programa também se relaciona com os programas anteriormente mencionados. Outros
programas desenvolvidos pela União Européia incluem o apoio à tradução de livros e textos,
dublagem e legendas do cinema europeu.
Outra das intenções da União Européia é facilitar sua comunicação com os cidadãos
europeus em seus próprios idiomas. Assim, dispõe que qualquer cidadão europeu tem o
direito de escrever a qualquer um dos órgãos pertencentes ao bloco em qualquer um dos
idiomas citados no artigo 314 e obter a resposta neste mesmo idioma. Acredita-se que usar os
idiomas dos cidadãos garante maior transparência e legitimidade à organização. O Tratado de
Lisboa reafirma o respeito da União Européia à diversidade lingüística, alterando o artigo 3(3)
do Tratado da União Européia, referente aos deveres da União Européia, onde se lê agora It
shall respect its rich cultural and linguistic diversity, and shall ensure that Europe’s cultural
heritage is safeguarded and enhanced.56
O método aberto de coordenação, já discutido no texto, é a ferramenta principal
utilizada pela União Européia para gerar cooperação entre suas instituições e os Estados
membros. Assim como o incentivo ao aprendizado de outros idiomas, a União criou diversos
52 Para mais informações sobre o programa Lingua acessar <http://ec.europa.eu/education/programmes/socrates/lingua/index_en.html>. Acesso em: 19 jun. 2010. 53 Para mais informações sobre o programa Erasmus acessar <http://ec.europa.eu/education/lifelong-learning-programme/doc80_en.htm>. Acesso em: 19 jun. 2010. 54 Em 2001 foi declarado pela União Européia e o Conselho Europeu o European Year of Languages, ano em que diversos projetos envolvendo a diversidade lingüística foram desenvolvidos, e o sucesso desta iniciativa levou o Conselho a criar esta data para celebração anual. 55 Para mais informações sobre o Integrated Action Programme in the Field of Lifelong Learning acessar <http://www.etui.org/education/SETUP-Support-for-European-Trade-Union-Projects/Updated-information-about-EU-grants-for-trade-union-development/European-Union-Programmes-and-Budget-Lines/Education-and-Training/Integrated-Action-Programme-in-Lifelong-Learning-2007-2013>. Acesso em: 19 jun. 2010. 56 Ademais, os idiomas menos usados também encontram apoio de organizações para sua preservação como o EBLUL (European Bureau for Lesser-Used Languages), uma ONG estabelecida em 1982 com o apoio do Parlamento Europeu, e além disso a Comissão Européia criou uma iniciativa para um estudo detalhado em línguas minoritárias chamado de Euromosaic que investiga a situação desses idiomas no Estados membros da União Européia.
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programas de ação para promover a cultura. Os primeiros foram o Kaleidoscope Programme57
e o Ariane Programme58. Atualmente o Culture Programme59, com o período de ação de 2007
a 2013 continua com as ações culturais, promovendo a circulação transnacional de trabalhos
artísticos e culturais. Em maio de 2007 a Comissão Européia apresentou A European agenda
for culture in a globalising world60, onde colocou novos objetivos para a União Européia no
que diz respeito à cultura. Os três mais importantes foram a promoção da diversidade cultural
e diálogo intercultural, a promoção de cultura como um catalisador para a criatividade da
estratégia de Lisboa para crescimento e trabalho e a promoção da cultura como um elemento
vital nas relações internacionais dentro da União.
A União Européia parece ter definido sua abordagem para promover uma identidade
européia, tentativas de assegurar aos cidadãos que as culturas nacionais são resguardadas,
apresentação das ligações culturais entre os Estados europeus, promoção do aprendizado dos
idiomas utilizados no bloco e defesa da identidade européia como uma segunda identidade do
cidadão, da qual deveria ter orgulho em defender. Resta apenas observar se este tipo de
abordagem será eficiente, ou se as políticas proposta estão sendo de fato aplicadas. Com uma
última análise da aplicação desta aborgadem da União Européia, observa-se pela Tabela 161 a
existência de uma diferença discrepante entre o número de atos legislativos relativos a
questões sociais e identitárias e as outras áreas de atuação da União Européia.
Não se discute que devido à história da União Européia, por seu início como bloco
econômico, o número de atos legislativos contemplando as áreas econômicas deve ser maior
que o número de atos referentes às outras questões. No entanto, desde que a intenção de
aprofundar o bloco surgiu, o número de atos sobre questões sociais deveriam ter aumentado
consideravelmente, o que não aconteceu. Dos 17757 atos legislativos vigentes na União
Européia até 01/05/2010, o People´s Europe, a área que trata da construção da sociedade
européia e portanto parte essencial na construção da identidade européia, tem somente 19 atos
legislativos em vigência. É possível dizer que até então a União Européia não dá a atenção
merecida aos problemas identitários.
57 Estabelecido em 1996 com o propósito de encorajar a criação artística e promover a disseminação da cultura dos povos europeus. 58 Estabelecido em 1997 para aumentar a cooperação entre os Estados membros na área da literatura, através da tradução e promoção do conhecimento literário. 59 A versão online do guia atual para o Culture Programme está disponível em: <http://eacea.ec.europa.eu/culture/programme/documents/programme_guide_culture_05_2010_en.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2010. 60 Para mais, acessar <http://ec.europa.eu/culture/our-policy-development/doc399_en.htm>. Acesso em: 19 jun. 2010. 61 Disponível em anexo.
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CONCLUSÃO
O sistema europeu precisa de uma reforma radical, que até hoje não aconteceu. A luta
pelo que a Europa representa, não só como um bloco de integração, continua. Seguem as
perguntas feitas na introdução deste trabalho, se um aprofundamento e alargamento do bloco
são desejados, o que é hoje a União Européia? Qual é ou deveria ser seu projeto? E quais
mecanismos internos usará para alcançar esse projeto?
Ao mesmo tempo em que se discute qual é o projeto atual da União Européia pode-se
apresentar os mecanismos que estão por detrás dele. Mostrando também quais mecanismos
são eficientes e quais devem ser repensados. A importância da discussão presente neste
trabalho não se restringe ao caso europeu, ela se deve à notória tendência nas relações
internacionais da formação de blocos que vão alem do caráter econômico, seja por vontade
expressa dos Estados ou pela inevitável interferência do campo econômico nos campos social
e político, que ocorre mais intensamente dentro do ambiente de uma comunidade de
integração. É preciso compreender os benefícios de se ter uma integração, e ao mesmo tempo
apontar e oferecer as possíveis soluções para eliminar os problemas da integração, para que os
cidadãos envolvidos em tais processos vivenciem apenas seus benefícios.
Existe, como discutido, um modelo social que é parte fundamental para os objetivos
do bloco. A dependência deste modelo sobre a economia para atingir seus objetivos de
proteção social acaba comprometendo seu sucesso. A União Européia mantém um mesmo
projeto para aplicar esse modelo social em todos os Estados membros, e essa uniformização
está prejudicando o sucesso do modelo. Sabendo deste problema, o projeto da União na
questão do modelo social que também inclui o sistema de bem-estar social, deve ser
desenvolvido de acordo com as particularidades de cada Estado. Valores em comum são
encorajados de serem estabelecidos dentro da sociedade européia, pois são essenciais para a
formação da credibilidade do modelo social, mas o projeto de aplicação dele está errado,
justamente por estar no singular. São necessários projetos diferentes para cada Estado a fim de
obter o sucesso dos sistemas de bem-estar social na Europa. Os políticos devem entender que
em certas áreas o projeto União Européia não pode ser único para todos os Estados.
Outro problema no projeto atual do bloco é não ter criado uma política efetiva de
integração dos imigrantes, não só ao mercado de trabalho, mas às sociedades nacionais. As
respostas xenófobas por toda a Europa, percebidas em países como Polônia, França, Bélgica,
entre outros tantos, são espelho da falta de aceitação que os europeus têm com os imigrantes.
29
Este problema reflete conseqüências em pontos essenciais para o aprofundamento da União,
como a demora para se aceitar a Constituição Única. A falta de um esforço maior em estudar
os problemas sociais do bloco produz a maioria dos obstáculos que devem ser superados para
alcançarem os objetivos propostos de aprofundamento e alargamento.
A União Européia não consegue reverter a situação do envelhecimento da população
européia. As reformas estruturais não foram programadas para atender os serviços públicos,
que são responsabilidades do governo. A maioria das soluções que o projeto contempla para
estes problemas é apresentada no Tratado de Lisboa, e quando este tratado é analisado ainda
se consegue encontrar lacunas que não permitirão o sucesso que o bloco espera alcançar. No
caso do método aberto de coordenação, que seria a principal ferramenta para contornar as
questões problemáticas, ele não consegue resolver a disparidade existente entre as regiões
européias. Os fundos arrecadados pela União, para darem suporte às políticas que visam a
diminuição das disparidades regionais em busca de uma coesão dentro do bloco, mostram-se
escassos, pois os números não são suficientes para começar a reverter de fato esta situação de
desigualdade. Quando da entrada de novos membros, o fundo não se reajustou para maior
arrecadação, piorando a situação que já era ruim. E também são mal aplicados, em áreas que
poderiam muito bem ser administradas pelos governos nacionais, ao invés de direcioná-los
para questões mais relevantes no âmbito do bloco.
A proposta do método aberto de coordenação é originalmente bem pensada como um
mecanismo para solucionar o problema de se estabelecer um nível de intervenção do bloco
sobre as políticas nacionais. A intervenção direta no âmbito nacional é necessária para o bloco
conseguir alcançar muitos de seus objetivos, que encontram obstáculos nas estruturas
nacionais. A intervenção permite que a tomada de decisão seja rápida e objetiva para
promover reformas estruturais. Porém o método está sendo aplicado de forma errada.
Novamente, ele não pode ser aplicado da mesma forma em todos os Estados membros. As
identidades nacionais requerem que este esteja adaptado às suas características e, apesar de os
Estados cederem um pouco de sua soberania, esta ainda seja visivelmente respeitada em
assuntos que uma competência supranacional não deve intervir. O método aberto de
coordenação não pode ser aplicado em um processo essencialmente vertical, como é hoje no
projeto da União. O projeto deve ser de uma forma horizontalizada, com a comunicação
aberta entre os Estados para discutirem os problemas e as lições que podem ser tiradas da
aplicação do método aberto.
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O projeto de alargamento deve passar a considerar mais os aspectos da diversidade
cultural dentro da Europa, o foco por enquanto está nas questões econômicas, o que não deixa
de ser importante, mas não é o único obstáculo visto pelos olhos dos cidadãos europeus.
Nestas áreas vê-se qual é o projeto da União Européia atualmente, e qual deveria ser
para evitar os problemas que derivam dele. Depois de observar como o projeto deveria ser,
vem a pergunta de quais mecanismos a União Européia usará para alcançar com sucesso seus
propósitos. A União não pode ter os mesmos mecanismos desenvolvidos como os de um
Estado, não é assim que o bloco se relaciona.
Após as conclusões alcançadas na tentativa de responder às duas perguntas sobre o
que é o projeto para o aprofundamento da União Européia e qual deveria ser, e quais
mecanismos esta utiliza, chega-se à conclusão de que a primeira pergunta proposta, sobre o
que é hoje a União Européia não consegue ser respondida. Percebe-se que o bloco não tem
mais o papel para o qual foi criado, e definir sua identidade, para que serve, e o que representa
hoje não é possível ainda, porque esta identidade não existe, está em construção. A União
Européia não é um Estado e não é mais só uma comunidade com uma área de livre comércio.
Ao longo do processo de integração, com a concretização dos objetivos propostos pelo
bloco, é mais provável de conseguir uma definição do que é a União Européia. É praticamente
impossível regressar o bloco a uma identidade de cunho econômico, e enquanto o projeto de
aprofundamento e alargamento mostra-se lento, a possibilidade de progredir na formação de
uma nova identidade tende a perdurar por muito tempo. Acaba se tornando um problema
cíclico, o progresso da União tornaria possível diagnosticar uma identidade, mas o obstáculo
maior que desacelera o processo é justamente a falta de uma identidade contemporânea. É
fácil responder o que a União Européia não é, e o que não deve e nem pode fazer. Caso o seu
projeto não seja remodelado de acordo com as exigências que o contexto social europeu
impõe sobre ele é impossível garantir um avanço concreto, e a identidade da União Européia
continua sem existir. O que é hoje a União Européia? Não se sabe.
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34
ANEXO A – Tabela 1
Tabela 1
Número de atos legislativos vigentes na União Européia em 01/05/2010 separados por área de ação
Àrea de ação Número de atos legislativos General, financial and institutional matters 1111 Customs Union and free movement of goods
848
Agriculture 3113 Fisheries 842 Freedom of movement for workers and social policy
482
Right of establishment and freedom to provide services
245
Transport Policy 642 Competition policy 1706 Taxation 165 Economic and monetary policy and free movement of capital
423
External relations 3191 Energy 370 Industrial policy and internal market 1449 Regional policy and coordination of structural instruments
370
Environment, consumers and health protection
1271
Science, information, education and culture
402
Law relating to undertakings 111 Common Foreign and Security Policy 423 Area of freedom, security and justice 574 People´s Europe 19
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