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DIFICULDADES DE APRENDIZADO NA LEITURA E NA ESCRITA :
repensando sobre o aluno que aprende diferente,
suas habilidades e desafios.
Ana Lúcia Toledo Fischer da Silva1
Maria Lídia Sica Szymanski2
“Se uma criança não pode aprender da maneira como
é ensinada, é melhor ensiná-la da maneira que ela pode
aprender”.
Marion Welchmann
Aprendizagem é um processo complexo, que envolve caminhos e tempos individuais
e se manifesta em conhecimento, acarretando direta ou indiretamente alguma mudança, que
deve ser relativamente duradoura, utilizada em favor do crescimento individual.
Segundo Freire (1992, p.27) “Só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do
aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isso mesmo, reinventá-lo,
aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas”.
Para Drouet (2006, p.9) existem pelo menos sete fatores fundamentais para que a
aprendizagem se efetive, seja qual for a teoria de aprendizagem considerada: saúde física e
mental; motivação; prévio domínio; maturação; inteligência; concentração ou atenção;
memória, sendo que, quanto a maturação, seria errôneo apoiar-se para avaliação unicamente
no critério cronológico, pois a idade mental deve prevalecer, principalmente para o ingresso
nas classes de alfabetização .
1 Pedagoga, Especialista em Ensino Especial / UNIVALE e Didática – Fundamentos Didáticos da Prática Pedagógica / Faculdade de Educação São Luiz. Professora da rede pública estadual – NRE/Cascavel/Paraná. Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/SEED/SETI/IES – PR;
2 Profª. Orientadora - Mestre e Doutora em Psicologia pela USP e Pós-Doutora em Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação pela FE-UNICAMP- szymanski_@hotmail.com.
Assim, o aprender e não-aprender estão vinculados a várias causas que se interligam
e não devem ser desprezadas quando o educador quer compreender os “porquês” de uma não
aprendizagem, e oferecer possibilidades para que o aluno possa aprender. Na verdade, esses
casos podem envolver várias dificuldades, atrás das quais existe um ou vários fatores
intervenientes. Como alertam Coelho e José (2006, p.24),
(N)na verdade quando o ato de aprender se apresenta como problemático, é
preciso uma avaliação muito mais abrangente e minuciosa. O professor não
pode se esquecer de que o aluno é um ser social com cultura, linguagem e
valores específicos aos quais ele deve estar sempre atento, inclusive para
evitar que seus próprios valores não o impeçam de auxiliar o aluno em seu
processo de aprender.
Estes fatores referem-se aos aspectos: sociais, familiares, individuais, culturais,
psicológicos e também pedagógicos. Ainda, é importante ressaltar que o aluno possui
características neuropsicológicas sobre as quais se desenvolve, e muitas descobertas
neurocientíficas de avaliação do funcionamento cerebral, estão trazendo novos
conhecimentos e/ou respostas para as questões da aprendizagem. A análise desses fatores é
imprescindível para a compreensão dos caminhos que se percorre para o desenvolvimento da
leitura e da escrita, acarretando avanços significativos e colaborando no processo efetivo de
democratização do ensino.
Compreende-se que estudar não é fácil, é necessário apropriar-se de conhecimentos
científicos, é preciso em quase todos os momentos muito esforço e vontade. Estudar dá
trabalho, mas pode ser prazeroso.
Uma tarefa é prazerosa quando pode ser desenvolvida com certa liberdade,
possibilitando a criatividade, a experimentação, o pensar. Segundo Szymanski e Pereira Jr.
(2006, p.34) “quando o conhecimento é apresentado ao aprendiz como uma provocação ao
pensamento, no sentido de melhor explicar o mundo, permite-lhe vivenciar tal prazer de
forma consistente o que promove a instalação do desejo de aprender”.
Faz-se necessário lembrar da importância dos vínculos afetivos estabelecidos com a
aprendizagem, pois um aluno pode esquecer-se de várias lições que aprendeu com alguns
professores, mas vai lembrar-se da atitude docente em relações a ele, e sua postura em
relação ao professor.
O professor, através de elos de afetividade, favorece uma troca entre ele
e os alunos, ou seja, vivencia um processo de conquista para despertar o
interesse do corpo discente, acontecendo o processo ensino-
aprendizagem. Ele precisa da confiança dos alunos, pois na ausência
dessa relação afetiva, o sucesso de educar será incompleto, com lacunas;
sem o envolvimento deles, não ocorrerá nenhuma aprendizagem
significativa. (SOUZA, 2004, p.270)
Afeto e cognição se constroem em sintonia. Kupfer (1990, p.88) analisando o processo
de construção do desejo de saber a partir de uma visão psicanalítica, aponta para a
importância de estarmos atentos para o fato de que “afeto e cognição necessariamente se
tecem juntos”. Vigotski (2003, p.9) observa que o afetivo e o intelectual se unem, existindo
em um sistema dinâmico de significados.
A afetividade constitui-se, sem dúvida, num ponto extremamente importante no
processo pedagógico. Fante (2005, p.68) reforça que os professores são habilitados somente
quanto ao conteúdo das disciplinas, não sendo valorizada a necessidade de lidar com afeto, e
acredita que deveriam ser preparados para lidar com a emoção dos alunos. A emoção
determina o envolvimento e como conseqüência a qualidade dos registros e experiências
vividas.
Pode-se associar a afetividade a todos os momentos de aprendizagem, inclusive ao
momento de avaliação. Moura (2006, s/p.) apóia-se em Wallon, para referir-se à importância
da relação entre avaliação e afetividade.
A afetividade, além se ser uma das dimensões da pessoa, é uma das fases mais
antigas do desenvolvimento, pois o homem logo que deixou de ser puramente
orgânico passou a ser afetivo e, da afetividade, lentamente passou para a vida
racional. Nesse sentido a afetividade e a inteligência se misturam, havendo a
predominância da primeira e, mesmo havendo logo uma diferenciação entre as
duas, haverá uma permanente reciprocidade entre elas.
A dificuldade de relacionamento em sala de aula, e suas conseqüências afetivas,
podem acarretar um ou vários problemas no aprender, pois ainda que a Educação vise a
autonomia, não se pode confundi-la com individualismo.
A principal função social das escolas é levar o aluno ao aprendizado da leitura,
escrita, raciocínio matemático, conhecimento científico e histórico. Porém não se pode
esquecer que é preciso despertar o raciocínio crítico e criativo, e o desejo de saber do aluno,
desenvolvendo suas habilidades e respeitando suas diferenças, o que se torna cada vez mais
complexo para os educadores.
Além de dificuldades pessoais, sociais, emocionais e culturais, não há como negar
que o nosso sistema educacional e social também contribui ou, às vezes, até gera mais
dificuldades ao processo de aprendizagem discente, portanto não se pode centrar a
responsabilidade do fracasso apenas no aluno. Faz-se necessário refletir sobre as mudanças
que seriam necessárias em nossos sistemas educacionais.
Quantas das práticas pedagógicas vêm se repetindo há décadas ou séculos? Vive-se
um despreparo, em alguns momentos, por parte também do sistema de ensino, que trata os
desiguais como iguais na questão da aprendizagem, normalmente contribuindo para o
fracasso.
Para Passos (1996, p.117) “(O)os modelos disciplinares que nossas instituições
insistem em adotar, impulsionam focos de resistência e de luta que sugerem caminhos de
possibilidades, e que podem se tornar visíveis quando se estuda o cotidiano escolar”. Os
próprios alunos vão impondo à escola a necessidade de mudança.
Há algumas décadas, a escola era freqüentada por alguns grupos de alunos, que
possuíam condições de chegar até ela. Assim, não eram todas as crianças e adolescentes da
região que estudavam. Destes alunos que iniciavam, muitos paravam de estudar por que eram
declarados como “inaptos” para a aprendizagem pela instituição escolar, e “não davam para
isso”, segundo a família, ou seja, apresentavam dificuldades no processo de aprendizagem.
Com a expansão quantitativa das escolas, por volta da década de 80, no século XX, o
número percentual de crianças que reprovavam e evadiam já na 1ª série do Ensino
Fundamental chegava a 60% em algumas situações.
Hoje, os sistemas democratizam o ensino, a escola não é só um direito, mas também
uma obrigação, o que é necessário. Mas não há preparo para a diversidade na escola, para a
explosão de tecnologia, trazendo informações rápidas e diferentes pelas quais os alunos são
bombardeados diariamente. Acaba-se por confundir informações com apreensão do
conhecimento. Conseqüentemente em sala de aula observam-se mais dificuldades e
desinteresse, a velocidade e o conteúdo dos pensamentos dos jovens mudaram, assim com
seus interesses. É preciso descobrir métodos para lidar com esta realidade.
Szymanski e Pereira Jr. (2006, p.121) referem-se ao fato de que, com a
obrigatoriedade no ensino, houve aumento do número de alunos e professores, resultando em
problemas aos docentes, que além de não possuírem formação adequada, na época, tiveram
que lidar com a diversidade de crianças em sala de aula. Desta forma, os profissionais da
educação também carecem de atendimento psicopedagógico. Não adianta diagnosticar um
caso e encaminhá-lo ao professor que não recebeu orientação sobre como deve agir ou não
possui as condições de apoio necessárias para que seu trabalho se realize com qualidade.
Dificuldades em vários sentidos vêm-se acumulando nas escolas, num ritmo maior do
que ela está conseguindo acompanhar. Reforçando este fato, Rocha (2002, p.58) refere-se a
diversas situações: alunos que não conseguem superar certas dificuldades, não apenas porque
a escola não se organiza de forma a atender suas necessidades, mas também porque eles
já não se sentem mais competentes para aprender; professores que, submetidos às mais
diversas condições de trabalho, já não conseguem mais lutar contra sentimentos de
impotência e desesperança, o que acaba por expressar-se nas suas práticas, nas relações
com seus alunos, dificultando a construção de um trabalho coletivo e solidário.
Não se trata de procurar culpados para os problemas educacionais, pois todos os
envolvidos são parcialmente responsáveis: família, alunos, sociedade e profissionais. Urge
compreender, tratar com objetividade a realidade entendendo a Educação enquanto um
processo complexo, analisando as possibilidades de superação existentes, na busca da
garantia da aprendizagem discente.
Neste pensar em possibilidades, podemos citar a frase de Gramsci (1978, p.47).
A possibilidade não é a realidade, mas é parte dela, uma realidade:
que o homem possa ou não fazer determinada coisa, isso tem
importância na valorização daquilo que realmente faz.
Possibilidade quer dizer “liberdade”. Mas, a existências das condições
ou possibilidades ou liberdade, ainda não é suficiente: é necessário
conhecê-las, saber utilizá-las. Querer utilizá-las.
Esse querer utilizar as possibilidades pensadas é o ponto crucial para utilizá-las, a
partir das potencialidades existentes, rompendo paradigmas e as crenças limitadores, que se
constituem em barreiras impedindo as rupturas ideológicas as quais viabilizariam levar
adiante a tarefa de transformação que a aprendizagem exige.
Sabe-se que os fatores como ambiente escolar, ambiente social, contexto sócio-
econômico e emocional em que o aluno está inserido podem causar e posteriormente reforçar
as dificuldades para aprender. Porém, não se podem dispensar os fatores individuais que
interferem nos problemas de aprendizagem.
Estes fatores individuais, que causam problemas, denominados dificuldades,
distúrbios ou transtornos de aprendizagem, têm sido utilizados de forma aleatória, tanto na
literatura geral e especifica, como na prática escolar e de profissionais especializados, para se
referir a quadros com diferentes diagnósticos. Assim, também os termos distúrbios e
dificuldades de aprendizado são usados como sinônimos, sem que se constate uma definição
consensual acerca dos critérios relativos a esses termos.
Alguns autores como José e Coelho (2006), Nutti (2002) e Sisto (2001) sugerem que
os problemas de aprendizagem refiram-se a situações de dificuldades enfrentadas pela
criança que apresenta um desvio do quadro normal, ou sem este desvio, mas com expectativa
de aprendizagem, mesmo que seja a longo prazo. Portanto, as dificuldades de aprendizagem
estariam mais relacionadas a aspectos de ordem psicopedagógica, sócio-cultural ou/e
emocional-familiar pelos quais o aluno passa temporariamente.
Sugerem ainda que o termo distúrbio estaria mais relacionado a situações em que
existe uma doença ou/e comprometimento neurológico constante na vida do aluno. Essas
alterações manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e uso de algumas
habilidades são intrínsecas ao indivíduo e podem estar presentes com ou sem outras
condições desfavoráveis (social, emocional, familiar).
Outra terminologia seria “transtorno de aprendizagem”, registrado no CID-10
(Classificação Internacional de Doenças) elaborado pela Organização Mundial da Saúde,
também citado por Nutti (2002), esclarecendo que o termo é usado de forma a evitar
problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos tais como “doença ou enfermidade”.
Transtorno não é um termo exato, porém é usado para indicar a existência de um conjunto de
sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível, associado, na maioria dos casos, a
sofrimento e interferências com funções pessoais, incluindo transtornos mentais,
comportamentais e psicológicos. Na realidade, não há uma definição aceita universalmente,
os grupos de sintomas são muito heterogêneos, e o mesmo sintoma pode ter diferentes
causas, tornando muito difícil demarcar fronteiras.
Portanto, definir claramente os limites que separam dificuldades, distúrbios e
transtornos não é simples e seria necessário o acompanhamento de especialistas na área onde
se encontra o problema, os quais são cada vez mais necessários para acompanhamento e
entendimento das dificuldades de aprendizado, especialmente nas situações que envolvem a
leitura e escrita.
A atuação pedagógica, nesses casos, partirá de uma avaliação minuciosa do aluno, e
infelizmente o nosso sistema educacional, apesar de estar começando um caminho neste
sentido, ainda não tem muito espaço para analisar seus resultados.
Muitos destes alunos possuem inteligência normal ou acima da média, porém suas
dificuldades em algumas áreas resultam em uma diferença entre seu potencial e seu
desempenho. É importante valorizar as potencialidades dos alunos, o que usam, fazem e
conseguem com mais habilidade, e não priorizar suas dificuldades. Partir de suas habilidades
para, com esforço e ajuda, conseguir superar ou progredir.
Segundo Ianhez (2002, p.9), muitos acabam se afastando do ambiente escolar por
falta de atenção adequada e desconhecimento do porquê de suas dificuldades, sujeitando-se a
ocupar posições menores na escala social ou até na marginalidade. Quantas habilidades
extraordinárias em determinadas áreas são desperdiçadas, significando, individualmente e
socialmente, menor capacidade produtiva e talento.
Segundo pesquisas internacionais, atestadas pela ABD (Associação Brasileira de
Dislexia), em levantamentos feitos no Brasil, os distúrbios de aprendizagem, em geral,
atingem de 10 a 15% da população (IANHEZ e NICO, 2002).
Todavia, deve-se atentar para dois extremos em relação aos problemas de
aprendizagem: não superestimar a questão, rotulando o aluno com comprometimento
neurológico de maneira simplificada para justificar a dificuldade, quando ela pode estar
apenas no relacionamento ou na inadequação; ou, ao contrário, subestimar um verdadeiro
comprometimento neurológico, atribuindo a culpa à metodologia, à falta de vontade do
aluno, à família, etc.
Os problemas de aprendizagem não podem ser vistos como “sem solução”, e sim,
como desafios que fazem parte do processo pedagógico. Porém, é cada vez maior o consenso
perante a necessidade de identificá-los e preveni-los o mais precocemente possível, para
evitar baixos níveis de auto-estima, que conduzem à falta de motivação e consequentemente
ao fracasso e à indisciplina. É importante observar que esta “identificação” deve ser realizada
com muito cuidado, pois há uma forte tendência a reduzir qualquer dificuldade a distúrbio.
Não é difícil reconhecer o sofrimento de vários alunos com dificuldades, basta ter um
pouco de sensibilidade e observar. Alguns, em apenas uma conversa sobre o assunto, já
demonstram grande sofrimento e tristeza através de choro e desabafo. Outros, depois de
muito desânimo, parecem que desistem de si mesmos. Alguns partem para atitudes como
agressividade, falta de segurança ou baixa auto-estima, sendo alvo fácil para provocações e
com maior possibilidade de tornar-se vítima de bullying.
Ainda encontram-se alunos que disfarçam suas dificuldades com indisciplina, recusa
para trabalhar ou demonstrando que “não estão se importando”.
Ser considerado, ou sentir-se inadequado e incapaz no grupo em que vive é difícil
para o ser humano. Para uma criança ou adolescente em desenvolvimento pode deixar
lacunas muito tristes e nada saudáveis, pois o não saber é vivido, às vezes, como fracasso
e impotência, e não como desafio. E restaurar a confiança de quem se sente incapaz é um
processo demorado.
Todos têm habilidades em algumas áreas, mas ninguém é perfeito em todas. Faz-se
necessário o conhecimento das dificuldades, e paciência para compreender que estas
dificuldades são muitas vezes necessidades de adaptação, às quais todos os envolvidos no
processo de ensino-aprendizagem devem estar abertos, ou podem ser distúrbios, nos casos
em que o aluno aprende, mas aprende de forma diferente.
A APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA
Atestado por experiências cientifica, o sucesso da aprendizagem, na leitura e escrita
depende da maturidade fisiológica, emocional, neurológica, intelectual e social.
A fala, escrita e a leitura não são funções isoladas e autônomas, são manifestações do
sistema funcional de linguagem, que compreende basicamente três sistemas verbais:
auditivo, visual e escrito. O auditivo é o primeiro a ser adquirido, pois é necessário menos
maturidade neurológica. O mesmo não ocorre com a palavra lida e escrita.
Nem todos que falam, conseguem ler e escrever. O homem está imerso em um
universo falante, porém nem sempre tem acesso à leitura e à escrita. Shaywitz (2006, p.47)
afirma que para falar é apenas necessário ouvir a língua materna.
A escrita é uma forma superior de linguagem, é relacionar o signo verbal ao signo
gráfico. A criança primeiramente aprende a ler para depois escrever, e então, principalmente
através da leitura e da escrita, apropria-se dos demais conhecimentos.
Iniciar a aprendizagem da leitura e escrita depende de uma complexa integração dos
processos neurológicos e uma harmoniosa evolução de habilidades, citadas por José e Coelho
(2006p. 77):
• Percepção: inicia-se através dos órgãos do sentido. Aos poucos a criança vai
assimilando conceitos sem ter que experimentá-los. Aproximadamente aos 10
anos ela conseguirá trabalhar, cada vez mais eficientemente, com formas
abstratas. Quanto mais desenvolvido o sistema nervoso, mais detalhes poderá
perceber.
• Esquema corporal: Elemento indispensável para a formação do “eu”, o qual é
elemento básico para formação de conceitos. Se não for bem desenvolvido, o
aluno pode ter sérios problemas em orientação espacial e temporal, equilíbrio,
postura, locomoção num espaço, escrita com limites.
• Orientação espacial e temporal: consciência da relação do corpo com o meio
geográfico e percepção do tempo vivido. Se não bem formado, ele poderá ter
problemas em confundir letras, trocar ou inverter sua ordem, dificuldade para
se organizar, para reter idéias, utilizar a concordância verbal, entre outros.
• Motricidade: coordenação motora ampla e fina. Existem distúrbios que
atrapalham a destreza e o equilíbrio.
• Lateralidade: preferência neurológica, importante para muitas atividades,
inclusive leitura. Sua deficiência pode resultar em disgrafia, falta de
orientação espacial, entre outros.
• Psicomotricidade: educação do movimento com atuação sobre o intelecto,
relação pensamento-ação.
• Coordenação visomotora: integração entre coordenação motora global,
motora fina e movimento ocular.
• Ritmo: a falta de habilidade e rítmica pode causar na leitura a lentidão, a
silabação ou a entonação inadequadas, e na escrita pode resultar em palavras
unidas, adição ou omissão de letras ou sílabas.
• Análise e síntese visual e auditiva: capacidade de visualizar, dividir em partes
e rejuntá-las ao todo. A palavra deve ser ouvida, visualizada e escrita. Existem
pessoas com dificuldades de soletrar que não conseguem revisualizar e
reorganizar as letras.
• Habilidades visuais: no início da aprendizagem os olhos se movem de
maneira desordenada, é preciso estimular as direções possíveis, para que na
leitura seja possível deslocar os olhos da esquerda para direita.
• Memória: capacidade de lembrar sons. Pode ocorrer distúrbio de memória
resultante de disfunção do sistema nervoso central e este pode manifestar-se
apenas no aspecto visual ou auditivo.
• Memória cinestésica: capacidade de reter movimentos necessários à
realização gráfica no universo simbólico (leitura e escrita).
• Linguagem oral: requisito básico para a escrita e leitura. A pronúncia correta
está diretamente ligada à escrita.
• Discriminação visual: capacidade para diferenciar, interpretar e recordar
palavras. A disfunção do sistema nervoso central ocasiona dificuldades como,
seqüência visual, reversão, omissão, repetição, agregação, substituição,
inversão.
• Discriminação auditiva: capacidade de discriminar sons (consciência
fonológica), sobretudo aqueles muito próximos. Nem sempre esta dificuldade
está ligada à perda auditiva. Dificuldades nesta área levam a criança a
confundir sons que tenham pontos de articulação muito próximos. Pode causar
trocas, dificuldades na elocução, pontuação, análise e síntese.
O conjunto harmonioso destas muitas habilidades deve ser estimulado desde muito
cedo e será imprescindível na educação infantil, por serem elementos básicos para o
aprendizado da leitura e escrita. Suas lacunas e desenvolvimento ineficiente podem deixar
seqüelas e dificuldades momentâneas ou permanentes, que acompanharão os alunos por toda
vida escolar ocasionando dificuldades de aprendizado na leitura e escrita e,
consequentemente, em outras áreas do aprendizado.
É triste saber que ainda persiste, em alguns lugares, no sistema educacional, a idéia
de que para trabalhar com crianças pequenas não é necessário muito conhecimento ou
experiência. Historicamente, quanto mais novos os alunos a quem o professor se dedicava,
mais desprezo quanto à sua competência. Ainda hoje, infelizmente, observam-se resquícios
dessa atitude em algumas situações.
Constata-se ainda, que a educação infantil / educação fundamental 1º a 4º,
educação fundamental 5º a 8º / ensino médio e ensino superior, constituem-se, geralmente,
em momentos estanques. Essa fragmentação prejudica o conhecimento sobre as dificuldades
de aprendizagem, e o acompanhamento geral e individual, que deveria ter uma continuidade,
em respeito ao aluno e em comprometimento com a aprendizagem. Para Shaywitz (2006,
p.101).
Quando deixamos as crianças ficarem muito para trás em qualquer momento
do ensino, passamos a adotar um modelo de intervenção que remedia em vez
de prevenir. Quando as crianças ficam para trás no domínio da capacidade de
leitura, serão necessárias intervenções intensas para levá-las de volta ao nível
adequado de precisão de leitura - e a fluência na leitura pode ser até mais
difícil de recuperar por causa da grande quantidade de prática de leitura que
se perde a cada mês e a cada ano em que continuam a ler com dificuldade.
DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM DA ESCRITA
Constituem-se em dificuldades significativas no desenvolvimento de habilidades
relacionadas com a escrita, como mostra Garcia (1998, p.191), produzindo alterações
relevantes no rendimento acadêmico ou nas atividades diárias, as quais não são explicadas
por deficiências nem por baixa escolarização. É comum apresentarem-se alterações e
dificuldades conjuntas (uma, duas ou mais dificuldades) envolvendo leitura, linguagem,
matemática, coordenação e habilidade motora, organização ou concentração, associadas a
dificuldades na escrita.
É mais freqüente em pessoas com problemas no desenvolvimento da fala.
Principais dificuldades encontradas na escrita:
• Disgrafia: dificuldade de passar para a escrita o estímulo visual da palavra. O
aluno não consegue realizar no plano motor o que captou no visual. Não tem
comprometimento visual, nem motor, tampouco intelectual. Os alunos
dísgrafos mais velhos muitas vezes conseguem escrever legivelmente uma
palavra, mas distorcem a seqüência dos movimentos. Os principais erros,
segundo José e Coelho (2006, p.95), são: apresentação desordenada de texto,
dificuldades com margens e espaços entre linhas e palavras, traçado de má
qualidade, distorção de letras, movimentos contrários ao da escrita
convencional, dificuldade de alinhamento, entre outras.
• Disortografia: incapacidade de escrever corretamente a linguagem oral, trocas
ortográficas e confusão de letra ou sílabas, sem diminuição na qualidade do
traçado da letra. Podem surgir dificuldades em recordar a seqüência dos sons
das palavras organizadas mentalmente.
• Erros de formulação e sintaxe: neste caso a pessoa tem capacidade na leitura
com fluência, linguagem oral perfeita, boa capacidade de compreensão, mas
apresenta uma desordem de formulação, não conseguindo transmitir para a
escrita o conhecimento, acarretando pouca capacidade para a produção escrita.
Na desordem de sintaxe, que pode ocorrer sem a da formulação, ocorre uso
errado de palavras, ordem errada e omissão.
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA LEITURA
Define-se pela presença se um déficit no desenvolvimento do reconhecimento e
compreensão de textos escritos (GARCIA, 1998, p.173), não se explicando nem por
deficiências, nem por baixa escolaridade. De forma associada, costumam aparecer
dificuldades na fala, na linguagem expressiva e no desenvolvimento da escrita. Estima-se
uma incidência em 8% das crianças na idade escolar.
Principais dificuldades encontradas na leitura:
• Dificuldade na leitura oral: a leitura oral abrange a visão e a audição. O aluno pode
apresentar dificuldades se um desses canais estiver recebendo informação distorcida.
A capacidade de discriminação auditiva e visual interfere neste processo.
• Dificuldades na compreensão da leitura: referem-se a problemas quanto à percepção
do significado do que está escrito ou sendo falado. É necessária a compreensão e
análise crítica de idéias explícitas e implícitas no texto.
• Dificuldades disléxicas: denominadas dislexia ou transtorno do desenvolvimento da
leitura. A dislexia tem sido bastante estudada, mas ainda é pouco compreendida,
sendo definida na literatura, muitas vezes, como dificuldade na escrita. Porém,
associa-se diretamente ao desenvolvimento da leitura, causando grande parte das
dificuldades de desenvolvimento da aprendizagem na leitura e escrita. Por isso alguns
teóricos a definem como distúrbio da leitura e escrita. Por causar tantas dificuldades
na linguagem como um todo, a seguir, ampliar-se-á sua discussão.
SOBRE A DISLEXIA
Citado por vários autores, como Ianhez e Nico (2002, p.51), Garcia (1998, p.191) e
Shaywitz (2006, p.86), esta dificuldade é mais freqüente nos casos de crianças que possuem
parentes de 1º grau (pais ou irmãos) que já possuem dificuldades similares, ratificando a
hipótese de que a dislexia pode ser congênita, hereditária, apresentando alterações estruturais.
A criança disléxica pode demonstrar sérias dificuldades com identificação de
símbolos gráficos desde o inicio da sua alfabetização, o que pode acarretar fracasso escolar
em várias áreas. A definição, relatada por Ianhez e Nico (2003, p.23), usada atualmente nas
pesquisas de neuroanatomia e neuropsicologia e adotada pela ABD (Associação Brasileira de
Dislexia) é a da Internacional Dislexia Association, elaborada no comitê de 1994: A dislexia
é um dos muitos distúrbios de aprendizagem, é específico da linguagem, de origem
constitucional, caracterizada pela dificuldade em decodificar palavras simples. Mostra uma
insuficiência no processo fonológico. Essas dificuldades na codificação das palavras simples,
não são esperadas em relação à idade. Apesar de instrução convencional, adequada
inteligência, oportunidade sociocultural e ausência de distúrbios cognitivos e sensoriais
fundamentais, a criança falha no processo da aquisição da linguagem com freqüência,
incluído aí problemas de leitura, aquisição e capacidade de escrever e soletrar.
A grande maioria das crianças deseja aprender a ler, mas para a criança disléxica,
a experiência é diferente. A dislexia acarreta a desordem de linguagem, mas não impede
sua aquisição e automação, causando, porém muita dificuldade, a qual como nos outros
problemas de aprendizagem, pode apresentar-se em vários níveis. Na grande maioria dos
casos, podem-se montar estratégias para o desenvolvimento e superação das dificuldades
na aprendizagem, porém apesar de aprenderem a ler, esses sujeitos continuarão a ser
disléxicos.
A língua escrita é uma transição da linguagem oral. Podemos dizer que são na
verdade duas formas de linguagem, sendo que a linguagem escrita exige processos
educacionais específicos, que envolvem codificação e decodificação, requerendo síntese,
análise e discriminação, sendo necessário extrair significado de sinais gráficos. Estas
características não se apresentam de maneira acentuada no disléxico. Então a aquisição não
ocorrerá no ritmo que se espera, causando muita frustração, dificuldades, expectativas e
cobranças. Shaywitz (2006, p.25) mostra um relato de 1896, quando o termo “cegueira
verbal” foi usado, após observação intrigante de como homens e mulheres com boa visão e
inteligentes podiam carecer da capacidade de ler. O problema da dislexia é mais freqüente
nos meninos, porém constata-se que as meninas muitas vezes não são prontamente
identificadas, ficando mais prejudicadas com o atraso.
Shaywitz (2006, p.53) esclarece que embora o componente fonológico esteja
prejudicado na dislexia, os componentes de nível superior permanecem intactos, como diz:
(A)as capacidades fonológicas não estão relacionadas à inteligência e, na
verdade, são bastante independentes dela. Muitas crianças com
inteligência superior desenvolvem a dislexia, enquanto crianças com
níveis mais baixos lêem com relativa facilidade. As pessoas em geral
ficam surpresas ao descobrir que é a consciência fonêmica, e não a
inteligência, que indica a facilidade de leitura.
Comorbidades que o disléxico pode desenvolver, relatadas por Teles (2004):
transtorno de atenção, disfunção da linguagem, dificuldades escolar, TDA/H (transtorno de
déficit de atenção/ hiperatividade), perturbação do comportamento e desvalorização da auto-
estima.
Autores como Shaywitz (2006) e Garcia (1998) apresentam algumas causas
possíveis para a dislexia:
- Funções específicas do cérebro com alterações na área da linguagem, devido a
alterações no desenvolvimento de algumas áreas;
- Dificuldades no estabelecimento da dominância lateral e assimetria cerebral;
- Diferença na atividade cerebral;
- Dificuldade no processamento fonológico;
- Lentidão no processamento da informação.
Problemas com a compreensão da leitura; medo de ler em voz alta; dificuldade
em encontrar a palavra certa; palavras mal pronunciadas; dificuldade para usar a memória
mecânica; dificuldade para lembrar a tabuada, para escrever números, letras e palavras;
dificuldades com instruções e organizações; problemas em fazer redação; confusões de
letras, sílabas e palavras (troca, inversão, omissão, falta, substituição) podem estar presente
na vida do disléxico, mas outras habilidades intelectuais, como o pensamento, a razão, a
compreensão , o raciocínio estão intactos e em alguns sujeitos apresentam-se até
ampliados.
Em síntese, ainda que dificuldades de leitura e escrita sejam freqüentes na escola,
deve-se tomar cuidado para não taxar qualquer dificuldade, reduzindo tudo à dislexia.
A literatura apresenta ainda, casos de dislexia adquirida que se referem às seqüelas
de doenças ou acidentes. Entretanto, a prática profissional das autoras deste texto revela que
muitos casos aparentes de dislexia, são decorrentes de inadequações no próprio processo
pedagógico.
Outro problema, que também pode interferir na aprendizagem da leitura e da escrita,
é a hiperatividade e a dificuldade de atenção.
SOBRE A HIPERATIVIDADE E DÉFICIT DE ATENÇÃO
A dificuldade de atenção e a hiperatividade podem dificultar, muitas vezes, o
aprendizado. E, embora este tema encontre-se em evidência atualmente, assim como a
dislexia, exige muito cuidado quando se trata do seu diagnóstico, o qual deve ser feito
somente por profissionais especializados da área. A literatura revela que:
• TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) é mais comum
nos meninos na forma associada hiperativa / déficit de atenção. Como
incomodam na sala de aula, acabam por serem mais encaminhados e mais
diagnosticados. Nas meninas é mais comum a forma desatenta e não
hiperativa, por esta razão, suas dificuldades passam muitas vezes
despercebidas. Sendo o encaminhamento e diagnóstico não tão freqüentes,
causa muitos atrasos no aprendizado. (Mattos, 2002; Silva, 2003).
• Segundo Mattos (2002) aproximadamente 5% a 8% das crianças apresentem
TDAH. A grande maioria não tem problema de aprendizagem propriamente
dito, e sim tem problema em prestar atenção e se dedicar aos estudos.
• De uma forma muito interessante, a autora Silva (2003, p.23) prefere usar o
termo “instabilidade de atenção”, pois ainda que estas pessoas tenham muita
dificuldade para se concentrarem em determinadas atividades, por outro lado
podem apresentar hiperconcentração ou hiperfoco em assuntos que lhe
despertem grande interesse, como jogos ou leituras específicas. Crianças e
adultos apresentam a área cerebral responsável pelo controle dos impulsos e
filtragem de estímulo, no córtex pré-frontal, não muito eficiente. “Há um
substrato orgânico determinando esta característica”.
• Os hiperativos, na verdade, possuem uma hipersensibilidade para estar ligados
em muitas coisas ao mesmo tempo.
• A quantidade de pensamentos e sentimentos vindos de várias áreas,
normalmente é intensa nos hiperativos, os processos cognitivos emocionais e
imaginativos podem estar aumentados, criando muitas vezes maior
possibilidade de raciocínio e criatividade.
• Acreditava-se que o TDAH desapareceria com o início da vida adulta, o qual
estaria ligado com a maturação cerebral. Entretanto pesquisas e registros mais
recentes (Mattos, 2002; Silva, 2003; Monteiro, 2005) mostram que o distúrbio
frequentemente permanece na idade adulta, ainda que algumas características
possam revelar-se com aparências diferentes.
• Nos adolescentes, assim como nos adultos que aparentemente se “tornaram”
mais calmos com a idade, há uma hiperatividade interna responsável por um
estado de inquietação mental permanente.
• Na característica desatenção, a pessoa com DDA (Distúrbio do déficit de
atenção), por estar inundada de estímulos, não consegue filtrar corretamente,
parece não conseguir priorizar. É-lhe difícil sustentar a atenção e concentração
por tempo e intensidade adequados, e não por que não queira fazê-lo.
• Quanto à atenção, Galvão (2003, p.110) observa que não há uma postura-
padrão corporal, em qualquer atividade, que garanta a atenção. A atitude varia
conforme a atividade e estímulo e, muitas vezes, são justamente as variações
na posição do corpo que permitem a manutenção da atenção na atividade que
está realizando.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observam-se muitos contrastes quando se analisam as dificuldades de aprendizado.
Essas dificuldades podem ser leves ou profundas, temporárias ou persistentes,
experimentadas por pessoas inteligentes, criativas, capazes, habilidosas, muitas vezes
subestimadas em suas capacidades.
É preciso ter clareza de que não existem soluções prontas, são necessárias alternativas
de intervenções, pois as dificuldades apresentam-se de diversas formas e maneiras. Urge
repensar em métodos, pois todos os métodos obtêm sucesso com alguns alunos, mas nenhum
terá sucesso com todos. Sendo assim, é urgente a redefinição de conteúdos e principalmente
de formas de avaliação, que garantam a formação do ser humano e o desenvolvimento de
suas potencialidades.
Para Perrenoud (1993, p.173) “(M)mudar a avaliação significa, provavelmente, mudar
a escola”. Para mudar a avaliação seria necessário mudar o tipo de relação dos sujeitos com a
cultura escolar e consequentemente mudar a própria escola.
Na cultura escolar, a questão da avaliação é preponderante. Entretanto, quando se
trabalha com dificuldades de aprendizagem é impossível manter os mesmos critérios rígidos
que vêm sendo praticados na escola.
Hoje, há uma tendência a considerar as dificuldades de aprendizado como um
contínuo de gravidade e diferenças, num conceito classificatório que envolve ter ou não ter
dificuldades, que se associa a uma concepção de necessidades especiais, Entretanto, estas
dificuldades podem ocorrer ao longo da vida de qualquer pessoa. Neste sentido, dever-se-ia
falar em necessidades curriculares e diversidades de aprendizagens (SISTO, 2001, p.30).
Vale lembrar que a Declaração de Samamanca - documento sobre a educação
inclusiva, de 1994 – estabelece que além da inclusão de deficientes, a escola inclusiva é
aquela que contempla muitas outras necessidades educacionais, inclusive as dificuldades de
aprendizado temporárias ou permanentes. Escola inclusiva esta, em cuja construção não
podemos mais nos negar a participar, seja por consciência ou por lei. A grande capacidade da
escola e também seu desafio, não está apenas em como ela lida com o comum, o “normal”,
mas como ela lida com as diferenças, as diversidades. Não basta ter uma escola regular: “Um
ensino regular, tão regular que expulsa quem não se enquadra” (CARVALHO, 2005, p.124).
A escola só ensina todos quando fica atenta à necessidade de respeito ao ritmo, observando a
capacidade individual.
È imprescindível rever práticas e conceitos que correspondam a desempenhos ideais,
nos quais se espera que todos se encaixem no comportamento padrão e tenham resultados
iguais.
Freire (2005) fala em tolerância quanto ao respeito, não à tolerância como um favor,
envolvendo superioridade, mas da tolerância como virtude da convivência humana, da
qualidade de conviver com o diferente, não com o inferior.
A educação é um processo social e individual, fundamental para o ser humano
desenvolver-se, de fato, humanizado e humanizador.
Partindo desta consciência, devem-se procurar formas de adequação pedagógica, que
favoreçam ao aluno, saber suas capacidades, e alternativas para superar suas dificuldades.
Este desafio, colocado aos educadores, exige além dessa adequação pedagógica, a revisão de
conteúdos e métodos de ensinar e avaliar a aprendizagem, flexibilizando até aspectos
administrativos no processo pedagógico, dependendo da necessidade, tais como duração das
aulas, número de alunos com os quais o professor trabalha ou normas disciplinares.
Trata-se de uma relação pedagógica. É lógico que o professor não poderá fazer a parte
do aluno por ele. No sucesso de uma relação, cada um entra com uma parte, e talvez o maior
desafio docente seja o estabelecimento de um vínculo afetivo com o aluno, que o leve a
desejar percorrer o caminho da aprendizagem.
PARA REFLETIR
• Será que nosso aluno não se dá bem na escola porque não quer, porque não
estuda? Ou não estuda porque, por mais que se esforce não consegue ser bem
sucedido? Quem gosta de fazer algo que nunca consegue fazer bem? É difícil
fazer, dia após dia, durante anos, algo que se tem muita dificuldade, que é
necessário muito esforço e não se consegue fazer tão bem ou ter um bom
desempenho como os colegas.
• Será que é possível diferenciar o trabalho pedagógico escolar, adaptando-o ou
individualizando-o quanto ao percurso e ao ritmo?
• Fazer algumas diferenciações é dar mais oportunidades para o aluno com
dificuldades aprender, agir e interagir. Não significa trabalhar sempre
individualmente, não se trata de colocá-los numa situação de assistência, mas
sim, de acompanhá-los continuamente.
• Seria cômodo pensar que não se pode fazer nada diferente. É muito difícil
aprender, e o ensinar exige criar condições, suscitar vontades, sendo que nem
sempre os alunos (com dificuldades ou não) são cooperativos, esforçados ou
bem-educados, o que torna esse trabalho nem sempre gratificante.
• Talvez seja importante reconhecer que, muitas vezes, é extremamente difícil
lidar com a diferença e a distância cultural, relacionamento que envolve
também questões de personalidade e afinidade.
• Levar em conta a diferenciação num sistema cuja organização é alheia a esta
preocupação nos dá, às vezes, a impressão de praticarmos um ofício
impossível (PERRENOUD, 2001 p.116). Se quisermos resolver tudo,
desestimularemos. É preciso estabelecer objetivos razoáveis.
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