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Departamento de Ciências Sociais
DIRIGENTES PÚBLICOS: MÉRITO, POLÍTICA E BUROCRACIA NA NOVA
REPÚBLICA
Aluna: Enila Fontoura da Silva
Orientadora: Maria Celina Soares D’Araújo
Introdução Este trabalho é desdobramento da pesquisa sobre elites dirigentes e democracia
nos governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Para sua composição, conto com dados obtidos desde 2006, por meio de extensa
pesquisa empírica coordenada pela professora Maria Celina D’Araujo a qual me
agreguei em 2012. Analisamos mais especificamente os Diretores e Assessores
Superiores (DAS) dos níveis 5 e 6, e os ocupantes de cargos de Natureza Especial
(NEs), observando as diferenças entre os burocratas de ministérios econômicos em face
aos de ministérios sociais.
Quando se trata de estudar estruturas sociopolíticas, Max Weber é o cânone, e me
foi muito útil para dialogar com os principais conceitos da ciência política – dos quais,
muitos me eram estranhos, em especial a concepção de burocracia. Porém, levo em
conta que é um autor com muitos exegetas, portanto não tenho a empáfia de interpretá-
lo. Buscou-se aqui apenas dialogar com alguns de seus fundamentos.
Dentre os autores consultados, foi possível perceber algo comum perpassar suas
teorias. Conjectura-se que as instâncias econômicas contam com funcionários mais
profissionalizados que as de cunho social. Para confrontar essa informação, foram
selecionados o principal grupo de funcionários públicos do Executivo brasileiro: os que
estão alocados nos Ministérios da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão; e
nos Ministérios da Educação e da Saúde. A escolha das quatro pastas é justamente para
ver se essa tese procede para o caso brasileiro.
Antes de adentrar nas análises, são apresentados os cargos observados, bem como
sua estruturação e suas principais atribuições. É o ponto do trabalho que se dedica a
delimitar o objeto a ser observado, que fora também abordado por Maria Celina
D’Araujo (2009) e Daniel De Bonis e Regina Pacheco (2010). Para um melhor
panorama sobre o tema, fez-se necessário consultar também Mariana Heredia, Gené e
Perelmiter (2012), Alfredo Joignant (2013), Filipe Nunes (2012), que observam a
administração pública do período democrático em seus respectivos países. Por sua vez,
José Murilo de Carvalho (2007) disserta sobre a construção da ordem no Brasil
imperial, contrastando a nossa formação burocrática com outros exemplos, como
Inglaterra e França.
Ao ver – a partir desses autores – o arcabouço estatal de alguns outros países,
como Argentina, Chile e Portugal, foi possível perceber que os altos funcionários do
Poder Executivo são normalmente homens e de nível educacional elevado: formados em
universidades renomadas e que fazem determinados cursos. Foi possível demonstrar,
com base na informação obtida por meio da amostra, que o caso brasileiro está afinado
com essa tendência.
Alguns teóricos indicam a tendência de uma dominação da burocracia, por
considerarem que os políticos não são portadores dos mesmos saberes técnicos, gerando
uma transferência de poder aos administradores na execução das políticas. Considerar
essa dupla valência dos gestores é perceber que as nomeações não são apenas
clientelísticas, mas também se baseiam em aptidões específicas. Eles constituiriam um
padrão híbrido, que Joignant intitula de tecnopols. Portanto, é cenário que imprime
essas características na burocracia, e ao mesmo tempo em que é moldado por ela.
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Objetivos A principal finalidade aqui é comparar esses governos presidenciais em termos da
formação acadêmica de seus dirigentes, recorrendo aos métodos demonstrados ao longo
de todo o trabalho. A metodologia adotada buscou aliar os dados da amostra – obtidos
na pesquisa – às teorias da bibliografia. Atualmente, essas informações continuam
sendo analisadas e respaldadas pela bibliografia especializada, na tentativa constante de
articular burocracia, política, mérito e democracia.
Para tal investigação pretende-se: analisar a escolaridade desses dirigentes
públicos do Brasil, especificamente DAS e NEs que atuam nos ministérios da Fazenda,
do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Educação e da Saúde; considerar os cursos
que fizeram e as instituições onde estudaram; observar até que ponto essa burocracia se
assemelha ou não os fundamentos weberianos; questionar as relações entre sociedade
civil e governo no período posterior a 1985, indagando a crescente democratização do
país – se tem sido efetiva e como vem se delineando.
Metodologia Esse trabalho é um tanto experimental e utiliza autores clássicos e
contemporâneos na tentativa de investigar esse tema, que vem ganhando certo espaço
no campo da ciência política. É teórico-analítico, contudo, está respaldado também na
observação empírica desses cargos. A pesquisa original sobre Elites dirigentes é bem
mais ampla, e observa sindicalização, região de procedência, gênero, filiação partidária,
experiência profissional etc. Mas para um trabalho monográfico, ficaria muito extenso,
além de fugir da temática a que me propus investigar.
Após a leitura da bibliografia e análise dos dados da pesquisa, foi possível
perceber quatro tendências nos mecanismos governamentais brasileiros: a significativa
expansão de experiência em recursos educacionais dos burocratas; a formalização dos
arranjos institucionais; o engajamento de especialistas em questões específicas; e a
combinação entre habilidades burocráticas e políticas. Essas quatro tendências tratam
não apenas dos dirigentes públicos, mas indica o contexto histórico onde estão
inseridos. O escopo do trabalho foi justamente comparar as informações da pesquisa
com as teorias políticas referentes ao tema.
Análise do objeto
A. Dirigentes públicos
Os cargos de Diretores e Assessores Superiores (DAS) e os de Natureza Especial
(NEs) correspondem a postos de direção que, na hierarquia do Executivo Federal, estão
logo abaixo dos ministros de Estado. O estudo que se segue busca traçar minimamente
as diretrizes desses cargos, a fim de entender sua constituição, sua posição e sua atuação
na máquina estatal.
Uma vez que se começa a trabalhar a topografia social e política dos cargos de
dirigentes, surge uma primeira dificuldade: uma instabilidade maior ou menor dos
cargos em dados momentos. A criação ou a eliminação de postos depende da
flexibilidade do sistema de cada mandato presidencial. O que se poderá observar ao
longo de todo este trabalho é que o número de ocupantes desses cargos aumenta
quantitativamente nas últimas duas décadas.
Os cargos de DAS foram criados em 1967 a partir do Decreto-Lei nº 200 de 25 de
fevereiro, na intenção de aprimorar o funcionamento da administração pública. Esses
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cargos seriam compostos a partir da nomeação de pessoal técnico especializado,
podendo ser preenchido por pessoas do setor privado ou público, desde que tivessem os
predicados necessários para o desempenho da função. Seria um pouco rigoroso afirmar
que são cargos providos apenas por critérios clientelísticos, já que seguem um
determinado padrão de recrutamento, baseado em determinações legais e em saberes
técnicos.
Estudar esse grupo vai além de observar perfil de seus ocupantes – suas
competências desejáveis, sua composição, sua autonomia e os resultados deles
esperados. Serve, de certa forma, como indicadores do cenário em que se inserem.
Segundo o trajeto apresentado por Maria Celina D’Araujo (2009), os cargos de DAS,
com apenas algumas transformações, se mantêm até os dias atuais. A partir do que
consta em A Elite dirigente do Governo Lula1, segue-se um quadro-síntese dos cargos
aqui observados:
Quadro 1: Nomenclatura dos níveis hierárquico dos cargos de DAS 5 e 6 2
DAS 101.6 Secretário de órgãos finalísticos
Dirigente de autarquias e fundações
Subsecretario de órgãos da presidência da República
DAS 102.6 Assessor especial
DAS 101.5 Chefe de gabinete do ministro do Estado
DAS 101.5 Diretor de departamento
Consultor jurídico
Secretário de controle interno
Subsecretário de planejamento, orçamento e
administração
DAS 102.5 Assessor especial de Ministro de Estado
Assim como os de DAS, os cargos de Natureza Especial (NEs), são postos de
confiança e de livre nomeação. Porém, diferentemente dos cargos de DAS, não há um
marco legal de quando foram criados, e nem sobre a sua forma de provimento. Uma
parca referência é feita a eles na Lei nº 8.028/90, decretada durante o governo Collor,
que é quando foram criados 24 postos de NEs (D’ARAUJO, 2009).
O quadro 2 elenca os cargos de Natureza Especial analisados por este trabalho, ou
seja, os que atuam em algum dos quatro ministérios supracitados.
Quadro 2: Disposição dos cargos de Natureza Especial
NEs
No Ministério da Fazenda Diretor do Banco Central
Procurador Geral da Fazenda Nacional
Nos quatro ministérios
selecionados
Secretário executivo *
* Nesse caso, os secretários executivos dos ministérios selecionados: da Fazenda; do Planejamento,
Orçamento e Gestão; da Educação; da Saúde.
1 D’Araujo (2009).
2 Idem. p. 21.
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O universo de cargos de confiança no Poder Executivo Federal (níveis de 1 ao 6
dos DAS e de todos os cargos de Natureza Especial) é de 23.0883, o que corresponde a
0,21% do total de funcionários públicos do país.
Observando o funcionalismo público brasileiro de uma maneira mais ampla,
podemos constatar que os servidores compõem aproximadamente 5,47% da população
do país. Logo, seu peso está ligeiramente abaixo da média dos países da Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como apontam estatísticas
oficiais4. Índices do apontam que há 11,1 milhões de servidores públicos no Brasil,
diante de uma população de 202,765 milhões. Há de convir que o número de
funcionários públicos vem crescendo. No entanto, se olharmos apenas os pontos
percentuais, a parcela parece menor – se comparado com o de anos anteriores – por
conta do aumento na população brasileira.
Resultado como esse, como alega Filipe Nunes (2012; p. 115), “difere da imagem
que comumente se tem de uma dimensão excessiva do emprego público”. Esse discurso
já se tornou um lugar comum, em especial em países como o Brasil, cujo apreço pelo
serviço público é visto quase como um traço cultural. É atribuído a esses cargos um
valor simbólico de mobilidade social.
Os cargos de DAS e os de NEs, níveis 5 e 6, por sua vez, compõem o que se pode
chamar de elite dirigente (D’ARAUJO, 2009; p. 18), isto é, uma minoria que lida
diretamente com a mais alta instância de poder. Como o próprio termo sugere, a “elite”
permanece sendo uma parcela um tanto afastada do “restante”. O termo serve tanto para
elite econômica, política ou intelectual. É o que Weber chama de vantagem do pequeno
número, isto é, uma minoria que empreende ações sociais racionalmente organizadas,
em prol de conservar sua autoridade (2004 b; p. 196).
Estudar os processos de formação e inter-relação desses grupos é crucial para
analisar a natureza das políticas públicas, pois a burocracia federal tem sido um ator
importante na consolidação do Estado e na produção dessas políticas. A observação
desses grupos é um passo relevante, principalmente para que os países progridam em
transparência e accountability.
B. Ministérios econômicos e ministérios sociais
Para a pesquisa, foram selecionadas quatro pastas ministeriais: duas das principais
pastas econômicas e duas das principais pastas sociais:
O Ministério da Fazenda (MF) é um órgão do Poder Executivo cuja função é
formular e executar política econômica. As incumbências do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) são fortemente complementares às da pasta da
Fazenda. Esse ministério tem como área de competência avaliar o impacto
socioeconômico das políticas econômicas do Governo federal e elaborar estudos
especiais para a reformulação de políticas.
O caráter social dos Ministérios da Educação (MEC) e da Saúde (MS) está no fato
de serem viabilizadores dos principais direitos sociais, que são basilares também para os
direitos civis e políticos. Visam a garantir a participação da sociedade no tesouro
público. “A garantia de sua vigência depende da existência de uma eficiente máquina
administrativa do Poder Executivo”. (CARVALHO, 2002; p.10).
3 Esse é o resultado da soma dos 22. 993 DAS e 95 NEs, listados pelo Boletim Estatístico de Pessoal (BEP)
de dezembro de 2014. Porém, o BEP inclui à categoria de NEs os ministros de Estado e presidente e vice-presidente da República. 4 Aproximadamente 11% em 2014, no site oficial da OCDE.
5 Tanto o número de servidores quando o da população foram obtidos a partir do censo IBGE
2014/2013. O índice de 5,47% foi obtido a partir do cálculo feito por mim.
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Ao analisar a distribuição dos dirigentes nesses ministérios, contudo, fez-se
necessário considerar os critérios de gênero e cor. Segundo os dados da amostra, a
quantidade de dirigentes do sexo feminino nos ministérios observados alterou-se pouco
durante os três governos, embora a presença feminina seja maior no governo Dilma.
Nota-se nesse período que ministérios econômicos tiveram uma parcela feminina de
33,35%, enquanto os ministérios sociais tiveram 35%. Contrastada essa informação com
a de períodos anteriores, há uma tendência ascendente em ambos os casos.
Quanto à cor, houve aumento de dirigentes não-brancos nos ministérios
econômicos durante os governos Lula e Dilma. No Ministério da Fazenda, os que se
autodeclararam pretos e pardos totalizaram 25% – certamente, o maior percentual dos
três governos. No caso dos ministérios sociais, os casos não são convergentes. No
ministério da Educação, se elevou o número de pardos no governo Lula, e depois com
Dilma, baixou praticamente para a mesma quantidade que havia no governo FHC.
Essas informações não servem como critério de qualidade da máquina pública,
mas sim de representatividade. Segundo indicam as últimas Pesquisas Nacionais por
Amostras em Domicílio (PNAD), mulheres, assim como negros e pardos, são a maioria
na população brasileira. Porém, sua falta de representatividade nos altos níveis do
Executivo provém de razões diferentes. Mulheres são atualmente a maior parte dos
estudantes universitários6, o que não as impediria academicamente de comprovar
aptidão aos cargos; ainda assim, não são vistas pelo mercado de trabalho da mesma
maneira que os homens são.
Por outro lado, a população negra é historicamente alijada dos direitos, por conta
de um passado de injustiça social. Constituiriam um elevado contingente populacional,
mantido à margem dos direitos políticos, mesmo porque estariam anteriormente à
margem também dos direitos civis e sociais. Além dessas intersecções de gênero e cor,
há implícito, como vimos, o viés educacional. Lembremo-nos do fato de que educação é
um direito social, e que ainda há certa dificuldade em distribui-lo qualitativa e
quantitativamente.
As mulheres e negros que estão atualmente nos quadros do governo Dilma
procedem das mudanças sociais das décadas e de governos anteriores. Não estamos aqui
dizendo que as políticas do governo Dilma deram maior prerrogativa para as populações
feminina e negra, mas sim que há algum avanço nos princípios democráticos desde
1985, apesar da insistente manutenção da extremada desigualdade social.
Contraposta a essa constatação, está uma hipótese que é, no mínimo, digna de
observação. A proposição presente nos principais estudos, de que os “dirigentes de
ministérios econômicos possuem maior formação acadêmica que os dirigentes de
ministérios sociais” (HEREDIA et al., 2012), quando analisada por partes, aponta-nos
três coisas:
Os “dirigentes de ministérios econômicos” constituem, portanto, a elite de uma
pasta à qual se atribui valor simbólico de conhecimento técnico das finanças do
país.
“Possuem maior formação acadêmica”: além de estarem no topo da carreira
burocrática, são os mais instruídos da sua categoria. Isso em oposição ainda ao
brasileiro médio, que tem 7,77 anos de educação formal.
“Possuem maior formação acadêmica que os dirigentes de ministérios sociais”:
ou seja, os responsáveis por captar os recursos são mais profissionalizados que
aqueles responsáveis por revertê-los em políticas públicas.
6 55,5 % dos 7,3 milhões de universitários. Dados do MEC (2014).
7 PNAD 2014/2013.
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Considera-se que os gestores dos ministérios econômicos constituem uma espécie
de ilha de excelência e profissionalização, com saberes muito específicos, inerentes ao
campo das finanças. No caso do Chile, Joignant (2012) aponta maior estabilidade dos
ministérios econômicos a menor frequência nas nomeações: os mesmos administradores
nomeados permanecem no cargo por um tempo maior. O autor afirma que os dirigentes
das pastas econômicas chilenas são menos heterogêneos entre si. Todos os fatores
descritos anteriormente não são causadores da estabilidade ministerial, mas estão
associados a ela.
C. Capitais disciplinares Após vermos quais são os cargos de dirigentes e minimamente, como se dispõem
nos ministérios econômicos sociais, podemos avançar para o ponto central do trabalho:
as competências acadêmicas dos DAS e NEs. Ou os capitais disciplinares, usando a
terminologia cara a Alfredo Joignant (2013). O conceito equivale ao que se tem por
mérito em Weber.
Essa categoria weberiana pressupõe três aspectos fundamentais: transparência,
impessoalidade e competência. Contudo, não há aqui indicadores desses aspectos, até
mesmo porque eles não são passíveis de serem mensurados. Contento-me em descrever
alguns mecanismos utilizados no aparato estatal que demonstram essas três feições.
Em 1996, pela primeira vez, ficou disponível o Boletim Estatístico de Pessoal
(BEP), instrumento online que lista os cargos públicos do Executivo e seu referente
custo ao erário, disponibilizados pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Recentemente, outras medidas também vêm sendo tomadas: a Lei nº
12.527/2011 regulamenta e garante o direito constitucional do acesso a informações
públicas pelos cidadãos. A finalidade dessa lei é fortalecer a cultura da transparência e
aprofunda as relações do Estado com a sociedade8. “A instabilidade dos procedimentos
para essas nomeações e o pouco monitoramento parlamentar e, portanto, da sociedade
sobre elas são indicadores de precariedade de controle sobre a máquina pública”.
(D’ARAUJO, 2009. pg.10)
Quanto aos cargos de Direção e Assessoramento Superiores (5 e 6) e os Cargos de
Natureza Especial, não se pode garantir impessoalidade. Embora sigam critérios
determinados por lei, são nomeados para compor cargos da confiança pessoal do
ministro. O que talvez possa ser observado é o terceiro aspecto – competência.
Na presente análise, as competências dos dirigentes serão observadas pelo ponto
de vista das instituições de ensino e dos cursos acadêmicos predominantes, já que os
principais autores da bibliografia aqui utilizada apontam a dificuldade de se produzir
uma burocracia eficiente. O termo profissionalização, nesse caso, denota estruturação
dos cargos e “meritocracia” – entre muitas aspas.
D. Formação acadêmica
Ao estudar o arranjo burocrático de outras nações, é perceptível que as instituições
educacionais de excelência são agentes centrais na formação do ethos administrativo
das elites. Por meio dos dados, pretende-se aqui verificar quais instituições e
universidades que cumprem papel semelhante para os dirigentes brasileiros.
Usar o termo capitais disciplinares é considerar que as aptidões de gestor sejam
socialmente construídas. Sendo assim, as habilidades exigidas na carreira pública
resultariam da combinação entre qualidades individuais e aquelas correspondentes ao
ofício.
8 Essa definição consta na cartilha do Sítio da lei de Acesso à informação.
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O mote recorrente entre os autores é que algumas ocupações conferem recursos
simbólicos aos interessados em seguir carreira pública a nível federal. Os
conhecimentos característicos estariam especialmente contidos na área da economia, da
ciência política, do direito e das ciências sociais, por serem disciplinas que abrangem
específicas esferas do Estado.
Joignant (2013) ainda se refere aos cargos de confiança como tecnopols, que seria
a fusão de ‘técnicos’ e ‘políticos’ no corpo burocrático. Segundo ele, esse grupo usou
seu meio do saber específico como estratégias de negociação entre as elites civis,
políticas e militares.
Recursos simbólicos fazem toda a diferença se considerarmos que temos uma
população pouco educada. No Brasil, formação acadêmica indica uma condição
financeira superior. Destarte, as pessoas que estão privadas da educação são as mesmas
privadas dos demais direitos sociais, como a saúde, habitação, etc. Isso reforça a tese de
que a elite financeira, a elite política e a elite educacional estão interseccionadas.
Uma população mais educada é capaz de participar mais ativamente da vida
social, em todos os seus âmbitos. Portanto, a educação é base para a consolidação de
qualquer regime democrático (CARVALHO, 2002). Políticas públicas eficientes
quebrariam com o ciclo vicioso de que quanto maior o poder aquisitivo, mais acesso se
tem a bens materiais e imateriais. Por exemplo: quem está nas mais altas esferas da
sociedade tem maior chance de adquirir boa educação; por outro lado, quem obteve boa
educação possui também chances maiores de atingir outro estágio nas estruturas
sociopolíticas. São dois movimentos que se retroalimentam.
Os estabelecimentos escolares atuam como espaços de reprodução do que
acontece em outros campos da vida em sociedade. De tal modo que os indicadores
educacionais expressam nitidamente algumas desigualdades que, acabam se
reproduzindo também no mercado de trabalho. Por isso se apresentou no capítulo
anterior, além de indicadores de gênero, índices de pardos e negros entre os dirigentes.
Esses aspectos não podem ser desconsiderados em pesquisa alguma que cite o termo
mérito.
Um dos problemas da educação no Brasil é o tempo de permanência na escola.
Entre 2003 e 2014, a média de anos de estudos dos brasileiros passou de 6,4 para 7,7
anos9. Apesar da melhoria nesse indicador, o brasileiro médio não teria concluído nem
mesmo o ensino fundamental, que vai até o 9º ano. O nível de instrução expõe
significativamente a distância entre ricos e pobres no Brasil, pois como se pode inferir, a
parcela mais rica da população também é a mais instruída.
Apesar dos problemas nos ensinos fundamental e médio, registram-se avanços
significativos na graduação e na pós-graduação, em especial com as medidas de maior
inserção dos brasileiros nas universidades, adotadas pelos últimos governos, via ações
afirmativas, cuja legenda é inclusão social.
A partir de tudo que foi dito, é natural que a escolaridade dos pais seja um
indicador para observar status social, como nos dados sobre escolaridade dos pais dos
dirigentes:
Um aspecto interessante é o número de pais doutores no MP dos três governos. Há de se
convir que os pais dos dirigentes, certamente, são de uma geração anterior. Ou seja, são
os que tiveram acesso ao ensino quando este era muito mais precário10
que hoje em dia;
e ainda quando as mulheres eram minoria nas instituições de ensino, o que se reverteu
atualmente. Nos governos Lula e Dilma, há um menor índice de doutores entre os pais
dos dirigentes, o que indica que eles provêm menos da elite do que no governo FHC. 9 Média de anos de estudo das pessoas de 25 ou mais anos de idade (IBGE 2014/2013)
10 Não em termos de qualidade, mas de dificuldade ao acesso.
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Vejamos agora dois gráficos que ilustram a formação acadêmica dos dirigentes:
Gráfico 1: Escolaridade dos DAS e NEs de ministérios econômicos
Gráfico 2: Escolaridade dos DAS e NEs de ministérios sociais
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Da nossa amostra, todos os dirigentes tiveram acesso ao nível superior, exceto os
3,4% com superior incompleto nos ministérios sociais do governo Lula; e 4,2 no MP do
governo Dilma. O número de ministros com doutorado nos ministérios econômicos
aumentou do governo Fernando Henrique ao governo Dilma; porém, dentre ministérios
sociais, houve uma maior parcela com apenas ensino superior MEC, enquanto houve
aumento no número de doutores no MS. Logo, é possível concluir que a hipótese de
“dirigentes de ministérios econômicos serem mais profissionalizados que os de
ministérios sociais” não pode ser usada indistintamente.
Pode-se dizer, a princípio, que os dirigentes de ministérios econômicos tendem a
vir da elite, se observarmos conjuntamente as instituições onde estudaram e os cursos
superiores que fizeram. Aí se insere um viés que distingue instituições de ensino
públicas das privadas.
Ensino médio em instituição privada pode ser interpretado com maior condição
financeira, pois o ensino público, com a exceção de escolas federais, não é considerado
de qualidade. Ensino superior em instituições públicas, especialmente as federais, por
sua vez, é bem visto; dentre as particulares, destacam-se as universidades católicas e a
Fundação Getúlio Vargas (FGV). É o fenômeno que Celso Giglio compara com uma
pirâmide invertida, “em cujo ápice está a excelência e, na base, problemas crônicos,
ainda sem soluções” (GIGLIO, s.d. p.48).
E. Instituições de ensino
No terceiro capítulo de A construção da Ordem, José Murilo de Carvalho
apresenta a situação educacional do Brasil no século XIX, e utiliza a alegoria de que o
país continha “uma ilha de letrados num mar de analfabetos” (p. 51). A excelente
formação desses bacharéis, em especial no contexto da época, gerou o fenômeno de
busca pelo emprego público, pois fora os altos cargos, eles não possuíam muitos
campos de atuação. Essa intelligentsia desembocou na magistratura.
A primeira intenção das instituições de ensino foi formar pessoal técnico
competente, que identificassem os recursos – naturais e econômicos – brasileiros, para
que aperfeiçoados, pudessem gerar lucro (PAIM, 1982); já nos anos 30, iniciou-se a
política de criação de autarquias e conselhos nacionais (ALMEIDA, 2003), cujo
interesse foi modernizar os mecanismos governamentais e econômicos.
Um dos principais fenômenos que marca essas ideias foi surgimento do ensino e
pesquisa em solo brasileiro, para estabelecer profissionais que levassem a cabo a
pretensa modernização. Esse esforço resultou na instituição das primeiras universidades,
somente na primeira metade do século XX11
. A Seção de Ensino Técnico e Superior,
coordenada pela Associação Brasileira de educação em 1927, levantou uma questão
elementar: qual tipo universitário adotar no Brasil?
O esforço de intelectuais nacionais e internacionais culminou na fundação das
principais universidades do país. Atualmente, destacam-se entre as universidades
públicas a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade de São Paulo (USP), a
Universidade de Campinas (UNICAMP) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ); dentre as instituições privadas, destacam-se as universidades católicas (como a
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio) e a Fundação Getúlio
Vargas (FGV). Com o objetivo principal de melhorar a qualidade da gestão pública, foi
criada em 1986 a Escola Nacional de Educação Pública (ENAP).
Por conta disso, o presente trabalho não menciona região de procedência dos
dirigentes públicos. Considera-se que a elite tende a passar pelas altas instituições de 11
PAIM, 1982. O autor apresenta outras organizações educativas, que depois originaram as universidades tal qual conhecemos hoje.
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ensino, que por sua vez, estão localizadas nos centros hegemônicos do país. Além da a
alta escolaridade: o principal fator de homogeneização é a instituição de ensino, o que é
um fato também em outras nações12
.
Foram selecionadas as instituições brasileiras predominantes na formação superior
dos dirigentes públicos de nossa amostra. Seguem-se os gráficos sobre as universidades
onde eles realizaram mestrado13
.
Gráfico 3: Instituições de ensino de mestrado dos DAS (5 e 6) e NEs.
** Outras universidades brasileiras ***Outras universidades estrangeiras
No governo Fernando Henrique, há uma maior parcela de dirigentes que se
formaram mestres em universidades estrangeiras. Se observarmos conjuntamente, será
possível perceber que os institutos brasileiros (USP, UnB, UFRJ, Universidades
católicas, UNICAMP e FGV) são responsáveis pela formação de boa parte dos
dirigentes. Em oposição às outras universidades – brasileiras e estrangeiras – essas seis
concentram equivalente a 53,3% no governo FHC; 46% no governo Lula e 50,3% no
governo Dilma.
Dentre as seis entidades destacadas, a que se sobressai é a UnB, que abrange em
média 14,3% dos dirigentes de nossa amostra. Nesse ponto, Brasília é uma cidade cujas
universidades têm formado os quadros do governo, uma endogenia14
. A cidade que vem
em seguida é São Paulo, com duas representantes – USP e UNICAMP. Esses
indicadores são exacerbados se associados aos cursos.
F. Cursos superiores
O caráter estamental de alguns ofícios confere ao indivíduo certa afinidade com o
poder. No caso de administradores públicos federais, e mais ainda, cargos de confiança
dos ministros de Estado, certos campos de saber têm maior aplicabilidade à função
desempenhada por eles. Isso se dá de maneira sistemática.
O principal exemplo é o do curso de direito, pois como pode ser visto, esteve
afinado com as necessidades de cada época e regime de governo. Segundo Francisco
Pinto (apud NUNES, 2012; p. 148) considera-se “a formatura em Direito como
12
Filipe Nunes, 2012. 13
No mestrado, os dirigentes aparecem mais concentrados nessas universidades do que acontece na graduação. Por isso essa escolha metodológica. 14
Termo que designa algo cuja origem no interior do organismo ou resultante de fatores internos desse, segundo o dicionário Aulete.
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importante em qualquer instituição administrativa pelo facto de esta se poder integrar
numa ordem jurídica”. Pensamento este que é compartilhado por José Murilo de
Carvalho (2007), quando o autor define os juristas como instituintes15
do arcabouço
legal dos Estados, em distinção aos advogados como fruto da sociedade liberal.
Segundo Roberto Almeida (2003), a dicotomia entre político e técnico no
contexto brasileiro tem o seu apogeu na década de 20, onde o “profissional que melhor
encarna esse processo é o engenheiro encarregado das obras públicas”, amparado pela
ampliação da especialização via Escolas Politécnicas. Ainda de acordo com Almeida
(ibid.), é a partir dos anos 1960 que os economistas e administradores se constituíram
como a grande força na elite tecnoburocrática, tanto no Brasil quanto na França. Em
ambos os países, boa parte desses profissionais teriam começado suas carreiras na
engenharia e migrado posteriormente para a economia. Heredia (et. Al 2012) ressalta a
o empenho dos gestores em demonstrar para sociedade que “mentes econômicas de
maior prestígio estavam a serviço do Estado”.
Esses funcionários, segundo Almeida (ibid.) estariam intimamente ligados ao
planejamento territorial do país. Para tal, criaram-se órgãos de assessoramento técnico e
político na administração, já que esses assessores desenvolverão tanto funções legais
quanto influenciarão decisões políticas e econômicas, fazendo dos dirigentes de
ministérios econômicos ainda mais políticos.
Outro grupo de profissionais que tem tomado corpo recentemente é o proveniente
das ciências sociais. “Embora a consolidação destas [ciências] tenha sido mais tardia e
não se reflicta ainda com a força das outras” (Nunes, 2012), já é a segunda área em pós
graduação stricto sensu, abaixo apenas de economia, o que pode ser observado também
nas áreas de mestrado dos DAS e NEs, no quadro a seguir. Maria Celina D’Araujo
(2009; p. 81-85) relaciona a atuação desses profissionais com os cargos de confiança. A
afinidade entre ambos possivelmente se deve ao vínculo do ramo com atividades
intelectuais; ademais, os dois últimos governos16
possuem práticas partidárias que
remontam a uma posição política de esquerda. O papel desempenhado pelos cientistas
sociais seria menos de atuação no poder em si17
; e mais de aliar saber acadêmico e
crítica social. Em 2013, 40% dos ingressantes nas universidades se matricularam em
cursos das áreas de ciências sociais, negócios e direito18
. No gráfico seguinte, aparecem
a presença expressiva desses profissionais, dirigentes públicos distribuídos em governos
presidenciais e áreas dos cursos de mestrado.
Gráfico 4: Área do curso de mestrado dos DAS (5 e 6) e NEs.
15
Quem determina algo, segundo consta no Dicionário Aulete. 16
Lula (2003-2010) e Dilma (2011-atualmente). 17
SCHWARTZMAN apud D’ARAUJO (2009) 18
40% dos 2,7 milhões de alunos ingressantes. Dados do MEC (2014).
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Na categoria ‘outros’, estão agrupados os cursos que tiveram menos de 4% de
representantes. A média de dirigentes neste grupo é de aproximadamente 30%, o que
significa dizer que as seis áreas destacadas – ou seja, economia, ciências sociais,
administração, medicina e direito – concentram os demais 70%. O governo com maior
concentração foi o FHC, no qual apenas 15,2% não fizeram mestrado nessas áreas.
Bem, a partir do que foi visto até agora, pode-se perceber que esses gestores
passaram por certos crivos. Eles também dispõem de formação acadêmica requisitada
pelo cargo. Além do mais, integram um grupo que lhes deu visibilidade, isto é,
pertencem a uma comunidade político-social afinada com as altas instâncias do
Executivo Federal.
Ou ainda sobra a opção de terem sido escolhidos clientelisticamente. Mas mesmo
que isso tenha ocorrido, não foi o único fator. Há de se considerar todos os aspectos
anteriores. Nesse caso, o uso político de cargos públicos é só um segundo elemento,
algo que também acontece, sobretudo em contextos como o brasileiro. A menor
homogeneidade social exigia a atuação de outros fatores que não a educação.
G. Nova República
Não há no plano sociopolítico brasileiro uma relação dialética entre os
mecanismos modernizadores e a ordem vigente – onde tese e antítese produzam síntese.
Há, pelo contrário, a reprodução de estruturas anacrônicas sob novas roupagens, o que
gera contextos muito instáveis e regimes governamentais afastados do restante do povo.
Dentre as mudanças de regime, a eleita neste capítulo é o período intitulado como Nova
República, que teve início nos anos 1980 e coincidiu com a redemocratização.
É possível perceber, em vez de dialética, confluência e interdependência entre os
grupos dominantes e a formação do Estado. Nesse decurso, a composição das elites, o
poder do Estado e a formação de instituições políticas estão imbricados. Além de
produtos da estrutura social, os altos postos também compõem o um sistema inerente ao
Estado moderno. Esse processo é o que José Murilo de Carvalho denomina causação
recíproca (2007; p. 24).
O Estado assume o papel de modernizador do país, porém, sempre com a
ambiguidade mencionada no primeiro capítulo: deixando as áreas sociais em segundo
plano. É mais ainda nesse aspecto que a modernização é ‘conservadora’, porque
acontece ao mesmo tempo a sofisticação da economia e dos aparatos administrativos,
em face às irregularidades sociais.
No segundo período ditatorial brasileiro, a criação do Departamento
Administrativo do serviço público (DASP) representa a mesma busca pela tecnocracia
do momento anterior. A administração indireta (isto é, através das autarquias) também
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foi expandida, em busca de maior eficiência. Vale lembrar que isso ainda é atravessado,
por vezes, por interesses clientelistas.
Os modos de produção e o desenvolvimento influenciaram muito no caráter do
Estado; o que por sua vez, influenciou nas relações civis e democráticas. Com a crise
econômica e o fim do autoritarismo, a redemocratização foi marcada pelas tentativas de
reformas das finanças públicas.
Destacam-se como avanços democráticos os que visam incorporar a população
aos direitos sociais, sem que necessariamente se percam os direitos políticos, como
ocorreu no período ditatorial. Certamente, o aparato administrativo do Estado teve de se
afinar a todas essas transições.
Nas últimas três décadas, o Estado passa a assegurar não apenas as tradicionais
funções de soberania (defesa, relações externas, segurança interna, arrecadação de
impostos e emissão de moeda, mas também a novas atribuições sociais, desempenhadas
via políticas públicas.
O crescimento econômico, aliado a melhores indicadores de escolaridade e melhor
distribuição de renda, servem como ferramentas para superar essa clássica lacuna social.
Eis o papel das políticas públicas, que têm na desigualdade social um dos principais
obstáculos.
Num país de dimensões continentais, com a população atualmente superior a 200
milhões habitantes, é um grande desafio implementar tais políticas. Quanto aos
programas sociais, a maior parte das demandas ainda depende do governo federal. O
problema social, no entanto, não é falta de financiamento, mas é falta de eficiência na
distribuição desses recursos.
Os três últimos governos19
foram marcados tanto por reformas sociais quanto por
novas reformas institucionais. A reforma da administração pública de 1995 foi
congruente com as transformações político-administrativas que aconteciam em boa
parte do mundo. O reforço da lei de organização da administração central implicou na
formação do gabinete como um corpo de assistência técnica e política, cujo desafio
principal é estabelecer justiça social.
Diante desses esforços, o papel de social democracia20
teria sido exercido tanto
pelo último governo do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com Fernando
Henrique Cardoso; quanto pelos dois governos do Partido dos Trabalhadores (PT), com
Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Observar formação acadêmica dos funcionários nos governos FHC, Lula e Dilma
não significa dizer que FHC privilegiou o econômico. Pelo contrário: isso aponta a
necessidade de uma maior atuação nas áreas sociais, e com isso, a demanda por mais
funcionários nessas áreas. A mesma explicação vale para a criação de cargos de
assessoramento no Estado. O aumento do setor produtivo da sociedade requer qualidade
do gasto público e aumento nos quadros técnicos.
H. Política e burocracia no Brasil
De igual maneira, Daniel de Bonis e Regina Pacheco (2010) afirmam que é senso
comum essa ideia de que “políticos decidem e administradores executam”. Portanto, é
necessário superar essa dicotomia de política e burocracia. Já fora visto que as relações
entre dirigentes e políticos não pode ser simplificada assim, quando observamos as
burocracias inglesa e francesa. Na Inglaterra essas duas instâncias estão completamente
19
Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-atualmente); cada qual com dois mandatos presidenciais. 20
Papel este de minimizar os efeitos nocivos do capitalismo, princípio que rege essa vertente socialista de “terceira via”.
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separadas (em compartimentos estanques); na França, a elite administrativa é a que
compõe também os cargos políticos (em osmose). Mas e quanto ao Brasil?
Alfredo Joignant quando os intitula tecnopols, cultiva a ideia de que conjugam os
dois aspectos (os capitais disciplinares), sendo um pequeno grupo de agentes com forma
singular de liderança. Mas temos de convir que o autor se refere aos administradores
chilenos, que salvo exceções, certamente possuem atribuições diferentes das dos
brasileiros.
Para Felipe Nunes (2012), os administradores “híbridos” compõem um paradigma
semelhante ao da França. Porém, quando falamos dos DAS e NEs brasileiros, não
estamos falando de administradores que posteriormente se tornarão políticos (mesmo
que isso possa eventualmente acontecer); mas de cargos de confiança, que detêm um
grande poder de decisão e são policymakers21
.
O surgimento da função diretiva22
implica que políticos lancem mão de
especialistas do serviço público ou mesmo da iniciativa privada. A responsabilidade
eles delegada é vista atualmente como transferência de poder dos políticos eleitos para
profissionais. Isso constituiria um “estado administrativo” ou “burocrático”, ainda com
a hipótese de que políticos não teriam conhecimento técnico para tais funções.
De fato, o tipo ideal de burocracia weberiana – e o que é conhecido até hoje –
pressupõe impessoalidade, e deve desempenhar sua função sine ira ac studio. Os
dirigentes públicos no Brasil, deste modo, não seriam burocracia Weberiana. De Bonis e
Pacheco (2010) usam pertinentemente o conceito de burocratas gerenciais, aludindo à
reforma que deu a eles o cunho que possuem atualmente.
Visto isso, transpomos também a clássica dicotomia entre política e burocracia.
Essa discussão de políticos ou burocratas é uma uexata quaestio da ciência política na
atualidade, porém, não é apenas isso que deve ser observado. Como observa D’Araujo
(2009),
O desenvolvimento das funções de direção pública exige a superação desse
dualismo político-burocrático e o reconhecimento de uma esfera gerencial
no âmbito do setor público a ser preenchida por dirigentes, subordinados a
mandatários políticos, mas a quem se reconhece esfera própria de decisão
exercida sobre os marcos contratuais, baseados no princípio de
responsabilidade por resultados.
Os dados dos quais dispomos para este trabalho não são suficientes para uma
prosopografia desses dirigentes, o que requereria informações sobre região de
procedência, vínculos associativos etc. Mas acredito que foi possível perceber qual (is) a
(s) correlação (ões) entre uma formação acadêmica de excelência nos cargos de
confiança. Espero que tenha sido uma modesta contribuição para os estudos desse
campo, e possa se somar àquelas utilizadas na confecção deste trabalho.
Conclusões Foi possível perceber quatro tendências nos mecanismos governamentais
brasileiros: a significativa expansão de experiência em recursos educacionais dos
burocratas, a formalização dos arranjos institucionais, o engajamento de especialistas
em questões específicas e a combinação entre habilidades burocráticas e políticas. O
escopo do trabalho foi justamente comparar as informações da pesquisa com as teorias
políticas referentes ao tema, destacando as possíveis diferenças entre as duas áreas:
econômica e social.
21
Isto é, responsáveis pelas políticas públicas, como já fora dito anteriormente. 22
Longo apud De Bonis e Pacheco (2010)
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Buscou-se aqui delinear as possíveis diferenças entre esses dois conjuntos de
profissionais em cargos de confiança, ou seja, aqueles que atuam em dois ministérios
das áreas técnico-econômicas e aqueles que atuam nas duas pastas mais tradicionais da
política social.
Os resultados que temos para os três governos mostram a presença expressiva de
certas profissões, especialmente da economia, da engenharia e do direito nos ministérios
econômicos; e das ciências sociais em todos os ministérios analisados, mais
destacadamente nos da área social. Essas profissões são consideradas tradicionais entre
os profissionais que integram o Estado, já que deles se espera que desenvolvam suas
funções legais e influenciem decisões relacionadas à política.
Boa parte dos autores de nossa bibliografia pretende distinguir tecnificação de
racionalização estatal, na medida em que os ministérios econômicos se legitimaram
como portadores de um conhecimento científico, ao passo que os ministérios de cunho
social reivindicam um conhecimento contextual e localizado – isto é, consideram mais
as práticas de seus dirigentes que a formação acadêmica elevada.
Avaliando a procedência acadêmica e habilidades específicas dos dirigentes
desses quatro ministérios, concluímos que, em geral, são competentes para ocupar
funções públicas – sendo que os dirigentes de ministérios econômicos são ainda mais
especializados. Portanto, seria um pouco rigoroso afirmar que são cargos providos
apenas por critérios clientelistas, já que seguem um determinado padrão de
recrutamento, baseado em determinações da Constituição Federal.
No que toca ao funcionalismo público em geral, os dados do Brasil mostram que o
país está na média dos países da OCDE. O resultado difere da imagem que comumente
se tem de uma dimensão excessiva do emprego público, em especial em países como o
Brasil, em que o apreço ao serviço público é visto quase como um traço cultural. Da
mesma forma, a criação de órgãos de assessoramento técnico e político não é um
fenômeno exclusivamente brasileiro, e se expande na medida em que surgem demandas
decorrentes de novas práticas democráticas.
Outro ponto a observar é a possível politização da burocracia em geral. Para Filipe
Nunes (2012), a politização da burocracia está associada ao aumento nos gabinetes
ministeriais. Esses administradores mais ‘politizados’ diferenciar-se-iam da burocracia
weberiana, estritamente técnica. Formariam assim um padrão híbrido. Não são
totalmente burocracia weberiana, estritamente marcados pela impessoalidade, mesmo
porque não podemos ler Weber anacronicamente, como se outras realidades se
adequassem exatamente ao ‘ideal’.
Por outro lado, existem critérios de recrutamento, que por mais eficientes que
sejam, não conseguem superar completamente as práticas clientelísticas. É algo mais
complexo que transcende esses binarismos. Em todos eles, contudo, predomina a
profissionalização.
Ainda assim, o alto burocrata médio é homem, branco, formado em economia e
em grande universidade. Porém, é insuficiente a presença de negros e de mulheres,
embora haja uma mudança positiva nos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff. Em
outras palavras,
Concluímos que o recrutamento das elites é um processo híbrido, pois contém
elementos de autonomia profissional na administração direta, controle político nos
institutos públicos e mesmo politização clientelar nas delegações regionais dos
ministérios. Essa teoria tem sido crescentemente valorizada na academia e no debate
público. Burocracia do Estado só se tornou tangível para mim à medida que lia os textos
e visualizava as informações empíricas. Os referenciais teóricos foram os autores
citados ao longo deste texto e constam na bibliografia a seguir.
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Referências
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planejamento territorial no Brasil. In: Terra Brasilis (Revista Online). 4-5. 2003.
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Teatro de sombras _política imperial. São Paulo: Editora Civilização brasileira, 2003.
459 p. ISBN: 978-85-200-0618-4.
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PACHECO, R. S (org.). Burocracia e Política no Brasil: Desafios para a ordem
democrática no século XXI. 1ed. Rio de Janeiro: FGV. 2010. Pp. 329-362. ISBN 978-
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« scientifique » des élites gouvernementales chiliennes (1990 – 2010). In: 8th ECPR
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socio-historia del gabinete nacional. In: Boletín Bibliográfico Electrónico del Programa
Buenos Aires de Historia Política. Revista PolHis. Ano 5, nº Primeiro Semestre de
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sociabilidade moderna. In: NOVAIS, Fernando (dir.). História da vida privada no
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compreensiva. São Paulo: Editora UnB (Imprensa Oficial). 2004. Vol. 2. 508 p. ISBN
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