Ept2006p0003

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» Ontem, o EM publicou areação da Comissão daVerdade ao depoimento dapresidente Dilma. Um grupode historiadores de Minas foimobilizado para analisar otestemunho. Além disso,mostrou as variadas formasde castigos sofridos porDilma nos porões daditadura e depoimentos deex-companheiros demilitância, como o ex-ministro Nilmário Miranda eEmely Salaza, que, maistarde, seria presidente daComissão Especial dasVítimas de Minas Gerais(Ceivt-MG). Intensificam-seas repercussões na imprensanacional e internacional.

E S T A D O D E M I N A S ● Q U A R T A - F E I R A , 2 0 D E J U N H O D E 2 0 1 2

POLÍTICA E D I T O R : B a p t i s t a C h a g a s d e A l m e i d a

E D I T O R - A S S I S T E N T E : R e n a t o S c a p o l a t e m p o r e

E - M A I L : p o l i t i c a . e m @ u a i . c o m . b r

T E L E F O N E : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 2 9 3

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» O Estado de Minas inicioudomingo uma série dereportagens em que revelacom exclusividadedocumentos, até entãoinéditos, que comprovamque a presidente DilmaRousseff foi torturada nosporões da ditadura em Juizde Fora, Zona da Matamineira, e não apenas emSão Paulo e no Rio deJaneiro, como se pensava.Os documentos reproduzemo depoimento pessoal deDilma dado em outubro de2001, no qual ela relatacom detalhes todo osofrimento vivido em Minascomo militante política decodinome Estela.

O QUE JÁ FOI MOSTRADO

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» Na edição de segunda-feira, o EMmostrou que bilhetesendereçados a Dilma einterceptados por agentesmilitares foram os responsáveispor novas sessões de tortura emMinas. Os militares acreditavamque ela teria organizado, no fimde 1969, um plano para dar fugaao militante Ângelo Pezzuti, queusava o codinome Gabriel. Porcausa de 22 bilhetesencaminhados para a militanteEstela, um dos codinomes usadospor Dilma, ela teria voltado a sertorturada. A série de reportagensteve repercussão na imprensainternacional. A presidente leuseu conteúdo antes de embarcarpara o México, mas preferiu ficarem silêncio.

SANDRA KIEFER E DANIEL CAMARGOS

Se é certo que a ex-militante políticaconhecida como Estela, codinome de Dil-maRousseff, foitorturadaemJuizdeFora,sofrendo sessões de choque elétrico, paudeararaeatéumsoconosdentesem1970– conforme mostrou o Estado de Minasem série de reportagens iniciada no do-mingo–pairamdúvidassobreareal iden-tidadedotorturador.Emtrechododepoi-mento pessoal concedido ao Conselho deDefesa dos Direitos Humanos de MinasGerais (Conedh-MG), em 2001, Dilma re-velatrêspossíveisnomesdetorturadores,atribuídos a dois homens presentes nascenas de horror vividas nos cárceres mi-neiros. Por duas vezes durante o depoi-mento, Dilma cita dr. Medeiros, que elaacredita,porém,setratardeumnomefal-so. Esse mesmo torturador usaria tam-bémofalsonomedeLara.“Essedr.Medei-ros aparecia de novo e ocupava um lugarcentral”, afirma. O terceiro nome é Joa-quim, identificado por ela como sendoum agente de segundo nível, que poderiaser um inspetor ou algo assim.

Segundo a presidente, os torturadoreseram possivelmente agentes do Departa-mento de Ordem Política e Social (DOPS)de Minas Gerais. “Acho que em Minas Ge-rais fui interrogada por civis, sobretudoos dois principais identificaram-se comopoliciais do Dops de Minas, dr. Medeiros,que era um nome falso”, informou Dil-ma, em depoimento à jovem equipe daConedh-MG, que viajou até Porto Alegrepara ouvir seis depoimentos, inclusive oda então secretária das Minas e Energiado Rio Grande do Sul.

Durante os últimos 10 dias, desde queteve acesso exclusivo ao processo de Dil-ma, a reportagem do Estado de Minasconversou com pelo menos 23 pessoas dediferentesorganizaçõespolíticasdaépocapós-64, de diversas ideologias, incluindofontes da alta cúpula do Exército. Até ago-ra,porém,nãohouvecomocravaraidenti-dade do torturador mineiro. Coincidênciaé que quem assina o Inquérito Policial Mi-litar(IPM)deDilmaemJuizdeFora,conce-dido sob tortura, é Octávio Aguiar de Me-deiros,umdosnomesmaisproeminentesentreosmilitaresdaépoca.Noiníciodadé-cadade1970elefoicomandantedoCentrode Preparação de Oficiais da Reserva(CPOR),emBeloHorizonte,eteriasidores-ponsável por acabar com o Comando deLibertaçãoNacional(Colina)nacapitalmi-neira, organização a que Dilma pertencia.

Segundo os entrevistados, porém, nãoera de praxe que um oficial da patentedesseMedeiroscomandassepessoalmen-

te uma sessão de tortura. Ainda que o co-mandantedoCPORtivesseparticipadodatortura de Dilma, é pouco provável que apresidente não soubesse da identidadecompleta de Octávio Aguiar de Medeiros,dizendo em outro trecho do depoimentoque dr. Medeiros se tratava de um “nomefalso”. “Dilma tem memória de elefante enão iria confundir o nome de seu tortura-dor,aindaquetenhamsepassado30anosdo fato”, afirma uma fonte, que conhecebem a presidente, desde a época de suamilitância política em Belo Horizonte.“Emboraaindafosseum‘zéninguém’emBH, perto do que se tornaria mais tarde,todo mundo sabia quem era o Medeirosnaquelaépocadomovimentoestudantil”,garante outra, que prefere manter o ano-nimato. Segundo outra pessoa, “é co-mum a vítima de tortura referir-se aosparticipantes do cenário da tortura comosendo torturadores, ainda que não te-nham torturado com a própria mão. Ele

não deixa de ser um torturador”, acredita.OctávioMedeirosmorreuem2005,aos

82 anos. Ele galgou importantes patentesna carreira militar. Em 1978, chegou a as-sumirachefiadoServiçoNacionaldeInte-ligência (SNI), em substituição a João Bap-tista Figueiredo, que assumiu o posto deúltimo presidente da ditadura militar nopaís.Foiduranteoperíodoquecomandouo SNI, que ocorreu o atentado fracassadono RioCentro, quando duas bombas ex-plodiram em poder dos militares no cen-trodeconvençõesdoRio,emabrilde1981.

Outra possibilidade para encontrar otorturador da Dilma em Minas Gerais ébuscar com lupa na Carta de Linhares, co-mo foi chamado o documento de 28 pá-ginas que detalha a tortura sofrida porpresos em quatro locais: a Delegacia de

Vigilância Social, onde funcionava oDops; a Delegacia de Furtos e Roubos; o12º Regimento de Infantaria, todos emBelo Horizonte, e a Polícia do Exército doEstado da Guanabara, hoje Rio de Janeiro.

A principal hipótese é de que a cartafoi redigida por Ângelo Pezzuti (principaldirigente do Colina e que levou Dilma aser torturada em Juiz de Fora ao endere-çar a ela bilhetinhos com um plano de fu-ga da prisão sob o codinome Gabriel). Odocumento teria sido entregue aos fami-liares dele, no início de 1970. Na carta,constam os nomes de cinco torturadores:Luis Soares da Rocha, Mário Cândido daRocha, José Pereira e José Reis. O quintonome revela mais uma coincidência, poisé Lara Rezende, o mesmo nome do codi-nome adotado pelo torturador de Dilma.

O ENDEREÇODO HORROR

Durante a ditadura militar, oBrasil teve pelo menos 234centros de detenção e torturaem unidades do Exército,especialmente a partir dacriação em todos os estados, doDestacamento de Operações deInformações – Centro deOperações de Defesa Interna(DOI-CODI), além de delegaciasda Polícia Civil. Os métodos detortura poderiam variar decentro para centro, mas, deforma geral, os castigos físicos epsicológicos aconteciam emcelas especiais, equipadas commesas, uma barra de ferro paraas sessões de pau de arara, umapequena engenhoca parachoque elétricos, além dacadeira dragão, que tinha amesma finalidade, epalmatórias. Algumas maissofisticadas tinham proteçãoacústica. Outras podiam simularsituações extremas comointensa escuridão, calor ou frioexcessivos. As sessões eramcomandadas sempre por maisde um agente, que serevezavam numa encenaçãomacabra do bem e do mal. Paraconfundir as vítimas, umtorturador se apresentavaexcessivamente agressivo, paraem seguida, entrar um outroque se apresentava contrário àsagressões e solicitava acolaboração espontânea. Eles setratavam por codinomes, masnão se preocupavam em cobrirseus rostos. Alguns dos homensque ganharam fama deviolentos durante o período deexceção demonstravam atécerta satisfação em seremreconhecidos, como o delegadoSérgio Paranhos Fleury, quetinha prazer em informar aospresos políticos ter sido autor damorte de militantes como CarlosMarighella. (Maria Clara Prates)

Trecho do depoimento em que Dilma cita dr. Medeiros e outros dois nomes como seus torturadores

❚ ❚LEIA MAIS SOBRE A TORTURA NOS PORÕES DE MINASPÁGINA 4

Identidade dotorturador mineiroque levou a ex-militante Dilma avivenciar cenas deverdadeiro terror nosporões do estadoainda é mistério

Um rosto sem nome