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Companheiros de militância da presidente foram surpreendidos pelos militares quando oaparelho no Bairro São Geraldo, em BH, foi estourado, marcando o início do fim do Colina

POLÍTICA

E S T A D O D E M I N A S ● S E X T A - F E I R A , 2 2 D E J U N H O D E 2 0 1 2

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O dia emque aturma daDilma caiu

LEIA AMANHÃNOVOS RELATOS SOBRE DILMAE O PERÍODO DA DITADURA

CAÇADOS PELA DITADURA

O regime militar adotava métodos nazistas para procurar militantes políticos,como neste cartaz distribuído por todo o país. Nele, aparecem o mineiro ApoloHeringer Lisboa, codinome Ricardo (no alto à esquerda e ao lado), hojecoordenador do Projeto Manuelzão; Gilberto Faria Lima, o Zorro, morto peloregime militar em 1974 (alto à direita); Carlos Alberto Soares de Freitas, oBreno ou Gustavo, também mineiro, desaparecido em 1971 (embaixo àesquerda); e o belo-horizontino Herbert Eustáquio de Carvalho, o DanielTampinha, último exilado a voltar ao país, em 1981. Herbert morreu em 1992.

DANIEL CAMARGOS E SANDRA KIEFER

Antes de o Sol nascer, em 14 de ja-neiro de 1969, Jorge, Maria, Afonso,Murilo, Júlio, Nilo e Maurício estavamreunidos em uma casa numa tranqui-la rua do Bairro São Geraldo, RegiãoLeste de Belo Horizonte. Policiais doDops e da Delegacia de Furtos e Rou-bos estouraram o portão e, segundo re-latos, entraram atirando. A resposta foino mesmo tom, e o policial que estavaà frente morreu baleado por projéteisde uma metralhadora .30. Do lado defora da casa outro policial morreu. Aentão militante Dilma Rousseff faziaparte do grupo, mas não participou.“Ela articulava o movimento estudan-til do Colina e atuava nos bastidores.Não entrou na linha de frente nemparticipava das ações armadas”, deta-lha Jorge Nahas, atual secretário de Po-líticas Sociais da Prefeitura de Belo Ho-rizonte. A troca de tiros foi o início dofim do Comando de Libertação Nacio-nal (Colina), o grupo de esquerda quechegou a praticar assaltos e pegar emarmas para tentar derrubar a ditadura.

Antes da troca de tiros, que acabouem mortes e provocou a prisão do nú-cleo duro do Colina, os integrantes dogrupo assaltaram uma agência do Ban-co da Lavoura, em Sabará, na regiãometropolitana. O cerco apertou e o lí-der do grupo, Ânge-lo Pezzuti, foi preso.Outro integrante,Pedro Paulo Bretas,também foi captu-rado pelos militares.“O Bretas era o úni-co que sabia onde fi-cavam os três apare-lhos da Colina”, lem-bra Jorge. Com a pri-são e as recorrentestorturas praticadasnos porões do Exér-cito e da polícia, erauma questão detempo até os poli-ciais descobrirem oesconderijo da Coli-na. Os sete decidiram esperar amanhe-cer para abandonar o aparelho do Bair-ro São Geraldo. Não deu tempo.

A troca de tiros, que levou à mortede dois policiais, deixando outro mi-litar ferido e também ferindo o mili-tante Maurício Paiva, foi uma espéciede gota d’água para os militares. “Oimpacto foi muito grande. Os milita-res ficaram desorientados porque nãoimaginavam que aquilo poderia acon-tecer e a repressão aumentou muito”,lembra Jorge Nahas.

O cerco apertou na casa do BairroSão Geraldo e os sete membros da Co-lina foram rendidos. Eles foram colo-cados no paredão e os policiais, furio-sos com a morte dos colegas, queriamfuzilá-los ali mesmo. “O comandanteda diligência suspendeu o massacre,pois seria uma barbárie de prisionei-ros rendidos”, lembra Jorge. Ele se re-corda de ter, por mais de uma vez, asensação de que ali seria seu fim. O co-mandante da operação era o delegadoLuiz Soares da Rocha, chefe do temidoDepartamento de Ordem Política eSocial (Dops), que se notabilizou pelastorturas praticadas nas dependênciasdo local .

Quem comandava a Delegacia deFurtos e Roubos e também participouda operação foi o delegado Antônio No-gueira Lara Resende, 83 anos, apontado

pelas vítimas da ditadura como um dosprincipais torturadores do país. “Eleseram muito perigosos”, afirma Lara Re-sende sobre o Colina. O ex-delegadodestaca que o subinspetor Cecildes Mo-reira da Silva deixou a viúva com oitofilhos. A outra vítima foi o guarda civilJosé Antunes Ferreira e o ferido o inves-tigador José Reis de Oliveira. “Meu pro-blema era roubo. Quando era assalto abanco eu me envolvia. Mas no geralmandava tudo para o Dops, comanda-do pelo Luiz Soares da Rocha”, destacaLara Resende.

Quem portava a metralhadoraThompson calibre .30 era Murilo Pintoda Silva, irmão do líder, Ângelo Pezzu-ti. Tia deles, Ângela Pezzuti fala com or-gulho dos sobrinhos. “Havia um movi-mento mundial de jovens, não aconte-cia somente no Brasil. Eram idealistase queriam o mudar o mundo, come-çando pelo Brasil”, afirma. Ela tambémsustenta que o sobrinho agiu em legíti-ma defesa. “A polícia chegou atirando.O detetive Cecildes chegou atirando emorreu caído em cima das própriasbalas”, afirma Ângela Pezzuti.

ENXOVAL E ARMAS Jorge Nahas, comoa maioria do Colina, começou a mili-tância na Faculdade de Medicina daUFMG. Ingressou na Organização Re-volucionária Marxista de Política Ope-

rária (Polop) e de-pois, como grandeparte da Polop, mi-grou para o Colina.Depois da prisão naqueda do aparelhodo Bairro São Geral-do, Jorge foi soltoum ano e meio de-pois em troca doembaixador alemãoEhrenfried AntonTheodor LudwigVon Holleben, se-questrado por mili-tantes. Foi para a Ar-gélia com sua mu-lher, Maria JoséNahas, também do

Colina e presa na queda do aparelhoem BH. Maria José ficou conhecida, porser loira e portar uma metralhadora.Na imprensa, entre os militantes e ospoliciais passou a ser chamada de a“Loira da Metralhadora”. Uma históriacuriosa do período é que o dinheiro doenxoval de casamento do casal foi re-vertido para compra de armas.

CLANDESTINIDADECOM a perseguiçãoa seus militantes, o Colina chegaria aofim, logo depois do Ato Institucional 5(AI-5). “Passei a ser procurado comoterrorista no país inteiro, em cartazespregados em todos os aeroportos e ro-doviárias. Meus irmãos passaram a so-frer bullying na escola e meu pai e mi-nha mãe, que eram evangélicos presbi-terianos, foram alvo de deboche até naigreja”, desabafa Apolo Heringer Lis-boa, que dividia a liderança do Colinacom Ângelo Pezzuti. Médico, passou asofrer de anorexia nervosa ao fugir pa-ra o Rio de Janeiro e ser impedido deexercer a profissão, por ser clandesti-no. “Enfrentei privações morando cin-co anos em uma favela no Rio. Chegueia pesar 64 quilos, pois não tinha fome.Eu me sentia vítima de uma mentiraque a ditadura inventou contra o meugrupo e não podia nem me defender.Nunca fui um terrorista”, desabafa He-ringer, atual coordenador do Projeto

❚❚ OS SETE DA CASADO SÃO GERALDO

● Jorge Nahas

● Maria José Nahas

● Afonso Celso Lana Leite

● Murilo Pinto da Silva

● Júlio Bitencourt

● Nilo Sérgio Macedo

● Maurício Paiva

Manuelzão, que vai concluir no fimdeste ano o doutorado, aos 69 anos,postergado pelo período vivido naclandestinidade.

FUGA NA MADRUGADA No dia se-guinte em que o aparelho do BairroSão Geraldo foi descoberto, Dilma e omarido, Cláudio Galeno, fugiram doapartamento 1001 no Edifício Solar, naAvenida João Pinheiro, na Região Cen-tral da cidade. A residência do casal,que já havia deixado de ter a destina-ção original e estava sendo usada co-mo ponto de encontro pelos militan-tes do Colina, estava “queimada”. Defato, no momento em que os dois seencontravam dentro do apartamentodestruindo documentos da organiza-

ção, tocou a campainha. O casal foi sal-vo pelo porteiro, segundo relato queconsta do depoimento pessoal de Este-la, arquivado no Conselho de Defesados Direitos Humanos de Minas Gerais(Conedh-MG): “Numa noite, no fim dedezembro, o apartamento foi cercadoe conseguimos fugir, na madrugada. Oporteiro disse aos policiais do Dops deBH que não estávamos em casa. Fugi-mos pela garagem que dá para a rua dofundo, Rua Goiás”, relata a presidente.

VERDADE E ORGULHO A onda de re-visão do passado, motivada pela cria-ção da Comissão da Verdade pela pre-sidente Dilma, não assusta o delega-do Lara Resende. “É uma besteiramuito grande”, afirma. Já Jorge Nahas

tem muito orgulho do que viveu.“Nós atendemos a um chamado his-tórico. A ditadura não deixava espaçoe nós não medíamos as consequên-cias para combatê-la mesmo as chan-ces de vitórias sendo muito peque-nas”, acredita. Ele completa: “Estáva-mos imbuídos de um imperativomoral e claro que sabíamos que opreço a pagar não seria baixo”. Porfim, Nahas acredita que valeu a pena:“A história diz que fomos vencedores.A prova maior é a Dilma, eleita demo-craticamente presidente do Brasil”.

Jorge Nahas e Lara Resende, estavam em lados opostos: um como militante e o outro, apontados como um dos principais torturadores

JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS – 13/9/07 PEDRO GRAEFF/EM – 16/11/85

MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS – 13/12/09

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