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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA __ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PARÁ

Inquérito Civil Público nº 1.23.000.002365/2010-07

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador

da República que assina ao final, com base nos artigos 127, caput, e 129, incisos II e III,

da Constituição da República; nos artigos 1º; 2º; 5º, incisos I, III, alínea “e” e V; 6º,

inciso VII; e, 39, da Lei Complementar nº 75/93; e, nos artigos 1º, inciso IV, e 5º,

caput, da Lei nº 7.347/85, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência,

propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,com pedido de antecipação dos efeitos da tutela,

em face da

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (FUB), CNPJ nº

00.038.174/0001-43 pessoa jurídica de direito público

interno, com sede no Campus Universitário Darcy Ribeiro -

Prédio da Reitoria 70910 - 900 Brasília – DF;

Pelos fatos e fundamentos que passa a expor:

1. DOS FATOS

A presente Ação Civil Pública baseia-se nos documentos

probatórios reunidos no Inquérito Civil Público (ICP) n.º 1.23.000.002365/2010-07,

instaurado nesta Procuradoria da República no Estado do Pará, com o fim de apurar

possíveis agressões a direitos dos portadores de deficiência auditiva pelo CESPE/UNB,

em alguns concursos realizados pela instituição.

O referido Procedimento teve por base a representação de fls. 02-

B/15, formulada por Elaine de Almeida Souza e dirigida ao MPF/PA.

Nesta representação foi noticiado que em vários concursos

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públicos organizados pelo CESPE/UNB estava sendo dada uma interpretação restritiva

ao Art. 4º, inciso II do Decreto 3.298/99, conduta esta considerada lesiva aos direitos

dos portadores de deficiência.

A interpretação adotada pela Instituição considera como

deficientes auditivos, para fins de concorrência às vagas reservadas aos portadores de

deficiência, tão somente aqueles candidatos com perda auditiva mínima de 41

(quarenta e um) decibéis em cada uma das frequências mencionadas no referido

decreto e não na média destas frequências.

Como diligência inicial, este Órgão Ministerial expediu o Ofício de

fl. 19, dirigido ao CESPE, solicitando informações sobre a regularidade da

interpretação das normas e da seleção dos candidatos como portadores de deficiência

auditiva.

Em resposta, o CESPE/UNB esclareceu que a verificação da

qualificação dos candidatos como portadores de deficiência auditiva se dava por meio

de uma perícia médica realizada por uma equipe multiprofissional, ligada à instituição.

Informou ainda que a referida equipe considera, na avaliação, como portadores de

deficiência auditiva apenas aqueles candidatos que apresentem perda bilateral da

audição de 41 Db ou mais nas frequências de 500HZ, 1000 HZ, 2000 HZ e 3.000 Hz.

Ao longo do procedimento administrativo, constatou-se que o

CESPE/UNB detém uma forma peculiar de avaliação deste quesito, tendo em vista que

as demais instituições organizadoras de concursos públicos (FGV, FCC, Instituto

Nacional de Educação CETRO e ESAF) não dispõem de uma equipe multidisciplinar

interna para a verificação do enquadramento dos candidatos na condição de

deficientes.

Como diligência complementar para apuração dos fatos,

requisitou-se informações do Conselho Federal de Fonoaudiologia e do Conselho

Federal de Medicina sobre o conceito e critérios científicos e técnicos de deficiência

auditiva.

Conforme verificou-se, ambos os Conselhos, bem como a

jurisprudência dos tribunais superiores, adotam o posicionamento no sentido de que a

deficiência auditiva deve ser aferida pela média das frequências especificadas pelo

Decreto n. 3298/99, diferentemente do posicionamento adotado pelo CESPE/UNB.

Em virtude disto, o Ministério Público Federal recomendou ao

Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília – CESPE/UNB que

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fosse dada uma interpretação extensiva ao Art. 4º, inciso II do Decreto n. 3298/99 e,

como consequência, que os deficientes auditivos com perda auditiva bilateral, parcial

ou total de 41 Db, na média das frequências, fossem considerados aptos a concorrer a

vagas na condição de portadores de deficiência nos concursos públicos organizados por

esta instituição.

O CESPE/UNB, por sua vez, informou que não seria possível acatar

a recomendação, haja vista que as determinações legais pertinentes ao assunto

estavam sendo cumpridas, não sendo possível interpretar a disposição prevista no Art.

4º, inciso II do Decreto n. 3298/99/99 desta maneira (fls. 85/87).

Assim, não sendo possível a este Ministério Público Federal

permanecer inerte diante dos fatos narrados, não restou outra alternativa senão

propor a presente Ação Civil Pública.

Ressalte-se que o objetivo da presente demanda é,

primeiramente, garantir a defesa da pessoa deficiente e a utilização de todas as

armas jurídicas existentes, a fim de que se possa implantar e garantir os direitos

fundamentais individuais e coletivos da pessoa portadora de deficiência.

2. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

2.1. DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127, caput, da

CF/88). No artigo 129 da Constituição da República, estão previstas as suas funções

institucionais, dentre as quais se destacam “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes

Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta

Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (inciso II) e

“promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (inciso

III).

Em complemento à Constituição, foi editada a Lei Complementar

nº 75/1993, que, tratando do Ministério Público da União, reafirmou as suas funções de

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guardião da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais

indisponíveis (artigo 1º) e, no artigo 2º, dispôs incumbir-lhe a adoção das medidas

necessárias à garantia do respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância

pública aos direitos constitucionalmente assegurados.

Para tanto, conferiu-lhe o poder de empregar instrumentos

capazes de bem proporcionar o desempenho de seus misteres, dentre os quais o

inquérito civil e a ação civil pública, conforme se verifica no artigo 6º, in verbis:

“Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

(...)

VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

a) a proteção dos direitos constitucionais;

(...)

c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos,

relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente,

ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;

d)outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos

e coletivos;” (sem grifos no original)

Assim, a legislação pátria, ao tempo em que atribui ao Ministério

Público o poder-dever de proteger os direitos e interesses difusos e coletivos da

sociedade, proporciona aos seus integrantes o acesso ao mecanismo processual talhado

para tal finalidade, ou seja, a ação civil pública.

Esta ação está prevista na Lei nº 7.347/85 (principal lei de

regência), com expressa previsão da legitimidade do Ministério Público para sua

promoção no artigo 5º, caput , e destinada, conforme o artigo 1º, a tutelar o meio

ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,

turístico e paisagístico, a ordem econômica e a economia popular, a ordem urbanística

e qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

Assim, presente alguma característica de indisponibilidade parcial

ou absoluta de um interesse, exigível será a iniciativa ou a intervenção do Ministério

Público junto ao Poder Judiciário, com o fim de evitar disposição de algum interesse

que a lei considera indisponível ou para que a disposição de interesse relativamente

indisponível seja feita consoante às exigências da lei.

Na lide ora discutida, dúvidas não há quanto à indisponibilidade do

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direito perseguido, isso porque todas as normas protetoras das pessoas com deficiência

suplantam as questões de ordem privada e, portanto, disponíveis, já que têm por

finalidade assegurar as necessidades especiais dos portadores de deficiência, os quais,

inegavelmente, encontram-se em posição de vulnerabilidade, por terem reduzida ou

limitada sua capacidade natural.

Neste sentido, o art. 3º da Lei nº 7.853/1989 estabelece que

poderá ser interposta ação civil pública destina à proteger interesses coletivos ou

difusos das pessoas portadoras de deficiência. E mais, prevê que são legitimados ativos

para propor ação civil pública no interesse de pessoa portadora de deficiência: (i) o

Ministério Público, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (ii) a

associação constituída há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei civil, a autarquia, a

empresa pública, a fundação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas

finalidades institucionais, a proteção das pessoas portadoras de deficiência.

Cumpre salientar ainda, que a Constituição da República

Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana

(art.1º, III) e como um de seus objetivos promover o bem estar de todos, sem

preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação (art. 3º, IV), além de que, assegura, no caput do art. 5º, o princípio da

isonomia, traduzido, segundo Hugo Negro Mazzili, em tratar diferentemente os

desiguais, na medida em que se busque compensar juridicamente a desigualdade,

igualando-os em oportunidade.

No zelo pelo mencionado princípio da isonomia, enseja-se a

atuação do Ministério Público na proteção das pessoas que ostentam grave forma de

hipossuficiência, dentre as quais se encontram os deficientes físicos.

Por todo o exposto, não resta dúvida que mostra-se cabível a

presente ação civil pública e a legitimidade do Ministério Público, uma vez que a

requerida vem promovendo uma interpretação restritiva de um dispositivo legal

criado para favorecer as pessoas com deficiência, devendo, portanto, ser

interpretado e aplicado da forma mais favorável para estas pessoas.

Portanto, considerando que o Ministério Público Federal é

Instituição essencial a função jurisdicional do Estado, com capacidade postulatória

própria nas matérias em que possui legitimidade, bem como que a requerida

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (FUB) faz parte da Administração Pública, direta

e indireta, incumbe à Justiça Federal processar e julgar o presente feito, nos exatos

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termos do artigo 109, inciso I, da Constituição da República.

2.2- DO MÉRITO

I- DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA E OS ASPECTOS JURÍDICOS PARA SUA EFETIVAÇÃO.

A Constituição Federal de 1988, buscando assegurar o ingresso na

vida social e no mercado de trabalho das pessoas portadoras de deficiência, trouxe um

conjunto de normas compensatórias de proteção.

Estas normas constitucionais tem por escopo principal a

consagração do Princípio da Igualdade, previsto no Art. 3º (Igualdade material) e no

caput do Art. 5º (igualdade formal) da Carta Magna.

Deve-se ressaltar que a Constituição Federal de 1988 consagrou

tanto o princípio da igualdade formal, quanto o princípio da igualdade material. O

primeiro impõe que pessoas que se encontrem na mesma situação fática tenham

tratamento igual, ao passo que o segundo determina a adoção de medidas reparadoras,

objetivando a redução das desigualdades de fato, por meio de tratamento diferenciado

às pessoas que se encontrem em situações de desigualdade.

Assim, o tratamento especial destinado aos portadores de

deficiência trata-se, em verdade, da materialização desta autorização de desigualar,

consagrado no princípio da desigualdade material.

Em virtude disto, a Constituição Federal de 1988, inovando o tema

relativo aos portadores de deficiência, reservou a devida atenção à questão

relacionada aos direitos pertinentes a estas pessoas, dispensando um tratamento

visivelmente protetivo, ao estabelecer normas que buscam prevenir discriminações e

que também determinam prestações de cunho positivo, a serem prestadas pelo Poder

Público e pela sociedade em geral.

É, portanto, na busca da efetiva aplicação do Princípio isonômico

que a nossa Carta Magna trouxe normas relativas ao ingresso no mercado de trabalho,

de acesso diferenciado ao sistema de saúde, de educação especializada, bem como de

eliminação das barreiras arquitetônicas e culturais para os portadores de deficiência

de qualquer espécie. Neste sentido, os seguintes dispositivos constitucionais:

“ Art. 40, § 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados

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para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: I portadores de deficiência; II que exerçam atividades de risco; III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”.

“Art. 201. […]

§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar”.

“Art. 227.[...]

§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos: I – [...];II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos”.

Tratando diretamente do tema objeto de discussão na presente ação, determina o Art. 37, inciso VIII da Carta Magna:

“Art. 37: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;[grifo nosso]

A Constituição Federal, ao estipular no art. 37, inciso VIII esta

reserva, definiu meio (critérios de admissão), consistente na reserva de vagas, para

que seja atingido um fim: a reserva de cargos no quadro funcional da Administração

Pública a ser ocupada por pessoa portadoras de deficiência.

Trata-se de direito fundamental relacionado ao direito social ao

trabalho (art. 6º, CR) e ao direito fundamental à igualdade (art. 5º da Constituição da

República), de titularidade da coletividade das pessoas portadoras de deficiência.

Analisando-se sistematicamente os dispositivos trazidos pela

Constituição sobre a matéria, nota-se que há uma série de direitos dirigidos aos

portadores de deficiência e que devem ser garantidos de forma plena e sem exceção,

destacando-se:

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a) o direito ao respeito à sua dignidade como pessoa humana; b) a adoção de medidas próprias a capacitá-las a tornarem-se, quanto possível, autoconfiantes; c) o direito a tratamento médico, psicológico e funcional para desenvolvimento de capacidades e habilidades; d) a segurança material em nível de vida decente, em atividades produtivas e remuneradas de acordo com as aptidões.

Com relação à proteção infraconstitucional, dirigida aos

portadores de deficiência, pode-se dizer que esta teve origem somente após a

promulgação da Constituição Federal de 1988.

Inicialmente, surgiu a Lei n. 7.853/89, que visou, sobretudo, dar

efetividade material ao Art. 37, inciso VIII da CF/88 e propiciar a integração social dos

portadores de deficiência, estabelecendo em seu art. 1º, § 2º:

“As normas desta Lei visam garantir às pessoas portadoras de deficiência as ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade”.

O Art. 2º desta mesmo diploma legal, determina que tanto o

Poder Público quanto à sociedade em geral possuem o dever de assegurar às

pessoas portadoras deficiência a plenitude de seus direitos, nos seguintes termos:

“Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico”.

Entretanto, pode-se dizer que somente em 1999, com a edição

do Decreto n. 3.298/99, que regulamentou a Lei n. 7853/89, os princípios da não

discriminação e igualdade de oportunidades, foram definitivamente concretizados

em nosso ordenamento jurídico.

Por meio deste Decreto, houve uma verdadeira mudança

institucional da condição das pessoas portadoras de deficiência no Brasil,

representando um fato histórico de extrema relevância para a regulamentação da

matéria.

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O Decreto n. 3.298/99, já no Art. 1º, consagra o Princípio

isonômico, constitucionalmente previsto, nos seguintes termos:

“Art.1oA Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência compreende o conjunto de orientações normativas que objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência”.

Este Decreto teve extrema relevância pois trouxe em seu bojo

princípios, conceitos e diretrizes que orientam a proteção dos portadores de

deficiência, bem como sua inserção efetiva na sociedade.

Neste panorama protetivo, ganha destaque também a Convenção

Internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência que, em seu Art. 27, item

1, estabelece dispositivos referentes à inserção do deficiente físico no mercado de

trabalho, in verbis:

“Artigo 27Trabalho e emprego1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência de trabalhar, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Este direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceito no mercado laboral em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados Partes deverão salvaguardar e promover a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre outros:a. Proibir a discriminação, baseada na deficiência, com respeito a todas as questões relacionadas com as formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho;b. Proteger os direitos das pessoas com deficiência, em condições de igualdade com as demais pessoas, às condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo iguais oportunidades e igual remuneração por trabalho de igual valor, condições seguras e salubres de trabalho, além de reparação de injustiças e proteção contra o assédio no trabalho;c. Assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seus direitos trabalhistas e sindicais, em condições de igualdade com as demais pessoas;d. Possibilitar às pessoas com deficiência o acesso efetivo a programas técnicos gerais e de orientação profissional e a serviços de colocação no trabalho e de treinamento profissional e continuado;e. Promover oportunidades de emprego e ascensão profissional para pessoas com deficiência no mercado de trabalho, bem como atendimento na procura, obtenção e manutenção do emprego e no retorno a ele;f. Promover oportunidades de trabalho autônomo, empreendedorismo, desenvolvimento de cooperativas e estabelecimento de negócio próprio;g. Empregar pessoas com deficiência no setor público;h. Promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado, mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas;i. Assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com

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deficiência no local de trabalho;j. Promover a aquisição de experiência de trabalho por pessoas com deficiência no mercado aberto de trabalho; ek. Promover reabilitação profissional, retenção do emprego e programas de retorno ao trabalho para pessoas com deficiência”.

Apesar de todo o arcabouço legislativo criado para regular a

matéria, é inegável que a implementação destas normas compensatórias depende da

ação conjunta da Administração Pública.

II – DO CONCEITO DE PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA E DA INTERPRETAÇÃO DADA AO ART. 4º, INCISO II DO DECRETO N. 5398/99.

Por um longo período, a legislação infraconstitucional brasileira

omitiu-se em formular qualquer conceito de pessoas portadoras de deficiência,

fazendo apenas uma referência geral ao tema.

Este conceito e a concepção do termo teve origem na

Declaração dos Direitos dos Deficientes, aprovada pela Assembleia Geral da

Organização das Nações Unidas, em 9 de dezembro de 1975. O Art. 1º da Resolução

3447/75 definiu deficiente como aquela pessoa em estado de incapacidade de

prover por si mesma, no todo ou em parte, as necessidades de uma vida pessoal ou

social normal, em consequência de uma deficiência congênita ou não de suas

faculdades físicas ou mentais.

Posteriormente, em 1980, a Organização Mundial de Saúde

(OMS) definiu deficiência como sendo qualquer perda ou anormalidade da estrutura

ou função psicológica, fisiológica ou anatômica.

Tentando definir os contornos deste conceito, surgiu a Lei nº

8.160/91 e a Lei n. 4613/65, definindo as pessoas portadoras de deficiência como

aquelas que possuem deficiência auditiva ou defeitos físicos.

Entretanto, as referências existentes eram extremamente

genéricas e algumas leis criadas para regular a matéria, como a Lei n. 7.853/89,

que dispôs sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração

social, não forneceram qualquer definição aos termos por ela abordados.

Os critérios para a caracterização de deficiência, foram

especificados somente com a edição do Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de

1.999, que regulamentou a Lei nº 7.853/89, e dispôs sobre a Política Nacional para

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integração da pessoa portadora de deficiência.

Na conceituação trazida neste Decreto, tomou-se por base o

conceito apresentado pela Organização Mundial de Saúde – OMS. Este diploma

legal, estabeleceu as definições de deficiência, deficiência permanente e

incapacidade, nos seguintes termos:

“Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:I - deficiência - toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica,fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;II - deficiência permanente - aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; eIII - incapacidade - uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida”.

O Decreto também enfocou e caraterizou os tipos de

deficiência, fazendo-se relevante para o caso, a análise do Art. 4º, inciso II deste

diploma legal, com a redação dada pelo Decreto nº 5.296/2004, que conceitua a

deficiência auditiva nestes termos:

“Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

II - Deficiência auditiva -perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB)ou mais, aferida por audiograma nas freqUências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)”

Assim, coube à legislação infraconstitucional determinar quais os

tipos de deficiência, delimitando seu contorno na busca da efetividade das normas

constitucionais e infraconstitucionais protetivas dos portadores de deficiência e

determinar quais as deficiências seriam objeto da proteção legal.

Inicialmente, houve divergência sobre qual deveria ser a

interpretação dada a este dispositivo legal, havendo dois posicionamentos conflitantes:

a) Inclinados no sentido de que o Art. 4º, inciso II do Decreto n.

3298/99 deveria ser interpretado de forma literal, devendo ser

considerado para fins de caracterização da deficiência auditiva a

perda bilateral da audição de 41 Db ou mais em cada uma das

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frequências indicadas no dispositivo;

b) Inclinados no sentido de que o referido dispositivo deveria ser

interpretado de forma extensiva, devendo ser considerada a média

entre as frequências indicadas para a definição e caracterização da

deficiência auditiva.

Hodiernamente resta claro e sedimentado na jurisprudência e na

doutrina, o entendimento segundo o qual deve ser considerado a média das

frequências indicadas no Art. 4º, inciso II do Decreto n.3298/99. É inegável que tal

interpretação mostra-se mais benéfica e, portanto, mais conducente com as

disposições constitucionais protetivas das pessoas portadoras de deficiência. Vejamos:

O Conselho Federal de Fonoaudiologia, após pedido formulado

pelo Tribunal de Contas da União, apresentou esta interpretação no Parecer CFFa-CS nº

31 de 1º de março de 2008, fazendo-se relevante destacar os seguintes excertos:

“ (...)Os dados fornecidos por um audiograma (gráfico onde são anotados

os limiares auditivos estabelecidos durante a avaliação audiométrica) permitem-nos classificar as perdas auditivas quanto ao seu tipo (local de lesão), grau, configuração e habilidade para discriminar auditivamente. O Decreto n. 3298/199, ateve-se apenas ao grau da perda.

A literatura nacional e internacional traz diversas classificações para determinar o grau da perda auditiva, contudo, todas têm em comum o uso da média calculada entre os limiares auditivos obtidos em frequências específicas”.

A Organização Mundial de Saúde, por sua vez, considerando o

padrão estabelecido pela International Standards Organization, também consagrou o

entendimento de que, para definir o grau da perda auditiva, deve ser considerada a

média dos limiares auditivos obtidos nas frequências de 500, 1000.2000 e 4000 Hzs.

Neste sentido também, o Anexo IV da Portaria n. 587/2004, da

Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), do Ministério da Saúde que, ao estabelecer

diretrizes para o fornecimento de aparelhos de amplificação sonora individual

(AASI), determinou como critério inicial a verificação da média dos limiares tonais

nas frequências de 500,1000,2000 e 4000 Hz, acima de 40 Db.

Na Resolução nº 267 de 15 de fevereiro de 2008, o CONTRAN,

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regulamentando o Código de Trânsito Brasileiro e ao dispor sobre o exame de aptidão

física, mental e avaliação auditiva, também aferiu o enquadramento do condutor como

deficiente auditivo com base na média das perdas (Anexo III, 1.4).

Além disso, Programas de incentivo do Governo Federal, como o

PROUNI, disponibilizam bolsas de estudos para alguns segmentos da sociedade,

destinando um percentual de vagas aos portadores de deficiência que se enquadrem

nos ditames estabelecidos no Decreto n. 3298/99, considerando a perda média de 41

Db nas frequências consideradas para a aferição da perda auditiva.

A Jurisprudência pátria também consagrou este mesmo

entendimento em decisões judiciais prolatadas em sede de mandados de segurança

impetrados contra o próprio requerido, reconhecendo a ilegalidade da interpretação

dada pelo CESPE/UNB, baseando-se no posicionamento adotado pelo Conselho Federal

de Fonoaudiologia.

Neste sentido foi a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Minas

Gerais no Mandado de Segurança– 262/MG , julgado em 14 de maio de 2009, na qual foi

prolatada a seguinte decisão:

“ Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por Fernando Menezes de Oliveira impetrado em desfavor do Excelentíssimo Desembargador Presidente do eg. Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, contra o resultado final da perícia médica a que se submeteu o impetrante, nos termos do edital do concurso público promovido por esta instituição, que concluiu que o candidato não se qualifica como deficiente físico auditivo ¿apresenta na audiometria audição de 25 dB na freqüência de 500 Hz." Como conseqüência, não foi o impetrante classificado na lista final de portadores de deficiência relativa ao cargo de técnico judiciário, publicada em 07 de maio de 2009.Recurso administrativo interposto (fls. 106/111) e indeferido pelo Cespe/UNB (fls. 113).

Informações da autoridade coatora - fls. 153/154.Manifestação ministerial pela concessão da ordem - fls. 155/158.É, em síntese, o relatório. Decido.Em sede de cognição sumária, vislumbro elementos suficientes a demonstrar a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, satisfazendo a exigência do art. 7º, II, da Lei n. 1.533/51.

Pelo exame dos autos, verifica-se que a Junta Médica formada pelo CESPE/UnB, instituição organizadora do concurso, indeferiu às fls. 113 o recurso administrativo interposto pelo impetrante contra o resultado da perícia médica que não enquadrou sua limitação auditiva nas hipóteses de deficiência preceituada pelo art. 4º, II, do Decreto n. 3.298/99, que assim dispõe, in verbis:Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

(...)

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II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004) (destacamos)

Conforme se depreende dos exames e relatórios médicos de fls. 119/124, o impetrante apresenta ¿perda auditiva neurossensorial entre 500Hz, 1000Hz, 200 Hz e 300 Hz de 60 dB na orelha direita e de aproximadamente 50 dB na orelha esquerda".

Ressalte-se que tais exames foram utilizados como referência para o laudo de perícia médica do Cespe/UNB. Entretanto, aquela instituição analisou o audiograma de fls. 119 apenas na freqüência de 500 hZ, concluindo que o candidato apresentou na audiometria audição de 25 dB (fls. 102).

A verdade dos fatos é que aquela instituição interpretou restritivamente o art. 4º, II, do Decreto n. 3.298/99, o que me parece inadequado, principalmente por tratar-se de preceito normativo que visa efetivar a integração social e profissional das pessoas portadoras de necessidades especiais, direito fundamental insculpido no art. 37, VIII, da Constituição Cidadã. Some-se a isto que a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho são princípios fundamentais da República Federativa do Brasil.

Entendo que uma interpretação consentânea com as diretrizes assentadas na Carta Maior é aquela em que se considera a média obtida ao final do exame de audiometria e não o valor de 41 dB em cada freqüência isoladamente.

Nas medições realizadas em 1000 Hz, 2000 Hz e 3000 Hz foram considerados valores consideravelmente superiores a 41 dB, além do que a média da medição resultou em 60 dB na orelha direita e 50 dB na orelha esquerda, o que culmina em média de 45 dB bilateralmente.Desse modo, em análise perfunctória, verifico que o impetrante se enquadra, sim, nas hipóteses de deficiência auditiva.

Também presente o periculum in mora, ante a iminente homologação e conseqüente convocação dos aprovados, o que poderia gerar a preterição do impetrante.

Pelo todo exposto, defiro a liminar para determinar sua regular inclusão no rol dos aprovados na condição de deficiente físico, obedecidos os critérios estabelecidos no Edital n. 1 do TRE-MG, de 11 de novembro de 2008 quanto à sua classificação.

Intime-se pessoalmente o representante judicial da União no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, nos termos do disposto no art. 3º, da Lei n. 4.348/1964, com a redação dada pela Lei n. 10.910/2004.

Após, voltem os autos conclusos.

Belo Horizonte, 04 de junho de 2009.

Juiz Benjamin Rabello Relator”

(Fonte:http://www.tremg.jus.br/aplicativos/php/divulga_plenario/index.phacao=processo&nomenu=true&protocolo=309392009&sessao=100&dia=10

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/09/2009)”

O Superior Tribunal de Justiça, em seus julgados, também adota este posicionamento:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA - RESERVA DE VAGA NEGADA PELA ADMINISTRAÇÃO DEVIDO À COMPROVAÇÃO DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL - MATÉRIA DE DIREITO - POSSIBILIDADE DE IMPETRAÇÃO DO WRIT - APLICAÇÃO ERRÔNEA DA RESOLUÇÃO Nº 17/2003 DO CONADE - LEI Nº 7.853/89 - DECRETOS Nºs 3.298/99 e 5.296/2004 - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - RECURSO PROVIDO.1. A matéria de que trata os autos, qual seja, saber se a surdez unilateral vem a caracterizar deficiência física ou não, é matéria de direito, que não exige dilação probatória, podendo, por conseguinte, ser objeto de mandado de segurança. 2. A reserva de vagas aos portadores de necessidades especiais, em concursos públicos, é prescrita pelo art. 37, VIII, CR/88, regulamentado pela Lei nº 7.853/89 e, esta, pelos Decretos nºs 3.298/99 e 5.296/2004. 3. Os exames periciais realizados pela Administração demonstraram que o Recorrente possui, no ouvido esquerdo, deficiência auditiva superior à média fixada pelo art. 4º, II, do Decreto nº 3.298/99, com a redação dada pelo Decreto nº 5.296/2004. Desnecessidade de a deficiência auditiva ser bilateral, podendo ser, segundo as disposições normativas, apenas, parcial. 4. Inaplicabilidade da Resolução nº 17/2003 do CONADE, por ser norma de natureza infra-legal e de hierarquia inferior à Lei nº 7.853/89, bem como aos Decretos nºs 3.298/99 e 5.296/2004. 5. Recurso ordinário provido. (ROMS-200501719900-ROMS - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA;20865-Relator(a) PAULO MEDINA Órgão julgador SEXTA TURMA Fonte DJ DATA:30/10/2006 PG:00418 )

Assim, resta claro que a interpretação que deve ser conferida é a

de que a perda de 41 Db, necessária ao enquadramento do indivíduo como deficiente

auditivo, não é aferida em cada uma das frequências especificadas, mas sim na média

dessas frequências.

Apesar disto, a requerida adotou posicionamento diverso do

esposado, segundo o qual o Art. 4º, inciso II do Decreto n. 3298/99 deve ser

interpretado de forma restritiva, devendo ser enquadrado como deficiente físico tão

somente os candidatos com perda auditiva minima de 41 Db em cada uma das

frequências mencionadas no referido dispositivo.

Este posicionamento não encontra fundamento em nosso

ordenamento jurídico, não apenas porque resta consagrado o entendimento segundo o

qual deve ser considerada a média das frequências previstas no Art. 4º, inciso II do

Decreto n. 3298/99 mas, sobretudo, porque fere Convenções Internacionais, preceitos

constitucionais e dispositivos legais de proteção à pessoa portadora de deficiência.

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III – DA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA E DA NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DOS EDITAIS DE CONCURSO

O CESPE, enquanto Instituição vinculada à Fundação Universidade

de Brasília, integra os quadros da Administração Indireta, não dispondo de tamanha

discricionariedade, capaz de lhe autorizar apresentar interpretação diversa daquela

que, não apenas é dada pela doutrina e pela jurisprudência amplamente majoritária

mas, sobretudo, pelos Órgãos que detêm conhecimento técnico para tanto, qual seja,

o Conselho Federal de Fonoaudiologia e pelo Ministério da Saúde.

Ao dispor sobre o conceito de deficiência auditiva, bem como os

critérios para sua aferição, o CFF apresentou uma interpretação técnica e não

meramente jurídica ao referido dispositivo, delineando o alcance das expressões

contidas neste.

Deve-se destacar que a interpretação dos dispositivos que regulam

a matéria deve ser feita de forma a garantir a máxima efetiva dos dispositivos

constitucionais e infraconstitucionais que buscam efetivamente resguardar as pessoas

portadoras de deficiência.

A interpretação extensiva é ferramenta hermenêutica plenamente

acolhida em nosso Ordenamento Jurídico, sobretudo no campo cível, administrativo e

previdenciário, não sendo vedado seu uso em nosso sistema.

Em se tratando de interpretação extensiva, cumpre ao exegeta

extrair o verdadeiro sentido da norma, representando uma fórmula que assegura ao

aplicador do direito o alcance do valor social que foi determinante na inovação

legislativa, em outras palavras, é a certeza de harmonização do elemento descritivo da

norma com o valor que lhe foi dado tutelar.

Este tipo de interpretação ganha maior relevo na aplicabilidade

das normas protetivas aos portadores de deficiência, razão pela qual tais normas

devem ser interpretadas da maneira mais benéfica.

No Estado social, para a correta compreensão do exercício das

liberdades jurídicas – e seu requisito, que é a igualdade – deve-se levar em conta uma

exigência de igualdade que extrapole a mera igualdade abstrata e formal e considere a

igualdade fática e material.

Nesse sentido, cumpre notar que a Convenção Interamericana

para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de

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Deficiência (Convenção da Guatemala), aprovada pelo Congresso Nacional através do

Decreto Legislativo nº 198/2001, e promulgada pelo Decreto nº 3.956/2001, da

Presidência da República, dispõe em seu artigo I, inciso 2, letra b, que:

“Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada

pelo Estado Parte para promover a integração social ou o

desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a

diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à

igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar

tal diferenciação ou preferência”.

Nessa mesma linha, a Lei nº 7.853/1989, que estabeleceu normas

gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas

portadoras de deficiências, determinou, no artigo 9º, que:

“Art. 9º. A Administração Pública Federal conferirá aos assuntos

relativos às pessoas portadoras de deficiência tratamento prioritário

e apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno

exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua

completa integração social”.

Como se vê, o sistema jurídico pátrio admite tratamento

diferenciado e apropriado a situações vivenciadas por pessoas portadoras de

deficiência de modo a lhes garantir o exercício de seus direitos, inclusive o direito à

integração social através do acesso adequado à educação e ao trabalho.

Nesse mesmo sentido, a Resolução nº 554, de 03/05/2007, do

Conselho da Justiça Federal determinou:

Art. 1º Recomendar aos Tribunais Regionais Federais que priorizem

o julgamento dos processos cuja parte seja pessoa portadora de

deficiência, desde que a causa em juízo tenha vínculo com a

própria deficiência, conforme o disposto no art. 9º da Lei nº 7.853,

de 24 de outubro de 1989.

Art. 2º A parte ou interveniente interessado na obtenção do

julgamento prioritário deverá fazer prova de sua condição mediante

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atestado médico e deverá requerer o benefício diretamente ao Juiz

relator.

A observância dos critérios estabelecidos no Decreto nº

3.298/1999 de forma extensiva e mais favorável, tal como descritos nesta ação civil

pública, também se impõe em decorrência do princípio de hermenêutica constitucional

conhecido como princípio da máxima efetividade:

“Estreitamente vinculado ao princípio da força normativa da

Constituição, em relação ao qual configura um subprincípio, o

cânone hermenêutico-constitucional da máxima efetividade orienta

os aplicadores da Lei Maior para que interpretem as suas normas em

ordem a otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o seu conteúdo.

De igual modo, veicula um apelo aos realizadores da Constituição

para que em toda situação hermenêutica, sobretudo em sede de

direitos fundamentais, procurem densificar os seus preceitos,

sabidamente abertos e predispostos a interpretações expansivas”.

(Gilmar Ferreira Mendes, in Curso de Direito Constitucional, 2008,

p. 118)

Impõe-se ainda aplicar a interpretação mais favorável à pessoa

humana, sobretudo no caso de grupos sociais mais vulneráveis, como são as pessoas

portadoras de deficiências.

No presente caso, trata-se de aplicar o dispositivo constitucional

que prevê a reserva de vagas em conformidade com o disposto no Decreto nº

3.298/1999, e ainda levando-se em conta um dos objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil, que é a construção de uma sociedade solidária (art. 3º da

Constituição da República).

Esse é o entendimento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal

no HC 96772/SP, julgado em 09/06/2009, Relator o Ministro Celso de Mello:

HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.- Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico

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básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana , em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica.– O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs.

Vejamos os pontos que a Requerida deveria considerar no

momento em que estabelece os critérios para a aferição e enquadramento legal das

pessoas portadoras de deficiência:

a) Será mais prejudicial para a fomentação dos Diretos Sociais,

assegurados pela Constituição, dar ao Art. 4º, inciso II do Decreto n. 5398/99 uma

interpretação restritiva.

b) Já é assente em nossa Jurisprudência e Doutrina que o

referido dispositivo deve ser interpretado da forma mais benéfica e favorável às

pessoas portadoras de deficiência, devendo ser considerado a média das frequências

de 500 Hz,1000 Hz, 2000 Hz e 3000 Hz, na aferição da perda auditiva e enquadramento

legal no conceito de deficiente auditivo.

Dito isto, resta evidente que não cabe à Requerida, nem a

qualquer outro órgão da Administração Indireta aplicar este tipo de interpretação que

representa verdadeiro obstáculo à integração social e profissional das pessoas

portadoras de deficiência.

IV - DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

Para a concessão da tutela antecipada, faz-se necessária a

observância dos requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil

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reparação; ouII- fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”

Em suma, presentes os requisitos do fumus boni iuris e do

periculum in mora, além da verossimilhança da alegação e do fundado receio de dano

irreparável ou de difícil reparação, mostra-se possível a concessão da tutela

antecipada para que o CESPE/UNB considere, nos concursos em andamento, bem

como nos futuros, como aptos a concorrer a vagas para portadores de deficiência,

os deficientes auditivos com perda auditiva bilateral, parcial ou total, de 41 Db ou

mais, aferida por audiograma, na média das frequências 500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz

e 3000 Hz.

A verossimilhança da alegação expressa-se pela urgente

necessidade de se assegurar a regular execução das atividades-fins da Requerida, eis

que o posicionamento adotado pelo CESPE/UNB fere Convenções Internacionais,

preceitos constitucionais e dispositivos legais, prejudicando inúmeros candidatos que

se encontram na condição de portadores de deficiência, mas que tem negado o seu

direito de acesso às vagas de concursos públicos nesta condição. Tudo isto torna

necessária a concessão da tutela antecipada, visando impedir a continuidade da

violação aos direitos dos portadores de deficiência.

A fumaça do bom direito se expressa pela ofensa aos direitos

humanos e fundamentais das pessoas portadoras de deficiência, dentre os quais se

incluem o direito do deficiente à reserva de vagas em concurso público, bem como

pela ofensa ao preceito segundo o qual estes direitos devem ser sempre interpretados

de forma a lhes garantir a máxima efetividade.

Enquanto o perigo da demora ocorre em razão da requerida estar

organizando concursos recentes, conforme se verifica no documento em anexo,

extraído da página virtual do CENTRO DE SELEÇÃO E DE PROMOÇÃO DE EVENTOS /UNB

(fls. 88/89), sendo imperioso reconhecer, desde já, a interpretação que melhor

resguarde os preceitos constitucionais e infraconstitucionais protetivos das pessoas

portadoras de deficiência.

Da mesma forma, o dano irreparável ou de difícil reparação

evidencia-se pelo fato da FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (FUB), ao considerar

tal interpretação, vir a privar de ocupar cargos públicos pessoas que deveriam ser

enquadradas como portadoras de deficiências e, portanto, concorrer às vagas de

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certames promovidos pela Instituição na condição que auferem.

Presentes os requisitos necessários à concessão da tutela

antecipada, requer o Ministério Público Federal, com fulcro no art. 12 da Lei

7.347/85, o seu deferimento, inaudita altera parte, para que a o CESPE/UNB, desde

logo, considere, nos concursos em andamento, bem como nos futuros, como aptos a

concorrer a vagas para portadores de deficiência, os deficientes auditivos com

perda auditiva bilateral, parcial ou total, de 41 Db ou mais, aferida por audiograma,

na média das frequências 500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz e 3000 Hz.

3. DOS PEDIDOS

Em face do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a Vossa

Excelência que se digne em conceder a antecipação dos efeitos da tutela para que a

requerida:

1. Considere, nos concursos em andamento, nos quais ainda

não houve a avaliação de deficiência dos candidatos, bem

como nos futuros, como aptos a concorrer a vagas para

portadores de deficiência, os deficientes auditivos com perda

auditiva bilateral, parcial ou total, de 41 Db ou mais, aferida

por audiograma, na média das frequências 500 Hz, 1000 Hz,

2000 Hz e 3000 Hz.

E em relação ao pedido final, requer:

2. A citação da FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (FUB), na

pessoa de seu representante legal, para, querendo, responder a

presente ação, sob pena de serem aplicados os efeitos da

revelia;

3. A procedência dos pedidos e, consequente, confirmação da

tutela antecipada definitivamente;

4. Que todo valor arrecadado, em virtude de eventual cominação

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da multa acima postulada, ao Fundo Federal de Defesa dos

Direitos Difusos e Coletivos, conforme art. 13 da Lei 7.347/85,

com atualização monetária e juros;

3.A condenação da requerida no ônus de sucumbência.

4. DAS PROVAS

Requer-se a produção de todas as provas em direito admitidas,

especialmente a juntada posterior de novas provas documentais, sendo que, desde já,

requer-se a juntada dos autos do Inquérito Civil Público n.º 1.23.000.002365/2010-

07, em anexo.

5. DO VALOR DA CAUSA

Dá-se a causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Belém, 16 de Setembro de 2011.

ALAN ROGÉRIO MANSUR SILVAProcurador da República

Procurador Regional dos Direitos do Cidadão

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