View
223
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Mobilidade Populacional e Segregação Residencial: a trajetória recente da
Região Metropolitana da Baixada Santista*
Luiz Antonio Chaves de Farias†
Palavras-chave: Redistribuição Espacial da População; Mobilidade Espacial da População;
Segregação Residencial
* Trabalho apresentado no VII Congreso de La Asociación Latino americana de Población (ALAP) e XX Encontro
Nacional de Estudos Populacionais (ABEP), realizado em Foz do Iguaçu/PR – Brasil, de 17 a 22 de outubro de 2016. † Doutorando em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas. Endereço eletrônico: fariasax@uol.com.br.
2
Mobilidade Populacional e Segregação Residencial: a trajetória recente da
Região Metropolitana da Baixada Santista
Luiz Antonio Chaves de Farias
1. INTRODUÇÃO
Nunca fomos tão urbanos no Brasil como somos hoje! Segundo dados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílio (PNAD) pouco mais de 85% da população brasileira residia em
domicílios localizados em áreas urbanas, em 2014. Tal processo, no entanto, possui a peculiaridade
de ter ocorrido de maneira relativamente abrupta e concomitante ao processo de metropolização das
principais aglomerações urbanas do país. De fato, desde a década de 60 a população urbana superou
a rural, assim como, as metrópoles assumiram o papel de um dos principais símbolos do fenômeno
urbano no Brasil.
A Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), recorte espacial do presente trabalho,
não foge ao cenário descrito acima, visto que viveu processo de urbanização e metropolização ainda
mais intenso e precoce que a média brasileira. De acordo com dados do IBGE, já na década de 40, o
grau de urbanização da região ultrapassava 90%, enquanto que no Brasil, apenas 31,2% da
população vivia em áreas urbanas no mesmo período.
Mais recentemente, em um contexto de aceleração da queda fecundidade e de arrefecimento
dos movimentos populacionais de longa distância direcionados aos centros urbanos de mais alto
grau na hierarquia urbana, as migrações de caráter intrametropolitano tendem a ganhar maior
representatividade enquanto uma das forças sócio-demográficas protagonistas do processo de
metropolização do Brasil. Essa dinâmica igualmente encontra ressonância ao que vem ocorrendo na
conjuntura metropolitana da Baixada Santista, considerando seu alto potencial de redistribuição
interna da populacional, patente a uma realidade onde seu núcleo metropolitano concentra 55,4% da
população metropolitana, em uma área representativa de apenas 6% do total ocupado na região.
Em face das novas tendências seguidas pela dinâmica urbana e sócio-demográfica na
RMBS, é de se esperar repercussões conquanto a (re)alocação espacial de determinados grupos
sociais em sua estrutura urbano-metropolitana. Nesse contexto, a mobilização espacial da
população, sobretudo em um espaço tão desigual em termos de estrutura de oportunidades e restrito
para fins de construção de novas moradias como a Baixada Santista, pode ter repercussões sobre as
condições de vida das pessoas que realizam tais movimentos. Isto é, a segregação residencial, via
mobilidade residencial metropolitana, pode afetar a vida das pessoas, tanto no que se refere à
produção dos efeitos de vizinhança e suas repercussões sobre o desenvolvimento social infanto-
juvenil. Quanto sobre as possibilidades diferenciadas de acesso às geografias de oportunidades
metropolitanas propiciadas pelo local de residência.
3
Chega-se, aqui, na problemática da presente pesquisa, que visa identificar as possíveis
relações existentes entre os fenômenos da mobilidade populacional e a segregação residencial no
curso do processo de metropolização da Baixada Santista, recentemente. A hipótese do trabalho está
ancorada no pressuposto de que a mobilidade populacional e as condições de vida dos indivíduos
que participam da mesma possuem uma relação intrínseca no contexto metropolitano, constituindo-
se em um mesmo processo sócio-demográfico.
Para tal, em um primeiro momento, discute-se o estatuto da migração e da segregação
residencial no processo de Redistribuição Espacial da População (REP) das aglomerações
metropolitanas brasileiras nos últimos anos. Posteriormente, como resultado trazido pelo trabalho,
traça-se um panorama empírico da REP na Baixada Santista. Em primeira mão, apresenta-se a
trajetória urbana da RMBS até os dias atuais. Além disso, esboça-se um perfil sócio-demográfico da
REP regional, com especial enfoque nos fluxos migratórios e na segregação residencial. Enfim,
analisam-se as possíveis ligações existentes entre os dois fenômenos na área de estudo da pesquisa.
2. A REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO NAS METRÓPOLES
BRASILEIRAS
a. DO PAPEL DA MIGRAÇÃO
A análise da migração no contexto intrametropolitano se inscreve em um tema mais amplo
que seria a REP. Esta seria, de fato, o fenômeno demográfico que estaria efetivamente em jogo
quando se estuda as causas e consequências da localização diferenciada dos diferentes extratos
populacionais no espaço urbano
A REP possui, portanto, em sua gênese fatores diversificados. De um lado, aqueles de cunho
demográfico interferem no referido processo através da dinâmica de suas três variáveis básicas:
natalidade, mortalidade e migração. De outro, abarca fatores sociais, políticos, econômicos,
geográficos e culturais que diferenciam a redistribuição da população de uma região para outra, no
espaço e no tempo (LOBO, MATOS e GARCIA, 2012). A migração é a variável que mais
internaliza esses fatores, em função de seu caráter multidimensional, dificultando sua definição.
O processo de REP no Brasil, desde os anos 30 esteve atrelado ao processo de concentração
das atividades econômicas (industrialização) e da população brasileira, em poucas e grandes
aglomerações urbanas (CANO, 2011). Alicerçado segundo a organização do modo produção
fordista, pautava-se, em linhas gerais, nas economias de aglomeração para sua viabilização, tendo
os grandes fluxos migratórios internos, de caráter rural-urbano e interregional, como processo social
estruturante a que se vinculava dialeticamente. Ao contrário do período anterior (ciclo econômico
agroexportador), onde os fluxos migratórios internacionais faziam esse papel.
4
No entanto, em finais da década 60, nos anos 70 e, principalmente, a partir de 1980,
observam-se inflexões, nas tendências de concentração das atividades econômicas, de redistribuição
espacial da população (REP) e de urbanização. Simultaneamente, observa-se uma tendência de
aceleração na queda da fecundidade, principalmente a partir dos anos 1980. A migração, com isso,
consolidou-se ainda mais como o principal protagonista no processo de REP e, por conseguinte,
pelo crescente e inexorável processo de urbanização da população brasileira. Martine (1994)
ressalta, no entanto, que mesmo com o papel decisivo da migração nessa época, não se pode
desprezar o peso dos diferenciais regionais de fecundidade existentes no Brasil enquanto
propulsores da REP. Como Cunha e Baeninger (2001), as áreas mais desenvolvidas do Sudeste e
Sul chegavam a registrar taxas de fecundidade, em média, 25% menores que as mais pobres. Em
virtude disso, pode-se supor que contemporaneamente, com a redução da migração o crescimento
vegetativo possa intervir de maneira ainda mais importante no processo de REP.
Todavia, o referido protagonismo na REP brasileira não mais aparece através dos, até então,
tradicionais movimentos de longa distância (interregional), e sim através dos movimentos de mais
curta distância. Mudanças, em termos das trajetórias espaciais e de escala geográfica dos fluxos
populacionais brasileiros, aparecem, pois, como adaptação da dinâmica migratória perante as
condições econômicas e sociais vigentes na década de 80, se flexibilizando para atender as novas
demandas (BRITO, 2000).
O declínio da migração do tipo rural-urbano e de longa distância permitiu que fossem
evidenciadas outras modalidades migratórias1, tais como a migração do tipo urbano-urbano, intra-
estadual, intrametropolitano, entre outras, que antes eram ofuscadas pelos fluxos em questão
(CUNHA, 2011). Nesse momento, segundo Rodríguez e Busso (2009), a dinâmica demográfica
metropolitana já passa a não mais depender tanto da imigração externa, o que leva a que se preste
mais atenção na migração endógena com característica centrífuga. De fato, mesmo crescendo
menos, as RM’s ainda representam grandes desafios não apenas pela grande concentração de
pobreza, particularmente em suas periferias, mas também pelo alto potencial que apresentam de
redistribuição interna de sua população (CUNHA, 2011), o que pode ser verificado com os recentes
processos (re)estruturação urbana das principais metrópoles brasileiras.
Desse modo, para além das causas estruturantes e motivações que explicam as modalidades
migratórias tradicionais, como a migração rural-urbana, a migração intrametropolitana se
encontraria relacionada aos fatores estruturantes da metrópole, como o mercado de terras e a divisão
espacial do trabalho. Segundo Cunha (1994:45) “a maior parte dos movimentos de curta distância
pode ser diretamente associada ao processo de estruturação e expansão do meio urbano”.
1 Entende-se por “modalidade migratória” as diferentes formas de migração definidas a partir da escala geográfica de
observação e mensuração do fenômeno.
5
O mesmo autor salienta que os fatores que colocam a população em movimento dentro do
espaço metropolitano tendem a gerar seletividades específicas dos migrantes não apenas em termos
demográficos, como sexo, idade, ciclo vital e tipo de família, mas também e, sobretudo, em termos
socioeconômicos. Préteceille (2003) corrobora essa argumentação, ao colocar que a mobilidade
residencial é, para uma família, um meio de melhorar individualmente sua acessibilidade aos
equipamentos e(ou) aos empregos. Todavia, essa prerrogativa é seletiva, já que essa mobilidade está
hierarquizada socialmente. Ela é mais fácil e mais freqüente para as categorias superiores, nas quais
as rendas e os recursos sociais permitem escolhas mais amplas. Por sua vez, é mais difícil e menos
freqüente para as classes populares, que estão ou constrangidas pelas regras de acesso à habitação
social, ou dependentes do mercado de aluguel de baixa qualidade – que tende a se reduzir –, ou são
proprietárias nos segmentos menos demandados do mercado, geralmente mais distantes, nas
periferias pobres e favelas.
Desta forma, de acordo com Cunha (2011), a mobilidade espacial (e particularmente a
residencial) pode não apenas ter impactos importantes sobre a segregação, mas também ter efeitos
diferenciados sobre as condições de vida das famílias ou indivíduos, particularmente aqueles de
baixa renda. Isso porque, é possível pensar em relações diretas entre o impacto dos deslocamentos
espaciais e o acúmulo ou perda de ativos essenciais para aumentar (ou reduzir) a capacidade de
respostas aos vários riscos impostos pela metrópole, entre eles o da pobreza e exclusão social. Tal
perspectiva de análise é legitimada por estudos como de Rodríguez e Busso (2009), o qual apontam
que a migração intrametropolitana tem implicação direta no uso da infraestrutura urbana, sendo um
dos determinantes da segregação residencial nas metrópoles.
É, pois, debruçando-se sobre o papel da segregação residencial no processo de REP
metropolitana, que se desenvolve o próximo item.
b. DO PAPEL DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL
O conceito de segregação residencial se encontra dentro de um arcabouço teórico mais
amplo onde se situa a segregação, considerada no sentido lato do termo. Definir, pois, com clareza a
que o termo se refere permitirá delinear seus possíveis vínculos existentes com a migração
intrametropolitana.
Dessa maneira, segundo Vignoli (2001), pode-se identificar, pelo menos, dois tipos de
segregação com ocorrências não necessariamente dependentes entre si. Em termos sociológicos, a
segregação pode significar a ausência de interação entre os grupos sociais. Em um sentido
geográfico, significa uma distribuição desigual dos grupos sociais no espaço físico. Para este última
definição, aproximar-se-ia de uma regionalização do espaço geográfico, segundo algum critério de
6
clivagem dos grupos sociais, configurado por certa homogeneidade interna e heterogeneidade
externa. Dentro deste último sentido se situa a segregação territorial (modalidade na qual a
segregação residencial é uma forma específica) em que a categorização que se separa os indivíduos
é baseada em sua localização geográfica (no caso em questão, o local de residência), e não, por
exemplo, na sua inserção ocupacional, como na segregação ocupacional.
Os estudos sobre segregação residencial possuem uma tradição relativamente longínqua,
remontando ao que foi desenvolvido no departamento de sociologia da Universidade de Chicago
(“Escola de Chicago”) nas primeiras décadas do século XX. Algumas décadas posteriores, observa-
se um desenvolvimento do tema na França. Tais estudos, segundo uma perspectiva estruturalista,
percebiam a pobreza urbana e a segregação residencial na intersecção entre a questão urbana e a
questão social, não se resumindo apenas a uma causalidade de formas espaciais, tal qual se concebia
nos Estados Unidos até então (KOWARICK, 2004).
No Brasil, os estudos sobre a segregação urbana se desenvolveram especialmente a partir da
década de 1970, no contexto de discussões mais amplas a respeito da questão social e urbana, assim
como, do papel do Estado em resolvê-las. Eram claras as influências da sociologia urbana francesa,
a luz de uma abordagem estruturalista de cunho marxista. Particularmente, o que interessava era o
entendimento dos processos que estavam na causa do fenômeno, e não a segregação em si e suas
consequências, (BICHIR, 2007).
Dentro desse contexto, Vignoli (2001) salienta que não somente no Brasil, mas na América
Latina como um todo, os estudos sobre a segregação residencial têm se centrado sobre as relações
espaciais entre os estratos socioeconômicos. Além disso, alguns estudiosos têm enfatizado a
importância dos fatores socioeconômicos e as desigualdades na região, tornando a segregação
residencial sinônimo de polarização social e da exclusão, perdendo de vista a especificidade
espacial que é inerente.
Assim sendo, segundo Sabatini e Sierralta (2006), ao se privilegiar apenas as causas da
segregação residencial, não se chega à essência do fenômeno, que estaria nas relações entre o lugar
de residência dos indivíduos e a conformação de aspectos variados de suas condições de vida e
bem-estar. Para esse sentido, a segregação residencial não se constituiria um “fenômeno absoluto”
ou um problema em si, conforme, muitas vezes, fica subentendido em estudos que apenas se
preocupam com as causas do fenômeno em questão. De fato, para os autores, não há nenhuma
consequência negativa inerente à segregação. Em determinados contextos sócio-espaciais, a
segregação pode até contribuir para a geração de efeitos positivos, como no caso das minorias
étnicas, cujo agrupamento espacial poderia contribuir para a reprodução cultural desse grupo.
Em verdade, de acordo com os autores supracitados, a problemática de análise da
segregação estaria na forma como que se relaciona com os outros fenômenos sociais, dentre os
7
quais, as desigualdades sociais e a pobreza. Desse modo, essa relação, ao invés de ser apenas
“ontológica” (aleatória ou contingente), seria “ontológica dialética”, fundada na forma como se
reforçam e condicionam mutuamente a segregação espacial dos grupos e certos problemas urbanos,
tanto funcionais como sociais. Assim, a segregação residencial, para além das definições
operacionais expostas mais acima no texto, “poderia ser definida como aquela disposição espacial
aglomerada de grupos sociais que contribui para agravar determinados problemas para alguns
grupos e para atenuá-los ou resolvê-los para outros.” (SABATINI E SIERRALTA, 2006:185).
Nesse sentido, segundo Harvey (1975), a segregação residencial, vista sob o ponto de vida
da diferenciação residencial afetaria as condições de vida das pessoas, na medida em que as áreas
residenciais provêm diferentes meios para interação social, de onde indivíduos derivam seus
valores, expectativas, hábitos de consumo, capacidades de mercado (capacidade de realizar certos
tipos de funções na divisão social do trabalho) e estados de consciência. Por conseguinte, a partir
dos apontamentos de Flores (2006:1), é possível derivar que “o efeito da concentração espacial da
pobreza, na trajetória de vida das pessoas, é distinto e distinguível do efeito da experiência
individual da pobreza”. Tal ponto de vista é corroborado por Torres (2005), que argumenta que a
concentração espacial da pobreza não é uma “mera curiosidade sociológica”, mas sim um fenômeno
com múltiplas consequências para os circuitos de reprodução da pobreza.
Tais circuitos de reprodução da pobreza podem ser sistematizados, em seu funcionamento,
em diferentes mecanismos que atuam sobre indivíduos que residem nas áreas segregadas. Flores
(2006), baseando-se principalmente na literatura norte-americana identificou pelo menos dois
mecanismos de reprodução de pobreza: os efeitos de bairro (JENKS E MAYER, 1990) e o acesso
diferenciados às geografias de oportunidades metropolitana (GALSTER E KILLEN, 1995).
A perspectiva dos efeitos de bairro destaca que a segregação contribui para a reprodução da
pobreza – à medida que a concentração espacial de privação estimula uma série de valores
negativos, comportamentos nocivos, ausência de modelos bem-sucedidos -, gerando espirais
descendentes de condições de vida (MASSEY E DENTON, 1993). Por sua vez, a perspectiva da
geografia de oportunidades busca relacionar o processo de tomada de decisões ao contexto
geográfico dos indivíduos. Dessa forma, de acordo com Galster e Killen (1995), as oportunidades
seriam iguais para todos, se todos os habitantes pudessem escolher livremente onde viver na área
metropolitana. No entanto, não é isso o que acontece, estando o maior ou menor acesso à estrutura
de oportunidades2, vinculado à localização da residência desses indivíduos na estrutura
metropolitana.
2 Segunda KAZTMAN (1999), a estrutura de oportunidades é a fonte de ativos, em outras palavras, as bases físicas e
organizacionais que permitem o acúmulo de ativos. O termo estrutura se refere ao fato de que as rotas de melhoria das
condições de vida, encontram-se estreitamente vinculadas entre si, de modo, que o acesso a determinados bens, serviços
ou atividades proveem recursos que facilitam por sua vez o acesso a outras oportunidades.
8
Ao lado disso, os autores propõem que existem variações tanto objetivas como subjetivas, de
acordo com as restrições impostas pelo espaço, no processo de tomada de decisões que objetivam o
acesso à estrutura de oportunidades por parte dos indivíduos. Nesse sentido, a estrutura, qualidade e
acesso às oportunidades – redes sociais, mercados, políticas públicas, instituições – variam
objetivamente entre uma área e outra. Ao mesmo tempo, os valores, aspirações, preferências e a
percepção subjetiva sobre os resultados potenciais da tomada decisões são influenciados pela rede
local social e, por este motivo, também variam geograficamente.
Por conseguinte, a mobilização espacial da população, sobretudo em um espaço tão desigual
em termos de estrutura de oportunidades como a Baixada Santista, pode ter repercussões sobre as
condições de vida das pessoas que realizam tais movimentos. Cunha (2010) mostrou que as rede
sociais de apoio, e mesmo, o acesso às políticas de infra-estrutura urbana, podem auferir alterações,
quando o indivíduo que migra do núcleo metropolitano para sua periferia, em troca, por exemplo,
de uma casa própria. Isto é, a segregação residencial, via mobilidade residencial metropolitana,
pode afetar a vida das pessoas, tanto no que se refere à produção dos efeitos de vizinhança e suas
repercussões sobre o desenvolvimento social infanto-juvenil. Quanto sobre as possibilidades
diferenciadas de acesso às geografias de oportunidades metropolitanas propiciadas pelo local de
residência. É, pois, em busca de se avaliar essas possíveis relações dentro da RMBS, que se pauta a
seção que se segue do presente trabalho.
3. A REDISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO NA BAIXADA SANTISTA
RECENTEMENTE
a. DE SUA EVOLUÇÃO URBANA
A Baixada Santista é a área de ocupação urbana mais antiga do estado de São Paulo e uma
das primeiras do Brasil colônia. Essa urbanização precoce, no entanto, não observou um
aprofundamento no curso da história de ocupação do Brasil no período colonial, vindo somente a se
intensificar com o advento do ciclo econômico agroexportador do café no oeste paulista. Nesse
período o porto de Santos se torna o principal do Brasil, intensificando os efeitos indutores em
termos urbanos (através da instalação de uma infra-estrutura) e econômicos, principalmente com
atividades de apoio ao funcionamento do porto.
Essa dinâmica socioeconômica se repercutiu em termos populacionais. Baseando-se nos
dados do Censo Demográfico de 1920 a partir de quando se tem uma estatística relativamente
confiável e acessível, o município de Santos, na configuração político-territorial em que agregava
9
os atuais municípios de Guarujá, Cubatão e Bertioga, tinha a primazia populacional da região com
quase 90% da população (102589). Em segundo lugar, vinha, a antiga vila de São Vicente (que
perfazia a época ao município de Praia Grande, também), com 7656 pessoas e o ainda distante
município de Itanhaém, 4227 pessoas (constituído ainda pelo território das atuais municipalidades
de Mongaguá e Peruíbe).
O conjunto desses municípios, que viria, posteriormente, constituir a RMBS, era formado,
em 1920, por 114472 pessoas, o que, no entanto, era representativo de apenas 2,5% da população
do estado de São Paulo, àquele período com 4592188 habitantes. Ficava, portanto atrás das regiões
que viriam a constituir no futuro, a metrópole paulistana e de Campinas.
A partir da década de 40, a atividade portuária ganha à companhia do turismo de veraneio e
segunda residência enquanto principais atividades econômicas da região. A mudança no padrão de
acumulação nacional e estadual (pautado no surgimento de um consistente parque industrial na
cidade de São Paulo, principalmente) possibilitou o surgimento de uma incipiente classe média,
requisitante de amenidades naturais para sua reprodução social. Como também, permitiu o
provimento de infraestrutura através do modal rodoviário, facilitando o acesso à região por parte da
população da metrópole de São Paulo, assim como das cidades do interior: são desse período as
inaugurações das Rodovias Anchieta (ligando a cidade São Paulo ao litoral) e a Rodovia
Anhanguera (ligando São Paulo ao interior).
Em termos da dinâmica urbana seguida pela cidade de Santos nessa nova fase do
desenvolvimento regional, Santos (2011:27) constata que:
Entre os anos 40 e 50 a cidade portuária quase dobrou sua população, atingindo a marca de
228 mil habitantes e tornando-se uma das dez maiores cidades do país. Articulada com o
desenvolvimento da cidade de São Paulo, Santos consolida-se como a principal cidade
paulista depois da capital, com maior população e importância econômica e política. A
expansão da construção civil é intensificada. Em 1951, a Diretoria de Obras da Prefeitura
Municipal expediu 526 alvarás para novas construções e tal quadro seguiu crescente e em
1961, 796 construções foram licenciadas, representando 140362 metros quadrados de área
construída.
A partir de 1950, ocorre um aprofundamento das dinâmicas de urbanização regional e de
articulação com a metrópole paulistana, tanto com relação à logística de produção do seu parque
industrial, quanto no que se relaciona ao fenômeno do turismo e da segunda residência. Todavia,
escrever-se-ia um novo capítulo conquanto a industrialização regional, com a instalação das
indústrias de base na região.
O polo industrial tem como marco de fundação a instalação e inauguração da Refinaria
Presidente Bernardes (RPBC). em 1955. Salienta-se que seu grande efeito indutor foi a formação de
uma cadeia industrial no setor petroquímico, que nos anos posteriores trabalhou por atrair a
instalação de outras empresas do mesmo setor de atividade nesse território. Outra unidade industrial
10
de peso que se instalou nessa área foi a Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA) – inaugurada em
1963 – que, no entanto, teria seu efeito indutor realizado, como no caso anterior, apenas a partir da
década de 90.
Uma nova dinâmica demográfica será imposta partir de então, com a intensificação da
imigração de caráter interestadual, determinando um ritmo de ocupação da região que em pouco
tempo irá expor seus limites em termos socioambientais. Segundo Colantonio (2009), a princípio,
os imigrantes ocupam os morros e a zona noroeste da Ilha de São Vicente em Santos. Mas, em fins
dos anos 1960, esgota-se, nesta cidade, a oferta de terrenos baratos para abrigar essa população
pobre que chega cada vez em maior número, ocorrendo, então, a urbanização de áreas antes desertas
em outras municipalidades adjacentes.
Além dos primeiros traços dos processos de desconcentração populacional e metropolização
que se consolidariam nas décadas posteriores, nas décadas de 50 e 60, também se observaria a
produção de uma divisão social do espaço intrarregional que pode ser verificada nos dias atuais.
Segundo último autor citado, há uma clara “clivagem social” entre as ocupações ao longo da orla,
com: o setor norte - correspondente ao distrito de Bertioga, à época pertencente a Santos e o
município do Guarujá; Santos e São Vicente ao centro; e, o setor sul – que continha Praia Grande,
Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe. Esse padrão de estruturação urbano-regional viria a se constituir no
que Cano (1982) apud Colantonio (2009) chamaria de “organização urbana tripartite”.
Os fenômenos do turismo de veraneio, e, posteriormente, a segunda residência, irão
desempenhar um papel determinante para vigência de tal estratificação social da região, tendo em
vista que o:
padrão de ocupação no espaço desta rede de hotelaria que irá definir aspectos econômicos e
urbanos de cada município e irá se acentuar nos períodos mais recentes: a segregação
espacial da oferta por classe social / de renda desta prestação de serviço. Enquanto que nas
regiões do litoral da Baixada mais ao norte (na época, Santos e principalmente Guarujá) há
uma rede terciária envolvida no segmento voltada para as classes mais abastadas, o litoral sul
(Itanhaém e São Vicente) atendem a classes média e média baixa.(COLANTONIO, 2009:27).
Os anos 70 marcariam a intensificação dos efeitos de indução agora propiciados pelo polo
de indústria de base de Cubatão e pela implementação de toda infraestrutura a ele vinculada.
Conforme é apontado por Colantonio (2009), além dos milhares de empregos gerados diretamente,
os efeitos indiretos se traduzem no aumento expressivo dos setores de atividade da construção civil
e do terciário em todas as suas divisões, totalizando um aumento de 147,6 mil trabalhadores na
região,ou 67% na década.
Com a intensificação do processo de metropolização corrente na época, torna-se notável o
processo de desconcentração espacial da população dos municípios centrais para os mais
periféricos. Isso fica bem claro com o gráfico 1, onde municípios centrais (Cubatão, São Vicente,
Santos e Guarujá), tendem a manter ou diminuir sua participação, enquanto que os municípios
11
periféricos até então (Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém, Peruíbe) tendem a aumentar seu peso no
total da população regional, ao longo do período que cobre o intervalo de 1970 até 2010. Sendo
mais específico, se de um lado, Santos, que em 1970 era representativo de mais de 50% da
população regional, vê sua participação fica restrita a cerca de 25% em 2010, de outro, Praia
Grande, que, no período inicial era representativa de apenas 3% da populacional, detém em torno de
15% da população regional no período mais recente.
Esses dados são ainda complementados pelo mapa 1, que mostra a acentuação do ritmo de
crescimento de alguns municípios da Região a partir da década de 70. “A maior taxa foi exibida
pelo município de Praia Grande, com aproximadamente 13% a.a. Segue-se o município de Peruíbe
com uma taxa de crescimento populacional acima de 10% a.a., no período 1970/80. Nessa etapa, a
sede regional apresentou uma taxa de 1,89% a.a.” (BAENINGER e SIQUEIRA, 2009: 37).
Por sua vez, a década de 80 representa um ponto de inflexão relativa do crescimento que a
Baixada Santista registrou ao longo de sua trajetória, especialmente após a década de 50. Tendo
seus principais “fios condutores” produtivos vinculados diretamente a investimentos estatais, a
região não ficou imune à crise econômica do Estado brasileiro vigente no período em questão.
No âmbito regional Colantonio (2009), por sua vez, argumenta que a região perdeu peso no
total do interior devido aos efeitos menos pronunciados da recessão econômica do período em
outras áreas do interior paulista, mais especificamente as aglomerações urbano-regionais de
Campinas e do Vale do Paraíba. Estas foram contempladas com as políticas de interiorização do
desenvolvimento desenvolvidas pelo governo paulista na época, atraindo fluxos de pessoas
relativamente maiores do que a Baixada Santista .
Em consonância à tendência de esvaziamento econômico vivenciada no período pela
metrópole de Santos, Baeninger e Siqueira. (2009: 42) destacam que dentre as regiões mais
importantes do Estado de São Paulo, a Região Metropolitana da Baixada Santista registrou, na
década de 1980, a menor taxa decrescimento (2,19% a.a.). “Abaixo da taxa média interiorana que
foi de 2,30% a.a. Nos anos1990 e 2000 esta taxa continua a reduzir, ficando em torno de 2,17% a.a.
e 1,92% a.a..” .
Como efeito desse processo em internamente a região, observa-se um arrefecimento das
taxas de crescimento dos municípios, cujos valores não atingem mais a marca de dois dígitos. A
visualização do mapa 1, todavia, evidencia o fato que o processo de desconcentração espacial não
para, tendo vista que, apesar da tendência de redução do ritmo de crescimento, os municípios
periféricos mencionados acima, sempre apresentam taxas geométricas de crescimento relativamente
mais altas aos municípios centrais de ocupação mais antiga.
12
Gráfico 1 – Participação relativa na população regional. RMBS. Municípios selecionados. 1970-
2010.
* O município de Bertioga era um distrito de Santos até o Censo Demográfico de 1991. Para fins de comparação, seus valores foram considerados
separados desde o Censo Demográfico de 1970. Fonte: FIBGE. Dados do universo do Censo Demográfico 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010. Tabulações especiais
Mapa 1 - Taxas médias geométricas anuais de crescimento populacional. RMBS. Municípios
selecionados. 1970-2010.
Fonte: FIBGE. Dados do universo do Censo Demográfico 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010. Tabulações especiais
Bertioga Cubatão Guarujá Itanhaé
m
Mongag
uá Peruíbe
Praia
Grande Santos*
São
Vicente
1970 0,5 7,8 14,4 2,2 0,8 1,1 3,0 52,3 17,8
1980 0,4 8,2 15,7 2,9 1,0 1,9 6,9 42,9 20,1
1991 0,9 7,5 17,2 3,8 1,6 2,7 10,1 34,2 22,0
2000 2,0 7,3 17,9 4,9 2,4 3,5 13,1 28,3 20,6
2010 2,9 7,1 17,5 5,2 2,8 3,6 15,7 25,2 20,0
0
10
20
30
40
50
60 %
13
b. DOS FLUXOS MIGRATÓRIOS
Se para o país com um todo, conforme se expos anteriormente no texto, os anos 80 marcam
um turning point da dinâmica demográfica nacional, com aceleração da queda da fecundidade, e
redução do protagonismo dos fluxos migratórios de longa distância no processo de redistribuição da
populacional nacional. Especialmente, a partir dos 90, se observam mudanças semelhantes na
RMBS. Como foi atestado no mapa 1, as taxas de crescimento dos municípios apresentam quedas
significativas a partir desse momento. Em contrapartida, conforme pode ser verificado no mapa 2,
que mostra a composição do crescimento populacional nas décadas de 90 e 2000, a migração
continua aferido protagonismo na REP regional.
Enquanto nos municípios que conformam o núcleo metropolitano (Cubatão, São Vicente,
Santos e Guarujá), o peso da migração sobre o crescimento populacional tende a diminuir,
assumindo valores nulos, no último período. As principais frentes de expansão populacional na
região, ao Sul, com Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe, e, ao norte, com Bertioga,
apresentam elevados pesos da migração sobre o crescimento populacional, sempre acima de 50%, a
exceção do penúltimo município citado em 2000-2010.
Mapa 2 - Composição do crescimento populacional. RMBS. Municípios selecionados. 1991-2010.
Fonte: FIBGE. Microdados da amostra dos Censos Demográficos 1991, 2000 e 2010. Tabulações especiais.
14
Se a migração ainda é um fator estruturante da redistribuição interna da população da
RMBS, quando se desagrega a variável em questão segundo suas diferentes modalidades (gráfico
2), percebe-se o ganho em importância relativa dos fluxos provenientes da outras regiões
metropolitanas de São Paulo e, principalmente, daqueles de caráter intrametropolitano.
Especialmente, nos já referidos municípios centrais, a emigração intrametropolitana
responde por quase 50% dos fluxos de saída. Concomitantemente, nos municípios periféricos, em
espacial no “trio” formado por Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe, registra-se um peso expressivo da
imigração oriunda da RMSP, responsável por quase 60% dos fluxos de entrada. A melhoria do
sistema viário, aliada a geomorfologia regional, onde os municípios mais periféricos
geograficamente acabam distando equivalentemente tanto do núcleo metropolitano localizado na
Ilha de São Vicente quanto das localidades mais ao sul da RMSP, concorre para maneira como se
deu a articulação com esta região, evidenciada pelos fluxos migratórios. Pressupõe-se, que muitos
destes imigrantes ainda se mantenham trabalhando na metrópole paulista, embora tenham migrado
para tais municípios da RMBS.
Apesar da tendência de redução, não se pode desprezar a ainda representativa participação
da imigração de caráter interestadual em algumas municipalidades, como Cubatão, onde tal
modalidade é responsável por parte majoritária da imigração. Jakob (2003) aventa como explicação
para tal fato, a existência de redes sociais de migração, estabelecidas, principalmente, com os
estados do Nordeste, que remontam a fluxos mais longevos no tempo, vinculado aos efeitos
indutores da instalação do polo industrial nesse município.
Gráfico 2 - Modalidades Migratórias. RMBS. Municípios selecionados. 1995 -2000 / 2005-2010
Fonte: FIBGE. Microdados da amostra dos Censos Demográficos 2000 e 2010. Tabulações especiais.
Emigração Imigração
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1995-2000
2005-2010
15
Se os fluxos migratórios obedecem a uma orientação centrífuga própria do processo de
desconcentração populacional das grandes aglomerações metropolitanas brasileiras na atualidade.
Devemos retroceder um pouco no tempo, para entender como cada fluxo metropolitano se qualifica
em função das variáveis sócio-demográficas idade e nível de instrução.
De acordo com Negreiros (1992), a evolução da ocupação da região, a partir da década de
70 quando houve intensificação do processo de metropolização, orientou-se segundo três eixos:
Santos/São Vicente/Cubatão; Praia Grande; e, Guarujá/Bertioga). Com relação ao primeiro caso, a
expansão de Santos em direção a São Vicente apresenta uma mancha contínua e homogênea com os
mesmos padrões urbanísticos de Santos. Assim como a última municipalidade, São Vicente tem na
sua porção noroeste as áreas ocupadas por população de renda mais baixa e que vem se deslocando
para Cubatão, identificando-se assim o vetor noroeste – São Vicente/Cubatão, situado ao longo da
Via Anchieta e da Via Imigrantes – caracterizado pelo complexo industrial de Cubatão e pela forte
presença de conjuntos habitacionais. O Estado foi o principal agente indutor do referido tipo de
ocupação, já que através da atuação da Companhia de Habitação (COHAB) concentrou sua atuação
aí, sendo responsável diretamente pela construção de 10 conjuntos habitacionais nessa área.
O segundo vetor de expansão dirige-se à Praia Grande, determinado pelo processo de
redirecionamento populacional, dos estratos de renda média e pela dinâmica turística das camadas
médias e baixas rendas de Santos e São Vicente, já descrito nos parágrafos precedentes. Como se
pode constatar a partir das tabelas 2 e 3, os imigrantes intrametropolitanos de Praia Grande, tendem
a serem mais rejuvenescidos e menos instruídos comparativamente àqueles que se destinam aos
municípios centrais, numa dinâmica demográfica própria de expansão das chamadas periferias
“tradicionais” metropolitanas (CUNHA, 2015). Tal panorama pode ser estendido aos municípios de
Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe, que apresentaram os mesmos padrões para esses indicadores. Não,
por acaso, tais munícipios seriam a continuidade do referido eixo de expansão metropolitana nas
décadas de 90 e 2000.
Para o terceiro eixo de expansão – Guarujá/Bertioga – ressalta-se a existência de duas
frentes: o distrito de Vicente de Carvalho, ocupado originalmente pelo deslocamento da população
de Santos decorrente dos desmoronamentos de morros de Santos, no ano de 1958; a outra frente se
situa ao longo da orla do Guarujá, reproduzindo os padrões urbanísticos verificados na orla santista,
destinados a população permanente e flutuante de rendas médias e altas. Novamente, as tabelas 2 e
3, ilustram a qualificação sócio-demográfica desse eixo de expansão. Isso porque, especificamente
na vertente direcionada a Bertioga, os fluxos de imigrantes intrametropolitanos são novamente
compostos por uma população relativamente mais jovem, em estágios menos avançados do seu
ciclo de vida. No entanto, ela é mais instruída comparativamente àquela que se direciona ao 2º eixo
16
de expansão. Ainda segundo Cunha (2015), tais padrões sócio-demográficos seriam próprios à
formação de uma periferia “elitizada”.
Tabela 2 - Percentagem de imigrantes intrametropolitanos por grupos etários. RMBS. Municípios
selecionados. 1995-2000 e 2005-2010.
Fonte: FIBGE. Microdados da amostra dos Censos Demográficos 2000 e 2010. Tabulações especiais.
Tabela 3 - Percentagem de imigrantes intrametropolitanos de “data fixa”, responsáveis pelos
domicílios por nível de instrução. RMBS. Municípios selecionados. 1995-2000 e 2005-2010.
Fonte: FIBGE. Microdados da amostra dos Censos Demográficos 2000 e 2010. Tabulações especiais.
17
c. DIMENSIONANDO A SEGREGAÇÃO
A partir do histórico de urbanização, assim como, da trajetória dos migrantes
intrametropolitanos dentro da região nas duas últimas décadas, consegue-se delinear uma
estratificação socioeconômica entre o 2º eixo e o 3º eixo de expansão metropolitana, identificados
por Negreiros (1992). De fato, esses são os dois eixos de expansão metropolitana que se encontram
“ativos” na atualidade, dado a saturação da ocupação no núcleo da região. Esta última zona,
concentrava em 2010, pouco mais de 60% da população regional em uma área praticamente sem
possibilidade de expansão horizontal da população. Tal realidade se reflete na sua densidade
demográfica, que é uma das maiores do Brasil, chegando a cerca de 106habs./hectare. Em
contrapartida, observa-se a existência de apenas 5,08% de áreas livres a construção de novas
moradias na RMBS, em sua maioria concentradas nos municípios mais periféricos.
O primeiro eixo de expansão e a vertente de Vicente de Carvalho do 3º eixo correspondem
justamente a essa zona “saturada” para ocupação. Não, por acaso, esta áreas foram as que menos
responderam ao crescimento impulsionado pela migração intrametropolitana, conforme pôde ser
visto no mapa 2.
O mapa 3 ilustra a estratificação social dos dois eixos “ativos” de expansão metropolitana na
atualidade, através da categorização dos rendimentos médios mensais dos responsáveis dos
domicílios segundo o indicador de autocorrelação espacial local de Moran. Pode-se verificar que o
cluster de setores censitários com menor renda média domiciliar (baixo-baixo), se localiza em uma
mancha contínua que começa na zona ístmica de São Vicente, passa por Praia Grande indo até
Peruíbe, sempre ao norte da rodovia Padre Manoel da Nóbrega. Deve-se, ressaltar a
heterogeneidade desse eixo de expansão, já que zona mais próxima a linha de costa, delimitada ao
norte pela mesma rodovia, é ocupada por setores da população com status sócio-econômico mais
alto, atraídos pela amenidade natural principal da região, que é a proximidade com o mar (JAKOB e
CUNHA, 2006).
Por sua vez, os clusters que concentraram os setores com domicílios com renda média mais
alta foram aqueles localizados na Ilha de São Vicente, mais precisamente no município de Santos
perto da linha de Costa. O eixo de expansão 3, ainda em expansão na vertente Guarujá-Bertioga, de
2000 para 2010, tendeu a diminuir os clusters na categoria baixo-baixo e aumentar a participação
dos clusters do tipo alto-alto e baixo-alto, mostrando o curso do processo de “elitização” de sua
ocupação.
18
Mapa 3 – Categorização dos rendimentos médios mensais dos responsáveis dos domicílios segundo
o indicador de autocorrelação espacial local de Moran. RMBS. Setores censitários urbanos
selecionados. 2000 e 2010.
Fonte: FIBGE. Dados do universo do Censo Demográfico 2000 e 2010. Tabulações especiais.
Para a análise do arranjo espacial da geografia de oportunidades metropolitana, a partir da
perspectiva da disponibilidade de infra-estrutura urbana, utilizou-se os clusters do mapa 3. Nesse
sentido, os dados do entorno domicílio, disponibilizados no Censo Demográfico de 2010, se
mostraram muito úteis para o dimensionamento do alcance das políticas de infra-estrutura urbana na
região.
Desse modo, o cruzamento dos clusters de setores censitários em função de sua renda média
domiciliar com as variáveis do entorno do domicílio em 2010 (gráfico 3), permitiram observar
nitidamente uma diferenciação da disponibilidade da infra-estrutura urbana entre as áreas mais e
menos segregadas residencialmente. Com relação à existência de iluminação pública,
pavimentação, calçada e algum sistema de drenagem no logradouro, os setores censitários
pertencentes aos clusters alto-alto e baixo-alto (periferias “tradicionais”), sempre apresentaram os
piores resultados, chegando, em alguns casos, a ultrapassar o patamar de mais de 50% dos
domicílios com entorno sem as infra-estruturas citadas. Para as variáveis, presença de esgoto a céu
aberto e lixo no logradouro, o resultado não foi diferente, visto que, os mesmos clusters sempre
apresentaram os piores resultados.
19
Gráfico 3 – Existência de infra-estrutura urbano no entorno dos domicílios segundo “clusters
espaciais” de setores censitários urbanos. RMBS. Setores censitários urbanos selecionados. 2010.
Fonte: FIBGE. Dados do universo do Censo Demográfico 2010. Tabulações especiais.
4. POSSÍVEIS NEXOS?
Dimensionados os processos de redistribuição espacial da população e de segregação
residencial na RMBS, foi possível identificar um leque de relações entre os mesmos. Em primeira
análise, apesar da tendência de arrefecimento do crescimento populacional e da escassez de novas
áreas propícia a novas ocupações na região, observa-se claramente a migração intrametropolitana
enquanto um fator estruturante da REP metropolitana. Isso porque, os dois eixos de expansão
metropolitana (Praia Grande - Litoral Sul e Guarujá- Bertioga), ainda se mostram ativos, tanto com
relação ao crescimento populacional relativo maior, como pela maior peso da imigração neste
processo.
Concomitantemente, observa-se claramente uma seletividade sócio-demográfica da
imigração direcionada aos dois eixos. O primeiro eixo é destino de uma população com menor
status socioeconômico relativamente aquela que se dirige ao outro eixo de expansão em questão.
Todavia, é justamento no primeiro, onde se observou menor presença das políticas de infra-
estrutura urbana, em comparação ao que se pode verificar nas áreas centrais, donde provém a maior
parte dessa população, assim como, ao eixo Guarujá-Bertioga, cada vez mais “elitizado”.
Pressupõe-se, pois, que além de estar incrementando o conteúdo populacional das áreas
periféricas mais segregadas da região. A migração intrametropolitana no sentido núcleo periferia
20
“tradicional” pode estar sendo, sim, um fator que está afetando negativamente o acesso às
geografias de oportunidades metropolitanas por parte da população envolvida neste fenômeno.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAENINGER, R e SIQUEIRA, C. G.. Dinâmica demográfica. In: Dedecca, C.; Montali, L.;
Baeninger, R.. Regiões Metropolitanas e Pólos Econômicos do Estado de São Paulo: desigualdades
e indicadores para as Políticas Sociais/ Região Metropolitana da Baixada Santista. 2009.
BICHIR, R. M.. Segregação e Acesso a Políticas Públicas no Município de São Paulo. (Dissertação
de Mestrado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. 2006
BRITO, F. Brasil, final de século: a transição para um novo padrão migratório? In:Encontro
Nacional de Estudos Populacionais, 12., 2000, Caxambu.Anais... Belo Horizonte: ABEP, 2000.
CANO, W.. Novas determinações sobre as questões regional e urbana após 1980. Texto para
Discussão. IE/UNICAMP, Campinas, n. 193, jul. 2011.
COLANTONIO, F. C. Região metropolitana da Baixada Santista: transformações recentes.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Econômico).Universidade Estadual de Campinas.
Campinas, 2009
CUNHA, J.M.P. Mobilidade populacional e expansão urbana: o caso da Região Metropolitana de
São Paulo. Campinas, 1994. 311f. Tese (Doutorado em Demografia) – Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.
______________. Mobilidade espacial da população: Desafios teóricos e metodológicos para o
seu estudo. Campinas: Núcleo de Estudos de População-Nepo/Unicamp, 2011.
_______________.; BAENINGER, R . A migração nos Estados Brasileiros no período recente:
principais tendências e mudanças. BahiaAnálise& Dados, Salvador - Bahia, v. 10, p. 79-106, 2001.
CUNHA, T. A.. Redes sociais, capital social e mobilidade residencial intrametropolitana: o caso
da Região Metropolitana da Baixada Santista .Disssertação (Mestrado em Demografia). -
Campinas, SP. 2010.
_______________. A migração interna no Brasil nos últimos cinquenta anos: (des)continuidades e
rupturas. In: ARRETCHE, M. Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos
cinquenta anos. São Paulo: Editora UNESP; CEM, 2015, 279-307.
FLORES, C.. Conseqüências da segregação residencial: teoria e métodos. In: CUNHA, J. M. P.
(Org.). Novas Metrópoles Paulistas: população, vulnerabilidade e segregação.
Campinas:Nepo/Unicamp, 2006. p.197-230.
JAKOB, A. A. E..Análise sócio-demográfica da constituição do espaço urbano da Região
Metropolitana da Baixada Santista no período 1960-2000. Campinas, 2003. 220f. Tese (Doutorado
em Demografia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.
______________ e ; CUNHA, J. M. P. da ; YOUNG, A.F. . "Riqueza à beira-mar, pobreza longe de
maresia: um retrato da segregação social na Região Metropolitana da Baixada Santista, nos anos
1990.". In: José Marcos Pinto da Cunha. (Org.). Novas Metrópoles Paulistas: população,
vulnerabilidade e segregação. 1ed.Campinas: Editora da Unicamp, 2006, v. 1, p. 435-455.
21
JENKS, C.; MAYER, S.The consequences of growing up in a poor neighborhood. In: LYNN, L.;
MCGEARY, M. G. H. (Ed.). Inner - city poverty in the United States. Washington: National
Academy Press, 1990.
GALSTER C.; KILLEN, S.. The geography of metropolitan opportunity: aeconnaissance and
conceptual framework. HousingPolicy Debate, v.6, n.1, p.7- 43, 1995.
HARVEY, D. Class Structure in a Capitalist Society and the Theory of Residential Differentiation.
In: The Urban Experience.Baltimore. The Johns Hopkins University Press, 1975.
KAZTMAN, R. Activos y estructuras de oportunidades:estudios sobre las raíces de la
vulnerabilidad social en Uruguay.Santiago de Chile: CEPAL e PNUD, 1999.
KOWARICK, L.. et al. A pesquisa sobre segregação: conceitos, métodos e medições. In: Espaço e
Debates, São Paulo. v.24, n. 45. p.87-109. 2004.
LOBO, C.; MATOS, R; GARCIA, R. A. Uma proposta de identificação de perfis regionais no Brasil: a
centralidade e a mobilidade espacial da população. Rio de Janeiro, Revista brasileira de estudos
urbanos e regionais, v. 2, p. 100, 2012.
MARTINE, G. A redistribuição espacial da população brasileira durante a década de 80.Rio de
Janeiro: IPEA, 1994 (Texto para Discussão, 329).
MASSEY, D. e DENTON, N.. American Apartheid – Segregation and the Making of the
Underclass.Harvard University Press, 1993.
NEGREIROS, R. A Região Metropolitana da Baixada Santista: Dinâmica Sócio- Econômica e as
Perspectivas da Gestão Urbana. Relatório D.2 do Projeto - Urbanização e Metropolização no
Estado de São Paulo: Desafios da Política Urbana. NESUR-IE/UNICAMP. Convênio
SEP/UNICAMP. mimeo, 1992. 111p.
PRÉTECEILLE, E.. A evolução da segregação social e das desigualdades urbanas: o caso da
metrópole parisiense nas últimas décadas. In: Caderno CRH, nº38. Jan/jun. Salvador – Bahia:
EDUFBA/CNPq. 2003
RODRÍGUEZ, J. ; BUSSO, G. Migración interna y desarrolloen América Latinaentre 1980 y 2005.
Unestudio comparativo con perspectiva regional basadoemsiete países. Santiago de Chile: CEPAL.
2009.
SABATINI, F.; SIERRALTA, C.; Medição da segregação residencial: meandros teóricos e
metodológicos e especificidade latino-americana. In: CUNHA, J. M. P. (Org.). Novas Metrópoles
Paulistas: população, vulnerabilidade e segregação. Campinas:Nepo/Unicamp, 2006. p.197-230.
SANTOS, A. O processo de histórico de ocupação no município de Santos: a expansão a partir do
Centro. In: VAZQUEZ, D. A.. A questão urbana da Baixada Santista: Políticas, vulnerabilidades e
desafios para o desenvolvimento. 2011.
TORRES, H. Medidas de segregação. In: MARQUES, E; TORRES, H. (Org.). São Paulo:
segregação,pobreza e desigualdades sociais. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005.
VIGNOLI, J. Segregación residencial socioeconómica: ¿quées?, ¿cómo se mide?, ¿qué está
pasando?, ¿importa?, Santiago de Chile, Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografia
(CELADE). 2001.
Recommended