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Padrões espaciais relacionados às taxas líquidas de matrículas no ensino superior brasileiro em 2010 Alan Vítor Coelho Neves 1 Reinaldo Onofre dos Santos 2 Palavras-chave: ensino superior; estatística espacial; taxas de matrícula 1 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Demografia do CEDEPLAR/UFMG 2 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Demografia do CEDEPLAR/UFMG

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Padrões espaciais relacionados às taxas líquidas de matrículas no ensino

superior brasileiro em 2010

Alan Vítor Coelho Neves1

Reinaldo Onofre dos Santos2

Palavras-chave: ensino superior; estatística espacial; taxas de matrícula

1 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Demografia do CEDEPLAR/UFMG

2 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Demografia do CEDEPLAR/UFMG

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1. Introdução

A expansão e a diversificação do ensino superior brasileiro nas últimas décadas têm

gerado intensos debates sobre o tamanho de sua importância em um cenário de baixos

níveis de escolarização.

Tendo em vista o aspecto espacial, percebe-se que a expansão das matrículas,

iniciada na década de 1990, se deu de forma desigual, uma vez que é nítida a prevalência da

região Sudeste. O crescimento maior nessa região se deve ao fato de ser a mais populosa, o

que consequentemente leva a uma maior demanda. Além disso, por ser a região mais

desenvolvida economicamente, a proximidade com o mercado fez com que houvesse um

incentivo para esse aumento mais acentuado (COLLARES, 2013).

Ao mesmo tempo que se percebeu essa prevalência da região Sudeste, houve

também um movimento de desconcentração regional e a interiorização da oferta de

instituições e cursos nesse período, realizado sobretudo pelas instituições particulares de

ensino (SAMPAIO, 2014).

Diante desse cenário complexo, é de fundamental importância analisar se os fatores

que influenciam as matrículas no ensino superior brasileiro são geograficamente definidos,

no sentido de saber se há uma diferenciação regional no modo como tais fatores exercem

essa influência.

2. Objetivo e hipótese

O objetivo deste trabalho é avaliar se existem padrões espaciais referentes aos

fatores associados às taxas de matrículas de graduação no Brasil no ano de 2010. Essa

análise será feita por meio do modelo desenhado por Neves (2015), com a aplicação de

ajustes segundo a identificação de variabilidade espacial dos parâmetros.

A hipótese é que os fatores associados às taxas de matrículas no Brasil estão

regionalmente definidos. Essa afirmação se baseia no fato de que elementos econômicos,

sociais e demográficos que influenciam a prevalência de matrículas no ensino superior se

diferem bastante sob uma perspectiva regional de forma a haver uma heterogeneidade

espacial. Tal hipótese é testável por meio de técnicas espaciais na medida em que regiões

são unidades espaciais que podem possuir algum nível de dependência umas das outras.

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3. Fontes de dados e variáveis

Serão utilizados dados do Censo Demográfico do IBGE e do Censo da Educação

Superior do INEP referentes ao ano de 2010. A unidade de análise escolhida é a

mesorregião brasileira (137). Acredita-se que as mesorregiões propiciarão estabilidade3

suficiente para as variáveis a serem utilizadas, diferentemente, por exemplo, dos

municípios, os quais muitos não oferecem ensino superior.

A variável dependente é a taxa de escolarização líquida no ensino superior, que é

a razão entre o número de matrículas de pessoas na faixa etária de 18 a 24 anos no ensino

superior sobre a população nessa mesma faixa etária (RIANI & GOLGHER, 2004). Apesar

de o ensino superior não ser obrigatório, a maioria da literatura considera essa faixa etária

como a adequada para cursar uma graduação. Essa variável foi construída a partir dos

dados da amostra do Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2010).

As variáveis independentes são:

- Tamanho relativo da coorte de 18 a 24 anos: é a divisão do número de indivíduos de 18

a 24 anos pelo número total de habitantes. Tanto o numerador quanto o denominador foram

extraídos do Censo Demográfico. É a medida da pressão demográfica (RIANI, 2005), que

impacta a demanda por esse nível de ensino.

- Razão professor de ensino superior (ES) / população de 18 a 24 anos: elaborada

através de dados do Censos Demográfico, é o resultado da divisão do número de

professores de ensino superior pela população total de 18 a 24 anos. A restrição de oferta de

ensino superior está relacionada ao fato de que a disponibilidade de serviços educacionais

em determinadas regiões pode ser um fator importante para determinar o resultado

educacional dos indivíduos (RIANI, 2005). Portanto, esta variável é uma boa medida da

restrição de oferta, uma vez que mensura a disponibilidade regional de oferta de professores

(RIANI & GOLGHER, 2004).

O Censo da Educação Superior fornece informação similar ao número de

professores, que é a chamada função docente: o número de professores vinculados a cada

curso de graduação. Diferentemente do Censo Demográfico, o professor pode ser

considerado mais de uma vez, pois este pode lecionar em mais de um curso e em mais de

3 Entendida como redução de flutuações aleatórias decorridas do pequeno número de observações.

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uma instituição (INEP, 2012). Agregando essas informações pode-se chegar ao número de

funções docente por mesorregião. Nesse sentido, tem-se uma alternativa para a mensuração

da restrição de oferta, substituindo o número de professores por mesorregião pelo número

de funções docente por mesorregião no numerador, mantendo o mesmo denominador

extraído do Censo Demográfico. Portanto, uma vez que, em trabalho anterior (NEVES,

2015), essa alternativa foi mais robusta que a opção anterior, a variável que aparece nos

modelos é razão função docente de ensino superior / população de 18 a 24 anos.

- Proporção de matrículas de instituições particulares: construída a partir dos dados do

Censo da Educação Superior, é a divisão entre o número de matrículas de cursos

presenciais de instituições privadas pelo número total de matrículas presenciais. Essa

variável foi considerada tendo em vista o fato de a maioria das matrículas no ensino

superior brasileiro estão em instituições particulares.

- Proporção de alunos de graduação com 25 anos ou mais: construída a partir de dados

do Censo Demográfico, é a divisão entre o número de alunos de graduação de 25 anos ou

mais sobre o total de alunos graduandos. O objetivo dessa variável é saber em que medida

as matrículas de alunos mais velhos estão afetando o acesso dos mais novos.

- Proporção de alunos de 18 a 24 anos cursando ensino médio: construída a partir de

dados do Censo Demográfico, é a divisão entre o número de estudantes de 18 a 24 anos que

estão cursando ensino médio (em qualquer modalidade) pelo total de estudantes de ensino

médio. Essa variável foi baseada no índice taxa de distorção idade/série (RIANI e

GOLGHER, 2004) com a diferença de que se considerou, no numerador, apenas o grupo

etário que deveria estar cursando uma graduação. Tem como objetivo mensurar em que

medida problemas relacionados ao fluxo de alunos de 18 a 24 anos afetam o acesso ao

ensino superior.

- Renda domiciliar média: construída a partir dos dados do Censo Demográfico, é uma

variável contínua que faz referencia ao capital econômico, uma vez que expressa os

recursos econômicos familiares disponíveis (WINTER e GOLGHER, 2010). Para que

pudesse ser incluída no modelo, esta foi transformada utilizando logaritmo natural, uma vez

que a variável original do Censo apresenta grande amplitude e grande assimetria, o que

poderia prejudicar as estimativas devido a observações muito díspares. Portanto, a variável

que aparece no modelo é média do logaritmo natural da renda domiciliar.

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- Proporção de domicílios urbanos: uma vez que as oportunidades educacionais

referentes ao ensino superior se concentram em áreas onde há maior urbanização, o fato de

a pessoa morar em uma área urbana aumenta suas chances de ter acesso aos serviços

educacionais (RIANI, 2005).

4. Avaliação da estatística espacial

Regressão geograficamente ponderada (RGP) é uma técnica estatística que se baseia

no arcabouço tradicional de regressão. A diferença entre esta e a RGP é que a segunda

incorpora relações espaciais locais (FOTHERINGHAM et. Al., 2002). Tanto que a

regressão tradicional é chamada de modelo global e a RGP de modelo local.

Uma vez que o uso da RGP só se justifica na hipótese de heterogeneidade espacial,

expressa pela não estacionariedade dos coeficientes, é necessário um diagnóstico sobre a

existência ou não de tal heterogeneidade na relação da variável dependente com as

variáveis independentes. Para tanto será estimada primeiramente uma regressão de mínimos

quadrados ordinários e caso não haja significância nos indicadores de não

estacionariedade4, o a aplicação do modelo de RGP não seria adequada.

Para confirmar a existência de não aleatoriedade espacial dos resíduos, pressuposto

do modelo de regressão global, será feito o teste de autocorrelação Espacial de Moran

(Moran’s I). Se altos valores de resíduos estão geograficamente próximos a altos valores e

baixos valores de resíduos estão geograficamente próximos de baixos valores, isso denota

uma autocorrelação espacial positiva (valor positivo do índice Moran’s I). Caso contrário,

se altos e baixos valores de resíduos estão geralmente próximos uns dos outros, isso denota

uma autocorrelação espacial negativa (valor negativo do índice Moran’s I) (ANSELIN,

1995; ROGERSON; ROGERSON, 2001).

4 A estacionariedade dos parâmetros significa que em qualquer região do espaço o coeficiente gerado

localmente tende ao valor médio global. Todavia, isso pode ser violado em caso heterocedasticidade, uma vez

que valores diferentes das covariáveis oferecem variabilidade também diversa na relação com a variável

endógena.

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5. Resultados

5.1 Análises descritivas

Antes de analisar os dados referentes à aplicação das técnicas estatísticas espaciais,

é pertinente a realização de análises descritivas. A tabela 1 apresenta as estatísticas

descritivas de todas as variáveis descritas na subseção 3.2. A variável média do logaritmo

natural da renda domiciliar não será comentada nessa subseção, uma vez que a

transformação da variável original através do logaritmo não permite uma análise em si da

variável, apenas da relação dessa variável com as outras.

TABELA 1 – Estatísticas descritivas – Brasil, 2010

Nome da Variável Média D. Pad. Mín. Máx.

Taxa líquida de matrículas no ensino superior 0,107 0,046 0,023 0,232

Tamanho relativo da coorte de 18 a 24 anos 0,126 0,009 0,104 0,146

Razão função docente ES / população de 18 a 24 anos 0,025 0,019 0,000 0,089

Proporção de matrículas de instituições particulares 0,557 0,276 0,000 1,000

Prop. de alunos universitários com 25 anos ou mais 0,439 0,085 0,285 0,753

Prop. de alunos de 18 a 24 anos cursando ensino médio 0,262 0,066 0,133 0,500

Média do logaritmo natural da renda domiciliar 6,811 0,493 5,070 7,778

Proporção de domicílios urbanos 0,722 0,140 0,413 0,987

Fonte: Censo Demográfico 2010, IBGE e Censo da Educação Superior 2010, INEP.

Analisando a tabela, percebe-se que a média da taxa líquida de matrículas no ensino

superior referente às mesorregiões é 0,107, o que denota um baixo atendimento desse nível

de ensino na faixa etária de 18 a 24 anos quando se compara a outros níveis de ensino em

suas faixas etárias de atendimento. Aparentemente, não há valores muito discrepantes uma

vez que o desvio-padrão não é alto. Entretanto, percebem-se diferenças consideráveis entre

as mesorregiões, uma vez que amplitude entre o valor máximo e o valor mínimo é de 0,209,

o que denota fortes disparidades regionais referentes ao acesso ao ensino superior.

Em relação ao tamanho relativo da coorte de 18 a 24 anos, percebe-se que, se não

fosse o fato de apenas uma parte desse grupo etário está em condições de cursar uma

graduação (possui ensino médio), 13% da população total, em média, exerceriam uma

pressão no sistema de ensino superior em cada mesorregião.

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Já em relação à variável razão função docente ES / população de 18 a 24 anos,

percebe-se aparentemente uma concentração da oferta de ensino superior, uma vez que o

desvio-padrão (0,019 para uma média de 0,025) é alto. A diferença entre o valor máximo e

o valor mínimo denota disparidades regionais na oferta desse nível de ensino, sendo que

existem mesorregiões que ainda não ofertam.

Já em relação à proporção de matrículas de instituições particulares, o valor da

média dessa variável denota uma supremacia do ensino superior particular sobre o ensino

superior público (0,557). Chama a atenção o fato de haver mesorregiões em que o

atendimento é totalmente particular (valor máximo 1).

A variável proporção de alunos universitários com 25 anos ou mais apresenta uma

média referente às mesorregiões de 0,439, o que denota que uma parcela muito grande das

matrículas de ensino superior é de pessoas fora do grupo etário de estudo. Esse fenômeno

aparentemente é bem distribuído no Brasil, uma vez que o valor do desvio-padrão (0,085)

comparado com a média é pequeno.

Por sua vez, a variável proporção de alunos de 18 a 24 anos com ensino médio,

assim como a variável anterior, é aparentemente bem distribuída no Brasil, pois o valor do

desvio-padrão (0,066) comparado com a média (0,262) é pequeno. Chama a atenção o fato

de que existe mesorregião em que o problema de fluxo do ensino médio para o ensino

superior denotado pelo atraso de escolarização da faixa etária de 18 a 24 anos chega a 50%.

Por fim, a média da proporção de domicílios urbanos é de 0,72, o que denota o atual

estágio de urbanização do país. Chama a atenção tanto o fato de haver mesorregião com

população em sua maioria residindo em áreas rurais (valor mínimo de 41%: mesorregião

Sudeste Piauiense), quanto o fato de haver mesorregião em que praticamente toda a

população reside em área urbana (valor máximo de quase 99%: mesorregião Metropolitana

de São Paulo).

5.2 Análises da aplicação das técnicas estatísticas espaciais

5.2.1 Regressão de mínimos quadrados ordinários e Índice Moran’s I

A tabela 2 apresenta os resultados da estimação da regressão de mínimos quadrados

ordinários com todas as variáveis independentes descritas na seção 3.

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TABELA 2 – Resultados da regressão de mínimos quadrados ordinários para a variável

dependente taxa líquida de matrícula no ensino superior com todas as variáveis

independentes – Brasil, 2010

Variáveis Coeficiente Erro Pad. Rob. VIF

Intercepto -0,322292* 0,075207 -

Tamanho relativo da coorte de 18 a 24 anos 0,250919 0,243942 1,836833

Razão função docente/ população de 18 a 24 anos 0,669531* 0,168584 1,740614

Proporção de matrículas de instituições particulares -0,008269 0,007218 1,919663

Prop. de alunos de graduação com 25 anos ou mais -0,094528* 0,029167 2,307064

Prop. de alunos de 18 a 24 anos cursando ens. médio -0,006833 0,042647 2,321139

média do logaritmo natural da renda domiciliar 0,064692* 0,010409 6,844716

Proporção de domicílios urbanos -0,016646 0,023034 3,496118

R² 0,839280

R² ajustado 0,830558

Critério de Informação de Akaik (AICc) -685,877644

Estatística F 96,233677*

Estatística de Wald 521,318056*

Estatística de Koenker 26,269436*

Estatística Jarque-Bera 7,818098*

Número de observações 137

*Valor p < 0,5.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Censo Demográfico 2010, IBGE e Censo da Educação

Superior 2010, INEP.

Analisando os dados da tabela percebe-se que as variáveis independentes explicam

83% da variabilidade da taxa líquida de matrículas no ensino superior (R² ajustado = 0,83),

o que mostra que o conjunto das variáveis independentes são boas preditoras. Já em relação

aos coeficientes, exceto por aqueles que não foram significativos a 5%, os sinais foram os

esperados: mantido tudo mais constante, a taxa líquida de matrícula é, em média, maior

quanto maior for a razão função docente / população de 18 a 24 anos; é, em média, maior

quanto maior a média do logaritmo da renda domiciliar; e é, em média, menor quanto maior

a proporção de alunos de graduação com 25 anos ou mais.

Já em relação aos testes referentes às Estatísticas de Koenker e Jarque-Bera, o

primeiro foi significativo a 1%, demonstrando correlação entre os resíduos e uma ou mais

covariáveis. Esse fato permite suspeitar de que um ou mais parâmetros da regressão não são

estacionários dado o indicador de heterocedasticidade. Já o segundo teste, este também foi

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significativo a 1%, o que mostra indícios de que os resíduos não são normalmente

distribuídos.

Como as unidades de análise são espacialmente explícitas, para saber se essa não

normalidade dos resíduos se refere a uma não aleatoriedade espacial, foi feito o teste de

Moran’s I com resíduos padronizados5.

Analisando a figura 1, percebe-se que existe uma autocorrelação espacial positiva

entre os resíduos, uma vez que valor do Índice de Moran’s foi positivo (0,39) e o teste foi

estatísticamente significativo o que permite afirmar que os resíduos possuem um padrão

espacial. Essa informação se confirma por meio do mapa 1, que expressa a distribuição dos

resíduos padronizados por mesorregião. Nesse mapa, é notória a formação de agrupamentos

em que altos valores dos resíduos estão próximos a altos valores e baixos valores dos

resíduos estão próximos a baixos valores.

5 Matriz de vizinhança construída por meio do inverso do quadrado da distância, com padronização da linha.

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FIGURA 1 – Resultado do teste de autocorrelação espacial de Moran (Moran’s I)

Fonte: Saída do ArcGis. Dados: Censo Demográfico 2010, IBGE e Censo da Educação Superior 2010, INEP.

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5.2.2 Regressão geograficamente ponderada

Na tentativa de se ajustar uma regressão geograficamente ponderada com todas as

variáveis independentes, esse ajuste apresentou problemas de multicolinearidade global e

local. Para investigar quais variáveis independentes que estavam prejudicando o ajuste,

percebeu-se que as variáveis responsáveis eram tamanho relativo da coorte de 18 a 24 anos,

a média do logaritmo da renda domiciliar e proporção de domicílios urbanos. A primeira

variável deve ser a responsável pela multicolinearidade local, considerando a relativamente

baixa inflação da variância (Tabela 2). Já as duas últimas variáveis devem ser as

responsáveis pela multicolinearidade global e local, uma vez que apresentaram valores altos

no indicador Fator de Inflação da Variância (VIF), conforme a tabela 2: 6,84 e 3,50,

respectivamente.

Tendo em vista esses problemas, optou-se por ajustar novamente uma regressão de

mínimos quadrados ordinários (MQO) excluindo essas três variáveis do modelo, com o

objetivo de obter novos parâmetros de comparação dos resultados de MQO com os

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resultados de RGP, uma vez que o ajuste desta com as quatro variáveis independentes

restantes foi exitoso. A tabela 3 apresenta essa regressão MQO.

TABELA 3 – Resultados da regressão de mínimos quadrados ordinários para a variável

dependente taxa líquida de matrícula no ensino superior com parte das variáveis

independentes – Brasil, 2010

Variáveis Coeficiente Erro Pad. Rob. VIF

Intercepto 0,160193* 0,014513 -

Razão função docente/ população de 18 a 24 anos 1,154565* 0,214063 1,322137

Proporção de matrículas de instituições particulares 0,032523* 0,008449 1,328174

Prop. de alunos de graduação com 25 anos ou mais -0,173185* 0,035112 2,036081

Prop. de alunos de 18 a 24 anos cursando ens. médio -0,093414* 0,043194 1,757000

R² 0,729814

R² ajustado 0,721627

Critério de Informação de Akaik (AICc) -621,485157

Estatística F 89,138225*

Estatística de Wald 338,239297*

Estatística de Konker 36,939736*

Estatística Jarque-Bera 5,549475

Número de observações 137

*Valor p < 0,5.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Censo Demográfico 2010, IBGE e Censo da Educação

Superior 2010, INEP.

Comparando as tabelas 2 e 3, percebe-se que os coeficientes das variáveis proporção

de alunos de 18 a 24 anos cursando ensino médio e proporção de matrículas de instituições

particulares tornaram-se significativas a 5% quando da retirada das três variáveis. A

primeira variável manteve o sinal esperado, apesar de ter aumentado a magnitude do

coeficiente. Já a segunda alterou o sinal de negativo para positivo, o sinal que era esperado.

Assim, mantido tudo o mais constante, o aumento em 1 unidade na primeira variável

diminui, em média, a taxa líquida de matrícula no ensino superior em 9%. E o aumento em

1 unidade da segunda variável aumenta, em média, a taxa líquida em 3%. As outras

variáveis mantiveram a significância e os sinais e tiveram a magnitude dos coeficientes

aumentada.

Em relação aos testes referentes às Estatísticas de Konquer e Jarque-Bera, o

primeiro também foi significativo a 1%, o que mostra que a não estacionariedade persiste

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mesmo quando se retira as três variáveis. Já o segundo teste, este, desta vez, não foi

significativo a 1%, o que mostra indícios de que os resíduos são normalmente distribuídos.

Entretanto, o mapa 2, da mesma maneira que o mapa 1, mostra que a formação de

agrupamentos permanece.

A tabela 4 mostra os resultados da estimação da regressão geograficamente ponderada6.

6 O raio de vizinhança para a construção dos coeficientes locais foi determinado pelo critério de Akaike,

buscando o melhor ajuste variando o número de vizinhos considerados na estimação (kernel adaptativo).

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TABELA 4 – Resultados da regressão geograficamente ponderada para a variável

dependente taxa líquida de matrícula no ensino superior – Brasil, 2010

R² 0,876950

R² ajustado 0,846995

Critério de Informação de Akaik (AICc) -687,19807

Neighbors 71

Residual Squares 0,035682

Effective Number 27,625848

Sigma 0,018062

Moran’I 0,06 (0,17)

Número de observações 137 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Censo Demográfico 2010, IBGE e Censo da Educação

Superior 2010, INEP.

A análise da tabela 4 mostra que a estimação com RGP aumentou o R² ajustado,

comparando com a regressão MQO mostrada na tabela 3, de 0,72 para 0,85. Além disso, o

Critério de Informação de Akaik (AICc) diminuiu de -621,48 para -687,20, demonstrando

um melhor ajuste, a despeito do número de parâmetros utilizados. Esses resultados mostram

que a estimação com RGP gera resultados melhores do que a regressão com MQO. No que

se refere ao AICc, a estimação com RGP foi melhor também na comparação com a

regressão MQO que utiliza todas as variáveis independentes (tabela 2), uma vez que a

diminuição foi de -685,88 para -687,20.

O mapa 3 mostra a distribuição dos resíduos padronizados da estimação da RGP. Na

comparação com o mapa 2, percebe-se que houve uma diminuição na formação de

clusteres. Isso era esperado, uma vez que a RGP, através da calibração local, remove muito

dos problemas referentes à autocorrelação espacial encontrada nos modelos globais

tradicionais (Fotheringham et all, 2002). Assim, ao avaliar o índice de Moran, observa-se

seu valor reduzido (0,06), demonstrando uma autocorrelação espacial baixa e não

significativa (p-valor igual a 0,17).

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Os mapas 4, 5, 6 e 7 mostram a distribuições dos coeficientes referentes a cada

variável independente das regressões locais feitas para cada mesorregião. A interpretação

dos mapas permite observar os diferentes efeitos das variáveis dentro do modelo proposto.

Em relação à variável “razão função docente de ensino superior/população de 18 a

24 anos” (mapa 4), esta guarda uma relação com a variável “taxa líquida de matrículas no

ensino superior” maior nas regiões Norte, em primeiro lugar, e Sul do país. Isso mostra que

a importância da restrição da oferta é maior nessas regiões do que em outras.

Já a variável “proporção de matrículas de instituições particulares” (mapa 5)

mantém uma relação com a variável dependente mais forte no Acre e na fração Centro-Sul

do país, em especial na porção mais oriental do Sul e do Sudeste. Isso nos leva a crer que a

presença do ensino superior pago é um fator importante para essas regiões na comparação

com outras.

A relação entre “taxa líquida de matrículas no ensino superior” e “proporção de

alunos de graduação com 25 anos ou mais” (mapa 6) é, via de regra, negativa, tendo maior

expressão (ou valores mais negativos) no praticamente toda a região Sudeste e partes da

região Centro-Oeste e região Sul, áreas que sofrem influência direta da metrópole paulista

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MAPA 5 - PROPORÇÃO DE MATRÍCULAS DE INSTITUÇÕES PARTICULARES, 2010

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MAPA 6 - PROPORÇÃO DE ALUNOS DE GRADUAÇÃO COM 25 ANOS OU MAIS, 2010

MAPA 7 - PROPORÇÃO DE ALUNOS DE 18 A 24 ANOS CURSANDO ENSINO MÉDIO, 2010

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na rede urbana nacional. Uma vez que Collares (2013) mostra que muitos dos que fazem

uma graduação são pessoas mais velhas já inseridas no mercado de trabalho, o fato de essas

regiões apresentarem uma importância maior para essa relação faz todo o sentido, pois são

nessas regiões que está a maioria da demanda por uma qualificação maior e por uma

formação continuada.

Por fim, a variável “proporção de alunos de 18 a 24 anos cursando ensino médio”

(mapa 7) apresentou um comportamento interessante, pois esta apresenta valores positivos

(relação positiva com a “taxa líquida de matrículas no ensino superior”) na porção oriental

do Nordeste e no Sul, com maior expressão em grande parte do Centro-Oeste e no Sudeste;

e apresenta valores negativos na região Norte e na porção Ocidental da região Nordeste,

bem como ao norte do Centro-Oeste. Isso pode ser explicado da seguinte maneira: onde há

valores foram negativos, o problema de fluxo do ensino médio para o ensino superior

persiste devido a uma expansão mais fraca do ensino médio que não deu conta de sanar o

problema de cursar ensino médio na idade inapropriada. Já onde há valores positivos,

houve uma expansão mais forte do ensino médio de maneira a impactar no acesso ao ensino

superior, ou seja, mesmo que haja um contingente de pessoas defasadas em relação ao

ensino médio, isso não afeta fortemente o acesso ao ensino superior devido a um número

significativo de estudantes que conseguiram fazer o ensino médio e, portanto, fizeram a

transição para o ensino superior na idade ideal. Assim, pode estar havendo um acesso maior

do grupo etário de 18 a 24 anos ao ensino médio concomitante a um acesso maior desse

mesmo grupo etário ao ensino superior.

6. Conclusão

Este trabalhou procurou testar a hipótese de que alguns fatores associados às taxas

de matrículas no ensino superior brasileiro estão regionalmente definidos, uma vez que se

percebem grandes disparidades regionais nas taxas líquidas de matrículas no ensino

superior brasileiro, considerando o grupo etário de 18 a 24 anos. Essa hipótese foi

corroborada através da utilização das técnicas de análise espacial Índice de Moran’s I e,

principalmente, regressão geograficamente ponderada. Apesar da retirada de três variáveis

por problemas de multicolinearidade, pode-se afirmar que a hipótese se sustenta, uma vez

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que a regressão geograficamente ponderada se mostrou exitosa ao mostrar que 85% da

variabilidade da taxa líquida de matrícula em cada mesorregião se explica pelas variáveis

restantes.

Esses resultados mostram que um fator que é muito importante para determinar a

taxa de matrícula em uma mesorregião pode não ser tão importante em outra. Além disso,

um fator que atua em um sentido em uma mesorregião pode atuar em um sentido contrário

em outra mesorregião.

Entender essa regionalização dos fatores que afetam as taxas de matrículas é de

fundamental importância, uma vez que as políticas públicas referentes ao ensino superior

podem atuar de maneira diferenciada dependendo de cada contexto regional.

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