O Formalismo Matemático da Mecânica Quântica

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O Formalismo Matemático da Mecânica Quântica

Márcio H. F. Bettega

Departamento de Física

Universidade Federal do Paraná

bettega@fisica.ufpr.br

Escola de Verão de Física de Curitiba - 2019

.

Introdução

Vamos discutir nesta aula, de forma bastante resumida, o formalismo matemáticoda mecânica quântica. Primeiro vamos conversar sobre o espaço de funções deonda e depois sobre o espaço de estados (ambos são espaços vetoriaiscomplexos), introduzindo o conceito de vetor de estado.

Função de onda

Espaço F (espaço vetorial complexo): espaço das funções quadraticamenteintegráveis.

ψ(r, t) ∈ F −→∫ +∞

−∞|ψ(r, t)|2d3r = finito

Normalização:

ψ(r, t) ∈ F −→∫ +∞

−∞|ψ(r, t)|2d3r = 1

Interpretação de ψ(r, t) (representa o estado de uma partícula sem spin):|ψ(r, t)|2d3r fornece a probabilidade de encontrar a partícula no elemento devolume d3r, no instante de tempo t.

Produto escalar de ψ(r) por ϕ(r) (número complexo):

ψ(r), ϕ(r) ∈ F → (ϕ,ψ) =

∫ +∞

−∞ϕ∗(r)ψ(r)d3r

Princípio de superposição: ψ1(r), ψ2(r) ∈ F → λ1ψ1(r) + λ2ψ2(r) ∈ F

Função de onda

Propriedades do produto escalar:

(ϕ,ψ) = (ψ,ϕ)∗; (ϕ, λ1ψ1 + λ2ψ2) = λ1(ϕ,ψ1) + λ2(ϕ,ψ2)

(λ1ϕ1 + λ2ϕ2, ψ) = λ∗1(ϕ1, ψ) + λ∗2(ϕ2, ψ); (ψ,ψ) ≥ 0(= 0→ ψ = 0)

Função de onda

Bases discretas {ui(r)} e bases contínuas {vp(r)}:Vamos considerar um conjunto ortonormal discreto de funções quadraticamenteintegráveis {ui(r)}:

(ui, uj) = δij ;ψ(r) =∑i

ciui(r); ci = (ui, ψ)

O conjunto {ui(r)} é completo?

ψ(r) =∑i

(ui, ψ)ui(r) =∑i

[∫u∗i (r

′)ψ(r′)d3r′]ui(r)

ou

ψ(r) =

∫ [∑i

u∗i (r′)ui(r)

]ψ(r′)d3r′

Desta forma concluímos que:∑i

u∗i (r′)ui(r) =

∑i

ui(r)u∗i (r′) = δ(r− r′)

Função de onda

A expressão acima fornece a relação de completeza da base. Para entender isso,podemos escrever ψ(r) como:

ψ(r) =

∫δ(r− r′)ψ(r′)d3r′

e escolhemos a base através da completeza via δ(r− r′).Vamos agora considerar um conjunto "ortonormal"de ondas planas{vp(r) = exp(ip · r/~)/(2π~)3/2} (não são quadraticamente integráveis):

(vp, vp′) = δ(p− p′);ψ(r) =

∫ψ̄(p) exp(ip · r/~)/(2π~)3/2d3p

ψ̄(p) =

∫exp(−ip · r/~)/(2π~)3/2ψ(r)d3r = (vp, ψ)

A completeza da base é: ∫v∗p(r′)vp(r)d3p = δ(r− r′)

Note que ψ(r) e ψ̄(p) são transformadas de Fourier uma da outra. No casounidimensional temos que ∆x∆px ∼ ~. Isto leva ao princípio da incerteza deHeisenberg.

Operadores lineares

Operador linear A:

Aψ(r) = ψ′(r);A[λ1ψ1(r) + λ2ψ2(r)] = λ1Aψ1(r) + λ2Aψ2(r) = λ1ψ′1(r) + λ2ψ

′2(r)

Comutador de dois operadores lineares A e B: [A,B] = AB −BAConsidere X e Px definidos como:

Xψ(r) = xψ(r);Pxψ(r) = −i~ ∂

∂xψ(r)

Como fica [X,Px]? Vamos atuar o comutador em ψ(r):

[X,Px]ψ(r) = (XPx − PxX)ψ(r) = X (Pxψ(r))− Px (Xψ(r)) =

= −i~x ∂

∂xψ(r) + i~ ∂

∂x(xψ(r)) = i~

Vetor de estado

Como representar o estado de uma partícula com spin? O spin não pode serrepresentado por uma função de coordenadas.

Espaços de estado Er (partícula sem spin) e E :Ket (vetor): |ψ〉 ∈ Er ⇔ ψ(r) ∈ FProduto escalar: (|ϕ〉, |ψ〉) = (ϕ,ψ)

Espaço E : |ψ〉 ∈ E . Postulamos:"O estado quântico de qualquer sistema físico é representado por um ket de estadoque pertence ao espaço de estado E do sistema."

Espaço E∗: bra 〈ψ|Produto escalar: (|ϕ〉, |ψ〉) = 〈ϕ|ψ〉; 〈ϕ|ψ〉 = 〈ψ|ϕ〉∗

Propriedades do produto escalar:

〈ϕ|ψ〉 = 〈ψ|ϕ〉∗; 〈ϕ|λ1ψ1 + λ2ψ2〉 = λ1〈ϕ|ψ1〉+ λ2〈ϕ|ψ2〉

〈λ1ϕ1 + λ2ϕ2|ψ〉 = λ∗1〈ϕ1|ψ〉+ λ∗2〈ϕ2|ψ〉; 〈ψ|ψ〉 ≥ 0(= 0→ |ψ〉 = 0)

Normalização: 〈ψ|ψ〉 = 1

Operadores lineares

A é um operador linear que atua em E :

A|ψ〉 = |ψ′〉;A [λ1|ψ1〉+ λ2|ψ2〉] = λ1A|ψ1〉+ λ2A|ψ2〉 = λ1|ψ′1〉+ λ2|ψ′2〉

Projetor Pψ = |ψ〉〈ψ|:

Pψ|ϕ〉 = (|ψ〉〈ψ|)|ϕ〉 = |ψ〉(〈ψ|ϕ〉) = (〈ψ|ϕ〉)|ψ〉

O axioma associativo: "Todo o bracket completo representa um número (em geralcomplexo) e todo o bracket incompleto representa um vetor, que pode ser bra ouket, dependendo se a expressão final contem a primeira ou a segunda parte dosbrackets."

〈ϕ|(|ψ〉〈ψ|) = 〈ψ|(〈ϕ|ψ〉)

Operador adjunto Hermitiano A† de A: A|ψ〉 = |ψ′〉 ⇔ 〈ψ|A† = 〈ψ′|

〈ψ′|ϕ〉 = 〈ϕ|ψ′〉∗ ⇔ 〈ψ|A†|ϕ〉 = 〈ϕ|A|ψ〉∗

Operadores lineares

Conjugação Hermitiana:

E ⇔ E∗

|ψ〉 〈ψ|λ λ∗

A A†

A|ψ〉 〈ψ|A†

Pode-se mostrar que:

(A†)† = A; (AB)† = B†A†; (A+B)† = A† +B†; (λA)† = λ∗A†

Operadores lineares

Operador Hermitiano: A† = A.

〈ψ|A†|ϕ〉 = 〈ψ|A|ϕ〉 = 〈ϕ|A|ψ〉∗

.

Funções de um operador linear A, F (A).

F (A) =

∞∑n=0

fnAn; expA =

∞∑n=0

1

n!An = 11 +A+

A2

2!+A3

3!+ · · ·

Autovetores e autovalores: A|ψ〉 = λ|ψ〉No caso da equação de Schrödinger independente do tempo: H|ϕ〉 = E|ϕ〉

H =P2

2m+ V (R)

onde P é o operaror momentum linear e R é o operador posição (voltaremos a elesmais tarde).Para um operador Hermitiano, os autovalores são números reais e os autovetoresassociados à autovalores diferentes são ortogonais.

NA MQ as observáveis físicas, como energia, momentum linear, momentumangular, posição etc, são representadas por operadores Hermitianos.

Operadores lineares

Bases discretas {|ui〉} e contínuas {|r〉}, {|p〉}.Base discreta:

〈ui|uj〉 = δij ; |ψ〉 =∑i

ci|ui〉; ci = 〈ui|ψ〉

onde ci é a componente do vetor |ψ〉 na direção |ui〉. Temos então:

|ψ〉 =∑i

(〈ui|ψ〉) |ui〉 =∑i

|ui〉 (〈ui|ψ〉) =

(∑i

|ui〉〈ui|

)|ψ〉

onde a relação de completeza é: ∑i

|ui〉〈ui| = 11

Aplicações:

〈ϕ|ψ〉 = 〈ϕ|11|ψ〉 = 〈ϕ|

(∑i

|ui〉〈ui

)|ψ〉 =

∑i

〈ϕ|ui〉〈ui|ψ〉 =∑i

d∗i ci

Operadores lineares

Expansão do operador A na base {|ui〉}:

A = 11A11 =

(∑i

|ui〉〈ui|

)A

(∑j

|uj〉〈uj |

)=∑i

∑j

〈ui|A|uj〉|ui〉〈uj | =

=∑i

∑j

Aij |ui〉〈uj |

onde Aij = 〈ui|A|uj〉 é o elemento de matriz do operador A na base {|ui〉}. SeA† = A: 〈ui|A†|uj〉 = 〈ui|A|uj〉 = 〈uj |A|ui〉∗ → Aij = A∗ji.

Diagonalização de operadores.

A|ψ〉 = λ|ψ〉 → 〈ui|A|ψ〉 = λ〈ui|ψ〉

〈ui|A

(∑j

|uj〉〈uj |

)|ψ〉 = λ〈ui|

(∑j

|uj〉〈uj |

)|ψ〉 →

∑j

[Aij − λδij ] cj = 0

Os autovalores e autovetores (em termos das componentes ci) são obtidos dasolução da equação secular det(Aij − λδij) = 0.

Base {|r〉 = |x, y, z〉}.

Base {|r〉}:

〈r|r′〉 = δ(r− r′);

∫|r〉〈r|d3r = 11

|ψ〉 = 11|ψ〉 =

(∫|r〉〈r|d3r

)|ψ〉 =

∫|r〉〈r|ψ〉d3r =

∫ψ(r)|r〉d3r

onde 〈r|ψ〉 = ψ(r) (a função de onda) é a componente de |ψ〉 na base decoordenadas {|r〉}.Produto escalar em Er:

(|ϕ〉, |ψ〉) = 〈ϕ|ψ〉 = 〈ϕ|(∫|r〉〈r|d3r

)|ψ〉 =

∫〈ϕ|r〉〈r|ψ〉d3r =

∫ϕ∗(r)ψ(r)d3r

Base {|r〉}.

Operador posição R = (X,Y, Z):

X|r〉 = x|r〉;Y |r〉 = y|r〉;Z|r〉 = z|r〉

onde (x, y, z) são as coordenadas da partícula. Em uma forma condensada:R|r〉 = r|r〉Operadores: 〈r|A|r′〉 = A(r, r′). Se o operador for local:A(r, r′) = A(r)δ(r− r′) = A(r′)δ(r− r′)

A(R): A|ψ〉 → 〈r|A(R)|ψ〉 = A(r)ψ(r)

Pode-se mostrar que para A(P) temos: A|ψ〉 → 〈r|A(P)|ψ〉 = A(−i~∇)ψ(r)

No caso da equação de Schrödinger independente do tempo: H|ϕ〉 = E|ϕ〉, onde,

H =P2

2m+ V (R)

temos:

H|ϕ〉 =

[P2

2m+ V (R)

]|ϕ〉 = E|ϕ〉

Base {|r〉}.

Projetando na base de coordenadas:

〈r|[P2

2m+ V (R)

]|ϕ〉 =

[− ~2

2m∇2 + V (r)

]〈r|ϕ〉 = E〈r|ϕ〉

ou, na forma "popular":

− ~2

2m∇2ϕ(r) + V (r)ϕ(r) = Eϕ(r)

Base {|p〉 = |px, py, pz〉}.

Base {|p〉}:

〈p|p′〉 = δ(p− p′);

∫|p〉〈p|d3p = 11

|ψ〉 = 11|ψ〉 =

(∫|p〉〈p|d3p

)|ψ〉 =

∫|p〉〈p|ψ〉d3p =

∫ψ̄(p)|p〉d3p

onde 〈p|ψ〉 = ψ̄(p) (a função de onda) é a componente de |ψ〉 na base demomenta {|p〉}.Produto escalar em Er:

(|ϕ〉, |ψ〉) = 〈ϕ|ψ〉 = 〈ϕ|(∫|p〉〈p|d3p

)|ψ〉 =

∫〈ϕ|r〉〈p|ψ〉d3p =

∫ϕ̄∗(p)ψ̄(p)d3p

Base {|p〉}.

Operador momentum linear P = (Px, Py, Pz):

Px|p〉 = px|p〉;Py|p〉 = py|p〉;Pz|p〉 = pz|p〉

onde (px, py, pz) são as componentes do momentum linear da partícula. Em umaforma condensada: P|p〉 = p|p〉Operadores: 〈p|A|p′〉 = A(p,p′). Se o operador for local:A(p,p′) = A(p)δ(p− p′) = A(p′)δ(p− p′)

A(P): A|ψ〉 → 〈p|A(P)|ψ〉 = A(p)ψ̄(p)

Pode-se mostrar que para A(R) temos: A|ψ〉 → 〈p|A(R)|ψ〉 = A(i~∇p)ψ̄(p)

No caso da equação de Schrödinger independente do tempo: H|ϕ〉 = E|ϕ〉, onde,

H =P2

2m+ V (R)

temos:

H|ϕ〉 =

[P2

2m+ V (R)

]|ϕ〉 = E|ϕ〉

Base {|p〉}.

Projetando na base de coordenadas:

〈p|[P2

2m+ V (R)

]|ϕ〉 =

[p2

2m+ V (i~∇p)

]〈p|ϕ〉 = E〈p|ϕ〉

ou, na forma "popular":

p2

2mϕ̄(p) + V (i~∇p)ϕ̄(p) = Eϕ̄(p)

Mudança de base: {|p〉} ⇔ {|p〉}.

Vamos partir de 〈r|ψ〉 e incluir o 11 da base |p〉:

〈r|ψ〉 = 〈r|11|ψ〉 = 〈r|(∫|p〉〈p|d3p

)|ψ〉 =

∫〈r|p〉〈p|ψ〉d3p

Como 〈r|p〉 = exp(ip · r/~)/(2π~)3/2 temos:

〈r|ψ〉 = ψ(r) =1

(2π~)3/2

∫ψ̄(p) exp(ip · r/~)d3p

De forma análoga:

〈p|ψ〉 = ψ̄(p) =1

(2π~)3/2

∫ψ(r) exp(−ip · r/~)d3r

Observáveis:

Definição de um observável A: operador Hermitiano cujos autovetores formam umabase em E .

A|uin〉 = an|uin〉; i = 1 · · · gn; 〈uin|ui′

n′ = δnn′δii′〉;∑n

gn∑i=1

|uin〉〈uin| = 11

Observáveis A e B que comutam ([A,B] = 0)têm autovetores simultâneos:

A|uinp〉 = an|uinp〉;B|uinp〉 = bp|uinp〉, i = 1 · · · gnpConjunto Completo de Observáveis Comutantes {A,B,C, · · · }: a especificaçãodos autovalores de cada observável determina unicamente um autovetor.Exemplo: átomo de H

{H,L2, Lz} ⇔ (En, `(`+ 1)~2,m`~)→ |ϕn`m`〉

H|ϕn`m`〉 = En|ϕn`m`〉, L2|ϕn`m`〉 = `(`+ 1)~2|ϕn`m`〉, Lz|ϕn`m`〉 = m`~|ϕn`m`〉

Referências:

Os "modernos":Quantum Mechanics, Claude Cohen-Tannoudji, Bernard Diu, Franck Laloë,Volumes I e II, John Wiley & Sons.Principles of Quantum Mechanics, R. Shankar, 2nd Edition, Plenum Press.Modern Quantum Mechanics, J. J. Sakurai e Jim Napolitano, Second Edition,Addison Wesley (as outras edições também estão valendo).

Os "da velha guarda":Quantum Mechanics, E. Merzbacher, 3rd edition, Wiley.Quantum Mechanics, A. S. Davydov, 2nd edition, Pergamon.Quantum Mechanics, A. Messiah, Dover Publications (two volumes bound as one).Quantum Mechanics, L. I. Schiff, Third Edition, McGraw Hill.Quantum Mechanics: Non-Relativistic Theory, L. Landau , 3nd Edition,Butterworth-Heinemann.The Principles of Quantum Mechanics, P. A. M. Dirac, Oxford University Press.

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