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Ao final desta aula, você deverá:
• perceber que língua falada e língua escrita não devem ser tratadas numa abordagem dicotômica;
• reconhecer que língua falada e língua escrita são práticas sociais com propriedades específicas;
• identificar características das modalidades oral e escrita;
• transformar o texto oral em texto escrito;
• saber que as variações e as mudanças linguísticas atingem tanto a língua falada quanto a língua escrita.
8aula
Obje
tivos
MODALIDADE ORAL E MODALIDADE ESCRITA: A INFLUÊNCIA DA VARIAÇÃO E DA MUDANÇA
LINGUÍSTICAS
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AULA 8MODALIDADE ORAL E MODALIDADE ESCRITA: A INFLUÊNCIA DA VARIAÇÃO E DA MUDANÇA
LINGUÍSTICAS
1 INTRODUÇÃO
Em nossa segunda aula, você estudou que um dos tipos de
variação é aquele que se observa entre a língua falada e a língua escrita
(chamada de diamésica). Nesta aula, aprofundaremos sobre esse tipo
de variação com o intuito de mostrar que essas duas possibilidades
de representar a língua são práticas sociais com propriedades
específicas, mas não suficientemente opostas para caracterizar dois
sistemas linguísticos diferentes, muito menos conceber que uma é
“melhor” que a outra. Destacaremos que a fala é responsável pelas
variações e mudanças que se processam nos diversos níveis de
uma língua, devendo, por isso, ser tão respeitada quanto a língua
escrita, modalidade que é supervalorizada pela tradição, considerada,
muitas vezes, como a única forma correta de representar a língua.
Procuraremos mostrar que a variação e a mudança não atingem
especificamente a língua falada, mas também a língua escrita.
Linguística II: sociolinguística
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Modalidade oral e modalidade escrita: a influência da variação e da mudança linguísticas
PARA CONHECER
2 FALA E ESCRITA: UMA FALSA RELAÇÃO DICOTÔMICA
Você sabe que, em termos de desenvolvimento humano,
a fala é muito anterior à escrita. No entanto, historicamente, é a
escrita, sobretudo a literária, que sempre foi valorizada, vista como a
“melhor” forma para representar uma língua. Muitos acham, inclusive,
que língua escrita está associada à modalidade formal, e que língua
falada, à modalidade coloquial; que língua escrita é a única que segue
regras gramaticais; que a língua falada é caótica, o lugar do erro, pois
não segue regras. Com essa concepção, criou-se uma falsa separação
entre fala e escrita, como se ambas as modalidades de uso fossem
completamente diferentes, como se a escrita fosse “melhor” que a
fala. O esquema abaixo resume, de certa forma, a concepção que se
tem de fala e escrita:
CAÓTICA↑
COLOQUIAL ← FALA → IRREGULAR↓
LUGAR DO ERRO
SISTEMÁTICA↑
FORMAL ← ESCRITA → REGULAR↓
LUGAR DAS REGRAS
Saiba que ó equívoco é grande! Na verdade, é uma postura
ideológica, baseada na cultura de que a língua escrita/formal torna
o indivíduo “um bom falante”. A fala, embora tenha uma grande
precedência sobre a escrita, do ponto de vista do prestígio social, é
menos privilegiada/valorizada. No entanto, é preciso reconhecer que
“fala não apresenta propriedades intrínsecas negativas, também a
escrita não tem propriedades intrínsecas privilegiadas. São modos
de representação cognitiva e social que se revelam em práticas
específicas” (MARCUSCHI, 2004, p. 35). Tanto a fala quanto a escrita
são imprescindíveis ao falante, cada uma tem o seu papel social,
cumpre uma função específica na atividade comunicativa.
A fala, por ser uma representação natural da língua, é
responsável por inúmeras variações, “desviando”, muitas vezes,
daquele modelo padrão, instituído, em nossa cultura, como o modelo
ideal. E, nesse modelo, a escrita se destaca, passando a ser vista
como estrutura elaborada, formal, complexa, visto que é guiada
pela gramática normativa. Já a fala é caracterizada como sendo de
estrutura simples ou desorganizada, informal. Esse tipo de julgamento
Luiz Antônio Marcuschi (doutor em filosofia da lin-guagem (1976) e pós-doutor em questões de oralidade e escrita (1987), ambas as for-mações realizadas na Alema-nha) é um linguista de des-taque no Brasil. Foi ele quem divulgou a obra marco da Linguística Textual: Lingüís-tica de texto: o que é como se faz. Com ela, decorreram inúmeros estudos, discus-sões, reflexões que contribu-íram para a mudança históri-ca no processo do ensinar e aprender uma língua. É pro-fessor da Universidade Fe-deral de Pernambuco, onde criou o Núcleo de Estudos Linguísticos da Fala e da Es-crita (NELFE). O que se sabe sobre oralidade, hoje, muito se deve a esse linguista.
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SAIBA MAIS
equivocado decorre do fato de não se conhecer realmente o que é fala
e o que é escrita. A propósito, Ramos (1997) afirma:
Muitos profissionais que atuam na área de ensino da língua materna conseguem chegar à universidade (e por vezes sair dela) sem ter consciência das especificidades da fala em contraposição à escrita. Há quem acredite que se fala tal como se escreve e vice-versa. Não é menor o número de falantes que assumem que a escrita só se presta à veiculação de textos formais e que a fala, de modo geral e irrestrito, é sempre mais coloquial que a escrita (p. 9).
Como você pode notar, na perspectiva da escola, e na mente
de muitas pessoas, fala e escrita ocupam lugares completamente
opostos, gerando, assim, uma série de equívocos.
Para a escola, a escrita deve ser guiada pela gramática
normativa, um modelo que, segundo ela, se constitui num instrumento
que levará o aluno a ler e escrever na linguagem padrão culta.
Quanto à fala, de acordo com Cagliari (1997, p. 52), “quando se diz
que a escola precisa levar em conta a fala, muitos pensam que isso
significa que deve ensinar os alunos a falarem bonito, no estilo em
que se escreve”. Ora, isso pode até ser feito! No entanto, ensinar a
falar como se escreve é muito difícil! Vamos a um exemplo simples:
palavras como leite, tomate, ouro, cachorro, táxi, pneu, advogado,
guerra, hoje, exame, tem etc. apresentam essas grafias. Quando
faladas, você sabe muito bem que não corresponderão ao que está
escrito. Afinal, a relação entre letras e sons da fala não é unívoca.
Outro equívoco em relação à fala diz respeito ao fato de a es-
cola não considerar que o aluno já a conhece bem. E como conhece!!!
Afinal, esse aluno, independentemente da classe social, fala desde
muito cedo a sua língua. Portanto, se fala, é porque tem conheci-
mento profundo dessa possibilidade de representação da língua. O
mesmo vale dizer para aquelas pessoas que nunca frequentaram um
banco escolar.
Que a escola ensina a língua escrita culta, é verdade! Que
as pessoas cultas devem seguir as regras da gramática normativa,
também é verdade! Mas, o que dizer dos exemplos abaixo?
a. “Não importa as sucessivas decisões jurídicas favoráveis ao pagamento” (Correio Braziliense).
b. “Falta ao governo FC decisões corajosas e firmes, principalmente contra os partidos que o apóiam” (O Estado de São Paulo).
c. “Mas se a população de rua não for retirada, de nada adiantará medidas de segurança” (Jornal do Brasil).
É um equívoco pensar que a escrita seja um espelho da fala. A única forma de escrita que pode correla-cionar univocamente letra e som é a transcrição fo-nética, uma prática muito comum no início da esco-larização. Você, certamen-te, já viu uma criança es-crevendo palavras como: [kaza], [kaxoro], [pineu], [adivogadu], [oji], [eza-mi], [leiti], [tumati], [ôru] etc. Saiba que isso acon-tece porque a criança tem conhecimento da língua pelo ouvido. Ou seja, ela representa o que ouve, pois tem conhecimento do sistema fonético e não do sistema ortográfico. No desafio de represen-tar novas palavras, muitas vezes constroem hipóte-ses sobre a ortografia. É nesse momento que a es-cola tem um papel funda-mental: explicar ao aluno o que ele próprio fez, por que fez, além, é claro, de como deveria ter feito e por quê. Conforme Caglia-ri (1997), a escola deve incentivar as crianças a escreverem textos espon-tâneos, para que façam a passagem da fala para a escrita e da escrita para a ortografia. Ao fazer isso o professor estará apostan-do na capacidade de as crianças escreverem e se autocorrigirem com rela-ção à ortografia.
Linguística II: sociolinguística
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Modalidade oral e modalidade escrita: a influência da variação e da mudança linguísticas
d. “Cresce de importância os percentuais dos candidatos periféricos” (Jornal do Brasil).
e. “Basta 10 a 15 minutos de aplicação diária que, em poucos dias, você elimina aquela gordurinha localizada que enfeia a sua barriga” (Folha de São Paulo) (BAGNO, 2007, p. 109).
Com você pode ver, são produções veiculadas em jornais
muito conhecidos. Certamente, as pessoas que escrevem para esses
veículos são conhecedoras de língua escrita culta. No entanto, mesmo
sendo uma escrita monitorada, seus produtores deixam de aplicar a
regra da concordância verbal. Como você já sabe, a concordância
verbal é variável na língua falada, e, como atestam os exemplos
acima, também na língua escrita.
Diante do que foi exposto, resta-nos questionar: Como mudar,
então, a postura da escola frente à língua falada e à língua escrita?
Ela deve ou não ensinar o português padrão? Quanto às variações
que ocorrem tanto na língua falada quanto na escrita, como ela deve
proceder? Procuraremos responder a essas perguntas no decorrer
desta aula. Mas já posso adiantar alguma coisa: há necessidade de
se compreender melhor o que sejam língua, fala e escrita; é preciso
também reconhecer as relações entre as duas modalidades, bem
como ter consciência do papel que a língua falada tem na sociedade,
inclusive, da sua influência sobre as variações e as mudanças
linguísticas que se processam na escrita.
3 FALA E ESCRITA: DUAS MODALIDADES DE USO DE UMA LÍNGUA
Fala e escrita são, realmente, duas modalidades de uso de
uma língua, cada uma assumindo o seu papel social específico. A fala,
como você sabe, é a primeira forma adquirida pelo falante. Com ela,
aprendemos, naturalmente, a representar o sistema de uma língua.
Não precisamos ir à escola para aprender a falar. Aprendemos isso
com o convívio das pessoas na sociedade, a partir do uso efetivo
da língua falada. Portanto, se a criança chega à escola falando (e
como fala!!!), é porque ela tem conhecimento do que seja uma
língua, ou melhor, do que seja uma gramática. Possenti (1998, p.
30) confirma isso: “saber uma gramática não significa saber de cor
algumas regras que se aprendem na escola (...). Mais profundo do
que esse conhecimento é o conhecimento (intuitivo ou inconsciente)
necessário para falar efetivamente a língua”.
Que sabemos falar muito bem uma língua, é verdade!
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Precisamos, então, desmistificar a ideia de que só aquele indivíduo
que conhece a língua padrão/escrita sabe falar bem uma língua;
a visão de que a língua escrita é superior à falada. Como você já
sabe, infelizmente, esse tipo de visão é bastante comum em nossa
sociedade, pois há tradição de reconhecer na escrita a melhor forma
para representar uma língua. Como desfazer esses preconceitos?
Primeiro, reconhecendo as funções sociais de cada uma; segundo,
percebendo as relações entre elas; terceiro, que “as diferenças
entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das
práticas sociais de produção textual e não da relação dicotômica de
dois pólos opostos” (MARCUSCHI, 2004, p. 37).
3.1 Fala e escrita: duas práticas sociais indispensáveis
Atualmente, fala e escrita estão associadas, respectivamente,
à oralidade e ao letramento, vistos como práticas sociais que se
interagem e se complementam. Nessa perspectiva, “as línguas se
fundam em usos e não o contrário” (MARCUSCHI, 2004, p. 16). A
fala, enquanto manifestação da prática oral, pode conviver muito
bem com a escrita, manifestação formal do letramento. Nessa
convivência, é natural que uma influencie a outra; que uma possa
ser mais utilizada, mais adequada que outra em determinados
contextos.
É importante entender que essas duas práticas
têm características próprias, mas não podem ser tratadas
dicotomicamente, como se fossem duas realidades totalmente
distantes uma da outra. Ambas as práticas possibilitam a construção
de textos coesos e coerentes, formais e informais, permitem as
variações estilísticas, sociais, dialetais, enfim, qualquer tipo de
variação linguística. Afinal, os usos que fazemos da língua é que
determinam a variação linguística em todas as suas manifestações.
Entendendo a prática como um uso efetivo, tanto a língua falada
quanto a escrita são passíveis de variações. Além disso, elas podem
muito bem “conviver” conjuntamente.
Quer um exemplo prático? Num tribunal, é intenso e rígido
o uso da escrita, que também faz uso das práticas orais. Basta
lembrar das cenas em que os advogados de defesa, por meio da
oratória, tentam convencer as pessoas de que seu cliente é inocente.
Quer um exemplo mais simples? A conversação na Internet. Você
já está acostumado com os chamados bate-papos, “um modo de
SAIBA MAIS
Conforme Marcuschi (2004), quando se fala em letramento, há ne-cessidade de defini-lo diante de práticas como alfabetização e escolariza-ção. Segundo o autor,
[...] o ‘letramento’ é um processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da escrita em contextos informais e para usos utili-tários, por isso é um con-junto de práticas, ou seja, letramentos [...]. Distribui-se em graus de domínio que vão de um patamar mínimo a um máximo. A ‘alfabetização’ pode dar-se, como de fato se deu historicamente, à margem da instituição escolar, mas é sempre um aprendizado mediante ensino, e com-preende o domínio ativo e sistemático das habilida-des de ler e escrever [...]. A ‘escolarização’, por sua vez, é uma prática formal e institucional de ensino que visa a uma formação integral do indivíduo, sendo que a alfabetização é ape-nas uma das atribuições/atividades da escola. A es-cola tem projetos educacio-nais amplos, ao passo que a alfabetização é uma ha-bilidade restrita (p. 21-22).
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190 Módulo 2 I Volume 5 EAD
Modalidade oral e modalidade escrita: a influência da variação e da mudança linguísticas
comunicação com características típicas da oralidade e da escrita,
constituindo-se, esse gênero comunicativo, como um texto ‘misto’
situado no entrecruzamento de fala e escrita” (MARCUSCHI, 2004,
p. 18). Segundo o autor, esse tipo de gênero nos possibilitou uma
nova relação com a escrita. “Escrever pelo contexto da produção
discursiva dos bate-papos síncronos (on-line) é uma nova forma de
nos relacionarmos com a escrita, mas não propriamente uma nova
forma de escrita” (p. 18).
Assim como no caso da Internet, a escrita pode ser usada, em
paralelo direto com a oralidade, em várias situações. Por exemplo:
no trabalho, na escola, no dia a dia com a família, em atividades
burocráticas, intelectuais, entre muitas outras. Em cada uma dessas
situações, as ênfases e os objetivos do uso da escrita ou da fala
são diferenciados. Numa determinada situação, pode ser a escrita
a prática mais usada; em outra, pode ser a fala. Em qualquer uma
delas, fazemos um uso real e efetivo da língua.
Com relação a essas duas práticas, devemos ter em mente
que ambas são imprescindíveis na vida das pessoas. Não se pode
confundir seus papéis e contextos de usos, nem discriminar seus
usuários. Se um indivíduo usa mais a prática da oralidade, seja ela
formal ou informal, é porque para ele é mais significativa. Se usa a
língua escrita, também o é. Portanto, não podemos considerar uma
prática melhor ou pior que a outra. Muito menos, ainda, julgar os
falantes pelas práticas usadas. Cada uma, quando usada, tem o seu
papel muito bem definido.
3.2 Oralidade X letramento ou fala X escrita
Em estudos anteriores aos anos de 1980, oralidade e escrita
figuravam em lados opostos, dada a supremacia da escrita em nossa
cultura. Atualmente, não se vê mais essa relação dicotômica, pois a
concepção é de que oralidade/fala e letramento/escrita são atividades
interativas e complementares no contexto de uso real das práticas
sociais e culturais:
ANTES
FALA/ORALIDADE ESCRITA/LETRAMENTO
HOJE
FALA/ORALIDADE →
←ESCRITA/LETRAMENTO
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Com relação a esses termos, teoricamente há necessidade de
defini-los melhor. Para tanto, vamos recorrer a Marcuschi (2004, p.
25-26):
A oralidade seria uma prática interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais formal nos mais variados contextos de uso [...]
O letramento, por sua vez, envolve as mais diversas práticas da escrita (nas suas variadas formas) na sociedade e pode ir desde uma apropriação mínima da escrita, tal como o indivíduo que é analfabeto, mas letrado na medida em que identifica o valor do dinheiro, identifica o ônibus que deve tomar, consegue fazer cálculos complexos, sabe distinguir as mercadorias pelas marcas etc. [...] Letrado é o indivíduo que participa de forma significativa de eventos de letramento e não apenas aquele que faz um uso formal da escrita.
A fala seria uma forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos na modalidade oral [...] sem a necessidade de uma tecnologia além do aparato disponível pelo próprio ser humano. Caracteriza-se pelo uso da língua na sua forma de sons sistematicamente articulados e significativos, bem como os aspectos prosódicos, envolvendo, ainda, uma série de recursos expressivos de outra ordem, tal como a gestualidade, os movimentos do corpo e a mímica.
A escrita seria um modo de produção textual discursiva para fins comunicativos com certas especificidades materiais e se caracterizam por sua constituição gráfica, embora envolva também recursos de ordem pictórica e outros (situa-se no plano dos letramentos) [...]. Trata-se de uma modalidade de uso da língua complementar à fala.
Como se pode ver, oralidade, letramento, fala e escrita são
práticas de usos de uma língua, o que a caracteriza como um fenômeno
heterogêneo, podendo, assim, ser manifestada de diferentes
formas. Nessa perspectiva, fala e escrita não podem ser analisadas
dicotomicamente, como se fossem sistemas linguísticos diferentes.
Segundo Marcuschi (2004), as diferenças deverão ser analisadas
dentro de um continuum tipológico, que vai do nível menos formal
ao mais formal, passando por graus intermediários. Isto vale tanto
para a língua falada quanto para a língua escrita. Na seção seguinte,
trataremos disso.
Linguística II: sociolinguística
192 Módulo 2 I Volume 5 EAD
Modalidade oral e modalidade escrita: a influência da variação e da mudança linguísticas
SAIBA MAIS
3.3 Relações entre fala e escrita
Ao abordar fala e escrita, devemos ter em mente que são
duas manifestações de um mesmo sistema linguístico: o da língua
portuguesa. Não correspondem exatamente a dois sistemas
diferentes, como muitos pensam. As diferenças podem ser analisadas
na perspectiva do uso, por exemplo, no que se refere ao processo de
produção de cada uma dessas práticas.
Como veremos, embora se trate do mesmo sistema linguístico,
as condições de produção são determinantes na efetivação do produto.
Para você ter uma ideia disso, veja o quadro abaixo, adaptado de
Fávero et al (2005, p. 74):
FALA ESCRITA
Planejamento simultâneo ou quase simultâneo Planejamento anterior à produção
Criação coletiva: administrada passo a passo Criação individual
Impossibilidade de apagamento Possibilidade de revisão
A reformulação pode ser promovida tanto pelo falante como pelo interlocutor
A reformulação é promovida apenas pelo escritor
Acesso imediato às reações do interlocutor Sem possibilidade de acesso imediato
O falante pode processar o texto, redirecionando-o a partir das reações do interlocutor
O escritor pode processar o texto a partir das possíveis reações do leitor
O texto mostra todo o seu processo de criação O texto tende a esconder o seu processo de criação, mostrando apenas o resultado
Essas condições de produção interferem no tipo de texto
a ser elaborado. Ou seja, um texto produzido num contexto
conversacional, em que há diálogo/interação entre os interlocutores,
não terá a mesma forma de um texto produzido num contexto não-
conversacional, em que o escritor normalmente elabora sozinho o
seu texto. Na língua falada, os interlocutores participam, elaborando
e reelaborando, envolvendo-se diretamente na produção, ao passo
que, na escrita, o escritor não tem a colaboração imediata do eventual
leitor. E o mais interessante: o texto falado, a partir de marcas
linguísticas e extralinguísticas, mostra explicitamente o seu processo
de construção, o que não ocorre com o texto escrito.
Independentemente dessas particularidades que caracterizam
o processo de produção, não podemos achar que o produto gerado
pela fala seja completamente diferente ao que é gerado pela escrita,
muito menos que um seja inferior ao outro. Ambos os produtos
ATENÇÃO
Foi retirada desse quadro a caracterização de que, na fala, a interação é face a face, e de que, na escrita, a intera-ção é à distância, tendo em vista, na atualidade, a prolife-ração de gêneros novos den-tro de novas tecnologias, em especial na mídia eletrônica. Você, inclusive, conhece e faz usos regulares desses novos gêneros. Um deles é o chat, onde você interage com ou-tras pessoas simultaneamen-te em relação síncrona e no mesmo ambiente.
Os interlocutores se enga-jam na conversação por meio do chamado par adjacente, o elemento básico da inte-ração: pergunta-resposta; convite-aceitação ou recu-sa; pedido-concordância ou recusa; saudação-saudação. Conforme Fávero et al (2005, p. 49), “na verdade, é difícil encontrar uma conversação sem nenhum tipo de par, de tal modo que se pode indicar o par dialógico uma das uni-dades para estudo do texto conversacional (...) ele con-corre para organizar local-mente a conversação”. Sugi-ro que, quando estiver con-versando diretamente com alguém, preste atenção nos usos desses pares. Verifique qual deles é mais usado!
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apresentam propriedades específicas, devendo as diferenças
serem analisadas a partir do “continuum tipológico das práticas
sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois
pólos opostos” (MARCUSCHI, 2004, p. 37). Nessa perspectiva
de análise das relações entre fala-escrita, entram em cena os
chamados gêneros textuais, ou seja, as diversas formas de
realização prática da língua nos usos sociais.
Você já deve saber que os gêneros textuais são os textos
que encontramos e usamos no nosso dia a dia. São definidos
como entidades empíricas em situações reais de comunicação e
se expressam em designações diversas, constituindo em princípio
uma listagem aberta. Portanto, são muitos os gêneros que circulam
em nossa sociedade, sejam eles de língua falada ou escrita.
Tendo em vista essa multiplicidade de gêneros, Marcuschi
(2004, p. 41) propõe uma representação que caracteriza o
contínuo dos gêneros textuais na fala e na escrita, como você
pode ver na reprodução da página seguinte. Nela você perceberá
alguns dos gêneros que pertencem aos dois domínios linguísticos,
o da fala e o da escrita. São exemplos de textos produzidos em
condições naturais e espontâneas nos mais diversos domínios
discursivos das duas práticas. Alguns se entrecruzam, formando
textos mistos, híbridos. Isto é demonstrado no gráfico pelo “balão”
intermediário. Como exemplo, temos os textos de noticiário de
rádio e TV. São textos originalmente escritos que chegam até o
receptor por meio da fala
Segundo o autor,
[...] o ‘contínuo dos gêneros’ textuais distingue e correlaciona os textos de dada modalidade (fala e escrita) quanto às estratégias de formulação que determinam o ‘contínuo das características’ que produzem as variações das estruturas textuais-discursivas, seleções lexicais, estilo, grau de formalidade etc., que se dão num ‘contínuo de variações’, surgindo daí semelhanças e diferenças ao longo de ‘contínuos sobrepostos’ (MARCUSCHI, 2004, p. 42).
Bagno (2007), por sua vez, complementa esse contínuo,
acrescentando, entre os dois polos representados pela fala e escrita,
o chamado grau de monitoramento estilístico. E exemplifica:
Se uma pessoa tiver que se apresentar em público num congresso acadêmico, pronunciando uma conferência, é provável que monitore muito mais a sua fala do que se tivesse de falar dos mesmos assuntos da conferência numa reunião íntima na casa de colegas. A advogada
ATENÇÃO
Continuum (palavra latina) ou contínuo, na perspectiva que você está estudando, sig-nifica uma “linha contínua”, “uma sequência que não se interrompe”. Com essa ideia, é possível desmistificar a relação dicotômica que coloca fala e escrita em lados opostos.
SAIBA MAIS
Conforme Marcuschi (2008, p. 147), “o estudo dos gêneros textuais não é novo, mas está na moda”. E explica:
A expressão ‘gênero’ es-teve, na tradição ociden-tal, especialmente ligada aos gêneros literários, cuja análise se inicia com Platão para se firmar com Aristóteles, passando por Horácio e Quintiliano, pela Idade Média, o Renasci-mento e a Modernidade, até os primórdios do sé-culo XX. Atualmente, a noção de ‘gênero’ já não se vincula apenas à litera-tura [...]
Hoje, gênero é toda e qual-quer atividade discursiva, seja ela falada ou escrita, com ou sem aspiração literária. Carac-teriza-se como dinâmico, de complexidade variável e não se sabe se é possível contá-los, dada a sua natureza sócio-his-tórica.
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Modalidade oral e modalidade escrita: a influência da variação e da mudança linguísticas
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PARA REFLETIR
que deixa um bilhete preso na geladeira combinando uma ida ao cinema com o marido não vai monitorar a sua escrita ao escrever esse bilhete do mesmo modo como monitora ao produzir um parecer jurídico (p. 184).
Esse monitoramento, que ocorre de maneira mais ou menos
consciente, corresponde a uma escala contínua, que vai do grau
mínimo ao grau máximo, podendo ser aplicado tanto na língua falada
quanto na língua escrita. O autor destaca:
Todo e qualquer indivíduo varia a sua maneira de falar, monitora mais ou menos o seu comportamento verbal, independentemente de seu grau de instrução, classe social, faixa etária etc. Trata-se de um comportamento que é adquirido muito rapidamente no convívio social [...]. O monitoramento da fala, sobretudo quando se trata de exibir respeito e consideração pelos outros, faz parte do aprendizado das normas sociais que prevalecem em cada cultura, normas que são aprendidas por observação e imitação, mas também ensinadas explicitamente às crianças pelos pais e outros adultos. No caso do monitoramento da escrita, ele vai depender, é claro, do grau de letramento do indivíduo, isto é, o grau de inserção na cultura da leitura e da escrita. Uma pessoa que foi alfabetizada, mas não ultrapassou os primeiros anos da escola formal nem criou o hábito de ler e escrever com freqüência, certamente não vai dispor dos mesmos recursos de monitoramento estilístico de alguém que cursou a universidade [...] (p. 45-46).
Como você está vendo, a formação social e cultural influencia
no grau de monitoramento do comportamento verbal. Se o indivíduo
tiver um grau de letramento elevado, produzirá naturalmente textos
falados mais monitorados; se tiver um grau menos elevado, produzirá
textos com traços característicos dos gêneros menos monitorados.
Numa perspectiva semelhante, Bortoni-Ricardo (2004) propõe
o contínuo de oralidade-letramento e o de monitoração estilística
para falar do contínuo rural-urbano. Segundo a autora, numa das
pontas desse contínuo “estão situados os falares rurais mais isolados;
na outra ponta, estão os falares urbanos que, ao longo do processo
sócio-histórico, foram sofrendo a influência de codificação lingüística
[...]” (p. 51). Ela representa esse contínuo assim (p. 52):
Entre um polo e outro, a autora coloca a zona rurbana,
-----------------------------------------------------------------------Variedades rurais
IsoladasÁrea rurbana
Variedades urbanaspadronizadas
Proponho a você que reflita sobre a sua forma de se re-lacionar verbalmente com os seus colegas e tutores. Em que momentos você percebe monitorando seu estilo? Em que momento você se sente mais livre?
Linguística II: sociolinguística
196 Módulo 2 I Volume 5 EAD
Modalidade oral e modalidade escrita: a influência da variação e da mudança linguísticas
ATENÇÃO
formada pelos migrantes de origem rural que preservam muito, no seu
repertório linguístico, características de seus antecedentes culturais,
e pelas comunidades interioranas residentes em distritos ou núcleos
semi-rurais, influenciadas pelas variedades urbanas, seja pela mídia,
pela escola ou por outros meios. Ou seja, os falantes que figuram na
zona rurbana são aqueles que não se adaptaram completamente à
cultura urbana e também não abandonaram totalmente a sua cultura
rural.
Na abordagem de Bortoni-Ricardo, nessa linha imaginária,
estão também situados os eventos que caracterizam as culturas
de oralidade (em que não há influência direta da língua escrita) e
letramento (mediado pela escrita), representada da seguinte forma
(p. 62):
Embora estejam em polos opostos, assim como os falantes
monitorados, que exigem mais atenção e planejamento, e estilos
não-monitorados, que requerem menos formalidade. Cada uma das
situações exigirá do falante um controle, uma atenção e um maior
planejamento, maior ou menor, do seu comportamento verbal.
Conforme Bortoni-Ricardo, de modo geral, os fatores que nos levam
------------------------------------------------------------------------Eventos de oralidade Eventos de letramento
------------------------------------------------------------------------ Monitoração + Monitoração
ATENÇÃO
Você saberia dizer qual pa-pel desempenha o Chico Bento na formação de uma criança de um polo urbano? Conforme Bortoni-Ricardo (2004), esse feliz persona-gem da equipe de Maurício de Souza pode se trans-formar, nas salas de aula, em um símbolo do multi-culturalismo que ali deve ser cultivado. Com ele, as crianças do polo urbano têm a oportunidade de se familiarizar com a cultura rural, bem como ter consci-ência da diversidade socio-linguística.
da zona rural e urbana, dependendo da situação, podem se inter-
relacionar, já que não há fronteiras bem definidas para separar
um evento do outro. Quer exemplos? Se eu transformar esta aula
(escrita, que corresponde a um evento de letramento) em vídeo,
haverá um gênero correspondente ao evento de oralidade. Num
contexto religioso, quando, por exemplo, um padre, um pastor, um
líder proferir seu sermão, poderá realizar um evento de letramento ou
de oralidade, ou os dois. Se tiver o dom da oratória, certamente fará
mais uso dela; se não tiver, poderá recorrer a eventos de letramento,
preparando, por exemplo, um roteiro escrito de sua fala ou um roteiro
escrito com passagens bíblicas.
Para encerrar a discussão, a autora propõe o terceiro contínuo:
o da monitoração linguística, representado assim (p. 62):
Conforme a situação, o falante pode alternar entre estilos
Esse contínuo, oralidade-letramento, nos permite apontar se a atividade co-municativa está mais próxi-ma ou não das práticas de letramento. Com ele, pode-mos observar, por exemplo, se durante uma aula o pro-fessor alterna ou não entre esses dois tipos de práti-cas. Você, se for apresen-tar uma comunicação num evento, qual usará mais? Será a mesma que usará quando for bater um papo com o(a)s amigo(a)s? Per-cebe a função do contínuo?
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a monitorar o estilo são: o ambiente, o interlocutor e o tópico da
conversa. Um mesmo interlocutor poderá monitorar a sua fala mais
ou menos em função do alinhamento que assumirá em relação ao
tópico e ao interlocutor. Quanto mais monitorada for a fala, mais
provável o uso de formas que correspondem à norma padrão.
Pelo que foi exposto, você já deve ter percebido que fala
e escrita realmente não devem ser vistas como pertencentes a
paradigmas opostos. As diferenças devem ser vistas e analisadas
na perspectiva do uso e não do sistema; afinal, trata-se de um
mesmo sistema linguístico. A proposta de se considerar o contínuo é
bastante interessante, pois, com ele, podemos entender a atividade
de comunicação como uma sequência que não se interrompe.
Adotando essa concepção, a escola pode promover atividades que
visem o aprimoramento do indivíduo em relação aos usos que deverá
fazer de sua língua, seja na modalidade falada seja na modalidade
escrita. A seguir, mostraremos como pode ser feita, por exemplo, a
transformação de um texto falado para um texto escrito. Como verá,
é uma prática importante, pois permite visualizar como se constrói,
de fato, um texto.
4 DO TEXTO FALADO AO TEXTO ESCRITO: OPERAÇÕES NECESSÁRIAS
Aprender a transformar um texto falado em texto escrito é
fundamental para se perceber, efetivamente, como se realiza, se
constrói e se formula cada um deles. Esse tipo de aprendizado é
considerado imprescindível porque, além de revelar como a língua
funciona, possibilita o melhor domínio da produção escrita, em seu
estilo mais monitorado, aquele que a escola quer tanto que o aluno
aprenda.
Para você entender esse processo, vamos recorrer à proposta
apresentada por Fávero et al (2005, p. 90):
Agora, vamos aplicar isso a um exemplo. Veja o texto abaixo,
SAIBA MAIS
ATENÇÃO
1ª operação: eliminação de marcas estritamente interacionais e inclusão de pontuação;2ª operação: apagamento de repetições, redundâncias, autocorreções e introdução de substituições;3ª operação: substituição do turno por parágrafos;4ª operação: diferenciação no encadeamento sintático dos tópicos;5ª operação: tratamento estilístico com seleção do léxico e da estrutura sintática, num percurso do menos para o mais formal.
Você saberia dizer em que ponto do continuum entre fala e escrita estaria a lin-guagem veiculada em jor-nais televisivos? Para saber um pouco sobre isso, vale a pena ler o artigo A língua falada na TV: texto falado ou escrito?, de Denise Lino de Araújo, publicado na re-vista Linguagem & Ensi-no, em (2003).
As operações de transfor-mações permitem que o professor detecte como se encontra o aluno no que se refere à organização textual, quais habilidades ele apresenta ou precisa aprender para elaborar adequadamente seu texto.
Linguística II: sociolinguística
198 Módulo 2 I Volume 5 EAD
Modalidade oral e modalidade escrita: a influência da variação e da mudança linguísticas
uma conversação espontânea, retirado de Fávero et al (2005, p. 75-
76):
Falante 1- Escuta... vai pintar um show com Chitãozinho e Xororó amanhã na PRAia, cara... vamos? ((animado))
Falante 2 - Onde? ((sem muito interesse))Falante 1- Lá no Boqueirão...Falante 2- Amanhã? ((já com ar de impossibilidade))Falante 1- É. Vamos embora logo cedo?Falante 2- Não dá cara... tô cheio de serviço até a cabeça...Falante 1- Ah, faz o possível pra dar conta pelo menos até a hora do
almoço... ((meio indignado))Falante 2- Mas tá chovendo... ((eles iriam de moto)).Falante 1- Qual é cara? No Ano Novo eu desci na maior CHUva e lá fez
um sol legal... deu pra aproveitar a praia... e chuva faz bem... chuva dá SORrte cara... vamos lá...
Falante 2- Vou pensar...Falante 1- Tá bom mas ó... dá um jeito... vamos lá.. pô você só trabalha...
qual é?...
Como você pode ver, o texto é construído “a partir da
alternância de turnos que se complementam, efetivando-se uma
construção coletiva, uma sintaxe a dois. As respostas às perguntas
são imediatas em razão da situação face a face e da concomitância
temporal na elaboração dos enunciados” (Fávero et al, p. 76). Nesse
tipo de texto, o processo de criação é transparente, pois você vê
o passo a passo da atividade construída cooperativamente, já que
os dois interlocutores participam ativamente da conversação.
Agora, se aplicarmos, passo a passo, as operações de
transformação, teremos um outro produto:
Convidei um amigo para ir à praia do Boqueirão, de moto, assistir ao show do Chitãozinho e Xororó que iria acontecer durante as comemorações do aniversário de São Paulo. Ele não aceitou o convite de imediato, alegando que estava com muito serviço. Fiquei indignado e pedi que ele fizesse o possível para dar conta até a hora do almoço, mas ele arrumou outra desculpa: a de que estava chovendo. Comentei com ele que no Ano Novo eu tinha ido com chuva e que lá estava um sol tão bom que até deu para aproveitar a praia; além disso, disse-lhe que chuva fazia bem e que dava sorte, mas ele ainda assim disse que iria pensar. Tem gente que é complicada! (FÁVERO et al, 2005, p. 76).
Claramente, você percebe que a forma desse texto é um
pouco diferente, pois o processo de criação não fica à mostra. Ao
contrário do outro, a organização sintática prima pela organização
SAIBA MAIS
Turno conversacional diz respeito às várias situações interacionais em que falan-te e ouvinte se alternam ou se sucedem na consecução de um objetivo comum. Por meio dele, é possí-vel disciplinar a atividade conversacional, funcionan-do como um mecanismo central da organização do texto. Em outras palavras, turno conversacional se re-sume na seguinte máxima: “Quando um burro fala, o outro murcha a orelha!” Entendeu a filosofia da conversação? Então, ima-gine o que acontece quan-do, numa aula, todos (pro-fessor e alunos) resolvem falar de uma vez!!!
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do parágrafo, já que as ideias devem ser apresentadas com
clareza. Você deve notar maior objetividade no segundo, uma
característica da transformação da fala para a escrita. Conforme
Marcuschi, “um texto falado, ao passar para um texto escrito,
‘diminui’ em volume e extensão. Mas um texto falado, quando
passado para outro texto falado com maior cuidado fica mais
longo”. Percebemos isso claramente, nos dois textos abaixo
(PRETI, 1984, apud MARCUSCHI, 2004, p. 94-95). O primeiro
corresponde a uma gravação secreta realizada logo após um
acidente de carro:
E capotou. Quer dizer, a frente do carro dele pegou no primeiro carro; e o segundo ele ficou debruçadinho assim, saca? Que gracinha! Aí, né, chegaram: “Ô num sei que, num sei que lá, qué que houve?” Viraram o carro, né. “Cê tá legal, aí? Ô tudo bem, tudo bem. Que cara! Puta, que barbeiro!” num sei o que. Aí: “Ô ajuda a desviar o carro aí”. Desviaram o carro né, e tal e coisa, aí ele falou: “Pô, deixa eu vê se não afetou o motor, né”. Ligou o carro, o carro vruuuuuuuuuumm, pegou, e ele, tchibuuuuuuummmmm, queimou o chão, pôs o pé no mundo, né. E foi embora.
Agora, veja o segundo texto, também falado. A
diferença é que o falante, ao contrário da primeira situação,
tem consciência da gravação. O falante reformula a sua fala,
procurando explicitar de forma clara tudo o que havia dito
anteriormente:
E o carro capotou. Capotou e foi em cima de mais dois carros que estavam do outro lado da rua, que, inclusive, amassou bastante. Certo? Aí, toda aquela confusão, começou a aglomerar gente ali. Todo mundo preocupado com o que tinha acontecido com ele. Perguntaram se ele estava bom. Falou que estava. Aí, ele viu o carro parado ali, falou: “Bom, vamos virar o carro aí, né, pra não atrapalhar o trânsito”. Pegaram, desviaram o carro. Como ele não tinha carta, ele não podia ficar lá e esperar a ocorrência, né, apesar de que, se fosse fazer a ocorrência, o certo seria ele, mas sem carta ele estava errado. Então pegou, desvirou o carro e ele falou: “Bom” deixa eu ver se o carro está funcionando, né se não aconteceu nada com o motor, e tal”. Ele ligou o carro e o carro pegou. Então pra não ter que esperar a ocorrência ele foi embora.
Você, certamente, nota que o segundo texto é realmente
SAIBA MAIS
SAIBA MAIS
A reformulação é um procedimen-to que se aplica tanto na produção do texto falado quanto do escrito. Entretanto, essa atividade é distin-ta em cada uma das modalidades da língua. No texto falado, os procedi-mentos mais comuns são: paráfra-se, correção, hesitação e repetição. Com a paráfrase, reformula-se um enunciado anterior, mantendo com este uma relação de equivalência semântica, como se pode ver no exemplo: “me parece que está ahn... envelhecida a cidade, né?... ahn... muita construção... antiga não tem muita construção nova”. A correção, ou reelaboração do discurso, visa a consertar “erros”, entendidos como escolha do falante, mas que são corrigidos porque os interlocutores consideram inadequados. Percebe-mos isso na seguinte fala: FALAN-TE 1: “a irmã dela eu conheço que é jornalista, né? é uma moça jorna-lista”. FALANTE 2: “poetisa” FALAN-TE 1: “poetisa”. Quanto à hesitação e à repetição, respectivamente os exemplos (1) e (2) ilustram esses procedimentos: (1)”... é são ambas estudiosas mas... elas ah essa daí não... não tem ainda assim mui-ta... éh uma... um objetivo a atingir sabe? agora o menino gosta muito de mecânica, o de treze anos né?” (2) “e se eu saio dali ou não basi-camente eu posso não interferir no processo global... mas eu queria en-tender esse processo, né?” Na visão de Marcuschi (1995), a hesitação indicia uma interrupção no fluxo in-formacional devido a uma má sele-ção futura, resultando um enunciado ainda não concluído. No que se re-fere à repetição, o autor afirma que é uma das atividades de formulação mais presentes na oralidade, poden-do assumir várias funções. Entre elas, destacam-se a organização do discurso e a manutenção da coerên-cia (FÁVERO et al, 2005).
Texto escrito e texto falado se di-ferenciam em termos de unidade. No texto escrito, a unidade é o pa-rágrafo (ideia central + ideias se-cundárias relacionadas); no texto falado é o tópico discursivo (aqui-lo acerca do que se está falando, ou seja, o conteúdo). Durante a construção do tópico discursivo, o falante, para garantir a atenção do ouvinte, precisa articular bem sua fala para que o ouvinte perceba o tópico. Quanto ao ouvinte, este precisa prestar atenção no que o falante diz, para que a conversa-ção ocorra de forma efetiva.
Linguística II: sociolinguística
200 Módulo 2 I Volume 5 EAD
Modalidade oral e modalidade escrita: a influência da variação e da mudança linguísticas
mais extenso do que o primeiro, conforme apontado por Marcuschi.
Segundo ele, as operações de transformação “dentro da própria fala
evidenciam uma mudança de estilo tal como ocorre na transformação
de uma modalidade de uso da língua em outra e envolvem muitas
operações previstas no modelo inicial” (p. 95). Isso nos leva a acreditar
que a relação entre fala e escrita está pautada em diferenças de
estilo.
A propósito, você deve ter consciência de que a diferença pode
ocorrer tanto na fala quanto na escrita, com o estilo variando do
mais formal (+ monitoramento) ao menos formal (- monitoramento).
Desse modo, não podemos pensar que fala e escrita devem “ser
vistas como dois estilos dicotômicos e rígidos em si mesmos. Há um
conjunto de variações sobrepondo-se ou justapondo-se nesses casos”
(MARCUSCHI, 2004, p. 95).
Se a escola passar a pensar assim, certamente estará
contribuindo para “derrubar” a falsa visão de que língua falada e
língua escrita constituem dois sistemas totalmente opostos. E você?
Já está convencido (a) de que ambas as modalidades devem ser
trabalhadas a partir de um contínuo e não de uma visão dicotômica?
Espero que sim, hein?!!!
5 FALA E ESCRITA: AS VARIAÇÕES E AS MUDANÇAS
Para você, já deve estar claro que tanto a língua falada
quanto a escrita variam. Agora, qual modalidade é responsável pela
implementação das variações e, consequentemente, das mudanças?
Se você respondeu que é a língua falada, acertou!!! O avanço da
mudança parte da fala para a escrita. Isso já foi comprovado em
várias pesquisas sociolinguísticas. Vamos exemplificar com o caso da
variação que envolve sujeito/verbo/concordância na sintaxe da língua
portuguesa.
Como você viu em aula anterior, é quase categórico o uso da
ordem sujeito-verbo na língua falada. Logo, ao posicionar o sujeito
após o verbo, na maioria das vezes, o falante deixa de realizar a
concordância verbal. Essa regra passa, então, a fazer parte não só
da língua falada, como também da escrita. Lembra dos exemplos do
início desta aula? Veja-os novamente:
a. “Não importa as sucessivas decisões jurídicas favoráveis ao
pagamento” (Correio Braziliense).b. “Falta ao governo FC decisões corajosas e firmes, principalmente
contra os partidos que o apóiam” (O Estado de São Paulo).
No endereço http://www.reda-caocriativa.com/entrevista-ora-lidade-incentiva-a-escrita-e-re-dacao.html você encontra uma entrevista com um professor de Metodologia do Ensino da Lín-gua Portuguesa da Faculdade de Educação da USP, Claudemir Belintane, que defende o uso prévio da oralidade como for-ma de melhorar o processo da escrita.
SAIBA MAIS
Nesta seção, de forma super-ficial, você teve contato com alguns pressupostos da Análise da Conversação, uma aborda-gem discursiva que teve ori-gem na década de 1960, com o propósito de explicar como a linguagem é estruturada para favorecer a conversação, uma das formas de interação verbal existentes em nossa sociedade. Aqui no Brasil, um dos respon-sáveis por implementar esse tipo de estudo foi Luiz Antônio Marcuschi, na década de 1980, quando lançou o seu livro Aná-lise da Conversação. Quando analisada a conversação, não são considerados apenas os ele-mentos linguísticos, mas tam-bém os não-linguísticos (para-linguísticos): o riso, o olhar, a gesticulação, as expressões faciais, os maneios de cabeça, entonações específicas etc. Com essa nova corrente, a conversa-ção passou a ser vista como al-tamente estruturada e passível de uma análise formal. Outro linguista que também contribuiu para a fixação dessa corrente foi Ataliba Teixeira de Castilho. No endereço www.revel.inf.br você encontra uma entrevista feita com esse autor, que fala sobre os estudos de língua falada. Vale a pena lê-la!
SAIBA MAIS
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c. “Mas se a população de rua não for retirada, de nada adiantará medidas de segurança” (Jornal do Brasil).
d. “Cresce de importância os percentuais dos candidatos periféricos” (Jornal do Brasil).
e. “Basta 10 a 15 minutos de aplicação diária que, em poucos dias, você elimina aquela gordurinha localizada que enfeia a sua barriga” (Folha de São Paulo) (BAGNO, p. 109).
Esses exemplos evidenciam a influência da variação
registrada na fala sobre a língua escrita. Isso é fato comprovado
(muitas pesquisas sociolinguísticas estão aí) e não podemos
negar que as inovações linguísticas surgem primeiramente
nos gêneros falados, principalmente aqueles que representam
uma fala mais espontânea. Na visão de Bagno (2004), trata-
se do vernáculo, “a fonte mais segura para a investigação dos
fenômenos de ‘mudança lingüística’ que afetam determinada
língua num dado momento histórico” (p. 51).
Com as várias pesquisas sociolinguísticas já realizadas
no âmbito do português brasileiro, há provas suficientes para
considerar que é mesmo na língua falada que se processam
primeiro as mudanças. Com essas pesquisas, atestamos quais as
regras gramaticais que realmente fazem parte da língua, quais
regras estão deixando de ser usadas, quais são as mais usadas
na língua falada, quais são as mais usadas na língua escrita.
Com elas, percebemos que os gêneros escritos, principalmente
os mais monitorados, são os responsáveis por manter as regras
prescritas pela norma tradicional.
Diante dessas constatações, a escola pode dotar os seus
alunos “de recursos que lhes permitam produzir textos (orais e
escritos) mais monitorados estilisticamente, textos que ocupam
os níveis mais altos na escala do prestígio social” (BAGNO, 2004,
p. 53). E é por causa do prestígio social que a escrita tem em
nossa cultura que a escola deve apresentar aos seus alunos as
formas que são tidas como conservadoras, que, para muitos,
podem não mais existir, não ter mais uma função social, como já
teve um dia. Devemos, sim, mostrar essas formas, como também
mostrar as inovadoras, sempre chamando a atenção para o fato
de que cada uma tem a sua importância, seja em língua falada,
seja em língua escrita, seja em estilo mais monitorado, seja em
estilo menos monitorado. Afinal, Todas elas fazem parte de uma
língua!
Para saber mais sobre a temática
dessa aula, recomendo ler os
artigos:
Processos discursivos de oralidade
e escrita no ensino de língua por-
tuguesa, em: http://www.fflch.
usp.br/dlcv/lport/site/images/ar-
quivos/LD/22/Vargas2009.pdf
Linguística e história: oralidade e
escrita no discurso religioso me-
dieval, em: http://www.fflch.usp.
br/dlcv/lport/pdf/maluv009.pdf
Continuum tipológico: um estu-
do da oralidade e da escrita, em:
www.letramagna.com/continuu-
mtipologico.pdf
SAIBA MAIS
Linguística II: sociolinguística
202 Módulo 2 I Volume 5 EAD
Modalidade oral e modalidade escrita: a influência da variação e da mudança linguísticas
ATIVIDADES
1 Aponte algumas das consequências geradas pelo equívoco de se abordar a fala e a escrita numa perspectiva dicotômica.
2 Como você sabe, são muitos os gêneros textuais da fala e da escrita. Apresente, pelo menos, três exemplos de cada um deles no que tange a cada um dos domínios:
DOMÍNIOS DISCURSIVOS FALA ESCRITA
Ficcional
Acadêmico
Religioso
Comercial
Jurídico
Saúde
Jornalístico
Interpessoal
3 Hoje, há vários gêneros textuais que surgiram da relação com as tecnologias eletrônicas. Procure relacionar alguns deles, inclusive aqueles em que fala e escrita podem se relacionar de forma síncrona.
4 Na década de 1980, o Conselho Nacional de Cultura quis proibir a publicação da revista do Chico Bento, alegando que ela servia de mau exemplo às crianças brasileiras, que passariam a falar “errado”. Essa posição reflete preconceitos arraigados contra as manifestações culturais dos segmentos da população brasileira que são portadores de uma cultura predominantemente oral e têm pouco acesso à cultura de letramento escolar. Reflita sobre essa postura, apresentando argumentos linguísticos que invalidam a alegação de que Chico Bento influenciaria a fala das crianças.
5 Leia o texto abaixo, identificando as características típicas da fala. Em seguida, faça a transposição para o texto escrito, considerando as operações de transformação estudadas:
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A CIVILIZAÇÃO MEXICANA
Primeiro eram os olmecas né? Daí eles começaram onde que é a cidade do México hoje... começaram a fazer os templos aí depois veio os astecas né? Que começaram tudo fizeram mais templos fizeram mais templos mais luxuosos assim fizeram tinham mais crenças... religiões essas coisa assim... depois vieram os toltecas que deu origem à civilização mexicana e toda essa civilização milenar foi destruída pelos espanhóis que quando chegaram ao México assim é... destruíram tudo as pirâmides os templos aí foi o fim da... da civilização.
6. Uma das mudanças observadas na língua portuguesa atual envolve o pronome ELE, que passou a ser usado na posição de objeto direto. É uma mudança que atinge também a língua escrita. Escolha um gênero da mídia digital e procure observar se esse pronome é usado com essa função. Se for, selecione alguns exemplos que comprovem essa nova mudança. Se não encontrar, tudo bem! Quer dizer que a norma ainda está sendo seguida!
LEITURA RECOMENDADA
Para complementar a nossa aula, sugiro a leitura do livro de MARCUSCHI, L. A. Análise da Conversação. São Paulo: Ática, 1986. Também recomendo, desse mesmo autor, a leitura do artigo Oralidade e escrita, disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/sig/article/view/7396/0
RESUMINDO
Nesta aula, você viu que:
● Língua falada e língua escrita não devem ser tratadas numa abordagem dicotômica, tendo em vista que ambas são práticas sociais realizadas a partir de um mesmo sistema linguístico.
● Fala e escrita apresentam propriedades específicas, devendo ser analisadas a partir de um continuum.
● Transformar o texto oral em texto escrito permite conhecer o funcionamento das duas práticas.
● As variações e as mudanças linguísticas atingem tanto a língua falada quanto a língua escrita.
● A língua falada é a responsável por implementar as mudanças linguísticas em uma língua.
● A escola precisa adotar uma outra postura em relação ao tratamento dado para a língua falada e a língua escrita.
Linguística II: sociolinguística
204 Módulo 2 I Volume 5 EAD
Modalidade oral e modalidade escrita: a influência da variação e da mudança linguísticas
RE
FE
RÊ
NC
IAS
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação lingüística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
CAGLIARI, L. C. Alfabetização e lingüística. 10. ed. São Paulo: Scipione, 1997.
BORTONI-RICARDO, S. M. Nos cheguemu na escola, E AGORA? Sociolingüística & Educação. 2. ed. São Paulo: Parábola Editorial: 2005.
BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolingüística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
CALLOU, D.; LOPES, C. Contribuições da Sociolinguística para o ensino e a pesquisa: A questão da variação e mudança lingüística. In: Revista do GELNE. V. 5, nº 1 e 2. João Pessoa: Idéia, 2003, p. 63-74.
DIONÍSIO, A. P. Análise da Conversação. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à lingüística 2: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001, p. 69-99.
FÁVERO, L. L. et al. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
MARCUSCHI. L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2004.
MARCUSCHI, L. A. Análise da Conversação. São Paulo: Ática, 1986. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
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PRETI, Dino (Org.). Análise de textos orais. 5. ed. São Paulo: Humanitas, 2001.
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SCHERRE, M. M. P. Doa-se lindos filhotes de poodle: variação lingüística, mídia e preconceito. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
Suas anotações
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