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FINOM – FACULDADE DO NOROESTE DE MINAS
ANDRÉA REJANE GOMES SOUZA
OS ORIXÁS E SUA CONEXÃO COM OS FILHOS-DE-SANTO NA CIDADE DE TEIXEIRA DE FREITAS
Teixeira de Freitas2013
ANDRÉA REJANE GOMES SOUZA
OS ORIXÁS E SUA CONEXÃO COM OS FILHOS-DE-SANTO NA CIDADE DE TEIXEIRA DE FREITAS
Artigo científico apresentado à Faculdade de
Educação da FINOM como requisito parcial
para obtenção de titulo de Especialista em
História e Cultura da África.
Orientador: XXXXXXXXXXXX
Teixeira de Freitas2013
RESUMO
O presente trabalho consiste em um estudo sobre a inserção do candomblé na cidade de Teixeira de Freitas e a relação entre os adeptos da religião afro-brasileira neste município com os seus orixás, qual a representação desses orixás na comunidade adepta do candomblé. Buscou-se por meio dessa, saber como os candomblecistas entendem sua relação com a sociedade local. Realizado por meio de levantamento teórico e entrevistas semi-estruturadas com sujeitos adeptos do candomblé. Os resultados obtidos com essa pesquisa é que a religião afro-brasileira tem em seu contexto uma relação de muita cumplicidade com suas entidades sendo influenciados por eles em suas condutas sociais.
Palavras-chave: Religião, candomblé, orixá.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa surgiu de uma inquietação desde os tempos de criança,
quando uma das várias coisas que aprendíamos sobre religião era que o candomblé
faz parte de atos demoníacos e não era bem visto pela religião cristã, só em ouvir o
som dos tambores já nos amedrontávamos. Com a maturidade percebemos o que
tínhamos era medo do diferente e nada melhor do que conhecer o que nos
amedronta para a partir daí tirarmos conclusões por nossa própria experiência.
Como já tinha um interesse especial pela religião afro-brasileira, ao entrar no curso
de Historia senti a necessidade de referenciar qual o espaço que o Candomblé
ocupa na cidade de Teixeira de Freitas. Creio que esta é uma proposta nova para a
região, pois a cidade esta em desenvolvimento e vemos muito pouco a religião afro-
brasileira inserida no contexto local, haja vista que a mesma ainda sofre com
preconceitos que a relacionam com toda sorte de magias. Apesar de estarmos em
um mundo que se diz moderno, essa idéia ainda prevalece na mentalidade das
pessoas.
Toda relação humana é passível de estudo, e o candomblé é um fenômeno religioso
que deve ser pesquisado como qualquer outro grupo, para que se possa
compreender como se dá a ligação entre a cuminidade-de-santo e principalmente de
que forma os mesmos interagem com os Orixás, que para os leigos são vistos como
demoníacos, mas para os seus seguidores são os guias espirituais que estão
ligados aos seus antepassados.
Para desenvolver este estudo trabalhamos com pesquisas na área de sociologia e
da antropologia, que segundo Lima “hoje está envolvido com questões sociais, com
o desenvolvimento e superação dos preconceitos e mitos herdados do colonialismo”
(Lima, 2005, p.13). Utilizamos da pesquisa bibliográfica e de campo. Na pesquisa
bibliográfica, muitos autores serviram de fundamentação para o meu trabalho, dentre
os de mais visibilidade Prandi (1996), Bastide (2001) e Verge (1980), são autores
que estudaram a fundo o Candomblé e nos da uma visão geral sobre o universo
dentro do Candomblé. Outro autor que se faz presente é Bourdieu, que traz a noção
de campo onde se da às disputas pelos bens simbólicos dentro da religião. O
“campo é compreendido por Bourdieu como o espaço social das relações mais ou
menos desiguais”. Com Lépine entramos em um campo específico que seria a
relação direta entre os Orixás da nação Keto e os seus adeptos, revelando que essa
relação influência no cotidiano dos filhos e filhas-de-santo.
A metodologia utilizada a foi pesquisa de campo, fomos ao local a ser pesquisado e
tive o primeiro contato direto com o pai-de-santo responsável pela casa e após
algumas conversas com o mesmo, me foi indicado nome de algumas pessoas que
freqüentam o centro e já tem o saber necessário para ocupar cargos no local e por
tanto para se posicionar em relação a sua religião. Com as pessoas indicadas pelo
babalorixá utilizei o método de coletas de dados onde apliquei a entrevista semi-
estruturada, pois o contato direto com esses entrevistados era mais difícil por
questão do pouco tempo disponível que os mesmo tinham, são bastante atarefados.
Um dos sujeitos da minha pesquisa foi o babalorixá Jenilton fundador do centro de
candomblé Ilé Amnirá Axé Aláketò, que funciona aqui na cidade desde 1989. Ele
começou a freqüentar o candomblé desde os dois anos de idade, foi levado pela avó
para curar uma enfermidade e desde então não se desvinculou mais. O seu orixá é
Oxum que representa a deusa da fertilidade, da água e do amor.
Foi utilizado como critério na escolha das pessoas o fato que o babalorixá é o
membro que possui o poder legitimado pelos seus fiéis e por possuir um cargo que
lhe permite dirigir os bens sagrados de sua casa de culto e tem o conhecimento dos
fundamentos religioso que transmite a seus filhos e filhas-de-santo.
Pude contar também com a colaboração de mais quatro filhos e filhas-de-santo. Um
adolescente de 17 anos que é filho do orixá Ogum e desenvolve a função “axogun”
que é sacrificante dos bichos para o orixá que é dono da faca. Outra colaboradora
foi uma senhora de 55 anos que participa do candomblé há 25, o seu orixá é
Oxaguiã e sua função dentro da casa é a de “iyabassê”, responsável pela
preparação da comida dos orixás. A terceira pessoa foi uma senhora de 53 anos,
frequenta o centro há 20 anos e é do orixá Oxumaré atuando como “iyakekerê,
quem ajuda nas atividades da comunidade. E o qaurto entrevistado foi um jovem, de
25 anos que participa do grupo há oito anos e seu orixá Oxumaré, sua função é
“babakekerê” a segunda pessoa da casa. Ele veio a participar do candomblé por
causa de uma enfermidade. Devido os afazeres dos sacerdotes a pesquisa não foi
muito demorada, pois eles são pessoas muito atarefadas e muito bem organizadas
em relação a seus afazeres.
O artigo intitulado como “Inserção do Candomblé em Teixeira de Freitas”, é
apresentada a pesquisa de campo, que são as entrevistas que foram efetivadas com
as pessoas escolhidas, sendo acrescida também uma análise do que foi observado
durante as conversas. Veremos como o candomblé esta inserido no contexto local e
de que forma os meus colaboradores se relacionam com suas entidades, o que
representa esse contato na vida dessas pessoas que entrevistei e como se dá a
conexão entre eles e a comunidade local.
O CANDOMBLÉ EM TEIXEIRA DE FREITAS
QUAL A VISÃO QUE OS FILHOS DE SANTO TEM DA SUA REGIÃO
A cidade de Teixeira de Freitas, situada no extremo sul da Bahia, tem um
desenvolvimento político recente, pois foi emancipada em 1985. Apesar do pouco
tempo de sua formação, com certeza já existe nela uma memória local constituída
mesmo antes desta emancipação.
Sendo esta cidade formada basicamente por pessoas oriundas de outras regiões e
por sua proximidade com a BR 101, que facilita o fluxo migratório de pessoas que
chegam e que saem, que se estabelecem aqui ou não, ela é considerada por
algumas pessoas como uma cidades sem identidade. Mas onde há ser humano há
História e memória. E é em busca desta memória que nos propomos a conhecer
como a religião afro, em especial o candomblé, está inserida neste contexto local.
O centro de candomblé Ilé Amonirá Axé Aláketò, cujo significado é “Casa da
liberdade de uma força de aláketò”, situada na Rua Samuel Mosar, 64, no bairro
Santa Rita, atua na cidade há 21 anos. Ela foi aberta em 1989 pelo babalorixá
Jenilton, que o comanda até os dias atuais.
Para manter viva a memória do barracão ele cataloga todas as fotografias dos
eventos que acontece no local, já que segundo ele “no candomblé não é permitido
divulgação dos seus conhecimentos através de filmagens”. Essas fotos são só das
festas, pois os fundamentos da religião são passados em particular e com todo sigilo
para o iniciado.
Pertencer a “nação” Keto é motivo de orgulho para ele, pois o coloca em ligação
com a sua matriz africana alaketó que deriva de uma cidade em África chamada
Keto. Percebe-se na conversa com o pai-de-santo Jenilton o orgulho em fazer parte
dessa cultura religiosa que é considerada por ele como a mais tradicional, a mais
pura. Ou seja, aquela que busca manter a maior fidelidade possível com os ritos
praticados em África. Em uma das suas falas ele coloca que “esta é a única casa de
candomblé tradicional da cidade, as outras são de umbanda ou espiritismo, não tem
raiz em África”.
Esse depoimento vem a casar com o que diz Silva “candomblé é considerado pelos
seus participantes como mais puro ou superior aos demais porque nele teria sido
preservada a amor fidelidade às origens africanas”. (BARCELLOS, 2005, p. 30-31)
Se pensarmos nas adaptações e mudanças que esses cultos sofreram ao longo dos
tempos por necessidade de manter as suas raízes vivas é difícil compreender que
elas sejam tão puras assim como os seus fiéis acreditam, pois como foi ressaltado
no primeiro capitulo, ela recebeu influência de vários grupos étnicos tanto em África
quanto aqui no Brasil e não só da nação Keto.
Mesmo que se utilize de algumas práticas semelhantes as que são aplicadas em
África, vimos que para adaptar-se ao Brasil foi necessário mudar a forma de culto ao
orixá, que em nossa terra se resumiu ao terreiro ou barracão como eles chamam,
reunindo as divindades em um panteão de deuses e que muitos que existiam em
África não sobreviveram à nova terra, a prova disso é que o numero de divindades
aqui no Brasil é bem inferior ao que havia no continente africano.
Os entrevistados já são iniciados, participam a um bom tempo do candomblé e
exerce funções imprescindíveis para manter o culto nesse local. Eles conhecem os
fundamentos da religião e buscam efetivar suas funções com a maior
responsabilidade e dedicação porque isso faz parte da vida deles e é fundamental
para que tenha uma boa relação com o seu orixá e é a através da dimensão
espiritual que eles obtêm paz e tranqüilidade na vida.
Três dos entrevistados foram para o candomblé por vontade própria, entre estes há
um jovem de dezessete anos que disse que já nasceu dentro do candomblé e nunca
pensou em sair porque viu o quanto o candomblé era importante na vida das
pessoas. O jovem de 25 anos disse que foi levado ao candomblé por problemas
espirituais, por isso ele fez o santo.
Eles não podem fazer referência de quando foram iniciados, só nos informa qual é o
seu orixá. O segredo iniciático deve ser bem guardado, para conhecer é preciso
fazer o santo como eles dizem, ou seja, passar pelos ritos que levam ao
conhecimento sagrado.
Outro fato identificado e que me deixou surpresa foi que todos se dizem católicos
mesmo participando há vários anos do candomblé, ou seja, eles não a identificam
como religião. Prandi atribui essa atitude a perseguição que a religião afro-brasileira
vem sofrendo desde o início de sua formação aqui no Brasil. Ele coloca que:
Até recentemente essas religiões eram proibidas e por isso duramente perseguida por órgãos oficiais. Continuam a sofrer agressões, hoje menos da policia e mais de seus rivais pentecostais e seguem sob forte preconceito, o mesmo preconceito que se volta contra os negros independentemente de religião. Por tudo isso, é muito comum, mesmo atualmente, quando a liberdade de escolha religiosa já faz parte da vida brasileira, muitos seguidores das religiões afro-brasilleiras ainda se declarem católicos, embora sempre haja uma boa parte que declara seguir a religião afro-brasileira que de fato professa. (PRANDI, 2003, p. 16)
Ele acrescenta também que essa atitude de auto denominar-se católico esta
relacionada à região, é uma característica local. A meu ver Teixeira de Freitas não é
uma região que as pessoas estejam abertas a compreender e aceitar o candomblé,
é uma questão cultural da nossa sociedade.
Vivemos em uma comunidade onde ainda permeia as velhas idéias e os conceitos
cristãos ainda dominam, aprova disso é a predominância da religião católica e a
expansão de igrejas evangélicas, que no momento é uma das pregadoras mais
atuantes contra o candomblé.
Em suma, os meus colaboradores buscam manter acessa a chama da matriz
africana mesmo que não conheçam a fundo suas raízes, pois para eles o encontro
com as suas divindades os proporciona paz, alegria e tranqüilidade.
A RELAÇÃO ORIXÁ FILHO-DE-SANTO
No segundo capítulo, vimos como os orixás se relacionam com seus filhos aqui na
terra a partir de conhecimentos teóricos. Pudemos entender toda relação familiar
que os envolve e como a divindade está ligada a personalidade da pessoa que o
recebe e determina ou induz o seu comportamento.
As pessoas que entrevistei têm uma relação íntima com a sua entidade, elas fazem
os sacrifícios e oferendas para mantê-los satisfeitos e garantir a proteção que
necessitam. Elas relataram que para entrar em sintonia com seus orixás é preciso
todos os dias seguir um ritual: “levanta em jeju, bate a cabeça no chão para ter
contato com a terra, tudo vem do chão. Conversa com o orixá como se fosse uma
pessoa, pois ele já mora na nossa vida. É preciso respeitar as regras que ele exige
ter atitudes de acordo com o orixá. Tem um dia da semana que é especial. Para
manter a energia tem que tomar banho com as folhas dele e passar o dia em casa
se guardando para o orixá”.
Em relação a essa intimidade Lépine afirma que “o adepto estabelece uma relação
íntima com o seu orixá pessoal, que corresponde a um dos tipos culturalmente
definidos da personalidade, com o qual ele passa a identificar-se”. (Lépine, 2000, p.
60)
As pessoas entrevistadas reconhecem a influência que recebem de suas divindades
e afirmam que eles não interferem na sua vida, mas percebe-se que eles as
direcionam, identifica-se isso quando analisamos a fala deles “já mora na nossa
vida”. Elas demonstram um enorme prazer e alegria ao falar do candomblé e
principalmente da entidade ao qual está ligado e isso faz com que quem esta
ouvindo sinta a vibração e a energia que esse devoto recebe do seu orixá.
Todos os dias quem é feito no santo entra em contato com sua entidade, mas há
determinados momentos que comunicação com o orixá se dá através dos búzios,
para qualquer ato, decisão ou orientação é feita a consulta ao santo que é mediada
pelo pai-de-santo, e a partir das respostas é que serão tomadas as providências
orientadas pelos orixás, que também pode prever acontecimentos desagradáveis no
futuro da pessoa.
O orixá orienta e ajuda seu filho a alcançar seus objetivos, definidos de acordo com os ideais da classe a qual pertence. Nada se faz sem consultar
o santo: negócios, viagens, mudanças, visitas, casamentos, etc. (Lépine, 2000, p. 160)
Para freqüentar o centro não é necessário fazer o santo, é possível participar, fazer
o jogo de búzios para identificar seu orixá, ser devoto e cumprir as obrigações com o
santo sem ser iniciado. O processo de iniciação se estende a quem deseja fazer
parte do corpo de sacerdotes do candomblé. Perguntei ao pai-de-santo Jenilton qual
é o numero de adeptos que freqüentam o centro, mas ele disse que não sabe
exatamente porque são muitos, mas nos dias de cultos ou festas não é possível o
encontro de todos, pois existem pessoas em várias localidades e até no exterior.
Eles vão aparecendo de acordo à ocasião da festa e conforme a necessidade de
orientação. Em relação às festas, seguem um calendário litúrgico que determina o
mês e data das festas.
A função do babalorixá segundo o Sr. Jenilton é a de zelar pelos orixás, zelar pelos
fiéis e orienta-los. Consultar através dos búzios para saber se o problema a ser
resolvido é com o orixá, se estiver tudo bem entre a pessoa e o orixá o mesmo
indicará a quem procurar para resolver o problema. Ex: se problema não for de
ordem espiritual, ele indicará que procure um médico ou outro especialista que
possa resolver.
Ele se coloca como orientador dos que o procuram, pois segundo ele “a sua função
não é separar os casais ou fazer mal as pessoas e sim ajudá-las”, e acrescenta, “o
orixá não aceita quem faz mal, busca é prosperar a vida da pessoa”.
Ao contrário do que o senso comum pensa a casa de candomblé é completamente
organizada e tem uma forte hierarquia, pois para que tudo funcione bem é preciso
que cada um desempenhe bem a função que lhe foi designada. O pai-de-santo é
quem comandada e decide tudo, mas ele conta com colaboradores de confiança que
é escolhido pelo orixá reinante da casa. As pessoas que tive a oportunidade de
entrevistar tem cargos de confiança dentro do centro pesquisado e isso lhe atribui
respeito perante a sociedade religiosa a qual participa. As funções dos meus
colaboradores estão relacionadas abaixo:
Babakekerê
Ou Yakekerê
São os segundos na hierarquia da casa-de-santo, os que substituem o pai
ou a mãe-de-santo. Assim como o babalorixá eles têm a função de
orientar, mostrar o melhor caminho para o filho de santo. Só podem
assumir essa função quem é feito no santo há no mínimo sete anos.
Axogum
Cargo essencialmente masculino, ele deve cuidar dos animais a serem
sacrificados e ele mesmo deve matá-los e separar os miúdos (axé) e o
couro que também é utilizado nos sacrifícios. Para se tornar um axogum é
preciso receber “mão-de-faca”
Yabessê
É um cargo particularmente feminino, ela cuida do preparo da comida do
santo, é a cozinheira do axé. O requisito para o cargo é que seja feita no
santo e receba a autorização do zelador.
Existem várias funções dentro do terreiro e cada uma tem sua importância, pois é
imprescindível que todos desempenhem sua tarefa para o bom andamento da casa.
Aqueles que já tenham feito o santo, mas encontra dificuldades em realizar sua
tarefa será acompanhado por alguém mais velho até estar totalmente preparado
para assumir suas funções com segurança. Podemos perceber também que há
cargos definidos para o sexo masculino e para o feminino, mas também existem
cargos que podem ser realizados por qualquer um dos sexos.
Para quem não conhece e acreditava que era algo de badernas e desordem, pude
comprovar que existe um aparato bem montado e definido que coloca o candomblé
em ponto de igualdade em relação às outras religiões nas questões da fé,
organização e hierarquia.
O CONVÍVIO COM A SOCIEDADE LOCAL
De acordo com o babalorixá Jenilton a relação com a vizinhança é tranqüila, pois ele
não a incomoda e nem é incomodado por ela. O que se percebe na fala dele é que
não esta nem um pouco preocupado em ser aceito pelos outros, ele tem convicção
de sua religião e não vai fazer diferença o que o outro pensa.
Nos dias de festa fazem sua batucada, mas como essas festas não acontecem
todos os dias, só em ocasiões especiais, nunca recebeu reclamação em relação ao
barulho. Ao ser perguntado se já participou de festas junto com a igreja católica, ele
respondeu que não, pois na cidade as pessoas não estão preparadas para isso e
quanto ao preconceito, ele diz: “As pessoas é que se incomodam, que tem a
preocupação com eles, enquanto isso nos não discriminamos ninguém, qualquer um
que chegar a nossa porta é bem recebido independente de religião, conduta ou
posição social”.
Essa fala do Sr. Jenilton me remete a Prandi, que diz:
O candomblé não distingue entre o bem e o mal do modo como aprendemos com o cristianismo, ele tende a atrair também toda sorte de indivíduos que tem sido socialmente marcados e marginalizados por outras instituições religiosas ou não-religiosas. (1996, p. 182)
Nas festas chamadas de sincréticas que costumamos ver acontecer na cidade de
Salvador e isso acontece hoje porque já houve muita resistência e luta por parte do
candomblecistas e dos afro-descendentes contra a perseguição a que vinham
sofrendo desde os tempos da colônia. Em salvador houve o fato de alguns
estudiosos darem o ponta-pé no estudo da religião afro o que contribuiu para
disseminar o conhecimento sobre tal religião a partir do século XIX.
Em Teixeira de Freitas o estudo sobre o candomblé esta engatinhando. Espera-se
que as pessoas possam conhecer e respeitar essa religião que faz parte da nossa
sociedade há tanto tempo e ainda vive marginalizada.
Quanto à relação dos outros entrevistados com a sociedade fora do candomblé é
tranqüila segundo eles, que foram bem sucintos na resposta. Convivem muito bem
com os não-adeptos do candomblé, até porque procuram se relacionar com pessoas
que tem bastante afinidade. Vale lembrar que meus colaboradores não exercem
nenhuma atividade fora do centro de candomblé, são pessoas que não tem um
emprego no meio social, extra religioso.
Falar com essas pessoas sobre a relação deles como candomblecistas e a
sociedade local, foi complicado porque eles não se abriram muito sobre isso. A
análise que faço sobre esta questão é que eles fazem a política de boa vizinhança
para que não perturbem e principalmente não sejam perturbados. Diante do silêncio
deles sobre isso dá para sentir que a discriminação é muito forte e latente por parte
da sociedade local.
CONSIDERAÇOES FINAIS
Conhecer as religiões afro-brasileiras é buscar compreender um universo bastante
complexo e surpreendente aos nossos olhos, principalmente porque o que
achávamos que sabíamos sobre esse tema até o momento era errôneo e
supersticioso. É difícil falar em conclusão de um trabalho quando se sabe que ele da
margem a novas pesquisas e há inúmeras possibilidades dentro desse mundo da
religião afro-brasileira.
Vivendo em uma sociedade em que o preconceito é latente, desenvolver um
trabalho como este é um desafio, as pessoas se dizem mais modernas, mas dentro
de si guardam resquícios das imposições e conveniências de outrora.
Para desenvolver essa pesquisa foi preciso superar algumas barreiras que estavam
dentro de mim. O trabalho do pesquisador histórico é diferenciado, pois quando
escolhe um objeto ele se despe de qualquer preconceito e com isso consegue
analisar o foco da sua pesquisa sem fazer juízo de valor, Bloch afirma “que é
fundamental criar uma distinção entre o historiador e o juiz, porque não é função da
pesquisa histórica julgar o passado, mas sim compreendê-lo”. Foi com esse olhar
que consegui efetivar nossa pesquisa em um local que entra em choque com os
nossos conceitos, mas que nos faz perceber que é preciso conhecer e analisar o
que nos é diferente para que possamos respeitar mesmo quando não
compreendemos.
O contato que tive com os meus colaboradores me fez compreender melhor como
se da o relacionamento dos mesmos com suas entidades, o que os teóricos
escreveram pude comprovar na fala de quem é feito no santo e sabe muito bem o
significado disso na sua vida. No imaginário popular acredita-se que o orixá desce
de qualquer forma em qualquer lugar e em qualquer pessoa, mas está longe da
verdade, pois quando a entidade vem a terra ele sabe que há alguém a sua espera e
que tem relações bem estreitas com ele.
O estudo sobre a religião afro-brasileira já vem sendo feito desde o século XIX, mas
é preciso que seja mais divulgado nas regiões do interior, tal como Teixeira de
Freitas para que se possa conhecer melhor e diminuir a descriminação em relação à
mesma e a seus adeptos. Pois, enquanto religião, ela tem os mesmos preceitos que
as dominantes, que são a fé, organização e hierarquia.
Este estudo é de grande relevância para a sociedade local e para os fiéis do
candomblé, pois abre um espaço para que a sociedade passe a conhecer melhor
essa religião diminuindo assim o preconceito em relação à mesma. Nesse sentido
faz-se necessário que o conhecimento produzido com essa pesquisa possa ficar
acessível às pessoas das comunidades acadêmica e local. Que a partir dela, sujam
oportunidades de desenvolver projetos sobre o tema nas escolas onde é um espaço
próprio para as discussões em relação a mudanças de atitudes e pensamentos.
REFERÊNCIAS
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Bloch, Marc Leopold Benjamin. 1886-1944. Apologia da história, ou, oficio do historiador / Marc Bloch; prefácio, Jacques Le Goff; apresentação a edição brasileira, Lilia Moritz Schwarcz; tradução. André Talles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
Bourdieu, Pierre. 1930-2002. A economia das trocas simbólicas / Pierre Bourdieu: introdução, organização e seleção Sérgio Miceli. 5 ed. – São Paulo: Perspectiva, 2004. – (coleção estudos; 20/ dirigida por J. Guinsburg).
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Lépine. Claude. Os estereótipos das personalidades no candomblé Nagô. In: Moura, Carlos Eugenio Marcondes de (org). Candomblé: religião do corpo e da alma: tipos psicológicos nas religiões afro-brasileiras/ organização de Carlos Eugenio Marcondes de Moura. Rio de Janeiro. Pallas, 2000.
Lima, Fábio Batista. Os candomblés da Bahia: tradições e novas tradições. Salvador: Universidade do Estado da Bahia, 2005.
Lima, Vivaldo da Costa. O conceito de “Nação” nos candomblés da Bahia. Departamento de Antropologia F.F.C.H. Universidade Federal da Bahia. In: Afroásia, nº 12, p. 65.
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_____________Segredos Guardados: orixás na alma brasileira. Ed. Companhia das Letras, 2005.
_____________Deuses africanos no Brasil contemporâneo. In: Reginaldo Prandi. Segredos guardados: Orixás na Alma Brasileira. Companhia das Letras, 2005.
_____________O Candomblé e o Tempo: concepção de tempo, saber e autoridade da África para as religiões afro-brasileiras. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais - RBCS, nº 47, outubro de 2001.
Silva, Vagner Gonçalves. Terreiros de candomblé. In: Revista História Viva Grandes Religiões – Cultos Afros a Segregação do Sincretismo. Ed 6. Duetto.
Soares, Cecília Moura. Resistência negra e religião: a repressão ao candomblé de Paramerim, 1853. In: Estudos Afro-Asiáticos (23): 133-142; dezembro de 1992.
Verger, Pierre Fatumbi. Orixás. Salvador: Corrupio, 1981.
ANEXO – fotos de festas no centro Ilé Amnirá Alaketó
Fotos cedidas pelo babalorixá Jenilton
FIGURA 1. Iniciação do babalorixá Jenilton (1979)
FIGURA 2. Babalorixá Jenilton com seu orixá Oxum e acompanhado do seu pai-de-santo Rômulo
FIGURA 3. Orixá Yemanjá - obrigação de sete anos
FIGURA 4. Orixá Euá - serpente fêmea
FIGURA 5. Ialorixá com rum de Oxalufan
FIGURA 6. Festa de Imbeji - caruru de Cosme e Damião
FIGURA 7. Yalorixá fazendo jogo de búzios
FIGURA 8. Rum de Yemanjá
FIGURA 9. Filhas-de-santo e o babalorixá Jenilton
FIGURA 10. Formatura de obrigação de sete anos.
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