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A formação e a prática pedagógico-musical de professores egressos da pedagogia. walkiria teresa firmino
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UNIVERSIDADE DE BRASLIA
FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
REA DE CONCENTRAO: APRENDIZAGEM E TRABALHO PEDAGGICO
A FORMAO E A PRTICA PEDAGGICO-MUSICAL DE
PROFESSORES EGRESSOS DA PEDAGOGIA
Walkria Teresa Firmino Lobato
Braslia-DF
Fevereiro de 2007
WALKRIA TERESA FIRMINO LOBATO
A FORMAO E A PRTICA PEDAGGICO-MUSICAL DE PROFESSORES
EGRESSOS DA PEDAGOGIA
Dissertao apresentada Faculdade de Educao da Universidade de Braslia, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Educao, rea de concentrao - Aprendizagem e Trabalho Pedaggico, sob a orientao da Prof. Dr. Ilma Passos Alencastro Veiga.
Braslia - DF
Fevereiro de 2007
WALKRIA TERESA FIRMINO LOBATO
A FORMAO E A PRTICA PEDAGGICO-MUSICAL DE PROFESSORES
EGRESSOS DA PEDAGOGIA
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Ilma Passos Alencastro Veiga UnB Orientadora
Prof. Dr. Maria Ins Diniz Gonalves UFG
Prof. Dr. Lvia Freitas Fonseca Borges UnB
Prof. Dr. Cristiano Alberto Muniz UnB
Braslia, fevereiro de 2007.
AGRADECIMENTOS
Professora Dr. Ilma Passos Alencastro Veiga, que me orientou neste trabalho de
pesquisa com grande sabedoria.
A Aldino Graef, pelo incentivo e apoio compartilhando mais um momento
significativo em nossas vidas.
A Rachel Firmino Lobato, minha me, uma referncia de comportamento tico e de
musicalidade.
Professora Dr. Lvia Freitas Fonseca Borges, ao professor Dr. Cristiano Alberto
Muniz e ao professor Dr. Estrcio Mrquez Cunha pelas importantes contribuies no
momento de qualificao do projeto.
Professora Dr. Maria Ins Diniz Gonalves pela aceitao ao convite para
participar da banca de defesa.
Professora Ms. Maria Beatriz Miranda Lemos e Professora Dr. Mrian Barbosa
Tavares Raposo com quem tive a oportunidade de compartilhar reflexes.
A meus colegas e professores de mestrado pelas trocas significativas.
s Professoras da Pedagogia, professoras das sries iniciais e seus alunos pela
colaborao como interlocutores da pesquisa.
Ao Coordenador da Graduao da Faculdade de Educao pelas importantes
informaes sobre o curso de Pedagogia.
A Leila e Eric, meus filhos, pelo incentivo e compreenso sempre presentes e
indispensveis.
Ns sentamos na platia para ver uma pea, ouvimos uma msica, ou passeamos pelas frescas galerias da casa do Papa em Roma e, de repente, tomamos conhecimento de que temos paixes nas quais jamais havamos pensado, pensamentos que nos assustam, prazeres cujo segredo nos havia sido negado, tristezas que havamos escondido de nossas lgrimas. O ator no tem conscincia de nossa presena; o msico est pensando nas sutilezas da fuga, na tonalidade de seu instrumento; os deuses de mrmore, que sorriem de modo to curioso, so feitos de pedra insensvel. Porm nos deram forma e substncia ao que estava dentro de ns; nos permitiram dar forma concreta a nossas personalidades; uma sensao de alegria perigosa ou algum toque de arrepio de dor ou aquela estranha autopiedade que o homem tantas vezes sente, nos avassala e nos deixa diferentes.
Oscar Wilde
RESUMO
A presente dissertao tem por objetivo refletir sobre as possibilidades e os limites da
formao pedaggico-musical no curso de Pedagogia e suas implicaes para a prtica
pedaggica nas sries iniciais do Ensino Fundamental. Essa reflexo ocorre a partir da
anlise das percepes dos professores da Pedagogia e alunos egressos, que atuam nas
sries iniciais como docentes, assim como a partir da observao da prtica pedaggico-
musical nessas sries. A metodologia privilegiou a abordagem qualitativa e a utilizao dos
procedimentos: observao, entrevistas semi-estruturadas, anlise documental e grupo
focal. O referencial terico que respaldou o estudo tem como destaque os autores Imbernn
(1998, 1999, 2004), Tardif (2002) e Veiga (2002, 2003), para a formao de professores,
Vsquez (1977), para a prtica pedaggica, e Swanwick (1979, 1993, 2003), para a
Educao Musical, compondo os trs eixos da pesquisa. Foram identificados avanos
pontuais alcanados por meio da disciplina voltada para a formao pedaggico-musical na
Pedagogia, entre eles a motivao que levou as professoras a tentativas de incluso da
Educao Musical na escola. Entretanto, a formao pedaggico-musical apresenta alguns
limites, entre os quais: situao marginal dessa formao na Pedagogia limitada a uma
disciplina; falta de formao musical pr-universitria dos alunos; falta de professor do
Quadro; fragmentao disciplinar; desarticulao com a instituio responsvel pelas
escolas, que compromete a prtica de estgio e pesquisa. Os professores formadores e
egressos tm conscincia dos limites dessa formao. Foram tambm identificadas
mudanas necessrias para superar esses limites, como: repensar a filosofia do curso;
promover a formao de slidos saberes das diversas reas incluindo a msica, articulados
entre si e com os demais saberes pedaggicos, numa formao contextualizada por meio de
estgio, pesquisa e extenso e trabalho colaborativo, incluindo o Departamento de Msica.
Essas medidas devem ser combinadas com uma poltica de formao continuada e a
insero da Educao Musical na Educao Bsica. No possvel estabelecer relao
direta entre formao e prtica pedaggica, considerando a formao como um processo
amplo, permanente, no-linear e a prtica pedaggica como atividade complexa que
envolve muitos fatores, contextos e sujeitos diferentes. Entretanto, h relao entre a
situao marginal da msica nas escolas e na instituio formadora, que est ligada
perspectiva funcional da msica predominante na sociedade e na educao. As condies
de formao e de profissionalizao so fatores fundamentais para a insero da msica na
escola. Condies favorveis a uma prtica pedaggico-musical criadora foram
encontradas em apenas um dos casos acompanhados, graas filosofia da escola, que
valoriza a formao integral. Os alunos das sries iniciais deram o testemunho da presena
da msica em sua vida familiar, nos momentos de diverso e na prtica religiosa, assim
como expressaram seu interesse pela Educao Musical na escola.
Palavras-chave: Formao de Professores, Prtica Pedaggica e Educao Musical.
ABSTRACT
This paper aims at analyzing the possibilities and limits of musical-pedagogical training in
the Pedagogy course as well as its implications in relation to the practice of pedagogy in
the first grades of elementary school. This evaluation is the result of an analysis of
perceptions of Pedagogy teachers and former students who work as trainers in initial
grades, and also from the observation of musical-pedagogical practice in these grades. The
methodology used focused on a qualitative approach and use of the following procedures:
observation, semi-structured interviews, document analysis and focal group. The
theoretical reference used to support the study is based on Imbernn (1998, 1999, 2004),
Tardif (2002) and Veiga (2002, 2003) in relation to teachers' training, Vsquez (1977) in
relation to pedagogical practice, and Swanwick (1979, 1993, 2003) in relation to Music
Education, making the research threefold. Advances have been identified in musical-
pedagogical training in Pedagogy, among which the motivation that led teachers to try and
include Music Education in their schools. However, musical-pedagogical training poses
some limitations, among which: the marginal situation of this training in Pedagogy, limited
to one subject; students lack pre-university musical training; there are not enough teachers;
fragmentation of subject; no links with the institution responsible for schools, which
compromises internships and research. Trainers and former students are aware of the
training's limitations. Necessary changes have also been identified in order to overcome
these limitations, such as: a re-evaluation the course's philosophy and promotion of sound
knowledge in several areas, including music, connecting it to other pedagogical
knowledge, in a contextualized training that includes internship, research and extension,
and collaborative work, together with the Music Department. Those measures must be
combined with a policy of continued training and insertion of Music Education in
elementary and secondary schools. It is not possible to establish a direct relation between
pedagogical training and practice, because training is a broad, permanent, non-linear
process, while pedagogical practice is a complex activity that involves multiple factors,
contexts and different subjects. However, there is a relation between the marginal situation
of music in schools and training institutions, which is linked to a prevailing functional
perspective of music in society and education. Training and professionalization conditions
are fundamental factors in order to insert music in schools. Favorable conditions to a
creative musical-pedagogical practice were only found in one of the cases monitored, due
to the school's philosophy, which values integral formation. First-grades students have
testified on the presence of music in their family lives, moments of fun and religious
practice, and have also expressed interest in Music Education at schools.
Key words: Teachers' Training; Pedagogical Practice and Music Education.
LISTA DE FIGURAS E QUADROS
Quadro 1 Sntese da relao entre questes e objetivos de pesquisa ..........................23
Figura 1 O trip do referencial terico ......................................................................24
Quadro 2 Demonstrativo das escolas pesquisadas.......................................................69
Quadro 3 Calendrio do trabalho de campo.................................................................75
Quadro 4 Sntese da relao entre questes, objetivos e procedimentos de pesquisa..77
Quadro 5 Sntese geral da pesquisa .............................................................................85
SUMRIO
INTRODUO....................................................................................................................13
1. A MSICA E A DOCNCIA COMO MOTIVAO DA PESQUISA...............15
2. ENCONTRO COM MEUS REFERENCIAIS TERICOS..................................24
2.1. A formao de professores no contexto da educao e da sociedade atual ..............25
2.1.1. Em busca da profissionalizao................................................................................. ..26
2.1.2. A formao de professores e o processo de transio............................................27
2.1.3. O tecnlogo de ensino nas diretrizes de formao de professores .....................29
2.1.4. A perspectiva da formao do professor como agente social ..............................31
2.2. Prtica pedaggica como prxis social .....................................................................34
2.2.1. Relao entre teoria e prtica ........................................................................................36
2.2.2. Prxis criadora e prxis reiterativa ..............................................................................36
2.3. Educao musical: concepo e princpios................................................................39
2.3.1. Educao Musical Criadora e Educao Musical Reiterativa.........................42
2.3.2. A trajetria da Educao Musical no Pas .................................................................46
2.3.3. A Arte e a Msica com a reforma educacional ..............................................49
2.3.4. A situao da Msica nas escolas ................................................................................52
2.3.5. A situao da Msica nas escolas pblicas do Distrito Federal ..........................54
2.3.6. A Msica no currculo das escolas pblicas do Distrito Federal....................55
2.3.7. A formao de professores para atuarem em Educao Musical nas sries
iniciais do Ensino Fundamental................................................................................58
2.3.8. A pesquisa em Educao Musical no Pas ................................................................59
3. METODOLOGIA: OS RUMOS DA PESQUISA .......................................................65
3.1. O local, as instituies e os interlocutores da pesquisa ............................................66
3.1.1. As instituies.................................................................................................67
3.1.2. Os interlocutores.............................................................................................70
3.1.2.1. As professoras da Pedagogia............................................................70
3.1.2.2. As professoras das sries iniciais do Ensino Fundamental...............71
3.1.2.3. Os alunos das sries iniciais do Ensino Fundamental......................72
3.2. O processo de seleo das instituies e dos interlocutores da pesquisa..................72
3.3. O trabalho de campo .................................................................................................74
3.3.1. Procedimentos para a coleta e anlise de dados..............................................75
3.3.1.1. Anlise documental..........................................................................77
3.3.1.2. Questionrios e entrevistas semi-estruturadas..................................78
3.3.1.3. Os grupos focais...............................................................................79
3.3.1.4. A observao da prtica pedaggica................................................81
3.3.2. Imprevistos e solues encontradas................................................................82
3.4. A organizao e anlise dos dados ...........................................................................83
4. A FORMAO PEDAGGICO-MUSICAL NA PEDAGOGIA.............................86
4.1. As concepes de Educao Musical das professoras..............................................86
4.2. As atividades desenvolvidas na disciplina Fundamentos da Linguagem Musical na
Educao...................................................................................................................91
4.3. A relao teoria e prtica na formao docente na perspectiva das professoras e
egressas do curso.......................................................................................................95
4.4. As condies de trabalho para uma Pedagogia musical...........................................99
4.5. Avanos e limites da formao pedaggico-musical na Pedagogia por meio da
disciplina Fundamentos da Linguagem Musical na Educao...............................102
4.6. Sugestes das professoras para o aperfeioamento da formao pedaggico-musical
na Pedagogia...........................................................................................................106
5. A PRTICA PEDAGGICO-MUSICAL DAS PROFESSORAS EGRESSAS....109
5.1. As atividades desenvolvidas na prtica pedaggico-musical e suas concepes
subjacentes..............................................................................................................109
5.2. Relaes entre professor, aluno e Educao Musical e as condies para a prtica
pedaggico-musical nas sries inicias do Ensino Fundamental..............................125
5.3. A prtica pedaggico-musical entre prtica criadora e prtica reiterativa.............128
6. POSSIBILIDADES E LIMITES DA FORMAO PEDAGGICO- MUSICAL E
SUAS IMPLICAES PARA A PRTICA PEDAGGICA..................................131
6.1. Consideraes finais: apenas uma pausa, pois a reflexo no acaba aqui.............141
REFERNCIAS ...............................................................................................................143
APNDICES .....................................................................................................................149
INTRODUO
A sociedade atual, onde a informao e o conhecimento ocupam um lugar cada vez
mais destacado em todos os campos da atividade humana, exige uma formao muito mais
abrangente do que em pocas anteriores. O processo de produo incorpora cada vez mais
conhecimentos e a pesquisa cientfica e tecnolgica constitui hoje o principal fator de
desenvolvimento econmico e social dos pases, no contexto de uma economia
globalizada. Assim como outras instncias, a educao tem novos desafios pela frente, com
necessidade de mudana nos diversos nveis de ensino, inclusive na formao de
professores. Esta deve considerar, alm de conhecimento, um conjunto de habilidades e
capacidades necessrias como a seleo e o processamento da informao, a autonomia, a
capacidade de tomar decises, o trabalho em grupo, a polivalncia, a flexibilidade, entre
outras (IMBERNN, 1999).
As estruturas e relaes sociais tornaram-se mais complexas na sociedade ps-
industrial. O aumento das desigualdades entre as naes, com gigantesca concentrao de
capitais nos pases ricos, uma realidade social marcada por forte concentrao de renda nas
camadas mais ricas e excluso social dos setores mais pobres criam uma perspectiva social
de dualidade. Para encarar tal situao necessrio que o professor compreenda a realidade
social e possa, assim, defrontar os problemas de seu contexto de trabalho, relacionados aos
problemas mais amplos da sociedade.
No Brasil ainda enfrentamos uma profunda desigualdade social que deixa grande
parte da populao excluda de seus bens, vivendo em situao de misria. O
endividamento pblico e a crise financeira do Estado Nacional tm conduzido reduo
crescente dos investimentos pblicos em vrios campos, inclusive na educao. Os
esforos de universalizao do acesso educao sem polticas voltadas para a
profissionalizao do magistrio, para a melhoria da qualidade da formao e das
condies de trabalho e sem investimentos na infra-estrutura escolar tm dificultado
avanos qualitativos na educao.
14
Essa limitao se expressa na contradio entre algumas proposies da reforma de
ensino e sua concretizao na realidade escolar. Uma dessas contradies a da incluso,
pois a universalizao do acesso no resolveu o problema da excluso, que se mantm sob
uma nova forma, fenmeno analisado por Freitas (2002) como internalizao da
excluso.
Outra contradio presente quanto formao integral. Esta formao abrangente
que inclui o desenvolvimento cultural, em que a arte parte integrante, est prevista na
reforma de ensino. A Arte, considerada atividade educativa com o nome de Educao
Artstica, na Lei anterior, hoje concebida como rea do conhecimento, componente
curricular obrigatrio em toda a Educao Bsica, conforme os Artigos 26 e 32 da LDBEN
9394/96. Os Parmetros Curriculares Nacionais (vol. 6), referencial nacional para a
formao escolar, apresentam a arte e suas modalidades - Artes Visuais, Teatro, Msica e
Dana - todas com objetivos e contedos prprios.
Entretanto, o que vemos na realidade uma situao muito distinta. Como
demonstram as pesquisas a Educao Musical no est presente nas escolas. Os
professores especialistas no so suficientes para atender s necessidades, e a formao
pedaggico-musical est ausente da formao de professores para as sries iniciais1 do
Ensino Fundamental ou ocupa lugar marginal nessa formao. As pesquisas sobre a
formao pedaggico-musical so ainda insuficientes. Como veremos na reviso
bibliogrfica, concentram-se nas regies sul e sudeste e so raras nas demais regies. Por
isto, esta pesquisa poder contribuir para o aprofundamento das reflexes sobre a formao
pedaggico-musical. Esse desafio foi uma motivao para a pesquisa. Todavia, outras
motivaes me levaram dedicao a este tema: encontram-se na minha histria pessoal e
profissional, nas minhas relaes com a msica e a educao.
1 Embora a Resoluo n 3/2005 do CNE/CEB defina Anos Iniciais como a nomenclatura a ser adotada, utilizei Sries Iniciais, porque essa a terminologia empregada nos documentos analisados, bem como em duas das trs escolas pesquisadas.
15
1. A MSICA E A DOCNCIA COMO MOTIVAO DA PESQUISA
A temtica da pesquisa - a msica e a docncia - est muito presente em minha
trajetria pessoal, acadmica e profissional. Com o resgate dessa memria, exponho minha
relao com o tema e a motivao que me levou pesquisa.
Minha relao com a msica vem da infncia, influenciada pela musicalidade
materna e pela tradio musical de minha terra natal, So Joo del-Rei. Eu me formei em
piano no curso tcnico-profissionalizante, o que s foi possvel pela existncia do
Conservatrio Estadual de Msica da cidade. Nessa escola pblica meus cinco irmos e eu
estudamos msica e dois deles tornaram-se msicos profissionais.
A docncia veio aos dezessete anos, em 1977, no mesmo Conservatrio de Msica
onde eu estudava. No era uma opo na poca, mas essa experincia resultou numa
grande identificao com a profisso.
Os primeiros anos foram de testar hipteses, reproduzindo as boas referncias, mas
com limitaes, que hoje atribuo falta de uma slida formao pedaggico-musical. Uma
dessas referncias surgiu em minha vida estudantil, marcando-a profundamente. No Ensino
Fundamental no tive um desempenho muito bom, mas com mdia suficiente fui
avanando de uma srie para outra, sem, no entanto, empenhar-me com afinco nos estudos.
No incio do Ensino Mdio, essa situao foi alterada. A confiana em minhas
possibilidades, resgatada com a ajuda de um professor de piano, levou-me a uma dedicao
maior aos estudos, possibilitando um crescimento, tanto no curso de piano quanto no curso
regular, antigo 2 grau.
A partir dessa experincia pude redimensionar o papel das condies subjetivas
para a aprendizagem e o desenvolvimento. Alm das condies objetivas essenciais, so
necessrias tambm condies subjetivas como a confiana do aluno em suas
possibilidades, para que se dedique aos estudos. Levei essa compreenso para a docncia,
adotando um comportamento cuidadoso com as relaes que envolvem professor, aluno e
16
conhecimento. Conforme Freire, o ato pedaggico um ato dialgico que envolve
comunicao e subjetividade (FREIRE, 1996).
Os primeiros anos de exerccio da profisso como professora de msica foram
muito importantes tambm para minha formao poltica a partir da prtica social,
inicialmente no movimento sindical de professores, que se estendeu para a participao
poltica, num momento de grande radicalizao no Pas, que vivia um regime militar.
Dessa experincia veio a conscincia da importncia das organizaes sindicais e polticas
para a formao docente, que no se restringe aos limites das instituies educacionais.
Como professora de piano, querendo aperfeioar-me, a princpio fui buscar a
continuidade de estudos na graduao, no curso de bacharelado de msica, que era a
formao que atendia s expectativas da instituio profissional. Muita vontade e
dedicao pessoal, um curso bem conceituado da Universidade Federal de Minas Gerais e
bons professores: parecia ser o necessrio para alcanar o objetivo. No entanto, o curso no
era totalmente distinto do modelo da tradio dos conservatrios (FREIRE, V., 2001 e
CASTRO, 1997), modelo tcnico voltado para a formao de msicos. Alm disso, no
inclua a formao para a docncia, indispensvel para quem atua na profisso. O
bacharelado em msica, como em diversas reas especficas, no considera essa
necessidade; no entanto, muitos profissionais formados nesses cursos acabam atuando
como professores. A falta de preparao para a docncia um problema presente nas
diversas reas e nveis de ensino. Masetto (2003), Vasconcelos (1998), Pimenta e
Anastasiou (2002), entre outros, analisaram essa situao na formao do professor
universitrio, comum aos professores das ltimas sries do Ensino Fundamental e do
Ensino Mdio.
Por razes de carter pessoal, fui morar em So Paulo, em 1983, abandonando o
curso de bacharelado, j em fase final. Desse curso ficou uma boa experincia em relao
interpretao musical. Minha perspectiva profissional tambm foi alterada, pois deixei o
ensino profissionalizante para atuar em escolas do ensino regular da periferia daquela
metrpole, com a disciplina Arte Musical.
Minha formao e experincia anterior pouco serviam para a nova realidade, que
era de trabalho com classes coletivas, de trinta a quarenta alunos, sem os recursos de que
17
antes dispunha, com alunos que tinham outros interesses e valores. Assim, a busca de
novas alternativas mostrou-se uma necessidade. Procurei, ento, conhecer melhor esses
alunos, seus interesses, o que ouviam e o papel da msica em suas vidas. Esse esforo
resultou numa aproximao com a comunidade local e tambm num conhecimento da
msica veiculada pela mdia e da Msica Popular, que eram as principais referncias para
os alunos.
Se, por um lado, a experincia como professora do ensino regular contribuiu para
minha formao pedaggica, pois eu trabalhava com profissionais organizados tanto em
nvel profissional quanto em nvel poltico, com um trabalho coletivo institucional maior
do que o existente nas escolas de msica, em cursos tcnicos, onde o isolamento muito
marcante, por outro, levou-me a um distanciamento da formao especfica, pois naquele
espao eu era a nica professora de msica.
O trabalho nessas escolas possibilitou tambm uma aproximao com professores
de outras reas, principalmente com os de Artes Visuais e de Teatro, com quem trabalhei
em alguns projetos de Arte. Entretanto, no geral, na parte de msica, ainda permanecia a
dificuldade para desenvolver o fazer musical, pois predominava uma abordagem terica
sobre msica pelas condies de trabalho e, principalmente, pela formao inadequada
para atuar nessa realidade.
Nesse perodo, dcada de 1980, tambm participei de um momento em que os
professores, bem como os demais trabalhadores, viveram grandes mobilizaes por
questes salariais e polticas, o ciclo de greves incluindo greves gerais e o movimento para
a redemocratizao do Pas. Na luta por melhores salrios e condies de vida, os
professores se aproximaram de outras categorias de trabalhadores. Em So Paulo, na regio
do ABCD - onde trabalhava - essa aproximao se deu com os operrios, que eram a
vanguarda do movimento naquele momento e ns, professores, muito aprendemos com a
organizao deles. Essa experincia contribuiu tambm para o desenvolvimento de uma
conscincia poltica entre os professores, o que Freire (1996) e Giroux (1987), entre outros,
consideram como um dos saberes necessrios para a prtica pedaggica. Para a educao,
essas aproximaes so muito importantes tambm, pois criam uma situao favorvel ao
conhecimento dos alunos das camadas populares, que hoje estudam nas escolas pblicas e,
18
muitas vezes, no so bem sucedidos por falta de adaptao da escola a suas expectativas e
realidade de vida, que desconsiderada.
Dando continuidade aos estudos e consciente da necessidade de buscar uma
formao pedaggica, ingressei no curso de Licenciatura em Arte que formava professores
para atuarem com as diversas modalidades artsticas em Educao Artstica, considerada
atividade educativa, orientao introduzida pela Lei 5.692/71. Essa abordagem do ensino
de arte levou a uma prtica caracterizada pela superficialidade no tratamento das diversas
modalidades e at mesmo pela excluso de algumas, situao criticada por Duarte Jr
(1981) e por pesquisadores no Simpsio Nacional sobre a Problemtica da Pesquisa e do
Ensino Musical no Brasil (SINAPEM)2. Apesar disso, esse curso contribuiu para a
aquisio de conhecimentos referentes s outras modalidades artsticas e Arte na
educao, proporcionando uma viso mais geral da rea, o que no muito comum entre
os professores de msica. Na ocasio, tambm tive acesso produo do movimento Arte-
Educao, que estava em pleno desenvolvimento e com uma viso crtica da formao de
professores da rea e das implicaes para a prtica pedaggica em Educao Artstica.
Ao mudar para Braslia, em 1988, trabalhei em escolas de 5 a 8 srie do Ensino
Fundamental, na periferia do Distrito Federal, experincia que no foi qualitativamente
distinta da anterior em So Paulo. Dois anos depois fui trabalhar numa Escola-Parque,
oportunidade que levou minha docncia em msica a um novo rumo.
Essas escolas so destinadas ao desenvolvimento de Arte (Artes Visuais, Msica e
Teatro), Educao Fsica e Literatura para alunos da rede pblica, matriculados no Ensino
Fundamental, nas Escolas-Classe. Nas unidades em que trabalhei, a Educao Musical era
desenvolvida por meio do canto em conjunto e de atividades referenciadas nos mtodos
ativos, caracterizados por Penna (1990) como aqueles que partem da vivncia sonora para
a formao de conceitos e a clarificao das estruturas da linguagem musical, mediante
exerccios de percepo e expresso, incluindo o trabalho corporal. Essas atividades de
vivncias dos elementos da msica nem sempre eram atividades focalizadas no sentido
musical, que se perdia.
2 SINAPEM, realizado em janeiro e em julho de 1987, em Joo Pessoa, Paraba.
19
Algumas condies favorveis, recursos materiais disponveis (instrumentos
musicais) bem como um corpo docente com formao especfica nas diversas modalidades
artsticas conviviam com outras desfavorveis. O grande nmero de alunos por turma, a
quantidade de aulas semanais e de trabalho do professor no contribuam para o
planejamento e a reflexo fundamentadas to necessrios ao aprofundamento do processo
educativo. O trabalho coletivo era limitado pelo tempo dedicado preparao de festas,
que eram muito freqentes no calendrio daquela escola e das demais Escolas-Parque onde
trabalhei.
Tambm no havia relao entre o ensino e a aprendizagem desenvolvidos nas
Escolas-Parque e aquilo que o aluno vivia nos demais dias da semana nas Escolas-Classe.
O ensino e a aprendizagem, nessas condies, resultavam em atividades sem continuidade
e aprofundamento. De qualquer forma, a Escola-Parque tem importncia reconhecida pelos
alunos, que encontram nela a nica oportunidade de desenvolver as diversas modalidades
artsticas.
Foi um perodo de experincias importantes para minha formao continuada. As
trocas entre os professores de Educao Musical, os cursos de aperfeioamento e o retorno
universidade para cursar disciplina como aluna especial, foram oportunidades de reflexo
sobre outras concepes e abordagens do ensino de msica.
A docncia nas Escolas-Parque foi tambm a primeira oportunidade de trabalhar
com alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Essa experincia teve grande
importncia para o que veio a seguir, o trabalho na Formao de Professores para as sries
iniciais do Ensino Fundamental.
A partir de 1994, como docente do curso Normal, outros desafios se apresentaram a
minha atuao profissional. O trabalho coletivo com professores de disciplinas do ncleo
de humanas e pedaggicas como Filosofia, Sociologia e Psicologia, entre outras, a
participao em discusses sobre as finalidades e problemas gerais da educao e o
contexto especfico do curso Normal possibilitaram uma ampliao de minha viso sobre a
educao e a formao docente. Compartilhando um momento de profundas mudanas que
decorriam da reformulao do curso de magistrio, tivemos a oportunidade de desenvolver
20
uma avaliao geral do curso de grande importncia social por sua finalidade e ao mesmo
tempo enfrentando enormes limitaes.
Em relao msica, o curso Normal tampouco oferecia as melhores condies. A
Msica, em algumas Escolas Normais, era desenvolvida na disciplina Metodologia da Arte
por professor especialista, compartilhando o tempo com as modalidades Teatro e Artes
Visuais. Cada uma das modalidades tinha a durao de um ano com duas aulas semanais,
tempo limitado para a extenso da tarefa que nos cabia. Os alunos chegavam para o curso
com pouca vivncia de arte na escolaridade anterior e, em geral, nenhuma experincia mais
sistemtica de msica. Nessas condies no se chegava ao aprofundamento necessrio
para o desenvolvimento musical dos alunos, bem como a sua formao para a prtica
docente na rea, na Educao Infantil e sries iniciais do Ensino Fundamental. No entanto,
apesar das limitaes apresentadas, a presena da arte nessa formao cumpria o papel de
refletir sobre os sentidos e funes da arte e de algumas de suas modalidades e de despertar
seu interesse pela rea. Apesar da preocupao central dos alunos concentrar-se na
alfabetizao, alguns at nos procuravam para a orientao de projetos desenvolvidos no
estgio, que incluam a arte.
Minha formao nessa unidade escolar tambm foi muito enriquecida com o
trabalho coletivo com os professores da rea de Arte, que possuam longa experincia
docente. Desenvolvemos diversos projetos em comum e experimentamos vrias
configuraes da disciplina, sempre com muita reflexo.
Em minha prtica docente, principalmente nos ltimos anos na Escola Normal,
foram surgindo questes que me levaram a buscar a continuidade de estudos e a pesquisa,
desta vez, em curso de ps-graduao lato sensu. Uma dessas questes se referia situao
da msica e formao do professor para atuar com essa rea, nas sries iniciais do Ensino
Fundamental.
Apesar de certa quantidade de estudos sobre a Educao Musical, ainda so poucos
os voltados para o ensino regular. A situao marginal da msica, nesse espao, como
saber sistematizado, justifica a necessidade do desenvolvimento de pesquisa sobre esse
tema (PENNA, 2001; SOUZA, HENTSCHKE et al, 2002; BELLOCHIO, 2000;
LOUREIRO, 2003).
21
Avaliando minha volta universidade, em 2003, no curso de Especializao em
Msica Brasileira, pude reconhecer que essa instituio ainda padece de srios problemas.
Entre eles, a fragmentao curricular um dos mais aparentes e envolve mais diretamente
o aluno e sua formao. O excesso de disciplinas, onze no caso, sem articulao entre si e
com o projeto de pesquisa no contribui para a reflexo, a problematizao e o
aprofundamento das questes centrais.
Contudo, o curso de especializao possibilitou minha primeira experincia em
pesquisa e despertou um grande interesse em dar continuidade a essa atividade. Na ocasio
desenvolvi estudos sobre a situao da Educao Musical nas Escolas Pblicas do Distrito
Federal, nas sries iniciais do Ensino Fundamental (LOBATO, 2004). O curso representou
tambm uma oportunidade singular de reflexo sobre a arte e a msica, seus significados e
funes, num dilogo intenso com o orientador da pesquisa e as idias de alguns autores
que nos acompanharam.
Nesse processo as questes anteriores foram sendo reformuladas, visando a novos
estudos. Uma delas refere-se formao pedaggico-musical de professores para as sries
iniciais do Ensino Fundamental, pois qualquer perspectiva de mudana da situao atual da
msica nas escolas passa necessariamente pela formao do professor, que um dos
elementos centrais desse processo. Ento, hoje a questo central apresenta-se da seguinte
forma: quais so as possibilidades e os limites da formao pedaggico-musical no curso
de Pedagogia e suas implicaes para a prtica pedaggica nas sries iniciais do Ensino
Fundamental?
Na pesquisa essa questo desdobra-se em questes especficas que norteiam a
investigao:
Quais so as percepes dos professores formadores e alunos egressos do curso de Pedagogia sobre a formao pedaggico-musical nesses cursos?
Como a prtica pedaggico-musical dos professores das sries iniciais, egressos da Pedagogia?
Quais so as percepes dos alunos das sries iniciais do Ensino Fundamental sobre a Educao Musical desenvolvida pela escola?
22
Para investigar a questo geral, a pesquisa teve como objetivo refletir sobre as
possibilidades e os limites da formao pedaggico-musical no curso de Pedagogia e suas
implicaes para a prtica pedaggica nas sries iniciais do Ensino Fundamental. Este
objetivo geral desdobra-se nos objetivos especficos:
Analisar as percepes dos professores formadores e dos professores das sries iniciais egressos de um curso de Pedagogia sobre a formao pedaggico-musical
neste curso;
Analisar a prtica pedaggico-musical dos professores das sries iniciais, egressos da Pedagogia;
Analisar como os alunos das sries iniciais do Ensino Fundamental percebem a Educao Musical desenvolvida pela escola.
A seguir, apresento um quadro que mostra a relao entre as questes e os objetivos
da pesquisa.
23
Quadro 1 - Sntese da relao entre questes e objetivos de pesquisa
QUESTO PRINCIPAL OBJETIVO GERAL
Quais so as possibilidades e os
limites da formao pedaggico-
musical no curso de Pedagogia e suas
implicaes para a prtica pedaggica
nas sries iniciais do Ensino
Fundamental?
Refletir sobre as possibilidades e os
limites da formao pedaggico-musical
no curso de Pedagogia e suas implicaes
para a prtica pedaggica nas sries
iniciais do Ensino Fundamental.
QUESTES ESPECFICAS OBJETIVOS ESPECFICOS
1. Quais so as percepes dos
professores formadores e professores
das sries iniciais egressos do curso de
Pedagogia sobre a formao
pedaggico-musical nesse curso?
1. Analisar as percepes dos formadores
e dos professores das sries iniciais
egressos da Pedagogia sobre a formao
pedaggico-musical nesse curso.
2. Como a prtica pedaggico-musical
do professor das sries iniciais,
egressos da Pedagogia?
2. Analisar a prtica pedaggico-musical dos
professores das sries iniciais, egressos
da Pedagogia.
3. Quais so as percepes dos alunos
das sries iniciais do Ensino
Fundamental sobre a Educao
Musical desenvolvida pela escola?
3. Analisar como os alunos das sries
iniciais do Ensino Fundamental percebem
a Educao Musical desenvolvida pela
escola.
24
2. ENCONTRO COM MEUS REFERENCIAIS TERICOS
[...] se a educao no pode tudo, alguma coisa fundamental a educao pode. Se a educao no a chave das transformaes sociais, no tambm simplesmente reprodutora da ideologia dominante. O que quero dizer que a educao nem uma fora imbatvel a servio da transformao da sociedade, porque assim eu queira, nem tampouco a perpetuao do status quo porque o dominante o decrete.
Paulo Freire
Com o objetivo de refletir sobre as possibilidades e os limites da formao
pedaggico-musical no curso de Pedagogia e suas implicaes para a prtica pedaggica
nas sries iniciais do Ensino Fundamental, o referencial terico constituiu-se de trs
pilares, conforme representao na figura abaixo: a formao de professores, a prtica
pedaggica e a Educao Musical.
Figura 1 O trip do referencial terico
Formao Docente
Prtica Pedaggica
Formao e Prtica
Pedaggico- Musical
Educao Musical
25
A seguir, desenvolverei cada um dos trs eixos do referencial terico, explicitando
as concepes e autores que fundamentam este trabalho.
2.1. A formao de professores no contexto da educao e da sociedade atual
Vivemos numa sociedade em constante mudana, sob o impacto do
desenvolvimento tecnolgico. No entanto, vivemos um processo de produo e
apropriao da mais valia que gera a explorao, o desemprego e a misria. A lgica
predominante do capitalismo ainda a acumulao do capital.
No Brasil essa situao mais visvel, pois num mundo globalizado, sob a
dominao do capital financeiro, ainda temos um importante peso da indstria em nossa
economia e resqucios da sociedade pr-industrial, por no termos resolvido at agora a
questo agrria e a grande dependncia do capital financeiro internacional. A desigualdade
e a excluso so faces cruis da situao.
Na sociedade da informao, o conhecimento torna-se indispensvel para o
desenvolvimento e a participao social. Quem no tem acesso e condies para lidar com
as novas tecnologias, fica excludo. Como os grupos privilegiados socialmente tambm so
os que tm mais acesso informao e ao domnio de sua organizao, codificao e
transmisso, a tendncia da sociedade atual de agudizao da excluso.
Nesse cenrio a educao escolar tem um papel que vai alm de facilitar o acesso
aquisio de conhecimentos. Deve permitir o desenvolvimento de habilidades como a
seleo e o processamento da informao, a autonomia, a capacidade de tomar decises, o
trabalho em grupo, a polivalncia, a flexibilidade (FLEXA E TORTAJADA, in
IMBERNN, 1999). So exigncias do prprio sistema, mas tambm so fatores
imprescindveis para a participao na vida social em geral, e sua ausncia leva excluso.
A escola no neutra, ela faz parte de uma sociedade que, apesar de viver intensas
mudanas, ainda capitalista. E a lgica capitalista influencia a escola na organizao do
trabalho pedaggico, nas relaes de poder, como tambm em sua finalidade, voltada
principalmente para atender s exigncias do mercado de trabalho.
26
Se por um lado a escola como instituio social, no marco da sociedade capitalista,
reproduz as desigualdades e a excluso, por outro no pode ser desconsiderado que ela
tambm um lugar de conflito e que os sujeitos desenvolvem em seu interior prticas que
contestam ou reforam as formas de dominao e controle existentes.
Esse conflito possvel porque os homens so sujeitos histricos, capazes de buscar
uma viso crtica da sociedade e agir no sentido da superao de seus problemas. Entendo
que tal afirmao est de acordo com a viso de homem como ser da transformao e no
da adaptao (FREIRE, 2003, p.23). a perspectiva que ser tomada como referncia
para esta pesquisa. Nas palavras de Veiga, a escola nessa perspectiva vista como
instituio social, inserida na sociedade capitalista, que reflete no seu interior as
determinaes e contradies dessa sociedade (2005, p.16).
2.1.1. Em busca da profissionalizao
Para Imbernn (2004), no contexto social a docncia foi sempre considerada uma
semiprofisso. Essa situao compreendida pelas dificuldades encontradas para a
profissionalizao docente entre as quais a massificao, a ampliao das funes, a
feminizao do magistrio, a prvia profissionalizao dos especialistas da educao,
provocando perda de autonomia e de poder nas decises sobre o trabalho docente, as
divises internas da categoria em nveis de ensino, os contextos muito diversificados de
formao e atuao profissional e o acmulo de papis e aumento do controle atravs da
avaliao sem a melhoria das condies de trabalho, de salrio e nas carreiras docentes.
A esses condicionantes que dificultam a profissionalizao acrescenta-se a ausncia
do que em outras profisses conhecido como cdigo de tica, segundo DOrey da Cunha,
a sistematizao deontolgica especificamente docente que guie a ao de cada um e que
estabelea as fronteiras ou os horizontes morais da profisso enquanto tal (apud VEIGA,
2003, p.54).
Essas caractersticas mostram a complexidade da docncia e de sua
profissionalizao. No se deve, porm, entend-las de forma esttica, pois a
profissionalizao um processo dinmico e de embates, que hoje enfrenta muitas
dificuldades, no sem a resistncia do movimento organizado de professores e estudantes.
27
Alm do carter dinmico, a profissionalizao um processo coletivo. Tal
dimenso evidenciada por Imbernn (2004), que trata o desenvolvimento profissional
como um conjunto de fatores que possibilitam ou impedem que o professor progrida na
profisso. Entre esses ele cita o salrio, a demanda do mercado de trabalho, o clima de
trabalho nas escolas, a promoo na profisso, as estruturas hierrquicas, a carreira
docente, alm da formao, que elemento importante, mas no nico do desenvolvimento
profissional do professor. Para ele o coletivo ou institucional outro aspecto que deve ser
considerado para o desenvolvimento profissional, tendo este como o desenvolvimento de
todo o pessoal que trabalha em uma instituio educativa.
Imbernn (1998) apresenta a idia de cultura profissional, que est ligada ao
trabalho coletivo, ao desenvolvimento pessoal e institucional, ruptura do isolamento e das
rotinas no-justificveis no processo educativo, na busca de um questionamento constante.
Este um processo permanente que implica a tomada de conscincia de seu trabalho
profissional na aula, na escola, no sistema educativo e social. Uma marca do pensamento
desse autor a importncia dada ao trabalho coletivo e institucional. Essa preocupao est
presente tanto na questo da profissionalizao, quanto em seu modelo de formao e
justifica-se, pois o magistrio uma prtica social que envolve uma srie de sujeitos, na
busca de sua emancipao.
2.1.2. A formao de professores e o processo de transio
A concepo de profisso docente dominante na perspectiva tcnica e racional de
mera transmisso de conhecimento acadmico. Essa concepo vem desde o sculo XIX e,
apesar das mudanas que ocorreram no sculo XX, no chegou a ser superada. A sociedade
atual requer um profissional da educao diferente, que saiba lidar com a mudana e a
complexidade e tambm com a necessidade de superar seus graves problemas polticos e
sociais, que afetam diretamente o professor e seu trabalho.
No modelo anterior predominava o conhecimento objetivo e disciplinar. Possuir um
conhecimento formal era assumir a capacidade de ensin-lo. Alm disso, hoje, para ser um
profissional da educao necessrio ter conscincia de que o conhecimento est em
construo e no imutvel, compreender a educao como compromisso poltico com
dimenses ticas e morais, ter autonomia e poder para tomar decises sobre os problemas
28
profissionais da prtica em um contexto determinado, desenvolver a capacidade reflexiva
em grupo, valorizar a aprendizagem das relaes, a cultura do contexto e o
desenvolvimento das relaes de todos os envolvidos com o processo educativo
(IMBERNN, 2004). uma perspectiva que est comprometida com a superao dessa
sociedade e de seus graves problemas.
Decorrente dessa concepo de profissional da educao, a formao de professores
tambm tem novas exigncias. Partindo do pressuposto de que os conhecimentos da
docncia no so uniformes e generalizveis, e sua aquisio est muito ligada prtica
profissional e condicionada pela organizao da instituio educacional em que exercida,
autores como Tardif (2002) e Imbernn (2004) defendem a formao na instituio
educativa, partindo de situaes problemticas de um determinado contexto. Tardif (idem)
afirma que o novo modelo de formao deve vincular os fundamentos da formao
prtica da prpria profisso. Para ele a formao cultural ou geral e a formao cientfica
ou disciplinar devem estar vinculadas formao prtica, que o quadro de referncia
obrigatrio da formao profissional.
Distinto do modelo tradicional, onde havia uma separao entre a produo, a
mobilizao e a comunicao do conhecimento, a escola entendida como instncia de
produo, de mobilizao e de comunicao dos saberes e das competncias. E os
professores de profisso so detentores de saberes que a pesquisa educacional deve
considerar e incorporar nos programas de formao inicial. O exerccio da profisso do
magistrio a referncia central tanto da formao inicial e continuada como da pesquisa
em educao. A relao com a pesquisa e os professores universitrios outra. A pesquisa
volta-se para as necessidades e situaes vividas pelos prticos, considerados ento
parceiros da pesquisa (TARDIF, 2002).
A prtica pedaggica d-se em contextos muito especficos e diversificados,
envolvendo sujeitos e situaes muito diferentes. O professor tem que tomar decises
sobre situaes reais e concretas e por isso a formao acadmica e disciplinar, baseada em
conhecimentos abstratos e generalizveis, no responde a essas necessidades. Portanto, a
formao no pode ser desvinculada do contexto de trabalho e de sua problematizao.
29
Ao mesmo tempo, esse trabalho influenciado diretamente pela situao
econmica, poltica e social. Portanto, a compreenso da sociedade, a viso mais ampla e
crtica da sociedade, da educao e da profisso so indispensveis para o professor. O
prprio Imbernn trata da questo quando afirma que a formao centrada nas instituies
supe manter uma constante pesquisa colaborativa e obter um consenso para o
desenvolvimento da organizao com uma confrontao e uma tenso que no permitem
relaxar ou baixar a guarda ante as condies socioprofissionais (2004, p.21).
Defende ainda que a instituio educativa deve ser o motor da inovao e da
profissionalizao docente, por entend-la como conjunto de elementos que intervm na
prtica educativa contextualizada e considera que a educao perde poder de inovao
coletiva quando se produz isoladamente e se converte em mera experincia pessoal (ibid).
Para o estudo da formao docente necessrio refletir sobre a profissionalizao
docente, bem como sobre as perspectivas de formao, que esto em discusso no
momento atual: a perspectiva de tecnlogo do ensino e a de agente social.
2.1.3. O tecnlogo de ensino nas diretrizes de formao de professores
A perspectiva do tecnlogo a perspectiva presente nos documentos oficiais para a
formao de professores, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formao
Inicial de Professores da Educao Bsica, em nvel superior, curso de graduao plena
(Brasil/CNE/CP 2001). Fazendo uma sntese da crtica de Veiga (2002) a essa perspectiva,
vemos que:
est ligada ao projeto de sociedade globalizada e neoliberal; parte de um projeto poltico de abrangncia internacional com nfase na educao por resultados,
que vincula educao e produtividade, numa viso puramente economicista, que
tem por objetivo adequar a formao de professores demanda do mercado
globalizado;
concebe o professor como reprodutor de conhecimentos produzidos por outros, o que pode ser observado na pouca nfase dada pesquisa;
30
est centrada na competncia como busca de desempenho e eficcia na consecuo dos objetivos escolares, no saber fazer sem conhecimento dos
fundamentos do fazer;
sociopoliticamente descontextualizada, no considera as questes postas pela prtica social e suas conseqncias para o ensino;
vincula-se a uma concepo produtivista e pragmatista, e a educao confundida com a informao e instruo, distanciando-se de seu significado mais amplo de
humanizao (SCHEIBE, apud VEIGA);
a relao conhecimento/competncia/habilidades bsicas fortalece o carter meramente instrumental da formao mediante a dissociao entre teoria/prtica,
ensino/pesquisa;
a organizao curricular da formao tem base quase exclusivamente no conhecimento disciplinar e no conhecimento pedaggico, mais reduzido a
tcnicas e estratgias didticas;
a dicotomia entre teoria e prtica fica acentuada na reduo do estgio curricular para os alunos em efetivo exerccio de atividade docente na educao bsica, alm
de provocar o aligeiramento da formao;
uma preparao de professores que desenvolve uma concepo fragmentria, porque fundada em itens que devem ser aprendidos para serem aplicados na
prtica, tendo como objetivo estabelecer parmetros comuns para a avaliao e o
controle do contedo de ensino.
Alm das crticas que esto diretamente ligadas formao do tecnlogo, Veiga
(2002) acrescenta outras s diretrizes de formao de professores como orientao nacional
cujo ncleo so as competncias, a retirada da formao da universidade e a reduo da
carga horria. Segundo a autora, o documento apresenta uma srie de competncias
amplas, alm de detalhar minuciosamente as especficas. So competncias previamente
definidas, que no consideram a diversidade brasileira nem respeitam a autonomia
institucional para a construo de seu projeto pedaggico.
Sobre o lcus da formao, ao tirar da universidade, o Ministrio da Educao
(MEC) nega identidade do professor como cientista e pesquisador, reduzindo-o a mero
executor de programas e separa formao de pesquisa e extenso, num descompromisso
com a qualidade da formao.
31
O papel da pesquisa no tem a nfase necessria, o que limita o papel do professor
tarefa de aplicador de mtodos e tcnicas e reprodutor de conhecimentos, bem como
reduz o papel da instituio formadora. Acrescente-se a essas consideraes o fato de que o
MEC no acatou as sugestes e crticas s diretrizes de formao de professores,
encaminhadas por entidades dos profissionais da educao superior, universidades e outras
instituies.
2.1.4. A perspectiva da formao do professor como agente social
Os autores, cujas concepes em relao formao docente so tomadas como
referncia para esta pesquisa, criticam o modelo de tecnlogo de ensino, que centrado na
dimenso tcnico-instrumental.
Veiga (2002) e Imbernn (2004) entendem o professor como agente social, que a
perspectiva defendida tambm pelos movimentos sindicais, cientficos e acadmicos. Para
Imbernn o profissional da educao um agente dinmico nos mbitos cultural, social e
curricular que toma decises educativas, ticas e morais, que desenvolve o currculo e
projetos em colaborao num contexto especfico controlado pelo prprio coletivo. Os
professores so considerados como verdadeiros agentes sociais no sentido de que so
capazes de planejar, gerir o ensino-aprendizagem, alm de intervir nos complexos sistemas
que constituem a estrutura social e profissional (ibid, p.46).
Na concepo de Veiga (2002), a perspectiva do professor como agente social est
de acordo com a viso de educao como prtica social, comprometida com o
desenvolvimento de uma educao de qualidade para todos.
Em nosso pas vivemos uma situao muito heterognea, de extremos, com
tecnologia de ponta em nvel mundial em algumas reas, combinada com reminiscncias
oligrquicas e tradies patrimonialistas em nossa poltica, alm de uma grande excluso
social de parcelas significativas da populao, o que impede a plena democratizao da
sociedade.
Nesse contexto vejo o professor como agente social, que atua no sentido da
ampliao da democracia na sociedade e na instituio escolar, onde busca autonomia,
32
maior participao e poder de deciso para os profissionais da educao e a comunidade
escolar, enfrentando o problema da excluso tanto material quanto cultural que afeta
diretamente seu trabalho. Esse posicionamento no se justifica apenas por estar de acordo
com as necessidades de nosso contexto especfico, mas tambm pela coerncia com a viso
de homem, de sociedade e de conhecimento j explicitada.
Veiga entende a formao profissional como poltica global que contempla desde
a formao inicial e continuada at as condies de trabalho, salrio, carreira e organizao
da categoria (2002, p.82).
A educao concebida, nessa perspectiva, como prtica social e um processo
lgico de emancipao, tendo por base a construo coletiva de um projeto para o
desenvolvimento de uma educao de qualidade para todos. Coerente com essa viso de
educao e de profissionalizao, a formao do professor como agente social tem como
um de seus pilares uma formao terica de qualidade, que requer:
a) construo e domnio de slidos saberes da docncia, que so saberes mltiplos de
vrias fontes, mas que devem ser conectados num trabalho pedaggico de forma
interdisciplinar e contextualizada. O processo de construo desses saberes deve
ocorrer da forma mais coletiva possvel, refletindo sobre situaes prticas
concretas. Esses saberes devem estar estreitamente relacionados com a realidade
social mais ampla;
b) unicidade entre teoria e prtica, entendendo que tanto a instituio formadora
quanto a escola que recebe os estagirios transformam-se em espaos de formao
colaborativa, num processo de ao-reflexo-ao;
c) ao coletiva integrando todos os sujeitos que atuam na escola bem como todos os
processos que contribuem para a melhoria do trabalho pedaggico;
d) autonomia entendida como processo coletivo de busca e construo permanentes,
aspirando a um maior controle sobre o trabalho pedaggico;
e) explicitao da dimenso sociopoltica da educao e da escola, que evidencia a
organizao do trabalho pedaggico na sociedade capitalista e fortalece a
identidade do professor em seu papel de agente social (VEIGA, 2002).
33
Nessa perspectiva, a formao entendida como um processo permanente ou
contnuo ao longo de toda a carreira e a formao inicial como o comeo da socializao
profissional, que deve proporcionar uma slida fundamentao. Alm de conhecer muito
bem seu contexto de trabalho, o professor precisa compreender a realidade da sociedade
que est em permanente mudana e suas relaes com a instituio educacional, a
organizao do trabalho pedaggico e a sala de aula.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduao em Pedagogia,
Licenciatura, institudas atravs da Resoluo CNE/CP N 1, de 15 de maio de 2006, pelo
Conselho Nacional de Educao, resultado de intenso confronto entre distintas posies e
da participao ativa das Entidades Acadmicas e Profissionais organizadas, trazem no
discurso alguns avanos de superao da perspectiva tcnico-instrumental do tecnlogo de
ensino. H uma ampliao da concepo de docncia, que integra processos de
aprendizagem, de socializao e de construo do conhecimento, conforme o Art 2
1 Compreende-se a docncia como ao educativa e processo metdico e intencional, construdo em relaes sociais, tnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princpios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulao entre conhecimentos cientficos e culturais, valores ticos e estticos inerentes a processos de aprendizagem, de socializao e de construo do conhecimento, no mbito do dilogo entre diferentes vises de mundo.
A perspectiva das Diretrizes tambm compreende como atividade docente a [...]
participao na organizao e gesto de sistemas e instituies de ensino [...], segundo o
disposto no Art. 4, Pargrafo nico.
A carga horria do curso foi ampliada para 3.200 horas, o que corresponde ao que
foi apresentado como mnimo nas contribuies das Entidades Acadmicas e Profissionais
organizadoras do VII Seminrio Nacional Sobre a Formao dos Profissionais da
Educao em Braslia, junho de 2005.
O campo de atuao profissional do licenciado de grande abrangncia pois inclui
o exerccio de funes de magistrio na Educao Infantil e nas sries iniciais do Ensino
Fundamental, nos cursos de Ensino Mdio, na modalidade Normal, de Educao
Profissional na rea de servios e apoio escolar e em outras reas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedaggicos, conforme o Art.4 da Resoluo.
34
Como as Diretrizes foram alteradas recentemente, cabe indagar: como as
Instituies de Formao enfrentaro o desafio de construir uma formao de qualidade
com tamanha abrangncia, com os limites da carga horria de 3.200 horas? Como
superaro a estrutura to fragmentada de curso como a atual, que no contribui para a
formao nessa nova perspectiva? E ainda: essas mudanas vo proporcionar um
aprofundamento do campo da Arte na Pedagogia?
2.2. Prtica pedaggica como prxis social
Para a anlise da prtica pedaggica, que foi desenvolvida na pesquisa, foi
necessria uma clara compreenso das concepes que fundamentam essa prtica. Para isto
tomei como referncia terica as concepes de Vsquez (1977) sobre a prtica humana,
sobre a relao teoria e prtica e seus conceitos de prxis criadora e prxis reiterativa,
prxis espontnea e prxis reflexiva.
A prtica pedaggica uma atividade humana que se diferencia da atividade em
geral, definida como ato ou conjunto de atos em virtude dos quais um sujeito ativo
modifica a matria-prima e tem por resultado um produto. O que diferencia a atividade
humana da atividade em geral a finalidade, um projeto ou o resultado ideal, que termina
com um produto concreto ou resultado real.
Essa atividade implica a interveno da conscincia responsvel pelo resultado
ideal e os diversos atos do processo que se articulam de acordo com o resultado que se
quer. Alm disso, o resultado real ou produto no uma cpia do que se quer do resultado
ideal ou finalidade original, visto que sofre modificaes no processo de sua realizao.
A prtica pedaggica regida por um processo dinmico, onde teoria e prtica
esto unidas na prxis. A atividade da conscincia, segundo Vsquez, tem carter terico,
seja como formulao de finalidades, atividade teleolgica ou como produo de
conhecimentos, atividade cognoscitiva. A atividade terica no capaz de transformar o
real, ela s transforma a conscincia e por essa via influencia a prtica. Ao contrrio, a
atividade prtica sempre tem um resultado real, objetivo, material: ela transforma a
realidade.
35
Teoria e prtica, portanto, so atividades diferentes, mas no se opem. A relao
entre uma e outra de unidade, uma vez que a teoria no transforma o real, precisa da
prtica para realizar-se e a prtica no existe sem uma finalidade e conhecimento que
caracterizam a atividade terica.
Essa relao definida como prxis por ser atividade terico-prtica; ou seja, que
tem um lado ideal, terico e um lado material, propriamente prtico, com a particularidade
de que s artificialmente, por um processo de abstrao, podemos separar e isolar um do
outro (VSQUEZ, 1977, p.241).
A prtica pedaggica , ento, prxis, visto que exige uma relao de unidade entre
teoria e prtica e uma participao ativa da conscincia em todo o processo. regida por
um processo prtico, pois tem como fim a transformao do real, mas onde o terico tem
papel fundamental. A ao do professor est embasada numa slida fundamentao, pois
pressupe uma finalidade ideal, a formulao de objetivos, de um projeto e um
conhecimento da realidade, do contexto social mais amplo ao mais imediato e uma
conscincia vigilante para modificar a realidade em busca do objetivo e adequar o objetivo
idealmente traado s condies do real.
A complexidade da prtica pedaggica no se limita ao fato de ser ela uma
atividade humana; ela , alm disso, uma prtica social, pois tem o homem como sujeito e
objeto de sua ao transformadora. Segundo Vsquez, essa prtica caracteriza-se por ser a
prxis na qual o homem atua sobre si mesmo e abrange os diversos atos orientados no
sentido de sua transformao como ser social e, por isso, destinados a mudar suas relaes
econmicas, polticas e sociais (1977, p.200).
A prtica pedaggica - como prtica social - envolve sujeitos voltados para sua
prpria transformao; por isso, tanto o processo como o produto so mais imprevisveis
ainda. As condies e possibilidades s sero plenamente reveladas no processo prtico,
da sua grande imprevisibilidade e indeterminao e a necessidade de uma ao
permanente da conscincia em todo o processo, numa passagem constante do ideal para o
real e do real para o ideal.
36
2.2.1. Relao entre teoria e prtica
Se por um lado h uma unidade entre teoria e prtica na prxis, por outro, no se
pode falar de uma relao mecnica e direta entre uma atividade e outra. Pode surgir uma
teoria de uma necessidade de aprofundar uma teoria anterior ou de resolver as contradies
que esta apresenta. A teoria tem autonomia em relao prtica e s vezes antecipa-se a
ela e pode influenci-la, mas uma autonomia relativa.
A prtica, ao contrrio, no existe sem um mnimo de ingredientes tericos:
um conhecimento da realidade que objeto da transformao; um conhecimento dos meios e de sua utilizao; um conhecimento da prtica acumulada em forma de teoria que sintetiza ou
generaliza a atividade prtica na esfera em que ela se realiza;
uma atividade finalista ou antecipao dos resultados ideais com a particularidade que esses resultados tm que corresponder a necessidades e condies reais e
contar com meios adequados para sua realizao (VSQUEZ, 1977).
Desta forma, a prtica pedaggica no prescinde da unidade teoria e prtica e da
ao da conscincia. Contudo, conforme Vsquez, existem nveis diferentes de prxis, que
se classificam de acordo com o grau de conscincia revelado pelo sujeito no processo
prtico e o grau de criao demonstrado pelo produto de sua atividade (ibid).
2.2.2. Prxis criadora e prxis reiterativa
A separao entre teoria e prtica e a reduo do papel da conscincia pode resultar
numa prtica vazia de contedo, numa prtica que se baseia num modelo preexistente,
gerado por uma prtica criadora anterior, que no corresponde s necessidades e s
condies postas pela realidade. Essa prtica conceituada por Vsquez como prxis
reiterativa ou imitativa, ou seja, a que est em conformidade com uma lei previamente
traada, e cuja execuo se reproduz em mltiplos produtos que mostram caractersticas
anlogas (ibid, p.246).
Por outro lado, temos a prxis criadora ou inovadora, aquela cuja criao no se
adapta plenamente a uma lei previamente traada e culmina num produto novo e nico
37
(VSQUEZ, 1977). Tem como caractersticas: a unicidade indissocivel no processo
prtico do interior e o exterior, do subjetivo e o objetivo; a indeterminao e
imprevisibilidades do processo e resultado e a unicidade e irrepetibilidade do produto.
O homem est numa atividade permanente de transformao do mundo e de si
mesmo; portanto, a prtica fundamental do homem tem um carter criador. O homem cria
novas necessidades e a prpria vida invalida as solues existentes. No entanto, as
solues alcanadas tm um tempo de validade. Neste tempo que temos a repetio como
atividade relativa, transitria, sempre aberta possibilidade e necessidade de ser
substituda.
Se o processo tem uma lei que s pode ser descoberta a posteriori, porque se vai
fazendo no processo prtico, em sua realizao, trata-se de um processo prtico unitrio, no
qual o ideal e o real se conjugam de maneira dinmica e imprevisvel e tambm nico.
A lei que se descobre como lei desse processo total no pode ser aplicada
indistintamente a outros processos prticos, visto que isso s poderia ser feito com a
eliminao das particularidades de suas condies objetivas e subjetivas.
Quando se desconsideram as circunstncias do processo e do contexto e se tenta
impor uma forma generalizada, abstrata a um contedo particular, tem-se uma prtica
imitativa, burocrtica, mecnica, onde a forma se sobrepe ao contedo; ela existe antes do
contedo e do processo prtico. O contedo sacrifica-se forma, o real ao ideal e o
particular concreto ao universal abstrato. Tal prtica tem srias conseqncias, pois a
padronizao e a burocratizao das atividades e das relaes levam perda de significado
do que se ensina e do que se aprende.
Na educao a fragmentao do processo de produo e de transmisso do
conhecimento reduz o trabalho do professor reproduo e transmisso de
conhecimentos produzidos por outros. Isto leva a prtica pedaggica a uma perda de
unidade de seu processo e de seu carter criador. Para que seja uma atividade criadora
necessrio que haja uma atividade consciente que idealiza e realiza, num processo onde as
resistncias e circunstncias conduzem a uma permanente interao entre o ideal e o real, o
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subjetivo e o objetivo, sem perder de vista a finalidade que tambm modificada no
processo.
A prtica pedaggica, de certo modo, nunca prtica reiterativa total, pois o
professor exerce um mnimo que seja de controle e de conscincia sobre seu trabalho.
Alm disso, os resultados dessa prtica nunca so totalmente previstos, uma vez que o
objeto de seu trabalho o homem que participa ativamente desse processo, oferecendo
maiores resistncias e tambm alternativas. Sendo assim, o produto no tem possibilidade
de duplicao.
Por suas caractersticas no pode haver separao entre a conscincia e a ao, entre
o planejamento e a execuo na prtica pedaggica. Essa tentativa de moldar o processo
educativo a uma forma preestabelecida tem graves conseqncias para os sujeitos
envolvidos e leva a sua desumanizao, uma vez que a ao criadora uma caracterstica
fundamental do homem. Entretanto, o grau de conscincia envolvido nesse processo pode
variar, o que faz com que uma prtica seja considerada mais ou menos criativa, mais ou
menos imitativa.
A finalidade da prtica pedaggica encontra muitas resistncias entre o ideal e sua
realizao. As condies de trabalho e de salrio dos professores fazem com que estes se
submetam a situaes onde o nvel de conscincia do processo muito reduzido. Essa
conscincia precisa de tempo livre, de dedicao constante. A ausncia dessas condies, o
tempo reduzido pela ampliao da jornada e o acmulo de tarefas burocrticas levam a
uma prtica tambm burocratizada, repetio, cpia de modelos sem a devida reflexo.
Por outro lado, os alunos tambm tm expectativas em relao educao. Trazem
consigo problemas que constituem resistncias finalidade educacional, como a questo
social desfavorvel, os esteretipos da vivncia escolar anterior, por exemplo. Todavia,
trazem tambm possibilidades que precisam ser consideradas.
A prtica pedaggica criadora s se dar na perspectiva de um dilogo constante
entre os sujeitos educacionais, que vo identificando os problemas e buscando as solues
numa ao permanente da conscincia que vai redefinindo o caminho; num processo
coletivo em que as aes entre os sujeitos da educao, guiadas pela conscincia, vo
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possibilitar uma interao entre o ideal e o real, entre a finalidade buscada e as resistncias
do contexto, para ir reconfigurando a realidade e redefinindo os objetivos em busca da
finalidade.
Essa ao permanente da conscincia presente na formulao do objetivo ideal e
guiando todo o processo constitui a prxis reflexiva, que no surge espontaneamente de
dentro do processo pedaggico em si. adquirida a partir da teoria, que possibilita a
conscincia da prtica e de si mesma. Este o papel fundamental da formao. Essa
fundamentao terica vai permitir que o professor desenvolva uma reflexo e anlise
constante da e na prtica pedaggica testando hipteses, criando e recriando numa relao
estreita entre a teoria e a prtica.
2.3. Educao Musical: concepo e princpios
A Educao Musical no se limita ao espao escolar e vem crescendo em outros
espaos, como em Organizaes No-Governamentais (ONG). Contudo, a escolha pela
educao escolar como foco da pesquisa justificada, por um lado, pela possibilidade de
democratizao do acesso aprendizagem e desenvolvimento musical, pelo universo
amplo que a escola atende e, por outro, pela contribuio que a msica pode oferecer
educao integral.
A concepo de msica e Educao Musical que orientou a observao da prtica
pedaggico-musical neste trabalho foi a de Swanwick (1979, 1993, 2003), um educador
musical que desenvolveu a Teoria Espiral do Desenvolvimento Musical. Para este trabalho,
focalizei especificamente sua concepo de msica e os princpios de Educao Musical
dela decorrentes, bem como seu modelo de atividades ou parmetros indispensveis ao
desenvolvimento musical.
Swanwick concebe a msica como discurso, troca de idias, expresso do
pensamento, forma simblica. E a importncia da msica, nessa perspectiva, ser uma
forma simblica, o que explica sua permanncia em vrias culturas em tempos e espaos
diversos.
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Creio que a msica persiste em todas as culturas e encontra um papel em vrios sistemas educacionais no por causa de seus servios ou de outras atividades, mas porque uma forma simblica. A msica uma forma de discurso to antiga quanto a raa humana, um meio no qual as idias acerca de ns mesmos e dos outros so articuladas em formas sonoras (2003, p.18).
Segundo o mesmo, o significado da msica e nossa resposta a ela envolvem as
relaes estruturais internas da msica, nossas previses sobre o que esperamos acontecer
em termos estruturais, a tenso e o relaxamento gerados pelo que acontece, que um
legado de Meyer (1956). Essa no , porm, a fonte principal do prazer esttico, que dado
quando a obra se relaciona com estruturas de nossas experincias pessoais de contedo
afetivo e subjetivo. Neste segundo aspecto, Swanwick incorpora a contribuio de Langer
(2004), que entende que a expressividade, contedo emotivo e pessoal, tem uma estrutura
correspondente estrutura musical. O autor chega a uma sntese entre as duas posies,
concebendo a msica como uma forma simblica, um caminho de conhecimento, de
pensamento e de sentimento (SWANWICK, 2003, p.23).
Um dos referenciais para a anlise da prtica pedaggico-musical dos professores
das sries iniciais foi o modelo CLASP3 (idem, 1979), que apresenta atividades ou
parmetros indispensveis para o desenvolvimento musical: composio, estudos de
literatura de e sobre msica, apreciao, aquisio de tcnica (skill) e performance ou
execuo.
O envolvimento direto com a msica pode ser visto de trs formas: composio,
apreciao e performance ou execuo, que so atividades centrais para a experincia
musical. So tambm atividades que se reforam mutuamente. Todavia, existem outras
atividades auxiliares que so agrupadas em dois segmentos: aquisio de habilidades e
estudos de literatura sobre a msica, traduzidos como tcnica e literatura. So os cinco
parmetros da experincia musical, trs deles de relao direta com a msica e dois
exercendo o papel de suporte e auxiliar (ibid).
Swanwick apresenta trs princpios de Educao Musical. O primeiro deles
considerar a msica como discurso, o que tem conseqncias para a Educao Musical. O
discurso uma forma de metfora, que o autor concebe como juntar coisas dissimilares,
3 O modelo CLASP foi traduzido por Alda de Oliveira e Liane Hentschke como modelo (T)EC(L)A.
41
criar relaes onde previamente no havia nenhuma (SCRUTON apud SWANWICK,
2003). Por meio do processo de metfora,
a) transformamos sons em melodias, gestos;
b) transformamos essas melodias, esses gestos em estruturas;
c) transformamos essas estruturas simblicas em experincias significativas.
O senso de significao pessoal encontrado na msica depende dessas
transformaes. Somente quando sons se tornam gestos e quando esses gestos mudam
para formas entrelaadas, a msica pode relacionar e informar os contornos e motivos de
nossas experincias prvias de vida (SWANWICK, 2003, p.56).
Portanto, um dos objetivos do professor de msica, segundo Swanwick, estreitar a
relao dos alunos com a msica, trazendo a conscincia musical do ltimo para o primeiro
plano. E a preocupao que deve orientar o trabalho do educador musical apresentada
pelo autor atravs da questo: [...] isso , realmente, musical? Existe um sentimento que
demanda carter expressivo e um senso de estrutura naquilo que feito e dito? (ibid,
p.58). Essa orientao serve para qualquer uma das atividades musicais.
O segundo princpio considerar o discurso musical do aluno. Parte do pressuposto
que cada aluno traz um domnio da compreenso musical quando chega escola. preciso
que haja espao para a escolha, a tomada de decises, a explorao pessoal de carter
musical. tambm de fundamental importncia ouvir, ter bons modelos, inclusive o
professor como msico sensvel. Em sntese, o segundo princpio respeitar o discurso
musical e as diferenas musicais dos alunos, integrando experincias musicais diversas e as
diferentes formas de atividades musicais de composio, de performance e apreciao. A
composio permite mais tomadas de deciso e , portanto, uma necessidade educacional
(ibid).
O terceiro e ltimo princpio apresentado por Swanwick fluncia no incio e no
fim. Comparando a experincia musical linguagem e sua aquisio, a seqncia de
procedimentos mais efetiva ouvir, articular, depois ler e escrever. A fluncia musical,
habilidade auditiva de imaginar a msica, associada habilidade de controlar um
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instrumento (ou voz) elemento fundamental nessa perspectiva e precede a leitura e a
escrita musical (2003, p.69).
Com base nesses princpios, podemos situar melhor a perspectiva tcnica, que ainda
est presente no ensino de msica e teve influncia na formao de muitos que atuam na
Educao Musical. Nessa perspectiva, o ensino de msica est centrado na aprendizagem
da escrita e leitura musical, na percepo atravs dos ditados e solfejos, no
desenvolvimento de habilidades para a execuo vocal e instrumental e numa audio
focada nos elementos musicais e em sua organizao. Desta forma perde-se o todo, o
sentido musical, que no dado apenas pela compreenso analtica e fragmentada. Muitas
pessoas abandonam a aprendizagem sistemtica de msica por causa das dificuldades e da
falta de sentido gerados por esse tipo de ensino. Portanto, no nessa perspectiva que a
msica deve ser inserida na escola.
Concebendo a msica como uma forma simblica e considerando os princpios
acima apresentados, a Educao Musical desenvolvida na busca do sentido musical.
Nessa concepo, a tcnica e a literatura so atividades auxiliares, subordinadas ao fazer
musical, que pressupe um envolvimento profundo com a msica atravs da apreciao,
composio e execuo. J a leitura e escrita, como na lngua materna, vm depois de uma
familiaridade com a msica e da fluncia musical. Por esses motivos, tal concepo de
msica foi referncia para a anlise da prtica pedaggico-musical na pesquisa.
2.3.1. Educao Musical Criadora e Educao Musical Reiterativa
Para definir essa prtica, apropriei-me dos conceitos de prxis, prxis criadora e
prxis reiterativa de Vasquez (1977) e das concepes de msica e Educao Musical de
Swanwick (2003), buscando pontos de identidade entre ambos.
Para Vsquez, a prxis ao do homem sobre a matria e criao atravs dela
de uma nova realidade humanizada. Essa prxis tem nveis diferentes de acordo com o
grau de penetrao da conscincia do sujeito ativo no processo prtico e com o grau de
criao ou humanizao da matria transformada evidenciado no processo de sua atividade
prtica (1977, p.245).
43
A concepo de msica como forma simblica ou discurso pressupe uma
intencionalidade prpria de toda prxis humana, [...] o ato de dar forma msica uma
tentativa intencional de articular significado. A intencionalidade est presente tambm no
trabalho do educador musical. Observar um educador musical eficaz no trabalho
observar este forte sentido de inteno musical ligado a um propsito educacional:
habilidades so utilizadas para fins musicais, conhecimento factual informa a compreenso
musical (SWANWICK, 1993, p.29).
Na prtica criadora h um papel ativo da conscincia em todo o processo. A prtica
musical uma transformao consciente da matria som, organizado com expressividade e
senso de estrutura em busca do significado. A Educao Musical tambm uma atividade
consciente, porque tem como meta principal trazer a conversao musical do fundo de
nossa conscincia para o primeiro plano (idem, 2003, p. 50).
Os traos da prxis criadora, segundo Vsquez, so unidade indissocivel, no
processo prtico, do interior e o exterior, do subjetivo e objetivo; indeterminao e
imprevisibilidade do processo e do resultado e unicidade e irrepetibilidade do produto.
(1977, p.251).
Na concepo de msica como discurso no sentido de argumento, troca de
idias, expresso do pensamento e forma simblica, h uma unidade indissocivel, no
processo prtico, do interior e o exterior, do subjetivo e o objetivo. A msica comparada
a uma metfora onde articulamos a estrutura musical com nossa estrutura psicolgica,
resduos de nossas experincias de vida (schemata), de carter afetivo e subjetivo. Desta
forma a subjetividade encontra-se inseparvel da objetividade, visto que o sentido da
msica no est no objeto em si, mas na relao que o sujeito estabelece entre a estrutura
musical e sua estrutura psicolgica. Para Swanwick a msica uma troca significativa,
no apenas um prazer simples e sensorial [...] ela enriquece nossa compreenso sobre
ns mesmos e sobre o mundo (2003, p.18).
Na prtica criadora a relao entre teoria e prtica de unidade indissocivel.
Teoria e prtica so atividades diferentes, mas no se opem. A relao entre uma e outra
de unidade, uma vez que a teoria sem a prtica no transforma o real e a prtica no existe
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sem uma finalidade e conhecimento que caracterizam a atividade terica (VSQUEZ,
1977).
O conhecimento dos fins e do processo para alcan-los so pressupostos da prtica
musical e da Educao Musical. No ensino tradicional de msica, os conhecimentos de e
sobre msica encontram-se fragmentados em disciplinas como Teoria Musical, Anlise e
Crtica Musical, Harmonia, Histria da Msica entre outras e separados da prtica musical,
execuo, apreciao e composio. Portanto, h uma separao entre teoria e prtica; e a
prtica baseia-se num modelo preexistente.
Entretanto, a msica no existe apenas como idia, ela precisa objetivar-se, realizar-
se.
Como atividade prtica, a arte produo de uma nova realidade, na qual culmina um processo que teve seu ponto de partida na conscincia, sob a forma de uma inteno, um esboo ou um projeto, que se foi modificando no decorrer do citado processo at adquirir uma realidade objetiva; trata-se, portanto, de um produto que transcende os atos subjetivos que se efetuaram no decorrer do processo prtico ao mesmo tempo em que os conserva objetivados (VSQUEZ, 1977, p.321)
Ento, as finalidades iniciais e o projeto vo objetivar-se na prtica musical. O foco
da Educao Musical est nos verdadeiros processos do fazer musical (Swanwick 2003,
p.50). No modelo CLASP as atividades de composio, execuo e apreciao so
atividades centrais e as de literatura (conhecimentos de e sobre msica), bem como a
tcnica so subordinadas s primeiras.
Todavia, nem toda prtica musical pode ser considerada prtica criadora. Para tanto
deve atingir os trs nveis metafricos, transformando sons em melodias e gestos,
transformando essas melodias e esses gestos em estruturas e transformando essas estruturas
simblicas em experincias significativas. Esses processos podem ser avaliados pelo
alcance das vrias camadas da atividade musical: material, expresso, forma e valor (ibid).
Dessa forma, a tcnica que no ensino tradicional tem um tratamento separado, no tem
valor em si, mas est a servio da busca de expressividade, do senso de estrutura e da
fluncia. A Literatura - conhecimentos de e sobre msica - deve estar articulada s
atividades de composio, apreciao e execuo, contribuindo para a compreenso e o
significado musical.
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Para Vsquez, a separao entre teoria e prtica e a reduo do papel da conscincia
pode resultar numa prtica vazia de contedo, baseada num modelo preexistente, gerado
numa prtica criadora anterior, que no corresponde s necessidades e s condies postas
pela realidade. Neste caso temos uma prtica caracterizada por Vsquez como reiterativa
ou imitativa. Uma prtica criadora, ao contrrio, no se adapta plenamente a uma lei
previamente traada e culmina num produto novo e nico (1977).
A Educao Musical, na concepo de Swanwick, uma prtica contextualizada,
baseada numa relao entre professor, aluno e msica, considerando a realidade, a cultura
musical do aluno e o meio cultural A msica que as crianas tocam, cantam e escutam
ser msica real no msica de escola, especialmente manufaturada (1993, p.29). O
autor prope tambm a conversao do pensamento musical de outras pocas e lugares,
que pode levar aproximao com a diversidade musical do mundo atual e ao respeito s
diferenas individuais e aos grupos sociais.
A cultura musical do aluno que, muitas vezes, tem em comum os meios atuais de
transmisso valorizada, bem como os diversos tipos de msica disponveis. O educador
musical promove trocas musicais, encontrando pontos comuns entre os diversos tipos de
msica, para ampliar seu repertrio e aprofundar sua relao com a msica. De forma
distinta, a perspectiva tradicional ignorava todas essas possibilidades, voltada para o ensino
de msica baseado num modelo ideal a ser generalizado, independente da realidade, dos
interesses e necessidades dos alunos.
J a Educao Musical de Swanwick implica um processo dinmico. O que existe
anteriormente so apenas as finalidades ideais que, na resistncia do real, vo modificando
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