304
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO EM EDUCAÇÃO DEJACY DE ARRUDA ABREU CUIABÁ/MT 2019 EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E TEMPORALIDADES NA FORMAÇÃO DOCENTE

EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

  • Upload
    others

  • View
    5

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

DEJACY DE ARRUDA ABREU

CUIABÁ/MT

2019

EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS

E TEMPORALIDADES NA FORMAÇÃO DOCENTE

Page 2: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

DEJACY DE ARRUDA ABREU

EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE

TEMPOS E TEMPORALIDADES NA FORMAÇÃO

DOCENTE

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal de Mato Grosso

como requisito para obtenção do título de Doutora em

Educação. Área de Concentração: Educação. Linha

de Pesquisa: Organização Escolar, Formação e

Práticas Pedagógicas.

Orientadora: Professora Doutora Ozerina Victor de

Oliveira

CUIABÁ/MT 2019

Page 3: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

A162e Abreu, Dejacy de Arruda.Egressos da Pedagogia : implicações de tempos e

temporalidades na formação docente / Dejacy de Arruda Abreu. --2019

303 f. : il. color. ; 30 cm.

Orientadora: Ozerina Victor de Oliveira.Tese (doutorado) - Universidade Federal de Mato Grosso,

Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,Cuiabá, 2019.

Inclui bibliografia.

1. Tempo. 2. Temporalidade. 3. Formação profissional. 4.Egressos. 5. Pedagogia. I. Título.

Page 4: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,
Page 5: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

Meu primeiro agradecimento é à força que sempre me sustentou e, sem a qual, jamais

chegaria até aqui: Deus.

Agradeço a paciência e o apoio de minha mãe, Dona Aide e do meu irmão Darcy. A

minha mãe pelos dias, semanas, meses e anos, sempre me dizendo: ―você consegue, vai dar

tudo certo! Peça a Deus sabedoria. Deus nunca dá nada pela metade, confie‖.

Agradeço à minha querida sobrinha Sofia, também pela paciência. Ela sempre me

dizia: ―já está acabando tia?‖ Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só

quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel, meu sobrinho, que sempre que chegava em minha casa,

tirava-me totalmente da rotina. Eu, Sofia e ele, naquele momento, era só brincar. Me faziam

esquecer que estava na pressão das produções. Que, por onde eu ia, estavam comigo, com o

lema: ―só brincar!‖ Daniel, dizia: titia, vamos ―blumm!!!‖‖. Era assim que me pedia para

passear de carrinho com ele. Sinto-me imensamente grata ao autor da vida e da esperança que,

no último dia de setembro deste ano (2019), nos concedeu a alegria de poder receber Alice

pela maternidade da minha cunhada Flávia Brum Lopes. Alice, minha sobrinha, Sol da manhã

radiante. Gratidão imensa ao autor da vida!

Agradeço (in memoriam) ao meu pai, seu Darcy, que sempre se alegrou por ter uma

filha professora formada, inicialmente, lá no Magistério. Hoje, Doutora em Educação. Sua

alegria, sem dúvida, seria imensa. Saudades, meu querido pai!

À minha colega de Doutorado e amiga, Jucilene Moura de Oliveira, que foi sempre

parceira de estudos, produções e partilhas de vida e grandes aprendizados. À Deusodete Rita

da Silva Aimi, que de longe ou de perto, foi sempre uma amiga para todas as horas, tanto de

trabalho quanto de estudos e ricas partilhas. Ao Carlos Alberto Caetano, um curioso estudioso

e amigo das epistemologias diversas de Gaston Pineau. Agradeço à professora Gislaene

Moreno e à professora Luzia Guimarães, pessoas amigas que muito me incentivaram nessa

jornada. A vocês, meus amigos e amigas, gratidão pelas múltiplas aprendizagens.

Às egressas do curso de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá, do Instituto de

Educação, turmas de 2009 e 2013. Sou grata às 41 pedagogas que inicialmente se dispuseram

a participar do primeiro levantamento da pesquisa. Também agradeço às 30 egressas que

seguiram no segundo momento da pesquisa. Suas histórias de vida, lutas e conquistas

profissionais e humanas, oportunizaram-me a construção dos fios vitais bioepistêmicos desta

tese. E com eles nasceram novos desdobramentos teórico-reflexivos para a formação docente.

Agradeço a cada uma por tamanha generosidade e parceria. Gratíssima!

AGRADECIMENTOS – SINTO-ME GRATA!

Page 6: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

Agradeço ao meu Departamento de Ensino e Organização Escolar, que através das

chefias de Lilian Auxiliadora Maciel Cardoso e Rose Cléia Ramos da Silva, foram sempre

solidárias nessa parceria de desenvolvimento profissional, bem como a cada uma das

professoras e professores que formam esse Departamento, através de Nilza Cristina de

Araújo, Bárbara Cortella Pereira de Oliveira, Marlene Gonçalves, Kátia Morosov Alonso e

Adelmo Carvalho da Silva, Bartolomeu José Ribeiro de Sousa, Michèle Sato. O meu abraço a

cada um, a cada uma, carinhosamente. Gratidão! Especial agradecimento, à professora

Doutora Judith Guimarães Cardoso (professora aposentada), apaixonada pela formação

humana, e que dedicou sua vida profissional intensamente à Pedagogia campus Cuiabá. Um

exemplo de educadora!

Agradeço, de coração, à Professora Ozerina Victor de Oliveira, que me aceitou como

sua orientanda. Que me recebeu em seu grupo de pesquisa, e que, ao longo dessa trajetória de

estudos, seguiu ao meu lado me incentivando, apoiando e desafiando a crescer como docente

e pesquisadora. Receba minha sincera gratidão, Professora.

Nesse mesmo sentido, agradeço ao meu grupo de Pesquisa Políticas Contemporâneas

de Currículo e Formação Docente. Obrigada pelo apoio e parceria de sempre! Também sou

grata ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Política e Formação Docente. Minha gratidão a

todos vocês!

Agradeço à Professora Filomena Maria de Arruda Monteiro pelo carinho,

acolhimento, escuta, sugestões de leituras e as muitas outras contribuições ao longo de todo o

meu processo de estudos. Certamente, não poderia ter escolhido outra pessoa para compor

esta banca. Minha gratidão!

Ao Professor Luiz Augusto Passos, que é uma presença e referência profissional e

humana desde a minha Graduação. Depois, foi meu orientador de Mestrado e uma inspiração

de estudos e aprofundamento no Doutorado nos fios do tempo e da temporalidade. Minha

eterna gratidão!

Agradeço à Professora Celeida Maria Costa de Souza e Silva, que aceitou prontamente

compor esta banca de defesa e respeitosamente trouxe suas contribuições pertinentes ao

objeto de estudo. Minha gratidão!

Agradeço de coração as contribuições da Professora Clarissa Bastos Craveiro, que se

encontra no Canadá fazendo Pós-Doc, mas que se fez presente por meio de sua leitura e

parecer na qualificação deste trabalho. Sou muito grata pela atenção e leitura cuidadosa do

texto enviado à qualificação. Seus apontamentos trouxeram muitas contribuições para o corpo

epistêmico desta pesquisa. Gratidão!

Page 7: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

De igual modo, agradeço ao Professor Patrick Paul por seus importantes apontamentos

durante o exame de qualificação. Suas observações foram muito pertinentes para o avanço

desta pesquisa. Desejo plena recuperação de sua saúde após a cirurgia cardíaca que precisou

ser submetido. Muito aprendi nas leituras dos escritos de pesquisa, os quais versam sobre a

saúde humana de modo integral, centrada no ser-pessoa em uma concepção de formação

humana transdisciplinar. Merci beaucoup!

Também me alegrei com a participação e contribuição da Professora Érika Virgílio

Rodrigues da Cunha no tocante à construção desta tese. Gratíssima por esta parceria e pelas

ricas contribuições!

Agradeço à Professora Rute Cristina Domingos da Palma, tanto por compor esta

banca, como pelo apoio que sempre me concedeu na ocasião quando estava à frente da

Coordenação da Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da UFMT. E,

juntamente contigo, professora, agradeço a toda sua equipe de trabalho. Sou grata a todos os

servidores que sempre me auxiliaram em todas as necessidades que tive durante o Doutorado.

Em nome de Luísa Teixeira Santos agradeço a todos.

Agradeço imensamente o incentivo e apoio da Universidade Federal de Mato Grosso

por essa oportunidade de crescimento humano e profissional.

A todos vocês, meus familiares, amigos, amigas, professoras e professores, minha

gratidão. A jornada não seria possível sem a presença de vocês. Se, por acaso, cresci um

pouco mais, como ser-mulher, profissional e cidadã da Educação, devo isso a todos vocês.

Figura 1- Lugar das minhas memórias Figura 2 - Lugar das minhas memórias

Fonte: acervo da pesquisadora, 2017. Fonte: acervo da pesquisadora, 2017.

Page 8: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,
Page 9: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

Sinto-me atravessada pelo tempo. O tempo está em mim, e eu estou no tempo, estou

sendo o tempo. Sinto-me nas minhas entranhas, sinto no pulsar da vida, a gestação do meu

próprio tempo.

Ora, quando criança eu observava as coisas, as sentia gigantes, pareciam fixas, fortes e

permanentes. A sensação do tempo era extensa, duradoura. Um único dia era como uma longa

travessia. Um mês, eu me perdia na espera. Já um ano, uma viagem que no horizonte do meu

sentir só ia, e sumia que até pra mim não existia, pois desaparecia quando eu me distraia...

A rua, a rua das minhas infâncias, o ponto certo das brincadeiras, das travessuras, das

amizades, das histórias de poço sem fundo, onde, bem no fundo, encontrávamos ouro,

princesas de longos cabelos e belos castelos.

Tudo parecia que fazia sentido. Até discos voadores nos meus sonhos existiam.

Nas calçadas e nas ruas, jogávamos amarelinha, Sete Marias, finca fica... O incrível

mesmo era subir e descer o morro que atravessava a cidade de um lado para o outro. De um

lado, uma parte da cidade. Do outro, outra parte também. Era um vai e vem!!!

Nesse tempo, olhava muito para o céu. Brincava com os formatos das nuvens, contava

a estrelas e até carneirinhos; e quando vinha a chuva, gostava mesmo de ver os barquinhos de

papel que singravam nas ruas, se precipitavam em correntezas, nelas desciam e se perdiam.

Férias, nem sabia o que era isso. Todos os dias eram dias de brincar. As lições, nunca

via minha mãe determinar a mim um horário de estudos. Sozinha, sempre fazia sem ninguém

acompanhar. Era sempre assim: pronto, terminei! Aqui está! Já sei... Fui!

Assim, eu crescia. Tudo crescia... Eu continuava no meu tempo deitada em mim, sem

com nada me importar. Do meu jeito e lugar, sabia o ―momento certo‖ de fazer as coisas, pois

alguém ia me lembrar. E, de tanto olhar, percebia que cada coisa tinha o seu devido lugar.

Um dia, sim, um dia, que ficou preso em alguma parte, lá bem longe, está nas minhas

lembranças. Recordo-me do rio que era longo e fino, de margens avantajadas de vegetação.

Ali eu ficava deixando a água precipitar por mim. Só lembro que tinha a cabeça apoiada em

alguma pedra que ficara por lá, e o rio no seu curso a lapidava. Eu só sentia, como era bom ali

ficar, sem mais nada pra incomodar. Só eu e o rio a testemunhar a paz que ninguém vinha

roubar.

Animais de criação, eu nem queria saber de abater. Isso era cruel! Jamais! Se isso, eu

antes sabia, até em sonho eu sofria! No vai e vem do dia, os animais que eu tinha eram na

minha imaginação, todos de estimação, meus amigos, meus irmãos. Ah! E o tempo!!!

Bonito mesmo era na escola cantarolar a música do ―alecrim dourado‖. Isso sim, me

fazia sonhar... Bom mesmo era a merenda, arroz com jabá. Quando o sino tocava, todos nós já

Page 10: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

ficávamos por lá, pois havia um pátio onde só se via o reluzeio das cumbucas azuis nas mãos.

E na boca nada mais se balbuciava.

Assim era nos meus tempos de menina. Presos ainda estão, retalhos de bonitas e simples

memórias, em algum lugar do passado a acenar para meu futuro está. (ABREU, 2017)

Figura 3 - Nas tecituras dos tempos e das minhas temporalidades.

Fonte: acervo da pesquisadora, 2017.

Page 11: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

RESUMO

A pesquisa integra-se aos estudos educacionais voltados para o campo de formação de

professores e teve como objeto de estudo: formação do profissional docente de egressos de

Pedagogia do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso – campus

Cuiabá. Para essa tecitura, a formação docente é assumida em uma perspectiva de múltiplos

processos de formações, sejam formais e não formais, pessoais, sociais e profissionais.

Estudos dessa natureza, que entrelaçam epistemologicamente tempo, temporalidade e

formação profissional de egressos, ainda não foram realizados. A pesquisa intenciona

contribuir com a discussão da formação de professores em uma concepção de formação

permanente de outros tempos e temporalidades formativas que são tecidos dentro e fora da

academia. Nessa perspectiva, considerando o objeto da pesquisa, teci como questões

orientadoras: quais as percepções profissionais de egressos de Pedagogia? Como o tempo e a

temporalidade permeiam a formação profissional na Pedagogia? Como a formação

profissional de um grupo de professores se constitui no tempo e na temporalidade? Que

relações ou compreensões formativas podem ser estabelecidas entre formação e a tripologia

de Gastón Pineau? Para o tensionamento dessas indagações, elegi como objetivo principal:

compreender as implicações de tempo e da temporalidade na tecitura e ressignificação da

formação profissional de egressos de um curso de Licenciatura em Pedagogia, examinando o

seu constituir-se profissionalmente para além do tempo e temporalidades hegemônicas que

venham a condicionar seu trabalho. Em termos teóricos, de conceitos múltiplos sobre tempos

e temporalidades, os estudos fundamentam-se nas compreensões de Merleau-Ponty (2006;

1999), Norbert Elias (1998), Pineau (2010; 2006; 2005; 2003), Prigogine (2011; 1990),

Passos (2005; 2003) Patrick Paul (2014; 2009), dentre outros. Para compreender os múltiplos

processos que constituem a formação do profissional docente, dialogo com as contribuições

de García (2009; 1999), Pineau (2010; 2005; 2003), Paul; Pineau (2005), Nóvoa (2016; 2009;

1995; 1992), Shulman (2016; 2014); Zeichner (2013; 2008), Roldão (2014; 2008; 2007;

2004); Tardif (2002); no que tange à Pedagogia, sua historicidade e sua constituição

intercruzada com a educação-formação, utilizei os estudos de Saviani (2012); Gauthier e

Tardif (2014), Aranha (1996); Brzezinski (2006; 1996) entre outros. Neste trabalho, que tem

orientação qualitativa, optei por construir o percurso metodológico considerando um tecido

usado pelos povos andinos denominado de aguayo. Assumo o aguayo como uma metáfora e

como ferramenta metodológica e fenomenológica, no qual busquei inspiração e orientação

para tecer os caminhos da pesquisa. Lancei mão deste recurso desde a composição dos dados

às compreensões formativas humanas/profissionais de tempo e temporalidade das egressas no

tecer das biotecituras em forma de aguayos vivos e vividos. Esse movimento possibilitou-me

realizar alguns fechamentos compreensivos a respeito dessa temática de formação profissional

docente. Na delimitação espaço-temporal da pesquisa, realizei revisões bibliográficas de

natureza exploratória e um estudo documental pautado nas diretrizes curriculares para

Pedagogia, de 2006. Diante dessa orientação, examinei a Proposta Pedagógica do curso de

Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá. Posteriormente, realizei dois levantamentos para

composição dos dados. Um deles teve caráter quantitativo, e ajudou a localizar o número de

egressos em dois períodos formativos (2009 e 2013); o outro exploratório, de caráter fechado,

e auxiliou na localização de quem são e onde estão esses egressos. Finalmente, foi realizada

uma entrevista semiestruturada envolvendo 30 egressos, contemplando os dois períodos. As

entrevistas constituíram-se em composições denominadas posteriormente de biotecituras. O

trabalho de campo se articulou dentro de três dimensões: pessoal, formação inicial e atuação

profissional, as quais são intercruzadas por múltiplos tempos e temporalidades, considerados

fios mestres que ajudaram na constituição da tese, a partir das biotecituras. Como caminho de

análise, dialoguei compreensivamente com as biotecituras de 30 egressas. No tocante aos

Page 12: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

elementos tempos e temporalidades, presentes nas biotecituras analisadas e situadas em um

contexto macro e microssocial, cultural e educacional, observei que as ações/reflexões

pedagógicas são orientadoras de conhecimentos. Nesse contexto, tais conhecimentos são

permeados por conflitos entre o chrónos relativo às esferas social e pessoal, e são mediados

por uma tecnologia decorrente de uma cultura cronoperformática e esquizocrônica, que impõe

condições à formação docente, que por sua vez, recontextualizam-se frente aos desafios da

prática a sua atuação profissional, impondo-se por sua resistência e suas subjetividades

ressignificadas. Conclui-se que há necessidade de compreender nos processos diversos, tanto

da formação inicial como permanente, os tempos pessoais que intercruzam os tempos sociais

e formativos, abrindo, por conseguinte, espaço às temporalidades, assumindo a formação

humana e profissional como um devir permanente, um novo sincronizador cronoformador,

reconciliando os tempos e as temporalidades do ser da percepção em formação em vista de

uma esquizocronia combatida.

Palavras-chave: Tempo. Temporalidade. Formação profissional. Egressos. Pedagogia.

Page 13: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

ABSTRACT

This research integrates the educational studies focused on the field of formation of educators.

It has as object of study the formation of the educators who have finished their university

education on the Pedagogy Institute of the Federal University of Mato Grosso – campus

Cuiabá. Based on this texture, the formation of the educators is assumed on the perception of

multiple processes of formation, formal and non-formal, personal, social and professional.

Studies of this educational line in which counted on epistemologically interlace time,

temporality and professional formation of the educators, have not yet been carried out. The

research aims at contributing to the discussion on the formation of educators based on the

conception of the permanent formation of other formative times and temporalities that are

woven inside and outside the university. Based on this viewpoint and considering the studied

object of the research, it was asked as guiding questions: what are the professional perceptions

of the educators of the Pedagogy course? How do time and temporality permeate the

professional formation in Pedagogy? In what way is the professional formation of a group of

educators constituted in time and temporality? What relations or formative understandings

may be established between the formation and Gastón Pineau's tripology? In order to tension

these questions, it was chosen as the main objective of the study, to understand the

implications of time and temporality in the weaving of the bond and resignification of the

professional formation of educators of the Pedagogy course, as well as, examining their

professional constitution beyond the time and hegemonic temporalities that will condition

their educational labor. In theoretical terms, of multiple concepts about times and

temporalities, the studies counted on the concepts of Merleau-Ponty (2006; 1999), Norbert

Elias (1998), Pineau (2010; 2006; 2005; 2003), Prigogine (2011; 1990), Passos (2005; 2003)

Patrick Paul (2014; 2009), among others researchers. In order to understand the multiple

processes that constitute the formation of the educators, it was used the contributions of

García (2009; 1999), Pineau (2010; 2005; 2003), Paul; Pineau (2005), Nóvoa (2016; 2009;

1995; 1992), Shulman (2016; 2014); Zeichner (2013; 2008), Roldão (2014; 2008; 2007;

2004); Tardif (2002). Regarding to the Pedagogy area, its historical route and intercrossed

constitution with formation-education context, the study counted on the thoughts of Saviani

(2012), Gauthier and Tardif (2014), Aranha (1996), Brzezinski (2006; 1996), among others

researchers. This study was guided by a qualitative direction. It was chosen as the

methodological route a tissue used by the Andean peoples called aguayo. It was assumed

aguayo as a metaphor and as a methodological and phenomenological instrument. This

metaphor tool was used as inspiration and guidance to weave the paths of research. It was

used this resource from the arrangement of the data concerning the human/professional

formative understandings of the time and temporality of the educators on their interlacing of

the bio textures forms of alive and livid aguayo. This movement allowed to reveal some

comprehensive findings on the studied theme of professional educators‘ formation. In the

space-time delimitation of the research, it was conducted an exploratory bibliographic review

and a documentary study based on the 2006 Curricular Guidelines of Pedagogy. Based on this

orientation, it was examined the Pedagogical Guidelines of the Federal University of Mato

Grosso, precisely the Pedagogy course, campus Cuiabá. Subsequently, it was conducted two

surveys for data gathering. One survey was characterized as a quantitative type, and gave

support to trace the number of graduates in two formative educational years (2009 and 2013);

the other of exploratory, character, helped to find who these participants were and where they

were. Finally, it was done a semi-structured interview involving 30 participants, covering this

way both educational periods. The interviews were consisted of compositions which were

later called bio textures. Concerning the field research procedure, it was used three

dimensions: personal, initial formation and professional work which were interlaced by

Page 14: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

multiple times and temporalities, as well as, it was considered the guiding traces which gave

support to construct the research based on the bio textures. Regarding the analysis of the

findings, it was done a comprehensive bio textures of thirty participants. Concerning the

elements termed times and temporalities, present in the analyzed bio textures and situated in a

macro and microsocial, cultural and educational context, it was observed that the pedagogical

actions/reflections are guided by knowledge. In this context, such knowledge is permeated by

conflicts between the chrónos relative to the social and personal spheres. It is also mediated

by a technology resulted from a chronoperformatic and schizochronic culture, which imposes

conditions on educators‘ formation which, recontextualize facing challenges on their

professional performance, as well as, imposes resistance and resignified subjectivities. The

conclusions pointed a need of a understanding concerning multiple processes, both initial and

permanent formation, personal times that intertwine social and formative times, consequently,

opening space to temporalities, assuming human and professional formation as an endless

becoming, a new chronoform synchronizer, reconciling the times and temporalities of the

being on the perception in the formation in view of a struggled schizocrony.

Keywords: Time. Temporality. Professional formation. Graduate educators. Pedagogy.

Page 15: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

LISTA DE SIGLAS

ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação

ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

ANPAE – Associação Nacional de Política e Administração da Educação

BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

CAE – Coordenação de Administração Escolar

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CFE – Conselho Federal de Educação

CLE – Consentimento Livre Esclarecido

CNE – Conselho Nacional de Educação,

CP – Conselho Pleno

DCNP – Diretrizes Curriculares Nacionais para Pedagogia

DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais

DPD – Desenvolvimento Profissional Docente

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

IE – Instituto de Educação

IFEs – Instituições Federais de Ensino Superior

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MT – Mato Grosso

MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

PPP – Projeto Político Pedagógico

Q1 – Questionário 1

SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

STI – Secretaria de Tecnologias e Informação

SISU – Sistema de Seleção Unificada

TDI – Técnica de Desenvolvimento Infantil

SINTEP – Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública

UFMT – Universidade federal de Mato Grosso

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UNEB –Universidade do Estado da Bahia

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNIVILLE –Universidade da região de Joinville

Page 16: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Levantamento de Teses e Dissertações – Repositórios da CAPES (2017) ............ 64 Quadro 2 - Levantamento de teses e dissertações repositórios da CAPES/2017 ................... 124 Quadro 3 - Levantamento de artigos e teses que apresentam contribuições de Gastón Pineau

na sua teoria tripolar de formação .......................................................................................... 135 Quadro 4 - Síntese orientadora das três dimensões do roteiro de entrevista da pesquisa de

campo ..................................................................................................................................... 165 Quadro 5 - Múltiplas percepções do tempo ............................................................................ 266

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Lugar das minhas memórias.....................................................................................05

Figura 2 - Lugar das minhas memórias.....................................................................................08

Figura 3 - Nas tecituras dos tempos e das minhas temporalidades...........................................09

Figura 4 - Apresentação em um evento religioso em São Paulo .............................................. 23

Figura 5 - Defesa de Mestrado da pesquisadora ....................................................................... 23 Figura 6 - Circularidade rizomática ........................................................................................ 161

Figura 7 - Múltiplos movimentos relacionais ......................................................................... 165 Figura 8 - Egressas - Percepções de autonomizações............................................................. 179 Figura 9 - Pedagogia: construções-ressignificações epistêmicas e humanas ......................... 200

Figura 10 - Ampliação da área de atuação na Pedagogia: compreensões das egressas .......... 213 Figura 11 - Processos de autonomizações profissionais ......................................................... 242

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Pesquisa de Levantamento de dados- STI/CAE – ingressantes por ano ................ 46 Gráfico 2 - Pesquisa de Levantamento de dados- STI/CAE – concluintes por matrícula e ano

.................................................................................................................................................. 47 Gráfico 3 - Perfil dos egressos por turma ................................................................................. 50

Gráfico 4 - Perfil dos egressos por idade .................................................................................. 50 Gráfico 5 - Perfil dos egressos por sexo ................................................................................... 51 Gráfico 6 - Perfil dos egressos por setor de atuação profissional ............................................. 51

Gráfico 7 - Perfil dos egressos por modalidade vínculo profissional ....................................... 52

Gráfico 8 - Perfil dos egressos por jornada de trabalho ........................................................... 52

Gráfico 9 - Perfil dos egressos por função profissional ........................................................... 53 Gráfico 10 - Perfil dos egressos com atuação em múltiplas instituições.................................. 53

Gráfico 11 - Perfil egressos por tempo de atuação profissional ............................................... 54 Gráfico 12 - Panorama de atuação por turmas ......................................................................... 55 Gráfico 13 - Perfil pedagogos que atuam na área de formação – turma 2 ............................... 55

Gráfico 14 - Perfil pedagogos que atuam na área de formação – turma 1 ............................... 56 Gráfico 15 - Perfil pedagogos que atuam na área de formação – turma 2 ............................... 56

Page 17: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,
Page 18: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 17 CAPÍTULO I – REMEMORANDO OS TEMPOS: ―TECENDO‖ O AGUAYO ................... 29

1.1 Fios da vida: tecituras autopoiésis ............................................................................. 30

1.2 Caminho teórico-metodológico da pesquisa .............................................................. 36 1.3 Percursos e tecelagem dos primeiros fios colaborativos da pesquisa: o universo dos

egressos ................................................................................................................................. 46 CAPÍTULO II – TEMPO E A TEMPORALIDADE NA PEDAGOGIA ................................ 61

2.1 Tensionamento de fios: o que dizem as pesquisas sobre os egressos de Pedagogia? .... 62

2.2 Desencadeamentos de fios: o tecimento da constituição da Pedagogia ......................... 80 2.3 Temporalizando os fios da Pedagogia na Universidade Federal de Mato Grosso ......... 96

CAPÍTULO III – MÚLTIPLOS TEMPOS, TEMPORALIDADES E FORMAÇÕES ......... 109 3.1 Tecituras dos tempos e das temporalidades .................................................................. 111

3.1.1 Teares artesanais para construção de fios de entendimentos: estudo do saber ...... 122 3.2 Temporalidades na formação do profissional docente: concepções e diálogos com

Gaston Pineau ..................................................................................................................... 131

3.2.1 Tecelagem de fios epistêmicos: diálogo e aproximações com o movimento tripolar

de formação .................................................................................................................... 133 3.2.2 Nos fios da formação do profissional docente: sínteses compreensivas ............... 145

3.3 A hegemonia do tempo performático: tensões-tramas-e-nós ....................................... 152

CAPÍTULO IV – TECITURAS DA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DOCENTE: AS

IMPLICAÇÕES DOS TEMPOS E DAS TEMPORALIDADES .......................................... 156

4.1 A pesquisa: movimentos e desdobramentos ................................................................. 158 4.2 A dimensão pessoal das egressas de Pedagogia: constituição das subjetividades nos

processos bioformativos ..................................................................................................... 167 4.3 Dimensão-formação inicial de egressas de Pedagogia: construções-ressignificações e

empoderamentos bio-epistêmicos....................................................................................... 180 4.3.1 Percepções das egressas de Pedagogia frente à ampliação da área de atuação ..... 201

4.4 Contextos formativos e processos de autonomização: dimensão profissional das

egressas ............................................................................................................................... 214 4.4.1 Percepções e reflexões frente às formações da Rede de Ensino ............................ 227

4.5 Implicações de tempos e temporalidades nas tecituras da dimensão pessoal-formação

inicial e na atuação profissional.......................................................................................... 243 4.5.1 Entre tempos performáticos-esquizocrônicos e tempos formadores ..................... 268

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 290 APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO Nº 1 ............................................................................... 298 APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM EGRESSAS(OS) DO CURSO DE

PEDAGOGIA/IE/UFMT ........................................................................................................ 299 APÊNDICE C – TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO .................... 301

Page 19: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

17

INTRODUÇÃO

É notório que a educação se constituiu como um patrimônio da humanidade, o que fica

evidente em inúmeras pesquisas, tanto nacionais como internacionais. A educação formal de

um povo não só eleva sua capacidade de ver e pensar o mundo, como também de agir, o que

também contribui para assegurar sua história como patrimônio cultural-humano.

Foi possível construir esse pensamento mediante as leituras que realizei junto a várias

obras que tratam da educação e da formação do professor. Leituras e releituras que foram

possíveis de se fazer considerando a minha própria trajetória de formação humana-

profissional. Ora, ao abrir as janelas do meu tempo e da minha temporalidade de formações,

me observo como se estivesse em um filme, vendo do alto a minha trajetória sendo exposta

conforme minhas memórias são acessadas ou evocadas. Vejo uma jovem sonhadora e

buscadora, que encontrou, nos vários processos de formação, um caminho que desemboca e

se apoia na educação como ferramenta de suporte do desenvolvimento humano e profissional.

Foram experiências que se intensificaram e se diversificaram nas escolhas de vida que fui

assumindo como ser-em-formação. Reconheço todos os meus processos de formação, com

níveis diferentes de entendimento conforme fui me confrontando com experiências sociais,

culturais, religiosas e educacionais. Meu campo de percepção só foi capaz de perceber e

sentir, a partir das elaborações de vida pessoal e formação que eu já havia construído até

então. Quanto mais me expunha aos processos educativo-formativos, mais sentia o

alargamento das minhas percepções e conseguia ressignificar saberes anteriores já aprendidos.

Reconheço que meus processos formativos ocorreram e ocorrem em campos do sentir,

de tempos e temporalidades diversas, pois sou um-ser-um-todo em construção e mudanças. O

tempo aparece no sentido chronos (cronos) do relógio físico e biológico, pois desde cedo

aprendi que tudo respeitava ordem determinada, hierarquia e costumes. E para compreender

ou ter acesso, eu precisava passar por processos que levaria ‗tempo‘, para ter ou ser o que me

seria permitido com a minha própria idade cronológica. Nisso eu via o imperativo do tempo

dos relógios e calendários. Minha temporalidade de percepção que entendo ser minha

subjetividade ficava suspensa ou devido à pouca idade, nem era contabilizada como válida.

Mais uma vez, observo o tempo sendo assumido como condição para maturação do ser-pessoa

e formação humana sem considerar sua subjetividade, a qual só foi considerada por mim, à

medida que fui confrontando com os próprios processos de formação mais elaborados no

sentido de serem reconhecidos e organizados, tanto sociais como acadêmicos.

Page 20: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

18

Por isso, entendo que a educação ou os processos de educação são fundamentos da

humanidade, enquanto um conjunto de seres em transformação, transformação no sentido

intrínseco do ser humano como um projeto inacabado, um ser em constate construção,

(des)construção e reconstrução.

Ora, sou eu mesma observadora e testemunha que a educação ou as educações

assumem no corpo que se constitui no mundo, processos de transformação, pois vi a minha

vida e história pessoal sendo por ela e com ela sendo transformada. Foi nesse sentido que

decidi assumir para esta tese de Doutoramento como seu principal objeto ―Formação do

profissional docente egressos de Pedagogia do Instituto de Educação da Universidade Federal

de Mato Grosso – campus Cuiabá‖.

Dentro dessa tecitura, que é a formação em uma perspectiva de desenvolvimento

profissional de professores, assumo o tempo e as temporalidades como fios mestres que

ajudam a tecer, a partir das vozes das egressas1, suas dimensões, tanto pessoais, profissionais

quanto sociais relacionadas ao seu protagonismo formativo.

Decorrente dessa centralidade de pesquisa, elaborei algumas questões orientadoras e

basilares, as quais busquei perscrutar: que relações existem ou podem ser estabelecidas entre

formação, tempo e temporalidade? Como o tempo e a temporalidade permeiam a formação

profissional na Pedagogia? O que constitui as temporalidades da formação na Pedagogia?

Quais as percepções profissionais dos egressos de Pedagogia? Que compreensões formativas

podem ser estabelecidas entre a formação das egressas da Pedagogia e a tripologia de Gastón

Pineau? Como a formação profissional de um grupo de professores se constitui no tempo e na

temporalidade? São indagações que nasceram das minhas percepções e experiências dentro do

curso de Pedagogia, campus sede, na cidade de Cuiabá, no Instituto de Educação, da

Universidade Federal de Mato Grosso (IE/UFMT), ainda da minha atuação como pedagoga

nos Anos Iniciais e na Educação Superior. Para alcançar uma aproximação de entendimento,

tracei o seguinte objetivo geral: compreender as implicações de tempo e da temporalidade na

tecitura e ressignificação da formação profissional de egressos de um curso de Licenciatura

em Pedagogia, examinando o seu constituir-se profissionalmente para além do tempo e

temporalidades hegemônicas que venham a condicionar seu trabalho. Vinculado a esse

objetivo mais amplo, estabeleci outros objetivos para o desdobramento da pesquisa. São eles:

conhecer onde e como os egressos do curso de Pedagogia das turmas concluintes nos anos de

1 Considerando que tive 30 colaboradores para realização da pesquisa e dos 30, 29 são mulheres, optei pelo

gênero feminino, usando egressas e colaboradoras. 2 No entendimento de Garcia (1999), a reflexão contribui para o desenvolvimento de competências

metacognitivas, que permitem conhecer, analisar, avaliar e questionar a prática docente num movimento

reflexivo integral (do pessoal ao profissional). 3 Essa escolha também foi feita tendo presente a composição das biotecituras, as quais trouxeram fortemente a

Page 21: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

19

2009 e 2013 estão atuando profissionalmente; identificar, a partir dos estudos de tempo e da

temporalidade, os processos formativos de um grupo de egressos do curso de Pedagogia da

UFMT; analisar de modo compreensivo como egressos da Pedagogia percebem o tempo e a

temporalidade no processo de sua formação profissional; relacionar formação pessoal, inicial

e atuação profissional de egressos da Pedagogia com a tripologia de Gastón Pineau no tocante

às formações.

Nos últimos anos, a temática formação docente tornou-se cada vez mais recorrente nos

debates, estudos, pesquisas e publicações diversas de circulação nacional e internacional,

configurando-se como um campo de estudos.

Desse modo, a ideia de formação que norteia as formulações teóricas dessa

investigação tem origem no campo da formação, pois tratamos de egressas oriundas do curso

de Licenciatura em Pedagogia.

Assim sendo, ao se tomar formação como campo de estudos e exercitando uma

discussão não linear, pesquisadores da educação afirmam que a formação é elemento

fundamental na qualidade da ação educativa. Esse campo científico busca conceber a

formação como movimento, conforme esclarece e explica Roldão (2014, p. 106): ―[...]

formação de profissionais e formação como um processo único e contínuo de

desenvolvimento profissional‖, o que não configura uma situação de discussão simples, pois

exige desse campo de estudos e dos profissionais uma mudança da cultura profissional que

não venha de fora, mas da própria comunidade docente, estrategicamente amparada por dois

eixos fulcrais, a formação como processo de desenvolvimento profissional assentado em uma

supervisão reflexiva2, e a reorganização das escolas como contextos de trabalho de docentes,

produtores de conhecimento profissional.

Esta pesquisa debruça-se sobre o estudo nomeado de Egressos da Pedagogia:

implicações de tempos e temporalidades na formação docente. Tais elementos urgem em um

cenário educacional e social atravessado por um fluxo de mudanças, que vem emergindo nos

últimos anos, a partir de uma reforma educacional orientada por uma tecnologia cultural

calcada em técnicas e artefatos, tais como: gestão de qualidade, controle de produtividade,

impessoalidade, meritocracia, sistema de rede, indicadores de desempenho, avaliações de

larga escala. Esse aparato visa organizar ou comandar a atividade pedagógica orientada por

um novo profissionalismo, em que os professores são controlados pelos resultados dos

2 No entendimento de Garcia (1999), a reflexão contribui para o desenvolvimento de competências

metacognitivas, que permitem conhecer, analisar, avaliar e questionar a prática docente num movimento

reflexivo integral (do pessoal ao profissional).

Page 22: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

20

grandes programas/agenciadores de ensino que formatam a escola e os demais espaços de

trabalho da Pedagogia nos moldes do espaço empresarial ou fabril. Emerge assim, uma

estrutura escolar educacional dominada pela racionalidade técnica e pela cultura da

performatividade.

Esse lançar mão à formação profissional de egressos de Pedagogia dentro de uma

perspectiva humana busca contribuir com a discussão da proposta curricular do curso de

Pedagogia da UFMT, tendo presente as percepções desses egressos na construção de sua

formação profissional. Ainda, contribuir com o alargamento do campo de estudos da

formação docente, trazendo para esse campo uma compreensão e a incorporação do tempo e

da temporalidade enquanto dimensões da formação do profissional docente intrinsicamente

ligado ao ser-pessoa.

Nesse emaranhado de fios que compreendem a formação humana e profissional

docente, estabeleci diálogos com as contribuições dos estudos feitos por Garcia (2009; 1999),

Pineau (2010; 2005; 2003), Paul e Pineau (2005), Nóvoa (2016; 2009; 1995; 1992), Shulman

(2016; 2014), Zeichner (2013; 2008), Roldão (2014; 2008; 2007; 2004), Tardif (2002) e, no

que tange à Pedagogia, sua historicidade e sua constituição intercruzada com a educação-

formação, utilizei os estudos de Saviani (2012); Gauthier e Tardif (2014), Aranha (1996);

Brzezinski (2006; 1996), entre outros.

No que se refere a forma, entendo que tal conceito está cunhado como um continuum

de mudanças em uma perspectiva de múltiplos processos de formações, sejam elas formais e

não formais, pessoais, sociais, culturais e profissionais. Ora, para Day (2001, p. 38), esse

processo de mudança é ―um resultado necessário do desenvolvimento profissional eficaz, é

complexo, imprescindível e depende das suas experiências passadas (histórias de vida e de

carreira), da sua disposição, das suas capacidades intelectuais, das convicções sociais e do

apoio institucional‖.

Considerando essa concepção, os processos e percursos são múltiplos, os quais, para

García (1999), se colocam para além de uma concepção que considera a tradicional

justaposição entre formação inicial e formação contínua dos professores. Para o referido

autor, há níveis diferentes de desenvolvimentos ao se tratar do ser pessoa e profissional

docente. Assim, compreendo, para esta tese, que esse movimento é um ―processo contínuo,

sistemático e organizado [...] que abarca toda a carreira docente‖ (GARCÍA, 1999, p. 117), e

se filia às coisas da vida, como assim entende Pineau (2003), que ainda ressalta que ―a

formação está vinculada a toda uma renovação da reflexão educativa‖ (PINEAU, 2010, p.

100). A respeito dessa compreensão, Goguelin (1970, p. 17) esclarece que:

Page 23: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

21

Pode considerar-se que o emprego progressivo da palavra formação em substituição

de ensino, instrução e educação - que já se realizou no que diz respeito aos adultos-

marca uma revolução profunda na nossa forma de pensar a Pedagogia: esta deve sair

dos livros e inscrever-se numa perspectiva de ação.

No que concerne ao que indica o referido autor, bem como quanto à compreensão de

Pineau (2010), essa revolução é ação/movimento que ajuda a pensar e repensar a Pedagogia

via formação considerando vários contextos educativos mais amplos e diversificados.

Para este estudo, compreendo o desenvolvimento profissional docente envolvido em

conceitos mais amplos e complexos, os quais abarcam a formação pessoal, acadêmica e

profissional em um desdobramento para aspectos sociais, de gestão educacional e relações

interpessoais e profissionais, que Day (2001, p. 17-18) chama de ―visão alargada da

aprendizagem profissional‖. Nos estudos da área da Educação na perspectiva da docência,

compreendo a amplitude do Desenvolvimento Profissional (DP). No entanto, assumo a

formação3 docente como uma dimensão do DP, o qual abarca diversos processos formativos.

Sendo que a formação é parte desse contexto maior como um dos momentos desse processo.

Assim, sigo tecendo com os fios da formação do profissional docente na Pedagogia,

reconhecendo nela múltiplas dimensões para o constituir-se o ser-professor.

Ora, o movimento de pesquisas voltadas para a formação docente trouxe, nos últimos

anos, para o centro do debate da formação e profissionalização, as dimensões pessoal e

profissional do docente, sem perder de vista os inúmeros fatores que implicam no

desenvolvimento profissional. Nessa perspectiva, Day (2001, p. 20-21) assim comenta:

Desenvolvimento profissional envolve todas as experiências espontâneas de

aprendizagem e as atividades conscientemente planificadas, realizadas para

benefício, direto ou indireto, do indivíduo, do grupo ou da escola e que contribuem,

através destes, para a qualidade da educação na sala de aula. É o processo através do

qual os professores, enquanto agentes da mudança, reveem, renovam e ampliam,

individual ou coletivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do

ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças,

jovens e colegas, o conhecimento, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais

para a reflexão, planificação e prática profissionais eficazes, em cada uma das fases

das suas vidas profissionais.

Os professores individual ou coletivamente reveem, renovam e desenvolvem

compromissos como agentes de mudança no âmbito pessoal ou profissional em seus contextos

de atuação. Concordando com essa mudança, e também com as múltiplas mudanças que

ocorrem ao longo da trajetória pessoal e profissional, é que assumo esse mesmo sentido

trazido pelo referido autor para esta pesquisa, na qual enfatizo que a formação docente é um

formação permanente, tecida e retecida ao longo da vida em uma perspectiva de processos, o

3 Essa escolha também foi feita tendo presente a composição das biotecituras, as quais trouxeram fortemente a

formação como um polo central nos contextos formativos das egressas.

Page 24: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

22

que pode implicar em mudanças internas e externas oriundas de diferentes dimensões e

movimentos formativos.

Tal entendimento coincide com o de García (2009, p. 09), para o quem deve-se

―superar a tradicional justaposição entre formação inicial e formação contínua dos

professores‖. Para ele, esses múltiplos processos formativos ―tem uma conotação de evolução

e continuidade‖ e constroem mudanças no ser professor, mas não somente nele. Essas

mudanças estão presentes na profissão docente, mas pertencem ao um quadro mais amplo das

transformações sociais, na qual se inserem, pertencem e agem esses professores.

Segundo García, (1999, p. 19),

[...] a formação pode ser entendida como uma função social de transmissão de

saberes, de saber-fazer ou do saber-ser que se exerce em benefício do sistema

socioeconómico, ou da cultura dominante. A formação pode ser entendida como um

processo de desenvolvimento e estruturação da pessoa que se realiza com um duplo

efeito de uma maturação interna e de possibilidades de aprendizagem, de

experiências do sujeito.

Por isso, entendo que a formação pessoal-profissional vai se desdobrando no

movimento de tempos e temporalidades do ser-docente em vários aspectos de sua vivência

humana e profissional.

De igual modo, considero, para esta pesquisa, que esse movimento ocorre na vida, e

também em níveis diferentes, na escola e em outros espaços de atuação. Nesse caso específico

do egresso de Pedagogia, se circunscrevem como contextos propícios para a atuação

profissional.

Em suas temporalidades, o profissional formado em Pedagogia, seja na escola ou em

outros espaços formais e não formais de educação se expõe, ganhando visibilidade com sua

atuação devido à sua formação, o que se estende e se entrelaça com a vida, com os espaços-

tempos que o cercam e o permeiam.

Considerando esses entrelaçamentos de formações, tempos e temporalidades, sinto

necessário dizer que várias pesquisas sobre formação de professores têm verificado a

importância de se analisar a questão da formação profissional, observando as subjetividades

que se constituem em temporalidades diversas, que tecem os processos formativos do ser

docente.

Dentro dessa perspectiva de pesquisa vinculada ao ser-pessoa-profissional, optei,

mediante os estudos realizados, por organizar este trabalho em quatro grandes dobras, que

foram metaforicamente tecidas em um pano andino, denominado de aguayo. Para a

construção da pesquisa tomei teares de fiação, onde produzi fios com os quais construí a

Page 25: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

23

tecelagem de caminhos-teóricos e metodológicos que me ajudaram a aproximar, perceber

compreensivamente os tempos e temporalidade dos processos formativos de um grupo de

egressas da Pedagogia da UFMT.

O aguayo é um tecido típico dos países andinos, e que pode ser encontrado geralmente

na Argentina, Bolívia, Peru e região Norte do Chile. O meu encontro com esse tecido

multicolorido ocorreu em vários momentos da minha trajetória humana formativa. Trago aqui

alguns dos momentos marcantes. O meu momento de olhar para esse tecido de modo

diferente, quase como por encantamento, foi no mercado popular da Bolívia. Fiquei encantada

com as possibilidades e diversidades de acessórios fabricados, tomando-o como base de

representação da cultura local. São mochilas, roupas, toalhas, chapéus e diversos adornos

particularmente usados por mulheres de ascendência indígena, que usam também o aguayo

em forma de bolsa cegonha nas costas para carregarem suas crianças junto ao corpo.

Assim, o tecido Andino seguiu marcando minha vida de modos diferentes, mas sempre

sendo celebrativo de evocação de uma ancestralidade em respeito à cultura das mãos que o

tecem.

Figura 4 - Apresentação em um evento religioso em São Paulo

Fonte: acervo da pesquisadora, 1995

Figura 5 - Defesa de Mestrado da pesquisadora

Fonte: acervo da pesquisadora, 2007

Page 26: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

24

Recordo com a primeira fotografia, de 1995, minha participação e atuação em eventos

religiosos institucionais, onde o aguayo já era um adorno de evidência, representando também

a presença de outras culturas onde a missão religiosa se fazia presente. E, nesse mesmo

sentido de presença de tempos guardados e sagrados dentro de uma dada cultura, é que o

aguayo esteve compondo o ambiente que ilustrou elementos centrais da minha defesa de

Mestrado, como se vê na segunda fotografia.

O aguayo continuou a me instigar a pesquisar mais sobre ele, já que constitui a

memória viva e vivida do meu estar-sendo-no-mundo, pois com ele, em minhas múltiplas

temporalidades pessoais e formativas, seguia lendo e compreendendo o mundo como

múltiplos fios que se entrelaçam em tramas que tecem a vida.

Nessa jornada de estudos em vista de um aprofundamento epistemológico acadêmico,

já no início do Doutorado, encontrei um boletim do Museu Chileno de Arte Pré-colombiana

(1991), o qual trazia que o aguayo simboliza:

[...] o berço de indígenas, os bebês são transportados em Aguayo, é também um

símbolo de esforço e trabalho, fruto do trabalho e da terra. Espalhe sobre a Mãe

Terra, que tão lindamente evoca o rosto e o coração materno de Deus, o Aguayo é

também a mesa ao redor da qual a família ou a comunidade se sente. Aguayo

sintetiza e simboliza a vida das pessoas. Ao celebrar a Eucaristia em Aguayo

estamos proclamando a profunda relação que deve existir entre a vida e a Eucaristia.

O aguayo, segundo a perspectiva apresentada nesse boletim, enalteceu minha

compreensão dos sentidos guardados nesse pano que é uma inscrição de uma ancestralidade

sempre viva, e que evoca a memória de um povo. Para este trabalho, ele seguiu nos teares das

vidas das professoras pedagogas colaboradoras desta pesquisa. Na jornada de fiação da

pesquisa, encontrei um videoarte de autoria de Mariana Tschudi (2017), ―Tejido Andino4‖. A

obra me ajudou a compreender que todas e todos somos tecedores. Para tecer, nos conectamos

a uma memória de nossa ancestralidade. Com isso, vamos gestando nossas próprias tramas,

que são integradas ao grande tecido cósmico que forma o universo. É um diálogo com nossa

própria origem. Vamos compreendendo que seguimos nossa jornada de tecedoras como seres

únicos, mas jamais sozinhos. Nossos fios estão juntos, cruzados e emaranhados com os

outros, heteros. Nossa existência é de interdependência e integração, assim como uma árvore

não é somente uma árvore (TSCHUDI, 2017), suas raízes guardam as memórias de sua

ancestralidade integrada com a Terra, o ar e a água e todos os elementos (ecos) vivos ou não,

que lhe tocam em uma mesma coexistência. Os fios do aguayo foram tecidos considerando as

4 O videoarte foi criado por Mariana Tschudi. Ela se inspirou nos conhecimentos sobre ancestralidade andina dos estudos

pesquisador Mario Osorio Olazábal. O resultado do trabalho foi usado pelos alunos da Faculdade de Arquitetura da

Universidade Católica do Peru em uma exposição no Amano, Museu Têxtil Pré-colombiano, conforme informações

disponíveis eletronicamente pela autora do videoarte.

Page 27: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

25

biotecituras das professoras em suas dimensões pessoais (auto), formação inicial e

profissional de modo imbricados.

Ao construir a tese nessa perspectiva de processos de formação docente, essa relação

com o aguayo e as egressas proclama uma relação entre a natureza, o ser-pessoa, as coisas e

entre o tempo e as suas nuances de temporalidades. Nele concebo os movimentos, as

subjetividades, as lutas, negociações, construções e ressignificações múltiplas que as egressas

fazem em sua formação pessoal-profissional docente. Em razão disso, cada capítulo é

permeado de fios, cores e movimentos que se vinculam à vida, às formações e à profissão do

ser professor.

O primeiro capítulo está intitulado Rememorando os tempos: tecendo o aguayo. Nele

rememoro os fios da minha vida, que considero serem tecituras5 autopoiésis, considerando as

minhas experiências de formação do ser-profissional docente. Apresento e justifico o

surgimento desta pesquisa e a sua contribuição para o cenário da formação docente.

Nos dois últimos itens desse capítulo, mostro, em uma composição de fios, as escolhas

do caminho teórico-metodológico que orientaram toda a tecelagem desta tese, em que assumo

o aguayo como uma metáfora metodológica, no qual me inspiro e me oriento para tecer os

caminhos da pesquisa, da composição dos dados às compreensões de tempo e temporalidade

das egressas no desfecho dos últimos fios, o que me possibilitou realizar alguns fechamentos

compreensivos a respeito dessa temática.

Nessa perspectiva, observei a importância da pesquisa qualitativa para trabalhos dessa

natureza, suas teias reflexivas epistemológicas que, por meio de pesquisas de caráter

exploratório bibliográfico, foram fundamentais para orientar todo este trabalho, envolvendo

principalmente livros, artigos de periódicos, teses e dissertações, documentos legais, quadro

de dados institucionais, fotos de placas de formatura, os quais constituíram um corpus

empírico da pesquisa. Tal etapa contribuiu ricamente para o aprofundamento do objeto de

estudo. Dentro dessa perspectiva e entendimento, me enveredei pelos caminhos da pesquisa

de campo, a qual consistiu na coleta de dados por meio do instrumento de entrevista

semiestruturada com 30 egressas do curso de Pedagogia da UFMT.

Para os estudos, análise e interpretação dos dados e composição do aguayo, faço um

diálogo compreensivo e perceptível com o movimento tripolar de formação baseado nos

estudos de Pineau (2010; 2003) sobre auto, hetero e ecoformação em um entendimento do

5 Assumo a palavra tecitura no sentido de composição de fios que se cruzam intercruzam e em forma de tramas como

movimento aberto e em construção, que segue na fazedura da fiação do aguayo com suas dobras que se desdobram

compondo um tecido vivo concebido pelas compreensões das e nas biotecituras. Apoiei-me no dicionário de Laudelino Freire

(1957, 5. v.) que registrou o vocábulo tecitura, s. f. Conjunto dos fios que se cruzam com a urdidura.

Page 28: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

26

formar-se permanente. Nesse movimento compreensivo, o referido autor nos chama para a

reflexão, ao dizer que:

Parece-nos que para termos em conta a formação permanente [...] devemos apoiar-

nos em constituintes elementares dessa vida- o eu, os outros, a natureza. [...] Depois

do primeiro período peleocultural da heteroformação, que quis impor-se como o

todo da formação, parece despontar atualmente a idade neocultural da

autoecoformação, que faz do processo de formação um processo permanente

dialético e multiforme. (PINEAU, 2010, p. 116)

Os escritos de Pineau (2006; 2005) esclarecem que esses polos não são justapostos.

Sendo assim, um não tem maior predominância sobre o outro no sentido da prioridade. O que

pode ocorrer é que, em determinado momento ou circunstância da vida, somos tomados mais

por um do que por outro.

Com esse movimento tripolar, de fios que se cruzam em uma compreensão (no sentido

do pensar) e percepção (no sentido do sentir no-corpo-e-no-mundo) da vida, das coisas e dos

outros, é que busquei dialogar com as colaboradoras da pesquisa e as contribuições desses

estudos salientados, mediante uma dimensão ontológica do ser-pessoa-profissional.

Na dobra que se constituiu no segundo capítulo nomeado de Tempo e temporalidade

na Pedagogia, decido partir e considerar, para o diálogo inicial, a minha trajetória de

construção epistêmica da Pedagogia, como fui aprendendo-a e reaprendendo-a como

pedagoga em formação inicial e permanente. Seguindo a fiação em busca de entendimentos,

me debrucei para estudar pesquisas que também tiveram como sujeitos egressos de

Pedagogia, sendo considerado nesse estudo a formação profissional. Realizei um breve estudo

do saber da Pedagogia temporalizando seus movimentos históricos, políticos, sociais, legais e

educacionais, no qual opto por fazer um recorte de sua constituição e reformulações enquanto

curso de Licenciatura na Universidade Federal de Mato Grosso.

No terceiro capítulo discorro sobre Múltiplos tempos, temporalidades e formação

profissional. Nele, dedico a escrita para as compreensões dos conceitos que abarcam

múltiplos estudos a respeito dos tempos e temporalidades na perspectiva das pesquisas de

Merleau-Ponty (2006; 1999), Norbert Elias (1998), Pomian (1993), Gaston Pineau (2010;

2006; 2005; 2003), Patrick Paul e Gaston Pineau (2005), Passos (2019, 2005; 2003),

Prigogine (2011; 1990), Patrick Paul (2014; 2009), dentre outros.

Nesse diálogo de múltiplos sentidos e complexidades que envolvem o tempo e a

temporalidade, assumo a temporalidade do ser-egresso-em-formação como subjetividades em

mudanças, entendendo que há vários processos de formação, e que elas se desdobram em

Page 29: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

27

vários tempos, tanto pessoais como sociais, sempre em relação com um todo aberto e mais

amplo que também está em mudança.

Foi nesse sentido que dialoguei com os referidos autores. Considero, assim como

explica Merleau- Ponty (1999), que é preciso assumir de modo epistemológico e ontológico o

tempo como sujeito e esse mesmo sujeito como o tempo, e ainda compreender nesse

movimento das dimensões como o ser pessoa-professor vai temporalizando no desdobramento

de suas vivências o seu desenvolvimento pessoal e profissional docente, considerando o ser-

pessoa, o sujeito da relação com o tempo na perspectiva do vivido e do devir.

Nesse caminho, onde intercruzam-se vários estudos e conceitos, realizei um estudo

tomando como base as contribuições de Gaston Pineau a respeito dos tempos formativos com

um olhar teórico reflexivo-crítico, interpretativo e humano, levando em conta os processos

formativos-humanos que se imbricam. Segundo o referido autor, os processos que ocorrem

nos polos de formação denominados autoformação, heteroformação e ecoformação, como

sendo um movimento tripolar, que integram a vida pessoal e profissional do ser-docente em

uma constante relação de evolução e mudanças na dinâmica da vida.

Assim, ponderando que a compreensão do tempo possui múltiplos conceitos, sentidos

e entendimentos, me defrontei com percepções de tempos sociais-hegemônicos, cortando os

tempos pessoais, sociais e profissionais. Nesse sentido, destaco o fortalecimento de uma

cultura de tempos performáticos sobrepondo as temporalidades que são potencializadoras e

construtoras de significações autoformativas.

Em função dessa escolha, na última dobra, que é o quarto capítulo, dediquei-me a

escrever sobre as Tecituras da formação do profissional docente: as implicações dos tempos e

das temporalidades.

Ao tomar as entrevistas das 30 colaboradoras, deparei-me com um universo aberto e

permeado por múltiplas possibilidades de diálogos frente à formação profissional e humana

desse grupo de egressas. Assim, não poderia considerar esse universo múltiplo e singular

como somente relatos. Por isso, decidi nomear essa construção pessoal-epistêmica-

profissional de biotecituras, pois considero que a formação do profissional docente se constrói

intrinsicamente com a vida, os modos de vida, as escolhas e decisões pessoais e coletivas de

cada uma das colaboradoras que seguem nos movimentos de tempos e temporalidades a

tecerem as suas autotecituras. Faço uso do termo bio para destacar que se trata de vidas

humanas em si mesmas. ―A emergência desse si mesmo, a conhecer e a cuidar-se situa-se

nesse espaço – entre divino e humano – que se submetem, se esse espaço impõe uma cultura

de silêncio e de opressão mais do que de palavra partilhada [...]‖. Há uma busca para se

Page 30: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

28

formar-se a si mesmo considerando, muitas vezes, que há um espaço abissal. ―Esse espaço

impõe e já é ocupado ―por poderes heterônomos, econômico-políticos e religiosos‖. Esse

espaço deve ser conquistado por um conhecimento de um cuidado de si que se conjuga na

primeira pessoa do singular e do plural esses poderes com verbos, pessoas, objetos de todos

os modos em todos os tempos (PINEAU, 2006, p. 46-47). A tecitura remete a um conjunto de

múltiplos fios e tons que embora diversos e diferentes, buscam se conjugar para compor o

aguayo.

Fiz um exercício para trançar todos os fios do aguayo anteriormente tensionados.

Como tecelãs com seus fusos, rocas, teares e fios, dediquei-me a retomar as compreensões

construídas acerca do tempo-temporalidade e da formação do profissional docente de

Pedagogia, para auscultar, por meio de três dimensões que abarcaram: a formação-pessoal;

formação-inicial; e a formação profissional. Decidi por essa organização de dimensões como

sendo inicialmente uma escolha didático-metodológica, a qual orientou a pesquisa de campo

por meio de entrevistas, que posteriormente, mediante os dados coletados, contribuiu para a

composição dos dados com uma compreensão metodológica de análise de circularidade

relacional dentro de uma concepção que há uma relação sem sobreposição. Isso possibilitou

conhecer os processos formativos, as múltiplas experiências na trajetória pessoal e

profissional das egressas; suas construções, ressignificações bioepistemológicas. Ademais,

consequentemente, foi possível compreender as implicações de tempos e temporalidades nas

trajetórias, onde pude perceber no trançar do aguayo, a consciência de si para si em diálogo

crítico reflexivo com as coisas e com os outros.

O movimento construído para esta pesquisa no que concerne à análise-compreensiva,

foi tecida considerando a composição das biotecituras das 30 colaboradoras, nessa

composição de fios múltiplos, percepções de tempos e temporalidades diversas pude observar

alguns aspectos da formação pessoal, inicial e profissional de cada uma das egressas. Nesse

movimento de perceber, compreender e tensionar as biotecituras, o aguayo foi sendo tecido e

retecido. Essa estamparia que se formou no e o aguayo é decorrente da composição de

diversos fios fiados e vividos por essas egressas, os quais me ajudaram a compreender que há

possibilidades de construir processos de conhecimentos de si, com processo de

autonomizações de uma ação reflexão permanente na formação profissional.

Page 31: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

29

Fonte: elaboração da autora desenhos e aguayos originais (2019).

CAPÍTULO I – REMEMORANDO OS TEMPOS: “TECENDO” O

AGUAYO

Page 32: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

30

Depois de uma longa caminhada de quatro anos de pesquisa é chegado o momento de

reunir os fios mais finos ou mais grossos do aguayo fiados na roca6 da vida, dos tempos,

memórias e narrativas das minhas próprias percepções, das percepções das colaboradoras da

pesquisa para finalmente tecê-lo no tear do movimento da pesquisa que deu origem ao

desenho estampado no aguayo, onde está toda a razão e a intencionalidade da tese.

Esses primeiros fios foram tecidos em três cores, três movimentos: minha trajetória de

vida pessoal e profissional; caminhos teóricos-metodológicos e nesse último localizei o

percurso dos fios iniciais, tais como as meadas da pesquisa, os quais estenderam-se e foram

constituindo-se, formando, por conseguinte, a tese.

Nesse movimento inicial da roca da vida e da pesquisa, os fios que se resultaram aqui

são de origem pessoal, enquanto história de vida, de escolhas que fui fazendo conforme os

estudos realizados nas disciplinas do Doutorado, no Grupo de Pesquisa e das pesquisas

exploratórias bibliográficas, bem como dos resultados da pesquisa de campo.

1.1 Fios da vida: tecituras autopoiésis

A relação com o passado, presente, futuro e o agora, de alguma forma, nos remete à

história, à minha história pessoal. É essa reminiscência que me lança em busca de novos

sonhos, realizações e desafios.

Nesse vai e vem de buscas, encontros e desencontros, que me situo no tempo do já

vivido e no espaço dessas temporalidades, para então, detalhar um pouco das experiências

dentro do processo de ensino e aprendizagem, e do trabalho como docente.

Como propor uma pesquisa sem dizer de onde ela ecoou inicialmente? Isso posto,

apresento os meandros dos questionamentos de onde emanaram a inquietação a respeito do

objeto de pesquisa que se teceu em forma de tese. Ela nasce evocada na memória tecida por

uma narrativa que envolve o processo formativo do ser docente, do meu ser docente. Mostra,

em forma de dobras e tramas, a trajetória sempre em construção e reconstrução dos processos

de formação profissional do ser docente.

Na fluidez da vida, e o que ela me permite capturar ao abrir as janelas do tempo já

vivido, pousei o olhar sobre a minha própria história e me dei conta de um tempo intenso no

qual reconheço as minhas andanças, lutas, conquistas e desafios de ser mulher, cidadã e

professora em uma sociedade tão complexa. Esse fio condutor fez-me entender que, na

6 Segundo pesquisa realizada, essa palavra é de origem da língua gótica, escreve-se ‗ruka‟. As rocas de fiar, igual

conhecemos, supõe-se que tiveram sua origem na Índia, entre os anos 500 e 1000 d.C. No século XIII, a roda de

fiar é introduzida na Europa e compete com a roca e o fuso. Para esta tese, ela será o instrumento no qual,

simbolicamente, os fios do aguayo são fiados antes de ir para o tear.

Page 33: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

31

construção e na produção de humanidades, nada escapa da educação, como bem lembrou

Brandão (1984, p. 70), ao afirmar que,

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo

ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para

ensinar, para aprender e ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver,

todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias:

educação? Educações.

A educação simplesmente acontece em qualquer espaço de vivência das muitas

experiências humanas, como uma celebração de trocas simbólicas de signos e significados.

Ao retomar os escritos de Brandão (1984), já mencionados aqui, fiquei a imaginar o que

pensaram os meus pais sobre a educação, pois eles me ajudaram a construir as várias formas

de educação embebidas em várias culturas, sendo eu filha e neta de nordestinos com mãe

mato-grossense, com origens afro-ameríndia, são culturas humanas remisturadas em diversos

tempos, temporalidades e espaços. E é aqui que puxo um fio dessa teia da vida para produzir

os primeiros riscos e escritos dessa pesquisa.

Até parece que foi ontem que eu ouvia meu pai dizer: ―Que bom, filha, agora você é

professora. Um sonho realizado!‖. Naquele momento, eu havia concluído o Magistério das

séries iniciais. E, para meu pai, aquilo já era um grande feito. Afinal, fora professor do antigo

Mobral7. Para ele, os estudos eram, para seus filhos, seu maior legado. E ele estava certo.

Mas, o Magistério era o início de uma longa jornada de formação, misturada com as

coisas do cotidiano da vida. Minha jornada de formação humana continuou por vários

caminhos. Fui fazendo escolhas e dessas escolhas, desde a minha adolescência, ainda entre os

14 a 15 anos, decidi ingressar em um grupo de freiras, contrariando a vontade de meus pais e

de meu avô materno, que veio a falecer no mesmo ano em que deixei a minha casa paterna.

Não sabia muito bem o que estava escolhendo. Só sabia que estava muito motivada a

estar em uma vida totalmente diferente e cheia de novas exigências. Naquela ocasião, eu era

muito mais inclinada a seguir o meu sentir. Era como se eu fosse atraída por uma força maior

que eu. E, naturalmente, me deixava conduzir. Foi assim que pude conviver com uma

proposta de vida orientada pelas questões religiosas, por uma espiritualidade vivida por um

grupo de mulheres que estavam envolvidas com muitas pastorais e movimentos sociais.

Eu não sentia ou via algo especial para questionar, pois eu estava ali para aprender.

Para mim, tudo estava certo e era novo. Eu pintava aquele lugar e meu sentir com cores,

sentidos, significados e vida. Era essa a minha referência depois da minha família.

7 O Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) foi um projeto do governo militar brasileiro criado pela Lei

n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967 a 1985, e propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, que

abandonaram a escola.

Page 34: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

32

Essa formação e experiência religiosa estão compreendidas em um período de 15 anos.

Foi uma verdadeira inicialização em uma nova opção de vida. Todas as minhas ações foram

sendo orientadas dentro de uma proposta formativa de vida simples, no sentido material e

humano, obediente com relação à instituição e casta, por se constituir em um projeto

colaborativo de mulheres que não optaram por uma vida matrimonial. A formação

institucional era interna e, depois, acompanhada por diversos cursos da linha teológica, social

e psicológica, os quais me capacitaram para assumir trabalhos nas chamadas comunidades

religiosas de base vinculadas a uma vida pública a serviço de um projeto religioso com

trabalhos sociais envolvendo crianças, adolescentes, mulheres e jovens.

Depois de uma longa andança de trabalhos em movimentos sociais pelo Rio Grande

do Sul, Goiânia, Colíder, no Norte de Mato Grosso e Rondônia, entre um momento e outro,

ministrando aulas para crianças nas séries iniciais, ou em uma coordenação pedagógica,

diante dos desafios do trabalho educacional que vinha assumindo, houve um entendimento

que eu precisava dar continuidade aos estudos acadêmicos, pois os estudos da vida e para

vida, esses seguiram com suas tramas, nós e múltiplos fios.

Como o meu perfil era visto e avaliado como de caráter mais acadêmico, fui sendo

orientada a escolher a área de Educação para os estudos profissionais, embora sempre o meu

desejo não escondido fosse fazer o curso de Psicologia, mas, naquele contexto, esse curso era

de pouca visibilidade, e onde eu estava morando, ainda não era ofertado pela rede pública

federal de ensino. Então, fui me convencendo que essa era a minha única alternativa de

formação profissional, e foi assim, que em uma dada manhã de 1999, lá estava eu no curso de

Pedagogia da UFMT para as séries iniciais, trazendo experiências diversas na bagagem

cultural e humana. Mas, me sentia totalmente despida naquele lugar. Leituras, autores,

fundamentos metodológicos e pedagógicos foram atravessando, e como que borrando o que

eu achava que sabia acerca do ensino e aprendizagem de crianças e formação docente. A

sensação era de um tempo perdido, que eu agora precisava recuperar. Foi assim que iniciei ou

dei continuidade aos meus estudos, sem ainda saber construir, reconstruir e ressignificar o que

eu já havia apreendido, ou que sabia até aquele momento.

Antes de concluir o curso de Pedagogia, diante de uma situação pessoal e familiar,

decidi renunciar toda a proposta de vida dentro da vida religiosa. Foram 15 anos de outro

tempo e lugar. O que posso chamar do tempo das providências divinas, pois era assim, que eu

fui aprendendo a lidar com as coisas, os acontecimentos e os merecimentos dos movimentos

que a vida fazia. O tempo chronos era usado para sistematizar, organizar as ações, mas não

exercia a decisão da hora ―H‖. Digo isso porque as temporalidades de uma vida conventual

Page 35: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

33

são outras. São outros os sincronizadores que passam pelo sentir e o observar do observador

que está na formação. Ao romper com esse tempo, houve um corte temporal subjetivo que me

recolocou em outro tempo cronológico, como se estivesse inserido em um outro trilho

temporal pré-determinado de um novo mundo. Essa é a minha sensação de novos recomeços.

O meu sentir, agora, estava voltado com mais atenção à minha família e à formação

acadêmica. Foi aqui que senti o significado do lugar onde estamos, pois quando eu deixei o

convento, ele veio colado em mim. Tive que aprender a lidar com outro espaço social, onde

eu não atuava apoiada em um grupo, sem aquela representação social definida e instituída. Eu

me sentia sozinha, mas eu era eu mesma. Fui entender esse outro lugar onde eu estava, mas

não me filiava a ele. Aqui, sim, fora do convento, o meu tempo humano e social era outro,

pois tinha a ver com o meu estado interno. Era com ele que eu lia aquele novo mundo, já

velho para outras pessoas da minha mesma idade, mas tão novo para mim. Sentia-me um ET.

Até as roupas pareciam estranhas no meu corpo e para o meu corpo.

Então, foi preciso ressignificar os meus aprendizados anteriores e partir deles para

novas leituras de mundo. Foi nesse movimento que, como aprendiz de docente, fui

descobrindo a amplitude de outras formações no campo das Ciências Humanas e Sociais.

Nesse sentido, estive e estou compreendendo a educação como parte intrínseca da

experiência do ser humano, fortemente marcada por suas escolhas diárias, mesmo que essas

sejam condicionadas pela realidade na qual está inserido ou pretende se inserir. Conforme

podemos verificar em uma das publicações do IX Congresso sobre formação de educadores

da Universidade Estadual de São Paulo, expressa por Neto et al. (2007, p. 05): ―A educação

envolve outras esferas, sejam elas de determinações políticas, econômicas ou culturais e isso

faz com que os professores não tenham domínio total sobre a prática, uma vez que tais setores

interferem na vida escolar‖. Por isso, a necessidade de haver uma formação docente que

dialogue com as múltiplas temporalidades que cruzam a academia, a vida pessoal e os espaços

de atuação do docente.

Para essa compreensão que venho estabelecendo ganchos de entendimento, entre a

minha formação e as formações das minhas colaboradoras, foram-me importantes as

pesquisas de Gaston Pineau (2010; 2006; 2005; 2003), um pesquisador francês, cujos estudos

localizam-se no campo das Ciências da Educação e da formação. Suas pesquisas orientam-se

pela perspectiva de uma teoria da formação como movimento permanente. Ele alicerça em

abordagens das histórias de vida, considerando, nesse movimento, conceitos de autoformação,

heteroformação e ecoformação. Fiz uma aproximação com esses estudos observando o

Page 36: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

34

referencial teórico. Ainda, me apoiei na concepção de formação docente entrelaçada com a

temporalidade.

Nesse movimento de estudos, fui percebendo que a formação se dá em um movimento

mais amplo com a vida, as coisas e os outros. Em razão disso, constatei que é com eles e, a

partir deles, que vou formando-me, moldando-me, construindo-me, desconstruindo-me e

reinventando-me continuamente, em uma autopoiésis na perspectiva do devir kairótico8. Foi o

que aconteceu ao longo da trajetória do curso de Pedagogia que fiz considerando a minha

formação humana, o que, no meu entendimento ―[...] não tem forma prévia definida, única,

porque se move no e ao ritmo do tempo, como um quadro sem moldura, sem a inscrição de

um(a) único(a) autor(a), mas com a inscrição de todos(as) os(as) autores(as) (ABREU, 2007,

p. 34)‖. Portanto, se constitui em um movimento de entrar e sair constantemente da caverna,

fazendo uma alegoria ao mito da caverna de Platão.

Já como pedagoga, no exercício da docência, por volta de 2005, estava eu de volta à

UFMT, sendo esse espaço de estudo e trabalho, como professora substituta, atendendo ao

curso de Pedagogia na sede do campus Cuiabá e atuando em várias turmas de Licenciaturas.

Essa experiência junto aos licenciandos incentivou-me a realizar um concurso público na

mesma instituição onde me efetivei como docente.

Como educadora, tanto de séries iniciais (2002 a 2010), como do ensino superior

(2005 aos dias atuais), venho interessando-me pela temática da formação docente, buscando

compreender porque ocorre o entendimento de separação entre tempo da formação na

academia e o tempo da formação no trabalho docente, sendo que o tempo de formação ocorre

de forma permanente.

Essa temática em questão me chamou atenção, principalmente quando tive a

oportunidade de trabalhar como docente nos cursos de Licenciatura da UFMT, e, de modo

especial, no curso de Pedagogia, campus sede, em Cuiabá, pois me deparei com colocações

dos formandos afirmando que muitos entraram no curso buscando uma oficina do fazer

pedagógico, querendo uma resposta para cada conteúdo ou situação de dificuldades de

8 De acordo com a Enciclopédia online Jurídica da PUC-SP, publicado em 2017, autopoiese deriva do grego

(autopoiesis). A origem etimológica do vocábulo é autós (por si próprio) e poiesis (criação, produção). Seu

significado literal é autoprodução. Os subsistemas produzem e reproduzem a sua própria organização circular

por meio de seus próprios componentes. É um termo que vem sendo usado da Biologia ao Direito. Para este

trabalho, tomo esse conceito na produção e estruturação do ser pessoa, em que em relação aos diversos

ambientes físicos e humanos, a pessoa em relação ‗com‘, vai se autoproduzindo, produzindo a si mesmo. E o

kairótico, concebo-o como um tempo oportuno de significações e ressignificações dessas produções humanas, o

que extrapola o tempo do relógio, tempo mítico e criativo e recriador. Nele produzem-se novas humanidades,

produzindo-se a si mesmo.

Page 37: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

35

aprendizagem em sala de aula. Contudo, se frustram quando não encontram essa técnica

explícita nos conteúdos programáticos do curso e nas falas dos professores.

Porém, contrapondo a essa visão, existem discentes que, quando chegam no final do

curso, expressam o entendimento de que o conhecimento dessas práticas não é dado pronto,

uma vez que se constrói no processo, tanto do curso como no exercício da docência. Isso

revela que a formação é tecida e misturada por tempos que se fundem, resultando em

temporalidades diversas, em que cada um dos envolvidos com o processo de formação de sua

formação, a partir de sua subjetividade vai construindo e produzindo suas próprias sínteses

epistemológicas.

Nesse sentido, assumimos a temporalidade do ser-egresso-em-formação como

subjetividades em mudanças, por compreender a formação na concepção de algo permanente

e integrado com as coisas da vida, a vida de modo integral, sem deixar nada de fora. A

mudança está no entendimento das produções humanas que vai se organizando e

reorganizando, sejam elas nas suas trajetórias pessoais, sociais e profissionais, envolvendo

suas novas capacidades intelectuais. Entendendo que há vários processos de formação, e que

elas se desdobram em vários tempos.

Tal raciocínio me ajudou a compreender que essas falas, vozes dos alunos e

professores estão em um campo perceptível, do qual decorre uma reflexão ou reflexões que se

aprofundam em um sentido de continuidade, pois não somos feitos de metades, pedaços ou

episódios. Somos um todo contínuo, e, portanto, movidos ou condicionados por experiências.

A esse respeito, concordo com Merleau-Ponty (1999, p. 578) quando enfaticamente diz que:

―Mas não poderia ser de outra maneira se somos temporalidade, já que a dialética do

adquirido e do porvir é constitutiva do tempo‖. Ao se referir ao tempo sendo o constitutivo da

dialética do adquirido e do porvir, o autor me ajuda a pensar o ser pessoa (para esta pesquisa,

as egressas de Pedagogia), como aquela(as) que temporalizam em suas existências, por meio

de suas reflexões perceptivas do tempo e nele se tecem em múltiplas formações em um devir

permanente.

Foi a curiosidade epistemológica de conhecer esse movimento de constituição do ser

em formação que acordou em mim o desejo de investigar o tempo e a temporalidade na

formação profissional do pedagogo, e assim, conceber e problematizar como um objeto de

pesquisa de Doutorado.

Page 38: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

36

1.2 Caminho teórico-metodológico da pesquisa

Desde o início do desenho da proposta da pesquisa, a preocupação estava na escolha

teórico-metodológica, pois a metodologia é um farol que indica e orienta o caminho. Ela não

desnuda a realidade a ser explorada, mas aponta uma direção para o início de uma jornada de

achados e tantas outras construções e reconstruções de instrumentos de aproximação e

distanciamento diante do que se busca pesquisar.

Como pedagoga, fico sempre pensando em um jeito lúdico de abordar determinados

assuntos, o que não foi diferente para esta pesquisa. Isso porque sinto que tenho uma

compreensão de mundo de modo mais subjetivo e uma linguagem que se aproxima das

narrativas.

O pensar o caminho teórico-metodológico do trabalho foi sendo desenhado no movimento

da própria pesquisa. À medida que comecei os estudos nas disciplinas cursadas voltadas para

pesquisa e para formação, o escopo metodológico foi sendo construído com base nos

objetivos e na problematização da pesquisa. Com isso, observei que os estudos dos teóricos da

área de educação suscitaram a necessidade de redesenhar o caminho metodológico.

Foi nessa busca que me deparei com uma recordação minha, um tecido andino, que é

denominado de aguayo. Ele estava em minhas mãos como uma memória de uma experiência

vivida na Bolívia. Em uma dada cidade no mercado popular e por todo canto, eu via aquele

tecido esvoaçando e estando presente como símbolo da cultura daquele povo. Suas multicores

me indicavam movimentos múltiplos, não uniformes, com sintonia na diversidade das cores.

Pensei, então, que era isso que eu via e sentia no andamento e no desdobramento da pesquisa.

Foi assim que decidi elegê-lo para ajudar a compreender o conceito de tempo e temporalidade

considerando seus fios e os movimentos de suas tecituras, vislumbrando uma possibilidade de

compreender o tempo nas minhas percepções entrelaçadas às percepções das egressas de

Pedagogia.

Fui entendendo que o aguayo se tornaria um instrumento metodológico na pesquisa,

pois seus fios ajudavam a tecer todo movimento estudado. Decidi assumir definitivamente o

aguayo como metáfora metodológica para potencializar e tencionar todos os fios da pesquisa,

de modo a articular, entrecruzar, trançar, e estender-se, em tramas e nós, o tecimento de um

grande aguayo vivo.

A tecitura de uma trama parte da nossa capacidade criadora perceptível, da nossa

relação com o mundo, que nos permite a criação ou recriação de novas sínteses críticas como

Page 39: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

37

elementos constitutivos do ser em formação. Para compreensão desse conceito, ao verificar o

Dicionário Paulo Freire, encontrei o verbete escrito por Passos (2008), que esclarece que:

Paulo Freire usa de forma surpreendente a palavra ‗trama‘. Ela cresce nos seus

escritos como uma metáfora aplicada às relações cotidianas ou nas amplas relações

políticas e socioeconômicas [...]. Paulo Freire lê os acontecimentos e a vida como

trama, à vezes, no melhor sentido expresso pelo existencialismo, o de facilidade:

ser-no-mundo estamos aí, expostos, ou melhor postos, inelutavelmente, como um

ser-aí, numa determinada história, inseridos num contexto complexo com

determinações que nos solicitam respostas e provocam a liberdade última de aceitá-

las ou rejeitá-las e, portanto, de decisões que modelarão nosso rosto. (PASSOS,

2008, p. 415)

As tramas estão presentes no sentido de integração e relação estabelecida entre as três

dimensões tensionadas que envolvem as histórias de vida das pedagogas entrevistadas, que

são banhadas em suas experiências de vida, seus modos de olhar para si e para os outros em

suas tramas humanas e culturais, contemplando sua formação inicial e profissional. Assim,

concordo com Freire (1992), quando diz que ―carregamos conosco a memória de muitas

tramas, o corpo molhado de nossa história, de nossa cultura‖ (FREIRE, 1992, p. 16). O

constituir-se-pessoa se tece em um emaranhado de fios que estão sempre em movimentos com

múltiplos tempos e temporalidades. Nesse sentido, trama, na compreensão de Passos (2008),

e em Paulo Freire, é um movimento que se imbrica com tudo que atravessa a vida do ser-

pessoa. É com essa concepção e olhar que segui tecendo o aguayo vivo neste trabalho.

Esta estratégia metodológica foi possível de se assumir por se tratar de uma pesquisa de

investigação qualitativa. Considero o aguayo uma metáfora metodológica, com o qual me

oriento nos caminhos da pesquisa e com as egressas. A partir de seus fios de biotecituras, teço

a estamparia da formação, que é intercruzada por tempos-temporalidades.

Ao tratar de uma pesquisa na área de educação envolvendo egressas professoras e suas

formações, essa abordagem ajuda a perceber e interpretar o modo como elas estruturam o seu

mundo social, pessoal, profissional onde vivem e atuam. Por conta dessa estratégia

metodológica abarcar singularidades e subjetividades, compreendo, assim como Bogdan e

Biklen (1999, p. 16), que:

Utilizamos a expressão investigação qualitativa como termo genérico que agrupa

diversas estratégias de investigação que partilham determinadas características. Os

dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em

pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas [...] com objetivo

de investigar os fenômenos em toda a sua complexidade e em contexto natural.

Os referidos autores auxiliaram-me a recolher, compor e analisar os dados da pesquisa

entendendo que eles são um fenômeno que abarcam as subjetividades das colaboradoras da

pesquisa e precisam ser tratados, descritos e analisados cuidadosamente em seus pormenores.

Page 40: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

38

Sopesando a abrangência e a complexidades do trabalho, a intenção não é de responder a

questões prévias visando fazer experimentos, tabulações e achados fechados, pois a pesquisa

se envolve e se desenvolve a partir de profissionais pedagogos que tratam de sua formação

profissional em contextos diversos. A intenção é trazer uma análise compreensiva mediante

essa composição de dados com a intenção de contribuir com o estudo de tempo e

temporalidade na formação do docente pedagogo.

Como eu disse inicialmente, o aguayo ajuda a compreender as noções do tempo e da

temporalidade que permearam a formação de um grupo de pedagogas egressas. Assim, com

essa tecitura, não tive a intenção de esgotar as noções. Pelo contrário, a intenção foi percebê-

las para dialogar com elas e abrir perspectivas de outras formações para a Pedagogia.

Ora, ao longo de quatro anos de estudos, venho pesquisando a respeito de um vasto

material que compreende o tempo e a temporalidade entrelaçados com a formação docente,

pois é diante deles e por meio deles, que assumo uma postura que considera esses conceitos,

ou grandes temas, associados à vida social, política, cultural, educacional, profissional e

ontológica da pessoa do ser professor.

O que posso registrar do tempo, ou do que venha a ser para mim o tempo, é o conjunto

das minhas percepções. São as minhas sensações que me permitem comunicar-me com o

mundo onde me insiro através do meu ser, e o outro me percebe no meu estar-sendo-no-

mundo. ―É preciso compreender o tempo como sujeito e o sujeito como tempo.

Evidentemente, essa temporalidade originária não é uma justaposição de acontecimentos

exteriores, já que ela é a potência que os mantém juntos distanciando-os uns dos outros‖.

(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 566).

Não há um tempo que se estende. Há muitos tempos e temporalidades que se fundem,

confundem e resultam em sentidos percebidos, vividos e ressignificados por quem os

temporaliza.

Ora, a temporalização, por sua própria natureza, satisfaz a essas suas condições: com

efeito, é visível que eu não sou o autor do tempo, assim como não sou autor dos

batimentos de meu coração, não sou eu quem toma a iniciativa da temporalização;

eu não escolhi nascer e, uma vez nascido, o tempo funde-se através de mim, o que

quer que eu faça. E, todavia, este jorramento do tempo não é um simples fato que eu

padeço, nele posso encontrar um recurso contra ele mesmo, como acontece em uma

decisão que me envolve ou em um ato de fixação conceptual. (MERLEAU-PONTY,

1999, p. 572)

Não sou o autor do tempo, conforme esclarece Ponty, no sentido de criá-lo para minha

contemplação ou atuação no mundo, já que ele precede a existência, as existências como

entende Prigogine (1990). Sou um canal por aonde ele flui espontaneamente.

Page 41: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

39

Nós não somos temporais porque somos espontâneos e porque, enquanto

consciências nos afastou de nós mesmos, mas ao contrário o tempo é o fundamento

e a medida de nossa espontaneidade, a potência de ir além, e de ‗niilizar‘ que nos

habita, que nós mesmos somos, ela mesma nos é dada com a temporalidade e com a

vida. [...] Portanto, não se pode tratar de deduzir o tempo da espontaneidade.

(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 573)

Com as colaboradoras de pesquisa, pude construir ou reconstruir o entendimento do

tempo ou dos múltiplos tempos que cruzam e intercruzam essa fluidez. As singularidades das

suas histórias de vida, de formação inicial, profissional e continuada, me orientam nessa

jornada da pesquisa em diálogo com a formação docente de pedagogos. Lidar com esses

tempos e essas temporalidades exigiu uma aproximação maior das egressas. Nesse sentido, as

egressas estão envolvidas em suas temporalidades e temporalizações por sua própria forma e

condição humana.

Diante desse gancho de buscas de compreensões do tempo e da temporalidade, a

pesquisa em questão se situa no campo da educação, mais especificamente atrelada à

formação de professores. E, devido à sua natureza e complexidade, orienta-se pela pesquisa

qualitativa, com ênfase na proposta reflexiva e interpretativa com uma aproximação ao olhar9

fenomenológico. A pesquisa qualitativa é definida como aquela que privilegia a análise de

microprocessos mediante o estudo de ações sociais individuais e grupais em um tipo de

trabalho artesanal. Para esta pesquisa, esses microprocessos são tecidos considerando as

biotecituras das egressas. Assim, de modo direto e indireto, metodologicamente foi possível

desenhar e desenvolver nas tramas e fios do aguayo sustentado pela abordagem qualitativa, na

qual, segundo Chizzotti, (2000, p. 79), em seus fundamentos,

[...] há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência

viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a

subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados,

conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do

processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um

significado. O objeto não é um dado inerte e neutro, está possuído de

significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações.

(CHIZZOTTI, 2000, p. 79, grifo nosso)

Considerando a orientação da pesquisa qualitativa na visão do referido autor, essa

dependência ou interdependência do sujeito para compreender, agir e se posicionar no mundo

como ser-estar pensante, observador e autor de suas ações, ocorre em uma inter-relação

interdependente com as realidades que o cercam.

Nesse sentido, há um entendimento que, nos microprocessos, há existência de

cruzamentos que envolvem as questões, sociais, políticas, culturais e educacionais de modo

9 Busquei tomar as experiências tecidas nas biotecituras das egressas de maneira não reducionista, buscando

transver as descrições instrumentais, formalistas e lineares.

Page 42: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

40

mais amplo. Assim sendo, entendo que, nessas relações múltiplas, os tempos se fundem e se

confundem com todas as coisas que dizem respeito à vida.

Nesse contexto, são essas construções de entendimentos que permeiam os textos

construídos oriundos dos ambientes ou universos da pesquisa, pois pesquisas desta natureza

seguem na contramão do pensamento de estudos que transcorrem por um discurso ou

processo, o qual, muitas vezes, busca resultados ou medidas com soluções prontas de

transposições, o que, a meu ver, possibilitam o professor de pensar e repensar sua prática e

seu contexto de trabalho.

Na mesma perspectiva, Godoy (1995, p. 62-63) ressalta, ao dizer que:

Nessa abordagem, valoriza-se o contato direto e prolongado do pesquisador com o

ambiente e a situação que está sendo estudada. [...] os pesquisadores qualitativos

estão preocupados com o processo e não simplesmente com os resultados ou

produto.

A pesquisa qualitativa busca compreender os fenômenos que estão sendo estudados a

partir da perspectiva dos participantes. No caso desta pesquisa, estamos diante do universo

perceptível das egressas de um curso de Licenciatura em Pedagogia.

Para tanto, elegi um instrumento com dois desdobramentos. O primeiro foi um

questionário semiestruturado organizado em letras com questões de A-J, compreendendo um

total de 10 perguntas10

que objetivaram localizar onde estão atuando profissionalmente esses

egressos. A partir do questionário 1, elaborei um roteiro de entrevista11

. Esse instrumento foi

composto por três dimensões que indagaram do que se refere a formação pessoal, inicial e

profissional de cada egresso. Cada uma das dimensões constituiu-se por um conjunto de

questões que formaram um roteiro.

No que se refere a esses instrumentos de pesquisa, Barros e Lehfeld (2000, p. 58) me

ajudam a compreender que ―[...] a entrevista semiestruturada estabelece uma conversa

amigável com o entrevistado, busca levantar dados que possam ser utilizados em análise

qualitativa, selecionando-se os aspectos mais relevantes de um problema de pesquisa‖. Nessa

mesma direção, os estudos de Chizzotti (2000, p. 90) dizem que as entrevistas ajudam a vir à

tona ―as representações subjetivas dos participantes‖.

Dentro dessa perspectiva, a coleta de dados via entrevistas na pesquisa de campo

objetiva observar fatos e ou fenômenos que já sucederam na vida das egressas, ou que serão

observados no decorrer da pesquisa, para assim, analisá-los. Nesses aspectos, Gonsalves

(2001, p. 67) esclarece que:

10

Conforme o Apêndice A. 11

Conforme se verifica no Apêndice B.

Page 43: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

41

A pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação

diretamente com a população pesquisada. Ela exige do pesquisador um encontro

mais direto. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o fenômeno ocorre,

ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem documentadas [...].

Quanto a isso, também encontrei respaldo em Triviños (1987, p. 57), quando trata das

anotações de natureza reflexiva feitas pelo observador, pois o em permanente estado de

―alerta intelectual‖, já que desses momentos podem surgir novos elementos para a

investigação que está em curso.

Optei pela pesquisa de campo no sentido de estar com as egressas, e assim, ter a

possibilidade de escutá-las a partir de suas histórias de vida e profissional. Diante disso, as

questões das entrevistas constituíram-se como guia/roteiro não fixo, mas aberto, e em

construção para que eu pudesse me aproximar dessas vozes e tecer cuidadosamente os fios

principais desse aguayo vivo.

Outro aspecto importante e fulcral para essa aproximação foram os estudos que fiz

para conhecer outras pesquisas que trabalharam com uma aproximação do objeto desta tese.

Os estudos realizados no campo da metodologia científica e dos múltiplos referenciais

teóricos epistemológicos orientam que é vital para todas as pesquisas um cuidadoso

levantamento bibliográfico em vista do estudo do saber deste objeto pesquisado. Iniciei a

revisão de literatura para o estudo do saber nesses espaços científicos virtuais fazendo o

levantamento bibliográfico de natureza exploratória.

Dentro desse movimento de pesquisa, inicialmente, me organizei em quatro

momentos, os quais descrevo brevemente nesta parte do trabalho. Posteriormente, as

contribuições advindas desse levantamento bibliográfico seguem como fios que vão ajudando

a tecer cada parte desta pesquisa.

O primeiro momento consistiu em delimitar os conceitos básicos que foram

trabalhados e explorados por esta pesquisa. Trabalhei com os seguintes descritores como

boleadores: egressos de Pedagogia e egressos pedagogos; tempo-e-temporalidade;

autoformação, heteroformação e ecoformação.

Em um segundo momento, delimitei foco na área de educação. E considerando a

abrangência e a cientificidades do levantamento, elegi as bases de buscas em repositórios ou

plataformas: Repositório de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES), Repositório dos Periódicos da CAPES e do SCIELO,

Google acadêmico e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).

Em um terceiro momento, devido ao alto número de informações primárias, que são

aquelas que vêm em atenção somente à grande área Ciências Humanas e Educação, observei

Page 44: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

42

que o resultado de busca com esses descritores abrange outras áreas de conhecimento, mesmo

tendo delimitado o tema em Ciências Humanas e Educação. Por isso, houve um número

expressivo de trabalhos. Esse momento exigiu maior cuidado e refinamento. Para tanto, usei

os critérios de recorte temporal, delimitando pesquisas de Mestrado e Doutorado concluídas

entre os anos de 2006 a 2016 em Educação.

O enfoque em 2006 está relacionado ao ano de aprovação das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Pedagogia (DCNs). Então, considerei que a partir desse período ocorreu a

reformulação do curso de Pedagogia, em especial, do curso do campus cuiabano da UFMT, e

fechei em 2016 porque este foi o marco inicial da pesquisa em questão. Ademais, refinei em

pesquisas defendidas em Programas de Pós-Graduação em Educação. Mesmo assim, o

montante de trabalhos nunca ficou menor do que 500 pesquisas concluídas. Vi que os

descritores ainda continuavam puxando muitos trabalhos de outras áreas de conhecimento.

Então, em um quarto momento, optei por abrir os trabalhos após esses refinamentos e

considerar somente aqueles que traziam no título os descritores inseridos. Posteriormente

retomarei os trabalhos selecionados para dialogar com eles.

Para esta pesquisa, essa etapa descrita se mostrou importante para a construção do

escopo teórico metodológico pelo qual me enveredei. O que apresento nesta parte do trabalho

são os caminhos assumidos, as estratégias. Mas, os resultados, análises e reflexões aparecem

junto a cada conceito tensionado, em uma tentativa de fazer um trabalho articulado e não

linear. Esta parte, sem dúvida, já se constituiu em um movimento nascedouro dos primeiros

fios da tese com o objetivo de conhecer o que se tem produzido a respeito desse assunto na

área de Educação, bem como assegurar a originalidade da pesquisa em questão.

Por se tratar de um trabalho acadêmico científico com um objeto inédito para o campo

da formação docente, pois não encontrei nenhum trabalho de Doutorado ou Mestrado dentro

desse período que tratasse do tempo e da temporalidade com egressos da Pedagogia, nem

mesmo com egressos do período delimitado originados da UFMT, me propus a fazer vários

levantamentos, tendo presente os vários conceitos que tecem epistemologicamente esta

pesquisa.

Para compreender ou aproximar da proposta de formativa acadêmica das egressas

colaboradoras, realizei uma análise documental incluindo o Projeto Político Pedagógico –

PPC (2008-2009) do curso de Pedagogia campus Cuiabá da UFMT, o qual foi reformulado

após a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em

Pedagogia – Licenciaturas DCNs (2006). Como precisava localizar os colaboradores da

pesquisa dentro do recorte tendo como marco as DCN (2006), elegi os períodos de matrícula

Page 45: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

43

no curso de Pedagogia campus Cuiabá (2006 e 2010). Tais informações foram buscadas nos

arquivos da Coordenação de Administração Escolar (CAE) e Secretaria de Tecnologias e

Informação (STI), da UFMT.

Com a ajuda dessas instâncias institucionais, recebi um quadro de descrição numérica

de ingressantes-estudantes nos períodos de 2006 e 2010, e concluintes de 2009 e 2013, sendo

duas turmas para cada respectivo ano de curso. Posteriormente, fotografei as placas de

formatura que correspondem a esses dois períodos de curso. Com essas informações, busquei,

junto aos arquivos do curso de Pedagogia, os registros que confirmassem essa listagem de

alunos formados. Após, obtive a anuência do curso para desenvolver a pesquisa localizando

esses grupos de egressos. Esse movimento investigativo ajudou na escolha das técnicas que

auxiliaram na coleta de dados e na definição da amostra.

Fiz a escolha pela pesquisa de campo, pois tal abordagem apresenta maior

flexibilidade, mesmo que ocorra a reformulação dos objetivos ao longo do processo de

pesquisa. Para Gil (2008, p. 57), ―[...] o estudo de campo tende a utilizar muito mais técnicas

de observação do que de interrogação‖. E essa observação não significa somente na prática

das ações dos egressos, mas nos materiais e informações que aparecem em seus relatos e

escritos.

Com a pesquisa qualitativa, analisei os dados que foram coletados à medida que foram

se compondo, conforme as informações eram observadas, eles se inter-relacionavam, e, pouco

a pouco, foram se constituindo como primeiros esboços dos fios iniciais do aguayo. Segundo

Martins (2004, p. 292), essa abordagem metodológica ―exige do pesquisador uma capacidade

integrativa e analítica que, por sua vez, depende do desenvolvimento de uma capacidade

criadora e intuitiva‖. Portanto, nessa compreensão, a pesquisa não se emoldura em modelos

hipotético-dedutivos hegemônicos.

A pesquisa, mediante o estudo intitulado Egressos da Pedagogia: implicações de

tempos e temporalidades na formação docente, se propôs a estudar e acompanhar um grupo

de egressos do curso presencial de Pedagogia da UFMT, advindos das turmas formadas em

2009 e 2013 no campus cuiabano. Nesse processo, foi importante compreender o tempo e a

temporalidade que se cruzam e se intercruzaram, constituindo-se em um movimento que atua

na formação pessoal e profissional dessas egressas. Este movimento está sendo entendido

como um fluxo permanente, no qual cada uma das egressas foi participante ao longo de seu

constituir-se pessoa e profissional de educação, atuando nas áreas da Pedagogia.

Para o desenvolvimento da pesquisa, considerei dois períodos de concluintes do curso

de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá, do Instituto de Educação, que se formaram em 2009

Page 46: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

44

e 2013, anos que definem o recorte temporal desta pesquisa. Tal escolha não foi aleatória,

uma vez que esses dois períodos, no que se refere ao ingresso na UFMT, possuem marcos

históricos legais, pedagógicos e epistemológicos que podem nos oferecer uma compreensão

mais ampla do campo de estudos da formação, devido à aprovação de políticas educacionais

nacionais e locais que envolvem direta e diretamente a Licenciatura em Pedagogia.

Ao fazer a análise documental no que se refere às questões legais, verifiquei que, no ano

de 2006, o Conselho Nacional de Educação, Conselho Pleno aprovou a Resolução CNE/CP nº

1, de 15 de maio de 2006, a qual, em seu artigo 1º, institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia – Licenciatura. Ainda, as diretrizes, em

seu artigo 2º, definiram que,

[...] o curso de Pedagogia aplica-se à formação inicial para o exercício da docência

na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de

Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área

de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos

conhecimentos pedagógicos. (BRASIL, 2006, p. 01)

Com isso, observei a atuação do pedagogo em espaços escolares, não escolares, bem

como a sua participação na organização, gestão de sistemas e instituições de ensino. A

compreensão é de uma ampliação dessa área de conhecimento e, consequentemente, do

currículo em vista da formação em Pedagogia.

Em atenção às DCNs (2006), o curso de Licenciatura em Pedagogia da UFMT,

campus sede, em Cuiabá, reformulou o Projeto Político Pedagógico do curso, que foi

homologado em 2008, o qual, para tal causa, orientou-se mediante os seguintes documentos

oficiais:

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação

Básica, em nível superior (Parecer CNE/CP nº. 28/2001, Resolução CNE/CP

1/2002), e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em

Pedagogia, contribuíram para a reestruturação do currículo do Curso de Licenciatura

em Pedagogia Parecer CNE/CP Nº. 05/2005 e Resolução CNE/CP nº. 01/2006. (PPP

COORD. PEDAGOGIA IE/UFMT, 2008, p. 05)

O PPP do curso de Pedagogia do Instituto de Educação da UFMT, assumindo as

orientações das DCN/2006, ressalta que,

É com base nessa busca que o Curso de Pedagogia da UFMT/IE assenta seus

princípios educativos, já que, nos dias atuais, a escola não se limita a transmitir

conhecimentos acumulados, pois seus limites se alargaram e sua função vem-se

reorganizando ao longo de sua história. Assim, o Curso de Pedagogia do IE/UFMT,

consolidando uma nova estrutura para a formação do profissional de Pedagogia, tem

a docência como sua base e lança o presente Projeto Político - Pedagógico,

conforme assinala a Resolução 01/2006, no quadro atual do campo de atuação do

pedagogo. [...] no curso de Pedagogia, uma sólida formação dos profissionais que

atuarão, em especial, no Magistério da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do

Ensino Fundamental. (PPP COORD. PEDAGOGIA IE/UFMT, 2008, p. 06)

Page 47: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

45

Em diálogo com esses marcos legais, outro dado importante a se somar a esses

movimentos de reformulações e expansões das Licenciaturas em Pedagogia diz respeito ao

Censo do Ensino Superior de 2005 a 2011, o qual, conforme dados do Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), constatou que:

O número de professores formados em Pedagogia praticamente dobrou em sete

anos, segundo dados do Censo do Ensino Superior realizado pelo Instituto Nacional

de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Em 2002, o levantamento registrou a

formatura de 65 mil educadores em Pedagogia; em 2009, esse número subiu para

118 mil. No mesmo período, o censo mostra que aumentaram em mais de 60% as

matrículas nessa área de ensino — de 357 mil em 2002 para 555 mil em 2009.

Também o ingresso aumentou no intervalo analisado — de 163 mil novos estudantes

para 190 mil, o que representa evolução de 20%. (BRASIL, 2011)

Esses números poderão nos ajudar a entender a atenção que os centros e instituições de

formação vem dando à formação do pedagogo, à expansão dos centros de formação e ao

aumento da oferta de vagas. Isso porque ainda há necessidade de profissionais dessa área de

atuação em diversas frentes de trabalho e na ampliação dessas frentes a partir aprovação das

DCNs (2006) para o curso de Pedagogia.

Tomando esse tempo histórico como referência inicial, é que fui ao encontro dos

egressos do curso de Pedagogia do Instituto de Educação da UFMT. Assim, tendo presente

esses estudos, procurei me aproximar das vivências e experiências na formação docente

desses egressos para iniciar a tecelagem do aguayo, percebendo os diferentes conhecimentos,

aprendizados e reflexões que estão permeando ou que permearam a temporalidade no

desenvolvimento profissional desses professores.

A duração do desenvolvimento da pesquisa junto às egressas se deu por meio de várias

técnicas. Primeiramente, apliquei dois questionários: um de caráter técnico, fechado e, outro

aberto e semiestruturado.

O questionário, que intitulo como Q1 – levantamento, foi construído com perguntas

fechadas e encaminhado via e-mail às quatro turmas de egressos que compreendem esses dois

anos (2009 e 2013). Essa iniciativa buscou saber a atuação profissional dos egressos levando

em consideração a extensão dessa área de formação a partir das DCN (2006) para o curso de

Pedagogia. Esse questionário ajudou a compor o universo da pesquisa, fazendo o que chamo

de primeiro refinamento dos colaboradores, que são aqueles que estão na área de atuação do

curso de Pedagogia.

Para tanto, sigo tecendo o aguayo epistemológico que, pouco a pouco, desenha e

aproxima, em diálogos múltiplos, o referencial teórico e o objeto desta tese. Por isso, no item

seguinte entendo ser oportuno trazer o panorama oriundo do resultado da aplicação do Q1, o

Page 48: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

46

qual me ajudou a identificar o grupo de egressos colaboradores que participaram efetivamente

da pesquisa.

1.3 Percursos e tecelagem dos primeiros fios colaborativos da pesquisa: o universo dos

egressos

Em vista da apresentação, do levantamento referente ao Q1, que trata das informações

gerais acerca dos colaboradores da pesquisa, teço, em linhas gerais, o movimento que fiz para

chegar aos dados coletados e sistematizados nesta parte da pesquisa.

Conforme dito antes, para o universo da pesquisa, elegi quatro turmas do curso de

Pedagogia da UFMT, formados em 2009 e 2013. A escolha desse recorte temporal justifica-se

devido às turmas desse período terem vivenciado momentos históricos de mudanças

curriculares, pedagógicas e metodológicas no decorrer de sua formação inicial dentro do curso

de Pedagogia. Entre esses marcos históricos legais, destaco a aprovação das DCNs (2006)

para o curso de Graduação em Pedagogia – Licenciatura e a reformulação do curso de

Pedagogia mediante essas novas orientações nacionais.

A tecelagem dos primeiros fios para o levantamento em vista da localização dos

colaboradores deu-se nos arquivos da Coordenação de Administração Escolar da UFMT

(CAE), a Secretaria de Tecnologias e Informação (STI) da UFMT, e finalmente dentro da

Secretaria do curso de Pedagogia do Instituto de Educação da UFMT, campus Cuiabá. Esse

movimento inicial de pesquisa foi de caráter quantitativo e objetivo, o qual possibilitou a

visualização numérica dos egressos desse período, conforme ilustra o Gráfico 1.

Gráfico 1 - Pesquisa de Levantamento de dados- STI/CAE – ingressantes por ano

Fonte: arquivo da pesquisadora, 2016.

90

92

182

0 50 100 150 200

1

INGRESSANTES POR ANO

Total de Ingressantes 2010 2006

Page 49: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

47

Com o levantamento, pude observar uma regularidade de matrículas, tanto em 2006

como em 2010, mantendo-se o percentual de matrículas para o curso.

Desse total de matrículas, houve 97 estudantes egressos desses dois períodos, como se

pode observar no Gráfico 2.

Gráfico 2 - Pesquisa de Levantamento de dados- STI/CAE – concluintes por matrícula e ano

Fonte: arquivo da pesquisadora, 2016.

Inicialmente, o resultado desses dados me causou surpresa. Digo inicialmente porque

voltei meu pensamento para o período que conclui o curso de Pedagogia nessa mesma

instituição. Quando reporto a relação dos alunos nas placas anteriores a essas datas da

pesquisa, observei que o número de formados é maior e quase se equiparava ao número de

ingressantes. Os estudantes ingressantes em 2006 constituem um grupo que adentrou à

universidade via seleção pelo concurso vestibular, sendo que esse grupo teve número superior

de concluintes em relação ao período de acesso em 2010. Penso que seja no mínimo curioso e,

de contribuição científica, saber desses 31 egressos de 2013, ou dos períodos mais recentes,

quanto às suas motivações pelo curso de Pedagogia. Ou ainda, saber dos 61 estudantes que

não concluíram o curso de Pedagogia, se porventura concluíram alguma outra Graduação.

Em estudos que fiz só a título de curiosidade, verifiquei que o Ministério da Educação

apresentou uma proposta de reformulação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),

sugerindo sua utilização como forma de seleção unificada nos processos seletivos das

universidades públicas federais. Aqui já temos uma informação importante que muda o

cenário de acesso a universidades públicas pelo país. Nesse sentido de adesão à proposta, a

0

20

40

60

80

100

66

31

97

Concluintes por matrícula e ano de conclusão

Matrícula em 2006 com Conclusão em 2009

Matrícula em 2010 com Conclusão em 2013

Total de Alunos

Page 50: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

48

UFMT aparece como pioneira desde o início da proposta, pois passou a utilizar o ENEM no

processo seletivo como opcional e a escolha foi crescendo ano após ano.

Assim, ocorre que a unificação dos processos seletivos das Instituições Federais de

Ensino Superior (IFEs), foi se intensificando a partir da reestruturação do ENEM (2009), que

passa a ser uma proposta de prova interpretativa e com conteúdos integrados, sendo que as

provas são aplicadas em dois dias consecutivos12

. Em pesquisas feitas no site da UFMT,

publicadas em maio de 2009, verifiquei que ―segundo a reitora da época, dos 4.387 alunos

aprovados no vestibular 2009, 3.153 (72%) optaram pelo ENEM. Do total de aprovados,

2.039 (69,2%) são oriundos de escolas públicas, apenas 1.349 (30,7%) são das escolas

privadas‖.

O concurso vestibular permaneceu no âmbito da UFMT até o ano de 2012, quando a

instituição utilizou como forma de ingresso o ENEM/SISU, sendo essa forma de ingresso

vigente no país desde 2010. Assim sendo, o ingresso ao ensino superior público passou a

ocorrer via SISU, um sistema informatizado online, após a escolha feita pelo candidato quanto

ao curso e à instituição em que deseja estudar, utilizando a nota obtida no ENEM.

Atualmente, a UFMT usa o ENEM como fase única, com o sistema de seleção unificada

SISU. Mediante a isso, pergunto: ―quais as principais influências da nova forma de ingresso

na universidade? Como as notas do ENEM vem influenciando as escolhas de acesso à UFMT

e redesenhando um cenário de evasão na educação pública superior? A não identificação com

o curso pode levar ao fracasso escolar no ensino superior? Esse modelo de adesão/seleção

inclui ou exclui estudantes oriundos da educação pública a frequentarem o ensino superior?

Frente a esses dados que caracterizam o número de egressos de 2013, entendo que essas

indagações são pertinentes para serem desvendadas em pesquisas posteriores.

Tendo em conta essas informações, retomei os dados quantitativos para localizar, nas

placas de formados do IE, as respectivas turmas para listagem dos nomes dos formados. De

posse dessas informações, passei a dialogar com a Coordenação do curso de Pedagogia para

que pudesse receber a anuência à realização da pesquisa e confirmar se os nomes nas placas

correspondiam com as informações dos anos, e com a listagem dos alunos formados no

período de 2009 e 2013, bem como saber quais eram os turnos respectivos para cada lista de

nomes retiradas das placas. A Coordenação do curso de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá,

mediante a solicitação feita, confirmou os nomes e concedeu anuência para a realização da

pesquisa.

12

Atualmente, o ENEM é aplicado em dois domingos consecutivos.

Page 51: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

49

Passei, então, a localizar os egressos por meio de seus perfis nas redes sociais dentro

de um período de dois meses. Tracei uma estratégia em vista de localizar pelo menos duas

pessoas de cada uma das turmas, com o objetivo de tê-las como referência inicial para os

demais contatos. Desse modo, após contato via Facebook, WhatsApp, telefone e e-mail com

esses egressos de referência, foi possível, com a ajuda dos primeiros egressos contatados,

localizar os demais colegas, ou grande parte dos contatos das quatro turmas. Esses dados ou

informações não vieram rapidamente e nem simultaneamente das quatro turmas. Foi um

trabalho delicado, respeitoso e persistente de alguns meses. Desse modo, à medida que os

contatos iam chegando, foram sendo organizados em listas por turmas e individualmente para

o envio dos questionários.

Como já dito, o Questionário 1 foi semiestruturado e continha 10 questões dispostas

por meio de letras, de A-J, e objetivaram localizar onde esses egressos estavam atuando

profissionalmente. Ao passo que foram localizados, iniciei o envio dos questionários. Foram

enviados cerca de 80 questionários, os quais foram reencaminhados pelo menos seis vezes no

mesmo endereço de e-mail. O número 80 diz respeito à quantidade de e-mails de egressos que

foi possível localizar com a colaboração de alguns egressos quando esses foram localizados,

pois informavam os e-mails de colegas de suas respectivas turmas. Contudo, alguns endereços

de e-mails não foram entregues aos seus destinatários, pois estavam incorretos ou não

existiam.

Quando perguntava, via WhatsApp, a algum egresso quanto ao seu endereço de e-mail,

a entrega era mais precisa do que ao usar as listas conseguidas com a colaboração de algum

colega de turma, pois muitos endereços de e-mails já tinham sido desativados.

Nessa etapa da pesquisa, o WhatsApp e o e-mail foram imprescindíveis para

localização das turmas e o diálogo para o envio do questionário. Em pelo menos duas turmas

fui adicionada no WhatsApp para conversar e explicar esse momento inicial da pesquisa.

Nessas turmas, obtive maior número de devolutiva de questionários respondidos. Desses 80 e-

mails disparados por mais de seis vezes, obtive 40 questionários respondidos e encaminhados

ao meu e-mail.

Em linhas gerais, tendo presente as dez questões13

apresentadas no Questionário 1,

apresento os dados levantados, tomando questão por questão em formato de gráfico para

visualização desses primeiros fios que começam a dar cor e movimento à tecelagem do

13

Cada questão será visualizada por meio dos gráficos precedidos de números e letras correspondentes à

questão, quando houver mais de uma resposta na mesma questão, a letra será ainda precedida de um número

sobrescrito.

Page 52: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

50

aguayo que envolve o tempo e a temporalidade desse grupo de formados no curso de

Pedagogia.

A questão (a) sinalizou o recorte temporal da pesquisa que traz a datação dos egressos

(2009 e 2013). Todos fizeram a sua especificação quanto ao ano de conclusão do curso. Os

dados foram organizados por turmas, conforme se verifica no Gráfico 3.

Gráfico 3 - Perfil dos egressos por turma

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

O Gráfico 4 apresenta a distribuição dos egressos de acordo com a faixa etária.

Gráfico 4 - Perfil dos egressos por idade

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

A maior predominância na docência atuando na área da Pedagogia está na faixa etária

que vai de 30 a 39 anos. O gráfico como um todo me permite dizer que nesse espaço-tempo

social de atuação profissional contamos com um grupo de mulheres pedagogas em pleno

processo de formação profissional.

16

12

5

7

EGRESSOS POR TURMA

Turma 1- 2009 Turma 2- 2009 Turma 1- 2013 Turma 2- 2013

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

1

EGRESSOS POR IDADE

Menos de 25 Entre 25-29 Entre 30-39 Entre 40-49 Entre 50-59

Page 53: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

51

O Gráfico 5 apresenta o perfil dos egressos pesquisados quanto à variável sexo.

Gráfico 5 - Perfil dos egressos por sexo

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

O levantamento mostra que o maior porcentual de escolha para o curso de Pedagogia

compreende o sexo feminino. Se observarmos historicamente, podemos fazer um paralelo

com o Magistério, uma atuação predominantemente de mulheres. Tal constatação me

possibilita entender que a educação nos anos iniciais, considerando atualmente a creche, é um

espaço-tempo profissional ocupado por pessoas do sexo feminino. Historicamente, era

análogo aos trabalhos do lar com a especificação no cuidar. Com os avanços sociais e da

própria ciência, o cuidar permanece, mas é especializado, conquistando status de educação

formal com intencionalidades psicopedagógicas. Com isso, novas concepções foram sendo

incorporadas na base da formação para o ensino na primeira infância. O Gráfico 6 demonstra

o espaço institucional de atuação profissional dos egressos pesquisados.

Gráfico 6 - Perfil dos egressos por setor de atuação profissional

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

2%

98%

EGRESSOS POR SEXO

Masculino Feminino

72%

10%

2%

13% 3%

EGRESSOS POR SETOR DE ATUAÇÃO

PROFISSIONAL

Municipal Estadual Federal Privado Outras especificações

Page 54: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

52

Quanto ao cenário da atuação profissional, 70% dos pedagogos estão laborando nas

instituições de ensino público, principalmente nas redes municipais. Ademais, denota-se o

interesse por estabilidade profissional, o grande grau de empregabilidade que o curso de

Pedagogia proporciona, dando destaque aos egressos da UFMT no caso do estado de Mato

Grosso, em especial, no raio de alcance da pesquisa, que engloba as cidades de Cuiabá e

Várzea Grande. Além disso, nesses dados, observamos uma profissão que se pauta na carreira

profissional, em que há busca por qualificação, tanto pelo reconhecimento salarial como pelas

melhorias da qualidade do ensino.

O Gráfico 7 apresenta as informações quanto ao vínculo profissional, e esclarece bem

onde estão os grupos de egressos pesquisados, e, mais uma vez, reforça a presença da

formação pública federal, sendo responsável por um número significativo de aprovação em

concursos públicos.

Gráfico 7 - Perfil dos egressos por modalidade vínculo profissional

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

Quanto à jornada de trabalho, os detalhes estão especificados conforme o Gráfico 8.

Gráfico 8 - Perfil dos egressos por jornada de trabalho

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

17%

68%

15%

EGRESSOS POR MODALIDADE VÍNCULO

PROFISSIONAL

Celetista Estatutário Outras especificações

20h semanais 30%

40h semanais 40%

Outras especificações

30%

EGRESSOS POR JORNADA DE TRABALHO

Page 55: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

53

Na especificação profissional dos 40 egressos que responderam ao questionário, foram

encontradas inserções nas seguintes atuações:

Gráfico 9 - Perfil dos egressos por função profissional

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

De acordo com o levantamento para verificar os espaços de atuação levando em

consideração a carga horária já apresentada, verificamos o seguinte panorama pertinente à

atuação profissional:

Gráfico 10 - Perfil dos egressos com atuação em múltiplas instituições

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

23

3

1

1

1

1

1

1

1

2

1

1

1

1

0 5 10 15 20 25

Professora séries iniciais

Direção

Coordenação

Assessora Pedagógica

Oficial Administrativo Pronto Socorro

Técnico de desenvolvimento Social

Secretaria de diretório de Partido

Assessoria de Gabinete secretaria de Educação

Auxiliar administrativo

Técnico Administrativo educacional

Técnico de desenvolvimento educacional (TDI)

Assistente Administrativo

Apoio Educacional de auxiliar de limpeza

Síndica profissional/administração de condomínios

EGRESSOS POR FUNÇÃO PROFISSIONAL

76%

13%

11%

EGRESSOS EM ATUAÇÃO EM MÚLTIPLAS

INSTITUIÇÕES

Não atua em mais de uma instituição

Auta no Estado, Município e Privado

Atua em duas instituições por Jornada de trabalho

Page 56: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

54

Esses dados apresentados chamam atenção, pois mesmo tendo uma jornada de

trabalho de 40 horas, a atuação profissional se mantém dentro da mesma rede de ensino,

podendo ser em municípios circunvizinhos. Tal cenário ajuda a identificar um grupo de

professores pedagogos construindo seu desenvolvimento profissional dentro da rede de ensino

público.

Pelo desdobramento da questão anterior, localizei o tempo de atuação profissional dos

egressos na docência.

Gráfico 11 - Perfil egressos por tempo de atuação profissional

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

A pesquisa trouxe um dado interessante, pois podemos visualizar que 50% dos

profissionais estão atuando há mais de cinco anos, quantitativo este muito próximo ao

daqueles que estão iniciando a carreira (47%). Tal ocorrência também me fez pensar a

respeito da importância de se propor uma política de formação para o acompanhamento

desses profissionais.

Fechando o levantamento do Questionário 1, na última pergunta indagava se o egresso

aceitava fazer parte da pesquisa de Doutorado. Todos concordaram. Quanto à especificação

para identificação, as respostas foram diversas e na maioria delas, os colaboradores

responderam que preferem serem identificados pelo próprio nome ou à critério da

pesquisadora.

Como a tese tem o foco na formação em uma perspectiva de desenvolvimento

profissional docente, após esse levantamento, foi possível organizar outros gráficos nos quais

começo a me aproximar dos colaboradores que trabalham na área de atuação da Pedagogia.

Entre 1 a 5 anos 47%

Entre 5 a 10 anos 50%

Outras especificações

3%

EGRESSOS POR TEMPO DE ATUAÇÃO

PROFISSIONAL

Entre 1 a 5 anos Entre 5 a 10 anos Outras especificações

Page 57: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

55

Assim, decidi apresentar os colaboradores a partir de suas respectivas turmas,

organizados por ano de entrada e conclusão de curso, sendo dispostos da seguinte forma:

Turma 1 – 2006-2009; Turma 2 – 2006-2009; Turma 3 – 2010-2013, e Turma 4 – 2010-2013.

Constituindo-se, por conseguinte, as quatro turmas desse período de formação dentro do curso

de Pedagogia.

Gráfico 12 - Panorama de atuação por turmas

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

Conforme o Gráfico 12, considerando as DCNs (2006) que expandem a atuação da

Pedagogia, observo que, dessa turma em questão, 100% dos egressos atuam na área de

atuação da Pedagogia, tendo maior ênfase a docência em sala de aula.

Gráfico 13 - Perfil pedagogos que atuam na área de formação – turma 2

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

86%

14%

PEDAGOGOS QUE ATUAM NA ÁREA DE

FORMAÇÃO (TURMA 1 - 2006/2009)

Professores Direção

60% 10%

10%

10%

10%

PEDAGOGOS QUE ATUAM NA ÁREA DE

FORMAÇÃO (TURMA 2 - 2006/2009)

Professores Direção

Coordenação Assessoria Pedagógica

Assessoria de gabinete da Educação

Page 58: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

56

Constata-se que essa turma retrata ainda mais a expansão da área de atuação do

Pedagogia, mantendo a predominância da atuação na docência em sala de aula.

Gráfico 14 - Perfil pedagogos que atuam na área de formação – turma 1

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

Recebi a devolutiva de cinco questionários dessa turma. Somente uma egressa desse

grupo está atuando fora da área da Pedagogia. Mas, aparece um elemento novo com relação às

turmas anteriores, a Técnica de Desenvolvimento Infantil (TDI), que, por sua vez, atua na

creche, espaço de atuação da Pedagogia decorrente das DCNs (2006) que ampliaram a área

atuação e da Resolução nº 2 de 01/07/15 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais

para a formação inicial em nível superior DCNs (2015), contemplando a formação superior

em vista da atuação em espaços escolares e não escolares. O Gráfico 15 apresenta o perfil dos

egressos no tocante à atuação por turma.

Gráfico 15 - Perfil pedagogos que atuam na área de formação – turma 2

Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).

75%

25%

PEDAGOGOS QUE ATUAM NA ÁREA DE

FORMAÇÃO (TURMA 1 - 2010/2013)

Professores Técnico de desenvolvimento Educacional (TDI)

30%

70%

PEDAGOGOS QUE ATUAM NA ÁREA DE

FORMAÇÃO (TURMA 2 - 2010/2013)

Professores Total

Page 59: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

57

Dessa turma, sete egressas responderam ao levantamento, sendo que destas, apenas

três estão atuando na área da Pedagogia.

Esse mapeamento advindo do Questionário 1 possibilitou uma aproximação do

universo da pesquisa, permitindo saber onde estão atuando os egressos pedagogos desses dois

períodos de formação. Observando os gráficos, entendo que mesmo que alguns estejam

atuando em outras atividades e campos de trabalho, mais de 80% dos que responderam ao

questionário trabalham na área de atuação da Pedagogia e foram esses que responderam ao

questionário de entrevista semiestruturada.

Por constatar que 99% dos respondentes são do sexo feminino, e somente um do sexo

masculino, optei por me referir aos colaboradores da pesquisa como egressas de Pedagogia.

Após esse refinamento com auxílio do Questionário (Q1), realizei uma pesquisa de

campo para obter conhecimentos acerca das 30 egressas de Pedagogia que, conforme dados

apresentados, estão atuando nos anos iniciais, na equipe gestora das escolas e em outras

instituições e espaços que atendem a ampliação da área de atuação do pedagogo após as

DCNs (2006).

Usei um roteiro de entrevista que ajudou a explorar o objetivo principal da pesquisa,

que se constituiu em: compreender as implicações (o fenômeno) do tempo e da temporalidade

na tecitura e ressignificação da formação profissional de egressos de um curso de Licenciatura

em Pedagogia, examinando o seu constituir-se profissionalmente para além do tempo e

temporalidades hegemônicos que venham a condicionar seu trabalho.

Tive como objetivos específicos: conhecer onde e como egressos do curso de

Pedagogia 2009 e 2013 estão atuando profissionalmente; identificar, a partir dos estudos de

tempo e da temporalidade, os processos formativos de um grupo de egressos do curso de

Pedagogia da UFMT; analisar como egressos da Pedagogia percebem o tempo e a

temporalidade no processo de seu desenvolvimento profissional; relacionar formação inicial e

atuação profissional de egressos da Pedagogia.

O roteiro é composto por três dimensões: do que se refere à formação pessoal, inicial e

profissional, entendendo que essas dimensões compõem a formação e o desenvolvimento

profissional docente de modo relacional, pois uma a uma encontram-se imbricadas com

intercruzamento de tempos e temporalidades. Quando me refiro a elas, considero que são

assumidas dentro de um mesmo processo que se constitui a formação humana.

Para essas 30 egressas distribuídas nas quatro turmas, perguntei se aceitavam serem

colaboradoras da pesquisa como um todo. Todas aceitaram participar da fase de entrevistas.

Page 60: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

58

As entrevistas foram previamente agendadas, por meio de contato telefônico, e-mail e

WhatsApp e em dias, horários e locais estabelecidos pelas egressas.

Antes do início das entrevistas, apresentei os objetivos da pesquisa, sua importância

para educação no que se refere à formação docente na Pedagogia. Em seguida, explanei sobre

o teor do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todas assinavam o documento, e, na

sequência, recebiam uma cópia também assinada.

Como dito antes, as entrevistas aconteceram nos locais estabelecidos pelas egressas,

mas várias quiseram que a entrevista acontecesse no IE na UFMT, no prédio onde estudaram.

Elas disseram que queriam matar a saudade, que era especial estar ali de volta, pois parecia

que passava um filme na cabeça delas. Algumas aproveitaram para tirar fotos na placa da

turma do curso para postarem no Facebook e grupo comum da turma de WhatsApp.

Outras entrevistas aconteceram nas escolas onde algumas trabalham. Algumas

reservavam um local e tempo para isso, mas como algumas faziam parte da direção ou

coordenação pedagógica, sempre ocorria algum tipo de interrupção. Contudo, eu já dizia para

ficarem tranquilas, pois esperaria o tempo que fosse necessário e oportuno. Por esse motivo,

algumas entrevistas foram povoadas de outras vozes, situações da vida cotidiana da escola.

Essas geralmente foram entrevistas bem dinâmicas e vivas.

Com isso, tive a oportunidade de conhecer várias escolas, saber onde trabalham nossas

colaboradoras, algumas moram no próprio bairro que trabalham. Outras preferem morar em

outro bairro, pois o envolvimento com a vida da escola não é parcial. É total. E muitas

disseram que era necessário esse distanciamento para separar ou pôr limites no trabalho.

Estive em várias residências das egressas, algumas estavam de licença maternidade;

algumas de férias; outras, em uma tarde ou manhã livre. Assim, cheguei em algumas casas

logo pela manhã, bem cedinho, à tarde, no fim da tarde e à noite. Em todas essas casas, fui

sempre bem acolhida.

Estive também em três shoppings centers. Dois de Cuiabá e um Várzea Grande. Lá

sempre conseguíamos um cantinho mais calmo para a realização da entrevista. Algumas

escolheram esse espaço, pois tinham filhos e aproveitavam e deixavam com o esposo

enquanto faziam a entrevista. Outras iam com uma amiga da escola para depois tomarem um

lanche, ir ao cinema. Assim, foi acontecendo uma após a outra, as entrevistas até totalizar 30.

Todo o processo da pesquisa de campo foi de negociação de tempos, seja ele de férias,

recuperação de uma cirurgia, da agenda do trabalho ou do tempo livre.

Nessa etapa, já fui observando como o tempo absoluto, cronológico, o chronos

fortemente determina e controla nossas ações formais e não formais. Há momentos em que

Page 61: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

59

precisamos estabelecer nele o que ele mesmo representa, em sua raiz, que implica cortar,

separar. Então, são diferentes níveis de realidade, conforme postulado por Paul (2009). Em

um outro momento, em diálogo14

com o referido autor por ocasião do exame de Qualificação,

ele me fez as seguintes observações:

[...] o tempo é um ‗devir ser‘. O tempo subjetivo interagindo com o tempo objetivo.

Essas diferenças criam interações entre um tempo cósmico (Aión), um tempo

sociohistórico (Chronos) e um tempo mais ontológico (Kairos). Essas múltiplas

temporalidades articulam a relação do objeto, do sujeito e do Ser no quadro da

complexidade. (PAUL, 2018, p. 02-03)

Esse agendamento de entrevistas, embora seja dentro da fração do tempo, no que se

refere ao horário, quando as colaboradoras foram entrevistadas, esse tempo chronos se fundia

ao tempo aión, que no meu entender é o corte, a fenda do tempo chronos considerado

contínuo e circular. Enquanto o aión é o tempo do devir, portanto, não-circular. Assim, desde

então, iniciei a minha negociação com esses tempos.

Essas egressas são o ser-no-mundo como bem compreende Merleau-Ponty (1999), é

este estar – para – as coisas, para si mesma e os outros que as egressas se percebem e

percebem o tempo. A temporalidade, nesse sentido, é a própria subjetividade em negociações,

ou manifestações nesses tempos.

Seguindo esse fio de entendimento, tomei as entrevistas, dentro dessas múltiplas

temporalidades, as quais foram precedidas da assinatura do termo de Consentimento Livre

Esclarecido (CLE)15

, conforme orientação do Comitê de Ética para pesquisa com humanos,

assim, as entrevistas foram todas gravadas e posteriormente transcritas.

Nessa relação e inter-relação, buscou-se entender que os egressos são seres de

memória e reflexividade permeado por influências pessoais, sociais, culturais e profissionais

que interpretam, significam e ressignificam o mundo onde estão inseridos.

Para este trabalho, a memória reflexiva compreensiva está no sentido de posto por

Merleau-Ponty (1999, p. 577), ao trazer o ―para-si e o ser-no-mundo‖ com suas

ressignificações:

[...] que ele só tem sentido para nós porque nós ‗o somos‘. Nós só podemos colocar

algo sob esta palavra porque estamos no passado, no presente e no porvir [...] Mas a

análise do tempo não era apenas uma ocasião de repetir aquilo que tínhamos dito a

propósito do mundo. Ela ilumina as análises precedentes porque faz o sujeito e o

objeto aparecerem como dois momentos abstratos de uma estrutura única que é a

presença. É pelo tempo que pensamos o ser, porque é pelas relações entre o tempo

sujeito e o tempo objeto que podemos compreender as relações entre o sujeito e o

mundo.

14

Este diálogo que aparece em forma de citação foi escrito no parecer de Qualificação da tese. 15

Conforme Apêndice C.

Page 62: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

60

Essas percepções compreensivas trazidas pelas biotecituras das egressas as situam no

mundo, palco de suas ações, social, cultural, educacional, profissional, dentre outras, onde

suas vidas e experiências, juntamente com suas percepções profissionais, segundo Merleau-

Ponty (1999), estão em um movimento de temporalização permanentes ligando o presente e o

passado, esse acesso ou canal de acesso, que chamo de memória/recordação de uma

temporalização.

No capítulo que segue, trabalho com os conceitos de ―egressos de Pedagogia‖ e

―egressos pedagogos‖. Tais termos são descritores e foram usados para efetivação da busca e

levantamentos nos bancos de dados. Feito isso, tratei os resultados dentro do contexto da

pesquisa, construindo o capítulo teórico-histórico-educacional da Pedagogia, enquanto seu

surgimento no cenário mundial, nacional e na instituição superior de ensino público de Mato

Grosso.

Page 63: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

61

Fonte: elaboração da autora com desenhos e aguayos originais (2019)

CAPÍTULO II – TEMPO E A TEMPORALIDADE NA PEDAGOGIA

Page 64: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

62

Este capítulo compõe-se de três itens que considero fios de arrimo-condutores que

tecem o aguayo. Apresento vários estudos que realizei quase de modo artesanal, digo

artesanal porque, mesmo dispondo de recursos tecnológicos para pesquisa em bases online de

dados, as quais são riquíssimas de informações científicas e que contribuíram com o objeto de

estudo, quanto ao refinamento para se chegar ou localizar os trabalhos, exigiram maior

atenção. O número de trabalhos e a diversidade de temas elencados pelos boleadores eram

montantes numericamente gigantescos. Para tanto, usei novamente os refinamentos

disponíveis no sistema para um novo refinamento. Tendo os trabalhos localizados com foco

na Pedagogia e egressos, conforme seus títulos, palavras-chaves e objetivos, os selecionei,

como contribuição para esta tese. Esse levantamento trouxe contribuições acerca do enfoque

dessa temática para a área de educação e para a formação na Pedagogia. Para aproximação da

compreensão do nascimento/surgimento, da Pedagogia, seu conceito e significado nos tempos

históricos realizei uma breve descrição considerando em alguns momentos da minha trajetória

de formação inicial na Pedagogia.

Finalizo o texto trazendo um rápido panorama do tempo histórico, social, político e

educacional dos caminhos e (des)caminhos que a Pedagogia percorreu para ir se constituindo

como um campo de estudo até ser concebida como uma Licenciatura. Considerando esses fios

tensionadores da história da educação no campo da Pedagogia, fecho o capítulo

temporalizando os fios da Pedagogia na Universidade Federal de Mato Grosso, lócus desta

pesquisa.

2.1 Tensionamento de fios: o que dizem as pesquisas sobre os egressos de Pedagogia?

A Pedagogia é um tema recorrente em diversas pesquisas de Mestrado e Doutorado

em Educação. Para esta pesquisa, meu enfoque está nos egressos dessa referida Licenciatura.

Para conhecer esse universo de pesquisas que envolvem os egressos de Pedagogia, delimitei o

período que compreende 2006 a 2016, em atenção ao recorte dos estudos desta tese.

Fiz um levantamento de publicações bibliográficas acessando o repositório de teses e

dissertações da plataforma da CAPES. Para tanto, usei os seguintes descritores: ―egressos de

Pedagogia‖ e ―egressos pedagogos‖.

O levantamento trouxe, inicialmente, cerca de 870 títulos de pesquisas que envolvem

egressos formados em várias áreas de conhecimento. Isso, porque, se em alguma parte dessas

pesquisas aparecia a palavra egresso ou Pedagogia, a busca selecionava esse trabalho e trazia

para a relação geral. Por isso, a abrangência de títulos de várias áreas. De fato, observei, ao

Page 65: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

63

abrir as abas, que esse número não correspondia às pesquisas que enviam egressos de

Pedagogia.

Fiz o refinamento voltado para a grande área de Ciências Humanas e Educação. Então,

os títulos passaram para um total de 556 trabalhos. Apliquei o recorte temporal mais uma vez,

e foram listados 356 títulos, ainda com abrangências de estudos em outras áreas. Gerando

quase 40 abas a serem abertas, em cada aba havia vários trabalhos linkados, observei que nas

20 primeiras abas, os trabalhos aproximavam-se mais dos descritores das buscas desejadas.

Passei, então, a abrir esses trabalhos. Considerei seus títulos, e priorizei os que mais se

aproximavam dos descritores. Após esse procedimento, selecionei 13 trabalhos cujos títulos,

palavras-chaves e objetivos se relacionavam diretamente com a Pedagogia e egressos. Desses,

quatro são da Universidade Federal de Mato Grosso e se referem a egressos. Porém, dois são

do curso de Pedagogia a distância, um do curso de Pedagogia Convênio 035/9416

e outro está

relacionado aos egressos do campus da Pós-Graduação de Rondonópolis, Mato Grosso.

Nesse levantamento realizado em 2017, não localizei nesse repositório nenhum

trabalho com egressos do curso de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá. Além disso, fiz o

mesmo levantamento na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), onde

apareceram somente nove trabalhos no total de todas as buscas.

Considerando um a um, verifiquei somente dois trabalhos que envolviam a Pedagogia

da UFMT, mas somente um de modo direto, sendo uma tese, a qual, segundo Beraldo (2005),

analisou a relação da teoria-prática na efetivação da proposta de formação do curso de

Licenciatura Plena em Pedagogia modalidade parcelada, oferecida pela UFMT como

estratégia para expandir suas ações pelo interior do Estado de Mato Grosso.

Portanto, não se tratou do curso da sede da UFMT. O outro trabalho é uma dissertação

defendida em 2014, que tratou da iniciação à docência de uma pedagoga. O trabalho está

vinculado ao Programa Observatório da Educação CAPES/INEP, envolvendo UFMT,

UFRGS e UER, e tratou especificamente da iniciação à docência da própria pesquisadora,

enfocando suas narrativas, experiências vividas como um projeto de autoformação. Esses

trabalhos não foram relacionados no Quadro 1.

Todavia, ajudaram a assegurar a originalidade desta tese no que se refere ao seu objeto

de pesquisa, mas de modo geral, a intenção foi levantar pesquisas que envolvessem egressos

de Pedagogia das universidades de todo país que possuem seu registro dentro desses

repositórios pesquisados. A observação feita à UFMT foi no sentido de ressaltar que não há,

16

Celebrado entre a Fundação Universidade Federal de Mato Grosso e as Secretarias de Educação do Estado e

dos Municípios de Cuiabá, Várzea Grande e Santo Antônio de Leverger para formação de professores.

Page 66: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

64

até o presente momento, uma pesquisa no qual o objeto seja o estudo dos egressos de

Pedagogia, campus Cuiabá do Instituto de Educação.

No Quadro 1 estão relacionadas as 13 pesquisas citadas anteriormente e que tratam de

egressos de Pedagogia. Nelas, verifiquei como se apresentam o objetivo da pesquisa, ainda, de

modo geral, fiz um apanhado em forma de síntese para saber como a Pedagogia é percebida e

entendida na visão desses egressos. Não foi minha intenção analisar as pesquisas levantadas

uma a uma de modo separado. O interesse foi iniciar um diálogo com elas, observar seus

achados, nos quais destaco algumas compreensões e possíveis interlocuções com o objeto

desta tese. E para se aproximar ainda mais, optei em trazer para essa parte do texto algumas

citações dos trabalhos, falas e entendimentos de outros trabalhos. Tais excertos de trabalhos

foram trazidos porque, em seus objetivos de pesquisa, buscaram ouvir os egressos, saber de

suas percepções quanto à sua formação inicial, à proposta pedagógica do curso e, em outros

momentos, foram saber da formação continuada desses egressos em diálogo com suas práticas

enquanto docentes. Ademais, ouviram egressos que tiveram oportunidade, na formação

inicial, de atuarem em grupos de pesquisas para iniciação científica. Finalmente, expresso as

minhas compreensões a respeito de alguns elementos comuns ou únicos que, de modo

especial, saltaram aos meus olhos ao serem abordados nos trabalhos apresentados.

Quadro 1 - Levantamento de Teses e Dissertações – Repositórios da CAPES (2017)

LEVANTAMENTO DE TESES E DISSERTAÇÕES REPOSITÓRIOS DA CAPES/2017

Descritores: Egressos-de-Pedagogia; Egressos-pedagogos

Natureza/autor/Instituição Título Objetivo da pesquisa

Mestrado

Liamar Nunes Silveira

Monteiro

Universidade Federal de

Uberlândia UFU

26/08/2016 134 f

Egressos do curso de Pedagogia:

sentidos, significados e

dimensões de suas trajetórias

formativas

Recuperar a trajetória histórica da

formação de professores no âmbito do

curso de Pedagogia em geral e, mais

especificamente da Faculdade de

Educação, da Universidade Federal de

Uberlândia, em Minas Gerais, no Brasil,

no período de 2009 a 2013. Buscou,

ainda, discutir os sentidos, significados e

dimensões da formação inicial e da

formação continuada de professores,

bem como analisar os caminhos

percorridos por eles.

Mestrado

Cintia dos Santos Souza

Universidade Federal de

Rondônia

14/11/2014

O acompanhamento de egressos

do curso de Pedagogia como

indicador de avaliação

institucional na UNIR

Analisar a contribuição do

acompanhamento de egressos do curso

de Pedagogia da Fundação Universidade

Federal de Rondônia (UNIR) como

indicador da avaliação institucional no

âmbito do SINAES.

Page 67: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

65

Mestrado

Clara Melo Casotti Bastos

Universidade Federal do

Espírito Santo

18/03/2014 97 f

O curso de Pedagogia da UFES

sob os olhares das/os alunas/os

concluintes: processos de

subjetivação produzidos num

coletivo de intensidades

A autora17

escreve: prefiro denominar de

campo epistemológico, que também

inclui as intenções dessa proposta: Como

os alunos concluintes do curso de

Pedagogia da UFES narram sua

formação nas dimensões cognitivo, ético,

político-afetivas e em suas relações com

os documentos oficiais que compõem

seu currículo?

Mestrado

Mendes Solange Lemes da

Silva

UFMT-Rondonópolis,

29/09/ 2014

Práticas formativas em Mato

Grosso sob o olhar de professores

iniciantes

Investigar, e compreender as práticas

formativas educacionais desenvolvidas

por meio da Formação Continuada da

SEDUC-MT, SEMED/Roo e de escolas

particulares do município de

Rondonópolis-MT, em seu trabalho de

acolhimento e de assessoramento ao

professor egresso da Pedagogia e de

como estas lhe têm auxiliado para os

embates e desafios enfrentados nas

experiências iniciais da docência.

Doutorado

Adelina Maria Salles

Bizarro

UERJ/REDE

01/07/2012 199 f

Formação do pedagogo: um olhar

sobre a trajetória profissional

dos/as egressos/as do Curso de

Licenciatura em Pedagogia da

UPE-Campus Garanhuns de 1996

a 2010

Buscar a compreensão das contribuições,

ou não, do Projeto Pedagógico de Curso

na formação do pedagogo da

Universidade de Pernambuco-Campus

Garanhuns, no período de 1996 a 2010, a

partir da concepção e da realização dos

estágios supervisionados e como estes

influenciaram no desempenho

profissional nas diversas áreas de

atuação dos/as egressos/as dessa

instituição de educação superior, que

integralizaram o curso durante o período

proposto neste estudo.

Mestrado

Ana Paula Kuhn

UFMT

01/04/2012 378 f

Práticas avaliativas de egressos

do curso de Pedagogia a distância

da UFMT: implicações da

formação inicial e o exercício de

ser professor

Analisar os aspectos teóricos do

processo de formação oferecido no curso

de Pedagogia para os anos iniciais do

Ensino Fundamental na modalidade à

distância, e as implicações nas práticas

avaliativas das professoras dos anos

iniciais graduadas neste curso.

Mestrado

Soraia Lourenço de Aquino.

Universidade Federal de

Viçosa (MG)

01/05/2011 168 f

O pedagogo e seus espaços de

atuação nas Representações

Sociais de egressos do curso de

Pedagogia

Identificar as Representações Sociais dos

egressos do Curso de Pedagogia da

Universidade Federal de Viçosa (UFV)

nos espaços educativos formais e não

formais de atuação do pedagogo.

Mestrado

Vanessa Oliveira de

Azevedo

Universidade Federal do

Espírito Santo, UFES

01/10/2011 123 f

O Curso de Pedagogia da UFES:

um olhar de egressos sobre a

perspectiva da educação inclusiva

Analisar a percepção de egressos do

Curso de Pedagogia da Universidade

Federal do Espírito Santo (UFES) matriz

curricular 2006, sobre as contribuições

que a formação inicial trouxe para atuar

na perspectiva da educação inclusiva.

Doutorado

Josimar de Aparecido Vieira

PUC-RS

01/01/2011, 211 f

Qualidade da Formação Inicial de

pedagogos: indicadores na Visão

de Egressos

Promover uma leitura crítica e analítica

de caminhos possíveis para a construção

de dimensões e indicadores de qualidade

da formação inicial de pedagogos.

Contribuir na construção da base

(realidade) político-pedagógica da

formação inicial de pedagogos,

17

A meu ver, a autora da dissertação coloca o objetivo na perspectiva do problema de pesquisa (conforme p. 96)

Page 68: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

66

auxiliando na organização do processo

ensino-aprendizagem presente nos

cursos de formação inicial de

professores.

Mestrado

Maria Aparecida de Lima

Souza

UFMT

01/03/2010 153 f

Práticas pedagógicas de egressos

do curso de Pedagogia a

Distância da Universidade

Federal de Mato Grosso

Investigar se os pressupostos teórico-

metodológicos, expressos no projeto do

curso para essa área, se manifestam nas

práticas pedagógicas dos professores

formados através do referido curso.

Mestrado

Ana Conceição Elias e Silva

UFMT

01/03/2007 155 f

Egressos da Pedagogia/Convênio

035/94-FUFMT: onde estão e o

que pensam sobre sua formação

Conhecer o perfil dos egressos do

referido curso e sua percepção sobre a

contribuição ou não do curso para o

desempenho da profissão.

Mestrado

Deise Becker Kirsch

Universidade Federal de

Santa Maria

01/03/2007 111 f

A Investigação Científica na

formação inicial de professores:

Repercussões no processo

formativo de egressas do curso de

Pedagogia

Compreender a contribuição da iniciação

científica no processo formativo docente,

proporcionada às acadêmicas egressas do

Curso de Pedagogia que foram bolsistas

de projetos de pesquisa durante sua

formação inicial, sendo cinco delas

egressas do ano de 2004 e cinco de 2005,

todas desta mesma Universidade

Mestrado

Simone Penteado Silva e

Jesus

Universidade Metodista de

São Paulo (UMESP)

01/04/2010 125 f

A formação do pedagogo: estudo

de caso com alunos egressos de

um curso de Pedagogia

Realizar uma investigação sobre a

atuação de docentes das séries iniciais do

Ensino Fundamental, relacionando-a ao

desenvolvimento das competências e

habilidades alcançadas a partir de sua

formação realizada em um Curso de

Pedagogia.

Após elaborar esse quadro-resumo, faço um ensaio compreensivo dos trabalhos acima

relacionados, apresentando minhas observações e impressões acerca dessas pesquisas,

buscando estabelecer um diálogo no texto considerando-as para obter contribuições para esta

tese no que se refere às trajetórias formativas de formação inicial e continuada dos egressos.

Não constituí, portanto, uma análise exploratória dessas pesquisas.

Inicio com a frase da pesquisa de Mestrado de Bastos (2014, p. 47), ao se referir às

falas de seus colaboradores de pesquisa ao acessarem suas memórias, trazendo à tona

elementos históricos da formação inicial de professores no Brasil. A pesquisadora expressa

sua compreensão ao dizer que ―o passado, dessa forma, não é um ponto fixo e imóvel num

tempo remoto, pois, ao atualizarmos, estamos nos utilizando dele para pensar os caminhos

percorridos‖. Para essa compreensão de acesso às memórias do que guardamos de nós

mesmos, me apoio em Bergson, (1999, p. 163), ao expressar que:

De meu passado, apenas torna-se imagem, e, portanto, sensação ao menos nascente,

o que é capaz de colaborar com essa ação, de inserir-se nessa atitude, em uma

palavra, de tornar-se útil; mas, tão logo se transforma em imagem, o passado deixa o

estado de lembrança pura e se confunde comum a certa parte de meu presente.

Considerando o que os referidos autores trouxeram, compreendo, no movimento dessa

pesquisa, quando escuto as egressas que colaboraram com esta tese, observo que o passado,

Page 69: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

67

quando evocado, se desloca para o presente, e se transforma, como entende Bergson (1999),

em imagem útil, não mais uma lembrança, mas parte do presente de onde ele é evocado.

Assim, ao levar em conta esse tempo que se move nas reminiscências das egressas e

situa a história da história e o vivido do vivido, é que esclareço que é essa a minha intenção

com as pesquisas elencadas para esta parte do trabalho.

Busquei acessar esses tempos, seja nas memórias evocadas pela construção das

linguagens narrativas dos envolvidos, visto do ponto histórico de onde viveram, seja do ponto

de onde hoje eu as observo, uso e entendo-as. Com essa percepção, discorro acerca dos

trabalhos selecionados seguindo o que propus anteriormente.

Tomando os trabalhos acima relacionados, ao analisá-los compreensivamente,

verifiquei que quase todos dedicaram uma parte ou capítulo para tratar do curso de Pedagogia,

dando ênfase em sua criação e nas reformulações que o curso vem sofrendo desde a sua

origem.

Diante disso, digo que o panorama geral das pesquisas se vinculou, em uma

abordagem sobre a criação do curso de Pedagogia e seus diversos percursos, bem como em

tendências pedagógicas, metodológicas e epistemológicas, expondo diferentes bases legais do

curso de Pedagogia no Brasil, até chegar à aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais

para o curso de Pedagogia, em 2006. Mas, o Fio de Ariadne18

, historicamente, continua sendo

o currículo vinculado à formação e a abrangência da atuação da Pedagogia. Tal campo foi

ampliado com a aprovação das referidas diretrizes.

Assim, observei que, nesse crisol de pesquisas, as vozes constantes dos egressos de um

tempo que hoje aqui atualizo, salientaram preocupações e angústias quanto à atuação

profissional do pedagogo, concebendo-a historicamente, de maneira aberta e plural,

mergulhada em constantes debates da área de educação. E, especificamente no Brasil, as

discussões nesse campo se acirraram na década de 1990, conforme esclarece Silva (2014, p.

18-19) em sua pesquisa de Mestrado:

A partir da década de 1990 do século passado o quadro da educação brasileira sofreu

grandes alterações, com a realização da Conferência Mundial de Educação para

Todos na Tailândia e também com os resultados dos estudos realizados pelo fórum

Permanente pela Valorização do Magistério e Qualidade da Educação responsável

pelo encaminhamento do Plano Nacional de Educação [...]. A aprovação da nova Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/ LDB/9.394/1996 deixa claro que os

sistemas de ensino devem promover a valorização dos profissionais da educação,

dentre eles os professores [...].

18

O Fio de Ariadne, assim chamado devido à lenda de uma princesa da mitologia grega chamada de Ariadne, é

o termo usado para descrever a resolução de um problema que se pode proceder de diversas maneiras.

Page 70: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

68

Com essa aprovação e provocação trazidas pela LDB (1996), cresceu o número de

pesquisas acadêmicas cujo foco de seus objetos de reflexão e debates se voltam para a

Educação Superior, conservando maior preocupação com a formação docente, o que aparece

fortemente nas pesquisas realizadas entre os anos de 1992 e 1998 pelas pesquisadoras

Brzezinski e Garrido (2001), ao analisarem as produções acadêmicas desse período.

Assim, verifiquei a predominância nos trabalhos da preocupação em dizer qual é a

formação e área de atuação do pedagogo, bem como a recuperação da historicidade da criação

do curso desde a década de 1930, seguido reiteradamente pelo marco legal das Diretrizes

Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura – DCNs

(2006). Mediante esses marcos históricos legais acompanhados por outros movimentos da

academia e de pesquisadores em um constante repensar a formação inicial, no início de 1999

se avolumaram os debates que deram corpo e voz à criação das diretrizes do curso de

Pedagogia, por meio da comissão de Especialistas em Pedagogia juntamente com ANFOPE19

,

ANPED20

, ANPAE21

, Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia e demais

colaboradores.

Ora, a aprovação das diretrizes foi vista como um ganho para Pedagogia, pois nasceu

de constantes embates, tensões e estudos, como vimos anteriormente. Mesmo assim, elas

deixaram margens ou lugares vazios, onde são possíveis interpretações e entendimentos

diversos e, por vezes, conflituosos no que se refere ao currículo, estágios, relação teoria e

prática, pois de acordo com debates e as agendas da educação nacional para eventos da

educação, reflete-se em várias mesas e conferências de pesquisadores da educação, que não é

possível fazer uma mera operacionalidade linear e mecânica quanto à sua efetivação nas

diversas realidades e regiões brasileiras, uma vez que vivemos em um país continental, com

uma grande biodiversidade de culturas. É isso que venho observando nos eventos que

participo nos últimos anos.

Nesse movimento e desdobramentos de estudos, debates e decisões legais, a docência

aparece como uma das dimensões do trabalho pedagógico. Essa concepção gerou

angústias e acirradas críticas por parte dos estudiosos da área, pois compreendem que a

atuação do pedagogo passa pela docência, mas que sua atuação não se encerra nela. Por isso, a

compreensão dessa atuação carece de melhorias para além das fronteiras escolares,

19

Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação. 20

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. 21

Associação Nacional de Política e Administração da Educação.

Page 71: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

69

objetivando-se entender a Pedagogia em outros espaços e tempos educativos. Ao se referir à

expansão e à atuação, as DCNs (2006) trouxeram que:

Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores

para exercer funções de Magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do

Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de

Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas

quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.

Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na

organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando:

I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas

próprias do setor da Educação; II - planejamento, execução, coordenação,

acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares;

III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo

educacional, em contextos escolares e não-escolares.

Daí o interesse em olhar essas pesquisas, pois considerando esses outros campos de

atuação da Pedagogia que foram postos nas diretrizes, vimos que houve implicações diretas

na formação e na atuação docente. A observação das pesquisas auxiliou no diálogo com as

minhas colaboradoras, pois pude compreender suas percepções acerca dos seus processos

formativos, bem como de sua prática docente, além de olhar para a formação inicial proposta

pelo curso de Pedagogia campus Cuiabá/UFMT com mais atenção.

Nessa perspectiva de expansão apresentada pelas DCNs (2006), a Pedagogia, a meu

ver, tem muito a ganhar e contribuir, já que atualmente podemos verificar que várias

instituições de ensino não formal abrem vagas e espaço de atuação para Pedagogia, pois

percebem que, a partir dela, se pode trabalhar em outros campos a dimensão humana de modo

integral, considerando os aspectos pedagógicos e epistemológicos.

Associado a isso, ―a qualidade e a proposta curricular dos cursos de Pedagogia vem

sendo balizadas de acordo com as configurações assumidas em sua constante busca de

resposta aos interesses da sociedade‖, conforme pesquisa de doutorado (VIEIRA, 2011, p.

106). Mesmo diante de todas essas articulações e conquistas, o pedagogo, que está imerso

nesse contexto de constantes mudanças e exigências, sente-se questionado quanto à sua

profissão e identidade.

Em decorrência desses estudos, e de formulações e reformulações dos cursos de

Pedagogia pelo país, os trabalhos ressaltaram, de modo geral, a importância da formação

inicial e a preocupação de se construir currículos teórico-reflexivos vinculados à prática, e que

estejam inseridos em realidades concretas escolares e não escolares.

Page 72: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

70

Ainda, trouxeram à tona a necessidade de pensar e repensar políticas para formação

continuada de cursos de curta duração devido à preocupação com propostas ou projetos

formativos desvinculado da realidade para a qual se destinam.

Além disso, observei, nos trabalhos consultados, que é recorrente a necessidade e

diálogo para que haja uma aproximação entre os interesses e as reais necessidades formativas

dos docentes. Em razão disso, seria fundamental considerar a participação dos profissionais

egressos na elaboração da proposta da formação continuada, pois, de modo geral, eles não são

sequer consultados. A esse respeito, Aquino (2011, p. 20), em sua pesquisa de Mestrado,

aponta que:

Desde sua fundação até os dias atuais, o Curso de Pedagogia tem sido marcado por

discussões sobre a especificidade do trabalho pedagógico. Pode-se perceber nas

discussões posteriores que, apesar de as medidas legais reestruturarem a matriz

curricular e a base de formação do curso, isso ainda não foi suficiente para

consolidar o perfil e o campo de trabalho do pedagogo. Os diferentes

direcionamentos atribuídos a esse Curso no Brasil carregam como questão central a

formação e atuação de seus profissionais.

Desse modo, a formação continuada apresentada nos trabalhos revela, por parte de

egressos, principalmente os iniciantes na docência, uma busca coletiva de novas alternativas

para sua prática, com trocas de experiências entre os seus pares e o compartilhamento de

resolução de problemas de ensino, desafios culturais e sociais, sobretudo, heterogeneidade nos

grupos de estudantes, distúrbios de aprendizagem e defasagem de conteúdo.

De maneira geral, os egressos sugerem maior articulação entre conhecimentos

educacionais teóricos e práticos e, especialmente, requerem a realização de estágios

supervisionados para a melhoria do curso de Pedagogia, concebendo, então, a docência como

atividade central na formação inicial. Conforme podemos verificar em uma das falas das

colaboradoras da pesquisa de Mestrado de Aquino (2011, p. 143):

Então que eu acho que relação à teoria é bom você ter. É lógico que você tem que

ter, você tem que ter um embasamento, mas não. Na hora da prática, na hora que tô

passando aperto, que eu tenho que fazer, acaba que isso não me ajuda, não me

resolve. Eu tenho que ir atrás de gente que já fez, pra me ensinar, pra me mostrar

como é que está sendo feito. Eu sinto falta dos estágios, né [...]

Os egressos iniciantes na docência consideram principalmente o estágio supervisionado

como uma das possibilidades mais importantes para o exercício da docência na formação

inicial. Assim, indica-se que nesse espaço de tempo observado e vivenciado pelos egressos,

foi possível estabelecer o diálogo entre a teoria e prática, e que o estágio seja o lócus da

práxis. Sentem necessidades de resolução de situações de aprendizagens na prática. E essa

Page 73: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

71

resolução, muitas vezes, pode ocorrer quando os acadêmicos são apoiados, ou quando

conseguem observar um professor experiente na prática.

Na época eu não queria porque meu estágio com supervisão foi muito fraco, eu

não achei bom. Então eu não tinha experiência nenhuma, morria de medo, nem em

sala de aula eu tinha experiência direito, como é que eu ia trabalhar como professor

se eu não sabia direito o que era ser. Aí... Aí a secretaria conversou bastante comigo,

falou que ia me dar apoio. (AQUINO, 2011, p. 146)

Nóvoa (2009, p. 36), ao tratar da formação e da relação com os pares, afirma que ―a

formação de professores deve passar para ‗dentro‘ da profissão, isto é, deve-se basear-se na

aquisição de uma cultura profissional, concedendo aos professores mais experientes um papel

central na formação dos mais jovens‖.

Essas percepções de ausência de conhecimentos necessário, de não aprendizado são

observados pelos egressos geralmente no confronto com a prática que, às vezes, se resume no

chão das questões de aprendizagens frente aos desafios da sala de aula, ou da gestão escolar.

Desse modo, buscam colaboração e orientação entre seus pares mais experientes na carreira

docente para resolver questões difíceis.

A esse respeito, Bastos (2014, p. 86), em seus estudos de Mestrado, fez as seguintes

observações a partir das falas de seus colaboradores:

[...] os estágios promoveram, a partir das narrativas, excelentes reflexões e

conhecimentos acerca da atuação do professor, seja na sala de aula, seja como gestor

[...] há nas falas a inquietação de buscar nos estágios formas outras da atuação do

professor e do Pedagogo.

Quando se referem à prática da docência, os egressos das pesquisas selecionadas

narram o estágio como um elemento central na formação inicial e mencionam, como já vimos

acima, como sendo um período de pouca densidade de tempo e de profundidade, devido

segundo eles, a própria carga horária dedicada ao estágio.

Ademais, em duas pesquisas, quando se trata do seu referencial teórico, aborda-se a

necessidade de se considerar uma política de acompanhamento de egressos por parte das

instituições formadoras. Isso possivelmente poderia ajudar na elevação da qualidade dos

cursos e na construção de uma avaliação institucional constante e efetivamente formativa. Ao

lado disso, sente-se a necessidade de uma formação com foco no professor iniciante por parte

das instituições de ensino onde esses egressos estão inseridos profissionalmente. O que ocorre

são iniciativas de projetos isolados de uma ou outra escola, e de alguns sistemas de ensino

público municipal, mas não se constitui uma política de formação para professores iniciantes.

Dos 13 trabalhos observados que envolvem pesquisas com egressos de Pedagogia, pelo

menos oito trouxeram de modos diferentes a necessidade de uma política de formação para

Page 74: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

72

professores iniciantes na docência ou de egressos. Para ilustrar essa realidade, apresento

trechos descritos em uma pesquisa de Doutorado e duas de Mestrado, conforme apresentado a

seguir. Os pesquisadores assim, pontuaram:

Esta pesquisa fez com que se refletisse sobre a importância de ser implantada, na

Universidade de Pernambuco, uma política de egressos/as a ser institucionalizada e

que é preconizada em textos oficiais. (BIZARRO, 2012, p. 160)

Os dados coletados durante a pesquisa junto aos colaboradores e sujeitos

evidenciaram que as práticas formativas de Formação Continuada das redes estadual

e municipal de ensino são oferecidas a todos os profissionais da escola, e não há

ainda uma formação com foco no professor iniciante, e, quanto à Formação

Continuada das escolas particulares investigadas, de acordo com os depoimentos dos

sujeitos, a formação encontra-se adormecida consistindo em apenas encontros para

orientação e tira dúvidas. (SILVA, 2014, p. 11)

Os Institutos Superiores de Educação deveriam oferecer um serviço aos alunos

egressos, assessorando-os no início de sua carreira, oferecendo-lhes palestras,

oficinas pedagógicas e atendimento com professores especializados. (JESUS, 2010,

p. 90)

Com base nas pesquisas levantadas sobre os egressos de Pedagogia, observei que a

formação continuada para egressos e professores iniciantes (digo egressos e iniciantes porque

alguns são egressos, mas já possuem experiência com a docência), ainda constitui um

campo/tema, pouco explorado e muito discutido em pesquisas, mas já debatidos em eventos

da educação.

Nesse movimento de formações, ainda observei a compreensão da necessidade de

assumir a docência e os outros espaços de atuação do pedagogo como um todo organizado,

seja a docência, a gestão, a supervisão e a orientação educacional. Esses espaços e tempos se

estabelecem como um todo articulado e indissociável. Porém, é algo que se apresenta como

um desafio para os currículos devido ao leque de formações que são necessárias para

desenvolver os projetos políticos pedagógicos dos cursos de Pedagogia.

[...] então ser pedagogo é isso, é às vezes, é até uma identificação pra gente. A gente

sabe que a gente atua...A gente acaba sabendo o que todo mundo sabe né, ele na

escola, como professor. E aí a gente sabe que a gente pode um monte de coisas, mas

a gente não sabe como poder. Então o curso, a gente sai meio que um pouco

perdido. (AQUINO, 2011, p. 94-95)

Nesse cenário, há uma queixa reiteradamente colocada em vários trabalhos por parte

dos sujeitos da pesquisa, pois enfatizam que a formação inicial ofertada ou construída no

decorrer do curso de Pedagogia não fornece conhecimentos teóricos e práticos que

possibilitem intervir em processos pedagógicos, já que o estar na profissão, para muitos

egressos iniciantes, significa estar diante de muitos desafios e espantos, conforme sinaliza a

pesquisa de Mestrado de Jesus (2010, p. 89), ao trazer que ―as dificuldades que os egressos

Page 75: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

73

encontraram no início de sua carreira no Magistério estão relacionadas, exatamente, com uma

carga horária reduzida de aulas práticas durante o curso‖.

Tal relato, a meu ver, revela a complexidade dos espaços de atuação do pedagogo,

considerando a formação inicial não incompleta, mas uma dimensão do desenvolvimento

profissional, em que se constituem momentos oportunos de diálogos e buscas de soluções

coletivas, conforme cada especificidade e particularidade pedagógica. Embora a atuação da

Pedagogia tenha conquistado outras instâncias, o Projeto Pedagógico Curricular do curso por

mais denso que seja, a sua carga horária e proposta de curso não abrangerão todas as

instâncias dessa formação unicamente com a formação inicial.

No entanto, esse sentimento de incompletude e inacabamento se constitui um dado

natural, no qual se busca romper com a dicotomia entre formação inicial e continuada. Assim,

coloca-se a teoria em um campo das complexidades inatingíveis, e a prática como a

possibilidade do real como desafio a ser vencido até de forma heroica.

No curso, o estágio aparece em alguns momentos das pesquisas como ―salvador da

prática‖. Nesse contexto, nas vozes dos egressos dos referidos trabalhos, observei a

argumentação ao tratarem da academia, externando que o curso deveria exigir mais estágios

de seus discentes, com maior integração da teoria com a prática. Esse ‗mais‘, soa com um tom

de que isso poderia ―salvar‖, ou amenizar situações que porventura surgiriam na atuação do

pedagogo, que essa prática, mais ―completa‖ ou mais densa, poderia evitar maiores

transtornos e garantir maior sucesso profissional. Foi o que também observei na fala da

egressa da pesquisa de Doutorado de Bizarro (2012), que assim se expressou:

A expectativa é que o professor alie a teoria com a prática e que seja o norteador das

diversas problemáticas que possam aparecer ao logo do estágio. É esperado também

que o professor tenha experiência profissional adequada para que possa orientar e

avaliar o estágio e para que no futuro próximo o estágio venha a servir de apoio na

vivência profissional concreta. (BIZARRO, 2012, p. 152-153)

Em um outro momento, outro egresso expressa que ―[...] outro ponto que senti muita

falta foi de disciplinas e estágios que envolvesse outras áreas de atuação do pedagogo e não

somente na área de educação‖ (BIZARRO, 2012, p. 157).

Nessa mesma linha de compreensão, considerando o estágio supervisionado como

eixo central do aprendizado da docência e das outras práticas de atuação da Pedagogia, em

suas considerações finais de pesquisa, Bizarro (2012, p. 164) pondera:

Assim, acreditarei que a formação do/a pedagogo/a, apesar de não ter mais

habilitações, defenderá na elaboração de seus PPC que respeitarão as áreas de

atuação desse/a profissional, oportunizando principalmente nos estágios

supervisionados o conhecimento e a vivência das várias áreas a serem

Page 76: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

74

desempenhadas por um/a pedagogo/a, com competência, em diversos espaços da

sociedade.

Tendo em conta a ponderação feita pela referida pesquisadora sobre a formação na

Pedagogia e os estágios supervisionados, volto meu olhar para outros espaços de atuação da

Pedagogia preconizados nas DCNs (2006), especificamente no artigo 4, mencionado

anteriormente. Saliento que alguns trabalhos discorreram acerca da ampliação da atuação da

Pedagogia quando se referiram à intensificação do espaço da educação não formal que vem se

constituindo em um novo campo de ação e formação do profissional da Pedagogia. A esse

respeito, sinalizo aqui alguns comentários.

Para essa compreensão, Aquino (2011, p. 158), em sua pesquisa de Mestrado,

―buscou-se apreender as Representações Sociais que os egressos do Curso de Pedagogia da

UFV têm sobre seus espaços de atuação, considerando o campo da educação formal e não

formal‖. A autora pondera que estudos que enfocam o papel do pedagogo atuando em espaços

não escolares ainda é um campo incipiente. As dez colaboradoras que contatou expressaram

que não se consideravam preparadas para atuar em espaços educativos, ao avaliarem sua

formação inicial segundo a proposta do curso que foram formadas, justamente por lidarem

com realidades culturais diferenciadas (das dez entrevistadas, sete estão atuando em outros

espaços não escolares).

A esse respeito, uma das egressas relatou que ―[...] o pedagogo, agora, ele é formado

somente para a docência. E o pedagogo que é formado somente para a docência, ele não está

habilitado a atender a todas essas áreas‖ (AQUINO, 2011, p. 97). Nesse caso, segundo a

pesquisadora, a egressa se referiu especificamente ao curso da Universidade Federal de

Viçosa (UFV), reformulado em 2008, e que apresenta essa opção formativa na docência com

foco na educação formal escolar. A egressa considera que uma vez aprovadas as diretrizes de

ampliação, a proposta da Pedagogia do curso deveria procurar em sua reformulação atender às

normativas com suas especificações.

Bom, Pedagogia pra mim é uma participação de um profissional que vem a

trabalhar em diversas... Diversos ambientes, diversas áreas a questão educacional. E

a questão educacional ela não se limita simplesmente à escola. (AQUINO, 2011, p.

91)

Para pensar essa questão, a referida pesquisadora trouxe observações das egressas,

quanto às DCNs (2006), as quais consideram-nas como novas perspectivas para atuação da

Pedagogia, comentando que ―[...] a entrada do pedagogo em outros ambientes pode

representar formas alternativas de reconhecimento da profissão e a possibilidade de constituir

novas relações de trabalho‖ (AQUINO, 2011, p. 98-99). Observou, ainda, que os espaços da

Page 77: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

75

educação não formal estão se constituído em um novo campo de ação e atuação do

profissional de Pedagogia. Para isso, carece-se de uma formação inicial e continuada que

atenda às novas realidades de atuação desse profissional. As sete colaboradoras que atuam na

educação não formal trouxeram a necessidade da criação, pelo menos de disciplinas optativas

que possam proporcionar preparação para a entrada do pedagogo nesses novos campos.

Entendo que, mesmo diante dessa orientação das DCNs (2006) quanto à ampliação da

atuação na Pedagogia, essa compreensão e regulamentação nos cursos ainda está em processo,

em que cada realidade institucional formativa vem buscando encontrar a melhor forma de

constituir em seus currículos de curso atenção a essas novas frentes de atuação profissional da

Pedagogia. Conforme escreve Frison (2004, p. 89):

[...] o pedagogo gerencia muito mais do que aprendizagens, gerencia um espaço

comum, o planejamento, a construção e a dinamização de projetos, de cursos, de

materiais didáticos, as relações entre o grupo de alunos ou colaboradores. Isso

significa que não basta possuir inúmeros conhecimentos teóricos sobre determinado

assunto, é preciso saber mobilizá-los adequadamente.

Concordando com a autora, ao volvermos nossa compreensão para as novas frentes de

atuação da Pedagogia trazidas pelas DCNs (2006), bem como para os atuais desafios que

emergem dessa atuação, a formação inicial na Pedagogia se constitui em um campo formação

aberto para o diálogo com outras áreas de atuação da educação formal e não formal, que vai

se constituindo e se consolidando na formação continuada. Nesse sentido, a produção e

construção de conhecimentos específicos da e para a Pedagogia não deve ser confundida com

os discursos epistemológicos das ciências que lhe dão suporte. Assim, a Pedagogia faz esse

movimento de síntese integradora dos conhecimentos científicos e dos aportes teóricos das

demais áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.

A esse entendimento, a Resolução n. 1 de 2006 que instituiu as DCNs (2006), em seu

artigo 2º parágrafo, § 2º preconiza que ―II - a aplicação ao campo da educação, de

contribuições, entre outras, de conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico,

o ambiental-ecológico, o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o

cultural‖. Portanto, há uma rede colaborativa de conhecimentos, a partir dos quais a

Pedagogia se apoia. Porém, suas bases formativas se mantêm em suas trajetórias históricas de

lutas, resistências e conquistas.

Retomando o trabalho de pesquisa de Aquino (2011), verifico, nas falas das egressas e

nas observações da pesquisadora, que devido às exigências dessa ampliação de atuação,

mesmo na docência escolar, as egressas se colocaram como despreparadas, e ainda disseram

Page 78: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

76

que a inserção profissional é desafiadora. Diante dessa realidade, elas sentem a necessidade de

estágios nos diferentes campos de atuação:

Um ponto consensual entre as pedagogas que atuavam nos espaços formais e não

formais, é que ambas admitiram estar despreparadas para atuar no mercado de

trabalho. Ao expressarem suas atitudes, em relação ao processo de inserção nos

espaços formais e não formais, as pedagogas afirmaram que esse veio acompanhado

por incertezas e dificuldades em lidar com as demandas requeridas. A falta de

experiência configura-se como um dos maiores desafios encontrados pelas

pedagogas na realização do fazer pedagógico. Para elas, o Curso de Pedagogia

deveria valorizar mais a prática e estimular os alunos a terem maior inserção em

campos educativos diferenciados. (AQUINO, 2011, p. 160)

Seguindo nessa perspectiva da formação na Pedagogia, fui me deparando com outros

elementos ou dimensões singulares associados à formação. Um desses elementos é a iniciação

científica na formação inicial. Ela aparece como relevante na aprendizagem docente, pois

possibilita o desenvolvimento pessoal e profissional dos estudantes, considerando a

organização de atividades de estudo e pesquisa, conforme destacaram as egressas Jana e Rita,

colaboradoras da pesquisa de Mestrado de Kirsch (2007, p. 72), as quais tiveram a

oportunidade de frequentar grupos de pesquisas e projetos de iniciação científica. A esse

respeito, comentaram em suas entrevistas:

[..] e essa ânsia pelo saber, por conhecer mais, por trocar mais, por experiências

vivencias, eu acho que isso te instiga muito, então essa escolha dos projetos,

iniciação cientifica, é exatamente a busca dessa relação que a gente tem com o

conhecimento.

[...] Mas, pra mim estar num grupo de pesquisa é como uma organização escolar,

porque ali tu te organizas, tu tens objetivos num projeto de pesquisa, tu tens que

procurar concretizar os objetivos, então tu tens que organizar de uma forma, ela

precisa dessa organização, então tu percebe no grupo de pesquisa todos esses

processos, essas estruturas que se fazem no social [...].

No tocante à formação do pesquisador iniciante na graduação, a referida pesquisadora

ponderou que:

[...] a pesquisa na graduação permite o desenvolvimento do pensamento crítico e

reflexivo, através do exercício do método científico, com a possibilidade de

relacionar os estudos realizados com a realidade investigada. O espaço acadêmico,

portanto, amplia-se, ultrapassando, os limites disciplinares e encaminhando as

estudantes para o ambiente social, além, das salas de aula. Esse percurso formativo

permite às acadêmicas vivenciarem aprendizagens dentro e fora da universidade,

sendo manifestas através das três categorias de análise: movimento de inserção na

iniciação cientifica, construção do pesquisador iniciante e consolidação da atividade

de pesquisa. (KIRSCH, 2007, p. 89)

Ademais, conforme a referida autora, os estudantes dessa formação passam a entender

que a formação inicial não se esgota com a diplomação, mas é um processo contínuo. Pude

observar que, das dez colaboradoras de Kirsch (2007), sete egressas, na ocasião da pesquisa,

Page 79: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

77

já estavam fazendo Mestrado. Essa formação continuada pode ser atribuída à aproximação

que todas tiveram com o campo de pesquisa e as produções acadêmicas que foram feitas

desde a graduação. Nesse aspecto, Vieira (2011, p. 55), em sua pesquisa de Doutorado,

pontuou que ―a formação do pedagogo não deve se esgotar na docência; deve ser preparado

para outras dimensões do trabalho pedagógico.

Em outra pesquisa, diante dessa mesma questão tocante à formação inicial, uma das

egressas entrevistada expressou que ―[...] algo que ficou a desejar durante a graduação foi o

estímulo para a iniciação científica, pois poucos os professores desempenharam esse papel,

algo que é resultado da ausência de iniciativa do próprio Campus [...]. (BIZARRO, 2012, p.

157).

Assim sendo, percebo que esse movimento formativo na graduação é um movimento

concêntrico interno dos professores pesquisadores formadores inseridos na formação inicial.

Nesse sentido, entendo que os cursos precisam criar condições e situações acadêmicas que

gerem curiosidades epistemológicas e motivem os graduandos. Isso pode ocorrer mesmo

quando são calouros, para que sejam incentivados e compreendam a pesquisa como valor

acadêmico em todas as fases formativas e profissionais.

Abrindo as pesquisas, deparei-me, ainda, com outros aspectos oriundos que envolvem

estudos realizados dentro do campo da Pedagogia. A pesquisa de Doutoramento de Vieira

(2011) partiu do pressuposto que a qualidade da formação inicial de pedagogos necessita ser

analisada e revista no sentido de se extrapolar o reducionismo técnico presente, e de se

direcionar as ações com base em dimensões valorativas, ideológicas e políticas, necessárias à

melhoria do processo de formação inicial de pedagogos.

Diante disso, no seu movimento de pesquisa, analisou os principais indicadores de

qualidade formulados mediante a coleta de dados junto aos seus colaboradores. A partir

dessas formulações, trouxe para o debate em sua tese dez sugestões como possíveis

contribuições à proposta curricular da Pedagogia frente ao movimento histórico-social e

educacional da Pedagogia no Brasil. Mas, antes, o pesquisador esclarece que essas dimensões

e indicadores de qualidade anunciados na pesquisa podem ser considerados como um

movimento de provocação inicial, e que, portanto, não pode ser tomada isoladamente fora dos

contextos dos cursos, pois envolvem outras discussões necessárias para que o curso de

Pedagogia obtenha o devido reconhecimento e possa garantir qualidade na formação dos

pedagogos. A esse respeito, transcrevo uma de suas propostas de ação, na qual ele pontua a

qualidade:

Page 80: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

78

O processo de formação inicial de pedagogos com qualidade precisa acompanhar as

mudanças que ocorrem na estrutura do conhecimento e nos processos de ensino

aprendizagem, que caminham para a interdisciplinaridade e a interdependência das

áreas do conhecimento e novas formas de apropriação do conhecimento, por meio da

inovação curricular, especialmente articulada com o estímulo ao processo de

desenvolvimento de pesquisas [...] A formação de pedagogos deve ser concebida

como prática social concreta e contextualizada, não como um produto homogêneo

aplicado a diferentes pessoas. (VIEIRA, 2011, p. 177-178)

Nesse aspecto, entendo que o curso, conforme ressalta o autor, possui suas

intencionalidades e especificidades próprias e, por vezes, situadas. Cumprindo ou buscando

atender demandas e exigências internas e externas à instituição, em um movimento que ora se

aproxima ou se distancia das questões referentes ao estatuto teórico da própria Pedagogia em

suas ramificações históricas, que há, por vezes, um malabarismo para se equilibrar nessa

―corda bamba‖ e conciliar interesses e necessidades diversas.

No que se concerne à avaliação institucional do curso de Pedagogia, dois trabalhos se

debruçaram sobre essa temática, seja ela no próprio curso com os acadêmicos, com o curso

em si, ou com egressos com critérios de avaliação organizados com base em dimensões e

indicadores, por exemplo, o instrumento de avaliação para reconhecimento de cursos de

Pedagogia no âmbito do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES),

conforme a Portaria nº 808, de 18 de junho de 2010. Trata-se de um instrumento próprio para

os cursos de Pedagogia, com a descrição dos critérios de qualidade a serem alcançados por

todos os projetos de cursos e suas instituições que tenham ou queiram ter reconhecimento

nacional.

Essas avaliações sinalizaram a inexistência de uma política para acompanhamento dos

egressos, bem como dos pedagogos iniciantes na docência. Ainda, com os cenários nacionais

e internacionais permeados por avanços tecnológicos, envoltos na globalização, o foco

principal, seguidamente, se coloca na competitividade do próprio mercado de trabalho, o qual

exige dos profissionais da educação uma corrida em busca da formação continuada.

A Formação Continuada assume particular importância, em decorrência do avanço

científico e tecnológico e de exigência de um nível de conhecimentos sempre mais

amplos e profundos na sociedade moderna. Este Plano, portanto, deverá dar especial

atenção à formação permanente (em serviço) dos profissionais da educação. A

Formação Continuada do Magistério é parte essencial da estratégia de melhoria

permanente da qualidade da educação e visará à abertura de novos horizontes na

atuação profissional. (BRASIL, PNE, 2001, p. 63)

Ao tomar esses trabalhos com seus movimentos de pesquisa envolvendo a Pedagogia e

seus egressos, observei, nas falas das entrevistas e, principalmente, nas considerações finais

das pesquisas, o quanto a Pedagogia contribui para o amadurecimento pessoal e profissional

dos egressos, mas sinalizam as vozes ecoam as dificuldades na articulação das dimensões

Page 81: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

79

entre a teoria e a prática no cotidiano da docência, mesmo para aqueles que já estavam em

sala de aula ao adentrarem no curso.

Ao fazer esses estudos, automaticamente, volvi o olhar na direção da minha própria

prática e experiência como pedagoga em exercício. E, como pesquisadora, o que me ajudou a

dizer que as exigências que se ancoram na Pedagogia enquanto um campo de estudos da

educação, possibilitam que ela se constitua em uma Licenciatura capaz de estabelecer

diálogos transdisciplinares com as Ciências Humanas e Sociais. A Pedagogia pesquisa,

analisa, reflete e problematiza os fenômenos educativos de modo contextualizado e global.

Entendo-a dessa forma, por compreender sua teoria vinculada à uma prática que possibilita

ajudar a formar pessoas de modo integral, ou suscita formações diversas/múltiplas, em que a

técnica não se garante sem vincular-se à realidade humana, independentemente do espaço-

tempo de atuação.

Nesse raciocínio, nota-se que o motor da Pedagogia é a educação enquanto fenômeno

histórico, social, político e cultural. A Pedagogia, como área de formação humana, possui

princípios epistemológicos e metodológicos capazes de observar, analisar e interpretar a

realidade educativa em seus múltiplos campos de atuação pedagógico, sendo esses campos

escolares e não escolares. Quando essa interpretação ocorre junto às realidades, estas são

precedidas, frequentemente, de intervenções de mudanças a favor de processos ainda mais

humanizadores. Como vimos nas entrevistas das egressas das teses e dissertações

pesquisadas, a Pedagogia, tanto na formação inicial como na prática da docência, ou nas

outras frentes de atuação, é um marco impulsionador de formações e mudanças. Com o

processo de aprendizagens, o pedagogo passa a compreender sua realidade de atuação,

entendendo que sua presença é ativa, critica e reflexiva junto com seus pares e na sua atuação.

Nesse sentido, segundo Franco (2008),

O curso de Pedagogia se constitui no único curso de graduação onde se realiza a

análise crítica e contextualizada da educação e do ensino enquanto práxis social,

formando o pedagogo, com formação teórica, científica e técnica com vistas ao

aprofundamento na teoria pedagógica, na pesquisa educacional e no exercício de

atividades pedagógicas específicas. (FRANCO, 2008, p. 149)

Mediante essa consideração do referido autor, compreendo que o pedagogo precisa

buscar entender a educação independentemente do espaço-tempo escolar ou não escolar e, por

conseguinte, compreender a educação onde estiver atuando ou onde estiverem acontecendo os

processos de educação.

Foi justamente isso que nas narrativas, nas linhas e entrelinhas das vozes dos egressos

e na participação dos estudiosos da Pedagogia, subjetivamente se imbricou nos trabalhos.

Page 82: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

80

Com isso, consegui visualizar a importância desses trabalhos como suporte para entender a

Pedagogia com suas nuances epistemológicas, desafios, conflitos epistemológicos,

enfrentamentos e conquistas dentro da sua própria área. As temáticas que selecionaram como

objeto de estudo os egressos de Pedagogia possibilitaram percepções para melhor auscultar as

vozes das egressas da presente pesquisa mediante suas percepções formativas na formação

inicial, bem como na atuação profissional.

Ainda, os fios entrelaçados nas diferentes temáticas de pesquisa, diretamente ou

indiretamente, possibilitaram diálogos com a Legislação (Resolução CNE/CP n. 1, de 15 de

maio de 2006), a qual traz a constituição da Pedagogia considerando seu enfoque na docência,

abre outras várias possibilidades de formação e atuação de um fazer pedagógico que

ultrapassa os limites da sala de aula e da escola. Isso devido ao fato de a Pedagogia possuir

matizes históricos, educacionais e sociais de uma rica tradição, a qual se afina para lidar com

a docência em sala de aula e fora dela, com plurais atividades humanas e sociais em

cotidianos, e espaços-tempos diversos, rompendo com visões conservadoras e

descontextualizadas das realidades de sua atuação, sendo elas escolares ou não escolares.

São essas algumas das noções e impressões iniciais que começam a despontar a

respeito da Pedagogia, enunciadas nas teses e dissertações do levantamento bibliográfico

realizado.

No item seguinte, teço mais uma fibra do aguayo da Pedagogia, apresentando um

pouco da sua constituição histórica situando-a dentro de sua própria temporalidade com seus

limites e possibilidades. Assim, chego à constituição da Pedagogia enquanto curso.

2.2 Desencadeamentos de fios: o tecimento da constituição da Pedagogia

Teço os primeiros fios no fuso das histórias para escrever sobre a Pedagogia. A

Pedagogia tem suas tramas e nós nos primórdios dos saberes mais rudimentares que se filiam

à educação, à cultura dos povos e foi se descobrindo nos espaços-tempos não escolares

inicialmente. Posteriormente, passou a se configurar nos espaços escolares e, atualmente,

busca fincar suas raízes em tempos não escolares. Quanto a esse entendimento, Gauthier e

Tardif (2014) afirmam que toda sociedade educa e está envolvida com educações e saberes,

em um processo de produção de culturas. Assim, manifestam os referidos autores que:

Essa transmissão se faz de maneira informal, sem que ninguém seja oficialmente

designado para essa tarefa. Ela se realiza de modo anônimo por uma espécie de

integração e amálgama dos diversos ingredientes, tais como valores, costumes e

hábitos no crisol social. (GAUTHIER; TARDIF, 2014, p. 103)

Page 83: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

81

A história da civilização humana, com suas várias contradições, afirmações e quebras

de paradigmas, vem mostrando que toda sociedade é apta a educar no sentido de ela mesma

carregar em vasos de bronze uma dada cultura ou tradição. Ela tem o seu jeito de ser e fazer

as coisas. Seu jeito de ser e tecer no mundo.

Já que estamos imersos no tempo, não podemos medi-lo no sentido da apreensão, mas

podemos acompanhar suas marcas nos registros de quem pode registrá-lo, as memórias que

guardam as histórias com múltiplos olhares, sentidos e significados.

Para essa viagem, encontrei nas minhas histórias formativas da formação inicial, o

caminho a percorrer a procura dos fios para tecelagem desta parte do aguayo.

Em meio a esses fios e tantos outros fios que tecem a educação de modo geral, fiquei

pensando como tecer os fios da Pedagogia, e se é preciso achar nesse novelo das histórias, sua

meada ou meadas para com ela(s) pensar a fiação.

Lidando com tempos e temporalidades, penso ser oportuno sentir esse tempo que

guarda as memórias das histórias desses fios. Não farei isso de modo aprofundado, pois não é

objetivo deste texto trazer com detalhes a historicização da Pedagogia. O que importa, nesse

momento, é situar-me em alguns pontos de início e continuidades das primeiras compreensões

do nascimento e desdobramento da Pedagogia como um pensar e fazer consciente dos

processos da educação, como já dizia Jaeger (1967).

Na oportunidade da construção de entendimentos, inicio a fiação através da minha

percepção considerando o processo formativo.

Ora, quando cheguei ao curso de Pedagogia do campus Cuiabá/UFMT, senti que

estava vivendo algo grandioso, único e especial. Tudo era novo e diferente! Não tinha leituras

sobre a Pedagogia. Sabia algumas coisas de modo geral. Tinha conhecimento que ela estava

ligada diretamente a ser professora, a trabalhar com crianças em escolas. É interessante pensar

como cheguei no curso e entender que somos feitos de processos formativos humanos, sociais

e culturais dentre outros. Digo isso, pois naquela ocasião estava aberta para aprender. Não

tinha grandes questões ou perguntas para os professores. Lia e nem sempre compreendia o

que estava sendo ensinado pelos autores e professores. Acabava ficando com as compreensões

que os professores sintetizavam em suas aulas e como eu as compreendia no contexto da

minha realidade de trabalho e dos processos de relação com meus colegas de graduação.

Com a formação inicial, fui buscar outros aprofundamentos no campo da Pedagogia,

afinal, desde a graduação já estava em sala de aula, coordenação pedagógica e, no decorrer

desse mesmo período formativo, me inseri em grupos e projetos de pesquisas.

Gradativamente, percebi a minha compreensão se modificar. Comecei a ter questões de

Page 84: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

82

pesquisa, a confrontar autores e a realidade. Assim, à medida que fui lendo, escrevendo,

apresentando trabalhos em sala de aula, eventos e desenvolvendo atividades em escolas,

sentia como que meu olho interior estivesse se abrindo e eu pudesse atravessar para outras

margens como de um rio. Eu começava a fazer projetos com o que estava aprendendo na

Pedagogia e no grupo de estudos científicos. Fazia planos de como iria atuar no espaço

escolar. Esse movimento, que lá no início da formação inicial eu estava percebendo, já eram

os primeiros indícios de continuidades de processos formativos mais elaborados. Contudo, eu

não sabia que estava me formando. A Pedagogia havia aberto uma porta importante na minha

vida em direção à minha formação humana e profissional.

Então, como pensar a Pedagogia sem entender que ela é uma porta de entrada ou uma

ponte de travessias, sem a qual não saberia dizer quase nada sobre as múltiplas formas de

educação. Nesse período ainda não havia ocorrido a aprovação das DCNs (2006) para

Pedagogia, mas eu já conseguia entender a Pedagogia fora do espaço escolar, uma vez que já

atuava com grupos de jovens, crianças e adultos em pastorais sociais da Igreja Católica. Pude

perceber que minha comunicação, reflexão e ação estavam diferentes, pois conseguia fazer

colocações com embasamento em autores fora das questões religiosas e projetos com

articulações pedagógicas formativas, de modo a compreender que tudo estava muito

interligado com a educação, com a cultura e com a vida.

Nesse sentido, muitas vezes, vou precisar recorrer a Brandão (1984), para tratar desse

misto de educações e culturas, com as quais fui me formando. Nada nesse processo é linear ou

se tem um ponto fixo de chegada. Há, sim, compreensões e fechamentos provisórios que me

possibilitam realizar sínteses compreensivas e avançar para novos processos. E é desse lugar

do sentir, sim, do sentir, pois para mim, o aprendizado passa pelo corpo todo, a cabeça com

sua racionalidade não está desvinculada das minhas emoções, sensações, com elas e ela, faço

minhas sínteses e sinapses. Das compreensões referentes à Pedagogia, das quais puxo mais

uma vez os fios, para dialogar com ela e, quiçá, aprender um pouco mais para avançar.

Continuo minha viagem e trago um pouco de sua história nas histórias já narradas por tantos

autores. Faço isso para me situar.

Quando revirei meus escritos e os escritos de tantos outros escritores da Pedagogia,

entendi a necessidade de trazer o seu significado epistemológico. Revisitando os escritos,

localizei o termo Pedagogia, o qual remonta a história da Antiguidade. A origem do termo

está ligada às atividades de condução ao saber. A esse respeito, reporto-me à Grécia

Page 85: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

83

Clássica22

, devido à maneira de conceber sua cultura e nela conduzir as crianças, segundo

estudos de Aranha (1996, p. 41):

A Grécia Clássica pode ser considerada o berço da Pedagogia. A palavra paidagogos

significa literalmente ‗aquele que conduz a criança‘ (agogós, ‗que conduz‘), no caso

do escravo que acompanha a criança à escola. Com o tempo, o sentido se amplia

para designar toda teoria sobre a educação.

Com esse sentido atribuído ao ―que conduz a criança‖, Saviani (2012, p. 02), expressa

que:

Desde a Grécia, delineou-se uma dupla referência para o conceito de Pedagogia. De

um lado, foi desenvolvendo-se uma reflexão estreitamente ligada à filosofia,

elaborada em função da finalidade ética que guia a atividade educativa. De outro

lado, o sentido empírico inerente à Paidéia entendida como a formação da criança

para vida reforçou o aspecto metodológico presente já no sentido etimológico da

Pedagogia como meio, caminho: a condução de criança.

Os fios da história da Pedagogia considerando-a desde a Grécia Antiga, segundo os

estudiosos, trazem suas contraditoriedades, uma vez que o conceito de Pedagogia tem dupla

referência, conforme afirmou Saviani (2012). Nesse mesmo sentido, Aranha (1996) dialoga

com o referido autor, pois a etimologia da origem da Pedagogia se vincula à condução de

crianças. No que concerne à Grécia Antiga, a educação parte da vida e do crescimento da

sociedade. A esse respeito, Jaeger (1994, p. 04) escreve:

A educação participa na vida e no crescimento da sociedade, tanto no seu destino

exterior como na sua estruturação interna e desenvolvimento espiritual; e, uma vez

que o desenvolvimento social depende da consciência dos valores que regem a vida

humana, a história da educação está essencialmente condicionada pela

transformação de valores para cada sociedade.

Considerando esses fios epistemológicos das origens do termo Pedagogia associado à

condução de crianças, a educação emerge como uma realidade de transformações nas

sociedades, seja na Grécia, em Roma ou em todas as partes das civilizações e culturas

humanas. Para Saviani (2012), a origem da educação se confunde e se funde com as origens

da própria humanidade. Todo o movimento de compreensão, intervenção nas realidades

humanas e de modo intencional, foi-se constituindo em saberes específicos que desde a

Paidéia grega, passando por Roma e pela Idade Média, chegando-se aos conhecidos tempos

modernos. Fruto dessas tecituras culturais, humanas e sociais, ela foi sendo associada ao

termo Pedagogia. Diante disso, é entendido que, a partir da Grécia Antiga, o pensamento

sobre educação se amplia e se diversifica, constituindo-se em objeto da Pedagogia vinculado à

formação humana.

22 O Período Clássico Grego é compreendido entre os séculos V e IV a.C.

Page 86: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

84

Quando comecei a graduação, não imaginava que a Pedagogia pudesse ter raízes tão fortes e

tão profundas na história da própria humanidade, e como ela foi se constituindo em um longo

processo de séculos, mantendo um vínculo de relação estreita com a educação.

Estudos foram mostrando que no decorrer de vários séculos, a Pedagogia constituiu

uma tradição teórica e científica acerca da prática educativa e continuará se constituindo, pois

está na base tanto da história quanto da formação do pensamento da humanidade (SAVIANI,

2012).

E nesse movimento de contar e recontar as minhas histórias e as histórias da

humanidade e sua relação com os processos de educações tal qual escreveu Brandão (1985), é

que em meus estudos localizei que desde a Revolução Francesa de 1789, a França se interessa

pela educação pública e gratuita, e a entende como uma necessidade para a população. E

partir dessa Revolução, as Escolas Normais foram sendo criadas tanto na França, como na

Itália, Alemanha, Inglaterra e nos Estados Unidos (ARANHA, 1996).

Criam-se sistemas públicos de ensino e, devido à expansão das escolas, inicia-se a

preocupação com a formação de professores, o que não significa um marco inicial de

preocupação com o preparo didático e pedagógico do métier do professor.

Nesse rápido caminhar pelas histórias, buscando os fios da Pedagogia, observei que ao

longo da história, a Pedagogia passou por mudanças profundas até os dias atuais, para então

se constituir em um curso de formação e emancipação humana, que vai além das

epistemologias da didática. Assim, Mazzotti (1992, p. 13) considera que:

A Pedagogia, enquanto reflexão sistemática sobre a prática educativa emergiu no

século XVIII, na Europa ocidental. [...] A educação era tema central nos salões,

correspondências, nos trabalhos acadêmicos, jornais, pensadores, como Hegel,

apresentaram suas concepções sobre educação e Pedagogia em discursos, escritos e

agindo como diretores de escola.

Considerando o pensamento do referido autor, já se reportando ao século XX, Aranha

(1996, p. 139) coloca um outro patamar de reflexão ao dizer que ―o pensamento pedagógico

do século XIX é influenciado não só pelas alterações econômicas e sociais [...], mas precisa

ser compreendido conforme o estágio em que se encontram a filosofia e as ciências. ‖ Dentro

dessas tensões sociais, filosóficas e da ciência como um todo, no Brasil, no final desse século,

as escolas normais são implantadas aos poucos. A respeito desse assunto, Saviani (2012, p.

07), esclarece que:

A partir do século XIX, a necessidade de universalizar a instrução elementar

conduziu à organização dos sistemas nacionais de ensino. Estes, concebidos como

um conjunto amplo constituído por grande número de escolas organizadas segundo

um mesmo padrão, viram-se diante do problema de forma professores, também em

grande escala, para atuar nas referidas escolas. E o caminho encontrado para

Page 87: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

85

equaciona-se essa questão foi a criação de Escolas Normais, de nível médio, para

formar professores primários, atribuindo-se ao nível superior a tarefa de formar os

professores secundários.

Nesse mesmo século, temos o início da universalização do ensino com intervenções do

Estado, desatrelando-se do poder da igreja com intenção de estabelecer a escola elementar

universal leiga, gratuita e obrigatória. Posteriormente, ocorre a nacionalização da educação e

com isso, emerge o pensamento e vários movimentos em prol da democratização do ensino.

Ainda hoje buscamos essa universalização

Para Aranha (1996), em meio a esses ares de mudanças sociais e econômicas, tanto

globais como nacionais, há a persistência da tendência individualista, a qual é própria do

liberalismo, o que não impediu o fortalecimento de preocupações com os fins sociais da

educação vinculada à necessidade de preparar a criança para a vida em sociedade.

Desse modo, a Pedagogia, até o século XIX, foi se constituindo e permaneceu como

uma tradição pedagógica. Daí para frente surgem movimentos de ideias, pesquisas e grupos

que querem derrubar essa tradição, forçando transformações nesse campo de estudos e

atuação, o que sempre marcado por polêmicas.

Não é, pois, surpreendente ver surgir, em fins do século XIX e início do XX, vários

autores que preconizam a necessidade de superar a tradição e de fundar a Pedagogia sobre a

Ciência (GAUTHIER; TARDIF, 2014). Com isso, há uma nova perspectiva de conceber a

Pedagogia em sua trajetória futura.

A história empurra a necessidade da escolarização da população, bem como da

formação de professores. Nesse cenário, podemos verificar que não estamos ainda tratando da

Pedagogia como lugar da formação de professores, esse nome, nomenclatura ou conceito,

ainda não é um entendimento, mas foi nesse século que esse termo foi impulsionado para ser

empregado de modo generalizado.

Já o início do século XX, observa-se o ―entusiasmo pela educação‖, em que crescem

movimentos que provocavam mudanças na educação nacional, especialmente o movimento

conhecido como Pioneiros da Escola Nova, que lutavam pela educação e pela implantação de

universidades no Brasil. Do final do século XIX, até 1930, no Brasil, os professores tinham

sua formação em Escolas Normais, (BRZEZINSKI, 1996). Já na década de 1930, essas

escolas foram sendo substituídas por Institutos de Educação. Esse período, segundo Aranha

(1996, p. 201), foi ―propício para criação e organização das universidades embora algumas já

existissem, resultavam de simples agregação de faculdades, mantendo-se a concepção

acadêmica e rígida para o ‗espírito da profissão‘‖.

Page 88: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

86

Via projeto do então ministro da Educação, Gustavo Capanema, na época do governo

de Getúlio Vargas, cria-se a Faculdade de Filosofia e Letras, pilares da Universidade

brasileira, estruturada em quatro seções: Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia

acrescentando, ainda, a de Didática. Como todos os cursos das Faculdades de Filosofia

Ciências e Letras, seu primeiro objetivo foi formar professores para o ensino secundário,

como bem esclarece Brzezinski (1996). Dentro de um período conturbado, ainda no interior

do Estado Novo, a Pedagogia urge a partir do Decreto-Lei nº 1190, de 4 de abril de 1939.

Desse modo, sua necessidade de existência foi sendo associada juntamente com a criação das

primeiras universidades e faculdades do país.

O curso de Pedagogia no Brasil nasceu em meio às tensões próprias do seu tempo.

Essas tensões e controle vinham tanto de fora da escola e das instituições superiores, como de

dentro. Tais cenários foram observados nas leituras que realizei junto ao conjunto de teses e

dissertações cujos objetos de estudos foram o curso de Pedagogia e seus egressos, bem como

nas bibliografias que estudei, tanto para a escrita deste trabalho como no início da minha

formação inicial. No entanto, lá naqueles momentos não compreendia essas tensões dentro de

um cenário mais global que envolveu e ainda envolve lutas e resistências em prol da

educação, formação de professores e escola pública.

Portanto, pensar na formação de um profissional de educação em meio a essas

contrações sociais e políticas, sem dúvida, não era uma discussão fácil, embora se constituísse

como uma demanda urgente no atual cenário brasileiro em que o progresso urgia com força de

lei. Independentemente desse progresso material, outros caminhos se abriam como espaços e

tempos de reinvindicações e lutas por uma educação que alcançasse todos os cidadãos

brasileiros como direito público e subjetivo. Com isso, nasce a luta pela universalização da

educação básica em todo país.

Os estudos realizados me sinalizaram que o período nascedouro do curso foi propício

para discussões educacionais, o qual nasce articulado à formação do professor em função de

ideais pedagógicos pautados no ideário dos ares ainda do Manifesto dos Pioneiros da

Educação Nova, um documento histórico de 1932, que trazia em seu bojo um pensar

pedagógico humanizador, conforme Lemme (2005, p. 171) objetivando renovar o sistema

educacional brasileiro, pois se propunha ―a reconstrução educacional no Brasil‖, ao trazer o

ensino para todos, onde a escola fosse toda pública, gratuita, mista, laica e obrigatória,

assumindo sua função social. Nesse viés, concebe-se a educação como impulsionadora da

renovação nacional.

Page 89: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

87

Para compreender e analisar resumidamente o Manifesto (1932), Lemme (2005, p.

172), em seus escritos, relacionou 10 características fundamentais do documento, da qual

destaco a primeira que diz:

O documento é permeado por uma concepção de educação natural e integral do

indivíduo, com o respeito à personalidade de cada um, mas, ao mesmo tempo, sem

esquecer que o homem é um ser social e tem por isso deveres para com a sociedade:

de trabalho, de cooperação e de solidariedade. Seria, assim, uma educação acima das

classes, que não se destinaria a servir a nenhum grupo particular, mas aos interesses

do indivíduo e da sociedade em geral, que não devem ser conflitantes.

Considerando esse período dos ares de um novo pensar e fazer a educação no país,

para saber que curso estava nascendo e sendo fortalecido, recorri à Silva (2006), que

esclareceu que o curso de Pedagogia, criado em 1939, formava bacharéis dentro do padrão

federal curricular, seguindo o esquema 3 + 1, no qual o bacharel, advindo de um curso de três

anos para licenciar-se, completaria seus estudos com mais um ano no curso denominado de

Didática. Com esse curso, estaria habilitado ao Magistério no ensino secundário e normal.

Ao ler os estudos de Brzezinski (1996), a autora mostra que o curso de Pedagogia, até

1945, estaria se movendo em águas tranquilas, quando começou a fase de redemocratização

do país. E com o esquema 3 + 1, que foi considerado até 1961 com o Parecer 251, de Valnir

Chagas e foi aprovado pelo Conselho Federal de Educação, em 1962, o então curso passou a

ter duração de quatro anos, podendo-se cursar as disciplinas da Licenciatura

concomitantemente ao Bacharelado. Então, aparentemente, o esquema 3+1 estava sendo

mudado. O Parecer 251 foi criado na tentativa de superar possíveis contradições nos

processos de formação. Referindo-se ao teor do parecer, Saviani (2012, p. 37, grifo nosso)

pontua que:

[...] o texto tece considerações sobre a indefinição do curso; refere-se à controvérsia

relativa à sua manutenção ou extinção; e lembra que a tendência que se esboça no

horizonte é a da formação dos professores primários em nível superior e a formação

dos especialistas em educação em nível de pós-graduação, hipótese que levaria à

extinção do curso de Pedagogia.

Essa hipótese de extinção do curso não se sustentou, ocorrendo somente pequenas

alterações na estrutura em vigência. À época, havia algumas preocupações, pois em alguns

momentos, a formação do pedagogo ocorria no bacharelado e licenciatura juntos, e em outros

momentos, ocorria de modo separado. O curso passa, então, a ser definido em quatro anos,

englobando a licenciatura e o bacharelado, sendo flexibilizada a possibilidade de se cursar as

disciplinas de licenciaturas concomitantemente ao bacharelado.

Há buscas e debates para compreender a concepção da licenciatura e do bacharelado,

gerando visões diferenciadas, como diz Brzezinski (2006, p. 821),

Page 90: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

88

Sem dúvida, as visões controvertidas a respeito dessas concepções têm predominado

no debate e se manifestam mais claramente nas propostas que vinculam ou separam

licenciatura e bacharelado, ora vistos como cursos distintos, ora como dimensões de

uma estrutura única de curso.

Políticas educacionais dentro desse período criaram as Leis da Reforma Universitária

(Lei n. 5.540, de 1968) e do Ensino de 1º e 2º Graus (1971), com interesse em atender ao

mercado. Com isso, define-se um modelo de formação de professores em dois loci da

universidade: de um lado estava a faculdade de educação, responsável pelo curso de

Pedagogia e a formação pedagógica dos licenciandos, e, de outro, os chamados institutos com

conteúdos específicos para a formação dos bacharéis e licenciados (BRZEZINSKI, 2006). A

Reforma Universitária de 1968 trouxe mudanças significativas para o curso de Pedagogia, o

qual deixou de fazer parte da Faculdade de Filosofia e foi integrado à Faculdade de Educação.

Essa fragmentação do trabalho pedagógico gerou inúmeras críticas que desencadearam em

movimentos em prol de futura reformulação do curso de Pedagogia.

Assim, após a reforma universitária, surge um novo direcionamento para a Pedagogia.

O Conselho Federal de Educação aprovou, em 1969, a regulamentação para o curso de

Pedagogia, mediante o Parecer CFE no 252, de 1969, que contém a Resolução n

o 2, de 12 de

maio 1969. O Parecer reformou o currículo do curso, criando, então, as habilitações para as

áreas específicas, fragmentando a formação do pedagogo.

Art. 1º - A formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as

atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção, no âmbito de escolas

e sistemas escolares, será feita no curso de graduação em Pedagogia, de que

resultará o grau de licenciado com modalidades diversas de habilitação (BRASIL,

CFE, 1969, p. 113)

Desse modo, o Parecer CFE no 252, de 1969, aboliu a distinção entre Bacharelado e

Licenciatura em Pedagogia e introduziu a proposta da formação dos chamados especialistas

em administração escolar, inspeção escolar, supervisão pedagógica e orientação educacional,

ao lado da habilitação para a docência nas disciplinas pedagógicas dos cursos de formação de

professores. Já o título de licenciado ficou defendido como padrão a ser obtido em qualquer

das habilitações. Ainda, determinou que a disciplina de Didática fosse incluída como

obrigatória no currículo, inserida no Núcleo Comum do curso.

Para Saviani (2012), a Pedagogia, desde o Decreto Lei nº 1.190, de 1939, até as

indicações de Valnir Chagas, em 1975, tendeu a ser reduzida à ciência profissional pragmática

do professor, de mera transmissão de conhecimentos para garantir domínio das aptidões

técnicas e artesanais da orientação do ensino. Diante desse entendimento, o referido autor

sugere que há necessidade de um resgate da tradição teórica da Pedagogia, trazendo para o

Page 91: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

89

campo da visão epistemológica a raiz fundante da Pedagogia lembrando sua íntima relação

com a educação. E isso ―enquanto prática da qual ela se origina e à qual se destina‖

(SAVIANI, 2012, p. 63)

Chega-se, então, nas décadas de 1970 e 1980 diante de vários movimentos e debates

chamados de pró-formação do educador, que articulava a construção de uma política de

formação do profissional da educação, na qual a Primeira Conferência Brasileira de Educação

ocorrida em São Paulo, em 1980, é considerada um importante momento no processo de

discussões a respeito da formação do pedagogo e do professor. Decorrente disso, foi criado

um Comitê Nacional Pró-reformulação dos cursos de Pedagogia e Licenciaturas.

Sobre esse período dentro do contexto socio-histórico educacional, Brzezinski (2006, p. 823-

824) afirma que:

O Movimento dos Educadores toma vulto e demonstra sua força, como resistência

ao poder instituído, durante toda a década de 1980, por meio de debates, embates e

manifestações públicas por intermédio de ações sob o ponto de vista epistemológico,

político e didático-pedagógico. Sob o enfoque epistemológico, as ações dos

educadores visavam à redefinição e à busca da identidade do curso de Pedagogia no

elenco dos cursos de formação de professores.

Diante desses movimentos em prol da formação de professores, a partir do ano de

1980, várias universidades reformularam seus currículos dando ênfase na formação do

pedagogo para atuar na Educação Pré-escolar e nas séries iniciais do Ensino de 1º Grau

(BRASIL, 2005, p. 03)

Nesse movimento de constantes iniciativas de repensar a educação, a escola e a

formação do professor no sentido de seu currículo e denominação, verifica-se na história a

necessidade da ruptura com o ideário tecnicista, caracterizando um movimento em prol da

formação dos professores que possibilite a formação de um profissional situado em seu tempo

social e histórico, que seja mais consciente de seu ser e estar no mundo, com maior

capacidade crítica para contribuir com a transformação das condições de seu espaço de

trabalho, bem como da sociedade.

Nessa mesma vertente de lutas, em 1983, em Belo Horizonte, no I Encontro Nacional

do já referido Comitê, teve início a formulação dos princípios gerais das proposições em vista

de uma base comum nacional para a formação de professores no qual observei que o foco já

estava na docência. Para ampliar o entendimento, destaco:

Todas as licenciaturas (Pedagogia e demais licenciaturas) deverão ter uma base

comum: são todos professores. A docência constitui a base da identidade

profissional de todo o educador [...] [...] a base comum nacional dos cursos de

Formação de Educadores não deve ser concebida como um currículo mínimo ou um

elenco de disciplinas, e sim como uma concepção básica da formação do educador e

Page 92: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

90

a definição de um corpo de conhecimento fundamental. (ENCONTRO NACIONAL,

1983, p. 57-58)

Mediante a isso, a década de 1980 foi constantemente marcada por processos e

discussões acirradas a respeito da formação e da atuação dos professores e pedagogos. Com

isso, conflitos se expressaram de forma permanente, traduzindo perspectivas diferenciadas

dos sujeitos envolvidos.

O movimento pró-formação do Educador recebeu diferentes denominações até 1990,

quando foi constituído em formato de Associação Nacional pela Formação dos Profissionais

da Educação, hoje designada ANFOPE.

Nessa década, diante de estudos diversos em uma arena de disputas, nasce o texto da

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de nº 9394, em dezembro de 1996. Após a

promulgação da Lei nº 9394, de 1996, muitas ações mobilizaram o Estado brasileiro trazendo

modificações para a educação brasileira, desde a Educação Infantil, Ensino Fundamental e

Ensino Médio até o Ensino Superior, ainda novas denominações para a Educação pré-escolar,

Ensino de 1º Grau, Ensino de 2º Grau e Ensino de 3º Grau. Tal mudança se fez sentir

principalmente nas universidades públicas e nos cursos de formação de docentes, pois a

existência da lei não significa sua concretização ipsis litteris.

Quanto à formação de professores, estabeleceu-se que essa deve ser assegurada nos

cursos normais em nível médio ou superior, sendo os Institutos Superiores de Educação os

principais loci da formação docente.

Acerca disso, Pimenta e Libâneo (1999, p. 241), ao se referirem às Diretrizes de 1996,

comentaram que:

[...] a atuação do Ministério da Educação e do CNE na regulamentação da LDB n.

9.394/96 tem provocado a mobilização dos educadores de todos os níveis de ensino

para rediscutir a formação de profissionais da educação. A nosso ver, não bastam

iniciativas de formulação de reformas curriculares, princípios norteadores de

formação, novas competências profissionais, novos eixos curriculares, base comum

nacional etc. Faz-se necessária e urgente a definição explícita de uma estrutura

organizacional para um sistema nacional de formação de profissionais da educação,

incluindo a definição dos locais institucionais do processo formativo.

Autores como Pimenta (1999) e Libâneo (2006; 1999) dentre outros, trazem em seus

estudos discussões epistemológicas no que concerne à docência na Pedagogia. Para Libâneo

(2006, p. 849), a Pedagogia:

[...] compreende a docência, pois também trata do ensino e da formação escolar de

crianças e jovens, de métodos de ensino. Mas sustentam que a Pedagogia não se

resume a um curso, antes, a um vasto campo de conhecimentos, cuja natureza

constitutiva é a teoria e a prática da educação ou a teoria e a prática da formação

humana. Assim, o objeto próprio da ciência pedagógica é o estudo e a reflexão

Page 93: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

91

sistemática sobre o fenômeno educativo, sobre as práticas educativas em todas as

suas dimensões.

Para os referidos autores, é necessário rever as condições gerais para formação do

professor no que se refere à docência. Eles não a consideram como base de formação do

pedagogo no sentido estrito, mas colocam a pesquisa como base da formação desse

profissional, já que a Pedagogia tem como seu objeto de estudo a educação. Diante disso, está

constituída a sua abrangência, complexidade e singularidade.

Nesse posicionamento, apoio-me em Tardif (2002, p. 234-235), que ajuda a

compreender que os professores são atores vivos, competentes, sujeitos ativos, uma vez que

constroem sua própria prática, a qual não é um espaço-tempo de aplicação dos conhecimentos

teóricos, mas uma oficina da práxis para a produção de saberes, sendo que ―essa perspectiva

equivale a fazer do professor – tal como o professor universitário ou o pesquisador da

educação – um sujeito do conhecimento, um ator que desenvolve e possui sempre teorias,

conhecimentos e saberes de sua própria ação‖

A pesquisa e a formação são dimensões essenciais que constantemente se dialogam,

pois a base da pesquisa está na experimentação, na reflexão e nas sínteses que ela pode

produzir na práxis do professor. Mas, essa concepção de docência e especialistas ainda é

campo e arena de disputas e conflitos. Diante dessa dissonância, Oliveira (2010, p. 05) pontua

que:

Esses grupos vêm publicando seus posicionamentos em relação às teses que

defendem e, embora a formação em nível superior para a docência nas séries iniciais

seja uma necessidade reconhecida por ambos, essa dicotomia acaba por fortalecer as

entidades oficiais na implementação de concepções fragmentadas acerca do perfil

distinto entre professores e especialistas.

Assim sendo, não há diálogo e nem consenso, e a Pedagogia fica em meio a um fogo

cruzado de posicionamentos de ideias e interesses, conforme concepções de epistemologias

diversas.

Ao observar as posturas e entendimentos das concepções epistêmica, política e

pedagógica da Pedagogia compreendida até aqui, denoto a dificuldade de um diálogo de

aproximação de concepções educacionais de modos de conceber a Pedagogia no tocante à sua

formação, identidade profissional e sua prática educativa.

Para Pimenta e Libâneo (1999), é necessário, para além das reformas, que haja um

esforço para pensar a Pedagogia dentro de um contexto organizacional oficial como

direcionamento nacional, levando em conta as pesquisas, as publicações e as reais condições e

necessidades formativas de cada região do país.

Page 94: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

92

Ao avançar um pouco mais no debate, observo que, desde 1998, há movimentos em

prol do pensar e repensar a formação do professor na Pedagogia, em um amplo processo de

discussão de entidades do país, tais como: ANPED, ANFOPE, ANPAE, Executiva Nacional

dos Estudantes de Pedagogia, dentre outros, os quais articularam em vista da elaboração e

aprovação do texto legal das Diretrizes de 2006, que é um dos focos legais deste trabalho.

A Pedagogia, dentro do movimento de várias reformas educacionais, se torna arena de

disputas motivadas por tendências e correntes pedagógicas epistemológicas de diferentes

atores sociais, os quais a interpretam a partir de suas concepções e, mediante a elas, tecem

novos entendimentos para a sua identidade, o que consistiria na formação e na atuação desse

profissional.

Frente a esses movimentos e tensões motivadores de reformas para a Pedagogia, é que

o Conselho Nacional de Educação, no início de 2005, apresentou uma minuta de projeto para

DCN do referido curso. Com isso, nasceram inúmeros debates em torno desse projeto, os

quais foram de várias ordens na tentativa de contemplar o campo da formação.

Posteriormente, o projeto foi reformulado pressionado pelas contestações advindas dos

debates entre os vários grupos de pesquisadores das comunidades científicas da educação já

referendados aqui. Somente em dezembro de 2005, o Parecer 05, de 2005, que refere ao

projeto para reformulação do curso de Pedagogia, foi aprovado.

As DCNs foram homologadas em abril de 2006, e publicadas no Diário Oficial em 15

de maio do mesmo ano, ficando conhecidas como Resolução CNE/CP no 1, de 2006. A seu

respeito, consta no Parecer CNE/CP no 5 (2005, p. 05) que:

[...] grande parte dos cursos de Pedagogia, hoje, tem como objetivo central a

formação de profissionais capazes de exercer a docência na Educação Infantil, nos

anos iniciais do Ensino Fundamental, nas disciplinas pedagógicas para a formação

de professores, assim como para a participação no planejamento, gestão e avaliação

de estabelecimentos de ensino, de sistemas educativos escolares, bem como

organização e desenvolvimento de programas não-escolares. Os movimentos sociais

também têm insistido em demonstrar a existência de uma demanda ainda pouco

atendida, no sentido de que os estudantes de Pedagogia sejam também formados

para garantir a educação, com vistas à inclusão plena, dos segmentos historicamente

excluídos dos direitos sociais, culturais, econômicos, políticos.

Com isso, verifico no próprio Parecer nº 5, de 2005, e depois nas Diretrizes (2006)

para o curso de Pedagogia, a ampliação do campo de atuação do pedagogo, e

consequentemente, da formação inicial para o exercício da docência. A partir de então, o

pedagogo formado, considerando essas normativas, está autorizado a atuar:

[...] na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de

Ensino Médio de modalidade Normal e em cursos de Educação Profissional, na área

de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos

Page 95: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

93

conhecimentos pedagógicos. A formação oferecida abrangerá, integradamente à

docência, a participação da gestão e avaliação de sistemas e instituições de ensino

em geral, a elaboração, a execução, o acompanhamento de programas e as atividades

educativas. (Parecer CNE/CP n. 5, 2005, p. 06)

Com a ampliação da atuação devido à abrangência ou extensão dessa atuação, as

diretrizes trazem para os institutos formadores de Pedagogia desafios inéditos, pois a base da

formação e da ação educativa é a docência.

Para Saviani (2012), dois aspectos na formação de professores devem ser observados:

domínio dos conteúdos que serão objeto do processo educativo e domínio das formas que

possibilitam realizar o referido processo. Considerando a fala do autor supracitado, ao retomar

o Parecer e depois as Diretrizes, verifico que a docência não é concebida somente pelo ato de

ministrar aulas. Em seus estudos, Saviani (2012) ajuda a entender que a docência se amplia

como sendo um trabalho pedagógico fora do espaço-tempo circunscrito da escola, alcançando

os espaços escolares e também os não escolares, como regulamenta o Parecer CNE/CP n. 05,

de 2005:

Entende-se que a formação do licenciado em Pedagogia fundamenta-se no trabalho

pedagógico realizado em espaços escolares e não-escolares, que tem a docência

como base. Nesta perspectiva, a docência é compreendida como ação educativa e

processo pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-

raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da

Pedagogia. Desta forma, a docência, tanto em processos educativos escolares como

não escolares, não se confunde com a utilização de métodos e técnicas

pretensamente pedagógicos, descolados de realidades históricas específicas.

Constitui-se na confluência de conhecimentos oriundos de diferentes tradições

culturais e das ciências, bem como de valores, posturas e atitudes éticas, de

manifestações estéticas, lúdicas, laborais. (PARECER CNE/CP N. 05/2005, p. 07,

grifo nosso)

Considerando como a docência veio sendo tratada e concebida no referido Parecer e na

Resolução, Brzezinski et al., (2006, p. 829-830) sinalizam que essa apresentação feita pelo

legislador afasta a redução do curso de Pedagogia a uma formação eminentemente para a

docência das séries iniciais do ensino fundamental. E nos chama atenção quanto à

aproximação dessa forma com as propostas de diretrizes apresentadas pela Comissão de

Especialistas de Pedagogia em 1999.

Diante do que foi esboçado para a Pedagogia, Brzezinski et al., (2006, p. 830)

lembram que:

[...] faz-se necessário demarcar a compreensão desses elementos constitutivos da

formação do pedagogo. A docência nas DCN-Pedagogia não é entendida no sentido

restrito do ato de ministrar aulas. O sentido da docência é ampliado, uma vez que se

articula à ideia de trabalho pedagógico, a ser desenvolvido em espaços escolares e

não-escolares [...]

Page 96: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

94

Considerando o que foi normatizado pelas DCNs (2006) para a Pedagogia, Saviani

(2012) entende que os ingressantes no curso já vêm de processos escolares anteriores, e que,

portanto, a escola básica não é um lugar estranho para eles. Por isso, recomenda-se que se

distanciem dela para fazerem suas experiências formativas na universidade, com estudos

voltados para o campo científico da educação e com toda a problemática que a envolve.

Assim, esses estudantes de Pedagogia estariam mais aptos para olhar a escola para além do

senso comum e com mais condições de analisar a prática educativa, sendo orientados pela

teoria pedagógica. E, nesse aspecto, compreende-se a docência, a gestão escolar e as atuações

em espaços não escolares. Para o referido autor, a escola é um eixo do processo formativo do

pedagogo no qual se imbricam outras manifestações humanas. A partir desse entendimento,

Saviani (2012, p. 131-132) pontua que:

Se proponho que se tome a realidade da escola como eixo do processo formativo dos

novos educadores é porque, na sociedade atual, a escola se tornou a forma principal

e dominante da educação a partir da qual as demais formas são aderidas. [...]

podemos dizer que a escola, na sociedade atual, é a força pedagógica que tudo

domina [...] não nos é possível compreender a educação sem a escola.

Diante da abrangência da atuação da Pedagogia em diálogo com Frison (2004), ao

pensar no ato educativo, ou nos espaços-tempos de aprendizados, entendo que o ato educativo

acontece em múltiplos espaços. Assim, o referido autor, como que parafraseando Brandão

(1985), pontua que:

[...] na escola, na sociedade, na empresa, em espaços formais ou não formais,

escolares ou não escolares, estamos constantemente aprendendo e ensinando. Assim,

como não há forma única nem modelo exclusivo de educação, a escola não é o único

em que ela acontece e, talvez, nem seja o mais importante. As transformações

contemporâneas contribuíram para consolidar o entendimento da educação como

fenômeno multifacetado, que ocorre em muitos lugares, institucionais ou não, sob

várias modalidades. (FRISON, 2004, p. 88)

Libâneo (2006, p. 853), por seu turno, pontua que ―a Resolução mantém a docência

como eixo distintivo do currículo de formação do ‗pedagogo‘, o que significa fazer equivaler

o curso de Pedagogia a um curso de licenciatura‖.

Ao ler o Parecer CNE/CP n. 05, de 2005, verifiquei que ele evidencia que a formação

do professor se inicia na academia e só vai se consolidar no exercício da profissão com a

qualificação continuada desse profissional. Portanto, vê-se que essas características não se

enquadram na sua formação como um mero técnico e especialista em assuntos gerais.

Essas discussões a respeito da formação do Pedagogo sempre foram e são divididas

em opiniões divergentes, pois não se tem clareza entre o bacharelado e licenciatura,

entre bases científicas de formação e docência. Nas últimas Diretrizes Curriculares

Nacionais essas incertezas ficam bem claras. Nas Diretrizes existe a valorização dos

espaços não formais para a atuação do Pedagogo. Mas não fica evidente a finalidade

Page 97: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

95

deste profissional para atuar nestes espaços. Quando pensamos em lugares fora da

escola e que existe um processo educativo, acreditamos ser incoerente, neste

momento, nos centrarmos somente em aspectos metodológicos de ensino-

aprendizagem. Ou seja, o trabalho educacional e pedagógico precisa contemplar as

relações ensino aprendizagem, mas é necessário também refletir sobre as questões

políticas e os conhecimentos que perpassam as práticas educacionais. É preciso que

os conhecimentos respeitem as diferenças culturais e a condição de vida dos sujeitos

que nela estão envolvidos na educação. (PAULA; MACHADO, 2009, p. 230-231)

No recontar da história, é possível dizer que o curso de Pedagogia, no ir e vir de seu

trajeto de criação e reformulações, acabou se misturando com a busca da qualidade da

educação brasileira, de certa forma, atrelada ao papel do professor dentro desse processo

social e de ensino. Nessa perspectiva, sua identidade sempre está posta em questão, e fica em

desafinação de entendimentos, tanto pelos pesquisadores quanto pelos documentos legais.

Isso porque, ora a sua identidade está colocada como professor ou especialista em conteúdo,

ora, como um bacharel ou licenciado, ou ainda como um técnico em educação e docente.

Assim, como coadunar os chamados ―fundamentos da educação‖, ―a gestão da

educação‖ e ―as metodologias de ensino‖ para não se caracterizar como um curso para formar

bacharéis? Por isso, a docência foi se constituindo esse diferencial de base para a formação do

pedagogo.

Dentro desse viés, e em busca de um caminho para a Pedagogia, observei muitas

possibilidades de atuação do pedagogo no que se refere à formação posta nas DCNs (2006),

como consta em seu Parecer no 5, de 2005:

A educação do licenciado em Pedagogia deve, pois, propiciar, por meio de

investigação, reflexão crítica e experiência no planejamento, execução, avaliação de

atividades educativas, a aplicação de contribuições de campos de conhecimentos,

como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o

psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural. O

propósito dos estudos destes campos é nortear a observação, análise, execução e

avaliação do ato docente e de suas repercussões ou não em aprendizagens, bem

como orientar práticas de gestão de processos educativos escolares e não-escolares,

além da organização, funcionamento e avaliação de sistemas e de estabelecimentos

de ensino. (PARECER CNE/CP N. 05/2005, p. 06)

A formação na Pedagogia, considerando a legislação, exige que os projetos

pedagógicos curriculares dos cursos sejam reformulados e busquem articulação entre a

docência, a gestão educacional e a produção epistemológica na área da educação, a fim de

adequar-se às novas vivências sociais onde se espera que o pedagogo venha atuar. Contudo, a

concepção de docência permanece como base de atuação deste profissional, conforme

sublinha Libâneo (2006, p. 868-869):

Pedagogia, então, nem é só uma doutrina educacional nem só uma prescrição

didática, ela se moverá entre a teoria e a prática, pois que educar e ensinar sempre

estão a requerer, ao mesmo tempo, um projeto que encarna um ideal do humano e da

Page 98: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

96

sociedade desejada e um modo de realizá-lo com o outro, seja a criança, o adulto, o

aluno, o profissional. Este posicionamento sobre a Pedagogia é o incômodo

necessário aos professores mais tendentes ao fazer prático, para que a ação docente

não perca sua intencionalidade, seus propósitos éticos e edificantes, a consideração

às características individuais, sociais e culturais dos alunos. Ou seja, a Pedagogia é a

educação que se pensa e se faz, com legitimidade para dizer o que é melhor fazer

quando se educa.

Nessa jornada de estudos, encontrei vários autores que têm desenvolvido suas

pesquisas com recorte na Pedagogia. Tais pesquisas me ajudaram a tecer entendimentos de

múltiplos fios das histórias que foram constituindo a Pedagogia. Destaco as leituras que fiz de

Silva (1999), Saviani (2012), Libâneo e Pimenta (2006; 1999). Com os referidos autores,

compreendi que, desde as três regulamentações do curso de Pedagogia realizadas em 1939,

1962, 1968 e 1969 sobressai a indicação de um currículo mínimo como referência nacional

imposta. Já a Resolução CNE n. 1, de 10 de abril de 2006, que fixou diretrizes curriculares,

inaugurou uma nova fase para o curso no que concerne à formação e à atuação dos

profissionais da educação. A partir dali o pedagogo passa a assumir o perfil de um

profissional para atuar no ensino, na organização e na gestão do trabalho pedagógico em

diferentes contextos educacionais.

Como egressa do curso de Pedagogia campus de Cuiabá, ao retomar esses fios que,

entrelaçados, me possibilitaram acessar as histórias que teceram a Pedagogia desde sua

origem na Grécia até sua aprovação como curso, foi mais uma vez surpreendente percorrer

alguns autores e pesquisas que tiveram como objeto de estudo a Pedagogia. Mesmo tendo

estudado quatro anos no referido curso, somente retomando seus escritos históricos e legais é

que pude compreender melhor a necessidade dos estudos dos clássicos da Pedagogia, os

fundamentos sociológicos, filosóficos e científicos da educação. Hoje faz sentido considerar

essas epistemologias diversas frente à prática educativa, pois entendo que há um estreitamento

na compreensão da relação teoria e práxis pedagógica.

O caminho que percorri até aqui foi possível devido aos faróis advindos das histórias

da Pedagogia com estreita relação com a educação, bem como por meio das leituras que fiz

nas pesquisas, as quais possibilitaram encontrar os fios de entendimentos. E é com eles que

sigo esse processo de fiação de mais uma nuance do aguayo.

2.3 Temporalizando os fios da Pedagogia na Universidade Federal de Mato Grosso

É no tempo presente, no meu tempo, que escrevo e leio os escritos da Pedagogia em

minha capital natal, Cuiabá, no alvorecer do nascimento da Pedagogia (1968), um pouco antes

Page 99: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

97

da criação da instituição de ensino superior, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

em 10 de dezembro de 1970.

Aqui só formalizo mais um movimento que tece o aguayo de multicores e sentidos.

Afinal, no meu entender, na história não existem remendos, pois dela só é possível dizer o que

já foi dito e ouvido antes. Mas, é possível, nesse ínterim, recontá-la e reinterpretá-la. É o que

estou fazendo, as rememora as histórias que vi e vivi.

Ora, em um Estado-nação ainda aspirante no que diz respeito à educação formal

escolar, onde quase tudo está por se fazer, em meio à colonização das terras mato-grossenses,

nasce a então Universidade Federal de Mato Grosso, uma universidade com status e ares de

selva, pois o que não faltava em Mato Grosso era abundância e exuberância de vegetação

nativa e animais silvestres.

[...] o primeiro Reitor, Gabriel Novis Neves, assim se expressou por ocasião das

comemorações dos 30 anos da UFMT: Foi a intenção. Mato Grosso, em 1970, era

atrasado, dominado pelas oligarquias, era Estado curral. Nossa intenção era a

transformação. Nós acreditávamos que esta Universidade teria que ser também um

centro de desenvolvimento. Foi em cima desse modelo que acreditamos na ocupação

racional, respeitando a região Amazônica, o meio ambiente, daí a Universidade da

Selva, nosso cartão de visitas. Acreditamos em uma nova cultura, respeitando as

etnias e os saberes. (SIQUEIRA; DOURADO; RIBEIRO, 2011, p. 11)

Lá no seu bojo inicial, assim como nas primeiras universidades brasileiras, estava o

curso de Pedagogia, um curso que nasce no coração do cerrado, em Cuiabá, no ano de 196823

.

O referido curso se reveste de uma construção histórica de 51 anos (1968-2019). Ele se erigiu

antes mesmo de a universidade ser instituída em seus moldes legais, o que veio a acontecer

somente em 10 de dezembro de 1970, pela Lei n° 5647, a partir da junção da Faculdade de

Direito de Cuiabá, criada em 1952, e do Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá.

A Universidade Federal de Mato Grosso teve como seus primeiros dirigentes o reitor

Gabriel Novis Neves (Res. CD 06/71), nomeado no dia 11 de janeiro de 1972, que

ocupava pro-tempore a Reitoria por Decreto do ministro da educação e cultura,

Jarbas Gonçalves Passarinho; o prof. Benedito Pedro Dorileo, como vice-reitor para

assuntos acadêmicos (Port. GR 03/72; Res. CD 05/72); e o prof. Attílio Ourives,

vice-reitor para assuntos administrativos (Port. GR 04/72; Res. CD 05/72). No dia

27 de setembro de 1972 foram aprovados, pelo Conselho Diretor, os Estatutos da

Universidade Federal de Mato Grosso. (SIQUEIRA; DOURADO; RIBEIRO, 2011,

p. 16)

O curso em questão está vinculado à história da educação superior no estado de Mato

Grosso, o que caracteriza a sua relevância para formação social, cultural, educacional e

23

Conforme o documento do curso de Licenciatura em Pedagogia, IE/UFMT (1996, p. 37), nessa ocasião não

havia 100.000 habitantes na região formada pelos municípios de Cuiabá, Várzea Grande e Santo Antônio de

Leverger, e o universo de professores primários era diminuto.

Page 100: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

98

econômica do então estado dentro de um período ditatorial instaurado no país, ainda na

década de 1960.

O curso de Pedagogia da UFMT nasce como lugar, espaço-tempo formador e

formativo docente em parceria com os sistemas de ensino e, posteriormente, ganha força

devido ao movimento nacional Pró-Reformulador dos cursos de formação de professores,

conhecido hoje amplamente como ANFOPE. O curso, atualmente no campus Cuiabá, no

Instituto de Educação, nasceu de um movimento de tensões, reformas do ensino nacionais e

de um pensamento mundial da educação dentro de um século, segundo estudos de Gauthier e

Tardif (2014), ainda sob os efeitos do século XVII, no qual o pensamento pedagógico e a

Pedagogia se baseavam no controle disciplinar e dos corpos dos escolares enquanto sujeitos

sociais. Essa Pedagogia do controle instalou-se amplamente nas instituições de ensino dos

séculos XVIII e XIX.

Para Aranha (1996, p. 151) ―no século XIX não há propriamente o que poderia ser

chamado de uma Pedagogia brasileira‖. Observa-se intelectuais que se identificam com as

ideias europeia e buscam imprimir um rumo à educação criando projetos de leis e escolas. O

século XX presencia grandes mudanças no campo educacionais já iniciadas no século

anterior. Com elas, se deu a criação da escola pública leiga e obrigatória. (ARANHA, 1996)

Já o século XX nos trouxe importantes pedagogos. Dentre eles, estão: John Dewey,

Maria Montessori, Alexandre Neill, Celestin Freinet, Carl Rogers e Paulo Freire. Nesse

período, o pensamento educacional, escolar e de Estado-nação não estava posto no controle

disciplinar, mas centrava-se na pessoa enquanto sujeito aprendente, nas possibilidades das

experiências mediante um diálogo plural situado em uma dada realidade.

Nessa releitura do tempo, datando o curso de Pedagogia da UFMT, seu movimento de

constituição e aprovação, localizei que, de sua criação até 1988, o curso foi desenvolvido no

campus central da referida universidade por diferentes habilitações, tais como: Supervisão

escolar, Administração Escolar e Orientação Educacional. Nesse mesmo período, a

reformulação 1988 já considerava essas habilitações como objeto de estudos, podendo ser

cursadas à nível de lato-sensu. Quanto à Graduação em Pedagogia, para atender essas

especificidades de formação, em sua matriz curricular:

[...] o curso manteve preocupação com os aspectos político-administrativos e

pedagógicos da organização escolar, razão pela qual incluiu em sua caracterização

curricular três núcleos de estudo: Fundamento da educação, Conteúdos e

Metodologias do Ensino de 1º Grau e Organização e Administração escolar.

(DOCUMENTO DE LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA, 1996, p. 19)

Page 101: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

99

Esses três núcleos foram constituídos em atenção à formação do pedagogo para uma

visão epistêmica ampla da educação, a partir de seus fundamentos históricos, considerando as

várias áreas que entrecruzam a formação humana. Nessa concepção, já estava posta também

uma vertente de pesquisa com foco na realidade social e escolar situada.

Diante disso, entendo que o curso, em sua natureza e identidade mediante as

necessidades educacionais oriundas da escola enquanto lócus de atuação do pedagogo, de

alguma forma, buscou contemplar na sua formação um olhar formativo epistêmico plural, em

que ele, enquanto profissional, pudesse dialogar e atuar dentro da escola com mais eficiência

e abrangência. No entanto, isso não se constituía como uma tarefa fácil. Por isso, esse período

de 1988 em diante se constituiu fecundo para preparar uma reforma global no curso, o que

veio a acontecer somente na década de 1990. Foram pelo menos seis anos de estudos, dentro

da universidade, em parceria com algumas escolas e os seus sistemas de ensino para perceber

e redesenhar uma proposta pedagógica, metodológica e, principalmente, curricular de ensino

para o curso.

No geral, o que se seguiu dessa década em diante foram mistos de reformas

educacionais com reformas econômicas, em que as lógicas financeira e do mercado, muitas

vezes, se ajustam e se fundem, desconsiderando as implicações sociais, humanas,

profissionais e educacionais.

A respeito disso, em de seus estudos sobre a Pedagogia, Gauthier e Tardif (2014, p.

432) pontuam que:

A profissionalização começa em meados dos anos de 1980 nos Estados Unidos e vai

adquirir rapidamente uma força de expansão mundial, propagando-se primeiramente

aos outros países anglo-saxões (Canadá, Austrália, Grã-Bretanha etc.) e na

sequência, à Europa e a América Latina.

Para os referidos autores, essa profissionalização já era um movimento antigo de

profissionais de outras áreas no sentido da racionalização do trabalho, impondo-lhe regras, e

estruturando bases de conhecimentos que foram pouco a pouco sendo integradas como

saberes científicos junto aos cursos. Por isso, a partir de 1980, esse movimento alcança o

ensino. O processo histórico das buscas de compreensões e de fortalecimento do curso de

Pedagogia acenam mudanças significativas dos aportes epistemológicos para a formação e

qualificada da profissionalização docente, que segue atrelada à expansão das universidades

pelo país.

Nessa roda viva, de um cenário de constantes mudanças sociais, políticas e

educacionais, sejam elas globais ou nacionais, foram conquistando maior consistência as

bases de discussões e reformulações dos cursos superiores, e no caso, o que pesquiso, no

Page 102: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

100

curso de Pedagogia campus Cuiabá. Ora, tudo isso se desencadeia em um novo pensar e agir

dentro do curso e da escola. Nesse contexto, reportando-se aos professores da educação

pública, principalmente dos anos iniciais, e trazendo para o cenário educacional de Mato

Grosso, vê-se que ainda se pautavam grandemente na formação de professores advindos dos

cursos de Magistério, criado em 1971, com as reformas da Lei 5.692.

Mediante a essa formação, o professor que deixava o Magistério e se adentrava no

exercício da docência carecia de formação mais adequada para lidar com o cotidiano da

escola e da sala de aula. Com o tempo de atuação profissional, as exigências da escola e da

sociedade foram clamando por medidas que forçaram os sistemas de ensino superior e

municipais a dialogar para encontrar alternativas a fim de formar os professores para atuar no

nível superior, expondo, então, novas necessidades formativas.

Ocorria que, em âmbito nacional, o curso de Pedagogia estava sofrendo duras críticas

devido à sua identidade ainda aberta e em processo de construção. Portanto, o profissional

precisava lidar com os conteúdos de ensino, com as dificuldades da aprendizagem e com

todos os problemas decorrentes dela. Não seria só a gestão da sala de aula, mas da escola e de

toda a sua estrutura de funcionamento. Os anos iniciais se constituíam de um compêndio de

diversos conhecimentos a serem estudados em quatro anos. Seria ele um professor técnico e

especialista? Ou como conclui e critica Schmied-Kowarzik (1983) ao se referir à Pedagogia

enquanto ciência, uma vez que se ficar fora de sua concepção original, ela ―se tornaria como a

medicina, uma ciência profissional pragmática do professor, mera transmissora de

conhecimentos para o domínio das aptidões técnicas e artesanais da orientação do ensino‖.

Em razão dessa percepção, pude compreender porque há o dilema entre a teoria e prática. Tal

dilema se estabelece pois nem sempre a técnica, a receita, os moldes e a formatação são

suficientes para responder às nuances da prática, uma vez que esta se relaciona às multi e pluri

realidades humanas que permeiam o contexto da educação.

Por isso, o tempo era ávido por mudanças na formação dos profissionais da educação,

o que incluía a Pedagogia. A esse respeito, Saviani (2004, p. 122) explica que:

O movimento dos educadores em torno da formação dos profissionais da educação

começou a se articular no final da década de 1970 e se materializou com a criação,

em 1980, do ―Comitê Pró Participação na Reformulação dos Cursos de Pedagogia e

Licenciatura‖. O Comitê se organizou na forma de comissões regionais,

transformou-se, em 1983, em Comissão Nacional pela Reformulação dos Cursos de

Formação de Educadores (CONARCFE) que, por sua vez, em 1990, se constituiu na

Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) que

continua em atividade.

Page 103: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

101

Esses ares de lutas e enfrentamentos políticos, sociais e educacionais suscitaram a

necessidade de pensar em reformas para o curso de Pedagogia, campus sede de Cuiabá, onde

seus docentes e discentes também viviam sob os efeitos dessas articulações nacionais. Foi por

isso que, em 1982, o curso começa a ser repensado. Posteriormente, fortalece-se esse

pensamento entre os anos de 1989 a 1994, quando os debates se intensificam, ganhando

repercussões e então, se consolidam.

Em meio às emergências locais formativas e de aprendizagem, a reformulação nasce

de um compromisso da UFMT por meio do IE com a escola pública, visando à valorização

socioprofissional do professor em atenção à educação básica prioritariamente nas séries

iniciais, o que foi selado por meio do convênio nº 035, de 1994, firmado entre UFMT/IE, as

secretarias municipais de Várzea Grande, Santo Antônio, Cuiabá e o estado de Mato Grosso,

acompanhado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública (SINTEP). Ocorria que

nesse período, segundo estudos realizados em vista da reformulação, 70% dos professores

efetivos só possuíam o 2º grau completo, e as escolas ainda conviviam com a rotatividade dos

professores interinos. Ora, a desvalorização da carreira e a precariedade das condições

materiais de trabalho também eram fatores gritantes e determinantes para a qualidade de

ensino e da realização do profissional de educação.

As três realidades municipais, de certa forma, eram uma pequena amostra do estado

como um todo frente às urgências educacionais. Por isso, o novo curso de Pedagogia urgia a

pressupor em seu bojo:

[...] a necessidade de uma formação acadêmica de qualidade crescente por parte dos

professores das Séries Iniciais do Ensino Fundamental; a necessidade de se criar

condições concretas (de formação e condições de trabalho) que estimulem a

permanência do professor nestas Séries; a necessidade de uma política global de

profissionalização dos educadores, incluindo formação básica inicial, condições de

trabalho e formação continuada, em consonância com o movimento nacional pro-

formação do professor, a necessidade de pensar estruturas acadêmicas que

respondam aos desafios de uma formação de qualidade; a necessidade de responder

à situação atual e à perspectiva de formação dos professores das Séries Iniciais nos

Municípios de Cuiabá, Várzea Grande e Santo Antônio. (DOC. PPP DO CURSO

DE PEDAGOGIA, 2008, p. 11)

Com essa tônica, o curso, em seu currículo, foi reformulado visando atender, em um

período de 10 anos, as necessidades formativas desses professores para que eles pudessem

permanecer na docência de modo mais qualificado em respeito à sua carreira profissional e às

necessidades dessas localidades.

Nesse interim das histórias e mudanças no contexto formativo da Pedagogia, puxo um

gancho de lembrança, pois foi nesse período que frequentei o curso, considerando essa

reformulação feita para atender aos professores das redes municipais. Todavia, eu entrei no

Page 104: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

102

curso (2000-2003) via vestibular regular. Fiz parte da demanda social, portanto, não estava na

rede de ensino desse convênio que atendia aos professores no período vespertino. As turmas

matutinas eram da demanda social. Entendo que considerando essa tônica de formação

docente, a proposta do curso ajudou-me a compreender melhor nesse período a atuação da

Pedagogia no espaço da escola em interlocução com outros campos de saberes, bem como a

complexidade do fenômeno educativo.

Lendo as bibliografias dos estudiosos da Pedagogia, e retomando os marcos históricos

da Pedagogia da pesquisa de Silva (1999), e também as pesquisas de Mestrado e Doutorado

com os egressos de Pedagogia, além das leituras que fiz nos documentos oficiais desse

convênio (nº 035/1994/FUFMT), entendo que, nacionalmente, mudanças despontavam no

campo da formação e as tensões, os debates se intensificavam devido à necessidade de se

constituir uma política de formação e profissionalização docente que respeitasse a demanda

das exigências da educação pública, de uma opção preferencial por ela, ainda com isso,

colocando o professor e a sua formação no centro do debate.

Com essa percepção mais ampliada, supunha assumir a escola como espaço-tempo de

formação humana descapsulada dos moldes da racionalidade e da técnica, criando condições

em que os docentes (os estudantes do convênio) e os futuros docentes (estudantes oriundos da

demanda social regular) buscassem ter compreensão da complexidade das relações entre a

educação e a sociedade, para que assim pudessem atuar de modo a considerar a realidade das

condições sociais, culturais e humanas de seus estudantes.

Como essa reformulação transcorreu atendendo seus propósitos e parcerias, a

educação no Brasil, nesse período de 10 anos, também se mobilizava em busca de mudanças

que pudessem atender a educação em todos os seus níveis e áreas de conhecimento. Dentre

outros acontecimentos importantes, para a educação, destaco a aprovação da LDB 9.394, de

1996, que foi um marco de conquista, e posteriormente, a aprovação das DCNs (2006) da

Pedagogia.

É justamente nesse período que se encontra parte dos meus colaboradores (sujeitos),

que povoam de vozes a minha tese. São os egressos que adentraram ao curso em 2006 e o

concluíram em 2009. Duas turmas do curso de Pedagogia, campus sede Cuiabá, do IE que não

mais pertenciam ao convênio. Suas percepções serão importantes, pois sua formação

transcorreu dentro dessa estrutura curricular já embebida em um contexto de necessidades de

mudanças frente à atual proposta do curso, as transformações sociais e as novas políticas

educacionais que entravam em vigência.

Page 105: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

103

Essa ebulição que contagiava o cenário nacional educacional se caracterizava dentro

de um contexto das negociações dos órgãos governamentais, das instituições de ensino, dos

diversos profissionais da educação, bem como dos pesquisadores da área. Diante disso,

considerando os estudos de Ball e Bowe (1992), é possível afirmar que as políticas

educacionais nacionais tendem a serem constantemente recontextualizadas e reinterpretadas

pelos Estados-nações, sofrendo influências de agências nacionais e internacionais.

Em decorrência disso, compreende-se que os cursos sofrem pressões de toda ordem,

principalmente das diversas instâncias de avaliação, tanto do aluno, do professor como da

instituição proponente. Criam-se espaços de arenas públicas de disputas e de

responsabilização motivados por rankings de panoramas avaliativos, tanto nacionais como

internacionais, baseados em classificações, a exemplo do Programa Internacional de

Avaliação de Estudantes (PISA, sigla em inglês), com provas coordenadas pela Organização

para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Nesse contexto, o reflexo dessas avaliações traz à tona os precários investimentos na

educação pública no país, a necessidade de formação mais qualificada de professores, os

quais, nos últimos anos, ao contrário dos países mais desenvolvidos e de maior expressão

educacional, vem perdendo seu prestígio social.

Diante desse cenário, outra reformulação é motivada para o curso de Pedagogia,

campus Cuiabá do IE, considerada desde a criação do curso, em 1969, como a terceira

reformulação, pois as anteriores foram parciais. A esse respeito, o documento de reformulação

(PPP, 2008, p. 16) pontua que dentre vários fatores que motivaram o repensar do presente

curso, uma questão foi decisiva ―[...] a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais –

DCN – pela Resolução CNE/CP 01/2006. Essas diretrizes estão articuladas com a LDB

9394/96, e com outros textos legais que tecem a reforma da educação superior‖. Ainda, levou-

se em conta a criação da Lei 11.274, de 06 de fevereiro de 2006, que originou o Ensino

Fundamental de nove anos, o que já era sinalizado também na LDB (1996), com a

escolarização obrigatória a partir de seis anos.

Outras influências locais também contribuíram para a decorrência desse novo

documento curricular para o curso em questão:

[...] observou-se também que os dados extraídos dos estudos do Programa de

Educação Tutorial - PET (2006), de produções discentes (Dossiê, sínteses de

Seminários Integradores) e do convívio acadêmico, indicam a existência, no âmbito

do curso de Pedagogia do campus central da UFMT, de dificuldades que precisam

ser enfrentadas. Estas se explicitam, por exemplo, na falta da efetivação dos

princípios que orientaram a proposta de formação do curso, sobretudo no que se

refere à articulação entre teoria-prática; na tênue aproximação entre formação

acadêmica e exercício profissional; na articulação entre os núcleos de estudo e as

Page 106: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

104

diversas disciplinas que compõem o currículo, para que se culmine o princípio

integrador. (PPP DO CURSO DE PEDAGOGIA, 2008, p. 16-17)

Frente a essas questões nacionais e locais, considerando a necessidade de adequação

da atual organização curricular do curso de Pedagogia do campus central da UFMT é que a

construção do PPP (2008), em atenção às Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de

Licenciatura em Pedagogia, defende uma política de formação do educador-pesquisador para

o exercício da docência na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, na

educação de crianças, como de jovens e adultos, bem como em outras áreas em que sejam

necessários os conhecimentos pedagógicos. Isso possibilitou aos seus reformuladores,

juntamente com a comunidade acadêmica e social, pensar um curso em que:

A docência é, por conseguinte, uma profissão aprendida ao longo da vida. Assim, é

necessário analisar dois elementos curriculares importantes (que se interpenetram):

um, é que os alunos – licenciandos – e os formadores de professores – os docentes

que atuam no curso – precisam ter consciência sobre a caracterização do processo de

formação para a docência, o que pode ter implicações na alteração de expectativas,

como, por exemplo, de que o curso de licenciatura vá ensinar a lidar com todas as

situações com que venha a se defrontar o futuro professor, e que as aprendizagens

teóricas e práticas que podem se desenvolver no curso tenham, efetivamente, o

poder de definir, qualitativamente, a futura prática; outro, é preciso considerar que o

aluno, futuro professor, ao iniciar o curso e cada disciplina dele, já apresenta

concepções, crenças, valores muito arraigados sobre a profissão, o papel do

professor e da escola, o que é ensinar e como se ensina e o que é aprender. (PPP DO

CURSO DE PEDAGOGIA, 2008, p. 19)

Essa visão corresponsável entre o curso e seus destinatários já era uma necessidade

que aparecia nos trabalhos analisados sobre a Pedagogia e egressos. Tardif (2002), ao tratar de

saberes docentes, também defende essa tônica colaborativa, de um currículo tanto para a

formação inicial como continuada, que considere as concepções, crenças, valores e

aprendizagens dos acadêmicos da formação inicial e dos professores em exercício da

docência. Nessa perspectiva, pode-se pensar uma formação humanizadora e integradora tendo

como base as realidades e histórias de vida de seus protagonistas.

Nesse entendimento abordado na proposta do PPP (2008), verifico que a docência se

constitui o objeto de estudo da Pedagogia, mas como já dito antes, não somente ela, pois o

modo integrativo das diversas epistemologias estudadas no curso possibilita também a

construção de uma identidade profissional de uma atitude investigadora da própria realidade

educacional. O professor é visto como um pesquisador, autocrítico e formador, superando a

visão de uma ciência da educação tradicional, de uma teoria advinda da pesquisa pura em

vista de uma aplicação, pois para Tardif (2002, p. 236), ―a pesquisa na área de educação é

regida e produzida por um sistema de práticas e de atores‖. O referido autor ao tratar desse

sistema, faz uma crítica às instituições de produções de conhecimentos científicos, pois em

Page 107: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

105

seu entendimento ―é justamente o fato de levar a acreditar que nelas podem ser produzidas

teorias sem práticas, conhecimentos sem ações, saberes sem enraizamento em atores e em sua

subjetividade‖.

Nesse sentido, pergunto: quem produz ou constrói saberes específicos ao trabalho

docente? Nesse lugar fronteiriço da teoria e da prática, concordo com Tardif (2002), pois não

há como pensar a teoria desvinculada da prática, ou tratar de conhecimentos-saberes sem as

subjetividades a eles imbricadas. Se desconsideramos esses aspectos, poderíamos entender

que é possível a existência de uma teoria sem a prática, e de um sujeito sem saber. Ao

contrário, somos cegos, que pouco a pouco se aproximam da luz pelo conhecimento

produzido e estocado, sendo justamente e unicamente guiados por ele. Para esse estudioso dos

saberes da formação de professores, isso é um equívoco, pois:

O trabalho-como toda a práxis-exige, por conseguinte, um sujeito do trabalho, isto é,

um ator que utiliza, mobiliza e produz os saberes de seu trabalho. Não poderia ser

diferente com os professores, os quais realizam um trabalho que não é simples, nem

previsível, mas complexo e enormemente influenciado pelas próprias decisões e

ações desses atores. (TARDIF, 2002, p. 236-237)

Para essa compreensão em diálogo com Tardif (2002), e pensando nessa articulação

teoria-prática e a mobilização de saberes em educação pelo ser profissional de Pedagogia,

concordo com os estudos de Houssaye et al. (2004, p. 10, grifo nosso), que descrevem:

Por definição, o pedagogo não pode ser um puro e simples prático nem um puro e

simples teórico. Ele fica entre os dois, ele é o entremeio. A relação deve ser

permanente e irredutível ao mesmo tempo, pois o fosso entre a teoria e a prática não

pode senão subsistir [...] É essa fenda que permite a produção pedagógica. Por

conseguinte, o prático, em si mesmo, não é um pedagogo, na maioria das vezes é um

usuário de elementos, coerências ou sistemas pedagógicos. Mas o teórico da

educação, como tal, também não é um pedagogo, pois não basta pensar o ato

pedagógico. Só será considerado pedagogo aquele que fizer surgir um plus na e

pela articulação teoria-prática em educação. Esse é o caldeirão de fabricação

pedagógica.

Pensar a Pedagogia não era uma tarefa simples, de mera redução. Então, esse plus

advém da articulação teoria-prática em educação, pois conforme os autores indicam,

independente do que for, e de quaisquer que sejam os avatares (fundamentos epistemológicos

e metodológico), e as formas dessa articulação, a articulação é determinante e constitutiva da

Pedagogia. Nessa fenda metaforicamente colocada pelo referido autor é possível estabelecer

uma interface de comunicação para a construção e a reconstrução de múltiplos saberes em

vista da práxis educativa.

Esses raciocínios coadunam com o que está expresso no PPP do curso de Pedagogia

no sentido de trazer para o campo da formação inicial a dimensão da investigação, ao diz que:

Page 108: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

106

[...] a formação aqui pleiteada defende a visão de unidade entre a dimensão

epistemológica e a profissionalizante na formação do educador e motiva a reiteração

da pesquisa – entendida como atitude investigadora diante da realidade educacional

– como dinamizadora do currículo. (PPP DO CURSO DE PEDAGOGIA, 2008, p.

24, grifo do autor)

Tomando esses entendimentos como referência e ao analisar a proposta do currículo

do curso reformulado, o qual entrou em vigor (2008-2009), consigo perceber uma

intencionalidade formadora e humanizadora dos processos de formação, compreendendo que

esse estudo não se dará somente na academia ou no exercício da docência, mas no decorrer da

vida e das experiências dos professores. E isso de modo situado em uma dada realidade social,

econômica, cultural e educacional.

Assim, entendo que há um processo de formação permanente, como compreende

Gaston Pineau. Para ele, a formação constitui-se em um campo de estudos, e que, como tal,

requer a conquista de seu tempo, no sentido do ritmo e não do tempo linear e único. Portanto,

o referido autor entende que:

[...] conquistar seu tempo é conquistar estes ritmos, formar, com o pacote de ritmos

que nos constitui, um autônomo-movimento dinâmico. Formação permanente,

equilíbrio metastável sempre comprometido e, na maioria da s vezes, restabelecido.

Não perder seu tempo, mas ganhá-lo com tempo e contratempo exige mobilidade

permanente para abrir e fechar fronteiras. (PINEAU, 2003, p. 144)

Nessa mesma perspectiva, quando o mesmo autor, em estudo com Patrick Paul, trata

da formação vinculada à pesquisa e à ação, explicando o sentido da formação permanente, ao

dizerem que:

Esses objetos concernem às práticas instituídas de formação profissional, escolar,

popular, que vão bem além da educação inicial dos jovens, posto que elas dizem

respeito, potencialmente, a todas as idades. Este é o sentido dos qualificativos

contínuo e permanente que comumente são acrescentados a essas formações.

(PAUL; PINEAU, 2005, p. 144)

Assim sendo, a formação permanente funciona como um espiral multidimensional,

que ao longo da vida vai se autoconstituindo nas subjetividades, na relação com as coisas e

com a própria natureza. Por isso, a formação inicial se coloca na trajetória que integra essa

dimensão e não a esgota, tendo a intenção de potencialização do ser-pessoa-em-formação.

Todas as demais formações, sejam elas no âmbito pessoal e profissional, são partes desse

desenvolvimento. Daí decorre a necessidade das múltiplas formações na vida adulta do ser

professor. Não no sentido de aprisioná-lo em um tarefismo, mas em uma compreensão que

esse movimento vai se constituindo e construindo, então, o ser profissional.

Conforme está posto no PPP (2008) do curso de Pedagogia, o pedagogo assume um

novo modo de pensar e constituir-se do curso. Por conseguinte, nessa perspectiva, espera-se

Page 109: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

107

que profissional formado no campus sede da UFMT atue no campo teórico-investigativo da

educação e no trabalho pedagógico nas áreas que compreendem a Educação Infantil, anos

iniciais do Ensino Fundamental de nove anos, formação pedagógica do profissional docente,

em especial, e que também atue na gestão dos ambientes escolares, integrando a escola a

outras instituições educacionais, tanto escolares como não escolares. Nesse contexto, poderá

fazer uso de possíveis intervenções educativas dos meios de comunicação, dos movimentos

sociais e das instituições socioculturais.

Com o curso reformulado, houve turmas inseridas em períodos de transição, que

tiveram que se adaptar às exigências mediante a nova matriz curricular. Assim, elegi quatro

turmas de colaboradores, que se constituíram como os sujeitos da pesquisa, sendo duas da

transição (2006-2009), e duas na atual proposta reformulada (2010-2013). Essas duas últimas

turmas realizaram a formação dentro da proposta curricular nova e vigente até o presente

momento. Esses dois grupos de egressos são oriundos de duas reformulações em meio a um

contexto social, político e educacional de constantes mudanças do ser, pensar e constituir-se

docente nesse país e nesse estado de Mato Grosso. É com eles que sigo fiando esta pesquisa.

No capítulo seguinte, considerando o movimento de pesquisa que fiz até agora dentro

do campo da Pedagogia, me enveredo nos estudos de tempo e temporalidades para buscar fios

de compreensões das múltiplas subjetividades que permearam este estudo.

Neste ano, em 2019, completam-se 13 anos da aprovação das DCNs (2006) para a

Pedagogia. Desde então, muitos movimentos de formadores e estudos/pesquisas foram

empreendidos nesse campo de estudos, bem como ocorreram as aprovações de alguns

dispositivos legais. Dentre eles, destaco a aprovação da Resolução CNE/CP nº 02, de 01 de

julho de 2015, Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em graduação em

primeira e segunda licenciatura abrangendo, desse modo, a formação continuada.

As DCNs (2006) orientaram a reformulação (2008-2009) do curso de Pedagogia

campus Cuiabá, (proposta curricular de curso que sustentou os estudos das egressas que

fazem parte desta pesquisa). Transcorrido onze (11) anos dessa reformação, o referido curso

encontra-se atualmente em um novo movimento de reformulação. Vem ocorrendo desde

(2015-2016), estudos e debates em colegiado de curso com organizações de fóruns de

docentes e discentes, que buscam caminhos epistêmico-pedagógico para recontextualização

curricular do curso em atenção às demandas sociais, políticas e educacionais da atualidade,

esse entendimento e necessidade são oriundos de um sentir e pensar no interior do próprio

curso em consonância com as mudanças que ano após ano vem reconfigurando o cenário

educacional brasileiro.

Page 110: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

108

Trouxe essa informação com objetivo de dizer que a Pedagogia, enquanto licenciatura

no campus Cuiabá, segue seus estudos ampliando e ressignificando sua própria diretriz, a de

(2006), e posteriormente, em 2015, que também diz respeito às licenciaturas. Com essas

orientações e pesquisas na aérea da educação voltadas para a formação de professores, a

Pedagogia segue em busca de recontextualização mediante as exigências de mudanças que a

educação no cenário estadual e nacional vem realizando.

Os caminhos percorridos até esse momento da pesquisa ajudaram a compreender

melhor a construção histórica educacional da Pedagogia. Observei que o tempo chronos, no

sentido de uma construção social, conforme compreende Elias (1998), seguiu cadenciando os

estudos, debates embates, e nesse movimento histórico-social-educacional dos caminhos da

Pedagogia, os quais foram produzindo/construindo/reconstruindo mudanças sociais-

educacionais de novos modos de conceber a Pedagogia, mudanças que, por sua vez,

produziram transformações nas estruturas sociais, institucionais e acadêmicas, bem como nas

atuações dos profissionais da educação com foco na Pedagogia.

Considerando o que foi construído até aqui, para o próximo capítulo, discorro sobre os

estudos de tempo e a temporalidade, buscando intercruzá-los no sentido de diálogo e tecitura,

com a formação do profissional docente.

Page 111: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

109

Fonte: elaborado pela autora. Desenhos e aguayos originais (2019)

CAPÍTULO III – MÚLTIPLOS TEMPOS,

TEMPORALIDADES E FORMAÇÕES

Page 112: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

110

O estudo do tempo é sempre plural. Portanto, envolve complexidades e

enfrentamentos de paradigmas dominantes. Há sempre uma teoria ou vertente epistemológica

conduzindo alguma tendência que quer se enraizar. Por isso, é compreensível que esse campo

de estudo seja marcado por tensões e confrontos de pesquisas em várias áreas de

conhecimentos.

Para esta pesquisa, sigo os estudos do tempo, seja pelo olhar da Filosofia, da Física, da

Química e da Sociologia, mas o meu interesse e foco é um só: a educação na perspectiva dos

tempos e temporalidades formativos humanos. Assim, busquei situar a pesquisa no

ecossistema das percepções humanas e profissionais dos egressos de Pedagogia.

O presente estudo foi tecido em três fios que possibilitaram forjar a minha

compreensão acerca do grande tecido que envolve o tempo e a temporalidade no sentido de

suas epistemologias e campos de pesquisas.

No primeiro fio, busquei aporte teórico em pesquisas e pesquisadores que durante anos

de sua vida estudaram o tempo e a temporalidade mediante uma compreensão tanto pessoal,

social, cultural, científica, como analisando as múltiplas relações humanas, (consigo mesmo,

com os outros e com o meio ambiente). Nesse movimento de fios epistemológicos, enxerguei

a pessoa do ser-professor em suas várias dimensões (pessoal, social e profissional), e as

relacionei tanto com o tempo físico social, bem como com seus tempos subjetivos.

E um fio de entremeio, realizei um trabalho quase que artesanal24

, compreendido como

um estudo do saber do tempo e da temporalidade. Para essa construção e diálogo, fui aos

repositórios oficiais de pesquisas científicas para localizar nos objetos estudados a presença

de algumas pesquisas que se relacionam com os estudos de tempo e temporalidade. Elegi,

após um refinamento conforme descritores apresentados, um conjunto de teses e dissertações

para dialogar reflexivamente, tendo em vista o objeto desta tese.

No segundo fio auxiliar, segui na fiação de modo mais específico com os estudos de

Gastón Pineau relacionados à formação e à temporalidade entrecruzados com o movimento

tripolar da formação humana. Inicialmente, optei por trazer as compreensões do referido autor

sobre essa tripologia, mediante um diálogo de aproximação considerando essa temática.

E um fio de entremeio, trouxe algumas publicações de várias áreas de conhecimentos

científicos, as quais, mediante seus objetos de pesquisa, dialogaram com essa tripologia. Esses

24

Quando digo artesanal, está ligado aos cuidados, ao ritmo do tempo, pois exige um ir e vir em um manuseio

que preciso fazer com as anotações, esboços até chegar em uma aproximação do que se está buscando. É uma

construção única.

Page 113: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

111

estudos foram para mim um exercício compreensivo do uso dessa tripologia em múltiplos

campos e objetos de estudos. Por isso, decidi trazê-lo nesse momento da tese.

Nesse mesmo sentido, de fios que se tecem e se entrelaçam, construí, para o fio

auxiliar desse capítulo, um diálogo com a formação do profissional docente na perspectiva da

Pedagogia. Trago uma síntese compreensiva da concepção que assumo sobre a formação-

humana-e-docente. Por isso, chamei alguns autores da área da educação para dialogarmos

juntos.

No fio de entremeio considerando os movimentos de tempos e temporalidades, senti

necessidade de trazer para o diálogo a discussão do tempo performático, pois verifiquei, nas

biotecituras, a presença de um tempo fatigante, controlador das subjetividades e até

modulador das relações pessoais e interpessoais das egressas. Esse tempo será mais bem

percebido nas análises compreensivas das biotecituras no capítulo posterior. O trouxe para

esse momento para demarcar a sua presença no trabalho considerando-o como um regulador

que tende a controlar ou sufocar os tempos-formativos e as subjetividades.

O exercício e a opção de organização realizada nessa parte da pesquisa querem, mais

uma vez, dizer que busquei trazer o estudo do saber em interlocução aos estudos e reflexões

advindas das construções epistemológicas dos conceitos aqui estudados, de modo a entender

que esses fios podem se cruzar e se trançar sempre em movimento e diálogo com o objeto

dessa tese. Por conta disso, não se torna necessário utilizar uma estrutura academicamente

linear.

3.1 Tecituras dos tempos e das temporalidades

Então, se há um começo ou ponto inicial neste diálogo com o tempo e os demais

conceitos aqui postos, faz-se necessário começar a fiar no tear das epistemologias diversas em

busca dos conceitos, puxando-os, um a um, como fios que entrelaçam e constroem

entendimentos.

Como já explicitado anteriormente, na busca de fazer uma metaforização, nessa fiação,

uso um tecido boliviano chamado de aguayo ou awayo, típico da cultura andina. Ocorre que

nas minhas andanças pelas terras bolivianas, em 1999, de modo especial na cidade de

Guayaramerín, fronteira com o Brasil, quando estava observando o mercado popular local,

encontrei um tecido curioso, o aguayo, que é multicolorido e uma expressão diversa da

cultura boliviana. Ele simboliza a alegria, a arte, a subsistência e a cultura desse povo. É nesse

tecido ou na tecelagem dele, que inicio a minha viagem para buscar compreensões acerca do

tempo e da temporalidade das egressas de Pedagogia que povoam com suas biotecituras,

Page 114: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

112

formação e atuação profissional, os fios desse aguayo, forjando nele os seus tons, as cores e

os movimentos que expressam suas vivências e experiências num processo de formação

permanente.

Imaginar, então, a tecitura do tempo, tal qual o aguayo boliviano, vemos que suas

tramas que se entrelaçam em forma de nó se constituem em marcos de encontros para

parturização de novas tramas e nós. Usando essa analogia, é que percebi compreensivamente

o tempo e a temporalidade existentes na formação profissional do pedagogo e busquei saber

de suas tecituras.

Se observarmos o tecido aguayo, certamente encontraremos nos fios coloridos e

tramas, um tempo neles guardado que preserva memória, uma cultura e história de um povo.

Então, vemos que o presente, o passado e o futuro se fundem e se confundem nas mãos de

quem os tece, dando a eles significações e ressignificações. Assim, o tempo se torna intenso,

condensado e permanente.

Entretanto, lidar com o tempo não é tarefa fácil. Tal qual as tecelãs do aguayo, sigo

costurando, nas rocas, os fios para entendimentos e aprendizados sobre o tempo e a

temporalidade da formação profissional docente a partir da Pedagogia. Esse saber está aberto

e em construção, pois são temáticas complexas e de compreensões diversas. Por isso, busquei,

enquanto pedagoga, uma aproximação e diálogo com alguns autores que em suas áreas de

pesquisa estudam o conceito de tempo e a temporalidade, os quais deram suporte teórico a

esta tese. Reitero que não é meu objetivo distender o próprio tempo no sentido de depurar seu

conceito, mas o chamo para dialogar, a partir das compreensões e sínteses que fui realizando

com os estudos e a pesquisa de campo.

Assim, para esse diálogo, que envolve o tempo e a temporalidade, apoiei-me nos

estudos de Elias (1998), Merleau-Ponty (2006; 1999), Prigogine (2011; 1990), Pomian

(1993), Pineau (2010; 2006; 2005; 2003), Passos (2005; 2003), Paul (2009), dentre outros.

Logo no início dos meus estudos sobre essa tecelagem do tempo e da temporalidade,

deparei-me com a enciclopédia Einaudi, volume 29, que trata da temporalidade, na qual

Pomian (1993) possibilita pensar na construção da temporalidade, sem dizer o que é esse

conceito, mas orientando cada um a encontrar os seus próprios fios de entendimento. Isto é,

não há um conceito acabado do tempo. Ele pode ser percebido seja no ser, na natureza ou na

história da história. Por isso, para esse autor:

[...] o século XIV é a época mais importante da história do tempo da Antiguidade ao

início do nosso século. Mas não só por ter assistido ao esboço das transformações da

arquitetura do tempo: a sua importância deriva do fato de que começaram então a

Page 115: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

113

modificar-se as atitudes face ao tempo, à vida, à morte, ao passado e ao futuro.

(POMIAN, 1993, p. 29)

Para Pomian (1993), o século XIV foi um período de mudanças em ebulição.

Observando-se historicamente, vê-se que uma pequena porcentagem da população da Europa

Ocidental se regulava pelos pêndulos dos relógios e, em muitos outros lugares do mundo,

outras populações orientavam suas vidas e trabalho ritmados pelo tempo solar e suas devoções

litúrgicas. O aparecimento do relógio, nessa época, ainda não se configurava em um tempo

quantitativo. Isso era devido à imprecisão dos relógios quanto às horas, o que só veio

acontecer mais tarde com os avanços científicos e a popularização do seu uso no século XVII,

difundindo-se por toda parte a partir do século XVIII, mas ainda sendo para alguns grupos

sociais algo de ostentação pessoal, familiar ou condição social.

Assim, o que Pomian (1993) está dizendo é que essa substituição do tempo qualitativo

pelo tempo quantitativo na vida social é um fenômeno ainda muito recente. Esse diálogo

inicial com os estudos de tempo e temporalidade com o referido autor mostra que o relógio

entra para a vida das pessoas e das fábricas como um regulador do tempo produtivo, o tempo

da modernidade do capital. Acerca disso, Passos (2005, p. 141) fala do tempo para fins de

acumulação, sendo ele unidimensionalmente como tempo linear. ―O fato é que a cultura da

modernidade constrói o tempo de que necessita, não como um opus proprium25

, mas o

concebe como algo objetivo, um ‗fora de nós‘, como um opus alienum26

”.

Desse modo, o relógio é a representação da personificação da sincronização absoluta

desse tempo da produção, reprodução e controle. Nessa direção de entendimento, Elias

(1998), atesta o caráter simbólico do tempo no uso do relógio com seus mostradores e o

tempo como uma síntese social aprendida, pois o pêndulo exerce na sociedade uma função

que os fenômenos naturais, a de meios de orientação, os quais estão inseridos em sucessões de

processos sociais e físicos com fins de regulação de coerção de sua coexistência. Para ele, o

relógio não mede o tempo invisível,

[...] mas, algo perfeitamente possível de ser captado, como a duração de um dia de

trabalho, ou de um eclipse lunar, ou a velocidade de um corredor na prova de

metros. Os relógios são processos físicos que a sociedade padronizou, decompondo-

os em sequencias-modelo de recorrência regular como as horas ou os minutos.

(ELIAS, 1998, p. 07)

Para o referido autor, dá-se a entender que o tempo não tem um caráter instrumental,

mas sim os relógios. Ele atribui à linguística essa interpretação que ―contribui para confundir

25

Obra própria, sob controle de quem a fez. 26

Obra de outro, sob o controle de quem a produziu.

Page 116: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

114

o panorama, dando a impressão de que o tempo é aquele algo misterioso cuja medida é dada

por instrumentos de fabricação humana, os relógios‖ (ELIAS, 1998, p. 08). Isso para dizer

que o tempo não é uma invenção humana. Essa sincronização feita pelos relógios e

calendários representa uma síntese de atividades de integração humana, pois são instrumentos

considerados pelo autor como contínuos evolutivos.

Em sociedades disciplinares como a que vivemos, as nossas necessidades fisiológicas

e biológicas são reguladas por um relógio social. Mas, quando, por exemplo, adentro em

sociedades de povoados simples, isolados de grandes centros, essa realidade não é assumida,

pois carece de um estar, sentir, pensar, alimentar, trabalhar e festar em um ritmo menos

padronizado, e, às vezes, alheio ao tempo civilizatório regulado por relógios, agendas,

calendários e bolsas de valores. Nesse sentir, a vida simplesmente acontece, dando a entender

que a natureza física se confunde com a natureza humana, sem necessidade, portanto, de um

sincronizador coercitivo ativo e universal.

Nesse contexto, entendo o conceito de tempo (chronos)27

como o temos atualmente,

em Elias (1998), seja o resultado do trabalho de uma longa cadeia de gerações, longo processo

de aprendizado, de acumulação de experiências, sendo essas feitas e refeitas no decorrer da

história da própria humanidade, sendo assumido como sínteses intelectuais aprendidas em

uma da cultura ou culturas.

Nesta pesquisa, esse assunto é estudado para melhor entendimento do que vai se

constituindo em tempo hegemônico e performático, que são traços fortemente presentes na

vida social e no mundo do trabalho do professor. São situações que aparecem ao logo deste

estudo sobre o tempo em vários momentos da tese, a qual, ao tratar de tempo no sentido social

objetivo, toca especificamente nos processos de formação do profissional docente, neste caso,

as egressas de Pedagogia, pois esses processos não escapam ao tempo como a sociedade

humana civilizatória o entende hoje.

Nessas compreensões quanto ao tempo, ou aos tempos, quando penso na ciência

contemporânea, levando em consideração seus movimentos históricos de certezas e

incertezas, entendo que ela mesma, enquanto laboratório científico e humano, evoluiu em seus

diversos campos de estudos, aplicações e até de indagações. Em razão disso, sofreu e ainda

sofre os efeitos da entropia28

interna, pois ela não se constituiu como um bloco de mármore

27

O sentido do tempo como: cronológico, sequencial, aquele pode ser verificado/medido, associado ao

movimento linear das coisas materiais, com um início e um fim. 28

Para Prigogine (1990), a produção de entropia contém sempre dois elementos dialéticos, um criador de

desordem e o outro de ordem, mas os dois estão sempre ligados, sendo fenômenos irreversíveis que afastados do

equilíbrio podem produzir certa ordem, surgindo, assim, outras probabilidades na instabilidade.

Page 117: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

115

solto no universo. Pelo contrário, esse bloco se assim o é e está assentado em muitos pés para

se firmar, reafirmar e até, por vezes, se desprender desses pés em busca de alguma

racionalidade, quando a complexidade das coisas, das estruturas não se deixam facilmente se

explicar, como é o caso do tempo. ―O próprio universo, considerado como um todo é um

sistema termodinâmico altamente heterogêneo e distante de equilíbrio‖ já afirmava Prigogine

(2011, p. 167). Ainda para o autor, ―[...] podemos conceber hoje, o big bang como um evento

associado, a uma instabilidade, o que implica que ele é o ponto de partida do nosso universo,

mas não o do tempo‖ (PRIGOGINE, 2011, p. 13). Ele considera o big bang como um

processo irreversível, resultado da própria instabilidade do pré-universo, induzida pelas

interações entre a gravitação e a matéria, nascendo ele sob o signo da instabilidade como um

evento único.

Para Prigogine (1990, p. 22), ―o papel da ciência é exatamente o de encontrar ligações,

e o tempo é uma delas. O homem provém do tempo; se, pelo contrário, o homem criasse o

tempo, este seria evidentemente um estorvo entre o homem e a natureza‖.

É nesse varal científico de estudos que me sento para dialogar com Prigogine (2011;

1990). Para ele, a humanidade, nos últimos tempos, assiste à emergência de uma ciência que

não mais se limita a situações simplificadas e idealizadas, sendo capaz de colocar a sociedade

diante de complexidade do mundo real, que permite a criatividade humana como expressão de

um traço singular de todos os níveis de natureza. Portanto, o autor nos diz que é necessário e

urgente esse diálogo-relação entre o ser, a natureza e a ciência. Sendo que esta última deixa de

ser dogmática e neutra para contribuir efetivamente com a humanidade, tendo em conta a sua

cultura.

Dessa forma, quando trato de tempos formativos ou formador, Prigogine (2011, p.

167) nesse tempo – estou compreendendo seu fluxo e movimento, sua ordem e sua desordem,

seu equilíbrio e seu desiquilíbrio e seu caos, pois não há um único fio que o tece. Ora, nem a

natureza o é. Ela é feita de processos, possibilidades e instabilidades. Ela está na contramão

da ciência clássica da ordem, da estabilidade e do determinismo. Para o autor, há uma visão

ampliada sobre as leis fundamentais da física tomando como princípio e base evolutiva, o

indeterminismo, a irreversibilidade e a ―assimetria do tempo‖.

Ao tratar do tempo especificamente, Prigogine (2011, p. 73) categoricamente diz: ―o

tempo precede a existência‖, sendo que isso ocorre, segundo ele, desde os pensadores gregos

até hoje. Trata-se do desafio de polêmicas e rivalidades. Quando se refere à ―flecha do

tempo‖, ele diz que ela nunca emergiria de um mundo regido por leis temporais simétricas.

Ora, o entendimento do autor é que:

Page 118: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

116

Toda mediação, prévia à criação dos conhecimentos, pressupõe a possibilidade de

ser afetado pelo mundo, quer sejamos, nós os afetados, quer sejam os nossos

instrumentos. Mas, o conhecimento não pressupõe apenas um vínculo entre o que

conhece e o que é conhecido, ele exige de nosso diálogo com a natureza que esse

vínculo crie uma diferença entre o passado e o futuro. A realidade do devir é a

condição sine qua non de nosso diálogo com a natureza. (PRIGOGINE, 2011, p.

161)

Há uma nova compreensão advinda dos estudos do referido autor no que se tange à

Física com suas formulações quanto à natureza, ao compreender o universo de modo

reversível, não fazendo diferença entre o passado e o futuro. Para ele, nenhum conhecimento

ou especulação conseguiu mostrar essa equivalência entre o que se faz e o que se desfaz, isso

tanto no ser humano como em uma planta. Segundo Prigogine (2011, p. 162), ―[...] a

reversibilidade da mudança não havia, por seu lado, sido pensada por ninguém‖.

Avançando nos estudos e no próprio tempo histórico, encontramos os fios que

tensionaram na própria ciência à mudança de suas afirmações. No limiar das fronteiras da

ciência na atualidade das pesquisas, seja no campo das exatas ou das ciências humanas,

verifica-se que:

Em qualquer nível que seja, a física e as outras ciências confirmam nossa

experiência da temporalidade: vivemos num universo em evolução. [...] As leis da

natureza adquirem, então, um significado novo: não tratamos mais de certezas

morais, mais sim de possibilidades. Afirmam o devir, e não mais somente o ser.

(PRIGOGINE, 2011, 163)

Sabendo da importância desse movimento e da relação ser-natureza-ciência, é que

ouso relacionar a irreversibilidade, considerando a probabilidade à temporalidade, em que

concebo esta última como subjetividade. Como explica o autor, somos seres de

temporalização. A natureza está em nós e nós somos seres da natureza. Essa relação ser

natureza abre possibilidades de mudança e transformação no sentido do devir, uma vez que

somos de natureza evolutiva. Pela subjetividade compreendida como temporalidade, o ser, em

suas várias condições de formações, vai ―se tornar-ser‖, e nesse processo há incertezas de toda

ordem/desordem. Essa relação passado-presente temporalizado pelo ser anuncia o devir.

Penso, então, que a instabilidade está instalada na experiência do sujeito em formação,

entendendo essa formação em suas várias dimensões, permeada por uma ação-reflexão-

permanente, sendo que é possível, dentro desses níveis de relação, produzir suas entropias

internas, capazes de se auto organizar-se, elaborando outras sínteses reflexivas que caminhem

em vista de um contínuo evolutivo de múltiplas possibilidades de aprendizagens, experiências

e novas sínteses ou inter-sínteses. Nesse sentido, a egressa de Pedagogia participa e conduz

sua história, trajetória de vida-cultura-profissão, produzindo a sua própria formação, mas

sempre em relação consigo mesma, com os outros e com as coisas que a rodeiam.

Page 119: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

117

Nessa tecelagem em busca de compreensões sobre o tempo e a temporalidade, vou ao

encontro de Merleau-Ponty (2006, p. 557), que ao tratar do tempo histórico, assim se

expressa: o tempo ―[...] não é um objeto de nosso saber, mas uma dimensão de nosso ser‖.

Ressaltou, ainda, o autor ―mas, para nós, a síntese perceptiva é uma síntese temporal; a

subjetividade, no plano da percepção, não é senão a temporalidade, e é isso que nos permite

preservar no sujeito da percepção a sua capacidade e sua historicidade‖ (MERLEAU-

PONTY, 2006, p. 321).

O referido autor menciona a compreensão do tempo e da subjetividade, e direciona o

nosso olhar às intersecções das dimensões humanas. Para ele, não se trata de um objeto de

nosso saber, mas uma dimensão de nosso ser, que compreende a subjetividade, a qual se

confunde com a coesão de uma vida. Para ele, o ser está no tempo, explicando que:

[...] eu não posso pensar-me como uma parte do mundo, como simples objeto da

biologia, da psicologia e da sociologia, nem fechar sobre mim o universo da ciência.

Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão

minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não

poderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido.

(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 03)

Trazendo isso para a educação, a qual é entendida pelo autor via formação, através da

humanização dos processos sem mecanizá-los, o que interessa é o que está entre essas

intersecções, o que podemos fazer ou produzir por meio de nossas sensibilidades. São sínteses

ou inter-sínteses de nossas experiências e percepções. Nesse sentido, Merleau-Ponty (2006;

1999; 1996) e Prigogine (2011; 1990) apresentam a relação do ser com o mundo enquanto

natureza e a ciência, que entendo como sendo a necessidade de pensar a formação inicial e

permanente com o sujeito – considerando o sujeito, no meu caso de pesquisa, com as egressas

da Pedagogia. Para Merleau-Ponty (1999, p. 550),

Analisar o tempo não é tirar as consequências de uma concepção preestabelecida da

subjetividade, é ter acesso, através do tempo, à sua estrutura concreta. Se

conseguirmos compreender o sujeito, não será em sua forma pura, mas procurando-o

na intersecção de suas dimensões. Portanto, precisamos considerar o tempo em si

mesmo, e é seguindo a sua dialética interna que seremos conduzidos a refazer nossa

ideia do sujeito.

No entendimento do referido autor, esse sentir ou perceber e manifestar do ser com

relação ao tempo advém de movimentos que são concêntricos. Suas manifestações externas

encontram-se em seu sentir interno. Para entender esse sujeito ao qual ele se refere, é preciso

considerar essa relação interna e externamente, principalmente seu modo de ser –

subjetividade/temporalidades – e estar – objetividade no mundo.

Tratando dessa interlocução, Passos (2005) diz que:

Page 120: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

118

[...] a um tempo, um modo de ser vivo de caráter universal, ao qual me filio- minha

pertença ao gênero humano [...] esta generalidade se encarna historicamente numa

sociedade cultural à qual me filio, e cujo engajamento me torna um ser humano

particular. [...] Agrega-se também a mim uma dimensão singular, que expressa

minha individualidade irrepetível e solitária. Isso implica uma historicidade

particular vivida num determinado tempo, tempo que é constituição simbólica, do

qual posso inferir minha temporalidade específica. (PASSOS, 2005, p. 135, grifo do

autor)

Nessa mesma direção de compreensão quanto ao ser na sua individualidade e

subjetividade, sempre em relação com o tempo, as leituras de Passos (2005) coadunam com

os apontamentos de Merleau-Ponty ao expressar que:

Assim, é o tempo: vejo-o fora de mim. Sou eu, entretanto, que fluo temporalmente,

com a sensação da existência de um palco exterior a mim. [...] O tempo flui e diz

respeito à posição que o espectador ocupa. Aquilo que foi o passado de alguém

constituir-se-á presente ou futuro para um outro alguém em algum outro lugar.

(PASSOS, 2005, p. 136)

Para esses autores, o tempo não tem objetividade de uma coisa fora de nós, pela qual

devêssemos nos moldar e regular. Ele, ao contrário, sofre as determinações que lhe

conferimos, como natureza ou parte dela. Assim, sou eu mesma que me coloco no espaço-

tempo simbólico, que é palco da vida, e nele percebo e sou percebida na minha trajetória, seja

ela pessoal ou profissional, mas sempre em curso de um ser em evolução. De tal sorte, esse

entendimento do tempo reforça o que venho perscrutando nesta pesquisa. Ainda recorrendo a

Merleau-Ponty (2011, p. 551), entende-se que:

Portanto, o tempo não é um processo real, uma sucessão efetiva que eu me limitaria

a registrar. Ele nasce de minha relação com as coisas. Nas próprias coisas, o porvir e

o passado estão em uma espécie de preexistência e de sobrevivência eternas.

Nesse caso, o sujeito, que é o observador, traz em si essa significação. Quando me

reaproximo de uma experiência ou de algum vestígio que deixei em ‗algum lugar‘, isso

significa que essa experiência reaparecerá. Então, terei uma nova percepção de um evento já

presenciado. A memória reaparece de modo a ser percebida, traduzida e enriquecida pela

linguagem.

O tempo é pensado por nós antes das partes do tempo, as relações temporais tornam

possíveis os acontecimentos no tempo. É preciso, portanto, correlativamente, que o

próprio sujeito não esteja ali situado, para que ele possa, em intenção, estar presente

ao passado assim como ao porvir. Não digamos mais que o tempo é um ‗dado da

consciência‘, digamos, mais precisamente, que a consciência desdobra ou constitui o

tempo. (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 555)

Por isso, ao tratar do termo temporalidade nesta pesquisa, a palavra surge no sentido

de um tempo genérico/híbrido, que avança no ―tempo em si‖, físico, presente absoluto da

ação, alheio à consciência, regulado e medido, pois como pensam, no meu entender, os

Page 121: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

119

autores: Prigogine, Passos e Merleau-Ponty, é o ser em relação-com seu interior-exterior que

vai apreendendo e constituindo a sua experiência com o tempo. É nesse entendimento que

dialogo com esses autores e percebo suas aproximações, pois para Passos (2005, p. 135), essa

relação do ser em construção permite que se diga:

Sou ontologicamente, tanto quanto minha temporalidade me permite expressar

encarnada e onticamente. Eu sou o tempo! E a investigação do que sou está expressa

em tempo. Compreender o tempo é que em parte me apreender ontologicamente e

onticamente como ser-humano-com-os-outros-em mundo.

O tempo que estou tecendo lida com o tempo vivido, que condensa todas as dimensões

do social e do humano, relativo à percepção, aquilo que a consciência do ser humano

apreende, e é isso que estou compreendo: que a temporalidade é a própria subjetividade. A

subjetividade última não é temporal no sentido empírico da palavra [...] (MERLEAU-

PONTY, 1999, p. 566). Em um outro momento, o referido autor nos situa dizendo que ―nós

temos o tempo por inteiro e estamos presentes a nós mesmos porque estamos presentes no

mundo‖. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 569), e é essa presença que permite que

temporalizemos considerando o nosso vivido. Nesse movimento ontológico (do ser para

perceber que está por trás e além do fenomênico) é que superamos o que é comum ou

superficial no sentir. Assim, o ser-no-e-do-tempo tem acesso à sua subjetividade.

Portanto, vê-se que o tempo não é um quadro emoldurado na parede da antessala,

estando ali fixado e imóvel prestes a ser observado, avaliado e mensurado. Isso porque,

conforme Elias (1998, p. 07), ―[...] o tempo não se deixa ver, tocar, ouvir, saborear nem

respirar como um odor‖. Pois, para ele não são ―o homem e a natureza‖, no sentido de dois

dados separados, que constituem a representação cardinal exigida para compreendermos o

tempo, mas sim ‗os homens no âmago da natureza‘‖. Nos estudos do autor, a natureza, além

de produzir, por exemplo, desertos lunares, também produz seres humanos. Com isso, ele nos

lembra que o ser humano não vive isolado, ―mas se inserem no devir da natureza, e que em

função de sua natureza específica compete a eles a responsabilidade de se encarregarem, em

seu próprio interesse, dessa relação‖ (ELIAS, 1998, p. 12). Essa relação conforme estudos de

Pineau (2003), que trago para este trabalho para dialogar e obter suas sínteses compreensivas,

acontece de modo permanente, contínuo, em um triplo movimento29

de hetero-auto-

ecoformação. É um pensar e perceber sobre si mesmo, considerando os outros e o ambiente

físico e social.

29

Farei este estudo posteriormente dentro dessa compreensão de triplo movimento.

Page 122: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

120

Nesse gancho de interlocuções no que se refere a tempo e temporalidades na

formação, o arcabouço de estudos Pineau (2005; 2003) contribui para a compreensão dos

conceitos de tempo e temporalidade que permeiam os processos de formação humana na

Pedagogia, os quais passo a entender como implicados em múltiplos tempos e

temporalidades.

Neste texto, tecido tal qual um aguayo, procurei mesclar os tons sobre a formação do

pedagogo, misturados e colados com as coisas da vida, em um movimento de gestação e

autoformação. Nesse sentido, Pineau (2003) direciona o olhar para a formação permanente,

que, para ele, o permanente é a mudança, é o movimento perpétuo. Assim, a mudança é o

desvelamento do tempo nas temporalidades, presentes tanto na formação inicial como no

trabalho docente – concebendo esse tempo como movimento único de processos de formação,

que não se separa teoria e prática –, sendo que essa formação gera a transformação da pessoa

de modo relacional em um entrelaçamento das três dimensões do tempo – presente-passado-

futuro.

Assim, quando lidamos com o passado que ―não existe mais‖, e o futuro que é um

―devir‖, quer dizer que esses dois conceitos de tempo apenas fazem sentido dentro da

experiência vivida. Nessa perspectiva, sondamos a formação do pedagogo, nos seus múltiplos

movimentos vividos ou em construção, seja na academia ou no espaço do trabalho docente.

Nesse diálogo plural de múltiplos movimentos dos tempos, da palavra e da memória,

enveredo nos estudos sobre o tempo e a temporalidade da formação do pedagogo, no anseio

de compreendê-lo como sujeito do conhecimento de sua própria história, e não mais como

objeto. Nesse movimento formativo, procurarei entender as relações que há entre os tempos

configuradores da formação profissional do pedagogo.

Ora, o movimento do tempo prescrito e regulado por ritmos sociais diversos permite

verificar na história educacional brasileira, a partir da década de 1990, o surgimento de novos

enfoques e paradigmas para compreender o desenvolvimento de pesquisas que consideram a

complexidade da prática pedagógica docente, avançando para além de um contexto tecnicista

da racionalidade técnica. Esses estudos compreendem o papel do professor destacando a

importância de se pensar a formação em uma abordagem acadêmica, mas que envolve o

desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão docente em seus

múltiplos espaços de atuação. É nessa perspectiva que pesquiso a formação dos egressos do

curso de Pedagogia da UFMT/IE (2009 e 2013).

Nesta pesquisa, essa abordagem da formação está ligada estreitamente com o ciclo da

vida referido por Pineau (2003), amalgamado com os tempos que nos formam. Porém, com

Page 123: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

121

sincronizadores sociais que, por sua vez, tendem a nos moldar. Como expressa o autor em

questão, ―Esta lei e esta medida de um tempo social se dizem e querem ser universais. E elas

conseguem se impor esmagadoramente como tais separando a formação humana da própria

consciência da existência de outras temporalidades [...]‖ (PINEAU, 2003, p. 215).

Nesse tecido textual de Pineau (2003), encontrei os escritos de Serres (1980, p. 147),

que assim se expressa em sua pesquisa sobre o tempo: ―[...] a palavra tempo tem dupla

etimologia. Ela possivelmente é derivada de cortar, da mesma família de tempo, átomo; ou de

tensionar, estirar, que diz exatamente contrário‖. Além disso, em outro momento, o autor, ao

se referir ao tempo, expressou que ―O tempo flui de maneira extraordinariamente complexa,

inesperada, complicada. [...] o tempo dobra-se ou torce-se; é uma variedade que seria

necessário comparar à dança das chamas de uma fogueira: ora cortadas, ora verticais, móveis

e inesperadas‖ (SERRES, 1996, p. 83-84). A partir desse entendimento, o autor coloca no

tempo o movimento, mas não se trata de um movimento linear. Trata-se de um movimento

que tem fluidez, sendo também turbulento. O tempo é percebido, no meu entender, conforme

a percepção do observador, ou aquele que o estiver temporalizando em sua experiência.

O tempo será contínuo ou descontínuo, conforme a sensibilidade de cada um, bem

como seus entretempos ou contratempos. Nesse sentido para Pineau (2003), ―O tempo é a

medida do movimento, não apenas a sua contabilização, sua quantificação, sua média, mas

também sua afinação, seu ritmo, seu tom, sua qualidade, seu sentido [...]‖ (PINEAU, 2003, p.

13). Assim, o tempo imprime em nós seu ritmo, mas também temos o nosso ritmo, aquele que

é próprio do nosso sentir, no qual nos afinamos, ou não, com outros ritmos internos (consigo

mesmo) e com os atores e questões externas (os outros, as coisas, a natureza).

Nessa mesma compreensão, Paul (2009, p. 602) expressa que ―[...] se o tempo ―corre

como um fio‖ é porque ele tece seu motivo [...] na história humana, cultural pessoal. Pois

tempus, em latim designa, por sua etimologia, a repetição da estação ou da época do ano, a

divisão de um ciclo em períodos. Sua raiz tem, que significar ―cortar‖ [...]‖. Desse ponto de

estudo e percepção, não quero reduzir meu entendimento e aproximação do sentido do tempo

somente pelos seus ritmos, pois nele e através dele emergem nossas subjetividades ritmos e

biorritmos, sejam eles no tempo físico, nos entretempos ou nos contratempos.

Ora, se Paul (2009) nos coloca que o tempo é sempre função de uma relação com o

espaço, da divisão de uma unidade, a do tempo cósmico, é o próprio cosmos que, por seus

Page 124: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

122

ritmos, estrutura30

de maneira implícita nossa consciência do sentido da duração. Além disso,

ele oferece as referências espaciais que nos ajudam na percepção para compormos a

linguagem do tempo.

Nesse sentido, não dá para pensar no tempo físico objetivo sem considerar o tempo

subjetivo. Nem mesmo de desvinculá-los da natureza, tanto física quanto humana. Retomando

o que já disse antes, ao dialogar com Paul (2018) nos processos de autoaprendizados do ser,

com os outros e com as coisas, observa-se que há relação entre o tempo objetivo e o tempo

subjetivo. Há uma interação de perpassar os tempos cósmico, sócio-histórico e ontológico.

Nessa percepção, são múltiplas temporalidades que se movimentam. Assim, concebo o tempo

e a temporalidade de modos múltiplos em níveis diferentes, conforme as vivências e as

experiências das minhas colaboradoras.

Para essa compreensão, Pineau (2003) esclarece tomando o tempo a partir de uma

perspectiva de movimento. Esse autor me possibilitou encontrar elementos que ajudaram a

entender o entrelaçamento das dimensões das múltiplas temporalidades. Ele diz que a

temporalidade estabelece para ‗ela‘ marcos, localizando-a e conceituando-a a partir de três

pontos: o primeiro, que o tempo é plural; o segundo, que cada tempo único é formado por

tempos plurais; e o terceiro, que para cada ser, a temporalidade é o movimento. Ele concebe

esse movimento como permanente no sentido de ‗continuum‟, e que é, por consequência,

permeado por esses múltiplos tempos. Isto é, no sentido que não dá para ignorar o

conhecimento e as experiências acumuladas ao longo da vida pelos profissionais de educação.

Assim, as trajetórias de vida desses profissionais são permeadas de tempos e temporalidades

diversas que vão constituindo ou (des)constituindo seu processo de formação profissional.

Para uma afinação que visa tecer os múltiplos tempos, puxo um fio auxiliar no qual

apresento um levantamento de tese e dissertações sobre o tempo e a temporalidade na

educação em uma perspectiva da formação humana.

3.1.1 Teares artesanais para construção de fios de entendimentos: estudo do saber

Tal como tecelãs em seus teares, mostro em formas de fios, os movimentos que fiz

para construção de diálogos acerca do tempo e da temporalidade, em um entrelaçamento com

a formação docente.

30

Para esta pesquisa, concebo ‗estrutura‘ como um movimento que não é um sistema fechado. Portanto, não

possui margens. Não tem padrão fixo ou modelo arquitetônico. Estabeleço essa concepção a partir de uma visão

fenomenológica.

Page 125: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

123

Desatar esses nós não é uma aventura simples e rápida, já que eles se prendem e se

sustentam em diversos lugares, tempos e epistemologias múltiplas. Para tanto, inicialmente,

perscrutei o repositório de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES), para me enveredar nas compreensões e entendimentos

sobre o tempo e a temporalidade com foco na educação e formação humana. De um ponto

duro e formal, vou me atendo aos canais de busca do referido repositório. Desse modo, de

início, uso os descritores que elegi para alcançar esse objetivo: Tempo-e-temporalidade.

O resultado não foi nada animador, pois os números são surpreendentes, para não

dizer exagerados. Foram localizados 3.752 trabalhos, nos quais os títulos traziam os

descritores, ora tempo, ora temporalidade, mas versavam sobre vários assuntos e áreas de

conhecimento. Quando apliquei os filtros com o recorte na área de educação e o período de

2006 a 2016, que são os anos recortados para essa pesquisa de Doutorado, houve uma redução

dos trabalhos para 1.928, de igual modo, ainda trazendo outras áreas de conhecimento.

Considerando esse montante de pesquisas com várias abas para serem abertas, decidi

abrir 15 abas, sendo que cada uma delas trazia 19 trabalhos, chegando-se em 285 trabalhos,

dos quais olhei todos os títulos. Ao observar os títulos que mais aproximavam com os meus

descritores, selecionei 11 trabalhos. Abri todos eles e li seus resumos e palavras-chave. Ainda

tendo em conta a aproximação com meus descritores e autores sobre o tempo e a

temporalidade, elegi somente cinco trabalhos no total para iniciar um diálogo de aproximação.

Nesse desemaranhamento de fios, observei que o estudo do tempo e da temporalidade

no vasto campo científico não se constitui uma tarefa fácil, e ainda divide opiniões de

estudiosos clássicos e contemporâneos. Por isso, sua literatura é tão rica e vasta em vários

campos de estudos, seja das Ciências Humanas, Saúde ou Exatas. Foi devido a esses aspectos

que encontrei essa gama de trabalhos.

Assim, de modo intencional, fui buscar nas cinco pesquisas como é percebido e

entendido o tempo e a temporalidade. Com isso, o objetivo pretendido foi encontrar ganchos

possíveis de diálogos e aproximações com esta pesquisa, nos quais o tempo e a temporalidade

abrem diálogos teórico-metodológicos com as pesquisas de Merleau-Ponty, Norbert Elias,

Ilya Prigogine, Gaston Pineau, Patrick Paul e Luiz Augusto Passos.

O diálogo que faço no texto se configura conforme o movimento teórico e

metodológico de cada bibliografia, as quais me ajudaram a localizar algumas noções de tempo

e temporalidade com seus sentidos, significados e ressignificações presentes nos trabalhos

pesquisados. Busquei, nesse campo plural e conceitual de diversos matizes teóricos, encontrar

Page 126: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

124

ecos de fios que se cruzam, entrecruzam e tecem possíveis confluências e compreensões junto

ao meu objeto de estudo.

Nesse tear artesanal de fiação, pude compreender as dimensões da pesquisa científica,

suas exigências no que se refere ao rigor metodológico, limitações e possibilidades quando

lidamos com pesquisas de abordagem qualitativa. Ora, essa abordagem científica não trata de

se partir de uma hipótese, mas de uma problematização, na qual o movimento da pesquisa vai

construindo, reconstruindo e apontando aproximações, discussões, reflexões e análises frente

ao objeto pesquisado. Sendo que o objeto pode ser totalmente desconstruído/reconfigurado

mediante os dados encontrados e as escolhas teóricas e metodológicas.

Assim, optei por tratar de cada conceito especificamente para assegurar o zelo pelo

objeto investigado. Feito, então, esse levantamento, apresento no Quadro 2, exposto a seguir,

as teses e dissertações, localizando-as no tempo e espaço, vinculando-as às suas respectivas

instituições para dar início ao diálogo que venho propondo para esta tese.

Quadro 2 - Levantamento de teses e dissertações repositórios da CAPES/201731

Natureza da Pesquisa/autoria Título Instituição/Ano

Mestrado

Beatriz Viana de Araújo Zanfra

Liberdade e temporalidade na

Fenomenologia da Percepção de

Maurice Merleau-Ponty

Universidade Federal de São

Paulo-Guarulhos,

15/12/2014 - 159 f.

Mestrado

Amanda Moreira da Silva

Valores e usos do tempo dos

professores: a (con)formação de um

grupo profissional

Universidade Federal do Rio

de Janeiro- 24/02/2014 - 172

f.

Mestrado

Ernaldina Sousa Silva

Rodrigues

A organização do tempo pedagógico

no trabalho docente: relações entre o

prescrito e o realizado'

Universidade Metodista de

Piracicaba (Unimep);

01/08/2009 117 f.

Mestrado

Sônia Smaniotto Gambeta

Marcos da Silva

Tempo, Saúde e Docência Universidade do Vale do

Itajaí - 01/09/2007 149 f.

Doutorado

Rita de Cassia Gallego

Tempo, temporalidades e ritmos nas

escolas primárias em São Paulo:

heranças e negociações (1846-1890)

USP/01/05/2008 387 f.

Fonte: arquivo pessoal da pesquisadora - Levantamento bibliográfico, Cuiabá/MT (2017).

Não é minha intenção que com esses trabalhos consiga aprofundar os entendimentos

sobre o tempo ou a temporalidade. Aqui tão somente recolho alguns fragmentos de trechos

das publicações que chamo de fios de entendimentos, com os quais me coloco em diálogo

para perceber como o tempo e a temporalidade são assumidos e percebidos. Por isso, me

debrucei em cada um dos trabalhos.

31 A pesquisa de levantamento bibliográfico ocorreu entre os meses de fevereiro e abril de 2017.

Page 127: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

125

De início, me deparei com o título do trabalho de Zanfra (2014), o qual me provocou

curiosidade e imediatamente percebi que havia uma proximidade dessa pesquisa com meu

referencial teórico. A pesquisadora debruçou-se no recorte da temporalidade e liberdade.

Assim, se propôs a acompanhar o percurso merleau-pontiano traçado em duas obras do

referido autor. Porém, sua atenção se ateve à ―Fenomenologia da Percepção‖, de 1945, na

edição de 2011. Nesse mesmo ano de publicação, Merleau-Ponty escreve um ensaio intitulado

―A dúvida de Cézanne‖, o qual Zanfra também recorre inicialmente para perscrutá-lo em sua

pesquisa. Ao longo do ensaio, o autor nos relata que a pintura de Cézanne possui traços

diferentes da pintura impressionista de seu tempo por uma série de fatores. Os dilemas de

Paul Cézanne com seus traços, corpo, tempos e colegas pintores por ora, o emoldurava em um

quadro no mínimo estranho para os moldes da época, que o emblemaram como doentio e de

caráter esquizoide. Pois, Cezanne era a extensão de sua própria obra, sua obra era a extensão

de sua vida. Vida e obra se misturam, se encontram e se fundem, mas não é somente isso,

―[...] esses dados são, para nós, apenas emblemas ―de uma vida que se interpreta ela própria

livremente‖ (MERLEAU-PONTY, 2013, apud ZANFRA, 2014, p. 11). Nesse misto de sentir

e fazer a vida, Merleau-Ponty (2013, p. 142) sustenta que a vida não explica a obra, pois ―essa

obra por fazer exigia essa vida‖. Assim, consigo ver pelos olhos de Merleau-Ponty os traços

de Cézanne, que não se prendia à história da arte, dos pincéis, das cores, dos traços e

movimentos, ou ainda, de algum modo artificial de qualificar a obra, mas pela sua percepção

nascia a arte de suas pinturas.

Nesse viés, o tempo, como entende Merleau-Ponty (2011, p. 551, apud ZANFRA,

2014, p. 98 grifo do autor), em Cézanne, a meu ver ―ele nasce de minha relação com as

coisas‖ que ―o tempo não é um processo real, uma sucessão efetiva que eu me limitaria a

registrar‖. É dessa forma que também compreendo que Merleau-Ponty temporaliza a

experiência vivida. O sujeito é, então, um movimento de temporalização, e nesse movimento

constituímos ou não a nossa liberdade, tal qual Cézanne.

Podemos entender, com Merleau-Ponty, que esta ‗vida significante‘ que eu sou é

meu meio de acesso ao mundo, de me comunicar com ele. Ela jamais limita meu

acesso a ele. Por isso, para viver minha liberdade, preciso me entranhar no presente

e no mundo, e ser sem reservas tudo aquilo que sou. Só assim poderei ultrapassar

minha situação natural e social, quer dizer, só ultrapassarei minha situação natural e

social quando eu entender que é por meio dela mesma que eu poderei encontrar o

mundo natural e humano. Não sou determinável do exterior, pois de um só golpe

estou fora de mim e me abro ao mundo: tenho em mim tudo aquilo de que preciso

para me ultrapassar, pois eu sou e não apenas estou no mundo. (ZANFRA, 2014, p.

151)

Page 128: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

126

Nesse trato, do ser embebido de sua subjetividade, Moutinho (2006b, p. 245, apud

ZANFRA, 2014, p. 98) retrata que Merleau-Ponty nos diz que ―essa versão objetivista se

esquece pura e simplesmente do sujeito‖ uma vez que basta considerarmos as próprias coisas,

ou seja, as coisas objetivamente tomadas, para vermos que elas não têm a capacidade de

―trazer o tempo‖. Nesse aspecto, o referido autor é incisivo, ao dizer que:

[...] nós, não podemos nos pensar como apenas uma parte do mundo, como se

fôssemos apenas os objetos da biologia, da psicologia ou da sociologia, porque,

afinal, tudo o que sabemos do mundo e de nós mesmos sabemos a partir de nossas

próprias visões e de nossas próprias experiências, sem as quais a ciência nada

poderia dizer. (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 03)

O que há nesse sentir é uma suspensão da subjetividade do sujeito, em que sua

temporalidade é condicionada pelo tempo objetivo que nos doma e toma em rédeas curtas as

nossas percepções e modos de ser e estar no mundo. Ora, eu sou o que sou devido às minhas

experiências, e é por meio delas que também sou conhecida, Zanfra (2014, p. 69), a partir de

Merleau-Ponty (2011) escreve:

[...] a subjetividade está identificada à temporalidade e é isso que nos fará

compreender a partir de agora o nosso lançamento no mundo e a distinção e a união

entre a interioridade e a exterioridade, ou seja, a não mais compreender o sujeito

como algo completamente distinto e separado do mundo, mas como alguém que só

pode ser no mundo.

Com Zanfra (2014), entendi, em Merleau-Ponty, o esforço de superação radical entre a

ciência e filosofia, liberdade e condicionamentos, objetividade e subjetividade. Esse diálogo e

relação, afinação, desafinação, são fios que compõem as nossas vidas. É nesse sentido que

escuto e percebo a vida das egressas de Pedagogia considerando sua subjetividade, sua

relação consigo mesma, com as coisas e seu estar no mundo.

Ao enveredar na pesquisa de Silva (2014), observo que o tempo é entendido no

trabalho como instrumento para pensar os valores e usos do tempo dos professores: a

expropriação do tempo, a sua relação com o tempo de trabalho, com o ―tempo livre‖, com o

tempo de deslocamento, entre outros tempos sociais. O tempo se constitui, desse modo, o

cerne da pesquisa. Para esse diálogo, a autora elegeu o referencial teórico-metodológico

considerando os estudos de Thompson, Marx e Norbert Elias.

Nas percepções dos professores em que aparecem os impactos das políticas

educacionais o tempo é utilizado como uma forma de controle e dominação pelas classes

dominantes reguladoras.

A vida profissional e pessoal do professor estudado nesse trabalho não é diferente das

demais realidades do Brasil, que se configura como profissional itinerante, um ser-sendo-

Page 129: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

127

estar-sendo somente no seu ‗fazer‘ pedagógico e, muitas vezes, pelo sistema vigente, presos

em resultados, no qual ele, enquanto pessoa, não é contabilizado nesse tempo em suas

múltiplas e singulares necessidades. Considerando essa pesquisa, observo que,

frequentemente, os professores são estereotipados como profissionais de atuação mais técnica,

como cumpridores de tarefas e metas, do que, profissionais com caráter teórico-prático

investigativo de sua realidade, sendo que a realidade é um laboratório vivo com múltiplas

possibilidades de pesquisas e interlocuções entre diferentes áreas de conhecimento.

Nesse prisma, tanto Thompson (1998) como Norbert Elias (1998), consideram que o

aspecto cultural perpassa e constrói a noção de tempo. Mas, vivemos em outros tempos, em

que a cultura do jeito próprio de ser, fazer de um grupo ou povo é negada e balizada por uma

cultura hegemônica. Assim, cada vez mais, a subjetividade do professor é encoberta por

exigências da produção material de seu trabalho docente.

A dissertação de Rodrigues (2009) discute a organização do tempo pedagógico no

trabalho docente, verificando esse tempo dentro de um currículo prescrito e currículo real.

Nos resultados quanto às prescrições, predomina uma concepção de tempo cronológico,

linear, uniforme e sucessivo. No trabalho real, o tempo cronológico das prescrições está

implicado à simultaneidade de acontecimentos no tempo com rupturas e descontinuidades,

com repetições e sobreposições de atividades do professor e de alunos. Assim, o tempo é

estruturado pela rotina de trabalho. O acento da pesquisa não está tanto no tempo em si. Ele é

percebido como regulador, mas o fundamento está na ação do trabalho docente que é

determinado por esse tempo.

No sentido do que é planejado (prescrito), nem sempre é executado tal qual está

estipulado. O que se busca através dos autores eleitos nessa pesquisa, tais como Dejours

(2005), Schwartz (2000), Souza-e-Silva (2004), Amigues (2004), Saujat (2004), Lousada

(2004) dentre outros, é distinguir o trabalho prescrito e trabalho real. O tempo aparece

empregado pelo professor para planejar suas aulas vai além do espaço de trabalho, sendo que

haverá sempre um confronto com a situação real e a prescrita. Para tal compreensão, a

pesquisadora se apoiou em Teixeira (1999) quando ele se refere os tempos cadenciados que

permeiam a docência, em Costa e Cunha (2008) e Elias (1998), em que o autor trata do tempo

como uma convenção social decorrente das experiências vividas pela humanidade cadenciado

por coerções, calendários e relógios. O entendimento desse tempo na atividade real do

trabalho docente se configura na organização do tempo de produção que regula a duração da

atividade pedagógica do professor.

Page 130: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

128

O tempo pedagógico como organizador do trabalho docente na escola passa

despercebido sem uma reflexão sobre sua constituição histórica e cultural, bem

como a sua lógica de realização em face às prescrições dos legisladores do sistema

educacional. (RODRIGUES, 2009, p. 35)

Com isso, não estamos descontabilizando o tempo prescrito mediante o real. Não se

trata de fazer um confronto de tempos a serem validados, mas, sim, observar a necessidade

desses tempos serem ressignificados, tanto no espaço de atuação profissional como nas

subjetividades pessoais do professor.

Já o trabalho de Silva (2007) analisou as implicações do tempo na saúde e no trabalho

de professores da educação básica. A pesquisa buscou correlacionar e compreender a

dinâmica da relação tempo/saúde/trabalho dos professores e estabelecer relações entre as

implicações do tempo na saúde e no trabalho dos professores.

Para entender essa implicação tríplice relação de sentidos e significados acima

colocada, a pesquisadora, no seu aporte teórico, converge diálogos entre alguns matizes

epistêmicos para compreender as implicações do tempo.

Assim, em Elias (1998), o trabalho mostra o tempo como regulador dos

acontecimentos sociais e da própria vida humana. Concordo com tal compreensão, segundo a

qual se lida com o tempo padronizado, uniforme e sincronizador dos tempos sociais.

A pesquisadora apresenta as contribuições de Agnes Heller (1991) para pesquisa no

que se refere à análise do tempo cotidiano, sendo ele o espaço-tempo onde a vida acontece.

Heller (1991, apud SILVA, 2007, p. 40) afirma que ―[...] o tempo vivido é subjetivo, já que

cada um tem o seu próprio tempo, influenciado pela fantasia, pela memória, pela imaginação,

e também pelos contatos sociais‖. Ainda para a autora, a vida cotidiana necessita ser

reordenada ou reestruturada constantemente em virtude da aceleração no ritmo dos

acontecimentos históricos. No descortinar do tempo, Silva (2007, p. 39) ressalta que:

[...] desvelar algumas ideias sobre o tempo observa-se uma crescente dualidade da

noção temporal – tempo físico e o tempo social. Nesta divisão conceitual, o tempo

físico pode ser indicado como aquele que se inicia sob o domínio de Chrónos e

determina o ritmo e a contagem do tempo que guia o mundo em dias, horas, minutos

etc. e o tempo social – o Kairós, que pode ser indicado como o tempo vivido pelos

homens, nem sempre coincidente com o tempo cronológico.

É na fruição desse tempo chronos que a sociedade e o mundo do trabalho do professor

se materializam e se intensificam em triplas jornadas, frequentemente, sem intervalos para o

descanso, os estudos, o planejamento ou a vida pessoal. Sem falar no tempo usado para o

deslocamento dos professores entre uma escola/realidade e outra escola. Essa escassez do

tempo no sentido de repouso, lazer, ócio, momentos de trocas de experiências, pode produzir

Page 131: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

129

sofrimento para o professor, o que, constantemente, acaba comprometendo o trabalho

docente, a formação e, consequentemente, a sua saúde.

Para Silva (2007, p. 41), ―submetem os tempos individuais à temporalidade das tarefas

em curso, e ignorando, de certa forma, a existência das experiências relacionadas a essa

dimensão subjetiva da temporalidade‖. Esse tempo cadenciado na vida e no trabalho do

professor representa o retrocesso de nossa própria construção social do tempo e do trabalho.

Sendo que o trabalho, amiúde, não é uma produção ética profissional prazerosa de contributos

sociais humanos, mas se torna um fardo que trava com o tempo uma luta desigual, inútil e

improdutiva.

A pesquisa de Gallego (2008, p. 12) buscou ―compreender os processos de construção

do tempo das escolas primárias em São Paulo, entre os anos de 1846 e 1890, em um momento

em que os sistemas públicos primários de ensino emergiam no âmbito mundial‖. Como é uma

pesquisa que depende de fontes históricas, foi necessário entrar em contato com escritos

legais da época, relatórios de inspeção e dos professores, manuscritos de mapas de frequência,

livros de matrícula, circulares e ofícios. Só isso já pressupõe indícios para entendermos o

tempo escolar circunscrito nesse período. O estudo também denotou influências de outras

histórias, espaços e lugares sociais de abrangência nacional e mundial.

Os estudos de Gallego (2008) reforçam a marcação de cadenciação do tempo como

pêndulo regulador de temporalidades. Nesse bojo, tanto o professor, como o estudante são

orientados por esses sincronizadores universais do tempo, seja o relógio ou o calendário.

Ainda, cita-se a determinação dos minutos e das horas que se destinam ao ensino, o que

desponta como o tempo didático.

É visível, a partir de meados do século XIX, que cada um desses elementos da

estrutura temporal da escola vai sendo arquitetado para integrar pouco a pouco uma

temporalidade identitária da instituição escolar. Nesse processo, instalaram-se novos

tempos para os professores, para os alunos, mas também para a sociedade em geral,

e, de modo particular, para as famílias que tinham crianças nas escolas primárias.

(GALLEGO, 2008, p. 12)

Assim sendo, a vida escolar, pessoal e social passa a ser ritmada pelos relógios, que

ordenam as rotinas, das mais simples às mais complexas, tanto individuais como coletivas e

sociais. Ressaltando-se que nunca estamos isentos de conflitos entre os tempos sociais e

pessoais. Isso possibilitou entender que a escola foi sendo ordenada pelos tempos sociais,

elaborando a sua constituição identitária com um conjunto de características que, pouco a

pouco, foi compondo a sua identidade, o que a distingue das demais instituições sociais.

Page 132: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

130

As cinco pesquisas que tive oportunidade de mais de uma vez ler e apreciar, tanto para

esta tese, como para outros escritos sobre o tempo, ajudaram a ampliar meu olhar de

pesquisadora no que concerne ao tempo e à temporalidade. A partir desses trabalhos, pude

escrever dois artigos, em que busquei intercruzar o tempo, a temporalidade, a formação e a

performatividade. Trouxe para o diálogo a performatividade considerando-a, conforme Ball

(2002) como uma tecnologia, uma cultura e um modo que urge como reguladora da produção

de conhecimentos, seja ele acadêmico (Lato e Stricto Sensu), ou outros cursos de curta e

média duração de formação continuada.

Frequentemente, essa busca por formações múltiplas é permeada ou motivada por um

tempo performático, no qual o professor precisa, dentro de um tempo hábil, dar conta de

resultados, expor pesquisas, dados para poder ter reconhecimentos, ou se manter em

determinadas escolas mais bem localizadas ou conceituadas por avaliações institucionais. Isso

tudo exige um desempenho do professor mediante um conjunto de exigências e metas. Há

mudanças na concepção da atuação e no ser-professor. Essa construção é determinada por

processos externos de confrontos individuais e coletivos, com competições, avaliações

comparativas e classificatórias, o que fortalece os processos de regulação e autorregulação no

modo de ser e atuar dos professores.

Essas produções científicas e suas abordagens contribuíram para que eu pudesse afinar

a minha percepção de escuta desses tempos e temporalidades nas biotecituras e,

consequentemente, na análise compreensiva dos processos formativos permeados por esses

tempos.

Finalmente, não poderia deixar de dizer que o que mais me atraiu nesses conceitos

foram os muitos desdobramentos e possibilidades que eles têm ou dão na vida humana dentro

de seus vários aspectos, tanto pessoais, como nas histórias de vida, na relação social dos

professores e de sua atuação profissional.

Desse modo, pude perceber como esses conceitos de tempo-temporalidade se

implicam sempre em relação, seja com sua autoformação da pessoa do ser professor, sua

relação com as coisas e/ou situados em um dado ambiente natural, que mesmo condicionados

por estruturas e sistemas mais fechados e regulados, esses sujeitos/professores não negam sua

natureza. Há sempre um grito que escapa de uma subjetividade que não se deixa aprisionar,

travando uma luta entre o chronos e kairós.

Nesse pensar o humano em suas múltiplas interfaces com epistemologias diversas,

busquei, no item seguinte, me aproximar aos estudos de Gaston Pineau no que se refere aos

Page 133: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

131

três movimentos de formação, os quais o pesquisador entende que permeiam e tecem a vida

de modo permanente em todas as dimensões do desenvolvimento humano.

3.2 Temporalidades na formação do profissional docente: concepções e diálogos com

Gaston Pineau

Considerando o que já abordei sobre o tempo, a temporalidade e a formação, me

permito trazer para esta parte do texto, meu diálogo com Pineau acerca de sua compreensão

de formação humana entrelaçada com as temporalidades, em que eu assumo também minha

compreensão de formação e a reporto à formação na Pedagogia para dialogar com as egressas

em suas biotecituras permeadas por temporalidades.

Ao se referir ao termo formação, entrelaçado com a temporalidade, Pineau (2003)

encontrou esse termo na história da língua francesa, nos séculos XII e XIV, onde a formação

aparece antes da palavra ―Educação‖, mas somente em meados do século XIX é que o termo

formação se apresentou de modo mais acentuado nas pesquisas sobre evolução humana e

social. Pineau (2010) concebe que a formação é uma intervenção muito completa, profunda e

global. Nela, o ser-pessoa e a forma são indissociáveis. Ainda, nessa mesma interpretação, em

um outro momento de sua pesquisa, o referido autor destaca que ―a formação, então, se impõe

como uma função vital essencial a ser exercida permanentemente‖ (PINEAU, 2003, p. 153).

Posteriormente, o pesquisador vai nomear essa corrente como ‗bio-epistemológica‘. Porém,

que não diz respeito somente ao sujeito em si, mas à relação com outros níveis e dimensões

sociopedagógicas e ambientais centradas na formação como função de evolução humana.

A formação, no dizer do autor, é atravessada por diferentes tempos e ainda que ―[...]

ela está longe de ser utópica, sem lugar, território. Diria ao contrário, que ela é multitópica e

que, mais ou menos, está sendo concebida, gestada e até mesmo realizada em tantos lugares

quantos protagonistas houver‖ (PINEAU, 2003, p. 160). Se a formação possui uma função

vital permanente, não se deixa confundir como algo ou alguma coisa vazia ou sem lugar

algum, possui suas utopias de modo aberto, acolhendo as individualidades de cada ser, para

protagonizar o novo que não nega sua realidade factual, mas se serve dela para anunciar

epistemologias diversas acerca da sua constituição.

Para esse entendimento, bebendo em outras pesquisas no campo de formação, é que o

pesquisador em questão acabou identificando-a em três movimentos denominados de:

heteroformação, autoformação – que foi a primeira das dimensões/movimentos a serem

estudados, nível do sujeito, da individualidade e subjetividade – e a ecoformação – nível eco,

as influências do ambiente mediante processos que nos ajudam na construção do

Page 134: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

132

conhecimento. A heteroformação – nível hetero representado pelo outro – se refere às nossas

experiências as quais sofrem ações de outros e que pode ser, no dizer do autor, alienante se na

idade adulta o indivíduo não assumir o protagonismo e a responsabilidade de sua formação.

Esse movimento do tempo vivido se identifica com o ‗dia‘, no que se refere às relações

sociais impostas. O diurno representa possíveis tensões, enfrentamentos coletivos e

individuais. Estudos sobre esses dois últimos movimentos podem ser verificados nos estudos

pioneiros de Pineau (1987) presentes na obra ―Produir sa vie”32

. No sentido do movimento

tripolar que, no meu entender, é também permanente, mas respeita níveis de realidades de

desenvolvimento humano e profissional diferentes, o referido autor esclarece que:

Entre a ação dos outros (heteroformação) e a do meio ambiente (ecoformação),

parece existir, ligada a estas últimas e dependente delas, mas à sua maneira, uma

terceira força de formação, a do eu (autoformação). Uma terceira força que torna o

decurso da vida mais complexo e que cria um campo dialético de tensões, pelo

menos tridimensional, rebelde a toda a simplificação unidimensional. (PINEAU,

2009, p. 99, grifo do autor)

Seus estudos acerca da autoformação dizem respeito às relações pessoais, às reflexões

atreladas às experiências vividas no decorrer da vida e que podem ser ressignificadas no

presente – o agora –, para possibilitar uma reconstrução em nossa prática, colocando o outro

em seu próprio lugar, não mais como protagonista, mas como apoio conforme nossas

necessidades. Essa configuração se identifica com o movimento da noite, que é um

espaço/tempo concebido mais livre socialmente. Já a ecoformação que nos faz tomar

consciência de nossas dependências objetivas e naturais envolve a nossa ação com o mundo, o

trabalho, a cultura e o meio ambiente do qual fazemos parte. Entende-se, com isso, que a

produção do conhecimento vai de um nível ao outro sempre em relação. Essa formação do

egresso que está em construção acontece em processos de relação consigo mesmo, com o

outro e com o ambiente nas diversas formas que ele se apresenta.

Voltando à autoformação, entendo que ela é assumida como um poder de formação do

ser, do sujeito que se move no tempo, contratempo e entretempo, em que ele pode se construir

a partir de si. Por isso, se justifica a reapropriação pessoal do tempo como condição de

evolução humana, como se apresenta no estudo de Pineau (2003). Nele, nos movemos e

evoluímos sem negar e apagar o passado, presentificando no agora, em um entendimento

relacional do tempo passado-presente-futuro.

32 ―Produzir sua vida‖. Somente trago rapidamente o movimento dia e noite para situar a compreensão do autor.

Não tenho pretensão de aprofundar esse movimento nesta pesquisa. Os momentos em que aparecem o sentido

dia e noite são para deles desprender para outras compreensões.

Page 135: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

133

Dessa forma, compreendo a formação na perspectiva de um processo profundo, em

diversos tempos, concebida por várias dimensões do sujeito – autoformação –, dos outros –

heteroformação – e do meio ambiente – ecoformação. Esse processo de tríade se dá

permanentemente e se desenvolve ao longo da vida, gestando a formação humana e

profissional.

Mediante a esses movimentos de construção e desconstrução do tempo e da

temporalidade dentro de contextos históricos sociais diversos, é que percebo as implicações

do tempo físico, quantitativo, regulado e regido pelos relógios, calendários e agendas. Assim,

a temporalidade desse tempo quantitativo permeia todo o processo de formação.

Por isso, quando me refiro ao tempo e à temporalidade, sempre os coloco diante de

subjetividades diversas e, ao mesmo tempo, diante de estudos que tratam do tempo como fio

condutor ou tecedor de todas as coisas, seja no âmbito da ciência, da religião, da natureza ou

da sociedade humana como um todo.

Para compreender um pouco mais esse movimento tripolar apresentado por Pineau,

realizei um estudo em forma de levantamento bibliográfico em vista de fazer uma análise

reflexiva, em que conheci algumas pesquisas que usaram como referência esse movimento

tripolar. Trato mais especificamente acerca desses conceitos em outro momento desta tese,

pois uso essa tripologia como um conjunto de fios que ajudam a tecer a minha percepção

acerca da formação das egressas, para assim compreender seus processos de formação

humana e profissional.

Dentro dessa complexidade do estudo do tempo e da temporalidade inserida na área de

educação colada à Pedagogia, sigo na roca do tempo construindo os fios para tecer nos teares

da formação profissional docente.

3.2.1 Tecelagem de fios epistêmicos: diálogo e aproximações com o movimento tripolar

de formação

Para este trabalho de tese, Gaston Pineau, como professor e estudioso dos movimentos

da vida em formação permanente e das múltiplas temporalidades, se constituiu como um

teórico fundamental. Seus escritos constituíram a base para tecer a tese, pois utilizei seus

conceitos que envolvem o tempo e a temporalidade da e na formação profissional docente,

considerando o que o autor denominou de movimento tripolar de formação.

Nesse contexto, dialogar com Pineau não é uma tarefa simples. É, no mínimo,

exigente. Significa aventurar-se por caminhos da pesquisa em formação humana nada

convencionais. Tal estratégia exige uma abertura epistêmica plural, pois estudos dessa

Page 136: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

134

natureza se constituem em múltiplos diálogos sem fronteiras entre as áreas de conhecimentos.

Mas, no meu caso, me atenho na educação dentro de um movimento de formação permanente

e integral do ser profissional docente, assumindo com esse pesquisador a temporalidade na

formação, entrelaçada em um movimento tripolar que se constituiu um olhar cuidadoso de

conceber a formação dentro de um ciclo humano contínuo evolutivo.

Para esse entendimento, Pineau (2003, p. 155) expressa que para ―compreender esta

dialética de emancipação/autonomização-dentro de uma problemática de formação

permanente-ocasionou a fabricação dos conceitos auto, hetero, eco-formação‖. Nessa

perspectiva, realizei estudos do referido autor para constituir as referências e bases

epistêmicas para esta tese.

Nessa seara de um campo aberto de possibilidades, fui buscar trabalhos que chamaram

Gaston Pineau para um diálogo e foco da pesquisa. Assim, intencionalmente, selecionei os

que priorizaram a pesquisa do referido autor sobre a teoria tripolar de formação, a qual

aparece também como três movimentos, ou ainda, três polos.

Por isso, fui me avizinhar junto a esses pesquisadores para entender as contribuições

desse referencial teórico para o objeto da pesquisa, e assim, consolidar melhor a minha

aproximação com ele também.

Inicialmente, o levantamento foi feito no repositório dos Periódicos da CAPES e do

SCIELO. Posteriormente, usei os descritores no Google Acadêmico, o qual ofereceu uma

ferramenta como uma plataforma de busca com possibilidades de refinamentos.

Os descritores foram inseridos nos campos de buscas considerando as três descrições

que foram dadas sobre os conceitos estudados juntamente ao nome do autor: ―autoformação,

heteroformação e ecoformação‖; ―teoria dos três movimentos‖; ―teoria tripolar de formação‖

com exceção do Google acadêmico, que inseri somente os descritores ―Teoria tripolar de

formação‖.

No periódico da CAPES, quando utilizei os descritores ―teoria dos três movimentos de

Gastón Pineau‖, sem fazer nenhum outro refinamento, apareceu um único texto. Porém, esse

trabalho somente citou o autor no que se refere às narrativas, história de vida e

(auto)biografia, não abordando de forma alguma a tripologia.

Ao usar nessa mesma base os descritores ―teoria tripolar da formação de Gaston

Pineau‖, não encontrei nenhum artigo nesse repositório. No que se refere aos descritores:

autoformação, heteroformação e autoformação, localizei um artigo que trata da formação

docente na Educação Física. Porém, cita os descritores (autoformação e heteroformação)

Page 137: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

135

somente nas considerações finais e não vincula esses termos a nenhum autor, nem mesmo nas

referências.

A mesma estratégia de busca foi utilizada junto ao SCIELO, no qual foi possível

localizar três artigos vinculados à publicação em revistas da área do assunto estudado. Nesse

caso, foram publicações das áreas de Enfermagem e educação.

Após ter dado especial atenção aos dois repositórios anteriores, passei a fazer a busca

no Google Acadêmico usando os descritores ―teoria tripolar de formação‖. Quando a busca

foi realizada, houve o direcionamento para links de revistas nas quais estavam indexados os

artigos. Optei por fazer somente na língua portuguesa, sem mais nenhum outro refinamento

oferecido por essa plataforma. Nessa ferramenta de busca, localizei 122 títulos. Abri todas as

11 seções/abas nas quais foram arquivados esses trabalhos para verificar o título e a área da

pesquisa. Posteriormente, verifiquei se havia a presença da abordagem e articulação dela com

Gaston Pineau. Realizado isso, localizei cinco artigos que, a meu ver, articularam seus objetos

de pesquisa aos conceitos vinculados à formação profissional docente considerando a

tripologia. Por isso, optei em abrir cada um dos cinco trabalhos para verificar como trataram

dessa tripologia observando seus objetos de pesquisa.

No Quadro 3 estão relacionadas as oito pesquisas localizadas nos repositórios

pesquisados para, em seguida, iniciar com elas um diálogo de compreensões.

Quadro 3 - Levantamento de artigos e teses que apresentam contribuições de Gastón Pineau na sua teoria

tripolar de formação

Natureza da Pesquisa/autoria Título Palavras-chave

Artigo no Scielo

Carmen de Jesus Dores Cavaco

Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 95, p. 75-89, jan.-

abr., 2015.

Formação de educadores numa

perspectiva de construção do

saber – contributos da

abordagem biográfica

Formação.

Educadores. Histórias

de vida. Experiência.

Saberes.

Artigo no Scielo

Germana Manuela da Silva Pinheiro

Ana Paula Morais de Carvalho Macedo

Nilza Maria Vilhena Nunes da Costa

Revista de Enfermagem Referência. Série IV, n. 2,

maio/jun., 2014, p. 101-109.

Supervisão colaborativa e

desenvolvimento profissional

em Enfermagem

Equipe de

enfermagem.

Comportamento

cooperativo.

Competência

profissional.

Artigo no Scielo

Maria da Conceição Passeggi

Elizeu Clementino de Souza

Paula Perin Vicentini

Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 27, n. 01,

p. 369-386, abr. 2011.

Entre a vida e a formação:

pesquisa (auto)biográfica,

docência e profissionalização

Pesquisa

(auto)biográfica.

Formação Docente.

Profissionalização.

Artigo no Google acadêmico

Andressa Wiebusch

Caroline Ferreira Brezolin

Marilene Leal Farenzena

Vivências. Revista Eletrônica de Extensão da URI,

v. 11, n. 21, p. 158-170, out./2015.

Pedagogas e suas trajetórias

formativas: reflexões sobre a

formação docente

Formação docente.

Trajetória pessoal.

Trajetória

profissional.

Page 138: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

136

Artigo no Google acadêmico

Lilliane Miranda Freitas

Evandro Luiz Ghedin

Revista Contemporânea de Educação, v. 10, n. 19,

jan./jun., 2015.

Narrativas de formação: origens,

significados e usos na pesquisa-

formação de professores

Narrativa. Histórias de

vida. Formação de

professores.

Artigo no Google acadêmico

Inês Ferreira de Souza Bragança

Educação, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 157-164,

maio/ago. 2011.

Sobre o conceito de Formação

na abordagem (auto)biográfica

Formação.

Abordagem

(auto)biográfica.

Aprendizagem

experiencial.

Processos identitários.

Artigo no Google acadêmico

Ana Tereza Reis da Silva

Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 18, p. 95-

104, jul./dez., 2008, Editora UFPR.

Ecoformação: reflexões para

uma Pedagogia ambiental, a

partir de Rousseau, Morin e

Pineau

Ecoformação. Teoria

dos três mestres.

Trindade humana.

Pedagogia ambiental.

Artigo no Google acadêmico

Maria Cândida Moraes

Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 13-38,

set./dez., 2007 PUC-PR.

A formação do educador a partir

da complexidade e da

transdisciplinaridade

Complexidade.

Transdisciplinaridade.

Autoformação.

Heteroformação.

Ecoformação.

Fonte: elaborado pela autora (2019).

Para iniciar esse diálogo, uso como linha articuladora e tensionadora desse movimento

a tripologia de Gaston Pineau. Assim, teço esta parte da tese auscultando as falas que ecoam

nessas pesquisas e anunciando esse possível diálogo.

O trabalho ―Formação de educadores numa perspectiva de construção do saber –

contributos da abordagem biográfica‖ de Cavaco (2015) se pautou no estudo da formação

voltada para educadores, suas histórias de vida, experiência e saberes. Constituiu-se no campo

das narrativas de abordagem biográficas ainda como contributo do desenvolvimento

profissional dos sujeitos envolvidos na pesquisa.

A formação é assumida na perspectiva de processo de apropriação individual e

coletiva do vivido. Nesse sentido, o movimento tripolar de formação é assim entendido no

contexto de pesquisa por Cavaco (2015, p. 80), em que:

As narrativas biográficas colocam em evidência o sentido da Teoria Tripolar da

Formação de Gaston Pineau (1988), ao destacar a importância das pessoas com as

quais nos cruzamos, nos vários contextos, ao longo da vida, o que constitui a

heteroformação; a relevância dos contextos na realização de uma grande diversidade

de aprendizagens, a designada ecoformação; e o carácter essencial da apropriação do

vivido por parte do sujeito implicado – a autoformação.

Por se tratar de narrativas ao olhar para o educador no seu formar-se, considera-se suas

temporalidades mediante uma tripla relação com o passado-presente-futuro, o que é possível

de ser verificado por meio da reflexividade nas vozes dos sujeitos.

Page 139: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

137

A teoria tripolar apareceu no texto como uma referência contemplando a trajetória dos

envolvidos, tendo a formação profissional docente misturada com a vida. Porém, o foco se

deu na autoformação quando se mirou o formar-se. O assento do movimento tensionado no

texto e na pesquisa centrou-se na abordagem das narrativas.

O artigo ―Supervisão colaborativa e desenvolvimento profissional em Enfermagem‖

de autoria das pesquisadoras Pinheiro, Macedo e Costa (2014), teve como objetivo central

compreender as concepções dos enfermeiros sobre a supervisão colaborativa e o

desenvolvimento profissional na prática de cuidados. A supervisão colaborativa em contexto

profissional contribui para o processo de desenvolvimento profissional em Enfermagem,

inclusive, essa estratégia de formação, segundo os dados da pesquisa, poderá cooperar para o

melhor alcance dos objetivos da Enfermagem. E por ser uma área de estudos em constante

movimento, a Enfermagem entende a formação como um processo contínuo e de

inacabamento mediante situações reais que são vivenciadas, sendo que uma experiência no

contexto da prática pode estar permeada por discussões e conflitos. Então, o espaço-tempo da

prática é visto por diversas perspectivas, pois há uma ação e reação do coletivo colaborativo.

Desse modo, compreendendo essa formação via supervisão em contexto, o processo

de formação é visto na perspectiva permanente e do inacabamento, no qual as pesquisadoras

puxam um gancho reflexivo, sendo ele o eco das vozes dos participantes no que se refere à

aprendizagem ao longo da vida ―[...] os participantes salientam aspectos que congregam-se

num processo tripolar, que engloba processos autoformação, ecoformação e heteroformação‖

(PINHEIRO; MACEDO; COSTA, 2014, p. 107).

Esse movimento se mostra na vida dos enfermeiros ao lidar com sua própria vida

(autoformação), refletindo suas práticas e gerando interdiscursos crítico-reflexivos, com os

outros pares e situações (heteroformação). Tal movimento possibilita vencer certas

dificuldades mediante ações colaborativas de outras experiências em uma visão colaborativa

da solução dos problemas e no que se refere ao meio (ecoformação), os contextos, lócus da

prática, que não são fixos e possibilitam a constância na formação e no aprendizado. Assim,

as autoras, ao fecharem essa reflexão, observando os conceitos explicam que:

Neste processo tripolar, há ainda a considerar a heteroformação, na qual os

enfermeiros citam que a abertura ao outro permite a descoberta de novos saberes e

modos alternativos de cuidar. Nesta relação com os outros, desponta, igualmente, a

partilha de saberes e experiências, que permite transcender as dúvidas pessoais e a

reflexão, e debate colegiais, que facilitam uma ação futura mais refletida,

contextualizada e problematizada sobre as práticas. (PINHEIRO; MACEDO;

COSTA, 2014, p. 107)

Page 140: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

138

Mediante a essa consideração, foi possível entender que o processo de formação

profissional acontece dentro e por meio de cruzamento de dimensões que envolvem a pessoa,

os outros e o meio, sendo um movimento caracterizado como um processo permanente de

formação devido ao seu caráter de inacabamento. Ainda, embora tenhamos formação

continuada, nem sempre essa formação atende às reais necessidades e, nesse aspecto,

precisamos avançar.

O texto ―Entre a vida e a formação: pesquisa (auto)biográfica, docência e

profissionalização‖, dos pesquisadores Passeggi, Souza e Vicentini (2011) assume as

narrativas autobiográficas como prática de formação docente e como método de pesquisa na

perspectiva da educação. O entendimento versou em um estudo em diálogo entre os grupos de

pesquisa de Programas de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado da Bahia

(UNEB), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade de São

Paulo (USP) com o objetivo de ―partilhar eixos de análise teórico-metodológicos que

orientam um projeto de cooperação acadêmica – ―Pesquisa (auto)biográfica: docência,

formação e profissionalização‖, conforme asseguram os pesquisadores (PASSEGGI; SOUZA;

VICENTINI, 2011). Esse trabalho baseou-se em histórias de vida, tendo presente as fases da

carreira, as relações de gênero no exercício do Magistério, a construção da identidade do

profissional docente, a relação entre a ação docente e as políticas educacionais.

Esse movimento é percebido nas narrativas que são as vozes dos envolvidos na

pesquisa, em que os sujeitos vão dando forma e sentido às suas experiências em uma escrita

de si. São professores egressos de alguma universidade que entram na educação pública

brasileira e galgam até o degrau da carreira de titular. Para a pesquisa, os professores são

objetos e sujeitos de formação.

A pesquisa traz uma análise sociohistórica da profissão, em que se entrecruzam

diversas dimensões do exercício da docência. E quando se refere à autoformação, o estudo

não vincula esse conceito a Gaston Pineau, mas ao processo de formação pesquisado por um

dos grupos envolvidos na pesquisa da qual se constitui o artigo. Gaston Pineau somente

aparece vinculado aos estudos (auto)biográficos ao tratar do surgimento do vínculo entre

biografia e aprendizagem.

O artigo intitulado ―Pedagogas e suas trajetórias formativas: reflexões sobre a

formação docente‖ de autoria de Wiebusch, Brezolin e Farenzena (2015) problematiza as

discussões dos mestrandos em Educação dentro da disciplina ―O professor e seu

desenvolvimento profissional‖ na Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do

Sul (UFRGS). A metodologia foi construída por meio de narrativas das trajetórias formativas

Page 141: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

139

desses mestrandos. Nesse processo de contar histórias de si mesmos, eles observam a

importância da formação continuada, dando especial atenção ao espaço-tempo de atuação

profissional. O texto apresenta o movimento da formação tendo o professor como seu

principal protagonista em um movimento de dentro para fora e fora para dentro, e ainda

interior/exterior, conforme compreende Gilles Ferry (2004), autor francês que circunscreve

sua pesquisa no campo da prática, em que o fazer docente torna-se o cerne do seu trabalho de

pesquisador.

Ademais, o texto trouxe pelas narrativas localizadas ainda na formação inicial como

graduandas de Pedagogia, o processo de perceber e auto perceber a necessidade do formar-se,

localizando no sujeito a constituição de si. Desse modo, o movimento que perpassa a

formação inicial, a continuada, bem como as experiências de trabalho docente, e a opção pelo

Mestrado são processos que se imbricaram no ser pessoa e profissional.

Dentro dessa narrativa formativa, Pineau é citado de modo breve para sinalizar a

importância desse movimento à vida do sujeito em formação, de modo a constituir seu

processo contínuo formativo. Não há uma reflexão ou discussão mais ampla e significativa no

texto sobre essa teoria.

O estudo com o título ―Narrativas de formação: origens, significados e usos na

pesquisa-formação de professores‖ de Freitas e Ghedin (2015) surge no contexto de uma

disciplina no decorrer do curso de Doutorado e se apresenta como um ensaio teórico com,

revisão histórica, destacando-se alguns marcos nos quais emergiu e se desenvolveu essa

modalidade de pesquisa-formação. O texto se sustenta em um levantamento feito em

repositórios de teses e dissertações com descritores que evocam a pesquisa narrativa enquanto

método e fenômeno de pesquisa sobre formação docente, ainda como sendo instrumento de

formação. O movimento dessa pesquisa ainda buscou investigar o surgimento da modalidade

de pesquisas que envolve a pesquisa-formação entrelaçado pelas narrativas. Além disso,

considerou os estudos sobre as implicações metodológicas concebendo-os como modo de

produção de conhecimento científico.

O texto se constitui em um tecido histórico da pesquisa com abordagem narrativa.

Com o avanço nesse campo de estudos, é possível entender as contribuições para a formação

docente considerando as histórias e experiências de vida dos professores. Dentro dessa

articulação histórica e de pesquisa, Gaston Pineau aparece como um pensador importante para

o campo das pesquisas biográficas. Por isso, o texto recorre ao autor no tocante à

autoformação e cita o movimento da teoria tripolar de formação como considera o próprio

autor.

Page 142: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

140

O artigo ―Sobre o conceito de formação na abordagem (auto) biográfica‖ de autoria de

Bragança (2011) analisa o conceito de formação no contexto da pesquisa (auto)biográfica. A

articulação textual acontece a partir da revisão de literaturas de produções brasileiras,

portuguesas e francófonas realizada para construção e articulação dessa perspectiva de

pesquisa. Mas, se constitui parte da construção de uma pesquisa de Doutorado em Ciências da

Educação pela Universidade de Évora de Portugal, a qual pesquisou ―História de Vida e

Formação de Professores/as: Diálogos entre Brasil e Portugal‖. O diálogo permitiu o

tensionamento entre a racionalidade técnica e a busca de uma epistemologia da formação.

Esse movimento na pesquisa, tanto nos estudos dos textos levantados no Doutorado e neste

recorte, possibilitou a visão de uma compreensão, segundo a pesquisadora Bragança (2011),

de uma racionalidade sensível, na qual o sujeito é considerado componente fundamental do

processo formativo, sendo que assim esclarece:

[...] o caminho da investigação levou-nos a tomar as histórias de vida de professoras

brasileiras e portuguesas, por meio das biografias educativas, constituindo-se numa

alternativa teórico-metodológica no processo de tematização da própria vida, como

espaço/tempo de formação docente. (BRAGANÇA, 2011, p. 157)

Nesse sentido, o artigo localiza as histórias de vida como mediação para a formação,

em que essa manta textual fio a fio é tecida na vida, e vai se constituindo e ressignificando a

formação, gerando um novo diálogo epistemológico para esse campo de estudos em um

entendimento de formação ao longo da vida. Portanto, vê-se que a formação é concebida

como permanente, da mesma forma como é entendida nesta tese, na qual assumo a

constituição desse sujeito professor, que é egresso do curso de Pedagogia (IE/UFMT),

mediante a sua história de vida pessoal e profissional, sendo que ele está inserido em diversos

contextos, conforme sua cultura.

No que se refere à teoria tripolar de formação de Gaston Pineau, a autora diz como ela

é assumida e entendida no texto:

[...] a teoria tripolar da formação humana que envolve: auto, hetero e ecoformação.

A autoformação é a dimensão pessoal de reencontro reflexivo em que as questões do

presente levam-nos a problematizar o passado e a construir projeto sobre o futuro; a

heteroformação aponta para a significativa presença de muitos outros que

atravessam nossa história de vida, pessoas com quem aprendemos e ensinamos; a

ecoformação aborda nossa relação com o mundo, o trabalho e a cultura.

(BRAGANÇA, 2011, p. 159)

Como observo nessa escrita, a tripologia é entendida a partir dos estudos de Pineau

como um movimento permanente em que os envolvidos se assumem como educadores de si.

Nessa pesquisa, aparecem outros elementos que venho estudando nas obras do autor

em questão, quando ele se refere a esses três movimentos e os entrelaça nos dois tempos (dia-

Page 143: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

141

noite, porém, não chegarei a fazer essa articulação), em que tal qual o autor e essa pesquisa,

venho estudando o dia ligado intimamente com a heteroformação, os processos formais,

estruturados e mais exteriores à pessoa. E a autoformação, a noite, que é o espaço-tempo chão

das subjetividades, das ressignificações de uma singularidade permeada de pluralidades e

diálogos interiores. Essa abordagem e compreensão (dia e noite) será utilizada em trabalhos

de pesquisas posteriores a esta tese.

Inspirada nos estudos de Pineau sobre a tripologia, Bragança (2011, p. 159) ressalta

que ―a autoformação é analisada como processo vital de interação cognitiva de todo vivente e

a formação, como processo ontológico vital de atualização de uma forma‖.

Nessa perspectiva, os estudos de Bragança (2011) localizam o campo da formação

permanente dentro de uma referência biocognitiva e existencialista no que se concerne à

formação de adultos, colocando que o movimento de autoformação possibilita uma

reorganização interna do sujeito frente à vida, à produção de sentidos e à transformação

pessoal.

Nessa questão pessoal e individual do formar-se, dando forma a si mesmo, Bragança

(2011) me ajuda e nos ajuda a pensar e repensar a autoformação no sentido da não exclusiva

responsabilização do sujeito pela sua formação e o que poderá decorrer dela. Caso isso ocorra,

corre-se o risco do isolamento do sujeito de seus pares. Ainda, eu diria, observo

cuidadosamente o perigo dessa responsabilização individual de impor ao sujeito uma

autorregulação e uma ação performática pulsante que minimiza a ação de políticas públicas

para a formação docente e maximiza a sua atuação, enquanto mão de obra especializada.

Nesse contexto, concordo com Bragança (2011, p. 160), quando redefine esse

entendimento e conceito ampliando-o ao dizer que ―buscamos, assim, o sentido da colocação

do sujeito no processo de investigação; contudo, um sujeito necessariamente imerso em

relações sociais que o constituem e que dão sentido ao seu projeto de formação‖, concebendo

a sua própria experiência como processo formador e movimento de transformação pessoal.

Mas, isso sempre contemplado a partir da relação consigo mesma com os outros e com a

natureza.

Na pesquisa nomeada ―Ecoformação: reflexões para uma Pedagogia ambiental, a

partir de Rousseau, Morin e Pineau‖, a autora Silva (2008, p. 96) ―analisa uma experiência

acadêmica francesa que tem construído, ao longo dos últimos 16 anos, suportes teóricos para

práticas de pesquisa e educação ―para, no e pelo‖ ambiente, tendo como premissa o terreno

conceitual e analítico da Teoria da Complexidade‖. Nesse sentido, a pesquisadora transvê sua

análise trazendo para o diálogo o que ela chama de três mentores que são os autores

Page 144: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

142

Rousseau, Morin e Pineau. Ela parte ainda dos estudos de um grupo de pesquisa intitulado

Ecoformação (GREF), coordenado por Gaston Pineau33

, que foi consolidado na década de

1990, o qual se revela como um espaço de reflexão sobre a aplicabilidade dos pressupostos da

Teoria da Complexidade no campo da Educação Socioambiental, conforme esclarece Silva

(2008). Por isso, todo movimento ou esforço dessa pesquisa é para entender as interfaces que

o referido grupo faz entre os conceitos de complexidade e ecoformação.

Esse viés reflexivo-crítico centra-se na relação homem-natureza, usando como

possibilidade de trocas simbólicas os elementos mais fortes e sensíveis da natureza (água,

terra, fogo e ar). E essa relação passa a ser a condição central da condição humana.

Dentro desse movimento de pesquisa de um laboratório de ideias e ações ambientais

vitais, Silva (2008, p. 97) apresenta o que o grupo chama de ―[...] a primeira e mais

fundamental assertiva teórica do GREF, [...] que a materialidade e a imaterialidade inscritas

na relação homem/natureza são componentes coformadores do humano no tempo e no

espaço‖.

Nessa concepção de trabalho, a ecoformação é entendida tal qual assume Gaston

Pineau em seus estudos, a saber: como relação direta com o ambiente material, tendo as coisas

que constitui a natureza como sendo elementos formadores permanentes. O que me faz pensar

e discutir no sentido utilitário das coisas e indagar ―como acontece essa relação e em que

proporção de aproximação e distanciamento? O quanto essa exploração é crescimento

recíproco ou de devastação e desordem humano/natureza? Para esse entendimento como

ensaios de respostas, Silva (2008, p. 97) deduz que ―o conceito de ecoformação se engajaria

num processo de restauração da relação do homem com seu ambiente‖. Se é restauração,

ambas as partes, ou quantas houver, precisam estabelecer uma relação de interdependência –

livre de uma postura de dominação exploração/devastação e cultura civilizatória de poder –,

de construção, desconstrução de possíveis e novas sínteses híbridas revitalizantes de

aprendizados. Nesse caso, a questões socioambientais diretas, o que, a meu ver, poderá ser

assumido em todas as relações humanas entrelaçando com os outros dois polos: autoformação

e heteroformação.

Para esse caminho, Silva (2008, p. 98) faz um estudo de aproximação e relação entre

as obras dos três mentores ―Jean-Jacques Rousseau – o homem (natureza), os outros (a

sociedade) e as coisas (o ambiente) – correlacionando-a com a trindade humana

33

Juntamente ao Laboratório de Ciências da Educação da Universidade François Rabelais de Tours, tem trabalho

de pesquisa em parceria com o Laboratório de Concepções Multireferenciais Clínicas de Experiência e Educação

Permanente da Universidade de Paris 8, em colaboração com o Grupo de pesquisa em Ecoformação e Educação

para o Ambiente da Universidade de Montréal/Québec, coordenado pela professora Lucie Sauvé (SILVA, 2011).

Page 145: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

143

indivíduo/espécie/sociedade proposta por Morin‖. Tal movimento de conceitos não será

aprofundado neste trabalho, pois o recorte que faço refere-se aos estudos de Gaston Pineau.

Para esse entendimento de relação, o grupo de pesquisa traz uma teoria tripolar de

Educação Ambiental. Essa apropriação ou construção tripolar passa pelos estudos de Pineau,

uma vez que o autor é parte integrante do grupo de pesquisa em questão. Nesse entendimento,

a natureza, com sua complexidade e sabedoria natural e própria nessa relação

homem/natureza, passa a ser formadora, o que não dá para compreender somente nos limites

das escolas e universidades, pois essa visão transmuta esses espaços e tempos instituídos

formalmente. Essa relação vai se dando como um projeto de vida, um caminho aberto em

construção permanente.

O artigo intitulado ―A formação do educador a partir da complexidade e da

transdisciplinaridade‖, de autoria de Moraes (2007), discute esse tema da

transdisciplinaridade. Esse texto dialogou com Gastón Pineau no que se refere à sua ―Teoria

tripolar de formação‖. Inclusive, nas palavras-chave, a autora já apresenta os termos que

compõem essa teoria tripolar, ou três polos de formação, como costuma dizer Pineau.

Assume-se, então, o diálogo com a vida pessoal e profissional docente dentro da perspectiva

da transdisciplinaridade.

Dentro desse viés, a formação se contrapõe ao pensamento da formação docente

baseada em modelos que não levam em consideração o que os professores foram aprendendo

ao longo da vida. São modelos pautados em políticas de um pensamento homogeneizante para

o qual ressalta a autora: ―O problema é que, muitas vezes, elaboram-se tais propostas, como

se todos aprendessem da mesma maneira, como se a aprendizagem do adulto fosse similar à

do jovem ou da criança‖ (MORAES, 2007, p. 04). O que nos resta saber é como fica a

autonomia e o protagonismo docente dentro desses moldes, o que, para Pineau, é o cerne da

questão. Como estamos nos referindo à formação do profissional docente, estamos lidando

com pessoas adultas. Por isso, temos a mesma compreensão que o autor faz dos três

movimentos.

Observei, nesse artigo, a tecitura das escritas de Pineau dentro de sua concepção dos

três movimentos que possibilitaram criar, a partir dos prefixos (auto, hetero e eco), os

conceitos de autoformação, heteroformação e ecoformação. Pineau (2006) considera que

nenhum desses movimentos ou polos são determinantes ou sobrepõem-se como sendo de

prioridade. Há uma dinâmica em sua ação, que poderá ser em um dado momento da

existência, sendo mais acentuado em um polo do que o outro.

Page 146: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

144

Esse artigo deu mais atenção teórica-reflexiva ao termo ―autoformação‖, pois no dizer

da autora, ―a autoformação implica a tomada das rédeas da vida nas próprias mãos, seja da

vida profissional como pessoal, bem como a conquista de sua autonomia existencial, o tornar-

se sujeito‖ (MORAES, 2007, p. 13). Nesse polo, Pineau entende que o professor, na dinâmica

da vida e do trabalho docente, deverá tomar-se nas próprias mãos e assumir seu protagonismo,

sendo ele mesmo objeto de sua formação. r tanto, ―[...] o sujeito tenta se ver como objeto de

um conhecimento de si, um sujeito/objeto no meio de tantos outros sujeitos/objetos que

necessitam emancipar-se, autoformar-se, para conquista de sua autonomia pessoal, intelectual

e moral‖ (MORAES, 2007, p. 13).

Nos textos reflexionados, observei que alguns conceitos tensionados estiveram mais

vezes presentes junto aos três movimentos dos estudos de Gaston Pineau, entre eles:

narrativas, história de vida, (auto)biográfica, formação, formar-se, espaço-tempo e formação

permanente. Foram esses conceitos que abrigaram discussões tecidas nas várias áreas de

conhecimentos que compuseram as oito pesquisas. Assim, tal qual o referido autor, os

pesquisadores procuraram abordar a formação em uma concepção mais ampla, vista a partir

de um viés formal/objetivo, instituído como principalmente informal intersubjetivo moldado

ou esculpido com as coisas da vida e da natureza, sempre de modo particular, singular,

coletivo e heterogêneo, rompendo com uma cultura de estereótipo ou protótipo humano. Dito

isso, pondero que esse movimento todo se constitui como uma parte íntima dos fios do tear

que tece a formação do profissional dos professores com suas singularidades, temporalidades

e complexidades.

Para essa perspectiva de entendimento, revisitando o que foi dito no início desse item,

trabalhar com os conceitos de Pineau é se aventurar por caminhos epistêmicos múltiplos de

sentidos e significados, os quais o próprio autor vem construindo também em sua trajetória de

pesquisa em diálogo com outros grupos, com autores clássicos e contemporâneos. Entretanto,

não é do meu interesse trazer para esta tese toda essa complexidade e historicidade que

envolve as buscas desse autor. O interesse, aqui, é dialogar com ele a partir de uma inserção

com o seu movimento de pesquisa, e com o que ele possa contribuir com o objeto da minha

pesquisa.

Assim, reitero que assumo para esta tese a teoria dos três polos de formação, os quais

escolho chamar de ―três movimentos‖, que estão imbricados nos tempos e temporalidades das

egressas de Pedagogia que foram sujeitos desta investigação.

A partir dessa lógica, sigo o processo de fiação do aguayo esticando seus fios para

fazer a construção teórica-epistêmica de sínteses compreensivas acerca da formação por

Page 147: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

145

intermédio de uma perspectiva de um movimento continuum permeado por múltiplos tempos

que constituem os processos formativos. São multitemporais, pois no entendimento de Serres

(1996), todo acontecimento histórico, e eu chamo de histórico-humano vivenciado, remete

para o passado, para o contemporâneo e para o futuro, simultaneamente. E é justamente

mediante essa compreensão multitemporal que entendo que enquanto ser-professor, a egressa

se percebe como se estivesse na ―dança do fogo‖, na qual o movimento não é só de evocação

de uma lembrança, mas de uma ressignificação dessa vivência que atravessa esses múltiplos

tempos.

3.2.2 Nos fios da formação do profissional docente: sínteses compreensivas

Neste fio auxiliar considero o que já construí neste capítulo sobre o tempo, a

temporalidade, a formação humana e a tripologia de Gaston Pineau, para realizar uma síntese

compreensiva da concepção organizada até aqui acerca da formação profissional. Para tanto, o

que fiz foi trazer algumas compreensões de formação para, então, dizer ao leitor dessa

pesquisa o que é isso que estou entendendo como formação. Assim, abordo a formação em

diálogo com autores da área da Educação com recorte de suas pesquisas na formação docente.

Entendo que a formação do profissional docente, a partir dos estudos realizados até

esse momento, possui diferentes níveis, pois estamos tratando de um ser-pessoa-profissional-

adulto em formação e que está em constante mudança, elaborando novas sínteses pessoais e

novos processos, o que nos alerta sempre para um contexto de inacabamento. Em razão disso,

compreendo que a experiência e a reflexão são dimensões intrínsecas integradoras da relação

teoria e prática, e o nível é diferenciado conforme o grau da reflexão e da experiência não

somente como docente em sala de aula, mas na vida pessoal e em outros espaços e tempos

que se constituem também como contextos de aprendizados. O que corresponde entender que

há um processo continuum com percursos diversos de evolução, e que vai orientando

mudanças tanto no âmbito pessoal, profissional como institucional, ainda dentro/fora de

contextos escolares e não escolares, formais e não formais.

Para compreender a formação nessa perspectiva, tive como contribuições os estudos

de García (2009; 1999), Nóvoa (2016; 2009; 1995; 1992), Zeichner, (2013; 2008), Roldão

(2014; 2008; 2007; 2004), Tardif (2002) e, no que se refere aos estudos sobre a historicidade

da Pedagogia intercruzada com a educação-formação, busquei as obras de Saviani (2012);

Gauthier e Tardif (2014), Aranha (1996); Brzezinski (2006; 1996); Libâneo (2006; 1999),

entre outros, que pesquisam a formação do profissional docente.

Page 148: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

146

Inicio essa fiação chamando o conceito de formação presente nos estudos de García

(1999, p. 18), para quem ―[...] a formação não se limita, enquanto conceito, a um campo

especificamente profissional, mas se refere a múltiplas dimensões [...] Não é uma

generalização da educação enquanto permanente, não se limita a ensino, treino ou próximo a

uma ideologia‖. Para essa compreensão, o referido autor realizou um estudo minucioso sobre

o conceito de formação em que abordou concepções de diversos autores, tais como: Menze

(1980), Barbaum (1982), Honoré (1980), Ferry (1991), Zabalza (1990), González Soto

(1989), Debesse (1982), Beyer (1980), Ferrández (1992), De la Torre (1992), dentre outros.

Nesse tecimento conceitual complexo que é a formação como fenômeno, o autor concluiu,

ainda de modo aberto, o conceituo de formação, trazendo três pontos de ancoragem:

Em primeiro lugar, a formação, como realidade conceptual, não se identifica nem se

dilui dentro de outros conceitos que tanto se usam, tais como educação, ensino,

treino, etc. Em segundo lugar, o conceito formação inclui uma dimensão pessoal de

desenvolvimento humano global que é preciso ter em conta face a outras concepções

eminentemente técnicas. Em terceiro lugar, o conceito formação tem a ver com a

capacidade de formação, assim como com a vontade de formação. Quer dizer, é o

indivíduo, a pessoa, o responsável último pela ativação e desenvolvimento de

processos formativos. Isto não quer dizer [...], que a formação seja necessariamente

autônoma. É através da interformação que os sujeitos- neste caso os professores-

podem encontrar contextos de aprendizagens que favoreçam a procura de metas de

aperfeiçoamento pessoal e profissional. (GARCÍA, 1999, p. 21-22)

Considero os estudos do referido autor como compreensões abrangentes da formação

do profissional docente intercruzadas por dimensões pessoais e interpessoais humanas, sociais

e profissionais que atravessam os conceitos de Educação, ensino e especificações meramente

cerceadas por resultados programados. A formação está na base de constituição do ser pessoa.

Por isso, para o mesmo autor, para uma ação no sentido de movimento de formação acontecer

[...] é preciso que se produza uma mudança através de uma intervenção na qual há

participação consciente do formando e uma vontade clara do formando e do

formador e do formador de atingir os objetivos explícitos [...]. A inter-relação entre

pessoas promovem contextos de aprendizagens que vão facilitando o complexo

desenvolvimento do indivíduo que formam e se formam. (GARCÍA, 1999, p. 21)

A compreensão do autor dialoga com Pineau (2003), quando ele esclarece que o que é

permanente nos processos formativos é a mudança, o movimento perpétuo do devir, o que,

para Pineau (2003), implica em considerar a metamorfose como uma função da evolução

humana, colocando, assim, a formação no sentido permanente no movimento de mudança.

Além disso, o autor pontua que:

A formação ao longo da vida é então o produto de transações complexas entre polos

materiais, sociais e orgânicos, alternando momentos formais, racionais, nítidos,

distintos, com momentos experiências, sensíveis, mas opacos, confusos. Estas

transações formativas são permanentes, significando que elas se desenrolam tanto a

cada instante como ao longo da vida. (PINEAU, 2003, p. 162)

Page 149: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

147

Teço minhas compreensões de formação a partir de um caráter evolutivo de

aprendizagens que gera mudanças de toda ordem nas vidas dos professores e em suas práticas.

Assim, os estudos feitos na fase de levantamento bibliográfico me permitiram entender a

formação dentro de um conceito aberto e não fixo, mas de caráter ontológico rizomático

permanente, a partir de uma perspectiva da formação profissional, humana, processual e

evolutiva que é orientada para mudanças que superem o pensamento da justaposição entre a

formação inicial e continuada. Nessa mesma perspectiva, García (1999) defende e concebe

como princípio que a formação de professores é contínua, e que esse princípio implica na

existência de uma interlocução entre a formação pessoal, inicial e a formação permanente. A

esse respeito, o autor explica que:

[...] refere-se ao próprio professor como pessoa, como profissional, como sujeito que

aprende. Se noutras alturas enfatizávamos o conceito de desenvolvimento, agora

referimo-nos à importância de aprofundar o profissional como dimensão necessária

da formação de professores. (GARCÍA, 1999, p. 145)

Para essa compreensão, é necessário que o professor busque uma postura segundo

propõe Pérez Gómez (1992), que seja reflexiva de sua prática, na qual ele mesmo seria o

pesquisador reflexivo de sua práxis.

Essa reflexão da práxis se constitui como um instrumento de desenvolvimento do

pensamento e da ação, mas que exige um olhar crítico do professor, pois conforme Pérez-

Gómez (1992, p. 103): ―[...] A reflexão não é um conhecimento ‗puro‘, mas sim um

conhecimento contaminado pelas contingências que rodeiam e impregnam a própria

experiência vital‖, sendo que essa reflexão-na-ação, para o referido autor, se coloca na vida do

professor como um processo que abre possibilidades de movimentos formativos, ao dizer que:

Quando o profissional se revela flexível e aberto ao cenário complexo de interações

da prática, a reflexão-na-ação é o melhor instrumento de aprendizagem. No contato

com a situação prática não só se adquirem e constroem novas teorias, esquemas e

conceitos como se aprende o próprio processo dialético da aprendizagem. (PÉREZ-

GOMEZ, 1992, p. 104)

Dessa maneira, o espaço-tempo de atuação vai se constituindo como um terreno fértil

para aprender e, consequentemente, para ensinar. Esse ensinar/aprender diz respeito às

condições concretas, em que o conhecimento é construído ou reconstruindo, o que supõe uma

interação, relação e reflexão pessoal do professor, ainda que seja dele com seus pares, com a

sua realidade e com os destinatários, os quais participam integralmente desse aprendizado.

Desse movimento de pensar com e na realidade, é que, no meu entender, é possível

aprofundar tanto o aprendizado como a experiência. Essa tecitura colaborativa contribui com

a formação permanente do ser professor.

Page 150: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

148

Nessa perspectiva, pondero que a subjetividade análoga à temporalidade dos

professores como atores de ação, precisa ser considerada, ―que toda pesquisa de ensino deve

ser basear num diálogo fecundo com os professores, considerados não como objetos de

pesquisa, mas como sujeitos competentes que detêm saberes específicos ao seu trabalho‖

(TARDIF, 2002, p. 230).

Nesse processo, Nóvoa (1995, p. 16) afirma que a formação passa pela

experimentação, pela inovação, pelo ensaio de novos modos de trabalho pedagógico e por

uma reflexão crítica sobre a sua utilização. Portanto, a formação passa por processos de

investigação que são diretamente articulados com as práticas educativas. Investindo nesse

entendimento, Schön (1990, apud NÓVOA, 1995, p. 15) refere-se ao que chama de triplo

movimento, dizendo que:

[...] conhecimento na acção, reflexão na acção e reflexão sobre a acção e sobre a

reflexão na acção - ganha uma pertinência acrescida no quadro do desenvolvimento

pessoal dos professores e remete para a consolidação no terreno profissional de

espaços de (auto) formação participada. Os momentos de balanço retrospectivo

sobre os percursos pessoais e profissionais são momentos em que cada um produz a

‗sua‘ vida, o que no caso dos professores é também produzir a ‗sua‘ profissão.

Sob os aspectos assinalados pelos referidos autores, entendo que a via da formação é o

caminho para a construção e reconstrução da profissionalização docente. Aproximando esse

entendimento dos estudos de Pineau (2003), verifico que a formação docente não pode se

abdicar dos tempos ou ciclos que constituem os processos de amadurecimento da pessoa, e é

assumindo ou habitando esses tempos, que os egressos conseguirão produzir e gestar a sua

profissão em uma perspectiva evolutiva e aberta.

Diante disso, urge repensar a formação de professores não mais ancorada no

paradigma da racionalidade técnica que teve sua projeção ao longo do século XX, advindo

dos ares de orientação positivista, constituindo-se uma referência para a formação,

principalmente para a formação de professores. Tal aspecto está fortemente ligado ao

fordismo e taylorismo, seja na forma da organização do trabalho, na reprodução em que a

criatividade e, principalmente, à subjetividade do aprendiz ou do trabalhador, seja ele

professor ou não, que era desconsiderada, imprimindo controle no modo de produção do

trabalho. Em virtude disso, acabava por gerar entre os pares competividade e concorrência,

sem ter em conta um projeto de formação e educação social para a vida e para a cidadania

corresponsável.

Desse modo, a busca da superação desse paradigma dominante está em considerar o

trabalhador, no caso deste estudo, o trabalhador professor, como ator e autor de sua prática

Page 151: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

149

pedagógica junto com seus pares, sua história de vida, suas experiências, seu meio social e

cultural como objeto de investigação, sem tê-lo como um proletário-um-operário que executa

e não participa e integra as bases de construções das concepções que orientam a educação e o

ensino, o qual ele mesmo, vai se defrontar na teoria-e-na-prática. Com isso, não estou

ignorando o papel da técnica, pois ela continua sendo parte integrante do processo, mas não a

considero como sendo o meio ou finalidade única da atuação do professor e pela qual ele terá

que responder.

Logo, é urgente considerar a formação dos professores associada à proposta de

educação como tarefa a ser construída, tanto pelos cursos de formação inicial, no âmbito das

universidades, por excelência, e também da formação continuada, quanto pelos sistemas e

pelas próprias escolas, levando-se em conta, essencialmente, uma reestruturação dos sistemas

de ensino, da formação e valorização dos educadores, da organização das escolas e outros

espaços de atuação do pedagogo como espaços formativos e campo de pesquisa.

Mas, esse entendimento não é simples, pois lida com os vários tempos que são

constituídos dentro de uma dada cultura social do próprio tempo, como uma síntese social

aprendida, como concebe Elias (1998). Com isso, o tempo de formação pode ser entendido e

assumido, muitas vezes, como um tempo hegemônico e único para todos, o que não coaduna

com a temporalidade e nem com o desenvolvimento humano que se trata da formação do

profissional de Pedagogia do modo como estou entendendo para esta pesquisa.

Pineau (2003) compreende a formação humana com a especificidade do ser professor

ao longo da vida e de modo permanente na carreira, sendo considerado o que é próprio de

cada um, pois há níveis de aprendizagens, visão que vários autores da formação

compartilham.

Para isso, os professores precisam ter oportunidade de participar de diversas

atividades, tanto formais como informais que colaboram com sua formação mediante seu

compromisso profissional. Isso poderá contribuir significativamente com a qualidade de

ensino de modo geral. E de igual sentido, espera-se que o professor incentive os estudantes

para terem disposições e motivações para aprenderem não somente na e com a escola, mais ao

longo de suas vidas também.

Nessa mesma concepção e direção, o estudioso Zeichner (2008), em suas pesquisas no

final da década de 1970, já sinalizava problemáticas que configuravam o ensino naquela

época, mas que é nossa preocupação ainda na atualidade, esclarecendo que:

O ensino era normalmente visto como um processo meramente técnico a ser

conduzido da maneira na qual as pessoas na escola ou na universidade gostariam

Page 152: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

150

que fizessem. A maioria dos nossos alunos não concebia ensino como uma atividade

moral ou ética sobre a qual eles tinham algum controle. (ZEICHNER, 2008, p. 537)

Esse autor ainda dizia que esses estudantes não faziam ideia de onde vinham ou eram

produzidos os currículos, e tampouco se preocupavam com isso. Mediante a esse contexto, e

atualizando-o para os nossos dias, ele chama atenção para uma prática reflexiva feita tanto

pelos professores, como pelos estudantes, bem como pelos formadores de professores. Essa

reflexão colada com a realidade do professor, do aluno e das questões mais gerais e comuns

sociais e políticas educacionais, necessita ser feita também e primeiramente nos espaços e

tempos formativos da universidade.

Diante disso, em uma palestra proferida para professores e licenciandos, Nóvoa (2016)

nos alertou que:

Muitas vezes, os professores formam-se com pessoas que nunca foram professores,

que não têm essa experiência como professores e, portanto, a profissão não está

dentro da formação. A profissão não está cá, dentro, e não é possível fazer – e vou

dizer pela primeira vez a palavra e vou dizer a palavra várias vezes – não é possível

fazer uma formação profissional, no sentido mais nobre do termo (porque formar um

professor é formar um profissional, como formar um médico é formar um

profissional), não podemos formar um professor como profissional se a profissão

não estiver dentro do espaço da formação. (NÓVOA, 2016, p. 06-07, degravação)

Assim, vemos que o processo de formar professores é trabalho de professores, pois

forma-se um profissional pelas mãos de profissionais. Isso já se constitui a formação inicial.

Para esse posicionamento, o referido autor trouxe uma reflexão a partir de seu sentir esse

processo de constituir-se professor. Para compreender o que ele estava a nos dizer ao vivo

naquele teatro com 600 professores atônitos, recorri à obra intitulada: ―O terceiro Instruído‖

de Serres (s/d., p. 155), de cuja obra Nóvoa trouxe para o público de professores uma frase:

―Re-nascido, ele conhece a compaixão. Agora, ensina‖. Ou ―Re-nasciclo, ele conhece, tem

piedade. Finalmente, pode ensinar‖. Sobre isso, Nóvoa (2016) comentou:

[...] Re-nascido, o que isso quer dizer? Quer dizer que o nosso trabalho como

professores é um processo de renascimento, de renascimento do ponto de vista

pessoal, de deixar crescer uma pele profissional em cima da nossa pele pessoal. E

que, se esta pele profissional não colar bem com a pele pessoal, se ela não for

compatível com a pele pessoal, isto vai nos trazer um grande desconforto ao longo

da nossa vida. Por isso, é preciso que neste processo de renascimento, nós

compreendamos bem como ser professor e porque esta mistura de peles que está

naquilo que o Michel Serres chama o Re-nascer. (NÓVOA, 2016, p. 12,

degravação)

Devido a essa complexidade do próprio conceito de formação e do sentido do formar-

se permanentemente, é que recorri a essa frase de Serres proferida por Nóvoa, em 2016. Essa

quase alquimia de peles que crescem e não como algo posto, imposto ou provisório como uma

veste ou capa. É algo que vai nascendo e re-nascendo em um sentido de suma síntese

Page 153: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

151

biológica no corpo e de uma profunda mudança no sentido. García (1999) compreende que o

processo de se tornar professor acontece dentro de um movimento contínuo e permanente, tal

como compreende também Pineau (2003), em um evoluir-se perpétuo, não só consigo mesmo

(pessoal), mas em uma relação com as coisas (meio físico, os conhecimentos|) e os outros

(realidade social, cultural, educacional etc.), o que compreende os três movimentos

formativos no sentido do tempo-formador.

Entretanto, isso não deve surgir como uma reflexão que disciplina corpos, ajusta

mentes para atender aos propósitos de uma determinada sociedade e mercado, externando

uma atitude de subserviência. Mas, como orienta Zeichner (2008), que esse movimento de

uma prática reflexiva suscite o reconhecimento de que os professores devem exercer, com

outras pessoas e segmentos da educação, um papel ativo na formulação e reformulação dos

propósitos e finalidades de seu trabalho e de que precisam efetivamente assumir funções de

liderança nas reformas escolares. Assim sendo, devem ocupar seu ‗lugar‘ em congressos e

eventos nacionais e internacionais, que são espaços-tempos de arenas de disputas que dão

visibilidades àquilo que lutam e acreditam para a classe docente e para os objetivos da

educação.

Conforme expressa Santos (1991, p. 325), ―Neste projeto de educação (para a

cidadania) torna-se fundamental que o professor seja um intelectual crítico capaz de apreender

o caráter contraditório da prática pedagógica, articulando um discurso marcado pela

linguagem da crítica e da possibilidade‖, o que caracteriza uma postura de resistência que

constrói uma visão crítica-participativa-ativa em uma perspectiva emancipatória.

Sendo assim, para os docentes, ser professor no século XXI pressupõe o assumir que

o conhecimento e os alunos (as matérias-primas com que trabalham) se transformam

a uma velocidade maior à que estávamos habituados e que, para se continuar a dar

uma resposta adequada ao direito de aprender dos alunos, teremos de fazer um

esforço redobrado para continuar a aprender. (GARCÍA, 2009, p. 08)

Ora, esse esforço que não nos deixa esquecer o autor, está vinculado diretamente com

a formação permanente do profissional docente que, querendo ou não, participa dos contextos

sociais em todos os seus níveis de mudança, sejam elas transcorridas no campo científico-

tecnológico, ou humano-eco-psico-social-cultural. Ainda, esses entendimentos me motivam

em direção a pensar e repensar a Pedagogia na perspectiva do professor-pesquisador.

As leituras e os estudos desses pesquisadores ajudaram-me a realizar a síntese

epistêmica e compreensiva sobre a formação na perspectiva humana e profissional,

intercruzada por tempos e temporalidades ainda percebidas pelos três movimentos formativos

compreendidos nos estudos de Pineau. Essas sínteses de entendimentos se constituíram em

Page 154: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

152

novos fios para o tecimento do aguayo, principalmente nos momentos das análises

compreensivas considerando as biotecituras das egressas de Pedagogia.

Contribuindo com esse estudo centrado nos tempos e temporalidades dessas egressas,

trago mais um fio de discussão, para o qual a formação docente não está isenta de se

confrontar: o tempo performático.

3.3 A hegemonia do tempo performático: tensões-tramas-e-nós

Diante da hegemonia do tempo, Ball (2002, p. 05) nos alerta quanto à reforma da

educação nos moldes atuais que imprimem uma frieza performática ―trata-se dos poderes que

vieram abater-se sobre a existência subjetiva das pessoas e das suas relações umas com as

outras‖. Não havendo espaço ou lugar para diálogos, a criatividade ou a construção de

ideias/projetos, a relação profissional sofre com o imperativo do tempo chronos, ele urge com

força, controle das ações e um conjunto de ferramentarias que orientam resultados. Para esse

autor, isso muda aquilo que fazemos, o que somos enquanto profissionais e nossa identidade

social. Para ele,

A performatividade é uma tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação

que emprega julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controle,

atrito e mudança [...] A performatividade é alcançada mediante a construção e

publicação de informação e de indicadores, além de outras realizações e materiais

institucionais de caráter promocional, como mecanismo para estimular, julgar e

comparar profissionais em termos de resultados: a tendência para nomear,

diferenciar e classificar. (BALL, 2005, p. 543-544)

Frente aos desafios atuais enfrentados pela educação no campo da formação

profissional, esta pesquisa quer seguir na contramão da performatividade e do gerencialismo,

que são duas forças propulsoras oriundas da modernidade, e que buscam de vários modos a

desestabilização, no nosso caso de estudo, da identidade profissional do professor imprimindo

um regime de desempenho e de eficiência passivos de serem controlados por organismos de

avaliação, controle e autocontrole. Esse método vem se estabelecendo e sendo aprimorado nas

instituições públicas de ensino pelo Brasil, orientando uma formação que resgata um

profissional orientado pela racionalidade e pela técnica. Nesse contexto, todos são postos e

considerados fora de suas subjetividades e atrelados a um tempo hegemônico, em que o

conhecimento se torna uma mercadoria de troca, negociação e classificação do profissional.

Logo, ―supõe que os problemas educacionais podem ser resolvidos por meio de

técnicos e que a desigualdade pode ser administrada no interior das escolas e salas de aula,

desde que professores e alunos sigam os procedimentos escolares ―corretos‖ e efetivos‖

(BALL, 2011, p. 85). Para esse autor, essa postura adotada pelo sistema de ensino visa a

Page 155: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

153

eficácia da tecnologia da normalização, o que leva a uma atitude de comparação, em que uma

escola passa a ser comparada com a outra. Portanto, estamos diante de uma padronização dos

processos de ensino, que vai sendo ritualizado e, muitas vezes, mediante uma suposta ―ordem

artificial‖. Em vista disso, não se surpreende com o inesperado, pois tudo está previsto e

passível de ser observado. O que foge a essa ordem é considerado desordem. Por conseguinte,

cria-se um palco apropriado para o desfile da performatividade.

No entendimento de Ball (2005, p. 544), no que se refere ao gerencialismo nesse rol de

transformações que afetam a coisa pública, ―[...] o gerencialismo representa a inserção, no

setor público, de uma nova forma de poder, ele é um ‗instrumento para criar uma cultura

empresarial competitiva‘‖ Em outras palavras, associando esses dois mecanismos já

mencionados, o referido autor expressa que o gerenciamento busca incutir performatividade

na alma do trabalhador. Nesse crisol no qual se fundem essas duas tecnologias ou

mecanismos, assim eu o categorizo, pois não posso abordar um sem considerar a presença do

outro. Por isso, nessa mesma vertente de pensamento, Ball (2010, p. 39) esclarece que:

Em termos gerais, quero sublinhar um novo modo de regulação social (e moral), que

atinge profundamente e imediatamente a prática dos profissionais do setor estatal

reformando e re-formando sentidos e identidades, produzindo ou maquiando novas

subjetividades profissionais. Esse novo modo envolve, um deslocamento das

―sociedades disciplinares‖ para ―as sociedades de controle‖: controles são uma

modulação, tal como uma autoformação moldada que irá continuamente ser

transformada de um momento a outro, ou tal como uma peneira cujo engranzamento

transmutará de ponto a ponto.

O que nos parece é um estranho retorno aos tempos disciplinares de uma recriação do

modelo panóptico criado pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham em 1785, que se

constituía de uma estrutura para vigiar a vida de qualquer indivíduo. Era uma construção

material externa ao indivíduo que nele inculcava um sistema de controle interno. O que temos

hoje, no meu entender, é uma recondução desse modelo para dentro do indivíduo. Ele se auto-

vigia-pune-culpabiliza e se autocontrola. Para esse aspecto, Ball (2005, p. 551) reforça que:

Além da fria racionalidade da performatividade vinculada à culpa e ao tormento de

querer ser ―um bom professor‖, existe a revolta da moral pública, construída em

nosso nome na mídia, que se destina a difamar a ‗pior escola‘ e ‗professores que

deixam a desejar‘.

Para o autor, esse tal desempenho e perfeição é algo quase impossível de alcançar e,

quando alcançado, se impõem novas metas de superação, sendo mais uma vez impossíveis de

se satisfazer, criando um sentimento e uma ação de imperativos que visam à competição.

Em consequência disso, percebe-se nesses autores o entendimento desse movimento

performático que segue reconfigurando e dando novos sentidos à ação docente e,

Page 156: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

154

consequentemente, à formação. Nesse sentido, cruzam-se múltiplos tempos que atravessam o

desenvolvimento docente. Por isso, importam para esta pesquisa os estudos de Ball (2010;

2005) no que tange à performatividade atrelada ao gerencialismo. Ora, essas reformas

advindas dessas duas tecnologias afetam diretamente o desenvolvimento profissional do

professor e, consequentemente, sua ação em sala de aula. ―A prática da sala de aula cada vez

mais é ‗remodelada‘ para responder às novas demandas externas. Os professores são

‗pensados‘ e caracterizados de novas maneiras; cada vez mais são ‗pensados‘ como técnicos

em Pedagogia‖ (BALL, 2005, p. 548). Se a escola, o professor e o aluno são ―sujeitos a serem

administrados‖, certamente e, facilmente, há ―uma ausência de dinamismo interno,

exacerbado pelo isolamento intelectual, na medida em que os estudos educacionais

propositalmente ignoram o significativo do desenvolvimento teórico em campos de

conhecimento cognatos‖ (BALL, 2011, p. 80).

A concepção da negação dos estudos teóricos no campo da educação é mais percebida

em discussões epistêmicas na formação inicial, se aprofunda na formação continuada, em que

o ensino associado à pesquisa frente à prática e a realidade pode passar de esforço intelectual

de construção de significados, para ser visto como um processo técnico (BALL, 2011). Pois

tudo que é decorrente de criação, invenções e novas formas de experiências pode ser tomado

como ―perda de tempo‖. Então, a pesquisa que supõe processos e confrontos com a realidade

nesse nível de reflexividade, não encontra espaço-tempo para sua consolidação no meio

educacional vigente.

Posso dizer que, com isso, as relações e subjetividades e coletivas se diluem fazendo

nascer outros valores com novas identidades e modos de se relacionar. Atualmente, o cenário

brasileiro se abre cada vez mais às políticas verticalizadas, as quais colocam, frequentemente,

o trabalhador professor em um sistema de engessamento de suas práticas, que passam a ser

orientadas por projetos formatados, ou pacotes com estilos enlatados que são implantados a

partir de métricas de desempenho e resultados. Dentro dessa perspectiva, a educação entra no

cenário mundial como um grande negócio. A esse respeito, Ball (2014) fala da criação de uma

mega agenda político-econômica mundializante, que incentiva o avanço do neoliberalismo e

imprime práticas de consumo a serem quase que adesivadas nas escolas e nos professores

como uma necessidade a ser normalizada. Devido aos chamados pacotes:

A performatividade atinge profundamente a percepção do eu e de nosso próprio

valor. Coloca em pauta uma dimensão emocional, apesar da aparência de

racionalidade e objetividade. Assim, nossas respostas ao fluxo de informações a

respeito do desempenho podem engendrar nos indivíduos sentimento de orgulho,

culpa, vergonha e inveja. (BALL, 2005, p. 550)

Page 157: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

155

Essa é uma situação criada para despertar nos profissionais de educação uma luta

individualizada por uma sobrevivência solitária na carreira, pois ele, de parceiro, passa a ser

um adversário de seus colegas de profissão. Essa prática passa a ser altamente justificada pelo

melhor desempenho. O bom desempenho não é ruim, mas precisa vir associado a um projeto

coletivo que se aprimore em vista de um bem comum. A sociedade brasileira tem

acompanhado inúmeras reportagens em vários canais de televisão nacionais trazendo

pesquisas envolvendo professores de todas as áreas, os quais buscam certificações, selos e

premiações solitárias, tais como de educador nota 10, de práticas pedagógicas de professores

das escolas públicas e das instituições educacionais comunitárias, filantrópicas organizadas

pelo Ministério de Educação (MEC), dentre outras competições na área de educação.

Em razão de uma corrida por certificações, encontramos uma gama de professores,

principalmente da Educação Básica, participando de cursos de curta e média duração, em

formações oferecida na modalidade de oficinas. Por fim, em curso de final de semana para

obtenção de certificados em vista de contagem de pontos para literalmente disputar um lugar

em alguma escola pública de Mato Grosso, sendo que, em algumas realidades, passam por

uma prova objetiva antes da prova de títulos, isso no caso dos contratos temporários. Mas, a

busca por pontuações já é uma prática na rede de ensino confere aos que participam da

formação.

Por isso, as parcerias de projetos de formação continuada oferecidas aos docentes das

redes de ensino, tanto municipais como estaduais, juntamente com as instituições superiores

de ensino público do estado são de fundamental importância.

Ao longo desta pesquisa, busco, juntamente com as experiências e histórias de vidas

das egressas, pensar nessa possibilidade de proposta e diálogo interinstitucional, pois

paralelamente às biotecituras tecidas nas entrevistas feitas, verifiquei a força das duas

tecnologias presentes na formação, na vida pessoal e profissional dos professores. Ainda,

constatei, conforme minhas análises compreensivas, a presença de uma postura de lutas,

resistências e estratégias de superação do engessamento do sistema de ensino, bem como das

propostas de formação continuada ofertadas nesses mesmos sistemas.

Foi por intermédio dessa condução que busquei ouvir minhas colaboradoras

professoras, egressas do curso de Pedagogia que atuam nas várias frentes de trabalho de sua

área de formação.

Page 158: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

156

Fonte: elaborado pela autora. Desenho e aguayos originais (2019).

CAPÍTULO IV – TECITURAS DA FORMAÇÃO DO

PROFISSIONAL DOCENTE: AS IMPLICAÇÕES DOS TEMPOS E

DAS TEMPORALIDADES

Page 159: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

157

Chegar neste capítulo significa ter trilhado um longo caminho, ter tecido e trançado

muitos fios neste aguayo da vida e da formação de professores da Pedagogia, intercruzado por

múltiplos tempos e temporalidades.

Nessa etapa do trabalho, a tecitura dos fios que fiam o aguayo já experimentou vários

processos. Foram submetidos às ―rocas‖ de fiar, foram tingidos e entregues aos teares para

composição do desenho, conforme as cores que mostram as minhas representações,

percepções, reflexões e análises decorrentes das biotecituras das colaboradoras da pesquisa.

Por isso, a intenção nesse último tear é esticar e unir (as tramas) todos os múltiplos

fios anteriormente tensionados. Digo unir não no sentido de unidade, mas no sentido das

possibilidades de interlocuções entre os fios tensionados. Aqui, pretendo compreender, de

modo teórico-metodológico, o percurso trilhado juntamente com o que suscitou das

biotecituras das colaboradoras desta pesquisa. O acesso aos fios de suas memórias, suas

histórias de vida e profissão, que são partes constituintes das subjetividades, são permeadas

por processos de diferentes olhares frente à formação do profissional tingido nos tempos e

temporalidades de cada uma.

Das entrevistas, recolho cuidadosamente excertos, cores e subjetividades que são

reflexões e partes de seus processos humanos no seu constituir-se pessoa e profissional.

Neste capítulo, a tecelagem trabalha com os tensionamentos reflexivos de quatro

grandes fios que se imbricam, sendo que alguns se desdobram em vários subitens com fios

auxiliares, com os quais busco interlocução com o movimento tripolar de formação orientado

pelos estudos de Gaston Pineau.

Assim, no primeiro fio apresento, de modo geral, a estratégia metodológica proposta

para a realização das entrevistas, as questões levantadas e a organização da composição das

biotecituras. No segundo, apresento o ecoar das vozes das egressas entrevistadas com suas

experiências e vivências. Quando trago as vozes recolhidas das biotecituras, apresento-as em

forma excertos, respeitando a autoria delas, com identificação nominal preservada. A

inscrição nas biotecituras das colaboradoras recebe a identificação de Egressa, precedida por

um numeral, seguido do ano em que ocorreram as entrevistas, conforme o exemplo: (Egressa

1, 2018) ou Egressa 1 (2018).

No segundo, terceiro e quarto fios, apresento o movimento das biotecituras, as quais

reconheço e assumo como processos bioformativos e epistêmicos de autonomização. Sinalizo,

ainda, nos fios de entremeios e auxiliares, como as egressas entendem e lidam com a

Pedagogia, considerando a ampliação da sua área de atuação. Também abordo dentro dos

Page 160: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

158

movimentos formativos, as percepções frente às formações da Rede de Ensino onde as

egressas atuam profissionalmente.

Escrevo, no quinto fio, o intercruzamento de tempos e temporalidades que permeiam o

desenvolvimento humano e profissional das egressas, as negociações estabelecidas entre os

tempos performáticos hegemônicos orientados pela força do chronos e tempos/temporalidades

formativas concebidas pela força criadora e criativa do kairós.

Nesse contexto, compreendo que esse embate entre o chronos e o kairós influencia

diretamente a atuação na prática pedagógica, independentemente dos espaços-tempos de

atuação da Pedagogia, o que demostra o grau de relação que esses tempos estabelecem com a

construção pessoal e profissional dos professores frente à sua formação permanente.

Nestes fios que seguem em tramas múltiplas, trago as compreensões com os autores,

de um pensar mais significativo da formação feita ao longo da profissão docente dessas

egressas, suas lutas, enfrentamentos, resistências e ressignificações em sua formação

profissional considerando ou desconsiderando os cruzamentos desses tempos. Finalmente, as

biotecituras das colaboradoras possibilitaram o contato com as múltiplas inscrições que foram

sendo construídas, reconstruindo no aguayo que estampa a formação profissional das

egressas, o que me conduziu a compreender a Pedagogia e a docência na perspectiva do

professor indagador de sua prática, que por se sentir mais dentro da profissão e, suas vozes

ecoam a reivindicação de seus tempos pessoais, a conciliação deles com os tempos

profissionais e formativos. É nesse ponto que se percebe que há múltiplas epistemologias

cruzando e tecendo a práxis educativa e formativa, a qual é parte integrante e integradora de

seu formar-se permanente, tanto nos espaços de sua atuação como em outros espaços

formadores. Isso requer o uso de teares cada vez mais comprometidos com a tecitura de novos

fios para a Pedagogia. Assim, dou início a esta fiação para a composição e recomposição do

aguayo.

4.1 A pesquisa: movimentos e desdobramentos

Esta parte do trabalho orientou-se pelas pesquisas de campo junto às colaboradoras,

que utilizaram como instrumento de composição de dados entrevistas gravadas, com posterior

transcrição dos áudios. Para tanto, organizei as questões de entrevista dentro de três

dimensões: formação pessoal, formação inicial e atuação profissional, sempre intercruzadas

por percepções de tempos e temporalidades. As colaboradoras foram eleitas para esse terceiro

momento da pesquisa a partir de um levantamento quantitativo de egressas em dois períodos

de formação inicial. Fez-se uso de um levantamento com questões fechadas para saber quem

Page 161: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

159

são e onde estão atuando. A partir desse movimento de pesquisa, é que retomo meus critérios

iniciais para a seleção das colaboradoras, pois o foco de interesse do estudo é dialogar com as

egressas que estão na área de atuação da Pedagogia, considerando a ampliação da área,

conforme as DCNs (2006) para Licenciatura em Pedagogia e a reformulação do PPC (2008-

2009) do curso de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá/IE.

Desse modo, nomeei as falas das egressas com seus relatos e experiências pessoais,

profissionais e formativas de biotecituras, considerando que a formação profissional docente

se constrói intrinsicamente com a vida, os modos de vida, as escolhas e decisões pessoais de

cada uma das colaboradoras que seguem a tecer as suas autotecituras. Essa escritura de si para

si e para os outros, a meu entender, explicita com mais propriedade as subjetividades das

colaboradoras da pesquisa concebendo suas próprias composições, por isso, chamo de

biotecituras.

No entendimento de Ferraroti (2010), o entrevistador nunca está ausente, uma vez que

há um sujeito que expressa a sua individualidade em forma de uma confissão. Nesse sentido,

―vivenciar se furta a qualquer mediação lógica ou instrumentalização racional‖

(VIESENTEINER, 2013, p. 146). Trata-se, então, de um contra conceito da razão. Ora, como

pesquisadora e entrevistadora, não tenho como controlar o que será comunicado da síntese

pessoal de cada uma das minhas colaboradoras. Mas, tenho como presenciar ativamente a

construção de suas biotecituras e assim, nesse momento de fiação e de produções humanas

dos fios que se tecem os aguayos da vida, compreendo que:

Toda vida humana se revela, até nos seus aspectos menos generalizáveis, como a

síntese vertical de uma história social. Todo comportamento ou ato individual nos

parece, até nas formas mais únicas, a síntese horizontal de uma estrutura social. [...]

frisamos lucidamente a afirmação- o nosso sistema social encontra-se integralmente

em cada um dos nossos atos, em cada um dos nossos sonhos, delírios, obra,

comportamentos. E a história desse sistema está contida por inteiro na história da

nossa vida individual. (FERRAROTI, 2010, p. 44)

Para o referido autor, a relação do ser-pessoa com as estruturas e a história de uma

sociedade, coloca-se como um ―polo ativo‖, não sendo produto acidental. Ele impõe-se como

uma práxis-sintética-humana. Logo, ―mais do que refletir o social, apropria-se dele, midiatiza-

o, filtra-o e volta a traduzi-lo, projetando-se numa outra dimensão, que é a dimensão

psicológica da sua subjetividade‖ (FERRAROTI, 2010, p. 44). Não sendo, portanto, o ser-

pessoa, um determinismo mecânico, um ―epifenômeno social‖.

Portanto, ―se nós somos. Se todo o indivíduo é a reapropriação singular do universal

social e histórico que o rodeia, podemos conhecer o social a partir da especificidade

irredutível de uma práxis individual‖ (FERRAROTI, 2010, p. 45, grifo do autor). Isso não

Page 162: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

160

ocorre de modo linear, programado ou previsível. Ora, Merleau-Ponty (1999) nos ajuda a

entender que não podemos nos colocar ou pensarmos como uma parte do mundo, ou ainda um

objeto da Biologia, Sociologia e Psicologia. Para ele, o que cada um sabe decorre de uma

visão pessoal, de uma experiência do mundo vivido, sendo que todo o objeto da Ciência é

construído sobre o mundo vivido. O autor coaduna com Ferraroti (2010), mas avança nesse

entendimento, ao dizer que essa experiência com as coisas no mundo,

[...] não provém de meus antecedentes, de meu ambiente físico e social, ela caminha

em direção a eles e os sustenta, pois sou eu quem faz ser para mim [...] essa tradição

que escolho retomar, ou este horizonte cuja distância em relação a mim

desmoronaria, visto que ela não lhe pertence como propriedade se eu não estivesse

lá para percorrê-la com o olhar. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 03-04)

Nesse estar-sendo no mundo, compreendo o sentido do vivido, e no vivido percebo as

subjetividades de cada uma das egressas estampadas em suas biotecituras.

Por tanto, não tenho a intenção de fazer um enquadramento considerando as

biotecituras como fonte de informações como se fossem generalidades para serem usadas

posteriormente dentro de um quadro interpretativo mais amplo, caindo, por conseguinte, em

um reducionismo tradicional da pesquisa científica. Ao contrário, busquei primar pelo diálogo

com olhar perceptível e interpretativo de modo aberto para outras possíveis construções de

entendimentos. O que apresento são resultados das minhas análises compreensivas. Chego ao

final dos estudos sinalizando algumas compreensões construídas, a partir da composição dos

dados entrecruzados com as minhas percepções e os diálogos dos teóricos que elegi para esta

pesquisa.

A pesquisa é de cunho qualitativo e se construiu ancorada no referencial teórico-

metodológico, bem como no seu objeto de pesquisa. Foi esse movimento que procurei realizar

para este trabalho. Empenhei-me no diálogo com diferentes autores, conforme os conceitos

que me propus estudar e me apoiar. Para empreender os estudos referentes ao tempo e à

temporalidade, apoiei-me em Norbert Elias (1998), Merleau-Ponty (2006; 1999), Prigogine

(2011; 1990), Pomian (1993), Gaston Pineau (2010; 2006; 2005; 2003), Passos (2005; 2003),

Patrick Paul (2009), entre outros. No que concerne à performatividade entrecruzada com a

educação, me apoiei em Ball (2014; 2011; 2005; 2002), e a trato como uma categoria de

percepção de tempo e a anuncio-o como tempo performático que se mostra no esgotamento

do tempo em uso continuum contribuindo para a esquizocronia (PINEAU, 2003).

Para as compreensões de formação docente, busquei conversar com as contribuições

dos estudos de García (2009; 1999), Pineau (2003), Nóvoa (2016; 2009; 1995; 1992),

Shulman (2016; 2014), Zeichner (2013; 2008), Roldão (2014; 2008; 2007; 2004), Tardif

Page 163: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

161

(2002) e, no que tange à Pedagogia, sua historicidade, sua constituição intercruzada com a

educação-formação, utilizei os estudos de Saviani (2012); Gauthier e Tardif (2014), Aranha

(1996); Brzezinski (2006; 1996), entre outros. Esses estudos me ajudaram a construir os

instrumentos que me auxiliaram na pesquisa como um todo.

Para a aproximação e diálogo com as egressas, elaborei um roteiro de perguntas com

uma proposta de circularidade (a qual se dá na composição das tramas do aguayo), que se

pautou em três dimensões que estão imbricadas na formação do profissional docente. A

organização, sistematização e a análise-compreensiva dos dados seguiram contemplando tais

dimensões.

As biotecituras, como uma construção pessoal-epistêmica-profissional, entrelaçam-se

no sentido do vivido e das vivências. Por isso, o entendimento de exteriorizar análogo à

confissão de si para si na presença de um outro, pois de certa forma, há uma reciprocidade

relacional, já que não relatamos nossas histórias de vida puramente a um instrumento

material. Elas perfilam, como disse Passos (2005), como em um palco exterior, onde

reaparecem e são recontadas e ressignificadas por nós na presença do outro, ou dos outros.

Nesta parte do trabalho, puxo os fios que tecem as biotecituras das 30 egressas do

curso de Pedagogia/IE/UFMT. Esse movimento de fios que é apresentado se intensifica

compondo o aguayo, no qual se estampa a formação docente considerando as três dimensões

eleitas para a composição do roteiro de entrevista. Essas dimensões se imbricam, constituindo

o formar-se em um entrelaçamento de fios, conforme se observa na Figura .

Figura 6 - Circularidade rizomática

Fonte: elaborado pela autora (2018).

Dentro de cada dimensão, direcionei as questões com foco na Pedagogia, na formação

docente e no tempo-temporalidade. A temporalidade, como já foi esclarecido para este

trabalho, é a própria subjetividade. Em vista disso, remete-se ao tempo que entrecruza as

Page 164: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

162

coisas da vida de modo singular e particular do ser para si, e do ser para os outros, e do ser

para as coisas. Isso me fez trazer à tona o movimento tripolar de Gaston Pineau (2003), a

auto-hetero-ecoformação, o referido autor compreende essa tripologia dentro do movimento

da formação humana em uma perspectiva de formação permanente que pode ser

compreendida no decurso de toda a vida. Para ele, há movimentos múltiplos de

temporalidades (o imperativo do chronos social, os ritmos e biorritmos pessoais, sendo eles,

muitas vezes, de caráter biológico, psicológico, entre outros), os quais atravessam a formação

humana. São tempos que exigem cada vez mais do ser-em-formação diálogos, que Pineau

(2003, p. 11)34

, ―chama diálogos necessários e possíveis entre essas diferentes temporalidades

e a formação‖. Há de se pensar, diante disso, como conjugar esses diferentes tempos? Para o

autor, precisamos conquistas nosso próprio tempo, ―ora, os tempos formadores são

demasiadamente importantes para serem apenas os das formações instituídas. Mesmo essas

não são automaticamente por decreto‖, conforme esclarece Pineau (2003, p. 14).

Considerando esses múltiplos tempos e temporalidades em movimento que tecem o

ser-pessoa, busquei, em uma percepção de um olhar tridimensional, ouvir e acolher cada

egressa com suas histórias, trajetórias e vivências pessoais e profissionais em formação.

Essa divisão, no tocante às dimensões, foi uma opção didática para a organização do

roteiro da entrevista, mas não se constituiu uma camisa de força, pois no ato das entrevistas

surgiram desdobramentos de outras questões que foram incorporadas à proposta inicial devido

às necessidades oriundas das biotecituras nascidas nas e das entrevistadas.

O roteiro não se constituiu um novelo de fios a serem fiados em uma sequência lógica

de perguntas e respostas. Acolhi outras questões sinalizadas pelas egressas mediante seus

relatos. Para análise dos dados, essas dimensões são assumidas como tecituras que se

imbricam em forma de circularidades e percepções vividas em uma perspectiva de formação

humana dentro do contexto da formação do profissional docente. Ainda, as dimensões se

constituem bases nas quais congregam e ancoram a composição de dados que uso para

organizar a tecitura do aguayo. Elas não são flutuantes no sentido de serem posteriormente

dispensadas como mera estratégia de coleta de dados.

Quando fui ao encontro das egressas, já imaginava que iria ouvir muitos relatos de

experiências e vivências. De fato, eu não estava errada. Só não imaginava que as experiências

fossem tão profundas, tanto no âmbito da história de vida pessoal, como na profissional.

Ainda, me desafiei a fazer algumas questões que envolvessem diretamente o tempo e a

34

Entendimento exposto no prefácio do livro de Pineau (2003). A autora do prefácio coloca essa compreensão

como sendo do próprio autor do livro, a qual ela reforça ao apresentar a obra.

Page 165: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

163

temporalidade. Ao longo das entrevistas, fui percebendo que, ‗o tempo-temporalidade‘ por

mim perscrutado, não cabia naquelas poucas perguntas, mas estava em todas as questões, e

naquelas outras que surgiram sem que eu houvesse planejado.

Entendi que o sujeito da percepção, conforme Merleau-Ponty (1999), não é o tempo

em si, ou a origem dele no sentido do nascimento do tempo, uma vez que ele, o tempo,

precede a existência, como Prigogine (2011) também pontua, mas o indivíduo se constitui

enquanto pessoa no tempo. Para Merleau-Ponty (1999), há relações entre tempo-sujeito-

objeto. E é essa relação que nos ajuda a compreender a relação do ser no mundo, palco de

nossa existência.

Em razão disso, a vida do ser se desdobra e dobra em um determinado tempo vivido e

apreendido, sendo ele o sujeito da percepção ou das percepções. Nesse caminho do exercício

das percepções, ―Cada consciência nasceu no mundo e cada percepção é um novo nascimento

da consciência‖. Nessa perspectiva, os dados ―imediatos‖ da percepção sempre podem ser

recusados como simples aparências e como produtos complexos de uma gênese‖.

(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 614). O referido autor ainda me provoca e nos provoca a

pensar que as coisas, embora estejam divididas em partes, uma não é a outra. Ora, em certo

sentido, consideradas enquanto pensamentos, as percepções das coisas são indivisíveis e sem

partes (MERLEAU-PONTY, 1999). Nesse modo de pensar, entendo que a relação tempo-ser

se funde e se confunde.

O autor em questão reforça e explica que ―nós não somos, de uma maneira

incompreensível, uma atividade junto a uma passividade, um automatismo dominado por uma

vontade, uma percepção dominada por um juízo, mas inteiramente ativos e inteiramente

passivos, porque somos o surgimento do tempo‖ (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 573). Esse

surgimento não para o mundo e as coisas em si, mas para o ser da percepção.

Indo para outro ponto, o qual se refere às entrevistas, e que se coaduna com que

Ferraroti (2010) expressou sobre o entrevistador no sentido relacional, é que percebi que as

egressas não se sentiram constrangidas com minha presença, nem tensas, procurando palavras

para me responder, mas falavam de suas vidas, de suas vivências. Há por parte das egressas

um colocar as mãos na roca e a mover para trás de si, se posicionar no ‗agora‘ e a tendê-la

para um devir. Merleau-Ponty (1999, p. 18) compreende que:

O mundo fenomenológico é não o ser puro, mas o sentido que transparece na

intersecção de minhas experiências, e na intersecção de minhas experiências com

aquelas do outro, pela engrenagem de umas nas outras; ele é portanto inseparável da

subjetividade e da intersubjetividade que formam sua unidade pela retomada de

minhas experiências passadas em minhas experiências presentes, da experiência do

outro na minha.

Page 166: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

164

Cada uma, de seu jeito e modo, assumia a sua roca do tempo-vivido, em que teceram

suas biotecituras, de modo a fiar no tear sua própria história.

As entrevistas fluíam, mas as perguntas, em algum momento, foram interrompidas.

Ora por um silêncio de uma dor de uma lembrança que inundava o ambiente em lágrimas, ora

se rompia por um rasgar de um sorriso que trazia à tona o sabor de uma conquista, uma

superação de uma situação vencida-aprendida.

Por isso, essa parte que une cada trama do aguayo me fez voltar a cada fio já tecido

para estabelecer possíveis diálogos e interlocuções, o que procurei fazer do modo mais

respeitoso possível.

Nesta parte da pesquisa, apresento minhas percepções entrecruzadas em forma de

tramas com todas as biotecituras dessas vidas que a mim foram apresentadas e dadas a

conhecer. São modos pessoais das egressas acomodarem, olharem, assumirem e viverem a

Pedagogia em si e para si como profissionais da educação.

Mesmo sendo a entrevista orientada por um roteiro de perguntas semiestruturada, as

biotecituras resultaram em histórias pessoais e profissionais. Por isso, assumo os dados como

biotecituras das egressas que são aqui analisados na perspectiva da pesquisa qualitativa dentro

de um estudo de campo.

Daqui em diante, faço o exercício mais exigente da pesquisa: trazer para o texto e

contexto da tese as biotecituras construídas no movimento da pesquisa de campo para

compreendê-las em forma de análises e contribuições para a formação docente.

Apresento, a partir das entrevistas, mediante as biotecituras construídas, o ecoar das

vozes das egressas, o que suscitou de cada uma das dimensões para entender a extensão da

formação profissional que se mistura com a vida, e que é intercruzadas por tempos humanos e

sociais, conforme compreende Elias (1998) e os autores que comigo seguem na compreensão

dos estudos de tempo-temporalidade e formação profissional na Pedagogia.

O Quadro 4 foi construído tendo presente as questões que compuseram o roteiro da

entrevista (Apêndice B). Tomando todas as questões que formaram as dimensões, realizei

uma síntese orientadora para organizar as biotecituras, sistematizá-las, aproximá-las para

serem reflexionados e compreendidas em forma de uma análise integradora das dimensões.

Através desse panorama, via as três dimensões, e pude construir e reconstruir, a partir

das biotecituras, e das minhas percepções, o grande aguayo que é esta tese.

Page 167: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

165

Quadro 4 - Síntese orientadora das três dimensões do roteiro de entrevista da pesquisa de campo

Fonte: elaborado pela autora (2018).

Na tríade dos tempos e dos processos formativos, observo múltiplas experiências e

construções de conhecimentos, o que me suscitou a filiar-me ao movimento hetero-auto-eco-

formativo de Gaston Pineau, o qual busquei reflexionar compreensivamente no texto,

considerando a relação das egressas consigo mesmas em profunda relação com as coisas e

com os outros. Esse movimento constante e simultâneo permeia a construção reconstrução do

ser-pessoa e profissional das egressas.

Na Figura 7, a intenção é trazer para o campo das compreensões perceptíveis o que

chamo de movimentos relacionais do ser consigo mesmo, com os outros e com as coisas,

nunca de modo separado do que é vivido. Neste caso, pelas egressas, no qual o formar-se a si

mesmas é um tecer-se em forma de aguayo nas temporalidades de cada uma delas.

Figura 7 - Múltiplos movimentos relacionais

Fonte: elaborado pela autora (2018).

Nessa relação, principalmente com os outros no sentido heteroformativo, em uma

dimensão autoformativa, Pineau (2010) chamou a minha atenção quanto à perspectiva de

Page 168: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

166

autonomização educativa. Para ele, urge uma problemática de poder, definindo-a como a

apropriação por cada um do seu próprio poder de formação. Trata-se do empoderamento de si

para si, do ser-pessoa, mas não sendo outra pessoa. É um habitar-se a si próprio como um

empoderamento vital.

No que tange a essa problemática, o referido autor dialoga com o educador e sociólogo

Joffre Dumazedier (1980), do qual Paulo Freire, quando esteve no Brasil (1961), foi aluno.

Em Dumazedier encontramos em todas as suas obras, de modo transversal, estudos sobre a

autoformação e, finalmente, a sua última publicação foi dedicada à autoformação, que

considera a vida como o lugar da formação no sentido da formação permanente, como

também entende Pineau, quando a vê como um ―reforço do desejo e da vontade dos sujeitos

de regular, orientar e gerir cada vez mais eles próprios o seu processo educativo‖

(DUMAZEDIER, 1980, apud PINEAU, 2010, p. 99). Essa construção da persona sempre em

relação possui elementos internos e externos marcados por fases que distinguem um momento

da vida do outro, e dos outros, o que Pineau (2010, p. 101) destaca, ao dizer que possui:

[...] função de síntese, de regulação, de organização dos elementos múltiplos e

heterogêneos (físicos, fisiológicos, psíquicos, sociais...), que constituem o ser vivo,

numa unidade viva. Função sempre em ação, pois a unidade viva nunca é evidente.

É sempre atravessada e questionada por tipos de pluralidade: uma pluralidade

sincrônica de trocas incessantes dos múltiplos componentes internos e externos e

uma pluralidade diacrônica dos diferentes momentos das diferentes fases da

transformação do ser.

No entendimento do referido autor, há um exercício permanente da função da

formação que perscruta, no sentido vital, uma construção heterogênea de um ser único.

Posteriormente, ele vai chamá-la de individuação. Esse exercitar-se do constituir-se não diz

respeito a entrar em um padrão estilizado, mas ao formar-se de modo significativo e

integrado, considerando os três movimentos como tempos formativos.

Nesse movimento permanente do formar-se, retomei e tomei as biotecituras de cada

egressa, com as quais sigo a tecer considerando as dimensões que elegi para esta pesquisa e

que ora são tensionadas. Prossigo com a intenção da construção e composição dos fios que

estampam o aguayo. Para o próximo fio de entremeio, exercito o diálogo com a dimensão

pessoal das egressas de Pedagogia considerando seus processos bioformativos intercruzados

com outros processos. A intenção é trazer excertos das biotecituras que mais se aproximaram

com essa construção de entendimento da dimensão pessoal das egressas. Não é minha

intenção discutir a identidade pessoal, mas buscar saber quem são essas egressas observando

suas constituições familiares e socioculturais.

Page 169: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

167

4.2 A dimensão pessoal das egressas de Pedagogia: constituição das subjetividades nos

processos bioformativos

Abro o diálogo com essa dimensão trazendo um excerto que ilustra o início do

tensionamento desse fio de entremeio como construção de processos de temporalidades

individuais interfiados por processos coletivos familiares e socioculturais diversos.

[...] meu pai fala claramente que ele levava o caderno na sacolinha de arroz, que quando acabava o arroz, eles

precisavam brigar, eles brigavam quem queria pegar a sacola de arroz nova, né? Então era isso, pra levar pra

escola. (Egressa 10, 2018)

Nessa perspectiva de um pensamento formativo de processos múltiplos, faz sentido o

que Nóvoa (1992, p. 13) fala sobre a formação, ou as formações, considerando o

desenvolvimento pessoal no produzir a vida do professor. Para o autor, é necessário

―(re)encontrar espaços de interação entre as dimensões pessoais e profissionais, permitindo

aos professores apropriar-se dos seus processos de formação e dar-lhes um sentido no quadro

das suas histórias de vida‖.

Considerando as biotecituras, no que se refere à dimensão pessoal, a percepção de si

para si e para os outros das colaboradoras me ajudou a compreender o contexto do cenário

familiar, a trajetória da formação pessoal e escolar das egressas. Assim, pude saber de onde

elas estão falando, seu chão cultural com suas ontologias e suas autopoiesis.

Ouvindo as egressas, as gravações, e lendo as transcrições, fui entendendo a

composição do cenário social, cultural, econômico e familiar delas. São oriundas de famílias

que retratam a constituição da realidade das famílias brasileiras, em que os pais são

trabalhadores e filhos de trabalhadores. Assim, a subsistência aparece como principal

prioridade na ordem do dia e os estudos para os filhos, para este trabalho, as egressas filhas

desse contexto familiar, como uma grande possibilidade de ―ser alguém na vida‖, pois muitos

deles se colocam à margem dessa realidade social.

Entre as famílias populares do cenário educacional brasileiro, era comum ouvir dizer

―meus pais estudaram até a antiga quarta série‖, o que denotava a conclusão de um ciclo de

estudos daquela época. Em alguns casos expressos na biotecituras, os pais concluíam somente

as séries iniciais, pois muitas vezes moravam em pequenos lugarejos, distritos ou até fazendas

e sítios. Naquela ocasião, essa escolaridade se constituía, para muitos, como a básica e a única

possível.

As falas das egressas trazem à tona esse contexto familiar no que concerne à pouca

instrução escolar de seus pais, o que possibilita rever a época, o lugar ou não lugar da

Page 170: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

168

educação escolar para o contexto do cotidiano de muitas famílias, principalmente de camadas

populares. Sobre essa realidade, a Egressa 23 (2018) expressou que:

Eu sou filha de pescador, [...], minha mãe estudou até a primeira série, antiga, né? Primeira série, e meu pai

estudou até a quarta série. Ambos desistiram, né? Na época não tinha essa questão de escola, não era

prioridade, casaram muito cedo também. Então, eu me formei no ensino médio em 96, técnico em contabilidade,

aí logo após casei, depois do técnico de contabilidade eu me casei, tive filho, fiquei 12 anos sem estudar.

(Egressa 23, 2018, p. 01)

Em alguns casos, como o da referida egressa, o casamento e as condições de

sobrevivência também se constituíam um limitador da continuidade dos estudos, e, com o

nascimento dos filhos, as responsabilidades decorrentes do casamento, elas são como que

empurradas para o mundo do trabalho. Lendo as biotecituras de algumas egressas, me parece

que mesmo com um pouco mais de instruções que seus pais, essas egressas repetiam ou

reescreviam de modos diferentes a história deles.

Ora, assim expressou a Egressa 21 (2018):

A questão foram as dificuldades da vida que me fizeram retornar para escola muito tempo depois, fiz até a

oitava série seguidinho, sem reprovar e aí com 16 anos fiquei grávida.

Vê-se que são tempos que se cruzam e exigem que elas os habitem. Algumas só foram

dar continuidade aos estudos, tanto do Ensino médio como superior, depois que os filhos já

estavam maiores e em idade escolar.

O desafio da continuidade dos estudos acadêmicos mais avançados, depois de ser

esposa e mãe, é uma realidade que várias egressas assumiram e assumem como

enfrentamentos.

Eu acordava de madrugada pra fazer o Telecurso 2º grau. E assistia jornal pra me atualizar e tal, e quando

chegava... eu decidi estudar quatro horas por dia. Quatro horas da tarde eu parava tudo que eu estava fazendo

e ia estudar e ficava lá até oito horas. As minhas amigas, colegas, ficavam me criticando, „que que você quer

com isso? Já está velha‟, „onde isso vai te levar?‟. (Egressa 9, 2018)

A egressa, ao falar de si, se reconhece como protagonista do seu próprio formar-se,

recolhendo para si todos os seus movimentos pessoais formativos e os colocando diante de

seus olhos, não como partes isoladas com gradação de importância, mas como possibilidades

potencializadoras de vivências da auto e heteroformação. Assim, comentou:

Parei de estudar durante mais de 15 anos. E aí eu voltei... voltei no Magistério e aí eu não parei mais. Só que

esses 15 anos de vivência acho que foram fundamentais porque a Pedagogia do cotidiano hoje eu consigo fazer

essa leitura, né, que a Pedagogia do cotidiano, ela não é ensinada nos (bancos) das universidades, né? Então a

maternidade, ela é uma grande professora, não é só o amamentar, isso também é muito importante, não é só

você lavar, passar e cozinhar, é você lavar, passar e cozinhar também. É educação dos filhos, a sua reeducação,

a sua transformação no olhar da menina que deixou de... aí com 16 anos já fui ser mãe e aí tive o casamento

conturbado igual ao da mãe depois. (Egressa 21, 2018, grifo nosso)

Page 171: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

169

O trabalho, os cuidados dos filhos e a continuidades dos estudos não se conjugavam

em um mesmo tempo no sentido de coexistirem como possibilidades. Nesse mesmo contexto,

ocorrem outros aprendizados quando se observa e se envolve com a realidade, o que, para

referida egressa, não se expressa como um tempo perdido e que não foi aproveitado, mas

como outra ou outras possibilidades de acessar outros saberes, que ela chama de Pedagogia do

cotidiano. Nela, ela traz a educação dos filhos, sua reeducação e sua transformação pessoal.

Ela está envolvida com todo esse processo. Nesse cotidiano, ela concebe a própria experiência

como processo formador e movimento de transformação pessoal. Nessa constituição do ser-

pessoa em processo de mudança, enxergo como que do alto o movimento tripolar de Pineau

(2003), em um cruzamento de fios bioformativos.

Nessa mesma perspectiva de vida pessoal, outra egressa relatou:

Casei cedo, aí terminei o Ensino Médio, parei de estudar, três filhas. Só que assim sempre houve esse desejo de

se formar, sempre tive essa vontade, só que impossibilitou devido às crianças, né? Eu trabalhava período

integral então o único período que eu tinha pra ficar com ela era à noite. E eu decidi abrir mão da minha

formação pela formação das minhas filhas, não me arrependo porque hoje eu vejo o resultado disso. Tenho

duas filhas que já são formadas, são advogadas, né? Tudo de escola pública. (Egressa 30, 2018)

Para essa egressa, a vida se explica nela própria em razão das escolhas feitas, e afirma

que se interrompeu os estudos formais, foi por priorizar seus outros processos formativos

humanos, que são todos imbricados.

Em um outro aspecto, ao observar a história dos pais das egressas, de modo geral,

salta-me aos olhos um dado interessante, a meu ver, pois verifiquei a pouca instrução escolar

dos pais de quase 90% das egressas entrevistadas. Essa realidade se constituiu um motor

impulsionador para seus filhos e filhas continuassem os estudos, já que os pais viram na

educação escolar formal e depois acadêmica, uma chance real de mudança de vida pessoal e

profissional. Diante do exposto, a Egressa 18 (2018) expressa:

E a minha família também, apesar de simples, meu pai estudou até a quarta série, minha mãe terminou já na

EJA, minha madrasta também na EJA, meu pai acabou não terminando e parou, pedreiro, empregada

doméstica, então assim, não sei pela falta que eles tiveram desse processo educativo formal, eles acabaram

tornando isso como prioridade na minha vida e na vida dos meus irmãos. Então, por mais que a gente fosse

simples, eles faziam questão que a gente se dedicasse ao máximo, dentro das condições que a gente tinha, na

escola. Tinha que ter frequência sempre, ter bom comportamento, as notas boas, desenvolver um

comportamento assim que eles não se envergonhassem da gente, que a gente recebesse elogios mesmo. (Egressa

18, 2018, p. 02-03)

Nesse mesmo sentido, outra egressa disse:

Meu pai, ele se dizia que sabia ler, mas mal escrevia o nome e aquela leitura, né, de 1900 e bolinhas, vamos

dizer assim. A minha mãe analfabeta que foi criada... ela conta a história dela que ela foi criada pra ser esposa

e mãe, nada mais. E veio a separar do meu pai, criar nós sozinha e ela costumava dizer o seguinte: „uma pessoa

que não sabe ler é uma pessoa cega‟ e ela se esforçou assim muito pra que nós estudássemos. Uma pessoa

Page 172: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

170

assim que eu digo assim a minha mãe, ela não só tem o conhecimento teórico, mas ela tem um conhecimento,

uma sabedoria que assim é uma mulher que eu admiro demais. (Egressa 30, 2018, p. 01-02)

Em um outro momento, a mesma egressa resgata em sua história pessoal, a presença e

o papel do outro, em que emergem as questões da heteroformação em um espaço temporal da

vida pessoal, como condição sine qua non para a construção de si.

Eu fico vendo assim o quanto a minha mãe nos incentivou. De nós três, eu sou a única que tenho formação

superior. [...] Porque lá atrás eu tive a minha mãe que incentivou, que não tinha conhecimento, não conhecia

uma letra, mas ela exigia que nós fossemos pra escola todo dia. (Egressa 30, 2018, p. 08)

Observei que alguns pais eram até analfabetos de escolarização, outros tinham pouca

instrução, mas percebi em todas as biotecituras, que os pais conseguiam entender, no sentido

de ter consciência, a sua própria condição social e educacional. Por isso, se faz presente a

compreensão de um esforço para priorizar os estudos dos filhos para além da instrução básica.

Esse movimento de consciência dos pais e das filhas se sustenta em um movimento de

autoformação. Eles conseguiam separar a si mesmos e seus processos sem suspendê-los, mas

tendo-os sempre à vista para poderem dizer aos filhos: o caminho é por aqui. Foi o que

encontrei bem demarcado na biotecitura da Egressa 18 (2018):

A educação era prioridade. Tanto é que até eu terminar o ensino médio, apesar de minha família precisar, eu

não trabalhava. A gente insistia. Adolescente acha que precisa trabalhar. Não entende da vida ainda, mas a

gente não entende que o importante é estudar naquele momento. Eu não entendia, pedia, mas eles não

deixavam. Então, a prioridade era o estudo. E aí só fui trabalhar após terminar o ensino médio. Então, assim,

sempre batendo firme que era preciso prestar atenção na escola, se esforçar pra tirar sempre notas boas,

aprender. (Egressa 18, 2018)

Essa situação não é estranha para a minha própria trajetória de formação pessoal.

Observei esse mesmo comportamento nos meus pais. Para eles, o fato de os filhos estudarem

significava a possibilidade de ascensão social. Ou seja, visava a conquista segura ou provável

de um trabalho com maior reconhecimento financeiro e humano.

Algumas egressas são filhas primogênitas. Então, diante da perda do provedor da

família ou da separação dos pais, muitas passaram a assumir a casa dos pais, se transformando

na principal responsável pelo sustento de todos, como explicitou logo de início na entrevista a

Egressa 11 (2018), ao pontuar que:

Eu sou responsável pela minha casa ultimamente. Desde 2014, eu sou responsável pela minha casa. Então,

como pessoa... ai, difícil falar como pessoa... extremamente responsável, mãe, cuidadosa [...].

Para a Egressa 11 (2018), as responsabilidades aparecem no tom de obrigações

necessárias para prover a família, em um sentido de sua própria honra.

Page 173: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

171

Outras, devido às questões de sobrevivência, tinham que trabalhar desde cedo para

ajudar a família e a prover a sua própria subsistência:

A gente sempre como filhas compreendeu essa questão da gente precisar trabalhar muito cedo. Eu vim morar

com uma prima. na verdade, pra ser babá do filho, que isso acontecia muito. (Egressa 30, 2018)

Outra egressa abordou as condições da família e a necessidade da ajuda por parte dos

filhos, até mesmo nos cuidados e na orientação dos irmãos mais novos, e assim comentou:

Venho de uma família simples. Meu pai e minha mãe não tinham terminado nem o ensino médio e a minha irmã

foi minha professora já na segunda série, então... e ela sempre trabalhou como professora. Então, eu acho...

acho não, né? Na verdade, eu penso que eu me inspirei muito na minha irmã e principalmente na profissão dela.

(Egressa 16, 2018)

Considerando as responsabilidades da família, as condições sociais e culturais, entendi

que para incentivar os filhos a estudarem, ou por já ter os filhos criados, muitas mães

retomavam os estudos. Esse comportamento se repete muitas vezes com as filhas mulheres

que passam a assumir a família.

[...] venho de uma família como acho que a maioria a gente sabe, né? De uma família humilde. Meu pai

estudou... ele não chegou a concluir a quarta série e minha mãe, passado tempos [...] foi que ela também se

iniciou, na verdade, o segundo grau [...]. Então, nós três formamos juntas, [...]. (Egressa 10, 2018)

No fragmento dessa biotecitura, mais uma vez, a mãe, a mulher, faz um novo

movimento de si em direção aos outros (hetero), para seguir tecendo sua própria história

pessoal (auto), imbricada em contextos culturais e ambientais (eco) necessários para o formar-

se.

Elas precisam trabalhar dentro e fora de casa, cuidam dos filhos em idade escolar nas

séries iniciais. Assim, quando estão maiores, mais independentes e algumas até com filhos na

educação superior, voltam a estudar, pois a educação escolarizada constitui-se uma porta para

a emancipação social, financeira e para a realização pessoal.

No trecho que se segue, a Egressa 30 (2018) relata uma situação que exigiu dela uma

nova escolha, uma decisão, talvez a mesma que seus pais fizeram por ela, mas as suas filhas,

dessa vez, optaram por apoiá-la:

Então... e quando eu resolvi... que até então você imagina, depois de 25 anos sem estudar... não, 25 anos,

menos, acho que 20. [...] E eu já tinha desistido e minha filha quando começou a entrar na universidade, fazer o

vestibular e o Enem. [...] ficou muito „não, mãe, a senhora vai conseguir porque a senhora gosta de ler, a

senhora vai se dar bem‟, né? Ficou me incentivando e eu fui e fiz. [...] Eu ia passar deixar uma na escola, a

outra e depois eu iria pra minha, né? Naquele momento, na hora de sair, o pneu estava furado. [...] A outra

mais velha „não, mãe, eu vou ficar com a senhora‟ e meu marido tava viajando nessa época „eu vou ficar com a

senhora‟. Ficamos ali, arrumamos o pneu, só aí o tempo já não dava pra nós duas fazer. E eu „não, filha, vai‟,

porque até então, pra mim, eu quero o que, né? Estudar. Hoje é elas, né? Ela „não, mãe, eu já tenho a bolsa, a

senhora vai fazer. Se a senhora não fazer, ninguém vai fazer‟. E ela foi comigo, ficou os dois dias de vestibular

Page 174: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

172

lá esperando porque naquele tempo eu tava recém iniciando a dirigir, aquela insegurança, né? (Egressa 30,

2018, p. 04-05)

Em um outro momento, essa mesma egressa relatou que uma de suas filhas, no

primeiro dia de aula na Pedagogia, se colocou do lado de fora da sala de aula e ficou a

acompanhando.

Essa é uma realidade no curso de Pedagogia campus Cuiabá, onde eu acompanhei

desde a minha turma. Há várias mulheres que voltam a estudar, mas como já constituíram

família ou tem filhos, em vários momentos, trazem para a sala de aula seus filhos menores,

quando não tem com quem deixá-los. Por isso, não é de se estranhar no curso de Pedagogia

termos estudantes mulheres trazendo consigo seus filhos menores.

Nas vozes das egressas, emergiu a luta de muitos pais e mães pela educação de seus

filhos, principalmente das mulheres. Observei que, para as egressas, trazer essa trajetória

inicial dos pais, era como que dizer: eles tinham pouca instrução formal escolar devidos às

precárias condições sociais e econômicas da época, mas detinham o conhecimento da vida na

vida. Os pais olhavam para suas vidas e projetavam nos filhos algo diferente no sentido de

uma nova perspectiva de vida, a qual só podia vir pela educação formal.

Um exemplo é a formação escolar na Educação Básica do ponto de vista da

experiência da egressa, que, em algum momento, passam a entender essa realização, essa

satisfação por parte dos pais, que devido aos estudos dos filhos são capazes de fazer

sacrifícios. Em razão disso, muitos migram do campo para a cidade, ou de uma cidade menor

para uma que ofereça mais condições de estudo e trabalho, onde se deparam com um ritmo de

vida e ensino mais exigente. Como conta Egressa 9 (2018), que em meio a uma reprovação

escolar ainda no ensino básico, compreendeu o esforço da mãe e passou a dar maior valor aos

estudos:

[...] depois que eu repeti esse terceiro ano, a minha vida escolar se transformou, né? Porque eu vi minha mãe

assim, que ela acreditava muito. Eles saíram do sítio pra cidade pra dar estudo pros filhos. Era o sonho dela ver

todos os filhos formados. Ela diz que tinha o sonho de ver todo mundo chegando do serviço, engravatado e tudo.

E quando eu reprovei, eu vi assim aquela tristeza no olhar dela, sabe? E daí pra frente, eu comecei a me dedicar

mais.

Nesse sentido, expressou também a Egressa 16 (2018):

E eu falo pra minha mãe que eu agradeço muito ela, porque ela me ensinou, mesmo com muitas adversidades,

de toda uma história complicada da minha infância, da minha adolescência, na época da faculdade também

[...]. (Egressa 16, 2018, p. 34)

A satisfação dos pais passa a ser, para muitas egressas, a principal motivação para dar

prosseguimento aos estudos. As biotecituras ajudaram-me a entender que as famílias desse

Page 175: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

173

grupo de colaboradas, mais de 80% delas, são provenientes de camadas populares, filhas de

trabalhadores do campo, assalariados, autônomos e um grupo de funcionários públicos.

Nesse contexto, os estudos passam a ser uma questão humana de sobrevivência futura,

de um acreditar em uma condição melhor. Ademais, a pouca instrução, as precárias condições

de vida e os baixos salários também foram fatores determinantes para fazer um curso superior,

assim como expressou a Egressa 9 (2018, grifo nosso):

Pra mim, o dia mais triste do meu trabalho, e eu sempre me dedico muito no que eu faço, nos trabalhos, era o

dia que eu recebia. Eu entrava dentro do banheiro e chorava, mas eu falava assim, ‘a culpa é sua. Por que que

você não estudou mais?’.

As condições econômicas e sociais estavam sempre postas como um fato que

representava superação, enfrentamento e resistência.

Nessa fala da referida egressa, aparece o entendimento da formação no sentido pessoal

e profissional como uma construção pessoal amalgamada, imbricada em múltiplas

temporalidades formativas, as quais compreendo como Pineau (2003), que elas vão sempre de

um polo para outro, se movendo permanentemente. Nesse caso, há um desejo de vencer o

imposto da espera de um tempo que parece ser oco e sem sentido. Pineau (2003), em diálogo

com Moles (1984), diz que a vida, no sentido de ela toda do ser-pessoa é sobrecarregada por

esse imposto da espera. A expressão ―a culpa é sua‖ surge como alavanca de confronto com o

autoformar-se, de uma necessidade de descontinuidade do tempo, da espera que parece ser

como disse a egressa, frustrante. Denota-se uma compreensão de um processo formador

humano que não ocorre de modo isolado, mas é global relacionado ao ser-pessoa.

Por isso, faz sentido as egressas trazerem, nas suas biotecituras, a educação herdada na

família, as influências do meio social e do meio ambiente cultural (hetero-eco). Nesses

aspectos, consigo observar a presença do movimento tripolar de formação estudado por

Pineau (2003; 2005) em vários momentos (tempos) vividos pelas egressas em seus tempos,

nos tempos dos outros e das coisas.

Em uma outra biotecitura, a mãe se coloca como a primeira professora de seus filhos.

A figura matriarcal é sempre muito atuante nos processos formativos, como conta a Egressa

21 (2018):

A minha mãe toda vida teve uma preocupação muito grande em garantir que os cinco filhos, eu sou a terceira,

somos três meninas e dois meninos, eu sou a do meio, a (coluna) do meio, então ela sempre se preocupou

enquanto pessoa, mas ela é educadora também, né? Em garantir minimamente que a gente tivesse algumas

oportunidades de leitura, de cultura. Nós nunca fomos ricos, muito pelo contrário, a gente passou muitas

dificuldades na infância, coisa de... questão material mesmo.

Page 176: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

174

Para os pais, há uma certeza que a educação, enquanto formação humana e

profissional poderia ‗colocá-las‘, no caso, as filhas, em uma situação melhor de vida e

dignidade humana. Por isso, a satisfação de vários pais e das próprias egressas por estarem

cumprindo esse desejo e sonho que não era só delas, mas também de suas famílias. Ora, ser a

primeira filha na família a obter uma formação superior e em uma universidade pública

federal, já era uma vitória a ser festejada, como expressou a egressa:

Com relação ao superior, foi uma coisa bem interessante, ao mesmo tempo até gratificante pra mim, porque eu

fui a primeira da família a fazer um curso superior, né? Na minha família, tanto na parte da minha mãe como

na parte do meu pai, não havia ninguém formado no superior. Então, assim, minha família ficou amplamente

grata, todo mundo, né? Poder ver eu me formando, e pela UFMT ainda. (Egressa 19, 2018, grifo nosso)

Essa conquista formativa apareceu nas biotecituras de todas as egressas em graus

diferentes. Em razão disso, para esse aspecto, apresento mais alguns excertos que ilustram

bem essa realidade.

Fui a primeira filha dos meus pais, minha mãe não teve o ensino todo... superior e nem médio, os dois chegaram

até o quarto ano do ensino fundamental. Minha mãe, empregada doméstica e meu pai, lanterneiro. Então,

assim, eu nunca trabalhei antes de terminar os estudos [...] meus pais preferiram que eu terminasse os estudos

pra conseguir uma vaga numa universidade pública, porque não haveria dinheiro mesmo de pagar uma

particular. E aí eu consegui, passei... (ai, eu vou chorar) (risos). (Egressa 5, 2018)

Eu fui a primeira. E depois meu irmão… acho que depois, assim, que houve mais uma abertura num contexto

nacional em relação à possibilidade de ir pra nível superior. Meu irmão também fez. Ele fez Gestão de Pessoas,

mas na área dele, que ele é gerente de vendas. (Egressa 27, 2018)

Na família, sou a primeira a entrar no nível superior. Atualmente, alguns primos já possuem o nível superior.

(Egressa 22, 2018)

Observo, nas biotecituras das egressas, movimentos múltiplos vividos de construção

de si. Elas trazem à memória um conjunto de momentos intensos que eu entendo como um ou

vários fios ontológicos do ser-pessoa. Todos eles parecem que anunciam um devir. Como

cada uma busca, em sua própria história pessoal, ganchos de aprendizados que estão

armazenados em um determinado tempo que vai se estendendo-entendendo até onde elas

estão se percebendo e se deixam perceber.

Desse modo, concordo com Pineau (2003), quando afirma que a formação humana vai

se impondo juntamente com várias outras temporalidades como uma função vital de um devir

ontológico.

Para algumas egressas, a escolha do curso superior passa muito mais por uma

satisfação a ser dada aos próprios pais no sentido de obediência, do que propriamente por uma

escolha livre e refletida no âmago pessoal, passando a significar um compromisso com a

família:

Page 177: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

175

[...] a minha questão de formação de nível superior, eu vejo que foi muito mais, vamos dizer assim, pelo

incentivo deles, não é né... é incentivo, porque eu fui criada assim: você tem que crescer, estudar, se formar,

trabalhar, e aí casar. Então, eu tenho isso incutido em mim. É óbvio que aos 33 anos eu já me libertei de muita

coisa que foi incutida em mim, mas assim, isso é uma coisa que não sai da minha mente. Alguns chamam isso de

imaturidade. Não, eu chamo isso de obediência. [...] Meus pais, eles não têm escolaridade de nível superior,

mas eu vejo que eles se realizam através de mim. É errado? É. Eu aprendi na faculdade, estudando Psicologia,

tal, tal que isso, de certa maneira, isso é errado, mas eu aprendi a ver o lado bom da coisa [...]. (Egressa 8,

2018)

Com isso, pode ocorrer a realização exterior alheia à sua própria vontade, mas que

apresenta algum grau de satisfação pessoal, pois está vinculada a uma relação afetiva que é

correspondida, mesmo quando a pessoal é negociada. Esse sentimento de incentivo e

incutimento se filia à heteroformação, que está fortemente colocada nessa relação com aquilo

que os outros representam e, assim, conseguem constituir no outro seus saberes, modos,

cultura e crenças, dentre outros aspectos que podem acompanhar a vida desde a mais tenra

idade o ser-pessoa. Quando a Egressa 8 (2018) exclama que já tem 33 anos e que já se sente

livre, tanto para olhar como para se distanciar dessas ―coisas incutidas‖, entendo que essa

capacidade de reorientação pessoal está ligada à autoformação no sentido de uma integração

dessa formação e emancipação. A respeito disso, Pineau (2006, p. 56) fala da aprendizagem

não formal, mas pessoal e experiencial, pois ele diz que ―só um face a face com sua vida

permite aproximar o face a face com os outros e efetuar um caminho formador com eles‖.

Não é desconsiderar o outro, mas se perceber a partir do outro.

O mesmo movimento foi observado na biotecitura da Egressa 21 (2018), quando ela

como que se toma nas mãos, o que ela chama de memória pedagógica, como algo que ora está

solto e ora está preso na vida privada e nela, mais uma vez, se reencontra e se reconhece nos

outros, nas outras colegas também mulheres, ao dizer que:

Quando eu voltei a estudar essa herança, essa memória pedagógica que ficou do sofrimento no mundo, da vida

particular, da (vida) privada ali, ela aflorou porque foi ao encontro de outras histórias aqui dentro e muito

articulada já com aquela vivência que a gente tinha da vida de dona de casa, onde eu conheci a Economia

Solidária, um movimento social. Antes de entrar na faculdade, eu já tinha conhecido o movimento social, tanto é

que eu só voltei pra estudar não foi por nada porque o movimento social, ele foi determinante no sentido de

provocar e dizer „você pode ser mais do que isso‟ e eu não acreditava. Te juro que esse estigma de não

acreditar em si me acompanhou porque eu não dou conta, „eu não posso, eu não dou conta‟, eu ouvia isso muito

do meu marido. Egressa (21, 2018, grifo nosso)

Esse caminho formador vai se abrindo de modo autoconsciente, desentranhando e

sendo reconstituído em todos os momentos que formam a vida, considerando que há, nessa

relação com os outros, processos sociais e culturais que já nos formaram, os quais, por sua

vez, agora, assim como eu estou fazendo, nós, juntos, estamos ressignificando esses processos

em uma nova escrita ou reescrita de si no movimento do formar-se.

Page 178: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

176

Há também outra situação, na qual o pai é professor e se manifestou na escolha

acadêmica da filha, no sentido de querer orientá-la a escolher um curso que tenha maior

oportunidade financeira de trabalho, pois para esse pai e professor, a Pedagogia se apresenta

como um curso de pouco reconhecimento financeiro. É o que fica expresso na fala da egressa

ao confrontar sua escolha profissional com os sonhos de realização profissional de seu pai.

Quando eu escolhi ser... vir pra faculdade fazer Pedagogia, meu pai não gostou muito, „ah, mas vira professora

e tal‟, mas era aquela ideia assim, „eu não gosto porque você não vai receber muito bem, minha filha, mas se

você quer fazer, faça‟. (Egressa 16, 2018)

A referida egressa disse que, na intenção de ajudar:

Ele falou assim „você não quer fazer letras? Não quer fazer matemática? Química? Física?‟ Eu falei „não, eu

quero fazer Pedagogia‟ e já pensando que o meu âmbito escolar seria a Educação Infantil. Então, no que eu fiz

o vestibular, passei pra Pedagogia e fui fazer o curso. (Egressa 28, 2018)

Em um outro contexto com tensões e conflitos familiares e o preconceito social, a

percepção das condições de si em um desejo de superação foi o elemento fundamental para

vencer imposições coercitivas emocionais e sociais. Assim, estudar ou dar continuidade aos

estudos era a única alternativa a ser perseguida, como relatou a egressa:

Eu entrei no curso de Pedagogia com muitos preconceitos, que a gente tem da nossa sociedade, da cultura. E aí,

às vezes, uma família simples não tem certas compreensões que talvez uma família com um pouquinho mais de

estudo tenha. Então assim... mas desmistificou tudo, eu me tornei uma outra pessoa, literalmente. Então, eu

acredito no curso de Pedagogia, tanto na perspectiva de formação, do papel que a educação tem na vida da

pessoa, e também como o curso em si ajudar na formação da pessoa, enquanto sujeito da sociedade mesmo,

como cidadão. (Egressa 18, 2018)

Esse tornar-se outra pessoa sendo ela mesma, essa percepção de si é possível no

sentido da observadora ser ela mesma ao identificar a multidimensionalidade formada por

aspectos sociais, socioculturais, emocionais e educacionais em seu processo formativo e

humano.

Esses processos pessoais são constituídos, como já observei em várias biotecituras, de

vários aspectos, os quais seguem tensionando a vida das egressas em suas várias

temporalidades.

Foram muitas lutas, né? Muitas lutas, questão pessoal mesmo. Na época da faculdade, eu me separei. Aí foi um

tempo bem difícil. Aquela luta diária. Tive que trabalhar e estudar, trabalhava... estudava de manhã, que era

período matutino, e à tarde eu consegui estágio no Sesi. Então, fiquei... durante a faculdade fiquei dois anos no

Sesi, saí em 2012 do Sesi. (Egressa 23, 2018)

Para a egressa mulher, trata-se de uma luta que ela trava consigo mesma, com sua

família e com a sociedade. Assim, nessa busca, elas expressam que:

Page 179: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

177

Eu sou uma mente meio que inquieta, não consigo me acomodar e dizer é assim mesmo tem que deixar, não vai

mudar, a vida toda foi assim [...]. (Egressa 1, 2018)

Por isso, nesse processo, esse ‗sair da espera‘, remete a si mesma, corroborando com o

que Dumazedier (1980) e Pineau (2010) compreendem por autoformação que nasce no ser

que deseja se autogerir em sua própria educação em seu próprio tempo.

Essa consciência de si e dos vários outros contextos que vão sendo tecidos pelas novas

escolhas advindas dos estudos em uma instituição pública federal, aparecem nas biotecituras

como um privilégio, uma medalha a ser ostentada com satisfação e respeito, pois quem diria,

a filha do trabalhador e da trabalhadora do campo, pedreiro, pescador, analfabeto,

semianalfabeta, mãe dedicada ao lar e em outro momento, faxineira, pais professores da

educação básica, e, filhos e filhas com uma vida inteira escolar construída no ensino público,

agora essas pessoas estão sentadas em um banco de uma universidade pública federal? Foram

esses cenários que vi sendo estampados nas vozes das egressas. Uma delas assim explicou:

Eu estou aqui na UFMT. Isso já me engrandecia e muito, [...] nesse sentido da minha vivência agora, isso me

engrandecia muito. Todo mundo falava assim, „onde você estuda?‟. Na UFMT. „Nossa, mas você estudava só em

escola pública‟. Estudei só em escola pública. „Ah tá, onde você vai agora?‟ „Vou ler na biblioteca. Vou fazer

alguma coisa, tô lendo um livro, tô fazendo alguma coisa (a mais)‟. „Nossa, por isso que você passou na

UFMT‟. Falei: „não é‟. Essa rotina do estudo, às vezes, eu não tinha, mas é o querer, procurar saber, não é só...

e aí o tempo retorna novamente, a ideia do, „o que eu estou fazendo com meu tempo?‟ [...]. (Egressa 16, 2018)

A relação interpessoal com o outro (hetero) possui outros sentidos de trocas, porque se

tem algo essencialmente individual que foi construído fora de um controle estabelecido. O

sentir-se (auto) rompe e quebra esse paradigma da naturalização do lugar da mulher na

sociedade e na família. Por isso, a vitória pessoal sobrepondo a conquista familiar.

[...] foi uma das experiências mais fantásticas, receber um certificado, um diploma universitário. [...] felicidade

é acabar de terminar um curso numa universidade federal [...]. (Egressa, 3, 2018)

A conquista pessoal gera uma satisfação que impulsiona os processos de construção de

si para si, que vem resgatando a autoconfiança e a autoestima da mulher. Ela se reconhece

melhor em vários aspectos humanos como confirma a fala da Egressa 27 (2018):

Eu acho que, assim, quando a gente melhora como pessoa, como pessoa em si, a gente automaticamente vai

melhorar como profissional. É uma caminhada que não separa também seu pessoal do seu profissional. E aí eu

fiz esse processo de formação, e eu gostei bastante de tá fazendo. (Egressa 27, 2018)

Nessa dimensão, percebo os muitos fios que se tecem para uma constituição pessoal

do ser-pessoa. A história familiar-cultural caracteriza a origem da egressa. Nas entrevistas,

muitas vezes, as vi se emocionarem com suas trajetórias de vida, pois todas elas estavam e

estão coladas emocionalmente em seus progenitores. Ora, estamos falando de avós ou alguém

Page 180: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

178

que as adotou, mas, enfim, todos são parte da sua família, e não estavam ali comigo naquela

entrevista falando somente de si. Por conseguinte, as conquistas são quase sempre coletivas e

de esforços múltiplos.

Nessa tecelagem pessoal, identifico o movimento de tempos formativos em busca de

rompimentos com estruturas sociais preconceituosas dominantes dos ‗tempos livres‘, pois os

sufocam e oprimem, regulam a vida das pessoas impondo gradações de valores e condições

como sendo um determinismo natural da pessoa, ou de um dado grupo social. Por isso, a

autoformação quando percebida e assumida pelas egressas em seus tempos, lugares e

condições sociais, é capaz de romper e extravasar essa estratificação social e educacional

perpetuada por gerações. Nesse sentido, Pineau (2010, p. 100) expressa que:

[...] a autoformação é para demasiadas pessoas – em especial para os indivíduos

socialmente dominados – uma luta árdua de sobrevivência em todos os instantes e

lugares que não pode ser ligada unilateralmente a tempos livres que não são

automaticamente tempos educativos.

Há um esforço entre os elementos auto, hetero e ecoformação, uma vez que se trata de

uma relação que ajuda a formar o ser-pessoa, mas também a sua individuação que vai

particularizando uma persona das demais personas.

O item seguinte ajuda a compreender que tanto o tempo pessoal como o da formação

inicial estão cimentados na vida. A base inicial está nessa construção primeira que se atrela

aos outros e ao meio físico, cultural e social do qual as egressas têm a sua origem.

O desdobramento dos fios que tecem o ser-pessoa ao longo das fases do

desenvolvimento humano assume outros fios e ressignificam os que já estão tecidos no

sentido de aprendizados e vão se constituindo em experiências do vivido.

O movimento de tensionamento de fios que nesta parte do trabalho foram sendo

construídos, reunidos e unidos são originários das implicações de múltiplos tempos pessoais,

sociais e culturais das biotecituras das egressas. Para essa compreensão, Pineau (2010, p. 112,

grifo nosso), em seus estudos, esclarece que:

Permitindo aos sujeitos reunirem e ordenarem os seus diferentes momentos de vida

espalhados e dispersos no decurso dos anos, a história de vida fá-los construir um

tempo próprio que lhes dá uma consistência temporal especifica. A construção e a

regulação dessa historicidade pessoal são talvez as características mais importantes

da autoformação, as que a fundamenta, dialeticamente, ativando, e talvez criando, o

processo unificador da dupla pluralidade. Daí a importância da história de vida

para a construção e o conhecimento da autoformação.

Intencionalmente, não foi essa a proposta das minhas questões de entrevistas, mas elas

foram se transformando em um grande corrimão para as egressas acessarem suas vivências

como um tempo vivido e vivo, pois elas mesmas me diziam, após a entrevista: ―Nossa,

Page 181: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

179

professora! Como é interessante pensar sobre nossas trajetórias de vida. Não pensava que iria

vê-la na minha frente desse modo‖. Fui organizando e no processo de relatá-las, os

acontecimentos iam fazendo sentido. A dimensão pessoal das egressas no ato de produzirem a

si mesmas para a composição das biotecituras como potencial formativo foram mobilizando

seus aprendizados em todos os polos do movimento tripolar de formação.

Diante dessas sínteses e inter-sínteses do ser-pessoa em construção permanente, as

minhas compreensões passam pelas de Pineau (2010), para quem a autoformação é entendida

a partir de sistema de múltiplas relações pessoais (hetero), em diferentes espaços sociais,

culturais, ambientais (eco) de tempos temporalidade plurais que exigem novas conjugações. O

desafio preconizado por Pineau (1986), com a autoformação, é a transformação da pessoa e

do corpo social do qual ela faz parte.

O movimento de novos tempos e temporalidades formativas pessoais e profissionais

surge nas biotecituras, como se pode observar na Figura 8:

Figura 8 - Egressas - Percepções de autonomizações

Fonte: elaborado pela autora (2019).

Considerando essas compreensões e construções de sentidos e significados pessoais

que foram percebidos nas biotecituras, continuo a fiação do aguayo trazendo para o próximo

Page 182: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

180

fio de entremeio aspectos da dimensão da formação inicial em uma construção bio-

epistemológica.

4.3 Dimensão-formação inicial de egressas de Pedagogia: construções-ressignificações e

empoderamentos bio-epistêmicos

E ao mesmo tempo que falava isso, falava “não, olha: você tem que voltar mesmo a estudar porque você não

sabe nada”, né? Tem que se empoderar, a palavra empoderar era... (Egressa 21, 2018)

Observo nas biotecituras que totalmente ou parcialmente, os movimentos (auto-hetero-

eco) nos processos formativos humanos e profissionais, de alguma forma, estão imbricados,

ou melhor, tais quais os aguayos andinos são tecidos por uma composição de múltiplos fios e

cores, o que muda são os teares dos contextos socioculturais e familiares.

Assim, sigo a tecer e, nesse seguir, é como se soasse um sino e o primeiro dia de aula

na academia assim começasse:

No primeiro dia de aula, ela foi comigo. Ficou lá assim o tempo todinho lá fora na UFMT sentada me

esperando. E ela falava assim pra mim: „mãe, se a senhora não entender pergunta mãe. Não fica quieta.

Pergunta se a senhora tiver alguma dúvida. Fala, não fica quieta‟ porque até então, eu assim meio que me

fechei um pouco, né? E eu falava „eu numa universidade‟ um outro mundo, né? Então, eu ficava muito receosa.

Eu falava pra minha filha assim: „eu não vou conseguir acompanhar‟. „vai, mãe, a senhora é esforçada. A

senhora é inteligente‟. É assim uma pessoa que eu devo a minha finalização do meu curso por ela, porque ela

sempre ali do lado. Nossa, a faculdade pra mim foi um sonho. Eu assim, vivi cada momento ali. Talvez o

período... talvez, se eu tivesse feito lá, né, na minha juventude quando eu terminei o Ensino Médio, talvez não

teria sido tão significante quanto foi nesse momento, né? Hoje, como profissional, como pessoa também, a

minha mente, né? Na verdade, eu posso dizer que existe eu antes da faculdade e eu depois da faculdade, né?

Eu vivi assim. Aproveitei cada momento ali. (Egressa 30, 2018)

O começo da vida acadêmica para uma jovem mulher tem um sentido, um movimento

e para uma mulher adulta, esposa, trabalhadora e mãe certamente terá outros sentidos e

significados.

Considerando esse sino simbólico, de início, reitero que a formação inicial é assumida

nesta pesquisa como parte e momento intrínseco do desenvolvimento profissional docente,

não a partir de um sentido de uma justaposição entre formação inicial e formação continuada.

Mas, por entender que a formação profissional do professor, de fato é dele, é construída por

ele. Trata-se de uma negociação pessoal, não sendo, portanto, uma imposição, pois o

professor é o principal interessado e corresponsável pela sua formação como sendo parte de

seu projeto de vida, considerando sua inserção profissional em seus contextos de trabalhos e

quanto às políticas educacionais. Em razão disso, não é um agir isolado, nem solitário, muito

menos desprovido de intencionalidades de caráter profissional. Configura-se como uma luta

de afirmação e confirmação de seu direito legítimo de aprofundamento de sua identidade

profissional e humana dentro de suas etapas de carreira docente.

Page 183: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

181

Para García (1999, p. 137), a formação profissional possibilita ao professor ir fazendo

mudanças em sua vida profissional, ao ressaltar que,

[...] uma abordagem na formação de professores que valorize o seu caráter

contextual, organizacional e orientado para mudança. Essa abordagem apresenta

uma forma de implicação e de resolução de problemas a partir de uma perspectiva

que supera a caráter tradicionalmente individualistas das atividades de

aperfeiçoamento de professores.

O referido autor chama atenção para a formação de professores com ―conotação de

evolução e continuidade‖. Ele ainda reforça que ―vemos o desenvolvimento profissional dos

professores como uma encruzilhada de caminhos, como a cola que permite unir práticas

educativas, pedagógicas, escolares e de ensino‖ (GARCÍA, 1999, p. 139).

O aprendizado do ser-professor acontece colado na vida pessoal e nas trajetórias das

experiências profissionais, sendo uma interação entre as suas histórias de vida, as fases de

formação profissional, os contextos da escola inseridos em contextos mais amplos,

educacionais e políticos. Para Day (2001), é necessário que o professor em formação faça a

síntese entre ―a cabeça e o coração‖, no sentido da totalidade do ser que pensa e age de modo

coerente, integrado e responsável.

Em razão desse movimento imbricado, tais peculiaridades requerem que o professor

em sua exposição reiterada com sua realidade escolar – sua prática e seus estudos – possa

compreender os aspectos macro e micro que envolvem a atividade docente e as políticas

educacionais em vista de sua acuidade epistemológica.

Dessa forma, esse movimento que envolve entrelaçamento, construção, desconstrução

e ressignificações, segundo enfatizam Pineau (2003) e García (1999), é um continuum,

apontando, portanto, para um entendimento comum de que a formação é um processo

permanente, que evolui conforme a fase de desenvolvimento profissional-pessoal de cada

egressa. Quanto a isso, concordo com tal compreensão, uma vez que se percebe que, em

virtude dessas características, há a gestação de mudanças não somente na prática pedagógica

do professor, mas em sua relação consigo mesmo, com seus pares, junto ao seu meio social,

cultural e familiar.

Mediante essas compreensões, puxo os fios da formação inicial das egressas de

Pedagogia da UFMT (2009/2013) e ao puxá-los, observo que esse trançamento de fios é

possível devido à aproximação e à inter-relação entre uma dimensão e outra, como ficou

evidenciado na composição das biotecituras.

Page 184: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

182

Ao iniciar esse diálogo trazendo a formação inicial desse grupo de egressas, fiquei a

pensar logo lá no início, antes do sino soar, sobre a motivação que temos ao fazer a escolha do

curso.

Comecei a pensar nas minhas motivações, pois inicialmente, para mim, a Pedagogia

era estudar para ser professora. Realidade que eu já conhecia, uma vez que tinha feito o

Magistério, mas no meu íntimo, por gostar de trabalhar com pessoas, eu queria mesmo era

fazer um curso de Psicologia, e na época, a UFMT, não tinha ainda criado esse curso, o

mesmo havia somente em uma instituição privada, mas para mim, a faculdade tinha que ser

cursada em uma instituição pública, não havia outra possibilidade.

Cheguei ao curso de Pedagogia por estar motivada a estudar a formação humana e

depois disso, eu iria pensar a docência e a escola. Dito isso, considero que há aproximação

tanto da minha história pessoal, como da formação inicial, com as trajetórias dessas egressas.

Somos todos feitos de começos e continuidades. Então, indaguei-me: quais foram as

motivações iniciais ou as disposições para se chegar ao curso? Alguns excertos me contaram

que, para algumas, se tratou de uma escolha pessoal:

E então, assim, a opção por Pedagogia não foi porque „ah, segunda opção, não deu pra outro curso‟. Não. Foi

opção mesmo, por amor. (Egressa 20, 2018 (p. 05)

Na verdade, foi a minha primeira opção minha, né? Vamos dizer, necessariamente, entrei no curso de

Pedagogia, aí eu fui pra uma salinha de aula numa escolinha particular. De lá, eu passei num concurso.

Trabalho em sala de aula há muito tempo. Me considero uma pessoa realizada e hoje eu estou na coordenação.

Então, sem o curso de Pedagogia eu não teria alcançado o que tô hoje. (Egressa 29, 2018 (p. 05)

Desde sempre, eu me lembro que eu queria ser professora. Não foi algo assim... porque as pessoas acham que

porque é fácil de passar, porque é um curso que não é tão concorrido, né? E aí... mas não. No meu caso, não

foi isso. Eu quis porque eu quis mesmo. Foi algo assim que foi crescendo dentro de mim enquanto desejo.

(Egressa 18, 2018)

Eu me identifiquei com a Pedagogia desde o início, desde que eu comecei na faculdade também, tive certeza que

era isso. (Egressa 16, 2018)

Em outras biotecituras, as motivações giravam em torno da presença da figura

feminina, sendo personificadas pelas mães, irmãs, avós, tias e professoras:

A minha mãe foi um alicerce de inspiração do início ao fim. Eu sempre brincava de professora quando eu era

pequena. Eu era a professora e tinha os aluninhos, meus primos, meus irmãos. Então, eu sempre fui professora,

mas nunca pensei que de fato seria. Eu nunca pensei que de fato conseguiria ser. Fiz o curso de Pedagogia e

essa foi a inspiração: é a mãe que ajudava as pessoas e que me ajudava, minha vó também, minha vó materna...

(Egressa 21, 2018)

[...] foi um incentivo da minha mãe. Foi da minha mãe, minha mãe que me incentivou. E aí eu fiz, fiz pra

Pedagogia, graças a Deus, eu passei. E depois que eu comecei o curso, eu gostei. Eu gostei sim. (Egressa 24,

2018)

Page 185: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

183

É, eu acho que além da minha irmã como uma fonte ali, eram as minhas professoras, a trajetória escolar que eu

tive. Ao longo disso, eu tive professores que tinham amor com o que fazia. Então, você observava que era...

mesmo com toda uma situação não só... assim, não sei se também eu sempre ou nunca pensei em só questão

financeira. (Egressa 16, 2018)

[...] a Pedagogia, ela veio pra minha vida.... Porque assim, eu tive uma educação fundamental bem legal, né?

As professoras eram bem legais e tal, mas não foi isso o sonho. Foi a minha tia, uma irmã da minha mãe que

tem Magistério. E aí eu sempre admirei o serviço dela assim e tal. E aí eu vim pra essa área por causa dela, por

causa da minha tia que tem Magistério, depois ela fez Pedagogia, né? (Egressa 20, 2018)

Ora, chegar a um curso superior de uma universidade federal pública, de início, evoca

um sentimento de satisfação pessoal, mesmo quando o curso não é uma escolha inicial, mas se

constitui, para algumas egressas, como uma construção, uma relação de sentidos e

significados a serem confrontados, digeridos, refletidos e assumidos como uma nova escolha,

agora, que passa a ser vivenciada. Ou trata-se de um encaminhamento orientado por outros

critérios de escolhas, conforme comentam as egressas sobre o processo de ingresso no curso

de Pedagogia:

Eu cheguei a fazer o primeiro em Letras. Mas em Letras eu fiquei classificada também um pouco longe, [...]

geralmente, na UFMT, são menos vaga. Eram 20 ou 25, se eu não me engano. Já Pedagogia eram 40. É 40 de

manhã e 40 à tarde. E aí, graças a Deus, eu consegui entrar nesse ano. Nesse ano seguinte, eu prestei pra

Pedagogia. É que eu consegui uma vaga. Consegui entrar. (Egressa 10, 2018)

E, então, eu fiz. Optei fazer porque eu já tava ali na área na área de atuação. E me remetia essa necessidade de

estudo. (Egressa 27, 2018))

É. No primeiro momento, a motivação de ter um curso superior, primeiro momento, porque assim, até então não

era a prioridade ser pedagoga, né? Mas foi a oportunidade que eu tive. Então, assim, agarrei, pela questão de

ter uma formação superior. 12 anos parada, então... E o segundo momento, eu me descobri na Pedagogia,

alguns talentos, né? Então, assim, isso melhorou até minha questão com os meus filhos, o entendimento de

algumas questões que eu, como mãe, não entendia. Mas, a partir do momento que eu me tornei mãe, pedagoga,

aí já foi abrindo mais a mente em relação a certas coisas que (tinham acontecido). (Egressa 23, 2018)

Verifico que nem todas as egressas entrevistadas chegaram ao curso de Pedagogia

guiadas por uma escolha ou identificação profissional. Algumas desconheciam do que se

tratava a formação acadêmica e profissional na Pedagogia. Percebo que há estágios, níveis de

motivação ao longo de todo processo do curso e mesmo depois dele.

[...] eu nem sabia o que que era Pedagogia. Pra ser sincera, eu não sabia nem que que atua, que que fazia na

época. Mas que aí eu vi, não sei, e resolvi me inscrever, no último dia de inscrição. Aí depois que eu passei, que

eu vi no primeiro dia, eu descobri pra que que servia o curso de Pedagogia. Eu levei um susto na hora, porque

eu desde criança, eu nunca quis ser professora, mas aí eu falei, „eu vou fazer porque eu consegui entrar na

UFMT, nem que seja só pra mim ter o nível superior, nem que eu não atue, mas eu vou fazer‟. (Egressa 14,

2018)

Algumas vezes, o curso assume a posição da primeira escolha diante de um fracasso

de um curso mais concorrido, no qual aparece uma demanda de candidatos oriundos de

escolas privadas, os quais cursaram o Ensino Médio em um ritmo de cursinho preparatório.

Isso evidencia uma concorrência de seleção para alguns cursos com critérios de inclusão e

Page 186: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

184

exclusão fortemente determinados na base de curso médio preparatório mediante um regime

quase de dedicação exclusiva aos estudos.

Fazer um curso preparatório, essa realidade ou possibilidade, não se afina com as

condições materiais e a jornada de trabalho que desde muito jovem, eu diria cedo, as nossas

egressas, em sua maioria, dessa época de estudos, tiveram que se submeter por questões de

sobrevivência.

No tocante a esse aspecto, a Egressa 8 (2018) esclarece como chegou ao curso de

Pedagogia e não a um curso de Direito, que era o que mais desejava:

Como eu descrevi no meu dossiê, lá no meu trabalho de final de curso, eu vim para a Pedagogia não querendo a

Pedagogia. Eu vim porque meu primeiro vestibular, que ainda na época era vestibular, era direito, eu não

passei [...].

Ao observar historicamente, verifico, nas publicações relacionadas às discussões de

critérios que determinam a inclusão, ou a exclusão de candidatos em cursos superiores, que a

entrada em curso mais concorrido e de maior projeção social, não se limita à oferta de vagas,

mas está atrelada às condições básicas da formação dos candidatos que chegam a escolher

esses cursos e não outros. Isso ocorre pois o critério de seleção não está posto somente em

uma avaliação de vestibular ou do atual ENEM35

. Essa avaliação se soma a tantas outras

anteriores, que vão despotencializando gradativamente seleções com um grau maior de

exigências formativas já consolidadas ou em consolidações. Por conseguinte, caberia aqui

uma discussão mais arraigada na conjuntura social e da política educacional do país, mas não

irei me ater a esse debate neste momento.

Retomando os fios que ajudam a entender as motivações das escolhas das egressas

pelo curso de Pedagogia, verifico, nesse processo, que a escolha de algumas ocorreu

posteriormente e descobrem na Pedagogia caminhos possíveis para alcançar sua realização

profissional. Então, buscam para si o sentido da escolha profissional, conforme algumas

expressaram:

[...] detalhe é que não era a minha intenção estudar Pedagogia. Desde os meus 13, 14 anos, eu comecei meio

que essa procura por descobrir qual era a minha vocação e bem naquela época surgiu aquele bum de testes

vocacionais. Eu era muito curiosa. Eu pegava livros, pegava artigos, eu ia ver o que ia fazer pra que eu sirvo.

Eu tinha intenção de estudar algo, embora eu pensava que isso estava muito longe da minha realidade, mas não

deixava de sonhar. Eu acho que é isso também. E alguns professores que eu tive nesse intervalo de tempo, daqui

do 5º até o 8º ano, foram professores que me incentivaram muito. Então, a minha intenção não era estudar

Pedagogia, era estudar Psicologia. (Egressa 1, 2018)

Então, quando eu optei por Pedagogia, foi porque várias pessoas me disseram que eu estudaria psicologia na

Pedagogia. Então, eu comecei Pedagogia em busca de psicologia. (Egressa 26, 2018)

35

Exame Nacional do Ensino Médio é uma prova realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira.

Page 187: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

185

Desde pequena, eu gosto da área da educação, porque quando eu estudei, eu sempre me espelhava nos meus

professores. Então, eu tinha vontade de ser professora. E quando eu tinha uns 14 anos por aí, eu dava aula de

reforço pra criança, né? Já naquela época, eu já ensinei alguma ou outra criança a ler. Então, isso me motivou

bastante, né? Eu falei assim, „eu acho que eu tenho um dom pra isso, (risos) vou tentar seguir nessa área‟. Aí

por isso eu (comecei) na Pedagogia. (Egressa 19, 2018)

Têm uns que falam que é escolha. Outros falam que é dom. Eu acho que, assim, já tava no meu íntimo desde

pequena, porque eu sempre gostei. E é uma história repetida. Muitos falavam assim, eu brincava de escolinha e

tal. A minha mãe toda vida trabalhou no Patronato, de limpeza, como funcionária da limpeza, e então, eu tive

bolsa lá. (Egressa 7, 2018)

Nesse cenário, para algumas egressas, o ato de ensinar algo a alguém só podia ser uma

vocação ou ainda um dom pessoal, algo visceral. Tanto é que a dimensão profissional aparece

atrelada com a realização ou satisfação interior de um traço singular e subjetivo do ser-pessoa.

Assim, trata-se do sentido de ser de alguma forma útil que se colocava entre o sonho e a

realidade daquele sentir já mencionado anteriormente, do merecimento do ser mulher, filha de

pais pobres semianalfabetos ou analfabetos.

Há, ainda, outras múltiplas situações que vão desenhando as motivações ou

desmotivações das egressas. Um ou outro caso aparece no cenário, o pai, ou os pais

professores de crianças pequenas, sendo que a motivação veio justamente por ter um ambiente

familiar voltado para o cotidiano escolar.

Meus pais são professores. E o meu pai já era professor, um homem na Educação Infantil que ninguém nunca,

né, se imagina, mas meu pai era um homem que dava aula na Educação Infantil e ele tinha muitos alunos e era

só ele. Ele não tinha auxiliar. E eu fui, falei „não, pai, eu vou‟. Já que eu não passei no primeiro vestibular, eu

fiquei alguns meses sem estudar, eu falei „eu vou te ajudar‟. Eu fui ajudar ele uns três meses. Aí eu me

apaixonei. Me apaixonei pela profissão, pela dedicação dele, pelo esforço. (Egressa 28, 2018)

Há, com isso, um dado que possui um duplo sentido. Então, é evidente que o convívio

desde muito cedo com o espaço escolar, seja por alguém da família, por um irmão ou irmã

mais velho, contribui com a escolha que inicialmente não é uma escolha pensada no sentido

da dimensão do trabalho, da profissão, mas mais no aspecto emocional e afetivo com o lugar.

Essa escolha vai sendo reassumida e reinterpretada ao longo do curso e da carreira.

Para outras egressas, essa motivação veio de um parente próximo, que orientou a

escolha ao dizer que:

Se eu fizesse Pedagogia, eu ia ter mais opções dentro da área da educação. Então, essa foi a minha preferência

pelo curso de Pedagogia. (Egressa 5, 2018)

Essa opção de trabalho se vinculava, em alguns casos, em não ficar desempregada.

Com isso, poderiam prover o sustento da família, ou de si mesmas. Nesse momento, não

estava em discussão a realização pessoal-profissional, mas, sim, a sobrevivência e a

subsistência.

Page 188: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

186

Fiz o vestibular, passei pra Pedagogia. Mas até eu escolher Pedagogia, rolou uma pressão, „faz Pedagogia, que

desempregada você não vai ficar‟. Aí eu dizia assim: „mas eu não quero, mas eu não me vejo em sala de aula, eu

não sei‟. Aí meu pai disse assim: „minha filha, o negócio é você ter um trabalho, que eu não quero que você

fique aí jogada‟. Ele usou esse termo. „Você não pode é ficar jogada aí‟. Aí ele falou assim: „E outra, eu não

criei filha pra ser [...]‟, como diz? Ai, essa expressão é tão antiga. „Teúda e manteúda e piloto de fogão‟. „Eu

criei filha pra ser independente [...]‟. (Egressa 8, 2018)

Em alguns seios familiares, os estudos são entendidos com uma possibilidade de

emancipação financeira dos filhos com relação aos próprios pais. Logo, a filha mulher precisa

ter uma direção segura para ser bem-vista, tanto no âmbito familiar como social.

[...] eu pensei em Pedagogia. Por isso eu escolhi, mas foi bastante pelo fato de eu poder estudar e trabalhar [...]

Eu queria [...] a princípio, eu queria fazer enfermagem, só que como era o dia todo [...] aí não dava pra mim.

Mas eu não me arrependo não. (Egressa 12, 2018)

A opção pelo curso superior surge como um horizonte de possibilidades,

principalmente no sentido de ser empregado rapidamente após a sua conclusão, e até mesmo

durante a fase de estudos. Nesse sentido, a Pedagogia carrega a fama de ser um curso superior

de fácil empregabilidade, de muitas opções e de inúmeras vagas em concursos municipais e

estaduais. Por isso, para grande parte das egressas entrevistadas, esse dado era o que dava

alento e certeza frente às incertezas da escolha profissional ainda na porta de entrada para o

curso.

Em razão disso, quando se trata de formação profissional de professores, não é

possível compreendê-la fora das questões da vida privada das egressas. Como expressou a

Egressa 11 (2018, grifo nosso):

[...] na época eu já tinha feito faculdade de história aqui na UFMT, três anos, só que acabei engravidando e

desisti. Acabei desistindo pela maternidade. Quando eu pensei em retornar, me sugeriram, assim... a princípio,

eu queria uma profissão que eu não ficasse desempregada nunca, porque agora tinha uma filha. Tinha que

sustentar uma casa. Então, eu imaginei o que que eu poderia fazer como curso, que eu nunca ficasse

desempregada, desamparada, né? E aí me sugeriram Pedagogia [...] eu nem sabia, nem... nunca tinha ouvido

falar. Aí eu procurei saber, vim aqui na UFMT, conversei com algumas pessoas também, com colegas que já

sabiam alguma coisa do curso, e eles me orientaram, falaram assim, „nunca vai ficar desempregada‟, se eu fizer

Pedagogia, (é verdade) mesmo, eles sempre encontram emprego, trabalho, independente da cidade, se é zona

urbana, rural, a gente sempre tem oportunidade de emprego cursando Pedagogia.

Como se percebe, a Pedagogia entrou na vida da egressa como uma sugestão e como

certa alternativa de amparo financeiro para prover a família. Não havia uma compreensão

inicial do que viria a ser esse estudo que decorreria em quatro anos ou mais. Poderia se

constituir como um pacote, ou um amuleto da sorte que será carregado, porque ele é a

garantia de uma providência futura. Por isso, o curso, nas biotecituras das egressas, carrega

alguns marcos. Antes: onde está a escolha. Durante: as descobertas que não é um formar-se

para os outros, mas para si. E, depois: o defrontamento do emprego que exige outros

aprofundamentos. Esse movimento é importante, pois se constituiu em um processo legítimo

Page 189: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

187

de uma reopção não somente pelo curso, mas pela profissão. O tempo, tanto chronos como o

subjetivo são postos um diante do outro. Isso faz mover a roda da vida das egressas, que nesse

processo defrontar-se, não estão mais lidando com experimentações, mas já possuem uma

compreensão de percepção de si a partir de um processo de mudança, conforme compreende

García (1999) e Pineau (2003), com o fluxo da vida não mais na adolescência, mas para a vida

adulta como profissional por escolhas que foram feitas.

Essa é outra situação se rompe no silêncio de um suspirar de uma egressa, além

dessas, há outras motivações que decorreram de experiências anteriores à formação na

Pedagogia, as quais demarcam ainda mais a resistência e a insistência da figura feminina, em

que a continuidade dos estudos é um risco assumido diariamente pelo direito de ser ela

mesma, rompendo com a imposição do prefixo (hetero), como algoz do auto. Contou-me, a

egressa, que:

E eu fazia isso na clandestinidade. Meu marido não podia saber. Se ele soubesse que eu tava saindo todo dia de

tarde, que eu levava o guri pra escola e de lá eu ia pro grupo de mulheres, se ele soubesse, [...] ele batia em

mim como várias vezes ele fez. Ele entrou em sala de aula. Ele me tirava pelos cabelos. Eu passei por tudo isso

no Ensino Médio. No Ensino Médio, meu ex-marido, ele entrava na sala de aula e me tirava pelos cabelos, né?

E a minha mãe passou por isso: meu pai queimava os livros dela, né, pra não... e isso tudo do pessoal a gente

foi trazendo como conteúdo vivo, de vida, né? Como conteúdo pra dizer „olha, eu vim deste lugar‟, né? E até

hoje, esse ponto de partida essencial, ela foi importantíssima pra mim, aquelas aulas com grupo de pesquisa, eu

não entendia nada do que as pessoas falavam, quando o professor (Passos) eu achava tão lindo, mas eu não

entendia, eu não sabia (que era uma coisa) importante, né? (Egressa 21, 2018)

Sair da clandestinidade do invólucro do hetero, nesse caso específico, algo dominante,

era a própria emancipação e individuação (PINEAU, 2010) de si para si e fora do outro, ou

dos outros, em que o formar-se a si estava sendo colocado fora da forma dos outros (heteros),

opressores. A formação e o conhecimento, seja escolar básico formal ou acadêmico superior,

chega à vida dessas egressas como uma fenda no tempo chronos objetivo das regulações

humanas.

Com relação a esse aspecto, recorro e compreendo como faz Paul (2009, p. 624),

[...] a formação não se faz a partir de nada. Ela é o relacionamento com o mundo,

com o outro, consigo mesmo, tornando possível o jogo de resistência que o

constituem. O humano na medida de seu inacabamento para se diferenciar, para

expulsar de si o que ele não é, de maneira a fazer emergir seu projeto,

necessariamente inclusivo de diversas influências, a fim de existir como unidade.

Nesse caso, a formação humana em direção à profissional ajuda as egressas a

expulsarem de si o que elas, enquanto mulheres, são, muitas vezes, socialmente e

culturalmente submetidas às vontades e determinações de seus companheiros, de seus pais e

de si mesmas encucadas por essa mesma cultura.

Page 190: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

188

Em outra biotecitura, há falas que confirmam que a opção pelo curso foi orientada por

um sentimento de como já vinham assumindo os próprios estudos ainda na Educação Básica.

A respeito disso, a egressa diz:

Era aquela aluna que nunca deu trabalho na escola. Sempre tirava boas notas. E eu gostava de ensinar meus

colegas. Então, isso já vem de mim desde criança. Então, eu sempre quis ser professora, desde a infância. E

essa forma de ser, ficou [...] perdurada até hoje. Desde o ensino fundamental até o ensino médio, até a

graduação, até o momento trabalhando mesmo. Então, a questão do ensino já é uma coisa que nasceu comigo

desde sempre. Então, eu não me vejo em outra profissão. (Egressa 6, 2018, grifo nosso)

Nota-se que a relação com os outros no sentido da heteroformação pode trazer algum

tipo de motivação que pode interferir e até determinar escolhas. Ser uma aluna dentro dos

respectivos padrões, por si só, não garante condição para se fazer uma escolha ou para ser um

bom profissional docente. São modos de se auto perceber e lidar com os seus movimentos

interiores para ir se colocando no espaço-tempo de suas escolhas. É uma percepção de si para

si que se dialoga e se compreende internamente.

Ainda, há escolhas vinculadas justamente à formação do Ensino Médio ao curso de

Magistério, sendo que uma parte das entrevistadas fez essa formação, e a escolha pelo curso

de Pedagogia aprofundava essa relação.

[...] o magistério, né? Que me fez optar pela docência, e depois o número de vagas que eram ofertadas, eu tinha

mais chance de entrar naquele número de vaga do que na Letras. (Egressa 9, 2018)

Devido a essa formação média, várias egressas fizeram suas escolhas de continuidade

na formação no referido curso porque já atuavam na área e conviviam no espaço escolar com

grupos de professoras e alunos. Mas, a questão dessa chance para entrar em um curso superior

público federal ser a porta da Pedagogia é uma realidade confirmada por mais da metade das

egressas entrevistadas.

Desse modo, a Pedagogia entra na vida de algumas egressas como uma nova condição

de vida, que ressignifica seu modo de ser-estar em seu próprio meio social. Portanto, a

academia se constitui em um espaço-tempo de múltiplos aprendizados:

No começo do curso, eu entrei e pensando, assim: „ai como que vai ser esse curso? Será que eu vou dar conta

de dar aula?‟ E assim, foi bem difícil de estudar. Faz tempo que eu não estudava. Estava parada porque eu

engravidei. Estava um pouco parada antes de entrar na universidade e fiquei seis anos parado sem trabalhar e

sem estudar. Quando eu entrei na faculdade, foi um pouco complicado para aprender, estudar para

compreender os conteúdos para fazer um trabalho universitário. Totalmente diferente esse ambiente

universitário, às vezes, até um pouco assustador. (Egressa 2, 2018)

Quando eu entrei na UFMT, eu vi que eu não estudava. Eu pensava que estudava. Eu fui aprender a estudar

aqui dentro. (Egressa 17, 2018)

Page 191: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

189

Nesse cenário, o curso vai se constituindo na vida das egressas que reaprendem com

ele e nele também reaprendem a estudar. Afinal, não são mais crianças e nem adolescentes.

Muitas são jovens, outras, são esposas e mães. Por isso, esse aprender possui um grau de

seriedade que não dá para negociar. Por conseguinte, o que é assustador precisa ser vencido e,

pouco a pouco, assumido.

Em um outro fio de entendimento, a Egressa 8 (2018) lembra que alguns filhos, ao

concluírem os estudos escolhidos pela família, entregam aos pais o diploma, e vão fazer o que

realmente gostariam de estudar ou fazer. Mas, estando no ambiente acadêmico, as

possibilidades extrapolam o ambiente da sala de aula, que é capaz de reorientar as escolhas.

Foi o que observei na fala desta egressa:

E aí eu disse assim pra ele, eu nunca vou esquecer, falei, „Pai, eu estou indo fazer Pedagogia, mas o negócio é o

seguinte: se eu gostar, eu vou pra frente. Não vou ficar olhando pra trás. Mas se eu não gostar, eu formo. Vou

formar, porque eu não vou largar pela metade. Mas o senhor vai ter que quebrar um galho pra mim, porque eu

não vou trabalhar e „vou escolher outra coisa‟. E aí passei, entrei. Aí logo eu conheci as meninas do PET. Aí eu

fiquei louca. Eu gostei fiquei assim apaixonada pelas oportunidades. E até então, eu pensava assim: „ai, eu vou

pra cuidar de criança? Pra ensinar [...] aprender a ler e a escrever? Eu mal eu sei pra mim‟, ficava assim [...].

(Egressa 8, 2018)

Nessa perspectiva do conhecimento acadêmico como mudança pessoal e profissional,

a Pedagogia, dentro de uma proposta de ensino público superior, apresenta um diferencial,

pois segundo a egressa,

Então, assim, com certeza ter estudado o curso de Pedagogia aqui foi o diferencial. E isso me traz contribuições

até hoje, primeiro por passar no concurso, de poder ter vivenciado a... a vivência de ter tido a vivência da

pesquisa, que eu fui bolsista aqui na pós-graduação, [...] Então, essas vivências extracurriculares, né?

Contribuíram e muito pra minha formação. E aí o perfil de formação da instituição, ele gera um perfil

diferente de profissional. (Egressa 18, 2018, grifo nosso)

Foi aí outro divisor de águas na minha vida: universidade, totalmente diferente do que eu estava acostumada.

Apostila: não. Universidade: livro, você tem que ler. Então, principalmente nas aulas de História da Educação,

a gente chegava de manhã, toda manhã ele fazia uma avaliaçãozinha. Nós tínhamos que estudar. E aí ele levava

livros pra gente ler, por exemplo, ele trabalhou com Franco Cambi. E o Franco Cambi era dificílimo! O livro

dele pra gente ler e eu ficava ali no final de semana lendo o livro do Franco Cambi. E começou a ficar mais

fácil pra mim de tanto que eu lia. (Egressa 25, 2018)

Com esses excertos acima referidos e outros que se seguem, começo a observar, nas

biotecituras das egressas, a Pedagogia para além da formação acadêmica no sentido

epistêmico pedagógico. Mas, justamente dentro da Pedagogia observo a mudança da

construção ou reconstruções de aprendizados que vão constituindo conhecimentos da área de

atuação do referido curso. A esse respeito, Roldão (2007) nos alerta acerca de uma necessária

alquimia que vai se fundindo e expandindo entre os saberes tácitos e os saberes científicos,

pois em ambos, a meu ver, há movimentos de tempos e temporalidades formativas diversas.

Ora, assim se expressou a autora:

Page 192: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

190

[...] usar o conhecimento, pelo ajuste ao conhecimento do sujeito e do seu contexto,

para adequar-lhe os procedimentos, de modo que a alquimia da apropriação ocorra

no aprendente – processo mediado por um sólido saber científico em todos os

campos envolvidos e um domínio técnico-didático rigoroso do professor, informado

por uma contínua postura meta-analítica, de questionamento intelectual da sua ação,

de interpretação permanente e realimentação contínua. Aprende-se e exerce-se na

prática, mas numa prática informada, alimentada por velho e novo conhecimento

formal, investigada e discutida com os pares e com os supervisores – ou,

desejavelmente, tudo isto numa prática coletiva de mútua supervisão e construção de

saber inter pares. (ROLDÃO, 2007, p. 102)

Mediante o que venho lendo e aprendendo em Merleau-Ponty (1999), posso afirmar

que o vivido (passado) não se desfaz na percepção do vivido (presente), pois esses recortes

sempre se fundem em um emaranhado de ‗agoras‘ e projetam o ser da percepção em um devir

permanente. Nesse mesmo sentido, dialogo com Pineau (2003) considerando a formação

humana sempre aberta e em construção, em que a egressa vai ressignificando seus

saberes/experiências da vida (vivido), em uma dimensão coletiva e pessoal. Nesse aspecto, a

autoformação se destaca como possibilidade de aumentar o conhecimento de si (auto) e das

apropriações de novos conhecimentos das coisas (eco) e dos outros (hetero).

Os aspectos de mudança que envolvem diretamente o ambiente acadêmico trazidos

pelas egressas, nessa compreensão, o espaço-tempo, surge como elemento formador. As

relações consigo mesmas, com as coisas e com os outros mudam conforme as vivências nesse

outro ambiente que passa a ser naturalmente (eco)formador. Ao se colocar nele, as egressas

trazem para ele todos os processos anteriores já vividos e o ressignificam, se diferenciando

daquilo que não são, e, fazem novas escolhas.

Por isso, ao retomar as entrevistas que se constituíram em composições de biotecituras

construídas em vários momentos do processo formativo das colaboradoras dentro da

Pedagogia, percebo que essas biotecituras se voltam para a formação, e que estão atreladas às

vivências, experiências, e aprendizagens ainda dentro do curso de Pedagogia.

Nossa, e a UFMT contribuiu bastante, falar pra você, a minha vida aqui dentro foi outra. Por isso que eu falo

assim pra todo mundo tentar aproveitar o máximo aqui dentro, né? As pessoas sempre falavam pra mim isso e

eu tentava aproveitar, mas não tinha essa noção. Acho que quando sai, vai pro mercado a gente vê, nossa, como

que realmente aqui contribuiu, e tem contribuído, né? Você vê aí, quem não tá dando aula eu acho que

praticamente quem não quis mesmo, né? Quem não tá atuando, é quem fez a opção ‘oh, não quero’, porque

quem quer, tá todo mundo trabalhando. É um ótimo profissional. É referência, né? (Egressa 17, 2018)

[...] a minha vida igual eu falo assim, foi antes e depois da UFMT, porque eu era uma pessoa muito tímida

também e aqui a gente tinha que falar muito, né? Seminário, seminário, seminário, seminário, seminário, você

tem que falar, professor, „você tem que falar melhor, você tem que falar isso, você tem que falar isso‟. Então, me

transformou assim uma... foi uma contribuição imensa na minha vida. Assim, hoje que eu vou no trabalho e falo,

lá em reunião eu faço tudo, graças aqui, que me deu essa base de ir lá na frente e falar e saber o que falar, né?

Ir lá preparado, tudo mais. Então, assim, a minha vida depois daqui foi muito diferente. (Egressa 17, 2018,

grifo nosso)

Page 193: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

191

Por conta disso, o curso, como lugar circunscrito de construção e reconstrução de

saberes plurais e como um espaço/tempo de formação, constituía-se, para esse grupo de

egressas, como uma possibilidade de reflexão-teórico-prático dos múltiplos conhecimentos

advindos da vida que se intercruzavam com as epistemologias múltiplas do curso. Para

Shulman36

(2014, p. 207), o conhecimento pedagógico do conteúdo é, muito provavelmente, a

categoria que melhor distingue a compreensão de um especialista em conteúdo daquela de um

pedagogo.

Pra mim foi um presente, algo que me possibilitou continuar, e nesse momento, eu tava passando por uma fase

bastante complicada, quando se é mãe solteira, quando se é nova, com 19 anos, arrumei namorado, engravida,

então, era uma pressão muito grande da família. Eu estava nesse momento casando pra calar as bocas das

pessoas. Então, eu acho que o curso de Pedagogia, ele veio pra mudar a vida que eu tava levando. (Egressa 29,

2018)

Eu falo assim, eu vendo hoje, eu falo „gente, a Pedagogia me deu uma formação humana muito boa‟, porque eu

vejo assim, na época que eu fazia informática, eu trabalhava em cartório, e é um perfil de pessoas muito

diferente, assim, é mais competitivo. É aquela história que você tem que ser doutor, tudo mais, e não liga pro

humano, e a Pedagogia não, né? Surpreendi muito assim, porque a Pedagogia faz a gente pensar no ser.

(Egressa 17, 2018)

A partir desse raciocínio, nota-se que, nas biotecituras, é possível acompanhar a

tecelagem de fio a fio do aguayo de cada uma das egressas na perspectiva da sua formação

profissional. Assim, a Pedagogia aparece nas biotecituras como uma reconstrução, construção

de novos entendimentos, de ressignificação e de apropriações do curso e de si mesma:

Quando eu entrei no curso eu não fazia ideia, eu não fazia ideia mesmo. Pra mim, eu ia estudar alguma coisa...

acho que mais parecido com o curso de Letras talvez, o que eu tinha ideia. Quando eu entrei no curso de

Pedagogia eu vi que era um sentido muito amplo, a gente tava diminuindo muito o que é exatamente o curso,

né? Porque aí eu vi que nós trabalhávamos diversas áreas, coisa que eu não tinha noção, por exemplo, que não

era apenas linguagem do Português, Português, Matemática, História, Geografia, tanto a parte de Psicologia

também (infantil). Então, assim, começou a abrir um leque de possibilidades, que eu, antes de entrar no curso,

não fazia ideia, só depois quando eu entrei ali que eu vi que Pedagogia não era simplesmente alfabetização de

crianças. (Egressa 11, 2018 grifo nosso)

Portanto, não era só o curso que naquele momento estava sendo entendido como uma

área de atuação ampla, mas a percepção de si também era outra. Tanto é que o curso também

oportunizava ver, sentir e se lançar como profissional. Logo, havia um resgate de si mesma,

pois o curso já a projetava para adiante em suas novas escolhas. O aguayo, pouco a pouco,

recebia cores, força e movimentos.

36

Para este trabalho, estabeleço diálogo com Lee Shulman, com o qual entendo que a produção do conhecimento docente

atravessa os saberes docentes, e as epistemologias diversas vão se construindo na relação interdependente da teoria-prática. Observo que a história de vida e profissional do professor, sua prática e cotidiano, o constituem agente mobilizador de múltiplos saberes docentes, os quais se correlacionam e vão constituindo o ser-professor, validando-o, compondo e recompondo as suas epistemologias.

Page 194: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

192

Para as egressas, a Pedagogia é um marco divisor, não só devido à possibilidade de

inserção no mundo do trabalho, mas de um aprofundamento do ser-pessoa

A Pedagogia hoje baseada em toda essa construção que vivenciei é construção social, humana. Pra mim,

Pedagogia é uma construção. (Egressa 1, 2018)

Assim sendo, não se trata de uma construção material simplesmente orientada para

uma técnica de ensino e aprendizado. Seu sentido é emblemático. Diante disso, as Egressas

expressaram que:

Pedagogia é assim tão forte, quando fala Pedagogia, pra mim, tem um significado muito grande, é a minha

formação profissional na área de ensino [...] assim conhecer... conhecer, o conhecimento, assim, entender

sobre a educação, a gente entende a profundeza do que é a educação, suas dimensões. Também aprimorar o que

eu tinha apenas introduzido no Magistério e eu amplio muito mais. (Egressa 3, 2018)

A Pedagogia pra mim está sendo, né? (Eu confesso) que está sendo uma... foi e está sendo uma vitória na minha

vida porque com ela eu aprendi muita coisa que melhorou muito a minha vida em questão de trabalho, em

questão familiar, questão de convivência com outras pessoas, porque aprendi muito (no curso). Então, a

Pedagogia é muito importante, foi um divisor de águas na minha vida. Porque antes, eu era... antes de fazer o

curso e depois de fazer o curso. Eu me tornei outra pessoa diferente. Foi um divisor de águas mesmo. (Egressa

18, 2018, grifo nosso)

Inicialmente, ao chegar ao curso, há uma busca pela sala de aula, há pressa em saber o

que e como ensinar, mas com os estudos e debates, começa-se a entender que é preciso

considerar a construção de múltiplos conhecimentos advindos de um currículo, de uma

proposta de formação, que também possui seu tempo que vai se desdobrando à medida que

essa aproximação vai estabelecendo relações com o conhecimento e com quem se deseja

conhecer. Sobre essa construção epistêmica que vai sendo construída, Roldão (2007, p. 95)

observa:

Do nosso ponto de vista, a dialética do ensino transmissivo versus o ensino ativo faz

parte de uma história relevante, mas passada, e remete, na sua origem, para

momentos e situações contextuais e sócio históricas específicas. À luz do

conhecimento mais atual, importa avançar a análise para um plano mais integrador

da efetiva complexidade da ação em causa e da sua relação profunda com o estatuto

profissional daqueles que ensinam: a função específica de ensinar já não é hoje

definível pela simples passagem do saber, não por razões ideológicas ou apenas por

opções pedagógicas, mas por razões sócio-históricas.

Nas biotecituras, a ação pedagógica é vista em vários aspectos, seja na sala de aula do

curso, no laboratório e bibliotecas da universidade, em atividades que envolvem o espaço

escolar ou não escolar. Para as egressas na Pedagogia, transitam inúmeras epistemologias,

reflexões de dimensões formativas sejam praxiológicas e axiológicas. Quanto a esse sentido e,

em vários outros momentos, identificaram o papel do pedagogo que atravessa a sala de aula e

o conteúdo a ser ensinado. Por isso, a egressa conclui que para ela:

Page 195: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

193

A Pedagogia é ensinar o básico. É o ensinar. O que eu aprendi é passar, mas eu só não ensino... a minha

profissão mesmo de educadora, de educar, assim, o ensinamento de conteúdo, mas eu sempre vou além, né?

Então, o pedagogo, eu acho que tem que ser um pouco de dom, de intimidade mesmo assim, pra você não ser só

mecânico, ir lá, „e eu vou lá, sou professora, ensino o conteúdo e saio‟. Eu sempre acabo ensinando além,

enxergando além o aluno. Não só como aluno como ser, como ser humano, e acabo enxergando alguma

necessidade, às vezes, não só de conteúdo, mas de outra coisa e acabo resolvendo ali dentro da sala ou no

corredor ou fora de sala [...]. (Egressa 7, 2018)

Logo, verifica-se que o que as egressas expressam com relação à sala de aula e os

alunos é o movimento que elas mesmas viveram dentro desse processo de formação, mas em

um grau de percepção não mais de si, mas do outro. É o ato de se colocar no lugar do outro e

sentir-ouvir suas necessidades, primeiramente humanas e, depois, de aprendizagens.

[...] a Pedagogia é um dos cursos que deveria mais haver investimento, porque a criança é o tempo de formação

de personalidade. E a nossa responsabilidade com a formação do cidadão, com o futuro do nosso país, do

mundo, é muito grande. E eu sinto essa responsabilidade. (Egressa 9, 2018)

Nesse mesmo entendimento de estar com o outro, ou os outros, em uma relação não

somente de ensino, mas de corresponsabilidades, de desenvolvimentos múltiplos,

principalmente nas fases iniciais da vida do ser-pessoa, a Egressa 10 (2018) lembra que:

Em tese, a Pedagogia é o princípio de tudo. Apesar da gente saber que a criança, o desenvolvimento dela já vem

desde o ventre da mãe, mas nós sabemos que ali, quando ela chega na sala de aula, ela aumenta o círculo, na

verdade, social, ela sai daquele ambiente familiar pra poder ir pra escola estudar, brincar, se desenvolver, mas

também ter desafios, né? Então, a Pedagogia é o princípio de tudo [...].

Libâneo (2006, p. 850), ao reportar-se aos estudos de Franco (2003), no que concerne

à reflexão sobre o conceito de Pedagogia na perspectiva dialética, esclarece que:

[...] o objeto da Pedagogia ‗é o esclarecimento reflexivo e transformador da práxis

educativa‘, de modo que a teoria pedagógica se constitui interlocutora interpretativa

das teorias implícitas na práxis do educador e, também, a mediadora de sua

transformação para fins cada vez mais emancipatórios.

Consequentemente, isso fica evidente quando sublinham que o curso de Pedagogia se

aproxima de uma base no qual estão ancoradas outras áreas de conhecimento necessárias para

a formação humana, dentro de seu processo formativo escolar-social, no qual elas mesmas se

emancipam e ajudam na emancipação dos outros.

Pedagogia, eu acredito que é um curso base de todas as... de todas as licenciaturas, e é fundamental, porque

você tem os pilares para ter elementos pra ensinar. Claro que ele não é suficiente. Você tem que estar sempre

buscando, o tempo todo. (Egressa 6, 2018)

Pedagogia, pra mim, na minha vida foi... eu vou dizer até mudança de concepções, quebra de paradigmas

porque o curso, ele me possibilitou eu mudar alguns conceitos, né? Até, inclusive, eu falo pras minhas filhas „eu

queria ter tido vocês hoje, após a minha formação‟. Não que eu me arrependa de ter sido a mãe que eu fui, mas

muita coisa poderia ter sido diferente, porque o conhecimento da gente... a sua mente abre pro conhecimento,

né? E, algumas coisas, vamos dizer assim, errôneas que você fez lá atrás por ignorância, por não ter esse

conhecimento [...]. (Egressa 30, 2018)

Page 196: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

194

Retomando a Proposta Político Pedagogia Curricular (PPC/IE/UFMT) do curso,

entendo o que as egressas expressam, já que elas trazem à tona a concepção que o curso tem

de educação enquanto formação humana:

Nesse sentido, a educação deve promover a capacidade de aprendizado permanente

e desenvolver instrumentos para atividades intelectuais, coletivas e inovadoras,

como a capacidade de expressão, de comunicação e de aquisição de informações, a

criatividade e o equilíbrio emocional para a confrontação de ideias, todos igualmente

importantes para o exercício de uma cidadania plena. (PPC/IE/UFMT 2008-2009, p.

05)

Essa compreensão não é dada, mas construída, entendida e vivida. Essa construção é

permanente e em engloba um continuum aprofundamento:

As concepções de aprendizagem a gente enxerga agora, a gente estuda, e agora, a gente começa a enxergar [...]

Às vezes até a gente estuda nas rodas de conversa, a gente consegue entender melhor as concepções de

aprendizagem. (Egressa 2, 2018)

Hoje já com a prática, hoje eu sei que se eu não tivesse passado por aqui, pela Pedagogia, se eu não tivesse

feito essa formação, essas outras experiências que eu tive também, não tem como você ter uma formação assim

tão completa. Eu falo que a nossa formação aqui ela é completa, porque eu vejo essas outras faculdades, esses

outros... não querendo recriminar, mas eu vejo que se a da gente, que é uma formação que exige tanta leitura,

tanto conhecimento, tanto buscar, às vezes, você ainda tem que... fica com dificuldade, imagina aquelas outras

que não têm esses amparos, porque os professores daqui... a gente tinha na sala de aulas muitos exemplos. Eles

faziam a gente buscar também exemplo, apesar de não estar na prática, de não estar atuando, a gente buscava

bastante exemplo da prática pra fazer o processo de uma coisa e de outra, pra aprender o concreto mesmo, pra

aprender com exatidão tudo. Eu acho que a Pedagogia, pra mim, é isso, é a nossa formação, é essa

construção, é ser professora. (Egressa 24, 2018)

Em razão disso, elas mesmas percebem que o curso é a base para os outros cursos, não

somente na docência, mas, principalmente em uma leitura de mundo, que as fazem pensar de

modo amplo e a considerar as vidas que estão sob sua responsabilidade e, nesse formar-se na

Pedagogia, ajudam a si mesmas a se tornar mais humanas, como a Egressa 12 (2018)

expressa, ao afirmar que:

[...] a Pedagogia eu vejo assim, que falta Pedagogia nos outros cursos, agora que eu convivo com outros

professores, né? Vejo eles dando aula. Eu vejo que o quanto a Pedagogia prepara a gente pra sala de aula, pelo

menos com criança, ajuda a gente a se colocar no lugar da criança. Ajuda a gente pensar como um todo, sabe?

A gente sempre... parece que a Pedagogia torna a gente mais humano. A gente tem um olhar mais afetuoso.

Não é igual um professor de área que chega lá, assim, cru, com conteúdo lá, sabe? A gente tem um olhar

diferenciado. A gente consegue se colocar no lugar do outro. Consegue pensar no outro pra ensinar, né? Se

colocar no lugar de quem tá aprendendo. Eu acho que isso falta bastante nos outros cursos, que eu percebo que

quem vem de outros cursos, assim, vai lá dar aula pra criança, acaba tendo muita dificuldade, erra muito até

acertar.

Considerando o que a referida egressa apresentou, o PPC do curso de Pedagogia

(2008-2009) esclarece que é ―importante, portanto, priorizar e assegurar, no curso de

Pedagogia, uma sólida formação dos profissionais que atuarão, em especial, no magistério da

Page 197: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

195

Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental‖ (PPC IE/UFMT 2008-2009, p.

06).

Por conseguinte, os conhecimentos construídos no curso vão fazendo ou tomando

sentido na vida profissional das egressas à medida de sua exposição com uma determinada

realidade, ou necessidade advinda da sala de aula, ou de uma exigência do modo de se

organizar a escola. Por isso, compreendo quando elas dizem que os conteúdos desenvolvidos

ao longo do curso passam a fazer sentido para elas.

[...] hoje eu faço várias ligações da teoria, que na época que eu estava fazendo. Eu achava que eu tinha uma

visão da realidade, que não era. Então, hoje eu consigo fazer várias ligações e ver que várias coisas não estão

muito condizentes com a nossa realidade. Que muitas coisas nós trabalhamos com um número grande de alunos

em sala de aula, principalmente na alfabetização, que exige pra você respeitar o tempo do aluno, pra respeitar

várias fases dele. (Egressa 9, 2018)

Shulman (2014) aborda a relação teoria e prática no sentido do aprendizado dos

conhecimentos e sua relação com a realidade do ensino. Essa percepção, ou como disse a

egressa, essa ligação, ocorre, nesse caso, quando as egressas começam a aprender a ensinar. O

referido autor, mediante suas observações e estudos, reforça, ao dizer que:

Sua evolução, de estudantes a professores, de aprendizes a professores iniciantes,

expõe e ilumina os complexos corpos de conhecimento e habilidades necessários

para funcionar eficazmente como professor. O resultado é que erro, sucesso e

refinamento – em uma palavra, o crescimento do conhecimento do professor

(SHULMAN, 2014, p. 201)

Concordando com Shulman (2014) quando afirma que o conhecimento construído na

formação inicial e também ao longo da vida do professor, vai sendo percebido e aprendido

por ele mesmo à medida que ele também aprender a ensinar, Zeichner (2008) chama atenção

para a ―prática reflexiva na formação docente‖. É nesse contexto, que observo as falas das

egressas ao se reportarem aos conhecimentos que atualmente fazem sentido, agora, frente à

prática. Então, elas passam a pensar sobre os seus modos de ensinar e os modos de aprender

de seus estudantes.

Articulando minha compreensão sobre os conhecimentos curriculares estudados na

Pedagogia pelas egressas, e tendo em conta os estudos dos dois referidos autores, fica

evidente essa compreensão num trecho das biotecituras da egressa ao dizer sua percepção

sobre a Pedagogia nesse processo de relação teoria e prática:

Eu acho que base, né? Por que o que eu percebo? Eu comecei a entender melhor a realidade de uma sala de

aula e o trabalho do pedagogo quando eu comecei a trabalhar, né? E aí então eu percebi que até nas aulas aqui

na faculdade eu começava a fazer links melhores, né? Eu falava, „ah, então é isso. Ah, então é aquilo. Ah,

então...‟, mas pra aqueles colegas que não fizeram algo parecido com isso, a percepção deles... quando a gente

conversava, era outra, era diferente. Então, eu penso assim, a faculdade dá uma formação básica pra você?

Sim, com certeza. (Egressa 16, 2018)

Page 198: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

196

Outra egressa, nessa mesma perspectiva, assim comentou:

Então, eu acredito que o aprofundamento teórico ajuda a gente a abrir os olhares, porque a partir dessa

reflexão, e você já tendo uma vivência, você consegue pensar nos próprios caminhos metodológicos, dentro

daquele contexto que você está vivendo. Se você pegar algo solto, ou só uma perspectiva de oficina, por

exemplo, às vezes, você reproduz aquilo, mas não sabe depois transformar numa outra situação, você fica

fechado no contexto. E se algo não sai conforme o planejado, você já não sabe lidar direito, né? Então, eu

penso que a gente tem que aprofundar, refletir, fazer a relação, a gente chama de práxis, né? Então, é esse

movimento de práxis mesmo. Você vai refletindo, vai analisando sua realidade, vai buscando os referenciais e

vai movimentando o seu fazer pedagógico dentro desse movimento mesmo. (Egressa 18, 2018)

A esse respeito, a partir de seus estudos sobre a base de conhecimento, Shulman

(2014, p. 205-206) esclarece que: ―[...] portanto, o ensino necessariamente começa com o

professor entendendo o que deve ser aprendido e como deve ser ensinado‖, e ainda completa

―O ensino conclui com uma nova compreensão tanto do professor como do aluno‖. Para o

referido autor, essa compreensão vai sendo melhorada em termos de aprofundamento por

parte do professor. Acerca disso, a egressa compreende como sendo um movimento reflexivo

da práxis. Para Zeichner (2008), é emergente e re-emergente a prática reflexiva como um

tema importante da e para a formação docente. Muitos outros pesquisadores, como37

Dewey

(1933) e os contemporâneos Schön (1983), Paulo Freire (1973), Habermas, (1971) e próprio

Zeichner (2013; 2008) já vinham trazendo suas contribuições nessa perspectiva.

Na minha compreensão, a colocação da egressa explica bem esse movimento, embora

não esteja escrito totalmente nas linhas, mas nas entrelinhas de sua conclusão ao dizer:

A prática é bem diferente do que nós havíamos estudado no decorrer do curso. É diferente e não é, é além, a

prática é além de tudo que havíamos estudado durante o curso. (Egressa 26, 2018)

De fato, essa percepção da egressa está correta, pois são momentos diferentes e

distintos de compreensões, com a exposição na prática os estudos, os teóricos, os exemplos do

decorrer do curso tendem a serem mais bem compreendidos em níveis mais aprofundados,

como Shulman (2014) já esclareceu em seus estudos, com quem eu concordo. Ao observar os

estudos do autor supracitado, Roldão (2007, p. 99) pondera que:

Note-se que a abordagem de Shulman inclui aproximações claras ao modelo do

professor investigador (STENHOUSE, 1991) e do prático reflexivo (SCHÖN,

1987), e que o conhecimento resultante da prática não se reporta à legitimação de

uma qualquer prática, mas ao conhecimento que resulta da reflexão analítica de

professores competentes – reflexão e competência que implicitamente convocam, de

forma integrada, as categorias que em Shulman aparecem na forma de componentes.

O excerto seguinte também traz compreensões a esse respeito, quando a Egressa 24

(2018) diz que:

37

São pesquisadores e obras que Zeichner (2008) salientou em suas pesquisas, sendo importantes considerá-las.

Page 199: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

197

E se eu não tivesse aprendido aqui como era o processo de gestão, como é uma gestão, como que a gente deve

fazer, que pra mim eu vou, não tinha como eu chegar lá do nada, entendeu? Assim, não tinha como assim...

seria... eu acredito assim que seria muito mais difícil, porque eu não ia ter essa teoria aqui pra mim estar

colocando em prática, em prática lá. E mesma coisa as disciplinas, a docência, mesma coisa a docência. A

docência não tem como você atuar se não tem essa bagagem aqui da licenciatura. Por isso que eu até... aí eu me

(remeto) a cursos assim online, cursos que não tem essa... essa... Como que eu posso dizer? Igual aqui, a UFMT

proporciona pra gente, proporcionou pra mim, esses quatro anos aqui dentro de experiências, assim, que eu não

fui pra prática, mas eu tive experiência da prática. Eu não atuei na prática, mas eu tive a experiência, eu fiz...

nós fizemos o estágio, a gente faz... a gente traz aulas, traz experiências, o estudo da teoria, traz exemplos

dentro da teoria que chega na prática, você lembra, você remete. Você vê que você está andando assim pelo

caminho certo, „esse caminho aqui vou seguir porque é a partir desse caminho que eu aprendi‟. Então, tudo,

ela... A licenciatura norteia tudo, em qualquer... na docência, na gestão, na coordenação, em qualquer um é a

base ali. É igual a gente falar de base familiar, é uma base. É uma base que a gente pegou, que a gente

aprendeu, que a gente leva na prática.

Para Nóvoa (2009, p. 12), pensar na formação do professor é construir uma base de

proposta de estudos que articule com a própria profissão e que possibilite o início dessa

reflexão, pois segundo ele, ―trata-se, sim, de afirmar que as nossas propostas teóricas só

fazem sentido se forem construídas dentro da profissão, se forem apropriadas a partir de uma

reflexão dos professores sobre o seu próprio trabalho‖. A fala do referido autor coaduna com

o que preconiza o projeto do curso de Pedagogia em questão, ao definir que:

[...] é preciso considerar que o aluno, futuro professor, ao iniciar o curso e cada

disciplina dele, já apresenta concepções, crenças, valores muito arraigados sobre a

profissão, o papel do professor e da escola, o que é ensinar e como se ensina e o que

é aprender. Tais crenças, valores e concepções, que definem fortemente as decisões

pedagógicas, podem passar intactas pelo curso, podem ser reforçadas ou, o que seria

desejável, podem ser objeto de análise e reflexão que propicie o seu reconhecimento.

(PPC, IE/UFMT 2008-2009, p. 19)

Nesse sentido, o próprio curso, com seus professores e estudantes, são pesquisadores

de seus de modos de ensinar e de aprender o que se ensinou. Isso tanto no confronto do ato

acadêmico como na prática da docência.

Alguém que pesquisou e não simplesmente falou assim „eu acho que é isso aqui‟. Não. „É isso aqui porque eu

estudei, porque eu pesquisei‟, né? Então, isso que é mais importante, que te dá essa segurança. Quando você

chama um pai pra conversar „olha pai, nós estamos tendo essa atitude devido a isso, isso‟ e se um pai vir

questionar „não, mas olha, nós estudamos, houve alguém que pesquisou, que indicou esse caminho. Não é do

nada que eu estou tendo essa atitude‟; E isso te dá uma segurança maior, né? Porque muitas das vezes também

você tem aquela atitude baseada no teórico. É claro que isso não te garante uma... me fugiu a palavra agora...

não te garante... o sucesso, o que aquilo vai dar certo porque depende não é só de você, depende de todo um

conjunto, né? (Egressa 30, 2018)

Tanto é que só é possível a compreensão porque ‗agora‘ faz sentido essa relação

teoria-prática, pois elas já coexistiam na construção epistemológica das egressas, se

comunicavam e interagiam mediante momentos de buscas significativas de intervenções

pedagógicas. Para Roldão (2007, p. 99), diante de alguns estudos sobre o conhecimento do

profissional docente:

Page 200: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

198

[...] pode concluir-se que, no plano da clarificação da natureza do conhecimento

profissional docente, se configuram duas tendências interpretativas predominantes:

uma centrada na análise das suas componentes, outra centrada na valorização da

prática profissional refletida como sua fonte primeira. Tendências que divergem na

matriz de análise, mas convergem na interpretação da práxis e do conhecimento que

a sustenta – ainda que uma enfatizando o conhecimento prévio necessário, outra

valorizando o conhecimento emergente da prática e da reflexão sobre ela.

Nesse constituir-se pedagogo, aprendem-se e mobilizam-se os conhecimentos, tanto os

prévios do ser professor, que vão sendo reinterpretados frente a sua práxis cotidiana em um

processo de investigação de sua própria ação, como comentou a Egressa 15 (2018):

A Pedagogia é... pra mim, hoje ela é uma... uma ferramenta muito importante mesmo assim. E não só porque eu

estou lecionando, mas porque depois que eu saí da Pedagogia, eu já tentei fazer outros cursos e eu observei que

o que eu tive na Pedagogia, a formação que eu tive, a maneira com que eu trabalhei lá é bem diferente, e que

ela me dá um embasamento muito rico na prática pedagógica. Não vou falar assim, não, a questão dos

conteúdos. Isso eu tenho que correr atrás, eu tenho que estudar, né? Eu tenho que me capacitar, mas ela me deu

a forma do trabalho, né? Como é que eu desenvolvo o trabalho na sala de aula, como é que eu lido, no meu

caso, com a criança que eu estou trabalhando, né? (Egressa 15, 2018)

Por isso, muitas vezes, devido às exigências da área, algumas das egressas

expressaram nas entrevistas que não se sentiam preparadas para atuar fora da sala de aula ou

da docência. Ainda, que o papel de alfabetizar, principalmente crianças, se constituía em um

desafio.

Porque a gente se prepara na universidade academicamente falando, mas pras experiências, você não está

preparada não pra prática. Você se depara com situações que ninguém te preparou na universidade. E quando

eu entrei nessa primeira turma eu tinha medo. [...] (Egressa 25, 2018).

Nesse sentido, a reflexão ultrapassa as estratégias e habilidades de ensino para pensar

e repensar os fins da educação para além dos conteúdos escolares. Quanto a restringir a teoria

encarcerada nas universidades, e a prática estendida no cotidiano escolar, Zeichner (2008)

ressalta que ainda há compreensões de estudos na área de educação, nos quais a racionalidade

técnica, coloca a ―teoria‖ como existindo somente nas universidades, e a prática, na realidade

das escolas, sendo de igual modo uma transposição de teorias para prática. Para o referido

autor, ―a visão de que as teorias são sempre produzidas por meio de práticas e de que as

práticas sempre refletem alguma filiação teórica é ignorada‖ (ZEICHNER, 2008, p. 542).

Como pedagoga, considero importante o estudo de epistemologias diversas para a

construção da profissão docente e da prática reflexiva ou compreensiva da formação docente

estabelecendo um diálogo entre a universidade e a escola. Esse é um caminho que precisa ser

sempre estreitado no tocante às relações. Destaco, ainda, as biotecituras nas quais a egressa

nos ajuda a compreender a formação universitária para além das salas de aula da academia.

Page 201: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

199

A universidade foi um momento de muito aprendizado, de aproveitar ao máximo porque eu pude, eu falo que eu

pude aproveitar ao máximo o curso, os professores, o conhecimento, os desafios que me foram propostos, né?

Porque eu procurava fazer de tudo, eu procurava fazer disciplinas optativas. Eu procurava ser bolsista de Pibic.

Então, eu queria viver ao máximo aquele âmbito, né? Viver ao máximo aquele curso. E nisso, pra a minha

formação, eu acreditava que vivenciando cada momento, vivenciando os outros ambientes fora da sala de aula,

eu poderia ter uma formação melhor, eu poderia conhecer a fundo o que seria esse âmbito de formação

realmente, né? Então, eu participei de projetos de Pibic. Eu participei até mesmo da política dentro da

universidade, participando de CA, Centro de Acadêmico, participando de DCE. Então, assim, eu pude vivenciar

a universidade em todos os seus âmbitos que eu digo. E isso foi muito bom pra minha aprendizagem, pra minha

formação tanto pessoal quanto profissional. (Egressa 28, 2018)

Assim como nesse excerto, observei que, das 30 egressas entrevistadas, 12 tiveram a

oportunidade de participar de outras atividades na universidade, como: grupos de pesquisa

vinculados ao Programa de Pós-Graduação, Iniciação Científica, Programas de Educação

Tutorial, Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, e ainda dos estágios

extracurriculares.

Em outro momento, observei que, para um grupo de egressas, foi mais difícil conciliar

a formação inicial com a vida pessoal devido às exigências familiares, o mundo do trabalho,

pois algumas delas estavam atuando fora da área de Educação. Uma parte delas é mãe e

arrimo de família. Algumas exercem o papel de pai e mãe, uma vez que o nascimento de um

filho impõe outras responsabilidades e negociações entre o tempo pessoal-social e o tempo da

formação inicial e profissional.

Considerando as biotecituras das egressas, destaco, de modo geral, as suas

compreensões acerca da formação inicial na Pedagogia. Essas impressões foram organizadas

na Figura 9.

Page 202: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

200

Figura 9 - Pedagogia: construções-ressignificações epistêmicas e humanas

Fonte: elaborado pela autora (2019).

Page 203: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

201

Respeitando essa construção de entendimento da Pedagogia, trago para o próximo fio

auxiliar algumas das percepções das egressas com relação ao curso diante de sua expansão

orientada pelas DCNs (2006).

4.3.1 Percepções das egressas de Pedagogia frente à ampliação da área de atuação

A Pedagogia, ela é um leque muito grande, né? Ela abre possibilidades pra várias coisas. Ela não forma o

professor. Ela forma o profissional. E esse profissional, ele tem um leque de escolher, às vezes, eu não tenho

perfil pra sala de aula, mas eu tenho perfil pra uma outra coisa. Então, dá essa possiblidade de eu ir em busca

da minha... do meu perfil profissional. (Egressa 29, 2018)

Para Libâneo (2001), nos muitos movimentos e estudos que versam sobre a Pedagogia,

tanto por meios profissionais, políticos, universitários, sindicais, empresariais, movimentos da

sociedade civil, dentre outros, se verifica uma redescoberta da própria Pedagogia. Isso se deve

à ampliação que vem ocorrendo no campo educativo e com a repercussão no campo do

pedagógico.

É com essa colocação do referido autor que compreendo, não a partir dele, mas

mediante a observação de inúmeros movimentos em prol da formação do professor, os

caminhos em vista da aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs (2006) pela

Resolução CNE/CP 01/2006, a qual nasce em consonância com diretrizes com a LDB (1996),

e com outros textos legais, os quais, juntos, foram responsáveis em tecer a reforma da

educação superior e, posteriormente, para este caso de estudos, instigou a reforma do curso de

Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá.

Ora, a formação no curso de Pedagogia, como nas demais licenciaturas, é uma

formação denominada de inicial, mediante uma compreensão aberta apoiada na proposta de

seu currículo, que ao longo de várias décadas, foi sofrendo reformulações de várias ordens,

como já foi tratado neste trabalho, mas seu principal dilema é a busca de sua identidade e a

construção e consolidação dessa identidade.

Ao estudar as DCNs (2006) para a Pedagogia, observei no transcurso da história da

educação pública no Brasil, que o curso ou os cursos de formação de professores foram sendo

reformulados mediante as lutas e enfrentamentos políticos educacionais, marcados por arenas

de disputas de interesses diversos. Por um lado, em dado momento, se prestavam a atender o

progresso, especializando várias áreas de ensino, principalmente o técnico científico. Em

outros momentos, por outro lado, supriam a necessidade de expansão da escola pública e a

universalização do ensino no país, realidade que exigia formação qualificada de novos

professores para atuar na docência e demais segmentos da educação escolar e no próprio

sistema de ensino. Com isso, urgem necessidades de novas frentes de aprendizagens, que o

Page 204: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

202

curso de Pedagogia mediante os direcionamentos das DCNs (2006) havia abarcado,

garantindo, a partir delas, a base da docência como eixo da formação do pedagogo. É nesse

ponto que se amplia o conceito da atuação da Pedagogia.

Portanto, não estava mais se pensando exclusivamente na sala de aula, continuava-se

pensando nela principalmente, mas, a partir de então, olhava-se também para a gestão da

educação no espaço escolar e em outros espaços não escolares, buscando promover uma

educação que rompesse os muros da instituição escolar, podendo ser compreendida sua

atuação em parceria de trabalho com outras áreas afins, como salienta a egressa:

A Pedagogia realmente é um leque bem amplo, né? Eu vejo assim, eu acompanho muito os concursos também, e

aí você vê o de praticamente quase toda instituição pública tá ali um concurso pra pedagogo pra trabalhar com

projeto educacional, educação à distância, formação da equipe, né? Coisas que você via mais só psicólogo, né?

Onde era só psicólogo que fazia, e visto muito isso no concurso. E a Pedagogia hoje, eu vi que ela ultrapassou

os muros da sala de aula, né? Hoje o pedagogo, ele vai atuar desde a educação infantil, e se ele quiser ir pra

universidade, ele vai poder. (Egressa 17, 2018)

Além disso, as DCNs (2006) colocam a sua centralidade na formação dos profissionais

da educação como prioridade para a construção de políticas públicas educacionais, vinculando

essa formação à formação social e cidadã, conforme esclarece o parágrafo 1º do artigo do 2º

das DCNs (2006, p. 01), que compreendem a docência em uma concepção que abarca a

dimensão humano-social, ao dizer que a docência é assumida:

[...] como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído

em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos,

princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre

conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos

de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do

diálogo entre diferentes visões de mundo.

Com esses elementos de definição, passa-se a buscar a integração de modo

interdisciplinar, a pluralidade do conhecimento ―com pertinência ao campo da Pedagogia, que

contribuam para o desenvolvimento das pessoas, das organizações e da sociedade‖ (DCNs,

2006).

No que concerne ao conteúdo externado pela egressa, o artigo 5º das DCNs (2006)

apresenta a abrangência da formação do pedagogo quanto ao que ele precisa conhecer para

estar apto a atuar profissionalmente. Essa aptidão mostra o alargamento do campo de atuação

desse profissional e a responsabilidade dos projetos pedagógicos quanto ao seu currículo, o

que, conforme as especificidades do curso, ou as noções básicas dos elementos da formação,

precisam contemplar da creche ao Ensino Médio, envolvendo os anos iniciais, o Ensino

Fundamental com várias modalidades – quilombolas, indígenas, Educação de Jovens e

Adultos, dentre outras –, e ainda a gestão da instituição da educação escolar e não escolar em

Page 205: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

203

uma perspectiva de formação humana integral cidadã que envolve a instituição educativa, a

família e a comunidade. Por isso, não dá para concentrar a formação dessa abrangência

somente na formação inicial dentro de um único projeto de formação. Por isso, me refiro às

múltiplas formações enquanto movimento permanente dentro da perspectiva da formação

profissional.

Foi com esse olhar de um curso reformulado (2008/2009) em atenção à sua

abrangência, que dialoguei com as egressas dentro de algumas questões da entrevista de

campo, as quais me trouxeram várias percepções, críticas e avaliações, pois a afinação com o

curso por parte das estudantes, atualmente egressas, se deu e se dá (pois para algumas, esse

entendimento só foi possível depois do término do curso), à medida que o curso avança em

sua proposta curricular.

O estudo mais amplo e diversificado das várias frentes que constroem a área do curso

ajudou no decorrer dos estudos a descobrir que ele, enquanto formação e área de atuação, não

está restrito à sala de aula ou à docência em si. Por isso, o curso foi se constituindo em uma

descoberta. Nas biotecituras, encontrei falas que denotavam espanto, dúvidas, desespero e

para outras egressas, possibilidades novas de atuação geraram expectativas.

Essa expansão possibilita hoje assim uma infinidade de oportunidades de trabalho. Eu posso atuar aqui como

professora e posso atuar na educação de jovens e adultos e posso atuar em um presídio e posso atuar numa

educação hospitalar. Todos eles me dão possibilidades, possibilidade de concurso, possibilidade de trabalho

[...] Então, hoje eu vejo que, na verdade, isso possibilita o meu acesso a diversos ambientes. Então, pra mim,

hoje ela tem um valor, essa questão da expansão tem um valor profissional mesmo [...]. (Egressa 15, 2018)

Conforme observou a egressa, a Pedagogia constrói, com a ampliação da área de

atuação um novo status social, educacional e profissional. Esse acesso a outros ambientes de

trabalho enseja necessidades de maior aprofundamento profissional, realidade que foi

salientada por várias egressas ao reportarem ao curso diante de outros espaços de atuação,

como podemos observar no excerto da Egressa 6 (2018):

Eu acredito que essa atuação, ela... realmente o curso sendo amplo, ele é realmente válido, porque você tem

esse conhecimento para atuar nessas... todas essas modalidades. Claro que todas as modalidades ela requer

aprofundamento, você tem os elementos iniciais. O curso de Pedagogia ele foi muito bom porque ele te dá essa

visão de cada modalidade. Aí vai de você querer aprofundar e se identificar com cada uma delas. Eu fiz optativa

de educação especial, fiz optativa de pré-escola, fiz optativa de história como recurso escolar, a história oral, fiz

eu acho que de formação de jovens e adultos também. Então nas optativas nós tivemos essas modalidades, o

início delas. No curso de Pedagogia eu creio que a gente tem a visão geral. Generalista de tudo, e aí o que você

se identifica você aprofunda pra você poder atuar com qualidade na modalidade que você escolheu. (Egressa

6, 2018, grifo nosso)

Nesse sentido, Libâneo (2001, p. 06) chama atenção, ao dizer que:

A Pedagogia se ocupa, de fato, com a formação escolar de crianças, com processos

educativos, métodos, maneiras de ensinar, mas, antes disso, ela tem um significado

Page 206: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

204

bem mais amplo, bem mais globalizante. Ela é um campo de conhecimentos sobre a

problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma

diretriz orientadora da ação educativa. [...] Pedagogia é, então, o campo do

conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da educação − do ato educativo,

da prática educativa como componente integrante da atividade humana, como fato

da vida social, inerente ao conjunto dos processos sociais. Não há sociedade sem

práticas educativas.

Nessa compreensão trazida pelo referido autor, não podemos considerar que o curso

em si consiga sozinho dar conta de articular em seu currículo todas as especificidades que

compreenderam essa ampliação. A esse respeito, ao estudar as implicações das DCNs (2006),

o autor ao falar da formação considerando a expansão entende que:

A formação de educadores extrapola, pois, o âmbito escolar formal, abrangendo

também esferas mais amplas da educação não-formal e formal. Assim, a formação

profissional do pedagogo pode desdobrar-se em múltiplas especializações

profissionais, sendo a docência uma entre elas. (LIBÂNEO, 2006, p. 851)

A fala do referido autor alerta sobre as novas exigências formativas advindas das

DCNs (2006), a qual não se restringe a um curso de formação inicial. Nessa perspectiva de

pensar as formações da Pedagogia para além do curso, a egressa, diante da amplitude do

currículo proposto para o curso de Pedagogia advindo da reformulação de 2008-2009,

expressou sua preocupação sobre a formação na e fora da academia, ao dizer que:

Se a pessoa, por um acaso, tem uma afinidade com a educação contínua, ou uma afinidade com qualquer uma

dessas modalidades, ainda tem a prerrogativa – e aí isso é uma hipótese – da pessoa ser uma autodidata e se

preparar de forma autônoma, em busca de outras pesquisas, de outras leituras pra complementar aquela que

teve no curso inicial. Olhando nessa perspectiva da autodisciplina e da auto para complementar aquela

introdução, tá. Mas e quem não tem condições e objetivos pra isso? Não sei, não sei. Eu acho complicado. Nós

tínhamos uma diretriz na nossa época que era... tinha as séries iniciais, tanto é que nós passávamos por todas

essas etapas no estágio e mais a educação e espaços não-escolares. E a gestão, conselho, o PPP, e a construção

do PPP, era a OFEB, eram disciplinas à parte que vinham a somar com essas outras... E eu penso que daquele

jeito não era o ideal também, mas também não pegava o bolo e esfacelava ele todo. Porque você dizer que você

vai oferecer todas essas áreas, essas modalidades no curso de quatro anos, não vai... (Egressa 27, 2018)

Diante desse conjunto de mudanças e novos encaminhamentos da época no que tange

à formação no curso, percebo, nas biotecituras, que a identificação, como já havia dito antes,

vai se dando no processo do próprio curso. Primeiramente, com o curso, em seguida, com

uma especificidade dentro de um segmento da área de atuação da Pedagogia. Contudo, neste

caso, também se vê o que ocorre em qualquer área de conhecimento: há uma re-opção dentro

da opção. Essa escolha mais específica é aprofundada dentro da carreira, como salientou

Libâneo (2006), e observou a egressa, ao trazer sua compreensão:

Então a formação continuada... Eu falo assim, a academia, ela é uma formação inicial. Ela não te dá a base pra

muita coisa, até porque não é essa o objetivo fim, se ela consegue fazer em quatro anos uma vida, [...] ela te

ajuda a construir. E aí tudo depende do que você fez aqui na faculdade também nesses quatro anos, né? Se você

empurrou com a barriga, se não, se você realmente debruçou em cima de um livro, escolheu além daquilo que o

Page 207: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

205

professor falou, você foi buscar, né? Você leu mais coisas ou não, ou se você discorda, ou concorda, né? Às

vezes, eu falava assim, „puxa vida, a gente faltou estudar isso aqui‟ [...] (Egressa 16, 2018)

Outras, diante da expansão da atuação da Pedagogia, expressaram:

Eu fiquei feliz porque seriam mais possibilidades de atuação. Tanto é que eu me inscrevi em várias optativas

que apareceu, praticamente todas, (que eu sou muito arretada) por estudar. Mas eu diria que assim, uma pessoa

que acaba de formar, se ela não focar em alguma coisa, ela fica meio perdida, porque há as especificidades. A

educação infantil é diferente de trabalhar com EJA, são dois campos de atuações, gestão totalmente diferentes,

envolve conhecimentos que até aquela época, naquela grade que eu estudei, não havia. A gente foi adquirindo

por meio de estudos paralelos, optativas, pós-graduações. Mas assim, é interessante essa abrangência, mas

requer também do profissional um aprofundamento na sua formação, senão ele vai ficar extremamente

superficial, e vai agir de forma genérica, não vai atender a especificidade daquela etapa, daquela modalidade.

(Egressa 18, 2018, p. 07-08)

Eu acho importante, desde que na área de atuação ele tenha uma apropriação de entendimento daquilo que ele

vai atuar, né? Porque atuar nas instituições de educação infantil não é a mesma coisa de atuar numa instituição

de ensino fundamental, como não é a mesma coisa em atuar numa instituição do ensino superior. Tem as suas

especificações [...] E tem que se buscar qualificações também, né? Capacitações e a parte das especificações.

(Egressa 27, 2018)

Há um entendimento por parte das egressas que o curso, mediante as diretrizes e a

reformulação da proposta curricular, gera várias especificidades formativas que vão se

integrando e interagindo conforme as escolhas de atuação do pedagogo.

Quanto a esse aspecto colocado pelas egressas, a proposta curricular do curso em

questão entende que:

Apesar da constatação, nessa ótica processual da aprendizagem do trabalho docente,

de que o curso de licenciatura apresenta determinados limites, em parte definidos

pelo curto período que este representa relativamente a toda história de aprendizagem

do futuro pedagogo, a aprendizagem proporcionada nele precisa deixar de ser

pontual (fragmentada, desvinculada da prática) e integrar-se ao diálogo com a práxis

educativa, caracterizando-se efetivamente como uma sólida formação profissional

inicial que garanta a criticidade essencial para o desenvolvimento de competências

básicas para uma aprendizagem social. (PPC/IE/UFMT 2008-2009, p. 12, grifo

nosso)

Embora o leque de opção se amplie, o mote continua sendo o mesmo, envolvendo o

trabalho com as questões humanas independentemente que a atuação se dê em uma função

burocrática do ensino. O foco continua sendo a formação de pessoas. Nesse aspecto, as

biotecituras confirmam que a opção das egressas se vincula às necessidades e interesses de

trabalhar com o ser-pessoa e sua formação.

Há um entendimento que essa atuação, independentemente dos espaços, vincula-se

com as questões da educação:

Então, assim, eu não queria trabalhar numa coisa que não fosse [...] que não lidasse com as questões

educacionais. Então, eu posso ser pedagoga e posso lidar com as questões educacionais, trabalhar no Instituto

Federal de Educação como técnica, (posso ser uma) técnica, mas lidando com as questões educacionais. Então,

acho isso muito bom. Isso é excelente (Egressa 3, 2018)

Page 208: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

206

Para a Egressa 28 (2018), as reformulações do curso oportunizaram uma reopção

dentro de sua própria aérea de atuação:

Quando eu entrei pro curso de Pedagogia, eu sabia que ele seria para as séries iniciais, só que eu tinha em

mente que eu não queria aquilo pra mim, né? Então, quando se abriu o leque do pedagogo poder atuar na

Educação Infantil, poder atuar na educação de jovens e adultos, em todas as outras frentes, pra mim foi o

máximo, porque tanto que teve o curso ampliado, eu fui uma das pessoas, por não conseguir fazer o estágio

porque eu fiquei grávida nesse percurso, por não conseguir fazer o estágio com a minha turma eu tive até que

fazer algumas disciplinas a mais por causa dessa ampliação do curso. Mas assim, só trouxe subsídios a mais

pra minha formação. (Egressa 28, 2018)

O que pude acompanhar, tanto nas vozes das egressas como na minha própria

experiência com o curso de Pedagogia da UFMT, é a atenção que o curso buscou dar às

demandas que foram exigidas do pedagogo. A possibilidade de estudos, a partir de um

currículo transdisciplinar, em que o foco está na formação do profissional, ampliando sua

visão de profissional de educação com condições de transitar pela sala de aula enquanto

docente, mas com potencialidades para atravessá-la a fim de alcançar outras necessidades e

espaços, que também são formativos e de aprendizagens:

Eu acho que é uma oportunidade da gente passar fora da sala o que a gente já tava fazendo como... eu tenho

esse desejo, essa vontade de ensinar [...] Tenho uma colega que faz trabalho no hospital, achei lindo também,

que ela entra em contato com a gente. Ano passado eu trabalhei na sala multi. [...] Então, é um trabalho que sai

da sala, o aluno [...]. Então, o presidiário também, às vezes, „ah, eu tô fora do mundo‟, mas ele tá lá também,

tentando [...] já mostrando pra ele que ele, quando ele sair, não tá fora, não tá perdido, tá tendo ensinamento.

Então, é um leque que se abriu que a gente vai ter mais oportunidade. Às vezes, a gente se sente preso na sala e

agora a gente pode falar fora, né? Tem mais espaço aberto. Às vezes, causou até um pouco de inveja, porque eu

já ouvi uns comentários assim, de professores de outras áreas e fala assim, “por que que a gente tem que ser

coordenado só por um pedagogo ou uma direção só de pedagogo? (Egressa 7, 2018)

As DCNs (2006), embora ainda sejam um desafio para os cursos de Pedagogia devido

a que priorizar no currículo, como agrupar epistemologias de modo que elas se interajam, o

direcionamento da normativa nos parece que mobiliza para o estatuto da Pedagogia, o que é

de competência dela e não mais de outros profissionais.

Não ‗estamos‘ no sentido das egressas, ou das minhas compreensões, lidando com um

super-profissional, mas tratando da potencialização de sua identidade aberta com foco na

educação do ser-pessoa vinculado a uma educação formal ou não formal, o que não deixa de

ser pertinente a lugares de aprendizagens. A esse respeito, Egressa 2 (2018) diz que:

Eu acho que é muito importante sim, porque nós que trabalhamos não só em sala de aula, mas também em

outros lugares. Por exemplo, conheço pedagogos que trabalham em clínicas. Isso dá essa possibilidade de você

escolher qual é o caminho que a gente quer trabalhar, do que a gente gosta de fazer.

Esse cenário evita o engessamento da área, mas exige qualificação para a atuação

diversificada da Pedagogia. O trecho da biotecitura que se segue me proporcionou saber como

Page 209: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

207

algumas egressas lidam com essa ampliação, e se, de fato, estão ocupando esse espaço que a

formação inicial as assegurou como conquista e direito:

E eu, durante esse percurso da minha vivência na educação, eu... eu acho assim, que quando a pessoa gosta do

que faz, não tem idade, porque eu já tenho experiência com o ensino fundamental, com adolescentes, na escola

onde eu trabalhei, com formação de professores também, na Secretaria de Educação, eu tive uma oportunidade

de trabalhar com professores. E também eu já fiz substituição em faculdade para a graduação em Pedagogia.

Então, eu acho que quando a pessoa gosta de ensinar, qualquer idade você consegue ensinar. (Egressa 6, 2018)

Como eu fiquei um tempo na secretaria eu vi como que precisa ter pessoas atuantes nesses lugares, porque vai

discutir uma coisa que vai afetar a rede toda, e aí você tem que ter um pedagogo pra falar, dar opinião „gente,

eu estudei, é isso, é isso, é isso‟, né? Tem que ter assim. Então, tem que ter pedagogo mesmo em tudo quanto é

lugar. (Egressa 17, 2018)

Nas vozes das referidas egressas, mais uma vez, observo a expansão da área da

Pedagogia que independente do ‗lugar, o que se espera é que o pedagogo ensine, lide com as

questões humanas de seu aprendizado. Esses aspectos supõem que essa atuação requisite uma

formação permanente.

Ao pensar o curso em si, não significa que devido ao fato de a área de atuação ter se

tornado mais diversificada e complexa, que a formação inicial seja obrigada a vincular-se a

uma mesma matriz, e que o projeto curricular tenha que dar conta dessa formação em um

sentido de completude e acabamento. Com a exposição junto à prática, e considerando essa

ampliação, tal experiência e movimento contribui para que as egressas consigam fazer essa

leitura quanto à necessidade da formação permanente, ao mencionar que:

[...] quando a gente tá lá na atuação a nossa formação é inicial. Então, a gente precisa se aprofundar, buscar

aprender mais, mas o que a gente tem aqui, o básico assim, dizemos assim, prepara a gente pra ir atrás do que a

gente precisa, buscar mais fonte de conhecimento e se colocar no lugar do outro que a gente vai trabalhar, né?

Porque a nossa área de atuação, aí ela é bem ampla. E eu acho que assim, a nossa formação com certeza

prepara a gente pelo menos pra buscar mais informação, porque não tem eu acho que como um curso que sai

pronto e você tá pronto, já vai trabalhar e vai ter sucesso. (Egressa 12, 2018, grifo nosso)

Eu vejo o quanto a gente perdeu e ganhou ao mesmo tempo, porque nós fomos aquela turma da transição, né?

Então, nós ainda tivemos essa opção de optativas. Então, quem não trabalhava, quem, às vezes, tava só na

época da faculdade, conseguiu fazer muita disciplina optativa e conseguiu absorver um pouco mais. Os outros,

né? Que não conseguiram fazer, tiveram que ir fazendo isso no decorrer da formação profissional sua. (Egressa

16, 2018)

Tomando esses excertos de biotecituras como perspectiva de compreensões sobre essa

ampliação, passo a entender que a formação na Pedagogia, em razão das novas frentes de

atuação, chama para o diálogo novas epistemologias, as quais, a partir de suas abordagens,

apresentam contribuições para o ensino via Pedagogia, considerando os segmentos de

formação humana diversa, com suas necessidades múltiplas de aprendizagens. Nesse sentido,

retomo o que Houssaye et al., (2004) dizem no Manifesto a favor dos Pedagogos, ao ressaltar

que o pedagogo de profissão só é assim considerado quando fizer o que chamam de plus na e

Page 210: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

208

pela articulação teoria-prática em educação. De outro modo, Roldão (2008) chama de

alquimia, o pensar a fabricação pedagógica.

Voltando a essas tensões e compreensões que tecem os fios da ampliação da área de

atuação, pelas construções das biotecituras, muitas egressas chegaram ao curso arredias,

preocupadas e incertas, pois o pouco que conheciam da Pedagogia era que ela se restringia à

atuação em sala de aula e na escola como sendo as alternativas possíveis. Entretanto, no

decorrer da formação e com a apropriação do conhecimento, a Pedagogia vai se mostrando e

se dando a conhecer em seus limites e possibilidades. Por isso, elas foram surpreendidas,

como bem exprime a Egressa 11 (2018):

[...] quando nós entramos no curso de Pedagogia, a primeira ideia que nós temos assim, na época queríamos

trabalhar em escolas, era essa noção. Quando nós entramos no curso não. Foi mostrado pelo coordenador do

curso na época, que nós poderíamos trabalhar em diversas áreas, em diversos campos, empresas, hospitais (e

tudo mais). Quando nós tivemos noção que isso poderia ser possível, algumas pessoas que tinham medo de

trabalhar em escolas, ou tinha algum tipo de aversão à criança e trabalhar com crianças, viram uma

possibilidade um pouco maior de trabalhar em outros âmbitos que não fosse exatamente ali o âmbito escolar.

Isso foi bom, porque também me deu uma segunda possibilidade, porque eu não tinha problema nenhum em

trabalhar com crianças, eu gostava, gostava da ideia de [...] da licenciatura, né? Até porque eu já tinha feito

história, mas aí sabendo que poderia trabalhar além de escolas, em empresas ou hospitais, enfim, eu gostei

bastante. Por isso, eu acho que eu escolhi o curso certo, porque ele ia atender qualquer sentido. (Egressa 11,

2018)

A formação inicial abre essas possibilidades de atuação que à cada uma vai se

percebendo onde melhor poderia atuar. Entendo essa delimitação da atuação, acontecendo

gradativamente à medida que as egressas vão se expondo em sua atuação, como esclarece a

Egressa 16 (2018), ao relatar que:

Eu falo, nossa, foi muito interessante vir pra secretaria porque eu observei a diferença do que era lá na ponta, o

documento que chegava pra nós, e quem é que produz ele aqui, porque, às vezes, quem produz ele aqui tá tanto

tempo aqui que esqueceu o que é o chão da sala, mas não é só por isso. É porque ele também tá lendo

documentos que têm que ser a base do chão da sala. Então, eu preciso juntar o que é realmente o fazer

pedagógico, né? Na ponta, no seu fim, no aluno, com aquele outro que também tá pensando apenas educação.

Então, vamos fazer a junção disso. E aí ser formadora de professores ajuda a gente a ter esse... essa percepção.

Essa constatação também aparece na fala de Egressa 4 (2018). No que se refere a essa

busca pessoal, ela diz:

Já dei aula pra educação infantil, mas só que não me reconheci, e nem no quarto e no quinto ano. Então, seria

mais pro primeiro, segundo e terceiro ano, que eu me vejo melhor. Que eu me sinto melhor.

Ocorrência semelhante foi verificada na experiência de Egressa 9 (2018), que, ao se

defrontar com outros anos escolares, conseguiu se encontrar dentro da Pedagogia, ao dizer

que:

Quando eu passei no concurso de Várzea Grande, aí eu fui pra alfabetização e me descobri na alfabetização.

Que o meu perfil é alfabetização, educação infantil, [...].

Page 211: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

209

O que percebo é um movimento quase que natural no sentido daquilo que mais se

aproxima do seu ser e fazer pedagógico. Essa identificação vai acontecendo mediante a

experimentação. E essa experimentação é mais completa no sentido das muitas

especificidades pelo fato de o curso ter outras atribuições com a construção de diversas

epistemologias e não conseguir possibilitar esse laboratório maior de experimentação.

Essa relação com o outro, com os outros, lidando com suas necessidades e interesses,

permite uma autoavaliação. Nesse aproximar-se e distanciar-se dos outros para conseguir

realizar escolhas pessoais, é que a atuação e a formação se ligam com suas aspirações

profissionais. No meu entender, esse observar-se a si mesmo, aproxima-se do movimento de

autoformação, do qual Pineau (2006, p. 57), em seus escritos trata, ao ressaltar que ―as

histórias de vida como artes formadoras da existência‖ considerando os tempos humanos

oportunos para uma formação e mudança permanente em todas as etapas da vida. Ele

expressou que ―criar essa perspectiva, de se desdobrar em sujeito objeto de conhecimento, de

criar assim um espaço pessoal específico novo, de trabalho de si, por si, para si. Trabalho de

autoformação ao cubo, triplamente interlocutor [...]‖

É nesse sentido que as propostas de formação permanente precisam considerar as

vivências dos professores expostos a algum tipo de prática escolar ou não escolar, com

objetivo de potencializá-los e não os cercear, limitando, assim, a sua criatividade. Isso porque,

mais do que consumir instruções, eles querem agir e criar.

Retomando os excertos anteriores, observo a busca de experimentação dessas egressas

vinculado com seu sentir que deseja se integrar e entregar à sua profissão. São esses aspectos

que marcam fortemente as temporalidades que transitam nos espaços escolares e não

escolares. Como pontuam Fortes e Flores (2012, p. 18):

[...] a organização da formação orientada para desenvolvimento profissional, o que

implica a consideração das necessidades individuais e coletivas, pessoais e

profissionais, dos docentes e dos contextos em que trabalham, bem como a fase da

carreira em que se encontram.

Desse modo, entendo que Day (2001) e García (1999) consideram também a formação

orientada para o desenvolvimento profissional como necessária, porque ela pode ajudar com

contributos atendam às dificuldades individuais de cada professor.

Contemplando essa formação inicial na perspectiva da formação profissional, retomo

algumas biotecituras e encontro o explicitar das egressas sobre as DCNs (2006). Notei que em

algumas falas elas se reportam à matriz curricular do curso de Pedagogia inicialmente

reformulado devido à gama de conteúdos a serem abordados. No que diz respeito à sua

experiência formativa, as egressas disseram que o tempo do estar no curso foi insuficiente e

Page 212: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

210

acabava sendo mesmo insuficiente, não abarcando essa ampliação em termos de estudos e

aprofundamentos. Isso gerou uma sensação de insegurança quando elas pensavam em atuar

fora do espaço escolar.

A disposição, o sentir-se competente e confiante diante de um currículo mais ampliado

e de um campo de ação mais diversificado, conforme as biotecituras, só passa a ser

compreendido e menos complexo à medida em que as egressas vão se envolvendo com seu

próprio aprendizado e se dando conta de si mesmas como agentes de mudança. Isso me faz

salientar o reconhecimento da necessidade de formação ao longo da vida.

Ao retomar as vozes das egressas que ressoaram nos fios dessa dimensão que abordou

alguns olhares sobre a formação inicial, deparei-me com múltiplos sentimentos,

entendimentos e perspectivas frente às áreas de atuação da Pedagogia, tendo por base a

reforma curricular advinda das DCNs (2006). Embora sua publicação já tenha completado 13

anos, os avanços não são suficientes para dar mais consistência teórica, metodológica e

pedagógica ao curso. Isso foi observado devido às próprias complexidades da expansão, que

por si só, já geraram novos desdobramentos de frentes de trabalho e necessidades formativas.

No que concerne às políticas educacionais curriculares, há muitos hibridismos com arenas de

disputas acerca da proposta da organização dos projetos políticos pedagógicos, das condições

objetivas de trabalho dos docentes, e ainda dessa relação mais estreita entre teoria e prática.

Esses aspectos podem ser observados nas linhas e nas entrelinhas das biotecituras e

das minhas próprias percepções quanto ao curso e à formação, pois estão conectados à

necessidade de maior inserção no ambiente de atuação da Pedagogia e de discussões que

considerem a formação docente na perspectiva do ser profissional crítico-reflexivo e de ser

um pesquisador de sua própria prática futura. Quanto trataram do constituírem-se como

profissionais, as egressas expuseram, por meio das biotecituras, que com a formação inicial na

Pedagogia e a exposição mais reiterada nas frentes de atuação, fizeram sínteses e novas

sínteses abarcando de modo mais reflexivo a atuação e a profissão. Diante do pensar fora do

curso, considerando a formação, algumas egressas expressaram:

Eu acho que, de certa forma, ela ajudou não só a ampliar o campo da Pedagogia como, digamos assim, „ah, é

um leque de lugares, de opções que eu posso trabalhar‟, mas melhorou em questões qualitativas o trabalho do

pedagogo, porque quando eu vejo o trabalho de professora, é uma coisa, eu estou vendo dentro da minha sala

de aula, quando eu sou gestora, né? Eu vejo o trabalho de uma outra forma, eu vejo várias salas, professores

que têm que trabalhar em consonância com um documento da rede municipal ou da rede estadual, juntamente

com uma diretriz nacional, né? Então, eu consigo digo assim, o professor, às vezes, não observa isso no seu

fazer diário, mas o gestor, ele tem que observar. Então, o campo de visão dele muda. (Egressa 16, 2018)

Esse pensar a escola de modo mais articulado, completo e complexo, mostra que esse

olhar perceptível e mais cuidadoso é possível, porque a egressa está no processo e se percebe

Page 213: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

211

no processo de sua própria formação profissional, sendo que a escola se constitui espaço-

tempo propício de pesquisa, aprofundamentos, ressignificações e novos conhecimentos. Estar

em sala de aula e depois na gestão, e volver o olhar para observar o professor em seu

ambiente de atuação, passar a ser, então, esse professor observador, ocupa um outro lugar

nesse mesmo cenário que lhe possibilita ter outras percepções, pois se tem acesso também a

outras especificidades da atuação profissional. Por isso, a visão não só muda, como pode

também se ampliar.

Em um outro excerto, as egressas olham para si (auto) e para os outros (hetero), seus

alunos como se eles fossem os impulsionadores de suas reflexões e, consequentemente, de

suas novas práticas, ao dizerem que:

[...] você tem que pensar em vários jeitos de aplicar aquele conteúdo, de dar aquela aula, até porque os

alunos... que a gente sempre fala que os alunos não são iguais, que você não tem que ter uma forma só de

ensinar, que você tem que perceber que os alunos são diferentes e que se não deu certo daquele jeito, você tem

que tentar de outra forma [...] (Egressa 13, 2018)

Depois da minha formação, eu questionava algumas coisas „será que é assim mesmo? Será que é por esse

caminho? Será que se eu for por esse caminho eu vou conseguir atingir o meu objetivo?‟. E pensar também pro

aluno, com esse olhar pro aluno, porque até então, a gente pensava nos objetivos que você queria atingir, mas e

os dos alunos? E a formação, ela te possibilita isso. Você ter esse entendimento, essa compreensão, que não é

em você, não é o seu querer, mas é o do aluno, seu olhar tem que tá voltado pra criança. (Egressa 30, 2018)

Colocam-se como protagonista de ações reflexivas de sua própria prática para além do

saber fazer, ou ensinar algo a alguém, como Roldão (2008) nos ajuda a entender. O que as

egressas expressam diante de sua atuação, ou antes dela, é um pensar a educação de modo

mais enraizado na realidade.

Há, nas vozes das egressas, compreensões de um afinamento e refinamento entre o

pensar e o agir, de modo correlacionar as experiências da ação educativa com as exigências

cotidianas:

É a cada dia você... com as coisas que você vê, com as dificuldades que você enfrenta com o aluno,

principalmente. O que eu quero a gente enfrenta mais dificuldade é do „eu consegui‟, „ah, eu não consegui com

esse‟, „ah, com esse está indo, com esse não está indo‟, com as experiências que a gente vai tendo que a gente

vai, „ah, o ano que vem não vou fazer diferente, porque esse ano isso deu certo, vou continuar‟. (Egressa 13,

2018)

[...] com a experiência que você vai evoluindo e você vai crescendo, o seu profissional, tudo, né? Não só o

profissional, até o emocional seu vai... quando você entra é uma coisa, agora com o passar do tempo, que você

pegou experiência, que você já tem três anos, você já sabe como que é, você já não se abala tanto com algumas

coisas, já consegue... os pais já você já trata de uma forma diferente, você já recebe o pai, dependendo do que...

de certas situações você já sabe lidar melhor. Acho que é a experiência mesmo. (Egressa 13, 2018)

Diante dessas biotecituras, retomo minha compreensão considerando os estudos de

Shulman (2014), que vai dizer que essa exposição com a realidade ajuda o professor a ir

fazendo seu refinamento, e ele mesmo vai se dando conta de seu crescimento e conhecimento,

Page 214: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

212

pois começa a aprender a ensinar. Compreendo, observando os estudos do referido autor, que

―os professores aprendem por meio de reflexões críticas estruturadas sobre suas próprias

práticas‖ (SHULMAN, 2016, p. 123), os quais vão transformando suas experiências

individuais, sejam elas na docência ou nos demais espaços de atuação, em conceitos mais

generalizáveis devido ao esforço de reflexão, tanto individual como coletiva.

No sentido da ação do ser professor, Nóvoa (2016) expressa que ―não há duas

Pedagogias iguais. Cada um de nós tem que encontrar a sua própria Pedagogia, tem que

compor a sua Pedagogia, sob a pena de nunca encontrar esse tal conforto [...] (NÓVOA, 2016,

p. 10, degravação)

Em um outro momento, no livro Vidas de Professores, organizado por Nóvoa e

Huberman (1989) pontuou que ―o desenvolvimento de uma carreira é, assim, um processo e

não uma série de acontecimentos. Para alguns, esse processo pode parecer linear, mas para

outros, há patamares, regressões, becos sem saída, momentos de arranque, descontinuidades.

(HUBERMAN, et al., 1989, p. 38)

Retomando esse fio que trata das percepções dos egressas diante da atuação deles

diante da ampliação da área de atuação, observo o que Nóvoa (1989) traz como um

pensamento compreensivo diante da carreira do professor, que compreende tal como García

(1999) e Pineau (2003), como processo continuum e não acontecimentos isolados, os quais

percebo nas egressas em suas biotecituras, quando elas vão puxando como de um emaranhado

de fios seus processos de construção e ressignificação do seu aprender profissional.

As vivências das egressas, sejam elas em sala de aula, ou em outras frentes de atuação

da Pedagogia, são marcadas por inúmeros movimentos de diferentes etapas no processo de

aprender e ensinar. Elas percebem que estão em uma sala de aula diante de um grupo de

alunos e diante de várias necessidades de aprendizagens, mesmo estando em um mesmo ano

escolar. Os próprios alunos possuem necessidades, muitas vezes, específicas para aprender.

Em um outro momento, constatam que a escola é um todo, e que está situada em um contexto

sociocultural maior, e que não só ensinam com os conteúdos sistematizados, mas com outras

situações que atravessam a sala de aula, a escola e, muitas vezes, a família. Elas também

veem que a gestão da escola amplia a visão da educação, que passa a ser compreendida tanto

para o aluno como aprendente, como para o professor, como o ensinante. Todos são

aprendizes e requerem formações em graus diferentes. Percebem que a Pedagogia extrapola

os muros da escola e se coloca como interlocutora com outras áreas de conhecimento e que,

para contribuir com esse diálogo e com a práxis pedagógica, precisam continuar seus

processos de formações ainda mais aprofundados, constituindo uma rede comunitária de

Page 215: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

213

profissionais. Foi o que compreendi diante da atuação das egressas considerando sua maior

inserção profissional mediante a reformulação do curso de Pedagogia da UFMT orientada

pelas DCNs (2006).

Então, isso posto, as principais ideias externadas nas biotecituras das egressas foram

organizadas e estão expostas na Figura 10.

Figura 10 - Ampliação da área de atuação na Pedagogia: compreensões das egressas

Fonte: elaborada pela autora (2019).

Page 216: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

214

Diante dessas compreensões vindas das vozes das egressas, me aproximo e teço com

elas os fios que articulam com a dimensão profissional em uma perspectiva de uma concepção

de múltiplas formações que contribuem com os processos de autonomizações.

4.4 Contextos formativos e processos de autonomização: dimensão profissional das

egressas

Lidar com tecimentos e tensionamentos de fios, quando estamos tratando do ser-

pessoa e suas formações, sempre é um campo de múltiplas percepções, as quais venho

entendendo de modo circular ao colocar em diálogo as três dimensões que elegi para o roteiro

das entrevistas, e com as quais compus as biotecituras. Venho observando, nesse constituir-se

pessoa e profissional, principalmente nos movimentos de autoformação, os imbricamentos de

uma dimensão na outra e sempre assim, sucessivamente. A esse respeito, Pineau (2006, p. 42)

chama atenção para o perigo que há dessa separação entre essas linhas que, a meu ver, são

tênues. Assim diz o autor ―com efeito, hoje a vida e suas diferentes formas são cindidas pelo

esfacelamento, quase generalizado, das fronteiras entre vida pessoal e vida e vida profissional,

vida privada e vida pública, vida social e vida familiar e mesmo vida e morte, vida passada e

vida futura‖.

Esse cindimento que o referido autor trata ocorre nas fronteiras, pois para o autor, é

nas fronteiras que as coisas, os outros movimentos e decisões acontecem. Compreendo tais

fronteiras não como barreiras, cercas ou linhas estabelecidas e fixas, mas como pontos de

articulação da autonomia com a dependência. Assim, as tomo como Pineau (2003, p. 132),

para quem ―a fronteira vital é o lugar onde se representa o paradoxo da relação ecológica que

articula a autonomia do ser vivo com sua dependência frente a frente com o exterior‖. A partir

do autor, entendo que esse lugar-temporal das fronteiras representa os filtros que podem

permitir a entrada ou reter algo, o que ajuda no combate à homogeneização dos tempos.

Ainda, ―elas são transações sutis, penetrações epidérmicas, trocas visuais, fixações de sentidos

que se não forem lavados em consideração produzirão cérebros desvitalizados, caracterizados,

blindados, emparedados em seu autismo‖ (PINEAU, 2003, p. 133), o que revela a urgência da

autoformação, no sentido do formar-se ―por si mesmo‖. Essas fronteiras são percebidas nas

biotecituras no sentido se ter consciência dessas dimensões fronteiriças, delas serem

importantes, de muitas vezes, ou quase sempre, não serem consideradas no bojo das

formações, já que as coisas pessoais se imbricam nas coisas profissionais.

Observo as egressas constatam que instituições, sistemas de formação, projetos de

qualificações dentre outros, são bastante complexos, diversificados e singulares, instituindo-se

Page 217: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

215

como fronteiras. Então, para transpor o movimento dessas fronteiras, é preciso aprender a

lidar com seus limites e possibilidades.

Na percepção da construção de sentidos de si mesmo implicados nas dimensões,

observei que a Egressa 21 (2018), que já está no movimento da formação permanente no

sentido de vivenciá-la tanto como egressa de Pedagogia, docente e estudante de Pós-

graduação, ressalta sua compreensão de aproximação e relação sobre essas fronteiras, ao dizer

que

É por isso que o tempo, a temporalidade e os meios e a vida das pessoas elas estão imbricadas... (Egressa 21,

2018)

Tendo em conta o que pontuou Pineau (2006), abro o diálogo trazendo o seguinte

excerto, que diz:

Primeiro, quando eu saí daqui eu já tinha na minha cabeça que eu não ia atuar. Eu não queria. Não era minha

vontade. Aí eu fiquei em casa e a minha vó ficou doente, fiquei com ela no hospital. E eu tinha uma tia que

trabalhava na escola. Aí ela me perguntou se eu queria cobrir a licença de uma professora, e eu falei não, de

primeiro momento, não. Só que aí depois eu me peguei assim, minha mãe perdeu o emprego. Meu pai perdeu

o emprego, e eu assim... como que eu vou dizer? Pressionada a aceitar, e fui. E quando eu cheguei no primeiro

dia pra mim foi assim, como que eu vou explicar? Eu tinha tanto medo só de olhar pra aquelas crianças, pra

aquela sala de aula, que eu falei... eu pensava, desde aquele dia lá, ‘mas amanhã eu não volto mais’, e esse

amanhã, amanhã que eu não volto mais, eu fui indo, e assim acabou o ano, assim eu tava na sala de aula. Eu

acredito que, num primeiro momento, eu não fui uma boa professora, porque eu não tinha experiência nenhuma.

Mas eu fui adquirindo porque eu tive vontade de saber como que os outros professores atuavam, como que era

atuar em uma sala de aula, e fui procurando tá observando. Às vezes, eu ficava na sala com umas professoras

que já dava aula, observava, observava tudo que elas falavam, tudo que elas trocavam de ideia, e assim eu fui

aprendendo. Não sei tudo hoje, mas eu já tenho uma experiência boa. (Egressa 14, 2018)

Puxo esse fio entendendo que esse excerto revela muito realidade da atuação

profissional das egressas: cada uma está inserida e imbricada em seus próprios tempos e

temporalidades. A Pedagogia entra e se mistura na vida das egressas como que em um

despertar que evoca outro lugar, com o qual vão se identificando, compreendendo,

observando, experimentando e aprendendo. Para Shulman (2016), são processos pedagógicos

e de aprendizagem, eu diria ainda, como Pineau (2006) e Merleau-Ponty (1999), processos

humanos de experimentações e percepções.

Para algumas egressas, é mais do que viver aprendizados dentro dessas fronteiras. É

um conjunto de superações pessoais como socioculturais, conforme expressou a Egressa 21

(2018):

Então, é isso que inspira a gente também a permanecer na luta, porque as rasteiras são diárias, né? Das

colegas, dos colegas, do sistema não precisa nem falar, né? Não precisa nem falar. Mas a superação da própria

situação de opressão nos faz acreditar no inédito viável. (Egressa 21, 2018)

Page 218: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

216

Considerando todos os fios do aguayo puxados até esse momento do trabalho, entendo

que esses fios foram se imbricando um ao outro, a ponto de em algum momento extrapolar a

composição dos fios propostos para compor cada item dos capítulos. Pensar na formação

inicial sem pensar na dimensão pessoal chega a ser contraditório à proposta desta pesquisa.

Por isso, em um e outro fio de entremeios optei por destacar alguns elementos que mais se

aproximam com o tecimento desse fio. Para esta parte do trabalho, tenciono um pouco mais a

dimensão profissional das egressas, dialogando com elas mesmas em seus processos

formativos do formar-se a si mesmas em um sentido do gestar-se para tornarem-se

profissionais docentes.

No campo de inserção de atuação profissional, os movimentos formativos se

intensificam em uma perspectiva de autoformações, como pontuam as egressas:

Porque a gente chega ali sem saber praticamente nada e, com o passar dos anos, a gente vai tendo consciência

daquilo, vai se dedicando, vai estudando a mais do que somente a sala de aula. Porque o professor que estuda

né, até a pessoa mesmo que estuda só ali na sala de aula não tem a mesma perspectiva de um outro que está

mesmo fora da sala de aula estudando, pesquisando, tentando se aperfeiçoar. (Egressa 28, 2018)

Então, como eu passei cinco anos no Sesi, eu acho que foi uma base magnífica pra minha vida, porque lá nós

tínhamos muitos cursos, muitos... muitos estudos, né? E aí, mais uma vez, é aquela questão, é para além do que

também estávamos falando, porque a ideia era de uma Pedagogia empresarial, né? Então eu estou trabalhando

para clientes, então eu não tenho alunos, eu tenho clientes, e essa ideia também não era algo que me agradava,

mas é aquela coisa, aproveite o meio que você está, estude, aprimore-se, mas não seja totalmente ele, né? Não

no sentido de subverter também, mas no sentido de melhorar, né? Penso assim. Então, eu fiz nesse período uma

especialização em alfabetização e educação infantil, e aí na faculdade, depois da psicologia, que eu me

apaixonei mesmo, porque eu me vi, eu me entendi lá, foi um psicólogo pra mim, na verdade, a faculdade.

(Egressa 16, 2018)

Não dá para pensar no outro (hetero) sem pensar em si (auto), uma vez que os espaços

e os tempos vão se revelando formadores. Esse (auto) está intrinsicamente vinculado com as

temporalidades que vão sendo reconstituídas nesse novo tempo das coisas vividas no campo

de suas próprias percepções (PINEAU, 2003; MERLEAU-PONTY, 1999).

Antes de seguir, é preciso dizer que quando fui buscar o grupo de egressas dos anos de

2009 e 2013, não tinha conhecimento de quem eram essas egressas e nem onde estavam

atuando. Contudo, meu foco de pesquisa fez um recorte naqueles que estavam dentro da área

de atuação da Pedagogia, considerando as DCNs (2006). O surpreendente foi que das 41

egressas que responderam o primeiro questionário, somente dez estavam foram da área de

atuação. E 30 egressas desses dois períodos formativos desenharam, via suas biotecituras, o

cenário dessa ampliação da Pedagogia. Desse total de 41, 40 são mulheres. Por isso, reitero

que opto por chamá-las de egressas e não de egressas. Das 30 egressas, na ocasião da

pesquisa, somente quatro atuavam em instituição privada. Dessas, duas estão atuando como

professoras contratadas em um dos turnos de trabalho. O maior grupo, que está atuando na

Page 219: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

217

escola pública, mantém um vínculo como professoras efetivas da rede de ensino tanto

municipal, estadual e federal, tendo alguns casos em que atuam em duas redes de ensino,

contemplando, portanto, dois municípios, ou ainda também a rede estadual.

Para algumas das egressas, essa inserção na escola e na profissão docente veio

colocada com a formação inicial:

A minha inserção começou antes da Pedagogia. Eu comecei com o curso de Magistério, [...]. Ali em 96

começou a minha experiência pedagógica. Dava aula porque, naquela época, você ainda podia dar aula só com

Magistério... Ali eu comecei e fiquei de 96 a 2006 só com Magistério, dando aula pra Educação Infantil e séries

iniciais, na época na segunda série, terceira série. Aí depois veio o ciclo. Trabalhei até 2005 em sala de aula

com o Magistério. Em 2006, entrei na turma de Pedagogia e aí, em 2006, eu já não podia mais trabalhar sem o

curso de Pedagogia. E aí eu não consegui mais ir pra sala de aula, [...] Aí depois eu só consegui trabalhar

naqueles projetos, educação de jovens e adultos e mais educação na escola. (Egressa 21, 2018)

Acho que no segundo ano eu comecei um estágio. Primeiro eu fui voluntária por oito meses aqui na escola, da

rede municipal, que eu ia a cada dois dias, e conforme também a escola precisava, porque a escola sempre

precisa. E depois eu fiz um estágio no Sesc, que é, assim, um estágio... assim, o estágio... o programa de estado

deles é bem organizado, então tinha orientação pedagógica com a coordenadora, eu tinha que desenvolver

projeto em sala, eu ficava todos os dias, assim, isso contribuiu muito pra minha formação profissional, muito,

porque a noção de realidade lá do dia a dia eu consegui nesse estágio. E foram essas duas mesmo, iniciativa

profissional no campo de atuação. (Egressa 18, 2018)

O que vi como um dado importante quanto ao grupo de egressas efetivas na rede de

ensino de Mato Grosso, foi que a entrada na carreira docente se deu logo após a conclusão do

curso via concurso público. O fato de terminarem recentemente o curso de Pedagogia

possibilitou a rápida aprovação nos concursos. Apresento um conjunto de excertos que

revelam isso:

Mas eu falo que o nível de conhecimento, eu acho que foi muito bom pra mim. E assim que eu terminei a

faculdade, que eu terminei a presencial, eu prestei o concurso, que foi em 2010, aí já iniciei em 2011 como

professora, com o cargo, aí a função de professora no município de Cuiabá. (Egressa 27, 2018)

E aí teve um concurso logo no último ano nosso, né? Que aí eu fiz, então, que eu saí daqui já fui direto pro

trabalho, (Egressa 17, 2018)

Então, em 2010, eu fiz o da prefeitura de Cuiabá e do estado. Aí passei nos dois. No estado, eu passei na cidade

de Poconé. E aí aqui em Cuiabá, eu passei aqui pra região do Industriário, Nova Esperança. Então, eu fazia

todo esse trajeto, todos os dias, ia pra Poconé de manhã e voltava à tarde pra dar aula nessa escola do

município. Isso de janeiro a setembro. (Egressa 18, 2018)

Me formei em 2013. Aí teve a chamada do concurso de 2010. E aí como estava na época, aí me chamaram e

logo então eu saí da faculdade, eu já pulei pra sala de aula, no caso na creche aqui. (Egressa 23, 2018)

Foi depois da conclusão do curso, logo na sequência, porque quando eu terminei o curso, já abriu o concurso

da prefeitura e eu me inscrevi. Fui aprovada e comecei a atuar. Foi assim. (Egressa 19, 2018)

Eu terminei a faculdade acho que tava finalizando a federal, teve o concurso, né? Da educação no município.

Eu fiz o concurso, tive a oportunidade de passar, né? Nesse momento, eu não estava em sala de aula. (Egressa

29, 2018)

Page 220: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

218

Então, logo que eu terminei, que eu colei grau, eu passei num concurso e comecei já num concurso público que

era pra Educação Infantil em Rondonópolis. Aí eu passei. Já saí do curso mês e pouco depois que eu colei grau

já fui chamada no concurso e já assumi. (Egressa 28, 2018)

Mais de 85% das egressas desse período estão efetivadas. As demais estão atuando por

contrato temporário ou carteira assinada. Ao observar esses sete trechos de biotecituras, e ter

presente o que as egressas já disseram anteriormente sobre o curso, quando afirmaram que o

conhecimento construído ao longo do curso forneceu uma base inicial para elas, pois

puderam, logo após a conclusão, serem avaliadas via concurso. Para o curso, considero esse

um dado importante, já que quando trouxeram suas frentes de atuação, verifiquei que no que

concerne à docência, várias estão sem sala de aula (desde a creche até a universidade), outras

na gestão escolar, e em secretarias de ensino e na formação continuada de várias modalidades

de ensino. Nesse aspecto, vi a Pedagogia ocupando seu espaço. Mas, no aspecto informal, nos

ambientes não escolares, como hospitais, presídios, empresas e outras instituições, observo

que isso ainda é um desafio para a formação inicial e atuação profissional.

Considerando os aspectos postos anteriormente relativos à pesquisa de campo

realizada para este trabalho, que olhou para a formação profissional intrinsicamente ligada ao

curso, e o que decorreu da inserção na carreira docente, busquei verificar a relação do curso

com a atuação profissional trazendo para o diálogo as biotecituras das colaboradoras egressas,

como fonte de pesquisa, abarcando suas subjetividades, memórias e atuação profissional.

Nessa seara, o concurso é um elemento importante da e na atuação profissional.

Geralmente, o curso aparece nas falas das egressas no horizonte da atuação

profissional. Ele se coloca diante delas não em termos de uma lembrança de uma conquista,

mas de uma constante presença, de uma construção pessoal-coletiva e formativa que vai se

aprofundando nas diversas atuações desse profissional. Os primeiros contatos com a realidade

de atuação são permeados por um misto de sensações, confrontos desse ser-professor que se

percebe aprendiz em sua própria prática.

Pensar essa entrada na carreira docente, seja via concurso ou outras maneiras de

empregabilidade logo ao término do curso, se constituiu como uma oportunidade importante.

A respeito disso, para algumas egressas, há a sensação de um corte, de uma interrupção entre

a formação inicial com a continuada, que ao trazer sua percepção, assim diz:

A gente se forma, parece, assim, que é um botão que desliga e você vai viver outra coisa. (Egressa 8, 2018)

Essa outra coisa não significa buscar outra profissão, mas estando na docência, na vida

profissional, a egressa se sente distante e até impossibilitada de buscar cursos ou

oportunidades para um aprofundamento na profissão. A formação construída na Pedagogia

Page 221: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

219

não fica em standby, representando o ato de espera que será retomado, mas ela se torna a

referência pessoal-profissional primeira e, devido às suas exigências no campo de atuação, é

ela que impulsiona novas formações. Concluir um curso de formação inicial e, ao permanecer

na área, exige-se novos processos contínuos de formações.

Para algumas egressas, a formação inicial se constitui como uma das primeiras

experiências formativas profissionais. Mesmo aquelas que estavam cursando38

Mestrado e

Doutorado em Educação reconhecem a contribuição da formação inicial, mas sentem que

precisam avançar. Uma delas disse:

Com certeza, contribuiu bastante, que eu tive essa visão geral do curso. E aí, como eu falei pra você, para ficar

especialista na área que você escolher, tem que fazer a formação continuada, se aprofundar na formação.

(Egressa 6, 2018)

O aprofundamento vai sendo entendido e assumido conforme as perceptivas de cada

uma, pois há aquelas que, ao término do curso, assumem novas oportunidades formativas. É o

que recolhi da biotecitura da Egressa 21 (2018), ao contar que:

Quando eu terminei a graduação, em 2009, eu já em seguida passei no Mestrado aqui nessa casa, 2009, 2011,

eu fiz o Mestrado em Educação. Durante o Mestrado, eu não consegui dar aula. Durante o Mestrado, eu fiz todo

o processo de educação em espaço não formal. Trabalhei durante esses dois anos em projetos de política

pública da Economia Solidária. Tanto é que a dissertação foi sobre o processo de formação de um grupo de

mulheres que eu acompanhei durante esse processo investigando os sentidos atribuídos sobre o processo de

formação. Quando eu conclui, em 2011, o Mestrado, eu fui pro interior, eu fui pra uma cidade chamada Vera, e

Vera não tem universidade. Fiz o seletivo e trabalhei 2012, 2013 no curso de Pedagogia trabalhando didática e

estágio supervisionado, tanto em espaços não escolares quanto na Educação Infantil. (Egressa 21, 2018)

Lendo as biotecituras, entendo que cada uma das egressas, ao término do curso, passa

a assumir seus tempos formativos em um nível mais aprofundado da autoformação e vão se

constituindo profissionalmente. E o curso continua sendo sua base inicial, como elas mesmas

colocaram, o curso é ―o divisor de águas‖. Por outro lado, quando se depararam com algumas

questões educacionais e sociais mais complexas e que agora precisam ser resolvidas, reportam

ao curso para tentar encontrar nele ou fora dele as alternativas para sua práxis.

E quando eu comecei a dar aula eu fui... assim, minha ficha foi cair, porque quando a gente tá aqui estudando é

uma coisa, né? Aí quando você fala „oh, agora é meu trabalho, eu tô aqui na frente e eu tenho o ano inteiro com

essas crianças‟, e durante os meus dois primeiros meses, eu pensei até em desistir, eu falei „gente, mas é difícil‟

porque quando eu assumi [...] logo quando eu saí daqui, eu já assumi o concurso (Egressa 17, 2018)

Esse movimento é normal ou esperado da ‗ficha cair‘, de se ver diante do novo e de

desafios próprios da função de professor iniciante na carreira docente. Por diversas

circunstâncias, as exigências do campo de atuação do pedagogo se ampliam, pois nada mais

38

No período da entrevista, duas egressas estavam em processo de formação continuada, uma no início do

Mestrado e outra no final do Doutorado.

Page 222: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

220

está fora da sala de aula, isso no sentido humano, pois recebem o aluno na escola com todas

as suas bagagens, crenças, necessidades e capacidades. Diante disso, a Pedagogia vai se

potencializando a partir dessa ramificação de exigências para seu campo de atuação. Isso

exige sempre maior aprofundamento no campo do currículo, incorporando outras

especificidades formativas. A esse respeito se vincula não somente a formação inicial, mas a

dimensão profissional quanto à formação docente. Acerca disso, Zabalza (2019, p. 10) nos

lembra que:

A dimensão profissional é aquela a qual se presta maior atenção, posto que constitui

a essência do que um docente é e deve fazer. Não resta dúvida que a perspectiva

profissional salvou os docentes da zona difusa e límbica do amadorismo vocacional

com o qual durante muitos anos exerceram sua profissão. O exercício de uma

profissão sugere requisitos que, sem dúvida, têm fortalecido a identidade da tarefa

docente: uma formação específica e de alto nível; alguns sistemas de seleção; o

reconhecimento da autonomia em seu trabalho; a formação permanente; a carreira

profissional, etc.

Com essa construção de entendimento juntamente com referido autor, quanto mais

sólida e arraigada às realidades a que ela se destina for a formação profissional, visando

sempre um crescente exercício de compreensão da própria profissão, mais irá contribuir com

a maturidade e a mudança do professor em vista de sua autonomia profissional.

Entendo que há uma correlação entre a formação pessoal, inicial e profissional, com

compreensão de uma formação permanente no sentido do inacabamento, por se colocar como

um profissional aberto ainda, porque o ser-pessoa está em constante mudança. Isso porque há

sempre algo novo para aprender, pois embora se trabalhe na Pedagogia, em suas várias frentes

de atuação, com grupos ou coletivos de pessoas, a singularidade, individualidade e a

heterogeneidade precisam ser preservadas, notadas, como bem expressou a egressa:

Eu acredito assim, que o meu trabalho não está assim... eu penso que ele ainda está no início, não tenho muita

experiência ainda. Então eu tô sempre buscando ou em colegas ou... outras referências, outros professores que

passaram pelo curso de Pedagogia, professores que eu me identifiquei, pra poder contribuir com o meu

trabalho hoje em dia em sala de aula. Então, isso é importante. A gente ficar prestando atenção nos detalhes,

metodologia, didática, tudo isso importa. Então, assim, eu sou uma pessoa muito aberta. Não acho que tenho...

não tenho ainda um perfil profissional fechado, porque eu acredito que essa é a graça de ser pedagogo. Você tá

sempre descobrindo algo novo, tá melhorando o seu trabalho. Observar as crianças, vendo o que que elas

precisam também, que é uma coisa que normalmente nós não fazemos, nós não paramos pra ver. Quando a

gente para um momento... determinado momento, começa a perceber a criança dentro da sala, você começa a se

adequar àqueles perfis, você vai vendo que o seu trabalho melhora, sua vida, enfim, tudo melhora. (Egressa 11,

2018, grifo nosso)

Nessa mesma direção, Amiguinho et al. (2003, p. 115) asseveram que ―a formação

acontece na produção e não no consumo (de informação)‖. Então, essa exposição com a

prática suscita a potencialização, empodera as pedagogas em suas atuações que passam a

selecionar suas formações, pois suas experiências produzem um diferencial em suas escolhas

Page 223: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

221

formativas para se autoproduzirem enquanto pessoas e profissionais. E se a formação

profissional é permanente, requer também, diante das atuais exigências humanas e

pedagógicas, que seja abrangente como considera a egressa:

Tem que ser um pouquinho mais abrangente. Você estar conhecendo melhor o seu aluno, como ele pensa, como

ele aprende, o que que acontece, quais as... [...]. a vivência dele que influencia tanto no aprendizado dele.

Vamos dizer, os prejuízos psicológicos que ele tem na vida familiar, na vida social dele, que interfere na

aprendizagem [...]. (Egressa 9, 2018)

Nesse ponto de diálogo, percebo a compreensão das egressas que agora, ou melhor,

nesse aspecto da sua formação, sentem a necessidade de elas mesmas cuidarem de sua

carreira, na dimensão do formar-se.

Esse entendimento é possível de se chegar quando o professor, ao longo de sua

formação profissional, já consegue perceber-se. Assim, considero tal qual Pineau (2010, p.

103), quando ressalta que:

A autoformação nas suas fases últimas corresponde a uma dupla apropriação do

poder de formação; é tomar em mãos esse poder tornar-se sujeito- mas é também

aplicá-lo a si mesmo: tornar-se objeto de formação para si mesmo. Essa dupla

operação desdobra o indivíduo num sujeito e num objeto de um tipo muito

particular, que podemos denominar de autorreferencial. Esse desdobramento alarga,

clarifica e aumenta as capacidades de autonomização do interstício, do intervalo, da

interface entre a hetero e a ecoformação, que é, ao princípio, o indivíduo. Cria-se um

meio, um espaço próprio, que oferece ao sujeito uma distância mínima que lhe

permite tornar-se e ver-se como objeto específico entre os outros objetos,

diferenciar-se deles, refletir-se, emancipar-se e autonomizar-se: numa palavra,

autoformar-se.

O referido autor considera que todas as fases da vida humana são igualmente férteis de

aprendizados, contrariando as teorias clássicas de aprendizado, que concebem as fases iniciais

biológicas (infância e adolescência), como as mais importantes para mudanças. Já à idade

adulta caberia a estabilização dessas mudanças. Para ele, podemos construir ou produzir

modificações significativas em nossas fases e etapas da existência humana. Isso porque as

etapas de desenvolvimento humano são circulares em nossa vida. Elas vão nos constituindo

por inteiro. Por isso, a autoformação está sempre relacionada com os outros movimentos da

vida (hetero-eco), que caminham para um grau de uma percepção de autorreferência.

Nesse conceber formativo permanente, que autonomiza o ser em construção de si,

percebo, nas biotecituras, características, traços significativos de mudanças em prol da

formação profissional, assim como expressou a egressa:

Pra mim, o que eu tô buscando, além da formação continuada, é nunca parar de estudar. Assim, no momento

que eu saí da graduação, eu continuei fazendo formação continuada dentro da profissão. Lá dentro do

concurso, tal, mas assim, eu sentia necessidade, e sinto ainda, de terminar, porque lá na graduação, eu

engravidei, não tive como, porque eu queria sair da graduação, ir pro mestrado e ir pro doutorado, como era o

caminho a ser seguido. Não deu. Aconteceram outras coisas, mas nunca saiu da minha cabeça. Então, é o

Page 224: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

222

estudo, a leitura, „a gente acaba acomodando‟, acomoda, não lê, não lê, lê o necessário, o obrigatório. Então,

pra mim, o que falta, e eu preciso e tô buscando, tô lutando, né? Porque é difícil, é voltar a estudar e continuar,

porque é uma escada, você tem que subir, você tem que ir no outro degrau, não é ficar parado. (Egressa 7,

2018, grifo nosso)

Há a compreensão que os estudos na perspectiva da formação profissional ocorrem no

processo, nos vários processos, sendo que eles não são desenvolvidos de modo linear, nem

dizem respeito a uma condição meramente natural daqueles que se colocam na carreira

docente.

Nesse caso, a inserção e a exposição reiteradamente à docência possibilitam que a

egressa tenha uma percepção de si acompanhada de uma autoavaliação, como denota a fala de

Egressa 10 (2018) ao frisar que:

[...] eu já estava pegando o ritmo de como trabalhar, do que que eu precisava fazer e tudo mais, porque, como

eu falei pra senhora, foi um choque, é um choque da realidade que a gente passa dentro da sala de aula [...].

Então, vejo que os lugares de atuação da Pedagogia se constituem em campos férteis

de experimentação, de reflexão, de construção e de sínteses de conhecimentos constitutivos à

docência, independentemente da sala de aula, mas onde se fizer presente a Pedagogia. A esse

sentido de atuação em outros espaços fora da sala de aula, a egressa comenta:

Eu nunca tinha trabalhado com educação infantil em creche, né? Que é diferente de escola, educação infantil.

Eu estudei ano passado, peguei muita coisa pra saber como que se organiza uma salinha, o que que vai pra dois

anos, porque lá é de dois a cinco anos. Então, a parte da escola eu falei „eu já sei, agora eu tenho que saber o

que que é a creche‟. Então, já no Cemei já foi um outro aprendizado, né? Igual agora no segundo ano a gente já

vai começar com uns projetos de literatura com as crianças, várias coisinhas bacanas. Então, assim, esses seis

anos que eu tô de rede, eu já passei bastante, bastante lugar (Egressa 17, 2018)

São vários processos formativos pelos quais o professor, em várias etapas de sua

carreira profissional, vai vivenciando. A respeito da construção de uma profissão, Roldão

(2004, p. 96) pontua que o ―[...] reconhecimento social de uma profissão é justamente a

identificação clara da sua função, e respectiva utilidade social, legitimando-se o seu exercício

pelo domínio do correspondente saber específico, de que partilham os membros do grupo

profissional‖.

No que tange a essa construção profissional, García (1999) explica que seria como

uma encruzilhada de caminhos com espaços-lugares de experimentações, de construções

diálogos entre saberes com transversalidade de possibilidades. Isso, tendo em conta que os

contextos de atuação da Pedagogia oportunizam o professor a construir, a ver e rever suas

práticas pedagógicas e metodológicas para reafirmar ou ressignificar sua postura, como

reforça a Egressa 3 (2018, grifo nosso), ao olhar para sua própria atuação, pontuando que:

Page 225: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

223

Quando eu começo a dar aula, uma aula muito preparada, muito bem elaborada, é diferente, os alunos eles

gostam, eles aprendem. Eu procurei fazer isso, sabe? [...]. É pouco tempo, não tem muito tempo na sala de aula.

Mas eu me esforcei e tenho me esforçado pra colocar isso em prática, eu quero que o meu aluno aprenda. A

gente não consegue assim com todos, a gente gostaria mesmo, mas isso só é possível se eu colocar em prática o

que eu aprendi, não posso inventar nada, a educação a gente inventa algumas situações, mas tem que ter uma

base teórica pra tudo.

Em outro excerto, a Egressa 17 (2018), na mesma perspectiva, relatou:

O dia a dia, todo dia, todo dia tem alguma coisa nova em escola. Isso que é o legal, é um pai que vem e fala uma

coisa que você não sabe e você vai procurar saber. É uma criança especial que entra e você tem que conhecer

essa família, conhecer essa criança [...] Então, é um desafio. Acho que todo dia é um desafio pra gente, né? É

incrível isso. Não tem um dia que você vai lá e fala „vou voltar do mesmo jeito‟. Alguma coisa acontece e

contribui para a sua formação.

Roldão (2004, p. 97), ao olhar para a função desse professor em atuação em contextos

diversos, chama atenção, ao esclarecer que:

[...] a nova realidade social dos tempos pós-modernos reclama de forma acrescida a

necessidade do trabalho deste profissional a que chamamos professor, contudo

acentuando uma leitura diferente da sua função: já não para que ―professe‖,

publicite, apresente o seu saber, outrora restrito, nem tão pouco para que se esbata o

seu papel e se converta apenas no assistente facilitador da aprendizagem autónoma

dos alunos, como a leitura simplificadora de movimentos teóricos na linha da

aprendizagem activa e da não directividade, associados, por vezes, a algumas

interpretações discutíveis do construtivismo, defendem, mas antes para que assuma

um papel activo que se reconhece como socialmente necessário – o papel de ensinar.

Nesse sentido de fios que tecem o aguayo do curso da atuação profissional, as egressas

trazem elementos em suas vozes que relacionam o curso aos conhecimentos e habilidades

exigidas em seu labor, tal qual ressaltou Roldão (2004). Ora, as inúmeras vivências

comunicam que há movimentos intercruzados e continuum na tecitura dos aguayos de cada

egressa. Essa relação começa na formação pessoal, aprofunda-se no curso e segue para vida

profissional. Contudo, não é algo pronto, já que precisa ser refletido, pensado, repensado e

assumido cotidianamente na profissão.

De igual modo, esse movimento que ora está no curso, quando penso no currículo, não

se vincula na aplicação literal, requerendo essa reflexão-ação, tal qual a vida. Assim, é natural

encontrar nas biotecituras movimentos compreensivos de si para si em um processo de

autoformar-se, tanto que a Egressa 7 (2018) comenta que:

Hoje eu já entendo e consigo fazer essa relação. Como eu disse antes, pra mim não fazia sentido, mas é porque

eu não tava atuando, né? Então, aquele monte de teoria, tudo, „ah, eu já quero ir pra sala, então pra mim não tá

valendo nada. Eu vim pra dar aula. Eu vim pra ser professora e ser professora é tá na sala falando‟, assim que

eu pensava. E hoje eu já relaciono em tudo... às vezes, eu já... só de lembrar, ‟ah, mas a professora tal disse que

era assim, assim pra sair, pra ensinar‟ Matemática mesmo é uma das coisas que eu tinha dificuldade, tanto

como aluna, antes da graduação, na graduação, e na graduação que foi tirada aquela barreira da matemática,

que eu consegui dar aula de matemática hoje, que eu consegui gostar da matemática.

Page 226: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

224

Essa construção de significados perpassa a relação primeiramente no campo de sua

própria subjetividade, em que as egressas refletem que não estão formando o outro (hetero),

mas se formando (auto), podendo ajudar o outro a se formar também. O outro é o meu ponto

de confronto, não com ele, mas comigo mesma. A prática supõe essa relação de se perceber

no outro e para além dele. Nisso também consistem aspectos da manifestação da relação entre

auto, hetero ecoformação. Há uma força sistêmica entre esses elementos que contribui para a

sua fusão e difusão. Por isso, compreendo-os como movimentos formativos imbricados.

Quando as egressas estabelecem um olhar temporal entre a formação inicial e a

atuação profissional, unindo-as diante de si, essa aproximação e relação me possibilita

compreender, a partir delas, a construção de sua formação profissional, considerando o

‗tempo‘ oportunizador de múltiplas experiências e sínteses. Nesse aspecto, a Egressa (2018)

menciona sua compreensão:

Depois que eu iniciei a minha prática profissional na escola, eu voltei às literaturas do curso. E quando eu

voltei já em prática nas literaturas, tudo fez mais sentido, esclareceu muitas dúvidas, esclareceu muitas coisas

após a prática. Então, essa relação dialética é muito interessante. É muito importante. Eu até comentava com os

meus colegas professores, „nossa, como faz mais sentido, você ler o texto antes [...]”.

Esse entendimento faz mais sentido agora e não antes, pois são graus de significação

diferentes, de compreensões do ponto, lugar e ‗tempo‘ observados. São epistemologias

tratadas em contextos distintos e retomadas no confronto com realidades sociais, ‗agora‘,

concretas. Assim, elas entendem o que antes pouco ou nada fazia sentido em termos de

conteúdos tratados no curso. Com García (1999) entendo que essas compreensões novas e

ressignificadas na prática decorrem de processo de mudança de campos de percepções

diferentes do aprendente de sua profissão, que estão atreladas a múltiplos processos de

mudança e à necessidade de formação ao longo da vida (PINEAU, 2003).

Tendo em conta essas mudanças e novas compreensões, encontrei nas biotecituras

outros elementos curiosos que também possuem um peso de significações e até de cobranças

dentro do processo de atuação das egressas. O fato de serem egressas da UFMT faz com que

sejam são desafiadas por seus pares como sendo capazes de vencer os limites que muitas salas

de aula impõem ao professor. A ponto de dizer: ou elas dão conta, ou vão abandonar de vez a

profissão.

[...] eu peguei no quinto ano, que era meu primeiro ano saindo da... aí elas jogaram a bomba pra mim, todo

mundo, a escola, „a bomba pra ela, porque ela saiu agora, ela é da federal‟, era só esse comentário, „se ela der

conta, ela vai, se ela não der, ela sai dessa profissão‟, era pra amedrontar. (Egressa 7, 2018)

Page 227: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

225

Em outro momento, essa mesma realidade do aspecto da origem formativa aparece na

voz da egressa ao comentar que:

Sendo UFMT, no chão ali, quando você começa a atuar, as pessoas querem ver essa diferença das pessoas

formadas na universidade federal, é muito cobrado. Eu sempre tive assim muito compromisso. (Egressa 3, 2018)

Nota-se que a formação em uma instituição pública federal confere status educacional

de maior importância e de responsabilidade, realidade que elas já traziam desde a formação

inicial.

Constata-se que não é diferente dessa fase, que também é de transição e mudança

dentro da vida profissional. O ciclo de evolução e mudança da vida se movimenta em direção

ao outro, às coisas e a si mesmo.

Por isso, considerando as biotecituras das egressas até aqui apresentadas, entendo que

os fios pessoais vão se cruzando e interligando os processos de formação profissional, em que

o curso de formação inicial se torna uma referência para as demais formações, mas a atuação

demarca as novas escolhas das características do tipo de curso a ser feito no horizonte das

formações, como esclareceram as egressas:

Tem que ter a característica teoria e prática. Aproveitar a prática dos... que os professores trazem, e a partir

dessas... desses desafios que os professores trouxerem, o formador, ele trazer a teoria que venha a [...] que

venha a sanar ou melhorar ou amenizar esses problemas que os professores têm. Porque o que eles dizem,

alguns professores dizem, é que na formação eles não levam em consideração o interesse do professor, qual é a

angústia que aquele professor está tendo. Então, esse é um dos problemas que eu vejo. Se eles tivessem essa...

atuassem, pelo menos como é uma turma numerosa, por exemplo, muitos professores, eles pegassem aquelas

recorrências, aqueles problemas recorrentes que é de interesse dos professores, pegar o que atinge a todos, aí

seria mais proveitoso, porque estaria vindo ao encontro do que eles querem, do que eles precisam. (Egressa 6,

2018, grifo nosso)

Esses cursos, ele precisa primeiramente ouvir as angústias, né? E a solução não tem como ser dada, mas

primeiro ouvir a angústia, debater sobre as angústias e tentar dali partir pra um rumo, entra a parte das

experiências, né? Onde um fala que deu certo isso, outro deu certo aquilo e aí a gente vai entrando naquele

conflito interno, e aí a gente vai tentando de um jeito, vai tentando de outro, não só ficar na teoria em si, né?

Mas eu acho que tem que juntar a teoria e a prática, porque, às vezes, fica tudo voltado na teoria e esquece...

tipo assim, como colocar aquela teoria, fazer aquela teoria funcionar. Eu acho que é algo nesse sentido, né?

Visando mais a nossa prática. (Egressa 29, 2018)

É um curso que tem a proposta adequada de acordo com o que nós vimos de dificuldade pra atuar ali. Então, é

um curso que venha oferecer sugestões, soluções para que possamos aplicar e aprimorar o nosso trabalho.

(Egressa 26, 2018)

Considerando as realidades de atuação trazidas pelas egressas, a partir da análise das

características dos cursos que fazem parte das escolhas delas, observei que essas formações,

em grande aspecto, se vinculam à prática do cotidiano mediante as necessidades que emergem

das frentes de atuação. Muitas vezes, são as demandas das realidades educacionais concretas

que orientam o tipo de formação que melhor atende aos professores. Posteriormente, essa

Page 228: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

226

formação e o contexto de necessidades de aprendizagens determinarão novas formações e

aprofundamentos, caso haja um grau de identificação com essa especificidade formativa.

Assim, a vinculação primeira é com a prática:

As características que têm que ter é que tem que trazer também a prática. (Egressa 5, 2018)

Isso porque, para algumas, a necessidade do estudante já está posta e o pouco tempo

de atuação gera ansiedade e uma autocobrança em acertar o modo de intervir na sala de aula,

como nos falam as egressas, mediante suas percepções e necessidades formativas:

Eu acho que teria que ser curso dessa forma, sugestão de atividades. Qual é a melhor forma de trabalhar?

Vamos trabalhar com esse texto desse jeito. Assim é a melhor forma para trabalhar. Como eu vou trabalhar com

o primeiro ano? É assim que eu tenho que trabalhar. Como que eu trabalho com o segundo? Como que trabalho

com o terceiro? Eu sinto muita falta. Eu acho que tenho que aprender muito ainda. Eu sou muito nova. Só tenho

cinco anos. Eu acho que sou inexperiente. Assim, eu queria ter um curso como lidar com uma criança especial,

estudar cada deficiência. (Egressa 2, 2018)

[...] na verdade, alguns cursos, sabe o que que está sendo? Uma socialização daquilo que você tá fazendo lá na

sala de aula, que tá dando. E eu entendo que curso de capacitação não é isso. Não que você não possa fazer,

né? É claro que, às vezes, pra enriquecer, você precisa de uma experiência que deu certo, mas precisa um

conhecimento aprofundado, porque a nossa prática, ela tem que ser baseada em uma teoria, em algo que foi

pesquisado, porque senão fica algo sem sentido. (Egressa 30, 2018)

Os critérios da escolha do curso, tanto dentro da escola como fora dela, são aqueles

que contribuem com as demandas das necessidades em sala de aula. Observo que a formação

continuada e o aprofundamento em algumas especificidades de aprendizagens e

desenvolvimento ocorrem mediante os dilemas, desafios que naturalmente chegam às salas de

aula e na gestão da escola.

Portanto, vê-se que a formação continuada passa muito pelo crivo do âmbito pessoal e

do próprio profissional, e precisa ser ajeitada dentro de um espaço/temporal, que é negociado

concedido a ela um ‗tempo‘ que é constantemente ajustado e reajustado no cotidiano da

egressa, como ilustra bem ao relatar que:

[...] eu penso no tempo real, (chronos), né? Que é esse que a gente vive. Eu tenho algumas metas profissionais

ainda a serem alcançadas, que eu não consegui. Eu tenho uma pós-graduação pra terminar. Estou desesperada

porque só faltam três partes dela, que, na verdade, só dependem de mim (risos). E eu não consegui encontrar

tempo pra sentar, pegar uma caneta, ler, porque é disso assim que eu acho que o trabalho de uma pós-

graduação. Ele não é de qualquer jeito. Eu estou fazendo pra mim, pra minha satisfação, meu pessoal, e não

pra simplesmente ‘ah, pra aumentar um ponto no meu currículo’ Não é isso. Se eu começar dessa maneira,

está errado [...] Só que nesse ritmo que eu tenho andado, eu não estou encontrando tempo. Eu faço assim, no

domingo que dá tempo, eu faço uma parte, aí numa sexta-feira que dá tempo [...]. (Egressa 8, 2018, grifo nosso)

A escolha da formação da referida egressa vincula-se ao âmbito de suas necessidades

formativas, em que já há uma acomodação frente à escolha da atuação dentro da área da

Pedagogia. Nesse caso, a satisfação pessoal está em consonância com a profissional. ―Estou

Page 229: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

227

fazendo pra mim‖. No dizer da colaboradora, por isso, precisa sentir-se bem, pois essa etapa

no processo a ajuda a ser quem é como pessoa e profissional.

Essa concepção do formar-se, de poder fazer suas próprias escolhas, muitas vezes,

entra em conflito com as formações promovidas e incentivadas pela rede de ensino onde essas

egressas atuam. Suas biotecituras trazem suas compreensões, críticas, sugestões e posições

mediante essas formações. Tal realidade será abordada no fio auxiliar que se apresenta a

seguir.

4.4.1 Percepções e reflexões frente às formações da Rede de Ensino

[...] o aprofundamento teórico ajuda a gente a abrir os olhares, porque a partir dessa reflexão, e você já tendo

uma vivência, você consegue pensar nos próprios caminhos metodológicos, dentro daquele contexto que você

está vivendo. Se você pegar algo solto, ou só uma perspectiva de oficina, por exemplo, às vezes, você reproduz

aquilo, mas não sabe depois transformar numa outra situação. Você fica fechado no contexto. E se algo não sai

conforme o planejado, você já não sabe lidar direito, né? Então, eu penso que a gente tem que aprofundar,

refletir, fazer a relação, a gente chama de práxis, né? Então, é esse movimento de práxis mesmo. Você vai

refletindo, vai analisando sua realidade, vai buscando os referenciais e vai movimentando o seu fazer

pedagógico dentro desse movimento mesmo. (Egressa 18, 2018)

Os professores colaboradores desta pesquisa são, na sua maioria, da rede de ensino

público de Mato Grosso, e outros estão atuando em instituições privadas, mas ambas as redes

de ensino tratam da formação continuada de seus professores. Essa formação,

costumeiramente, é ofertada como estratégia de continuidade de alguns estudos a serem

aprofundados ou retomados em vista da atuação profissional.

Nas biotecituras, pude observar que muitas formações ofertadas nas redes de ensino

são importantes, mas a participação nem sempre é algo livre. Algumas egressas se sentem

obrigadas a participarem devido à própria forma como o sistema se organiza e cobra dos

professores determinada pontuação, ou resultado em sala de aula, tal qual a realidade que se

evidencia na rede pública. Quanto a esse aspecto, a Egressa 11 (2018) assevera que:

[...] no fundo, todos gostam da ideia. Talvez, o que não tenha ainda é uma organização. [...] uma preocupação

assim em pensar um curso mesmo de qualidade, (que dê) tempo, que o professor possa mesmo tirar alguma

coisa proveitosa, senão exatamente apenas pra você conseguir, por exemplo, pontuação[...] Porque,

normalmente, o que a gente vê é isso, as pessoas querem ponto, carga horária. [...] Um certificado de 40 horas,

por exemplo, que é o que acontece. A maioria, dependendo do profissional, ele vai por conta disso. Então, talvez

a prefeitura pudesse criar cursos mais atrativos, um tempo um pouquinho maior, pra que os professores

começassem a ter prazer de frequentar esses cursos, não apenas pra cumprir uma carga.

Em um outro excerto, a Egressa 19 (2018) se expressa trazendo a necessidade

formativa dos cursos e que esses possam coadunar com os tempos do professor e o

conhecimento seja o mais próximo de sua atuação profissional na docência.

Page 230: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

228

Um curso, primeiramente, tem que ser voltado pra Educação Infantil. Além de ser voltado pra educação infantil

também... (tem que) priorizar também o nosso horário, né? (Tem que) ver o melhor horário pra poder participar

realmente. E (que tragam) profissionais que possam trazer um conhecimento a mais pra gente, né? Já tem

experiência nessa área, estudou sobre isso e atua. E tem que ter Educação Infantil mesmo, contação de história,

atividades lúdicas (pra gente aprender na prática). (Egressa 19, 2018)

Essa contribuição crítico-reflexiva que a referida egressa apresenta com relação à

formação ofertada pela rede de ensino público me permite entender que a formação

continuada tem um caráter de ‗salvação da prática pedagógica escolar‘. E o fator ‗tempo‘ não

permite uma construção significativa de interesse formativo permanente, pois o curso vem na

linha do atendimento de queixas diversas, ou até dispersas sem uma reflexão na ação para um

posterior acompanhamento dessas possíveis intervenções na prática. Isso termina por reduzir

os cursos em um cumprimento e preenchimento de cargas horárias necessárias para uma

pontuação.

Dessa maneira, tem-se uma conotação à estilo de loteamento de escolas e salas de

aulas negociado em uma balança que se move conforme a pontuação obtida nas formações,

como reforça a egressa ao dizer que:

Na rede trabalha-se muito com ponto você participa de uma formação você ganha ponto você não participa

você perde ponto, eu já deixei de ganhar muitos pontos porque eu calculei que resolver problema do professor

que está querendo uma licença é ainda mais importante. A gente acaba sendo prejudicada por isso? Sim, porque

o sistema funciona dessa forma, o sistema funciona com essa política de adquirir ponto nisso, naquilo, você

entra nas empresas você vê lá o funcionário do mês. Mas, ainda assim, eu acredito que você controla melhor o

seu tempo quando você coloca a cabeça no travesseiro e diz assim “eu fiz o que era preciso fazer hoje e o que

foi possível”. O que não foi possível a gente tenta amanhã de novo. (Egressa 1, 2018)

No caso relatado nessa biotecitura, a egressa se refere à sua atuação na gestão escolar e

assinala que já deixou de ―ganhar muitos pontos‖, pois sua preocupação estava em resolver

situações concretas e urgentes da realidade escolar do que pontuar aqui e acolá. Ela via essa

questão como algo que poderia ser adiado, mas por fazer essa escolha, era penalizada por não

pontuar, já que o sistema, que é programado para atender questões meramente técnicas, não

levaria em consideração outras informações.

Como há uma rede de situações humanas-profissionais, por várias questões, as

egressas, em sua rede de ensino, deixam de participar de uma modalidade de formação,

reunião ou evento, por ter que fazer outras escolhas, sejam elas de ordem pessoal, questões de

saúde, licença maternidade, situações familiares, e também por não conseguirem conciliar,

por atuarem em mais de uma rede de ensino. Como já havia dito antes, muitas das egressas

colaboradoras são arrimos de família, tomam para si todas as responsabilidades e vivem entre

a família e o trabalho, com pouco ou nenhuma possibilidade de buscar outros estudos fora do

que é oferecido pela própria rede de ensino que atua, como ilustra a Egressa 10 (2018):

Page 231: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

229

Eu comecei uma especialização o ano passado, mas infelizmente eu não consegui honrar com os pagamentos e

tive que acabar desistindo na metade do caminho, né? Que aí, como eu falei pra senhora, de 2014, que eu

entrei, de lá pra cá eu venho conquistando as minhas [...] as coisas de casa, hora precisa disso, hora precisa

daquilo, entendeu? Tem hora que eu olho pra aquele carro e falo assim, foi uma loucura comprar, porque

metade do meu salário vai pra ele. Eu trabalho hoje dois períodos, mas é um período pra pagar o carro e outro

período pra pagar as minhas contas, no geral, comida, alimentação, entendeu? Essa casa é alugada, eu moro de

aluguel.

Em um excerto, a Egressa 3 (2018) expressa:

Só que realmente eu não consegui conciliar casa, filhos, família, não consegui, o estudo. (Egressa 3, 2018)

Nesse sentido, percebi o quanto as formações da rede são importantes e necessárias

para a formação continuada das egressas. Porém, a participação efetiva do professor é

negociada conforme suas necessidades oriundas de suas demandas pessoais e profissionais.

No geral, as formações são consideradas necessárias e são aceitas, mas outras requerem uma

avaliação quanto aos temas, carga horária e metodologias usadas, como explicitaram as

egressas:

Tem algumas formações que, na minha opinião, são relevantes, mas só que tem outras que eu não [...] Como

que eu vou te dizer? Só é uma pessoa lendo os slides, não traz muita experiência, não diz muita coisa, então eu...

teve alguns cursos que eu não achei muito relevante em relação a isso, mas só que teve alguns que compensou

muito. Até mesmo alguns que foram oferecidos lá na escola, que na nossa... ano passado tinha que participar da

semana pedagógica, teve alguns que foi muito relevante, até mesmo pra coordenadora, que foram relevantes.

Mas só que tem uns que, tipo, a pessoa só vai lendo os slides e pronto. (Egressa 4, 2018)

Que busque com o professor qual a dificuldade que ele está tendo em sala de aula, qual a dificuldade que ele

vem enfrentando há tempos na escola ou na rede ou na sala e tente... e aí no curso solucionar... ideias pra

solucionar o que que o professor está tendo dificuldade lá na sala [...](Egressa 13, 2018)

Era o que a gente estava fazendo nos cursos, ia pra lá, discutia, discutia, discutia, não voltava com nada que

você poderia aplicar na sala e resolver o problema que você estava tendo, a dificuldade que o seu aluno tava

tendo lá ou que você estava tendo em fazer aquele aluno alfabetizar. (Egressa 13, 2018).

Diante do exposto pensando nas formações numa perspectiva permanente e pensadas e

guiadas para realidade do professor, Zabalza (2019, p. 20), reflete sobre o sentido da

acomodação das aprendizagens ao afirmar que:

[...] a acomodação nestes casos significa, sobretudo, "prática guiada". O grande

problema costuma residir no fato de que, em muitos casos, nem aqueles que

ministram os cursos têm feito esse itinerário, pois também estão, com respeito às

coisas das quais estamos falando, no momento da assimilação: dominam os

conceitos, mas não têm experiência em colocá-los em prática. São eruditos, mas não

competentes. Por isso, é muito difícil, para certos formadores, oferecer essa "prática

guiada". E, por outro lado, as vezes também acaba sendo um paradoxo que aqueles

que poderiam estar em melhores condições para estabelecer essas pontes entre a

teoria e a prática (professores com experiência, assessores de formação, etc.)

parecem eles mesmos seduzidos pela teoria, como se necessitassem reforçar sua

nova identidade de experts através de um distanciamento progressivo do que

constitui sua experiência prática como docentes.

Page 232: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

230

O distanciamento no sentido do diálogo e da práxis com a realidade do professor

apresentada pelo referido autor coroa o tempo destinado às formações, diminuindo, assim, as

motivações.

Considerando o que Zabalza (2019) ponderou quanto à formação, voltando para

realidade escolar das egressas, elas disseram que o atual momento do cenário educacional e

social requer cursos nos quais o diálogo entre a teoria e a prática já estejam associados e

façam sentido frente às necessidades que mais as inquietam. Isso exige uma postura de

compromisso e de dedicação por parte dos professores também, como expressou a Egressa 8

(2018, grifo nosso):

Mas, professora, pelo amor de Deus! Parece que pararam no tempo. Vão para os cursos, „ah, eu só quero o

certificado‟. Gente! A profi [...] Quem é o profissional? Quem que vai dar a cara à tapa? Não é o palestrante. É

você. Como que você transforma aquilo em conhecimento para os seus alunos? É na sua dinâmica de trabalho

[...] A gente sabe que nós estamos num mundo que a corrupção, ela começa pela sala de aula. [...].

Nesse contexto da formação oferecida pela rede há tensões, conflitos, contradições,

necessidades de mais objetividades e maior clareza do que se está fazendo, para que se está

fazendo essa ou aquela formação.

Entre seus pares, as egressas mencionam professores atuando sempre no mesmo

segmento do ano escolar por um longo período da sua vida dentro da sua carreira, os quais

muitas vezes, frequentam repetidamente os mesmos cursos. Então, dá-se a entender que as

necessidades, as dificuldades, as limitações e as possibilidades já estão postas ali, uma vez

que eles participam da formação, mas não se envolvem com ela, não conseguem contribuir

com a prática. Esse é mais um aspecto que fragiliza os cursos e, consequentemente, a atuação,

juntamente com o que Zabalza (2019) já alertou.

Alguns fazem o mesmo curso todos os anos. Alguns professores dizem que é uma perda de tempo, que já sabe

tudo o que eles vão falar, acham que não é necessário. E assim, como eu diversifiquei bastante num curto

espaço de tempo em turmas diferentes, então, todos os cursos que eu fiz, pra mim era novo. Porque eu fiz cursos

pro segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo. Então, todos os cursos que eu fazia era... sempre achei

importante e válido pro momento que eu estava atuando. (Egressa 6, 2018)

Essas situações acabam repercutindo na atuação e na relação professor-professor, e

ainda no próprio projeto da escola. A sensação é que não há avanços significativos orientados

por formações alheias à realidade concreta. Em outro momento nas biotecituras, verifico a

existência de dilemas pessoais e coletivos transcorridos da escola, conforme abordaram as

egressas:

Eu procuro participar de todos, mesmo tendo alguma dificuldade, mas eu sempre não via como uma dificuldade,

né? A maioria do pessoal reclamou porque o PNAIC que foi à noite, então, foi fora da hora, sempre fala, „ah,

não ganha hora extra‟, é sempre uma [...] então, uma ação contínua, mas é de você, é um dia só, né? Não sei!

Page 233: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

231

Aí, às vezes, na hora da atividade, „ah, mas é minha hora atividade, é a hora que eu vou planejar. Então, vai

ficar tudo atrasado lá na escola, aí eu vou ter que levar trabalho pro final de semana‟. Então, sempre tem uma

reclamação, mas assim, eu não digo que eu também, às vezes, não reclamo, „ah, não vou ser a [...]‟, mas tem

que dar um jeito, pra tudo dá um jeito, senão você vai deixar de fazer o curso, aí quando não oferece, reclama

porque não teve, mas quando tem reclama também. Então, não sei como que vai ser a solução. (Egressa 7,

2018, grifo nosso)

[...] a maioria do que você ouve dos colegas é, „ah, lá vai eu perder minha hora-atividade pra ir lá fazer esse

curso que não está servindo pra nada. Se eu tivesse na escola eu estaria pensando em algo com a minha colega

de hora-atividade, ou com a coordenadora, ou na internet estudando alguma coisa, que eu ia conseguisse

solucionar o problema que eu estou tendo aqui‟. (Egressa 13, 2018)

E aí a gente não tinha mais aquele dia na escola para poder planejar, pra poder sentar com o coordenador,

sentar com o colega, dividir, ver o que ... (Egressa 13, 2018)

Assim sendo, o que está em jogo é conciliar essa formação dentro ou fora do horário

de trabalho. Tal problemática é transferida ao professor, ele ‗tem que dar um jeito‘, pois se é

dentro do horário de trabalho, está na hora atividade do professor, e ele precisa negociar com

o seu planejamento e levar essa demanda como tarefa de casa. Se está fora do horário de

trabalho, precisa negociar com as obrigações e necessidades pessoais e familiares.

Esse contexto pode gerar, em alguns casos, sobrecarga de trabalho por parte de

professores que atuam em mais de um turno, já que não conseguem conciliar a formação.

Situações iguais a essas não são realidades pontuais. Elas aparecem em outras biotecituras,

como expressou a Egressa 9 (2018):

[...] é complicado porque ao mesmo tempo que a gente sente a necessidade, o tempo que a gente disponibiliza

pra participar desses cursos de formação são poucos, porque a gente tem que tirar da nossa vida o tempo que a

gente não tem pra poder estar fazendo, porque eu trabalho nos dois períodos. Então, qual é o tempo que eu

tenho pra participar desses cursos de formação?

A negociação é uma realidade constante na vida das egressas. Frequentemente, elas até

se sentem ‗culpadas‘ por terem uma jornada de trabalho tão intensa que não cabe mais nada a

não ser atuar no segmento da Pedagogia que assumiram. A esse respeito, a Egressa 12 (2018)

diz:

Na escola, durante o tempo que eu tô lá, eu não tenho tempo pras outras coisas, eu tô dedicada [...]

Além disso, as egressas citam o fato de terem que conciliar várias demandas dentro da

‗hora da aula‘, como exigências a serem posteriormente cobradas, seja da escola, do professor

ou do estudante, como acentua a Egressa 10 (2018):

Vem orientação da secretaria sobre sequência didática. Vem livro didático relacionado ao MEC. Vem projeto

da escola. Aí é pra você trabalhar sequência didática, é pra você trabalhar o livro, é pra você trabalhar os

projetos. São N coisas que eu garanto pra senhora que um bimestre não daria pra senhora [...] ou você chega

no final do ano letivo sem trabalhar tudo isso, e vira aquele jogo de cintura.

Page 234: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

232

Assim, justificam para si mesmas as impossibilidades de participarem de um curso que

venha a contribuir com sua formação e qualificação profissional. Consideram o tempo o

maior entrave, sendo o vilão responsável por tais consequências, pois seu trabalho e sua

dimensão pessoal ‗se estendem nele‘ o que impossibilita outras atividades. O fator tempo vem

sendo invocado desde a dimensão pessoal das egressas, o que não seria diferente no âmbito

profissional vinculado à formação. São as demandas das jornadas de trabalho e as jornadas

duplas e até triplas. Nesse aspecto, não cabe nenhuma outra atividade fora do universo do

trabalho, o que acarreta o comprometimento, muitas vezes, dos fins de semana, que são

comprimidos e a sensação de que não ouve oportunidade para o descanso. O que ocorre é o

dilatamento das temporalidades pessoais, que são subtraídas pelas demandas de trabalho.

Mas, no geral, elas dizem que:

as formações que são oferecidas, essas são necessárias e são, como se diz, faz parte do meu trabalho. Então, eu

me adequo a ela, sempre participo. (Egressa 3, 2018)

Acerca disso, a Egressa 27 (2018) disse:

Então, é um esforço extra que o professor tem de fazer. Quando ele quer estar aí, sobre essas formações

oferecidas pela rede, é um esforço. Eu vejo um esforço e uma escolha de querer também, porque senão a gente

se vê estagnada também.

Esse movimento de formações é comumente assumido como positivo, mas as egressas

trazem em suas falas um sentimento de falta de espaço nessas formações para o diálogo, para

trocas de experiências. Elas se queixam da ausência de momentos para escutar o outro, saber

do outro.

E a gente precisa sim de experiência um do outro. (Egressa 4, 2018)

Tanto é que elas veem as trocas entre seus pares como necessárias, tanto no local de

trabalho como em outros espaços formativos, conforme destacaram algumas delas:

Conversar com os outros professores também, saber o que que tá acontecendo dentro da sala de aula deles,

como que eles tão lidando com isso. Então, isso tem ajudado bastante, contribuído bastante [...] Eu vejo que

também é bastante importante fazer cursos. Eu, pelo menos dos que eu já participei, a gente sai com a cabeça

bem mais aberta, dá mais vontade de... tipo assim, a gente sai de lá com vontade de mudar o mundo, dá um gás

a mais, né? E é bom, a gente não pode perder isso, não pode se acomodar, falar, „ah, não tem jeito mesmo‟. Não

quero ser uma professora assim. (Egressa 12, 2018)

E assim, alguns gostam deste momento, porque é um momento de aprendizado, um momento de compartilhar

com o outro. Outros já são resistentes porque eles... é igual eu disse, eles acham que este momento é um

momento que eu estou te dando, tipo assim é um momento que a prefeitura, a rede dá, mas é um momento que

logo depois a rede vai cobrar algo em troca, né? Vai cobrar algo em troca em relação a dar este curso né?

Porque nós estamos vivenciando na educação brasileira um momento muito forte, né, do Ideb e a nossa escola

se define numa nota, querendo ou não. E como a gente vai chegar nesta nota? Se vai ser de uma maneira

tradicional, de uma maneira que eu vou cobrar, eu vou passar ali o conteúdo e vou cobrar ao pé da letra

aquilo? Ou vai ser um momento lúdico[...]. (Egressa 28, 2018)

Page 235: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

233

Nas colocações, percebo a importância dos momentos heteroformativos, os quais são

concebidos como possibilidades de aprendizados vinculados com a prática, a experiência do

outro, ajudando a ver e a rever os modos de atuação profissional, gerando sínteses reflexivas

de mudanças com ressignificações de estratégias de ensino, como se pode observar nas falas

que se seguem:

Acho que não tem como atuar na sala de aula só no que baseado ali no contexto escolar. A gente tem que sair

um pouco... ver outras experiências, professores relatam (às vezes), a gente ouvir o outro, né? Ouvir outros

colegas. Eu acho isso também muito válido [...] (Egressa 3, 2018, grifo nosso)

Não gosto de ficar pensando só nesse mundinho de escola. As limitações aqui também me sufocam. É como se…

Tem de ter outra coisa fora desse muro aqui. Tem que ter outras abstrações fora daqui, porque se ficar só aqui,

também, eu não consigo, eu não consigo. (Egressa 27, 2018)

Em outro excerto, a Egressa 6 (2018) comentou:

[...] eu gostei muito, porque a escola me dava liberdade de criar. Eu tinha uma ideia, „ah, eu quero fazer, eu

pensei em fazer isso, jogos, o que que vocês acham?‟. Então, eles sempre me deram muita liberdade pra isso, de

experimentar, criar formas de ensinar diferentes. (Egressa 6, 2018, grifo nosso)

Essa aprovação, apreciação e presença do outro impulsiona um agir que nasce da

própria observação e das vivências das egressas juntamente com a sua realidade. Nesse

sentido, concordo com García (1999, p. 153), que pondera que ―o objetivo de qualquer

estratégia que pretenda proporcionar a reflexão consiste em desenvolver nos professores

competências metacognitivas que lhes permitam conhecer, analisar, avaliar e questionar a sua

própria prática docente‖. Nesse caso, ouvindo a si mesmo e dialogando com os outros.

Nas biotecituras, quando houve o diálogo sobre os cursos de formação vinculados à

rede de ensino, a necessidade dessa formação quase sempre apareceu associada à sala de aula

no que concerne às exigências e desafios de aprendizagens que as egressas encontram. No que

diz respeito à escola, majoritariamente, percebi que seja na gestão ou na docência, há

situações muito mais complexas que as formações não conseguem alcançar em termos de

propostas de atuação e intervenção da Pedagogia. Como nos casos de ‗indisciplinas‘, traumas

e dramas familiares, as necessidades de aprendizagens mais especializadas. Tais realidades

não são dados isolados em uma ou outra sala de aula, muitas vezes, em uma mesma sala, as

profissionais convivem com múltiplos desafios de aprendizagens e ensinagens, o que entendi

na seguinte fala:

Então, eu preciso estudar mais, me preparar pra poder receber. Esse ano eu vou ter uma aluna autista. Então,

eu sinto que eu preciso me preparar pra recebê-la, né? Além dela, tem os outros casos [...] Então, eu quero

aprender a lidar com isso, a ter mais ferramentas pra ajudar esses alunos, eu sinto necessidade. Quero fazer

uma pós em neuropsicopedagogia pra eu conseguir entender um pouco. (Egressa 12, 2018)

Page 236: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

234

Considerando o que a egressa relatou, compreendo em Roldão (2004, p. 99) que:

A ampliação e diversificação dos sujeitos que frequentam as escolas, inseridas em sociedades que exigem

qualificações crescentes extensivas à totalidade da teia social, cada vez mais conduz, na perspectiva eu aqui

defendo, a um reforço da premência social da função de ensinar.

Ademais, em outra biotecitura, considerando as demandas oriundas das atuações da

Pedagogia, verifiquei que as formações ainda são distantes de alguns contextos de

aprendizagens. É o que constata a Egressa 10 (2018) quando ressalta que:

O que eu quero dizer assim é que da forma como que é [...] se for pra você aplicar tudo que é falado lá na

formação com cinco, dez alunos, até no máximo, acho que você conseguiria [...].

A sensação é que seja possível aplicar e transpor a formação tal qual é aprendida em

contextos diversos e, quando isso não ocorre, vem a frustação. Quando a formação é ofertada

aos professores, muitas vezes, já vem direcionada a uma necessidade pontual das demandas

da escola, ou são impostas aos professores. Nesse sentido, os cursos desejados, ou aceitos

pelo coletivo dos professores, são chamados de cursos práticos, como sinalizou a biotecitura

das egressas:

Cursos mais práticos atraem mais os professores, porque se for um curso que você vai ficar lá sentado, depois

de um dia longo de trabalho, só ouvindo leitura, é horrível. Nós tivemos alguns casos assim. Então, tiveram

cursos muito bons, com professores assim, que... por exemplo, um curso de libras, né? Que foi muito rápido.

Então, a questão do tempo também interfere bastante, porque foi um curso curto pra uma demanda tão grande

[...] E nós imaginávamos assim, em quatro encontros não dá tempo pra fazer um curso [...]. (Egressa 11, 2018)

Então, entrei no curso vendo assim, „ah, mas como é que eu posso melhorar as minhas aulas, informatizar mais

as minhas aulas?‟, né? De construir vídeos com eles, de facilitar, né? Assim, de tentar linkar o que eu estou

trabalhando, se eu estou trabalhando um gênero textual, alguma coisa, jogar isso com a questão da informática,

porque pra eles é assim, você jogou, rapidinho eles pegam. (Egressa 15, 2018)

Essa prática está diretamente vinculada às necessidades formativas dos alunos, e não à

reflexão de uma construção que possibilitará novos conhecimentos. Assim, nota-se que o

imediatismo se apresenta para atender um grito quase de ‗socorro‘ dos professores. Por outro

lado, seria a orientação por parte dos formadores de uma prática guiada, conforme apontado

por Shulman (2014). Para isso, a realidade precisaria sempre ser ouvida mediante uma

acuidade pedagógica orientada.

As formações oferecidas pelo município são importantes, mas quando atendem às

necessidades. Quando não atendem, elas vão buscar em outras formações mais avançadas, em

especializações com recorte em uma ou várias necessidades de ensinagem.

Ocorre que, frequentemente, a sala de aula, devido à demanda de trabalho, e às

burocracias do sistema, e à própria situação de aprendizagem dos alunos, restringe a busca de

formações. Mesmo diante da dinâmica da sala de aula, que continuadamente se mostra como

Page 237: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

235

rotina tensa e extensa, as egressas manifestam a importância para sua formação permanente

de outras formações organizadas fora da rede de ensino:

Você fica tão assim, bitolada em sala de aula, a gente tem esse momento na sala que você fica muito fechado e

esquece, às vezes, de abrir mais. Aí que esses cursos, eles vêm... igual eu falei, você quer chegar naquele

objetivo, você tem que fazer isso. Então, esses cursos, acho que eles estão aí pra isso. Estamos lá e (estamos

assim) tão fechados dentro da escola, (tem que voltar) também pra academia [...]. (Egressa 3, 2018)

Eu acredito ainda que o processo de formação, ele ainda tende a acontecer muito mais dentro da escola do

que fora da escola, e se for pra te trazer essa... esse crescimento na prática. Eu vou pensar nas dificuldades que

eu tô tendo ali, (no lugar ali), né? Lógico que eu acho relevante você (estudar) questões educacionais muito

mais abrangentes, (conosco), precisa ser, né? A gente não pode se fechar também dentro da escola e falar, „não,

é só aqui que é importante‟. De maneira alguma. Amo estar dentro das discussões dentro da universidade

também, amo estar dentro dos estudos, né? A gente não pode se fechar lá. Eu acho que tem que se mediar, nem

muito pra lá, nem muito pra cá. (Egressa 27, 2018, grifo nosso)

Nas falas das referidas egressas há uma necessidade pessoal-coletiva e profissional

intrínseca de formações orientadas pela instituição de ensino com cursos mais avançados que

contribuam para atuação profissional, mas também com um sentir-pessoa no que diz respeito

à sua identidade profissional, pois parece que se trata de mundos distintos, que estão

exteriores às necessidades formativas do campo pessoal. É como se essas propostas não

agregassem à formação e, consequentemente, ao desenvolvimento profissional, indo na

direção do que Patrick Paul, em uma entrevista39

em (2014), chama de um mix de saberes, em

que cada conhecimento é uma coisa, sendo, portanto, aspectos separados. Para ele, precisamos

desenvolver a capacidade de estabelecer uma interface diante das coisas que, na cultura e nas

ciências, são coisas diferentes, pois cada conhecimento tem sua própria natureza, o que vai

exigir uma visão sistêmica, uma abertura entre as disciplinas para propor links entre elas.

No campo da educação, essas interfaces entre as áreas de diferentes conhecimentos

são necessárias quando elas vão agregando conhecimentos que contribuem com a base da

formação, seja ela pessoal ou profissional.

Na biotecitura, observo que há uma busca dessa interface quando as egressas explicam

que:

[...] tentei duas pós-graduações e abandonei essas duas porque não era o tema que eu queria estudar, me

aprofundar. Aí eu fiquei dois anos sem fazer nada, só lendo revista Nova Escola, projetos pedagógicos,

procurando material na internet. Até que surgiu pra mim a oportunidade de fazer uma pós-graduação eu

neuropsicoeducação. Aí eu cheguei, perguntei pra gestora, „isso aí não é uma psicopedagogia remodelada?‟

(risos), ela disse, „não. Está para além‟. E aí ela me convidou pra assistir uma aula. Eu fui. Me encantei, porque

eu pude entender que tudo começa (no impulso neuronal) e nas ramificações [...] (Egressa 8, 2018)

Eu já fiz pós. Eu fiz pós em educação especial, que na época tinha bastante curiosidade de como trabalhar com

uma criança especial em sala de aula. Eu fiz o AEE, né? Que fala, atendimento especializado, né? E depois eu

fiz pra educação infantil porque eu tava atuando na educação infantil, e quando eu me vi... porque contrato

39 Entrevista online. Encontros TD - Palestra de Patrick Paul (2014) ver referências.

Page 238: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

236

você não escolhe a sala que você quer, é a sala que te derem, e de repente me jogaram, tipo assim, na educação

infantil, eu nunca tinha atuado. (Egressa 14, 2018)

Para essas egressas, o formar-se vincula-se a atender suas necessidades de ensinagens

inicialmente, para que pudessem se sentir seguras diante de uma urgência em sala de aula,

onde a Pedagogia lhe exigia diálogos e compartilhamentos com outras áreas de

conhecimentos, pois estavam diante de uma necessidade de aprendizagem especial, como

esclarece a Egressa 8 (2018):

No primeiro ano, [...] não sabia que eu era um zero à esquerda no autismo, ele fugia mesmo, eu corria a escola

atrás dele. Eu ia trabalhar de tênis porque eu sabia que eu ia ter que correr. Emagreci (risos) porque eu ficava

correndo na escola atrás dele. E aí quando eu comecei entender e trabalhar com ele de forma diferenciada, aí

sim. Aí fez todo o sentido, ele ficou na sala, ele participava, ele (gritava), ele dançava, ele olhava pra mim, eu

chamava „nome do aluno‟, aí ele olhava pra mim, nossa, falei, „meu Deus, eu estou andando, eu estou

caminhando, eu tô vendo que isso está acontecendo‟ [...]. E assim, aí eu comecei insistir. E aí assim, comecei me

abrir pra estudar, pra buscar mais. Parei de estudar pra concurso e fui atrás dessa ciência. (Egressa 8, 2018)

Então, como não considerar as vivências dos professores para pensar a formação? Elas

são essenciais não somente para atender uma situação de aprendizagem, mas também para

saber atuar diante das realidades educacionais concretas, como construir uma alternativa de

trabalho humano-pedagógico. Por isso, conforme Paul (2014) explicita, essas interfaces

representam a possibilidade isomórfica entre conhecimentos diferenciados, evitando a

fragmentação dos saberes, pois é necessário vencer a dificuldade humana de aprendizagem

considerando o ser-pessoa como um todo.

É nesse sentido que a formação profissional, a partir de necessidades pessoais, se

relaciona com a reflexão-ação profissional e gera uma demanda formativa de um continuum

evolutivo de mudanças. Assim, esse formar-se tem uma circularidade que envolve a auto-

hetero-ecoformação tanto do professor como do estudante. O que fica mais bem explicitado

na biotecitura da Egressa 12 (2018), ao comentar que:

[...] os alunos, os desafios, que eu todos os dias eu sou desafiada por eles a melhorar, a mudar o meu jeito, eu

aprendo muito dentro de sala de aula, muito mesmo. Assim, pessoal, eu tive um crescimento pessoal muito

grande e profissional também porque é o que tá ali no meu trabalho é o que me motiva a melhorar, a querer

fazer as coisas melhor, a me dedicar mais e eu vejo que eu ainda tenho muito pra aprender, muita coisa ainda.

(Egressa 12, 2018)

Esse querer fazer as coisas de forma melhor, mudar o jeito de ser e fazer e se dar conta

que têm muito a aprender, reforça a participação do outro ser-pessoa inserido em um dado

ambiente escolar, social e cultural, o que exige, nesse caso da egressa, uma mudança que

supõe aprendizado de novas epistemologias que fazem, por sua vez, interfaces entre si.

Essa lucidez frente aos espaços tempos e sujeitos envolvidos no processo de

aprendizagens, quando as egressas consideram a si mesmas em suas biotecituras, se revelam

Page 239: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

237

quando abordam na sua atuação o que consideram importante para o seu desenvolvimento

profissional.

Zabalza (2019, p. 19) afirma que a acomodação de novos conhecimentos requer

processos que envolvem tempos plurais das egressas no exercício da prática.

A partir do meu ponto de vista, as principais condições sugeridas pela acomodação

são o tempo e a prática. É necessário tempo para ir assentando as ideias, e prática

para ir consolidando-as, para ir reorganizando nossa situação mental. Uma boa

acomodação não pode ser feita sem tempo, pois trata-se de processos que não podem

ser acelerados. Obviamente, o tempo somente não é suficiente. Também é preciso o

contraste das noções conceituais com sua aplicação prática através de oportunidades

de aplicação das mesmas (para ver se funcionam ou não na prática e como o fazem,

se são úteis no próprio contexto, se sugerem novas necessidades, etc.

Frente às colocações apresentadas pelas egressas de um dizer de si e de suas atuações,

entendo que os cursos de formação continuada de curto, médio e longo prazo, na visão de

algumas, já deveriam compreender como uma necessidade urgente as exigências das

demandas da sala de aula, ou das outras especificidades devido à ampliação da área de

atuação da Pedagogia. E Zalbaza (2019) alerta quanto à necessidade tanto da experimentação,

da reflexão e de uma prática guiada, na qual as formações possuem níveis diferentes conforme

suas intencionalidades. O que me parece que falta é maior clareza nessas intencionalidades

formativas.

Quando as egressas buscam por uma formação continuada, geralmente, essa está

associada a alguma necessidade concreta da sala de aula ou da escola, como se verifica no

excerto da Egressa 7 (2018):

[...] ano passado, eu tive a oportunidade de ficar na sala multi. Então, eu fiz um pouquinho de libras, bem

fraquinho, mas fiz assim, aí eu tive interesse, tenho agora ainda, né? De fazer o curso mesmo de Libras. Então

todo ano... nunca fiquei sem fazer curso, tanto oferecido, quanto pago.

A exposição reiteradamente à sala de aula e em outras especificidades de atuação da

Pedagogia vai apurando a percepção da formação que melhor responde à necessidade

percebida para a atuação profissional e novas acomodações de aprendizagens.

A busca pela formação, geralmente, vem acompanhada por uma queixa ou situação de

aprendizagem que requer atenção, como confirma a fala da egressa:

Então, pra mim, uma formação tem que ter o que eu estou atuando. Se eu estou atuando com alunos com

dificuldade, a formação tem que me ajudar nisso. O curso tem que me trazer essa luz, né? Preciso entender

como atuar com a criança com dificuldades, pra eu poder ter um resultado melhor com ela. (Egressa 3, 2018)

Nesse sentido, para algumas egressas, a atuação da e na Pedagogia requer um

permanente estudo, como ressaltou a egressa:

Page 240: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

238

[...] o professor, ele tem que estudar. Ele não pode jamais deixar se abandonar, se tornar obsoleto. O

conhecimento, ele não é fechado, como muitas vezes eu pensei, „ah, tudo já foi dito, tudo já foi escrito‟. Não. É

possível construir algo novo. É possível você reescrever, reelaborar, reensinar. Então, eu acho que o professor

tem que estudar mesmo. Ele tem que ir pro Mestrado... Eu não sei se eu quero ir pra Doutorado, mas pelo

menos o Mestrado e continuar estudando, isso eu quero. Por isso que eu vou começar a estudar, pra mim não

perder o gosto pelo estudo, coisa que eu abandonei nos dois últimos anos, e porque eu achava que eu não dava

conta e hoje eu sei que eu dou conta sim. (Egressa 25, 2018)

Em outro momento, a Egressa 2 (2018) destaca:

Para mim e para o meu desenvolvimento profissional é de estudar mais estudar mais.

Ela expressa a necessidade de fazer um curso relacionado ao que está atuando

atualmente, ou ao que pretende atuar futuramente. Assim, a Egressa 6 (2018) pontua que:

Só a qualificação constante. Em constante qualificação, aperfeiçoamento.

A escolha de formações que possibilitam o desenvolvimento profissional das egressas

é uma decisão primeiramente feita pelo crivo pessoal, já que há aquelas em que o ‘olho

brilha‘. Elas apontaram que precisam sentir identificação e interesse e, finalmente, aquelas

que dialogam com as realidades que desafiam ou dizem respeito à sala de aula são escolhidas.

Quando isso ocorre, há a busca por aprofundamentos em estudos, consoante acentua a Egressa

11 (2018):

Participar de quantos cursos eu puder, pra ficar sempre... aprender mesmo, assim exatamente, porque a gente

não aprende tudo durante os quatro anos aqui [...] Então, tudo que aparece aqui em Cuiabá, que seja vinculado

com a área da educação, eu tento participar.

A partir disso, a própria atuação já vai orientando as especificidades dos cursos e,

consequentemente, atendendo à formação profissional. Considerando os vários campos de

atuação, urgem necessidades formativas humanas diversas, no caso específico, quanto ao

espaço da gestão, ocorre que as agendas de estudos, reuniões e necessidades formativas para

orientar os professores e alunos na sua diversidade de situações de aprendizagens, muitas

vezes, a formação, não está no campo das escolhas pessoais, mas nessas e outras necessidades

bem específicas que emergem do cotidiano da escola, como lembra a Egressa 1 (2018),

como diretora da escola atualmente, a gente precisa cumprir algumas agendas. Querendo ou não, sendo de

interesse ou não, você precisa cumprir aquelas agendas.

Considerando o que as DCNs (2006) trouxeram para a Pedagogia, e as biotecituras

construídas pelas egressas no tocante aos contextos das experiências formativas, pude

entender a amplitude que abarca a área de atuação do pedagogo quando ele se coloca a

serviço da profissão. Nessa perspectiva, quando se remete à questão da formação do

profissional docente, este está associado ao desejo de crescimento não somente profissional,

Page 241: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

239

mas humano, do ser-docente. Em razão disso, há uma compreensão de que as formações

passem primeiro por uma identificação de um viés pessoal. Em seguida, que seja possível

associar à disponibilidade de tempos sociais e humanos para vivenciar as oportunidades

formativas que estão no campo dessa ampliação. Mas, tudo isso segue margeado por um

compromisso social-educacional-cidadão. Para Day (2001, p. 16):

No decurso de toda a carreira, será aceitável esperar que os professores tenham

oportunidades para participar numa variedade de atividades formais e informais

indutoras de processos de revisão, renovação e aperfeiçoamento do seu pensamento

e de sua ação e, sobretudo, do seu compromisso profissional.

Nessa mesma perspectiva de entendimento, Nóvoa (2009, p. 19) lembra que ―[...] é

essencial reforçar dispositivos e práticas de formação de professores baseadas numa

investigação que tenha como problemática a acção docente e o trabalho escolar‖.

Day (2001) traz à tona o entendimento que verificamos nos estudos de Pineau (2010;

2003) de formação ―permanente‖, no qual eu destaco permanente em uma relação com outras

áreas de conhecimentos e interesses da Pedagogia, nas quais o aprendizado seja oportunizado,

o que supõe a organização de uma política de formação docente que considere esse processo

imprescindível e viável para a qualidade do ensino e do bem pessoal-social-profissional do

professor. Como compreende García (2009, p. 08), para quem

O conhecimento, o saber, tem sido o elemento legitimador da profissão docente e a

justificação do trabalho docente tem -se baseado no compromisso em transformar

esse conhecimento em aprendizagens relevantes para os alunos. Para que este

compromisso se renove, sempre foi necessário, e hoje em dia é imprescindível, que

os professores — da mesma maneira que é assumido por muitas outras profissões se

convençam da necessidade de ampliar, aprofundar, melhorar a sua competência

profissional e pessoal.

O autor conclama que essa necessidade precisa ser um sentir sine qua non da

construção da profissional e pessoal do ser professor, portanto, trata-se de uma busca pessoal

e coletiva que gere desdobramentos de uma política que venha a legitimar esse processo.

Mediante esse raciocínio, percebo que o estar em sala de aula já possibilita o contato

direto com contextos de aprendizagens, de autoaprendizagens, de ressignificações do modo de

ver o ensino, os conteúdos, a própria criança, pois sempre há um elemento novo e desafiador

na atuação profissional. E que do labor em sala de aula, na gestão, nas assessorias

pedagógicas e formativas decorrem pensamentos de ação, reações e proposições de buscas por

novos conhecimentos. Nesse pensar de modo interrelacionado com outras áreas e

necessidades, a egressa revela sua surpresa, ao comentar que:

Eu achava que eu não precisava participar do conselho de classe, porque eu era auxiliar, mas eu vi que eu

precisava sim, porque aí... foi aí que eu aprendi o que que é o pedagógico de ensino e o que que é

Page 242: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

240

comportamento. Porque essas duas coisas se chocam tanto na sala de aula, e muitas vezes é um dos

determinantes da não aprendizagem. Foi aí... foi nesse momento que eu comecei a aprender. E aí eu ganhei

uma sala de aula. (Egressa 8, 2018, grifo nosso)

Essa percepção é decorrente da relação ação-reflexão, e quanto mais próximo esteja

dos contextos que envolvem a escola, mais se alargam as possibilidades de atuação e modos

de intervenções. Por isso, não dá para desconsiderar os entornos da escola com suas extensões

e tensões sociais concretas de significados e contradições.

Nesse viés de interlocução com as realidades apresentadas pelas egressas, no que

concerne às suas vivências, entendo que coubesse pensar e conceber a formação na

perspectiva profissional como um movimento permanente e evolutivo conforme revelado

pelos estudos de Pineau (2003), em que sejam consideradas as múltiplas temporalidades que

cruzam e intercruzam a formação humana e profissional impondo aos professores novos

sincronizadores temporais.

Há de se ter em conta, nesse movimento formativo, tanto as necessidades formativas

individuais como as do ambiente coletivo, bem como que os aprendizados dos alunos e dos

professores são individuais. Assim, como destaca Tardif (2002, p. 240), isso requer das

instituições, sejam elas superiores ou de redes de ensino, mudanças de concepções que

possibilitem:

[...] reconhecer que os professores de profissão são sujeitos de conhecimento é

reconhecer ao mesmo tempo, que deveriam ter o direito de dizer algo a respeito de

sua própria formação profissional, pouco importa se ela ocorra na universidade, nos

institutos ou em qualquer outro lugar.

Para o referido autor, se ao professor é conferida a competência com a missão de

formar pessoas, não seria diferente no tocante à sua capacidade de atuar ativamente em sua

própria formação, dando-lhe poder de envolver-se a si mesmo, ainda com direito de

determinar, juntamente com seus pares da educação, os conteúdos e formas, pois o mesmo

autor sublinha que há de se considerar que o trabalho do professor exige conhecimentos

específicos, sendo paradoxal baseá-lo em conteúdos embebidos em lógicas disciplinares

pouco enraizadas na ação cotidiana. Para fortalecer essa compreensão, é preciso reconhecer

que os atores envolvidos na formação inicial e na permanente sejam assumidos como sujeitos

do conhecimento e não meros expectadores de sua profissão.

Forja-se, com isso, a necessidade de se pensar uma corrente epistemológica que ajude

a construir mais espaços-tempos-práticos no próprio currículo para a formação do profissional

docente. A esse respeito, para esse processo formativo de se considerar o professor

integralmente, Tardif (2002, p. 232), compreende e reforça que:

Page 243: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

241

[...] o professor é considerado o sujeito ativo de sua própria prática, ele aborda sua

prática e a organiza a partir de sua vivência, de sua história de vida, de sua

afetividade e de seus valores. Seus saberes estão enraizados em sua história de vida

e em sua experiência do ofício de professor. Portanto, eles não são somente

representações cognitivas, mas possuem também dimensões afetivas, normativas e

existenciais. Eles agem como crenças e certezas pessoais a partir das quais o

professor filtra e organiza sua prática.

Portanto, intrinsicamente, o professor vai se constituindo em suas singularidades,

heterogeneidades e nesse movimento formador, múltiplos tempos e temporalidades são

tensionados e não podem ser ignorados. Foi o que compreendi ao tomar o conjunto das

biotecituras das egressas, pois ali estavam postas suas percepções, reflexões, tensões e

superações em seu processo formativo profissional sempre em construção.

Olhar esse processo de formações humanas e profissionais voltadas para o professor, neste

caso, para o pedagogo, entendo como Nóvoa (2009, p. 19) que trata sim, de afirmar e

reafirmar, a partir das biotecituras, que ―as nossas propostas teóricas só fazem sentido se

forem construídas dentro da profissão, se forem apropriadas a partir de uma reflexão dos

professores sobre o seu próprio trabalho‖. Tal movimento não acontece de modo espontâneo e

nem linear, e não está neutro das realidades socioculturais, das políticas educacionais

vigentes, das histórias de vida e profissionais dos professores com seus sistemas de crenças e

valores, de sua realidade escolar situada e das múltiplas propostas de formações.

Com suas percepções de si, enquanto profissionais da Pedagogia, ao atuarem em

espaços diversos, compreendem a formação como uma construção pessoal, coletiva, educativa

e social. Diante do tempo e de suas temporalidades, esse movimento em busca de

conhecimentos se constitui um desafio a ser enfrentado.

O aguayo vivo e vivido estampado nas multicores dos movimentos humanos e

profissionais das egressas, nesta parte do trabalho, me ajudou a compreender os tempos

formativos humanos como dilemas que se apresentam frente a frente na construção do ser

docente. Conciliar esses tempos formativos geram reflexões e tensionamentos desafiadores.

Page 244: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

242

Figura 11 - Processos de autonomizações profissionais

Fonte: elaborada pela autora (2019).

Considerando esses movimentos que atravessam as realidades formativas das egressas

de Pedagogia, foram construídos, no fio de entremeio, diálogos com as biotecituras,

observando nelas percepções e noções de tempo e temporalidades como o fio subjetivo que

permeia a formação humana e profissional desse grupo de egressas, buscando saber as

implicações que esse movimento pode gerar ou produzir nesses processos formativos.

Page 245: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

243

4.5 Implicações de tempos e temporalidades nas tecituras da dimensão pessoal-formação

inicial e na atuação profissional

Lidar com subjetividades e múltiplos tempos foi o desafio que este trabalho assumiu.

Tal tarefa é, no mínimo, exigente e delicada. Arrisco aqui trazer minhas percepções

compreensivas e olhares mediante o que venho estudando sobre o tempo e a temporalidade

que cruzam e intercruzam a formação do profissional voltada para a Pedagogia. Quando me

reporto ao campo das percepções, ao dialogar com as biotecituras, entendo, a partir delas, as

possibilidades de significações e ressignificações, eu diria que ―buscar a essência da

percepção é declarar que a percepção é não presumida verdadeira, mas definida por nós como

acesso à verdade. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 14), é o movimento do vivido, no qual

compreendo as vivências das egressas, revelando o que as tocam, seja por si mesmas, pelos

outros ou pelas coisas. No que se refere à percepção, Merleau-Ponty (1999, p. 504) assevera

que:

Ela me abre a um mundo, ela só pode fazê-lo ultrapassando-me e ultrapassando-se, é

preciso que a ‗síntese‘ perceptiva seja inacabada, ela só pode oferecer-me um ‗real‘

expondo-se ao risco do erro, é necessário que a coisa, se deve ser uma coisa, tenha

para mim lados escondidos, e é por isso que a distinção entre a aparência e a

realidade imediatamente tem seu lugar na ‗síntese‘ perceptiva.

Por isso, a síntese compreensiva perceptível que nasce das biotecituras se estende no

agora, não na sua totalidade do vivido pelas egressas, mas se coloca como partes que me

foram possíveis acessar, perceber e descrever. Certamente, outros observadores e estudiosos

poderiam constituir outras sínteses perceptíveis que possam talvez estar escondidas do meu

campo de percepção, mas, por ora, foi o que pude abstrair.

Essas compreensões nasceram orientadas ou suscitadas, em grande parte, pelas

biotecituras das 30 egressas colaboradoras desta pesquisa. Em razão disso, é minha voz

intercruzada com as vozes dessas profissionais docentes que se constituem em fios múltiplos

que tecem o aguayo. Em Merleau-Ponty (1999), entendo que a temporalização desses fios do

presente, do passado e do futuro é constituída através da percepção e essa percepção me lança

a um presente contínuo.

Nesse movimento, foi interessante olhar para quem olha para si mesma, para suas

memórias pessoais e familiares. Olhei para quem estava ali diante de mim nas entrevistas,

como que abrindo e revirando um baú pessoal de lembranças, tirando dele coisas boas,

situações difíceis, em dados momentos, pois externavam sensações de alegria, superação e

Page 246: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

244

lamentos. Em outro momento, como se tudo estivesse misturado, permitiam mostrar algumas

certezas das escolhas que foram feitas e refeitas.

Nesse movimento, compreendo-o em Merleau-Ponty (1999, p. 564) que:

Um passado e um porvir brotam quando eu me estendo em direção a eles. Para mim

mesmo, eu não estou no instante atual, estou também na manhã deste dia ou na noite

que virá, e meu presente, se se quiser, é este instante, mas é também este dia, este

ano, minha vida inteira.

Esse estender-se a si mesmo, se lançar e se colocar diante de si, é um exercício do

pensar, como o referido autor reporta ao campo da percepção como acesso à sua verdade

temporalizada pelo sujeito da percepção, para esse estudo, as egressas de Pedagogia.

O ato de puxar essas memórias é como trazê-las em forma de fios que se tecem nas

rocas e nos teares. Por isso, logo de início, algumas disseram ―nossa quanto tempo eu não falo

disso aqui!‖. Não pensava que um dia tocaria nessas lembranças‖. Era como se um cenário

inteiro viesse à tona, trazendo um tempo pessoal-histórico, social, econômico, político e

educacional resgatado de memórias que foram recontextualizandas e que voltaram a e existir

no ‗agora‘. Digo, como o referido autor, que ―[...] em geral, a síntese intelectual só tem um

sentido temporal porque pouco a pouco a síntese da apreensão me liga a todo o meu passado

efetivo‖ (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 560).

Quando digo que veio à tona é no sentido da evocação de algo pessoal e singular, não

como algo quieto, parado, guardado à espera de ser chamado, como se estivesse em uma

coxia de um teatro pronto para se apresentar. Por isso, a fiação do aguayo é assumida no

sentido de tecituras que se filiam à vida, gerando, por conseguinte, as biotecituras. Reconheço

nos estudos que realizei, seja em Pineau (2010; 2003) e Merleau-Ponty (1999) e nas

biotecituras que:

A percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada

de posição deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é

pressuposta por eles. O mundo não é um objeto do qual possuo comigo a lei de

constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e de

todas as minhas percepções explícitas. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 06)

O que foi posto supõe múltiplos movimentos diacrônicos e sincrônicos das

biotecituras das egressas. A intenção não é mensurar o tempo no sentido da quantificação da

utilização por parte das egressas, isso porque não o concebo como contabilização, mas essa

percepção de contabilização ou descontabilização é um elemento importante quando trato de

tempos performáticos.

As egressas assumem as suas rocas do tempo-temporalidade e seguem tecendo suas

percepções e compreensões sobre o tempo e a temporalidade. Alguns excertos ajudaram-me a

Page 247: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

245

entender como as egressas constroem a ideia de tempo e temporalidade no sentido de sua

apreensão, assimilação e percepção. Busquei investigar como ele vem permeando as suas

formações humanas e profissionais na perspectiva da docência do ser-professor. Nessa

singularidade, consegui observar a movimentação das temporalidades nas biotecituras das

egressas. Suas vozes ecoaram nesses fios do tempo ao dizerem que:

Então, quando fala de tempo pra mim, eu já associo a todas as tarefas que eu tenho pra fazer no dia, sabe? Eu

acho que até, às vezes, me falta... me falta tempo, me falta hora no meu dia pra terminar as coisas que eu tenho

pra fazer [...]. (Egressa 12, 2018)

Na visão da Egressa 1 (2018, grifo nosso), a percepção de tempo se amplia e

diversifica, ao dizer que:

Eu penso no tempo tanto na questão cronológico como esse tempo subjetivo, que a gente não sabe nem quando

começa e nem quando terminou. Ele está meio que no abstrato. Tempo vem a história, vem a construção. Acho

que é isso que vem em minha mente, história.

A construção está posta no sentido das intencionalidades, no fazer-sendo, sendo-

fazendo, com a sensação de um não aprisionamento quando se remete ao sentido subjetivo,

pois se segue no sentido de ir se constituindo/construindo, seja como ser-pessoa, como ser

profissional. Em uma compreensão mais ampla da percepção subjetiva, Prigogine (1990, p.

23) lembra que ―com o aparecimento da vida, nasceu um tempo interno que prossegue durante

bilhões de anos de vida e se transmite de geração em geração, de espécie em espécie, e não

apenas se transmite como se torna cada vez mais complexo‖. O subjetivo, abstrato e interior

se filiam à vida do ser-pessoa que vive o seu próprio processo de construção e segue

evoluindo.

O tempo aparece como se estivesse em nossas vísceras humanas no constitutivo do ser

e não ser, das escolhas, das esperas e do reabrir-se a ele como o percebe a Egressa 25 (2018):

Tempo? Nossa, é muito subjetivo, muito... muito... o tempo, ele é necessário. O tempo, pra mim, ele é importante

porque eu sou uma pessoa urgente. Eu tenho necessidade do aqui e agora, sabe? De fazer acontecer. Eu não

gostava muito de esperar, então, o tempo, ele me ensinou a ser uma pessoa mais paciente, a respeitar o meu

processo, o processo das pessoas. A minha trajetória ela vai mostrando assim que em muitos momentos muitas

coisas foram adiadas na minha vida, muitas coisas, seja na minha infância, o estar com a minha família, seja na

minha... na minha formação inicial ali na Educação Básica em que eu reprovei e tal, seja ali no Ensino Médio

que eu tive que dar um tempo pra cuidar da minha filha e depois na faculdade pra mim chegar ao curso que eu

queria, que era o curso que estava no meu coração, que era o curso dos meus sonhos, que era Pedagogia. (

Conforme Pineau (2006, p. 55), essa construção do ser-pessoa, em seus biotempos e

biorritimos, está posta para além da biologização do sujeito, e essa evolução se inscreve,

segundo ele, em ―uma revolução bioética e biopolítica, que atribui aos indivíduos a carga de

Page 248: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

246

construir sentido em sua vida‖, aproximando do entendimento do formar-se-a-si e

autonomizar-se respeitando a singularização da individuação.

Essa revolução e evolução é um processo de sentir de cada um, como expressa a

Egressa 9 (2018), ao se colocar dentro do tempo cronológico, biológico e subjetivo:

Tem o tempo cronológico. Que é o tempo que a gente... é registrado no relógio e durante o ano. E tem o tempo

de maturação das coisas acontecerem em sua vida, de percepção de... pra muitas pessoas acontece a questão

do... em relação à questão da aprendizagem é em um certo tempo, outros demoram um pouco mais. [...] Quando

eu terminei a Pedagogia, eu tinha uma base boa. Mas na minha cabeça, eu não me sentia madura, eu não

achava que eu tinha... que eu estava pronta para exercer certas funções, [...]. E por conta disso, eu sempre adiei

muita coisa na minha vida, achando que não era o tempo certo, entendeu?

Em um outro excerto, a Egressa 25 (2018) disse que:

O tempo, ele foi muito rico pra mim. Ele foi muito importante porque eu fui maturando, amadurecendo, me

conhecendo, fazendo as escolhas certas, assim como eu fiz escolhas erradas, aprendendo que tudo tem seu

tempo, que as coisas que aconteceram na minha vida, elas foram necessárias pra mim amadurecer. Então, o

tempo, ele é importante pra mim, o tempo... o tempo é necessário. O tempo é maturidade, o tempo... eu acho que

eu não teria uma palavra pra definir.

Nessa mesma concepção, a Egressa 18 (2018) trouxe que:

[...] o tempo, ele vai além da questão cronológica, é isso mesmo, das experiências, das emoções, do que eu

sinto, como é que eu me coloco naquele determinado espaço que está atrelado ao tempo. Acho que essas coisas,

elas meio que não têm uma distância, elas meio que se misturam, se confundem [...]

O ‗tempo certo‘, quer seja o tempo pessoal, ele se confronta com os outros tempos

sociais. Esses outros tempos ‗adiam‘ o que as egressas sentem como sendo o tempo da

maturação, o tempo necessário, o estar pronta ao serem vencidas as esperas. Foi mediante

esses outros tempos que elas trouxeram a relação do tempo com o curso de Pedagogia e sua

atuação profissional, e essa relação se imbrica com a vida no sentido mais complexo, como

lembrado por Prigogine (1990).

Reportando-se ao curso de Pedagogia, para as egressas, ele se constituiu como ‗tempo

oportuno‘, que vence as esperas, mesmo que, de certo modo, seja ritmado, vivenciado,

cadenciado pelos módulos que se constituíam em disciplinas. A esse respeito, Pineau (2003,

p. 148), em diálogo com Bessin (1997), chama atenção para o kairós como outra

temporalidade de sincronização quando se coloca a escolha do momento oportuno, pois para

eles, ―o tempo do kairós lembra a dimensão sistêmica, plural e global de toda atividade

humana, ao passo que o chronos tende a apagar as contradições que caracterizam esta

multiplicidade dos registros em um indivíduo‖. Essa multiplicidade de memórias se integra à

dimensão pessoal que, por sua vez, se filia à dimensão profissional, estabelecendo, assim,

ligações e sentidos, constituindo uma concretização da maturidade da espera.

Page 249: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

247

A formação inicial se apresentou como campo aberto de muitas possibilidades de

tecituras, como lembrou a Egressa 5 (2018), ao dizer que:

Durante o curso de Pedagogia, eu acho que eu aproveitei mais as questões de formação [...]. Então, eu fiz

muitos cursos, viajei pra vários eventos. Depois que eu terminei o curso, eu não tive mais tempo pra fazer isso.

Essa ocupação se justifica pela jornada de trabalho, que é, muitas vezes, excessiva,

pelo cansaço diário, pela pouca motivação pessoal e profissional para retomar os estudos, ou

mesmo, devido aos cursos e trocas de experiências que possibilitam elementos formativos

para a formação pessoal e profissional.

Desse universo de colaboradoras entrevistadas, pelo menos 12 foram bolsistas de

algum grupo de pesquisa, projetos vinculados à extensão acadêmica, de iniciação cientifica à

pesquisa e à docência. Por isso, o envolvimento com o curso não se limitou à academia.

Outras experiências formativas ajudaram a ampliar o olhar sobre a Pedagogia, a universidade

e a formação pessoal. Assim, o curso nas biotecituras é assumido como um território e tempo

fértil e oportuno para o aprendizado. Mesmo para aquelas que não chegaram no curso por

uma opção inicial, mas se encontram nele, como foi o caso da Egressa 8 (2018), que relatou:

[...] fui chegando na Pedagogia, conheci as meninas do PET, e aí eu passei a frequentar a sala do PET. Aí eu

observei algumas situações, eu falei, „nossa, que lugar interessante‟. E aí, nessa época, eu trabalhava e

estudava, né? Concomitantemente assim. E aí passou o tempo, aí surgiu uma vaga no PET. Ah, eu mais do que

depressa eu vim me inscrever. Passei. [...].

A academia é prenhe de múltiplos lugares, movimentos, acontecimentos e nascimentos

que podem ajudar a significar e ressignificar o porquê estudamos isso e aquilo, e assim, ocorre

que podemos nos perceber em movimento de construção e reconstrução nesse movimento. O

estar concomitante no estudo e no trabalho, aparece como ponto paradoxal de colisão e não de

coesão. Elas sentem a necessidade de viver o curso. Por isso, agarram as oportunidades de

alguma bolsa de estudos. Tal realidade não foi vivida por todas, pois algumas, sendo arrimo

de família e tendo filhos menores, não podiam desconsiderar uma maior remuneração. Trata-

se, portanto, de uma responsabilidade que em algum momento da vida não pode ser

negociada. Esse fato me chamou atenção e ajudou-me a observar o sentido do tempo social, o

qual é contabilizado pela egressa como um espaço-temporal que está como que ‗preenchido‘

como que naturalmente, devido às responsabilidades que decorrem dos compromissos com a

família e seus sistemas de crenças. Para a egressa, há múltiplos tempos a ponto de dizer que

há um tempo dentro do tempo:

Acho que todos os professores vivem dois tempos, né? Ele vive um tempo, o tempo, e o tempo escolar. Né? O

tempo escolar, ele é algo real na vida do professor e a gente vive esse tempo, o tempo do calendário escolar, (de

Page 250: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

248

200) dias letivos, o tempo da atividade, atividades que perpassam a escola como… Tem um nome. Ai, meu Deus,

como que é? É que a parte da cultura, desse tempo das comemorações, das datas comemorativas, também lá são

permeadas dentro da escola, dentro desse calendário, tem o tempo da aula, o tempo do... da… É uma questão…

O tempo dentro do tempo, o tempo dentro da escola. (Egressa 27, 2018, grifo nosso)

Assim, em um dado momento e circunstância, esse tempo é negociado com os tempos

pessoais e profissionais. Porém, como no caso da Egressa 3 (2018), por estar fora de um

banco escolar há alguns anos, coloca um distanciamento entre o antes, que é concebido por

ela como tempo ‗perdido, morto‘; o agora, como oportuno para reviver, recuperar o que se

perdeu; o depois que se caracteriza como uma possibilidade de novas buscas, começos e

recomeços. Portanto, ela avalia que:

Então, esse tempo que eu perdi, eu fiquei praticamente sete anos (sem pensar em estudar), muito assim

preocupada... assim, preocupei com outras coisas [...]. Com a família, com filhos, a casa. [...] na verdade, talvez

não era o tempo certo das coisas ocorrerem [...] Assim, parecia que já estava um pouco tarde, né? Pra eu

recomeçar. (Egressa 3, 2018, grifo nosso)

Esse tempo certo dá a sensação que há um tempo oportuno para cada um fazer o que

precisa ser feito no curso da vida, o que reforça o que eu disse antes. É nesse sentido que

observo o ser em mudança, o tempo de as dimensões pessoais serem tomadas ou assumidas de

outros modos pelo ser em relação com sua autoformação, o auto está muito colocado como

consciência de si, como maturidade para ser e fazer algo para si e para os outros. Assim se

expressou a esse respeito a Egressa 18 (2018):

O tempo, o meu tempo de vida, o tempo que a sociedade cobra as coisas da gente, é o tempo que a minha

família entende que as coisas aconteçam, o meu próprio tempo de amadurecimento, de crescimento pessoal, dos

entendimentos que a gente vai construindo ao longo da vida, a partir das experiências que a gente tem, dos

convívios, dos grupos, das instituições que a gente participa. (Egressa 18, 2018)

Para algumas egressas, esse movimento atrás de si mesmo, por mais tenso e difícil que

tenha sido, foi forjando o ser profissional com a percepção de si, de sua situação atual.

[...] pra mim, o tempo traz experiência pra gente. Muita experiência. Porque em três anos atrás eu pensava uma

coisa, hoje eu penso totalmente diferente. (Egressa 4, 2018)

Esse trazer não é algo exterior, adquirido, mas é vivido, não passa, fica, acrescenta-se,

não em um mix de outras coisas distintas, mas é o ser que vai como que se constituindo a si

mesmo, no sentido do formar-se sendo o que ele é mesmo, a apropriação de si e do seu vivido.

Ao pensar nesse constituir-se a si, entendo como Paul (2009), quando traz, a partir dos

estudos de Pineau (2003), que o movimento do formar-se, dar-se uma forma no sentido de

autoformar-se é uma sucessão de atividades arraigadas na estrutura do ser e é mais ontológico

do que se educar. A formação assume, então, um caráter ontológico, na perspectiva do ser e

Page 251: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

249

vir a ser sempre em relação com as múltiplas dimensões que nos constituem, como explica

Moraes (2015, p. 02-03):

A ontologia é a parte da filosofia que trata da natureza do ser, da realidade e da

existência dos entes. Ontos, em grego, significa entes; Logos: conhecimento,

ciência. Etimologicamente, a palavra ontologia significa a ―ciência do ser‖. Para

Mario Bunge, é o estudo filosófico do ser e do vir-a-ser. Refere-se, portanto, à

natureza dos fenômenos da matéria. Assim, a expressão ontologia complexa

significa que as relações sujeito/objeto, ser/realidade, são de natureza complexa,

portanto, inseparáveis entre si, pois o sujeito traz consigo a realidade que tenta

objetivar. É um sujeito, um ser humano que não fragmenta a realidade que o cerca,

que não descontextualiza o conhecimento. Um sujeito multidimensional, com todas

as suas estruturas perceptivas e lógicas, como também sociais e culturais à

disposição de seu processo de construção do conhecimento, já que a realidade não

existe separada do ser humano, de sua lógica, de sua cultura e da sociedade em que

vive.

Quando se nega o ser em si, força-se a criar uma realidade para si, ou fora de si, a qual

faz emergir uma estrutura que se fortalece, o que chamo de tempo hegemônico objetivo, que

busca nivelar as subjetividades negando-as. Concebo o sentido hegemônico de tempo a partir

da seguinte perspectiva trazida por Pineau (2003, p. 130):

Determinação dos horários diários, programações, bater o ponto, as ordens do dia

são casos intermediários. Sua ligação com as análises macrossociais, que mostram

que o controle dos tempos e movimentos é a condição de todo poder político,

econômico e ideológico não deve ser esquecida. São formas concretas de submissão.

Entendo-o como submissão ao tempo enquanto um padrão de sistemas de regulação e

controles fechados das subjetividades em detrimento de alcance de metas e resultados

passíveis de serem controlados.

Nas biotecituras, a preocupação é pelo ser. Observo as egressas buscando a si mesmas,

no tempo e nas suas temporalidades como uma centralidade conquistada. Que García (1999)

colabora com esse pensamento, ao entender essa busca e trabalho de si, como mudança e

evolução permanente em Pineau (2003, p. 48), há assim, ―novos autos formar-se graças a esse

poder de reflexão do sujeito sobre seu percurso de vida, graças à sua escrita e à sua leitura‖.

Avançando um pouco mais nas compreensões das biotecituras, observo que há nelas

aquele entendimento de possuir o tempo, de tê-lo e de não o ter, de possuí-lo para poder fazer

algo com ele ou nele. É o que revela a Egressa 5 (2018):

Tempo significa pra mim, refere a fazer tudo antes de acabar, entendeu? Aquela coisa assim de vai passar e eu

tenho que fazer alguma coisa antes que esse tempo acabe assim. [...] De fazer o que eu penso, o que eu quero

antes de não ter mais (ele)” (Egressa 5, 2018).

Egressa 30 (2018) assim se expressou:

Eu acho assim que o tempo é algo que nós não temos domínio, né? Nós temos que aproveitar cada momento e

as oportunidades que nos são dadas.

Page 252: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

250

Na compreensão dessas egressas, as oportunidades e as escolhas limitam-se ao tempo

‗hora certa‘, para não correr o risco de se lamentar pelo que fez, ou pelo que poderia ter feito,

sendo que o estado atual pessoal-profissional é decorrente de decisões anteriores. No que diz

respeito a esse aspecto assinalado, Prigogine (1990, p. 21) pondera que ―devemos considerar

o tempo como aquilo que conduz o homem e não o homem como o criador do tempo‖.

O próprio autor reconhece que essa compreensão no campo das ciências ainda divide

opiniões. Concordo com ele quando pontua que o ser-pessoa possui uma consciência que cria

o tempo. Esse mesmo sentido é compartilhado por Merleau-Ponty (1999), pela sua percepção

do vivido. Isso decorre de um entendimento entre a relação consciência e natureza, mundo

interior e exterior, o qual, nessa relação, não se pretende explicar o fenômeno, mas descrevê-

lo. No meu entender, essa compreensão se aplica ao tempo e à temporalidade quando a

Egressa 21 (2018), com sua consciência, descreve suas trajetórias de vida e formações, ao

dizer que:

[...] o tempo ele é subjetivo, né? Porque ele se comunica, ele dialoga com as experiências de vida, com as N

experiências concretas e, inclusive, com coisas que, por exemplo, aconteceram na minha infância e que eu já

nem lembro, mas que estão ali no subconsciente e travam, a pessoa não aprende nunca inglês, a pessoa não

aprende nunca a dirigir, a pessoa não aprende nunca a ler. Teve uma experiência [...].

Esse algo que ficou guardado ou até esquecido em uma parte da vida, para a egressa,

nunca deixou de fazer ou se tornar parte do presente quando por uma situação ou outra se

defronta com ele novamente. Concordo com Prigogine (1986) quando ele nos diz que não

podemos predizer o futuro, mas podemos influir nele, dado que podemos produzir

ressignificações do vivido. Esse autoperceber-se no movimento do vivido e de modo

ressignificado aproxima do que observa a egressa, ao dizer que:

O tempo... ah, traz várias lembranças, né? O percurso, pra mim, é muito de se lembrar o percurso que se

passou, até onde... o que eu era antes e com o passar do tempo o que eu sou hoje. E nisso você vai percebendo

com o tempo que você vai colhendo frutos do seu trabalho, do seu esforço, da sua dedicação durante esse

percurso e vai trazendo coisas novas, desafios novos, né? Acho que é isso. (Egressa 28, 2018)

De outro ponto de percepção, para a Egressa 21 (2018) o tempo implica sensações

contínuas de movimentos internos e externos:

Eu não via o tempo como meu, o tempo nunca foi meu. Ele passou a ser meu, inclusive, pouquinho

relativamente, né, nessa perspectiva de rotina, quando eu comecei a me perceber como coautora desse processo,

mas isso demorou. Então, o tempo, pra mim, ele sempre foi uma exterioridade, eu nunca controlei ele, eu não

controlo ele, eu sei, mas hoje eu consigo perceber nas ações, nas pessoas, e eu consigo perceber (mais nas

pessoas) e eu controlo mais ou menos, eu consigo fazer com que o tempo seja algo que me pertence porque

ele nunca tinha me pertencido. Ele nunca foi meu, tanto é que eu nem dormia. Eu tenho problema hoje

seríssimo de insônia porque hoje o tempo é meu numa certa medida, tudo isso com... né? Relativo, mas fazendo

essa analogia do antes e depois do tempo, ele sempre foi do outro, o tempo nunca foi meu, nunca seria. (Egressa

21, 2018)

Page 253: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

251

Ocorre que ―o tempo se recomeça: ontem, hoje, amanhã, esse ritmo cíclico, essa forma

constante pode-nos dar a ilusão de possuí-lo por inteiro de uma só vez [...] (MERLEAU-

PONTY, 1999, p. 567-568) devido à objetividade dos sincronizadores universais da medição,

como relógios, agendas, calendários e outros aspectos cíclicos da natureza. Para o referido

autor, o tempo só existe para mim por eu e, nesse caso, as egressas, estarem situadas nele,

ainda porque se descobrem envolvidas nele como o ser da percepção por meio da

subjetividade. Por isso, há a sensação dessa aproximação e controle.

Há cenários de mudanças internas e externas. Há uma abertura a si mesma e aos outros

e à sua relação com seu meio físico, o que nem sempre é uma relação tranquila. Dessa forma,

percebo as tecituras de tempos que se imbricam em contributos que vão se associando ao

desenvolvimento profissional. Assim, o outro da relação está presente, ele participa e

contribui com a mudança, produzindo movimentos de heteroformativos, mas nesse ponto de

relação, há uma necessidade de (co-criação) de si mesmo, mesma. No processo do formar-se a

si mesmo, o outro, reitero, é o ponto de confronto, já que nele me ressignifico, crio e recrio.

Em outro momento, as biotecituras apontam como as egressas concebem o tempo do

trabalho em relação aos demais tempos no seu dia a dia. Acerca disso, a Egressa 3 (2018) o

afirma que:

O tempo de trabalho, ele é rígido. Ele não muda, é aquele tempo ali, não tem flexibilidade. É aquilo e aquilo ali.

Eu tenho horário pra cumprir. Eu tenho obrigação. [...] os demais tempos, eu tenho mais tranquilidade, não

tenho tanta cobrança, levo o tempo que eu conseguir. Por exemplo, o fato de estudar a distância é o tempo

assim essencial. Eu preciso fazer o tempo.

O trabalho se coloca como tempo fixo em termos de produção e resultados pré-

elaborados. Em razão disso, não há expectativas de mudanças, há execuções pontuais. No que

concerne ao aspecto pessoal, às decisões e os estudos, há uma sensação que aconteçam

conforme a Egressa 3, no ‗tempo que conseguir‘. Não há pressa, pressão, há uma

autoflexibilização que se ajusta à vontade, sendo que o ser ‗faz o tempo‘, o que está aliado às

necessidades e às realizações. Como se o sujeito estivesse no ‗controle do seu próprio tempo‘.

Então, a meu ver, há uma experiência perceptível de um tempo subjetivo operante em

negociação com os tempos sociais e profissionais.

Nessa perspectiva, o tempo é entendido como sendo multifacetado. Ora, é rígido, fixo,

em movimento; em outro, representa algo organizável, ou que se permite organizar, no qual

antecipo as minhas ações, me pré-disponho para executá-las, reservo nesse mesmo tempo,

espaço para autocorreções e redirecionamentos das intervenções com foco em algum objetivo,

como é possível observar na fala da Egressa 6 (2018):

Page 254: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

252

Com muita organização. Eu sempre fui uma pessoa que eu sempre gosto de me precaver às situações. Eu

sempre gosto de antever o meu planejamento, eu sempre, com 15 dias de antecedência, pra qualquer imprevisto,

ter tempo de fazer adaptações, melhoramentos [...] Então, o tempo, eu sempre procuro me antecipar no

planejamento, pra evitar os imprevistos. Pra você ter um tempo de intervenção.

A relação com o tempo, muitas vezes, é compreendida nas coisas, mas quando

organizado, é possível se ‗antever‘. Assim, não se sofrerá nenhuma perda temporal, pois até

nos imprevistos é possível se antecipar. A sensação é que esse tempo é exterior, mas algo

passível de ser administrado, caso se consiga anteceder-se a ele.

O signo da hora regida pelo relógio entra na vida social, profissional e pessoal com

força para sincronizar e homogeneizar os processos humanos. Tal aspecto pode ser notado na

abordagem da Egressa 12 (2018, grifo nosso), quando disse que:

[...] na escola, meu tempo é bem cronometrado pra todas as coisas que eu tenho que fazer. Se eu não me

organizar, não anotar as coisas que eu tenho pra fazer eu esqueço, deixo de fazer. Eu tenho assim, muito

problema agora, que eu tô trabalhando com o tempo tão apertado, que se eu não anoto as coisas que eu tenho

ideia, eu passo batido, que eu acabo me perdendo [...] pouco tempo que eu tenho pra fazer as coisas, parece que

eu tô sempre atrasada.

A sensação é que, caso seja preciso resolver aspectos pessoais da vida, torna-se

necessário que eles estejam também ordenados na sequência ou nas brechas dos tempos

sociais. Assim, por se ter muitas responsabilidades e afazeres considerando apenas um dia,

uma semana, um mês e um bimestre escolar, por exemplo, corre-se o risco do esgotamento do

tempo previsto, e que ele não seja suficiente para comportar tantas obrigações a serem

executadas. Tanto é que a Egressa 16 (2018) o considera como um tempo que escorre por ser

intenso:

[...] esse ano eu tenho percebido ele escorrer assim pelas minhas mãos. Às vezes, eu chego em casa, eu não

consigo realizar a leitura de algum texto que eu gostaria ou realizar algo... pensar para além do... um livro, nem

que seja de ficção científica, por exemplo, mas de tentar viver um pouco mais, penso assim, não é como se eu

não tivesse vivendo. Também não é isso, mas tá muito assim, eu vou pra casa, aí eu passo na minha mãe, eu

faço alguma coisa com ela e depois de... quando eu já vejo, já tá de noite e já tá na hora de dormir e aí outro

dia é amanhã, e lá no serviço é... o fluxo é intenso de trabalho, intenso, o tempo todo.

Há essa sensação da objetivação do tempo tanto por possuí-lo como por esgotá-lo.

Diante disso, concordo que ―o tempo objetivo, que se escoa e existe parte por parte, não seria

nem mesmo suspeitado se não estivesse envolvido em um tempo histórico que se projeta do

presente vivo em direção a um passado e a um futuro‖. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 446).

Entendo que nesse movimento de múltiplos tempos e temporalidades pessoais e sociais a

percepção se apresenta como reencontro entre a subjetividade e as coisas; o percebido se

apresenta como aquilo que é, e que permanece em seu ser. É no reencontro da subjetividade e

do mundo que nasce a percepção.

Page 255: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

253

Por outra compreensão, observo, nas biotecituras, as percepções de um tempo da

entrega, do abandono à uma vontade que não é própria de si mesma, mas de uma intervenção

superior que controla esse ‘tempo certo‘, uma relação espiritual que vai forjando o ser-pessoa

e suas ações profissionais, como expressa a Egressa 7 (2018),

Como pra mim tudo gira em torno da religião, da minha fé, o meu tempo é o tempo Dele, o tempo de Deus. Eu

faço o que tem que ser feito. As coisas vão acontecendo de acordo com o que Ele quer, porque eu sempre falo

assim, „o meu plano não é meu, os meus planos são Teus, então, o que você tem pra mim, reservado, eu vou

seguindo‟, eu sou o instrumento e não... deu hoje, deu, se não deu, amanhã... e assim eu vou fazendo [...] Sempre

me entrego, o meu tempo é o tempo Dele.

Esse sentir é particular, sendo uma evocação, de tempos de acontecimentos, das

manifestações, que para essa egressa em particular é o tempo de Deus, já que nele ela se

reconhece e se deixa conduzir. É um tempo desprovido de corporeidade e imaterial, mas

perceptível pelo seu sistema de crença e valores.

O tempo na escola e o tempo da aula são vistos dentro de algumas horas cadenciadas

por atividades e rotinas, como o tempo da fluidez, o tempo da atenção, que são cortados por

outros tempos, o da acolhida, o da merenda, o do intervalo, o do parquinho, o da saída. Assim,

o aluno com necessidade de aprendizado também está colocado dentro de um tempo que tem

pressa de ser esgotado, preenchido e enchido de conhecimento. É preciso considerar que há

um período estimado que homogeneíza o tempo. Isso implica em acreditar que se deu certo

com um, tem que dar certo com os outros.

Agora, aqui é diferente, eu tenho que fazer o meu tempo. Se eu quiser sair com eles, eu saio 16h30 até 16h45 lá

para o parquinho, que aqui tem espaço né. Então, aqui o tempo é diferente. Eu acho, vou fazer atividade que

horas? Das 13h até às 15h, que é a merenda. Essa é hora que eles ficam prestando atenção mais na aula.

(Egressa 2, 2018)

Quando o relógio marcar 17 horas, você tem que já estar lá na frente com os alunos,

conforme esclarece a Egressa 2 (2018). Há um duelo entre os tempos humanos sociais, os

válidos, os que precisam cortar os tempos das organizações e das percepções do ser

professora. Assim, ela declara:

Dez minutos, para tudo! Restam 10 minutos para as 17h! (Egressa 2, 2018)

Ora, é o tempo que precisa para deixar a sala limpa, alunos organizados para seguirem

para o espaço onde os pais já estão esperando para buscá-los. Há quem não habite dentro

desse tempo dos outros, pois vive em sua sala seu próprio tempo, seu ritmo e biorritmo:

Mas, eu até hoje ainda não coloquei os meus eu lá, não consegui fazer essa...Arrumar o horário. Porque para

mim, tem que ser 5 horas. Vai ser 5h, guarda o material! Não! Como lhe falei, eu devia ter parado, porque eles

Page 256: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

254

deixaram papel no chão, aí não deu tempo de eu arrumar. Aí já pegaram as coisas já saíram da sala. (Egressa

2, 2018)

Há alguns condicionamentos ou rotinas que são assumidos como válidas e são

impostos aos professores como modos legítimos de organização do trabalho pedagógico, da

estrutura da sala de aula, a hora certa da aula e de outras estruturas de funcionamento da

escola, o que implica na própria autonomia do ser docente.

A esse respeito, García (1999, p. 145), alerta que ―[...] o desenvolvimento profissional

dos professores está intrinsicamente relacionado com a melhoria das suas condições de

trabalho com a possibilidade institucional de maiores índices de autonomia e capacidade de

ação dos professores individual e coletivamente‖. Quando isso não ocorre, causa um

estranhamento por parte do professor

[...] mas essa questão da flexibilidade tem que ser assim, eu tenho meio que uma birra com essas questões que

tem que [...]. (Egressa 1, 2018)

No sentido de que ‗tem que ser assim‘, esse assim deve ser usado como referência para

todos, em que uns se adaptam e outros partem para o diálogo ou confronto. Isso termina por

criar uma arena de disputas na escola, com comparações entre quem obedece e quem

questiona. Nesse sentido, os tempos-espaços de atuação do professor na escola e na sala de

aula também sofrem o controle não somente das agendas, calendários, sistemas e avaliações,

mas de ajustes de imposições de hegemonias de ritmos a serem harmonizados. Nesse

movimento de negociação, o tempo aparece como que sendo ‗roubado‘ do professor,

subtraído de seu horário de trabalho, não sendo um tempo oportuno. É o que a egressa

explicita ao manifestar como alguns pares reagem ou agem diante de algumas propostas de

formação continuada:

Então, a gente vê várias resistências por parte dos professores pra fazer esses cursos de formação, porque se

sentem roubados, né? Sentem roubados, porque não é oferecido o tempo que você está em sala de aula. Porque

lá em Cuiabá ainda tem a aula de artes e educação física, que é um dia da semana, né? E eles disponibilizam,

quando eu estava lá era assim [...]. Que ao invés de você estar fazendo planejamento, você poderia ir pra esses

cursos de formação. E aqui não. [...] Igual esse curso que eu te falei, de sequência didática, ele foi oferecido no

período que eu estava em sala de aula. E pra mim participar desse curso eu teria ou que pagar uma substituta,

ou a escola tinha que dar um jeitinho pra não deixar meus alunos sem aula. Eu não acho justo. (Egressa 9,

2018)

Diante das exigências e urgências da sala de aula e das outras frentes de atuação do

professor pedagogo, o seu modo de compreender suas responsabilidades e necessidades já

está posto dentro da estimativa de ‗tempo de realização‘, de seus afazeres naturais da escola,

os que são programados e precisam ainda lidar com as demandas de outras situações que não

permitem ser controladas ou previstas. Seria o que está prescrito diante do que é real. Sabendo

Page 257: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

255

disso, entende-se que o que atravessa esse ‗tempo‘ ‗rouba‘ deles a hora, o momento de

concretizar o que se propôs realizar ou construir com seus estudantes ou seus pares. Por isso,

teriam que negociar essa ausência.

Nessa perspectiva, o pensar a formação permanente em serviço carece de assumir e

incluir a escola como espaços-tempos de formação não somente enquanto o lugar da ação

como técnicas ou instrumentais de ensino, mas dos processos de reflexão do ser-docente na

ação que não é só individual, mas, muitas vezes, coletiva, considerando-se autocrítico, agindo

como um intelectual que é autor de sua prática e de sua autoformação.

Ao lidar com o trabalho decorrente da própria docência, frequentemente, o uso do

tempo implica em uma medida de comprimento a ser vencida, em um prazo, extensão a ser

considerado como válido para o aprendizado dentro de uma sala de apoio às necessidades dos

estudantes. Quando isso não acontece, ou está próximo de encerrar o prazo estabelecido, o

sentimento presente internamente com relação a essa situação faz a Egressa 3 (2018)

expressar que:

[...] tem uns que aprendem num tempo recorde, muito rápido, no tempo que eles gostariam que aprendesse. Eu

tive alunos que em dois meses já estavam alfabetizados da sala de apoio. Então, assim, esse tempo, ele é cruel,

ao mesmo tempo, assim, nos deixam ansiosos, preocupados, „porque eu não estou conseguindo... meu aluno não

está aprendendo, vou ter que ir com ele até o final do ano‟. Isso é frustrante, porque eles não conseguem.

Nesse caso, a temporalidade do aluno é confrontada com os tempos fixos do

aprendizado, do resultado a ser apresentado. Quando isso não ocorre, há sensação que esse

tempo imposto carrega um peso e se torna o carrasco que precisa ser responsabilizado pela

pressa, pois o que for colocado dentro dessa negociação de agendas e horários,

necessariamente, deverá ser manifestado nessa extensão para se ter a sensação do dever

cumprido, como também é colocado na biotecitura da referida egressa, que ainda esclarece

sua percepção ao dizer que:

Então, esse tempo ele é cruel, na maioria das vezes ele nos deixa desesperados [...] e então, isso é cruel quando

o tempo vai passando e você vê que não conseguiu ainda atingir aquele objetivo. Então, isso dá um certo pavor,

medo, você sente... é difícil não pensar no fracasso, na frustração de não conseguir [...]. Daí tem aluno que não

avançou e isso é ruim. Então, o tempo, nesse momento, ele é prejudicial. Ele prejudica muito. A gente tem que

correr com o conteúdo, correr...[...]. Mas assim, devido à pressa talvez de atingir aquele tempo, perdeu a

qualidade [...]. Assim, „ah não, o aluno tem o tempo dele‟. (Egressa 3, 2018)

Tomando os excertos das biotecituras de Egressa 3 (2018), percebo um tempo que se

apresenta imposto do exterior para o interior, no sentido de que o aluno e o professor recebem

a incumbência dentro desse tempo de horários, datas, calendários e currículo, que são postos e

impostos. Então, o professor busca, juntamente com o aluno, materializar, assumir esse tempo

e traduzi-lo em resultados mensuráveis, dentro de um espaço/tempo imposto, no qual o

Page 258: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

256

aluno/criança apresenta a sua própria temporalidade, seu ritmo, seu biorritmo, as suas formas

de processar em seu tempo interno/subjetivo. Quando inconsciente ou conscientemente são

exigidos resultados, dentro de um prazo e não outro, não pode ser distendido ou se é

postergado, esse prazo significa ‗tempo perdido‘. Ora, ela podia aprender em três meses, dois

meses, seis meses, meio ano. Mas, isso implica em tempo que se excede a confrontar os

tempos hegemônicos. O que é contra argumentado por outra egressa, ao esclarecer sua

posição formativa e formadora:

O que eu aprendi que, por exemplo, nós não podemos exigir tanto que se cumpra exatamente um tempo definido.

Nós temos que ter um planejamento, lógico, tem que tentar seguir, mas o tempo, ele tem que apenas contribuir.

Não podemos ficar assim muito vinculados ao tempo também porque senão você fica... você se perde. Por isso

que um bom planejamento é bom, porque aí você vai dando sequência dentro do tempo do aluno, dentro do seu

tempo, porque cada turma é diferente. (Egressa 11, 2018)

Então, nesses dois exemplos concretos da percepção do tempo, há de se considerar

também o tempo do aluno. Ele não está perdendo nada, é o tempo do processamento, do

entendimento, do desenvolvimento, porque, muitas vezes, faltaram para ele algumas

motivações, elementos que suscitassem nele um insight para a compreensão ou conclusão

daquele processo ou ciclo. Assim, esse tempo interno é diferente do tempo imposto, que é

esse tempo físico, regulado, cronometrado. Se é assim, com o aluno, não seria diferente para o

professor, que é o observador da criança que a confronta com seu tempo pessoal, com o

tempo escolar/social imposto a ela e ao professor. Sua experiência também se faz e refaz

nesse mesmo processo.

A respeito dessa fragmentação, ou de cortes impostos como condições, estas ou

aquelas como validadas para algum tipo de formação ou mudança pessoal, seja do aluno ou

do professor, concordo com Pineau (2003, p. 55), que em seu postulado alerta que:

Esta fragmentação e esta desagregação impedem compreender e utilizar esta relação

como relação chave que permita reforçar a dimensão educativa destas diferentes

tentativas de controlar o tempo e vê-las como elementos importantes de um

movimento cronofomador com a amplitude da esquizocronia combatida.

Para o autor, é preciso entender a importância socioeducativa de tempos formadores

diversos que não caracterizam as possibilidades da formação permanente. Sobre esses tempos

formadores, concordo com Paul (2009, p. 620), ao entender que ―o tempo educativo, então

não é mais aquele da educação inicial, nem da educação alternante, mas o da educação

permanente tornando possível uma capacidade de gerir os problemas, cada vez mais

complexos, de nossa sociedade‖. Para o referido autor, a alternativa para a sociedade,

humanamente falando, é a formação. Por isso, para ele, ―[...] a educação permanente, em

Page 259: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

257

nossa abordagem impõem, todavia, considerar a realidade de cada sujeito em sua

singularidade‖.

Diante desses movimentos de muitas percepções na roca dos tempos e temporalidades

das egressas, percebo que há negociações entre o tempo chronos e o tempo kairótico.

Na minha percepção, elas habitam esses tempos, e eles, em termos de sensações,

coabitam no ser-pessoa de cada uma delas. Mas, habitar um significa negar o outro. A

negociação aparece na relação dos três movimentos, auto, hetero e ecoformação que

acompanham as egressas, em que a autoformação é constantemente confrontada com as forças

do chronos que sufoca toda possibilidade de singularidade, individualidade e criação

espontânea, pois a produtividade está posta como satisfação e realização de algo de certa

forma imposto e não que flui do exterior para o interior, mas do interior para o exterior e vice-

versa, como nos fala a egressa, ao revelar que:

Muito complicado. Eu tenho uma planilha em casa, que eu mesma fiz, mas foi com incentivo da psicóloga,

porque eu... no outro trabalho, eu não tinha nem hora pra dormir. Eu estava entrando num processo de desgaste

muito forte, muito forte mesmo. E aí o que que acontece? Fiz a planilha. E os horários que eram direcionados a

mim, eu nunca conseguia cumprir. (Egressa 8, 2018)

Ora, o eu-subjetivo não se limita a uma planilha que a ele se impõe, pois as

manifestações das necessidades subjetivas tendem a ultrapassar as fronteiras do tempo

chronos esgotante, como lembra a egressa ―eu não tinha nem hora pra dormir‖, ela não

conseguia habitar seu próprio tempo-pessoal, o que leva ao desgaste físico, mental e

psicológico. As biotecituras indicam a urgência da presença do tempo kairós, no qual a

direção não está no fazer em atenção ao chronos, mas ao ser-criativo e com mais intensidade,

conforme observei nas falas das egressas:

[...] fico pensando, até pra sair falo, „não, mas amanhã eu vou tá cansada e aí eu... daí segunda-feira eu não

vou render no trabalho‟. Então, eu tento sair ou na sexta ou no sábado, quando eu vou sair, pra não ficar... pra

ter o dia pra me recuperar pra segunda-feira tá inteira, senão é horrível trabalhar assim virada. Já fiz isso e a

semana inteira parece que não rende. (Egressa 12, 2018)

É complicado sabe? Porque até quando, às vezes, a gente não tá na escola, a gente tá pensando na escola. A

gente tá pensando em como vai ser amanhã, como que vai ser a organização, como que vai funcionar. Mas

assim, eu tento, eu tento, não consigo, mas eu tento cumprir a minha jornada aqui de oito horas, às vezes, nove,

às vezes, dez horas e o restante ficar pra minha família. (Egressa 29, 2018)

O tempo do trabalho, ele é demarcado, né? Ele é... tem aquele peso eu acho, e o outro tempo, por exemplo, meu

tempo de lazer, ou tempo de eu ler um livro que não seja acadêmico, um livro de literatura pro meu prazer,

assistir uma série, um filme ou visitar um amigo. Já o meu tempo demarcado de trabalho é... é demarcado, né?

É cheio de compromisso que eu tenho que fazer, eu tenho que cumprir. Infelizmente não sobra mais tempo [...].

(Egressa 17, 2018)

Page 260: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

258

Nas biotecituras das egressas, o tempo pessoal é tecido intercruzado com as

necessidades advindas do tempo da atuação profissional. Frequentemente, ele se impõe aos

tempos pessoais-e-sociais, como transparece na fala da Egressa 4 (2018):

Quando que eu tenho tempo eu tô me envolvendo com atividade. Eu tô olhando atividades que são interessantes,

lendo teorias que são interessantes, que eu acho que vai trazer coisas diferente pra mim e pros alunos.

Em um certo momento, outra egressa concluiu que há, em sua percepção, uma

extensão do tempo, pois se sente:

Fisicamente e mentalmente cansada devido à rotina de formação e trabalho. No trabalho, me entrego em tudo.

Quando estou em casa, não deixo de ser professora. Saio da escola, mas a escola não sai de mim. (Egressa 20,

2018)

Nessa perspectiva de um nível de percepção em relação ao tempo, a egressa toma a

sua experiência pessoal como uma referência de autorreflexão e mudança, ao dizer que:

Porque a questão do professor, ele estende da escola pra sua casa. Não tem como falar que não vou fazer isso,

porque tem que fazer. Porque aquelas quatro horas é do aluno, não é pra mim fazer outras coisas que fica

pendente, tipo avaliação[...] Então, aquele momento das quatro horas não dá. Então, a gente tem que estender e

levar pra casa. E pra mim era muito ruim isso. Eu não via como uma coisa boa. Hoje em dia eu já tô sabendo

lidar melhor com isso. (Egressa 13, 2018)

Essas reflexões coadunam com a fala da Egressa 20 (2018), que explicou que:

Então, eu parei um pouco de levar serviço pra casa, mas tá sempre relacionado a alguma coisa, né? Até... eu

vejo assim que até, às vezes, quando você tá na rede social lá aparece um negócio, você fala, „ai que legal,

educação infantil”. Então, você tá sempre pensando em alguma coisa pra educação infantil. (Egressa 20, 2018)

Em virtude disso, vê-se que há uma imersão no universo da atuação profissional que

chega a comprimir os tempos pessoais. O que não é diferente para a Egressa 8 (2018), quando

se refere às horas dedicadas à profissão vinculadas à sala de aula diretamente, sendo que a

casa se torna uma extensão da escola, pois:

[...] trabalhar 40 horas, a gente vem pilhada da escola, „não, já tenho que preparar as coisas pra amanhã‟, aí

você tem aquela necessidade, „eu vou ler meu plano de aula. Aí vou fazer isso, isso, isso. De manhã e à tarde

vou fazer isso, isso, isso‟, ok? Ok, beleza. Quando você assusta, já é 11 horas da noite.

Com essa biotecitura, além das de outras egressas, observo que há um corpo forçado a

ser mecanizado, vigilante em constante operação, sem relaxamento, conduzindo a vida

pessoal para dentro da vida profissional como um dado natural e, às vezes, até considerado

normal. Essa relação ‗dia e noite‘ repleta de horas estabelecidas para isso e aquilo, pelo fato

de se ficar em estado de alerta desde o momento que acorda, mostra a sensação que algumas

egressas têm, pois expressaram que:

Page 261: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

259

Parece que a gente não dá muita conta de administrar o nosso tempo fora da escola. Então, acho que isso não é

um defeito, ou uma prorrogativa minha. Entendeu? Parece que no meio da educação, a gente se dedica tanto

para educação e meio que a gente não consegue administrar o tempo lá fora. (Egressa 1, 2018)

[...] eu não tenho tempo pra mim assim, pra desligar. Eu só tenho tempo pra mim quando eu tô em casa. E aí

quando eu tô em casa, ainda tenho que levar coisa da escola, porque se eu não levar alguma coisa da escola pra

ir adiantando, lá não dá tempo, né? Então, o tempo que eu... eu não tenho, eu correndo atrás. Tem hora que eu

falo assim, „eu tenho que dormir, mas eu também tenho isso pra fazer, e eu também quero desligar minha

cabeça senão eu vou ficar louca, que eu quero ter um tempo pra mim, pra distrair, assistir uma série‟. (Egressa

12, 2018, grifo nosso)

Há essa sensação de um tempo dentro e outro fora quando se pensa no tempo

profissional e nos tempos pessoais. Esse último sofre a angústia da ansiedade do tempo social

e escolar. Ouvindo as egressas, percebi que esse tempo profissional, em sua maioria, quase

sempre dá-se entender é entendido por elas como sendo um tempo ininterrupto, pois ―‗a noção

de tempo‘‖ remete a alguns aspectos do fluxo contínuo de acontecimentos em meio aos quais

os homens vivem, e dos quais eles mesmos fazem parte‖ (ELIAS, 1998, p. 13). Para o autor,

só é possível essa apreensão do sentido do tempo, porque as coisas estão se movendo e

modificando à medida que lidamos com elas em diversas sequências, pois pela memória e

linguagem somos capazes de situar o ‗quando‘ dos fatos e acontecimentos, dando a sensação

do antes e do depois, ou ainda mais cedo ou mais tarde. Isso demarca a existência e a

persistência do tempo chronos, que é ligado e acelerado e que termina por sufocar os tempos

pessoais.

O tempo ‗fora‘ do tempo profissional, também é entendido e tomado como algo que

está ali, preenchível, ordenado, retalhado pelos horários e negociando as coisas pessoais,

particulares ou coletivas:

Bom, eu procuro um segundinho que eu tiver com meu filho, eu procuro ouvir, entender o que ele tá falando, a

minha filha [...] Meu tempo fora da escola é isso. Pastoral, e as crianças vão junto, tem o canto das crianças, a

parte das crianças. Então, tá todo mundo junto, se é na igreja, todo mundo junto. Se vai no shopping, todo

mundo junto, se vai passear, é todo mundo junto [...] (Egressa 7, 2018)

Os demais tempos sofrem a mesma sensação, para ser validados, o ser-pessoa se

organiza de modo a ser conduzindo nas horas contabilizadas como que gastas para uma

atividade que não seja de trabalho, de igual modo, está sob o signo dos pêndulos. O estar

consigo mesmo e com os outros precisa caber nos ‗segundinhos‘ que são ordenados para

serem executados tal qual o planejamento da escola, para no final ter a sensação de ter feito

tudo que se planejou dentro do tempo reservado, sendo assim, a sua representação simbólica

do tempo.

Page 262: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

260

A forma de perceber e aprender o sentido do tempo pode ser entendido como um

aprendizado, que diz respeito a como cada um consegue se colocar em seu tempo no que se

refere ao trabalho profissional, seu meio social e cultural, bem como no âmbito pessoal.

Hoje em dia consigo separar, porque eu fiz numa forma pra mim fazer toda minha atividade na escola. Nem se

fosse pra mim ficar um tempinho a mais lá na escola, mas só que eu terminava todos os meus planejamentos,

todas as atividades que eu tinha que fazer na escola, porque a gente também tem que curtir um pouco, né?

Porque, muitas vezes, a gente leva pra sala... pra casa trabalho e a gente não tem tempo. Passa o seu sábado,

passa o seu domingo e você, vamos dizer assim, não fez nada pra você um pouquinho se aliviar, porque, às

vezes, a sala de aula é estressante. E você precisa desse tempo pra você, pra você fazer alguma coisa que você

gosta e não só ficar focada no trabalho, trabalho, trabalho. Eu, ano passado, eu consegui fazer assim, fazer

tudo o que era necessário na escola, nem se fosse pra mim ficar um tempinho a mais lá, porque eu só tava

trabalhando um período, Então, eu conseguia terminar tudo que eu tinha pra fazer na escola pra não levar nada

pra casa. (Egressa 5, 2018)

Para a referida egressa, fazer esse corte entre o tempo de trabalho e o pessoal foi uma

questão de aprendizado de uma possibilidade de se reorganizar nas demandas oriundas da

escola, pois nesse sentido, não era o tempo que se apresentava ‗insuficiente‘, mas as

responsabilidades do trabalho geravam sempre novas demandas a serem organizadas, ou

atendidas dentro do tempo reservado para o trabalho, o que não era possível, acarretando

demandas que, por sua vez, passavam a negociar com os outros tempos sociais-pessoais.

Para algumas egressas, essa separação ou corte temporal não existe, como revela a fala

da Egressa 1 (2018):

Eu, enquanto diretora, é diferente. Eu preciso estar aqui, às vezes, sábado, dia de domingo. É uma ocorrência.

É alguma coisa que acontece. É uma dedicação exclusiva mesmo.

Há situações em que quando se mora no mesmo bairro onde fica a escola, o

envolvimento atravessa os muros da escola, pois as necessidades do estudante de

aprendizagem estão vinculadas às suas necessidades de sobrevivência. Então, há buscas de

programas sociais para baixa renda, ações solidárias para atender situações urgentes como a

questão da fome, desnutrição, situação de risco de morte, abusos, vulnerabilidade e uso de

drogas.

Há uma percepção de um tempo dentro da escola e outra fora da escola, mas esses

tempos se confundem e se imbricam, pois o tempo do trabalho se mistura com o tempo

familiar e coletivo familiar, conforme continua a egressa a dizer:

Como desligar disso? Sendo que eu estou na escola do bairro. Estou na igreja do bairro. Estou no

supermercado do bairro. Estou na rua do bairro. Então, é difícil! (Egressa 1, 2018)

Há uma percepção que as horas da escola são só para se dedicar ao ensino de

conteúdo, sendo a realidade da sala de aula ou da gestão escolar, uma demanda de diversos

Page 263: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

261

trabalhos que requerem uma resposta na ordem do dia. Com isso, em geral, o planejamento, as

correções de produções dos alunos, a pesquisa para aprofundamento de algum conteúdo e

outros estudos complementares acontecem em casa e de modo solitário, como lembrou a

Egressa 2 (2018), ao constatar que:

Todo mundo reclama que tem que planejar em casa, mas, a maioria das vezes, a gente planeja em casa porque

não temos lugar adequado para planejar e, às vezes, na sala de professor não era ambiente planejado porque, a

gente entrava, o banheiro ficava bem de frente. Na verdade, a gente fica sozinha. Toda hora a gente conversa.

Não era um ambiente bom para planejar. Trocava pouca ideia com os professores, trocava rapidamente ideias,

ou trocava atividade.

A escola é um campo fértil para pesquisa, trocas de experiências, confrontos de ideias

e construções coletivas de projetos e intervenções. O tempo do trabalho escolar consegue ser

intenso, produtivo e improdutivo, pois tanto na sala de aula como na escola, de modo geral,

atravessam-se vários acontecimentos, encaminhamentos, tensões, negociações nas quais o

tempo social ‗exterior‘ à escola também rege os tempos da escola, pois o calendário escolar é

organizado em consonância ao calendário civil e os acontecimentos sociais costumam povoar

o espaço escolar.

Ao lado dessa realidade, temos os tempos dos estudantes com seus ritmos e

biorritmos, tanto biológicos, psicológicos como pedagógicos, os quais atravessam o tempo

dos professores. Por isso, é necessário pensar no tempo de escolar de modo a considerar os

contextos de aprendizagem e dos atores. Por isso, mais uma vez, observo, na composição das

biotecituras, a imposição do tempo chronos que trava duelos com os movimentos que

constroem a relação entre a auto-hetero e a ecoformação das egressas.

Quando me reporto ao tempo denominado ‗livre‘, ele, de igual modo, é cadenciado e

negociado e, muitas vezes, desconsiderado e tido como improdutivo, morto. Por isso, parece

que ele precisa ser habitado de modo a ser aproveitado. A respeito disso, a Egressa 1 (2018)

comentou:

Dizer pra você que está tudo em ordem, eu consigo trabalhar aqui consigo ter meu tempo de lazer, consigo dar

atenção pro meu marido pra minha filha, não, não consigo. Se tem alguma pessoa que consegue, ou se tem

alguém da educação que consiga, eu tiro o chapéu. Porque quando eu proponho fazer uma caminhada, vou sair

do sedentarismo, estou caminhando. Na época, eu estava caminhando e pensava no meu planejamento de aula

de amanhã. O que eu vou levar, eu tenho que comprar isso. Tenho que procurar isso na coordenação. Então, é

muito difícil desligar da educação.

Nesse mesmo sentido, a Egressa 23 (2018), ao se referir ao tempo profissional,

considera:

Eu vivo em função do tempo. Então, assim, eu me organizo conforme está ali. Então, assim, não tem como fugir.

Então, não tem como diferenciar. Vou me organizando conforme dá. (Egressa 23, 2018)

Page 264: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

262

Há uma necessidade de (des)ritmar o tempo profissional dos tempos pessoais. Isso não

significa que eles seguem separados, mas a relação de um com o outro é diferente. No ritmo

da atuação profissional de cada uma das egressas, a percepção do tempo ‗livre‘, de estar fora

de um contexto produtivo de trabalho, precisa ser pensada e tem precisa caber dentro da

sistemática do chronos, e ir se constituindo também mediante uma organização externa para

um sentir internamente despreocupado de tudo que lembra produção e contabilização. Assim,

a Egressa 3 (2018) expressa que:

Mas eu gosto muito de ter o tempo assim, livre, e eu preciso muito, pra ficar com os filhos, né? E ficar, às vezes,

[...] ter aquela tranquilidade, não me preocupar com nada, né? Mas eu vejo essa dificuldade de ter esse tempo

livre e me organizar.

O modo como se compreende e se apreende o tempo é no sentido de ‗uso‘, como

revela a fala da Egressa 11 (2018, grifo nosso):

De casa pro trabalho, do trabalho pra casa, não fazia nada além disso. Esse ano que ainda... consegui agora

atividade física, mas à noite, já pra não atrapalhar nem o tempo durante o dia. Durante o dia não dá mesmo,

mas aí eu estou tentando agora criar outras alternativas pra passar o meu tempo livre. Ano passado eu

pensava só em trabalho, de manhã, à tarde e à noite em casa. Falei que esse ano vou mudar. Não quero pensar

em trabalho à noite, pelo menos à noite, até pra eu descansar mesmo.

Esses conteúdos me fizeram lembrar os estudos do sociólogo alemão Hartmut Rosa

(2003) sobre a teoria da aceleração social que se vincula à dimensão temporal, infiltrando de

modo totalitário na experiência individual e coletiva, conduzindo, no meu entender, ao

esvaziamento do tempo livre frente ao completo preenchimento dele.

Retomando a incursão nas biotecituras das egressas, percebo a problemática que se

instalou pela força do chronos, ao expressarem que:

Tempo pra mim é o essencial. Você, na verdade, está determinado a isso, a sua vida se desenvolve através de

cada momento. Eu digo assim que o tempo é um momento de você desenvolver certas atividades, certas rotinas

diárias. Então, assim, tempo é o nosso... vou dizer que o tempo é o nosso pior desafio, e você tem 24 horas pra

poder se organizar na sua rotina diária. Então, assim, você, na verdade, está trabalhando contra ele, né?

(Egressa 23, 2018)

Eu acho que tenho passado por um momento tão novo, diferente que meio não consegue desligar muito do

trabalho não. Até dentro de casa lá está lembrando „ah, amanhã eu tenho isso pra fazer, eu tenho aquilo”‟ ela

não consegue desligar muito do trabalho não, mas eu vejo assim eu gosto muito do meu trabalho. Então, levá-

lo, pensar nele em casa, ou seja, em outros momentos não é algo que me deixa estressada. É algo que me traz

prazer. (Egressa 28, 2018)

Há uma busca de existir de mediante a coabitação ‗entre dois mundos‘ chronos, o aion

em busca do kairós e até de coexistência desses tempos. Esses tempos nos coabitam, nos

dividem e nos integram. Para a Egressa 28 (2018), mesmo que o tempo pessoal sofra o

cruzamento do tempo profissional e nele imprima marcadores temporais nas obrigações

rotineiras da vida pessoal, para ela, não há necessidade dessa separação de se desligar, pois há

Page 265: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

263

satisfação pessoal nessa relação. Na mesma direção de Rosa (2003), no sentido do

aceleramento, Pineau (2003) apresenta a esquizocronia como uma forma aguda de uma

cronopatologia que tende ao um tempo universal, em que se eliminam e se negam outras

possibilidades de dimensões temporais.

Na fala da egressa urge uma busca de dessincronização, uma quase suspensão de um

ritmo para desaceleração não social, mas pessoal, para se ter ao alcance a sua própria

temporalidade:

[...] quando eu tenho esse tempo livre, eu só quero ficar deitada. Não quero nem sair. Não quero nem... às vezes,

eu não quero nem assistir televisão porque parece que eu quero assim, ter uma paz na minha cabeça. [...] você

trabalha sexta, trabalha sábado e trabalha domingo. Aí segunda-feira volta. P arece que você não teve final de

semana. Não descansou nada e daí volta o batidão de novo. Aí você começa se sentir desmotivada porque você

sente que você tá trabalhando muito e parece que não tá dando conta das coisas. Então, às vezes, eu paro e

falo, „não, esse final de semana eu não vou mexer com isso porque senão [...]‟. (Egressa 12, 2018)

O ‗batidão‘ é o sacrifício dos corpos para se se ajustar ao ritmo do relógio. O corpo

físico deseja descanso, mas a cabeça não para, uma vez que está sincronizada no pêndulo das

horas. Diante desse algoz, Pineau (2003, p. 46) escreve que ―o respeito pelo relógio-quase se

tornou o culto totalitário moderno que dificilmente tolera aqueles e aquelas que a ele não se

sacrificam incondicionalmente‖. Para ele, o relógio se instalou na vida interna e externa da

humanidade ao ponto de ser análogo ao que a coleira é para o cão. Tornou-se um refém que é

conduzido pela ‗hora certa‘, o que passa a ser uma rotina, como descreve a egressa, ao revelar

que em sua jornada de trabalho:

Questão de horário, é hora disso, é hora daquilo. Por quê? Porque apesar de ser educação infantil, é um

momento corrido, né? Eles têm muitas coisas pra fazer durante um, período. Eu só dou aula a partir da uma da

tarde, então, da uma às cinco, eles têm muita coisa pra fazer. Eles têm inglês. Eles têm educação física. Eles têm

futsal, balé. Então, é muita informação. Então, eu costumo trabalhar muito com rotina, com rotina pra eu poder

conseguir, né? Estabelecer... conseguir alcançar os objetivos, porque senão, não consigo, se não tiver uma

rotina, eu não consigo. [...]. (Egressa 20, 2018)

No meu entendimento com base nas biotecituras, essa relação com o chronos é

intercruzada, e ora programada, ritmada para depois se dissipar no sentido da própria

subjetividade, como mencionou a Egressa 24 (2018):

Eu acho que o tempo, tempo é a gente que tem que procurar fazer da melhor forma tempo na vida da gente,

porque se você organizar ele certinho, você consegue realizar as tarefas de tudo, porque é corrido, hoje em dia,

o tempo nosso é corrido. Não tem como não ser... é bem corrido assim, ainda mais eu que sou dona de casa,

tenho três filhos e ainda tenho a creche pra tomar conta. É um tempo corrido, mas eu consigo organizar

tudinho, a minha vida mesmo, o meu tempo durante o dia.

Há um paradoxo nesse esforço de se colocar dentro de um tempo pré-estabelecido,

porque tudo precisa estar certinho e organizado. O que parece ser um fazer exterior para uma

satisfação interior, é a conciliação dos tempos.

Page 266: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

264

Há um desencadeamento de múltiplos sentidos na relação com o tempo, como

sinalizam as egressas, trazendo a sua percepção de sentir a esse respeito:

É, são muitos tempos, porque o tempo de trabalho talvez, pra mim, seja um pouco mais organizado. Agora, o

tempo que eu tenho, por exemplo, (pra) tá no tempo livre, eu não tenho tanta pressa eu acho. É diferente. No

trabalho, eu sou muito organizada, muito... né? E os outros tempos passam um pouco mais devagar, eu acho.

Que pensar no tempo de um jeito subjetivo é complicado. (Egressa 11, 2018)

[...] acho que se fosse colocar em dois grandes pedaços, eu ia colocar dessa maneira, o tempo da escola e o

tempo da não-escola. Porque o tempo da escola, ele é traçado, ele é extinto já, né? Você tem toda uma rotina

escolar, como você tem uma rotina dentro da sua casa também, dentro da escola vai ter a sua rotina, e aí você

minimamente vai cumprir algumas coisas estabelecidas naquela rotina. (Egressa 27, 2018)

Na vida profissional, o tempo do relógio e dos planejamentos imperam impondo

rotinas e a sensação de aceleração, quando se volta para a vida privada, é como se o tempo

pudesse ser ajustado por reconhecer ser um outro tempo dentro do tempo, como já foi dito

antes.

Nessa mesma perspectiva, compreendo a abordagem da Egressa 10 (2018), ao externar

que:

Na verdade, a palavra tempo, ela é turbilhões de emoções, de sentidos na minha cabeça atualmente. Tempo. O

tempo que hoje é corrido, o tempo que já não volta mais, o que já passou, o tempo que ainda está por vir, o

tempo que a gente não vai chegar a usufruir, porque o futuro a Deus pertence.

Nesse movimento de tensionamento, cruzamento dos tempos no espaço do vivido ou

do vir a ser entendo, que ―o porvir, o passado e o presente estão ligados no movimento de

temporalização‖ (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 577).

Perscrutando os tempos e as temporalidades das egressas, ao puxar cada fio dessa

parte da pesquisa que tece o aguayo, observei, nas biotecituras das egressas, a construção

social, cultural e linguística simbólica do tempo. Sua manifestação se expressa em múltiplas

percepções que se relacionam com suas vivências. Esse relacionar está no campo das

compreensões de si devido a um pensar a partir de si, como se tudo estivesse dentro, e que, ao

ser acessado, fizesse sentido no agora. Por isso, entendo que, nesse sentido, ―a reflexão só é

verdadeiramente reflexão se não se arrebata para fora de si mesma, se se conhece como

reflexão-sobre-um-irrefletido e, por conseguinte, como uma mudança de estrutura de nossa

existência‖ (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 97).

Nesse sentir perceptivelmente, compreendi que as egressas, em suas biotecituras, ao

parar diante de si, se percebem no movimento de suas temporalidades pessoais e profissionais,

e que a formação não se limita em uma só dimensão, como já dialogamos anteriormente, ela

se faz evolui permanentemente. O ser está no mundo com as coisas de modo inseparável. Em

razão disso, ―compreender o sujeito, não será em sua forma pura, mas procurando-o na

Page 267: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

265

intersecção de suas dimensões‖ (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 550). Essa intersecção parece

constituir as dimensões fronteiriças compreendidas em Pineau (2003), e com as quais busco

ganchos de compreensões da autoformação enquanto escolha pessoal de um poder

simbolístico, político e educativo do ser professor.

Entendo, com isso, em Pineau (2003, p. 149) que ―a autoformação permanente das

pessoas no decorrer de suas vidas representa um espaço-tempo privilegiado desta negociação

temporal‖, o que exige a conjugação de múltiplos tempos plurais ou até mesmo antagônicos.

É um aprendizado-formação.

Trazendo essas compressões para o tecimento do aguayo no sentido das tecituras que

se constituiu como um todo maior e mais complexo, é que saliento que ―o mundo é

inseparável do sujeito, mas de um sujeito que não é senão projeto do mundo, e o sujeito é

inseparável do mundo, mas de um mundo que ele mesmo projeta. O sujeito é o ser-no-mundo,

e o mundo permanece ―subjetivo‖ (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 576).

Passei a entender, com as biotecituras tecidas nesta parte do trabalho, que não é vista

por mim como somente uma parte do trabalho, mas como o movimento de fios, em que o

tempo foi compreendido e apreendido pelas egressas, ora de modo objetivo (pelos pêndulos),

ou de modo subjetivo, por sentirem suas ontologias a se desdobrar na passagem, no mover

dos pêndulos, pois se sentiram como seres no mundo sem se apartar das coisas, sendo

protagonistas de uma mudança contínua de si-mesmas.

Por isso, esse tempo/temporalidade foi expresso pelas egressas de vários modos, e eu

os percebi com elas como segue estampado no Quadro 5.

Page 268: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

266

Quadro 5 - Múltiplas percepções do tempo

Fonte: elaborado pela autora (2018).

De todos os modos, as expressões e compreensões, nas quais se inscrevem a percepção

de tempo/temporalidade, apareceram misturadas com as coisas da vida. Nesse mesmo fio do

aguayo vinculado à vida, Prigogine (1990, p. 28) apresenta sua compreensão sobre essa vida

que se deixa observar:

De acordo com meu ponto de vista, a vida exprime melhor do que qualquer outro

fenômeno físico algumas leis essenciais da natureza. A vida é o reino do não linear,

a vida é o reino da autonomia do tempo, é o reino da multiplicidade das estruturas

[...] a vida se caracteriza por essa instabilidade que faz que vejamos nascer e

desaparecer estruturas em tempos geológicos.

Desse modo, é bem provável que essa capacidade evolutiva de instabilidades que

atravessa esquemas estáticos históricos, biológicos e geológicos seja orientada pela força da

subjetividade.

Page 269: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

267

Em outro ponto de compreensão, quanto a essa relação ser-tempo, Elias (1998)

considera que as sociedades urbanizadas-industrializadas se distanciaram de elementos da

natureza que historicamente serviam de marcadores de cortes temporais, a exemplo da lua.

Por isso, mesmo que as pessoas estejam vivendo sob a pressão do tempo, não são capazes de

compreendê-lo. O autor considera que havendo uma experiência própria do tempo, o ser-

pessoa conseguiria compreender a si mesmo. Essa experiência própria, como lembra

Prigogine (1990), faz com que a vida do ser se exprima melhor com relação a si-mesmo e

também em relação à sua percepção de tempo. Ainda quando amplio esse diálogo, encontro

Pineau (2003, p. 16), que diz que, ―apoiar-se maneira formadora na alternância dia/noite, com

dimensões ao mesmo tempo cósmicas, biológicas e socioculturais, permite ritmar sua vida

cotidiana com os sons de várias origens (os próprios, os dos outros, das coisas) [...].‖. Quanto

a esse modo de inter-relacionar a vida humana, a natureza das coisas e de si mesmo, concordo

com os autores e nessa ação/reação/evolução, ancoro a minha compreensão da percepção de

tempo e temporalidade de cada egressa ao comporem ou gestarem suas biotecituras.

Essas percepções me suscitaram a seguinte indagação: como as egressas ressignificam

esse tempo que permeia a sua formação profissional docente? Essa questão não é outra

questão problema, mas uma indagação foi feita com a intenção de me ajudar a retomar o

objetivo geral proposto para esta tese: ―compreender as implicações de tempo e da

temporalidade na tecitura e ressignificação da formação profissional de egressos de um curso

de Licenciatura em Pedagogia, examinando o seu constituir-se profissionalmente para além

do tempo e temporalidades hegemônicas que venham a condicionar seu trabalho‖. Espero ir

respondendo essa indagação ao logo deste trabalho. Por ora, no que tange às suas implicações,

digo que o tempo implica na qualidade da atuação profissional das egressas, pois sentem a

escassez dele devido às demandas (relatórios a serem preenchidos, sistema a serem

alimentados e suas burocracias, as comemorações, os projetos da escola, reuniões etc.), os

quais atravessam suas jornadas de trabalho. O tempo na escola se esgota quase sempre na sala

de aula, não restando possibilidade de trocas de experiências, socializações de ações

pedagógicas bem-sucedidas entre os pares. O próprio ambiente escolar, muitas vezes, não

possui uma estrutura de acomodação dos professores para trocas ou momentos de reflexões no

coletivo.

E, de igual forma, ele tem implicância na formação permanente, pois há quem tenha

jornada tripla de trabalho. E estar em um curso ou em formações no terceiro turno de um dia

intenso de trabalho é um peso a ser considerado como exigente e de pouco aproveitamento;

estar na formação promovida pelo sistema de ensino em hora atividade empurra ainda mais a

Page 270: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

268

jornada da escola para dentro da vida privada do professor, que tem que negociá-lo com sua

vida pessoal gerando um embate constante.

Considerando esses pontos de compreensões, busquei distender no fio auxiliar, o qual

segue ladeando e ora intercruzando os fios das dimensões formativas que elegi para

desenvolver as entrevistas. Entre os tempos performáticos e formadores, consta um desafio no

campo da práxis profissional.

4.5.1 Entre tempos performáticos-esquizocrônicos e tempos formadores

Trazer o conceito de tempos e temporalidades para o diálogo da formação do

profissional docente em uma perspectiva de formação permanente remete a pensar e situar os

colaboradores desta pesquisa com suas biotecituras dentro de um contexto social e

educacional mais amplo. Pensar no ser da percepção como compreende Pineau (2003)

significa considerar a singularidade de suas vidas compreendidas em tempos plurais. Assim,

como os tempos são plurais e atravessam a vida, o contexto sociocultural e educacional

também se imbrica nesses tempos e nessas temporalidades pessoais.

Ora, digo que os contextos social, econômico e profissional docente, vinculado ao

mundo do trabalho na contemporaneidade, que apresenta um cenário de múltiplas tensões,

reflexões construções e desconstruções frente a essa profissão docente e, de modo singular, a

política educacional no que tange ao cenário brasileiro. Mas, não é meu objetivo retratá-la

neste momento, o que implicaria outro trabalho. Menciono essa realidade para situar de onde

estou falando.

Nessa perspectiva, pesquisas de várias áreas de conhecimento salientam conquistas

promissoras, principalmente considerando os avanços tecnológicos que estão presentes em

todos os campos de estudos científicos em âmbito nacional e internacional.

No que tange à formação de professores, de fato, não seria prudente desconsiderá-la

ou separá-la do contexto educacional brasileiro mais amplo, muito menos do político-sócio-

econômico. Isso requer lucidez, pois esses avanços científicos e tecnológicos nem sempre são

assumidos para suprir necessidades e interesses coletivos, sejam eles sociais ou educacionais.

De modo geral, eles sustentam uma política de competitividade econômica e travam duelos

entre instituições e pessoas. Geralmente, seus objetivos são ancorados no controle de

mercado, em produtos de fácil circulação/aceitação, rentabilidade, padronização e

competitividade e essa cultura acaba chegando às escolas e instituições superiores de ensino.

Essas novas formas de estruturas são também, conforme Ball (2001, p. 05), ―novas tecnologia

de políticas que ―produzem‖ ou promovem novos valores, novas relações e novas

Page 271: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

269

subjetividades [...]‖. Essa cultura é tomada pelo autor como sendo a performatividade, que

passa a ser entendida como ―uma tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação

que emprega julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controle, atrito e

mudança. (BALL, 2005, p. 543), inaugurando, a meu entender, tempos performáticos e

esquizocrônicos em combate com outros tempos sociais e pessoais. A esse respeito, Pineau

(2003) alerta para o fortalecimento do que ele chama de cronopatologia. Processos de

dessincronização e diluição temporal, despontando uma forma mais aguda intitulada por ele

de esquizocronia, que, a meu ver, é a difícil conjugação das temporalidades com uma

tendência de produzir e induzir outros tempos. Assim, o autor ressalta que:

[...] mostra a cisão de um outro tipo de tempo que produz o uso automático da única

plataforma do tempo universal: ela separa da produção o que pode ser denominado

mesotempo pessoal, do qual a pessoa deve se apossar, dar a si mesma para existir

como meio específico entre o biólogo, o social e o cósmico. Esta cisão – esta

esquizocronia – difere das outras por não ser a separação dos tempos já existentes,

mas a da produção de novos tempos singulares, pessoais. (PINEAU, 2004, p. 50)

Nesse viés de compreensão do referido autor, chamo atenção para a insistência para

naturalização de tempos hegemônicos sociais e pessoais, que se nutrem e se fortalecem desses

tempos performáticos e esquizocrônicos, os quais tendem a eliminar, silenciar toda

possibilidade de pensar que pode existir-coexistir outras dimensões de tempos válidos. Há um

esforço desse tempo absoluto universal de se impor e travar duelos com as temporalidades

pessoais que reivindicam sua sincronização. Foi o que consegui observar nas biotecituras que

passo a dialogar nesta etapa do trabalho.

Nesse espaço-tempo de exposição e inserção na prática docente, observei, por meio

das biotecituras de cada uma, a composição de sua trajetória, suas experiências e memórias,

pois como expressou Pineau (2003, p. 16), as ―histórias de vida em formação permitem a

criação de novas historicidades‖. Os excertos das biotecituras me aproximaram da

compreensão de suas percepções frente ao tempo performático e à urgência de tempos

formadores.

Ao me deparar com a fala da Egressa 2 (2018, grifo nosso), uma luz de curiosidade e

preocupação acendeu quando declarou que:

O tempo do trabalho, o tempo do professor e a vida pessoal. A questão é que, a vida profissional toma mais

conta da vida da gente do que pessoal, porque a gente fica muito tempo planejando. É uma coisa que demora

muito, porque você senta no computador, você vê aquela atividade, aí você procura um vídeo, você ainda vai

montar o que você quer fazer. Eu acho que a vida do professor, ela é muito exaustiva, porque assim, a gente não

planeja na escola, a gente planeja em casa. A gente está lá sozinha, o tempo profissional é maior do que o

pessoal. E se você quiser mais tempo pessoal, você tem que deixar de lado e, às vezes, atrasa, né! Aí você deixa

atrasar as suas coisas para fazer um passeio, para poder ir para Chapada. Aí você escolhe, vou largar hoje!!!

Escolhe uma coisa ou outra.

Page 272: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

270

Diante dessa comunicação de percepção e relação com o tempo, comecei a me

preocupar, pois o tempo surge cindido, o tempo pessoal das coisas que são ligadas ao

cotidiano da vida, já não coincidem com o tempo profissional, mais que isso, um é capaz de

sobrepor-se ao outro com dispositivos de descontinuidades de um em detrimento do outro. As

‗coisas‘ passam ser parte de si-mesma e a vida privada passa a ser extensão de si, pois não se

identifica com os tempos livres. A ponto de o tempo pessoal e coletivo familiar serem um

disfarce do tempo do trabalho, um intervalo do cronosprofissional, como desabafou a Egressa

20 (2018):

A gente que é professor, é difícil diferenciar, né? Uma coisa da outra, porque acaba que a gente tem uma...

estabelece um comportamento de estar vinculado sempre ao seu trabalho, não tem como. Você tá em casa, „ah,

esse final de semana eu vou fazer o quê? Ah, eu tenho que fazer o plano, mas aí de tal a tal hora eu faço o plano,

de tal a tal hora eu faço tal coisa‟. Então, a gente não tem muito uma divisão de tempo de escola, de trabalho

com os demais tempos, né? Mas eu tento, eu tento. Tem dia, assim, que eu não faço nada relacionado ao

trabalho mesmo, fico com ele, com o meu filho e aí a gente consegue dar uma disfarçada do trabalho.

Na direção que essas falas me possibilitaram olhar, concordo com Pineau (2003),

quando aponta a colonização dos tempos livres, que impede, muitas vezes, esse movimento de

circularidade e completude como um sincronizador socioeducativo de uma articulação

formadora entre os tempos, entre teoria/prática, ação/reflexão. Trata-se do que Ball (2002)

também nomeia de ―a colonização das suas vidas‖, pois estas formas de colonização/

regulação e autorregulação tendem a abarcar a dimensão social, pessoal e interpessoal.

Compreendo, nas falas de várias egressas, desde sua dimensão pessoal, que existe um

embate temporal existencial de suas temporalidades, pois ―o tempo vivenciado, as diferentes

experiências dos tempos diários – curtos e longos – são na maioria experiência de

impotência‖ (PINEAU, 2003, p. 50). E essa incapacidade de viver a sincronização de tempos

pessoais com outros tempos ambientais, para o referido autor, pode estar concretizado nesse

aspecto ―a forma fundamental da esquizocronia, da alienação, da coisificação da existência‖

(PINEAU, 2003, p. 50-51). O uso do tempo fica mais em função de uma contabilização

objetiva de horas regidas pelo signo do relógio, do que aos ritmos e biorritimos pessoais e

sociais.

O tempo e a temporalidade compreendidos nas biotecituras são simultaneamente

múltiplos e únicos. Defrontei-me com percepções de tempos sociais-hegemônicos cortando os

tempos pessoais e profissionais. Há um intercruzamento de tempos pessoais e tempos

regulatórios orientados por sincronizadores chronoperformáticos, como pude observar nos

excertos das biotecituras, quando as egressas enfatizaram que:

Page 273: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

271

O relógio. Falo assim (tempo) pelo menos é o primeiro pensamento que vem, o relógio, porque é o que

determina. Eu acordo cinco da manhã e durmo 11 da noite. Tudo na minha vida é controlado pelo relógio. Eu

não consigo pensar em tempo de uma forma subjetiva, por exemplo, assim, tempo, só consigo pensar mesmo

nisso aqui, só no objeto mesmo. (Egressa 11, 2018)

O tempo que eu tenho do dia, o tempo que eu tenho à noite, o tempo que eu tenho pra acordar, pra chegar no

trabalho. Eu acho que é mais basicamente o que vem na cabeça a questão do relógio, do relógio, do dia seu ser

dividido em várias horas, que naquela hora você tem que fazer tal coisa, que você tem que almoçar dentro de

uma hora, e que daqui a pouco você tem... sempre tem uma hora certa pra começar as coisas da gente, né?

(Egressa 13, 2018)

Nas falas das egressas há muitos sinais ou indícios que possibilitam compreender uma

atuação profissional em que predomina um tempo exigente no sentido do preenchimento e da

necessidade da utilidade em especializá-lo. O relógio e a hora certa entram nas subjetividades

como instrumentos de domesticação e disciplina. Tal realidade é apresentada pela Egressa 9

(2018), ao esclarecer:

Disciplina é comigo mesmo. Eu tenho que estar me policiando quanto ao tempo de tudo. Você tem que

administrar o tempo. O tempo todo e estar conciliando o pessoal com o profissional, o tempo todo. Todos os

minutos na sala, „agora é isso, depois disso é isso e agora é o intervalo, eu vou usar pra eu ir ao banheiro. Aí

depois na hora do almoço, eu vou almoçar, nesse tempo eu posso estar fazendo isso‟. Aí termina, você volta pra

sala de aula. E tudo de novo. Você administrando o tempo.

A sensação é de se estar à frente do tempo para objetivá-lo dentro de uma concepção

disciplinadora tanto dos corpos, das mentes como das coisas. Diante disso, há uma

emergência de pensar e repensar um novo processo formador no qual essa racionalidade

técnica, muitas vezes reducionista, possa dialogar com epistemologias calcadas na

complexidade inerente ao ser-pessoa de modo contextualizado e relacional, que possivelmente

possa ajudar a lidar e até superar fissuras entre as relações sujeito/objeto ou ser e as coisas.

Se há uma negociação dos tempos, é porque há um nível de percepção de seu modo de

compreendê-lo, como fala a Egressa 16 (2018):

O meu tempo de atuação profissional, eu cobro ele muito linear, às vezes, porque eu penso assim, eu já me

formei vai fazer tanto tempo, então, eu já tinha que ter, eu já tinha que fazer, eu já tinha que ser ou... sabe?

Então, assim, às vezes, eu me cobro muito no sentido de... como se fosse uma escada. E hoje, conversando com

você, eu percebo que eu tenho subido essa escada, mas não do jeito que talvez eu pensava inicialmente, mas eu

já percorri muita coisa.

Considerando essas trajetórias, é inegável que haja um contexto mais amplo se

impondo nos contextos menores, urgindo a necessidade da produção ―denominada de

mesotempo pessoal do qual a pessoa deve se apossar, dar a si mesma para existir como meio

específico entre o biológico, o social e o cósmico‖ (PINEAU, 2003, p. 50). Reiteradamente,

observo essa reivindicação da necessidade de conjugar esses tempos para trabalhar, o que o

autor considera ser a difícil sincronização dos movimentos.

Page 274: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

272

Avançamos para outro aspecto da educação-formação, há um entendimento que não

seja um consenso que o que está determinado nacionalmente para a Educação orientará o que

será assumido nos estados/municípios e, consequentemente, em cada núcleo de ensino, que é

a escola. E, nessa veia de conduções legais, há sempre uma política educacional que conforme

o contexto histórico social vem sendo calcada, ora em princípios de concepções pedagógicas

consideradas mais tradicionais, racionalistas e técnicas e, em outro, em tentativas de formular

concepções pedagógicas de compreensão de diversas áreas de estudos, estabelecendo, por

conseguinte, interfaces epistêmicas. De qualquer forma, elas alcançam a práxis profissional,

seja ela escolar ou não escolar, neste caso, da atuação da Pedagogia, como está assinalado na

fala da Egressa 10 (2018) ao expressar:

A forma que eu dei uma aula, que não deu certo, que eu quero fazer de outro jeito, que eu quero colocar isso,

que eu quero tirar aquilo. Então, eu vou fazendo essa dinâmica. Como eu falei pra senhora, cada ano a gente

passa, a gente... a gente aprende mais. Mas eu acho que eu aprendo mais ainda porque eu sou uma pessoa

muito curiosa e fico tentando casar as coisas da melhor forma... da melhor forma possível. E aí hoje, que nem

eu falei pra senhora, esse ano eu quero administrar bem certinho essa questão de orientação de secretaria, é

livro de Pnaic... livro de Pnaic, é isso, aquilo, é livro do MEC que vem pra você desenvolver, projeto da escola

que você tem que desenvolver. Então, você tem que... você tem que ser assim, viver naquela constante alerta de

tudo o que você precisa fazer e desenvolver [...].

O espaço-tempo de atuação da professora egressa suscita a necessidade de processos

intencionais e planejados, que possibilitem mudanças paradigmáticas em vista de um pensar-

agir de modo relacional com os processos de movimentos auto-hetero-eco-formadores

imprescindíveis ao nosso momento histórico-social, cultural do ser-pessoa não mecanizados.

Pois, o que a egressa chama de ―constante alerta de tudo‖, a meu ver, engessa os processos

subjetivos naturais que são observáveis só no solo da prática no olho a olho dos sujeitos em

relação. Há sensação de se estar metaforicamente engaiolada-presa no tempo chronos, como

disse a egressa:

Eu tento me planejar porque com essa vida corrida, você tem que meio que cronometrar, né? Tem o tempo de

trabalhar que você não tem como fugir, a gente tem os horários pra cumprir, né, chegar, sair, então, não tem

como fugir disso. (Egressa 30, 2018)

O que me traz à tona o pensamento sobre o tempo enquanto um elemento simbólico

social aprendido, que é compreendido em Elias (1998, p. 20), ao chamar a atenção dizendo

que:

O fato de os homens deverem e poderem se orientar em seu mundo adquirindo um

saber, e de, com isso, sua vida individual e coletiva depender totalmente da

aprendizagem de símbolos sociais, é uma das particularidades que diferenciam o ser

humano de todos os outros seres vivos. Ora, o tempo faz parte dos símbolos que os

homens são capazes de aprender e com os quais, em certa etapa da evolução da

sociedade, são obrigados a se familiarizar, como meios de orientação.

Page 275: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

273

Ele nos diz isso por ser o tempo a decorrência de uma síntese aprendida e, esse, por

sua vez, exerce em nós uma coerção tal, que quando mencionei a gaiola, a egressa disse que

não tem como fugir. E essa análise simbólica se distancia cada vez mais das questões da

natureza, por colocarmos sua sincronização no automático.

Trazendo para a compreensão, em seus múltiplos aspectos, no ato de planejar precisa-

se saber lidar com as situações de incertezas e situações inesperadas que nem sempre podem

ser resolvidas em um plano racional de um sistema fechado. Mais uma vez, o controle

aparente do tempo chronos exige flexibilização dos processos:

É tudo muito corrido, né? Você começa em fevereiro, quando você percebe, já está terminando o primeiro

bimestre, e aí cada dia mais a gente tem mais funções, como professora, mais função, funções de lançamento de

aula, de relatório, de diagnóstico que você tem que fazer no final do mês. Você tem que cumprir o calendário

escolar. Você tem que cumprir o plano de curso, cumprir com todos os... como é que eu posso dizer? Com os

conteúdos que tem que ser aplicados naquele período, com o plano anual, com o plano bimestral [...]. (Egressa

13, 2018)

Nessa percepção das egressas, o tempo aparece de modos múltiplos, mas com forte

traço de um dado que se objetiva no mundo, ele se filia aos objetos da natureza, gerando um

paradoxo entre o tangível e intangível devido aos seus vários graus de relações, percepções e

apreensões no campo das experiências pessoais, sociais e profissionais. Essas compreensões

se constituem representações subjetivas que se cruzam e se enraízam na natureza humana:

O tempo parece ser muito pequeno dentro de tanto que a gente tem que fazer, e tudo que a gente... aí, às vezes,

você fala, „nossa, não deu tempo nem de fazer isso, já acabou o primeiro bimestre‟, aí final de mês tem

relatório. Aí final de mês tem diagnóstico. Final do bimestre tem relatório, tem sistema pra fechar. Muito

corrido, tudo muito corrido. E quem trabalha 40 horas, aí que não sobra tempo pra nada, sai de uma sala entra

na outra. (Egressa 13, 2018, grifo nosso)

Considerando essas falas, recorro a Ball (2001), que lembra que em diferentes

sociedades surgem novas tecnologias de políticas capazes de produzir e reproduzir novas

ferramentas de disciplina (novas práticas de trabalho e novas subjetividades de trabalhadores),

conduzindo os protagonistas para novos modos de regulação social e privada.

[...] eu fico desde a hora que eu acordo até a hora que eu vou dormir, assim, com a cabeça ocupada, e me falta

tempo, se eu não falar assim, „esse final de semana eu vou reservar pra mim‟, eu só trabalho e não faço mais

nada porque é muita coisa, ainda mais dentro da sala de aula, e aí eu trabalho os dois períodos, e o meu

intervalo de um período pro outro é uma hora só. Então, eu não consigo, tempo é o que me falta [...]. Eu vivo

correndo atrás do tempo. (Egressa 12, 2018)

A esse respeito, me apoio em Elias (1998, p. 97), que explicita que:

[...] as configurações móveis que servem para a determinação temporal dos

acontecimentos são transformadas pelos habitus sociais dos espectadores em

representações simbólicas de momentos puros do escoamento de um ‗tempo

imaterial‘. E este, segundo a expressão consagrada, parece ‗seguir seu curso‘,

independentemente de qualquer movimento físico e qualquer testemunho humano.

Page 276: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

274

Vai-se aprendendo que por poder datar, marcar e candência o ‗tempo‘, posso estar na

hora certa, chegar antes dela ou me atrasar no tempo, sem considerar os marcadores como

quadros de referência da representação simbólica.

Por conseguinte, nesse cenário, há uma lógica produtivista e reprodutivista que é

negociada, e que surge como uma espécie de competição entre os sujeitos, grupos ou de

grupos, e que reproduz configurações sociais do tempo. Assim, as ações fracionam o tempo

em unidades de medidas a serem distribuídas. Por isso, o tempo começa a ‗faltar‘ ou se

‗esgotar‘. ―[...] classificações e graduações, introduzidas na competição entre grupos, podem

criar sentimentos individuais de orgulho, culpa, vergonha e inveja eles têm uma dimensão

(status) emocional, assim como racionalidade e objetividade‖ (BALL, 2002, p. 10-11).

Esse tensionamento de forças que se confrontam na realidade da prática pedagógica

aparece na fala da Egressa 10 (2018):

É como se alguém superior desse uma ordem pra senhora, pra você, aí chega outra pessoa aí te dá uma segunda

ordem, e aí vem outra pessoa e te dá uma segunda ordem, aí você fica atolado de coisas pra você fazer e você

não sabe bem ao certo quem você atende, como você atende. Mas eu estou desvendando. Em nome de Jesus, eu

vou conseguir, porque eu sou superexigente comigo mesmo. Então, frustração vem de monte em mim quando eu

não consigo.

Frequentemente, a incerteza da condução da ação interfere na reflexão e,

consequentemente, na ressignificação dela. Em alguns casos, realmente há um desvendar, tirar

a venda, pois o que se exige produzir da e na prática não coaduna com o processo real. Nessa

arena de disputas, as forças impositivas do imperativo de indicadores querem aferir resultados

que dizem respeito às práticas educacionais e o desempenho dos estudantes. Essas forças

buscam estabelecer-se como válidas e legítimas. Todavia, a realidade é dispare, o que pode

possibilitar movimentos de recontextualização de valores pessoais, culturais e sociais

diversos, mesmo diante das orientações hegemônicas, em que as tecituras de novas

interpretações possam ajudar a reestruturar políticas humanizadoras mais engajadas na

sociedade, e de igual modo, que possam orientar a melhoria dos resultados do conjunto do

sistema de ensino. Diante desses contextos, Ball (2002, p. 09) lembra que:

A questão não é a da possível certeza de se ser sempre visto, observado como num

‗panóptico‘. A questão é a incerteza e instabilidade de se ser julgado de diferentes

maneiras, por diferentes meios, através de diferentes agentes e agências e a

exigência de termos de mostrar desempenhos excelentes, ou pelo menos credíveis,

coletiva ou individualmente, em momentos de revisão, avaliação/apreciação e

inspeção. É o fluxo de exigências em mudança, expectativas e indicadores que nos

torna continuamente responsáveis e constantemente observados.

Essa preocupação apresentada pelo referido autor é uma realidade constante na vida

das egressas, estejam elas diretamente na sala de aula, na gestão escolar, em condução de

Page 277: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

275

formações continuadas ou em outros espaços de atuação da Pedagogia. O que se espera é um

resultado do ponto de vista avaliável aceitável. Por isso, em várias biotecituras, observei um

‗estado de vigia‘, como destaco ao trazer a colocação da Egressa 12 (2018, grifo nosso), ao

dizer que:

[...] no início, o ano passado, era tanta cobrança que eu recebia que eu ficava sempre com a sensação de que eu

não tava dando conta do meu trabalho, de que eu não tava fazendo as coisas direito. E isso é horrível porque

você tá trabalhando, tá se dedicando e sempre tem uma cobrança a mais. Então, você fala, „poxa, tudo que eu tô

fazendo não tá tendo resultado nenhum? Não é possível que toda dedicação que eu tenho não tá tendo nenhum

resultado. Será que eu tô...?‟. Você começa a se sentir meio que um lixo assim [...]. Porque eu não gosto de

trabalhar com a sensação de que eu não tô dando conta do recado. Eu detesto ter a sensação de que eu tô

falhando em alguma coisa. E aí no meu trabalho, que é o que eu tô dedicando a minha vida, eu não tá

atingindo o resultado esperado, o objetivo esperado, isso é muito desmotivante.

Diante dessa colocação da egressa, entendo que há uma política da eficiência sempre

orientada para um resultado que você pode sempre ir além, como se tivéssemos uma régua

horizontal que tende a atingir um ponto vertical imaginário, o qual nunca se alcança a

contenda, pois não há consenso. E para Ball (2010), há um discurso de poder, no qual se

discutem os campos das resistências e das acomodações, emergindo na educação uma nova

forma de regulação que produz e reproduz novas formas de gestão e relações nas

organizações. A esse respeito, o autor destaca que:

O ato de ensinar e a subjetividade do professor estão ambos profundamente

alterados dentro desta nova visão de gestão (de qualidade e excelência) e das novas

formas de controlo empresarial (através do marketing e da competição). Dois

efeitos, aparentemente em conflito, são conseguidos; um aumento da

individualização, incluindo a destruição de solidariedades baseadas numa identidade

profissional comum, e a filiação em sindicatos, contra a construção de novas formas

institucionais de filiação e ‗comunidade‘, baseada numa cultura de empresa. Isto

envolve o ‗retrabalhar‘ das relações entre o comprometimento e empenhamento

individuais e a ação na organização [...]. (BALL, 2002, p. 09)

Mesmo considerando a educação em seu espaço público, os seus atores, os

profissionais docentes, têm suas atuações e formações em um nível que caracteriza a

instituições privadas a partir dos moldes empresariais. Nesse aspecto, a performatividade vem

conquistando espaço e adeptos, pois há uma busca por excelência, em que o indivíduo, para

ser aceito, visto e considerado, precisa competir entre seus pares. Abandona-se, com isso, um

projeto de uma sociedade em formação, difundindo-se ou fundindo-se em pequenos grupos ou

ainda, resumindo em indivíduos solitários, sem sua representatividade profissional coletiva,

tornando-se um profissional comum.

Ainda, o que é mais assolador, para autor em questão, é que nem sempre é muito claro

o que se espera dos professores diante de uma variação de questões que povoam a regulação

das necessidades do mercado educacional. Aqui caberia pensar a ausência da discussão de um

Page 278: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

276

projeto de educação dentro de uma política que se diz de estado, mas que, ao contrário, é

regida por regimes totalitários.

Tendo por referência essa instabilidade no discurso da política de educação e da

formação de professores, há um esvaziamento de sentidos e processos humanos do ser

professor como sendo ele mesmo o protagonista de seus aprendizados, consequentemente, há

uma desconstrução social subjetiva de sua autoformação.

A esse sentido, García (1999), em suas trajetórias de estudos da formação, me ajudou

a pensar a formação de professores dentro de uma necessidade de entendê-la em um contexto

de trabalho com outros professores dentro de uma equipe, pois considerando cada realidade,

há de se pensar estilos de formações próprias de cada grupo.

Ainda, García (2009, p. 86) nos esclarece que ―[...] converter-se em professor se

constitui num processo complexo, que se caracteriza por sua natureza multidimensional,

idiossincrática e contextual‖, o que, a meu entender, se vincula diretamente com a formação

permanente e o combate e ressignificação dos tempos performáticos e esquizocrônicos.

Nas análises construídas até aqui, compreendo questões que englobam a história

pessoal em disputas entre temporalidades diversas que corroboram em produzir implicações

nos tempos que se imbricam no desenvolvimento humano-profissional. Isso configura um

permanente ringue de disputas e conflitos entre os tempos sociais hegemônicos e pessoais

implicados na constituição do humano.

Diante disso, Pineau (2003, p. 55-56) me ajuda a compreender que:

Esta fragmentação e esta desagregação impedem compreender e utilizar esta relação

como relação chave que permite reforçar a dimensão educativa destas diferentes

tentativas de controlar o tempo e vê-las como elementos importantes de um

movimento cronoformador coma amplitude da esquizocronia combatida

Encontro em Pineau (2003) ressonância em tomar tempos no plural, defender a

existência de tempos formadores. Assumo, com o autor, a concepção de pensar a

cronoformação como uma experiência vivida e organizada nas etapas das formações humanas

e profissionais, tendo o tempo como formador. Em virtude disso, compreendo que ele ―deixa

de ser unicamente um objeto transcendental, apanágio de especulações filosóficas

arrebatadas‖ (PINEAU, 2003, p. 15). Ele passa a se correlacionar e cocriar com o ser como

processo de formação permanente. O tempo humano serve como objeto de formação

permanente onde os diversos momentos da vida caracterizam-se como percursos formativos.

Com isso, busca-se ―libertar de um cronocentrismo unidimensional e unidirecional encerrando

os comportamentos e as conceitualizações dentro de um sentido homogêneo e irreversível‖

(PINEAU, 2003, p. 56).

Page 279: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

277

Ora, para esses movimentos de fios humanos do sentir-se a si mesmo como tecelão de

sua vida, Pineau (2003, p. 211) diz ―que para o sujeito identificado com a própria vida, trata-

se de um movimento de autorreferenciação, onde ele passa a ser objeto. É um movimento

autodiferenciador de desidentificação, por dobrar-se reflexivo e desdobrar-se narrativo‖.

No movimento dos tempos-formativos pessoais e sociais, podem acontecer a

imposições de tempos intensos e tensos de hetero-formação como totalidade da formação. Por

isso, assumo, com Pineau (2003), a busca nas biotecituras de delinear no sentido de fios novos

(novos conhecimentos), de um novo tempo neocultural de auto-ecoformação, que faz da

formação um processo permanente. O que corrobora entender que a formação, para ser

compreendida como função da evolução humana, para ―[...] transformar tudo em formação

permanente implica transformar a formação‖. (PINEAU, 2003, p. 164). E os empates nas

fronteiras (PINEAU, 2003) como um mito revolucionário na educação permanente dos

tempos, é a apropriação dos tempos pessoais e sociais.

A intensificação dos ritmos de vida e trabalho aparece como uma característica de um

traço comum nas falas das egressas e essas intensidades e extensões que se instalam na vida

pessoal forjam outras formas de dominação e controle das subjetividades diversas. Diante

desse signo do chronos que se impõe, considero que o caminho para a formação permanente,

para a autonomia corresponsável pressupõe uma apropriação crítica de seu próprio tempo e

habitá-lo, construindo sentido para vida pessoal e profissional, constituindo uma racionalidade

aberta/diversa que considera e valoriza a ontologia do ser-pessoa em mudança e em evolução

permanente.

Nessa perspectiva, a experiência do outro, no caso, das egressas, passa a ser educativa,

socioeducativa e formadora entre seus pares, o que requer pensar a construção do

conhecimento científico em suas bases.

Page 280: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

278

CONSIDERAÇÕES FINAIS: FIOS DE ENTREMEIOS

Para este trabalho, decidi construir todo o movimento da pesquisa

correlacionando-a nos fios do aguayo, tecido multicolorido que é a expressão

cultural e identitária da constituição da vida do povo andino. Foi nessa perspectiva

que busquei inspirações considerando a construção dos processos de formação que

abarcam a vida pessoal e profissional do docente egresso do curso de Pedagogia,

sendo que tal processo é enraizado nas coisas da vida, tal qual esse tecido que teve

seus fios estendidos nos teares artesanais e manuseados por tecelãs.

Elegi a fiação da tecitura de seus fios em todas as etapas desta pesquisa

para finalmente serem tensionados no movimento das dimensões nas biotecituras

das egressas do curso de Pedagogia da UFMT, pertencentes às turmas

concluintes nos anos de 2009 e 2013.

Ao chegar nas considerações deste trabalho, assumo trazer para o texto as

egressas, referindo-me a elas como professoras, pois é o que são as 30

colaboradoras desta pesquisa. Esse olhar me permite situá-las ora no curso, ora

em suas atuações profissionais. Já os excertos foram apresentados no corpo do

trabalho respeitando o que foi decidido, que foi nomeá-las como ―Egressa‖.

No tocante ao tecido aguayo, doravante se constitui os fios e as tramas

desse grupo de professoras tecelãs de si-mesmas nos processos humanos e

profissionais de suas formações. Agora, a cultura guardada ressignificada nesses

fios que teceram novos aguayos experienciais humanos anunciam as construções

e reconstruções forjadas nos processos formativos da Pedagogia e seus

inacabamentos.

A jornada de estudos para a pesquisa assumiu a formação inicial e

permanente como constitutivos do processo de desenvolvimento profissional,

que acontecem de modo entrelaçado e aberto, com várias dimensões permeadas

por tempos e temporalidades, que comunicam a presença dos movimentos auto-

hetero- e-ecoformativos, que estão intrinsecamente imbricados.

Page 281: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

279

A formação é assumida como permanente por estar tecida em tempos plurais,

biológicos, físicos, culturais, sociais e profissionais. Concordo com Pineau (2003, p. 145),

quando enfatiza que o conhecimento ―dos tempos pessoais ainda está quase isolado como

objeto de conhecimento‖, e que é entrelaçado por múltiplas temporalidades que implicam e

imbricam com a formação humana. O autor referido nos provoca a pensar em novos tempos

educativos observando a formação permanente no decurso da vida. Há um entendimento que

existem tempos plurais que precisam ser conjugados, sendo que ―é importante conjugá-los na

1ª pessoa do singular [...] essa competência não é inata e seu aprendizado não se interrompe

na conjugação dos verbos na escola‖ (PINEAU (2003, p. 149). Essa concordância dos tempos

plurais é um exigente aprendizado que avança em todas as fases da vida, atravessa a idade

escolar e por isso mesmo, se torna um aprendizado permanente na base da construção dos

deveres pessoais e socioculturais.

Ao retomar o objetivo central desta pesquisa, que é ―compreender as implicações de

tempo e da temporalidade na tecitura e ressignificação da formação profissional de egressos

de um curso de Licenciatura em Pedagogia, examinando o seu constituir-se profissionalmente

para além do tempo e temporalidades hegemônicas que venham a condicionar seu trabalho‖,

observei que essas implicações aparecem nos relatos das professoras desde a dimensão

pessoal e se estendem à vida profissional. Além disso, de muitos modos, percebi que as

professoras têm a compreensão desses tempos múltiplos que atravessam suas experiências

nessas dimensões e a conciliação ou reconciliação desses tempos é um difícil exercício, tanto

humano quanto profissional, como me contou a professora ao dizer, inicialmente, que o

tempo:

É uma medida, penso eu, mas é uma medida que eu não gosto de me encaixar nela porque eu prefiro viver

assim, como se... uma atemporalidade, digamos, se pudesse existir isso. Nós somos constituídos de toda uma

história, de uma trajetória, e essa trajetória é que não deixa o tempo fixo, penso eu. Eu tentei falar da minha

trajetória, desde a faculdade até hoje, de uma forma linear, até pra me organizar o pensamento aqui. (Egressa

16, 2018)

Considerando as contribuições de Pineau (2003), frente à formação, ao tempo e ainda,

em atenção a essa fala da professora, ao me debruçar nas biotecituras, elas indicaram-me, que

as professoras estabelecem uma relação quase que visceral entre sua formação pessoal, inicial

e permanente. Esses movimentos parecem associados, interagem e orientam o modo como as

professoras atuam, sendo que as necessidades decorrentes dessa atuação apresentam as

lacunas, limitações e fragilidades, tanto da formação inicial como da permanente. É nesse

diálogo compreensivo que elas se potencializam e ressignificam seus modos de atuação

enquanto ser pessoa e ser profissional.

Page 282: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

280

Nas biotecituras das professoras, as três dimensões tratadas nesta pesquisa são

compreendidas na perspectiva da formação profissional docente. O processo de

desenvolvimento profissional dessas professoras é uma expressão da apropriação do vivido

com predominância da autoformação, a qual assume um caráter pessoal e coletivo no

processo de mudanças e evoluções formativas pessoais e sociais. Como a formação

profissional por ela mesma já supõe processos, os quais não são únicos, mas diversos ao

longo do percurso da vida, a mudança no sentido pessoal e profissional do ser docente, a meu

ver, é uma construção de compreensões conforme a consciência de si mesma que cada

professora vai construindo em seu processo formativo.

No que se refere à mudança, ela será observada e assumida segundo cada nível de

percepção e de realidade delas. Nesse viés de constitutivos formativos considerando as três

dimensões tensionadas nesta pesquisa, compreendi a permeação de múltiplos tempos e

temporalidades individuais e sociais tecendo formações. São os tempos dos alunos, das

professoras, de seus pares, de seus familiares, do sistema educacional e do próprio ambiente

físico natural. Os estudos feitos, tendo presentes esses tempos/temporalidades, me ajudaram a

compreender que as vivências relatadas em forma de biotecituras para fiação do aguayo vão

se organizando e produzindo sentidos e significados nas experiências pessoais e profissionais

das professoras de modo reconstrutivo, porque, a meu ver, vinculam-se às mudanças tanto no

aspecto pessoal como profissional dentro de processos de autoconsciência de si e dos outros.

Quanto maior consciência de si para si, dos outros (hetero) e do mundo, observo

despontar nas falas e trajetórias dessas professoras a busca por compreender os tempos de

modo mais qualitativo e subjetivo, em que a vida, em toda sua extensão, se coloca em

formação permanente. A esse respeito, ao dialogar com Pineau (2006; 2003), tendo em conta

as biotecituras, percebo nelas o potencial transformador humano-profissional, e nelas enxergo

a busca de construir sentidos a partir do tempo vivido, das experiências, das relações com os

outros e com as coisas, como energia mobilizadora de um poder vital de produzir a vida e a

formação e de ― apropriar-se do seu poder de formação‖ (PINEAU 2003, p. 117). Avançando

um pouco mais, compreendi, a partir do autor, que:

O tempo diz respeito em primeiro lugar a todo poder que só se torna e permanece tal

se conseguir ordenar e subordinar os múltiplos tempos dos outros ao seu próprio.

[...] a história do tempo, é a história dos tempos que é feita de sua relação pelo

ângulo do domínio de um tempo oficial sobre os outros. Domínio que se exerce pela

imposição de um sentido –significado e direção –e de uma medida para contabilizar

(irreversibilidade) e trocar (reversibilidade), mas também contra a desmedida. [...]

Existe, portanto, uma ligação muito forte entre medida do tempo e ordem social,

mas também entre mudança de medida e mudança social. (PINEAU, 2003, p. 67-68)

Page 283: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

281

Observo que Pineau (2003) já alertava sobre a presença de tempos oficiais

reguladores, sem negociação com os outros tempos subjetivos por se apresentar como sendo

homogêneo e irreversível. Diante dessa constatação, quando volto o olhar para o contexto

formativo, o que não pode ser desconsiderado frente à compreensão de formação profissional

é a presença de tempos performáticos, esquizocrônicos e o kairótico em negociação, mediante

ritmos acelerados em busca de mudança que coloque em diálogo esses tempos, sem que um

esteja subordinado ao outro de modo a não considerá-lo como válido. As falas das

colaboradoras da pesquisa trouxeram esse duelo em questão como uma arena viva de

resistência e enfrentamentos. O desafio é imposto de fora para dentro, muitas vezes,

desconsiderando as subjetividades com suas ontologias. O processo formador se torna mais

exigente, pois precisam aprender a conciliar múltiplos tempos que atravessam a atuação da

Pedagogia descontinuando-o e desconstruindo o sentido do tempo, como cronoformador que

constrói e desconstrói no cotidiano da existência de cada ser pessoa, sua percepção de si, do

outro e das coisas como ―a assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. A

esse sentido, a perspectiva de relações humanas perpassa a compreensão da ―outreidade‖ do

―não eu‖, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu‖‖ (FREIRE, 1997, p. 46).

Nessa mesma direção de compreensão, Passos (2019)40

lembra que ―a educação não é

uma aquisição dominada. Ela é a outreidade do mundo em sua criação responsiva até o fim

conosco, em expressividade sem termo, como ‗relação eu-outro-mundo‘‖. Há necessidade de

apropriação dos processos da autoformação por parte das professoras. Essa apropriação de si

mesmas possibilita a (re)construção de olhares sobre o vivido que, por sua natureza, reforça

essa apropriação de si enquanto protagonista de sua formação, sendo que se integram nessa

relação ação, os outros seres humanos em formação com seus ritmos, biorritimos e ―arritmias‖

pessoais em seus ambientes físicos e socioculturais. Esse movimento pessoal e coletivo do

formar-se a si mesmo possibilita às professoras construírem novos movimentos epistêmicos

pessoais, sociais, estéticos, éticos, políticos e educacionais.

A produção não é somente intelectual, social e humana. E isso tudo, e, também, a

autoprodução do tempo próprio para com ele combater o cronocentrismo hegemônico social

com poder de referência para agir sobre a vida, a vida como ela própria se apresenta.

A Pedagogia não se constituiu somente como um curso superior dentro de uma

extensão do tempo. Ela possibilitou múltiplas compreensões de si frente aos outros, em uma

40

Observação de Passos (2019) no parecer de qualificação.

Page 284: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

282

consciência que esses tempos se se cruzam, e, nesse outro que não sou eu, reconheço a

formação como mudança. Nesse excerto, consigo compreender essa percepção de si:

[...] a Pedagogia me fez ser mais humana do que eu era, eu vejo dessa maneira, ser mais humana, compreender

o outro, entender que a mudança do outro depende de mim porque muitas vezes nós queremos essa mudança do

outro, mas é a partir de mim porque quando eu mudo o outro também muda. E eu falo isso muito pros meus

alunos, eu costumo dizer pra eles “o respeito é a base de tudo”, mas não é o respeito pelo outro, mas é o

respeito por mim mesmo. (Egresso 30, 2018)

Entender essas percepções das professoras, tanto diante da formação profissional

como do tempo-temporalidade, foi possível, a meu ver, porque como elas, fiz o percurso de

formação inicial na Pedagogia dentro da mesma instituição. E, com o relato de algumas

egressas, me identifiquei um pouco mais, pois antes de concluir o curso de Pedagogia, por ter

feito o Magistério, já havia me deparado com a realidade de uma coordenação pedagógica

escolar. Posteriormente, fui atuar em sala de aula e, com o término do curso de graduação,

busquei especializações na área de atuação. Passei a atuar na formação de professores na

instituição onde trabalhava e com início do Mestrado em Educação, houve a oportunidade de

atuação nas licenciaturas como professora substituta. Embora meu processo de formação

profissional tenha tomado caminhos formativos diferentes, ao ouvir as biotecituras das

professoras, me sentia uma delas. Conseguia me ver no lugar delas, mas respeitei esse lugar, o

qual se constituiu como um ponto-farol das minhas observações. Entendo que jamais poderei

deixar eu mesma, e é esta dimensão que dá ao meu ―corpo-mundo‖, um olhar que sempre será

de meu corpo próprio, que só eu poderei vê-las assim, como parte de mim mesma, por estar

em comunhão sinestésica com essas temporalidades que a mim se apresentaram.

Entendo que pude escrever esta pesquisa e compreender o que as professoras estavam

dizendo, porque, de algum modo, percorri e estou percorrendo como docente, trilhas e veredas

em vista da formação permanente. Pude ouvi-las, em conexão e comunhão, de forma singular

e pessoal, uma a uma, contando-me de si. Não era para elas alguém simplesmente que estava

entrevistando-as, gravando suas falas, mas alguém que conseguia dialogar do lugar no qual

elas se encontravam. Havia uma outra temporalidade em síntese, os tempos meus, mais de

uma década de vivências, que se confundiam nos tempos delas, como se fosse um mesmo

tempo aberto e convulsivo. O que me fez pensar que ―[...] por meu campo perceptivo com

seus horizontes temporais, estou presente ao meu presente, a todo o passado que o precedeu e

a um futuro (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 443) e esse estar presente é possível, pois eu me

coloco novamente na experiência do vivido. Compreendo-o esse movimento como o faz o

referido autor, pois ―é vindo ao presente que um momento do tempo adquire a individualidade

indelével, o "de uma vez por todas" que lhe permitirão em seguida atravessar o tempo e nos

Page 285: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

283

darão a ilusão da eternidade‖. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 568). Nessa sensação de

eternidade é que descubro as possibilidades das sínteses desses tempos que atravessaram a

mim e a nós em forma de aprendizagens de si mesmos. E a síntese perceptível que faço é que

sou eu mesma, como ser-pessoa, um ser em formação permanente.

Ao analisar de modo contextual e reflexivo a formação profissional desse grupo de

professoras, não trabalhei com verdades absolutas ou percepções de concepções fechadas de

um puro idealismo. Por isso, não é possível construir uma análise das biotecituras por meio de

esquemas, estilizações, comparações, prescrições e determinações. Cada uma delas traz

elementos que podem ser novamente tensionados a depender de onde essa leitura vir a ser

feita. A formação profissional envolve o ser pessoa por inteiro como sendo ela mesma uma

tecelã em grande parte consciente de seu próprio pensar e agir profissional, pois considero que

há espaços de atuação da Pedagogia como contextos privilegiados para a pesquisa, que há

formação e que há proposições que são impulsionadoras de políticas educacionais. E há

encontros uníricos sob forma de insights que se apresentaram a mim, que nunca me

abandonarão e que continuarão em mim, que com o tempo, novas descobertas lugares,

espaços e alhures deverei visitar, pois elas sempre existirão e assaltar-me-ão como portais e

recortes fecundos encharcados de vida e de experiências construídas na formação na

Pedagogia.

Com a ampliação da área de atuação da Pedagogia orientada pelas DCNs (2006), os

cursos foram reformulados, o entendimento da ação-intervenção pedagógica atravessou os

muros das escolas, o que consequentemente ainda atualmente requer a recontextualização do

currículo para que haja maior aproximação e consideração da relação dos campos de atuação

da Pedagogia, como espaços/tempos oportunos com sentido vigoroso kairótico de pensar e

repensar a formação de produções acadêmicas científicas, tendo em vista as pessoas, suas

temporalidades e as realidades concretas que os envolvem.

Nas biotecituras nas fendas justapostas entrelaçadas, observei a satisfação das

professoras ao se reportarem à ampliação da área de atuação da Pedagogia como um cenário

de novas possibilidades para a Pedagogia contribuir com outros espaços formais e não formais

de aprendizados humanos. Observando os dois períodos de formação, o primeiro grupo delas

fez parte da fase de transição de uma proposta curricular para outra. Por isso, trouxeram, em

suas falas, algumas angústias, descontentamentos e esperanças frente às mudanças. Isso em

razão de precisarem acomodar essa nova proposta dentro do tempo de um curso que estava

em transcurso sem ampliar esse tempo dentro do próprio turno de aula. Tiveram que ir para

Page 286: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

284

um contraturno em uma jornada maior de carga horária, diante de uma epistemologia diversa

que estava sendo incorporada ao novo currículo.

Para algumas professoras entrevistadas, essa experiência foi muito intensa em termos

de conteúdos e responsabilidades/atribuições novas à Pedagogia, ainda com pouco espaço

para discussão, leituras, releituras e aprofundamentos em temáticas que iriam persegui-las por

uma vida toda. A esse respeito, a Egressa 8 (2018) comentou ―[...] eu lembro que um dia a

gente se rebelou, porque a gente não queria mais, porque cada hora... cada ano que a gente

entrava era algo mais [...]‖. Mesmo com essas situações vividas no curso, as professoras

avaliaram positivamente as reformulações e o avanço de abrangência do currículo do curso.

O segundo grupo de professoras colaboradoras desta pesquisa encontrou o que foi

reformulado quando iniciaram seus estudos. A entrada não se deu pelo vestibular unificado,

mas via ENEM e SISU. Muitas delas não tiveram a Pedagogia como sua primeira escolha de

curso superior, ou escolheram porque já tinham o Magistério, como expressou a Egressa 13

(2018):

[...] „vou pra Pedagogia, já tenho o Magistério, acho que é alguma coisa que eu conseguiria fazer, não pensei

muito assim não, foi bem assim muito rápido pra eu pensar. E fui, fiz e consegui. E no que eu consegui eu

também não quis pensar em outra coisa, dizer, “ah, não era isso que eu realmente que eu quero. Eu consegui

(acesso) a federal e vou fazer‟, e fui!

Algumas que se descobriram dentro do curso vieram atraídas por ser um curso federal.

Outras nem sabiam de que o curso se tratava. Chegaram cativadas pela fama da

empregabilidade mais rápida e pelo número de vagas ofertadas diante do número de

concorrentes. Outras, por escolha e identificação desde a formação na Educação Básica.

Havia um sentimento de espanto de várias delas ao saber que o curso iria ajudá-las a se

formar profissionalmente. Também povoaram as falas das professoras sentimentos de medo,

desespero, curiosidade e esperanças. Algumas professoras ficaram no curso inicialmente para

ver de que se tratava aquela graduação, e se gostassem, iriam continuar. Nos relatos, disseram

que ficaram no curso uma semana, um mês, um ano, e logo, quatro anos se passaram.

Algumas descobertas foram decisivas para o processo, como expressou a Egressa 30 (2018),

ao compreender a extensão do curso na própria vida, quando contou que:

Pedagogia pra mim na minha vida foi... eu vou dizer até mudança de concepções, quebra de paradigmas porque

o curso ele me possibilitou eu mudar alguns conceitos, né? Até inclusive eu falo pras minhas filhas “eu queria

ter tido vocês hoje, após a minha formação”, não que eu me arrependa de ter sido a mãe que eu fui, mas muita

coisa poderia ter sido diferente, porque o conhecimento da gente... a sua mente abre pro conhecimento, né? E

algumas coisas, vamos dizer assim, errôneas que você fez lá atrás por ignorância, por não ter esse

conhecimento.

Page 287: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

285

Nas falas de todas, de modo mais profundo ou singular, o curso foi o marco diferencial

da vida. Achavam que estavam ali para aprender a ensinar, mas descobriram que muito

aprenderam para si e de si mesmo. O curso, com suas várias nuances quanto ao ensino, as

desafiou a aprenderem sobre si e para si, para poderem ensinar alguma coisa a alguém.

A formação da Pedagogia entra nesse processo vivo e vivido das professoras e se faz um

divisor de águas, para as trinta professoras, as quais o valida como seus testemunhos.

Disseram que conseguiram trazê-lo ou fazê-lo em consonância com a vida, seu

cotidiano, e que, pouco a pouco, definitivamente sofreram mudanças percebidas e sentidas

nos processos de relação diversas com seus próprios filhos, consigo mesmas e com muitos

outros (heteros). Advindo desse processo, surgiram novas compreensões didático-

pedagógicas, e ainda disseram que aprenderam coisas da vida que não aprenderam antes do

curso. Sentiram a força e a coerência do que estavam aprendendo. Sentiram as dificuldades do

e no processo. Sofreram com os contratempos das mudanças no decorrer do processo

formativo.

As biotecituras possibilitaram compreender que as experiências das professoras no

sentido da formação profissional aconteceram e acontecem de modo continuum, de forma

misturada com as coisas da vida pessoal e profissional. Ao ressignificarem suas práticas em

sala de aula, decorrem de outras compreensões, reflexões e mudanças que vão acontecendo

em um todo maior que está inter-relacionado. Desse modo, o crescimento humano pessoal

reflete também aos contextos sociais, educacionais e culturais. Para as professoras, a base

desse pensamento tem suas raízes nos estudos realizados no curso de Pedagogia como

formação inicial, o qual vai se intensificando com e na prática, como relatou a Egressa 24

(2018):

[...] com a prática, hoje eu sei que se eu não tivesse passado por aqui, pela Pedagogia, se eu não tivesse feito

essa formação, essas outras experiências que eu tive também, não tem como você ter uma formação assim tão

completa. Eu falo que a nossa formação aqui ela é completa, porque eu vejo essas outras faculdades, esses

outros... não querendo recriminar, mas eu vejo que se a da gente, que é uma formação que exige tanta leitura,

tanto conhecimento, tanto buscar, às vezes você ainda tem que... fica com dificuldade, imagina aquelas outras

que não têm esses amparos, porque os professores daqui... a gente tinha na sala de aulas muitos exemplos, eles

faziam a gente buscar também exemplo, apesar de não estar na prática, de não estar atuando, a gente buscava

bastante exemplo da prática pra fazer o processo de uma coisa e de outra, pra aprender o concreto mesmo, pra

aprender com exatidão tudo. Eu acho que a Pedagogia pra mim é isso, é a nossa formação, é essa construção, é

ser professora.

Esse campo maior de atuação da Pedagogia vai sendo entendido e assumido após o

curso com o exercício da docência e das necessidades decorrentes dessa atuação. Há

entendimentos por parte das professoras que a Pedagogia rompe com as fronteiras da sala de

aula e da escola em termos formais de atuação, principalmente extrapolando o próprio espaço

Page 288: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

286

da escola que circunscreve a sala de aula como lócus da docência, já que a escola também se

torna um espaço-tempo de possibilidades de aprendizados diversos. Esse lugar de atuação

passa a ser problematizador das questões que envolvem o ensino, as relações sociais,

culturais, educacionais e as políticas educacionais, sendo ele escolar ou não escolar.

Esses contextos de atuação são concebidos não como fixos e nem sistemas fechados,

uma vez que abrangem esferas cada vez mais amplas da educação formal e não-formal e

extrapolam questões limitadoras que separam a escola e a sociedade.

Dentro dessa concepção de entendimentos e mudança, percebo como as professoras

passam a conceber a sua própria formação profissional, nas múltiplas relações que vão

estabelecendo com seu ser pessoa, com as coisas e com os outros, pois aprendem e ensinam,

tanto nas formações formais como naquelas não formais.

É nessa análise compreensiva que destaco o atravessamento de tempos e

temporalidades na formação permanente e saliento o desafio de conciliações entre o chronos e

o kairós, pois os percebo em constantes conflitos e disputas. Com essas temporalidades

múltiplas, teço este aguayo simbólico que estampa, nas entrelinhas deste trabalho, a formação

do profissional docente observada e temporalizada pela perspectiva das professoras

intercruzada pelas minhas percepções.

O aguayo que se constrói traz em suas multicores as nuances que me ajudaram a

entender, as multi-e-pluri tramas da formação do profissional docente. Na composição das

biotecituras sobressaiu que há uma afirmatividade ao correlacionar a formação inicial na

Pedagogia com a processos pessoais, que em muitos momentos desse processo, as 30

professoras testemunharam que o curso se fez e se faz um divisor de águas via

conhecimentos, ele oportunizou a elas a emancipação feminina. São aprendizados que

concebo como movimento de tempos novos revolucionários, como um kairós fundamental na

derrota do patriarcalismo e a afirmação reiterada do protagonismo do ser mulher, mãe, esposa,

cidadã e profissional docente.

O aguayo tecido em tempos e temporalidades plurais, nas experiências e vivências

desse grupo de professores conta-nos como as professoras aprendem e reaprendem a lidar

com o tempo chronos, muitas vezes conflitante com as suas temporalidades pessoais e

profissionais. Nesse aspecto do aprendizado e da experiência, reitero Pineau (2003), quando

ressalta o poder da formação quando assumido nas dimensões e nas extensões da vida

conjugando os múltiplos tempos como cronoformador.

Diante dessa abordagem compreensiva, me desafio a inferir que a cronoformação

concebida por Pineau (2003) insere-se nas perspectivas atuais sobre a formação continuada

Page 289: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

287

dos professores, pois a ―além de se apoiar em novas temporalidades, a cronoformação teria

como objeto a formação de tempo pessoal, tanto de tempo cotidiano, como um dia, quanto de

tempos mais longos, como fases de vida ou uma vida‖ (PINEAU, 2003, p. 16), o que me

possibilita dizer sobre a urgência da desalienação e descoisificação das temporalidades

humanas das professoras, as quais exigem novos sincronizadores, em cujas histórias de vida

das professoras sejam compreendidos nos currículos, tanto da formação inicial como da

formação permanente não como algo improvisado, mas oportunizado como comunicação

ativa para que elas próprias se reconheçam como protagonistas em vista de sua

autonomização. Para essa perspectiva, me apoio em Nóvoa (2009, p. 38), que sustenta que:

A formação de professores deve dedicar uma atenção especial às dimensões pessoais

da profissão docente, trabalhando essa capacidade de relação e de comunicação que

define o tacto pedagógico. Ao longo dos últimos anos, temos dito (e repetido) que o

professor é a pessoa, e que a pessoa é o professor. Que é impossível separar as

dimensões pessoais e profissionais. Que ensinamos aquilo que somos e que, naquilo

que somos, se encontra muito daquilo que ensinamos. Que importa, por isso, que os

professores se preparem para um trabalho sobre si próprios, para um trabalho de

autorreflexão e de autoanálise.

Em suma, a cultivar uma consciência aberta e crítica para uma temporalidade que

sempre está se fazendo e se refazendo, e que nos convida a estudos, revisão, avaliação e à

ousadia em busca dos ―inéditos viáveis‖, parafraseando Paulo Freire, pois cada situação exige

novas ações que não paralisam o curso das estórias de todos e todas nós.

Sigo dizendo: como não incluir na formação e, portanto, na proposta curricular, a vida

do ser pessoa em formação? Pois muito daquilo que somos se coloca na frente como base de

aprendizado de si e de ensino para os outros. Nessa mesma direção, Pineau (2003, p. 198)

esclarece que:

As pessoas em formação utilizam sua história de vida para viver. Tentam fazê-la ou

refazê-la a partir da experiência, utilizando-a não apenas no sentido cognitivo, mas

também no conotativo, quase operatório de aprender, de pôr em conjunto, em

sentido, em forma de elementos, pedaços de outra maneira dispersos, fragmentados.

O autor em questão chama atenção para a formação profissional como possibilidade de

unir compreensivamente os aprendizados da vida dentro de um conjunto significativo, no qual

o ser-pessoa em formação, quando tem sua história pessoal considerada, consegue construir

ou reconstruir a si mesmo em suas próprias experiências de modo ressignificado e integrado

com a vida e a formação. Esse estado nascente traz o saber decisivo da realização profissional,

que não se coaduna com a repetição.

De igual modo, assertivo, Monteiro (2014, p. 718-719), ao tratar em seus estudos de

formação sobre o profissional docente, sendo ele um protagonista narrador e produtor de si,

Page 290: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

288

compreende a urgência do entrelaçamento das dimensões formativas com os múltiplos tempos

que cruzam esses processos, ao dizer que isso:

[...] significa reconhecermos que o sentido desse processo para os professores vai

sendo construído pelo entrelaçamento das dimensões pessoais/profissionais, dos

contextos e demais aspectos constitutivos da profissionalidade docente, das políticas

e práticas formativas num movimento permanente de indagação, problematização,

experienciação e ressignificação do exercício docente. Embora esse processo revele

tamanha complexidade e multidimensionalidade, é uma necessidade

individual/coletiva e organizacional que pressupõe comprometer-se com uma

aprendizagem contínua [...]. (MONTEIRO, 2014, p. 718-719)

Tendo presente todo esse movimento de tempos e temporalidades que formam o ser-

pessoa -professor, concordo com Pineau (2006), para quem de nós estejamos diante de uma

encruzilhada de fronteiras pessoais, sociais e profissionais, onde a crise de desregulação

temporal, com ênfase em tempos de ―balburdia‖ conduz à uma esquizocronia de subordinação

temporal objetiva, consentida e validada, cujo feito é minar e impedir o ato educativo, criador,

adequado de estímulo de uma Pedagogia da esperança e liberdade transformadora.

Frente a essa dissonância maldosa, é preciso, como nunca, dar tempo aos tempos e aos

contratempos para que se permita o nascimento da educação com ética, liberdade e

corresponsabilidade. Assim, compreendo que a concordância dos tempos não termina na

idade escolar no âmbito da formação inicial. Ele se torna um aprendizado contínuo voltado à

construção dos deveres pessoais e sociais que nos solicitam assumir a formação permanente

como um devir ontológico e histórico, permitindo ao sujeito da temporalização compreender-

se como protagonista de seus processos formativos para pensar e produzir-se a si mesmo fora

dos tempos hegemonicamente ritualizados. Tendo em mente essa perspectiva, defendo o

estudo da epistemologia do ser pessoa dentro de um movimento que denomino de

cronobioformação, no qual deve-se buscar considerar a vida humana como um processo

ininterrupto de um todo formativo e formador.

A atual proposta do curso de Pedagogia campus Cuiabá continua a ser a mesma com a

qual dialoguei neste trabalho. Acresce-se, apenas, que está em fase de reformulação. Com o

resultado desta pesquisa considerando as biotecituras das egressas, saliento a urgência de

incluir na nova proposta curricular a cronobioformação como uma concepção de ter nas

disciplinas do curso uma abordagem da construção da história de si mesmo, a inclusão das

temporalidades pessoais desde o início do curso como marco orientador formativo em direção

à autoformação. E que o dossiê (trabalho de conclusão da Pedagogia, nesse caso, do campus

Cuiabá) seja o meio socializador desse percurso formativo, evidenciando quais mudanças e

construções foram possibilitadas pelas epistemologias que atravessaram o curso. A

Page 291: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

289

consciência e o aprendizado de si para si, para os outros em ressignificação e em atenção aos

contextos de inserção profissional, a meu ver, gradativamente, ampliará na atuação

profissional e na formação permanente de modo a ajudar a construir processos de

autonomizações.

Page 292: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

290

REFERÊNCIAS

ABREU, Dejacy Arruda. Tempo e temporalidade na formação do pedagogo: diálogo com

Gaston Pineau. In: MONTEIRO, F. M. A. (Org.). Pesquisa, formação e docência: processos

de aprendizagem e desenvolvimento profissional docente em diálogo. Cuiabá: Editora

Sustentável, 2017. p. 111-122.

AMIGUES, René. Trabalho do professor e trabalho de ensino. In: O ensino como trabalho:

uma abordagem discursiva / Organização Anna Raquel Machado. Londrina: Eduel, 2004, p.

35-53.

AMIGUINHO, A. et al. Formar-se no projeto e pelo projeto. In: CANÁRIO, R. (Org.).

Formação e situações de trabalho. Porto: Porto, 2003, p. 101-146.

AQUINO, Soraia Lourenço de. O pedagogo e seus espaços de atuação nas Representações

Sociais de egressos do curso de Pedagogia. 2011. 189 f. Dissertação (Mestrado em

Educação) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2011.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. 2.

ed. rev e ampl. SP: Moderna, 1996.

AZEVEDO, Vanessa Oliveira de. O Curso de Pedagogia da UFES: um olhar de egressos

sobre a perspectiva da educação inclusiva. 2011. 123 f. Dissertação (Mestrado em Educação)

- Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2011.

BALL, Stephen J. Reformar escolas/reformar professores e os terrores da performatividade.

Revista Portuguesa de Educação. v. 15, n. 2. Universidade do Minho, Braga, Portugal,

2002. p. 03-23.

BALL, Stephen J. Profissionalismo, Gerencialismo e Performatividade. Cadernos Pesquisa,

v. 35, n 126, p. 539-564. set/dez, 2005.

BALL, Stephen J. Performatividades e Fabricações na Economia Educacional: rumo a uma

sociedade performativa. Revista educação e realidade, maio/ago. 2010, p. 37-55. Tradução:

Marcelo de Andrade Pereira.

BALL, Stephen J. Educação Global S. A.: novas redes de políticas e o imaginário neoliberal.

Tradução de Janete Bridon. Ponta Grossa: UEPG, 2014.

BALL, S. J.; BOWE, R. Subject departments and the "implementation" of National

Curriculum policy: an overview of the issues. Journal of Curriculum Studies, London, v.

24, n. 2, p. 97-115, 1992.

BALL. Stephen, J.; MAINARDES, Jefferson (Org.). Políticas educacionais: questões e

dilemas. São Paulo: Cortez, 2011.

BARROS, A. J. S.; LEHFELD, N. A. S. Fundamentos de Metodologia: um Guia para a

Iniciação Científica. 2 ed. São Paulo: Makron Books, 2000.

Page 293: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

291

BASTOS, Clara Melo Casotti. O curso de Pedagogia da UFES sob os olhares das/os

alunas/os concluintes: processos de subjetivação produzidos num coletivo de

intensidades. 2014. 97 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do

Espírito Santo, Vitória, 2014.

BERGSON, H. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São

Paulo: Martins Fontes, 1999.

BIZARRO, Adelina Maria Salles. Formação do pedagogo: um olhar sobre a trajetória

profissional dos/as egressos/as do Curso de Licenciatura em Pedagogia da UPE-Campus

Garanhuns de 1996 a 2010. 2012. 199 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade

Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Dados Qualitativos. In: BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K.

Investigação qualitativa em educação - uma introdução às teorias e aos métodos. Porto:

Porto Editora, 1994. p. 147-202.

BRAGANÇA, Inês Ferreira de Souza. Sobre o conceito de Formação na abordagem

(auto)biográfica. Educação, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 157-164, maio/ago. 2011.

BRANDÃO, Carlos Estevão. O que é educação? 31. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.

BRASIL, CFE. Parecer n. 252/69. Documenta, n. 100, 1969, p. 101-117.

BRASIL. Lei n.º 9.394. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

BRASIL. Resolução CNE/CP n. 1 de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes Curriculares

para o Curso de Graduação em Pedagogia.

BRASIL. Ministério de Educação. Curso de pedagogia dobra o número de formandos nos

últimos seis anos. Fev. 2011. Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/32123. Acesso em: 09 mar. 2017.

CAPES. Banco de teses e dissertações. Pesquisa de levantamento de literatura. Disponível

em: http://bancodeteses.capes.gov.br. Acesso em: 05 mar. 2017.

CAVACO, Carmen de Jesus Dores. Formação de educadores numa perspectiva de construção

do saber – contributos da abordagem biográfica. Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 95, p. 75-

89, jan.-abr., 2015.

CERECEDA, V. Desde as cores de um pássaro. Boletim Museu Chileno de Arte Pré-

colombiana, publicado no evento semanal Quebradeño, n. 15, 1991. Disponível em:

https://es.wikipedia.org/wiki/Aguayo. Acesso em: 10 abr. 2017.

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

DAY, C. Desenvolvimento profissional de professores: os desafios da aprendizagem

permanente. Porto, Portugal: Porto Editora, 2001.

DEJOURS, Christophe. O fator humano. Tradução Maria Irena Stocco Betiol, Maria José

Tornelli. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.

Page 294: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

292

DEWEY, J. How we think: a restatement of the relations of reflective thinking to the

educative process. 2. ed. Boston: DC Heath, 1933.

ELIAS, N. Sobre o tempo. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

FERRAROTTI, F. Sobre a autonomia do método biográfico. In: NÓVOA, A.; FINGER, M.

(Org.). O método (auto)biográfico e a formação. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus,

2010. p. 31-57.

FORTES, A. M.; FLORES, A. M. Potenciar o desenvolvimento profissional e a colaboração

docente na escola. Cadernos de Pesquisa, v. 42, n. 147, p. 900-919, set./dez., 2012.

FRANCO, Maria Amélia do Rosário Santoro. Pedagogia como ciência da educação. 2 ed.

rev e ampl. SP: Cortez, 2008.

FREIRE, Paulo. Education for critical consciousness. New York: Seabury, 1973.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1992.

FREIRE, Laudelino. Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:

Livraria José Olympio Editora, 1957.

FREITAS, Lilliane Miranda; GHEDIN, Evandro Luiz. Narrativas de formação: origens,

significados e usos na pesquisa-formação de professores. Revista Contemporânea de

Educação, v. 10, n. 19, jan./jun., 2015.

FRISON, Lourdes Maria Bragagnolo. O pedagogo em espaços não escolares: novos desafios.

Ciência, Porto Alegre, n. 36, p. 87-103, jul./dez. 2004.

GARCÍA, C. M. Formação de professores para uma mudança educativa. Porto-Portugal:

Porto editora, 1999.

GARCÍA, C. M. Desenvolvimento Profissional Docente: passado e futuro. Sísifo, Revista de

Ciências da Educação, n. 8. jan./abr., 2009, p. 07-22.

GAUTHIER, C.; TARDIF, Maurice (Org.). A Pedagogia: teoria e práticas da antiguidade aos

dias atuais. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GONSALVES, E. P. Iniciação à Pesquisa Científica. Campinas, SP: Editora Alínea, 2001.

HABERMAS, J. Knowledge and human interests. London: Heineman, 1971.

HELLER, Agnes. Sociologia de la vida cotidiana. Tradução de J. F. Yvars e E. Pérez Nadal.

3. ed. Barcelona: Ediciones Península, 1991.

HOUSSAYE, Jean et al. Manifesto a favor dos pedagogos. Porto Alegre: ArtMed, 2004.

Page 295: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

293

HUBERMAN, Michael. O ciclo da vida profissional dos professores In: NÓVOA, Antonio et

al. Vidas de professores. Porto, Porto Editora, 2000. p. 31-61.

JAEGER, Werner. Paidéia: A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

JESUS, Simone Penteado Silva de. A formação do pedagogo: estudo de caso com alunos

egressos de um curso de Pedagogia. 2010. 125 f. Dissertação (Mestrado em Educação) -

Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2010.

KIRSCH, Deise Becker. A iniciação científica na formação inicial de professores:

repercussões no processo formativo de egressas do curso de Pedagogia. 2007. 111 f.

Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria,

2007.

KUHN, Ana Paula. Práticas avaliativas de egressos do curso de pedagogia a distância da

UFMT: implicações da formação inicial e o exercício de ser professor. 2012. 101 f.

Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de

Educação, Cuiabá, 2012.

LIBÂNEO, J. C. Diretrizes curriculares da pedagogia: imprecisões teóricas e concepção

estreita da formação profissional de educadores. Educ. Soc., Campinas, v. 27, n. 96, Especial,

p. 843-876, out., 2006.

LEMME, Paschoal. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e suas repercussões na

realidade educacional brasileira. Revista brasileira de estudos pedagógicos, v. 86, n. 212, p.

163-178, 2005.

LOUSADA, Eliane. Os pequenos grandes impedimentos da ação do professor: entre

tentativas e decepções. In: O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva /

Organização Anna Raquel Machado. Londrina: Eduel, 2004. p. 271-298.

MARTINS. H. H. T. S. Metodologia qualitativa de pesquisa. Educação e Pesquisa, São

Paulo, v. 30, n. 2, p. 289-300, maio/ago., 2004.

MAZZOTI, Tarso Bonilha. Pedagogia. Elementos para sua determinação e outros escritos.

Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 1992.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,

1999.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. Tradução Carlos Alberto Ribeiro de

Moura. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Portal da CAPES. Pesquisa de levantamento de

literatura. Disponível em: http://www-periodicos-capes-gov-br. Acesso em: 31 maio 2017.

MONTEIRO, Liamar Nunes Silveira. Egressos do curso de pedagogia: sentidos,

significados e dimensões de suas trajetórias formativas. 2016. 134 f. Dissertação (Mestrado

em Educação) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2016.

Page 296: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

294

MORAES, Maria Cândida. A formação do educador a partir da complexidade e da

transdisciplinaridade. Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 13-38, set./dez., 2007, PUC-PR.

NETO, S. S. et al. A escolha do magistério como profissão. IX Congresso Estadual Paulista

sobre formação de educadores. Anais [...]. UNESP - Universidade Estadual Paulista, Pró-

Reitoria de Graduação, 2007, p. 02-13.

NÓVOA, António (Org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1992.

NÓVOA, António. O passado e o presente dos professores. In: NÓVOA, A. (Coord.).

Profissão professor. 2. ed. Porto: Porto Editora, 1995. p. 13-34.

NÓVOA, António. O. Professores: imagens do Futuro presente. EDUCA: Lisboa, 2009.

NÓVOA, António. Diálogos entre formação de professores e as pesquisas sobre educação

na atualidade. Cuiabá, MT, jun. 2016. p. 26. (Degravação por Delarim Martins Gomes).

NÓVOA, António et al. Vidas de professores. Porto, Porto Editora, 2000.

PASSEGGI, Maria da Conceição; SOUZA, Elizeu Clementino de; VICENTINI, Paula Perin.

Entre a vida e a formação: pesquisa (auto)biográfica, docência e profissionalização.

Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 27, n. 01, p. 369-386, abr. 2011.

PASSOS, Luís Augusto. Currículo, tempo e cultura. 2003. 488 f. Tese (Doutorado em

Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.

PASSOS, Luís Augusto. A centralidade do tempo e da temporalidade para a educação.

Revista de Educação Pública. Cuiabá: EdUFMT, v. 14, n. 26, p. 131-145, jul./dez. 2005.

PASSOS, L. A. Trama (verbete). In: STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (Org).

Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2008. p. 415-416.

PAUL, Patrick. A formação do sujeito e transdisciplinaridade: história de vida profissional

e imaginal. Tradução Marly Segreto. São Paulo: Triom, 2009.

PAUL Patrick.; PINEAU G. (Org.). Transdisciplinarité et formation. Paris: L'Harmattan,

2005.

PINEAU, Gaston. Dictionnaire encyclopédique de l’éducation etde la formation. Paris:

Natan, 1994.

PINEAU, Gaston. Temporalidades na formação: rumo a novos sincronizadores. Tradução

de Lucas Pereira de Sousa. São Paulo: Triom, 2003.

PINEAU, Gaston. Emergência de um paradigma antropoformador de pesquisa-ação-formação

transdisciplinar. Saúde soc., São Paulo, v. 14, n. 3, set./dez., 2005.

PINEAU, Gaston. As histórias de vida como artes formadoras da existência. In: SOUZA, E.

C.; ABRAHÃO, M. H. M. B. (Org.). Tempos, narrativas e ficções: a invenção de si. Porto

Alegre, RS: EDIPUCRS, 2006. p. 41-59.

Page 297: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

295

PINEAU, Gaston. A autoformação no decurso da vida: entre a hetero e a ecoformação. In:

NÓVOA, A; FINGER, M. (Org.). O método (auto)biográfico e a formação. Natal, RN:

EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2010. p. 97-117.

PINHEIRO, Germana Manuela da Silva; MACEDO, Ana Paula Morais de Carvalho;

COSTA, Nilza Maria Vilhena Nunes da. Supervisão colaborativa e desenvolvimento

profissional em Enfermagem. Revista de Enfermagem Referência, série IV, n. 2, maio/jun.,

2014, p. 101-109.

POMIAN, K. Enciclopédia Einaudi, v. 29. Tempo e Temporalidade. Lisboa: Imprensa

Nacional, Casa da Moeda, 1993.

PRIGOGINE, I. O reencantamento da natureza. In: WEBER, R. (Org.). Diálogos com

cientistas e sábios: a busca da unidade perdida. São Paulo: Cultrix, 1986.

PRIGOGINE, I. O nascimento do tempo. Universo da Ciência, Edições 70 Ltda., Lisboa,

Portugal, 1990.

PRIGOGINE, I. O Fim das Certezas: Tempo, Caos e as Leis da Natureza. São Paulo;

Editora Unesp; 2011.

ROLDÃO, Maria do Céu. Professores para que: para uma reconceptualização da formação de

profissionais de ensino. Discursos. Série Perspectivas em Educação, dezembro de 2004, p.

95-120.

ROLDÃO, Maria do Céu. (Org.). Ser Professor de 1º ciclo – construindo a profissão, p. 13-

26. Braga: CESC e Almedina, 2005.

ROLDÃO, Maria do Céu. Função docente: natureza e construção do conhecimento

profissional. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, jan./abr. p. 94-103, 2007.

ROLDÃO, Maria do Céu. Função docente: natureza e construção do conhecimento

profissional. Saber (e) Educar. Porto: ESE de Paula Frassinetti, n. 13. 2008, p. 171-184.

ROLDÃO, Maria do Céu. Formação de professores e desenvolvimento profissional. Rev.

educ. PUC-Camp., Campinas, v. 22, n. 2, p. 191-202, maio/ago. 2017.

SAVIANI, D. A Pedagogia no Brasil: história e teoria. 2. Ed. Campinas: Autores

Associados, 2012.

SCHÖN, D. The reflective practitioner: how professionals thinking action. New York:

Basic Books, 1983.

SCHWARTZ, Yves. Trabalho e uso de si. Pro-Posições, Faculdade de Educação,

UNICAMP, v. 1, n. 5 (32), jul. 2000, p. 34-50.

SHULMAN. Lee S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Cadernos

CENPEC, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 196-229, dez. 2014.

Page 298: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

296

SHULMAN. Lee S.; SHULMAN, Judith H. Como e o que os professores aprendem: uma

perspectiva em transformação. Cadernos CENPEC, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 120-142,

jan./jun. 2016.

SILVA, A. M. Valores e usos do tempo dos professores: a (con)formação de um grupo

profissional. 2014. 172 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

SILVA, Ana Conceição Elias. Egressos da Pedagogia/Convênio 035/94-FUFMT: onde

estão e o que pensam sobre sua formação. 2007. 155 f. Dissertação (Mestrado em Educação) -

Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2007.

SILVA, Ana Tereza Reis da. Ecoformação: reflexões para uma Pedagogia ambiental, a partir

de Rousseau, Morin e Pineau. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 18, p. 95-104,

jul./dez., 2008, Editora UFPR.

SOUZA, Cintia dos Santos. O acompanhamento de egressos do curso de Pedagogia como

indicador de avaliação institucional na UNIR. 2014. 102 f. Dissertação (Mestrado em

Educação) - Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2014.

SOUZA, Maria Aparecida de Lima. Práticas pedagógicas de egressos do curso de

Pedagogia a Distância da Universidade Federal de Mato Grosso. 2010.153 f. Dissertação

(Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2010.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em

educação. São Paulo: Atlas, 1987.

TSCHUDI, Mariana. Vídeo-Arte. Tejido Andino. Exibido na Mostra de Arte Pachatopías

da PUCP. Amano, Museu Têxtil Pré-colombiano. Peru, Abril 2017.

UFMT. Universidade Participativa: um Compromisso Social. Universidade Federal de

Mato Grosso. Coordenação de Comunicação Social. Revista 30 anos da UFMT. Desafios e

conquistas. Cuiabá, 2000.

UFMT. Projeto Político Pedagógico. Coordenação do curso de Pedagogia. Instituto de

Educação, UFMT, 2008.

VIEIRA, Josimar de Aparecido. Qualidade da formação inicial de pedagogos: indicadores

na visão de egressos. 2011. 211 f. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.

VIESENTEINER, J. L. O conceito de vivência (Herlebnis) em Nietzsche: gênese, significado

e recepção. Kriterion, Belo Horizonte, n. 127, jun., 2013, p. 141-155.

WIEBUSCH, Andressa; BREZOLIN, Caroline Ferreira; FARENZENA, Marilene Leal.

Pedagogas e suas trajetórias formativas: reflexões sobre a formação docente. Vivências.

Revista Eletrônica de Extensão da URI, v. 11, n. 21, p. 158-170, out. 2015.

Page 299: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

297

ZABALZA, Miguel A. Novos desafios na formação de professores. In: IMBERNÓN,

Francisco; SHIGUNOV NETO, Alexandre; FORTUNATO, Ivan (Org.). Formação

permanente de professores: experiências ibero-americanas. São Paulo: Edições Hipótese,

2019.

ZEICHNER, K. M. Políticas de formação de professores nos Estados Unidos: como e por

que elas afetam vários países no mundo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

ZEICHNER, K. M. Uma análise crítica sobre a ―reflexão‖ como conceito estruturante na

formação docente. Educ. Soc., Campinas, v. 29, n. 103, maio/ago., 2008. p. 535-554.

Page 300: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

298

APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO Nº 1

LEVANTAMENTO DE INFORMAÇÕES PARA PESQUISA DE DOUTORAMENTO DE

DEJACY DE ARRUDA ABREU/ PPGE/UFMT

Estas perguntas são sobre você, sua formação e atuação profissional

a. Ano de início e término do curso de Pedagogia

Início: 2006 Término: 2009

b. Qual é a sua idade?

Menos de 25 ( ) 25-29 ( ) 30–39 ( X ) 40-49 ( ) 50-59 + ( )

c. Sexo: F ( X ) M ( )

d. Qual o nível mais elevado de educação formal que você concluiu?

( ) Educação Superior – Licenciatura em Pedagogia

( X ) Especialização (Lato Sensu)

( ) Mestrado (Stricto Sensu)

( ) Doutorado (Stricto Sensu)

Outra especificação___________________

e. Onde está atuando profissionalmente:

Instituição pública: Municipal ( X ) Estadual ( ) Federal ( )

Instituição privada ( ).

f. Qual forma de contratado de trabalho: Celetista ( X ) Estatutário ( ). Outra

especificação:________________________

( ) 20h semanais

( X ) 40h semanais

( ) Outra especificação de Tempo _________

g. Qual função está exercendo?

Professora - Coordenadora

h. Atua em mais de uma instituição?

Sim ( ) Não ( X ). Em quantas? _____________

i. Tempo de atuação profissional:

Entre 1 a 5 anos ( X ) ; Entre 5 a 10 anos ( ) ; Outras especificações_______

j. Aceita fazer parte de uma pesquisa de doutorado que envolverá egressos do curso de

Pedagogia IE/ UFMT.

Sim ( X ) Não ( )

k. Como gostaria de ser identificada nesta pesquisa?

M.A.S.

OBRIGADA PELA SUA COLABORAÇÃO!

Page 301: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

299

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM EGRESSAS(OS) DO CURSO DE

PEDAGOGIA/IE/UFMT

A pesquisa intitulada: ―Tempo e temporalidade no desenvolvimento profissional de

egressos de Pedagogia‖ 41

tem por objetivo compreender as implicações do tempo e da

temporalidade na tecitura e ressignificação da formação profissional de egressos de um curso

de Licenciatura em Pedagogia, examinando o seu constituir-se profissionalmente.

As informações, mantidas em sigilo, comporão e constituirão a base de dados para a

elaboração da tese de doutoramento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal de Mato Grosso.

Tendo presente essa proposta de pesquisa, lhe agradeço e solicito a gentileza de

realizar uma entrevista sobre sua formação inicial e profissional na perspectiva da formação

humana dentro do contexto do Desenvolvimento Profissional de professores.

1 No que se refere à dimensão pessoal:

-Conte-me um pouco de você (sua formação pessoal dentro da sua cultura familiar)

-O que vem em sua cabeça (mente), quando falamos de tempo? (Poderá aparecer memórias,

reminiscências, conceitos, representações, percepções, subjetividades de sua experiência e

consciência humana – isso não será dito serve somente para orientar a percepção da

pesquisadora)

2 No que se refere à dimensão da formação inicial:

- O que trouxe você para um curso de Licenciatura em Pedagogia? (Motivações relacionadas

à escolha do curso)

- Para você, o que é a Pedagogia?

- O que pensa sobre as perspectivas da Pedagogia e as possibilidades de atuação profissional

dos pedagogos? (As Diretrizes Curriculares Nacionais para Pedagogia (DCNP) de 2006

ampliaram a área de atuação do pedagogo. A partir desse período ocorreu a reformulação do

curso de Pedagogia da UFMT).

-A sua formação na Pedagogia contribui com a sua vida profissional?

3 No que se refere à atuação profissional:

41

Título original do trabalho. Em decorrência do desenvolvimento das análises, vislumbrou-se a possibilidade de

alterar o título por mais adequadamente expressar as discussões e compreensões feitas a partir das falas das

egressas que participaram da pesquisa e considerando a construção conceitual do trabalho, a presente pesquisa

passou a ser assim intitulada: Egressos da Pedagogia: implicações de tempos e temporalidades na formação docente.

Page 302: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

300

-Sua inserção profissional se deu antes, durante ou depois da conclusão do curso de

Licenciatura em Pedagogia?

-Fale sobre sua atuação profissional.

- Você relaciona o curso de Licenciatura em Pedagogia aos conhecimentos e habilidades

exigidos em sua atuação profissional?

- Que contextos e experiências formativas vêm contribuindo com o seu desenvolvimento

profissional docente?

-Fale sobre sua participação nos cursos de formação oferecidos pela Rede de Ensino que você

atua. (Perceber se há algum fator contextual que dificulta essa participação)

-Quais são características importantes de um curso que contribua para a sua formação

continuada?

-Como é vista a Formação Continuada pela Rede de Ensino que você atua?

- O que você considera importante para o seu desenvolvimento profissional?

-Como você lida como o tempo no dia a dia de sua atuação profissional?

-Quais são as experiências de desenvolvimento profissional vividas por você (pós-graduação,

concurso, participação em associações, sindicatos, formação continuada, sua participação em

eventos da educação)?

-Como diferencia o tempo do trabalho e os demais tempos em seu dia a dia?

-O que faz quando não está no trabalho?

Observação: Antes de começar a entrevista, os colaboradores desta pesquisa já devem ter

assinado o termo de consentimento.

Page 303: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

301

APÊNDICE C – TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO EM

EDUCAÇÃO

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) a participar como voluntário (a), da pesquisa ―Tempo e

temporalidade no desenvolvimento profissional: egressos de Pedagogia 2009 e 2013‖. A

pesquisadora responsável por este trabalho é Dejacy de Arruda Abreu, vinculada ao Programa

de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato

Grosso – PPGE/IE/UFMT.

Pretende-se, com essa pesquisa, alcançar o seguinte objetivo: compreender as implicações

do tempo e da temporalidade na tecitura e ressignificação da formação profissional de

egressos de um curso de Licenciatura em Pedagogia, examinando o seu constituir-se

profissionalmente para além do tempo e temporalidades hegemônicas que venham a

condicionar seu trabalho.

Sua participação nessa pesquisa consistirá em fornecer informações enquanto egresso do

curso de Pedagogia por meio de entrevistas estruturadas e semiestruturadas, podendo ser por

escrito, gravadas em um gravador de voz digital e ou filmadora.

Após o acesso às entrevistas digitais, escritas e/ou filmagens, a pesquisadora transcreverá

na íntegra a fala do(a) entrevistado(a) para posterior análise interpretativa.

Sua participação é voluntária e você poderá se retirar do trabalho a qualquer momento. Sua

recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador, ou com a continuidade

do estudo. As informações obtidas através da referida pesquisa serão confidenciais e

asseguramos o sigilo sobre sua participação. Informo também que os riscos da pesquisa são

mínimos, os egressos poderão ou não sentir algum desconforto emocional ao tomarem nas

mãos as memórias do seu tempo de formação inicial, bem como perceberem possíveis

descobertas e conquistas dessa trajetória. Quanto aos benefícios, os egressos sujeitos dessa

pesquisa não terão benefícios de modo direto, mas indiretamente, eles poderão ser traduzidos

na oportunidade de compreender como se constitui a sua trajetória de formação. Ainda,

Page 304: EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS E … de... · 2021. 1. 15. · Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel,

302

perceberem os múltiplos tempos que atravessaram e atravessam sua formação e como vão

construindo-se como pessoa e profissionais.

Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço da instituição

onde está vinculado a pesquisa e o pesquisador, podendo, desse modo, em qualquer momento,

tirar dúvidas sobre o trabalho e sua participação na pesquisa.

Pesquisadora: Dejacy de Arruda Abreu, Universidade Federal de Mato Grosso/Campus

Universitário de Cuiabá – Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação

da Universidade Federal de Mato Grosso– PPGE/IE/UFMT. Telefone para contato: (XX)

XXXX-XXXX, e-mail: XXX@XXX.

No que se refere ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Área das

Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso (CEP/UFMT), caso

sinta necessidades poderá entrar em contato com a Prof.ª Drª. Rosangela Kátia Sanches

Mazzorana Ribeiro que é a coordenadora responsável do referido comitê. O CEP/UFMT é um

colegiado interdisciplinar e independente, de relevância pública, de caráter consultivo,

deliberativo e educativo, criado para defender os interesses dos participantes da pesquisa em

sua integridade e dignidade e tem como uma de suas funções receber denúncias em caso de

irregularidades sob o aspecto ética na pesquisa. Telefone: (65) 3615-8935, e-mail:

[email protected].

Considerando os dados acima, CONFIRMO estar sendo informado(a) por escrito e

verbalmente dos objetivos desta pesquisa.

Eu_________________________________________________________________________

_____ Idade:______ Sexo:_____________

Naturalidade:__________________________________ portador (a) do documento RG

nº________________________ declaro que entendi os objetivos propostos, bem como os

riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar. Compreendo

tudo o que me foi explicado sobre o estudo a que se refere este documento e aceito participar

do mesmo. Afirmo ter conhecimento dos procedimentos de coleta de dados, autorizando o seu

desenvolvimento. Declaro ainda estar ciente das atividades dessa investigação, e, portanto,

comprometo-me colaborar no que for necessário com agenda de encontros previamente

combinada.

Assinatura do participante:......................................................................................

Assinatura do pesquisador:......................................................................................

Cuiabá/MT__________ de _____________________2018.