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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
DEJACY DE ARRUDA ABREU
CUIABÁ/MT
2019
EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE TEMPOS
E TEMPORALIDADES NA FORMAÇÃO DOCENTE
DEJACY DE ARRUDA ABREU
EGRESSOS DA PEDAGOGIA: IMPLICAÇÕES DE
TEMPOS E TEMPORALIDADES NA FORMAÇÃO
DOCENTE
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso
como requisito para obtenção do título de Doutora em
Educação. Área de Concentração: Educação. Linha
de Pesquisa: Organização Escolar, Formação e
Práticas Pedagógicas.
Orientadora: Professora Doutora Ozerina Victor de
Oliveira
CUIABÁ/MT 2019
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.
A162e Abreu, Dejacy de Arruda.Egressos da Pedagogia : implicações de tempos e
temporalidades na formação docente / Dejacy de Arruda Abreu. --2019
303 f. : il. color. ; 30 cm.
Orientadora: Ozerina Victor de Oliveira.Tese (doutorado) - Universidade Federal de Mato Grosso,
Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,Cuiabá, 2019.
Inclui bibliografia.
1. Tempo. 2. Temporalidade. 3. Formação profissional. 4.Egressos. 5. Pedagogia. I. Título.
Meu primeiro agradecimento é à força que sempre me sustentou e, sem a qual, jamais
chegaria até aqui: Deus.
Agradeço a paciência e o apoio de minha mãe, Dona Aide e do meu irmão Darcy. A
minha mãe pelos dias, semanas, meses e anos, sempre me dizendo: ―você consegue, vai dar
tudo certo! Peça a Deus sabedoria. Deus nunca dá nada pela metade, confie‖.
Agradeço à minha querida sobrinha Sofia, também pela paciência. Ela sempre me
dizia: ―já está acabando tia?‖ Vem brincar comigo! Que, às vezes, chorava e dizia: a tia só
quer trabalhar, trabalhar. Ao Daniel, meu sobrinho, que sempre que chegava em minha casa,
tirava-me totalmente da rotina. Eu, Sofia e ele, naquele momento, era só brincar. Me faziam
esquecer que estava na pressão das produções. Que, por onde eu ia, estavam comigo, com o
lema: ―só brincar!‖ Daniel, dizia: titia, vamos ―blumm!!!‖‖. Era assim que me pedia para
passear de carrinho com ele. Sinto-me imensamente grata ao autor da vida e da esperança que,
no último dia de setembro deste ano (2019), nos concedeu a alegria de poder receber Alice
pela maternidade da minha cunhada Flávia Brum Lopes. Alice, minha sobrinha, Sol da manhã
radiante. Gratidão imensa ao autor da vida!
Agradeço (in memoriam) ao meu pai, seu Darcy, que sempre se alegrou por ter uma
filha professora formada, inicialmente, lá no Magistério. Hoje, Doutora em Educação. Sua
alegria, sem dúvida, seria imensa. Saudades, meu querido pai!
À minha colega de Doutorado e amiga, Jucilene Moura de Oliveira, que foi sempre
parceira de estudos, produções e partilhas de vida e grandes aprendizados. À Deusodete Rita
da Silva Aimi, que de longe ou de perto, foi sempre uma amiga para todas as horas, tanto de
trabalho quanto de estudos e ricas partilhas. Ao Carlos Alberto Caetano, um curioso estudioso
e amigo das epistemologias diversas de Gaston Pineau. Agradeço à professora Gislaene
Moreno e à professora Luzia Guimarães, pessoas amigas que muito me incentivaram nessa
jornada. A vocês, meus amigos e amigas, gratidão pelas múltiplas aprendizagens.
Às egressas do curso de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá, do Instituto de
Educação, turmas de 2009 e 2013. Sou grata às 41 pedagogas que inicialmente se dispuseram
a participar do primeiro levantamento da pesquisa. Também agradeço às 30 egressas que
seguiram no segundo momento da pesquisa. Suas histórias de vida, lutas e conquistas
profissionais e humanas, oportunizaram-me a construção dos fios vitais bioepistêmicos desta
tese. E com eles nasceram novos desdobramentos teórico-reflexivos para a formação docente.
Agradeço a cada uma por tamanha generosidade e parceria. Gratíssima!
AGRADECIMENTOS – SINTO-ME GRATA!
Agradeço ao meu Departamento de Ensino e Organização Escolar, que através das
chefias de Lilian Auxiliadora Maciel Cardoso e Rose Cléia Ramos da Silva, foram sempre
solidárias nessa parceria de desenvolvimento profissional, bem como a cada uma das
professoras e professores que formam esse Departamento, através de Nilza Cristina de
Araújo, Bárbara Cortella Pereira de Oliveira, Marlene Gonçalves, Kátia Morosov Alonso e
Adelmo Carvalho da Silva, Bartolomeu José Ribeiro de Sousa, Michèle Sato. O meu abraço a
cada um, a cada uma, carinhosamente. Gratidão! Especial agradecimento, à professora
Doutora Judith Guimarães Cardoso (professora aposentada), apaixonada pela formação
humana, e que dedicou sua vida profissional intensamente à Pedagogia campus Cuiabá. Um
exemplo de educadora!
Agradeço, de coração, à Professora Ozerina Victor de Oliveira, que me aceitou como
sua orientanda. Que me recebeu em seu grupo de pesquisa, e que, ao longo dessa trajetória de
estudos, seguiu ao meu lado me incentivando, apoiando e desafiando a crescer como docente
e pesquisadora. Receba minha sincera gratidão, Professora.
Nesse mesmo sentido, agradeço ao meu grupo de Pesquisa Políticas Contemporâneas
de Currículo e Formação Docente. Obrigada pelo apoio e parceria de sempre! Também sou
grata ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Política e Formação Docente. Minha gratidão a
todos vocês!
Agradeço à Professora Filomena Maria de Arruda Monteiro pelo carinho,
acolhimento, escuta, sugestões de leituras e as muitas outras contribuições ao longo de todo o
meu processo de estudos. Certamente, não poderia ter escolhido outra pessoa para compor
esta banca. Minha gratidão!
Ao Professor Luiz Augusto Passos, que é uma presença e referência profissional e
humana desde a minha Graduação. Depois, foi meu orientador de Mestrado e uma inspiração
de estudos e aprofundamento no Doutorado nos fios do tempo e da temporalidade. Minha
eterna gratidão!
Agradeço à Professora Celeida Maria Costa de Souza e Silva, que aceitou prontamente
compor esta banca de defesa e respeitosamente trouxe suas contribuições pertinentes ao
objeto de estudo. Minha gratidão!
Agradeço de coração as contribuições da Professora Clarissa Bastos Craveiro, que se
encontra no Canadá fazendo Pós-Doc, mas que se fez presente por meio de sua leitura e
parecer na qualificação deste trabalho. Sou muito grata pela atenção e leitura cuidadosa do
texto enviado à qualificação. Seus apontamentos trouxeram muitas contribuições para o corpo
epistêmico desta pesquisa. Gratidão!
De igual modo, agradeço ao Professor Patrick Paul por seus importantes apontamentos
durante o exame de qualificação. Suas observações foram muito pertinentes para o avanço
desta pesquisa. Desejo plena recuperação de sua saúde após a cirurgia cardíaca que precisou
ser submetido. Muito aprendi nas leituras dos escritos de pesquisa, os quais versam sobre a
saúde humana de modo integral, centrada no ser-pessoa em uma concepção de formação
humana transdisciplinar. Merci beaucoup!
Também me alegrei com a participação e contribuição da Professora Érika Virgílio
Rodrigues da Cunha no tocante à construção desta tese. Gratíssima por esta parceria e pelas
ricas contribuições!
Agradeço à Professora Rute Cristina Domingos da Palma, tanto por compor esta
banca, como pelo apoio que sempre me concedeu na ocasião quando estava à frente da
Coordenação da Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da UFMT. E,
juntamente contigo, professora, agradeço a toda sua equipe de trabalho. Sou grata a todos os
servidores que sempre me auxiliaram em todas as necessidades que tive durante o Doutorado.
Em nome de Luísa Teixeira Santos agradeço a todos.
Agradeço imensamente o incentivo e apoio da Universidade Federal de Mato Grosso
por essa oportunidade de crescimento humano e profissional.
A todos vocês, meus familiares, amigos, amigas, professoras e professores, minha
gratidão. A jornada não seria possível sem a presença de vocês. Se, por acaso, cresci um
pouco mais, como ser-mulher, profissional e cidadã da Educação, devo isso a todos vocês.
Figura 1- Lugar das minhas memórias Figura 2 - Lugar das minhas memórias
Fonte: acervo da pesquisadora, 2017. Fonte: acervo da pesquisadora, 2017.
Sinto-me atravessada pelo tempo. O tempo está em mim, e eu estou no tempo, estou
sendo o tempo. Sinto-me nas minhas entranhas, sinto no pulsar da vida, a gestação do meu
próprio tempo.
Ora, quando criança eu observava as coisas, as sentia gigantes, pareciam fixas, fortes e
permanentes. A sensação do tempo era extensa, duradoura. Um único dia era como uma longa
travessia. Um mês, eu me perdia na espera. Já um ano, uma viagem que no horizonte do meu
sentir só ia, e sumia que até pra mim não existia, pois desaparecia quando eu me distraia...
A rua, a rua das minhas infâncias, o ponto certo das brincadeiras, das travessuras, das
amizades, das histórias de poço sem fundo, onde, bem no fundo, encontrávamos ouro,
princesas de longos cabelos e belos castelos.
Tudo parecia que fazia sentido. Até discos voadores nos meus sonhos existiam.
Nas calçadas e nas ruas, jogávamos amarelinha, Sete Marias, finca fica... O incrível
mesmo era subir e descer o morro que atravessava a cidade de um lado para o outro. De um
lado, uma parte da cidade. Do outro, outra parte também. Era um vai e vem!!!
Nesse tempo, olhava muito para o céu. Brincava com os formatos das nuvens, contava
a estrelas e até carneirinhos; e quando vinha a chuva, gostava mesmo de ver os barquinhos de
papel que singravam nas ruas, se precipitavam em correntezas, nelas desciam e se perdiam.
Férias, nem sabia o que era isso. Todos os dias eram dias de brincar. As lições, nunca
via minha mãe determinar a mim um horário de estudos. Sozinha, sempre fazia sem ninguém
acompanhar. Era sempre assim: pronto, terminei! Aqui está! Já sei... Fui!
Assim, eu crescia. Tudo crescia... Eu continuava no meu tempo deitada em mim, sem
com nada me importar. Do meu jeito e lugar, sabia o ―momento certo‖ de fazer as coisas, pois
alguém ia me lembrar. E, de tanto olhar, percebia que cada coisa tinha o seu devido lugar.
Um dia, sim, um dia, que ficou preso em alguma parte, lá bem longe, está nas minhas
lembranças. Recordo-me do rio que era longo e fino, de margens avantajadas de vegetação.
Ali eu ficava deixando a água precipitar por mim. Só lembro que tinha a cabeça apoiada em
alguma pedra que ficara por lá, e o rio no seu curso a lapidava. Eu só sentia, como era bom ali
ficar, sem mais nada pra incomodar. Só eu e o rio a testemunhar a paz que ninguém vinha
roubar.
Animais de criação, eu nem queria saber de abater. Isso era cruel! Jamais! Se isso, eu
antes sabia, até em sonho eu sofria! No vai e vem do dia, os animais que eu tinha eram na
minha imaginação, todos de estimação, meus amigos, meus irmãos. Ah! E o tempo!!!
Bonito mesmo era na escola cantarolar a música do ―alecrim dourado‖. Isso sim, me
fazia sonhar... Bom mesmo era a merenda, arroz com jabá. Quando o sino tocava, todos nós já
ficávamos por lá, pois havia um pátio onde só se via o reluzeio das cumbucas azuis nas mãos.
E na boca nada mais se balbuciava.
Assim era nos meus tempos de menina. Presos ainda estão, retalhos de bonitas e simples
memórias, em algum lugar do passado a acenar para meu futuro está. (ABREU, 2017)
Figura 3 - Nas tecituras dos tempos e das minhas temporalidades.
Fonte: acervo da pesquisadora, 2017.
RESUMO
A pesquisa integra-se aos estudos educacionais voltados para o campo de formação de
professores e teve como objeto de estudo: formação do profissional docente de egressos de
Pedagogia do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso – campus
Cuiabá. Para essa tecitura, a formação docente é assumida em uma perspectiva de múltiplos
processos de formações, sejam formais e não formais, pessoais, sociais e profissionais.
Estudos dessa natureza, que entrelaçam epistemologicamente tempo, temporalidade e
formação profissional de egressos, ainda não foram realizados. A pesquisa intenciona
contribuir com a discussão da formação de professores em uma concepção de formação
permanente de outros tempos e temporalidades formativas que são tecidos dentro e fora da
academia. Nessa perspectiva, considerando o objeto da pesquisa, teci como questões
orientadoras: quais as percepções profissionais de egressos de Pedagogia? Como o tempo e a
temporalidade permeiam a formação profissional na Pedagogia? Como a formação
profissional de um grupo de professores se constitui no tempo e na temporalidade? Que
relações ou compreensões formativas podem ser estabelecidas entre formação e a tripologia
de Gastón Pineau? Para o tensionamento dessas indagações, elegi como objetivo principal:
compreender as implicações de tempo e da temporalidade na tecitura e ressignificação da
formação profissional de egressos de um curso de Licenciatura em Pedagogia, examinando o
seu constituir-se profissionalmente para além do tempo e temporalidades hegemônicas que
venham a condicionar seu trabalho. Em termos teóricos, de conceitos múltiplos sobre tempos
e temporalidades, os estudos fundamentam-se nas compreensões de Merleau-Ponty (2006;
1999), Norbert Elias (1998), Pineau (2010; 2006; 2005; 2003), Prigogine (2011; 1990),
Passos (2005; 2003) Patrick Paul (2014; 2009), dentre outros. Para compreender os múltiplos
processos que constituem a formação do profissional docente, dialogo com as contribuições
de García (2009; 1999), Pineau (2010; 2005; 2003), Paul; Pineau (2005), Nóvoa (2016; 2009;
1995; 1992), Shulman (2016; 2014); Zeichner (2013; 2008), Roldão (2014; 2008; 2007;
2004); Tardif (2002); no que tange à Pedagogia, sua historicidade e sua constituição
intercruzada com a educação-formação, utilizei os estudos de Saviani (2012); Gauthier e
Tardif (2014), Aranha (1996); Brzezinski (2006; 1996) entre outros. Neste trabalho, que tem
orientação qualitativa, optei por construir o percurso metodológico considerando um tecido
usado pelos povos andinos denominado de aguayo. Assumo o aguayo como uma metáfora e
como ferramenta metodológica e fenomenológica, no qual busquei inspiração e orientação
para tecer os caminhos da pesquisa. Lancei mão deste recurso desde a composição dos dados
às compreensões formativas humanas/profissionais de tempo e temporalidade das egressas no
tecer das biotecituras em forma de aguayos vivos e vividos. Esse movimento possibilitou-me
realizar alguns fechamentos compreensivos a respeito dessa temática de formação profissional
docente. Na delimitação espaço-temporal da pesquisa, realizei revisões bibliográficas de
natureza exploratória e um estudo documental pautado nas diretrizes curriculares para
Pedagogia, de 2006. Diante dessa orientação, examinei a Proposta Pedagógica do curso de
Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá. Posteriormente, realizei dois levantamentos para
composição dos dados. Um deles teve caráter quantitativo, e ajudou a localizar o número de
egressos em dois períodos formativos (2009 e 2013); o outro exploratório, de caráter fechado,
e auxiliou na localização de quem são e onde estão esses egressos. Finalmente, foi realizada
uma entrevista semiestruturada envolvendo 30 egressos, contemplando os dois períodos. As
entrevistas constituíram-se em composições denominadas posteriormente de biotecituras. O
trabalho de campo se articulou dentro de três dimensões: pessoal, formação inicial e atuação
profissional, as quais são intercruzadas por múltiplos tempos e temporalidades, considerados
fios mestres que ajudaram na constituição da tese, a partir das biotecituras. Como caminho de
análise, dialoguei compreensivamente com as biotecituras de 30 egressas. No tocante aos
elementos tempos e temporalidades, presentes nas biotecituras analisadas e situadas em um
contexto macro e microssocial, cultural e educacional, observei que as ações/reflexões
pedagógicas são orientadoras de conhecimentos. Nesse contexto, tais conhecimentos são
permeados por conflitos entre o chrónos relativo às esferas social e pessoal, e são mediados
por uma tecnologia decorrente de uma cultura cronoperformática e esquizocrônica, que impõe
condições à formação docente, que por sua vez, recontextualizam-se frente aos desafios da
prática a sua atuação profissional, impondo-se por sua resistência e suas subjetividades
ressignificadas. Conclui-se que há necessidade de compreender nos processos diversos, tanto
da formação inicial como permanente, os tempos pessoais que intercruzam os tempos sociais
e formativos, abrindo, por conseguinte, espaço às temporalidades, assumindo a formação
humana e profissional como um devir permanente, um novo sincronizador cronoformador,
reconciliando os tempos e as temporalidades do ser da percepção em formação em vista de
uma esquizocronia combatida.
Palavras-chave: Tempo. Temporalidade. Formação profissional. Egressos. Pedagogia.
ABSTRACT
This research integrates the educational studies focused on the field of formation of educators.
It has as object of study the formation of the educators who have finished their university
education on the Pedagogy Institute of the Federal University of Mato Grosso – campus
Cuiabá. Based on this texture, the formation of the educators is assumed on the perception of
multiple processes of formation, formal and non-formal, personal, social and professional.
Studies of this educational line in which counted on epistemologically interlace time,
temporality and professional formation of the educators, have not yet been carried out. The
research aims at contributing to the discussion on the formation of educators based on the
conception of the permanent formation of other formative times and temporalities that are
woven inside and outside the university. Based on this viewpoint and considering the studied
object of the research, it was asked as guiding questions: what are the professional perceptions
of the educators of the Pedagogy course? How do time and temporality permeate the
professional formation in Pedagogy? In what way is the professional formation of a group of
educators constituted in time and temporality? What relations or formative understandings
may be established between the formation and Gastón Pineau's tripology? In order to tension
these questions, it was chosen as the main objective of the study, to understand the
implications of time and temporality in the weaving of the bond and resignification of the
professional formation of educators of the Pedagogy course, as well as, examining their
professional constitution beyond the time and hegemonic temporalities that will condition
their educational labor. In theoretical terms, of multiple concepts about times and
temporalities, the studies counted on the concepts of Merleau-Ponty (2006; 1999), Norbert
Elias (1998), Pineau (2010; 2006; 2005; 2003), Prigogine (2011; 1990), Passos (2005; 2003)
Patrick Paul (2014; 2009), among others researchers. In order to understand the multiple
processes that constitute the formation of the educators, it was used the contributions of
García (2009; 1999), Pineau (2010; 2005; 2003), Paul; Pineau (2005), Nóvoa (2016; 2009;
1995; 1992), Shulman (2016; 2014); Zeichner (2013; 2008), Roldão (2014; 2008; 2007;
2004); Tardif (2002). Regarding to the Pedagogy area, its historical route and intercrossed
constitution with formation-education context, the study counted on the thoughts of Saviani
(2012), Gauthier and Tardif (2014), Aranha (1996), Brzezinski (2006; 1996), among others
researchers. This study was guided by a qualitative direction. It was chosen as the
methodological route a tissue used by the Andean peoples called aguayo. It was assumed
aguayo as a metaphor and as a methodological and phenomenological instrument. This
metaphor tool was used as inspiration and guidance to weave the paths of research. It was
used this resource from the arrangement of the data concerning the human/professional
formative understandings of the time and temporality of the educators on their interlacing of
the bio textures forms of alive and livid aguayo. This movement allowed to reveal some
comprehensive findings on the studied theme of professional educators‘ formation. In the
space-time delimitation of the research, it was conducted an exploratory bibliographic review
and a documentary study based on the 2006 Curricular Guidelines of Pedagogy. Based on this
orientation, it was examined the Pedagogical Guidelines of the Federal University of Mato
Grosso, precisely the Pedagogy course, campus Cuiabá. Subsequently, it was conducted two
surveys for data gathering. One survey was characterized as a quantitative type, and gave
support to trace the number of graduates in two formative educational years (2009 and 2013);
the other of exploratory, character, helped to find who these participants were and where they
were. Finally, it was done a semi-structured interview involving 30 participants, covering this
way both educational periods. The interviews were consisted of compositions which were
later called bio textures. Concerning the field research procedure, it was used three
dimensions: personal, initial formation and professional work which were interlaced by
multiple times and temporalities, as well as, it was considered the guiding traces which gave
support to construct the research based on the bio textures. Regarding the analysis of the
findings, it was done a comprehensive bio textures of thirty participants. Concerning the
elements termed times and temporalities, present in the analyzed bio textures and situated in a
macro and microsocial, cultural and educational context, it was observed that the pedagogical
actions/reflections are guided by knowledge. In this context, such knowledge is permeated by
conflicts between the chrónos relative to the social and personal spheres. It is also mediated
by a technology resulted from a chronoperformatic and schizochronic culture, which imposes
conditions on educators‘ formation which, recontextualize facing challenges on their
professional performance, as well as, imposes resistance and resignified subjectivities. The
conclusions pointed a need of a understanding concerning multiple processes, both initial and
permanent formation, personal times that intertwine social and formative times, consequently,
opening space to temporalities, assuming human and professional formation as an endless
becoming, a new chronoform synchronizer, reconciling the times and temporalities of the
being on the perception in the formation in view of a struggled schizocrony.
Keywords: Time. Temporality. Professional formation. Graduate educators. Pedagogy.
LISTA DE SIGLAS
ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
ANPAE – Associação Nacional de Política e Administração da Educação
BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
CAE – Coordenação de Administração Escolar
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CFE – Conselho Federal de Educação
CLE – Consentimento Livre Esclarecido
CNE – Conselho Nacional de Educação,
CP – Conselho Pleno
DCNP – Diretrizes Curriculares Nacionais para Pedagogia
DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais
DPD – Desenvolvimento Profissional Docente
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
IE – Instituto de Educação
IFEs – Instituições Federais de Ensino Superior
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MT – Mato Grosso
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
PPP – Projeto Político Pedagógico
Q1 – Questionário 1
SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
STI – Secretaria de Tecnologias e Informação
SISU – Sistema de Seleção Unificada
TDI – Técnica de Desenvolvimento Infantil
SINTEP – Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública
UFMT – Universidade federal de Mato Grosso
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UNEB –Universidade do Estado da Bahia
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNIVILLE –Universidade da região de Joinville
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Levantamento de Teses e Dissertações – Repositórios da CAPES (2017) ............ 64 Quadro 2 - Levantamento de teses e dissertações repositórios da CAPES/2017 ................... 124 Quadro 3 - Levantamento de artigos e teses que apresentam contribuições de Gastón Pineau
na sua teoria tripolar de formação .......................................................................................... 135 Quadro 4 - Síntese orientadora das três dimensões do roteiro de entrevista da pesquisa de
campo ..................................................................................................................................... 165 Quadro 5 - Múltiplas percepções do tempo ............................................................................ 266
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Lugar das minhas memórias.....................................................................................05
Figura 2 - Lugar das minhas memórias.....................................................................................08
Figura 3 - Nas tecituras dos tempos e das minhas temporalidades...........................................09
Figura 4 - Apresentação em um evento religioso em São Paulo .............................................. 23
Figura 5 - Defesa de Mestrado da pesquisadora ....................................................................... 23 Figura 6 - Circularidade rizomática ........................................................................................ 161
Figura 7 - Múltiplos movimentos relacionais ......................................................................... 165 Figura 8 - Egressas - Percepções de autonomizações............................................................. 179 Figura 9 - Pedagogia: construções-ressignificações epistêmicas e humanas ......................... 200
Figura 10 - Ampliação da área de atuação na Pedagogia: compreensões das egressas .......... 213 Figura 11 - Processos de autonomizações profissionais ......................................................... 242
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Pesquisa de Levantamento de dados- STI/CAE – ingressantes por ano ................ 46 Gráfico 2 - Pesquisa de Levantamento de dados- STI/CAE – concluintes por matrícula e ano
.................................................................................................................................................. 47 Gráfico 3 - Perfil dos egressos por turma ................................................................................. 50
Gráfico 4 - Perfil dos egressos por idade .................................................................................. 50 Gráfico 5 - Perfil dos egressos por sexo ................................................................................... 51 Gráfico 6 - Perfil dos egressos por setor de atuação profissional ............................................. 51
Gráfico 7 - Perfil dos egressos por modalidade vínculo profissional ....................................... 52
Gráfico 8 - Perfil dos egressos por jornada de trabalho ........................................................... 52
Gráfico 9 - Perfil dos egressos por função profissional ........................................................... 53 Gráfico 10 - Perfil dos egressos com atuação em múltiplas instituições.................................. 53
Gráfico 11 - Perfil egressos por tempo de atuação profissional ............................................... 54 Gráfico 12 - Panorama de atuação por turmas ......................................................................... 55 Gráfico 13 - Perfil pedagogos que atuam na área de formação – turma 2 ............................... 55
Gráfico 14 - Perfil pedagogos que atuam na área de formação – turma 1 ............................... 56 Gráfico 15 - Perfil pedagogos que atuam na área de formação – turma 2 ............................... 56
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 17 CAPÍTULO I – REMEMORANDO OS TEMPOS: ―TECENDO‖ O AGUAYO ................... 29
1.1 Fios da vida: tecituras autopoiésis ............................................................................. 30
1.2 Caminho teórico-metodológico da pesquisa .............................................................. 36 1.3 Percursos e tecelagem dos primeiros fios colaborativos da pesquisa: o universo dos
egressos ................................................................................................................................. 46 CAPÍTULO II – TEMPO E A TEMPORALIDADE NA PEDAGOGIA ................................ 61
2.1 Tensionamento de fios: o que dizem as pesquisas sobre os egressos de Pedagogia? .... 62
2.2 Desencadeamentos de fios: o tecimento da constituição da Pedagogia ......................... 80 2.3 Temporalizando os fios da Pedagogia na Universidade Federal de Mato Grosso ......... 96
CAPÍTULO III – MÚLTIPLOS TEMPOS, TEMPORALIDADES E FORMAÇÕES ......... 109 3.1 Tecituras dos tempos e das temporalidades .................................................................. 111
3.1.1 Teares artesanais para construção de fios de entendimentos: estudo do saber ...... 122 3.2 Temporalidades na formação do profissional docente: concepções e diálogos com
Gaston Pineau ..................................................................................................................... 131
3.2.1 Tecelagem de fios epistêmicos: diálogo e aproximações com o movimento tripolar
de formação .................................................................................................................... 133 3.2.2 Nos fios da formação do profissional docente: sínteses compreensivas ............... 145
3.3 A hegemonia do tempo performático: tensões-tramas-e-nós ....................................... 152
CAPÍTULO IV – TECITURAS DA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DOCENTE: AS
IMPLICAÇÕES DOS TEMPOS E DAS TEMPORALIDADES .......................................... 156
4.1 A pesquisa: movimentos e desdobramentos ................................................................. 158 4.2 A dimensão pessoal das egressas de Pedagogia: constituição das subjetividades nos
processos bioformativos ..................................................................................................... 167 4.3 Dimensão-formação inicial de egressas de Pedagogia: construções-ressignificações e
empoderamentos bio-epistêmicos....................................................................................... 180 4.3.1 Percepções das egressas de Pedagogia frente à ampliação da área de atuação ..... 201
4.4 Contextos formativos e processos de autonomização: dimensão profissional das
egressas ............................................................................................................................... 214 4.4.1 Percepções e reflexões frente às formações da Rede de Ensino ............................ 227
4.5 Implicações de tempos e temporalidades nas tecituras da dimensão pessoal-formação
inicial e na atuação profissional.......................................................................................... 243 4.5.1 Entre tempos performáticos-esquizocrônicos e tempos formadores ..................... 268
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 290 APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO Nº 1 ............................................................................... 298 APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM EGRESSAS(OS) DO CURSO DE
PEDAGOGIA/IE/UFMT ........................................................................................................ 299 APÊNDICE C – TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO .................... 301
17
INTRODUÇÃO
É notório que a educação se constituiu como um patrimônio da humanidade, o que fica
evidente em inúmeras pesquisas, tanto nacionais como internacionais. A educação formal de
um povo não só eleva sua capacidade de ver e pensar o mundo, como também de agir, o que
também contribui para assegurar sua história como patrimônio cultural-humano.
Foi possível construir esse pensamento mediante as leituras que realizei junto a várias
obras que tratam da educação e da formação do professor. Leituras e releituras que foram
possíveis de se fazer considerando a minha própria trajetória de formação humana-
profissional. Ora, ao abrir as janelas do meu tempo e da minha temporalidade de formações,
me observo como se estivesse em um filme, vendo do alto a minha trajetória sendo exposta
conforme minhas memórias são acessadas ou evocadas. Vejo uma jovem sonhadora e
buscadora, que encontrou, nos vários processos de formação, um caminho que desemboca e
se apoia na educação como ferramenta de suporte do desenvolvimento humano e profissional.
Foram experiências que se intensificaram e se diversificaram nas escolhas de vida que fui
assumindo como ser-em-formação. Reconheço todos os meus processos de formação, com
níveis diferentes de entendimento conforme fui me confrontando com experiências sociais,
culturais, religiosas e educacionais. Meu campo de percepção só foi capaz de perceber e
sentir, a partir das elaborações de vida pessoal e formação que eu já havia construído até
então. Quanto mais me expunha aos processos educativo-formativos, mais sentia o
alargamento das minhas percepções e conseguia ressignificar saberes anteriores já aprendidos.
Reconheço que meus processos formativos ocorreram e ocorrem em campos do sentir,
de tempos e temporalidades diversas, pois sou um-ser-um-todo em construção e mudanças. O
tempo aparece no sentido chronos (cronos) do relógio físico e biológico, pois desde cedo
aprendi que tudo respeitava ordem determinada, hierarquia e costumes. E para compreender
ou ter acesso, eu precisava passar por processos que levaria ‗tempo‘, para ter ou ser o que me
seria permitido com a minha própria idade cronológica. Nisso eu via o imperativo do tempo
dos relógios e calendários. Minha temporalidade de percepção que entendo ser minha
subjetividade ficava suspensa ou devido à pouca idade, nem era contabilizada como válida.
Mais uma vez, observo o tempo sendo assumido como condição para maturação do ser-pessoa
e formação humana sem considerar sua subjetividade, a qual só foi considerada por mim, à
medida que fui confrontando com os próprios processos de formação mais elaborados no
sentido de serem reconhecidos e organizados, tanto sociais como acadêmicos.
18
Por isso, entendo que a educação ou os processos de educação são fundamentos da
humanidade, enquanto um conjunto de seres em transformação, transformação no sentido
intrínseco do ser humano como um projeto inacabado, um ser em constate construção,
(des)construção e reconstrução.
Ora, sou eu mesma observadora e testemunha que a educação ou as educações
assumem no corpo que se constitui no mundo, processos de transformação, pois vi a minha
vida e história pessoal sendo por ela e com ela sendo transformada. Foi nesse sentido que
decidi assumir para esta tese de Doutoramento como seu principal objeto ―Formação do
profissional docente egressos de Pedagogia do Instituto de Educação da Universidade Federal
de Mato Grosso – campus Cuiabá‖.
Dentro dessa tecitura, que é a formação em uma perspectiva de desenvolvimento
profissional de professores, assumo o tempo e as temporalidades como fios mestres que
ajudam a tecer, a partir das vozes das egressas1, suas dimensões, tanto pessoais, profissionais
quanto sociais relacionadas ao seu protagonismo formativo.
Decorrente dessa centralidade de pesquisa, elaborei algumas questões orientadoras e
basilares, as quais busquei perscrutar: que relações existem ou podem ser estabelecidas entre
formação, tempo e temporalidade? Como o tempo e a temporalidade permeiam a formação
profissional na Pedagogia? O que constitui as temporalidades da formação na Pedagogia?
Quais as percepções profissionais dos egressos de Pedagogia? Que compreensões formativas
podem ser estabelecidas entre a formação das egressas da Pedagogia e a tripologia de Gastón
Pineau? Como a formação profissional de um grupo de professores se constitui no tempo e na
temporalidade? São indagações que nasceram das minhas percepções e experiências dentro do
curso de Pedagogia, campus sede, na cidade de Cuiabá, no Instituto de Educação, da
Universidade Federal de Mato Grosso (IE/UFMT), ainda da minha atuação como pedagoga
nos Anos Iniciais e na Educação Superior. Para alcançar uma aproximação de entendimento,
tracei o seguinte objetivo geral: compreender as implicações de tempo e da temporalidade na
tecitura e ressignificação da formação profissional de egressos de um curso de Licenciatura
em Pedagogia, examinando o seu constituir-se profissionalmente para além do tempo e
temporalidades hegemônicas que venham a condicionar seu trabalho. Vinculado a esse
objetivo mais amplo, estabeleci outros objetivos para o desdobramento da pesquisa. São eles:
conhecer onde e como os egressos do curso de Pedagogia das turmas concluintes nos anos de
1 Considerando que tive 30 colaboradores para realização da pesquisa e dos 30, 29 são mulheres, optei pelo
gênero feminino, usando egressas e colaboradoras. 2 No entendimento de Garcia (1999), a reflexão contribui para o desenvolvimento de competências
metacognitivas, que permitem conhecer, analisar, avaliar e questionar a prática docente num movimento
reflexivo integral (do pessoal ao profissional). 3 Essa escolha também foi feita tendo presente a composição das biotecituras, as quais trouxeram fortemente a
19
2009 e 2013 estão atuando profissionalmente; identificar, a partir dos estudos de tempo e da
temporalidade, os processos formativos de um grupo de egressos do curso de Pedagogia da
UFMT; analisar de modo compreensivo como egressos da Pedagogia percebem o tempo e a
temporalidade no processo de sua formação profissional; relacionar formação pessoal, inicial
e atuação profissional de egressos da Pedagogia com a tripologia de Gastón Pineau no tocante
às formações.
Nos últimos anos, a temática formação docente tornou-se cada vez mais recorrente nos
debates, estudos, pesquisas e publicações diversas de circulação nacional e internacional,
configurando-se como um campo de estudos.
Desse modo, a ideia de formação que norteia as formulações teóricas dessa
investigação tem origem no campo da formação, pois tratamos de egressas oriundas do curso
de Licenciatura em Pedagogia.
Assim sendo, ao se tomar formação como campo de estudos e exercitando uma
discussão não linear, pesquisadores da educação afirmam que a formação é elemento
fundamental na qualidade da ação educativa. Esse campo científico busca conceber a
formação como movimento, conforme esclarece e explica Roldão (2014, p. 106): ―[...]
formação de profissionais e formação como um processo único e contínuo de
desenvolvimento profissional‖, o que não configura uma situação de discussão simples, pois
exige desse campo de estudos e dos profissionais uma mudança da cultura profissional que
não venha de fora, mas da própria comunidade docente, estrategicamente amparada por dois
eixos fulcrais, a formação como processo de desenvolvimento profissional assentado em uma
supervisão reflexiva2, e a reorganização das escolas como contextos de trabalho de docentes,
produtores de conhecimento profissional.
Esta pesquisa debruça-se sobre o estudo nomeado de Egressos da Pedagogia:
implicações de tempos e temporalidades na formação docente. Tais elementos urgem em um
cenário educacional e social atravessado por um fluxo de mudanças, que vem emergindo nos
últimos anos, a partir de uma reforma educacional orientada por uma tecnologia cultural
calcada em técnicas e artefatos, tais como: gestão de qualidade, controle de produtividade,
impessoalidade, meritocracia, sistema de rede, indicadores de desempenho, avaliações de
larga escala. Esse aparato visa organizar ou comandar a atividade pedagógica orientada por
um novo profissionalismo, em que os professores são controlados pelos resultados dos
2 No entendimento de Garcia (1999), a reflexão contribui para o desenvolvimento de competências
metacognitivas, que permitem conhecer, analisar, avaliar e questionar a prática docente num movimento
reflexivo integral (do pessoal ao profissional).
20
grandes programas/agenciadores de ensino que formatam a escola e os demais espaços de
trabalho da Pedagogia nos moldes do espaço empresarial ou fabril. Emerge assim, uma
estrutura escolar educacional dominada pela racionalidade técnica e pela cultura da
performatividade.
Esse lançar mão à formação profissional de egressos de Pedagogia dentro de uma
perspectiva humana busca contribuir com a discussão da proposta curricular do curso de
Pedagogia da UFMT, tendo presente as percepções desses egressos na construção de sua
formação profissional. Ainda, contribuir com o alargamento do campo de estudos da
formação docente, trazendo para esse campo uma compreensão e a incorporação do tempo e
da temporalidade enquanto dimensões da formação do profissional docente intrinsicamente
ligado ao ser-pessoa.
Nesse emaranhado de fios que compreendem a formação humana e profissional
docente, estabeleci diálogos com as contribuições dos estudos feitos por Garcia (2009; 1999),
Pineau (2010; 2005; 2003), Paul e Pineau (2005), Nóvoa (2016; 2009; 1995; 1992), Shulman
(2016; 2014), Zeichner (2013; 2008), Roldão (2014; 2008; 2007; 2004), Tardif (2002) e, no
que tange à Pedagogia, sua historicidade e sua constituição intercruzada com a educação-
formação, utilizei os estudos de Saviani (2012); Gauthier e Tardif (2014), Aranha (1996);
Brzezinski (2006; 1996), entre outros.
No que se refere a forma, entendo que tal conceito está cunhado como um continuum
de mudanças em uma perspectiva de múltiplos processos de formações, sejam elas formais e
não formais, pessoais, sociais, culturais e profissionais. Ora, para Day (2001, p. 38), esse
processo de mudança é ―um resultado necessário do desenvolvimento profissional eficaz, é
complexo, imprescindível e depende das suas experiências passadas (histórias de vida e de
carreira), da sua disposição, das suas capacidades intelectuais, das convicções sociais e do
apoio institucional‖.
Considerando essa concepção, os processos e percursos são múltiplos, os quais, para
García (1999), se colocam para além de uma concepção que considera a tradicional
justaposição entre formação inicial e formação contínua dos professores. Para o referido
autor, há níveis diferentes de desenvolvimentos ao se tratar do ser pessoa e profissional
docente. Assim, compreendo, para esta tese, que esse movimento é um ―processo contínuo,
sistemático e organizado [...] que abarca toda a carreira docente‖ (GARCÍA, 1999, p. 117), e
se filia às coisas da vida, como assim entende Pineau (2003), que ainda ressalta que ―a
formação está vinculada a toda uma renovação da reflexão educativa‖ (PINEAU, 2010, p.
100). A respeito dessa compreensão, Goguelin (1970, p. 17) esclarece que:
21
Pode considerar-se que o emprego progressivo da palavra formação em substituição
de ensino, instrução e educação - que já se realizou no que diz respeito aos adultos-
marca uma revolução profunda na nossa forma de pensar a Pedagogia: esta deve sair
dos livros e inscrever-se numa perspectiva de ação.
No que concerne ao que indica o referido autor, bem como quanto à compreensão de
Pineau (2010), essa revolução é ação/movimento que ajuda a pensar e repensar a Pedagogia
via formação considerando vários contextos educativos mais amplos e diversificados.
Para este estudo, compreendo o desenvolvimento profissional docente envolvido em
conceitos mais amplos e complexos, os quais abarcam a formação pessoal, acadêmica e
profissional em um desdobramento para aspectos sociais, de gestão educacional e relações
interpessoais e profissionais, que Day (2001, p. 17-18) chama de ―visão alargada da
aprendizagem profissional‖. Nos estudos da área da Educação na perspectiva da docência,
compreendo a amplitude do Desenvolvimento Profissional (DP). No entanto, assumo a
formação3 docente como uma dimensão do DP, o qual abarca diversos processos formativos.
Sendo que a formação é parte desse contexto maior como um dos momentos desse processo.
Assim, sigo tecendo com os fios da formação do profissional docente na Pedagogia,
reconhecendo nela múltiplas dimensões para o constituir-se o ser-professor.
Ora, o movimento de pesquisas voltadas para a formação docente trouxe, nos últimos
anos, para o centro do debate da formação e profissionalização, as dimensões pessoal e
profissional do docente, sem perder de vista os inúmeros fatores que implicam no
desenvolvimento profissional. Nessa perspectiva, Day (2001, p. 20-21) assim comenta:
Desenvolvimento profissional envolve todas as experiências espontâneas de
aprendizagem e as atividades conscientemente planificadas, realizadas para
benefício, direto ou indireto, do indivíduo, do grupo ou da escola e que contribuem,
através destes, para a qualidade da educação na sala de aula. É o processo através do
qual os professores, enquanto agentes da mudança, reveem, renovam e ampliam,
individual ou coletivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do
ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças,
jovens e colegas, o conhecimento, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais
para a reflexão, planificação e prática profissionais eficazes, em cada uma das fases
das suas vidas profissionais.
Os professores individual ou coletivamente reveem, renovam e desenvolvem
compromissos como agentes de mudança no âmbito pessoal ou profissional em seus contextos
de atuação. Concordando com essa mudança, e também com as múltiplas mudanças que
ocorrem ao longo da trajetória pessoal e profissional, é que assumo esse mesmo sentido
trazido pelo referido autor para esta pesquisa, na qual enfatizo que a formação docente é um
formação permanente, tecida e retecida ao longo da vida em uma perspectiva de processos, o
3 Essa escolha também foi feita tendo presente a composição das biotecituras, as quais trouxeram fortemente a
formação como um polo central nos contextos formativos das egressas.
22
que pode implicar em mudanças internas e externas oriundas de diferentes dimensões e
movimentos formativos.
Tal entendimento coincide com o de García (2009, p. 09), para o quem deve-se
―superar a tradicional justaposição entre formação inicial e formação contínua dos
professores‖. Para ele, esses múltiplos processos formativos ―tem uma conotação de evolução
e continuidade‖ e constroem mudanças no ser professor, mas não somente nele. Essas
mudanças estão presentes na profissão docente, mas pertencem ao um quadro mais amplo das
transformações sociais, na qual se inserem, pertencem e agem esses professores.
Segundo García, (1999, p. 19),
[...] a formação pode ser entendida como uma função social de transmissão de
saberes, de saber-fazer ou do saber-ser que se exerce em benefício do sistema
socioeconómico, ou da cultura dominante. A formação pode ser entendida como um
processo de desenvolvimento e estruturação da pessoa que se realiza com um duplo
efeito de uma maturação interna e de possibilidades de aprendizagem, de
experiências do sujeito.
Por isso, entendo que a formação pessoal-profissional vai se desdobrando no
movimento de tempos e temporalidades do ser-docente em vários aspectos de sua vivência
humana e profissional.
De igual modo, considero, para esta pesquisa, que esse movimento ocorre na vida, e
também em níveis diferentes, na escola e em outros espaços de atuação. Nesse caso específico
do egresso de Pedagogia, se circunscrevem como contextos propícios para a atuação
profissional.
Em suas temporalidades, o profissional formado em Pedagogia, seja na escola ou em
outros espaços formais e não formais de educação se expõe, ganhando visibilidade com sua
atuação devido à sua formação, o que se estende e se entrelaça com a vida, com os espaços-
tempos que o cercam e o permeiam.
Considerando esses entrelaçamentos de formações, tempos e temporalidades, sinto
necessário dizer que várias pesquisas sobre formação de professores têm verificado a
importância de se analisar a questão da formação profissional, observando as subjetividades
que se constituem em temporalidades diversas, que tecem os processos formativos do ser
docente.
Dentro dessa perspectiva de pesquisa vinculada ao ser-pessoa-profissional, optei,
mediante os estudos realizados, por organizar este trabalho em quatro grandes dobras, que
foram metaforicamente tecidas em um pano andino, denominado de aguayo. Para a
construção da pesquisa tomei teares de fiação, onde produzi fios com os quais construí a
23
tecelagem de caminhos-teóricos e metodológicos que me ajudaram a aproximar, perceber
compreensivamente os tempos e temporalidade dos processos formativos de um grupo de
egressas da Pedagogia da UFMT.
O aguayo é um tecido típico dos países andinos, e que pode ser encontrado geralmente
na Argentina, Bolívia, Peru e região Norte do Chile. O meu encontro com esse tecido
multicolorido ocorreu em vários momentos da minha trajetória humana formativa. Trago aqui
alguns dos momentos marcantes. O meu momento de olhar para esse tecido de modo
diferente, quase como por encantamento, foi no mercado popular da Bolívia. Fiquei encantada
com as possibilidades e diversidades de acessórios fabricados, tomando-o como base de
representação da cultura local. São mochilas, roupas, toalhas, chapéus e diversos adornos
particularmente usados por mulheres de ascendência indígena, que usam também o aguayo
em forma de bolsa cegonha nas costas para carregarem suas crianças junto ao corpo.
Assim, o tecido Andino seguiu marcando minha vida de modos diferentes, mas sempre
sendo celebrativo de evocação de uma ancestralidade em respeito à cultura das mãos que o
tecem.
Figura 4 - Apresentação em um evento religioso em São Paulo
Fonte: acervo da pesquisadora, 1995
Figura 5 - Defesa de Mestrado da pesquisadora
Fonte: acervo da pesquisadora, 2007
24
Recordo com a primeira fotografia, de 1995, minha participação e atuação em eventos
religiosos institucionais, onde o aguayo já era um adorno de evidência, representando também
a presença de outras culturas onde a missão religiosa se fazia presente. E, nesse mesmo
sentido de presença de tempos guardados e sagrados dentro de uma dada cultura, é que o
aguayo esteve compondo o ambiente que ilustrou elementos centrais da minha defesa de
Mestrado, como se vê na segunda fotografia.
O aguayo continuou a me instigar a pesquisar mais sobre ele, já que constitui a
memória viva e vivida do meu estar-sendo-no-mundo, pois com ele, em minhas múltiplas
temporalidades pessoais e formativas, seguia lendo e compreendendo o mundo como
múltiplos fios que se entrelaçam em tramas que tecem a vida.
Nessa jornada de estudos em vista de um aprofundamento epistemológico acadêmico,
já no início do Doutorado, encontrei um boletim do Museu Chileno de Arte Pré-colombiana
(1991), o qual trazia que o aguayo simboliza:
[...] o berço de indígenas, os bebês são transportados em Aguayo, é também um
símbolo de esforço e trabalho, fruto do trabalho e da terra. Espalhe sobre a Mãe
Terra, que tão lindamente evoca o rosto e o coração materno de Deus, o Aguayo é
também a mesa ao redor da qual a família ou a comunidade se sente. Aguayo
sintetiza e simboliza a vida das pessoas. Ao celebrar a Eucaristia em Aguayo
estamos proclamando a profunda relação que deve existir entre a vida e a Eucaristia.
O aguayo, segundo a perspectiva apresentada nesse boletim, enalteceu minha
compreensão dos sentidos guardados nesse pano que é uma inscrição de uma ancestralidade
sempre viva, e que evoca a memória de um povo. Para este trabalho, ele seguiu nos teares das
vidas das professoras pedagogas colaboradoras desta pesquisa. Na jornada de fiação da
pesquisa, encontrei um videoarte de autoria de Mariana Tschudi (2017), ―Tejido Andino4‖. A
obra me ajudou a compreender que todas e todos somos tecedores. Para tecer, nos conectamos
a uma memória de nossa ancestralidade. Com isso, vamos gestando nossas próprias tramas,
que são integradas ao grande tecido cósmico que forma o universo. É um diálogo com nossa
própria origem. Vamos compreendendo que seguimos nossa jornada de tecedoras como seres
únicos, mas jamais sozinhos. Nossos fios estão juntos, cruzados e emaranhados com os
outros, heteros. Nossa existência é de interdependência e integração, assim como uma árvore
não é somente uma árvore (TSCHUDI, 2017), suas raízes guardam as memórias de sua
ancestralidade integrada com a Terra, o ar e a água e todos os elementos (ecos) vivos ou não,
que lhe tocam em uma mesma coexistência. Os fios do aguayo foram tecidos considerando as
4 O videoarte foi criado por Mariana Tschudi. Ela se inspirou nos conhecimentos sobre ancestralidade andina dos estudos
pesquisador Mario Osorio Olazábal. O resultado do trabalho foi usado pelos alunos da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Católica do Peru em uma exposição no Amano, Museu Têxtil Pré-colombiano, conforme informações
disponíveis eletronicamente pela autora do videoarte.
25
biotecituras das professoras em suas dimensões pessoais (auto), formação inicial e
profissional de modo imbricados.
Ao construir a tese nessa perspectiva de processos de formação docente, essa relação
com o aguayo e as egressas proclama uma relação entre a natureza, o ser-pessoa, as coisas e
entre o tempo e as suas nuances de temporalidades. Nele concebo os movimentos, as
subjetividades, as lutas, negociações, construções e ressignificações múltiplas que as egressas
fazem em sua formação pessoal-profissional docente. Em razão disso, cada capítulo é
permeado de fios, cores e movimentos que se vinculam à vida, às formações e à profissão do
ser professor.
O primeiro capítulo está intitulado Rememorando os tempos: tecendo o aguayo. Nele
rememoro os fios da minha vida, que considero serem tecituras5 autopoiésis, considerando as
minhas experiências de formação do ser-profissional docente. Apresento e justifico o
surgimento desta pesquisa e a sua contribuição para o cenário da formação docente.
Nos dois últimos itens desse capítulo, mostro, em uma composição de fios, as escolhas
do caminho teórico-metodológico que orientaram toda a tecelagem desta tese, em que assumo
o aguayo como uma metáfora metodológica, no qual me inspiro e me oriento para tecer os
caminhos da pesquisa, da composição dos dados às compreensões de tempo e temporalidade
das egressas no desfecho dos últimos fios, o que me possibilitou realizar alguns fechamentos
compreensivos a respeito dessa temática.
Nessa perspectiva, observei a importância da pesquisa qualitativa para trabalhos dessa
natureza, suas teias reflexivas epistemológicas que, por meio de pesquisas de caráter
exploratório bibliográfico, foram fundamentais para orientar todo este trabalho, envolvendo
principalmente livros, artigos de periódicos, teses e dissertações, documentos legais, quadro
de dados institucionais, fotos de placas de formatura, os quais constituíram um corpus
empírico da pesquisa. Tal etapa contribuiu ricamente para o aprofundamento do objeto de
estudo. Dentro dessa perspectiva e entendimento, me enveredei pelos caminhos da pesquisa
de campo, a qual consistiu na coleta de dados por meio do instrumento de entrevista
semiestruturada com 30 egressas do curso de Pedagogia da UFMT.
Para os estudos, análise e interpretação dos dados e composição do aguayo, faço um
diálogo compreensivo e perceptível com o movimento tripolar de formação baseado nos
estudos de Pineau (2010; 2003) sobre auto, hetero e ecoformação em um entendimento do
5 Assumo a palavra tecitura no sentido de composição de fios que se cruzam intercruzam e em forma de tramas como
movimento aberto e em construção, que segue na fazedura da fiação do aguayo com suas dobras que se desdobram
compondo um tecido vivo concebido pelas compreensões das e nas biotecituras. Apoiei-me no dicionário de Laudelino Freire
(1957, 5. v.) que registrou o vocábulo tecitura, s. f. Conjunto dos fios que se cruzam com a urdidura.
26
formar-se permanente. Nesse movimento compreensivo, o referido autor nos chama para a
reflexão, ao dizer que:
Parece-nos que para termos em conta a formação permanente [...] devemos apoiar-
nos em constituintes elementares dessa vida- o eu, os outros, a natureza. [...] Depois
do primeiro período peleocultural da heteroformação, que quis impor-se como o
todo da formação, parece despontar atualmente a idade neocultural da
autoecoformação, que faz do processo de formação um processo permanente
dialético e multiforme. (PINEAU, 2010, p. 116)
Os escritos de Pineau (2006; 2005) esclarecem que esses polos não são justapostos.
Sendo assim, um não tem maior predominância sobre o outro no sentido da prioridade. O que
pode ocorrer é que, em determinado momento ou circunstância da vida, somos tomados mais
por um do que por outro.
Com esse movimento tripolar, de fios que se cruzam em uma compreensão (no sentido
do pensar) e percepção (no sentido do sentir no-corpo-e-no-mundo) da vida, das coisas e dos
outros, é que busquei dialogar com as colaboradoras da pesquisa e as contribuições desses
estudos salientados, mediante uma dimensão ontológica do ser-pessoa-profissional.
Na dobra que se constituiu no segundo capítulo nomeado de Tempo e temporalidade
na Pedagogia, decido partir e considerar, para o diálogo inicial, a minha trajetória de
construção epistêmica da Pedagogia, como fui aprendendo-a e reaprendendo-a como
pedagoga em formação inicial e permanente. Seguindo a fiação em busca de entendimentos,
me debrucei para estudar pesquisas que também tiveram como sujeitos egressos de
Pedagogia, sendo considerado nesse estudo a formação profissional. Realizei um breve estudo
do saber da Pedagogia temporalizando seus movimentos históricos, políticos, sociais, legais e
educacionais, no qual opto por fazer um recorte de sua constituição e reformulações enquanto
curso de Licenciatura na Universidade Federal de Mato Grosso.
No terceiro capítulo discorro sobre Múltiplos tempos, temporalidades e formação
profissional. Nele, dedico a escrita para as compreensões dos conceitos que abarcam
múltiplos estudos a respeito dos tempos e temporalidades na perspectiva das pesquisas de
Merleau-Ponty (2006; 1999), Norbert Elias (1998), Pomian (1993), Gaston Pineau (2010;
2006; 2005; 2003), Patrick Paul e Gaston Pineau (2005), Passos (2019, 2005; 2003),
Prigogine (2011; 1990), Patrick Paul (2014; 2009), dentre outros.
Nesse diálogo de múltiplos sentidos e complexidades que envolvem o tempo e a
temporalidade, assumo a temporalidade do ser-egresso-em-formação como subjetividades em
mudanças, entendendo que há vários processos de formação, e que elas se desdobram em
27
vários tempos, tanto pessoais como sociais, sempre em relação com um todo aberto e mais
amplo que também está em mudança.
Foi nesse sentido que dialoguei com os referidos autores. Considero, assim como
explica Merleau- Ponty (1999), que é preciso assumir de modo epistemológico e ontológico o
tempo como sujeito e esse mesmo sujeito como o tempo, e ainda compreender nesse
movimento das dimensões como o ser pessoa-professor vai temporalizando no desdobramento
de suas vivências o seu desenvolvimento pessoal e profissional docente, considerando o ser-
pessoa, o sujeito da relação com o tempo na perspectiva do vivido e do devir.
Nesse caminho, onde intercruzam-se vários estudos e conceitos, realizei um estudo
tomando como base as contribuições de Gaston Pineau a respeito dos tempos formativos com
um olhar teórico reflexivo-crítico, interpretativo e humano, levando em conta os processos
formativos-humanos que se imbricam. Segundo o referido autor, os processos que ocorrem
nos polos de formação denominados autoformação, heteroformação e ecoformação, como
sendo um movimento tripolar, que integram a vida pessoal e profissional do ser-docente em
uma constante relação de evolução e mudanças na dinâmica da vida.
Assim, ponderando que a compreensão do tempo possui múltiplos conceitos, sentidos
e entendimentos, me defrontei com percepções de tempos sociais-hegemônicos, cortando os
tempos pessoais, sociais e profissionais. Nesse sentido, destaco o fortalecimento de uma
cultura de tempos performáticos sobrepondo as temporalidades que são potencializadoras e
construtoras de significações autoformativas.
Em função dessa escolha, na última dobra, que é o quarto capítulo, dediquei-me a
escrever sobre as Tecituras da formação do profissional docente: as implicações dos tempos e
das temporalidades.
Ao tomar as entrevistas das 30 colaboradoras, deparei-me com um universo aberto e
permeado por múltiplas possibilidades de diálogos frente à formação profissional e humana
desse grupo de egressas. Assim, não poderia considerar esse universo múltiplo e singular
como somente relatos. Por isso, decidi nomear essa construção pessoal-epistêmica-
profissional de biotecituras, pois considero que a formação do profissional docente se constrói
intrinsicamente com a vida, os modos de vida, as escolhas e decisões pessoais e coletivas de
cada uma das colaboradoras que seguem nos movimentos de tempos e temporalidades a
tecerem as suas autotecituras. Faço uso do termo bio para destacar que se trata de vidas
humanas em si mesmas. ―A emergência desse si mesmo, a conhecer e a cuidar-se situa-se
nesse espaço – entre divino e humano – que se submetem, se esse espaço impõe uma cultura
de silêncio e de opressão mais do que de palavra partilhada [...]‖. Há uma busca para se
28
formar-se a si mesmo considerando, muitas vezes, que há um espaço abissal. ―Esse espaço
impõe e já é ocupado ―por poderes heterônomos, econômico-políticos e religiosos‖. Esse
espaço deve ser conquistado por um conhecimento de um cuidado de si que se conjuga na
primeira pessoa do singular e do plural esses poderes com verbos, pessoas, objetos de todos
os modos em todos os tempos (PINEAU, 2006, p. 46-47). A tecitura remete a um conjunto de
múltiplos fios e tons que embora diversos e diferentes, buscam se conjugar para compor o
aguayo.
Fiz um exercício para trançar todos os fios do aguayo anteriormente tensionados.
Como tecelãs com seus fusos, rocas, teares e fios, dediquei-me a retomar as compreensões
construídas acerca do tempo-temporalidade e da formação do profissional docente de
Pedagogia, para auscultar, por meio de três dimensões que abarcaram: a formação-pessoal;
formação-inicial; e a formação profissional. Decidi por essa organização de dimensões como
sendo inicialmente uma escolha didático-metodológica, a qual orientou a pesquisa de campo
por meio de entrevistas, que posteriormente, mediante os dados coletados, contribuiu para a
composição dos dados com uma compreensão metodológica de análise de circularidade
relacional dentro de uma concepção que há uma relação sem sobreposição. Isso possibilitou
conhecer os processos formativos, as múltiplas experiências na trajetória pessoal e
profissional das egressas; suas construções, ressignificações bioepistemológicas. Ademais,
consequentemente, foi possível compreender as implicações de tempos e temporalidades nas
trajetórias, onde pude perceber no trançar do aguayo, a consciência de si para si em diálogo
crítico reflexivo com as coisas e com os outros.
O movimento construído para esta pesquisa no que concerne à análise-compreensiva,
foi tecida considerando a composição das biotecituras das 30 colaboradoras, nessa
composição de fios múltiplos, percepções de tempos e temporalidades diversas pude observar
alguns aspectos da formação pessoal, inicial e profissional de cada uma das egressas. Nesse
movimento de perceber, compreender e tensionar as biotecituras, o aguayo foi sendo tecido e
retecido. Essa estamparia que se formou no e o aguayo é decorrente da composição de
diversos fios fiados e vividos por essas egressas, os quais me ajudaram a compreender que há
possibilidades de construir processos de conhecimentos de si, com processo de
autonomizações de uma ação reflexão permanente na formação profissional.
29
Fonte: elaboração da autora desenhos e aguayos originais (2019).
CAPÍTULO I – REMEMORANDO OS TEMPOS: “TECENDO” O
AGUAYO
30
Depois de uma longa caminhada de quatro anos de pesquisa é chegado o momento de
reunir os fios mais finos ou mais grossos do aguayo fiados na roca6 da vida, dos tempos,
memórias e narrativas das minhas próprias percepções, das percepções das colaboradoras da
pesquisa para finalmente tecê-lo no tear do movimento da pesquisa que deu origem ao
desenho estampado no aguayo, onde está toda a razão e a intencionalidade da tese.
Esses primeiros fios foram tecidos em três cores, três movimentos: minha trajetória de
vida pessoal e profissional; caminhos teóricos-metodológicos e nesse último localizei o
percurso dos fios iniciais, tais como as meadas da pesquisa, os quais estenderam-se e foram
constituindo-se, formando, por conseguinte, a tese.
Nesse movimento inicial da roca da vida e da pesquisa, os fios que se resultaram aqui
são de origem pessoal, enquanto história de vida, de escolhas que fui fazendo conforme os
estudos realizados nas disciplinas do Doutorado, no Grupo de Pesquisa e das pesquisas
exploratórias bibliográficas, bem como dos resultados da pesquisa de campo.
1.1 Fios da vida: tecituras autopoiésis
A relação com o passado, presente, futuro e o agora, de alguma forma, nos remete à
história, à minha história pessoal. É essa reminiscência que me lança em busca de novos
sonhos, realizações e desafios.
Nesse vai e vem de buscas, encontros e desencontros, que me situo no tempo do já
vivido e no espaço dessas temporalidades, para então, detalhar um pouco das experiências
dentro do processo de ensino e aprendizagem, e do trabalho como docente.
Como propor uma pesquisa sem dizer de onde ela ecoou inicialmente? Isso posto,
apresento os meandros dos questionamentos de onde emanaram a inquietação a respeito do
objeto de pesquisa que se teceu em forma de tese. Ela nasce evocada na memória tecida por
uma narrativa que envolve o processo formativo do ser docente, do meu ser docente. Mostra,
em forma de dobras e tramas, a trajetória sempre em construção e reconstrução dos processos
de formação profissional do ser docente.
Na fluidez da vida, e o que ela me permite capturar ao abrir as janelas do tempo já
vivido, pousei o olhar sobre a minha própria história e me dei conta de um tempo intenso no
qual reconheço as minhas andanças, lutas, conquistas e desafios de ser mulher, cidadã e
professora em uma sociedade tão complexa. Esse fio condutor fez-me entender que, na
6 Segundo pesquisa realizada, essa palavra é de origem da língua gótica, escreve-se ‗ruka‟. As rocas de fiar, igual
conhecemos, supõe-se que tiveram sua origem na Índia, entre os anos 500 e 1000 d.C. No século XIII, a roda de
fiar é introduzida na Europa e compete com a roca e o fuso. Para esta tese, ela será o instrumento no qual,
simbolicamente, os fios do aguayo são fiados antes de ir para o tear.
31
construção e na produção de humanidades, nada escapa da educação, como bem lembrou
Brandão (1984, p. 70), ao afirmar que,
Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo
ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para
ensinar, para aprender e ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver,
todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias:
educação? Educações.
A educação simplesmente acontece em qualquer espaço de vivência das muitas
experiências humanas, como uma celebração de trocas simbólicas de signos e significados.
Ao retomar os escritos de Brandão (1984), já mencionados aqui, fiquei a imaginar o que
pensaram os meus pais sobre a educação, pois eles me ajudaram a construir as várias formas
de educação embebidas em várias culturas, sendo eu filha e neta de nordestinos com mãe
mato-grossense, com origens afro-ameríndia, são culturas humanas remisturadas em diversos
tempos, temporalidades e espaços. E é aqui que puxo um fio dessa teia da vida para produzir
os primeiros riscos e escritos dessa pesquisa.
Até parece que foi ontem que eu ouvia meu pai dizer: ―Que bom, filha, agora você é
professora. Um sonho realizado!‖. Naquele momento, eu havia concluído o Magistério das
séries iniciais. E, para meu pai, aquilo já era um grande feito. Afinal, fora professor do antigo
Mobral7. Para ele, os estudos eram, para seus filhos, seu maior legado. E ele estava certo.
Mas, o Magistério era o início de uma longa jornada de formação, misturada com as
coisas do cotidiano da vida. Minha jornada de formação humana continuou por vários
caminhos. Fui fazendo escolhas e dessas escolhas, desde a minha adolescência, ainda entre os
14 a 15 anos, decidi ingressar em um grupo de freiras, contrariando a vontade de meus pais e
de meu avô materno, que veio a falecer no mesmo ano em que deixei a minha casa paterna.
Não sabia muito bem o que estava escolhendo. Só sabia que estava muito motivada a
estar em uma vida totalmente diferente e cheia de novas exigências. Naquela ocasião, eu era
muito mais inclinada a seguir o meu sentir. Era como se eu fosse atraída por uma força maior
que eu. E, naturalmente, me deixava conduzir. Foi assim que pude conviver com uma
proposta de vida orientada pelas questões religiosas, por uma espiritualidade vivida por um
grupo de mulheres que estavam envolvidas com muitas pastorais e movimentos sociais.
Eu não sentia ou via algo especial para questionar, pois eu estava ali para aprender.
Para mim, tudo estava certo e era novo. Eu pintava aquele lugar e meu sentir com cores,
sentidos, significados e vida. Era essa a minha referência depois da minha família.
7 O Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) foi um projeto do governo militar brasileiro criado pela Lei
n° 5.379, de 15 de dezembro de 1967 a 1985, e propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, que
abandonaram a escola.
32
Essa formação e experiência religiosa estão compreendidas em um período de 15 anos.
Foi uma verdadeira inicialização em uma nova opção de vida. Todas as minhas ações foram
sendo orientadas dentro de uma proposta formativa de vida simples, no sentido material e
humano, obediente com relação à instituição e casta, por se constituir em um projeto
colaborativo de mulheres que não optaram por uma vida matrimonial. A formação
institucional era interna e, depois, acompanhada por diversos cursos da linha teológica, social
e psicológica, os quais me capacitaram para assumir trabalhos nas chamadas comunidades
religiosas de base vinculadas a uma vida pública a serviço de um projeto religioso com
trabalhos sociais envolvendo crianças, adolescentes, mulheres e jovens.
Depois de uma longa andança de trabalhos em movimentos sociais pelo Rio Grande
do Sul, Goiânia, Colíder, no Norte de Mato Grosso e Rondônia, entre um momento e outro,
ministrando aulas para crianças nas séries iniciais, ou em uma coordenação pedagógica,
diante dos desafios do trabalho educacional que vinha assumindo, houve um entendimento
que eu precisava dar continuidade aos estudos acadêmicos, pois os estudos da vida e para
vida, esses seguiram com suas tramas, nós e múltiplos fios.
Como o meu perfil era visto e avaliado como de caráter mais acadêmico, fui sendo
orientada a escolher a área de Educação para os estudos profissionais, embora sempre o meu
desejo não escondido fosse fazer o curso de Psicologia, mas, naquele contexto, esse curso era
de pouca visibilidade, e onde eu estava morando, ainda não era ofertado pela rede pública
federal de ensino. Então, fui me convencendo que essa era a minha única alternativa de
formação profissional, e foi assim, que em uma dada manhã de 1999, lá estava eu no curso de
Pedagogia da UFMT para as séries iniciais, trazendo experiências diversas na bagagem
cultural e humana. Mas, me sentia totalmente despida naquele lugar. Leituras, autores,
fundamentos metodológicos e pedagógicos foram atravessando, e como que borrando o que
eu achava que sabia acerca do ensino e aprendizagem de crianças e formação docente. A
sensação era de um tempo perdido, que eu agora precisava recuperar. Foi assim que iniciei ou
dei continuidade aos meus estudos, sem ainda saber construir, reconstruir e ressignificar o que
eu já havia apreendido, ou que sabia até aquele momento.
Antes de concluir o curso de Pedagogia, diante de uma situação pessoal e familiar,
decidi renunciar toda a proposta de vida dentro da vida religiosa. Foram 15 anos de outro
tempo e lugar. O que posso chamar do tempo das providências divinas, pois era assim, que eu
fui aprendendo a lidar com as coisas, os acontecimentos e os merecimentos dos movimentos
que a vida fazia. O tempo chronos era usado para sistematizar, organizar as ações, mas não
exercia a decisão da hora ―H‖. Digo isso porque as temporalidades de uma vida conventual
33
são outras. São outros os sincronizadores que passam pelo sentir e o observar do observador
que está na formação. Ao romper com esse tempo, houve um corte temporal subjetivo que me
recolocou em outro tempo cronológico, como se estivesse inserido em um outro trilho
temporal pré-determinado de um novo mundo. Essa é a minha sensação de novos recomeços.
O meu sentir, agora, estava voltado com mais atenção à minha família e à formação
acadêmica. Foi aqui que senti o significado do lugar onde estamos, pois quando eu deixei o
convento, ele veio colado em mim. Tive que aprender a lidar com outro espaço social, onde
eu não atuava apoiada em um grupo, sem aquela representação social definida e instituída. Eu
me sentia sozinha, mas eu era eu mesma. Fui entender esse outro lugar onde eu estava, mas
não me filiava a ele. Aqui, sim, fora do convento, o meu tempo humano e social era outro,
pois tinha a ver com o meu estado interno. Era com ele que eu lia aquele novo mundo, já
velho para outras pessoas da minha mesma idade, mas tão novo para mim. Sentia-me um ET.
Até as roupas pareciam estranhas no meu corpo e para o meu corpo.
Então, foi preciso ressignificar os meus aprendizados anteriores e partir deles para
novas leituras de mundo. Foi nesse movimento que, como aprendiz de docente, fui
descobrindo a amplitude de outras formações no campo das Ciências Humanas e Sociais.
Nesse sentido, estive e estou compreendendo a educação como parte intrínseca da
experiência do ser humano, fortemente marcada por suas escolhas diárias, mesmo que essas
sejam condicionadas pela realidade na qual está inserido ou pretende se inserir. Conforme
podemos verificar em uma das publicações do IX Congresso sobre formação de educadores
da Universidade Estadual de São Paulo, expressa por Neto et al. (2007, p. 05): ―A educação
envolve outras esferas, sejam elas de determinações políticas, econômicas ou culturais e isso
faz com que os professores não tenham domínio total sobre a prática, uma vez que tais setores
interferem na vida escolar‖. Por isso, a necessidade de haver uma formação docente que
dialogue com as múltiplas temporalidades que cruzam a academia, a vida pessoal e os espaços
de atuação do docente.
Para essa compreensão que venho estabelecendo ganchos de entendimento, entre a
minha formação e as formações das minhas colaboradoras, foram-me importantes as
pesquisas de Gaston Pineau (2010; 2006; 2005; 2003), um pesquisador francês, cujos estudos
localizam-se no campo das Ciências da Educação e da formação. Suas pesquisas orientam-se
pela perspectiva de uma teoria da formação como movimento permanente. Ele alicerça em
abordagens das histórias de vida, considerando, nesse movimento, conceitos de autoformação,
heteroformação e ecoformação. Fiz uma aproximação com esses estudos observando o
34
referencial teórico. Ainda, me apoiei na concepção de formação docente entrelaçada com a
temporalidade.
Nesse movimento de estudos, fui percebendo que a formação se dá em um movimento
mais amplo com a vida, as coisas e os outros. Em razão disso, constatei que é com eles e, a
partir deles, que vou formando-me, moldando-me, construindo-me, desconstruindo-me e
reinventando-me continuamente, em uma autopoiésis na perspectiva do devir kairótico8. Foi o
que aconteceu ao longo da trajetória do curso de Pedagogia que fiz considerando a minha
formação humana, o que, no meu entendimento ―[...] não tem forma prévia definida, única,
porque se move no e ao ritmo do tempo, como um quadro sem moldura, sem a inscrição de
um(a) único(a) autor(a), mas com a inscrição de todos(as) os(as) autores(as) (ABREU, 2007,
p. 34)‖. Portanto, se constitui em um movimento de entrar e sair constantemente da caverna,
fazendo uma alegoria ao mito da caverna de Platão.
Já como pedagoga, no exercício da docência, por volta de 2005, estava eu de volta à
UFMT, sendo esse espaço de estudo e trabalho, como professora substituta, atendendo ao
curso de Pedagogia na sede do campus Cuiabá e atuando em várias turmas de Licenciaturas.
Essa experiência junto aos licenciandos incentivou-me a realizar um concurso público na
mesma instituição onde me efetivei como docente.
Como educadora, tanto de séries iniciais (2002 a 2010), como do ensino superior
(2005 aos dias atuais), venho interessando-me pela temática da formação docente, buscando
compreender porque ocorre o entendimento de separação entre tempo da formação na
academia e o tempo da formação no trabalho docente, sendo que o tempo de formação ocorre
de forma permanente.
Essa temática em questão me chamou atenção, principalmente quando tive a
oportunidade de trabalhar como docente nos cursos de Licenciatura da UFMT, e, de modo
especial, no curso de Pedagogia, campus sede, em Cuiabá, pois me deparei com colocações
dos formandos afirmando que muitos entraram no curso buscando uma oficina do fazer
pedagógico, querendo uma resposta para cada conteúdo ou situação de dificuldades de
8 De acordo com a Enciclopédia online Jurídica da PUC-SP, publicado em 2017, autopoiese deriva do grego
(autopoiesis). A origem etimológica do vocábulo é autós (por si próprio) e poiesis (criação, produção). Seu
significado literal é autoprodução. Os subsistemas produzem e reproduzem a sua própria organização circular
por meio de seus próprios componentes. É um termo que vem sendo usado da Biologia ao Direito. Para este
trabalho, tomo esse conceito na produção e estruturação do ser pessoa, em que em relação aos diversos
ambientes físicos e humanos, a pessoa em relação ‗com‘, vai se autoproduzindo, produzindo a si mesmo. E o
kairótico, concebo-o como um tempo oportuno de significações e ressignificações dessas produções humanas, o
que extrapola o tempo do relógio, tempo mítico e criativo e recriador. Nele produzem-se novas humanidades,
produzindo-se a si mesmo.
35
aprendizagem em sala de aula. Contudo, se frustram quando não encontram essa técnica
explícita nos conteúdos programáticos do curso e nas falas dos professores.
Porém, contrapondo a essa visão, existem discentes que, quando chegam no final do
curso, expressam o entendimento de que o conhecimento dessas práticas não é dado pronto,
uma vez que se constrói no processo, tanto do curso como no exercício da docência. Isso
revela que a formação é tecida e misturada por tempos que se fundem, resultando em
temporalidades diversas, em que cada um dos envolvidos com o processo de formação de sua
formação, a partir de sua subjetividade vai construindo e produzindo suas próprias sínteses
epistemológicas.
Nesse sentido, assumimos a temporalidade do ser-egresso-em-formação como
subjetividades em mudanças, por compreender a formação na concepção de algo permanente
e integrado com as coisas da vida, a vida de modo integral, sem deixar nada de fora. A
mudança está no entendimento das produções humanas que vai se organizando e
reorganizando, sejam elas nas suas trajetórias pessoais, sociais e profissionais, envolvendo
suas novas capacidades intelectuais. Entendendo que há vários processos de formação, e que
elas se desdobram em vários tempos.
Tal raciocínio me ajudou a compreender que essas falas, vozes dos alunos e
professores estão em um campo perceptível, do qual decorre uma reflexão ou reflexões que se
aprofundam em um sentido de continuidade, pois não somos feitos de metades, pedaços ou
episódios. Somos um todo contínuo, e, portanto, movidos ou condicionados por experiências.
A esse respeito, concordo com Merleau-Ponty (1999, p. 578) quando enfaticamente diz que:
―Mas não poderia ser de outra maneira se somos temporalidade, já que a dialética do
adquirido e do porvir é constitutiva do tempo‖. Ao se referir ao tempo sendo o constitutivo da
dialética do adquirido e do porvir, o autor me ajuda a pensar o ser pessoa (para esta pesquisa,
as egressas de Pedagogia), como aquela(as) que temporalizam em suas existências, por meio
de suas reflexões perceptivas do tempo e nele se tecem em múltiplas formações em um devir
permanente.
Foi a curiosidade epistemológica de conhecer esse movimento de constituição do ser
em formação que acordou em mim o desejo de investigar o tempo e a temporalidade na
formação profissional do pedagogo, e assim, conceber e problematizar como um objeto de
pesquisa de Doutorado.
36
1.2 Caminho teórico-metodológico da pesquisa
Desde o início do desenho da proposta da pesquisa, a preocupação estava na escolha
teórico-metodológica, pois a metodologia é um farol que indica e orienta o caminho. Ela não
desnuda a realidade a ser explorada, mas aponta uma direção para o início de uma jornada de
achados e tantas outras construções e reconstruções de instrumentos de aproximação e
distanciamento diante do que se busca pesquisar.
Como pedagoga, fico sempre pensando em um jeito lúdico de abordar determinados
assuntos, o que não foi diferente para esta pesquisa. Isso porque sinto que tenho uma
compreensão de mundo de modo mais subjetivo e uma linguagem que se aproxima das
narrativas.
O pensar o caminho teórico-metodológico do trabalho foi sendo desenhado no movimento
da própria pesquisa. À medida que comecei os estudos nas disciplinas cursadas voltadas para
pesquisa e para formação, o escopo metodológico foi sendo construído com base nos
objetivos e na problematização da pesquisa. Com isso, observei que os estudos dos teóricos da
área de educação suscitaram a necessidade de redesenhar o caminho metodológico.
Foi nessa busca que me deparei com uma recordação minha, um tecido andino, que é
denominado de aguayo. Ele estava em minhas mãos como uma memória de uma experiência
vivida na Bolívia. Em uma dada cidade no mercado popular e por todo canto, eu via aquele
tecido esvoaçando e estando presente como símbolo da cultura daquele povo. Suas multicores
me indicavam movimentos múltiplos, não uniformes, com sintonia na diversidade das cores.
Pensei, então, que era isso que eu via e sentia no andamento e no desdobramento da pesquisa.
Foi assim que decidi elegê-lo para ajudar a compreender o conceito de tempo e temporalidade
considerando seus fios e os movimentos de suas tecituras, vislumbrando uma possibilidade de
compreender o tempo nas minhas percepções entrelaçadas às percepções das egressas de
Pedagogia.
Fui entendendo que o aguayo se tornaria um instrumento metodológico na pesquisa,
pois seus fios ajudavam a tecer todo movimento estudado. Decidi assumir definitivamente o
aguayo como metáfora metodológica para potencializar e tencionar todos os fios da pesquisa,
de modo a articular, entrecruzar, trançar, e estender-se, em tramas e nós, o tecimento de um
grande aguayo vivo.
A tecitura de uma trama parte da nossa capacidade criadora perceptível, da nossa
relação com o mundo, que nos permite a criação ou recriação de novas sínteses críticas como
37
elementos constitutivos do ser em formação. Para compreensão desse conceito, ao verificar o
Dicionário Paulo Freire, encontrei o verbete escrito por Passos (2008), que esclarece que:
Paulo Freire usa de forma surpreendente a palavra ‗trama‘. Ela cresce nos seus
escritos como uma metáfora aplicada às relações cotidianas ou nas amplas relações
políticas e socioeconômicas [...]. Paulo Freire lê os acontecimentos e a vida como
trama, à vezes, no melhor sentido expresso pelo existencialismo, o de facilidade:
ser-no-mundo estamos aí, expostos, ou melhor postos, inelutavelmente, como um
ser-aí, numa determinada história, inseridos num contexto complexo com
determinações que nos solicitam respostas e provocam a liberdade última de aceitá-
las ou rejeitá-las e, portanto, de decisões que modelarão nosso rosto. (PASSOS,
2008, p. 415)
As tramas estão presentes no sentido de integração e relação estabelecida entre as três
dimensões tensionadas que envolvem as histórias de vida das pedagogas entrevistadas, que
são banhadas em suas experiências de vida, seus modos de olhar para si e para os outros em
suas tramas humanas e culturais, contemplando sua formação inicial e profissional. Assim,
concordo com Freire (1992), quando diz que ―carregamos conosco a memória de muitas
tramas, o corpo molhado de nossa história, de nossa cultura‖ (FREIRE, 1992, p. 16). O
constituir-se-pessoa se tece em um emaranhado de fios que estão sempre em movimentos com
múltiplos tempos e temporalidades. Nesse sentido, trama, na compreensão de Passos (2008),
e em Paulo Freire, é um movimento que se imbrica com tudo que atravessa a vida do ser-
pessoa. É com essa concepção e olhar que segui tecendo o aguayo vivo neste trabalho.
Esta estratégia metodológica foi possível de se assumir por se tratar de uma pesquisa de
investigação qualitativa. Considero o aguayo uma metáfora metodológica, com o qual me
oriento nos caminhos da pesquisa e com as egressas. A partir de seus fios de biotecituras, teço
a estamparia da formação, que é intercruzada por tempos-temporalidades.
Ao tratar de uma pesquisa na área de educação envolvendo egressas professoras e suas
formações, essa abordagem ajuda a perceber e interpretar o modo como elas estruturam o seu
mundo social, pessoal, profissional onde vivem e atuam. Por conta dessa estratégia
metodológica abarcar singularidades e subjetividades, compreendo, assim como Bogdan e
Biklen (1999, p. 16), que:
Utilizamos a expressão investigação qualitativa como termo genérico que agrupa
diversas estratégias de investigação que partilham determinadas características. Os
dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em
pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas [...] com objetivo
de investigar os fenômenos em toda a sua complexidade e em contexto natural.
Os referidos autores auxiliaram-me a recolher, compor e analisar os dados da pesquisa
entendendo que eles são um fenômeno que abarcam as subjetividades das colaboradoras da
pesquisa e precisam ser tratados, descritos e analisados cuidadosamente em seus pormenores.
38
Sopesando a abrangência e a complexidades do trabalho, a intenção não é de responder a
questões prévias visando fazer experimentos, tabulações e achados fechados, pois a pesquisa
se envolve e se desenvolve a partir de profissionais pedagogos que tratam de sua formação
profissional em contextos diversos. A intenção é trazer uma análise compreensiva mediante
essa composição de dados com a intenção de contribuir com o estudo de tempo e
temporalidade na formação do docente pedagogo.
Como eu disse inicialmente, o aguayo ajuda a compreender as noções do tempo e da
temporalidade que permearam a formação de um grupo de pedagogas egressas. Assim, com
essa tecitura, não tive a intenção de esgotar as noções. Pelo contrário, a intenção foi percebê-
las para dialogar com elas e abrir perspectivas de outras formações para a Pedagogia.
Ora, ao longo de quatro anos de estudos, venho pesquisando a respeito de um vasto
material que compreende o tempo e a temporalidade entrelaçados com a formação docente,
pois é diante deles e por meio deles, que assumo uma postura que considera esses conceitos,
ou grandes temas, associados à vida social, política, cultural, educacional, profissional e
ontológica da pessoa do ser professor.
O que posso registrar do tempo, ou do que venha a ser para mim o tempo, é o conjunto
das minhas percepções. São as minhas sensações que me permitem comunicar-me com o
mundo onde me insiro através do meu ser, e o outro me percebe no meu estar-sendo-no-
mundo. ―É preciso compreender o tempo como sujeito e o sujeito como tempo.
Evidentemente, essa temporalidade originária não é uma justaposição de acontecimentos
exteriores, já que ela é a potência que os mantém juntos distanciando-os uns dos outros‖.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 566).
Não há um tempo que se estende. Há muitos tempos e temporalidades que se fundem,
confundem e resultam em sentidos percebidos, vividos e ressignificados por quem os
temporaliza.
Ora, a temporalização, por sua própria natureza, satisfaz a essas suas condições: com
efeito, é visível que eu não sou o autor do tempo, assim como não sou autor dos
batimentos de meu coração, não sou eu quem toma a iniciativa da temporalização;
eu não escolhi nascer e, uma vez nascido, o tempo funde-se através de mim, o que
quer que eu faça. E, todavia, este jorramento do tempo não é um simples fato que eu
padeço, nele posso encontrar um recurso contra ele mesmo, como acontece em uma
decisão que me envolve ou em um ato de fixação conceptual. (MERLEAU-PONTY,
1999, p. 572)
Não sou o autor do tempo, conforme esclarece Ponty, no sentido de criá-lo para minha
contemplação ou atuação no mundo, já que ele precede a existência, as existências como
entende Prigogine (1990). Sou um canal por aonde ele flui espontaneamente.
39
Nós não somos temporais porque somos espontâneos e porque, enquanto
consciências nos afastou de nós mesmos, mas ao contrário o tempo é o fundamento
e a medida de nossa espontaneidade, a potência de ir além, e de ‗niilizar‘ que nos
habita, que nós mesmos somos, ela mesma nos é dada com a temporalidade e com a
vida. [...] Portanto, não se pode tratar de deduzir o tempo da espontaneidade.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 573)
Com as colaboradoras de pesquisa, pude construir ou reconstruir o entendimento do
tempo ou dos múltiplos tempos que cruzam e intercruzam essa fluidez. As singularidades das
suas histórias de vida, de formação inicial, profissional e continuada, me orientam nessa
jornada da pesquisa em diálogo com a formação docente de pedagogos. Lidar com esses
tempos e essas temporalidades exigiu uma aproximação maior das egressas. Nesse sentido, as
egressas estão envolvidas em suas temporalidades e temporalizações por sua própria forma e
condição humana.
Diante desse gancho de buscas de compreensões do tempo e da temporalidade, a
pesquisa em questão se situa no campo da educação, mais especificamente atrelada à
formação de professores. E, devido à sua natureza e complexidade, orienta-se pela pesquisa
qualitativa, com ênfase na proposta reflexiva e interpretativa com uma aproximação ao olhar9
fenomenológico. A pesquisa qualitativa é definida como aquela que privilegia a análise de
microprocessos mediante o estudo de ações sociais individuais e grupais em um tipo de
trabalho artesanal. Para esta pesquisa, esses microprocessos são tecidos considerando as
biotecituras das egressas. Assim, de modo direto e indireto, metodologicamente foi possível
desenhar e desenvolver nas tramas e fios do aguayo sustentado pela abordagem qualitativa, na
qual, segundo Chizzotti, (2000, p. 79), em seus fundamentos,
[...] há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência
viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados,
conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do
processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um
significado. O objeto não é um dado inerte e neutro, está possuído de
significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações.
(CHIZZOTTI, 2000, p. 79, grifo nosso)
Considerando a orientação da pesquisa qualitativa na visão do referido autor, essa
dependência ou interdependência do sujeito para compreender, agir e se posicionar no mundo
como ser-estar pensante, observador e autor de suas ações, ocorre em uma inter-relação
interdependente com as realidades que o cercam.
Nesse sentido, há um entendimento que, nos microprocessos, há existência de
cruzamentos que envolvem as questões, sociais, políticas, culturais e educacionais de modo
9 Busquei tomar as experiências tecidas nas biotecituras das egressas de maneira não reducionista, buscando
transver as descrições instrumentais, formalistas e lineares.
40
mais amplo. Assim sendo, entendo que, nessas relações múltiplas, os tempos se fundem e se
confundem com todas as coisas que dizem respeito à vida.
Nesse contexto, são essas construções de entendimentos que permeiam os textos
construídos oriundos dos ambientes ou universos da pesquisa, pois pesquisas desta natureza
seguem na contramão do pensamento de estudos que transcorrem por um discurso ou
processo, o qual, muitas vezes, busca resultados ou medidas com soluções prontas de
transposições, o que, a meu ver, possibilitam o professor de pensar e repensar sua prática e
seu contexto de trabalho.
Na mesma perspectiva, Godoy (1995, p. 62-63) ressalta, ao dizer que:
Nessa abordagem, valoriza-se o contato direto e prolongado do pesquisador com o
ambiente e a situação que está sendo estudada. [...] os pesquisadores qualitativos
estão preocupados com o processo e não simplesmente com os resultados ou
produto.
A pesquisa qualitativa busca compreender os fenômenos que estão sendo estudados a
partir da perspectiva dos participantes. No caso desta pesquisa, estamos diante do universo
perceptível das egressas de um curso de Licenciatura em Pedagogia.
Para tanto, elegi um instrumento com dois desdobramentos. O primeiro foi um
questionário semiestruturado organizado em letras com questões de A-J, compreendendo um
total de 10 perguntas10
que objetivaram localizar onde estão atuando profissionalmente esses
egressos. A partir do questionário 1, elaborei um roteiro de entrevista11
. Esse instrumento foi
composto por três dimensões que indagaram do que se refere a formação pessoal, inicial e
profissional de cada egresso. Cada uma das dimensões constituiu-se por um conjunto de
questões que formaram um roteiro.
No que se refere a esses instrumentos de pesquisa, Barros e Lehfeld (2000, p. 58) me
ajudam a compreender que ―[...] a entrevista semiestruturada estabelece uma conversa
amigável com o entrevistado, busca levantar dados que possam ser utilizados em análise
qualitativa, selecionando-se os aspectos mais relevantes de um problema de pesquisa‖. Nessa
mesma direção, os estudos de Chizzotti (2000, p. 90) dizem que as entrevistas ajudam a vir à
tona ―as representações subjetivas dos participantes‖.
Dentro dessa perspectiva, a coleta de dados via entrevistas na pesquisa de campo
objetiva observar fatos e ou fenômenos que já sucederam na vida das egressas, ou que serão
observados no decorrer da pesquisa, para assim, analisá-los. Nesses aspectos, Gonsalves
(2001, p. 67) esclarece que:
10
Conforme o Apêndice A. 11
Conforme se verifica no Apêndice B.
41
A pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação
diretamente com a população pesquisada. Ela exige do pesquisador um encontro
mais direto. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o fenômeno ocorre,
ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem documentadas [...].
Quanto a isso, também encontrei respaldo em Triviños (1987, p. 57), quando trata das
anotações de natureza reflexiva feitas pelo observador, pois o em permanente estado de
―alerta intelectual‖, já que desses momentos podem surgir novos elementos para a
investigação que está em curso.
Optei pela pesquisa de campo no sentido de estar com as egressas, e assim, ter a
possibilidade de escutá-las a partir de suas histórias de vida e profissional. Diante disso, as
questões das entrevistas constituíram-se como guia/roteiro não fixo, mas aberto, e em
construção para que eu pudesse me aproximar dessas vozes e tecer cuidadosamente os fios
principais desse aguayo vivo.
Outro aspecto importante e fulcral para essa aproximação foram os estudos que fiz
para conhecer outras pesquisas que trabalharam com uma aproximação do objeto desta tese.
Os estudos realizados no campo da metodologia científica e dos múltiplos referenciais
teóricos epistemológicos orientam que é vital para todas as pesquisas um cuidadoso
levantamento bibliográfico em vista do estudo do saber deste objeto pesquisado. Iniciei a
revisão de literatura para o estudo do saber nesses espaços científicos virtuais fazendo o
levantamento bibliográfico de natureza exploratória.
Dentro desse movimento de pesquisa, inicialmente, me organizei em quatro
momentos, os quais descrevo brevemente nesta parte do trabalho. Posteriormente, as
contribuições advindas desse levantamento bibliográfico seguem como fios que vão ajudando
a tecer cada parte desta pesquisa.
O primeiro momento consistiu em delimitar os conceitos básicos que foram
trabalhados e explorados por esta pesquisa. Trabalhei com os seguintes descritores como
boleadores: egressos de Pedagogia e egressos pedagogos; tempo-e-temporalidade;
autoformação, heteroformação e ecoformação.
Em um segundo momento, delimitei foco na área de educação. E considerando a
abrangência e a cientificidades do levantamento, elegi as bases de buscas em repositórios ou
plataformas: Repositório de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), Repositório dos Periódicos da CAPES e do SCIELO,
Google acadêmico e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).
Em um terceiro momento, devido ao alto número de informações primárias, que são
aquelas que vêm em atenção somente à grande área Ciências Humanas e Educação, observei
42
que o resultado de busca com esses descritores abrange outras áreas de conhecimento, mesmo
tendo delimitado o tema em Ciências Humanas e Educação. Por isso, houve um número
expressivo de trabalhos. Esse momento exigiu maior cuidado e refinamento. Para tanto, usei
os critérios de recorte temporal, delimitando pesquisas de Mestrado e Doutorado concluídas
entre os anos de 2006 a 2016 em Educação.
O enfoque em 2006 está relacionado ao ano de aprovação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Pedagogia (DCNs). Então, considerei que a partir desse período ocorreu a
reformulação do curso de Pedagogia, em especial, do curso do campus cuiabano da UFMT, e
fechei em 2016 porque este foi o marco inicial da pesquisa em questão. Ademais, refinei em
pesquisas defendidas em Programas de Pós-Graduação em Educação. Mesmo assim, o
montante de trabalhos nunca ficou menor do que 500 pesquisas concluídas. Vi que os
descritores ainda continuavam puxando muitos trabalhos de outras áreas de conhecimento.
Então, em um quarto momento, optei por abrir os trabalhos após esses refinamentos e
considerar somente aqueles que traziam no título os descritores inseridos. Posteriormente
retomarei os trabalhos selecionados para dialogar com eles.
Para esta pesquisa, essa etapa descrita se mostrou importante para a construção do
escopo teórico metodológico pelo qual me enveredei. O que apresento nesta parte do trabalho
são os caminhos assumidos, as estratégias. Mas, os resultados, análises e reflexões aparecem
junto a cada conceito tensionado, em uma tentativa de fazer um trabalho articulado e não
linear. Esta parte, sem dúvida, já se constituiu em um movimento nascedouro dos primeiros
fios da tese com o objetivo de conhecer o que se tem produzido a respeito desse assunto na
área de Educação, bem como assegurar a originalidade da pesquisa em questão.
Por se tratar de um trabalho acadêmico científico com um objeto inédito para o campo
da formação docente, pois não encontrei nenhum trabalho de Doutorado ou Mestrado dentro
desse período que tratasse do tempo e da temporalidade com egressos da Pedagogia, nem
mesmo com egressos do período delimitado originados da UFMT, me propus a fazer vários
levantamentos, tendo presente os vários conceitos que tecem epistemologicamente esta
pesquisa.
Para compreender ou aproximar da proposta de formativa acadêmica das egressas
colaboradoras, realizei uma análise documental incluindo o Projeto Político Pedagógico –
PPC (2008-2009) do curso de Pedagogia campus Cuiabá da UFMT, o qual foi reformulado
após a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em
Pedagogia – Licenciaturas DCNs (2006). Como precisava localizar os colaboradores da
pesquisa dentro do recorte tendo como marco as DCN (2006), elegi os períodos de matrícula
43
no curso de Pedagogia campus Cuiabá (2006 e 2010). Tais informações foram buscadas nos
arquivos da Coordenação de Administração Escolar (CAE) e Secretaria de Tecnologias e
Informação (STI), da UFMT.
Com a ajuda dessas instâncias institucionais, recebi um quadro de descrição numérica
de ingressantes-estudantes nos períodos de 2006 e 2010, e concluintes de 2009 e 2013, sendo
duas turmas para cada respectivo ano de curso. Posteriormente, fotografei as placas de
formatura que correspondem a esses dois períodos de curso. Com essas informações, busquei,
junto aos arquivos do curso de Pedagogia, os registros que confirmassem essa listagem de
alunos formados. Após, obtive a anuência do curso para desenvolver a pesquisa localizando
esses grupos de egressos. Esse movimento investigativo ajudou na escolha das técnicas que
auxiliaram na coleta de dados e na definição da amostra.
Fiz a escolha pela pesquisa de campo, pois tal abordagem apresenta maior
flexibilidade, mesmo que ocorra a reformulação dos objetivos ao longo do processo de
pesquisa. Para Gil (2008, p. 57), ―[...] o estudo de campo tende a utilizar muito mais técnicas
de observação do que de interrogação‖. E essa observação não significa somente na prática
das ações dos egressos, mas nos materiais e informações que aparecem em seus relatos e
escritos.
Com a pesquisa qualitativa, analisei os dados que foram coletados à medida que foram
se compondo, conforme as informações eram observadas, eles se inter-relacionavam, e, pouco
a pouco, foram se constituindo como primeiros esboços dos fios iniciais do aguayo. Segundo
Martins (2004, p. 292), essa abordagem metodológica ―exige do pesquisador uma capacidade
integrativa e analítica que, por sua vez, depende do desenvolvimento de uma capacidade
criadora e intuitiva‖. Portanto, nessa compreensão, a pesquisa não se emoldura em modelos
hipotético-dedutivos hegemônicos.
A pesquisa, mediante o estudo intitulado Egressos da Pedagogia: implicações de
tempos e temporalidades na formação docente, se propôs a estudar e acompanhar um grupo
de egressos do curso presencial de Pedagogia da UFMT, advindos das turmas formadas em
2009 e 2013 no campus cuiabano. Nesse processo, foi importante compreender o tempo e a
temporalidade que se cruzam e se intercruzaram, constituindo-se em um movimento que atua
na formação pessoal e profissional dessas egressas. Este movimento está sendo entendido
como um fluxo permanente, no qual cada uma das egressas foi participante ao longo de seu
constituir-se pessoa e profissional de educação, atuando nas áreas da Pedagogia.
Para o desenvolvimento da pesquisa, considerei dois períodos de concluintes do curso
de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá, do Instituto de Educação, que se formaram em 2009
44
e 2013, anos que definem o recorte temporal desta pesquisa. Tal escolha não foi aleatória,
uma vez que esses dois períodos, no que se refere ao ingresso na UFMT, possuem marcos
históricos legais, pedagógicos e epistemológicos que podem nos oferecer uma compreensão
mais ampla do campo de estudos da formação, devido à aprovação de políticas educacionais
nacionais e locais que envolvem direta e diretamente a Licenciatura em Pedagogia.
Ao fazer a análise documental no que se refere às questões legais, verifiquei que, no ano
de 2006, o Conselho Nacional de Educação, Conselho Pleno aprovou a Resolução CNE/CP nº
1, de 15 de maio de 2006, a qual, em seu artigo 1º, institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia – Licenciatura. Ainda, as diretrizes, em
seu artigo 2º, definiram que,
[...] o curso de Pedagogia aplica-se à formação inicial para o exercício da docência
na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de
Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área
de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos. (BRASIL, 2006, p. 01)
Com isso, observei a atuação do pedagogo em espaços escolares, não escolares, bem
como a sua participação na organização, gestão de sistemas e instituições de ensino. A
compreensão é de uma ampliação dessa área de conhecimento e, consequentemente, do
currículo em vista da formação em Pedagogia.
Em atenção às DCNs (2006), o curso de Licenciatura em Pedagogia da UFMT,
campus sede, em Cuiabá, reformulou o Projeto Político Pedagógico do curso, que foi
homologado em 2008, o qual, para tal causa, orientou-se mediante os seguintes documentos
oficiais:
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior (Parecer CNE/CP nº. 28/2001, Resolução CNE/CP
1/2002), e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em
Pedagogia, contribuíram para a reestruturação do currículo do Curso de Licenciatura
em Pedagogia Parecer CNE/CP Nº. 05/2005 e Resolução CNE/CP nº. 01/2006. (PPP
COORD. PEDAGOGIA IE/UFMT, 2008, p. 05)
O PPP do curso de Pedagogia do Instituto de Educação da UFMT, assumindo as
orientações das DCN/2006, ressalta que,
É com base nessa busca que o Curso de Pedagogia da UFMT/IE assenta seus
princípios educativos, já que, nos dias atuais, a escola não se limita a transmitir
conhecimentos acumulados, pois seus limites se alargaram e sua função vem-se
reorganizando ao longo de sua história. Assim, o Curso de Pedagogia do IE/UFMT,
consolidando uma nova estrutura para a formação do profissional de Pedagogia, tem
a docência como sua base e lança o presente Projeto Político - Pedagógico,
conforme assinala a Resolução 01/2006, no quadro atual do campo de atuação do
pedagogo. [...] no curso de Pedagogia, uma sólida formação dos profissionais que
atuarão, em especial, no Magistério da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental. (PPP COORD. PEDAGOGIA IE/UFMT, 2008, p. 06)
45
Em diálogo com esses marcos legais, outro dado importante a se somar a esses
movimentos de reformulações e expansões das Licenciaturas em Pedagogia diz respeito ao
Censo do Ensino Superior de 2005 a 2011, o qual, conforme dados do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), constatou que:
O número de professores formados em Pedagogia praticamente dobrou em sete
anos, segundo dados do Censo do Ensino Superior realizado pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Em 2002, o levantamento registrou a
formatura de 65 mil educadores em Pedagogia; em 2009, esse número subiu para
118 mil. No mesmo período, o censo mostra que aumentaram em mais de 60% as
matrículas nessa área de ensino — de 357 mil em 2002 para 555 mil em 2009.
Também o ingresso aumentou no intervalo analisado — de 163 mil novos estudantes
para 190 mil, o que representa evolução de 20%. (BRASIL, 2011)
Esses números poderão nos ajudar a entender a atenção que os centros e instituições de
formação vem dando à formação do pedagogo, à expansão dos centros de formação e ao
aumento da oferta de vagas. Isso porque ainda há necessidade de profissionais dessa área de
atuação em diversas frentes de trabalho e na ampliação dessas frentes a partir aprovação das
DCNs (2006) para o curso de Pedagogia.
Tomando esse tempo histórico como referência inicial, é que fui ao encontro dos
egressos do curso de Pedagogia do Instituto de Educação da UFMT. Assim, tendo presente
esses estudos, procurei me aproximar das vivências e experiências na formação docente
desses egressos para iniciar a tecelagem do aguayo, percebendo os diferentes conhecimentos,
aprendizados e reflexões que estão permeando ou que permearam a temporalidade no
desenvolvimento profissional desses professores.
A duração do desenvolvimento da pesquisa junto às egressas se deu por meio de várias
técnicas. Primeiramente, apliquei dois questionários: um de caráter técnico, fechado e, outro
aberto e semiestruturado.
O questionário, que intitulo como Q1 – levantamento, foi construído com perguntas
fechadas e encaminhado via e-mail às quatro turmas de egressos que compreendem esses dois
anos (2009 e 2013). Essa iniciativa buscou saber a atuação profissional dos egressos levando
em consideração a extensão dessa área de formação a partir das DCN (2006) para o curso de
Pedagogia. Esse questionário ajudou a compor o universo da pesquisa, fazendo o que chamo
de primeiro refinamento dos colaboradores, que são aqueles que estão na área de atuação do
curso de Pedagogia.
Para tanto, sigo tecendo o aguayo epistemológico que, pouco a pouco, desenha e
aproxima, em diálogos múltiplos, o referencial teórico e o objeto desta tese. Por isso, no item
seguinte entendo ser oportuno trazer o panorama oriundo do resultado da aplicação do Q1, o
46
qual me ajudou a identificar o grupo de egressos colaboradores que participaram efetivamente
da pesquisa.
1.3 Percursos e tecelagem dos primeiros fios colaborativos da pesquisa: o universo dos
egressos
Em vista da apresentação, do levantamento referente ao Q1, que trata das informações
gerais acerca dos colaboradores da pesquisa, teço, em linhas gerais, o movimento que fiz para
chegar aos dados coletados e sistematizados nesta parte da pesquisa.
Conforme dito antes, para o universo da pesquisa, elegi quatro turmas do curso de
Pedagogia da UFMT, formados em 2009 e 2013. A escolha desse recorte temporal justifica-se
devido às turmas desse período terem vivenciado momentos históricos de mudanças
curriculares, pedagógicas e metodológicas no decorrer de sua formação inicial dentro do curso
de Pedagogia. Entre esses marcos históricos legais, destaco a aprovação das DCNs (2006)
para o curso de Graduação em Pedagogia – Licenciatura e a reformulação do curso de
Pedagogia mediante essas novas orientações nacionais.
A tecelagem dos primeiros fios para o levantamento em vista da localização dos
colaboradores deu-se nos arquivos da Coordenação de Administração Escolar da UFMT
(CAE), a Secretaria de Tecnologias e Informação (STI) da UFMT, e finalmente dentro da
Secretaria do curso de Pedagogia do Instituto de Educação da UFMT, campus Cuiabá. Esse
movimento inicial de pesquisa foi de caráter quantitativo e objetivo, o qual possibilitou a
visualização numérica dos egressos desse período, conforme ilustra o Gráfico 1.
Gráfico 1 - Pesquisa de Levantamento de dados- STI/CAE – ingressantes por ano
Fonte: arquivo da pesquisadora, 2016.
90
92
182
0 50 100 150 200
1
INGRESSANTES POR ANO
Total de Ingressantes 2010 2006
47
Com o levantamento, pude observar uma regularidade de matrículas, tanto em 2006
como em 2010, mantendo-se o percentual de matrículas para o curso.
Desse total de matrículas, houve 97 estudantes egressos desses dois períodos, como se
pode observar no Gráfico 2.
Gráfico 2 - Pesquisa de Levantamento de dados- STI/CAE – concluintes por matrícula e ano
Fonte: arquivo da pesquisadora, 2016.
Inicialmente, o resultado desses dados me causou surpresa. Digo inicialmente porque
voltei meu pensamento para o período que conclui o curso de Pedagogia nessa mesma
instituição. Quando reporto a relação dos alunos nas placas anteriores a essas datas da
pesquisa, observei que o número de formados é maior e quase se equiparava ao número de
ingressantes. Os estudantes ingressantes em 2006 constituem um grupo que adentrou à
universidade via seleção pelo concurso vestibular, sendo que esse grupo teve número superior
de concluintes em relação ao período de acesso em 2010. Penso que seja no mínimo curioso e,
de contribuição científica, saber desses 31 egressos de 2013, ou dos períodos mais recentes,
quanto às suas motivações pelo curso de Pedagogia. Ou ainda, saber dos 61 estudantes que
não concluíram o curso de Pedagogia, se porventura concluíram alguma outra Graduação.
Em estudos que fiz só a título de curiosidade, verifiquei que o Ministério da Educação
apresentou uma proposta de reformulação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),
sugerindo sua utilização como forma de seleção unificada nos processos seletivos das
universidades públicas federais. Aqui já temos uma informação importante que muda o
cenário de acesso a universidades públicas pelo país. Nesse sentido de adesão à proposta, a
0
20
40
60
80
100
66
31
97
Concluintes por matrícula e ano de conclusão
Matrícula em 2006 com Conclusão em 2009
Matrícula em 2010 com Conclusão em 2013
Total de Alunos
48
UFMT aparece como pioneira desde o início da proposta, pois passou a utilizar o ENEM no
processo seletivo como opcional e a escolha foi crescendo ano após ano.
Assim, ocorre que a unificação dos processos seletivos das Instituições Federais de
Ensino Superior (IFEs), foi se intensificando a partir da reestruturação do ENEM (2009), que
passa a ser uma proposta de prova interpretativa e com conteúdos integrados, sendo que as
provas são aplicadas em dois dias consecutivos12
. Em pesquisas feitas no site da UFMT,
publicadas em maio de 2009, verifiquei que ―segundo a reitora da época, dos 4.387 alunos
aprovados no vestibular 2009, 3.153 (72%) optaram pelo ENEM. Do total de aprovados,
2.039 (69,2%) são oriundos de escolas públicas, apenas 1.349 (30,7%) são das escolas
privadas‖.
O concurso vestibular permaneceu no âmbito da UFMT até o ano de 2012, quando a
instituição utilizou como forma de ingresso o ENEM/SISU, sendo essa forma de ingresso
vigente no país desde 2010. Assim sendo, o ingresso ao ensino superior público passou a
ocorrer via SISU, um sistema informatizado online, após a escolha feita pelo candidato quanto
ao curso e à instituição em que deseja estudar, utilizando a nota obtida no ENEM.
Atualmente, a UFMT usa o ENEM como fase única, com o sistema de seleção unificada
SISU. Mediante a isso, pergunto: ―quais as principais influências da nova forma de ingresso
na universidade? Como as notas do ENEM vem influenciando as escolhas de acesso à UFMT
e redesenhando um cenário de evasão na educação pública superior? A não identificação com
o curso pode levar ao fracasso escolar no ensino superior? Esse modelo de adesão/seleção
inclui ou exclui estudantes oriundos da educação pública a frequentarem o ensino superior?
Frente a esses dados que caracterizam o número de egressos de 2013, entendo que essas
indagações são pertinentes para serem desvendadas em pesquisas posteriores.
Tendo em conta essas informações, retomei os dados quantitativos para localizar, nas
placas de formados do IE, as respectivas turmas para listagem dos nomes dos formados. De
posse dessas informações, passei a dialogar com a Coordenação do curso de Pedagogia para
que pudesse receber a anuência à realização da pesquisa e confirmar se os nomes nas placas
correspondiam com as informações dos anos, e com a listagem dos alunos formados no
período de 2009 e 2013, bem como saber quais eram os turnos respectivos para cada lista de
nomes retiradas das placas. A Coordenação do curso de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá,
mediante a solicitação feita, confirmou os nomes e concedeu anuência para a realização da
pesquisa.
12
Atualmente, o ENEM é aplicado em dois domingos consecutivos.
49
Passei, então, a localizar os egressos por meio de seus perfis nas redes sociais dentro
de um período de dois meses. Tracei uma estratégia em vista de localizar pelo menos duas
pessoas de cada uma das turmas, com o objetivo de tê-las como referência inicial para os
demais contatos. Desse modo, após contato via Facebook, WhatsApp, telefone e e-mail com
esses egressos de referência, foi possível, com a ajuda dos primeiros egressos contatados,
localizar os demais colegas, ou grande parte dos contatos das quatro turmas. Esses dados ou
informações não vieram rapidamente e nem simultaneamente das quatro turmas. Foi um
trabalho delicado, respeitoso e persistente de alguns meses. Desse modo, à medida que os
contatos iam chegando, foram sendo organizados em listas por turmas e individualmente para
o envio dos questionários.
Como já dito, o Questionário 1 foi semiestruturado e continha 10 questões dispostas
por meio de letras, de A-J, e objetivaram localizar onde esses egressos estavam atuando
profissionalmente. Ao passo que foram localizados, iniciei o envio dos questionários. Foram
enviados cerca de 80 questionários, os quais foram reencaminhados pelo menos seis vezes no
mesmo endereço de e-mail. O número 80 diz respeito à quantidade de e-mails de egressos que
foi possível localizar com a colaboração de alguns egressos quando esses foram localizados,
pois informavam os e-mails de colegas de suas respectivas turmas. Contudo, alguns endereços
de e-mails não foram entregues aos seus destinatários, pois estavam incorretos ou não
existiam.
Quando perguntava, via WhatsApp, a algum egresso quanto ao seu endereço de e-mail,
a entrega era mais precisa do que ao usar as listas conseguidas com a colaboração de algum
colega de turma, pois muitos endereços de e-mails já tinham sido desativados.
Nessa etapa da pesquisa, o WhatsApp e o e-mail foram imprescindíveis para
localização das turmas e o diálogo para o envio do questionário. Em pelo menos duas turmas
fui adicionada no WhatsApp para conversar e explicar esse momento inicial da pesquisa.
Nessas turmas, obtive maior número de devolutiva de questionários respondidos. Desses 80 e-
mails disparados por mais de seis vezes, obtive 40 questionários respondidos e encaminhados
ao meu e-mail.
Em linhas gerais, tendo presente as dez questões13
apresentadas no Questionário 1,
apresento os dados levantados, tomando questão por questão em formato de gráfico para
visualização desses primeiros fios que começam a dar cor e movimento à tecelagem do
13
Cada questão será visualizada por meio dos gráficos precedidos de números e letras correspondentes à
questão, quando houver mais de uma resposta na mesma questão, a letra será ainda precedida de um número
sobrescrito.
50
aguayo que envolve o tempo e a temporalidade desse grupo de formados no curso de
Pedagogia.
A questão (a) sinalizou o recorte temporal da pesquisa que traz a datação dos egressos
(2009 e 2013). Todos fizeram a sua especificação quanto ao ano de conclusão do curso. Os
dados foram organizados por turmas, conforme se verifica no Gráfico 3.
Gráfico 3 - Perfil dos egressos por turma
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
O Gráfico 4 apresenta a distribuição dos egressos de acordo com a faixa etária.
Gráfico 4 - Perfil dos egressos por idade
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
A maior predominância na docência atuando na área da Pedagogia está na faixa etária
que vai de 30 a 39 anos. O gráfico como um todo me permite dizer que nesse espaço-tempo
social de atuação profissional contamos com um grupo de mulheres pedagogas em pleno
processo de formação profissional.
16
12
5
7
EGRESSOS POR TURMA
Turma 1- 2009 Turma 2- 2009 Turma 1- 2013 Turma 2- 2013
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
1
EGRESSOS POR IDADE
Menos de 25 Entre 25-29 Entre 30-39 Entre 40-49 Entre 50-59
51
O Gráfico 5 apresenta o perfil dos egressos pesquisados quanto à variável sexo.
Gráfico 5 - Perfil dos egressos por sexo
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
O levantamento mostra que o maior porcentual de escolha para o curso de Pedagogia
compreende o sexo feminino. Se observarmos historicamente, podemos fazer um paralelo
com o Magistério, uma atuação predominantemente de mulheres. Tal constatação me
possibilita entender que a educação nos anos iniciais, considerando atualmente a creche, é um
espaço-tempo profissional ocupado por pessoas do sexo feminino. Historicamente, era
análogo aos trabalhos do lar com a especificação no cuidar. Com os avanços sociais e da
própria ciência, o cuidar permanece, mas é especializado, conquistando status de educação
formal com intencionalidades psicopedagógicas. Com isso, novas concepções foram sendo
incorporadas na base da formação para o ensino na primeira infância. O Gráfico 6 demonstra
o espaço institucional de atuação profissional dos egressos pesquisados.
Gráfico 6 - Perfil dos egressos por setor de atuação profissional
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
2%
98%
EGRESSOS POR SEXO
Masculino Feminino
72%
10%
2%
13% 3%
EGRESSOS POR SETOR DE ATUAÇÃO
PROFISSIONAL
Municipal Estadual Federal Privado Outras especificações
52
Quanto ao cenário da atuação profissional, 70% dos pedagogos estão laborando nas
instituições de ensino público, principalmente nas redes municipais. Ademais, denota-se o
interesse por estabilidade profissional, o grande grau de empregabilidade que o curso de
Pedagogia proporciona, dando destaque aos egressos da UFMT no caso do estado de Mato
Grosso, em especial, no raio de alcance da pesquisa, que engloba as cidades de Cuiabá e
Várzea Grande. Além disso, nesses dados, observamos uma profissão que se pauta na carreira
profissional, em que há busca por qualificação, tanto pelo reconhecimento salarial como pelas
melhorias da qualidade do ensino.
O Gráfico 7 apresenta as informações quanto ao vínculo profissional, e esclarece bem
onde estão os grupos de egressos pesquisados, e, mais uma vez, reforça a presença da
formação pública federal, sendo responsável por um número significativo de aprovação em
concursos públicos.
Gráfico 7 - Perfil dos egressos por modalidade vínculo profissional
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
Quanto à jornada de trabalho, os detalhes estão especificados conforme o Gráfico 8.
Gráfico 8 - Perfil dos egressos por jornada de trabalho
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
17%
68%
15%
EGRESSOS POR MODALIDADE VÍNCULO
PROFISSIONAL
Celetista Estatutário Outras especificações
20h semanais 30%
40h semanais 40%
Outras especificações
30%
EGRESSOS POR JORNADA DE TRABALHO
53
Na especificação profissional dos 40 egressos que responderam ao questionário, foram
encontradas inserções nas seguintes atuações:
Gráfico 9 - Perfil dos egressos por função profissional
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
De acordo com o levantamento para verificar os espaços de atuação levando em
consideração a carga horária já apresentada, verificamos o seguinte panorama pertinente à
atuação profissional:
Gráfico 10 - Perfil dos egressos com atuação em múltiplas instituições
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
23
3
1
1
1
1
1
1
1
2
1
1
1
1
0 5 10 15 20 25
Professora séries iniciais
Direção
Coordenação
Assessora Pedagógica
Oficial Administrativo Pronto Socorro
Técnico de desenvolvimento Social
Secretaria de diretório de Partido
Assessoria de Gabinete secretaria de Educação
Auxiliar administrativo
Técnico Administrativo educacional
Técnico de desenvolvimento educacional (TDI)
Assistente Administrativo
Apoio Educacional de auxiliar de limpeza
Síndica profissional/administração de condomínios
EGRESSOS POR FUNÇÃO PROFISSIONAL
76%
13%
11%
EGRESSOS EM ATUAÇÃO EM MÚLTIPLAS
INSTITUIÇÕES
Não atua em mais de uma instituição
Auta no Estado, Município e Privado
Atua em duas instituições por Jornada de trabalho
54
Esses dados apresentados chamam atenção, pois mesmo tendo uma jornada de
trabalho de 40 horas, a atuação profissional se mantém dentro da mesma rede de ensino,
podendo ser em municípios circunvizinhos. Tal cenário ajuda a identificar um grupo de
professores pedagogos construindo seu desenvolvimento profissional dentro da rede de ensino
público.
Pelo desdobramento da questão anterior, localizei o tempo de atuação profissional dos
egressos na docência.
Gráfico 11 - Perfil egressos por tempo de atuação profissional
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
A pesquisa trouxe um dado interessante, pois podemos visualizar que 50% dos
profissionais estão atuando há mais de cinco anos, quantitativo este muito próximo ao
daqueles que estão iniciando a carreira (47%). Tal ocorrência também me fez pensar a
respeito da importância de se propor uma política de formação para o acompanhamento
desses profissionais.
Fechando o levantamento do Questionário 1, na última pergunta indagava se o egresso
aceitava fazer parte da pesquisa de Doutorado. Todos concordaram. Quanto à especificação
para identificação, as respostas foram diversas e na maioria delas, os colaboradores
responderam que preferem serem identificados pelo próprio nome ou à critério da
pesquisadora.
Como a tese tem o foco na formação em uma perspectiva de desenvolvimento
profissional docente, após esse levantamento, foi possível organizar outros gráficos nos quais
começo a me aproximar dos colaboradores que trabalham na área de atuação da Pedagogia.
Entre 1 a 5 anos 47%
Entre 5 a 10 anos 50%
Outras especificações
3%
EGRESSOS POR TEMPO DE ATUAÇÃO
PROFISSIONAL
Entre 1 a 5 anos Entre 5 a 10 anos Outras especificações
55
Assim, decidi apresentar os colaboradores a partir de suas respectivas turmas,
organizados por ano de entrada e conclusão de curso, sendo dispostos da seguinte forma:
Turma 1 – 2006-2009; Turma 2 – 2006-2009; Turma 3 – 2010-2013, e Turma 4 – 2010-2013.
Constituindo-se, por conseguinte, as quatro turmas desse período de formação dentro do curso
de Pedagogia.
Gráfico 12 - Panorama de atuação por turmas
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
Conforme o Gráfico 12, considerando as DCNs (2006) que expandem a atuação da
Pedagogia, observo que, dessa turma em questão, 100% dos egressos atuam na área de
atuação da Pedagogia, tendo maior ênfase a docência em sala de aula.
Gráfico 13 - Perfil pedagogos que atuam na área de formação – turma 2
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
86%
14%
PEDAGOGOS QUE ATUAM NA ÁREA DE
FORMAÇÃO (TURMA 1 - 2006/2009)
Professores Direção
60% 10%
10%
10%
10%
PEDAGOGOS QUE ATUAM NA ÁREA DE
FORMAÇÃO (TURMA 2 - 2006/2009)
Professores Direção
Coordenação Assessoria Pedagógica
Assessoria de gabinete da Educação
56
Constata-se que essa turma retrata ainda mais a expansão da área de atuação do
Pedagogia, mantendo a predominância da atuação na docência em sala de aula.
Gráfico 14 - Perfil pedagogos que atuam na área de formação – turma 1
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
Recebi a devolutiva de cinco questionários dessa turma. Somente uma egressa desse
grupo está atuando fora da área da Pedagogia. Mas, aparece um elemento novo com relação às
turmas anteriores, a Técnica de Desenvolvimento Infantil (TDI), que, por sua vez, atua na
creche, espaço de atuação da Pedagogia decorrente das DCNs (2006) que ampliaram a área
atuação e da Resolução nº 2 de 01/07/15 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a formação inicial em nível superior DCNs (2015), contemplando a formação superior
em vista da atuação em espaços escolares e não escolares. O Gráfico 15 apresenta o perfil dos
egressos no tocante à atuação por turma.
Gráfico 15 - Perfil pedagogos que atuam na área de formação – turma 2
Fonte: arquivo da pesquisadora (2016).
75%
25%
PEDAGOGOS QUE ATUAM NA ÁREA DE
FORMAÇÃO (TURMA 1 - 2010/2013)
Professores Técnico de desenvolvimento Educacional (TDI)
30%
70%
PEDAGOGOS QUE ATUAM NA ÁREA DE
FORMAÇÃO (TURMA 2 - 2010/2013)
Professores Total
57
Dessa turma, sete egressas responderam ao levantamento, sendo que destas, apenas
três estão atuando na área da Pedagogia.
Esse mapeamento advindo do Questionário 1 possibilitou uma aproximação do
universo da pesquisa, permitindo saber onde estão atuando os egressos pedagogos desses dois
períodos de formação. Observando os gráficos, entendo que mesmo que alguns estejam
atuando em outras atividades e campos de trabalho, mais de 80% dos que responderam ao
questionário trabalham na área de atuação da Pedagogia e foram esses que responderam ao
questionário de entrevista semiestruturada.
Por constatar que 99% dos respondentes são do sexo feminino, e somente um do sexo
masculino, optei por me referir aos colaboradores da pesquisa como egressas de Pedagogia.
Após esse refinamento com auxílio do Questionário (Q1), realizei uma pesquisa de
campo para obter conhecimentos acerca das 30 egressas de Pedagogia que, conforme dados
apresentados, estão atuando nos anos iniciais, na equipe gestora das escolas e em outras
instituições e espaços que atendem a ampliação da área de atuação do pedagogo após as
DCNs (2006).
Usei um roteiro de entrevista que ajudou a explorar o objetivo principal da pesquisa,
que se constituiu em: compreender as implicações (o fenômeno) do tempo e da temporalidade
na tecitura e ressignificação da formação profissional de egressos de um curso de Licenciatura
em Pedagogia, examinando o seu constituir-se profissionalmente para além do tempo e
temporalidades hegemônicos que venham a condicionar seu trabalho.
Tive como objetivos específicos: conhecer onde e como egressos do curso de
Pedagogia 2009 e 2013 estão atuando profissionalmente; identificar, a partir dos estudos de
tempo e da temporalidade, os processos formativos de um grupo de egressos do curso de
Pedagogia da UFMT; analisar como egressos da Pedagogia percebem o tempo e a
temporalidade no processo de seu desenvolvimento profissional; relacionar formação inicial e
atuação profissional de egressos da Pedagogia.
O roteiro é composto por três dimensões: do que se refere à formação pessoal, inicial e
profissional, entendendo que essas dimensões compõem a formação e o desenvolvimento
profissional docente de modo relacional, pois uma a uma encontram-se imbricadas com
intercruzamento de tempos e temporalidades. Quando me refiro a elas, considero que são
assumidas dentro de um mesmo processo que se constitui a formação humana.
Para essas 30 egressas distribuídas nas quatro turmas, perguntei se aceitavam serem
colaboradoras da pesquisa como um todo. Todas aceitaram participar da fase de entrevistas.
58
As entrevistas foram previamente agendadas, por meio de contato telefônico, e-mail e
WhatsApp e em dias, horários e locais estabelecidos pelas egressas.
Antes do início das entrevistas, apresentei os objetivos da pesquisa, sua importância
para educação no que se refere à formação docente na Pedagogia. Em seguida, explanei sobre
o teor do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todas assinavam o documento, e, na
sequência, recebiam uma cópia também assinada.
Como dito antes, as entrevistas aconteceram nos locais estabelecidos pelas egressas,
mas várias quiseram que a entrevista acontecesse no IE na UFMT, no prédio onde estudaram.
Elas disseram que queriam matar a saudade, que era especial estar ali de volta, pois parecia
que passava um filme na cabeça delas. Algumas aproveitaram para tirar fotos na placa da
turma do curso para postarem no Facebook e grupo comum da turma de WhatsApp.
Outras entrevistas aconteceram nas escolas onde algumas trabalham. Algumas
reservavam um local e tempo para isso, mas como algumas faziam parte da direção ou
coordenação pedagógica, sempre ocorria algum tipo de interrupção. Contudo, eu já dizia para
ficarem tranquilas, pois esperaria o tempo que fosse necessário e oportuno. Por esse motivo,
algumas entrevistas foram povoadas de outras vozes, situações da vida cotidiana da escola.
Essas geralmente foram entrevistas bem dinâmicas e vivas.
Com isso, tive a oportunidade de conhecer várias escolas, saber onde trabalham nossas
colaboradoras, algumas moram no próprio bairro que trabalham. Outras preferem morar em
outro bairro, pois o envolvimento com a vida da escola não é parcial. É total. E muitas
disseram que era necessário esse distanciamento para separar ou pôr limites no trabalho.
Estive em várias residências das egressas, algumas estavam de licença maternidade;
algumas de férias; outras, em uma tarde ou manhã livre. Assim, cheguei em algumas casas
logo pela manhã, bem cedinho, à tarde, no fim da tarde e à noite. Em todas essas casas, fui
sempre bem acolhida.
Estive também em três shoppings centers. Dois de Cuiabá e um Várzea Grande. Lá
sempre conseguíamos um cantinho mais calmo para a realização da entrevista. Algumas
escolheram esse espaço, pois tinham filhos e aproveitavam e deixavam com o esposo
enquanto faziam a entrevista. Outras iam com uma amiga da escola para depois tomarem um
lanche, ir ao cinema. Assim, foi acontecendo uma após a outra, as entrevistas até totalizar 30.
Todo o processo da pesquisa de campo foi de negociação de tempos, seja ele de férias,
recuperação de uma cirurgia, da agenda do trabalho ou do tempo livre.
Nessa etapa, já fui observando como o tempo absoluto, cronológico, o chronos
fortemente determina e controla nossas ações formais e não formais. Há momentos em que
59
precisamos estabelecer nele o que ele mesmo representa, em sua raiz, que implica cortar,
separar. Então, são diferentes níveis de realidade, conforme postulado por Paul (2009). Em
um outro momento, em diálogo14
com o referido autor por ocasião do exame de Qualificação,
ele me fez as seguintes observações:
[...] o tempo é um ‗devir ser‘. O tempo subjetivo interagindo com o tempo objetivo.
Essas diferenças criam interações entre um tempo cósmico (Aión), um tempo
sociohistórico (Chronos) e um tempo mais ontológico (Kairos). Essas múltiplas
temporalidades articulam a relação do objeto, do sujeito e do Ser no quadro da
complexidade. (PAUL, 2018, p. 02-03)
Esse agendamento de entrevistas, embora seja dentro da fração do tempo, no que se
refere ao horário, quando as colaboradoras foram entrevistadas, esse tempo chronos se fundia
ao tempo aión, que no meu entender é o corte, a fenda do tempo chronos considerado
contínuo e circular. Enquanto o aión é o tempo do devir, portanto, não-circular. Assim, desde
então, iniciei a minha negociação com esses tempos.
Essas egressas são o ser-no-mundo como bem compreende Merleau-Ponty (1999), é
este estar – para – as coisas, para si mesma e os outros que as egressas se percebem e
percebem o tempo. A temporalidade, nesse sentido, é a própria subjetividade em negociações,
ou manifestações nesses tempos.
Seguindo esse fio de entendimento, tomei as entrevistas, dentro dessas múltiplas
temporalidades, as quais foram precedidas da assinatura do termo de Consentimento Livre
Esclarecido (CLE)15
, conforme orientação do Comitê de Ética para pesquisa com humanos,
assim, as entrevistas foram todas gravadas e posteriormente transcritas.
Nessa relação e inter-relação, buscou-se entender que os egressos são seres de
memória e reflexividade permeado por influências pessoais, sociais, culturais e profissionais
que interpretam, significam e ressignificam o mundo onde estão inseridos.
Para este trabalho, a memória reflexiva compreensiva está no sentido de posto por
Merleau-Ponty (1999, p. 577), ao trazer o ―para-si e o ser-no-mundo‖ com suas
ressignificações:
[...] que ele só tem sentido para nós porque nós ‗o somos‘. Nós só podemos colocar
algo sob esta palavra porque estamos no passado, no presente e no porvir [...] Mas a
análise do tempo não era apenas uma ocasião de repetir aquilo que tínhamos dito a
propósito do mundo. Ela ilumina as análises precedentes porque faz o sujeito e o
objeto aparecerem como dois momentos abstratos de uma estrutura única que é a
presença. É pelo tempo que pensamos o ser, porque é pelas relações entre o tempo
sujeito e o tempo objeto que podemos compreender as relações entre o sujeito e o
mundo.
14
Este diálogo que aparece em forma de citação foi escrito no parecer de Qualificação da tese. 15
Conforme Apêndice C.
60
Essas percepções compreensivas trazidas pelas biotecituras das egressas as situam no
mundo, palco de suas ações, social, cultural, educacional, profissional, dentre outras, onde
suas vidas e experiências, juntamente com suas percepções profissionais, segundo Merleau-
Ponty (1999), estão em um movimento de temporalização permanentes ligando o presente e o
passado, esse acesso ou canal de acesso, que chamo de memória/recordação de uma
temporalização.
No capítulo que segue, trabalho com os conceitos de ―egressos de Pedagogia‖ e
―egressos pedagogos‖. Tais termos são descritores e foram usados para efetivação da busca e
levantamentos nos bancos de dados. Feito isso, tratei os resultados dentro do contexto da
pesquisa, construindo o capítulo teórico-histórico-educacional da Pedagogia, enquanto seu
surgimento no cenário mundial, nacional e na instituição superior de ensino público de Mato
Grosso.
61
Fonte: elaboração da autora com desenhos e aguayos originais (2019)
CAPÍTULO II – TEMPO E A TEMPORALIDADE NA PEDAGOGIA
62
Este capítulo compõe-se de três itens que considero fios de arrimo-condutores que
tecem o aguayo. Apresento vários estudos que realizei quase de modo artesanal, digo
artesanal porque, mesmo dispondo de recursos tecnológicos para pesquisa em bases online de
dados, as quais são riquíssimas de informações científicas e que contribuíram com o objeto de
estudo, quanto ao refinamento para se chegar ou localizar os trabalhos, exigiram maior
atenção. O número de trabalhos e a diversidade de temas elencados pelos boleadores eram
montantes numericamente gigantescos. Para tanto, usei novamente os refinamentos
disponíveis no sistema para um novo refinamento. Tendo os trabalhos localizados com foco
na Pedagogia e egressos, conforme seus títulos, palavras-chaves e objetivos, os selecionei,
como contribuição para esta tese. Esse levantamento trouxe contribuições acerca do enfoque
dessa temática para a área de educação e para a formação na Pedagogia. Para aproximação da
compreensão do nascimento/surgimento, da Pedagogia, seu conceito e significado nos tempos
históricos realizei uma breve descrição considerando em alguns momentos da minha trajetória
de formação inicial na Pedagogia.
Finalizo o texto trazendo um rápido panorama do tempo histórico, social, político e
educacional dos caminhos e (des)caminhos que a Pedagogia percorreu para ir se constituindo
como um campo de estudo até ser concebida como uma Licenciatura. Considerando esses fios
tensionadores da história da educação no campo da Pedagogia, fecho o capítulo
temporalizando os fios da Pedagogia na Universidade Federal de Mato Grosso, lócus desta
pesquisa.
2.1 Tensionamento de fios: o que dizem as pesquisas sobre os egressos de Pedagogia?
A Pedagogia é um tema recorrente em diversas pesquisas de Mestrado e Doutorado
em Educação. Para esta pesquisa, meu enfoque está nos egressos dessa referida Licenciatura.
Para conhecer esse universo de pesquisas que envolvem os egressos de Pedagogia, delimitei o
período que compreende 2006 a 2016, em atenção ao recorte dos estudos desta tese.
Fiz um levantamento de publicações bibliográficas acessando o repositório de teses e
dissertações da plataforma da CAPES. Para tanto, usei os seguintes descritores: ―egressos de
Pedagogia‖ e ―egressos pedagogos‖.
O levantamento trouxe, inicialmente, cerca de 870 títulos de pesquisas que envolvem
egressos formados em várias áreas de conhecimento. Isso, porque, se em alguma parte dessas
pesquisas aparecia a palavra egresso ou Pedagogia, a busca selecionava esse trabalho e trazia
para a relação geral. Por isso, a abrangência de títulos de várias áreas. De fato, observei, ao
63
abrir as abas, que esse número não correspondia às pesquisas que enviam egressos de
Pedagogia.
Fiz o refinamento voltado para a grande área de Ciências Humanas e Educação. Então,
os títulos passaram para um total de 556 trabalhos. Apliquei o recorte temporal mais uma vez,
e foram listados 356 títulos, ainda com abrangências de estudos em outras áreas. Gerando
quase 40 abas a serem abertas, em cada aba havia vários trabalhos linkados, observei que nas
20 primeiras abas, os trabalhos aproximavam-se mais dos descritores das buscas desejadas.
Passei, então, a abrir esses trabalhos. Considerei seus títulos, e priorizei os que mais se
aproximavam dos descritores. Após esse procedimento, selecionei 13 trabalhos cujos títulos,
palavras-chaves e objetivos se relacionavam diretamente com a Pedagogia e egressos. Desses,
quatro são da Universidade Federal de Mato Grosso e se referem a egressos. Porém, dois são
do curso de Pedagogia a distância, um do curso de Pedagogia Convênio 035/9416
e outro está
relacionado aos egressos do campus da Pós-Graduação de Rondonópolis, Mato Grosso.
Nesse levantamento realizado em 2017, não localizei nesse repositório nenhum
trabalho com egressos do curso de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá. Além disso, fiz o
mesmo levantamento na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), onde
apareceram somente nove trabalhos no total de todas as buscas.
Considerando um a um, verifiquei somente dois trabalhos que envolviam a Pedagogia
da UFMT, mas somente um de modo direto, sendo uma tese, a qual, segundo Beraldo (2005),
analisou a relação da teoria-prática na efetivação da proposta de formação do curso de
Licenciatura Plena em Pedagogia modalidade parcelada, oferecida pela UFMT como
estratégia para expandir suas ações pelo interior do Estado de Mato Grosso.
Portanto, não se tratou do curso da sede da UFMT. O outro trabalho é uma dissertação
defendida em 2014, que tratou da iniciação à docência de uma pedagoga. O trabalho está
vinculado ao Programa Observatório da Educação CAPES/INEP, envolvendo UFMT,
UFRGS e UER, e tratou especificamente da iniciação à docência da própria pesquisadora,
enfocando suas narrativas, experiências vividas como um projeto de autoformação. Esses
trabalhos não foram relacionados no Quadro 1.
Todavia, ajudaram a assegurar a originalidade desta tese no que se refere ao seu objeto
de pesquisa, mas de modo geral, a intenção foi levantar pesquisas que envolvessem egressos
de Pedagogia das universidades de todo país que possuem seu registro dentro desses
repositórios pesquisados. A observação feita à UFMT foi no sentido de ressaltar que não há,
16
Celebrado entre a Fundação Universidade Federal de Mato Grosso e as Secretarias de Educação do Estado e
dos Municípios de Cuiabá, Várzea Grande e Santo Antônio de Leverger para formação de professores.
64
até o presente momento, uma pesquisa no qual o objeto seja o estudo dos egressos de
Pedagogia, campus Cuiabá do Instituto de Educação.
No Quadro 1 estão relacionadas as 13 pesquisas citadas anteriormente e que tratam de
egressos de Pedagogia. Nelas, verifiquei como se apresentam o objetivo da pesquisa, ainda, de
modo geral, fiz um apanhado em forma de síntese para saber como a Pedagogia é percebida e
entendida na visão desses egressos. Não foi minha intenção analisar as pesquisas levantadas
uma a uma de modo separado. O interesse foi iniciar um diálogo com elas, observar seus
achados, nos quais destaco algumas compreensões e possíveis interlocuções com o objeto
desta tese. E para se aproximar ainda mais, optei em trazer para essa parte do texto algumas
citações dos trabalhos, falas e entendimentos de outros trabalhos. Tais excertos de trabalhos
foram trazidos porque, em seus objetivos de pesquisa, buscaram ouvir os egressos, saber de
suas percepções quanto à sua formação inicial, à proposta pedagógica do curso e, em outros
momentos, foram saber da formação continuada desses egressos em diálogo com suas práticas
enquanto docentes. Ademais, ouviram egressos que tiveram oportunidade, na formação
inicial, de atuarem em grupos de pesquisas para iniciação científica. Finalmente, expresso as
minhas compreensões a respeito de alguns elementos comuns ou únicos que, de modo
especial, saltaram aos meus olhos ao serem abordados nos trabalhos apresentados.
Quadro 1 - Levantamento de Teses e Dissertações – Repositórios da CAPES (2017)
LEVANTAMENTO DE TESES E DISSERTAÇÕES REPOSITÓRIOS DA CAPES/2017
Descritores: Egressos-de-Pedagogia; Egressos-pedagogos
Natureza/autor/Instituição Título Objetivo da pesquisa
Mestrado
Liamar Nunes Silveira
Monteiro
Universidade Federal de
Uberlândia UFU
26/08/2016 134 f
Egressos do curso de Pedagogia:
sentidos, significados e
dimensões de suas trajetórias
formativas
Recuperar a trajetória histórica da
formação de professores no âmbito do
curso de Pedagogia em geral e, mais
especificamente da Faculdade de
Educação, da Universidade Federal de
Uberlândia, em Minas Gerais, no Brasil,
no período de 2009 a 2013. Buscou,
ainda, discutir os sentidos, significados e
dimensões da formação inicial e da
formação continuada de professores,
bem como analisar os caminhos
percorridos por eles.
Mestrado
Cintia dos Santos Souza
Universidade Federal de
Rondônia
14/11/2014
O acompanhamento de egressos
do curso de Pedagogia como
indicador de avaliação
institucional na UNIR
Analisar a contribuição do
acompanhamento de egressos do curso
de Pedagogia da Fundação Universidade
Federal de Rondônia (UNIR) como
indicador da avaliação institucional no
âmbito do SINAES.
65
Mestrado
Clara Melo Casotti Bastos
Universidade Federal do
Espírito Santo
18/03/2014 97 f
O curso de Pedagogia da UFES
sob os olhares das/os alunas/os
concluintes: processos de
subjetivação produzidos num
coletivo de intensidades
A autora17
escreve: prefiro denominar de
campo epistemológico, que também
inclui as intenções dessa proposta: Como
os alunos concluintes do curso de
Pedagogia da UFES narram sua
formação nas dimensões cognitivo, ético,
político-afetivas e em suas relações com
os documentos oficiais que compõem
seu currículo?
Mestrado
Mendes Solange Lemes da
Silva
UFMT-Rondonópolis,
29/09/ 2014
Práticas formativas em Mato
Grosso sob o olhar de professores
iniciantes
Investigar, e compreender as práticas
formativas educacionais desenvolvidas
por meio da Formação Continuada da
SEDUC-MT, SEMED/Roo e de escolas
particulares do município de
Rondonópolis-MT, em seu trabalho de
acolhimento e de assessoramento ao
professor egresso da Pedagogia e de
como estas lhe têm auxiliado para os
embates e desafios enfrentados nas
experiências iniciais da docência.
Doutorado
Adelina Maria Salles
Bizarro
UERJ/REDE
01/07/2012 199 f
Formação do pedagogo: um olhar
sobre a trajetória profissional
dos/as egressos/as do Curso de
Licenciatura em Pedagogia da
UPE-Campus Garanhuns de 1996
a 2010
Buscar a compreensão das contribuições,
ou não, do Projeto Pedagógico de Curso
na formação do pedagogo da
Universidade de Pernambuco-Campus
Garanhuns, no período de 1996 a 2010, a
partir da concepção e da realização dos
estágios supervisionados e como estes
influenciaram no desempenho
profissional nas diversas áreas de
atuação dos/as egressos/as dessa
instituição de educação superior, que
integralizaram o curso durante o período
proposto neste estudo.
Mestrado
Ana Paula Kuhn
UFMT
01/04/2012 378 f
Práticas avaliativas de egressos
do curso de Pedagogia a distância
da UFMT: implicações da
formação inicial e o exercício de
ser professor
Analisar os aspectos teóricos do
processo de formação oferecido no curso
de Pedagogia para os anos iniciais do
Ensino Fundamental na modalidade à
distância, e as implicações nas práticas
avaliativas das professoras dos anos
iniciais graduadas neste curso.
Mestrado
Soraia Lourenço de Aquino.
Universidade Federal de
Viçosa (MG)
01/05/2011 168 f
O pedagogo e seus espaços de
atuação nas Representações
Sociais de egressos do curso de
Pedagogia
Identificar as Representações Sociais dos
egressos do Curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Viçosa (UFV)
nos espaços educativos formais e não
formais de atuação do pedagogo.
Mestrado
Vanessa Oliveira de
Azevedo
Universidade Federal do
Espírito Santo, UFES
01/10/2011 123 f
O Curso de Pedagogia da UFES:
um olhar de egressos sobre a
perspectiva da educação inclusiva
Analisar a percepção de egressos do
Curso de Pedagogia da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES) matriz
curricular 2006, sobre as contribuições
que a formação inicial trouxe para atuar
na perspectiva da educação inclusiva.
Doutorado
Josimar de Aparecido Vieira
PUC-RS
01/01/2011, 211 f
Qualidade da Formação Inicial de
pedagogos: indicadores na Visão
de Egressos
Promover uma leitura crítica e analítica
de caminhos possíveis para a construção
de dimensões e indicadores de qualidade
da formação inicial de pedagogos.
Contribuir na construção da base
(realidade) político-pedagógica da
formação inicial de pedagogos,
17
A meu ver, a autora da dissertação coloca o objetivo na perspectiva do problema de pesquisa (conforme p. 96)
66
auxiliando na organização do processo
ensino-aprendizagem presente nos
cursos de formação inicial de
professores.
Mestrado
Maria Aparecida de Lima
Souza
UFMT
01/03/2010 153 f
Práticas pedagógicas de egressos
do curso de Pedagogia a
Distância da Universidade
Federal de Mato Grosso
Investigar se os pressupostos teórico-
metodológicos, expressos no projeto do
curso para essa área, se manifestam nas
práticas pedagógicas dos professores
formados através do referido curso.
Mestrado
Ana Conceição Elias e Silva
UFMT
01/03/2007 155 f
Egressos da Pedagogia/Convênio
035/94-FUFMT: onde estão e o
que pensam sobre sua formação
Conhecer o perfil dos egressos do
referido curso e sua percepção sobre a
contribuição ou não do curso para o
desempenho da profissão.
Mestrado
Deise Becker Kirsch
Universidade Federal de
Santa Maria
01/03/2007 111 f
A Investigação Científica na
formação inicial de professores:
Repercussões no processo
formativo de egressas do curso de
Pedagogia
Compreender a contribuição da iniciação
científica no processo formativo docente,
proporcionada às acadêmicas egressas do
Curso de Pedagogia que foram bolsistas
de projetos de pesquisa durante sua
formação inicial, sendo cinco delas
egressas do ano de 2004 e cinco de 2005,
todas desta mesma Universidade
Mestrado
Simone Penteado Silva e
Jesus
Universidade Metodista de
São Paulo (UMESP)
01/04/2010 125 f
A formação do pedagogo: estudo
de caso com alunos egressos de
um curso de Pedagogia
Realizar uma investigação sobre a
atuação de docentes das séries iniciais do
Ensino Fundamental, relacionando-a ao
desenvolvimento das competências e
habilidades alcançadas a partir de sua
formação realizada em um Curso de
Pedagogia.
Após elaborar esse quadro-resumo, faço um ensaio compreensivo dos trabalhos acima
relacionados, apresentando minhas observações e impressões acerca dessas pesquisas,
buscando estabelecer um diálogo no texto considerando-as para obter contribuições para esta
tese no que se refere às trajetórias formativas de formação inicial e continuada dos egressos.
Não constituí, portanto, uma análise exploratória dessas pesquisas.
Inicio com a frase da pesquisa de Mestrado de Bastos (2014, p. 47), ao se referir às
falas de seus colaboradores de pesquisa ao acessarem suas memórias, trazendo à tona
elementos históricos da formação inicial de professores no Brasil. A pesquisadora expressa
sua compreensão ao dizer que ―o passado, dessa forma, não é um ponto fixo e imóvel num
tempo remoto, pois, ao atualizarmos, estamos nos utilizando dele para pensar os caminhos
percorridos‖. Para essa compreensão de acesso às memórias do que guardamos de nós
mesmos, me apoio em Bergson, (1999, p. 163), ao expressar que:
De meu passado, apenas torna-se imagem, e, portanto, sensação ao menos nascente,
o que é capaz de colaborar com essa ação, de inserir-se nessa atitude, em uma
palavra, de tornar-se útil; mas, tão logo se transforma em imagem, o passado deixa o
estado de lembrança pura e se confunde comum a certa parte de meu presente.
Considerando o que os referidos autores trouxeram, compreendo, no movimento dessa
pesquisa, quando escuto as egressas que colaboraram com esta tese, observo que o passado,
67
quando evocado, se desloca para o presente, e se transforma, como entende Bergson (1999),
em imagem útil, não mais uma lembrança, mas parte do presente de onde ele é evocado.
Assim, ao levar em conta esse tempo que se move nas reminiscências das egressas e
situa a história da história e o vivido do vivido, é que esclareço que é essa a minha intenção
com as pesquisas elencadas para esta parte do trabalho.
Busquei acessar esses tempos, seja nas memórias evocadas pela construção das
linguagens narrativas dos envolvidos, visto do ponto histórico de onde viveram, seja do ponto
de onde hoje eu as observo, uso e entendo-as. Com essa percepção, discorro acerca dos
trabalhos selecionados seguindo o que propus anteriormente.
Tomando os trabalhos acima relacionados, ao analisá-los compreensivamente,
verifiquei que quase todos dedicaram uma parte ou capítulo para tratar do curso de Pedagogia,
dando ênfase em sua criação e nas reformulações que o curso vem sofrendo desde a sua
origem.
Diante disso, digo que o panorama geral das pesquisas se vinculou, em uma
abordagem sobre a criação do curso de Pedagogia e seus diversos percursos, bem como em
tendências pedagógicas, metodológicas e epistemológicas, expondo diferentes bases legais do
curso de Pedagogia no Brasil, até chegar à aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais
para o curso de Pedagogia, em 2006. Mas, o Fio de Ariadne18
, historicamente, continua sendo
o currículo vinculado à formação e a abrangência da atuação da Pedagogia. Tal campo foi
ampliado com a aprovação das referidas diretrizes.
Assim, observei que, nesse crisol de pesquisas, as vozes constantes dos egressos de um
tempo que hoje aqui atualizo, salientaram preocupações e angústias quanto à atuação
profissional do pedagogo, concebendo-a historicamente, de maneira aberta e plural,
mergulhada em constantes debates da área de educação. E, especificamente no Brasil, as
discussões nesse campo se acirraram na década de 1990, conforme esclarece Silva (2014, p.
18-19) em sua pesquisa de Mestrado:
A partir da década de 1990 do século passado o quadro da educação brasileira sofreu
grandes alterações, com a realização da Conferência Mundial de Educação para
Todos na Tailândia e também com os resultados dos estudos realizados pelo fórum
Permanente pela Valorização do Magistério e Qualidade da Educação responsável
pelo encaminhamento do Plano Nacional de Educação [...]. A aprovação da nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/ LDB/9.394/1996 deixa claro que os
sistemas de ensino devem promover a valorização dos profissionais da educação,
dentre eles os professores [...].
18
O Fio de Ariadne, assim chamado devido à lenda de uma princesa da mitologia grega chamada de Ariadne, é
o termo usado para descrever a resolução de um problema que se pode proceder de diversas maneiras.
68
Com essa aprovação e provocação trazidas pela LDB (1996), cresceu o número de
pesquisas acadêmicas cujo foco de seus objetos de reflexão e debates se voltam para a
Educação Superior, conservando maior preocupação com a formação docente, o que aparece
fortemente nas pesquisas realizadas entre os anos de 1992 e 1998 pelas pesquisadoras
Brzezinski e Garrido (2001), ao analisarem as produções acadêmicas desse período.
Assim, verifiquei a predominância nos trabalhos da preocupação em dizer qual é a
formação e área de atuação do pedagogo, bem como a recuperação da historicidade da criação
do curso desde a década de 1930, seguido reiteradamente pelo marco legal das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura – DCNs
(2006). Mediante esses marcos históricos legais acompanhados por outros movimentos da
academia e de pesquisadores em um constante repensar a formação inicial, no início de 1999
se avolumaram os debates que deram corpo e voz à criação das diretrizes do curso de
Pedagogia, por meio da comissão de Especialistas em Pedagogia juntamente com ANFOPE19
,
ANPED20
, ANPAE21
, Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia e demais
colaboradores.
Ora, a aprovação das diretrizes foi vista como um ganho para Pedagogia, pois nasceu
de constantes embates, tensões e estudos, como vimos anteriormente. Mesmo assim, elas
deixaram margens ou lugares vazios, onde são possíveis interpretações e entendimentos
diversos e, por vezes, conflituosos no que se refere ao currículo, estágios, relação teoria e
prática, pois de acordo com debates e as agendas da educação nacional para eventos da
educação, reflete-se em várias mesas e conferências de pesquisadores da educação, que não é
possível fazer uma mera operacionalidade linear e mecânica quanto à sua efetivação nas
diversas realidades e regiões brasileiras, uma vez que vivemos em um país continental, com
uma grande biodiversidade de culturas. É isso que venho observando nos eventos que
participo nos últimos anos.
Nesse movimento e desdobramentos de estudos, debates e decisões legais, a docência
aparece como uma das dimensões do trabalho pedagógico. Essa concepção gerou
angústias e acirradas críticas por parte dos estudiosos da área, pois compreendem que a
atuação do pedagogo passa pela docência, mas que sua atuação não se encerra nela. Por isso, a
compreensão dessa atuação carece de melhorias para além das fronteiras escolares,
19
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação. 20
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. 21
Associação Nacional de Política e Administração da Educação.
69
objetivando-se entender a Pedagogia em outros espaços e tempos educativos. Ao se referir à
expansão e à atuação, as DCNs (2006) trouxeram que:
Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores
para exercer funções de Magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de
Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas
quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na
organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando:
I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas
próprias do setor da Educação; II - planejamento, execução, coordenação,
acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares;
III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo
educacional, em contextos escolares e não-escolares.
Daí o interesse em olhar essas pesquisas, pois considerando esses outros campos de
atuação da Pedagogia que foram postos nas diretrizes, vimos que houve implicações diretas
na formação e na atuação docente. A observação das pesquisas auxiliou no diálogo com as
minhas colaboradoras, pois pude compreender suas percepções acerca dos seus processos
formativos, bem como de sua prática docente, além de olhar para a formação inicial proposta
pelo curso de Pedagogia campus Cuiabá/UFMT com mais atenção.
Nessa perspectiva de expansão apresentada pelas DCNs (2006), a Pedagogia, a meu
ver, tem muito a ganhar e contribuir, já que atualmente podemos verificar que várias
instituições de ensino não formal abrem vagas e espaço de atuação para Pedagogia, pois
percebem que, a partir dela, se pode trabalhar em outros campos a dimensão humana de modo
integral, considerando os aspectos pedagógicos e epistemológicos.
Associado a isso, ―a qualidade e a proposta curricular dos cursos de Pedagogia vem
sendo balizadas de acordo com as configurações assumidas em sua constante busca de
resposta aos interesses da sociedade‖, conforme pesquisa de doutorado (VIEIRA, 2011, p.
106). Mesmo diante de todas essas articulações e conquistas, o pedagogo, que está imerso
nesse contexto de constantes mudanças e exigências, sente-se questionado quanto à sua
profissão e identidade.
Em decorrência desses estudos, e de formulações e reformulações dos cursos de
Pedagogia pelo país, os trabalhos ressaltaram, de modo geral, a importância da formação
inicial e a preocupação de se construir currículos teórico-reflexivos vinculados à prática, e que
estejam inseridos em realidades concretas escolares e não escolares.
70
Ainda, trouxeram à tona a necessidade de pensar e repensar políticas para formação
continuada de cursos de curta duração devido à preocupação com propostas ou projetos
formativos desvinculado da realidade para a qual se destinam.
Além disso, observei, nos trabalhos consultados, que é recorrente a necessidade e
diálogo para que haja uma aproximação entre os interesses e as reais necessidades formativas
dos docentes. Em razão disso, seria fundamental considerar a participação dos profissionais
egressos na elaboração da proposta da formação continuada, pois, de modo geral, eles não são
sequer consultados. A esse respeito, Aquino (2011, p. 20), em sua pesquisa de Mestrado,
aponta que:
Desde sua fundação até os dias atuais, o Curso de Pedagogia tem sido marcado por
discussões sobre a especificidade do trabalho pedagógico. Pode-se perceber nas
discussões posteriores que, apesar de as medidas legais reestruturarem a matriz
curricular e a base de formação do curso, isso ainda não foi suficiente para
consolidar o perfil e o campo de trabalho do pedagogo. Os diferentes
direcionamentos atribuídos a esse Curso no Brasil carregam como questão central a
formação e atuação de seus profissionais.
Desse modo, a formação continuada apresentada nos trabalhos revela, por parte de
egressos, principalmente os iniciantes na docência, uma busca coletiva de novas alternativas
para sua prática, com trocas de experiências entre os seus pares e o compartilhamento de
resolução de problemas de ensino, desafios culturais e sociais, sobretudo, heterogeneidade nos
grupos de estudantes, distúrbios de aprendizagem e defasagem de conteúdo.
De maneira geral, os egressos sugerem maior articulação entre conhecimentos
educacionais teóricos e práticos e, especialmente, requerem a realização de estágios
supervisionados para a melhoria do curso de Pedagogia, concebendo, então, a docência como
atividade central na formação inicial. Conforme podemos verificar em uma das falas das
colaboradoras da pesquisa de Mestrado de Aquino (2011, p. 143):
Então que eu acho que relação à teoria é bom você ter. É lógico que você tem que
ter, você tem que ter um embasamento, mas não. Na hora da prática, na hora que tô
passando aperto, que eu tenho que fazer, acaba que isso não me ajuda, não me
resolve. Eu tenho que ir atrás de gente que já fez, pra me ensinar, pra me mostrar
como é que está sendo feito. Eu sinto falta dos estágios, né [...]
Os egressos iniciantes na docência consideram principalmente o estágio supervisionado
como uma das possibilidades mais importantes para o exercício da docência na formação
inicial. Assim, indica-se que nesse espaço de tempo observado e vivenciado pelos egressos,
foi possível estabelecer o diálogo entre a teoria e prática, e que o estágio seja o lócus da
práxis. Sentem necessidades de resolução de situações de aprendizagens na prática. E essa
71
resolução, muitas vezes, pode ocorrer quando os acadêmicos são apoiados, ou quando
conseguem observar um professor experiente na prática.
Na época eu não queria porque meu estágio com supervisão foi muito fraco, eu
não achei bom. Então eu não tinha experiência nenhuma, morria de medo, nem em
sala de aula eu tinha experiência direito, como é que eu ia trabalhar como professor
se eu não sabia direito o que era ser. Aí... Aí a secretaria conversou bastante comigo,
falou que ia me dar apoio. (AQUINO, 2011, p. 146)
Nóvoa (2009, p. 36), ao tratar da formação e da relação com os pares, afirma que ―a
formação de professores deve passar para ‗dentro‘ da profissão, isto é, deve-se basear-se na
aquisição de uma cultura profissional, concedendo aos professores mais experientes um papel
central na formação dos mais jovens‖.
Essas percepções de ausência de conhecimentos necessário, de não aprendizado são
observados pelos egressos geralmente no confronto com a prática que, às vezes, se resume no
chão das questões de aprendizagens frente aos desafios da sala de aula, ou da gestão escolar.
Desse modo, buscam colaboração e orientação entre seus pares mais experientes na carreira
docente para resolver questões difíceis.
A esse respeito, Bastos (2014, p. 86), em seus estudos de Mestrado, fez as seguintes
observações a partir das falas de seus colaboradores:
[...] os estágios promoveram, a partir das narrativas, excelentes reflexões e
conhecimentos acerca da atuação do professor, seja na sala de aula, seja como gestor
[...] há nas falas a inquietação de buscar nos estágios formas outras da atuação do
professor e do Pedagogo.
Quando se referem à prática da docência, os egressos das pesquisas selecionadas
narram o estágio como um elemento central na formação inicial e mencionam, como já vimos
acima, como sendo um período de pouca densidade de tempo e de profundidade, devido
segundo eles, a própria carga horária dedicada ao estágio.
Ademais, em duas pesquisas, quando se trata do seu referencial teórico, aborda-se a
necessidade de se considerar uma política de acompanhamento de egressos por parte das
instituições formadoras. Isso possivelmente poderia ajudar na elevação da qualidade dos
cursos e na construção de uma avaliação institucional constante e efetivamente formativa. Ao
lado disso, sente-se a necessidade de uma formação com foco no professor iniciante por parte
das instituições de ensino onde esses egressos estão inseridos profissionalmente. O que ocorre
são iniciativas de projetos isolados de uma ou outra escola, e de alguns sistemas de ensino
público municipal, mas não se constitui uma política de formação para professores iniciantes.
Dos 13 trabalhos observados que envolvem pesquisas com egressos de Pedagogia, pelo
menos oito trouxeram de modos diferentes a necessidade de uma política de formação para
72
professores iniciantes na docência ou de egressos. Para ilustrar essa realidade, apresento
trechos descritos em uma pesquisa de Doutorado e duas de Mestrado, conforme apresentado a
seguir. Os pesquisadores assim, pontuaram:
Esta pesquisa fez com que se refletisse sobre a importância de ser implantada, na
Universidade de Pernambuco, uma política de egressos/as a ser institucionalizada e
que é preconizada em textos oficiais. (BIZARRO, 2012, p. 160)
Os dados coletados durante a pesquisa junto aos colaboradores e sujeitos
evidenciaram que as práticas formativas de Formação Continuada das redes estadual
e municipal de ensino são oferecidas a todos os profissionais da escola, e não há
ainda uma formação com foco no professor iniciante, e, quanto à Formação
Continuada das escolas particulares investigadas, de acordo com os depoimentos dos
sujeitos, a formação encontra-se adormecida consistindo em apenas encontros para
orientação e tira dúvidas. (SILVA, 2014, p. 11)
Os Institutos Superiores de Educação deveriam oferecer um serviço aos alunos
egressos, assessorando-os no início de sua carreira, oferecendo-lhes palestras,
oficinas pedagógicas e atendimento com professores especializados. (JESUS, 2010,
p. 90)
Com base nas pesquisas levantadas sobre os egressos de Pedagogia, observei que a
formação continuada para egressos e professores iniciantes (digo egressos e iniciantes porque
alguns são egressos, mas já possuem experiência com a docência), ainda constitui um
campo/tema, pouco explorado e muito discutido em pesquisas, mas já debatidos em eventos
da educação.
Nesse movimento de formações, ainda observei a compreensão da necessidade de
assumir a docência e os outros espaços de atuação do pedagogo como um todo organizado,
seja a docência, a gestão, a supervisão e a orientação educacional. Esses espaços e tempos se
estabelecem como um todo articulado e indissociável. Porém, é algo que se apresenta como
um desafio para os currículos devido ao leque de formações que são necessárias para
desenvolver os projetos políticos pedagógicos dos cursos de Pedagogia.
[...] então ser pedagogo é isso, é às vezes, é até uma identificação pra gente. A gente
sabe que a gente atua...A gente acaba sabendo o que todo mundo sabe né, ele na
escola, como professor. E aí a gente sabe que a gente pode um monte de coisas, mas
a gente não sabe como poder. Então o curso, a gente sai meio que um pouco
perdido. (AQUINO, 2011, p. 94-95)
Nesse cenário, há uma queixa reiteradamente colocada em vários trabalhos por parte
dos sujeitos da pesquisa, pois enfatizam que a formação inicial ofertada ou construída no
decorrer do curso de Pedagogia não fornece conhecimentos teóricos e práticos que
possibilitem intervir em processos pedagógicos, já que o estar na profissão, para muitos
egressos iniciantes, significa estar diante de muitos desafios e espantos, conforme sinaliza a
pesquisa de Mestrado de Jesus (2010, p. 89), ao trazer que ―as dificuldades que os egressos
73
encontraram no início de sua carreira no Magistério estão relacionadas, exatamente, com uma
carga horária reduzida de aulas práticas durante o curso‖.
Tal relato, a meu ver, revela a complexidade dos espaços de atuação do pedagogo,
considerando a formação inicial não incompleta, mas uma dimensão do desenvolvimento
profissional, em que se constituem momentos oportunos de diálogos e buscas de soluções
coletivas, conforme cada especificidade e particularidade pedagógica. Embora a atuação da
Pedagogia tenha conquistado outras instâncias, o Projeto Pedagógico Curricular do curso por
mais denso que seja, a sua carga horária e proposta de curso não abrangerão todas as
instâncias dessa formação unicamente com a formação inicial.
No entanto, esse sentimento de incompletude e inacabamento se constitui um dado
natural, no qual se busca romper com a dicotomia entre formação inicial e continuada. Assim,
coloca-se a teoria em um campo das complexidades inatingíveis, e a prática como a
possibilidade do real como desafio a ser vencido até de forma heroica.
No curso, o estágio aparece em alguns momentos das pesquisas como ―salvador da
prática‖. Nesse contexto, nas vozes dos egressos dos referidos trabalhos, observei a
argumentação ao tratarem da academia, externando que o curso deveria exigir mais estágios
de seus discentes, com maior integração da teoria com a prática. Esse ‗mais‘, soa com um tom
de que isso poderia ―salvar‖, ou amenizar situações que porventura surgiriam na atuação do
pedagogo, que essa prática, mais ―completa‖ ou mais densa, poderia evitar maiores
transtornos e garantir maior sucesso profissional. Foi o que também observei na fala da
egressa da pesquisa de Doutorado de Bizarro (2012), que assim se expressou:
A expectativa é que o professor alie a teoria com a prática e que seja o norteador das
diversas problemáticas que possam aparecer ao logo do estágio. É esperado também
que o professor tenha experiência profissional adequada para que possa orientar e
avaliar o estágio e para que no futuro próximo o estágio venha a servir de apoio na
vivência profissional concreta. (BIZARRO, 2012, p. 152-153)
Em um outro momento, outro egresso expressa que ―[...] outro ponto que senti muita
falta foi de disciplinas e estágios que envolvesse outras áreas de atuação do pedagogo e não
somente na área de educação‖ (BIZARRO, 2012, p. 157).
Nessa mesma linha de compreensão, considerando o estágio supervisionado como
eixo central do aprendizado da docência e das outras práticas de atuação da Pedagogia, em
suas considerações finais de pesquisa, Bizarro (2012, p. 164) pondera:
Assim, acreditarei que a formação do/a pedagogo/a, apesar de não ter mais
habilitações, defenderá na elaboração de seus PPC que respeitarão as áreas de
atuação desse/a profissional, oportunizando principalmente nos estágios
supervisionados o conhecimento e a vivência das várias áreas a serem
74
desempenhadas por um/a pedagogo/a, com competência, em diversos espaços da
sociedade.
Tendo em conta a ponderação feita pela referida pesquisadora sobre a formação na
Pedagogia e os estágios supervisionados, volto meu olhar para outros espaços de atuação da
Pedagogia preconizados nas DCNs (2006), especificamente no artigo 4, mencionado
anteriormente. Saliento que alguns trabalhos discorreram acerca da ampliação da atuação da
Pedagogia quando se referiram à intensificação do espaço da educação não formal que vem se
constituindo em um novo campo de ação e formação do profissional da Pedagogia. A esse
respeito, sinalizo aqui alguns comentários.
Para essa compreensão, Aquino (2011, p. 158), em sua pesquisa de Mestrado,
―buscou-se apreender as Representações Sociais que os egressos do Curso de Pedagogia da
UFV têm sobre seus espaços de atuação, considerando o campo da educação formal e não
formal‖. A autora pondera que estudos que enfocam o papel do pedagogo atuando em espaços
não escolares ainda é um campo incipiente. As dez colaboradoras que contatou expressaram
que não se consideravam preparadas para atuar em espaços educativos, ao avaliarem sua
formação inicial segundo a proposta do curso que foram formadas, justamente por lidarem
com realidades culturais diferenciadas (das dez entrevistadas, sete estão atuando em outros
espaços não escolares).
A esse respeito, uma das egressas relatou que ―[...] o pedagogo, agora, ele é formado
somente para a docência. E o pedagogo que é formado somente para a docência, ele não está
habilitado a atender a todas essas áreas‖ (AQUINO, 2011, p. 97). Nesse caso, segundo a
pesquisadora, a egressa se referiu especificamente ao curso da Universidade Federal de
Viçosa (UFV), reformulado em 2008, e que apresenta essa opção formativa na docência com
foco na educação formal escolar. A egressa considera que uma vez aprovadas as diretrizes de
ampliação, a proposta da Pedagogia do curso deveria procurar em sua reformulação atender às
normativas com suas especificações.
Bom, Pedagogia pra mim é uma participação de um profissional que vem a
trabalhar em diversas... Diversos ambientes, diversas áreas a questão educacional. E
a questão educacional ela não se limita simplesmente à escola. (AQUINO, 2011, p.
91)
Para pensar essa questão, a referida pesquisadora trouxe observações das egressas,
quanto às DCNs (2006), as quais consideram-nas como novas perspectivas para atuação da
Pedagogia, comentando que ―[...] a entrada do pedagogo em outros ambientes pode
representar formas alternativas de reconhecimento da profissão e a possibilidade de constituir
novas relações de trabalho‖ (AQUINO, 2011, p. 98-99). Observou, ainda, que os espaços da
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educação não formal estão se constituído em um novo campo de ação e atuação do
profissional de Pedagogia. Para isso, carece-se de uma formação inicial e continuada que
atenda às novas realidades de atuação desse profissional. As sete colaboradoras que atuam na
educação não formal trouxeram a necessidade da criação, pelo menos de disciplinas optativas
que possam proporcionar preparação para a entrada do pedagogo nesses novos campos.
Entendo que, mesmo diante dessa orientação das DCNs (2006) quanto à ampliação da
atuação na Pedagogia, essa compreensão e regulamentação nos cursos ainda está em processo,
em que cada realidade institucional formativa vem buscando encontrar a melhor forma de
constituir em seus currículos de curso atenção a essas novas frentes de atuação profissional da
Pedagogia. Conforme escreve Frison (2004, p. 89):
[...] o pedagogo gerencia muito mais do que aprendizagens, gerencia um espaço
comum, o planejamento, a construção e a dinamização de projetos, de cursos, de
materiais didáticos, as relações entre o grupo de alunos ou colaboradores. Isso
significa que não basta possuir inúmeros conhecimentos teóricos sobre determinado
assunto, é preciso saber mobilizá-los adequadamente.
Concordando com a autora, ao volvermos nossa compreensão para as novas frentes de
atuação da Pedagogia trazidas pelas DCNs (2006), bem como para os atuais desafios que
emergem dessa atuação, a formação inicial na Pedagogia se constitui em um campo formação
aberto para o diálogo com outras áreas de atuação da educação formal e não formal, que vai
se constituindo e se consolidando na formação continuada. Nesse sentido, a produção e
construção de conhecimentos específicos da e para a Pedagogia não deve ser confundida com
os discursos epistemológicos das ciências que lhe dão suporte. Assim, a Pedagogia faz esse
movimento de síntese integradora dos conhecimentos científicos e dos aportes teóricos das
demais áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
A esse entendimento, a Resolução n. 1 de 2006 que instituiu as DCNs (2006), em seu
artigo 2º parágrafo, § 2º preconiza que ―II - a aplicação ao campo da educação, de
contribuições, entre outras, de conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico,
o ambiental-ecológico, o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o
cultural‖. Portanto, há uma rede colaborativa de conhecimentos, a partir dos quais a
Pedagogia se apoia. Porém, suas bases formativas se mantêm em suas trajetórias históricas de
lutas, resistências e conquistas.
Retomando o trabalho de pesquisa de Aquino (2011), verifico, nas falas das egressas e
nas observações da pesquisadora, que devido às exigências dessa ampliação de atuação,
mesmo na docência escolar, as egressas se colocaram como despreparadas, e ainda disseram
76
que a inserção profissional é desafiadora. Diante dessa realidade, elas sentem a necessidade de
estágios nos diferentes campos de atuação:
Um ponto consensual entre as pedagogas que atuavam nos espaços formais e não
formais, é que ambas admitiram estar despreparadas para atuar no mercado de
trabalho. Ao expressarem suas atitudes, em relação ao processo de inserção nos
espaços formais e não formais, as pedagogas afirmaram que esse veio acompanhado
por incertezas e dificuldades em lidar com as demandas requeridas. A falta de
experiência configura-se como um dos maiores desafios encontrados pelas
pedagogas na realização do fazer pedagógico. Para elas, o Curso de Pedagogia
deveria valorizar mais a prática e estimular os alunos a terem maior inserção em
campos educativos diferenciados. (AQUINO, 2011, p. 160)
Seguindo nessa perspectiva da formação na Pedagogia, fui me deparando com outros
elementos ou dimensões singulares associados à formação. Um desses elementos é a iniciação
científica na formação inicial. Ela aparece como relevante na aprendizagem docente, pois
possibilita o desenvolvimento pessoal e profissional dos estudantes, considerando a
organização de atividades de estudo e pesquisa, conforme destacaram as egressas Jana e Rita,
colaboradoras da pesquisa de Mestrado de Kirsch (2007, p. 72), as quais tiveram a
oportunidade de frequentar grupos de pesquisas e projetos de iniciação científica. A esse
respeito, comentaram em suas entrevistas:
[..] e essa ânsia pelo saber, por conhecer mais, por trocar mais, por experiências
vivencias, eu acho que isso te instiga muito, então essa escolha dos projetos,
iniciação cientifica, é exatamente a busca dessa relação que a gente tem com o
conhecimento.
[...] Mas, pra mim estar num grupo de pesquisa é como uma organização escolar,
porque ali tu te organizas, tu tens objetivos num projeto de pesquisa, tu tens que
procurar concretizar os objetivos, então tu tens que organizar de uma forma, ela
precisa dessa organização, então tu percebe no grupo de pesquisa todos esses
processos, essas estruturas que se fazem no social [...].
No tocante à formação do pesquisador iniciante na graduação, a referida pesquisadora
ponderou que:
[...] a pesquisa na graduação permite o desenvolvimento do pensamento crítico e
reflexivo, através do exercício do método científico, com a possibilidade de
relacionar os estudos realizados com a realidade investigada. O espaço acadêmico,
portanto, amplia-se, ultrapassando, os limites disciplinares e encaminhando as
estudantes para o ambiente social, além, das salas de aula. Esse percurso formativo
permite às acadêmicas vivenciarem aprendizagens dentro e fora da universidade,
sendo manifestas através das três categorias de análise: movimento de inserção na
iniciação cientifica, construção do pesquisador iniciante e consolidação da atividade
de pesquisa. (KIRSCH, 2007, p. 89)
Ademais, conforme a referida autora, os estudantes dessa formação passam a entender
que a formação inicial não se esgota com a diplomação, mas é um processo contínuo. Pude
observar que, das dez colaboradoras de Kirsch (2007), sete egressas, na ocasião da pesquisa,
77
já estavam fazendo Mestrado. Essa formação continuada pode ser atribuída à aproximação
que todas tiveram com o campo de pesquisa e as produções acadêmicas que foram feitas
desde a graduação. Nesse aspecto, Vieira (2011, p. 55), em sua pesquisa de Doutorado,
pontuou que ―a formação do pedagogo não deve se esgotar na docência; deve ser preparado
para outras dimensões do trabalho pedagógico.
Em outra pesquisa, diante dessa mesma questão tocante à formação inicial, uma das
egressas entrevistada expressou que ―[...] algo que ficou a desejar durante a graduação foi o
estímulo para a iniciação científica, pois poucos os professores desempenharam esse papel,
algo que é resultado da ausência de iniciativa do próprio Campus [...]. (BIZARRO, 2012, p.
157).
Assim sendo, percebo que esse movimento formativo na graduação é um movimento
concêntrico interno dos professores pesquisadores formadores inseridos na formação inicial.
Nesse sentido, entendo que os cursos precisam criar condições e situações acadêmicas que
gerem curiosidades epistemológicas e motivem os graduandos. Isso pode ocorrer mesmo
quando são calouros, para que sejam incentivados e compreendam a pesquisa como valor
acadêmico em todas as fases formativas e profissionais.
Abrindo as pesquisas, deparei-me, ainda, com outros aspectos oriundos que envolvem
estudos realizados dentro do campo da Pedagogia. A pesquisa de Doutoramento de Vieira
(2011) partiu do pressuposto que a qualidade da formação inicial de pedagogos necessita ser
analisada e revista no sentido de se extrapolar o reducionismo técnico presente, e de se
direcionar as ações com base em dimensões valorativas, ideológicas e políticas, necessárias à
melhoria do processo de formação inicial de pedagogos.
Diante disso, no seu movimento de pesquisa, analisou os principais indicadores de
qualidade formulados mediante a coleta de dados junto aos seus colaboradores. A partir
dessas formulações, trouxe para o debate em sua tese dez sugestões como possíveis
contribuições à proposta curricular da Pedagogia frente ao movimento histórico-social e
educacional da Pedagogia no Brasil. Mas, antes, o pesquisador esclarece que essas dimensões
e indicadores de qualidade anunciados na pesquisa podem ser considerados como um
movimento de provocação inicial, e que, portanto, não pode ser tomada isoladamente fora dos
contextos dos cursos, pois envolvem outras discussões necessárias para que o curso de
Pedagogia obtenha o devido reconhecimento e possa garantir qualidade na formação dos
pedagogos. A esse respeito, transcrevo uma de suas propostas de ação, na qual ele pontua a
qualidade:
78
O processo de formação inicial de pedagogos com qualidade precisa acompanhar as
mudanças que ocorrem na estrutura do conhecimento e nos processos de ensino
aprendizagem, que caminham para a interdisciplinaridade e a interdependência das
áreas do conhecimento e novas formas de apropriação do conhecimento, por meio da
inovação curricular, especialmente articulada com o estímulo ao processo de
desenvolvimento de pesquisas [...] A formação de pedagogos deve ser concebida
como prática social concreta e contextualizada, não como um produto homogêneo
aplicado a diferentes pessoas. (VIEIRA, 2011, p. 177-178)
Nesse aspecto, entendo que o curso, conforme ressalta o autor, possui suas
intencionalidades e especificidades próprias e, por vezes, situadas. Cumprindo ou buscando
atender demandas e exigências internas e externas à instituição, em um movimento que ora se
aproxima ou se distancia das questões referentes ao estatuto teórico da própria Pedagogia em
suas ramificações históricas, que há, por vezes, um malabarismo para se equilibrar nessa
―corda bamba‖ e conciliar interesses e necessidades diversas.
No que se concerne à avaliação institucional do curso de Pedagogia, dois trabalhos se
debruçaram sobre essa temática, seja ela no próprio curso com os acadêmicos, com o curso
em si, ou com egressos com critérios de avaliação organizados com base em dimensões e
indicadores, por exemplo, o instrumento de avaliação para reconhecimento de cursos de
Pedagogia no âmbito do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES),
conforme a Portaria nº 808, de 18 de junho de 2010. Trata-se de um instrumento próprio para
os cursos de Pedagogia, com a descrição dos critérios de qualidade a serem alcançados por
todos os projetos de cursos e suas instituições que tenham ou queiram ter reconhecimento
nacional.
Essas avaliações sinalizaram a inexistência de uma política para acompanhamento dos
egressos, bem como dos pedagogos iniciantes na docência. Ainda, com os cenários nacionais
e internacionais permeados por avanços tecnológicos, envoltos na globalização, o foco
principal, seguidamente, se coloca na competitividade do próprio mercado de trabalho, o qual
exige dos profissionais da educação uma corrida em busca da formação continuada.
A Formação Continuada assume particular importância, em decorrência do avanço
científico e tecnológico e de exigência de um nível de conhecimentos sempre mais
amplos e profundos na sociedade moderna. Este Plano, portanto, deverá dar especial
atenção à formação permanente (em serviço) dos profissionais da educação. A
Formação Continuada do Magistério é parte essencial da estratégia de melhoria
permanente da qualidade da educação e visará à abertura de novos horizontes na
atuação profissional. (BRASIL, PNE, 2001, p. 63)
Ao tomar esses trabalhos com seus movimentos de pesquisa envolvendo a Pedagogia e
seus egressos, observei, nas falas das entrevistas e, principalmente, nas considerações finais
das pesquisas, o quanto a Pedagogia contribui para o amadurecimento pessoal e profissional
dos egressos, mas sinalizam as vozes ecoam as dificuldades na articulação das dimensões
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entre a teoria e a prática no cotidiano da docência, mesmo para aqueles que já estavam em
sala de aula ao adentrarem no curso.
Ao fazer esses estudos, automaticamente, volvi o olhar na direção da minha própria
prática e experiência como pedagoga em exercício. E, como pesquisadora, o que me ajudou a
dizer que as exigências que se ancoram na Pedagogia enquanto um campo de estudos da
educação, possibilitam que ela se constitua em uma Licenciatura capaz de estabelecer
diálogos transdisciplinares com as Ciências Humanas e Sociais. A Pedagogia pesquisa,
analisa, reflete e problematiza os fenômenos educativos de modo contextualizado e global.
Entendo-a dessa forma, por compreender sua teoria vinculada à uma prática que possibilita
ajudar a formar pessoas de modo integral, ou suscita formações diversas/múltiplas, em que a
técnica não se garante sem vincular-se à realidade humana, independentemente do espaço-
tempo de atuação.
Nesse raciocínio, nota-se que o motor da Pedagogia é a educação enquanto fenômeno
histórico, social, político e cultural. A Pedagogia, como área de formação humana, possui
princípios epistemológicos e metodológicos capazes de observar, analisar e interpretar a
realidade educativa em seus múltiplos campos de atuação pedagógico, sendo esses campos
escolares e não escolares. Quando essa interpretação ocorre junto às realidades, estas são
precedidas, frequentemente, de intervenções de mudanças a favor de processos ainda mais
humanizadores. Como vimos nas entrevistas das egressas das teses e dissertações
pesquisadas, a Pedagogia, tanto na formação inicial como na prática da docência, ou nas
outras frentes de atuação, é um marco impulsionador de formações e mudanças. Com o
processo de aprendizagens, o pedagogo passa a compreender sua realidade de atuação,
entendendo que sua presença é ativa, critica e reflexiva junto com seus pares e na sua atuação.
Nesse sentido, segundo Franco (2008),
O curso de Pedagogia se constitui no único curso de graduação onde se realiza a
análise crítica e contextualizada da educação e do ensino enquanto práxis social,
formando o pedagogo, com formação teórica, científica e técnica com vistas ao
aprofundamento na teoria pedagógica, na pesquisa educacional e no exercício de
atividades pedagógicas específicas. (FRANCO, 2008, p. 149)
Mediante essa consideração do referido autor, compreendo que o pedagogo precisa
buscar entender a educação independentemente do espaço-tempo escolar ou não escolar e, por
conseguinte, compreender a educação onde estiver atuando ou onde estiverem acontecendo os
processos de educação.
Foi justamente isso que nas narrativas, nas linhas e entrelinhas das vozes dos egressos
e na participação dos estudiosos da Pedagogia, subjetivamente se imbricou nos trabalhos.
80
Com isso, consegui visualizar a importância desses trabalhos como suporte para entender a
Pedagogia com suas nuances epistemológicas, desafios, conflitos epistemológicos,
enfrentamentos e conquistas dentro da sua própria área. As temáticas que selecionaram como
objeto de estudo os egressos de Pedagogia possibilitaram percepções para melhor auscultar as
vozes das egressas da presente pesquisa mediante suas percepções formativas na formação
inicial, bem como na atuação profissional.
Ainda, os fios entrelaçados nas diferentes temáticas de pesquisa, diretamente ou
indiretamente, possibilitaram diálogos com a Legislação (Resolução CNE/CP n. 1, de 15 de
maio de 2006), a qual traz a constituição da Pedagogia considerando seu enfoque na docência,
abre outras várias possibilidades de formação e atuação de um fazer pedagógico que
ultrapassa os limites da sala de aula e da escola. Isso devido ao fato de a Pedagogia possuir
matizes históricos, educacionais e sociais de uma rica tradição, a qual se afina para lidar com
a docência em sala de aula e fora dela, com plurais atividades humanas e sociais em
cotidianos, e espaços-tempos diversos, rompendo com visões conservadoras e
descontextualizadas das realidades de sua atuação, sendo elas escolares ou não escolares.
São essas algumas das noções e impressões iniciais que começam a despontar a
respeito da Pedagogia, enunciadas nas teses e dissertações do levantamento bibliográfico
realizado.
No item seguinte, teço mais uma fibra do aguayo da Pedagogia, apresentando um
pouco da sua constituição histórica situando-a dentro de sua própria temporalidade com seus
limites e possibilidades. Assim, chego à constituição da Pedagogia enquanto curso.
2.2 Desencadeamentos de fios: o tecimento da constituição da Pedagogia
Teço os primeiros fios no fuso das histórias para escrever sobre a Pedagogia. A
Pedagogia tem suas tramas e nós nos primórdios dos saberes mais rudimentares que se filiam
à educação, à cultura dos povos e foi se descobrindo nos espaços-tempos não escolares
inicialmente. Posteriormente, passou a se configurar nos espaços escolares e, atualmente,
busca fincar suas raízes em tempos não escolares. Quanto a esse entendimento, Gauthier e
Tardif (2014) afirmam que toda sociedade educa e está envolvida com educações e saberes,
em um processo de produção de culturas. Assim, manifestam os referidos autores que:
Essa transmissão se faz de maneira informal, sem que ninguém seja oficialmente
designado para essa tarefa. Ela se realiza de modo anônimo por uma espécie de
integração e amálgama dos diversos ingredientes, tais como valores, costumes e
hábitos no crisol social. (GAUTHIER; TARDIF, 2014, p. 103)
81
A história da civilização humana, com suas várias contradições, afirmações e quebras
de paradigmas, vem mostrando que toda sociedade é apta a educar no sentido de ela mesma
carregar em vasos de bronze uma dada cultura ou tradição. Ela tem o seu jeito de ser e fazer
as coisas. Seu jeito de ser e tecer no mundo.
Já que estamos imersos no tempo, não podemos medi-lo no sentido da apreensão, mas
podemos acompanhar suas marcas nos registros de quem pode registrá-lo, as memórias que
guardam as histórias com múltiplos olhares, sentidos e significados.
Para essa viagem, encontrei nas minhas histórias formativas da formação inicial, o
caminho a percorrer a procura dos fios para tecelagem desta parte do aguayo.
Em meio a esses fios e tantos outros fios que tecem a educação de modo geral, fiquei
pensando como tecer os fios da Pedagogia, e se é preciso achar nesse novelo das histórias, sua
meada ou meadas para com ela(s) pensar a fiação.
Lidando com tempos e temporalidades, penso ser oportuno sentir esse tempo que
guarda as memórias das histórias desses fios. Não farei isso de modo aprofundado, pois não é
objetivo deste texto trazer com detalhes a historicização da Pedagogia. O que importa, nesse
momento, é situar-me em alguns pontos de início e continuidades das primeiras compreensões
do nascimento e desdobramento da Pedagogia como um pensar e fazer consciente dos
processos da educação, como já dizia Jaeger (1967).
Na oportunidade da construção de entendimentos, inicio a fiação através da minha
percepção considerando o processo formativo.
Ora, quando cheguei ao curso de Pedagogia do campus Cuiabá/UFMT, senti que
estava vivendo algo grandioso, único e especial. Tudo era novo e diferente! Não tinha leituras
sobre a Pedagogia. Sabia algumas coisas de modo geral. Tinha conhecimento que ela estava
ligada diretamente a ser professora, a trabalhar com crianças em escolas. É interessante pensar
como cheguei no curso e entender que somos feitos de processos formativos humanos, sociais
e culturais dentre outros. Digo isso, pois naquela ocasião estava aberta para aprender. Não
tinha grandes questões ou perguntas para os professores. Lia e nem sempre compreendia o
que estava sendo ensinado pelos autores e professores. Acabava ficando com as compreensões
que os professores sintetizavam em suas aulas e como eu as compreendia no contexto da
minha realidade de trabalho e dos processos de relação com meus colegas de graduação.
Com a formação inicial, fui buscar outros aprofundamentos no campo da Pedagogia,
afinal, desde a graduação já estava em sala de aula, coordenação pedagógica e, no decorrer
desse mesmo período formativo, me inseri em grupos e projetos de pesquisas.
Gradativamente, percebi a minha compreensão se modificar. Comecei a ter questões de
82
pesquisa, a confrontar autores e a realidade. Assim, à medida que fui lendo, escrevendo,
apresentando trabalhos em sala de aula, eventos e desenvolvendo atividades em escolas,
sentia como que meu olho interior estivesse se abrindo e eu pudesse atravessar para outras
margens como de um rio. Eu começava a fazer projetos com o que estava aprendendo na
Pedagogia e no grupo de estudos científicos. Fazia planos de como iria atuar no espaço
escolar. Esse movimento, que lá no início da formação inicial eu estava percebendo, já eram
os primeiros indícios de continuidades de processos formativos mais elaborados. Contudo, eu
não sabia que estava me formando. A Pedagogia havia aberto uma porta importante na minha
vida em direção à minha formação humana e profissional.
Então, como pensar a Pedagogia sem entender que ela é uma porta de entrada ou uma
ponte de travessias, sem a qual não saberia dizer quase nada sobre as múltiplas formas de
educação. Nesse período ainda não havia ocorrido a aprovação das DCNs (2006) para
Pedagogia, mas eu já conseguia entender a Pedagogia fora do espaço escolar, uma vez que já
atuava com grupos de jovens, crianças e adultos em pastorais sociais da Igreja Católica. Pude
perceber que minha comunicação, reflexão e ação estavam diferentes, pois conseguia fazer
colocações com embasamento em autores fora das questões religiosas e projetos com
articulações pedagógicas formativas, de modo a compreender que tudo estava muito
interligado com a educação, com a cultura e com a vida.
Nesse sentido, muitas vezes, vou precisar recorrer a Brandão (1984), para tratar desse
misto de educações e culturas, com as quais fui me formando. Nada nesse processo é linear ou
se tem um ponto fixo de chegada. Há, sim, compreensões e fechamentos provisórios que me
possibilitam realizar sínteses compreensivas e avançar para novos processos. E é desse lugar
do sentir, sim, do sentir, pois para mim, o aprendizado passa pelo corpo todo, a cabeça com
sua racionalidade não está desvinculada das minhas emoções, sensações, com elas e ela, faço
minhas sínteses e sinapses. Das compreensões referentes à Pedagogia, das quais puxo mais
uma vez os fios, para dialogar com ela e, quiçá, aprender um pouco mais para avançar.
Continuo minha viagem e trago um pouco de sua história nas histórias já narradas por tantos
autores. Faço isso para me situar.
Quando revirei meus escritos e os escritos de tantos outros escritores da Pedagogia,
entendi a necessidade de trazer o seu significado epistemológico. Revisitando os escritos,
localizei o termo Pedagogia, o qual remonta a história da Antiguidade. A origem do termo
está ligada às atividades de condução ao saber. A esse respeito, reporto-me à Grécia
83
Clássica22
, devido à maneira de conceber sua cultura e nela conduzir as crianças, segundo
estudos de Aranha (1996, p. 41):
A Grécia Clássica pode ser considerada o berço da Pedagogia. A palavra paidagogos
significa literalmente ‗aquele que conduz a criança‘ (agogós, ‗que conduz‘), no caso
do escravo que acompanha a criança à escola. Com o tempo, o sentido se amplia
para designar toda teoria sobre a educação.
Com esse sentido atribuído ao ―que conduz a criança‖, Saviani (2012, p. 02), expressa
que:
Desde a Grécia, delineou-se uma dupla referência para o conceito de Pedagogia. De
um lado, foi desenvolvendo-se uma reflexão estreitamente ligada à filosofia,
elaborada em função da finalidade ética que guia a atividade educativa. De outro
lado, o sentido empírico inerente à Paidéia entendida como a formação da criança
para vida reforçou o aspecto metodológico presente já no sentido etimológico da
Pedagogia como meio, caminho: a condução de criança.
Os fios da história da Pedagogia considerando-a desde a Grécia Antiga, segundo os
estudiosos, trazem suas contraditoriedades, uma vez que o conceito de Pedagogia tem dupla
referência, conforme afirmou Saviani (2012). Nesse mesmo sentido, Aranha (1996) dialoga
com o referido autor, pois a etimologia da origem da Pedagogia se vincula à condução de
crianças. No que concerne à Grécia Antiga, a educação parte da vida e do crescimento da
sociedade. A esse respeito, Jaeger (1994, p. 04) escreve:
A educação participa na vida e no crescimento da sociedade, tanto no seu destino
exterior como na sua estruturação interna e desenvolvimento espiritual; e, uma vez
que o desenvolvimento social depende da consciência dos valores que regem a vida
humana, a história da educação está essencialmente condicionada pela
transformação de valores para cada sociedade.
Considerando esses fios epistemológicos das origens do termo Pedagogia associado à
condução de crianças, a educação emerge como uma realidade de transformações nas
sociedades, seja na Grécia, em Roma ou em todas as partes das civilizações e culturas
humanas. Para Saviani (2012), a origem da educação se confunde e se funde com as origens
da própria humanidade. Todo o movimento de compreensão, intervenção nas realidades
humanas e de modo intencional, foi-se constituindo em saberes específicos que desde a
Paidéia grega, passando por Roma e pela Idade Média, chegando-se aos conhecidos tempos
modernos. Fruto dessas tecituras culturais, humanas e sociais, ela foi sendo associada ao
termo Pedagogia. Diante disso, é entendido que, a partir da Grécia Antiga, o pensamento
sobre educação se amplia e se diversifica, constituindo-se em objeto da Pedagogia vinculado à
formação humana.
22 O Período Clássico Grego é compreendido entre os séculos V e IV a.C.
84
Quando comecei a graduação, não imaginava que a Pedagogia pudesse ter raízes tão fortes e
tão profundas na história da própria humanidade, e como ela foi se constituindo em um longo
processo de séculos, mantendo um vínculo de relação estreita com a educação.
Estudos foram mostrando que no decorrer de vários séculos, a Pedagogia constituiu
uma tradição teórica e científica acerca da prática educativa e continuará se constituindo, pois
está na base tanto da história quanto da formação do pensamento da humanidade (SAVIANI,
2012).
E nesse movimento de contar e recontar as minhas histórias e as histórias da
humanidade e sua relação com os processos de educações tal qual escreveu Brandão (1985), é
que em meus estudos localizei que desde a Revolução Francesa de 1789, a França se interessa
pela educação pública e gratuita, e a entende como uma necessidade para a população. E
partir dessa Revolução, as Escolas Normais foram sendo criadas tanto na França, como na
Itália, Alemanha, Inglaterra e nos Estados Unidos (ARANHA, 1996).
Criam-se sistemas públicos de ensino e, devido à expansão das escolas, inicia-se a
preocupação com a formação de professores, o que não significa um marco inicial de
preocupação com o preparo didático e pedagógico do métier do professor.
Nesse rápido caminhar pelas histórias, buscando os fios da Pedagogia, observei que ao
longo da história, a Pedagogia passou por mudanças profundas até os dias atuais, para então
se constituir em um curso de formação e emancipação humana, que vai além das
epistemologias da didática. Assim, Mazzotti (1992, p. 13) considera que:
A Pedagogia, enquanto reflexão sistemática sobre a prática educativa emergiu no
século XVIII, na Europa ocidental. [...] A educação era tema central nos salões,
correspondências, nos trabalhos acadêmicos, jornais, pensadores, como Hegel,
apresentaram suas concepções sobre educação e Pedagogia em discursos, escritos e
agindo como diretores de escola.
Considerando o pensamento do referido autor, já se reportando ao século XX, Aranha
(1996, p. 139) coloca um outro patamar de reflexão ao dizer que ―o pensamento pedagógico
do século XIX é influenciado não só pelas alterações econômicas e sociais [...], mas precisa
ser compreendido conforme o estágio em que se encontram a filosofia e as ciências. ‖ Dentro
dessas tensões sociais, filosóficas e da ciência como um todo, no Brasil, no final desse século,
as escolas normais são implantadas aos poucos. A respeito desse assunto, Saviani (2012, p.
07), esclarece que:
A partir do século XIX, a necessidade de universalizar a instrução elementar
conduziu à organização dos sistemas nacionais de ensino. Estes, concebidos como
um conjunto amplo constituído por grande número de escolas organizadas segundo
um mesmo padrão, viram-se diante do problema de forma professores, também em
grande escala, para atuar nas referidas escolas. E o caminho encontrado para
85
equaciona-se essa questão foi a criação de Escolas Normais, de nível médio, para
formar professores primários, atribuindo-se ao nível superior a tarefa de formar os
professores secundários.
Nesse mesmo século, temos o início da universalização do ensino com intervenções do
Estado, desatrelando-se do poder da igreja com intenção de estabelecer a escola elementar
universal leiga, gratuita e obrigatória. Posteriormente, ocorre a nacionalização da educação e
com isso, emerge o pensamento e vários movimentos em prol da democratização do ensino.
Ainda hoje buscamos essa universalização
Para Aranha (1996), em meio a esses ares de mudanças sociais e econômicas, tanto
globais como nacionais, há a persistência da tendência individualista, a qual é própria do
liberalismo, o que não impediu o fortalecimento de preocupações com os fins sociais da
educação vinculada à necessidade de preparar a criança para a vida em sociedade.
Desse modo, a Pedagogia, até o século XIX, foi se constituindo e permaneceu como
uma tradição pedagógica. Daí para frente surgem movimentos de ideias, pesquisas e grupos
que querem derrubar essa tradição, forçando transformações nesse campo de estudos e
atuação, o que sempre marcado por polêmicas.
Não é, pois, surpreendente ver surgir, em fins do século XIX e início do XX, vários
autores que preconizam a necessidade de superar a tradição e de fundar a Pedagogia sobre a
Ciência (GAUTHIER; TARDIF, 2014). Com isso, há uma nova perspectiva de conceber a
Pedagogia em sua trajetória futura.
A história empurra a necessidade da escolarização da população, bem como da
formação de professores. Nesse cenário, podemos verificar que não estamos ainda tratando da
Pedagogia como lugar da formação de professores, esse nome, nomenclatura ou conceito,
ainda não é um entendimento, mas foi nesse século que esse termo foi impulsionado para ser
empregado de modo generalizado.
Já o início do século XX, observa-se o ―entusiasmo pela educação‖, em que crescem
movimentos que provocavam mudanças na educação nacional, especialmente o movimento
conhecido como Pioneiros da Escola Nova, que lutavam pela educação e pela implantação de
universidades no Brasil. Do final do século XIX, até 1930, no Brasil, os professores tinham
sua formação em Escolas Normais, (BRZEZINSKI, 1996). Já na década de 1930, essas
escolas foram sendo substituídas por Institutos de Educação. Esse período, segundo Aranha
(1996, p. 201), foi ―propício para criação e organização das universidades embora algumas já
existissem, resultavam de simples agregação de faculdades, mantendo-se a concepção
acadêmica e rígida para o ‗espírito da profissão‘‖.
86
Via projeto do então ministro da Educação, Gustavo Capanema, na época do governo
de Getúlio Vargas, cria-se a Faculdade de Filosofia e Letras, pilares da Universidade
brasileira, estruturada em quatro seções: Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia
acrescentando, ainda, a de Didática. Como todos os cursos das Faculdades de Filosofia
Ciências e Letras, seu primeiro objetivo foi formar professores para o ensino secundário,
como bem esclarece Brzezinski (1996). Dentro de um período conturbado, ainda no interior
do Estado Novo, a Pedagogia urge a partir do Decreto-Lei nº 1190, de 4 de abril de 1939.
Desse modo, sua necessidade de existência foi sendo associada juntamente com a criação das
primeiras universidades e faculdades do país.
O curso de Pedagogia no Brasil nasceu em meio às tensões próprias do seu tempo.
Essas tensões e controle vinham tanto de fora da escola e das instituições superiores, como de
dentro. Tais cenários foram observados nas leituras que realizei junto ao conjunto de teses e
dissertações cujos objetos de estudos foram o curso de Pedagogia e seus egressos, bem como
nas bibliografias que estudei, tanto para a escrita deste trabalho como no início da minha
formação inicial. No entanto, lá naqueles momentos não compreendia essas tensões dentro de
um cenário mais global que envolveu e ainda envolve lutas e resistências em prol da
educação, formação de professores e escola pública.
Portanto, pensar na formação de um profissional de educação em meio a essas
contrações sociais e políticas, sem dúvida, não era uma discussão fácil, embora se constituísse
como uma demanda urgente no atual cenário brasileiro em que o progresso urgia com força de
lei. Independentemente desse progresso material, outros caminhos se abriam como espaços e
tempos de reinvindicações e lutas por uma educação que alcançasse todos os cidadãos
brasileiros como direito público e subjetivo. Com isso, nasce a luta pela universalização da
educação básica em todo país.
Os estudos realizados me sinalizaram que o período nascedouro do curso foi propício
para discussões educacionais, o qual nasce articulado à formação do professor em função de
ideais pedagógicos pautados no ideário dos ares ainda do Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova, um documento histórico de 1932, que trazia em seu bojo um pensar
pedagógico humanizador, conforme Lemme (2005, p. 171) objetivando renovar o sistema
educacional brasileiro, pois se propunha ―a reconstrução educacional no Brasil‖, ao trazer o
ensino para todos, onde a escola fosse toda pública, gratuita, mista, laica e obrigatória,
assumindo sua função social. Nesse viés, concebe-se a educação como impulsionadora da
renovação nacional.
87
Para compreender e analisar resumidamente o Manifesto (1932), Lemme (2005, p.
172), em seus escritos, relacionou 10 características fundamentais do documento, da qual
destaco a primeira que diz:
O documento é permeado por uma concepção de educação natural e integral do
indivíduo, com o respeito à personalidade de cada um, mas, ao mesmo tempo, sem
esquecer que o homem é um ser social e tem por isso deveres para com a sociedade:
de trabalho, de cooperação e de solidariedade. Seria, assim, uma educação acima das
classes, que não se destinaria a servir a nenhum grupo particular, mas aos interesses
do indivíduo e da sociedade em geral, que não devem ser conflitantes.
Considerando esse período dos ares de um novo pensar e fazer a educação no país,
para saber que curso estava nascendo e sendo fortalecido, recorri à Silva (2006), que
esclareceu que o curso de Pedagogia, criado em 1939, formava bacharéis dentro do padrão
federal curricular, seguindo o esquema 3 + 1, no qual o bacharel, advindo de um curso de três
anos para licenciar-se, completaria seus estudos com mais um ano no curso denominado de
Didática. Com esse curso, estaria habilitado ao Magistério no ensino secundário e normal.
Ao ler os estudos de Brzezinski (1996), a autora mostra que o curso de Pedagogia, até
1945, estaria se movendo em águas tranquilas, quando começou a fase de redemocratização
do país. E com o esquema 3 + 1, que foi considerado até 1961 com o Parecer 251, de Valnir
Chagas e foi aprovado pelo Conselho Federal de Educação, em 1962, o então curso passou a
ter duração de quatro anos, podendo-se cursar as disciplinas da Licenciatura
concomitantemente ao Bacharelado. Então, aparentemente, o esquema 3+1 estava sendo
mudado. O Parecer 251 foi criado na tentativa de superar possíveis contradições nos
processos de formação. Referindo-se ao teor do parecer, Saviani (2012, p. 37, grifo nosso)
pontua que:
[...] o texto tece considerações sobre a indefinição do curso; refere-se à controvérsia
relativa à sua manutenção ou extinção; e lembra que a tendência que se esboça no
horizonte é a da formação dos professores primários em nível superior e a formação
dos especialistas em educação em nível de pós-graduação, hipótese que levaria à
extinção do curso de Pedagogia.
Essa hipótese de extinção do curso não se sustentou, ocorrendo somente pequenas
alterações na estrutura em vigência. À época, havia algumas preocupações, pois em alguns
momentos, a formação do pedagogo ocorria no bacharelado e licenciatura juntos, e em outros
momentos, ocorria de modo separado. O curso passa, então, a ser definido em quatro anos,
englobando a licenciatura e o bacharelado, sendo flexibilizada a possibilidade de se cursar as
disciplinas de licenciaturas concomitantemente ao bacharelado.
Há buscas e debates para compreender a concepção da licenciatura e do bacharelado,
gerando visões diferenciadas, como diz Brzezinski (2006, p. 821),
88
Sem dúvida, as visões controvertidas a respeito dessas concepções têm predominado
no debate e se manifestam mais claramente nas propostas que vinculam ou separam
licenciatura e bacharelado, ora vistos como cursos distintos, ora como dimensões de
uma estrutura única de curso.
Políticas educacionais dentro desse período criaram as Leis da Reforma Universitária
(Lei n. 5.540, de 1968) e do Ensino de 1º e 2º Graus (1971), com interesse em atender ao
mercado. Com isso, define-se um modelo de formação de professores em dois loci da
universidade: de um lado estava a faculdade de educação, responsável pelo curso de
Pedagogia e a formação pedagógica dos licenciandos, e, de outro, os chamados institutos com
conteúdos específicos para a formação dos bacharéis e licenciados (BRZEZINSKI, 2006). A
Reforma Universitária de 1968 trouxe mudanças significativas para o curso de Pedagogia, o
qual deixou de fazer parte da Faculdade de Filosofia e foi integrado à Faculdade de Educação.
Essa fragmentação do trabalho pedagógico gerou inúmeras críticas que desencadearam em
movimentos em prol de futura reformulação do curso de Pedagogia.
Assim, após a reforma universitária, surge um novo direcionamento para a Pedagogia.
O Conselho Federal de Educação aprovou, em 1969, a regulamentação para o curso de
Pedagogia, mediante o Parecer CFE no 252, de 1969, que contém a Resolução n
o 2, de 12 de
maio 1969. O Parecer reformou o currículo do curso, criando, então, as habilitações para as
áreas específicas, fragmentando a formação do pedagogo.
Art. 1º - A formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as
atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção, no âmbito de escolas
e sistemas escolares, será feita no curso de graduação em Pedagogia, de que
resultará o grau de licenciado com modalidades diversas de habilitação (BRASIL,
CFE, 1969, p. 113)
Desse modo, o Parecer CFE no 252, de 1969, aboliu a distinção entre Bacharelado e
Licenciatura em Pedagogia e introduziu a proposta da formação dos chamados especialistas
em administração escolar, inspeção escolar, supervisão pedagógica e orientação educacional,
ao lado da habilitação para a docência nas disciplinas pedagógicas dos cursos de formação de
professores. Já o título de licenciado ficou defendido como padrão a ser obtido em qualquer
das habilitações. Ainda, determinou que a disciplina de Didática fosse incluída como
obrigatória no currículo, inserida no Núcleo Comum do curso.
Para Saviani (2012), a Pedagogia, desde o Decreto Lei nº 1.190, de 1939, até as
indicações de Valnir Chagas, em 1975, tendeu a ser reduzida à ciência profissional pragmática
do professor, de mera transmissão de conhecimentos para garantir domínio das aptidões
técnicas e artesanais da orientação do ensino. Diante desse entendimento, o referido autor
sugere que há necessidade de um resgate da tradição teórica da Pedagogia, trazendo para o
89
campo da visão epistemológica a raiz fundante da Pedagogia lembrando sua íntima relação
com a educação. E isso ―enquanto prática da qual ela se origina e à qual se destina‖
(SAVIANI, 2012, p. 63)
Chega-se, então, nas décadas de 1970 e 1980 diante de vários movimentos e debates
chamados de pró-formação do educador, que articulava a construção de uma política de
formação do profissional da educação, na qual a Primeira Conferência Brasileira de Educação
ocorrida em São Paulo, em 1980, é considerada um importante momento no processo de
discussões a respeito da formação do pedagogo e do professor. Decorrente disso, foi criado
um Comitê Nacional Pró-reformulação dos cursos de Pedagogia e Licenciaturas.
Sobre esse período dentro do contexto socio-histórico educacional, Brzezinski (2006, p. 823-
824) afirma que:
O Movimento dos Educadores toma vulto e demonstra sua força, como resistência
ao poder instituído, durante toda a década de 1980, por meio de debates, embates e
manifestações públicas por intermédio de ações sob o ponto de vista epistemológico,
político e didático-pedagógico. Sob o enfoque epistemológico, as ações dos
educadores visavam à redefinição e à busca da identidade do curso de Pedagogia no
elenco dos cursos de formação de professores.
Diante desses movimentos em prol da formação de professores, a partir do ano de
1980, várias universidades reformularam seus currículos dando ênfase na formação do
pedagogo para atuar na Educação Pré-escolar e nas séries iniciais do Ensino de 1º Grau
(BRASIL, 2005, p. 03)
Nesse movimento de constantes iniciativas de repensar a educação, a escola e a
formação do professor no sentido de seu currículo e denominação, verifica-se na história a
necessidade da ruptura com o ideário tecnicista, caracterizando um movimento em prol da
formação dos professores que possibilite a formação de um profissional situado em seu tempo
social e histórico, que seja mais consciente de seu ser e estar no mundo, com maior
capacidade crítica para contribuir com a transformação das condições de seu espaço de
trabalho, bem como da sociedade.
Nessa mesma vertente de lutas, em 1983, em Belo Horizonte, no I Encontro Nacional
do já referido Comitê, teve início a formulação dos princípios gerais das proposições em vista
de uma base comum nacional para a formação de professores no qual observei que o foco já
estava na docência. Para ampliar o entendimento, destaco:
Todas as licenciaturas (Pedagogia e demais licenciaturas) deverão ter uma base
comum: são todos professores. A docência constitui a base da identidade
profissional de todo o educador [...] [...] a base comum nacional dos cursos de
Formação de Educadores não deve ser concebida como um currículo mínimo ou um
elenco de disciplinas, e sim como uma concepção básica da formação do educador e
90
a definição de um corpo de conhecimento fundamental. (ENCONTRO NACIONAL,
1983, p. 57-58)
Mediante a isso, a década de 1980 foi constantemente marcada por processos e
discussões acirradas a respeito da formação e da atuação dos professores e pedagogos. Com
isso, conflitos se expressaram de forma permanente, traduzindo perspectivas diferenciadas
dos sujeitos envolvidos.
O movimento pró-formação do Educador recebeu diferentes denominações até 1990,
quando foi constituído em formato de Associação Nacional pela Formação dos Profissionais
da Educação, hoje designada ANFOPE.
Nessa década, diante de estudos diversos em uma arena de disputas, nasce o texto da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de nº 9394, em dezembro de 1996. Após a
promulgação da Lei nº 9394, de 1996, muitas ações mobilizaram o Estado brasileiro trazendo
modificações para a educação brasileira, desde a Educação Infantil, Ensino Fundamental e
Ensino Médio até o Ensino Superior, ainda novas denominações para a Educação pré-escolar,
Ensino de 1º Grau, Ensino de 2º Grau e Ensino de 3º Grau. Tal mudança se fez sentir
principalmente nas universidades públicas e nos cursos de formação de docentes, pois a
existência da lei não significa sua concretização ipsis litteris.
Quanto à formação de professores, estabeleceu-se que essa deve ser assegurada nos
cursos normais em nível médio ou superior, sendo os Institutos Superiores de Educação os
principais loci da formação docente.
Acerca disso, Pimenta e Libâneo (1999, p. 241), ao se referirem às Diretrizes de 1996,
comentaram que:
[...] a atuação do Ministério da Educação e do CNE na regulamentação da LDB n.
9.394/96 tem provocado a mobilização dos educadores de todos os níveis de ensino
para rediscutir a formação de profissionais da educação. A nosso ver, não bastam
iniciativas de formulação de reformas curriculares, princípios norteadores de
formação, novas competências profissionais, novos eixos curriculares, base comum
nacional etc. Faz-se necessária e urgente a definição explícita de uma estrutura
organizacional para um sistema nacional de formação de profissionais da educação,
incluindo a definição dos locais institucionais do processo formativo.
Autores como Pimenta (1999) e Libâneo (2006; 1999) dentre outros, trazem em seus
estudos discussões epistemológicas no que concerne à docência na Pedagogia. Para Libâneo
(2006, p. 849), a Pedagogia:
[...] compreende a docência, pois também trata do ensino e da formação escolar de
crianças e jovens, de métodos de ensino. Mas sustentam que a Pedagogia não se
resume a um curso, antes, a um vasto campo de conhecimentos, cuja natureza
constitutiva é a teoria e a prática da educação ou a teoria e a prática da formação
humana. Assim, o objeto próprio da ciência pedagógica é o estudo e a reflexão
91
sistemática sobre o fenômeno educativo, sobre as práticas educativas em todas as
suas dimensões.
Para os referidos autores, é necessário rever as condições gerais para formação do
professor no que se refere à docência. Eles não a consideram como base de formação do
pedagogo no sentido estrito, mas colocam a pesquisa como base da formação desse
profissional, já que a Pedagogia tem como seu objeto de estudo a educação. Diante disso, está
constituída a sua abrangência, complexidade e singularidade.
Nesse posicionamento, apoio-me em Tardif (2002, p. 234-235), que ajuda a
compreender que os professores são atores vivos, competentes, sujeitos ativos, uma vez que
constroem sua própria prática, a qual não é um espaço-tempo de aplicação dos conhecimentos
teóricos, mas uma oficina da práxis para a produção de saberes, sendo que ―essa perspectiva
equivale a fazer do professor – tal como o professor universitário ou o pesquisador da
educação – um sujeito do conhecimento, um ator que desenvolve e possui sempre teorias,
conhecimentos e saberes de sua própria ação‖
A pesquisa e a formação são dimensões essenciais que constantemente se dialogam,
pois a base da pesquisa está na experimentação, na reflexão e nas sínteses que ela pode
produzir na práxis do professor. Mas, essa concepção de docência e especialistas ainda é
campo e arena de disputas e conflitos. Diante dessa dissonância, Oliveira (2010, p. 05) pontua
que:
Esses grupos vêm publicando seus posicionamentos em relação às teses que
defendem e, embora a formação em nível superior para a docência nas séries iniciais
seja uma necessidade reconhecida por ambos, essa dicotomia acaba por fortalecer as
entidades oficiais na implementação de concepções fragmentadas acerca do perfil
distinto entre professores e especialistas.
Assim sendo, não há diálogo e nem consenso, e a Pedagogia fica em meio a um fogo
cruzado de posicionamentos de ideias e interesses, conforme concepções de epistemologias
diversas.
Ao observar as posturas e entendimentos das concepções epistêmica, política e
pedagógica da Pedagogia compreendida até aqui, denoto a dificuldade de um diálogo de
aproximação de concepções educacionais de modos de conceber a Pedagogia no tocante à sua
formação, identidade profissional e sua prática educativa.
Para Pimenta e Libâneo (1999), é necessário, para além das reformas, que haja um
esforço para pensar a Pedagogia dentro de um contexto organizacional oficial como
direcionamento nacional, levando em conta as pesquisas, as publicações e as reais condições e
necessidades formativas de cada região do país.
92
Ao avançar um pouco mais no debate, observo que, desde 1998, há movimentos em
prol do pensar e repensar a formação do professor na Pedagogia, em um amplo processo de
discussão de entidades do país, tais como: ANPED, ANFOPE, ANPAE, Executiva Nacional
dos Estudantes de Pedagogia, dentre outros, os quais articularam em vista da elaboração e
aprovação do texto legal das Diretrizes de 2006, que é um dos focos legais deste trabalho.
A Pedagogia, dentro do movimento de várias reformas educacionais, se torna arena de
disputas motivadas por tendências e correntes pedagógicas epistemológicas de diferentes
atores sociais, os quais a interpretam a partir de suas concepções e, mediante a elas, tecem
novos entendimentos para a sua identidade, o que consistiria na formação e na atuação desse
profissional.
Frente a esses movimentos e tensões motivadores de reformas para a Pedagogia, é que
o Conselho Nacional de Educação, no início de 2005, apresentou uma minuta de projeto para
DCN do referido curso. Com isso, nasceram inúmeros debates em torno desse projeto, os
quais foram de várias ordens na tentativa de contemplar o campo da formação.
Posteriormente, o projeto foi reformulado pressionado pelas contestações advindas dos
debates entre os vários grupos de pesquisadores das comunidades científicas da educação já
referendados aqui. Somente em dezembro de 2005, o Parecer 05, de 2005, que refere ao
projeto para reformulação do curso de Pedagogia, foi aprovado.
As DCNs foram homologadas em abril de 2006, e publicadas no Diário Oficial em 15
de maio do mesmo ano, ficando conhecidas como Resolução CNE/CP no 1, de 2006. A seu
respeito, consta no Parecer CNE/CP no 5 (2005, p. 05) que:
[...] grande parte dos cursos de Pedagogia, hoje, tem como objetivo central a
formação de profissionais capazes de exercer a docência na Educação Infantil, nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, nas disciplinas pedagógicas para a formação
de professores, assim como para a participação no planejamento, gestão e avaliação
de estabelecimentos de ensino, de sistemas educativos escolares, bem como
organização e desenvolvimento de programas não-escolares. Os movimentos sociais
também têm insistido em demonstrar a existência de uma demanda ainda pouco
atendida, no sentido de que os estudantes de Pedagogia sejam também formados
para garantir a educação, com vistas à inclusão plena, dos segmentos historicamente
excluídos dos direitos sociais, culturais, econômicos, políticos.
Com isso, verifico no próprio Parecer nº 5, de 2005, e depois nas Diretrizes (2006)
para o curso de Pedagogia, a ampliação do campo de atuação do pedagogo, e
consequentemente, da formação inicial para o exercício da docência. A partir de então, o
pedagogo formado, considerando essas normativas, está autorizado a atuar:
[...] na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de
Ensino Médio de modalidade Normal e em cursos de Educação Profissional, na área
de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos
93
conhecimentos pedagógicos. A formação oferecida abrangerá, integradamente à
docência, a participação da gestão e avaliação de sistemas e instituições de ensino
em geral, a elaboração, a execução, o acompanhamento de programas e as atividades
educativas. (Parecer CNE/CP n. 5, 2005, p. 06)
Com a ampliação da atuação devido à abrangência ou extensão dessa atuação, as
diretrizes trazem para os institutos formadores de Pedagogia desafios inéditos, pois a base da
formação e da ação educativa é a docência.
Para Saviani (2012), dois aspectos na formação de professores devem ser observados:
domínio dos conteúdos que serão objeto do processo educativo e domínio das formas que
possibilitam realizar o referido processo. Considerando a fala do autor supracitado, ao retomar
o Parecer e depois as Diretrizes, verifico que a docência não é concebida somente pelo ato de
ministrar aulas. Em seus estudos, Saviani (2012) ajuda a entender que a docência se amplia
como sendo um trabalho pedagógico fora do espaço-tempo circunscrito da escola, alcançando
os espaços escolares e também os não escolares, como regulamenta o Parecer CNE/CP n. 05,
de 2005:
Entende-se que a formação do licenciado em Pedagogia fundamenta-se no trabalho
pedagógico realizado em espaços escolares e não-escolares, que tem a docência
como base. Nesta perspectiva, a docência é compreendida como ação educativa e
processo pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-
raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da
Pedagogia. Desta forma, a docência, tanto em processos educativos escolares como
não escolares, não se confunde com a utilização de métodos e técnicas
pretensamente pedagógicos, descolados de realidades históricas específicas.
Constitui-se na confluência de conhecimentos oriundos de diferentes tradições
culturais e das ciências, bem como de valores, posturas e atitudes éticas, de
manifestações estéticas, lúdicas, laborais. (PARECER CNE/CP N. 05/2005, p. 07,
grifo nosso)
Considerando como a docência veio sendo tratada e concebida no referido Parecer e na
Resolução, Brzezinski et al., (2006, p. 829-830) sinalizam que essa apresentação feita pelo
legislador afasta a redução do curso de Pedagogia a uma formação eminentemente para a
docência das séries iniciais do ensino fundamental. E nos chama atenção quanto à
aproximação dessa forma com as propostas de diretrizes apresentadas pela Comissão de
Especialistas de Pedagogia em 1999.
Diante do que foi esboçado para a Pedagogia, Brzezinski et al., (2006, p. 830)
lembram que:
[...] faz-se necessário demarcar a compreensão desses elementos constitutivos da
formação do pedagogo. A docência nas DCN-Pedagogia não é entendida no sentido
restrito do ato de ministrar aulas. O sentido da docência é ampliado, uma vez que se
articula à ideia de trabalho pedagógico, a ser desenvolvido em espaços escolares e
não-escolares [...]
94
Considerando o que foi normatizado pelas DCNs (2006) para a Pedagogia, Saviani
(2012) entende que os ingressantes no curso já vêm de processos escolares anteriores, e que,
portanto, a escola básica não é um lugar estranho para eles. Por isso, recomenda-se que se
distanciem dela para fazerem suas experiências formativas na universidade, com estudos
voltados para o campo científico da educação e com toda a problemática que a envolve.
Assim, esses estudantes de Pedagogia estariam mais aptos para olhar a escola para além do
senso comum e com mais condições de analisar a prática educativa, sendo orientados pela
teoria pedagógica. E, nesse aspecto, compreende-se a docência, a gestão escolar e as atuações
em espaços não escolares. Para o referido autor, a escola é um eixo do processo formativo do
pedagogo no qual se imbricam outras manifestações humanas. A partir desse entendimento,
Saviani (2012, p. 131-132) pontua que:
Se proponho que se tome a realidade da escola como eixo do processo formativo dos
novos educadores é porque, na sociedade atual, a escola se tornou a forma principal
e dominante da educação a partir da qual as demais formas são aderidas. [...]
podemos dizer que a escola, na sociedade atual, é a força pedagógica que tudo
domina [...] não nos é possível compreender a educação sem a escola.
Diante da abrangência da atuação da Pedagogia em diálogo com Frison (2004), ao
pensar no ato educativo, ou nos espaços-tempos de aprendizados, entendo que o ato educativo
acontece em múltiplos espaços. Assim, o referido autor, como que parafraseando Brandão
(1985), pontua que:
[...] na escola, na sociedade, na empresa, em espaços formais ou não formais,
escolares ou não escolares, estamos constantemente aprendendo e ensinando. Assim,
como não há forma única nem modelo exclusivo de educação, a escola não é o único
em que ela acontece e, talvez, nem seja o mais importante. As transformações
contemporâneas contribuíram para consolidar o entendimento da educação como
fenômeno multifacetado, que ocorre em muitos lugares, institucionais ou não, sob
várias modalidades. (FRISON, 2004, p. 88)
Libâneo (2006, p. 853), por seu turno, pontua que ―a Resolução mantém a docência
como eixo distintivo do currículo de formação do ‗pedagogo‘, o que significa fazer equivaler
o curso de Pedagogia a um curso de licenciatura‖.
Ao ler o Parecer CNE/CP n. 05, de 2005, verifiquei que ele evidencia que a formação
do professor se inicia na academia e só vai se consolidar no exercício da profissão com a
qualificação continuada desse profissional. Portanto, vê-se que essas características não se
enquadram na sua formação como um mero técnico e especialista em assuntos gerais.
Essas discussões a respeito da formação do Pedagogo sempre foram e são divididas
em opiniões divergentes, pois não se tem clareza entre o bacharelado e licenciatura,
entre bases científicas de formação e docência. Nas últimas Diretrizes Curriculares
Nacionais essas incertezas ficam bem claras. Nas Diretrizes existe a valorização dos
espaços não formais para a atuação do Pedagogo. Mas não fica evidente a finalidade
95
deste profissional para atuar nestes espaços. Quando pensamos em lugares fora da
escola e que existe um processo educativo, acreditamos ser incoerente, neste
momento, nos centrarmos somente em aspectos metodológicos de ensino-
aprendizagem. Ou seja, o trabalho educacional e pedagógico precisa contemplar as
relações ensino aprendizagem, mas é necessário também refletir sobre as questões
políticas e os conhecimentos que perpassam as práticas educacionais. É preciso que
os conhecimentos respeitem as diferenças culturais e a condição de vida dos sujeitos
que nela estão envolvidos na educação. (PAULA; MACHADO, 2009, p. 230-231)
No recontar da história, é possível dizer que o curso de Pedagogia, no ir e vir de seu
trajeto de criação e reformulações, acabou se misturando com a busca da qualidade da
educação brasileira, de certa forma, atrelada ao papel do professor dentro desse processo
social e de ensino. Nessa perspectiva, sua identidade sempre está posta em questão, e fica em
desafinação de entendimentos, tanto pelos pesquisadores quanto pelos documentos legais.
Isso porque, ora a sua identidade está colocada como professor ou especialista em conteúdo,
ora, como um bacharel ou licenciado, ou ainda como um técnico em educação e docente.
Assim, como coadunar os chamados ―fundamentos da educação‖, ―a gestão da
educação‖ e ―as metodologias de ensino‖ para não se caracterizar como um curso para formar
bacharéis? Por isso, a docência foi se constituindo esse diferencial de base para a formação do
pedagogo.
Dentro desse viés, e em busca de um caminho para a Pedagogia, observei muitas
possibilidades de atuação do pedagogo no que se refere à formação posta nas DCNs (2006),
como consta em seu Parecer no 5, de 2005:
A educação do licenciado em Pedagogia deve, pois, propiciar, por meio de
investigação, reflexão crítica e experiência no planejamento, execução, avaliação de
atividades educativas, a aplicação de contribuições de campos de conhecimentos,
como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o
psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural. O
propósito dos estudos destes campos é nortear a observação, análise, execução e
avaliação do ato docente e de suas repercussões ou não em aprendizagens, bem
como orientar práticas de gestão de processos educativos escolares e não-escolares,
além da organização, funcionamento e avaliação de sistemas e de estabelecimentos
de ensino. (PARECER CNE/CP N. 05/2005, p. 06)
A formação na Pedagogia, considerando a legislação, exige que os projetos
pedagógicos curriculares dos cursos sejam reformulados e busquem articulação entre a
docência, a gestão educacional e a produção epistemológica na área da educação, a fim de
adequar-se às novas vivências sociais onde se espera que o pedagogo venha atuar. Contudo, a
concepção de docência permanece como base de atuação deste profissional, conforme
sublinha Libâneo (2006, p. 868-869):
Pedagogia, então, nem é só uma doutrina educacional nem só uma prescrição
didática, ela se moverá entre a teoria e a prática, pois que educar e ensinar sempre
estão a requerer, ao mesmo tempo, um projeto que encarna um ideal do humano e da
96
sociedade desejada e um modo de realizá-lo com o outro, seja a criança, o adulto, o
aluno, o profissional. Este posicionamento sobre a Pedagogia é o incômodo
necessário aos professores mais tendentes ao fazer prático, para que a ação docente
não perca sua intencionalidade, seus propósitos éticos e edificantes, a consideração
às características individuais, sociais e culturais dos alunos. Ou seja, a Pedagogia é a
educação que se pensa e se faz, com legitimidade para dizer o que é melhor fazer
quando se educa.
Nessa jornada de estudos, encontrei vários autores que têm desenvolvido suas
pesquisas com recorte na Pedagogia. Tais pesquisas me ajudaram a tecer entendimentos de
múltiplos fios das histórias que foram constituindo a Pedagogia. Destaco as leituras que fiz de
Silva (1999), Saviani (2012), Libâneo e Pimenta (2006; 1999). Com os referidos autores,
compreendi que, desde as três regulamentações do curso de Pedagogia realizadas em 1939,
1962, 1968 e 1969 sobressai a indicação de um currículo mínimo como referência nacional
imposta. Já a Resolução CNE n. 1, de 10 de abril de 2006, que fixou diretrizes curriculares,
inaugurou uma nova fase para o curso no que concerne à formação e à atuação dos
profissionais da educação. A partir dali o pedagogo passa a assumir o perfil de um
profissional para atuar no ensino, na organização e na gestão do trabalho pedagógico em
diferentes contextos educacionais.
Como egressa do curso de Pedagogia campus de Cuiabá, ao retomar esses fios que,
entrelaçados, me possibilitaram acessar as histórias que teceram a Pedagogia desde sua
origem na Grécia até sua aprovação como curso, foi mais uma vez surpreendente percorrer
alguns autores e pesquisas que tiveram como objeto de estudo a Pedagogia. Mesmo tendo
estudado quatro anos no referido curso, somente retomando seus escritos históricos e legais é
que pude compreender melhor a necessidade dos estudos dos clássicos da Pedagogia, os
fundamentos sociológicos, filosóficos e científicos da educação. Hoje faz sentido considerar
essas epistemologias diversas frente à prática educativa, pois entendo que há um estreitamento
na compreensão da relação teoria e práxis pedagógica.
O caminho que percorri até aqui foi possível devido aos faróis advindos das histórias
da Pedagogia com estreita relação com a educação, bem como por meio das leituras que fiz
nas pesquisas, as quais possibilitaram encontrar os fios de entendimentos. E é com eles que
sigo esse processo de fiação de mais uma nuance do aguayo.
2.3 Temporalizando os fios da Pedagogia na Universidade Federal de Mato Grosso
É no tempo presente, no meu tempo, que escrevo e leio os escritos da Pedagogia em
minha capital natal, Cuiabá, no alvorecer do nascimento da Pedagogia (1968), um pouco antes
97
da criação da instituição de ensino superior, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
em 10 de dezembro de 1970.
Aqui só formalizo mais um movimento que tece o aguayo de multicores e sentidos.
Afinal, no meu entender, na história não existem remendos, pois dela só é possível dizer o que
já foi dito e ouvido antes. Mas, é possível, nesse ínterim, recontá-la e reinterpretá-la. É o que
estou fazendo, as rememora as histórias que vi e vivi.
Ora, em um Estado-nação ainda aspirante no que diz respeito à educação formal
escolar, onde quase tudo está por se fazer, em meio à colonização das terras mato-grossenses,
nasce a então Universidade Federal de Mato Grosso, uma universidade com status e ares de
selva, pois o que não faltava em Mato Grosso era abundância e exuberância de vegetação
nativa e animais silvestres.
[...] o primeiro Reitor, Gabriel Novis Neves, assim se expressou por ocasião das
comemorações dos 30 anos da UFMT: Foi a intenção. Mato Grosso, em 1970, era
atrasado, dominado pelas oligarquias, era Estado curral. Nossa intenção era a
transformação. Nós acreditávamos que esta Universidade teria que ser também um
centro de desenvolvimento. Foi em cima desse modelo que acreditamos na ocupação
racional, respeitando a região Amazônica, o meio ambiente, daí a Universidade da
Selva, nosso cartão de visitas. Acreditamos em uma nova cultura, respeitando as
etnias e os saberes. (SIQUEIRA; DOURADO; RIBEIRO, 2011, p. 11)
Lá no seu bojo inicial, assim como nas primeiras universidades brasileiras, estava o
curso de Pedagogia, um curso que nasce no coração do cerrado, em Cuiabá, no ano de 196823
.
O referido curso se reveste de uma construção histórica de 51 anos (1968-2019). Ele se erigiu
antes mesmo de a universidade ser instituída em seus moldes legais, o que veio a acontecer
somente em 10 de dezembro de 1970, pela Lei n° 5647, a partir da junção da Faculdade de
Direito de Cuiabá, criada em 1952, e do Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá.
A Universidade Federal de Mato Grosso teve como seus primeiros dirigentes o reitor
Gabriel Novis Neves (Res. CD 06/71), nomeado no dia 11 de janeiro de 1972, que
ocupava pro-tempore a Reitoria por Decreto do ministro da educação e cultura,
Jarbas Gonçalves Passarinho; o prof. Benedito Pedro Dorileo, como vice-reitor para
assuntos acadêmicos (Port. GR 03/72; Res. CD 05/72); e o prof. Attílio Ourives,
vice-reitor para assuntos administrativos (Port. GR 04/72; Res. CD 05/72). No dia
27 de setembro de 1972 foram aprovados, pelo Conselho Diretor, os Estatutos da
Universidade Federal de Mato Grosso. (SIQUEIRA; DOURADO; RIBEIRO, 2011,
p. 16)
O curso em questão está vinculado à história da educação superior no estado de Mato
Grosso, o que caracteriza a sua relevância para formação social, cultural, educacional e
23
Conforme o documento do curso de Licenciatura em Pedagogia, IE/UFMT (1996, p. 37), nessa ocasião não
havia 100.000 habitantes na região formada pelos municípios de Cuiabá, Várzea Grande e Santo Antônio de
Leverger, e o universo de professores primários era diminuto.
98
econômica do então estado dentro de um período ditatorial instaurado no país, ainda na
década de 1960.
O curso de Pedagogia da UFMT nasce como lugar, espaço-tempo formador e
formativo docente em parceria com os sistemas de ensino e, posteriormente, ganha força
devido ao movimento nacional Pró-Reformulador dos cursos de formação de professores,
conhecido hoje amplamente como ANFOPE. O curso, atualmente no campus Cuiabá, no
Instituto de Educação, nasceu de um movimento de tensões, reformas do ensino nacionais e
de um pensamento mundial da educação dentro de um século, segundo estudos de Gauthier e
Tardif (2014), ainda sob os efeitos do século XVII, no qual o pensamento pedagógico e a
Pedagogia se baseavam no controle disciplinar e dos corpos dos escolares enquanto sujeitos
sociais. Essa Pedagogia do controle instalou-se amplamente nas instituições de ensino dos
séculos XVIII e XIX.
Para Aranha (1996, p. 151) ―no século XIX não há propriamente o que poderia ser
chamado de uma Pedagogia brasileira‖. Observa-se intelectuais que se identificam com as
ideias europeia e buscam imprimir um rumo à educação criando projetos de leis e escolas. O
século XX presencia grandes mudanças no campo educacionais já iniciadas no século
anterior. Com elas, se deu a criação da escola pública leiga e obrigatória. (ARANHA, 1996)
Já o século XX nos trouxe importantes pedagogos. Dentre eles, estão: John Dewey,
Maria Montessori, Alexandre Neill, Celestin Freinet, Carl Rogers e Paulo Freire. Nesse
período, o pensamento educacional, escolar e de Estado-nação não estava posto no controle
disciplinar, mas centrava-se na pessoa enquanto sujeito aprendente, nas possibilidades das
experiências mediante um diálogo plural situado em uma dada realidade.
Nessa releitura do tempo, datando o curso de Pedagogia da UFMT, seu movimento de
constituição e aprovação, localizei que, de sua criação até 1988, o curso foi desenvolvido no
campus central da referida universidade por diferentes habilitações, tais como: Supervisão
escolar, Administração Escolar e Orientação Educacional. Nesse mesmo período, a
reformulação 1988 já considerava essas habilitações como objeto de estudos, podendo ser
cursadas à nível de lato-sensu. Quanto à Graduação em Pedagogia, para atender essas
especificidades de formação, em sua matriz curricular:
[...] o curso manteve preocupação com os aspectos político-administrativos e
pedagógicos da organização escolar, razão pela qual incluiu em sua caracterização
curricular três núcleos de estudo: Fundamento da educação, Conteúdos e
Metodologias do Ensino de 1º Grau e Organização e Administração escolar.
(DOCUMENTO DE LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA, 1996, p. 19)
99
Esses três núcleos foram constituídos em atenção à formação do pedagogo para uma
visão epistêmica ampla da educação, a partir de seus fundamentos históricos, considerando as
várias áreas que entrecruzam a formação humana. Nessa concepção, já estava posta também
uma vertente de pesquisa com foco na realidade social e escolar situada.
Diante disso, entendo que o curso, em sua natureza e identidade mediante as
necessidades educacionais oriundas da escola enquanto lócus de atuação do pedagogo, de
alguma forma, buscou contemplar na sua formação um olhar formativo epistêmico plural, em
que ele, enquanto profissional, pudesse dialogar e atuar dentro da escola com mais eficiência
e abrangência. No entanto, isso não se constituía como uma tarefa fácil. Por isso, esse período
de 1988 em diante se constituiu fecundo para preparar uma reforma global no curso, o que
veio a acontecer somente na década de 1990. Foram pelo menos seis anos de estudos, dentro
da universidade, em parceria com algumas escolas e os seus sistemas de ensino para perceber
e redesenhar uma proposta pedagógica, metodológica e, principalmente, curricular de ensino
para o curso.
No geral, o que se seguiu dessa década em diante foram mistos de reformas
educacionais com reformas econômicas, em que as lógicas financeira e do mercado, muitas
vezes, se ajustam e se fundem, desconsiderando as implicações sociais, humanas,
profissionais e educacionais.
A respeito disso, em de seus estudos sobre a Pedagogia, Gauthier e Tardif (2014, p.
432) pontuam que:
A profissionalização começa em meados dos anos de 1980 nos Estados Unidos e vai
adquirir rapidamente uma força de expansão mundial, propagando-se primeiramente
aos outros países anglo-saxões (Canadá, Austrália, Grã-Bretanha etc.) e na
sequência, à Europa e a América Latina.
Para os referidos autores, essa profissionalização já era um movimento antigo de
profissionais de outras áreas no sentido da racionalização do trabalho, impondo-lhe regras, e
estruturando bases de conhecimentos que foram pouco a pouco sendo integradas como
saberes científicos junto aos cursos. Por isso, a partir de 1980, esse movimento alcança o
ensino. O processo histórico das buscas de compreensões e de fortalecimento do curso de
Pedagogia acenam mudanças significativas dos aportes epistemológicos para a formação e
qualificada da profissionalização docente, que segue atrelada à expansão das universidades
pelo país.
Nessa roda viva, de um cenário de constantes mudanças sociais, políticas e
educacionais, sejam elas globais ou nacionais, foram conquistando maior consistência as
bases de discussões e reformulações dos cursos superiores, e no caso, o que pesquiso, no
100
curso de Pedagogia campus Cuiabá. Ora, tudo isso se desencadeia em um novo pensar e agir
dentro do curso e da escola. Nesse contexto, reportando-se aos professores da educação
pública, principalmente dos anos iniciais, e trazendo para o cenário educacional de Mato
Grosso, vê-se que ainda se pautavam grandemente na formação de professores advindos dos
cursos de Magistério, criado em 1971, com as reformas da Lei 5.692.
Mediante a essa formação, o professor que deixava o Magistério e se adentrava no
exercício da docência carecia de formação mais adequada para lidar com o cotidiano da
escola e da sala de aula. Com o tempo de atuação profissional, as exigências da escola e da
sociedade foram clamando por medidas que forçaram os sistemas de ensino superior e
municipais a dialogar para encontrar alternativas a fim de formar os professores para atuar no
nível superior, expondo, então, novas necessidades formativas.
Ocorria que, em âmbito nacional, o curso de Pedagogia estava sofrendo duras críticas
devido à sua identidade ainda aberta e em processo de construção. Portanto, o profissional
precisava lidar com os conteúdos de ensino, com as dificuldades da aprendizagem e com
todos os problemas decorrentes dela. Não seria só a gestão da sala de aula, mas da escola e de
toda a sua estrutura de funcionamento. Os anos iniciais se constituíam de um compêndio de
diversos conhecimentos a serem estudados em quatro anos. Seria ele um professor técnico e
especialista? Ou como conclui e critica Schmied-Kowarzik (1983) ao se referir à Pedagogia
enquanto ciência, uma vez que se ficar fora de sua concepção original, ela ―se tornaria como a
medicina, uma ciência profissional pragmática do professor, mera transmissora de
conhecimentos para o domínio das aptidões técnicas e artesanais da orientação do ensino‖.
Em razão dessa percepção, pude compreender porque há o dilema entre a teoria e prática. Tal
dilema se estabelece pois nem sempre a técnica, a receita, os moldes e a formatação são
suficientes para responder às nuances da prática, uma vez que esta se relaciona às multi e pluri
realidades humanas que permeiam o contexto da educação.
Por isso, o tempo era ávido por mudanças na formação dos profissionais da educação,
o que incluía a Pedagogia. A esse respeito, Saviani (2004, p. 122) explica que:
O movimento dos educadores em torno da formação dos profissionais da educação
começou a se articular no final da década de 1970 e se materializou com a criação,
em 1980, do ―Comitê Pró Participação na Reformulação dos Cursos de Pedagogia e
Licenciatura‖. O Comitê se organizou na forma de comissões regionais,
transformou-se, em 1983, em Comissão Nacional pela Reformulação dos Cursos de
Formação de Educadores (CONARCFE) que, por sua vez, em 1990, se constituiu na
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) que
continua em atividade.
101
Esses ares de lutas e enfrentamentos políticos, sociais e educacionais suscitaram a
necessidade de pensar em reformas para o curso de Pedagogia, campus sede de Cuiabá, onde
seus docentes e discentes também viviam sob os efeitos dessas articulações nacionais. Foi por
isso que, em 1982, o curso começa a ser repensado. Posteriormente, fortalece-se esse
pensamento entre os anos de 1989 a 1994, quando os debates se intensificam, ganhando
repercussões e então, se consolidam.
Em meio às emergências locais formativas e de aprendizagem, a reformulação nasce
de um compromisso da UFMT por meio do IE com a escola pública, visando à valorização
socioprofissional do professor em atenção à educação básica prioritariamente nas séries
iniciais, o que foi selado por meio do convênio nº 035, de 1994, firmado entre UFMT/IE, as
secretarias municipais de Várzea Grande, Santo Antônio, Cuiabá e o estado de Mato Grosso,
acompanhado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública (SINTEP). Ocorria que
nesse período, segundo estudos realizados em vista da reformulação, 70% dos professores
efetivos só possuíam o 2º grau completo, e as escolas ainda conviviam com a rotatividade dos
professores interinos. Ora, a desvalorização da carreira e a precariedade das condições
materiais de trabalho também eram fatores gritantes e determinantes para a qualidade de
ensino e da realização do profissional de educação.
As três realidades municipais, de certa forma, eram uma pequena amostra do estado
como um todo frente às urgências educacionais. Por isso, o novo curso de Pedagogia urgia a
pressupor em seu bojo:
[...] a necessidade de uma formação acadêmica de qualidade crescente por parte dos
professores das Séries Iniciais do Ensino Fundamental; a necessidade de se criar
condições concretas (de formação e condições de trabalho) que estimulem a
permanência do professor nestas Séries; a necessidade de uma política global de
profissionalização dos educadores, incluindo formação básica inicial, condições de
trabalho e formação continuada, em consonância com o movimento nacional pro-
formação do professor, a necessidade de pensar estruturas acadêmicas que
respondam aos desafios de uma formação de qualidade; a necessidade de responder
à situação atual e à perspectiva de formação dos professores das Séries Iniciais nos
Municípios de Cuiabá, Várzea Grande e Santo Antônio. (DOC. PPP DO CURSO
DE PEDAGOGIA, 2008, p. 11)
Com essa tônica, o curso, em seu currículo, foi reformulado visando atender, em um
período de 10 anos, as necessidades formativas desses professores para que eles pudessem
permanecer na docência de modo mais qualificado em respeito à sua carreira profissional e às
necessidades dessas localidades.
Nesse interim das histórias e mudanças no contexto formativo da Pedagogia, puxo um
gancho de lembrança, pois foi nesse período que frequentei o curso, considerando essa
reformulação feita para atender aos professores das redes municipais. Todavia, eu entrei no
102
curso (2000-2003) via vestibular regular. Fiz parte da demanda social, portanto, não estava na
rede de ensino desse convênio que atendia aos professores no período vespertino. As turmas
matutinas eram da demanda social. Entendo que considerando essa tônica de formação
docente, a proposta do curso ajudou-me a compreender melhor nesse período a atuação da
Pedagogia no espaço da escola em interlocução com outros campos de saberes, bem como a
complexidade do fenômeno educativo.
Lendo as bibliografias dos estudiosos da Pedagogia, e retomando os marcos históricos
da Pedagogia da pesquisa de Silva (1999), e também as pesquisas de Mestrado e Doutorado
com os egressos de Pedagogia, além das leituras que fiz nos documentos oficiais desse
convênio (nº 035/1994/FUFMT), entendo que, nacionalmente, mudanças despontavam no
campo da formação e as tensões, os debates se intensificavam devido à necessidade de se
constituir uma política de formação e profissionalização docente que respeitasse a demanda
das exigências da educação pública, de uma opção preferencial por ela, ainda com isso,
colocando o professor e a sua formação no centro do debate.
Com essa percepção mais ampliada, supunha assumir a escola como espaço-tempo de
formação humana descapsulada dos moldes da racionalidade e da técnica, criando condições
em que os docentes (os estudantes do convênio) e os futuros docentes (estudantes oriundos da
demanda social regular) buscassem ter compreensão da complexidade das relações entre a
educação e a sociedade, para que assim pudessem atuar de modo a considerar a realidade das
condições sociais, culturais e humanas de seus estudantes.
Como essa reformulação transcorreu atendendo seus propósitos e parcerias, a
educação no Brasil, nesse período de 10 anos, também se mobilizava em busca de mudanças
que pudessem atender a educação em todos os seus níveis e áreas de conhecimento. Dentre
outros acontecimentos importantes, para a educação, destaco a aprovação da LDB 9.394, de
1996, que foi um marco de conquista, e posteriormente, a aprovação das DCNs (2006) da
Pedagogia.
É justamente nesse período que se encontra parte dos meus colaboradores (sujeitos),
que povoam de vozes a minha tese. São os egressos que adentraram ao curso em 2006 e o
concluíram em 2009. Duas turmas do curso de Pedagogia, campus sede Cuiabá, do IE que não
mais pertenciam ao convênio. Suas percepções serão importantes, pois sua formação
transcorreu dentro dessa estrutura curricular já embebida em um contexto de necessidades de
mudanças frente à atual proposta do curso, as transformações sociais e as novas políticas
educacionais que entravam em vigência.
103
Essa ebulição que contagiava o cenário nacional educacional se caracterizava dentro
de um contexto das negociações dos órgãos governamentais, das instituições de ensino, dos
diversos profissionais da educação, bem como dos pesquisadores da área. Diante disso,
considerando os estudos de Ball e Bowe (1992), é possível afirmar que as políticas
educacionais nacionais tendem a serem constantemente recontextualizadas e reinterpretadas
pelos Estados-nações, sofrendo influências de agências nacionais e internacionais.
Em decorrência disso, compreende-se que os cursos sofrem pressões de toda ordem,
principalmente das diversas instâncias de avaliação, tanto do aluno, do professor como da
instituição proponente. Criam-se espaços de arenas públicas de disputas e de
responsabilização motivados por rankings de panoramas avaliativos, tanto nacionais como
internacionais, baseados em classificações, a exemplo do Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes (PISA, sigla em inglês), com provas coordenadas pela Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Nesse contexto, o reflexo dessas avaliações traz à tona os precários investimentos na
educação pública no país, a necessidade de formação mais qualificada de professores, os
quais, nos últimos anos, ao contrário dos países mais desenvolvidos e de maior expressão
educacional, vem perdendo seu prestígio social.
Diante desse cenário, outra reformulação é motivada para o curso de Pedagogia,
campus Cuiabá do IE, considerada desde a criação do curso, em 1969, como a terceira
reformulação, pois as anteriores foram parciais. A esse respeito, o documento de reformulação
(PPP, 2008, p. 16) pontua que dentre vários fatores que motivaram o repensar do presente
curso, uma questão foi decisiva ―[...] a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais –
DCN – pela Resolução CNE/CP 01/2006. Essas diretrizes estão articuladas com a LDB
9394/96, e com outros textos legais que tecem a reforma da educação superior‖. Ainda, levou-
se em conta a criação da Lei 11.274, de 06 de fevereiro de 2006, que originou o Ensino
Fundamental de nove anos, o que já era sinalizado também na LDB (1996), com a
escolarização obrigatória a partir de seis anos.
Outras influências locais também contribuíram para a decorrência desse novo
documento curricular para o curso em questão:
[...] observou-se também que os dados extraídos dos estudos do Programa de
Educação Tutorial - PET (2006), de produções discentes (Dossiê, sínteses de
Seminários Integradores) e do convívio acadêmico, indicam a existência, no âmbito
do curso de Pedagogia do campus central da UFMT, de dificuldades que precisam
ser enfrentadas. Estas se explicitam, por exemplo, na falta da efetivação dos
princípios que orientaram a proposta de formação do curso, sobretudo no que se
refere à articulação entre teoria-prática; na tênue aproximação entre formação
acadêmica e exercício profissional; na articulação entre os núcleos de estudo e as
104
diversas disciplinas que compõem o currículo, para que se culmine o princípio
integrador. (PPP DO CURSO DE PEDAGOGIA, 2008, p. 16-17)
Frente a essas questões nacionais e locais, considerando a necessidade de adequação
da atual organização curricular do curso de Pedagogia do campus central da UFMT é que a
construção do PPP (2008), em atenção às Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
Licenciatura em Pedagogia, defende uma política de formação do educador-pesquisador para
o exercício da docência na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, na
educação de crianças, como de jovens e adultos, bem como em outras áreas em que sejam
necessários os conhecimentos pedagógicos. Isso possibilitou aos seus reformuladores,
juntamente com a comunidade acadêmica e social, pensar um curso em que:
A docência é, por conseguinte, uma profissão aprendida ao longo da vida. Assim, é
necessário analisar dois elementos curriculares importantes (que se interpenetram):
um, é que os alunos – licenciandos – e os formadores de professores – os docentes
que atuam no curso – precisam ter consciência sobre a caracterização do processo de
formação para a docência, o que pode ter implicações na alteração de expectativas,
como, por exemplo, de que o curso de licenciatura vá ensinar a lidar com todas as
situações com que venha a se defrontar o futuro professor, e que as aprendizagens
teóricas e práticas que podem se desenvolver no curso tenham, efetivamente, o
poder de definir, qualitativamente, a futura prática; outro, é preciso considerar que o
aluno, futuro professor, ao iniciar o curso e cada disciplina dele, já apresenta
concepções, crenças, valores muito arraigados sobre a profissão, o papel do
professor e da escola, o que é ensinar e como se ensina e o que é aprender. (PPP DO
CURSO DE PEDAGOGIA, 2008, p. 19)
Essa visão corresponsável entre o curso e seus destinatários já era uma necessidade
que aparecia nos trabalhos analisados sobre a Pedagogia e egressos. Tardif (2002), ao tratar de
saberes docentes, também defende essa tônica colaborativa, de um currículo tanto para a
formação inicial como continuada, que considere as concepções, crenças, valores e
aprendizagens dos acadêmicos da formação inicial e dos professores em exercício da
docência. Nessa perspectiva, pode-se pensar uma formação humanizadora e integradora tendo
como base as realidades e histórias de vida de seus protagonistas.
Nesse entendimento abordado na proposta do PPP (2008), verifico que a docência se
constitui o objeto de estudo da Pedagogia, mas como já dito antes, não somente ela, pois o
modo integrativo das diversas epistemologias estudadas no curso possibilita também a
construção de uma identidade profissional de uma atitude investigadora da própria realidade
educacional. O professor é visto como um pesquisador, autocrítico e formador, superando a
visão de uma ciência da educação tradicional, de uma teoria advinda da pesquisa pura em
vista de uma aplicação, pois para Tardif (2002, p. 236), ―a pesquisa na área de educação é
regida e produzida por um sistema de práticas e de atores‖. O referido autor ao tratar desse
sistema, faz uma crítica às instituições de produções de conhecimentos científicos, pois em
105
seu entendimento ―é justamente o fato de levar a acreditar que nelas podem ser produzidas
teorias sem práticas, conhecimentos sem ações, saberes sem enraizamento em atores e em sua
subjetividade‖.
Nesse sentido, pergunto: quem produz ou constrói saberes específicos ao trabalho
docente? Nesse lugar fronteiriço da teoria e da prática, concordo com Tardif (2002), pois não
há como pensar a teoria desvinculada da prática, ou tratar de conhecimentos-saberes sem as
subjetividades a eles imbricadas. Se desconsideramos esses aspectos, poderíamos entender
que é possível a existência de uma teoria sem a prática, e de um sujeito sem saber. Ao
contrário, somos cegos, que pouco a pouco se aproximam da luz pelo conhecimento
produzido e estocado, sendo justamente e unicamente guiados por ele. Para esse estudioso dos
saberes da formação de professores, isso é um equívoco, pois:
O trabalho-como toda a práxis-exige, por conseguinte, um sujeito do trabalho, isto é,
um ator que utiliza, mobiliza e produz os saberes de seu trabalho. Não poderia ser
diferente com os professores, os quais realizam um trabalho que não é simples, nem
previsível, mas complexo e enormemente influenciado pelas próprias decisões e
ações desses atores. (TARDIF, 2002, p. 236-237)
Para essa compreensão em diálogo com Tardif (2002), e pensando nessa articulação
teoria-prática e a mobilização de saberes em educação pelo ser profissional de Pedagogia,
concordo com os estudos de Houssaye et al. (2004, p. 10, grifo nosso), que descrevem:
Por definição, o pedagogo não pode ser um puro e simples prático nem um puro e
simples teórico. Ele fica entre os dois, ele é o entremeio. A relação deve ser
permanente e irredutível ao mesmo tempo, pois o fosso entre a teoria e a prática não
pode senão subsistir [...] É essa fenda que permite a produção pedagógica. Por
conseguinte, o prático, em si mesmo, não é um pedagogo, na maioria das vezes é um
usuário de elementos, coerências ou sistemas pedagógicos. Mas o teórico da
educação, como tal, também não é um pedagogo, pois não basta pensar o ato
pedagógico. Só será considerado pedagogo aquele que fizer surgir um plus na e
pela articulação teoria-prática em educação. Esse é o caldeirão de fabricação
pedagógica.
Pensar a Pedagogia não era uma tarefa simples, de mera redução. Então, esse plus
advém da articulação teoria-prática em educação, pois conforme os autores indicam,
independente do que for, e de quaisquer que sejam os avatares (fundamentos epistemológicos
e metodológico), e as formas dessa articulação, a articulação é determinante e constitutiva da
Pedagogia. Nessa fenda metaforicamente colocada pelo referido autor é possível estabelecer
uma interface de comunicação para a construção e a reconstrução de múltiplos saberes em
vista da práxis educativa.
Esses raciocínios coadunam com o que está expresso no PPP do curso de Pedagogia
no sentido de trazer para o campo da formação inicial a dimensão da investigação, ao diz que:
106
[...] a formação aqui pleiteada defende a visão de unidade entre a dimensão
epistemológica e a profissionalizante na formação do educador e motiva a reiteração
da pesquisa – entendida como atitude investigadora diante da realidade educacional
– como dinamizadora do currículo. (PPP DO CURSO DE PEDAGOGIA, 2008, p.
24, grifo do autor)
Tomando esses entendimentos como referência e ao analisar a proposta do currículo
do curso reformulado, o qual entrou em vigor (2008-2009), consigo perceber uma
intencionalidade formadora e humanizadora dos processos de formação, compreendendo que
esse estudo não se dará somente na academia ou no exercício da docência, mas no decorrer da
vida e das experiências dos professores. E isso de modo situado em uma dada realidade social,
econômica, cultural e educacional.
Assim, entendo que há um processo de formação permanente, como compreende
Gaston Pineau. Para ele, a formação constitui-se em um campo de estudos, e que, como tal,
requer a conquista de seu tempo, no sentido do ritmo e não do tempo linear e único. Portanto,
o referido autor entende que:
[...] conquistar seu tempo é conquistar estes ritmos, formar, com o pacote de ritmos
que nos constitui, um autônomo-movimento dinâmico. Formação permanente,
equilíbrio metastável sempre comprometido e, na maioria da s vezes, restabelecido.
Não perder seu tempo, mas ganhá-lo com tempo e contratempo exige mobilidade
permanente para abrir e fechar fronteiras. (PINEAU, 2003, p. 144)
Nessa mesma perspectiva, quando o mesmo autor, em estudo com Patrick Paul, trata
da formação vinculada à pesquisa e à ação, explicando o sentido da formação permanente, ao
dizerem que:
Esses objetos concernem às práticas instituídas de formação profissional, escolar,
popular, que vão bem além da educação inicial dos jovens, posto que elas dizem
respeito, potencialmente, a todas as idades. Este é o sentido dos qualificativos
contínuo e permanente que comumente são acrescentados a essas formações.
(PAUL; PINEAU, 2005, p. 144)
Assim sendo, a formação permanente funciona como um espiral multidimensional,
que ao longo da vida vai se autoconstituindo nas subjetividades, na relação com as coisas e
com a própria natureza. Por isso, a formação inicial se coloca na trajetória que integra essa
dimensão e não a esgota, tendo a intenção de potencialização do ser-pessoa-em-formação.
Todas as demais formações, sejam elas no âmbito pessoal e profissional, são partes desse
desenvolvimento. Daí decorre a necessidade das múltiplas formações na vida adulta do ser
professor. Não no sentido de aprisioná-lo em um tarefismo, mas em uma compreensão que
esse movimento vai se constituindo e construindo, então, o ser profissional.
Conforme está posto no PPP (2008) do curso de Pedagogia, o pedagogo assume um
novo modo de pensar e constituir-se do curso. Por conseguinte, nessa perspectiva, espera-se
107
que profissional formado no campus sede da UFMT atue no campo teórico-investigativo da
educação e no trabalho pedagógico nas áreas que compreendem a Educação Infantil, anos
iniciais do Ensino Fundamental de nove anos, formação pedagógica do profissional docente,
em especial, e que também atue na gestão dos ambientes escolares, integrando a escola a
outras instituições educacionais, tanto escolares como não escolares. Nesse contexto, poderá
fazer uso de possíveis intervenções educativas dos meios de comunicação, dos movimentos
sociais e das instituições socioculturais.
Com o curso reformulado, houve turmas inseridas em períodos de transição, que
tiveram que se adaptar às exigências mediante a nova matriz curricular. Assim, elegi quatro
turmas de colaboradores, que se constituíram como os sujeitos da pesquisa, sendo duas da
transição (2006-2009), e duas na atual proposta reformulada (2010-2013). Essas duas últimas
turmas realizaram a formação dentro da proposta curricular nova e vigente até o presente
momento. Esses dois grupos de egressos são oriundos de duas reformulações em meio a um
contexto social, político e educacional de constantes mudanças do ser, pensar e constituir-se
docente nesse país e nesse estado de Mato Grosso. É com eles que sigo fiando esta pesquisa.
No capítulo seguinte, considerando o movimento de pesquisa que fiz até agora dentro
do campo da Pedagogia, me enveredo nos estudos de tempo e temporalidades para buscar fios
de compreensões das múltiplas subjetividades que permearam este estudo.
Neste ano, em 2019, completam-se 13 anos da aprovação das DCNs (2006) para a
Pedagogia. Desde então, muitos movimentos de formadores e estudos/pesquisas foram
empreendidos nesse campo de estudos, bem como ocorreram as aprovações de alguns
dispositivos legais. Dentre eles, destaco a aprovação da Resolução CNE/CP nº 02, de 01 de
julho de 2015, Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em graduação em
primeira e segunda licenciatura abrangendo, desse modo, a formação continuada.
As DCNs (2006) orientaram a reformulação (2008-2009) do curso de Pedagogia
campus Cuiabá, (proposta curricular de curso que sustentou os estudos das egressas que
fazem parte desta pesquisa). Transcorrido onze (11) anos dessa reformação, o referido curso
encontra-se atualmente em um novo movimento de reformulação. Vem ocorrendo desde
(2015-2016), estudos e debates em colegiado de curso com organizações de fóruns de
docentes e discentes, que buscam caminhos epistêmico-pedagógico para recontextualização
curricular do curso em atenção às demandas sociais, políticas e educacionais da atualidade,
esse entendimento e necessidade são oriundos de um sentir e pensar no interior do próprio
curso em consonância com as mudanças que ano após ano vem reconfigurando o cenário
educacional brasileiro.
108
Trouxe essa informação com objetivo de dizer que a Pedagogia, enquanto licenciatura
no campus Cuiabá, segue seus estudos ampliando e ressignificando sua própria diretriz, a de
(2006), e posteriormente, em 2015, que também diz respeito às licenciaturas. Com essas
orientações e pesquisas na aérea da educação voltadas para a formação de professores, a
Pedagogia segue em busca de recontextualização mediante as exigências de mudanças que a
educação no cenário estadual e nacional vem realizando.
Os caminhos percorridos até esse momento da pesquisa ajudaram a compreender
melhor a construção histórica educacional da Pedagogia. Observei que o tempo chronos, no
sentido de uma construção social, conforme compreende Elias (1998), seguiu cadenciando os
estudos, debates embates, e nesse movimento histórico-social-educacional dos caminhos da
Pedagogia, os quais foram produzindo/construindo/reconstruindo mudanças sociais-
educacionais de novos modos de conceber a Pedagogia, mudanças que, por sua vez,
produziram transformações nas estruturas sociais, institucionais e acadêmicas, bem como nas
atuações dos profissionais da educação com foco na Pedagogia.
Considerando o que foi construído até aqui, para o próximo capítulo, discorro sobre os
estudos de tempo e a temporalidade, buscando intercruzá-los no sentido de diálogo e tecitura,
com a formação do profissional docente.
109
Fonte: elaborado pela autora. Desenhos e aguayos originais (2019)
CAPÍTULO III – MÚLTIPLOS TEMPOS,
TEMPORALIDADES E FORMAÇÕES
110
O estudo do tempo é sempre plural. Portanto, envolve complexidades e
enfrentamentos de paradigmas dominantes. Há sempre uma teoria ou vertente epistemológica
conduzindo alguma tendência que quer se enraizar. Por isso, é compreensível que esse campo
de estudo seja marcado por tensões e confrontos de pesquisas em várias áreas de
conhecimentos.
Para esta pesquisa, sigo os estudos do tempo, seja pelo olhar da Filosofia, da Física, da
Química e da Sociologia, mas o meu interesse e foco é um só: a educação na perspectiva dos
tempos e temporalidades formativos humanos. Assim, busquei situar a pesquisa no
ecossistema das percepções humanas e profissionais dos egressos de Pedagogia.
O presente estudo foi tecido em três fios que possibilitaram forjar a minha
compreensão acerca do grande tecido que envolve o tempo e a temporalidade no sentido de
suas epistemologias e campos de pesquisas.
No primeiro fio, busquei aporte teórico em pesquisas e pesquisadores que durante anos
de sua vida estudaram o tempo e a temporalidade mediante uma compreensão tanto pessoal,
social, cultural, científica, como analisando as múltiplas relações humanas, (consigo mesmo,
com os outros e com o meio ambiente). Nesse movimento de fios epistemológicos, enxerguei
a pessoa do ser-professor em suas várias dimensões (pessoal, social e profissional), e as
relacionei tanto com o tempo físico social, bem como com seus tempos subjetivos.
E um fio de entremeio, realizei um trabalho quase que artesanal24
, compreendido como
um estudo do saber do tempo e da temporalidade. Para essa construção e diálogo, fui aos
repositórios oficiais de pesquisas científicas para localizar nos objetos estudados a presença
de algumas pesquisas que se relacionam com os estudos de tempo e temporalidade. Elegi,
após um refinamento conforme descritores apresentados, um conjunto de teses e dissertações
para dialogar reflexivamente, tendo em vista o objeto desta tese.
No segundo fio auxiliar, segui na fiação de modo mais específico com os estudos de
Gastón Pineau relacionados à formação e à temporalidade entrecruzados com o movimento
tripolar da formação humana. Inicialmente, optei por trazer as compreensões do referido autor
sobre essa tripologia, mediante um diálogo de aproximação considerando essa temática.
E um fio de entremeio, trouxe algumas publicações de várias áreas de conhecimentos
científicos, as quais, mediante seus objetos de pesquisa, dialogaram com essa tripologia. Esses
24
Quando digo artesanal, está ligado aos cuidados, ao ritmo do tempo, pois exige um ir e vir em um manuseio
que preciso fazer com as anotações, esboços até chegar em uma aproximação do que se está buscando. É uma
construção única.
111
estudos foram para mim um exercício compreensivo do uso dessa tripologia em múltiplos
campos e objetos de estudos. Por isso, decidi trazê-lo nesse momento da tese.
Nesse mesmo sentido, de fios que se tecem e se entrelaçam, construí, para o fio
auxiliar desse capítulo, um diálogo com a formação do profissional docente na perspectiva da
Pedagogia. Trago uma síntese compreensiva da concepção que assumo sobre a formação-
humana-e-docente. Por isso, chamei alguns autores da área da educação para dialogarmos
juntos.
No fio de entremeio considerando os movimentos de tempos e temporalidades, senti
necessidade de trazer para o diálogo a discussão do tempo performático, pois verifiquei, nas
biotecituras, a presença de um tempo fatigante, controlador das subjetividades e até
modulador das relações pessoais e interpessoais das egressas. Esse tempo será mais bem
percebido nas análises compreensivas das biotecituras no capítulo posterior. O trouxe para
esse momento para demarcar a sua presença no trabalho considerando-o como um regulador
que tende a controlar ou sufocar os tempos-formativos e as subjetividades.
O exercício e a opção de organização realizada nessa parte da pesquisa querem, mais
uma vez, dizer que busquei trazer o estudo do saber em interlocução aos estudos e reflexões
advindas das construções epistemológicas dos conceitos aqui estudados, de modo a entender
que esses fios podem se cruzar e se trançar sempre em movimento e diálogo com o objeto
dessa tese. Por conta disso, não se torna necessário utilizar uma estrutura academicamente
linear.
3.1 Tecituras dos tempos e das temporalidades
Então, se há um começo ou ponto inicial neste diálogo com o tempo e os demais
conceitos aqui postos, faz-se necessário começar a fiar no tear das epistemologias diversas em
busca dos conceitos, puxando-os, um a um, como fios que entrelaçam e constroem
entendimentos.
Como já explicitado anteriormente, na busca de fazer uma metaforização, nessa fiação,
uso um tecido boliviano chamado de aguayo ou awayo, típico da cultura andina. Ocorre que
nas minhas andanças pelas terras bolivianas, em 1999, de modo especial na cidade de
Guayaramerín, fronteira com o Brasil, quando estava observando o mercado popular local,
encontrei um tecido curioso, o aguayo, que é multicolorido e uma expressão diversa da
cultura boliviana. Ele simboliza a alegria, a arte, a subsistência e a cultura desse povo. É nesse
tecido ou na tecelagem dele, que inicio a minha viagem para buscar compreensões acerca do
tempo e da temporalidade das egressas de Pedagogia que povoam com suas biotecituras,
112
formação e atuação profissional, os fios desse aguayo, forjando nele os seus tons, as cores e
os movimentos que expressam suas vivências e experiências num processo de formação
permanente.
Imaginar, então, a tecitura do tempo, tal qual o aguayo boliviano, vemos que suas
tramas que se entrelaçam em forma de nó se constituem em marcos de encontros para
parturização de novas tramas e nós. Usando essa analogia, é que percebi compreensivamente
o tempo e a temporalidade existentes na formação profissional do pedagogo e busquei saber
de suas tecituras.
Se observarmos o tecido aguayo, certamente encontraremos nos fios coloridos e
tramas, um tempo neles guardado que preserva memória, uma cultura e história de um povo.
Então, vemos que o presente, o passado e o futuro se fundem e se confundem nas mãos de
quem os tece, dando a eles significações e ressignificações. Assim, o tempo se torna intenso,
condensado e permanente.
Entretanto, lidar com o tempo não é tarefa fácil. Tal qual as tecelãs do aguayo, sigo
costurando, nas rocas, os fios para entendimentos e aprendizados sobre o tempo e a
temporalidade da formação profissional docente a partir da Pedagogia. Esse saber está aberto
e em construção, pois são temáticas complexas e de compreensões diversas. Por isso, busquei,
enquanto pedagoga, uma aproximação e diálogo com alguns autores que em suas áreas de
pesquisa estudam o conceito de tempo e a temporalidade, os quais deram suporte teórico a
esta tese. Reitero que não é meu objetivo distender o próprio tempo no sentido de depurar seu
conceito, mas o chamo para dialogar, a partir das compreensões e sínteses que fui realizando
com os estudos e a pesquisa de campo.
Assim, para esse diálogo, que envolve o tempo e a temporalidade, apoiei-me nos
estudos de Elias (1998), Merleau-Ponty (2006; 1999), Prigogine (2011; 1990), Pomian
(1993), Pineau (2010; 2006; 2005; 2003), Passos (2005; 2003), Paul (2009), dentre outros.
Logo no início dos meus estudos sobre essa tecelagem do tempo e da temporalidade,
deparei-me com a enciclopédia Einaudi, volume 29, que trata da temporalidade, na qual
Pomian (1993) possibilita pensar na construção da temporalidade, sem dizer o que é esse
conceito, mas orientando cada um a encontrar os seus próprios fios de entendimento. Isto é,
não há um conceito acabado do tempo. Ele pode ser percebido seja no ser, na natureza ou na
história da história. Por isso, para esse autor:
[...] o século XIV é a época mais importante da história do tempo da Antiguidade ao
início do nosso século. Mas não só por ter assistido ao esboço das transformações da
arquitetura do tempo: a sua importância deriva do fato de que começaram então a
113
modificar-se as atitudes face ao tempo, à vida, à morte, ao passado e ao futuro.
(POMIAN, 1993, p. 29)
Para Pomian (1993), o século XIV foi um período de mudanças em ebulição.
Observando-se historicamente, vê-se que uma pequena porcentagem da população da Europa
Ocidental se regulava pelos pêndulos dos relógios e, em muitos outros lugares do mundo,
outras populações orientavam suas vidas e trabalho ritmados pelo tempo solar e suas devoções
litúrgicas. O aparecimento do relógio, nessa época, ainda não se configurava em um tempo
quantitativo. Isso era devido à imprecisão dos relógios quanto às horas, o que só veio
acontecer mais tarde com os avanços científicos e a popularização do seu uso no século XVII,
difundindo-se por toda parte a partir do século XVIII, mas ainda sendo para alguns grupos
sociais algo de ostentação pessoal, familiar ou condição social.
Assim, o que Pomian (1993) está dizendo é que essa substituição do tempo qualitativo
pelo tempo quantitativo na vida social é um fenômeno ainda muito recente. Esse diálogo
inicial com os estudos de tempo e temporalidade com o referido autor mostra que o relógio
entra para a vida das pessoas e das fábricas como um regulador do tempo produtivo, o tempo
da modernidade do capital. Acerca disso, Passos (2005, p. 141) fala do tempo para fins de
acumulação, sendo ele unidimensionalmente como tempo linear. ―O fato é que a cultura da
modernidade constrói o tempo de que necessita, não como um opus proprium25
, mas o
concebe como algo objetivo, um ‗fora de nós‘, como um opus alienum26
”.
Desse modo, o relógio é a representação da personificação da sincronização absoluta
desse tempo da produção, reprodução e controle. Nessa direção de entendimento, Elias
(1998), atesta o caráter simbólico do tempo no uso do relógio com seus mostradores e o
tempo como uma síntese social aprendida, pois o pêndulo exerce na sociedade uma função
que os fenômenos naturais, a de meios de orientação, os quais estão inseridos em sucessões de
processos sociais e físicos com fins de regulação de coerção de sua coexistência. Para ele, o
relógio não mede o tempo invisível,
[...] mas, algo perfeitamente possível de ser captado, como a duração de um dia de
trabalho, ou de um eclipse lunar, ou a velocidade de um corredor na prova de
metros. Os relógios são processos físicos que a sociedade padronizou, decompondo-
os em sequencias-modelo de recorrência regular como as horas ou os minutos.
(ELIAS, 1998, p. 07)
Para o referido autor, dá-se a entender que o tempo não tem um caráter instrumental,
mas sim os relógios. Ele atribui à linguística essa interpretação que ―contribui para confundir
25
Obra própria, sob controle de quem a fez. 26
Obra de outro, sob o controle de quem a produziu.
114
o panorama, dando a impressão de que o tempo é aquele algo misterioso cuja medida é dada
por instrumentos de fabricação humana, os relógios‖ (ELIAS, 1998, p. 08). Isso para dizer
que o tempo não é uma invenção humana. Essa sincronização feita pelos relógios e
calendários representa uma síntese de atividades de integração humana, pois são instrumentos
considerados pelo autor como contínuos evolutivos.
Em sociedades disciplinares como a que vivemos, as nossas necessidades fisiológicas
e biológicas são reguladas por um relógio social. Mas, quando, por exemplo, adentro em
sociedades de povoados simples, isolados de grandes centros, essa realidade não é assumida,
pois carece de um estar, sentir, pensar, alimentar, trabalhar e festar em um ritmo menos
padronizado, e, às vezes, alheio ao tempo civilizatório regulado por relógios, agendas,
calendários e bolsas de valores. Nesse sentir, a vida simplesmente acontece, dando a entender
que a natureza física se confunde com a natureza humana, sem necessidade, portanto, de um
sincronizador coercitivo ativo e universal.
Nesse contexto, entendo o conceito de tempo (chronos)27
como o temos atualmente,
em Elias (1998), seja o resultado do trabalho de uma longa cadeia de gerações, longo processo
de aprendizado, de acumulação de experiências, sendo essas feitas e refeitas no decorrer da
história da própria humanidade, sendo assumido como sínteses intelectuais aprendidas em
uma da cultura ou culturas.
Nesta pesquisa, esse assunto é estudado para melhor entendimento do que vai se
constituindo em tempo hegemônico e performático, que são traços fortemente presentes na
vida social e no mundo do trabalho do professor. São situações que aparecem ao logo deste
estudo sobre o tempo em vários momentos da tese, a qual, ao tratar de tempo no sentido social
objetivo, toca especificamente nos processos de formação do profissional docente, neste caso,
as egressas de Pedagogia, pois esses processos não escapam ao tempo como a sociedade
humana civilizatória o entende hoje.
Nessas compreensões quanto ao tempo, ou aos tempos, quando penso na ciência
contemporânea, levando em consideração seus movimentos históricos de certezas e
incertezas, entendo que ela mesma, enquanto laboratório científico e humano, evoluiu em seus
diversos campos de estudos, aplicações e até de indagações. Em razão disso, sofreu e ainda
sofre os efeitos da entropia28
interna, pois ela não se constituiu como um bloco de mármore
27
O sentido do tempo como: cronológico, sequencial, aquele pode ser verificado/medido, associado ao
movimento linear das coisas materiais, com um início e um fim. 28
Para Prigogine (1990), a produção de entropia contém sempre dois elementos dialéticos, um criador de
desordem e o outro de ordem, mas os dois estão sempre ligados, sendo fenômenos irreversíveis que afastados do
equilíbrio podem produzir certa ordem, surgindo, assim, outras probabilidades na instabilidade.
115
solto no universo. Pelo contrário, esse bloco se assim o é e está assentado em muitos pés para
se firmar, reafirmar e até, por vezes, se desprender desses pés em busca de alguma
racionalidade, quando a complexidade das coisas, das estruturas não se deixam facilmente se
explicar, como é o caso do tempo. ―O próprio universo, considerado como um todo é um
sistema termodinâmico altamente heterogêneo e distante de equilíbrio‖ já afirmava Prigogine
(2011, p. 167). Ainda para o autor, ―[...] podemos conceber hoje, o big bang como um evento
associado, a uma instabilidade, o que implica que ele é o ponto de partida do nosso universo,
mas não o do tempo‖ (PRIGOGINE, 2011, p. 13). Ele considera o big bang como um
processo irreversível, resultado da própria instabilidade do pré-universo, induzida pelas
interações entre a gravitação e a matéria, nascendo ele sob o signo da instabilidade como um
evento único.
Para Prigogine (1990, p. 22), ―o papel da ciência é exatamente o de encontrar ligações,
e o tempo é uma delas. O homem provém do tempo; se, pelo contrário, o homem criasse o
tempo, este seria evidentemente um estorvo entre o homem e a natureza‖.
É nesse varal científico de estudos que me sento para dialogar com Prigogine (2011;
1990). Para ele, a humanidade, nos últimos tempos, assiste à emergência de uma ciência que
não mais se limita a situações simplificadas e idealizadas, sendo capaz de colocar a sociedade
diante de complexidade do mundo real, que permite a criatividade humana como expressão de
um traço singular de todos os níveis de natureza. Portanto, o autor nos diz que é necessário e
urgente esse diálogo-relação entre o ser, a natureza e a ciência. Sendo que esta última deixa de
ser dogmática e neutra para contribuir efetivamente com a humanidade, tendo em conta a sua
cultura.
Dessa forma, quando trato de tempos formativos ou formador, Prigogine (2011, p.
167) nesse tempo – estou compreendendo seu fluxo e movimento, sua ordem e sua desordem,
seu equilíbrio e seu desiquilíbrio e seu caos, pois não há um único fio que o tece. Ora, nem a
natureza o é. Ela é feita de processos, possibilidades e instabilidades. Ela está na contramão
da ciência clássica da ordem, da estabilidade e do determinismo. Para o autor, há uma visão
ampliada sobre as leis fundamentais da física tomando como princípio e base evolutiva, o
indeterminismo, a irreversibilidade e a ―assimetria do tempo‖.
Ao tratar do tempo especificamente, Prigogine (2011, p. 73) categoricamente diz: ―o
tempo precede a existência‖, sendo que isso ocorre, segundo ele, desde os pensadores gregos
até hoje. Trata-se do desafio de polêmicas e rivalidades. Quando se refere à ―flecha do
tempo‖, ele diz que ela nunca emergiria de um mundo regido por leis temporais simétricas.
Ora, o entendimento do autor é que:
116
Toda mediação, prévia à criação dos conhecimentos, pressupõe a possibilidade de
ser afetado pelo mundo, quer sejamos, nós os afetados, quer sejam os nossos
instrumentos. Mas, o conhecimento não pressupõe apenas um vínculo entre o que
conhece e o que é conhecido, ele exige de nosso diálogo com a natureza que esse
vínculo crie uma diferença entre o passado e o futuro. A realidade do devir é a
condição sine qua non de nosso diálogo com a natureza. (PRIGOGINE, 2011, p.
161)
Há uma nova compreensão advinda dos estudos do referido autor no que se tange à
Física com suas formulações quanto à natureza, ao compreender o universo de modo
reversível, não fazendo diferença entre o passado e o futuro. Para ele, nenhum conhecimento
ou especulação conseguiu mostrar essa equivalência entre o que se faz e o que se desfaz, isso
tanto no ser humano como em uma planta. Segundo Prigogine (2011, p. 162), ―[...] a
reversibilidade da mudança não havia, por seu lado, sido pensada por ninguém‖.
Avançando nos estudos e no próprio tempo histórico, encontramos os fios que
tensionaram na própria ciência à mudança de suas afirmações. No limiar das fronteiras da
ciência na atualidade das pesquisas, seja no campo das exatas ou das ciências humanas,
verifica-se que:
Em qualquer nível que seja, a física e as outras ciências confirmam nossa
experiência da temporalidade: vivemos num universo em evolução. [...] As leis da
natureza adquirem, então, um significado novo: não tratamos mais de certezas
morais, mais sim de possibilidades. Afirmam o devir, e não mais somente o ser.
(PRIGOGINE, 2011, 163)
Sabendo da importância desse movimento e da relação ser-natureza-ciência, é que
ouso relacionar a irreversibilidade, considerando a probabilidade à temporalidade, em que
concebo esta última como subjetividade. Como explica o autor, somos seres de
temporalização. A natureza está em nós e nós somos seres da natureza. Essa relação ser
natureza abre possibilidades de mudança e transformação no sentido do devir, uma vez que
somos de natureza evolutiva. Pela subjetividade compreendida como temporalidade, o ser, em
suas várias condições de formações, vai ―se tornar-ser‖, e nesse processo há incertezas de toda
ordem/desordem. Essa relação passado-presente temporalizado pelo ser anuncia o devir.
Penso, então, que a instabilidade está instalada na experiência do sujeito em formação,
entendendo essa formação em suas várias dimensões, permeada por uma ação-reflexão-
permanente, sendo que é possível, dentro desses níveis de relação, produzir suas entropias
internas, capazes de se auto organizar-se, elaborando outras sínteses reflexivas que caminhem
em vista de um contínuo evolutivo de múltiplas possibilidades de aprendizagens, experiências
e novas sínteses ou inter-sínteses. Nesse sentido, a egressa de Pedagogia participa e conduz
sua história, trajetória de vida-cultura-profissão, produzindo a sua própria formação, mas
sempre em relação consigo mesma, com os outros e com as coisas que a rodeiam.
117
Nessa tecelagem em busca de compreensões sobre o tempo e a temporalidade, vou ao
encontro de Merleau-Ponty (2006, p. 557), que ao tratar do tempo histórico, assim se
expressa: o tempo ―[...] não é um objeto de nosso saber, mas uma dimensão de nosso ser‖.
Ressaltou, ainda, o autor ―mas, para nós, a síntese perceptiva é uma síntese temporal; a
subjetividade, no plano da percepção, não é senão a temporalidade, e é isso que nos permite
preservar no sujeito da percepção a sua capacidade e sua historicidade‖ (MERLEAU-
PONTY, 2006, p. 321).
O referido autor menciona a compreensão do tempo e da subjetividade, e direciona o
nosso olhar às intersecções das dimensões humanas. Para ele, não se trata de um objeto de
nosso saber, mas uma dimensão de nosso ser, que compreende a subjetividade, a qual se
confunde com a coesão de uma vida. Para ele, o ser está no tempo, explicando que:
[...] eu não posso pensar-me como uma parte do mundo, como simples objeto da
biologia, da psicologia e da sociologia, nem fechar sobre mim o universo da ciência.
Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão
minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não
poderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 03)
Trazendo isso para a educação, a qual é entendida pelo autor via formação, através da
humanização dos processos sem mecanizá-los, o que interessa é o que está entre essas
intersecções, o que podemos fazer ou produzir por meio de nossas sensibilidades. São sínteses
ou inter-sínteses de nossas experiências e percepções. Nesse sentido, Merleau-Ponty (2006;
1999; 1996) e Prigogine (2011; 1990) apresentam a relação do ser com o mundo enquanto
natureza e a ciência, que entendo como sendo a necessidade de pensar a formação inicial e
permanente com o sujeito – considerando o sujeito, no meu caso de pesquisa, com as egressas
da Pedagogia. Para Merleau-Ponty (1999, p. 550),
Analisar o tempo não é tirar as consequências de uma concepção preestabelecida da
subjetividade, é ter acesso, através do tempo, à sua estrutura concreta. Se
conseguirmos compreender o sujeito, não será em sua forma pura, mas procurando-o
na intersecção de suas dimensões. Portanto, precisamos considerar o tempo em si
mesmo, e é seguindo a sua dialética interna que seremos conduzidos a refazer nossa
ideia do sujeito.
No entendimento do referido autor, esse sentir ou perceber e manifestar do ser com
relação ao tempo advém de movimentos que são concêntricos. Suas manifestações externas
encontram-se em seu sentir interno. Para entender esse sujeito ao qual ele se refere, é preciso
considerar essa relação interna e externamente, principalmente seu modo de ser –
subjetividade/temporalidades – e estar – objetividade no mundo.
Tratando dessa interlocução, Passos (2005) diz que:
118
[...] a um tempo, um modo de ser vivo de caráter universal, ao qual me filio- minha
pertença ao gênero humano [...] esta generalidade se encarna historicamente numa
sociedade cultural à qual me filio, e cujo engajamento me torna um ser humano
particular. [...] Agrega-se também a mim uma dimensão singular, que expressa
minha individualidade irrepetível e solitária. Isso implica uma historicidade
particular vivida num determinado tempo, tempo que é constituição simbólica, do
qual posso inferir minha temporalidade específica. (PASSOS, 2005, p. 135, grifo do
autor)
Nessa mesma direção de compreensão quanto ao ser na sua individualidade e
subjetividade, sempre em relação com o tempo, as leituras de Passos (2005) coadunam com
os apontamentos de Merleau-Ponty ao expressar que:
Assim, é o tempo: vejo-o fora de mim. Sou eu, entretanto, que fluo temporalmente,
com a sensação da existência de um palco exterior a mim. [...] O tempo flui e diz
respeito à posição que o espectador ocupa. Aquilo que foi o passado de alguém
constituir-se-á presente ou futuro para um outro alguém em algum outro lugar.
(PASSOS, 2005, p. 136)
Para esses autores, o tempo não tem objetividade de uma coisa fora de nós, pela qual
devêssemos nos moldar e regular. Ele, ao contrário, sofre as determinações que lhe
conferimos, como natureza ou parte dela. Assim, sou eu mesma que me coloco no espaço-
tempo simbólico, que é palco da vida, e nele percebo e sou percebida na minha trajetória, seja
ela pessoal ou profissional, mas sempre em curso de um ser em evolução. De tal sorte, esse
entendimento do tempo reforça o que venho perscrutando nesta pesquisa. Ainda recorrendo a
Merleau-Ponty (2011, p. 551), entende-se que:
Portanto, o tempo não é um processo real, uma sucessão efetiva que eu me limitaria
a registrar. Ele nasce de minha relação com as coisas. Nas próprias coisas, o porvir e
o passado estão em uma espécie de preexistência e de sobrevivência eternas.
Nesse caso, o sujeito, que é o observador, traz em si essa significação. Quando me
reaproximo de uma experiência ou de algum vestígio que deixei em ‗algum lugar‘, isso
significa que essa experiência reaparecerá. Então, terei uma nova percepção de um evento já
presenciado. A memória reaparece de modo a ser percebida, traduzida e enriquecida pela
linguagem.
O tempo é pensado por nós antes das partes do tempo, as relações temporais tornam
possíveis os acontecimentos no tempo. É preciso, portanto, correlativamente, que o
próprio sujeito não esteja ali situado, para que ele possa, em intenção, estar presente
ao passado assim como ao porvir. Não digamos mais que o tempo é um ‗dado da
consciência‘, digamos, mais precisamente, que a consciência desdobra ou constitui o
tempo. (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 555)
Por isso, ao tratar do termo temporalidade nesta pesquisa, a palavra surge no sentido
de um tempo genérico/híbrido, que avança no ―tempo em si‖, físico, presente absoluto da
ação, alheio à consciência, regulado e medido, pois como pensam, no meu entender, os
119
autores: Prigogine, Passos e Merleau-Ponty, é o ser em relação-com seu interior-exterior que
vai apreendendo e constituindo a sua experiência com o tempo. É nesse entendimento que
dialogo com esses autores e percebo suas aproximações, pois para Passos (2005, p. 135), essa
relação do ser em construção permite que se diga:
Sou ontologicamente, tanto quanto minha temporalidade me permite expressar
encarnada e onticamente. Eu sou o tempo! E a investigação do que sou está expressa
em tempo. Compreender o tempo é que em parte me apreender ontologicamente e
onticamente como ser-humano-com-os-outros-em mundo.
O tempo que estou tecendo lida com o tempo vivido, que condensa todas as dimensões
do social e do humano, relativo à percepção, aquilo que a consciência do ser humano
apreende, e é isso que estou compreendo: que a temporalidade é a própria subjetividade. A
subjetividade última não é temporal no sentido empírico da palavra [...] (MERLEAU-
PONTY, 1999, p. 566). Em um outro momento, o referido autor nos situa dizendo que ―nós
temos o tempo por inteiro e estamos presentes a nós mesmos porque estamos presentes no
mundo‖. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 569), e é essa presença que permite que
temporalizemos considerando o nosso vivido. Nesse movimento ontológico (do ser para
perceber que está por trás e além do fenomênico) é que superamos o que é comum ou
superficial no sentir. Assim, o ser-no-e-do-tempo tem acesso à sua subjetividade.
Portanto, vê-se que o tempo não é um quadro emoldurado na parede da antessala,
estando ali fixado e imóvel prestes a ser observado, avaliado e mensurado. Isso porque,
conforme Elias (1998, p. 07), ―[...] o tempo não se deixa ver, tocar, ouvir, saborear nem
respirar como um odor‖. Pois, para ele não são ―o homem e a natureza‖, no sentido de dois
dados separados, que constituem a representação cardinal exigida para compreendermos o
tempo, mas sim ‗os homens no âmago da natureza‘‖. Nos estudos do autor, a natureza, além
de produzir, por exemplo, desertos lunares, também produz seres humanos. Com isso, ele nos
lembra que o ser humano não vive isolado, ―mas se inserem no devir da natureza, e que em
função de sua natureza específica compete a eles a responsabilidade de se encarregarem, em
seu próprio interesse, dessa relação‖ (ELIAS, 1998, p. 12). Essa relação conforme estudos de
Pineau (2003), que trago para este trabalho para dialogar e obter suas sínteses compreensivas,
acontece de modo permanente, contínuo, em um triplo movimento29
de hetero-auto-
ecoformação. É um pensar e perceber sobre si mesmo, considerando os outros e o ambiente
físico e social.
29
Farei este estudo posteriormente dentro dessa compreensão de triplo movimento.
120
Nesse gancho de interlocuções no que se refere a tempo e temporalidades na
formação, o arcabouço de estudos Pineau (2005; 2003) contribui para a compreensão dos
conceitos de tempo e temporalidade que permeiam os processos de formação humana na
Pedagogia, os quais passo a entender como implicados em múltiplos tempos e
temporalidades.
Neste texto, tecido tal qual um aguayo, procurei mesclar os tons sobre a formação do
pedagogo, misturados e colados com as coisas da vida, em um movimento de gestação e
autoformação. Nesse sentido, Pineau (2003) direciona o olhar para a formação permanente,
que, para ele, o permanente é a mudança, é o movimento perpétuo. Assim, a mudança é o
desvelamento do tempo nas temporalidades, presentes tanto na formação inicial como no
trabalho docente – concebendo esse tempo como movimento único de processos de formação,
que não se separa teoria e prática –, sendo que essa formação gera a transformação da pessoa
de modo relacional em um entrelaçamento das três dimensões do tempo – presente-passado-
futuro.
Assim, quando lidamos com o passado que ―não existe mais‖, e o futuro que é um
―devir‖, quer dizer que esses dois conceitos de tempo apenas fazem sentido dentro da
experiência vivida. Nessa perspectiva, sondamos a formação do pedagogo, nos seus múltiplos
movimentos vividos ou em construção, seja na academia ou no espaço do trabalho docente.
Nesse diálogo plural de múltiplos movimentos dos tempos, da palavra e da memória,
enveredo nos estudos sobre o tempo e a temporalidade da formação do pedagogo, no anseio
de compreendê-lo como sujeito do conhecimento de sua própria história, e não mais como
objeto. Nesse movimento formativo, procurarei entender as relações que há entre os tempos
configuradores da formação profissional do pedagogo.
Ora, o movimento do tempo prescrito e regulado por ritmos sociais diversos permite
verificar na história educacional brasileira, a partir da década de 1990, o surgimento de novos
enfoques e paradigmas para compreender o desenvolvimento de pesquisas que consideram a
complexidade da prática pedagógica docente, avançando para além de um contexto tecnicista
da racionalidade técnica. Esses estudos compreendem o papel do professor destacando a
importância de se pensar a formação em uma abordagem acadêmica, mas que envolve o
desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão docente em seus
múltiplos espaços de atuação. É nessa perspectiva que pesquiso a formação dos egressos do
curso de Pedagogia da UFMT/IE (2009 e 2013).
Nesta pesquisa, essa abordagem da formação está ligada estreitamente com o ciclo da
vida referido por Pineau (2003), amalgamado com os tempos que nos formam. Porém, com
121
sincronizadores sociais que, por sua vez, tendem a nos moldar. Como expressa o autor em
questão, ―Esta lei e esta medida de um tempo social se dizem e querem ser universais. E elas
conseguem se impor esmagadoramente como tais separando a formação humana da própria
consciência da existência de outras temporalidades [...]‖ (PINEAU, 2003, p. 215).
Nesse tecido textual de Pineau (2003), encontrei os escritos de Serres (1980, p. 147),
que assim se expressa em sua pesquisa sobre o tempo: ―[...] a palavra tempo tem dupla
etimologia. Ela possivelmente é derivada de cortar, da mesma família de tempo, átomo; ou de
tensionar, estirar, que diz exatamente contrário‖. Além disso, em outro momento, o autor, ao
se referir ao tempo, expressou que ―O tempo flui de maneira extraordinariamente complexa,
inesperada, complicada. [...] o tempo dobra-se ou torce-se; é uma variedade que seria
necessário comparar à dança das chamas de uma fogueira: ora cortadas, ora verticais, móveis
e inesperadas‖ (SERRES, 1996, p. 83-84). A partir desse entendimento, o autor coloca no
tempo o movimento, mas não se trata de um movimento linear. Trata-se de um movimento
que tem fluidez, sendo também turbulento. O tempo é percebido, no meu entender, conforme
a percepção do observador, ou aquele que o estiver temporalizando em sua experiência.
O tempo será contínuo ou descontínuo, conforme a sensibilidade de cada um, bem
como seus entretempos ou contratempos. Nesse sentido para Pineau (2003), ―O tempo é a
medida do movimento, não apenas a sua contabilização, sua quantificação, sua média, mas
também sua afinação, seu ritmo, seu tom, sua qualidade, seu sentido [...]‖ (PINEAU, 2003, p.
13). Assim, o tempo imprime em nós seu ritmo, mas também temos o nosso ritmo, aquele que
é próprio do nosso sentir, no qual nos afinamos, ou não, com outros ritmos internos (consigo
mesmo) e com os atores e questões externas (os outros, as coisas, a natureza).
Nessa mesma compreensão, Paul (2009, p. 602) expressa que ―[...] se o tempo ―corre
como um fio‖ é porque ele tece seu motivo [...] na história humana, cultural pessoal. Pois
tempus, em latim designa, por sua etimologia, a repetição da estação ou da época do ano, a
divisão de um ciclo em períodos. Sua raiz tem, que significar ―cortar‖ [...]‖. Desse ponto de
estudo e percepção, não quero reduzir meu entendimento e aproximação do sentido do tempo
somente pelos seus ritmos, pois nele e através dele emergem nossas subjetividades ritmos e
biorritmos, sejam eles no tempo físico, nos entretempos ou nos contratempos.
Ora, se Paul (2009) nos coloca que o tempo é sempre função de uma relação com o
espaço, da divisão de uma unidade, a do tempo cósmico, é o próprio cosmos que, por seus
122
ritmos, estrutura30
de maneira implícita nossa consciência do sentido da duração. Além disso,
ele oferece as referências espaciais que nos ajudam na percepção para compormos a
linguagem do tempo.
Nesse sentido, não dá para pensar no tempo físico objetivo sem considerar o tempo
subjetivo. Nem mesmo de desvinculá-los da natureza, tanto física quanto humana. Retomando
o que já disse antes, ao dialogar com Paul (2018) nos processos de autoaprendizados do ser,
com os outros e com as coisas, observa-se que há relação entre o tempo objetivo e o tempo
subjetivo. Há uma interação de perpassar os tempos cósmico, sócio-histórico e ontológico.
Nessa percepção, são múltiplas temporalidades que se movimentam. Assim, concebo o tempo
e a temporalidade de modos múltiplos em níveis diferentes, conforme as vivências e as
experiências das minhas colaboradoras.
Para essa compreensão, Pineau (2003) esclarece tomando o tempo a partir de uma
perspectiva de movimento. Esse autor me possibilitou encontrar elementos que ajudaram a
entender o entrelaçamento das dimensões das múltiplas temporalidades. Ele diz que a
temporalidade estabelece para ‗ela‘ marcos, localizando-a e conceituando-a a partir de três
pontos: o primeiro, que o tempo é plural; o segundo, que cada tempo único é formado por
tempos plurais; e o terceiro, que para cada ser, a temporalidade é o movimento. Ele concebe
esse movimento como permanente no sentido de ‗continuum‟, e que é, por consequência,
permeado por esses múltiplos tempos. Isto é, no sentido que não dá para ignorar o
conhecimento e as experiências acumuladas ao longo da vida pelos profissionais de educação.
Assim, as trajetórias de vida desses profissionais são permeadas de tempos e temporalidades
diversas que vão constituindo ou (des)constituindo seu processo de formação profissional.
Para uma afinação que visa tecer os múltiplos tempos, puxo um fio auxiliar no qual
apresento um levantamento de tese e dissertações sobre o tempo e a temporalidade na
educação em uma perspectiva da formação humana.
3.1.1 Teares artesanais para construção de fios de entendimentos: estudo do saber
Tal como tecelãs em seus teares, mostro em formas de fios, os movimentos que fiz
para construção de diálogos acerca do tempo e da temporalidade, em um entrelaçamento com
a formação docente.
30
Para esta pesquisa, concebo ‗estrutura‘ como um movimento que não é um sistema fechado. Portanto, não
possui margens. Não tem padrão fixo ou modelo arquitetônico. Estabeleço essa concepção a partir de uma visão
fenomenológica.
123
Desatar esses nós não é uma aventura simples e rápida, já que eles se prendem e se
sustentam em diversos lugares, tempos e epistemologias múltiplas. Para tanto, inicialmente,
perscrutei o repositório de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), para me enveredar nas compreensões e entendimentos
sobre o tempo e a temporalidade com foco na educação e formação humana. De um ponto
duro e formal, vou me atendo aos canais de busca do referido repositório. Desse modo, de
início, uso os descritores que elegi para alcançar esse objetivo: Tempo-e-temporalidade.
O resultado não foi nada animador, pois os números são surpreendentes, para não
dizer exagerados. Foram localizados 3.752 trabalhos, nos quais os títulos traziam os
descritores, ora tempo, ora temporalidade, mas versavam sobre vários assuntos e áreas de
conhecimento. Quando apliquei os filtros com o recorte na área de educação e o período de
2006 a 2016, que são os anos recortados para essa pesquisa de Doutorado, houve uma redução
dos trabalhos para 1.928, de igual modo, ainda trazendo outras áreas de conhecimento.
Considerando esse montante de pesquisas com várias abas para serem abertas, decidi
abrir 15 abas, sendo que cada uma delas trazia 19 trabalhos, chegando-se em 285 trabalhos,
dos quais olhei todos os títulos. Ao observar os títulos que mais aproximavam com os meus
descritores, selecionei 11 trabalhos. Abri todos eles e li seus resumos e palavras-chave. Ainda
tendo em conta a aproximação com meus descritores e autores sobre o tempo e a
temporalidade, elegi somente cinco trabalhos no total para iniciar um diálogo de aproximação.
Nesse desemaranhamento de fios, observei que o estudo do tempo e da temporalidade
no vasto campo científico não se constitui uma tarefa fácil, e ainda divide opiniões de
estudiosos clássicos e contemporâneos. Por isso, sua literatura é tão rica e vasta em vários
campos de estudos, seja das Ciências Humanas, Saúde ou Exatas. Foi devido a esses aspectos
que encontrei essa gama de trabalhos.
Assim, de modo intencional, fui buscar nas cinco pesquisas como é percebido e
entendido o tempo e a temporalidade. Com isso, o objetivo pretendido foi encontrar ganchos
possíveis de diálogos e aproximações com esta pesquisa, nos quais o tempo e a temporalidade
abrem diálogos teórico-metodológicos com as pesquisas de Merleau-Ponty, Norbert Elias,
Ilya Prigogine, Gaston Pineau, Patrick Paul e Luiz Augusto Passos.
O diálogo que faço no texto se configura conforme o movimento teórico e
metodológico de cada bibliografia, as quais me ajudaram a localizar algumas noções de tempo
e temporalidade com seus sentidos, significados e ressignificações presentes nos trabalhos
pesquisados. Busquei, nesse campo plural e conceitual de diversos matizes teóricos, encontrar
124
ecos de fios que se cruzam, entrecruzam e tecem possíveis confluências e compreensões junto
ao meu objeto de estudo.
Nesse tear artesanal de fiação, pude compreender as dimensões da pesquisa científica,
suas exigências no que se refere ao rigor metodológico, limitações e possibilidades quando
lidamos com pesquisas de abordagem qualitativa. Ora, essa abordagem científica não trata de
se partir de uma hipótese, mas de uma problematização, na qual o movimento da pesquisa vai
construindo, reconstruindo e apontando aproximações, discussões, reflexões e análises frente
ao objeto pesquisado. Sendo que o objeto pode ser totalmente desconstruído/reconfigurado
mediante os dados encontrados e as escolhas teóricas e metodológicas.
Assim, optei por tratar de cada conceito especificamente para assegurar o zelo pelo
objeto investigado. Feito, então, esse levantamento, apresento no Quadro 2, exposto a seguir,
as teses e dissertações, localizando-as no tempo e espaço, vinculando-as às suas respectivas
instituições para dar início ao diálogo que venho propondo para esta tese.
Quadro 2 - Levantamento de teses e dissertações repositórios da CAPES/201731
Natureza da Pesquisa/autoria Título Instituição/Ano
Mestrado
Beatriz Viana de Araújo Zanfra
Liberdade e temporalidade na
Fenomenologia da Percepção de
Maurice Merleau-Ponty
Universidade Federal de São
Paulo-Guarulhos,
15/12/2014 - 159 f.
Mestrado
Amanda Moreira da Silva
Valores e usos do tempo dos
professores: a (con)formação de um
grupo profissional
Universidade Federal do Rio
de Janeiro- 24/02/2014 - 172
f.
Mestrado
Ernaldina Sousa Silva
Rodrigues
A organização do tempo pedagógico
no trabalho docente: relações entre o
prescrito e o realizado'
Universidade Metodista de
Piracicaba (Unimep);
01/08/2009 117 f.
Mestrado
Sônia Smaniotto Gambeta
Marcos da Silva
Tempo, Saúde e Docência Universidade do Vale do
Itajaí - 01/09/2007 149 f.
Doutorado
Rita de Cassia Gallego
Tempo, temporalidades e ritmos nas
escolas primárias em São Paulo:
heranças e negociações (1846-1890)
USP/01/05/2008 387 f.
Fonte: arquivo pessoal da pesquisadora - Levantamento bibliográfico, Cuiabá/MT (2017).
Não é minha intenção que com esses trabalhos consiga aprofundar os entendimentos
sobre o tempo ou a temporalidade. Aqui tão somente recolho alguns fragmentos de trechos
das publicações que chamo de fios de entendimentos, com os quais me coloco em diálogo
para perceber como o tempo e a temporalidade são assumidos e percebidos. Por isso, me
debrucei em cada um dos trabalhos.
31 A pesquisa de levantamento bibliográfico ocorreu entre os meses de fevereiro e abril de 2017.
125
De início, me deparei com o título do trabalho de Zanfra (2014), o qual me provocou
curiosidade e imediatamente percebi que havia uma proximidade dessa pesquisa com meu
referencial teórico. A pesquisadora debruçou-se no recorte da temporalidade e liberdade.
Assim, se propôs a acompanhar o percurso merleau-pontiano traçado em duas obras do
referido autor. Porém, sua atenção se ateve à ―Fenomenologia da Percepção‖, de 1945, na
edição de 2011. Nesse mesmo ano de publicação, Merleau-Ponty escreve um ensaio intitulado
―A dúvida de Cézanne‖, o qual Zanfra também recorre inicialmente para perscrutá-lo em sua
pesquisa. Ao longo do ensaio, o autor nos relata que a pintura de Cézanne possui traços
diferentes da pintura impressionista de seu tempo por uma série de fatores. Os dilemas de
Paul Cézanne com seus traços, corpo, tempos e colegas pintores por ora, o emoldurava em um
quadro no mínimo estranho para os moldes da época, que o emblemaram como doentio e de
caráter esquizoide. Pois, Cezanne era a extensão de sua própria obra, sua obra era a extensão
de sua vida. Vida e obra se misturam, se encontram e se fundem, mas não é somente isso,
―[...] esses dados são, para nós, apenas emblemas ―de uma vida que se interpreta ela própria
livremente‖ (MERLEAU-PONTY, 2013, apud ZANFRA, 2014, p. 11). Nesse misto de sentir
e fazer a vida, Merleau-Ponty (2013, p. 142) sustenta que a vida não explica a obra, pois ―essa
obra por fazer exigia essa vida‖. Assim, consigo ver pelos olhos de Merleau-Ponty os traços
de Cézanne, que não se prendia à história da arte, dos pincéis, das cores, dos traços e
movimentos, ou ainda, de algum modo artificial de qualificar a obra, mas pela sua percepção
nascia a arte de suas pinturas.
Nesse viés, o tempo, como entende Merleau-Ponty (2011, p. 551, apud ZANFRA,
2014, p. 98 grifo do autor), em Cézanne, a meu ver ―ele nasce de minha relação com as
coisas‖ que ―o tempo não é um processo real, uma sucessão efetiva que eu me limitaria a
registrar‖. É dessa forma que também compreendo que Merleau-Ponty temporaliza a
experiência vivida. O sujeito é, então, um movimento de temporalização, e nesse movimento
constituímos ou não a nossa liberdade, tal qual Cézanne.
Podemos entender, com Merleau-Ponty, que esta ‗vida significante‘ que eu sou é
meu meio de acesso ao mundo, de me comunicar com ele. Ela jamais limita meu
acesso a ele. Por isso, para viver minha liberdade, preciso me entranhar no presente
e no mundo, e ser sem reservas tudo aquilo que sou. Só assim poderei ultrapassar
minha situação natural e social, quer dizer, só ultrapassarei minha situação natural e
social quando eu entender que é por meio dela mesma que eu poderei encontrar o
mundo natural e humano. Não sou determinável do exterior, pois de um só golpe
estou fora de mim e me abro ao mundo: tenho em mim tudo aquilo de que preciso
para me ultrapassar, pois eu sou e não apenas estou no mundo. (ZANFRA, 2014, p.
151)
126
Nesse trato, do ser embebido de sua subjetividade, Moutinho (2006b, p. 245, apud
ZANFRA, 2014, p. 98) retrata que Merleau-Ponty nos diz que ―essa versão objetivista se
esquece pura e simplesmente do sujeito‖ uma vez que basta considerarmos as próprias coisas,
ou seja, as coisas objetivamente tomadas, para vermos que elas não têm a capacidade de
―trazer o tempo‖. Nesse aspecto, o referido autor é incisivo, ao dizer que:
[...] nós, não podemos nos pensar como apenas uma parte do mundo, como se
fôssemos apenas os objetos da biologia, da psicologia ou da sociologia, porque,
afinal, tudo o que sabemos do mundo e de nós mesmos sabemos a partir de nossas
próprias visões e de nossas próprias experiências, sem as quais a ciência nada
poderia dizer. (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 03)
O que há nesse sentir é uma suspensão da subjetividade do sujeito, em que sua
temporalidade é condicionada pelo tempo objetivo que nos doma e toma em rédeas curtas as
nossas percepções e modos de ser e estar no mundo. Ora, eu sou o que sou devido às minhas
experiências, e é por meio delas que também sou conhecida, Zanfra (2014, p. 69), a partir de
Merleau-Ponty (2011) escreve:
[...] a subjetividade está identificada à temporalidade e é isso que nos fará
compreender a partir de agora o nosso lançamento no mundo e a distinção e a união
entre a interioridade e a exterioridade, ou seja, a não mais compreender o sujeito
como algo completamente distinto e separado do mundo, mas como alguém que só
pode ser no mundo.
Com Zanfra (2014), entendi, em Merleau-Ponty, o esforço de superação radical entre a
ciência e filosofia, liberdade e condicionamentos, objetividade e subjetividade. Esse diálogo e
relação, afinação, desafinação, são fios que compõem as nossas vidas. É nesse sentido que
escuto e percebo a vida das egressas de Pedagogia considerando sua subjetividade, sua
relação consigo mesma, com as coisas e seu estar no mundo.
Ao enveredar na pesquisa de Silva (2014), observo que o tempo é entendido no
trabalho como instrumento para pensar os valores e usos do tempo dos professores: a
expropriação do tempo, a sua relação com o tempo de trabalho, com o ―tempo livre‖, com o
tempo de deslocamento, entre outros tempos sociais. O tempo se constitui, desse modo, o
cerne da pesquisa. Para esse diálogo, a autora elegeu o referencial teórico-metodológico
considerando os estudos de Thompson, Marx e Norbert Elias.
Nas percepções dos professores em que aparecem os impactos das políticas
educacionais o tempo é utilizado como uma forma de controle e dominação pelas classes
dominantes reguladoras.
A vida profissional e pessoal do professor estudado nesse trabalho não é diferente das
demais realidades do Brasil, que se configura como profissional itinerante, um ser-sendo-
127
estar-sendo somente no seu ‗fazer‘ pedagógico e, muitas vezes, pelo sistema vigente, presos
em resultados, no qual ele, enquanto pessoa, não é contabilizado nesse tempo em suas
múltiplas e singulares necessidades. Considerando essa pesquisa, observo que,
frequentemente, os professores são estereotipados como profissionais de atuação mais técnica,
como cumpridores de tarefas e metas, do que, profissionais com caráter teórico-prático
investigativo de sua realidade, sendo que a realidade é um laboratório vivo com múltiplas
possibilidades de pesquisas e interlocuções entre diferentes áreas de conhecimento.
Nesse prisma, tanto Thompson (1998) como Norbert Elias (1998), consideram que o
aspecto cultural perpassa e constrói a noção de tempo. Mas, vivemos em outros tempos, em
que a cultura do jeito próprio de ser, fazer de um grupo ou povo é negada e balizada por uma
cultura hegemônica. Assim, cada vez mais, a subjetividade do professor é encoberta por
exigências da produção material de seu trabalho docente.
A dissertação de Rodrigues (2009) discute a organização do tempo pedagógico no
trabalho docente, verificando esse tempo dentro de um currículo prescrito e currículo real.
Nos resultados quanto às prescrições, predomina uma concepção de tempo cronológico,
linear, uniforme e sucessivo. No trabalho real, o tempo cronológico das prescrições está
implicado à simultaneidade de acontecimentos no tempo com rupturas e descontinuidades,
com repetições e sobreposições de atividades do professor e de alunos. Assim, o tempo é
estruturado pela rotina de trabalho. O acento da pesquisa não está tanto no tempo em si. Ele é
percebido como regulador, mas o fundamento está na ação do trabalho docente que é
determinado por esse tempo.
No sentido do que é planejado (prescrito), nem sempre é executado tal qual está
estipulado. O que se busca através dos autores eleitos nessa pesquisa, tais como Dejours
(2005), Schwartz (2000), Souza-e-Silva (2004), Amigues (2004), Saujat (2004), Lousada
(2004) dentre outros, é distinguir o trabalho prescrito e trabalho real. O tempo aparece
empregado pelo professor para planejar suas aulas vai além do espaço de trabalho, sendo que
haverá sempre um confronto com a situação real e a prescrita. Para tal compreensão, a
pesquisadora se apoiou em Teixeira (1999) quando ele se refere os tempos cadenciados que
permeiam a docência, em Costa e Cunha (2008) e Elias (1998), em que o autor trata do tempo
como uma convenção social decorrente das experiências vividas pela humanidade cadenciado
por coerções, calendários e relógios. O entendimento desse tempo na atividade real do
trabalho docente se configura na organização do tempo de produção que regula a duração da
atividade pedagógica do professor.
128
O tempo pedagógico como organizador do trabalho docente na escola passa
despercebido sem uma reflexão sobre sua constituição histórica e cultural, bem
como a sua lógica de realização em face às prescrições dos legisladores do sistema
educacional. (RODRIGUES, 2009, p. 35)
Com isso, não estamos descontabilizando o tempo prescrito mediante o real. Não se
trata de fazer um confronto de tempos a serem validados, mas, sim, observar a necessidade
desses tempos serem ressignificados, tanto no espaço de atuação profissional como nas
subjetividades pessoais do professor.
Já o trabalho de Silva (2007) analisou as implicações do tempo na saúde e no trabalho
de professores da educação básica. A pesquisa buscou correlacionar e compreender a
dinâmica da relação tempo/saúde/trabalho dos professores e estabelecer relações entre as
implicações do tempo na saúde e no trabalho dos professores.
Para entender essa implicação tríplice relação de sentidos e significados acima
colocada, a pesquisadora, no seu aporte teórico, converge diálogos entre alguns matizes
epistêmicos para compreender as implicações do tempo.
Assim, em Elias (1998), o trabalho mostra o tempo como regulador dos
acontecimentos sociais e da própria vida humana. Concordo com tal compreensão, segundo a
qual se lida com o tempo padronizado, uniforme e sincronizador dos tempos sociais.
A pesquisadora apresenta as contribuições de Agnes Heller (1991) para pesquisa no
que se refere à análise do tempo cotidiano, sendo ele o espaço-tempo onde a vida acontece.
Heller (1991, apud SILVA, 2007, p. 40) afirma que ―[...] o tempo vivido é subjetivo, já que
cada um tem o seu próprio tempo, influenciado pela fantasia, pela memória, pela imaginação,
e também pelos contatos sociais‖. Ainda para a autora, a vida cotidiana necessita ser
reordenada ou reestruturada constantemente em virtude da aceleração no ritmo dos
acontecimentos históricos. No descortinar do tempo, Silva (2007, p. 39) ressalta que:
[...] desvelar algumas ideias sobre o tempo observa-se uma crescente dualidade da
noção temporal – tempo físico e o tempo social. Nesta divisão conceitual, o tempo
físico pode ser indicado como aquele que se inicia sob o domínio de Chrónos e
determina o ritmo e a contagem do tempo que guia o mundo em dias, horas, minutos
etc. e o tempo social – o Kairós, que pode ser indicado como o tempo vivido pelos
homens, nem sempre coincidente com o tempo cronológico.
É na fruição desse tempo chronos que a sociedade e o mundo do trabalho do professor
se materializam e se intensificam em triplas jornadas, frequentemente, sem intervalos para o
descanso, os estudos, o planejamento ou a vida pessoal. Sem falar no tempo usado para o
deslocamento dos professores entre uma escola/realidade e outra escola. Essa escassez do
tempo no sentido de repouso, lazer, ócio, momentos de trocas de experiências, pode produzir
129
sofrimento para o professor, o que, constantemente, acaba comprometendo o trabalho
docente, a formação e, consequentemente, a sua saúde.
Para Silva (2007, p. 41), ―submetem os tempos individuais à temporalidade das tarefas
em curso, e ignorando, de certa forma, a existência das experiências relacionadas a essa
dimensão subjetiva da temporalidade‖. Esse tempo cadenciado na vida e no trabalho do
professor representa o retrocesso de nossa própria construção social do tempo e do trabalho.
Sendo que o trabalho, amiúde, não é uma produção ética profissional prazerosa de contributos
sociais humanos, mas se torna um fardo que trava com o tempo uma luta desigual, inútil e
improdutiva.
A pesquisa de Gallego (2008, p. 12) buscou ―compreender os processos de construção
do tempo das escolas primárias em São Paulo, entre os anos de 1846 e 1890, em um momento
em que os sistemas públicos primários de ensino emergiam no âmbito mundial‖. Como é uma
pesquisa que depende de fontes históricas, foi necessário entrar em contato com escritos
legais da época, relatórios de inspeção e dos professores, manuscritos de mapas de frequência,
livros de matrícula, circulares e ofícios. Só isso já pressupõe indícios para entendermos o
tempo escolar circunscrito nesse período. O estudo também denotou influências de outras
histórias, espaços e lugares sociais de abrangência nacional e mundial.
Os estudos de Gallego (2008) reforçam a marcação de cadenciação do tempo como
pêndulo regulador de temporalidades. Nesse bojo, tanto o professor, como o estudante são
orientados por esses sincronizadores universais do tempo, seja o relógio ou o calendário.
Ainda, cita-se a determinação dos minutos e das horas que se destinam ao ensino, o que
desponta como o tempo didático.
É visível, a partir de meados do século XIX, que cada um desses elementos da
estrutura temporal da escola vai sendo arquitetado para integrar pouco a pouco uma
temporalidade identitária da instituição escolar. Nesse processo, instalaram-se novos
tempos para os professores, para os alunos, mas também para a sociedade em geral,
e, de modo particular, para as famílias que tinham crianças nas escolas primárias.
(GALLEGO, 2008, p. 12)
Assim sendo, a vida escolar, pessoal e social passa a ser ritmada pelos relógios, que
ordenam as rotinas, das mais simples às mais complexas, tanto individuais como coletivas e
sociais. Ressaltando-se que nunca estamos isentos de conflitos entre os tempos sociais e
pessoais. Isso possibilitou entender que a escola foi sendo ordenada pelos tempos sociais,
elaborando a sua constituição identitária com um conjunto de características que, pouco a
pouco, foi compondo a sua identidade, o que a distingue das demais instituições sociais.
130
As cinco pesquisas que tive oportunidade de mais de uma vez ler e apreciar, tanto para
esta tese, como para outros escritos sobre o tempo, ajudaram a ampliar meu olhar de
pesquisadora no que concerne ao tempo e à temporalidade. A partir desses trabalhos, pude
escrever dois artigos, em que busquei intercruzar o tempo, a temporalidade, a formação e a
performatividade. Trouxe para o diálogo a performatividade considerando-a, conforme Ball
(2002) como uma tecnologia, uma cultura e um modo que urge como reguladora da produção
de conhecimentos, seja ele acadêmico (Lato e Stricto Sensu), ou outros cursos de curta e
média duração de formação continuada.
Frequentemente, essa busca por formações múltiplas é permeada ou motivada por um
tempo performático, no qual o professor precisa, dentro de um tempo hábil, dar conta de
resultados, expor pesquisas, dados para poder ter reconhecimentos, ou se manter em
determinadas escolas mais bem localizadas ou conceituadas por avaliações institucionais. Isso
tudo exige um desempenho do professor mediante um conjunto de exigências e metas. Há
mudanças na concepção da atuação e no ser-professor. Essa construção é determinada por
processos externos de confrontos individuais e coletivos, com competições, avaliações
comparativas e classificatórias, o que fortalece os processos de regulação e autorregulação no
modo de ser e atuar dos professores.
Essas produções científicas e suas abordagens contribuíram para que eu pudesse afinar
a minha percepção de escuta desses tempos e temporalidades nas biotecituras e,
consequentemente, na análise compreensiva dos processos formativos permeados por esses
tempos.
Finalmente, não poderia deixar de dizer que o que mais me atraiu nesses conceitos
foram os muitos desdobramentos e possibilidades que eles têm ou dão na vida humana dentro
de seus vários aspectos, tanto pessoais, como nas histórias de vida, na relação social dos
professores e de sua atuação profissional.
Desse modo, pude perceber como esses conceitos de tempo-temporalidade se
implicam sempre em relação, seja com sua autoformação da pessoa do ser professor, sua
relação com as coisas e/ou situados em um dado ambiente natural, que mesmo condicionados
por estruturas e sistemas mais fechados e regulados, esses sujeitos/professores não negam sua
natureza. Há sempre um grito que escapa de uma subjetividade que não se deixa aprisionar,
travando uma luta entre o chronos e kairós.
Nesse pensar o humano em suas múltiplas interfaces com epistemologias diversas,
busquei, no item seguinte, me aproximar aos estudos de Gaston Pineau no que se refere aos
131
três movimentos de formação, os quais o pesquisador entende que permeiam e tecem a vida
de modo permanente em todas as dimensões do desenvolvimento humano.
3.2 Temporalidades na formação do profissional docente: concepções e diálogos com
Gaston Pineau
Considerando o que já abordei sobre o tempo, a temporalidade e a formação, me
permito trazer para esta parte do texto, meu diálogo com Pineau acerca de sua compreensão
de formação humana entrelaçada com as temporalidades, em que eu assumo também minha
compreensão de formação e a reporto à formação na Pedagogia para dialogar com as egressas
em suas biotecituras permeadas por temporalidades.
Ao se referir ao termo formação, entrelaçado com a temporalidade, Pineau (2003)
encontrou esse termo na história da língua francesa, nos séculos XII e XIV, onde a formação
aparece antes da palavra ―Educação‖, mas somente em meados do século XIX é que o termo
formação se apresentou de modo mais acentuado nas pesquisas sobre evolução humana e
social. Pineau (2010) concebe que a formação é uma intervenção muito completa, profunda e
global. Nela, o ser-pessoa e a forma são indissociáveis. Ainda, nessa mesma interpretação, em
um outro momento de sua pesquisa, o referido autor destaca que ―a formação, então, se impõe
como uma função vital essencial a ser exercida permanentemente‖ (PINEAU, 2003, p. 153).
Posteriormente, o pesquisador vai nomear essa corrente como ‗bio-epistemológica‘. Porém,
que não diz respeito somente ao sujeito em si, mas à relação com outros níveis e dimensões
sociopedagógicas e ambientais centradas na formação como função de evolução humana.
A formação, no dizer do autor, é atravessada por diferentes tempos e ainda que ―[...]
ela está longe de ser utópica, sem lugar, território. Diria ao contrário, que ela é multitópica e
que, mais ou menos, está sendo concebida, gestada e até mesmo realizada em tantos lugares
quantos protagonistas houver‖ (PINEAU, 2003, p. 160). Se a formação possui uma função
vital permanente, não se deixa confundir como algo ou alguma coisa vazia ou sem lugar
algum, possui suas utopias de modo aberto, acolhendo as individualidades de cada ser, para
protagonizar o novo que não nega sua realidade factual, mas se serve dela para anunciar
epistemologias diversas acerca da sua constituição.
Para esse entendimento, bebendo em outras pesquisas no campo de formação, é que o
pesquisador em questão acabou identificando-a em três movimentos denominados de:
heteroformação, autoformação – que foi a primeira das dimensões/movimentos a serem
estudados, nível do sujeito, da individualidade e subjetividade – e a ecoformação – nível eco,
as influências do ambiente mediante processos que nos ajudam na construção do
132
conhecimento. A heteroformação – nível hetero representado pelo outro – se refere às nossas
experiências as quais sofrem ações de outros e que pode ser, no dizer do autor, alienante se na
idade adulta o indivíduo não assumir o protagonismo e a responsabilidade de sua formação.
Esse movimento do tempo vivido se identifica com o ‗dia‘, no que se refere às relações
sociais impostas. O diurno representa possíveis tensões, enfrentamentos coletivos e
individuais. Estudos sobre esses dois últimos movimentos podem ser verificados nos estudos
pioneiros de Pineau (1987) presentes na obra ―Produir sa vie”32
. No sentido do movimento
tripolar que, no meu entender, é também permanente, mas respeita níveis de realidades de
desenvolvimento humano e profissional diferentes, o referido autor esclarece que:
Entre a ação dos outros (heteroformação) e a do meio ambiente (ecoformação),
parece existir, ligada a estas últimas e dependente delas, mas à sua maneira, uma
terceira força de formação, a do eu (autoformação). Uma terceira força que torna o
decurso da vida mais complexo e que cria um campo dialético de tensões, pelo
menos tridimensional, rebelde a toda a simplificação unidimensional. (PINEAU,
2009, p. 99, grifo do autor)
Seus estudos acerca da autoformação dizem respeito às relações pessoais, às reflexões
atreladas às experiências vividas no decorrer da vida e que podem ser ressignificadas no
presente – o agora –, para possibilitar uma reconstrução em nossa prática, colocando o outro
em seu próprio lugar, não mais como protagonista, mas como apoio conforme nossas
necessidades. Essa configuração se identifica com o movimento da noite, que é um
espaço/tempo concebido mais livre socialmente. Já a ecoformação que nos faz tomar
consciência de nossas dependências objetivas e naturais envolve a nossa ação com o mundo, o
trabalho, a cultura e o meio ambiente do qual fazemos parte. Entende-se, com isso, que a
produção do conhecimento vai de um nível ao outro sempre em relação. Essa formação do
egresso que está em construção acontece em processos de relação consigo mesmo, com o
outro e com o ambiente nas diversas formas que ele se apresenta.
Voltando à autoformação, entendo que ela é assumida como um poder de formação do
ser, do sujeito que se move no tempo, contratempo e entretempo, em que ele pode se construir
a partir de si. Por isso, se justifica a reapropriação pessoal do tempo como condição de
evolução humana, como se apresenta no estudo de Pineau (2003). Nele, nos movemos e
evoluímos sem negar e apagar o passado, presentificando no agora, em um entendimento
relacional do tempo passado-presente-futuro.
32 ―Produzir sua vida‖. Somente trago rapidamente o movimento dia e noite para situar a compreensão do autor.
Não tenho pretensão de aprofundar esse movimento nesta pesquisa. Os momentos em que aparecem o sentido
dia e noite são para deles desprender para outras compreensões.
133
Dessa forma, compreendo a formação na perspectiva de um processo profundo, em
diversos tempos, concebida por várias dimensões do sujeito – autoformação –, dos outros –
heteroformação – e do meio ambiente – ecoformação. Esse processo de tríade se dá
permanentemente e se desenvolve ao longo da vida, gestando a formação humana e
profissional.
Mediante a esses movimentos de construção e desconstrução do tempo e da
temporalidade dentro de contextos históricos sociais diversos, é que percebo as implicações
do tempo físico, quantitativo, regulado e regido pelos relógios, calendários e agendas. Assim,
a temporalidade desse tempo quantitativo permeia todo o processo de formação.
Por isso, quando me refiro ao tempo e à temporalidade, sempre os coloco diante de
subjetividades diversas e, ao mesmo tempo, diante de estudos que tratam do tempo como fio
condutor ou tecedor de todas as coisas, seja no âmbito da ciência, da religião, da natureza ou
da sociedade humana como um todo.
Para compreender um pouco mais esse movimento tripolar apresentado por Pineau,
realizei um estudo em forma de levantamento bibliográfico em vista de fazer uma análise
reflexiva, em que conheci algumas pesquisas que usaram como referência esse movimento
tripolar. Trato mais especificamente acerca desses conceitos em outro momento desta tese,
pois uso essa tripologia como um conjunto de fios que ajudam a tecer a minha percepção
acerca da formação das egressas, para assim compreender seus processos de formação
humana e profissional.
Dentro dessa complexidade do estudo do tempo e da temporalidade inserida na área de
educação colada à Pedagogia, sigo na roca do tempo construindo os fios para tecer nos teares
da formação profissional docente.
3.2.1 Tecelagem de fios epistêmicos: diálogo e aproximações com o movimento tripolar
de formação
Para este trabalho de tese, Gaston Pineau, como professor e estudioso dos movimentos
da vida em formação permanente e das múltiplas temporalidades, se constituiu como um
teórico fundamental. Seus escritos constituíram a base para tecer a tese, pois utilizei seus
conceitos que envolvem o tempo e a temporalidade da e na formação profissional docente,
considerando o que o autor denominou de movimento tripolar de formação.
Nesse contexto, dialogar com Pineau não é uma tarefa simples. É, no mínimo,
exigente. Significa aventurar-se por caminhos da pesquisa em formação humana nada
convencionais. Tal estratégia exige uma abertura epistêmica plural, pois estudos dessa
134
natureza se constituem em múltiplos diálogos sem fronteiras entre as áreas de conhecimentos.
Mas, no meu caso, me atenho na educação dentro de um movimento de formação permanente
e integral do ser profissional docente, assumindo com esse pesquisador a temporalidade na
formação, entrelaçada em um movimento tripolar que se constituiu um olhar cuidadoso de
conceber a formação dentro de um ciclo humano contínuo evolutivo.
Para esse entendimento, Pineau (2003, p. 155) expressa que para ―compreender esta
dialética de emancipação/autonomização-dentro de uma problemática de formação
permanente-ocasionou a fabricação dos conceitos auto, hetero, eco-formação‖. Nessa
perspectiva, realizei estudos do referido autor para constituir as referências e bases
epistêmicas para esta tese.
Nessa seara de um campo aberto de possibilidades, fui buscar trabalhos que chamaram
Gaston Pineau para um diálogo e foco da pesquisa. Assim, intencionalmente, selecionei os
que priorizaram a pesquisa do referido autor sobre a teoria tripolar de formação, a qual
aparece também como três movimentos, ou ainda, três polos.
Por isso, fui me avizinhar junto a esses pesquisadores para entender as contribuições
desse referencial teórico para o objeto da pesquisa, e assim, consolidar melhor a minha
aproximação com ele também.
Inicialmente, o levantamento foi feito no repositório dos Periódicos da CAPES e do
SCIELO. Posteriormente, usei os descritores no Google Acadêmico, o qual ofereceu uma
ferramenta como uma plataforma de busca com possibilidades de refinamentos.
Os descritores foram inseridos nos campos de buscas considerando as três descrições
que foram dadas sobre os conceitos estudados juntamente ao nome do autor: ―autoformação,
heteroformação e ecoformação‖; ―teoria dos três movimentos‖; ―teoria tripolar de formação‖
com exceção do Google acadêmico, que inseri somente os descritores ―Teoria tripolar de
formação‖.
No periódico da CAPES, quando utilizei os descritores ―teoria dos três movimentos de
Gastón Pineau‖, sem fazer nenhum outro refinamento, apareceu um único texto. Porém, esse
trabalho somente citou o autor no que se refere às narrativas, história de vida e
(auto)biografia, não abordando de forma alguma a tripologia.
Ao usar nessa mesma base os descritores ―teoria tripolar da formação de Gaston
Pineau‖, não encontrei nenhum artigo nesse repositório. No que se refere aos descritores:
autoformação, heteroformação e autoformação, localizei um artigo que trata da formação
docente na Educação Física. Porém, cita os descritores (autoformação e heteroformação)
135
somente nas considerações finais e não vincula esses termos a nenhum autor, nem mesmo nas
referências.
A mesma estratégia de busca foi utilizada junto ao SCIELO, no qual foi possível
localizar três artigos vinculados à publicação em revistas da área do assunto estudado. Nesse
caso, foram publicações das áreas de Enfermagem e educação.
Após ter dado especial atenção aos dois repositórios anteriores, passei a fazer a busca
no Google Acadêmico usando os descritores ―teoria tripolar de formação‖. Quando a busca
foi realizada, houve o direcionamento para links de revistas nas quais estavam indexados os
artigos. Optei por fazer somente na língua portuguesa, sem mais nenhum outro refinamento
oferecido por essa plataforma. Nessa ferramenta de busca, localizei 122 títulos. Abri todas as
11 seções/abas nas quais foram arquivados esses trabalhos para verificar o título e a área da
pesquisa. Posteriormente, verifiquei se havia a presença da abordagem e articulação dela com
Gaston Pineau. Realizado isso, localizei cinco artigos que, a meu ver, articularam seus objetos
de pesquisa aos conceitos vinculados à formação profissional docente considerando a
tripologia. Por isso, optei em abrir cada um dos cinco trabalhos para verificar como trataram
dessa tripologia observando seus objetos de pesquisa.
No Quadro 3 estão relacionadas as oito pesquisas localizadas nos repositórios
pesquisados para, em seguida, iniciar com elas um diálogo de compreensões.
Quadro 3 - Levantamento de artigos e teses que apresentam contribuições de Gastón Pineau na sua teoria
tripolar de formação
Natureza da Pesquisa/autoria Título Palavras-chave
Artigo no Scielo
Carmen de Jesus Dores Cavaco
Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 95, p. 75-89, jan.-
abr., 2015.
Formação de educadores numa
perspectiva de construção do
saber – contributos da
abordagem biográfica
Formação.
Educadores. Histórias
de vida. Experiência.
Saberes.
Artigo no Scielo
Germana Manuela da Silva Pinheiro
Ana Paula Morais de Carvalho Macedo
Nilza Maria Vilhena Nunes da Costa
Revista de Enfermagem Referência. Série IV, n. 2,
maio/jun., 2014, p. 101-109.
Supervisão colaborativa e
desenvolvimento profissional
em Enfermagem
Equipe de
enfermagem.
Comportamento
cooperativo.
Competência
profissional.
Artigo no Scielo
Maria da Conceição Passeggi
Elizeu Clementino de Souza
Paula Perin Vicentini
Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 27, n. 01,
p. 369-386, abr. 2011.
Entre a vida e a formação:
pesquisa (auto)biográfica,
docência e profissionalização
Pesquisa
(auto)biográfica.
Formação Docente.
Profissionalização.
Artigo no Google acadêmico
Andressa Wiebusch
Caroline Ferreira Brezolin
Marilene Leal Farenzena
Vivências. Revista Eletrônica de Extensão da URI,
v. 11, n. 21, p. 158-170, out./2015.
Pedagogas e suas trajetórias
formativas: reflexões sobre a
formação docente
Formação docente.
Trajetória pessoal.
Trajetória
profissional.
136
Artigo no Google acadêmico
Lilliane Miranda Freitas
Evandro Luiz Ghedin
Revista Contemporânea de Educação, v. 10, n. 19,
jan./jun., 2015.
Narrativas de formação: origens,
significados e usos na pesquisa-
formação de professores
Narrativa. Histórias de
vida. Formação de
professores.
Artigo no Google acadêmico
Inês Ferreira de Souza Bragança
Educação, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 157-164,
maio/ago. 2011.
Sobre o conceito de Formação
na abordagem (auto)biográfica
Formação.
Abordagem
(auto)biográfica.
Aprendizagem
experiencial.
Processos identitários.
Artigo no Google acadêmico
Ana Tereza Reis da Silva
Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 18, p. 95-
104, jul./dez., 2008, Editora UFPR.
Ecoformação: reflexões para
uma Pedagogia ambiental, a
partir de Rousseau, Morin e
Pineau
Ecoformação. Teoria
dos três mestres.
Trindade humana.
Pedagogia ambiental.
Artigo no Google acadêmico
Maria Cândida Moraes
Diálogo Educ., Curitiba, v. 7, n. 22, p. 13-38,
set./dez., 2007 PUC-PR.
A formação do educador a partir
da complexidade e da
transdisciplinaridade
Complexidade.
Transdisciplinaridade.
Autoformação.
Heteroformação.
Ecoformação.
Fonte: elaborado pela autora (2019).
Para iniciar esse diálogo, uso como linha articuladora e tensionadora desse movimento
a tripologia de Gaston Pineau. Assim, teço esta parte da tese auscultando as falas que ecoam
nessas pesquisas e anunciando esse possível diálogo.
O trabalho ―Formação de educadores numa perspectiva de construção do saber –
contributos da abordagem biográfica‖ de Cavaco (2015) se pautou no estudo da formação
voltada para educadores, suas histórias de vida, experiência e saberes. Constituiu-se no campo
das narrativas de abordagem biográficas ainda como contributo do desenvolvimento
profissional dos sujeitos envolvidos na pesquisa.
A formação é assumida na perspectiva de processo de apropriação individual e
coletiva do vivido. Nesse sentido, o movimento tripolar de formação é assim entendido no
contexto de pesquisa por Cavaco (2015, p. 80), em que:
As narrativas biográficas colocam em evidência o sentido da Teoria Tripolar da
Formação de Gaston Pineau (1988), ao destacar a importância das pessoas com as
quais nos cruzamos, nos vários contextos, ao longo da vida, o que constitui a
heteroformação; a relevância dos contextos na realização de uma grande diversidade
de aprendizagens, a designada ecoformação; e o carácter essencial da apropriação do
vivido por parte do sujeito implicado – a autoformação.
Por se tratar de narrativas ao olhar para o educador no seu formar-se, considera-se suas
temporalidades mediante uma tripla relação com o passado-presente-futuro, o que é possível
de ser verificado por meio da reflexividade nas vozes dos sujeitos.
137
A teoria tripolar apareceu no texto como uma referência contemplando a trajetória dos
envolvidos, tendo a formação profissional docente misturada com a vida. Porém, o foco se
deu na autoformação quando se mirou o formar-se. O assento do movimento tensionado no
texto e na pesquisa centrou-se na abordagem das narrativas.
O artigo ―Supervisão colaborativa e desenvolvimento profissional em Enfermagem‖
de autoria das pesquisadoras Pinheiro, Macedo e Costa (2014), teve como objetivo central
compreender as concepções dos enfermeiros sobre a supervisão colaborativa e o
desenvolvimento profissional na prática de cuidados. A supervisão colaborativa em contexto
profissional contribui para o processo de desenvolvimento profissional em Enfermagem,
inclusive, essa estratégia de formação, segundo os dados da pesquisa, poderá cooperar para o
melhor alcance dos objetivos da Enfermagem. E por ser uma área de estudos em constante
movimento, a Enfermagem entende a formação como um processo contínuo e de
inacabamento mediante situações reais que são vivenciadas, sendo que uma experiência no
contexto da prática pode estar permeada por discussões e conflitos. Então, o espaço-tempo da
prática é visto por diversas perspectivas, pois há uma ação e reação do coletivo colaborativo.
Desse modo, compreendendo essa formação via supervisão em contexto, o processo
de formação é visto na perspectiva permanente e do inacabamento, no qual as pesquisadoras
puxam um gancho reflexivo, sendo ele o eco das vozes dos participantes no que se refere à
aprendizagem ao longo da vida ―[...] os participantes salientam aspectos que congregam-se
num processo tripolar, que engloba processos autoformação, ecoformação e heteroformação‖
(PINHEIRO; MACEDO; COSTA, 2014, p. 107).
Esse movimento se mostra na vida dos enfermeiros ao lidar com sua própria vida
(autoformação), refletindo suas práticas e gerando interdiscursos crítico-reflexivos, com os
outros pares e situações (heteroformação). Tal movimento possibilita vencer certas
dificuldades mediante ações colaborativas de outras experiências em uma visão colaborativa
da solução dos problemas e no que se refere ao meio (ecoformação), os contextos, lócus da
prática, que não são fixos e possibilitam a constância na formação e no aprendizado. Assim,
as autoras, ao fecharem essa reflexão, observando os conceitos explicam que:
Neste processo tripolar, há ainda a considerar a heteroformação, na qual os
enfermeiros citam que a abertura ao outro permite a descoberta de novos saberes e
modos alternativos de cuidar. Nesta relação com os outros, desponta, igualmente, a
partilha de saberes e experiências, que permite transcender as dúvidas pessoais e a
reflexão, e debate colegiais, que facilitam uma ação futura mais refletida,
contextualizada e problematizada sobre as práticas. (PINHEIRO; MACEDO;
COSTA, 2014, p. 107)
138
Mediante a essa consideração, foi possível entender que o processo de formação
profissional acontece dentro e por meio de cruzamento de dimensões que envolvem a pessoa,
os outros e o meio, sendo um movimento caracterizado como um processo permanente de
formação devido ao seu caráter de inacabamento. Ainda, embora tenhamos formação
continuada, nem sempre essa formação atende às reais necessidades e, nesse aspecto,
precisamos avançar.
O texto ―Entre a vida e a formação: pesquisa (auto)biográfica, docência e
profissionalização‖, dos pesquisadores Passeggi, Souza e Vicentini (2011) assume as
narrativas autobiográficas como prática de formação docente e como método de pesquisa na
perspectiva da educação. O entendimento versou em um estudo em diálogo entre os grupos de
pesquisa de Programas de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade de São
Paulo (USP) com o objetivo de ―partilhar eixos de análise teórico-metodológicos que
orientam um projeto de cooperação acadêmica – ―Pesquisa (auto)biográfica: docência,
formação e profissionalização‖, conforme asseguram os pesquisadores (PASSEGGI; SOUZA;
VICENTINI, 2011). Esse trabalho baseou-se em histórias de vida, tendo presente as fases da
carreira, as relações de gênero no exercício do Magistério, a construção da identidade do
profissional docente, a relação entre a ação docente e as políticas educacionais.
Esse movimento é percebido nas narrativas que são as vozes dos envolvidos na
pesquisa, em que os sujeitos vão dando forma e sentido às suas experiências em uma escrita
de si. São professores egressos de alguma universidade que entram na educação pública
brasileira e galgam até o degrau da carreira de titular. Para a pesquisa, os professores são
objetos e sujeitos de formação.
A pesquisa traz uma análise sociohistórica da profissão, em que se entrecruzam
diversas dimensões do exercício da docência. E quando se refere à autoformação, o estudo
não vincula esse conceito a Gaston Pineau, mas ao processo de formação pesquisado por um
dos grupos envolvidos na pesquisa da qual se constitui o artigo. Gaston Pineau somente
aparece vinculado aos estudos (auto)biográficos ao tratar do surgimento do vínculo entre
biografia e aprendizagem.
O artigo intitulado ―Pedagogas e suas trajetórias formativas: reflexões sobre a
formação docente‖ de autoria de Wiebusch, Brezolin e Farenzena (2015) problematiza as
discussões dos mestrandos em Educação dentro da disciplina ―O professor e seu
desenvolvimento profissional‖ na Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do
Sul (UFRGS). A metodologia foi construída por meio de narrativas das trajetórias formativas
139
desses mestrandos. Nesse processo de contar histórias de si mesmos, eles observam a
importância da formação continuada, dando especial atenção ao espaço-tempo de atuação
profissional. O texto apresenta o movimento da formação tendo o professor como seu
principal protagonista em um movimento de dentro para fora e fora para dentro, e ainda
interior/exterior, conforme compreende Gilles Ferry (2004), autor francês que circunscreve
sua pesquisa no campo da prática, em que o fazer docente torna-se o cerne do seu trabalho de
pesquisador.
Ademais, o texto trouxe pelas narrativas localizadas ainda na formação inicial como
graduandas de Pedagogia, o processo de perceber e auto perceber a necessidade do formar-se,
localizando no sujeito a constituição de si. Desse modo, o movimento que perpassa a
formação inicial, a continuada, bem como as experiências de trabalho docente, e a opção pelo
Mestrado são processos que se imbricaram no ser pessoa e profissional.
Dentro dessa narrativa formativa, Pineau é citado de modo breve para sinalizar a
importância desse movimento à vida do sujeito em formação, de modo a constituir seu
processo contínuo formativo. Não há uma reflexão ou discussão mais ampla e significativa no
texto sobre essa teoria.
O estudo com o título ―Narrativas de formação: origens, significados e usos na
pesquisa-formação de professores‖ de Freitas e Ghedin (2015) surge no contexto de uma
disciplina no decorrer do curso de Doutorado e se apresenta como um ensaio teórico com,
revisão histórica, destacando-se alguns marcos nos quais emergiu e se desenvolveu essa
modalidade de pesquisa-formação. O texto se sustenta em um levantamento feito em
repositórios de teses e dissertações com descritores que evocam a pesquisa narrativa enquanto
método e fenômeno de pesquisa sobre formação docente, ainda como sendo instrumento de
formação. O movimento dessa pesquisa ainda buscou investigar o surgimento da modalidade
de pesquisas que envolve a pesquisa-formação entrelaçado pelas narrativas. Além disso,
considerou os estudos sobre as implicações metodológicas concebendo-os como modo de
produção de conhecimento científico.
O texto se constitui em um tecido histórico da pesquisa com abordagem narrativa.
Com o avanço nesse campo de estudos, é possível entender as contribuições para a formação
docente considerando as histórias e experiências de vida dos professores. Dentro dessa
articulação histórica e de pesquisa, Gaston Pineau aparece como um pensador importante para
o campo das pesquisas biográficas. Por isso, o texto recorre ao autor no tocante à
autoformação e cita o movimento da teoria tripolar de formação como considera o próprio
autor.
140
O artigo ―Sobre o conceito de formação na abordagem (auto) biográfica‖ de autoria de
Bragança (2011) analisa o conceito de formação no contexto da pesquisa (auto)biográfica. A
articulação textual acontece a partir da revisão de literaturas de produções brasileiras,
portuguesas e francófonas realizada para construção e articulação dessa perspectiva de
pesquisa. Mas, se constitui parte da construção de uma pesquisa de Doutorado em Ciências da
Educação pela Universidade de Évora de Portugal, a qual pesquisou ―História de Vida e
Formação de Professores/as: Diálogos entre Brasil e Portugal‖. O diálogo permitiu o
tensionamento entre a racionalidade técnica e a busca de uma epistemologia da formação.
Esse movimento na pesquisa, tanto nos estudos dos textos levantados no Doutorado e neste
recorte, possibilitou a visão de uma compreensão, segundo a pesquisadora Bragança (2011),
de uma racionalidade sensível, na qual o sujeito é considerado componente fundamental do
processo formativo, sendo que assim esclarece:
[...] o caminho da investigação levou-nos a tomar as histórias de vida de professoras
brasileiras e portuguesas, por meio das biografias educativas, constituindo-se numa
alternativa teórico-metodológica no processo de tematização da própria vida, como
espaço/tempo de formação docente. (BRAGANÇA, 2011, p. 157)
Nesse sentido, o artigo localiza as histórias de vida como mediação para a formação,
em que essa manta textual fio a fio é tecida na vida, e vai se constituindo e ressignificando a
formação, gerando um novo diálogo epistemológico para esse campo de estudos em um
entendimento de formação ao longo da vida. Portanto, vê-se que a formação é concebida
como permanente, da mesma forma como é entendida nesta tese, na qual assumo a
constituição desse sujeito professor, que é egresso do curso de Pedagogia (IE/UFMT),
mediante a sua história de vida pessoal e profissional, sendo que ele está inserido em diversos
contextos, conforme sua cultura.
No que se refere à teoria tripolar de formação de Gaston Pineau, a autora diz como ela
é assumida e entendida no texto:
[...] a teoria tripolar da formação humana que envolve: auto, hetero e ecoformação.
A autoformação é a dimensão pessoal de reencontro reflexivo em que as questões do
presente levam-nos a problematizar o passado e a construir projeto sobre o futuro; a
heteroformação aponta para a significativa presença de muitos outros que
atravessam nossa história de vida, pessoas com quem aprendemos e ensinamos; a
ecoformação aborda nossa relação com o mundo, o trabalho e a cultura.
(BRAGANÇA, 2011, p. 159)
Como observo nessa escrita, a tripologia é entendida a partir dos estudos de Pineau
como um movimento permanente em que os envolvidos se assumem como educadores de si.
Nessa pesquisa, aparecem outros elementos que venho estudando nas obras do autor
em questão, quando ele se refere a esses três movimentos e os entrelaça nos dois tempos (dia-
141
noite, porém, não chegarei a fazer essa articulação), em que tal qual o autor e essa pesquisa,
venho estudando o dia ligado intimamente com a heteroformação, os processos formais,
estruturados e mais exteriores à pessoa. E a autoformação, a noite, que é o espaço-tempo chão
das subjetividades, das ressignificações de uma singularidade permeada de pluralidades e
diálogos interiores. Essa abordagem e compreensão (dia e noite) será utilizada em trabalhos
de pesquisas posteriores a esta tese.
Inspirada nos estudos de Pineau sobre a tripologia, Bragança (2011, p. 159) ressalta
que ―a autoformação é analisada como processo vital de interação cognitiva de todo vivente e
a formação, como processo ontológico vital de atualização de uma forma‖.
Nessa perspectiva, os estudos de Bragança (2011) localizam o campo da formação
permanente dentro de uma referência biocognitiva e existencialista no que se concerne à
formação de adultos, colocando que o movimento de autoformação possibilita uma
reorganização interna do sujeito frente à vida, à produção de sentidos e à transformação
pessoal.
Nessa questão pessoal e individual do formar-se, dando forma a si mesmo, Bragança
(2011) me ajuda e nos ajuda a pensar e repensar a autoformação no sentido da não exclusiva
responsabilização do sujeito pela sua formação e o que poderá decorrer dela. Caso isso ocorra,
corre-se o risco do isolamento do sujeito de seus pares. Ainda, eu diria, observo
cuidadosamente o perigo dessa responsabilização individual de impor ao sujeito uma
autorregulação e uma ação performática pulsante que minimiza a ação de políticas públicas
para a formação docente e maximiza a sua atuação, enquanto mão de obra especializada.
Nesse contexto, concordo com Bragança (2011, p. 160), quando redefine esse
entendimento e conceito ampliando-o ao dizer que ―buscamos, assim, o sentido da colocação
do sujeito no processo de investigação; contudo, um sujeito necessariamente imerso em
relações sociais que o constituem e que dão sentido ao seu projeto de formação‖, concebendo
a sua própria experiência como processo formador e movimento de transformação pessoal.
Mas, isso sempre contemplado a partir da relação consigo mesma com os outros e com a
natureza.
Na pesquisa nomeada ―Ecoformação: reflexões para uma Pedagogia ambiental, a
partir de Rousseau, Morin e Pineau‖, a autora Silva (2008, p. 96) ―analisa uma experiência
acadêmica francesa que tem construído, ao longo dos últimos 16 anos, suportes teóricos para
práticas de pesquisa e educação ―para, no e pelo‖ ambiente, tendo como premissa o terreno
conceitual e analítico da Teoria da Complexidade‖. Nesse sentido, a pesquisadora transvê sua
análise trazendo para o diálogo o que ela chama de três mentores que são os autores
142
Rousseau, Morin e Pineau. Ela parte ainda dos estudos de um grupo de pesquisa intitulado
Ecoformação (GREF), coordenado por Gaston Pineau33
, que foi consolidado na década de
1990, o qual se revela como um espaço de reflexão sobre a aplicabilidade dos pressupostos da
Teoria da Complexidade no campo da Educação Socioambiental, conforme esclarece Silva
(2008). Por isso, todo movimento ou esforço dessa pesquisa é para entender as interfaces que
o referido grupo faz entre os conceitos de complexidade e ecoformação.
Esse viés reflexivo-crítico centra-se na relação homem-natureza, usando como
possibilidade de trocas simbólicas os elementos mais fortes e sensíveis da natureza (água,
terra, fogo e ar). E essa relação passa a ser a condição central da condição humana.
Dentro desse movimento de pesquisa de um laboratório de ideias e ações ambientais
vitais, Silva (2008, p. 97) apresenta o que o grupo chama de ―[...] a primeira e mais
fundamental assertiva teórica do GREF, [...] que a materialidade e a imaterialidade inscritas
na relação homem/natureza são componentes coformadores do humano no tempo e no
espaço‖.
Nessa concepção de trabalho, a ecoformação é entendida tal qual assume Gaston
Pineau em seus estudos, a saber: como relação direta com o ambiente material, tendo as coisas
que constitui a natureza como sendo elementos formadores permanentes. O que me faz pensar
e discutir no sentido utilitário das coisas e indagar ―como acontece essa relação e em que
proporção de aproximação e distanciamento? O quanto essa exploração é crescimento
recíproco ou de devastação e desordem humano/natureza? Para esse entendimento como
ensaios de respostas, Silva (2008, p. 97) deduz que ―o conceito de ecoformação se engajaria
num processo de restauração da relação do homem com seu ambiente‖. Se é restauração,
ambas as partes, ou quantas houver, precisam estabelecer uma relação de interdependência –
livre de uma postura de dominação exploração/devastação e cultura civilizatória de poder –,
de construção, desconstrução de possíveis e novas sínteses híbridas revitalizantes de
aprendizados. Nesse caso, a questões socioambientais diretas, o que, a meu ver, poderá ser
assumido em todas as relações humanas entrelaçando com os outros dois polos: autoformação
e heteroformação.
Para esse caminho, Silva (2008, p. 98) faz um estudo de aproximação e relação entre
as obras dos três mentores ―Jean-Jacques Rousseau – o homem (natureza), os outros (a
sociedade) e as coisas (o ambiente) – correlacionando-a com a trindade humana
33
Juntamente ao Laboratório de Ciências da Educação da Universidade François Rabelais de Tours, tem trabalho
de pesquisa em parceria com o Laboratório de Concepções Multireferenciais Clínicas de Experiência e Educação
Permanente da Universidade de Paris 8, em colaboração com o Grupo de pesquisa em Ecoformação e Educação
para o Ambiente da Universidade de Montréal/Québec, coordenado pela professora Lucie Sauvé (SILVA, 2011).
143
indivíduo/espécie/sociedade proposta por Morin‖. Tal movimento de conceitos não será
aprofundado neste trabalho, pois o recorte que faço refere-se aos estudos de Gaston Pineau.
Para esse entendimento de relação, o grupo de pesquisa traz uma teoria tripolar de
Educação Ambiental. Essa apropriação ou construção tripolar passa pelos estudos de Pineau,
uma vez que o autor é parte integrante do grupo de pesquisa em questão. Nesse entendimento,
a natureza, com sua complexidade e sabedoria natural e própria nessa relação
homem/natureza, passa a ser formadora, o que não dá para compreender somente nos limites
das escolas e universidades, pois essa visão transmuta esses espaços e tempos instituídos
formalmente. Essa relação vai se dando como um projeto de vida, um caminho aberto em
construção permanente.
O artigo intitulado ―A formação do educador a partir da complexidade e da
transdisciplinaridade‖, de autoria de Moraes (2007), discute esse tema da
transdisciplinaridade. Esse texto dialogou com Gastón Pineau no que se refere à sua ―Teoria
tripolar de formação‖. Inclusive, nas palavras-chave, a autora já apresenta os termos que
compõem essa teoria tripolar, ou três polos de formação, como costuma dizer Pineau.
Assume-se, então, o diálogo com a vida pessoal e profissional docente dentro da perspectiva
da transdisciplinaridade.
Dentro desse viés, a formação se contrapõe ao pensamento da formação docente
baseada em modelos que não levam em consideração o que os professores foram aprendendo
ao longo da vida. São modelos pautados em políticas de um pensamento homogeneizante para
o qual ressalta a autora: ―O problema é que, muitas vezes, elaboram-se tais propostas, como
se todos aprendessem da mesma maneira, como se a aprendizagem do adulto fosse similar à
do jovem ou da criança‖ (MORAES, 2007, p. 04). O que nos resta saber é como fica a
autonomia e o protagonismo docente dentro desses moldes, o que, para Pineau, é o cerne da
questão. Como estamos nos referindo à formação do profissional docente, estamos lidando
com pessoas adultas. Por isso, temos a mesma compreensão que o autor faz dos três
movimentos.
Observei, nesse artigo, a tecitura das escritas de Pineau dentro de sua concepção dos
três movimentos que possibilitaram criar, a partir dos prefixos (auto, hetero e eco), os
conceitos de autoformação, heteroformação e ecoformação. Pineau (2006) considera que
nenhum desses movimentos ou polos são determinantes ou sobrepõem-se como sendo de
prioridade. Há uma dinâmica em sua ação, que poderá ser em um dado momento da
existência, sendo mais acentuado em um polo do que o outro.
144
Esse artigo deu mais atenção teórica-reflexiva ao termo ―autoformação‖, pois no dizer
da autora, ―a autoformação implica a tomada das rédeas da vida nas próprias mãos, seja da
vida profissional como pessoal, bem como a conquista de sua autonomia existencial, o tornar-
se sujeito‖ (MORAES, 2007, p. 13). Nesse polo, Pineau entende que o professor, na dinâmica
da vida e do trabalho docente, deverá tomar-se nas próprias mãos e assumir seu protagonismo,
sendo ele mesmo objeto de sua formação. r tanto, ―[...] o sujeito tenta se ver como objeto de
um conhecimento de si, um sujeito/objeto no meio de tantos outros sujeitos/objetos que
necessitam emancipar-se, autoformar-se, para conquista de sua autonomia pessoal, intelectual
e moral‖ (MORAES, 2007, p. 13).
Nos textos reflexionados, observei que alguns conceitos tensionados estiveram mais
vezes presentes junto aos três movimentos dos estudos de Gaston Pineau, entre eles:
narrativas, história de vida, (auto)biográfica, formação, formar-se, espaço-tempo e formação
permanente. Foram esses conceitos que abrigaram discussões tecidas nas várias áreas de
conhecimentos que compuseram as oito pesquisas. Assim, tal qual o referido autor, os
pesquisadores procuraram abordar a formação em uma concepção mais ampla, vista a partir
de um viés formal/objetivo, instituído como principalmente informal intersubjetivo moldado
ou esculpido com as coisas da vida e da natureza, sempre de modo particular, singular,
coletivo e heterogêneo, rompendo com uma cultura de estereótipo ou protótipo humano. Dito
isso, pondero que esse movimento todo se constitui como uma parte íntima dos fios do tear
que tece a formação do profissional dos professores com suas singularidades, temporalidades
e complexidades.
Para essa perspectiva de entendimento, revisitando o que foi dito no início desse item,
trabalhar com os conceitos de Pineau é se aventurar por caminhos epistêmicos múltiplos de
sentidos e significados, os quais o próprio autor vem construindo também em sua trajetória de
pesquisa em diálogo com outros grupos, com autores clássicos e contemporâneos. Entretanto,
não é do meu interesse trazer para esta tese toda essa complexidade e historicidade que
envolve as buscas desse autor. O interesse, aqui, é dialogar com ele a partir de uma inserção
com o seu movimento de pesquisa, e com o que ele possa contribuir com o objeto da minha
pesquisa.
Assim, reitero que assumo para esta tese a teoria dos três polos de formação, os quais
escolho chamar de ―três movimentos‖, que estão imbricados nos tempos e temporalidades das
egressas de Pedagogia que foram sujeitos desta investigação.
A partir dessa lógica, sigo o processo de fiação do aguayo esticando seus fios para
fazer a construção teórica-epistêmica de sínteses compreensivas acerca da formação por
145
intermédio de uma perspectiva de um movimento continuum permeado por múltiplos tempos
que constituem os processos formativos. São multitemporais, pois no entendimento de Serres
(1996), todo acontecimento histórico, e eu chamo de histórico-humano vivenciado, remete
para o passado, para o contemporâneo e para o futuro, simultaneamente. E é justamente
mediante essa compreensão multitemporal que entendo que enquanto ser-professor, a egressa
se percebe como se estivesse na ―dança do fogo‖, na qual o movimento não é só de evocação
de uma lembrança, mas de uma ressignificação dessa vivência que atravessa esses múltiplos
tempos.
3.2.2 Nos fios da formação do profissional docente: sínteses compreensivas
Neste fio auxiliar considero o que já construí neste capítulo sobre o tempo, a
temporalidade, a formação humana e a tripologia de Gaston Pineau, para realizar uma síntese
compreensiva da concepção organizada até aqui acerca da formação profissional. Para tanto, o
que fiz foi trazer algumas compreensões de formação para, então, dizer ao leitor dessa
pesquisa o que é isso que estou entendendo como formação. Assim, abordo a formação em
diálogo com autores da área da Educação com recorte de suas pesquisas na formação docente.
Entendo que a formação do profissional docente, a partir dos estudos realizados até
esse momento, possui diferentes níveis, pois estamos tratando de um ser-pessoa-profissional-
adulto em formação e que está em constante mudança, elaborando novas sínteses pessoais e
novos processos, o que nos alerta sempre para um contexto de inacabamento. Em razão disso,
compreendo que a experiência e a reflexão são dimensões intrínsecas integradoras da relação
teoria e prática, e o nível é diferenciado conforme o grau da reflexão e da experiência não
somente como docente em sala de aula, mas na vida pessoal e em outros espaços e tempos
que se constituem também como contextos de aprendizados. O que corresponde entender que
há um processo continuum com percursos diversos de evolução, e que vai orientando
mudanças tanto no âmbito pessoal, profissional como institucional, ainda dentro/fora de
contextos escolares e não escolares, formais e não formais.
Para compreender a formação nessa perspectiva, tive como contribuições os estudos
de García (2009; 1999), Nóvoa (2016; 2009; 1995; 1992), Zeichner, (2013; 2008), Roldão
(2014; 2008; 2007; 2004), Tardif (2002) e, no que se refere aos estudos sobre a historicidade
da Pedagogia intercruzada com a educação-formação, busquei as obras de Saviani (2012);
Gauthier e Tardif (2014), Aranha (1996); Brzezinski (2006; 1996); Libâneo (2006; 1999),
entre outros, que pesquisam a formação do profissional docente.
146
Inicio essa fiação chamando o conceito de formação presente nos estudos de García
(1999, p. 18), para quem ―[...] a formação não se limita, enquanto conceito, a um campo
especificamente profissional, mas se refere a múltiplas dimensões [...] Não é uma
generalização da educação enquanto permanente, não se limita a ensino, treino ou próximo a
uma ideologia‖. Para essa compreensão, o referido autor realizou um estudo minucioso sobre
o conceito de formação em que abordou concepções de diversos autores, tais como: Menze
(1980), Barbaum (1982), Honoré (1980), Ferry (1991), Zabalza (1990), González Soto
(1989), Debesse (1982), Beyer (1980), Ferrández (1992), De la Torre (1992), dentre outros.
Nesse tecimento conceitual complexo que é a formação como fenômeno, o autor concluiu,
ainda de modo aberto, o conceituo de formação, trazendo três pontos de ancoragem:
Em primeiro lugar, a formação, como realidade conceptual, não se identifica nem se
dilui dentro de outros conceitos que tanto se usam, tais como educação, ensino,
treino, etc. Em segundo lugar, o conceito formação inclui uma dimensão pessoal de
desenvolvimento humano global que é preciso ter em conta face a outras concepções
eminentemente técnicas. Em terceiro lugar, o conceito formação tem a ver com a
capacidade de formação, assim como com a vontade de formação. Quer dizer, é o
indivíduo, a pessoa, o responsável último pela ativação e desenvolvimento de
processos formativos. Isto não quer dizer [...], que a formação seja necessariamente
autônoma. É através da interformação que os sujeitos- neste caso os professores-
podem encontrar contextos de aprendizagens que favoreçam a procura de metas de
aperfeiçoamento pessoal e profissional. (GARCÍA, 1999, p. 21-22)
Considero os estudos do referido autor como compreensões abrangentes da formação
do profissional docente intercruzadas por dimensões pessoais e interpessoais humanas, sociais
e profissionais que atravessam os conceitos de Educação, ensino e especificações meramente
cerceadas por resultados programados. A formação está na base de constituição do ser pessoa.
Por isso, para o mesmo autor, para uma ação no sentido de movimento de formação acontecer
[...] é preciso que se produza uma mudança através de uma intervenção na qual há
participação consciente do formando e uma vontade clara do formando e do
formador e do formador de atingir os objetivos explícitos [...]. A inter-relação entre
pessoas promovem contextos de aprendizagens que vão facilitando o complexo
desenvolvimento do indivíduo que formam e se formam. (GARCÍA, 1999, p. 21)
A compreensão do autor dialoga com Pineau (2003), quando ele esclarece que o que é
permanente nos processos formativos é a mudança, o movimento perpétuo do devir, o que,
para Pineau (2003), implica em considerar a metamorfose como uma função da evolução
humana, colocando, assim, a formação no sentido permanente no movimento de mudança.
Além disso, o autor pontua que:
A formação ao longo da vida é então o produto de transações complexas entre polos
materiais, sociais e orgânicos, alternando momentos formais, racionais, nítidos,
distintos, com momentos experiências, sensíveis, mas opacos, confusos. Estas
transações formativas são permanentes, significando que elas se desenrolam tanto a
cada instante como ao longo da vida. (PINEAU, 2003, p. 162)
147
Teço minhas compreensões de formação a partir de um caráter evolutivo de
aprendizagens que gera mudanças de toda ordem nas vidas dos professores e em suas práticas.
Assim, os estudos feitos na fase de levantamento bibliográfico me permitiram entender a
formação dentro de um conceito aberto e não fixo, mas de caráter ontológico rizomático
permanente, a partir de uma perspectiva da formação profissional, humana, processual e
evolutiva que é orientada para mudanças que superem o pensamento da justaposição entre a
formação inicial e continuada. Nessa mesma perspectiva, García (1999) defende e concebe
como princípio que a formação de professores é contínua, e que esse princípio implica na
existência de uma interlocução entre a formação pessoal, inicial e a formação permanente. A
esse respeito, o autor explica que:
[...] refere-se ao próprio professor como pessoa, como profissional, como sujeito que
aprende. Se noutras alturas enfatizávamos o conceito de desenvolvimento, agora
referimo-nos à importância de aprofundar o profissional como dimensão necessária
da formação de professores. (GARCÍA, 1999, p. 145)
Para essa compreensão, é necessário que o professor busque uma postura segundo
propõe Pérez Gómez (1992), que seja reflexiva de sua prática, na qual ele mesmo seria o
pesquisador reflexivo de sua práxis.
Essa reflexão da práxis se constitui como um instrumento de desenvolvimento do
pensamento e da ação, mas que exige um olhar crítico do professor, pois conforme Pérez-
Gómez (1992, p. 103): ―[...] A reflexão não é um conhecimento ‗puro‘, mas sim um
conhecimento contaminado pelas contingências que rodeiam e impregnam a própria
experiência vital‖, sendo que essa reflexão-na-ação, para o referido autor, se coloca na vida do
professor como um processo que abre possibilidades de movimentos formativos, ao dizer que:
Quando o profissional se revela flexível e aberto ao cenário complexo de interações
da prática, a reflexão-na-ação é o melhor instrumento de aprendizagem. No contato
com a situação prática não só se adquirem e constroem novas teorias, esquemas e
conceitos como se aprende o próprio processo dialético da aprendizagem. (PÉREZ-
GOMEZ, 1992, p. 104)
Dessa maneira, o espaço-tempo de atuação vai se constituindo como um terreno fértil
para aprender e, consequentemente, para ensinar. Esse ensinar/aprender diz respeito às
condições concretas, em que o conhecimento é construído ou reconstruindo, o que supõe uma
interação, relação e reflexão pessoal do professor, ainda que seja dele com seus pares, com a
sua realidade e com os destinatários, os quais participam integralmente desse aprendizado.
Desse movimento de pensar com e na realidade, é que, no meu entender, é possível
aprofundar tanto o aprendizado como a experiência. Essa tecitura colaborativa contribui com
a formação permanente do ser professor.
148
Nessa perspectiva, pondero que a subjetividade análoga à temporalidade dos
professores como atores de ação, precisa ser considerada, ―que toda pesquisa de ensino deve
ser basear num diálogo fecundo com os professores, considerados não como objetos de
pesquisa, mas como sujeitos competentes que detêm saberes específicos ao seu trabalho‖
(TARDIF, 2002, p. 230).
Nesse processo, Nóvoa (1995, p. 16) afirma que a formação passa pela
experimentação, pela inovação, pelo ensaio de novos modos de trabalho pedagógico e por
uma reflexão crítica sobre a sua utilização. Portanto, a formação passa por processos de
investigação que são diretamente articulados com as práticas educativas. Investindo nesse
entendimento, Schön (1990, apud NÓVOA, 1995, p. 15) refere-se ao que chama de triplo
movimento, dizendo que:
[...] conhecimento na acção, reflexão na acção e reflexão sobre a acção e sobre a
reflexão na acção - ganha uma pertinência acrescida no quadro do desenvolvimento
pessoal dos professores e remete para a consolidação no terreno profissional de
espaços de (auto) formação participada. Os momentos de balanço retrospectivo
sobre os percursos pessoais e profissionais são momentos em que cada um produz a
‗sua‘ vida, o que no caso dos professores é também produzir a ‗sua‘ profissão.
Sob os aspectos assinalados pelos referidos autores, entendo que a via da formação é o
caminho para a construção e reconstrução da profissionalização docente. Aproximando esse
entendimento dos estudos de Pineau (2003), verifico que a formação docente não pode se
abdicar dos tempos ou ciclos que constituem os processos de amadurecimento da pessoa, e é
assumindo ou habitando esses tempos, que os egressos conseguirão produzir e gestar a sua
profissão em uma perspectiva evolutiva e aberta.
Diante disso, urge repensar a formação de professores não mais ancorada no
paradigma da racionalidade técnica que teve sua projeção ao longo do século XX, advindo
dos ares de orientação positivista, constituindo-se uma referência para a formação,
principalmente para a formação de professores. Tal aspecto está fortemente ligado ao
fordismo e taylorismo, seja na forma da organização do trabalho, na reprodução em que a
criatividade e, principalmente, à subjetividade do aprendiz ou do trabalhador, seja ele
professor ou não, que era desconsiderada, imprimindo controle no modo de produção do
trabalho. Em virtude disso, acabava por gerar entre os pares competividade e concorrência,
sem ter em conta um projeto de formação e educação social para a vida e para a cidadania
corresponsável.
Desse modo, a busca da superação desse paradigma dominante está em considerar o
trabalhador, no caso deste estudo, o trabalhador professor, como ator e autor de sua prática
149
pedagógica junto com seus pares, sua história de vida, suas experiências, seu meio social e
cultural como objeto de investigação, sem tê-lo como um proletário-um-operário que executa
e não participa e integra as bases de construções das concepções que orientam a educação e o
ensino, o qual ele mesmo, vai se defrontar na teoria-e-na-prática. Com isso, não estou
ignorando o papel da técnica, pois ela continua sendo parte integrante do processo, mas não a
considero como sendo o meio ou finalidade única da atuação do professor e pela qual ele terá
que responder.
Logo, é urgente considerar a formação dos professores associada à proposta de
educação como tarefa a ser construída, tanto pelos cursos de formação inicial, no âmbito das
universidades, por excelência, e também da formação continuada, quanto pelos sistemas e
pelas próprias escolas, levando-se em conta, essencialmente, uma reestruturação dos sistemas
de ensino, da formação e valorização dos educadores, da organização das escolas e outros
espaços de atuação do pedagogo como espaços formativos e campo de pesquisa.
Mas, esse entendimento não é simples, pois lida com os vários tempos que são
constituídos dentro de uma dada cultura social do próprio tempo, como uma síntese social
aprendida, como concebe Elias (1998). Com isso, o tempo de formação pode ser entendido e
assumido, muitas vezes, como um tempo hegemônico e único para todos, o que não coaduna
com a temporalidade e nem com o desenvolvimento humano que se trata da formação do
profissional de Pedagogia do modo como estou entendendo para esta pesquisa.
Pineau (2003) compreende a formação humana com a especificidade do ser professor
ao longo da vida e de modo permanente na carreira, sendo considerado o que é próprio de
cada um, pois há níveis de aprendizagens, visão que vários autores da formação
compartilham.
Para isso, os professores precisam ter oportunidade de participar de diversas
atividades, tanto formais como informais que colaboram com sua formação mediante seu
compromisso profissional. Isso poderá contribuir significativamente com a qualidade de
ensino de modo geral. E de igual sentido, espera-se que o professor incentive os estudantes
para terem disposições e motivações para aprenderem não somente na e com a escola, mais ao
longo de suas vidas também.
Nessa mesma concepção e direção, o estudioso Zeichner (2008), em suas pesquisas no
final da década de 1970, já sinalizava problemáticas que configuravam o ensino naquela
época, mas que é nossa preocupação ainda na atualidade, esclarecendo que:
O ensino era normalmente visto como um processo meramente técnico a ser
conduzido da maneira na qual as pessoas na escola ou na universidade gostariam
150
que fizessem. A maioria dos nossos alunos não concebia ensino como uma atividade
moral ou ética sobre a qual eles tinham algum controle. (ZEICHNER, 2008, p. 537)
Esse autor ainda dizia que esses estudantes não faziam ideia de onde vinham ou eram
produzidos os currículos, e tampouco se preocupavam com isso. Mediante a esse contexto, e
atualizando-o para os nossos dias, ele chama atenção para uma prática reflexiva feita tanto
pelos professores, como pelos estudantes, bem como pelos formadores de professores. Essa
reflexão colada com a realidade do professor, do aluno e das questões mais gerais e comuns
sociais e políticas educacionais, necessita ser feita também e primeiramente nos espaços e
tempos formativos da universidade.
Diante disso, em uma palestra proferida para professores e licenciandos, Nóvoa (2016)
nos alertou que:
Muitas vezes, os professores formam-se com pessoas que nunca foram professores,
que não têm essa experiência como professores e, portanto, a profissão não está
dentro da formação. A profissão não está cá, dentro, e não é possível fazer – e vou
dizer pela primeira vez a palavra e vou dizer a palavra várias vezes – não é possível
fazer uma formação profissional, no sentido mais nobre do termo (porque formar um
professor é formar um profissional, como formar um médico é formar um
profissional), não podemos formar um professor como profissional se a profissão
não estiver dentro do espaço da formação. (NÓVOA, 2016, p. 06-07, degravação)
Assim, vemos que o processo de formar professores é trabalho de professores, pois
forma-se um profissional pelas mãos de profissionais. Isso já se constitui a formação inicial.
Para esse posicionamento, o referido autor trouxe uma reflexão a partir de seu sentir esse
processo de constituir-se professor. Para compreender o que ele estava a nos dizer ao vivo
naquele teatro com 600 professores atônitos, recorri à obra intitulada: ―O terceiro Instruído‖
de Serres (s/d., p. 155), de cuja obra Nóvoa trouxe para o público de professores uma frase:
―Re-nascido, ele conhece a compaixão. Agora, ensina‖. Ou ―Re-nasciclo, ele conhece, tem
piedade. Finalmente, pode ensinar‖. Sobre isso, Nóvoa (2016) comentou:
[...] Re-nascido, o que isso quer dizer? Quer dizer que o nosso trabalho como
professores é um processo de renascimento, de renascimento do ponto de vista
pessoal, de deixar crescer uma pele profissional em cima da nossa pele pessoal. E
que, se esta pele profissional não colar bem com a pele pessoal, se ela não for
compatível com a pele pessoal, isto vai nos trazer um grande desconforto ao longo
da nossa vida. Por isso, é preciso que neste processo de renascimento, nós
compreendamos bem como ser professor e porque esta mistura de peles que está
naquilo que o Michel Serres chama o Re-nascer. (NÓVOA, 2016, p. 12,
degravação)
Devido a essa complexidade do próprio conceito de formação e do sentido do formar-
se permanentemente, é que recorri a essa frase de Serres proferida por Nóvoa, em 2016. Essa
quase alquimia de peles que crescem e não como algo posto, imposto ou provisório como uma
veste ou capa. É algo que vai nascendo e re-nascendo em um sentido de suma síntese
151
biológica no corpo e de uma profunda mudança no sentido. García (1999) compreende que o
processo de se tornar professor acontece dentro de um movimento contínuo e permanente, tal
como compreende também Pineau (2003), em um evoluir-se perpétuo, não só consigo mesmo
(pessoal), mas em uma relação com as coisas (meio físico, os conhecimentos|) e os outros
(realidade social, cultural, educacional etc.), o que compreende os três movimentos
formativos no sentido do tempo-formador.
Entretanto, isso não deve surgir como uma reflexão que disciplina corpos, ajusta
mentes para atender aos propósitos de uma determinada sociedade e mercado, externando
uma atitude de subserviência. Mas, como orienta Zeichner (2008), que esse movimento de
uma prática reflexiva suscite o reconhecimento de que os professores devem exercer, com
outras pessoas e segmentos da educação, um papel ativo na formulação e reformulação dos
propósitos e finalidades de seu trabalho e de que precisam efetivamente assumir funções de
liderança nas reformas escolares. Assim sendo, devem ocupar seu ‗lugar‘ em congressos e
eventos nacionais e internacionais, que são espaços-tempos de arenas de disputas que dão
visibilidades àquilo que lutam e acreditam para a classe docente e para os objetivos da
educação.
Conforme expressa Santos (1991, p. 325), ―Neste projeto de educação (para a
cidadania) torna-se fundamental que o professor seja um intelectual crítico capaz de apreender
o caráter contraditório da prática pedagógica, articulando um discurso marcado pela
linguagem da crítica e da possibilidade‖, o que caracteriza uma postura de resistência que
constrói uma visão crítica-participativa-ativa em uma perspectiva emancipatória.
Sendo assim, para os docentes, ser professor no século XXI pressupõe o assumir que
o conhecimento e os alunos (as matérias-primas com que trabalham) se transformam
a uma velocidade maior à que estávamos habituados e que, para se continuar a dar
uma resposta adequada ao direito de aprender dos alunos, teremos de fazer um
esforço redobrado para continuar a aprender. (GARCÍA, 2009, p. 08)
Ora, esse esforço que não nos deixa esquecer o autor, está vinculado diretamente com
a formação permanente do profissional docente que, querendo ou não, participa dos contextos
sociais em todos os seus níveis de mudança, sejam elas transcorridas no campo científico-
tecnológico, ou humano-eco-psico-social-cultural. Ainda, esses entendimentos me motivam
em direção a pensar e repensar a Pedagogia na perspectiva do professor-pesquisador.
As leituras e os estudos desses pesquisadores ajudaram-me a realizar a síntese
epistêmica e compreensiva sobre a formação na perspectiva humana e profissional,
intercruzada por tempos e temporalidades ainda percebidas pelos três movimentos formativos
compreendidos nos estudos de Pineau. Essas sínteses de entendimentos se constituíram em
152
novos fios para o tecimento do aguayo, principalmente nos momentos das análises
compreensivas considerando as biotecituras das egressas de Pedagogia.
Contribuindo com esse estudo centrado nos tempos e temporalidades dessas egressas,
trago mais um fio de discussão, para o qual a formação docente não está isenta de se
confrontar: o tempo performático.
3.3 A hegemonia do tempo performático: tensões-tramas-e-nós
Diante da hegemonia do tempo, Ball (2002, p. 05) nos alerta quanto à reforma da
educação nos moldes atuais que imprimem uma frieza performática ―trata-se dos poderes que
vieram abater-se sobre a existência subjetiva das pessoas e das suas relações umas com as
outras‖. Não havendo espaço ou lugar para diálogos, a criatividade ou a construção de
ideias/projetos, a relação profissional sofre com o imperativo do tempo chronos, ele urge com
força, controle das ações e um conjunto de ferramentarias que orientam resultados. Para esse
autor, isso muda aquilo que fazemos, o que somos enquanto profissionais e nossa identidade
social. Para ele,
A performatividade é uma tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação
que emprega julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controle,
atrito e mudança [...] A performatividade é alcançada mediante a construção e
publicação de informação e de indicadores, além de outras realizações e materiais
institucionais de caráter promocional, como mecanismo para estimular, julgar e
comparar profissionais em termos de resultados: a tendência para nomear,
diferenciar e classificar. (BALL, 2005, p. 543-544)
Frente aos desafios atuais enfrentados pela educação no campo da formação
profissional, esta pesquisa quer seguir na contramão da performatividade e do gerencialismo,
que são duas forças propulsoras oriundas da modernidade, e que buscam de vários modos a
desestabilização, no nosso caso de estudo, da identidade profissional do professor imprimindo
um regime de desempenho e de eficiência passivos de serem controlados por organismos de
avaliação, controle e autocontrole. Esse método vem se estabelecendo e sendo aprimorado nas
instituições públicas de ensino pelo Brasil, orientando uma formação que resgata um
profissional orientado pela racionalidade e pela técnica. Nesse contexto, todos são postos e
considerados fora de suas subjetividades e atrelados a um tempo hegemônico, em que o
conhecimento se torna uma mercadoria de troca, negociação e classificação do profissional.
Logo, ―supõe que os problemas educacionais podem ser resolvidos por meio de
técnicos e que a desigualdade pode ser administrada no interior das escolas e salas de aula,
desde que professores e alunos sigam os procedimentos escolares ―corretos‖ e efetivos‖
(BALL, 2011, p. 85). Para esse autor, essa postura adotada pelo sistema de ensino visa a
153
eficácia da tecnologia da normalização, o que leva a uma atitude de comparação, em que uma
escola passa a ser comparada com a outra. Portanto, estamos diante de uma padronização dos
processos de ensino, que vai sendo ritualizado e, muitas vezes, mediante uma suposta ―ordem
artificial‖. Em vista disso, não se surpreende com o inesperado, pois tudo está previsto e
passível de ser observado. O que foge a essa ordem é considerado desordem. Por conseguinte,
cria-se um palco apropriado para o desfile da performatividade.
No entendimento de Ball (2005, p. 544), no que se refere ao gerencialismo nesse rol de
transformações que afetam a coisa pública, ―[...] o gerencialismo representa a inserção, no
setor público, de uma nova forma de poder, ele é um ‗instrumento para criar uma cultura
empresarial competitiva‘‖ Em outras palavras, associando esses dois mecanismos já
mencionados, o referido autor expressa que o gerenciamento busca incutir performatividade
na alma do trabalhador. Nesse crisol no qual se fundem essas duas tecnologias ou
mecanismos, assim eu o categorizo, pois não posso abordar um sem considerar a presença do
outro. Por isso, nessa mesma vertente de pensamento, Ball (2010, p. 39) esclarece que:
Em termos gerais, quero sublinhar um novo modo de regulação social (e moral), que
atinge profundamente e imediatamente a prática dos profissionais do setor estatal
reformando e re-formando sentidos e identidades, produzindo ou maquiando novas
subjetividades profissionais. Esse novo modo envolve, um deslocamento das
―sociedades disciplinares‖ para ―as sociedades de controle‖: controles são uma
modulação, tal como uma autoformação moldada que irá continuamente ser
transformada de um momento a outro, ou tal como uma peneira cujo engranzamento
transmutará de ponto a ponto.
O que nos parece é um estranho retorno aos tempos disciplinares de uma recriação do
modelo panóptico criado pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham em 1785, que se
constituía de uma estrutura para vigiar a vida de qualquer indivíduo. Era uma construção
material externa ao indivíduo que nele inculcava um sistema de controle interno. O que temos
hoje, no meu entender, é uma recondução desse modelo para dentro do indivíduo. Ele se auto-
vigia-pune-culpabiliza e se autocontrola. Para esse aspecto, Ball (2005, p. 551) reforça que:
Além da fria racionalidade da performatividade vinculada à culpa e ao tormento de
querer ser ―um bom professor‖, existe a revolta da moral pública, construída em
nosso nome na mídia, que se destina a difamar a ‗pior escola‘ e ‗professores que
deixam a desejar‘.
Para o autor, esse tal desempenho e perfeição é algo quase impossível de alcançar e,
quando alcançado, se impõem novas metas de superação, sendo mais uma vez impossíveis de
se satisfazer, criando um sentimento e uma ação de imperativos que visam à competição.
Em consequência disso, percebe-se nesses autores o entendimento desse movimento
performático que segue reconfigurando e dando novos sentidos à ação docente e,
154
consequentemente, à formação. Nesse sentido, cruzam-se múltiplos tempos que atravessam o
desenvolvimento docente. Por isso, importam para esta pesquisa os estudos de Ball (2010;
2005) no que tange à performatividade atrelada ao gerencialismo. Ora, essas reformas
advindas dessas duas tecnologias afetam diretamente o desenvolvimento profissional do
professor e, consequentemente, sua ação em sala de aula. ―A prática da sala de aula cada vez
mais é ‗remodelada‘ para responder às novas demandas externas. Os professores são
‗pensados‘ e caracterizados de novas maneiras; cada vez mais são ‗pensados‘ como técnicos
em Pedagogia‖ (BALL, 2005, p. 548). Se a escola, o professor e o aluno são ―sujeitos a serem
administrados‖, certamente e, facilmente, há ―uma ausência de dinamismo interno,
exacerbado pelo isolamento intelectual, na medida em que os estudos educacionais
propositalmente ignoram o significativo do desenvolvimento teórico em campos de
conhecimento cognatos‖ (BALL, 2011, p. 80).
A concepção da negação dos estudos teóricos no campo da educação é mais percebida
em discussões epistêmicas na formação inicial, se aprofunda na formação continuada, em que
o ensino associado à pesquisa frente à prática e a realidade pode passar de esforço intelectual
de construção de significados, para ser visto como um processo técnico (BALL, 2011). Pois
tudo que é decorrente de criação, invenções e novas formas de experiências pode ser tomado
como ―perda de tempo‖. Então, a pesquisa que supõe processos e confrontos com a realidade
nesse nível de reflexividade, não encontra espaço-tempo para sua consolidação no meio
educacional vigente.
Posso dizer que, com isso, as relações e subjetividades e coletivas se diluem fazendo
nascer outros valores com novas identidades e modos de se relacionar. Atualmente, o cenário
brasileiro se abre cada vez mais às políticas verticalizadas, as quais colocam, frequentemente,
o trabalhador professor em um sistema de engessamento de suas práticas, que passam a ser
orientadas por projetos formatados, ou pacotes com estilos enlatados que são implantados a
partir de métricas de desempenho e resultados. Dentro dessa perspectiva, a educação entra no
cenário mundial como um grande negócio. A esse respeito, Ball (2014) fala da criação de uma
mega agenda político-econômica mundializante, que incentiva o avanço do neoliberalismo e
imprime práticas de consumo a serem quase que adesivadas nas escolas e nos professores
como uma necessidade a ser normalizada. Devido aos chamados pacotes:
A performatividade atinge profundamente a percepção do eu e de nosso próprio
valor. Coloca em pauta uma dimensão emocional, apesar da aparência de
racionalidade e objetividade. Assim, nossas respostas ao fluxo de informações a
respeito do desempenho podem engendrar nos indivíduos sentimento de orgulho,
culpa, vergonha e inveja. (BALL, 2005, p. 550)
155
Essa é uma situação criada para despertar nos profissionais de educação uma luta
individualizada por uma sobrevivência solitária na carreira, pois ele, de parceiro, passa a ser
um adversário de seus colegas de profissão. Essa prática passa a ser altamente justificada pelo
melhor desempenho. O bom desempenho não é ruim, mas precisa vir associado a um projeto
coletivo que se aprimore em vista de um bem comum. A sociedade brasileira tem
acompanhado inúmeras reportagens em vários canais de televisão nacionais trazendo
pesquisas envolvendo professores de todas as áreas, os quais buscam certificações, selos e
premiações solitárias, tais como de educador nota 10, de práticas pedagógicas de professores
das escolas públicas e das instituições educacionais comunitárias, filantrópicas organizadas
pelo Ministério de Educação (MEC), dentre outras competições na área de educação.
Em razão de uma corrida por certificações, encontramos uma gama de professores,
principalmente da Educação Básica, participando de cursos de curta e média duração, em
formações oferecida na modalidade de oficinas. Por fim, em curso de final de semana para
obtenção de certificados em vista de contagem de pontos para literalmente disputar um lugar
em alguma escola pública de Mato Grosso, sendo que, em algumas realidades, passam por
uma prova objetiva antes da prova de títulos, isso no caso dos contratos temporários. Mas, a
busca por pontuações já é uma prática na rede de ensino confere aos que participam da
formação.
Por isso, as parcerias de projetos de formação continuada oferecidas aos docentes das
redes de ensino, tanto municipais como estaduais, juntamente com as instituições superiores
de ensino público do estado são de fundamental importância.
Ao longo desta pesquisa, busco, juntamente com as experiências e histórias de vidas
das egressas, pensar nessa possibilidade de proposta e diálogo interinstitucional, pois
paralelamente às biotecituras tecidas nas entrevistas feitas, verifiquei a força das duas
tecnologias presentes na formação, na vida pessoal e profissional dos professores. Ainda,
constatei, conforme minhas análises compreensivas, a presença de uma postura de lutas,
resistências e estratégias de superação do engessamento do sistema de ensino, bem como das
propostas de formação continuada ofertadas nesses mesmos sistemas.
Foi por intermédio dessa condução que busquei ouvir minhas colaboradoras
professoras, egressas do curso de Pedagogia que atuam nas várias frentes de trabalho de sua
área de formação.
156
Fonte: elaborado pela autora. Desenho e aguayos originais (2019).
CAPÍTULO IV – TECITURAS DA FORMAÇÃO DO
PROFISSIONAL DOCENTE: AS IMPLICAÇÕES DOS TEMPOS E
DAS TEMPORALIDADES
157
Chegar neste capítulo significa ter trilhado um longo caminho, ter tecido e trançado
muitos fios neste aguayo da vida e da formação de professores da Pedagogia, intercruzado por
múltiplos tempos e temporalidades.
Nessa etapa do trabalho, a tecitura dos fios que fiam o aguayo já experimentou vários
processos. Foram submetidos às ―rocas‖ de fiar, foram tingidos e entregues aos teares para
composição do desenho, conforme as cores que mostram as minhas representações,
percepções, reflexões e análises decorrentes das biotecituras das colaboradoras da pesquisa.
Por isso, a intenção nesse último tear é esticar e unir (as tramas) todos os múltiplos
fios anteriormente tensionados. Digo unir não no sentido de unidade, mas no sentido das
possibilidades de interlocuções entre os fios tensionados. Aqui, pretendo compreender, de
modo teórico-metodológico, o percurso trilhado juntamente com o que suscitou das
biotecituras das colaboradoras desta pesquisa. O acesso aos fios de suas memórias, suas
histórias de vida e profissão, que são partes constituintes das subjetividades, são permeadas
por processos de diferentes olhares frente à formação do profissional tingido nos tempos e
temporalidades de cada uma.
Das entrevistas, recolho cuidadosamente excertos, cores e subjetividades que são
reflexões e partes de seus processos humanos no seu constituir-se pessoa e profissional.
Neste capítulo, a tecelagem trabalha com os tensionamentos reflexivos de quatro
grandes fios que se imbricam, sendo que alguns se desdobram em vários subitens com fios
auxiliares, com os quais busco interlocução com o movimento tripolar de formação orientado
pelos estudos de Gaston Pineau.
Assim, no primeiro fio apresento, de modo geral, a estratégia metodológica proposta
para a realização das entrevistas, as questões levantadas e a organização da composição das
biotecituras. No segundo, apresento o ecoar das vozes das egressas entrevistadas com suas
experiências e vivências. Quando trago as vozes recolhidas das biotecituras, apresento-as em
forma excertos, respeitando a autoria delas, com identificação nominal preservada. A
inscrição nas biotecituras das colaboradoras recebe a identificação de Egressa, precedida por
um numeral, seguido do ano em que ocorreram as entrevistas, conforme o exemplo: (Egressa
1, 2018) ou Egressa 1 (2018).
No segundo, terceiro e quarto fios, apresento o movimento das biotecituras, as quais
reconheço e assumo como processos bioformativos e epistêmicos de autonomização. Sinalizo,
ainda, nos fios de entremeios e auxiliares, como as egressas entendem e lidam com a
Pedagogia, considerando a ampliação da sua área de atuação. Também abordo dentro dos
158
movimentos formativos, as percepções frente às formações da Rede de Ensino onde as
egressas atuam profissionalmente.
Escrevo, no quinto fio, o intercruzamento de tempos e temporalidades que permeiam o
desenvolvimento humano e profissional das egressas, as negociações estabelecidas entre os
tempos performáticos hegemônicos orientados pela força do chronos e tempos/temporalidades
formativas concebidas pela força criadora e criativa do kairós.
Nesse contexto, compreendo que esse embate entre o chronos e o kairós influencia
diretamente a atuação na prática pedagógica, independentemente dos espaços-tempos de
atuação da Pedagogia, o que demostra o grau de relação que esses tempos estabelecem com a
construção pessoal e profissional dos professores frente à sua formação permanente.
Nestes fios que seguem em tramas múltiplas, trago as compreensões com os autores,
de um pensar mais significativo da formação feita ao longo da profissão docente dessas
egressas, suas lutas, enfrentamentos, resistências e ressignificações em sua formação
profissional considerando ou desconsiderando os cruzamentos desses tempos. Finalmente, as
biotecituras das colaboradoras possibilitaram o contato com as múltiplas inscrições que foram
sendo construídas, reconstruindo no aguayo que estampa a formação profissional das
egressas, o que me conduziu a compreender a Pedagogia e a docência na perspectiva do
professor indagador de sua prática, que por se sentir mais dentro da profissão e, suas vozes
ecoam a reivindicação de seus tempos pessoais, a conciliação deles com os tempos
profissionais e formativos. É nesse ponto que se percebe que há múltiplas epistemologias
cruzando e tecendo a práxis educativa e formativa, a qual é parte integrante e integradora de
seu formar-se permanente, tanto nos espaços de sua atuação como em outros espaços
formadores. Isso requer o uso de teares cada vez mais comprometidos com a tecitura de novos
fios para a Pedagogia. Assim, dou início a esta fiação para a composição e recomposição do
aguayo.
4.1 A pesquisa: movimentos e desdobramentos
Esta parte do trabalho orientou-se pelas pesquisas de campo junto às colaboradoras,
que utilizaram como instrumento de composição de dados entrevistas gravadas, com posterior
transcrição dos áudios. Para tanto, organizei as questões de entrevista dentro de três
dimensões: formação pessoal, formação inicial e atuação profissional, sempre intercruzadas
por percepções de tempos e temporalidades. As colaboradoras foram eleitas para esse terceiro
momento da pesquisa a partir de um levantamento quantitativo de egressas em dois períodos
de formação inicial. Fez-se uso de um levantamento com questões fechadas para saber quem
159
são e onde estão atuando. A partir desse movimento de pesquisa, é que retomo meus critérios
iniciais para a seleção das colaboradoras, pois o foco de interesse do estudo é dialogar com as
egressas que estão na área de atuação da Pedagogia, considerando a ampliação da área,
conforme as DCNs (2006) para Licenciatura em Pedagogia e a reformulação do PPC (2008-
2009) do curso de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá/IE.
Desse modo, nomeei as falas das egressas com seus relatos e experiências pessoais,
profissionais e formativas de biotecituras, considerando que a formação profissional docente
se constrói intrinsicamente com a vida, os modos de vida, as escolhas e decisões pessoais de
cada uma das colaboradoras que seguem a tecer as suas autotecituras. Essa escritura de si para
si e para os outros, a meu entender, explicita com mais propriedade as subjetividades das
colaboradoras da pesquisa concebendo suas próprias composições, por isso, chamo de
biotecituras.
No entendimento de Ferraroti (2010), o entrevistador nunca está ausente, uma vez que
há um sujeito que expressa a sua individualidade em forma de uma confissão. Nesse sentido,
―vivenciar se furta a qualquer mediação lógica ou instrumentalização racional‖
(VIESENTEINER, 2013, p. 146). Trata-se, então, de um contra conceito da razão. Ora, como
pesquisadora e entrevistadora, não tenho como controlar o que será comunicado da síntese
pessoal de cada uma das minhas colaboradoras. Mas, tenho como presenciar ativamente a
construção de suas biotecituras e assim, nesse momento de fiação e de produções humanas
dos fios que se tecem os aguayos da vida, compreendo que:
Toda vida humana se revela, até nos seus aspectos menos generalizáveis, como a
síntese vertical de uma história social. Todo comportamento ou ato individual nos
parece, até nas formas mais únicas, a síntese horizontal de uma estrutura social. [...]
frisamos lucidamente a afirmação- o nosso sistema social encontra-se integralmente
em cada um dos nossos atos, em cada um dos nossos sonhos, delírios, obra,
comportamentos. E a história desse sistema está contida por inteiro na história da
nossa vida individual. (FERRAROTI, 2010, p. 44)
Para o referido autor, a relação do ser-pessoa com as estruturas e a história de uma
sociedade, coloca-se como um ―polo ativo‖, não sendo produto acidental. Ele impõe-se como
uma práxis-sintética-humana. Logo, ―mais do que refletir o social, apropria-se dele, midiatiza-
o, filtra-o e volta a traduzi-lo, projetando-se numa outra dimensão, que é a dimensão
psicológica da sua subjetividade‖ (FERRAROTI, 2010, p. 44). Não sendo, portanto, o ser-
pessoa, um determinismo mecânico, um ―epifenômeno social‖.
Portanto, ―se nós somos. Se todo o indivíduo é a reapropriação singular do universal
social e histórico que o rodeia, podemos conhecer o social a partir da especificidade
irredutível de uma práxis individual‖ (FERRAROTI, 2010, p. 45, grifo do autor). Isso não
160
ocorre de modo linear, programado ou previsível. Ora, Merleau-Ponty (1999) nos ajuda a
entender que não podemos nos colocar ou pensarmos como uma parte do mundo, ou ainda um
objeto da Biologia, Sociologia e Psicologia. Para ele, o que cada um sabe decorre de uma
visão pessoal, de uma experiência do mundo vivido, sendo que todo o objeto da Ciência é
construído sobre o mundo vivido. O autor coaduna com Ferraroti (2010), mas avança nesse
entendimento, ao dizer que essa experiência com as coisas no mundo,
[...] não provém de meus antecedentes, de meu ambiente físico e social, ela caminha
em direção a eles e os sustenta, pois sou eu quem faz ser para mim [...] essa tradição
que escolho retomar, ou este horizonte cuja distância em relação a mim
desmoronaria, visto que ela não lhe pertence como propriedade se eu não estivesse
lá para percorrê-la com o olhar. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 03-04)
Nesse estar-sendo no mundo, compreendo o sentido do vivido, e no vivido percebo as
subjetividades de cada uma das egressas estampadas em suas biotecituras.
Por tanto, não tenho a intenção de fazer um enquadramento considerando as
biotecituras como fonte de informações como se fossem generalidades para serem usadas
posteriormente dentro de um quadro interpretativo mais amplo, caindo, por conseguinte, em
um reducionismo tradicional da pesquisa científica. Ao contrário, busquei primar pelo diálogo
com olhar perceptível e interpretativo de modo aberto para outras possíveis construções de
entendimentos. O que apresento são resultados das minhas análises compreensivas. Chego ao
final dos estudos sinalizando algumas compreensões construídas, a partir da composição dos
dados entrecruzados com as minhas percepções e os diálogos dos teóricos que elegi para esta
pesquisa.
A pesquisa é de cunho qualitativo e se construiu ancorada no referencial teórico-
metodológico, bem como no seu objeto de pesquisa. Foi esse movimento que procurei realizar
para este trabalho. Empenhei-me no diálogo com diferentes autores, conforme os conceitos
que me propus estudar e me apoiar. Para empreender os estudos referentes ao tempo e à
temporalidade, apoiei-me em Norbert Elias (1998), Merleau-Ponty (2006; 1999), Prigogine
(2011; 1990), Pomian (1993), Gaston Pineau (2010; 2006; 2005; 2003), Passos (2005; 2003),
Patrick Paul (2009), entre outros. No que concerne à performatividade entrecruzada com a
educação, me apoiei em Ball (2014; 2011; 2005; 2002), e a trato como uma categoria de
percepção de tempo e a anuncio-o como tempo performático que se mostra no esgotamento
do tempo em uso continuum contribuindo para a esquizocronia (PINEAU, 2003).
Para as compreensões de formação docente, busquei conversar com as contribuições
dos estudos de García (2009; 1999), Pineau (2003), Nóvoa (2016; 2009; 1995; 1992),
Shulman (2016; 2014), Zeichner (2013; 2008), Roldão (2014; 2008; 2007; 2004), Tardif
161
(2002) e, no que tange à Pedagogia, sua historicidade, sua constituição intercruzada com a
educação-formação, utilizei os estudos de Saviani (2012); Gauthier e Tardif (2014), Aranha
(1996); Brzezinski (2006; 1996), entre outros. Esses estudos me ajudaram a construir os
instrumentos que me auxiliaram na pesquisa como um todo.
Para a aproximação e diálogo com as egressas, elaborei um roteiro de perguntas com
uma proposta de circularidade (a qual se dá na composição das tramas do aguayo), que se
pautou em três dimensões que estão imbricadas na formação do profissional docente. A
organização, sistematização e a análise-compreensiva dos dados seguiram contemplando tais
dimensões.
As biotecituras, como uma construção pessoal-epistêmica-profissional, entrelaçam-se
no sentido do vivido e das vivências. Por isso, o entendimento de exteriorizar análogo à
confissão de si para si na presença de um outro, pois de certa forma, há uma reciprocidade
relacional, já que não relatamos nossas histórias de vida puramente a um instrumento
material. Elas perfilam, como disse Passos (2005), como em um palco exterior, onde
reaparecem e são recontadas e ressignificadas por nós na presença do outro, ou dos outros.
Nesta parte do trabalho, puxo os fios que tecem as biotecituras das 30 egressas do
curso de Pedagogia/IE/UFMT. Esse movimento de fios que é apresentado se intensifica
compondo o aguayo, no qual se estampa a formação docente considerando as três dimensões
eleitas para a composição do roteiro de entrevista. Essas dimensões se imbricam, constituindo
o formar-se em um entrelaçamento de fios, conforme se observa na Figura .
Figura 6 - Circularidade rizomática
Fonte: elaborado pela autora (2018).
Dentro de cada dimensão, direcionei as questões com foco na Pedagogia, na formação
docente e no tempo-temporalidade. A temporalidade, como já foi esclarecido para este
trabalho, é a própria subjetividade. Em vista disso, remete-se ao tempo que entrecruza as
162
coisas da vida de modo singular e particular do ser para si, e do ser para os outros, e do ser
para as coisas. Isso me fez trazer à tona o movimento tripolar de Gaston Pineau (2003), a
auto-hetero-ecoformação, o referido autor compreende essa tripologia dentro do movimento
da formação humana em uma perspectiva de formação permanente que pode ser
compreendida no decurso de toda a vida. Para ele, há movimentos múltiplos de
temporalidades (o imperativo do chronos social, os ritmos e biorritmos pessoais, sendo eles,
muitas vezes, de caráter biológico, psicológico, entre outros), os quais atravessam a formação
humana. São tempos que exigem cada vez mais do ser-em-formação diálogos, que Pineau
(2003, p. 11)34
, ―chama diálogos necessários e possíveis entre essas diferentes temporalidades
e a formação‖. Há de se pensar, diante disso, como conjugar esses diferentes tempos? Para o
autor, precisamos conquistas nosso próprio tempo, ―ora, os tempos formadores são
demasiadamente importantes para serem apenas os das formações instituídas. Mesmo essas
não são automaticamente por decreto‖, conforme esclarece Pineau (2003, p. 14).
Considerando esses múltiplos tempos e temporalidades em movimento que tecem o
ser-pessoa, busquei, em uma percepção de um olhar tridimensional, ouvir e acolher cada
egressa com suas histórias, trajetórias e vivências pessoais e profissionais em formação.
Essa divisão, no tocante às dimensões, foi uma opção didática para a organização do
roteiro da entrevista, mas não se constituiu uma camisa de força, pois no ato das entrevistas
surgiram desdobramentos de outras questões que foram incorporadas à proposta inicial devido
às necessidades oriundas das biotecituras nascidas nas e das entrevistadas.
O roteiro não se constituiu um novelo de fios a serem fiados em uma sequência lógica
de perguntas e respostas. Acolhi outras questões sinalizadas pelas egressas mediante seus
relatos. Para análise dos dados, essas dimensões são assumidas como tecituras que se
imbricam em forma de circularidades e percepções vividas em uma perspectiva de formação
humana dentro do contexto da formação do profissional docente. Ainda, as dimensões se
constituem bases nas quais congregam e ancoram a composição de dados que uso para
organizar a tecitura do aguayo. Elas não são flutuantes no sentido de serem posteriormente
dispensadas como mera estratégia de coleta de dados.
Quando fui ao encontro das egressas, já imaginava que iria ouvir muitos relatos de
experiências e vivências. De fato, eu não estava errada. Só não imaginava que as experiências
fossem tão profundas, tanto no âmbito da história de vida pessoal, como na profissional.
Ainda, me desafiei a fazer algumas questões que envolvessem diretamente o tempo e a
34
Entendimento exposto no prefácio do livro de Pineau (2003). A autora do prefácio coloca essa compreensão
como sendo do próprio autor do livro, a qual ela reforça ao apresentar a obra.
163
temporalidade. Ao longo das entrevistas, fui percebendo que, ‗o tempo-temporalidade‘ por
mim perscrutado, não cabia naquelas poucas perguntas, mas estava em todas as questões, e
naquelas outras que surgiram sem que eu houvesse planejado.
Entendi que o sujeito da percepção, conforme Merleau-Ponty (1999), não é o tempo
em si, ou a origem dele no sentido do nascimento do tempo, uma vez que ele, o tempo,
precede a existência, como Prigogine (2011) também pontua, mas o indivíduo se constitui
enquanto pessoa no tempo. Para Merleau-Ponty (1999), há relações entre tempo-sujeito-
objeto. E é essa relação que nos ajuda a compreender a relação do ser no mundo, palco de
nossa existência.
Em razão disso, a vida do ser se desdobra e dobra em um determinado tempo vivido e
apreendido, sendo ele o sujeito da percepção ou das percepções. Nesse caminho do exercício
das percepções, ―Cada consciência nasceu no mundo e cada percepção é um novo nascimento
da consciência‖. Nessa perspectiva, os dados ―imediatos‖ da percepção sempre podem ser
recusados como simples aparências e como produtos complexos de uma gênese‖.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 614). O referido autor ainda me provoca e nos provoca a
pensar que as coisas, embora estejam divididas em partes, uma não é a outra. Ora, em certo
sentido, consideradas enquanto pensamentos, as percepções das coisas são indivisíveis e sem
partes (MERLEAU-PONTY, 1999). Nesse modo de pensar, entendo que a relação tempo-ser
se funde e se confunde.
O autor em questão reforça e explica que ―nós não somos, de uma maneira
incompreensível, uma atividade junto a uma passividade, um automatismo dominado por uma
vontade, uma percepção dominada por um juízo, mas inteiramente ativos e inteiramente
passivos, porque somos o surgimento do tempo‖ (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 573). Esse
surgimento não para o mundo e as coisas em si, mas para o ser da percepção.
Indo para outro ponto, o qual se refere às entrevistas, e que se coaduna com que
Ferraroti (2010) expressou sobre o entrevistador no sentido relacional, é que percebi que as
egressas não se sentiram constrangidas com minha presença, nem tensas, procurando palavras
para me responder, mas falavam de suas vidas, de suas vivências. Há por parte das egressas
um colocar as mãos na roca e a mover para trás de si, se posicionar no ‗agora‘ e a tendê-la
para um devir. Merleau-Ponty (1999, p. 18) compreende que:
O mundo fenomenológico é não o ser puro, mas o sentido que transparece na
intersecção de minhas experiências, e na intersecção de minhas experiências com
aquelas do outro, pela engrenagem de umas nas outras; ele é portanto inseparável da
subjetividade e da intersubjetividade que formam sua unidade pela retomada de
minhas experiências passadas em minhas experiências presentes, da experiência do
outro na minha.
164
Cada uma, de seu jeito e modo, assumia a sua roca do tempo-vivido, em que teceram
suas biotecituras, de modo a fiar no tear sua própria história.
As entrevistas fluíam, mas as perguntas, em algum momento, foram interrompidas.
Ora por um silêncio de uma dor de uma lembrança que inundava o ambiente em lágrimas, ora
se rompia por um rasgar de um sorriso que trazia à tona o sabor de uma conquista, uma
superação de uma situação vencida-aprendida.
Por isso, essa parte que une cada trama do aguayo me fez voltar a cada fio já tecido
para estabelecer possíveis diálogos e interlocuções, o que procurei fazer do modo mais
respeitoso possível.
Nesta parte da pesquisa, apresento minhas percepções entrecruzadas em forma de
tramas com todas as biotecituras dessas vidas que a mim foram apresentadas e dadas a
conhecer. São modos pessoais das egressas acomodarem, olharem, assumirem e viverem a
Pedagogia em si e para si como profissionais da educação.
Mesmo sendo a entrevista orientada por um roteiro de perguntas semiestruturada, as
biotecituras resultaram em histórias pessoais e profissionais. Por isso, assumo os dados como
biotecituras das egressas que são aqui analisados na perspectiva da pesquisa qualitativa dentro
de um estudo de campo.
Daqui em diante, faço o exercício mais exigente da pesquisa: trazer para o texto e
contexto da tese as biotecituras construídas no movimento da pesquisa de campo para
compreendê-las em forma de análises e contribuições para a formação docente.
Apresento, a partir das entrevistas, mediante as biotecituras construídas, o ecoar das
vozes das egressas, o que suscitou de cada uma das dimensões para entender a extensão da
formação profissional que se mistura com a vida, e que é intercruzadas por tempos humanos e
sociais, conforme compreende Elias (1998) e os autores que comigo seguem na compreensão
dos estudos de tempo-temporalidade e formação profissional na Pedagogia.
O Quadro 4 foi construído tendo presente as questões que compuseram o roteiro da
entrevista (Apêndice B). Tomando todas as questões que formaram as dimensões, realizei
uma síntese orientadora para organizar as biotecituras, sistematizá-las, aproximá-las para
serem reflexionados e compreendidas em forma de uma análise integradora das dimensões.
Através desse panorama, via as três dimensões, e pude construir e reconstruir, a partir
das biotecituras, e das minhas percepções, o grande aguayo que é esta tese.
165
Quadro 4 - Síntese orientadora das três dimensões do roteiro de entrevista da pesquisa de campo
Fonte: elaborado pela autora (2018).
Na tríade dos tempos e dos processos formativos, observo múltiplas experiências e
construções de conhecimentos, o que me suscitou a filiar-me ao movimento hetero-auto-eco-
formativo de Gaston Pineau, o qual busquei reflexionar compreensivamente no texto,
considerando a relação das egressas consigo mesmas em profunda relação com as coisas e
com os outros. Esse movimento constante e simultâneo permeia a construção reconstrução do
ser-pessoa e profissional das egressas.
Na Figura 7, a intenção é trazer para o campo das compreensões perceptíveis o que
chamo de movimentos relacionais do ser consigo mesmo, com os outros e com as coisas,
nunca de modo separado do que é vivido. Neste caso, pelas egressas, no qual o formar-se a si
mesmas é um tecer-se em forma de aguayo nas temporalidades de cada uma delas.
Figura 7 - Múltiplos movimentos relacionais
Fonte: elaborado pela autora (2018).
Nessa relação, principalmente com os outros no sentido heteroformativo, em uma
dimensão autoformativa, Pineau (2010) chamou a minha atenção quanto à perspectiva de
166
autonomização educativa. Para ele, urge uma problemática de poder, definindo-a como a
apropriação por cada um do seu próprio poder de formação. Trata-se do empoderamento de si
para si, do ser-pessoa, mas não sendo outra pessoa. É um habitar-se a si próprio como um
empoderamento vital.
No que tange a essa problemática, o referido autor dialoga com o educador e sociólogo
Joffre Dumazedier (1980), do qual Paulo Freire, quando esteve no Brasil (1961), foi aluno.
Em Dumazedier encontramos em todas as suas obras, de modo transversal, estudos sobre a
autoformação e, finalmente, a sua última publicação foi dedicada à autoformação, que
considera a vida como o lugar da formação no sentido da formação permanente, como
também entende Pineau, quando a vê como um ―reforço do desejo e da vontade dos sujeitos
de regular, orientar e gerir cada vez mais eles próprios o seu processo educativo‖
(DUMAZEDIER, 1980, apud PINEAU, 2010, p. 99). Essa construção da persona sempre em
relação possui elementos internos e externos marcados por fases que distinguem um momento
da vida do outro, e dos outros, o que Pineau (2010, p. 101) destaca, ao dizer que possui:
[...] função de síntese, de regulação, de organização dos elementos múltiplos e
heterogêneos (físicos, fisiológicos, psíquicos, sociais...), que constituem o ser vivo,
numa unidade viva. Função sempre em ação, pois a unidade viva nunca é evidente.
É sempre atravessada e questionada por tipos de pluralidade: uma pluralidade
sincrônica de trocas incessantes dos múltiplos componentes internos e externos e
uma pluralidade diacrônica dos diferentes momentos das diferentes fases da
transformação do ser.
No entendimento do referido autor, há um exercício permanente da função da
formação que perscruta, no sentido vital, uma construção heterogênea de um ser único.
Posteriormente, ele vai chamá-la de individuação. Esse exercitar-se do constituir-se não diz
respeito a entrar em um padrão estilizado, mas ao formar-se de modo significativo e
integrado, considerando os três movimentos como tempos formativos.
Nesse movimento permanente do formar-se, retomei e tomei as biotecituras de cada
egressa, com as quais sigo a tecer considerando as dimensões que elegi para esta pesquisa e
que ora são tensionadas. Prossigo com a intenção da construção e composição dos fios que
estampam o aguayo. Para o próximo fio de entremeio, exercito o diálogo com a dimensão
pessoal das egressas de Pedagogia considerando seus processos bioformativos intercruzados
com outros processos. A intenção é trazer excertos das biotecituras que mais se aproximaram
com essa construção de entendimento da dimensão pessoal das egressas. Não é minha
intenção discutir a identidade pessoal, mas buscar saber quem são essas egressas observando
suas constituições familiares e socioculturais.
167
4.2 A dimensão pessoal das egressas de Pedagogia: constituição das subjetividades nos
processos bioformativos
Abro o diálogo com essa dimensão trazendo um excerto que ilustra o início do
tensionamento desse fio de entremeio como construção de processos de temporalidades
individuais interfiados por processos coletivos familiares e socioculturais diversos.
[...] meu pai fala claramente que ele levava o caderno na sacolinha de arroz, que quando acabava o arroz, eles
precisavam brigar, eles brigavam quem queria pegar a sacola de arroz nova, né? Então era isso, pra levar pra
escola. (Egressa 10, 2018)
Nessa perspectiva de um pensamento formativo de processos múltiplos, faz sentido o
que Nóvoa (1992, p. 13) fala sobre a formação, ou as formações, considerando o
desenvolvimento pessoal no produzir a vida do professor. Para o autor, é necessário
―(re)encontrar espaços de interação entre as dimensões pessoais e profissionais, permitindo
aos professores apropriar-se dos seus processos de formação e dar-lhes um sentido no quadro
das suas histórias de vida‖.
Considerando as biotecituras, no que se refere à dimensão pessoal, a percepção de si
para si e para os outros das colaboradoras me ajudou a compreender o contexto do cenário
familiar, a trajetória da formação pessoal e escolar das egressas. Assim, pude saber de onde
elas estão falando, seu chão cultural com suas ontologias e suas autopoiesis.
Ouvindo as egressas, as gravações, e lendo as transcrições, fui entendendo a
composição do cenário social, cultural, econômico e familiar delas. São oriundas de famílias
que retratam a constituição da realidade das famílias brasileiras, em que os pais são
trabalhadores e filhos de trabalhadores. Assim, a subsistência aparece como principal
prioridade na ordem do dia e os estudos para os filhos, para este trabalho, as egressas filhas
desse contexto familiar, como uma grande possibilidade de ―ser alguém na vida‖, pois muitos
deles se colocam à margem dessa realidade social.
Entre as famílias populares do cenário educacional brasileiro, era comum ouvir dizer
―meus pais estudaram até a antiga quarta série‖, o que denotava a conclusão de um ciclo de
estudos daquela época. Em alguns casos expressos na biotecituras, os pais concluíam somente
as séries iniciais, pois muitas vezes moravam em pequenos lugarejos, distritos ou até fazendas
e sítios. Naquela ocasião, essa escolaridade se constituía, para muitos, como a básica e a única
possível.
As falas das egressas trazem à tona esse contexto familiar no que concerne à pouca
instrução escolar de seus pais, o que possibilita rever a época, o lugar ou não lugar da
168
educação escolar para o contexto do cotidiano de muitas famílias, principalmente de camadas
populares. Sobre essa realidade, a Egressa 23 (2018) expressou que:
Eu sou filha de pescador, [...], minha mãe estudou até a primeira série, antiga, né? Primeira série, e meu pai
estudou até a quarta série. Ambos desistiram, né? Na época não tinha essa questão de escola, não era
prioridade, casaram muito cedo também. Então, eu me formei no ensino médio em 96, técnico em contabilidade,
aí logo após casei, depois do técnico de contabilidade eu me casei, tive filho, fiquei 12 anos sem estudar.
(Egressa 23, 2018, p. 01)
Em alguns casos, como o da referida egressa, o casamento e as condições de
sobrevivência também se constituíam um limitador da continuidade dos estudos, e, com o
nascimento dos filhos, as responsabilidades decorrentes do casamento, elas são como que
empurradas para o mundo do trabalho. Lendo as biotecituras de algumas egressas, me parece
que mesmo com um pouco mais de instruções que seus pais, essas egressas repetiam ou
reescreviam de modos diferentes a história deles.
Ora, assim expressou a Egressa 21 (2018):
A questão foram as dificuldades da vida que me fizeram retornar para escola muito tempo depois, fiz até a
oitava série seguidinho, sem reprovar e aí com 16 anos fiquei grávida.
Vê-se que são tempos que se cruzam e exigem que elas os habitem. Algumas só foram
dar continuidade aos estudos, tanto do Ensino médio como superior, depois que os filhos já
estavam maiores e em idade escolar.
O desafio da continuidade dos estudos acadêmicos mais avançados, depois de ser
esposa e mãe, é uma realidade que várias egressas assumiram e assumem como
enfrentamentos.
Eu acordava de madrugada pra fazer o Telecurso 2º grau. E assistia jornal pra me atualizar e tal, e quando
chegava... eu decidi estudar quatro horas por dia. Quatro horas da tarde eu parava tudo que eu estava fazendo
e ia estudar e ficava lá até oito horas. As minhas amigas, colegas, ficavam me criticando, „que que você quer
com isso? Já está velha‟, „onde isso vai te levar?‟. (Egressa 9, 2018)
A egressa, ao falar de si, se reconhece como protagonista do seu próprio formar-se,
recolhendo para si todos os seus movimentos pessoais formativos e os colocando diante de
seus olhos, não como partes isoladas com gradação de importância, mas como possibilidades
potencializadoras de vivências da auto e heteroformação. Assim, comentou:
Parei de estudar durante mais de 15 anos. E aí eu voltei... voltei no Magistério e aí eu não parei mais. Só que
esses 15 anos de vivência acho que foram fundamentais porque a Pedagogia do cotidiano hoje eu consigo fazer
essa leitura, né, que a Pedagogia do cotidiano, ela não é ensinada nos (bancos) das universidades, né? Então a
maternidade, ela é uma grande professora, não é só o amamentar, isso também é muito importante, não é só
você lavar, passar e cozinhar, é você lavar, passar e cozinhar também. É educação dos filhos, a sua reeducação,
a sua transformação no olhar da menina que deixou de... aí com 16 anos já fui ser mãe e aí tive o casamento
conturbado igual ao da mãe depois. (Egressa 21, 2018, grifo nosso)
169
O trabalho, os cuidados dos filhos e a continuidades dos estudos não se conjugavam
em um mesmo tempo no sentido de coexistirem como possibilidades. Nesse mesmo contexto,
ocorrem outros aprendizados quando se observa e se envolve com a realidade, o que, para
referida egressa, não se expressa como um tempo perdido e que não foi aproveitado, mas
como outra ou outras possibilidades de acessar outros saberes, que ela chama de Pedagogia do
cotidiano. Nela, ela traz a educação dos filhos, sua reeducação e sua transformação pessoal.
Ela está envolvida com todo esse processo. Nesse cotidiano, ela concebe a própria experiência
como processo formador e movimento de transformação pessoal. Nessa constituição do ser-
pessoa em processo de mudança, enxergo como que do alto o movimento tripolar de Pineau
(2003), em um cruzamento de fios bioformativos.
Nessa mesma perspectiva de vida pessoal, outra egressa relatou:
Casei cedo, aí terminei o Ensino Médio, parei de estudar, três filhas. Só que assim sempre houve esse desejo de
se formar, sempre tive essa vontade, só que impossibilitou devido às crianças, né? Eu trabalhava período
integral então o único período que eu tinha pra ficar com ela era à noite. E eu decidi abrir mão da minha
formação pela formação das minhas filhas, não me arrependo porque hoje eu vejo o resultado disso. Tenho
duas filhas que já são formadas, são advogadas, né? Tudo de escola pública. (Egressa 30, 2018)
Para essa egressa, a vida se explica nela própria em razão das escolhas feitas, e afirma
que se interrompeu os estudos formais, foi por priorizar seus outros processos formativos
humanos, que são todos imbricados.
Em um outro aspecto, ao observar a história dos pais das egressas, de modo geral,
salta-me aos olhos um dado interessante, a meu ver, pois verifiquei a pouca instrução escolar
dos pais de quase 90% das egressas entrevistadas. Essa realidade se constituiu um motor
impulsionador para seus filhos e filhas continuassem os estudos, já que os pais viram na
educação escolar formal e depois acadêmica, uma chance real de mudança de vida pessoal e
profissional. Diante do exposto, a Egressa 18 (2018) expressa:
E a minha família também, apesar de simples, meu pai estudou até a quarta série, minha mãe terminou já na
EJA, minha madrasta também na EJA, meu pai acabou não terminando e parou, pedreiro, empregada
doméstica, então assim, não sei pela falta que eles tiveram desse processo educativo formal, eles acabaram
tornando isso como prioridade na minha vida e na vida dos meus irmãos. Então, por mais que a gente fosse
simples, eles faziam questão que a gente se dedicasse ao máximo, dentro das condições que a gente tinha, na
escola. Tinha que ter frequência sempre, ter bom comportamento, as notas boas, desenvolver um
comportamento assim que eles não se envergonhassem da gente, que a gente recebesse elogios mesmo. (Egressa
18, 2018, p. 02-03)
Nesse mesmo sentido, outra egressa disse:
Meu pai, ele se dizia que sabia ler, mas mal escrevia o nome e aquela leitura, né, de 1900 e bolinhas, vamos
dizer assim. A minha mãe analfabeta que foi criada... ela conta a história dela que ela foi criada pra ser esposa
e mãe, nada mais. E veio a separar do meu pai, criar nós sozinha e ela costumava dizer o seguinte: „uma pessoa
que não sabe ler é uma pessoa cega‟ e ela se esforçou assim muito pra que nós estudássemos. Uma pessoa
170
assim que eu digo assim a minha mãe, ela não só tem o conhecimento teórico, mas ela tem um conhecimento,
uma sabedoria que assim é uma mulher que eu admiro demais. (Egressa 30, 2018, p. 01-02)
Em um outro momento, a mesma egressa resgata em sua história pessoal, a presença e
o papel do outro, em que emergem as questões da heteroformação em um espaço temporal da
vida pessoal, como condição sine qua non para a construção de si.
Eu fico vendo assim o quanto a minha mãe nos incentivou. De nós três, eu sou a única que tenho formação
superior. [...] Porque lá atrás eu tive a minha mãe que incentivou, que não tinha conhecimento, não conhecia
uma letra, mas ela exigia que nós fossemos pra escola todo dia. (Egressa 30, 2018, p. 08)
Observei que alguns pais eram até analfabetos de escolarização, outros tinham pouca
instrução, mas percebi em todas as biotecituras, que os pais conseguiam entender, no sentido
de ter consciência, a sua própria condição social e educacional. Por isso, se faz presente a
compreensão de um esforço para priorizar os estudos dos filhos para além da instrução básica.
Esse movimento de consciência dos pais e das filhas se sustenta em um movimento de
autoformação. Eles conseguiam separar a si mesmos e seus processos sem suspendê-los, mas
tendo-os sempre à vista para poderem dizer aos filhos: o caminho é por aqui. Foi o que
encontrei bem demarcado na biotecitura da Egressa 18 (2018):
A educação era prioridade. Tanto é que até eu terminar o ensino médio, apesar de minha família precisar, eu
não trabalhava. A gente insistia. Adolescente acha que precisa trabalhar. Não entende da vida ainda, mas a
gente não entende que o importante é estudar naquele momento. Eu não entendia, pedia, mas eles não
deixavam. Então, a prioridade era o estudo. E aí só fui trabalhar após terminar o ensino médio. Então, assim,
sempre batendo firme que era preciso prestar atenção na escola, se esforçar pra tirar sempre notas boas,
aprender. (Egressa 18, 2018)
Essa situação não é estranha para a minha própria trajetória de formação pessoal.
Observei esse mesmo comportamento nos meus pais. Para eles, o fato de os filhos estudarem
significava a possibilidade de ascensão social. Ou seja, visava a conquista segura ou provável
de um trabalho com maior reconhecimento financeiro e humano.
Algumas egressas são filhas primogênitas. Então, diante da perda do provedor da
família ou da separação dos pais, muitas passaram a assumir a casa dos pais, se transformando
na principal responsável pelo sustento de todos, como explicitou logo de início na entrevista a
Egressa 11 (2018), ao pontuar que:
Eu sou responsável pela minha casa ultimamente. Desde 2014, eu sou responsável pela minha casa. Então,
como pessoa... ai, difícil falar como pessoa... extremamente responsável, mãe, cuidadosa [...].
Para a Egressa 11 (2018), as responsabilidades aparecem no tom de obrigações
necessárias para prover a família, em um sentido de sua própria honra.
171
Outras, devido às questões de sobrevivência, tinham que trabalhar desde cedo para
ajudar a família e a prover a sua própria subsistência:
A gente sempre como filhas compreendeu essa questão da gente precisar trabalhar muito cedo. Eu vim morar
com uma prima. na verdade, pra ser babá do filho, que isso acontecia muito. (Egressa 30, 2018)
Outra egressa abordou as condições da família e a necessidade da ajuda por parte dos
filhos, até mesmo nos cuidados e na orientação dos irmãos mais novos, e assim comentou:
Venho de uma família simples. Meu pai e minha mãe não tinham terminado nem o ensino médio e a minha irmã
foi minha professora já na segunda série, então... e ela sempre trabalhou como professora. Então, eu acho...
acho não, né? Na verdade, eu penso que eu me inspirei muito na minha irmã e principalmente na profissão dela.
(Egressa 16, 2018)
Considerando as responsabilidades da família, as condições sociais e culturais, entendi
que para incentivar os filhos a estudarem, ou por já ter os filhos criados, muitas mães
retomavam os estudos. Esse comportamento se repete muitas vezes com as filhas mulheres
que passam a assumir a família.
[...] venho de uma família como acho que a maioria a gente sabe, né? De uma família humilde. Meu pai
estudou... ele não chegou a concluir a quarta série e minha mãe, passado tempos [...] foi que ela também se
iniciou, na verdade, o segundo grau [...]. Então, nós três formamos juntas, [...]. (Egressa 10, 2018)
No fragmento dessa biotecitura, mais uma vez, a mãe, a mulher, faz um novo
movimento de si em direção aos outros (hetero), para seguir tecendo sua própria história
pessoal (auto), imbricada em contextos culturais e ambientais (eco) necessários para o formar-
se.
Elas precisam trabalhar dentro e fora de casa, cuidam dos filhos em idade escolar nas
séries iniciais. Assim, quando estão maiores, mais independentes e algumas até com filhos na
educação superior, voltam a estudar, pois a educação escolarizada constitui-se uma porta para
a emancipação social, financeira e para a realização pessoal.
No trecho que se segue, a Egressa 30 (2018) relata uma situação que exigiu dela uma
nova escolha, uma decisão, talvez a mesma que seus pais fizeram por ela, mas as suas filhas,
dessa vez, optaram por apoiá-la:
Então... e quando eu resolvi... que até então você imagina, depois de 25 anos sem estudar... não, 25 anos,
menos, acho que 20. [...] E eu já tinha desistido e minha filha quando começou a entrar na universidade, fazer o
vestibular e o Enem. [...] ficou muito „não, mãe, a senhora vai conseguir porque a senhora gosta de ler, a
senhora vai se dar bem‟, né? Ficou me incentivando e eu fui e fiz. [...] Eu ia passar deixar uma na escola, a
outra e depois eu iria pra minha, né? Naquele momento, na hora de sair, o pneu estava furado. [...] A outra
mais velha „não, mãe, eu vou ficar com a senhora‟ e meu marido tava viajando nessa época „eu vou ficar com a
senhora‟. Ficamos ali, arrumamos o pneu, só aí o tempo já não dava pra nós duas fazer. E eu „não, filha, vai‟,
porque até então, pra mim, eu quero o que, né? Estudar. Hoje é elas, né? Ela „não, mãe, eu já tenho a bolsa, a
senhora vai fazer. Se a senhora não fazer, ninguém vai fazer‟. E ela foi comigo, ficou os dois dias de vestibular
172
lá esperando porque naquele tempo eu tava recém iniciando a dirigir, aquela insegurança, né? (Egressa 30,
2018, p. 04-05)
Em um outro momento, essa mesma egressa relatou que uma de suas filhas, no
primeiro dia de aula na Pedagogia, se colocou do lado de fora da sala de aula e ficou a
acompanhando.
Essa é uma realidade no curso de Pedagogia campus Cuiabá, onde eu acompanhei
desde a minha turma. Há várias mulheres que voltam a estudar, mas como já constituíram
família ou tem filhos, em vários momentos, trazem para a sala de aula seus filhos menores,
quando não tem com quem deixá-los. Por isso, não é de se estranhar no curso de Pedagogia
termos estudantes mulheres trazendo consigo seus filhos menores.
Nas vozes das egressas, emergiu a luta de muitos pais e mães pela educação de seus
filhos, principalmente das mulheres. Observei que, para as egressas, trazer essa trajetória
inicial dos pais, era como que dizer: eles tinham pouca instrução formal escolar devidos às
precárias condições sociais e econômicas da época, mas detinham o conhecimento da vida na
vida. Os pais olhavam para suas vidas e projetavam nos filhos algo diferente no sentido de
uma nova perspectiva de vida, a qual só podia vir pela educação formal.
Um exemplo é a formação escolar na Educação Básica do ponto de vista da
experiência da egressa, que, em algum momento, passam a entender essa realização, essa
satisfação por parte dos pais, que devido aos estudos dos filhos são capazes de fazer
sacrifícios. Em razão disso, muitos migram do campo para a cidade, ou de uma cidade menor
para uma que ofereça mais condições de estudo e trabalho, onde se deparam com um ritmo de
vida e ensino mais exigente. Como conta Egressa 9 (2018), que em meio a uma reprovação
escolar ainda no ensino básico, compreendeu o esforço da mãe e passou a dar maior valor aos
estudos:
[...] depois que eu repeti esse terceiro ano, a minha vida escolar se transformou, né? Porque eu vi minha mãe
assim, que ela acreditava muito. Eles saíram do sítio pra cidade pra dar estudo pros filhos. Era o sonho dela ver
todos os filhos formados. Ela diz que tinha o sonho de ver todo mundo chegando do serviço, engravatado e tudo.
E quando eu reprovei, eu vi assim aquela tristeza no olhar dela, sabe? E daí pra frente, eu comecei a me dedicar
mais.
Nesse sentido, expressou também a Egressa 16 (2018):
E eu falo pra minha mãe que eu agradeço muito ela, porque ela me ensinou, mesmo com muitas adversidades,
de toda uma história complicada da minha infância, da minha adolescência, na época da faculdade também
[...]. (Egressa 16, 2018, p. 34)
A satisfação dos pais passa a ser, para muitas egressas, a principal motivação para dar
prosseguimento aos estudos. As biotecituras ajudaram-me a entender que as famílias desse
173
grupo de colaboradas, mais de 80% delas, são provenientes de camadas populares, filhas de
trabalhadores do campo, assalariados, autônomos e um grupo de funcionários públicos.
Nesse contexto, os estudos passam a ser uma questão humana de sobrevivência futura,
de um acreditar em uma condição melhor. Ademais, a pouca instrução, as precárias condições
de vida e os baixos salários também foram fatores determinantes para fazer um curso superior,
assim como expressou a Egressa 9 (2018, grifo nosso):
Pra mim, o dia mais triste do meu trabalho, e eu sempre me dedico muito no que eu faço, nos trabalhos, era o
dia que eu recebia. Eu entrava dentro do banheiro e chorava, mas eu falava assim, ‘a culpa é sua. Por que que
você não estudou mais?’.
As condições econômicas e sociais estavam sempre postas como um fato que
representava superação, enfrentamento e resistência.
Nessa fala da referida egressa, aparece o entendimento da formação no sentido pessoal
e profissional como uma construção pessoal amalgamada, imbricada em múltiplas
temporalidades formativas, as quais compreendo como Pineau (2003), que elas vão sempre de
um polo para outro, se movendo permanentemente. Nesse caso, há um desejo de vencer o
imposto da espera de um tempo que parece ser oco e sem sentido. Pineau (2003), em diálogo
com Moles (1984), diz que a vida, no sentido de ela toda do ser-pessoa é sobrecarregada por
esse imposto da espera. A expressão ―a culpa é sua‖ surge como alavanca de confronto com o
autoformar-se, de uma necessidade de descontinuidade do tempo, da espera que parece ser
como disse a egressa, frustrante. Denota-se uma compreensão de um processo formador
humano que não ocorre de modo isolado, mas é global relacionado ao ser-pessoa.
Por isso, faz sentido as egressas trazerem, nas suas biotecituras, a educação herdada na
família, as influências do meio social e do meio ambiente cultural (hetero-eco). Nesses
aspectos, consigo observar a presença do movimento tripolar de formação estudado por
Pineau (2003; 2005) em vários momentos (tempos) vividos pelas egressas em seus tempos,
nos tempos dos outros e das coisas.
Em uma outra biotecitura, a mãe se coloca como a primeira professora de seus filhos.
A figura matriarcal é sempre muito atuante nos processos formativos, como conta a Egressa
21 (2018):
A minha mãe toda vida teve uma preocupação muito grande em garantir que os cinco filhos, eu sou a terceira,
somos três meninas e dois meninos, eu sou a do meio, a (coluna) do meio, então ela sempre se preocupou
enquanto pessoa, mas ela é educadora também, né? Em garantir minimamente que a gente tivesse algumas
oportunidades de leitura, de cultura. Nós nunca fomos ricos, muito pelo contrário, a gente passou muitas
dificuldades na infância, coisa de... questão material mesmo.
174
Para os pais, há uma certeza que a educação, enquanto formação humana e
profissional poderia ‗colocá-las‘, no caso, as filhas, em uma situação melhor de vida e
dignidade humana. Por isso, a satisfação de vários pais e das próprias egressas por estarem
cumprindo esse desejo e sonho que não era só delas, mas também de suas famílias. Ora, ser a
primeira filha na família a obter uma formação superior e em uma universidade pública
federal, já era uma vitória a ser festejada, como expressou a egressa:
Com relação ao superior, foi uma coisa bem interessante, ao mesmo tempo até gratificante pra mim, porque eu
fui a primeira da família a fazer um curso superior, né? Na minha família, tanto na parte da minha mãe como
na parte do meu pai, não havia ninguém formado no superior. Então, assim, minha família ficou amplamente
grata, todo mundo, né? Poder ver eu me formando, e pela UFMT ainda. (Egressa 19, 2018, grifo nosso)
Essa conquista formativa apareceu nas biotecituras de todas as egressas em graus
diferentes. Em razão disso, para esse aspecto, apresento mais alguns excertos que ilustram
bem essa realidade.
Fui a primeira filha dos meus pais, minha mãe não teve o ensino todo... superior e nem médio, os dois chegaram
até o quarto ano do ensino fundamental. Minha mãe, empregada doméstica e meu pai, lanterneiro. Então,
assim, eu nunca trabalhei antes de terminar os estudos [...] meus pais preferiram que eu terminasse os estudos
pra conseguir uma vaga numa universidade pública, porque não haveria dinheiro mesmo de pagar uma
particular. E aí eu consegui, passei... (ai, eu vou chorar) (risos). (Egressa 5, 2018)
Eu fui a primeira. E depois meu irmão… acho que depois, assim, que houve mais uma abertura num contexto
nacional em relação à possibilidade de ir pra nível superior. Meu irmão também fez. Ele fez Gestão de Pessoas,
mas na área dele, que ele é gerente de vendas. (Egressa 27, 2018)
Na família, sou a primeira a entrar no nível superior. Atualmente, alguns primos já possuem o nível superior.
(Egressa 22, 2018)
Observo, nas biotecituras das egressas, movimentos múltiplos vividos de construção
de si. Elas trazem à memória um conjunto de momentos intensos que eu entendo como um ou
vários fios ontológicos do ser-pessoa. Todos eles parecem que anunciam um devir. Como
cada uma busca, em sua própria história pessoal, ganchos de aprendizados que estão
armazenados em um determinado tempo que vai se estendendo-entendendo até onde elas
estão se percebendo e se deixam perceber.
Desse modo, concordo com Pineau (2003), quando afirma que a formação humana vai
se impondo juntamente com várias outras temporalidades como uma função vital de um devir
ontológico.
Para algumas egressas, a escolha do curso superior passa muito mais por uma
satisfação a ser dada aos próprios pais no sentido de obediência, do que propriamente por uma
escolha livre e refletida no âmago pessoal, passando a significar um compromisso com a
família:
175
[...] a minha questão de formação de nível superior, eu vejo que foi muito mais, vamos dizer assim, pelo
incentivo deles, não é né... é incentivo, porque eu fui criada assim: você tem que crescer, estudar, se formar,
trabalhar, e aí casar. Então, eu tenho isso incutido em mim. É óbvio que aos 33 anos eu já me libertei de muita
coisa que foi incutida em mim, mas assim, isso é uma coisa que não sai da minha mente. Alguns chamam isso de
imaturidade. Não, eu chamo isso de obediência. [...] Meus pais, eles não têm escolaridade de nível superior,
mas eu vejo que eles se realizam através de mim. É errado? É. Eu aprendi na faculdade, estudando Psicologia,
tal, tal que isso, de certa maneira, isso é errado, mas eu aprendi a ver o lado bom da coisa [...]. (Egressa 8,
2018)
Com isso, pode ocorrer a realização exterior alheia à sua própria vontade, mas que
apresenta algum grau de satisfação pessoal, pois está vinculada a uma relação afetiva que é
correspondida, mesmo quando a pessoal é negociada. Esse sentimento de incentivo e
incutimento se filia à heteroformação, que está fortemente colocada nessa relação com aquilo
que os outros representam e, assim, conseguem constituir no outro seus saberes, modos,
cultura e crenças, dentre outros aspectos que podem acompanhar a vida desde a mais tenra
idade o ser-pessoa. Quando a Egressa 8 (2018) exclama que já tem 33 anos e que já se sente
livre, tanto para olhar como para se distanciar dessas ―coisas incutidas‖, entendo que essa
capacidade de reorientação pessoal está ligada à autoformação no sentido de uma integração
dessa formação e emancipação. A respeito disso, Pineau (2006, p. 56) fala da aprendizagem
não formal, mas pessoal e experiencial, pois ele diz que ―só um face a face com sua vida
permite aproximar o face a face com os outros e efetuar um caminho formador com eles‖.
Não é desconsiderar o outro, mas se perceber a partir do outro.
O mesmo movimento foi observado na biotecitura da Egressa 21 (2018), quando ela
como que se toma nas mãos, o que ela chama de memória pedagógica, como algo que ora está
solto e ora está preso na vida privada e nela, mais uma vez, se reencontra e se reconhece nos
outros, nas outras colegas também mulheres, ao dizer que:
Quando eu voltei a estudar essa herança, essa memória pedagógica que ficou do sofrimento no mundo, da vida
particular, da (vida) privada ali, ela aflorou porque foi ao encontro de outras histórias aqui dentro e muito
articulada já com aquela vivência que a gente tinha da vida de dona de casa, onde eu conheci a Economia
Solidária, um movimento social. Antes de entrar na faculdade, eu já tinha conhecido o movimento social, tanto é
que eu só voltei pra estudar não foi por nada porque o movimento social, ele foi determinante no sentido de
provocar e dizer „você pode ser mais do que isso‟ e eu não acreditava. Te juro que esse estigma de não
acreditar em si me acompanhou porque eu não dou conta, „eu não posso, eu não dou conta‟, eu ouvia isso muito
do meu marido. Egressa (21, 2018, grifo nosso)
Esse caminho formador vai se abrindo de modo autoconsciente, desentranhando e
sendo reconstituído em todos os momentos que formam a vida, considerando que há, nessa
relação com os outros, processos sociais e culturais que já nos formaram, os quais, por sua
vez, agora, assim como eu estou fazendo, nós, juntos, estamos ressignificando esses processos
em uma nova escrita ou reescrita de si no movimento do formar-se.
176
Há também outra situação, na qual o pai é professor e se manifestou na escolha
acadêmica da filha, no sentido de querer orientá-la a escolher um curso que tenha maior
oportunidade financeira de trabalho, pois para esse pai e professor, a Pedagogia se apresenta
como um curso de pouco reconhecimento financeiro. É o que fica expresso na fala da egressa
ao confrontar sua escolha profissional com os sonhos de realização profissional de seu pai.
Quando eu escolhi ser... vir pra faculdade fazer Pedagogia, meu pai não gostou muito, „ah, mas vira professora
e tal‟, mas era aquela ideia assim, „eu não gosto porque você não vai receber muito bem, minha filha, mas se
você quer fazer, faça‟. (Egressa 16, 2018)
A referida egressa disse que, na intenção de ajudar:
Ele falou assim „você não quer fazer letras? Não quer fazer matemática? Química? Física?‟ Eu falei „não, eu
quero fazer Pedagogia‟ e já pensando que o meu âmbito escolar seria a Educação Infantil. Então, no que eu fiz
o vestibular, passei pra Pedagogia e fui fazer o curso. (Egressa 28, 2018)
Em um outro contexto com tensões e conflitos familiares e o preconceito social, a
percepção das condições de si em um desejo de superação foi o elemento fundamental para
vencer imposições coercitivas emocionais e sociais. Assim, estudar ou dar continuidade aos
estudos era a única alternativa a ser perseguida, como relatou a egressa:
Eu entrei no curso de Pedagogia com muitos preconceitos, que a gente tem da nossa sociedade, da cultura. E aí,
às vezes, uma família simples não tem certas compreensões que talvez uma família com um pouquinho mais de
estudo tenha. Então assim... mas desmistificou tudo, eu me tornei uma outra pessoa, literalmente. Então, eu
acredito no curso de Pedagogia, tanto na perspectiva de formação, do papel que a educação tem na vida da
pessoa, e também como o curso em si ajudar na formação da pessoa, enquanto sujeito da sociedade mesmo,
como cidadão. (Egressa 18, 2018)
Esse tornar-se outra pessoa sendo ela mesma, essa percepção de si é possível no
sentido da observadora ser ela mesma ao identificar a multidimensionalidade formada por
aspectos sociais, socioculturais, emocionais e educacionais em seu processo formativo e
humano.
Esses processos pessoais são constituídos, como já observei em várias biotecituras, de
vários aspectos, os quais seguem tensionando a vida das egressas em suas várias
temporalidades.
Foram muitas lutas, né? Muitas lutas, questão pessoal mesmo. Na época da faculdade, eu me separei. Aí foi um
tempo bem difícil. Aquela luta diária. Tive que trabalhar e estudar, trabalhava... estudava de manhã, que era
período matutino, e à tarde eu consegui estágio no Sesi. Então, fiquei... durante a faculdade fiquei dois anos no
Sesi, saí em 2012 do Sesi. (Egressa 23, 2018)
Para a egressa mulher, trata-se de uma luta que ela trava consigo mesma, com sua
família e com a sociedade. Assim, nessa busca, elas expressam que:
177
Eu sou uma mente meio que inquieta, não consigo me acomodar e dizer é assim mesmo tem que deixar, não vai
mudar, a vida toda foi assim [...]. (Egressa 1, 2018)
Por isso, nesse processo, esse ‗sair da espera‘, remete a si mesma, corroborando com o
que Dumazedier (1980) e Pineau (2010) compreendem por autoformação que nasce no ser
que deseja se autogerir em sua própria educação em seu próprio tempo.
Essa consciência de si e dos vários outros contextos que vão sendo tecidos pelas novas
escolhas advindas dos estudos em uma instituição pública federal, aparecem nas biotecituras
como um privilégio, uma medalha a ser ostentada com satisfação e respeito, pois quem diria,
a filha do trabalhador e da trabalhadora do campo, pedreiro, pescador, analfabeto,
semianalfabeta, mãe dedicada ao lar e em outro momento, faxineira, pais professores da
educação básica, e, filhos e filhas com uma vida inteira escolar construída no ensino público,
agora essas pessoas estão sentadas em um banco de uma universidade pública federal? Foram
esses cenários que vi sendo estampados nas vozes das egressas. Uma delas assim explicou:
Eu estou aqui na UFMT. Isso já me engrandecia e muito, [...] nesse sentido da minha vivência agora, isso me
engrandecia muito. Todo mundo falava assim, „onde você estuda?‟. Na UFMT. „Nossa, mas você estudava só em
escola pública‟. Estudei só em escola pública. „Ah tá, onde você vai agora?‟ „Vou ler na biblioteca. Vou fazer
alguma coisa, tô lendo um livro, tô fazendo alguma coisa (a mais)‟. „Nossa, por isso que você passou na
UFMT‟. Falei: „não é‟. Essa rotina do estudo, às vezes, eu não tinha, mas é o querer, procurar saber, não é só...
e aí o tempo retorna novamente, a ideia do, „o que eu estou fazendo com meu tempo?‟ [...]. (Egressa 16, 2018)
A relação interpessoal com o outro (hetero) possui outros sentidos de trocas, porque se
tem algo essencialmente individual que foi construído fora de um controle estabelecido. O
sentir-se (auto) rompe e quebra esse paradigma da naturalização do lugar da mulher na
sociedade e na família. Por isso, a vitória pessoal sobrepondo a conquista familiar.
[...] foi uma das experiências mais fantásticas, receber um certificado, um diploma universitário. [...] felicidade
é acabar de terminar um curso numa universidade federal [...]. (Egressa, 3, 2018)
A conquista pessoal gera uma satisfação que impulsiona os processos de construção de
si para si, que vem resgatando a autoconfiança e a autoestima da mulher. Ela se reconhece
melhor em vários aspectos humanos como confirma a fala da Egressa 27 (2018):
Eu acho que, assim, quando a gente melhora como pessoa, como pessoa em si, a gente automaticamente vai
melhorar como profissional. É uma caminhada que não separa também seu pessoal do seu profissional. E aí eu
fiz esse processo de formação, e eu gostei bastante de tá fazendo. (Egressa 27, 2018)
Nessa dimensão, percebo os muitos fios que se tecem para uma constituição pessoal
do ser-pessoa. A história familiar-cultural caracteriza a origem da egressa. Nas entrevistas,
muitas vezes, as vi se emocionarem com suas trajetórias de vida, pois todas elas estavam e
estão coladas emocionalmente em seus progenitores. Ora, estamos falando de avós ou alguém
178
que as adotou, mas, enfim, todos são parte da sua família, e não estavam ali comigo naquela
entrevista falando somente de si. Por conseguinte, as conquistas são quase sempre coletivas e
de esforços múltiplos.
Nessa tecelagem pessoal, identifico o movimento de tempos formativos em busca de
rompimentos com estruturas sociais preconceituosas dominantes dos ‗tempos livres‘, pois os
sufocam e oprimem, regulam a vida das pessoas impondo gradações de valores e condições
como sendo um determinismo natural da pessoa, ou de um dado grupo social. Por isso, a
autoformação quando percebida e assumida pelas egressas em seus tempos, lugares e
condições sociais, é capaz de romper e extravasar essa estratificação social e educacional
perpetuada por gerações. Nesse sentido, Pineau (2010, p. 100) expressa que:
[...] a autoformação é para demasiadas pessoas – em especial para os indivíduos
socialmente dominados – uma luta árdua de sobrevivência em todos os instantes e
lugares que não pode ser ligada unilateralmente a tempos livres que não são
automaticamente tempos educativos.
Há um esforço entre os elementos auto, hetero e ecoformação, uma vez que se trata de
uma relação que ajuda a formar o ser-pessoa, mas também a sua individuação que vai
particularizando uma persona das demais personas.
O item seguinte ajuda a compreender que tanto o tempo pessoal como o da formação
inicial estão cimentados na vida. A base inicial está nessa construção primeira que se atrela
aos outros e ao meio físico, cultural e social do qual as egressas têm a sua origem.
O desdobramento dos fios que tecem o ser-pessoa ao longo das fases do
desenvolvimento humano assume outros fios e ressignificam os que já estão tecidos no
sentido de aprendizados e vão se constituindo em experiências do vivido.
O movimento de tensionamento de fios que nesta parte do trabalho foram sendo
construídos, reunidos e unidos são originários das implicações de múltiplos tempos pessoais,
sociais e culturais das biotecituras das egressas. Para essa compreensão, Pineau (2010, p. 112,
grifo nosso), em seus estudos, esclarece que:
Permitindo aos sujeitos reunirem e ordenarem os seus diferentes momentos de vida
espalhados e dispersos no decurso dos anos, a história de vida fá-los construir um
tempo próprio que lhes dá uma consistência temporal especifica. A construção e a
regulação dessa historicidade pessoal são talvez as características mais importantes
da autoformação, as que a fundamenta, dialeticamente, ativando, e talvez criando, o
processo unificador da dupla pluralidade. Daí a importância da história de vida
para a construção e o conhecimento da autoformação.
Intencionalmente, não foi essa a proposta das minhas questões de entrevistas, mas elas
foram se transformando em um grande corrimão para as egressas acessarem suas vivências
como um tempo vivido e vivo, pois elas mesmas me diziam, após a entrevista: ―Nossa,
179
professora! Como é interessante pensar sobre nossas trajetórias de vida. Não pensava que iria
vê-la na minha frente desse modo‖. Fui organizando e no processo de relatá-las, os
acontecimentos iam fazendo sentido. A dimensão pessoal das egressas no ato de produzirem a
si mesmas para a composição das biotecituras como potencial formativo foram mobilizando
seus aprendizados em todos os polos do movimento tripolar de formação.
Diante dessas sínteses e inter-sínteses do ser-pessoa em construção permanente, as
minhas compreensões passam pelas de Pineau (2010), para quem a autoformação é entendida
a partir de sistema de múltiplas relações pessoais (hetero), em diferentes espaços sociais,
culturais, ambientais (eco) de tempos temporalidade plurais que exigem novas conjugações. O
desafio preconizado por Pineau (1986), com a autoformação, é a transformação da pessoa e
do corpo social do qual ela faz parte.
O movimento de novos tempos e temporalidades formativas pessoais e profissionais
surge nas biotecituras, como se pode observar na Figura 8:
Figura 8 - Egressas - Percepções de autonomizações
Fonte: elaborado pela autora (2019).
Considerando essas compreensões e construções de sentidos e significados pessoais
que foram percebidos nas biotecituras, continuo a fiação do aguayo trazendo para o próximo
180
fio de entremeio aspectos da dimensão da formação inicial em uma construção bio-
epistemológica.
4.3 Dimensão-formação inicial de egressas de Pedagogia: construções-ressignificações e
empoderamentos bio-epistêmicos
E ao mesmo tempo que falava isso, falava “não, olha: você tem que voltar mesmo a estudar porque você não
sabe nada”, né? Tem que se empoderar, a palavra empoderar era... (Egressa 21, 2018)
Observo nas biotecituras que totalmente ou parcialmente, os movimentos (auto-hetero-
eco) nos processos formativos humanos e profissionais, de alguma forma, estão imbricados,
ou melhor, tais quais os aguayos andinos são tecidos por uma composição de múltiplos fios e
cores, o que muda são os teares dos contextos socioculturais e familiares.
Assim, sigo a tecer e, nesse seguir, é como se soasse um sino e o primeiro dia de aula
na academia assim começasse:
No primeiro dia de aula, ela foi comigo. Ficou lá assim o tempo todinho lá fora na UFMT sentada me
esperando. E ela falava assim pra mim: „mãe, se a senhora não entender pergunta mãe. Não fica quieta.
Pergunta se a senhora tiver alguma dúvida. Fala, não fica quieta‟ porque até então, eu assim meio que me
fechei um pouco, né? E eu falava „eu numa universidade‟ um outro mundo, né? Então, eu ficava muito receosa.
Eu falava pra minha filha assim: „eu não vou conseguir acompanhar‟. „vai, mãe, a senhora é esforçada. A
senhora é inteligente‟. É assim uma pessoa que eu devo a minha finalização do meu curso por ela, porque ela
sempre ali do lado. Nossa, a faculdade pra mim foi um sonho. Eu assim, vivi cada momento ali. Talvez o
período... talvez, se eu tivesse feito lá, né, na minha juventude quando eu terminei o Ensino Médio, talvez não
teria sido tão significante quanto foi nesse momento, né? Hoje, como profissional, como pessoa também, a
minha mente, né? Na verdade, eu posso dizer que existe eu antes da faculdade e eu depois da faculdade, né?
Eu vivi assim. Aproveitei cada momento ali. (Egressa 30, 2018)
O começo da vida acadêmica para uma jovem mulher tem um sentido, um movimento
e para uma mulher adulta, esposa, trabalhadora e mãe certamente terá outros sentidos e
significados.
Considerando esse sino simbólico, de início, reitero que a formação inicial é assumida
nesta pesquisa como parte e momento intrínseco do desenvolvimento profissional docente,
não a partir de um sentido de uma justaposição entre formação inicial e formação continuada.
Mas, por entender que a formação profissional do professor, de fato é dele, é construída por
ele. Trata-se de uma negociação pessoal, não sendo, portanto, uma imposição, pois o
professor é o principal interessado e corresponsável pela sua formação como sendo parte de
seu projeto de vida, considerando sua inserção profissional em seus contextos de trabalhos e
quanto às políticas educacionais. Em razão disso, não é um agir isolado, nem solitário, muito
menos desprovido de intencionalidades de caráter profissional. Configura-se como uma luta
de afirmação e confirmação de seu direito legítimo de aprofundamento de sua identidade
profissional e humana dentro de suas etapas de carreira docente.
181
Para García (1999, p. 137), a formação profissional possibilita ao professor ir fazendo
mudanças em sua vida profissional, ao ressaltar que,
[...] uma abordagem na formação de professores que valorize o seu caráter
contextual, organizacional e orientado para mudança. Essa abordagem apresenta
uma forma de implicação e de resolução de problemas a partir de uma perspectiva
que supera a caráter tradicionalmente individualistas das atividades de
aperfeiçoamento de professores.
O referido autor chama atenção para a formação de professores com ―conotação de
evolução e continuidade‖. Ele ainda reforça que ―vemos o desenvolvimento profissional dos
professores como uma encruzilhada de caminhos, como a cola que permite unir práticas
educativas, pedagógicas, escolares e de ensino‖ (GARCÍA, 1999, p. 139).
O aprendizado do ser-professor acontece colado na vida pessoal e nas trajetórias das
experiências profissionais, sendo uma interação entre as suas histórias de vida, as fases de
formação profissional, os contextos da escola inseridos em contextos mais amplos,
educacionais e políticos. Para Day (2001), é necessário que o professor em formação faça a
síntese entre ―a cabeça e o coração‖, no sentido da totalidade do ser que pensa e age de modo
coerente, integrado e responsável.
Em razão desse movimento imbricado, tais peculiaridades requerem que o professor
em sua exposição reiterada com sua realidade escolar – sua prática e seus estudos – possa
compreender os aspectos macro e micro que envolvem a atividade docente e as políticas
educacionais em vista de sua acuidade epistemológica.
Dessa forma, esse movimento que envolve entrelaçamento, construção, desconstrução
e ressignificações, segundo enfatizam Pineau (2003) e García (1999), é um continuum,
apontando, portanto, para um entendimento comum de que a formação é um processo
permanente, que evolui conforme a fase de desenvolvimento profissional-pessoal de cada
egressa. Quanto a isso, concordo com tal compreensão, uma vez que se percebe que, em
virtude dessas características, há a gestação de mudanças não somente na prática pedagógica
do professor, mas em sua relação consigo mesmo, com seus pares, junto ao seu meio social,
cultural e familiar.
Mediante essas compreensões, puxo os fios da formação inicial das egressas de
Pedagogia da UFMT (2009/2013) e ao puxá-los, observo que esse trançamento de fios é
possível devido à aproximação e à inter-relação entre uma dimensão e outra, como ficou
evidenciado na composição das biotecituras.
182
Ao iniciar esse diálogo trazendo a formação inicial desse grupo de egressas, fiquei a
pensar logo lá no início, antes do sino soar, sobre a motivação que temos ao fazer a escolha do
curso.
Comecei a pensar nas minhas motivações, pois inicialmente, para mim, a Pedagogia
era estudar para ser professora. Realidade que eu já conhecia, uma vez que tinha feito o
Magistério, mas no meu íntimo, por gostar de trabalhar com pessoas, eu queria mesmo era
fazer um curso de Psicologia, e na época, a UFMT, não tinha ainda criado esse curso, o
mesmo havia somente em uma instituição privada, mas para mim, a faculdade tinha que ser
cursada em uma instituição pública, não havia outra possibilidade.
Cheguei ao curso de Pedagogia por estar motivada a estudar a formação humana e
depois disso, eu iria pensar a docência e a escola. Dito isso, considero que há aproximação
tanto da minha história pessoal, como da formação inicial, com as trajetórias dessas egressas.
Somos todos feitos de começos e continuidades. Então, indaguei-me: quais foram as
motivações iniciais ou as disposições para se chegar ao curso? Alguns excertos me contaram
que, para algumas, se tratou de uma escolha pessoal:
E então, assim, a opção por Pedagogia não foi porque „ah, segunda opção, não deu pra outro curso‟. Não. Foi
opção mesmo, por amor. (Egressa 20, 2018 (p. 05)
Na verdade, foi a minha primeira opção minha, né? Vamos dizer, necessariamente, entrei no curso de
Pedagogia, aí eu fui pra uma salinha de aula numa escolinha particular. De lá, eu passei num concurso.
Trabalho em sala de aula há muito tempo. Me considero uma pessoa realizada e hoje eu estou na coordenação.
Então, sem o curso de Pedagogia eu não teria alcançado o que tô hoje. (Egressa 29, 2018 (p. 05)
Desde sempre, eu me lembro que eu queria ser professora. Não foi algo assim... porque as pessoas acham que
porque é fácil de passar, porque é um curso que não é tão concorrido, né? E aí... mas não. No meu caso, não
foi isso. Eu quis porque eu quis mesmo. Foi algo assim que foi crescendo dentro de mim enquanto desejo.
(Egressa 18, 2018)
Eu me identifiquei com a Pedagogia desde o início, desde que eu comecei na faculdade também, tive certeza que
era isso. (Egressa 16, 2018)
Em outras biotecituras, as motivações giravam em torno da presença da figura
feminina, sendo personificadas pelas mães, irmãs, avós, tias e professoras:
A minha mãe foi um alicerce de inspiração do início ao fim. Eu sempre brincava de professora quando eu era
pequena. Eu era a professora e tinha os aluninhos, meus primos, meus irmãos. Então, eu sempre fui professora,
mas nunca pensei que de fato seria. Eu nunca pensei que de fato conseguiria ser. Fiz o curso de Pedagogia e
essa foi a inspiração: é a mãe que ajudava as pessoas e que me ajudava, minha vó também, minha vó materna...
(Egressa 21, 2018)
[...] foi um incentivo da minha mãe. Foi da minha mãe, minha mãe que me incentivou. E aí eu fiz, fiz pra
Pedagogia, graças a Deus, eu passei. E depois que eu comecei o curso, eu gostei. Eu gostei sim. (Egressa 24,
2018)
183
É, eu acho que além da minha irmã como uma fonte ali, eram as minhas professoras, a trajetória escolar que eu
tive. Ao longo disso, eu tive professores que tinham amor com o que fazia. Então, você observava que era...
mesmo com toda uma situação não só... assim, não sei se também eu sempre ou nunca pensei em só questão
financeira. (Egressa 16, 2018)
[...] a Pedagogia, ela veio pra minha vida.... Porque assim, eu tive uma educação fundamental bem legal, né?
As professoras eram bem legais e tal, mas não foi isso o sonho. Foi a minha tia, uma irmã da minha mãe que
tem Magistério. E aí eu sempre admirei o serviço dela assim e tal. E aí eu vim pra essa área por causa dela, por
causa da minha tia que tem Magistério, depois ela fez Pedagogia, né? (Egressa 20, 2018)
Ora, chegar a um curso superior de uma universidade federal pública, de início, evoca
um sentimento de satisfação pessoal, mesmo quando o curso não é uma escolha inicial, mas se
constitui, para algumas egressas, como uma construção, uma relação de sentidos e
significados a serem confrontados, digeridos, refletidos e assumidos como uma nova escolha,
agora, que passa a ser vivenciada. Ou trata-se de um encaminhamento orientado por outros
critérios de escolhas, conforme comentam as egressas sobre o processo de ingresso no curso
de Pedagogia:
Eu cheguei a fazer o primeiro em Letras. Mas em Letras eu fiquei classificada também um pouco longe, [...]
geralmente, na UFMT, são menos vaga. Eram 20 ou 25, se eu não me engano. Já Pedagogia eram 40. É 40 de
manhã e 40 à tarde. E aí, graças a Deus, eu consegui entrar nesse ano. Nesse ano seguinte, eu prestei pra
Pedagogia. É que eu consegui uma vaga. Consegui entrar. (Egressa 10, 2018)
E, então, eu fiz. Optei fazer porque eu já tava ali na área na área de atuação. E me remetia essa necessidade de
estudo. (Egressa 27, 2018))
É. No primeiro momento, a motivação de ter um curso superior, primeiro momento, porque assim, até então não
era a prioridade ser pedagoga, né? Mas foi a oportunidade que eu tive. Então, assim, agarrei, pela questão de
ter uma formação superior. 12 anos parada, então... E o segundo momento, eu me descobri na Pedagogia,
alguns talentos, né? Então, assim, isso melhorou até minha questão com os meus filhos, o entendimento de
algumas questões que eu, como mãe, não entendia. Mas, a partir do momento que eu me tornei mãe, pedagoga,
aí já foi abrindo mais a mente em relação a certas coisas que (tinham acontecido). (Egressa 23, 2018)
Verifico que nem todas as egressas entrevistadas chegaram ao curso de Pedagogia
guiadas por uma escolha ou identificação profissional. Algumas desconheciam do que se
tratava a formação acadêmica e profissional na Pedagogia. Percebo que há estágios, níveis de
motivação ao longo de todo processo do curso e mesmo depois dele.
[...] eu nem sabia o que que era Pedagogia. Pra ser sincera, eu não sabia nem que que atua, que que fazia na
época. Mas que aí eu vi, não sei, e resolvi me inscrever, no último dia de inscrição. Aí depois que eu passei, que
eu vi no primeiro dia, eu descobri pra que que servia o curso de Pedagogia. Eu levei um susto na hora, porque
eu desde criança, eu nunca quis ser professora, mas aí eu falei, „eu vou fazer porque eu consegui entrar na
UFMT, nem que seja só pra mim ter o nível superior, nem que eu não atue, mas eu vou fazer‟. (Egressa 14,
2018)
Algumas vezes, o curso assume a posição da primeira escolha diante de um fracasso
de um curso mais concorrido, no qual aparece uma demanda de candidatos oriundos de
escolas privadas, os quais cursaram o Ensino Médio em um ritmo de cursinho preparatório.
Isso evidencia uma concorrência de seleção para alguns cursos com critérios de inclusão e
184
exclusão fortemente determinados na base de curso médio preparatório mediante um regime
quase de dedicação exclusiva aos estudos.
Fazer um curso preparatório, essa realidade ou possibilidade, não se afina com as
condições materiais e a jornada de trabalho que desde muito jovem, eu diria cedo, as nossas
egressas, em sua maioria, dessa época de estudos, tiveram que se submeter por questões de
sobrevivência.
No tocante a esse aspecto, a Egressa 8 (2018) esclarece como chegou ao curso de
Pedagogia e não a um curso de Direito, que era o que mais desejava:
Como eu descrevi no meu dossiê, lá no meu trabalho de final de curso, eu vim para a Pedagogia não querendo a
Pedagogia. Eu vim porque meu primeiro vestibular, que ainda na época era vestibular, era direito, eu não
passei [...].
Ao observar historicamente, verifico, nas publicações relacionadas às discussões de
critérios que determinam a inclusão, ou a exclusão de candidatos em cursos superiores, que a
entrada em curso mais concorrido e de maior projeção social, não se limita à oferta de vagas,
mas está atrelada às condições básicas da formação dos candidatos que chegam a escolher
esses cursos e não outros. Isso ocorre pois o critério de seleção não está posto somente em
uma avaliação de vestibular ou do atual ENEM35
. Essa avaliação se soma a tantas outras
anteriores, que vão despotencializando gradativamente seleções com um grau maior de
exigências formativas já consolidadas ou em consolidações. Por conseguinte, caberia aqui
uma discussão mais arraigada na conjuntura social e da política educacional do país, mas não
irei me ater a esse debate neste momento.
Retomando os fios que ajudam a entender as motivações das escolhas das egressas
pelo curso de Pedagogia, verifico, nesse processo, que a escolha de algumas ocorreu
posteriormente e descobrem na Pedagogia caminhos possíveis para alcançar sua realização
profissional. Então, buscam para si o sentido da escolha profissional, conforme algumas
expressaram:
[...] detalhe é que não era a minha intenção estudar Pedagogia. Desde os meus 13, 14 anos, eu comecei meio
que essa procura por descobrir qual era a minha vocação e bem naquela época surgiu aquele bum de testes
vocacionais. Eu era muito curiosa. Eu pegava livros, pegava artigos, eu ia ver o que ia fazer pra que eu sirvo.
Eu tinha intenção de estudar algo, embora eu pensava que isso estava muito longe da minha realidade, mas não
deixava de sonhar. Eu acho que é isso também. E alguns professores que eu tive nesse intervalo de tempo, daqui
do 5º até o 8º ano, foram professores que me incentivaram muito. Então, a minha intenção não era estudar
Pedagogia, era estudar Psicologia. (Egressa 1, 2018)
Então, quando eu optei por Pedagogia, foi porque várias pessoas me disseram que eu estudaria psicologia na
Pedagogia. Então, eu comecei Pedagogia em busca de psicologia. (Egressa 26, 2018)
35
Exame Nacional do Ensino Médio é uma prova realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira.
185
Desde pequena, eu gosto da área da educação, porque quando eu estudei, eu sempre me espelhava nos meus
professores. Então, eu tinha vontade de ser professora. E quando eu tinha uns 14 anos por aí, eu dava aula de
reforço pra criança, né? Já naquela época, eu já ensinei alguma ou outra criança a ler. Então, isso me motivou
bastante, né? Eu falei assim, „eu acho que eu tenho um dom pra isso, (risos) vou tentar seguir nessa área‟. Aí
por isso eu (comecei) na Pedagogia. (Egressa 19, 2018)
Têm uns que falam que é escolha. Outros falam que é dom. Eu acho que, assim, já tava no meu íntimo desde
pequena, porque eu sempre gostei. E é uma história repetida. Muitos falavam assim, eu brincava de escolinha e
tal. A minha mãe toda vida trabalhou no Patronato, de limpeza, como funcionária da limpeza, e então, eu tive
bolsa lá. (Egressa 7, 2018)
Nesse cenário, para algumas egressas, o ato de ensinar algo a alguém só podia ser uma
vocação ou ainda um dom pessoal, algo visceral. Tanto é que a dimensão profissional aparece
atrelada com a realização ou satisfação interior de um traço singular e subjetivo do ser-pessoa.
Assim, trata-se do sentido de ser de alguma forma útil que se colocava entre o sonho e a
realidade daquele sentir já mencionado anteriormente, do merecimento do ser mulher, filha de
pais pobres semianalfabetos ou analfabetos.
Há, ainda, outras múltiplas situações que vão desenhando as motivações ou
desmotivações das egressas. Um ou outro caso aparece no cenário, o pai, ou os pais
professores de crianças pequenas, sendo que a motivação veio justamente por ter um ambiente
familiar voltado para o cotidiano escolar.
Meus pais são professores. E o meu pai já era professor, um homem na Educação Infantil que ninguém nunca,
né, se imagina, mas meu pai era um homem que dava aula na Educação Infantil e ele tinha muitos alunos e era
só ele. Ele não tinha auxiliar. E eu fui, falei „não, pai, eu vou‟. Já que eu não passei no primeiro vestibular, eu
fiquei alguns meses sem estudar, eu falei „eu vou te ajudar‟. Eu fui ajudar ele uns três meses. Aí eu me
apaixonei. Me apaixonei pela profissão, pela dedicação dele, pelo esforço. (Egressa 28, 2018)
Há, com isso, um dado que possui um duplo sentido. Então, é evidente que o convívio
desde muito cedo com o espaço escolar, seja por alguém da família, por um irmão ou irmã
mais velho, contribui com a escolha que inicialmente não é uma escolha pensada no sentido
da dimensão do trabalho, da profissão, mas mais no aspecto emocional e afetivo com o lugar.
Essa escolha vai sendo reassumida e reinterpretada ao longo do curso e da carreira.
Para outras egressas, essa motivação veio de um parente próximo, que orientou a
escolha ao dizer que:
Se eu fizesse Pedagogia, eu ia ter mais opções dentro da área da educação. Então, essa foi a minha preferência
pelo curso de Pedagogia. (Egressa 5, 2018)
Essa opção de trabalho se vinculava, em alguns casos, em não ficar desempregada.
Com isso, poderiam prover o sustento da família, ou de si mesmas. Nesse momento, não
estava em discussão a realização pessoal-profissional, mas, sim, a sobrevivência e a
subsistência.
186
Fiz o vestibular, passei pra Pedagogia. Mas até eu escolher Pedagogia, rolou uma pressão, „faz Pedagogia, que
desempregada você não vai ficar‟. Aí eu dizia assim: „mas eu não quero, mas eu não me vejo em sala de aula, eu
não sei‟. Aí meu pai disse assim: „minha filha, o negócio é você ter um trabalho, que eu não quero que você
fique aí jogada‟. Ele usou esse termo. „Você não pode é ficar jogada aí‟. Aí ele falou assim: „E outra, eu não
criei filha pra ser [...]‟, como diz? Ai, essa expressão é tão antiga. „Teúda e manteúda e piloto de fogão‟. „Eu
criei filha pra ser independente [...]‟. (Egressa 8, 2018)
Em alguns seios familiares, os estudos são entendidos com uma possibilidade de
emancipação financeira dos filhos com relação aos próprios pais. Logo, a filha mulher precisa
ter uma direção segura para ser bem-vista, tanto no âmbito familiar como social.
[...] eu pensei em Pedagogia. Por isso eu escolhi, mas foi bastante pelo fato de eu poder estudar e trabalhar [...]
Eu queria [...] a princípio, eu queria fazer enfermagem, só que como era o dia todo [...] aí não dava pra mim.
Mas eu não me arrependo não. (Egressa 12, 2018)
A opção pelo curso superior surge como um horizonte de possibilidades,
principalmente no sentido de ser empregado rapidamente após a sua conclusão, e até mesmo
durante a fase de estudos. Nesse sentido, a Pedagogia carrega a fama de ser um curso superior
de fácil empregabilidade, de muitas opções e de inúmeras vagas em concursos municipais e
estaduais. Por isso, para grande parte das egressas entrevistadas, esse dado era o que dava
alento e certeza frente às incertezas da escolha profissional ainda na porta de entrada para o
curso.
Em razão disso, quando se trata de formação profissional de professores, não é
possível compreendê-la fora das questões da vida privada das egressas. Como expressou a
Egressa 11 (2018, grifo nosso):
[...] na época eu já tinha feito faculdade de história aqui na UFMT, três anos, só que acabei engravidando e
desisti. Acabei desistindo pela maternidade. Quando eu pensei em retornar, me sugeriram, assim... a princípio,
eu queria uma profissão que eu não ficasse desempregada nunca, porque agora tinha uma filha. Tinha que
sustentar uma casa. Então, eu imaginei o que que eu poderia fazer como curso, que eu nunca ficasse
desempregada, desamparada, né? E aí me sugeriram Pedagogia [...] eu nem sabia, nem... nunca tinha ouvido
falar. Aí eu procurei saber, vim aqui na UFMT, conversei com algumas pessoas também, com colegas que já
sabiam alguma coisa do curso, e eles me orientaram, falaram assim, „nunca vai ficar desempregada‟, se eu fizer
Pedagogia, (é verdade) mesmo, eles sempre encontram emprego, trabalho, independente da cidade, se é zona
urbana, rural, a gente sempre tem oportunidade de emprego cursando Pedagogia.
Como se percebe, a Pedagogia entrou na vida da egressa como uma sugestão e como
certa alternativa de amparo financeiro para prover a família. Não havia uma compreensão
inicial do que viria a ser esse estudo que decorreria em quatro anos ou mais. Poderia se
constituir como um pacote, ou um amuleto da sorte que será carregado, porque ele é a
garantia de uma providência futura. Por isso, o curso, nas biotecituras das egressas, carrega
alguns marcos. Antes: onde está a escolha. Durante: as descobertas que não é um formar-se
para os outros, mas para si. E, depois: o defrontamento do emprego que exige outros
aprofundamentos. Esse movimento é importante, pois se constituiu em um processo legítimo
187
de uma reopção não somente pelo curso, mas pela profissão. O tempo, tanto chronos como o
subjetivo são postos um diante do outro. Isso faz mover a roda da vida das egressas, que nesse
processo defrontar-se, não estão mais lidando com experimentações, mas já possuem uma
compreensão de percepção de si a partir de um processo de mudança, conforme compreende
García (1999) e Pineau (2003), com o fluxo da vida não mais na adolescência, mas para a vida
adulta como profissional por escolhas que foram feitas.
Essa é outra situação se rompe no silêncio de um suspirar de uma egressa, além
dessas, há outras motivações que decorreram de experiências anteriores à formação na
Pedagogia, as quais demarcam ainda mais a resistência e a insistência da figura feminina, em
que a continuidade dos estudos é um risco assumido diariamente pelo direito de ser ela
mesma, rompendo com a imposição do prefixo (hetero), como algoz do auto. Contou-me, a
egressa, que:
E eu fazia isso na clandestinidade. Meu marido não podia saber. Se ele soubesse que eu tava saindo todo dia de
tarde, que eu levava o guri pra escola e de lá eu ia pro grupo de mulheres, se ele soubesse, [...] ele batia em
mim como várias vezes ele fez. Ele entrou em sala de aula. Ele me tirava pelos cabelos. Eu passei por tudo isso
no Ensino Médio. No Ensino Médio, meu ex-marido, ele entrava na sala de aula e me tirava pelos cabelos, né?
E a minha mãe passou por isso: meu pai queimava os livros dela, né, pra não... e isso tudo do pessoal a gente
foi trazendo como conteúdo vivo, de vida, né? Como conteúdo pra dizer „olha, eu vim deste lugar‟, né? E até
hoje, esse ponto de partida essencial, ela foi importantíssima pra mim, aquelas aulas com grupo de pesquisa, eu
não entendia nada do que as pessoas falavam, quando o professor (Passos) eu achava tão lindo, mas eu não
entendia, eu não sabia (que era uma coisa) importante, né? (Egressa 21, 2018)
Sair da clandestinidade do invólucro do hetero, nesse caso específico, algo dominante,
era a própria emancipação e individuação (PINEAU, 2010) de si para si e fora do outro, ou
dos outros, em que o formar-se a si estava sendo colocado fora da forma dos outros (heteros),
opressores. A formação e o conhecimento, seja escolar básico formal ou acadêmico superior,
chega à vida dessas egressas como uma fenda no tempo chronos objetivo das regulações
humanas.
Com relação a esse aspecto, recorro e compreendo como faz Paul (2009, p. 624),
[...] a formação não se faz a partir de nada. Ela é o relacionamento com o mundo,
com o outro, consigo mesmo, tornando possível o jogo de resistência que o
constituem. O humano na medida de seu inacabamento para se diferenciar, para
expulsar de si o que ele não é, de maneira a fazer emergir seu projeto,
necessariamente inclusivo de diversas influências, a fim de existir como unidade.
Nesse caso, a formação humana em direção à profissional ajuda as egressas a
expulsarem de si o que elas, enquanto mulheres, são, muitas vezes, socialmente e
culturalmente submetidas às vontades e determinações de seus companheiros, de seus pais e
de si mesmas encucadas por essa mesma cultura.
188
Em outra biotecitura, há falas que confirmam que a opção pelo curso foi orientada por
um sentimento de como já vinham assumindo os próprios estudos ainda na Educação Básica.
A respeito disso, a egressa diz:
Era aquela aluna que nunca deu trabalho na escola. Sempre tirava boas notas. E eu gostava de ensinar meus
colegas. Então, isso já vem de mim desde criança. Então, eu sempre quis ser professora, desde a infância. E
essa forma de ser, ficou [...] perdurada até hoje. Desde o ensino fundamental até o ensino médio, até a
graduação, até o momento trabalhando mesmo. Então, a questão do ensino já é uma coisa que nasceu comigo
desde sempre. Então, eu não me vejo em outra profissão. (Egressa 6, 2018, grifo nosso)
Nota-se que a relação com os outros no sentido da heteroformação pode trazer algum
tipo de motivação que pode interferir e até determinar escolhas. Ser uma aluna dentro dos
respectivos padrões, por si só, não garante condição para se fazer uma escolha ou para ser um
bom profissional docente. São modos de se auto perceber e lidar com os seus movimentos
interiores para ir se colocando no espaço-tempo de suas escolhas. É uma percepção de si para
si que se dialoga e se compreende internamente.
Ainda, há escolhas vinculadas justamente à formação do Ensino Médio ao curso de
Magistério, sendo que uma parte das entrevistadas fez essa formação, e a escolha pelo curso
de Pedagogia aprofundava essa relação.
[...] o magistério, né? Que me fez optar pela docência, e depois o número de vagas que eram ofertadas, eu tinha
mais chance de entrar naquele número de vaga do que na Letras. (Egressa 9, 2018)
Devido a essa formação média, várias egressas fizeram suas escolhas de continuidade
na formação no referido curso porque já atuavam na área e conviviam no espaço escolar com
grupos de professoras e alunos. Mas, a questão dessa chance para entrar em um curso superior
público federal ser a porta da Pedagogia é uma realidade confirmada por mais da metade das
egressas entrevistadas.
Desse modo, a Pedagogia entra na vida de algumas egressas como uma nova condição
de vida, que ressignifica seu modo de ser-estar em seu próprio meio social. Portanto, a
academia se constitui em um espaço-tempo de múltiplos aprendizados:
No começo do curso, eu entrei e pensando, assim: „ai como que vai ser esse curso? Será que eu vou dar conta
de dar aula?‟ E assim, foi bem difícil de estudar. Faz tempo que eu não estudava. Estava parada porque eu
engravidei. Estava um pouco parada antes de entrar na universidade e fiquei seis anos parado sem trabalhar e
sem estudar. Quando eu entrei na faculdade, foi um pouco complicado para aprender, estudar para
compreender os conteúdos para fazer um trabalho universitário. Totalmente diferente esse ambiente
universitário, às vezes, até um pouco assustador. (Egressa 2, 2018)
Quando eu entrei na UFMT, eu vi que eu não estudava. Eu pensava que estudava. Eu fui aprender a estudar
aqui dentro. (Egressa 17, 2018)
189
Nesse cenário, o curso vai se constituindo na vida das egressas que reaprendem com
ele e nele também reaprendem a estudar. Afinal, não são mais crianças e nem adolescentes.
Muitas são jovens, outras, são esposas e mães. Por isso, esse aprender possui um grau de
seriedade que não dá para negociar. Por conseguinte, o que é assustador precisa ser vencido e,
pouco a pouco, assumido.
Em um outro fio de entendimento, a Egressa 8 (2018) lembra que alguns filhos, ao
concluírem os estudos escolhidos pela família, entregam aos pais o diploma, e vão fazer o que
realmente gostariam de estudar ou fazer. Mas, estando no ambiente acadêmico, as
possibilidades extrapolam o ambiente da sala de aula, que é capaz de reorientar as escolhas.
Foi o que observei na fala desta egressa:
E aí eu disse assim pra ele, eu nunca vou esquecer, falei, „Pai, eu estou indo fazer Pedagogia, mas o negócio é o
seguinte: se eu gostar, eu vou pra frente. Não vou ficar olhando pra trás. Mas se eu não gostar, eu formo. Vou
formar, porque eu não vou largar pela metade. Mas o senhor vai ter que quebrar um galho pra mim, porque eu
não vou trabalhar e „vou escolher outra coisa‟. E aí passei, entrei. Aí logo eu conheci as meninas do PET. Aí eu
fiquei louca. Eu gostei fiquei assim apaixonada pelas oportunidades. E até então, eu pensava assim: „ai, eu vou
pra cuidar de criança? Pra ensinar [...] aprender a ler e a escrever? Eu mal eu sei pra mim‟, ficava assim [...].
(Egressa 8, 2018)
Nessa perspectiva do conhecimento acadêmico como mudança pessoal e profissional,
a Pedagogia, dentro de uma proposta de ensino público superior, apresenta um diferencial,
pois segundo a egressa,
Então, assim, com certeza ter estudado o curso de Pedagogia aqui foi o diferencial. E isso me traz contribuições
até hoje, primeiro por passar no concurso, de poder ter vivenciado a... a vivência de ter tido a vivência da
pesquisa, que eu fui bolsista aqui na pós-graduação, [...] Então, essas vivências extracurriculares, né?
Contribuíram e muito pra minha formação. E aí o perfil de formação da instituição, ele gera um perfil
diferente de profissional. (Egressa 18, 2018, grifo nosso)
Foi aí outro divisor de águas na minha vida: universidade, totalmente diferente do que eu estava acostumada.
Apostila: não. Universidade: livro, você tem que ler. Então, principalmente nas aulas de História da Educação,
a gente chegava de manhã, toda manhã ele fazia uma avaliaçãozinha. Nós tínhamos que estudar. E aí ele levava
livros pra gente ler, por exemplo, ele trabalhou com Franco Cambi. E o Franco Cambi era dificílimo! O livro
dele pra gente ler e eu ficava ali no final de semana lendo o livro do Franco Cambi. E começou a ficar mais
fácil pra mim de tanto que eu lia. (Egressa 25, 2018)
Com esses excertos acima referidos e outros que se seguem, começo a observar, nas
biotecituras das egressas, a Pedagogia para além da formação acadêmica no sentido
epistêmico pedagógico. Mas, justamente dentro da Pedagogia observo a mudança da
construção ou reconstruções de aprendizados que vão constituindo conhecimentos da área de
atuação do referido curso. A esse respeito, Roldão (2007) nos alerta acerca de uma necessária
alquimia que vai se fundindo e expandindo entre os saberes tácitos e os saberes científicos,
pois em ambos, a meu ver, há movimentos de tempos e temporalidades formativas diversas.
Ora, assim se expressou a autora:
190
[...] usar o conhecimento, pelo ajuste ao conhecimento do sujeito e do seu contexto,
para adequar-lhe os procedimentos, de modo que a alquimia da apropriação ocorra
no aprendente – processo mediado por um sólido saber científico em todos os
campos envolvidos e um domínio técnico-didático rigoroso do professor, informado
por uma contínua postura meta-analítica, de questionamento intelectual da sua ação,
de interpretação permanente e realimentação contínua. Aprende-se e exerce-se na
prática, mas numa prática informada, alimentada por velho e novo conhecimento
formal, investigada e discutida com os pares e com os supervisores – ou,
desejavelmente, tudo isto numa prática coletiva de mútua supervisão e construção de
saber inter pares. (ROLDÃO, 2007, p. 102)
Mediante o que venho lendo e aprendendo em Merleau-Ponty (1999), posso afirmar
que o vivido (passado) não se desfaz na percepção do vivido (presente), pois esses recortes
sempre se fundem em um emaranhado de ‗agoras‘ e projetam o ser da percepção em um devir
permanente. Nesse mesmo sentido, dialogo com Pineau (2003) considerando a formação
humana sempre aberta e em construção, em que a egressa vai ressignificando seus
saberes/experiências da vida (vivido), em uma dimensão coletiva e pessoal. Nesse aspecto, a
autoformação se destaca como possibilidade de aumentar o conhecimento de si (auto) e das
apropriações de novos conhecimentos das coisas (eco) e dos outros (hetero).
Os aspectos de mudança que envolvem diretamente o ambiente acadêmico trazidos
pelas egressas, nessa compreensão, o espaço-tempo, surge como elemento formador. As
relações consigo mesmas, com as coisas e com os outros mudam conforme as vivências nesse
outro ambiente que passa a ser naturalmente (eco)formador. Ao se colocar nele, as egressas
trazem para ele todos os processos anteriores já vividos e o ressignificam, se diferenciando
daquilo que não são, e, fazem novas escolhas.
Por isso, ao retomar as entrevistas que se constituíram em composições de biotecituras
construídas em vários momentos do processo formativo das colaboradoras dentro da
Pedagogia, percebo que essas biotecituras se voltam para a formação, e que estão atreladas às
vivências, experiências, e aprendizagens ainda dentro do curso de Pedagogia.
Nossa, e a UFMT contribuiu bastante, falar pra você, a minha vida aqui dentro foi outra. Por isso que eu falo
assim pra todo mundo tentar aproveitar o máximo aqui dentro, né? As pessoas sempre falavam pra mim isso e
eu tentava aproveitar, mas não tinha essa noção. Acho que quando sai, vai pro mercado a gente vê, nossa, como
que realmente aqui contribuiu, e tem contribuído, né? Você vê aí, quem não tá dando aula eu acho que
praticamente quem não quis mesmo, né? Quem não tá atuando, é quem fez a opção ‘oh, não quero’, porque
quem quer, tá todo mundo trabalhando. É um ótimo profissional. É referência, né? (Egressa 17, 2018)
[...] a minha vida igual eu falo assim, foi antes e depois da UFMT, porque eu era uma pessoa muito tímida
também e aqui a gente tinha que falar muito, né? Seminário, seminário, seminário, seminário, seminário, você
tem que falar, professor, „você tem que falar melhor, você tem que falar isso, você tem que falar isso‟. Então, me
transformou assim uma... foi uma contribuição imensa na minha vida. Assim, hoje que eu vou no trabalho e falo,
lá em reunião eu faço tudo, graças aqui, que me deu essa base de ir lá na frente e falar e saber o que falar, né?
Ir lá preparado, tudo mais. Então, assim, a minha vida depois daqui foi muito diferente. (Egressa 17, 2018,
grifo nosso)
191
Por conta disso, o curso, como lugar circunscrito de construção e reconstrução de
saberes plurais e como um espaço/tempo de formação, constituía-se, para esse grupo de
egressas, como uma possibilidade de reflexão-teórico-prático dos múltiplos conhecimentos
advindos da vida que se intercruzavam com as epistemologias múltiplas do curso. Para
Shulman36
(2014, p. 207), o conhecimento pedagógico do conteúdo é, muito provavelmente, a
categoria que melhor distingue a compreensão de um especialista em conteúdo daquela de um
pedagogo.
Pra mim foi um presente, algo que me possibilitou continuar, e nesse momento, eu tava passando por uma fase
bastante complicada, quando se é mãe solteira, quando se é nova, com 19 anos, arrumei namorado, engravida,
então, era uma pressão muito grande da família. Eu estava nesse momento casando pra calar as bocas das
pessoas. Então, eu acho que o curso de Pedagogia, ele veio pra mudar a vida que eu tava levando. (Egressa 29,
2018)
Eu falo assim, eu vendo hoje, eu falo „gente, a Pedagogia me deu uma formação humana muito boa‟, porque eu
vejo assim, na época que eu fazia informática, eu trabalhava em cartório, e é um perfil de pessoas muito
diferente, assim, é mais competitivo. É aquela história que você tem que ser doutor, tudo mais, e não liga pro
humano, e a Pedagogia não, né? Surpreendi muito assim, porque a Pedagogia faz a gente pensar no ser.
(Egressa 17, 2018)
A partir desse raciocínio, nota-se que, nas biotecituras, é possível acompanhar a
tecelagem de fio a fio do aguayo de cada uma das egressas na perspectiva da sua formação
profissional. Assim, a Pedagogia aparece nas biotecituras como uma reconstrução, construção
de novos entendimentos, de ressignificação e de apropriações do curso e de si mesma:
Quando eu entrei no curso eu não fazia ideia, eu não fazia ideia mesmo. Pra mim, eu ia estudar alguma coisa...
acho que mais parecido com o curso de Letras talvez, o que eu tinha ideia. Quando eu entrei no curso de
Pedagogia eu vi que era um sentido muito amplo, a gente tava diminuindo muito o que é exatamente o curso,
né? Porque aí eu vi que nós trabalhávamos diversas áreas, coisa que eu não tinha noção, por exemplo, que não
era apenas linguagem do Português, Português, Matemática, História, Geografia, tanto a parte de Psicologia
também (infantil). Então, assim, começou a abrir um leque de possibilidades, que eu, antes de entrar no curso,
não fazia ideia, só depois quando eu entrei ali que eu vi que Pedagogia não era simplesmente alfabetização de
crianças. (Egressa 11, 2018 grifo nosso)
Portanto, não era só o curso que naquele momento estava sendo entendido como uma
área de atuação ampla, mas a percepção de si também era outra. Tanto é que o curso também
oportunizava ver, sentir e se lançar como profissional. Logo, havia um resgate de si mesma,
pois o curso já a projetava para adiante em suas novas escolhas. O aguayo, pouco a pouco,
recebia cores, força e movimentos.
36
Para este trabalho, estabeleço diálogo com Lee Shulman, com o qual entendo que a produção do conhecimento docente
atravessa os saberes docentes, e as epistemologias diversas vão se construindo na relação interdependente da teoria-prática. Observo que a história de vida e profissional do professor, sua prática e cotidiano, o constituem agente mobilizador de múltiplos saberes docentes, os quais se correlacionam e vão constituindo o ser-professor, validando-o, compondo e recompondo as suas epistemologias.
192
Para as egressas, a Pedagogia é um marco divisor, não só devido à possibilidade de
inserção no mundo do trabalho, mas de um aprofundamento do ser-pessoa
A Pedagogia hoje baseada em toda essa construção que vivenciei é construção social, humana. Pra mim,
Pedagogia é uma construção. (Egressa 1, 2018)
Assim sendo, não se trata de uma construção material simplesmente orientada para
uma técnica de ensino e aprendizado. Seu sentido é emblemático. Diante disso, as Egressas
expressaram que:
Pedagogia é assim tão forte, quando fala Pedagogia, pra mim, tem um significado muito grande, é a minha
formação profissional na área de ensino [...] assim conhecer... conhecer, o conhecimento, assim, entender
sobre a educação, a gente entende a profundeza do que é a educação, suas dimensões. Também aprimorar o que
eu tinha apenas introduzido no Magistério e eu amplio muito mais. (Egressa 3, 2018)
A Pedagogia pra mim está sendo, né? (Eu confesso) que está sendo uma... foi e está sendo uma vitória na minha
vida porque com ela eu aprendi muita coisa que melhorou muito a minha vida em questão de trabalho, em
questão familiar, questão de convivência com outras pessoas, porque aprendi muito (no curso). Então, a
Pedagogia é muito importante, foi um divisor de águas na minha vida. Porque antes, eu era... antes de fazer o
curso e depois de fazer o curso. Eu me tornei outra pessoa diferente. Foi um divisor de águas mesmo. (Egressa
18, 2018, grifo nosso)
Inicialmente, ao chegar ao curso, há uma busca pela sala de aula, há pressa em saber o
que e como ensinar, mas com os estudos e debates, começa-se a entender que é preciso
considerar a construção de múltiplos conhecimentos advindos de um currículo, de uma
proposta de formação, que também possui seu tempo que vai se desdobrando à medida que
essa aproximação vai estabelecendo relações com o conhecimento e com quem se deseja
conhecer. Sobre essa construção epistêmica que vai sendo construída, Roldão (2007, p. 95)
observa:
Do nosso ponto de vista, a dialética do ensino transmissivo versus o ensino ativo faz
parte de uma história relevante, mas passada, e remete, na sua origem, para
momentos e situações contextuais e sócio históricas específicas. À luz do
conhecimento mais atual, importa avançar a análise para um plano mais integrador
da efetiva complexidade da ação em causa e da sua relação profunda com o estatuto
profissional daqueles que ensinam: a função específica de ensinar já não é hoje
definível pela simples passagem do saber, não por razões ideológicas ou apenas por
opções pedagógicas, mas por razões sócio-históricas.
Nas biotecituras, a ação pedagógica é vista em vários aspectos, seja na sala de aula do
curso, no laboratório e bibliotecas da universidade, em atividades que envolvem o espaço
escolar ou não escolar. Para as egressas na Pedagogia, transitam inúmeras epistemologias,
reflexões de dimensões formativas sejam praxiológicas e axiológicas. Quanto a esse sentido e,
em vários outros momentos, identificaram o papel do pedagogo que atravessa a sala de aula e
o conteúdo a ser ensinado. Por isso, a egressa conclui que para ela:
193
A Pedagogia é ensinar o básico. É o ensinar. O que eu aprendi é passar, mas eu só não ensino... a minha
profissão mesmo de educadora, de educar, assim, o ensinamento de conteúdo, mas eu sempre vou além, né?
Então, o pedagogo, eu acho que tem que ser um pouco de dom, de intimidade mesmo assim, pra você não ser só
mecânico, ir lá, „e eu vou lá, sou professora, ensino o conteúdo e saio‟. Eu sempre acabo ensinando além,
enxergando além o aluno. Não só como aluno como ser, como ser humano, e acabo enxergando alguma
necessidade, às vezes, não só de conteúdo, mas de outra coisa e acabo resolvendo ali dentro da sala ou no
corredor ou fora de sala [...]. (Egressa 7, 2018)
Logo, verifica-se que o que as egressas expressam com relação à sala de aula e os
alunos é o movimento que elas mesmas viveram dentro desse processo de formação, mas em
um grau de percepção não mais de si, mas do outro. É o ato de se colocar no lugar do outro e
sentir-ouvir suas necessidades, primeiramente humanas e, depois, de aprendizagens.
[...] a Pedagogia é um dos cursos que deveria mais haver investimento, porque a criança é o tempo de formação
de personalidade. E a nossa responsabilidade com a formação do cidadão, com o futuro do nosso país, do
mundo, é muito grande. E eu sinto essa responsabilidade. (Egressa 9, 2018)
Nesse mesmo entendimento de estar com o outro, ou os outros, em uma relação não
somente de ensino, mas de corresponsabilidades, de desenvolvimentos múltiplos,
principalmente nas fases iniciais da vida do ser-pessoa, a Egressa 10 (2018) lembra que:
Em tese, a Pedagogia é o princípio de tudo. Apesar da gente saber que a criança, o desenvolvimento dela já vem
desde o ventre da mãe, mas nós sabemos que ali, quando ela chega na sala de aula, ela aumenta o círculo, na
verdade, social, ela sai daquele ambiente familiar pra poder ir pra escola estudar, brincar, se desenvolver, mas
também ter desafios, né? Então, a Pedagogia é o princípio de tudo [...].
Libâneo (2006, p. 850), ao reportar-se aos estudos de Franco (2003), no que concerne
à reflexão sobre o conceito de Pedagogia na perspectiva dialética, esclarece que:
[...] o objeto da Pedagogia ‗é o esclarecimento reflexivo e transformador da práxis
educativa‘, de modo que a teoria pedagógica se constitui interlocutora interpretativa
das teorias implícitas na práxis do educador e, também, a mediadora de sua
transformação para fins cada vez mais emancipatórios.
Consequentemente, isso fica evidente quando sublinham que o curso de Pedagogia se
aproxima de uma base no qual estão ancoradas outras áreas de conhecimento necessárias para
a formação humana, dentro de seu processo formativo escolar-social, no qual elas mesmas se
emancipam e ajudam na emancipação dos outros.
Pedagogia, eu acredito que é um curso base de todas as... de todas as licenciaturas, e é fundamental, porque
você tem os pilares para ter elementos pra ensinar. Claro que ele não é suficiente. Você tem que estar sempre
buscando, o tempo todo. (Egressa 6, 2018)
Pedagogia, pra mim, na minha vida foi... eu vou dizer até mudança de concepções, quebra de paradigmas
porque o curso, ele me possibilitou eu mudar alguns conceitos, né? Até, inclusive, eu falo pras minhas filhas „eu
queria ter tido vocês hoje, após a minha formação‟. Não que eu me arrependa de ter sido a mãe que eu fui, mas
muita coisa poderia ter sido diferente, porque o conhecimento da gente... a sua mente abre pro conhecimento,
né? E, algumas coisas, vamos dizer assim, errôneas que você fez lá atrás por ignorância, por não ter esse
conhecimento [...]. (Egressa 30, 2018)
194
Retomando a Proposta Político Pedagogia Curricular (PPC/IE/UFMT) do curso,
entendo o que as egressas expressam, já que elas trazem à tona a concepção que o curso tem
de educação enquanto formação humana:
Nesse sentido, a educação deve promover a capacidade de aprendizado permanente
e desenvolver instrumentos para atividades intelectuais, coletivas e inovadoras,
como a capacidade de expressão, de comunicação e de aquisição de informações, a
criatividade e o equilíbrio emocional para a confrontação de ideias, todos igualmente
importantes para o exercício de uma cidadania plena. (PPC/IE/UFMT 2008-2009, p.
05)
Essa compreensão não é dada, mas construída, entendida e vivida. Essa construção é
permanente e em engloba um continuum aprofundamento:
As concepções de aprendizagem a gente enxerga agora, a gente estuda, e agora, a gente começa a enxergar [...]
Às vezes até a gente estuda nas rodas de conversa, a gente consegue entender melhor as concepções de
aprendizagem. (Egressa 2, 2018)
Hoje já com a prática, hoje eu sei que se eu não tivesse passado por aqui, pela Pedagogia, se eu não tivesse
feito essa formação, essas outras experiências que eu tive também, não tem como você ter uma formação assim
tão completa. Eu falo que a nossa formação aqui ela é completa, porque eu vejo essas outras faculdades, esses
outros... não querendo recriminar, mas eu vejo que se a da gente, que é uma formação que exige tanta leitura,
tanto conhecimento, tanto buscar, às vezes, você ainda tem que... fica com dificuldade, imagina aquelas outras
que não têm esses amparos, porque os professores daqui... a gente tinha na sala de aulas muitos exemplos. Eles
faziam a gente buscar também exemplo, apesar de não estar na prática, de não estar atuando, a gente buscava
bastante exemplo da prática pra fazer o processo de uma coisa e de outra, pra aprender o concreto mesmo, pra
aprender com exatidão tudo. Eu acho que a Pedagogia, pra mim, é isso, é a nossa formação, é essa
construção, é ser professora. (Egressa 24, 2018)
Em razão disso, elas mesmas percebem que o curso é a base para os outros cursos, não
somente na docência, mas, principalmente em uma leitura de mundo, que as fazem pensar de
modo amplo e a considerar as vidas que estão sob sua responsabilidade e, nesse formar-se na
Pedagogia, ajudam a si mesmas a se tornar mais humanas, como a Egressa 12 (2018)
expressa, ao afirmar que:
[...] a Pedagogia eu vejo assim, que falta Pedagogia nos outros cursos, agora que eu convivo com outros
professores, né? Vejo eles dando aula. Eu vejo que o quanto a Pedagogia prepara a gente pra sala de aula, pelo
menos com criança, ajuda a gente a se colocar no lugar da criança. Ajuda a gente pensar como um todo, sabe?
A gente sempre... parece que a Pedagogia torna a gente mais humano. A gente tem um olhar mais afetuoso.
Não é igual um professor de área que chega lá, assim, cru, com conteúdo lá, sabe? A gente tem um olhar
diferenciado. A gente consegue se colocar no lugar do outro. Consegue pensar no outro pra ensinar, né? Se
colocar no lugar de quem tá aprendendo. Eu acho que isso falta bastante nos outros cursos, que eu percebo que
quem vem de outros cursos, assim, vai lá dar aula pra criança, acaba tendo muita dificuldade, erra muito até
acertar.
Considerando o que a referida egressa apresentou, o PPC do curso de Pedagogia
(2008-2009) esclarece que é ―importante, portanto, priorizar e assegurar, no curso de
Pedagogia, uma sólida formação dos profissionais que atuarão, em especial, no magistério da
195
Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental‖ (PPC IE/UFMT 2008-2009, p.
06).
Por conseguinte, os conhecimentos construídos no curso vão fazendo ou tomando
sentido na vida profissional das egressas à medida de sua exposição com uma determinada
realidade, ou necessidade advinda da sala de aula, ou de uma exigência do modo de se
organizar a escola. Por isso, compreendo quando elas dizem que os conteúdos desenvolvidos
ao longo do curso passam a fazer sentido para elas.
[...] hoje eu faço várias ligações da teoria, que na época que eu estava fazendo. Eu achava que eu tinha uma
visão da realidade, que não era. Então, hoje eu consigo fazer várias ligações e ver que várias coisas não estão
muito condizentes com a nossa realidade. Que muitas coisas nós trabalhamos com um número grande de alunos
em sala de aula, principalmente na alfabetização, que exige pra você respeitar o tempo do aluno, pra respeitar
várias fases dele. (Egressa 9, 2018)
Shulman (2014) aborda a relação teoria e prática no sentido do aprendizado dos
conhecimentos e sua relação com a realidade do ensino. Essa percepção, ou como disse a
egressa, essa ligação, ocorre, nesse caso, quando as egressas começam a aprender a ensinar. O
referido autor, mediante suas observações e estudos, reforça, ao dizer que:
Sua evolução, de estudantes a professores, de aprendizes a professores iniciantes,
expõe e ilumina os complexos corpos de conhecimento e habilidades necessários
para funcionar eficazmente como professor. O resultado é que erro, sucesso e
refinamento – em uma palavra, o crescimento do conhecimento do professor
(SHULMAN, 2014, p. 201)
Concordando com Shulman (2014) quando afirma que o conhecimento construído na
formação inicial e também ao longo da vida do professor, vai sendo percebido e aprendido
por ele mesmo à medida que ele também aprender a ensinar, Zeichner (2008) chama atenção
para a ―prática reflexiva na formação docente‖. É nesse contexto, que observo as falas das
egressas ao se reportarem aos conhecimentos que atualmente fazem sentido, agora, frente à
prática. Então, elas passam a pensar sobre os seus modos de ensinar e os modos de aprender
de seus estudantes.
Articulando minha compreensão sobre os conhecimentos curriculares estudados na
Pedagogia pelas egressas, e tendo em conta os estudos dos dois referidos autores, fica
evidente essa compreensão num trecho das biotecituras da egressa ao dizer sua percepção
sobre a Pedagogia nesse processo de relação teoria e prática:
Eu acho que base, né? Por que o que eu percebo? Eu comecei a entender melhor a realidade de uma sala de
aula e o trabalho do pedagogo quando eu comecei a trabalhar, né? E aí então eu percebi que até nas aulas aqui
na faculdade eu começava a fazer links melhores, né? Eu falava, „ah, então é isso. Ah, então é aquilo. Ah,
então...‟, mas pra aqueles colegas que não fizeram algo parecido com isso, a percepção deles... quando a gente
conversava, era outra, era diferente. Então, eu penso assim, a faculdade dá uma formação básica pra você?
Sim, com certeza. (Egressa 16, 2018)
196
Outra egressa, nessa mesma perspectiva, assim comentou:
Então, eu acredito que o aprofundamento teórico ajuda a gente a abrir os olhares, porque a partir dessa
reflexão, e você já tendo uma vivência, você consegue pensar nos próprios caminhos metodológicos, dentro
daquele contexto que você está vivendo. Se você pegar algo solto, ou só uma perspectiva de oficina, por
exemplo, às vezes, você reproduz aquilo, mas não sabe depois transformar numa outra situação, você fica
fechado no contexto. E se algo não sai conforme o planejado, você já não sabe lidar direito, né? Então, eu
penso que a gente tem que aprofundar, refletir, fazer a relação, a gente chama de práxis, né? Então, é esse
movimento de práxis mesmo. Você vai refletindo, vai analisando sua realidade, vai buscando os referenciais e
vai movimentando o seu fazer pedagógico dentro desse movimento mesmo. (Egressa 18, 2018)
A esse respeito, a partir de seus estudos sobre a base de conhecimento, Shulman
(2014, p. 205-206) esclarece que: ―[...] portanto, o ensino necessariamente começa com o
professor entendendo o que deve ser aprendido e como deve ser ensinado‖, e ainda completa
―O ensino conclui com uma nova compreensão tanto do professor como do aluno‖. Para o
referido autor, essa compreensão vai sendo melhorada em termos de aprofundamento por
parte do professor. Acerca disso, a egressa compreende como sendo um movimento reflexivo
da práxis. Para Zeichner (2008), é emergente e re-emergente a prática reflexiva como um
tema importante da e para a formação docente. Muitos outros pesquisadores, como37
Dewey
(1933) e os contemporâneos Schön (1983), Paulo Freire (1973), Habermas, (1971) e próprio
Zeichner (2013; 2008) já vinham trazendo suas contribuições nessa perspectiva.
Na minha compreensão, a colocação da egressa explica bem esse movimento, embora
não esteja escrito totalmente nas linhas, mas nas entrelinhas de sua conclusão ao dizer:
A prática é bem diferente do que nós havíamos estudado no decorrer do curso. É diferente e não é, é além, a
prática é além de tudo que havíamos estudado durante o curso. (Egressa 26, 2018)
De fato, essa percepção da egressa está correta, pois são momentos diferentes e
distintos de compreensões, com a exposição na prática os estudos, os teóricos, os exemplos do
decorrer do curso tendem a serem mais bem compreendidos em níveis mais aprofundados,
como Shulman (2014) já esclareceu em seus estudos, com quem eu concordo. Ao observar os
estudos do autor supracitado, Roldão (2007, p. 99) pondera que:
Note-se que a abordagem de Shulman inclui aproximações claras ao modelo do
professor investigador (STENHOUSE, 1991) e do prático reflexivo (SCHÖN,
1987), e que o conhecimento resultante da prática não se reporta à legitimação de
uma qualquer prática, mas ao conhecimento que resulta da reflexão analítica de
professores competentes – reflexão e competência que implicitamente convocam, de
forma integrada, as categorias que em Shulman aparecem na forma de componentes.
O excerto seguinte também traz compreensões a esse respeito, quando a Egressa 24
(2018) diz que:
37
São pesquisadores e obras que Zeichner (2008) salientou em suas pesquisas, sendo importantes considerá-las.
197
E se eu não tivesse aprendido aqui como era o processo de gestão, como é uma gestão, como que a gente deve
fazer, que pra mim eu vou, não tinha como eu chegar lá do nada, entendeu? Assim, não tinha como assim...
seria... eu acredito assim que seria muito mais difícil, porque eu não ia ter essa teoria aqui pra mim estar
colocando em prática, em prática lá. E mesma coisa as disciplinas, a docência, mesma coisa a docência. A
docência não tem como você atuar se não tem essa bagagem aqui da licenciatura. Por isso que eu até... aí eu me
(remeto) a cursos assim online, cursos que não tem essa... essa... Como que eu posso dizer? Igual aqui, a UFMT
proporciona pra gente, proporcionou pra mim, esses quatro anos aqui dentro de experiências, assim, que eu não
fui pra prática, mas eu tive experiência da prática. Eu não atuei na prática, mas eu tive a experiência, eu fiz...
nós fizemos o estágio, a gente faz... a gente traz aulas, traz experiências, o estudo da teoria, traz exemplos
dentro da teoria que chega na prática, você lembra, você remete. Você vê que você está andando assim pelo
caminho certo, „esse caminho aqui vou seguir porque é a partir desse caminho que eu aprendi‟. Então, tudo,
ela... A licenciatura norteia tudo, em qualquer... na docência, na gestão, na coordenação, em qualquer um é a
base ali. É igual a gente falar de base familiar, é uma base. É uma base que a gente pegou, que a gente
aprendeu, que a gente leva na prática.
Para Nóvoa (2009, p. 12), pensar na formação do professor é construir uma base de
proposta de estudos que articule com a própria profissão e que possibilite o início dessa
reflexão, pois segundo ele, ―trata-se, sim, de afirmar que as nossas propostas teóricas só
fazem sentido se forem construídas dentro da profissão, se forem apropriadas a partir de uma
reflexão dos professores sobre o seu próprio trabalho‖. A fala do referido autor coaduna com
o que preconiza o projeto do curso de Pedagogia em questão, ao definir que:
[...] é preciso considerar que o aluno, futuro professor, ao iniciar o curso e cada
disciplina dele, já apresenta concepções, crenças, valores muito arraigados sobre a
profissão, o papel do professor e da escola, o que é ensinar e como se ensina e o que
é aprender. Tais crenças, valores e concepções, que definem fortemente as decisões
pedagógicas, podem passar intactas pelo curso, podem ser reforçadas ou, o que seria
desejável, podem ser objeto de análise e reflexão que propicie o seu reconhecimento.
(PPC, IE/UFMT 2008-2009, p. 19)
Nesse sentido, o próprio curso, com seus professores e estudantes, são pesquisadores
de seus de modos de ensinar e de aprender o que se ensinou. Isso tanto no confronto do ato
acadêmico como na prática da docência.
Alguém que pesquisou e não simplesmente falou assim „eu acho que é isso aqui‟. Não. „É isso aqui porque eu
estudei, porque eu pesquisei‟, né? Então, isso que é mais importante, que te dá essa segurança. Quando você
chama um pai pra conversar „olha pai, nós estamos tendo essa atitude devido a isso, isso‟ e se um pai vir
questionar „não, mas olha, nós estudamos, houve alguém que pesquisou, que indicou esse caminho. Não é do
nada que eu estou tendo essa atitude‟; E isso te dá uma segurança maior, né? Porque muitas das vezes também
você tem aquela atitude baseada no teórico. É claro que isso não te garante uma... me fugiu a palavra agora...
não te garante... o sucesso, o que aquilo vai dar certo porque depende não é só de você, depende de todo um
conjunto, né? (Egressa 30, 2018)
Tanto é que só é possível a compreensão porque ‗agora‘ faz sentido essa relação
teoria-prática, pois elas já coexistiam na construção epistemológica das egressas, se
comunicavam e interagiam mediante momentos de buscas significativas de intervenções
pedagógicas. Para Roldão (2007, p. 99), diante de alguns estudos sobre o conhecimento do
profissional docente:
198
[...] pode concluir-se que, no plano da clarificação da natureza do conhecimento
profissional docente, se configuram duas tendências interpretativas predominantes:
uma centrada na análise das suas componentes, outra centrada na valorização da
prática profissional refletida como sua fonte primeira. Tendências que divergem na
matriz de análise, mas convergem na interpretação da práxis e do conhecimento que
a sustenta – ainda que uma enfatizando o conhecimento prévio necessário, outra
valorizando o conhecimento emergente da prática e da reflexão sobre ela.
Nesse constituir-se pedagogo, aprendem-se e mobilizam-se os conhecimentos, tanto os
prévios do ser professor, que vão sendo reinterpretados frente a sua práxis cotidiana em um
processo de investigação de sua própria ação, como comentou a Egressa 15 (2018):
A Pedagogia é... pra mim, hoje ela é uma... uma ferramenta muito importante mesmo assim. E não só porque eu
estou lecionando, mas porque depois que eu saí da Pedagogia, eu já tentei fazer outros cursos e eu observei que
o que eu tive na Pedagogia, a formação que eu tive, a maneira com que eu trabalhei lá é bem diferente, e que
ela me dá um embasamento muito rico na prática pedagógica. Não vou falar assim, não, a questão dos
conteúdos. Isso eu tenho que correr atrás, eu tenho que estudar, né? Eu tenho que me capacitar, mas ela me deu
a forma do trabalho, né? Como é que eu desenvolvo o trabalho na sala de aula, como é que eu lido, no meu
caso, com a criança que eu estou trabalhando, né? (Egressa 15, 2018)
Por isso, muitas vezes, devido às exigências da área, algumas das egressas
expressaram nas entrevistas que não se sentiam preparadas para atuar fora da sala de aula ou
da docência. Ainda, que o papel de alfabetizar, principalmente crianças, se constituía em um
desafio.
Porque a gente se prepara na universidade academicamente falando, mas pras experiências, você não está
preparada não pra prática. Você se depara com situações que ninguém te preparou na universidade. E quando
eu entrei nessa primeira turma eu tinha medo. [...] (Egressa 25, 2018).
Nesse sentido, a reflexão ultrapassa as estratégias e habilidades de ensino para pensar
e repensar os fins da educação para além dos conteúdos escolares. Quanto a restringir a teoria
encarcerada nas universidades, e a prática estendida no cotidiano escolar, Zeichner (2008)
ressalta que ainda há compreensões de estudos na área de educação, nos quais a racionalidade
técnica, coloca a ―teoria‖ como existindo somente nas universidades, e a prática, na realidade
das escolas, sendo de igual modo uma transposição de teorias para prática. Para o referido
autor, ―a visão de que as teorias são sempre produzidas por meio de práticas e de que as
práticas sempre refletem alguma filiação teórica é ignorada‖ (ZEICHNER, 2008, p. 542).
Como pedagoga, considero importante o estudo de epistemologias diversas para a
construção da profissão docente e da prática reflexiva ou compreensiva da formação docente
estabelecendo um diálogo entre a universidade e a escola. Esse é um caminho que precisa ser
sempre estreitado no tocante às relações. Destaco, ainda, as biotecituras nas quais a egressa
nos ajuda a compreender a formação universitária para além das salas de aula da academia.
199
A universidade foi um momento de muito aprendizado, de aproveitar ao máximo porque eu pude, eu falo que eu
pude aproveitar ao máximo o curso, os professores, o conhecimento, os desafios que me foram propostos, né?
Porque eu procurava fazer de tudo, eu procurava fazer disciplinas optativas. Eu procurava ser bolsista de Pibic.
Então, eu queria viver ao máximo aquele âmbito, né? Viver ao máximo aquele curso. E nisso, pra a minha
formação, eu acreditava que vivenciando cada momento, vivenciando os outros ambientes fora da sala de aula,
eu poderia ter uma formação melhor, eu poderia conhecer a fundo o que seria esse âmbito de formação
realmente, né? Então, eu participei de projetos de Pibic. Eu participei até mesmo da política dentro da
universidade, participando de CA, Centro de Acadêmico, participando de DCE. Então, assim, eu pude vivenciar
a universidade em todos os seus âmbitos que eu digo. E isso foi muito bom pra minha aprendizagem, pra minha
formação tanto pessoal quanto profissional. (Egressa 28, 2018)
Assim como nesse excerto, observei que, das 30 egressas entrevistadas, 12 tiveram a
oportunidade de participar de outras atividades na universidade, como: grupos de pesquisa
vinculados ao Programa de Pós-Graduação, Iniciação Científica, Programas de Educação
Tutorial, Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, e ainda dos estágios
extracurriculares.
Em outro momento, observei que, para um grupo de egressas, foi mais difícil conciliar
a formação inicial com a vida pessoal devido às exigências familiares, o mundo do trabalho,
pois algumas delas estavam atuando fora da área de Educação. Uma parte delas é mãe e
arrimo de família. Algumas exercem o papel de pai e mãe, uma vez que o nascimento de um
filho impõe outras responsabilidades e negociações entre o tempo pessoal-social e o tempo da
formação inicial e profissional.
Considerando as biotecituras das egressas, destaco, de modo geral, as suas
compreensões acerca da formação inicial na Pedagogia. Essas impressões foram organizadas
na Figura 9.
200
Figura 9 - Pedagogia: construções-ressignificações epistêmicas e humanas
Fonte: elaborado pela autora (2019).
201
Respeitando essa construção de entendimento da Pedagogia, trago para o próximo fio
auxiliar algumas das percepções das egressas com relação ao curso diante de sua expansão
orientada pelas DCNs (2006).
4.3.1 Percepções das egressas de Pedagogia frente à ampliação da área de atuação
A Pedagogia, ela é um leque muito grande, né? Ela abre possibilidades pra várias coisas. Ela não forma o
professor. Ela forma o profissional. E esse profissional, ele tem um leque de escolher, às vezes, eu não tenho
perfil pra sala de aula, mas eu tenho perfil pra uma outra coisa. Então, dá essa possiblidade de eu ir em busca
da minha... do meu perfil profissional. (Egressa 29, 2018)
Para Libâneo (2001), nos muitos movimentos e estudos que versam sobre a Pedagogia,
tanto por meios profissionais, políticos, universitários, sindicais, empresariais, movimentos da
sociedade civil, dentre outros, se verifica uma redescoberta da própria Pedagogia. Isso se deve
à ampliação que vem ocorrendo no campo educativo e com a repercussão no campo do
pedagógico.
É com essa colocação do referido autor que compreendo, não a partir dele, mas
mediante a observação de inúmeros movimentos em prol da formação do professor, os
caminhos em vista da aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs (2006) pela
Resolução CNE/CP 01/2006, a qual nasce em consonância com diretrizes com a LDB (1996),
e com outros textos legais, os quais, juntos, foram responsáveis em tecer a reforma da
educação superior e, posteriormente, para este caso de estudos, instigou a reforma do curso de
Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá.
Ora, a formação no curso de Pedagogia, como nas demais licenciaturas, é uma
formação denominada de inicial, mediante uma compreensão aberta apoiada na proposta de
seu currículo, que ao longo de várias décadas, foi sofrendo reformulações de várias ordens,
como já foi tratado neste trabalho, mas seu principal dilema é a busca de sua identidade e a
construção e consolidação dessa identidade.
Ao estudar as DCNs (2006) para a Pedagogia, observei no transcurso da história da
educação pública no Brasil, que o curso ou os cursos de formação de professores foram sendo
reformulados mediante as lutas e enfrentamentos políticos educacionais, marcados por arenas
de disputas de interesses diversos. Por um lado, em dado momento, se prestavam a atender o
progresso, especializando várias áreas de ensino, principalmente o técnico científico. Em
outros momentos, por outro lado, supriam a necessidade de expansão da escola pública e a
universalização do ensino no país, realidade que exigia formação qualificada de novos
professores para atuar na docência e demais segmentos da educação escolar e no próprio
sistema de ensino. Com isso, urgem necessidades de novas frentes de aprendizagens, que o
202
curso de Pedagogia mediante os direcionamentos das DCNs (2006) havia abarcado,
garantindo, a partir delas, a base da docência como eixo da formação do pedagogo. É nesse
ponto que se amplia o conceito da atuação da Pedagogia.
Portanto, não estava mais se pensando exclusivamente na sala de aula, continuava-se
pensando nela principalmente, mas, a partir de então, olhava-se também para a gestão da
educação no espaço escolar e em outros espaços não escolares, buscando promover uma
educação que rompesse os muros da instituição escolar, podendo ser compreendida sua
atuação em parceria de trabalho com outras áreas afins, como salienta a egressa:
A Pedagogia realmente é um leque bem amplo, né? Eu vejo assim, eu acompanho muito os concursos também, e
aí você vê o de praticamente quase toda instituição pública tá ali um concurso pra pedagogo pra trabalhar com
projeto educacional, educação à distância, formação da equipe, né? Coisas que você via mais só psicólogo, né?
Onde era só psicólogo que fazia, e visto muito isso no concurso. E a Pedagogia hoje, eu vi que ela ultrapassou
os muros da sala de aula, né? Hoje o pedagogo, ele vai atuar desde a educação infantil, e se ele quiser ir pra
universidade, ele vai poder. (Egressa 17, 2018)
Além disso, as DCNs (2006) colocam a sua centralidade na formação dos profissionais
da educação como prioridade para a construção de políticas públicas educacionais, vinculando
essa formação à formação social e cidadã, conforme esclarece o parágrafo 1º do artigo do 2º
das DCNs (2006, p. 01), que compreendem a docência em uma concepção que abarca a
dimensão humano-social, ao dizer que a docência é assumida:
[...] como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído
em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos,
princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre
conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos
de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do
diálogo entre diferentes visões de mundo.
Com esses elementos de definição, passa-se a buscar a integração de modo
interdisciplinar, a pluralidade do conhecimento ―com pertinência ao campo da Pedagogia, que
contribuam para o desenvolvimento das pessoas, das organizações e da sociedade‖ (DCNs,
2006).
No que concerne ao conteúdo externado pela egressa, o artigo 5º das DCNs (2006)
apresenta a abrangência da formação do pedagogo quanto ao que ele precisa conhecer para
estar apto a atuar profissionalmente. Essa aptidão mostra o alargamento do campo de atuação
desse profissional e a responsabilidade dos projetos pedagógicos quanto ao seu currículo, o
que, conforme as especificidades do curso, ou as noções básicas dos elementos da formação,
precisam contemplar da creche ao Ensino Médio, envolvendo os anos iniciais, o Ensino
Fundamental com várias modalidades – quilombolas, indígenas, Educação de Jovens e
Adultos, dentre outras –, e ainda a gestão da instituição da educação escolar e não escolar em
203
uma perspectiva de formação humana integral cidadã que envolve a instituição educativa, a
família e a comunidade. Por isso, não dá para concentrar a formação dessa abrangência
somente na formação inicial dentro de um único projeto de formação. Por isso, me refiro às
múltiplas formações enquanto movimento permanente dentro da perspectiva da formação
profissional.
Foi com esse olhar de um curso reformulado (2008/2009) em atenção à sua
abrangência, que dialoguei com as egressas dentro de algumas questões da entrevista de
campo, as quais me trouxeram várias percepções, críticas e avaliações, pois a afinação com o
curso por parte das estudantes, atualmente egressas, se deu e se dá (pois para algumas, esse
entendimento só foi possível depois do término do curso), à medida que o curso avança em
sua proposta curricular.
O estudo mais amplo e diversificado das várias frentes que constroem a área do curso
ajudou no decorrer dos estudos a descobrir que ele, enquanto formação e área de atuação, não
está restrito à sala de aula ou à docência em si. Por isso, o curso foi se constituindo em uma
descoberta. Nas biotecituras, encontrei falas que denotavam espanto, dúvidas, desespero e
para outras egressas, possibilidades novas de atuação geraram expectativas.
Essa expansão possibilita hoje assim uma infinidade de oportunidades de trabalho. Eu posso atuar aqui como
professora e posso atuar na educação de jovens e adultos e posso atuar em um presídio e posso atuar numa
educação hospitalar. Todos eles me dão possibilidades, possibilidade de concurso, possibilidade de trabalho
[...] Então, hoje eu vejo que, na verdade, isso possibilita o meu acesso a diversos ambientes. Então, pra mim,
hoje ela tem um valor, essa questão da expansão tem um valor profissional mesmo [...]. (Egressa 15, 2018)
Conforme observou a egressa, a Pedagogia constrói, com a ampliação da área de
atuação um novo status social, educacional e profissional. Esse acesso a outros ambientes de
trabalho enseja necessidades de maior aprofundamento profissional, realidade que foi
salientada por várias egressas ao reportarem ao curso diante de outros espaços de atuação,
como podemos observar no excerto da Egressa 6 (2018):
Eu acredito que essa atuação, ela... realmente o curso sendo amplo, ele é realmente válido, porque você tem
esse conhecimento para atuar nessas... todas essas modalidades. Claro que todas as modalidades ela requer
aprofundamento, você tem os elementos iniciais. O curso de Pedagogia ele foi muito bom porque ele te dá essa
visão de cada modalidade. Aí vai de você querer aprofundar e se identificar com cada uma delas. Eu fiz optativa
de educação especial, fiz optativa de pré-escola, fiz optativa de história como recurso escolar, a história oral, fiz
eu acho que de formação de jovens e adultos também. Então nas optativas nós tivemos essas modalidades, o
início delas. No curso de Pedagogia eu creio que a gente tem a visão geral. Generalista de tudo, e aí o que você
se identifica você aprofunda pra você poder atuar com qualidade na modalidade que você escolheu. (Egressa
6, 2018, grifo nosso)
Nesse sentido, Libâneo (2001, p. 06) chama atenção, ao dizer que:
A Pedagogia se ocupa, de fato, com a formação escolar de crianças, com processos
educativos, métodos, maneiras de ensinar, mas, antes disso, ela tem um significado
204
bem mais amplo, bem mais globalizante. Ela é um campo de conhecimentos sobre a
problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma
diretriz orientadora da ação educativa. [...] Pedagogia é, então, o campo do
conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da educação − do ato educativo,
da prática educativa como componente integrante da atividade humana, como fato
da vida social, inerente ao conjunto dos processos sociais. Não há sociedade sem
práticas educativas.
Nessa compreensão trazida pelo referido autor, não podemos considerar que o curso
em si consiga sozinho dar conta de articular em seu currículo todas as especificidades que
compreenderam essa ampliação. A esse respeito, ao estudar as implicações das DCNs (2006),
o autor ao falar da formação considerando a expansão entende que:
A formação de educadores extrapola, pois, o âmbito escolar formal, abrangendo
também esferas mais amplas da educação não-formal e formal. Assim, a formação
profissional do pedagogo pode desdobrar-se em múltiplas especializações
profissionais, sendo a docência uma entre elas. (LIBÂNEO, 2006, p. 851)
A fala do referido autor alerta sobre as novas exigências formativas advindas das
DCNs (2006), a qual não se restringe a um curso de formação inicial. Nessa perspectiva de
pensar as formações da Pedagogia para além do curso, a egressa, diante da amplitude do
currículo proposto para o curso de Pedagogia advindo da reformulação de 2008-2009,
expressou sua preocupação sobre a formação na e fora da academia, ao dizer que:
Se a pessoa, por um acaso, tem uma afinidade com a educação contínua, ou uma afinidade com qualquer uma
dessas modalidades, ainda tem a prerrogativa – e aí isso é uma hipótese – da pessoa ser uma autodidata e se
preparar de forma autônoma, em busca de outras pesquisas, de outras leituras pra complementar aquela que
teve no curso inicial. Olhando nessa perspectiva da autodisciplina e da auto para complementar aquela
introdução, tá. Mas e quem não tem condições e objetivos pra isso? Não sei, não sei. Eu acho complicado. Nós
tínhamos uma diretriz na nossa época que era... tinha as séries iniciais, tanto é que nós passávamos por todas
essas etapas no estágio e mais a educação e espaços não-escolares. E a gestão, conselho, o PPP, e a construção
do PPP, era a OFEB, eram disciplinas à parte que vinham a somar com essas outras... E eu penso que daquele
jeito não era o ideal também, mas também não pegava o bolo e esfacelava ele todo. Porque você dizer que você
vai oferecer todas essas áreas, essas modalidades no curso de quatro anos, não vai... (Egressa 27, 2018)
Diante desse conjunto de mudanças e novos encaminhamentos da época no que tange
à formação no curso, percebo, nas biotecituras, que a identificação, como já havia dito antes,
vai se dando no processo do próprio curso. Primeiramente, com o curso, em seguida, com
uma especificidade dentro de um segmento da área de atuação da Pedagogia. Contudo, neste
caso, também se vê o que ocorre em qualquer área de conhecimento: há uma re-opção dentro
da opção. Essa escolha mais específica é aprofundada dentro da carreira, como salientou
Libâneo (2006), e observou a egressa, ao trazer sua compreensão:
Então a formação continuada... Eu falo assim, a academia, ela é uma formação inicial. Ela não te dá a base pra
muita coisa, até porque não é essa o objetivo fim, se ela consegue fazer em quatro anos uma vida, [...] ela te
ajuda a construir. E aí tudo depende do que você fez aqui na faculdade também nesses quatro anos, né? Se você
empurrou com a barriga, se não, se você realmente debruçou em cima de um livro, escolheu além daquilo que o
205
professor falou, você foi buscar, né? Você leu mais coisas ou não, ou se você discorda, ou concorda, né? Às
vezes, eu falava assim, „puxa vida, a gente faltou estudar isso aqui‟ [...] (Egressa 16, 2018)
Outras, diante da expansão da atuação da Pedagogia, expressaram:
Eu fiquei feliz porque seriam mais possibilidades de atuação. Tanto é que eu me inscrevi em várias optativas
que apareceu, praticamente todas, (que eu sou muito arretada) por estudar. Mas eu diria que assim, uma pessoa
que acaba de formar, se ela não focar em alguma coisa, ela fica meio perdida, porque há as especificidades. A
educação infantil é diferente de trabalhar com EJA, são dois campos de atuações, gestão totalmente diferentes,
envolve conhecimentos que até aquela época, naquela grade que eu estudei, não havia. A gente foi adquirindo
por meio de estudos paralelos, optativas, pós-graduações. Mas assim, é interessante essa abrangência, mas
requer também do profissional um aprofundamento na sua formação, senão ele vai ficar extremamente
superficial, e vai agir de forma genérica, não vai atender a especificidade daquela etapa, daquela modalidade.
(Egressa 18, 2018, p. 07-08)
Eu acho importante, desde que na área de atuação ele tenha uma apropriação de entendimento daquilo que ele
vai atuar, né? Porque atuar nas instituições de educação infantil não é a mesma coisa de atuar numa instituição
de ensino fundamental, como não é a mesma coisa em atuar numa instituição do ensino superior. Tem as suas
especificações [...] E tem que se buscar qualificações também, né? Capacitações e a parte das especificações.
(Egressa 27, 2018)
Há um entendimento por parte das egressas que o curso, mediante as diretrizes e a
reformulação da proposta curricular, gera várias especificidades formativas que vão se
integrando e interagindo conforme as escolhas de atuação do pedagogo.
Quanto a esse aspecto colocado pelas egressas, a proposta curricular do curso em
questão entende que:
Apesar da constatação, nessa ótica processual da aprendizagem do trabalho docente,
de que o curso de licenciatura apresenta determinados limites, em parte definidos
pelo curto período que este representa relativamente a toda história de aprendizagem
do futuro pedagogo, a aprendizagem proporcionada nele precisa deixar de ser
pontual (fragmentada, desvinculada da prática) e integrar-se ao diálogo com a práxis
educativa, caracterizando-se efetivamente como uma sólida formação profissional
inicial que garanta a criticidade essencial para o desenvolvimento de competências
básicas para uma aprendizagem social. (PPC/IE/UFMT 2008-2009, p. 12, grifo
nosso)
Embora o leque de opção se amplie, o mote continua sendo o mesmo, envolvendo o
trabalho com as questões humanas independentemente que a atuação se dê em uma função
burocrática do ensino. O foco continua sendo a formação de pessoas. Nesse aspecto, as
biotecituras confirmam que a opção das egressas se vincula às necessidades e interesses de
trabalhar com o ser-pessoa e sua formação.
Há um entendimento que essa atuação, independentemente dos espaços, vincula-se
com as questões da educação:
Então, assim, eu não queria trabalhar numa coisa que não fosse [...] que não lidasse com as questões
educacionais. Então, eu posso ser pedagoga e posso lidar com as questões educacionais, trabalhar no Instituto
Federal de Educação como técnica, (posso ser uma) técnica, mas lidando com as questões educacionais. Então,
acho isso muito bom. Isso é excelente (Egressa 3, 2018)
206
Para a Egressa 28 (2018), as reformulações do curso oportunizaram uma reopção
dentro de sua própria aérea de atuação:
Quando eu entrei pro curso de Pedagogia, eu sabia que ele seria para as séries iniciais, só que eu tinha em
mente que eu não queria aquilo pra mim, né? Então, quando se abriu o leque do pedagogo poder atuar na
Educação Infantil, poder atuar na educação de jovens e adultos, em todas as outras frentes, pra mim foi o
máximo, porque tanto que teve o curso ampliado, eu fui uma das pessoas, por não conseguir fazer o estágio
porque eu fiquei grávida nesse percurso, por não conseguir fazer o estágio com a minha turma eu tive até que
fazer algumas disciplinas a mais por causa dessa ampliação do curso. Mas assim, só trouxe subsídios a mais
pra minha formação. (Egressa 28, 2018)
O que pude acompanhar, tanto nas vozes das egressas como na minha própria
experiência com o curso de Pedagogia da UFMT, é a atenção que o curso buscou dar às
demandas que foram exigidas do pedagogo. A possibilidade de estudos, a partir de um
currículo transdisciplinar, em que o foco está na formação do profissional, ampliando sua
visão de profissional de educação com condições de transitar pela sala de aula enquanto
docente, mas com potencialidades para atravessá-la a fim de alcançar outras necessidades e
espaços, que também são formativos e de aprendizagens:
Eu acho que é uma oportunidade da gente passar fora da sala o que a gente já tava fazendo como... eu tenho
esse desejo, essa vontade de ensinar [...] Tenho uma colega que faz trabalho no hospital, achei lindo também,
que ela entra em contato com a gente. Ano passado eu trabalhei na sala multi. [...] Então, é um trabalho que sai
da sala, o aluno [...]. Então, o presidiário também, às vezes, „ah, eu tô fora do mundo‟, mas ele tá lá também,
tentando [...] já mostrando pra ele que ele, quando ele sair, não tá fora, não tá perdido, tá tendo ensinamento.
Então, é um leque que se abriu que a gente vai ter mais oportunidade. Às vezes, a gente se sente preso na sala e
agora a gente pode falar fora, né? Tem mais espaço aberto. Às vezes, causou até um pouco de inveja, porque eu
já ouvi uns comentários assim, de professores de outras áreas e fala assim, “por que que a gente tem que ser
coordenado só por um pedagogo ou uma direção só de pedagogo? (Egressa 7, 2018)
As DCNs (2006), embora ainda sejam um desafio para os cursos de Pedagogia devido
a que priorizar no currículo, como agrupar epistemologias de modo que elas se interajam, o
direcionamento da normativa nos parece que mobiliza para o estatuto da Pedagogia, o que é
de competência dela e não mais de outros profissionais.
Não ‗estamos‘ no sentido das egressas, ou das minhas compreensões, lidando com um
super-profissional, mas tratando da potencialização de sua identidade aberta com foco na
educação do ser-pessoa vinculado a uma educação formal ou não formal, o que não deixa de
ser pertinente a lugares de aprendizagens. A esse respeito, Egressa 2 (2018) diz que:
Eu acho que é muito importante sim, porque nós que trabalhamos não só em sala de aula, mas também em
outros lugares. Por exemplo, conheço pedagogos que trabalham em clínicas. Isso dá essa possibilidade de você
escolher qual é o caminho que a gente quer trabalhar, do que a gente gosta de fazer.
Esse cenário evita o engessamento da área, mas exige qualificação para a atuação
diversificada da Pedagogia. O trecho da biotecitura que se segue me proporcionou saber como
207
algumas egressas lidam com essa ampliação, e se, de fato, estão ocupando esse espaço que a
formação inicial as assegurou como conquista e direito:
E eu, durante esse percurso da minha vivência na educação, eu... eu acho assim, que quando a pessoa gosta do
que faz, não tem idade, porque eu já tenho experiência com o ensino fundamental, com adolescentes, na escola
onde eu trabalhei, com formação de professores também, na Secretaria de Educação, eu tive uma oportunidade
de trabalhar com professores. E também eu já fiz substituição em faculdade para a graduação em Pedagogia.
Então, eu acho que quando a pessoa gosta de ensinar, qualquer idade você consegue ensinar. (Egressa 6, 2018)
Como eu fiquei um tempo na secretaria eu vi como que precisa ter pessoas atuantes nesses lugares, porque vai
discutir uma coisa que vai afetar a rede toda, e aí você tem que ter um pedagogo pra falar, dar opinião „gente,
eu estudei, é isso, é isso, é isso‟, né? Tem que ter assim. Então, tem que ter pedagogo mesmo em tudo quanto é
lugar. (Egressa 17, 2018)
Nas vozes das referidas egressas, mais uma vez, observo a expansão da área da
Pedagogia que independente do ‗lugar, o que se espera é que o pedagogo ensine, lide com as
questões humanas de seu aprendizado. Esses aspectos supõem que essa atuação requisite uma
formação permanente.
Ao pensar o curso em si, não significa que devido ao fato de a área de atuação ter se
tornado mais diversificada e complexa, que a formação inicial seja obrigada a vincular-se a
uma mesma matriz, e que o projeto curricular tenha que dar conta dessa formação em um
sentido de completude e acabamento. Com a exposição junto à prática, e considerando essa
ampliação, tal experiência e movimento contribui para que as egressas consigam fazer essa
leitura quanto à necessidade da formação permanente, ao mencionar que:
[...] quando a gente tá lá na atuação a nossa formação é inicial. Então, a gente precisa se aprofundar, buscar
aprender mais, mas o que a gente tem aqui, o básico assim, dizemos assim, prepara a gente pra ir atrás do que a
gente precisa, buscar mais fonte de conhecimento e se colocar no lugar do outro que a gente vai trabalhar, né?
Porque a nossa área de atuação, aí ela é bem ampla. E eu acho que assim, a nossa formação com certeza
prepara a gente pelo menos pra buscar mais informação, porque não tem eu acho que como um curso que sai
pronto e você tá pronto, já vai trabalhar e vai ter sucesso. (Egressa 12, 2018, grifo nosso)
Eu vejo o quanto a gente perdeu e ganhou ao mesmo tempo, porque nós fomos aquela turma da transição, né?
Então, nós ainda tivemos essa opção de optativas. Então, quem não trabalhava, quem, às vezes, tava só na
época da faculdade, conseguiu fazer muita disciplina optativa e conseguiu absorver um pouco mais. Os outros,
né? Que não conseguiram fazer, tiveram que ir fazendo isso no decorrer da formação profissional sua. (Egressa
16, 2018)
Tomando esses excertos de biotecituras como perspectiva de compreensões sobre essa
ampliação, passo a entender que a formação na Pedagogia, em razão das novas frentes de
atuação, chama para o diálogo novas epistemologias, as quais, a partir de suas abordagens,
apresentam contribuições para o ensino via Pedagogia, considerando os segmentos de
formação humana diversa, com suas necessidades múltiplas de aprendizagens. Nesse sentido,
retomo o que Houssaye et al., (2004) dizem no Manifesto a favor dos Pedagogos, ao ressaltar
que o pedagogo de profissão só é assim considerado quando fizer o que chamam de plus na e
208
pela articulação teoria-prática em educação. De outro modo, Roldão (2008) chama de
alquimia, o pensar a fabricação pedagógica.
Voltando a essas tensões e compreensões que tecem os fios da ampliação da área de
atuação, pelas construções das biotecituras, muitas egressas chegaram ao curso arredias,
preocupadas e incertas, pois o pouco que conheciam da Pedagogia era que ela se restringia à
atuação em sala de aula e na escola como sendo as alternativas possíveis. Entretanto, no
decorrer da formação e com a apropriação do conhecimento, a Pedagogia vai se mostrando e
se dando a conhecer em seus limites e possibilidades. Por isso, elas foram surpreendidas,
como bem exprime a Egressa 11 (2018):
[...] quando nós entramos no curso de Pedagogia, a primeira ideia que nós temos assim, na época queríamos
trabalhar em escolas, era essa noção. Quando nós entramos no curso não. Foi mostrado pelo coordenador do
curso na época, que nós poderíamos trabalhar em diversas áreas, em diversos campos, empresas, hospitais (e
tudo mais). Quando nós tivemos noção que isso poderia ser possível, algumas pessoas que tinham medo de
trabalhar em escolas, ou tinha algum tipo de aversão à criança e trabalhar com crianças, viram uma
possibilidade um pouco maior de trabalhar em outros âmbitos que não fosse exatamente ali o âmbito escolar.
Isso foi bom, porque também me deu uma segunda possibilidade, porque eu não tinha problema nenhum em
trabalhar com crianças, eu gostava, gostava da ideia de [...] da licenciatura, né? Até porque eu já tinha feito
história, mas aí sabendo que poderia trabalhar além de escolas, em empresas ou hospitais, enfim, eu gostei
bastante. Por isso, eu acho que eu escolhi o curso certo, porque ele ia atender qualquer sentido. (Egressa 11,
2018)
A formação inicial abre essas possibilidades de atuação que à cada uma vai se
percebendo onde melhor poderia atuar. Entendo essa delimitação da atuação, acontecendo
gradativamente à medida que as egressas vão se expondo em sua atuação, como esclarece a
Egressa 16 (2018), ao relatar que:
Eu falo, nossa, foi muito interessante vir pra secretaria porque eu observei a diferença do que era lá na ponta, o
documento que chegava pra nós, e quem é que produz ele aqui, porque, às vezes, quem produz ele aqui tá tanto
tempo aqui que esqueceu o que é o chão da sala, mas não é só por isso. É porque ele também tá lendo
documentos que têm que ser a base do chão da sala. Então, eu preciso juntar o que é realmente o fazer
pedagógico, né? Na ponta, no seu fim, no aluno, com aquele outro que também tá pensando apenas educação.
Então, vamos fazer a junção disso. E aí ser formadora de professores ajuda a gente a ter esse... essa percepção.
Essa constatação também aparece na fala de Egressa 4 (2018). No que se refere a essa
busca pessoal, ela diz:
Já dei aula pra educação infantil, mas só que não me reconheci, e nem no quarto e no quinto ano. Então, seria
mais pro primeiro, segundo e terceiro ano, que eu me vejo melhor. Que eu me sinto melhor.
Ocorrência semelhante foi verificada na experiência de Egressa 9 (2018), que, ao se
defrontar com outros anos escolares, conseguiu se encontrar dentro da Pedagogia, ao dizer
que:
Quando eu passei no concurso de Várzea Grande, aí eu fui pra alfabetização e me descobri na alfabetização.
Que o meu perfil é alfabetização, educação infantil, [...].
209
O que percebo é um movimento quase que natural no sentido daquilo que mais se
aproxima do seu ser e fazer pedagógico. Essa identificação vai acontecendo mediante a
experimentação. E essa experimentação é mais completa no sentido das muitas
especificidades pelo fato de o curso ter outras atribuições com a construção de diversas
epistemologias e não conseguir possibilitar esse laboratório maior de experimentação.
Essa relação com o outro, com os outros, lidando com suas necessidades e interesses,
permite uma autoavaliação. Nesse aproximar-se e distanciar-se dos outros para conseguir
realizar escolhas pessoais, é que a atuação e a formação se ligam com suas aspirações
profissionais. No meu entender, esse observar-se a si mesmo, aproxima-se do movimento de
autoformação, do qual Pineau (2006, p. 57), em seus escritos trata, ao ressaltar que ―as
histórias de vida como artes formadoras da existência‖ considerando os tempos humanos
oportunos para uma formação e mudança permanente em todas as etapas da vida. Ele
expressou que ―criar essa perspectiva, de se desdobrar em sujeito objeto de conhecimento, de
criar assim um espaço pessoal específico novo, de trabalho de si, por si, para si. Trabalho de
autoformação ao cubo, triplamente interlocutor [...]‖
É nesse sentido que as propostas de formação permanente precisam considerar as
vivências dos professores expostos a algum tipo de prática escolar ou não escolar, com
objetivo de potencializá-los e não os cercear, limitando, assim, a sua criatividade. Isso porque,
mais do que consumir instruções, eles querem agir e criar.
Retomando os excertos anteriores, observo a busca de experimentação dessas egressas
vinculado com seu sentir que deseja se integrar e entregar à sua profissão. São esses aspectos
que marcam fortemente as temporalidades que transitam nos espaços escolares e não
escolares. Como pontuam Fortes e Flores (2012, p. 18):
[...] a organização da formação orientada para desenvolvimento profissional, o que
implica a consideração das necessidades individuais e coletivas, pessoais e
profissionais, dos docentes e dos contextos em que trabalham, bem como a fase da
carreira em que se encontram.
Desse modo, entendo que Day (2001) e García (1999) consideram também a formação
orientada para o desenvolvimento profissional como necessária, porque ela pode ajudar com
contributos atendam às dificuldades individuais de cada professor.
Contemplando essa formação inicial na perspectiva da formação profissional, retomo
algumas biotecituras e encontro o explicitar das egressas sobre as DCNs (2006). Notei que em
algumas falas elas se reportam à matriz curricular do curso de Pedagogia inicialmente
reformulado devido à gama de conteúdos a serem abordados. No que diz respeito à sua
experiência formativa, as egressas disseram que o tempo do estar no curso foi insuficiente e
210
acabava sendo mesmo insuficiente, não abarcando essa ampliação em termos de estudos e
aprofundamentos. Isso gerou uma sensação de insegurança quando elas pensavam em atuar
fora do espaço escolar.
A disposição, o sentir-se competente e confiante diante de um currículo mais ampliado
e de um campo de ação mais diversificado, conforme as biotecituras, só passa a ser
compreendido e menos complexo à medida em que as egressas vão se envolvendo com seu
próprio aprendizado e se dando conta de si mesmas como agentes de mudança. Isso me faz
salientar o reconhecimento da necessidade de formação ao longo da vida.
Ao retomar as vozes das egressas que ressoaram nos fios dessa dimensão que abordou
alguns olhares sobre a formação inicial, deparei-me com múltiplos sentimentos,
entendimentos e perspectivas frente às áreas de atuação da Pedagogia, tendo por base a
reforma curricular advinda das DCNs (2006). Embora sua publicação já tenha completado 13
anos, os avanços não são suficientes para dar mais consistência teórica, metodológica e
pedagógica ao curso. Isso foi observado devido às próprias complexidades da expansão, que
por si só, já geraram novos desdobramentos de frentes de trabalho e necessidades formativas.
No que concerne às políticas educacionais curriculares, há muitos hibridismos com arenas de
disputas acerca da proposta da organização dos projetos políticos pedagógicos, das condições
objetivas de trabalho dos docentes, e ainda dessa relação mais estreita entre teoria e prática.
Esses aspectos podem ser observados nas linhas e nas entrelinhas das biotecituras e
das minhas próprias percepções quanto ao curso e à formação, pois estão conectados à
necessidade de maior inserção no ambiente de atuação da Pedagogia e de discussões que
considerem a formação docente na perspectiva do ser profissional crítico-reflexivo e de ser
um pesquisador de sua própria prática futura. Quanto trataram do constituírem-se como
profissionais, as egressas expuseram, por meio das biotecituras, que com a formação inicial na
Pedagogia e a exposição mais reiterada nas frentes de atuação, fizeram sínteses e novas
sínteses abarcando de modo mais reflexivo a atuação e a profissão. Diante do pensar fora do
curso, considerando a formação, algumas egressas expressaram:
Eu acho que, de certa forma, ela ajudou não só a ampliar o campo da Pedagogia como, digamos assim, „ah, é
um leque de lugares, de opções que eu posso trabalhar‟, mas melhorou em questões qualitativas o trabalho do
pedagogo, porque quando eu vejo o trabalho de professora, é uma coisa, eu estou vendo dentro da minha sala
de aula, quando eu sou gestora, né? Eu vejo o trabalho de uma outra forma, eu vejo várias salas, professores
que têm que trabalhar em consonância com um documento da rede municipal ou da rede estadual, juntamente
com uma diretriz nacional, né? Então, eu consigo digo assim, o professor, às vezes, não observa isso no seu
fazer diário, mas o gestor, ele tem que observar. Então, o campo de visão dele muda. (Egressa 16, 2018)
Esse pensar a escola de modo mais articulado, completo e complexo, mostra que esse
olhar perceptível e mais cuidadoso é possível, porque a egressa está no processo e se percebe
211
no processo de sua própria formação profissional, sendo que a escola se constitui espaço-
tempo propício de pesquisa, aprofundamentos, ressignificações e novos conhecimentos. Estar
em sala de aula e depois na gestão, e volver o olhar para observar o professor em seu
ambiente de atuação, passar a ser, então, esse professor observador, ocupa um outro lugar
nesse mesmo cenário que lhe possibilita ter outras percepções, pois se tem acesso também a
outras especificidades da atuação profissional. Por isso, a visão não só muda, como pode
também se ampliar.
Em um outro excerto, as egressas olham para si (auto) e para os outros (hetero), seus
alunos como se eles fossem os impulsionadores de suas reflexões e, consequentemente, de
suas novas práticas, ao dizerem que:
[...] você tem que pensar em vários jeitos de aplicar aquele conteúdo, de dar aquela aula, até porque os
alunos... que a gente sempre fala que os alunos não são iguais, que você não tem que ter uma forma só de
ensinar, que você tem que perceber que os alunos são diferentes e que se não deu certo daquele jeito, você tem
que tentar de outra forma [...] (Egressa 13, 2018)
Depois da minha formação, eu questionava algumas coisas „será que é assim mesmo? Será que é por esse
caminho? Será que se eu for por esse caminho eu vou conseguir atingir o meu objetivo?‟. E pensar também pro
aluno, com esse olhar pro aluno, porque até então, a gente pensava nos objetivos que você queria atingir, mas e
os dos alunos? E a formação, ela te possibilita isso. Você ter esse entendimento, essa compreensão, que não é
em você, não é o seu querer, mas é o do aluno, seu olhar tem que tá voltado pra criança. (Egressa 30, 2018)
Colocam-se como protagonista de ações reflexivas de sua própria prática para além do
saber fazer, ou ensinar algo a alguém, como Roldão (2008) nos ajuda a entender. O que as
egressas expressam diante de sua atuação, ou antes dela, é um pensar a educação de modo
mais enraizado na realidade.
Há, nas vozes das egressas, compreensões de um afinamento e refinamento entre o
pensar e o agir, de modo correlacionar as experiências da ação educativa com as exigências
cotidianas:
É a cada dia você... com as coisas que você vê, com as dificuldades que você enfrenta com o aluno,
principalmente. O que eu quero a gente enfrenta mais dificuldade é do „eu consegui‟, „ah, eu não consegui com
esse‟, „ah, com esse está indo, com esse não está indo‟, com as experiências que a gente vai tendo que a gente
vai, „ah, o ano que vem não vou fazer diferente, porque esse ano isso deu certo, vou continuar‟. (Egressa 13,
2018)
[...] com a experiência que você vai evoluindo e você vai crescendo, o seu profissional, tudo, né? Não só o
profissional, até o emocional seu vai... quando você entra é uma coisa, agora com o passar do tempo, que você
pegou experiência, que você já tem três anos, você já sabe como que é, você já não se abala tanto com algumas
coisas, já consegue... os pais já você já trata de uma forma diferente, você já recebe o pai, dependendo do que...
de certas situações você já sabe lidar melhor. Acho que é a experiência mesmo. (Egressa 13, 2018)
Diante dessas biotecituras, retomo minha compreensão considerando os estudos de
Shulman (2014), que vai dizer que essa exposição com a realidade ajuda o professor a ir
fazendo seu refinamento, e ele mesmo vai se dando conta de seu crescimento e conhecimento,
212
pois começa a aprender a ensinar. Compreendo, observando os estudos do referido autor, que
―os professores aprendem por meio de reflexões críticas estruturadas sobre suas próprias
práticas‖ (SHULMAN, 2016, p. 123), os quais vão transformando suas experiências
individuais, sejam elas na docência ou nos demais espaços de atuação, em conceitos mais
generalizáveis devido ao esforço de reflexão, tanto individual como coletiva.
No sentido da ação do ser professor, Nóvoa (2016) expressa que ―não há duas
Pedagogias iguais. Cada um de nós tem que encontrar a sua própria Pedagogia, tem que
compor a sua Pedagogia, sob a pena de nunca encontrar esse tal conforto [...] (NÓVOA, 2016,
p. 10, degravação)
Em um outro momento, no livro Vidas de Professores, organizado por Nóvoa e
Huberman (1989) pontuou que ―o desenvolvimento de uma carreira é, assim, um processo e
não uma série de acontecimentos. Para alguns, esse processo pode parecer linear, mas para
outros, há patamares, regressões, becos sem saída, momentos de arranque, descontinuidades.
(HUBERMAN, et al., 1989, p. 38)
Retomando esse fio que trata das percepções dos egressas diante da atuação deles
diante da ampliação da área de atuação, observo o que Nóvoa (1989) traz como um
pensamento compreensivo diante da carreira do professor, que compreende tal como García
(1999) e Pineau (2003), como processo continuum e não acontecimentos isolados, os quais
percebo nas egressas em suas biotecituras, quando elas vão puxando como de um emaranhado
de fios seus processos de construção e ressignificação do seu aprender profissional.
As vivências das egressas, sejam elas em sala de aula, ou em outras frentes de atuação
da Pedagogia, são marcadas por inúmeros movimentos de diferentes etapas no processo de
aprender e ensinar. Elas percebem que estão em uma sala de aula diante de um grupo de
alunos e diante de várias necessidades de aprendizagens, mesmo estando em um mesmo ano
escolar. Os próprios alunos possuem necessidades, muitas vezes, específicas para aprender.
Em um outro momento, constatam que a escola é um todo, e que está situada em um contexto
sociocultural maior, e que não só ensinam com os conteúdos sistematizados, mas com outras
situações que atravessam a sala de aula, a escola e, muitas vezes, a família. Elas também
veem que a gestão da escola amplia a visão da educação, que passa a ser compreendida tanto
para o aluno como aprendente, como para o professor, como o ensinante. Todos são
aprendizes e requerem formações em graus diferentes. Percebem que a Pedagogia extrapola
os muros da escola e se coloca como interlocutora com outras áreas de conhecimento e que,
para contribuir com esse diálogo e com a práxis pedagógica, precisam continuar seus
processos de formações ainda mais aprofundados, constituindo uma rede comunitária de
213
profissionais. Foi o que compreendi diante da atuação das egressas considerando sua maior
inserção profissional mediante a reformulação do curso de Pedagogia da UFMT orientada
pelas DCNs (2006).
Então, isso posto, as principais ideias externadas nas biotecituras das egressas foram
organizadas e estão expostas na Figura 10.
Figura 10 - Ampliação da área de atuação na Pedagogia: compreensões das egressas
Fonte: elaborada pela autora (2019).
214
Diante dessas compreensões vindas das vozes das egressas, me aproximo e teço com
elas os fios que articulam com a dimensão profissional em uma perspectiva de uma concepção
de múltiplas formações que contribuem com os processos de autonomizações.
4.4 Contextos formativos e processos de autonomização: dimensão profissional das
egressas
Lidar com tecimentos e tensionamentos de fios, quando estamos tratando do ser-
pessoa e suas formações, sempre é um campo de múltiplas percepções, as quais venho
entendendo de modo circular ao colocar em diálogo as três dimensões que elegi para o roteiro
das entrevistas, e com as quais compus as biotecituras. Venho observando, nesse constituir-se
pessoa e profissional, principalmente nos movimentos de autoformação, os imbricamentos de
uma dimensão na outra e sempre assim, sucessivamente. A esse respeito, Pineau (2006, p. 42)
chama atenção para o perigo que há dessa separação entre essas linhas que, a meu ver, são
tênues. Assim diz o autor ―com efeito, hoje a vida e suas diferentes formas são cindidas pelo
esfacelamento, quase generalizado, das fronteiras entre vida pessoal e vida e vida profissional,
vida privada e vida pública, vida social e vida familiar e mesmo vida e morte, vida passada e
vida futura‖.
Esse cindimento que o referido autor trata ocorre nas fronteiras, pois para o autor, é
nas fronteiras que as coisas, os outros movimentos e decisões acontecem. Compreendo tais
fronteiras não como barreiras, cercas ou linhas estabelecidas e fixas, mas como pontos de
articulação da autonomia com a dependência. Assim, as tomo como Pineau (2003, p. 132),
para quem ―a fronteira vital é o lugar onde se representa o paradoxo da relação ecológica que
articula a autonomia do ser vivo com sua dependência frente a frente com o exterior‖. A partir
do autor, entendo que esse lugar-temporal das fronteiras representa os filtros que podem
permitir a entrada ou reter algo, o que ajuda no combate à homogeneização dos tempos.
Ainda, ―elas são transações sutis, penetrações epidérmicas, trocas visuais, fixações de sentidos
que se não forem lavados em consideração produzirão cérebros desvitalizados, caracterizados,
blindados, emparedados em seu autismo‖ (PINEAU, 2003, p. 133), o que revela a urgência da
autoformação, no sentido do formar-se ―por si mesmo‖. Essas fronteiras são percebidas nas
biotecituras no sentido se ter consciência dessas dimensões fronteiriças, delas serem
importantes, de muitas vezes, ou quase sempre, não serem consideradas no bojo das
formações, já que as coisas pessoais se imbricam nas coisas profissionais.
Observo as egressas constatam que instituições, sistemas de formação, projetos de
qualificações dentre outros, são bastante complexos, diversificados e singulares, instituindo-se
215
como fronteiras. Então, para transpor o movimento dessas fronteiras, é preciso aprender a
lidar com seus limites e possibilidades.
Na percepção da construção de sentidos de si mesmo implicados nas dimensões,
observei que a Egressa 21 (2018), que já está no movimento da formação permanente no
sentido de vivenciá-la tanto como egressa de Pedagogia, docente e estudante de Pós-
graduação, ressalta sua compreensão de aproximação e relação sobre essas fronteiras, ao dizer
que
É por isso que o tempo, a temporalidade e os meios e a vida das pessoas elas estão imbricadas... (Egressa 21,
2018)
Tendo em conta o que pontuou Pineau (2006), abro o diálogo trazendo o seguinte
excerto, que diz:
Primeiro, quando eu saí daqui eu já tinha na minha cabeça que eu não ia atuar. Eu não queria. Não era minha
vontade. Aí eu fiquei em casa e a minha vó ficou doente, fiquei com ela no hospital. E eu tinha uma tia que
trabalhava na escola. Aí ela me perguntou se eu queria cobrir a licença de uma professora, e eu falei não, de
primeiro momento, não. Só que aí depois eu me peguei assim, minha mãe perdeu o emprego. Meu pai perdeu
o emprego, e eu assim... como que eu vou dizer? Pressionada a aceitar, e fui. E quando eu cheguei no primeiro
dia pra mim foi assim, como que eu vou explicar? Eu tinha tanto medo só de olhar pra aquelas crianças, pra
aquela sala de aula, que eu falei... eu pensava, desde aquele dia lá, ‘mas amanhã eu não volto mais’, e esse
amanhã, amanhã que eu não volto mais, eu fui indo, e assim acabou o ano, assim eu tava na sala de aula. Eu
acredito que, num primeiro momento, eu não fui uma boa professora, porque eu não tinha experiência nenhuma.
Mas eu fui adquirindo porque eu tive vontade de saber como que os outros professores atuavam, como que era
atuar em uma sala de aula, e fui procurando tá observando. Às vezes, eu ficava na sala com umas professoras
que já dava aula, observava, observava tudo que elas falavam, tudo que elas trocavam de ideia, e assim eu fui
aprendendo. Não sei tudo hoje, mas eu já tenho uma experiência boa. (Egressa 14, 2018)
Puxo esse fio entendendo que esse excerto revela muito realidade da atuação
profissional das egressas: cada uma está inserida e imbricada em seus próprios tempos e
temporalidades. A Pedagogia entra e se mistura na vida das egressas como que em um
despertar que evoca outro lugar, com o qual vão se identificando, compreendendo,
observando, experimentando e aprendendo. Para Shulman (2016), são processos pedagógicos
e de aprendizagem, eu diria ainda, como Pineau (2006) e Merleau-Ponty (1999), processos
humanos de experimentações e percepções.
Para algumas egressas, é mais do que viver aprendizados dentro dessas fronteiras. É
um conjunto de superações pessoais como socioculturais, conforme expressou a Egressa 21
(2018):
Então, é isso que inspira a gente também a permanecer na luta, porque as rasteiras são diárias, né? Das
colegas, dos colegas, do sistema não precisa nem falar, né? Não precisa nem falar. Mas a superação da própria
situação de opressão nos faz acreditar no inédito viável. (Egressa 21, 2018)
216
Considerando todos os fios do aguayo puxados até esse momento do trabalho, entendo
que esses fios foram se imbricando um ao outro, a ponto de em algum momento extrapolar a
composição dos fios propostos para compor cada item dos capítulos. Pensar na formação
inicial sem pensar na dimensão pessoal chega a ser contraditório à proposta desta pesquisa.
Por isso, em um e outro fio de entremeios optei por destacar alguns elementos que mais se
aproximam com o tecimento desse fio. Para esta parte do trabalho, tenciono um pouco mais a
dimensão profissional das egressas, dialogando com elas mesmas em seus processos
formativos do formar-se a si mesmas em um sentido do gestar-se para tornarem-se
profissionais docentes.
No campo de inserção de atuação profissional, os movimentos formativos se
intensificam em uma perspectiva de autoformações, como pontuam as egressas:
Porque a gente chega ali sem saber praticamente nada e, com o passar dos anos, a gente vai tendo consciência
daquilo, vai se dedicando, vai estudando a mais do que somente a sala de aula. Porque o professor que estuda
né, até a pessoa mesmo que estuda só ali na sala de aula não tem a mesma perspectiva de um outro que está
mesmo fora da sala de aula estudando, pesquisando, tentando se aperfeiçoar. (Egressa 28, 2018)
Então, como eu passei cinco anos no Sesi, eu acho que foi uma base magnífica pra minha vida, porque lá nós
tínhamos muitos cursos, muitos... muitos estudos, né? E aí, mais uma vez, é aquela questão, é para além do que
também estávamos falando, porque a ideia era de uma Pedagogia empresarial, né? Então eu estou trabalhando
para clientes, então eu não tenho alunos, eu tenho clientes, e essa ideia também não era algo que me agradava,
mas é aquela coisa, aproveite o meio que você está, estude, aprimore-se, mas não seja totalmente ele, né? Não
no sentido de subverter também, mas no sentido de melhorar, né? Penso assim. Então, eu fiz nesse período uma
especialização em alfabetização e educação infantil, e aí na faculdade, depois da psicologia, que eu me
apaixonei mesmo, porque eu me vi, eu me entendi lá, foi um psicólogo pra mim, na verdade, a faculdade.
(Egressa 16, 2018)
Não dá para pensar no outro (hetero) sem pensar em si (auto), uma vez que os espaços
e os tempos vão se revelando formadores. Esse (auto) está intrinsicamente vinculado com as
temporalidades que vão sendo reconstituídas nesse novo tempo das coisas vividas no campo
de suas próprias percepções (PINEAU, 2003; MERLEAU-PONTY, 1999).
Antes de seguir, é preciso dizer que quando fui buscar o grupo de egressas dos anos de
2009 e 2013, não tinha conhecimento de quem eram essas egressas e nem onde estavam
atuando. Contudo, meu foco de pesquisa fez um recorte naqueles que estavam dentro da área
de atuação da Pedagogia, considerando as DCNs (2006). O surpreendente foi que das 41
egressas que responderam o primeiro questionário, somente dez estavam foram da área de
atuação. E 30 egressas desses dois períodos formativos desenharam, via suas biotecituras, o
cenário dessa ampliação da Pedagogia. Desse total de 41, 40 são mulheres. Por isso, reitero
que opto por chamá-las de egressas e não de egressas. Das 30 egressas, na ocasião da
pesquisa, somente quatro atuavam em instituição privada. Dessas, duas estão atuando como
professoras contratadas em um dos turnos de trabalho. O maior grupo, que está atuando na
217
escola pública, mantém um vínculo como professoras efetivas da rede de ensino tanto
municipal, estadual e federal, tendo alguns casos em que atuam em duas redes de ensino,
contemplando, portanto, dois municípios, ou ainda também a rede estadual.
Para algumas das egressas, essa inserção na escola e na profissão docente veio
colocada com a formação inicial:
A minha inserção começou antes da Pedagogia. Eu comecei com o curso de Magistério, [...]. Ali em 96
começou a minha experiência pedagógica. Dava aula porque, naquela época, você ainda podia dar aula só com
Magistério... Ali eu comecei e fiquei de 96 a 2006 só com Magistério, dando aula pra Educação Infantil e séries
iniciais, na época na segunda série, terceira série. Aí depois veio o ciclo. Trabalhei até 2005 em sala de aula
com o Magistério. Em 2006, entrei na turma de Pedagogia e aí, em 2006, eu já não podia mais trabalhar sem o
curso de Pedagogia. E aí eu não consegui mais ir pra sala de aula, [...] Aí depois eu só consegui trabalhar
naqueles projetos, educação de jovens e adultos e mais educação na escola. (Egressa 21, 2018)
Acho que no segundo ano eu comecei um estágio. Primeiro eu fui voluntária por oito meses aqui na escola, da
rede municipal, que eu ia a cada dois dias, e conforme também a escola precisava, porque a escola sempre
precisa. E depois eu fiz um estágio no Sesc, que é, assim, um estágio... assim, o estágio... o programa de estado
deles é bem organizado, então tinha orientação pedagógica com a coordenadora, eu tinha que desenvolver
projeto em sala, eu ficava todos os dias, assim, isso contribuiu muito pra minha formação profissional, muito,
porque a noção de realidade lá do dia a dia eu consegui nesse estágio. E foram essas duas mesmo, iniciativa
profissional no campo de atuação. (Egressa 18, 2018)
O que vi como um dado importante quanto ao grupo de egressas efetivas na rede de
ensino de Mato Grosso, foi que a entrada na carreira docente se deu logo após a conclusão do
curso via concurso público. O fato de terminarem recentemente o curso de Pedagogia
possibilitou a rápida aprovação nos concursos. Apresento um conjunto de excertos que
revelam isso:
Mas eu falo que o nível de conhecimento, eu acho que foi muito bom pra mim. E assim que eu terminei a
faculdade, que eu terminei a presencial, eu prestei o concurso, que foi em 2010, aí já iniciei em 2011 como
professora, com o cargo, aí a função de professora no município de Cuiabá. (Egressa 27, 2018)
E aí teve um concurso logo no último ano nosso, né? Que aí eu fiz, então, que eu saí daqui já fui direto pro
trabalho, (Egressa 17, 2018)
Então, em 2010, eu fiz o da prefeitura de Cuiabá e do estado. Aí passei nos dois. No estado, eu passei na cidade
de Poconé. E aí aqui em Cuiabá, eu passei aqui pra região do Industriário, Nova Esperança. Então, eu fazia
todo esse trajeto, todos os dias, ia pra Poconé de manhã e voltava à tarde pra dar aula nessa escola do
município. Isso de janeiro a setembro. (Egressa 18, 2018)
Me formei em 2013. Aí teve a chamada do concurso de 2010. E aí como estava na época, aí me chamaram e
logo então eu saí da faculdade, eu já pulei pra sala de aula, no caso na creche aqui. (Egressa 23, 2018)
Foi depois da conclusão do curso, logo na sequência, porque quando eu terminei o curso, já abriu o concurso
da prefeitura e eu me inscrevi. Fui aprovada e comecei a atuar. Foi assim. (Egressa 19, 2018)
Eu terminei a faculdade acho que tava finalizando a federal, teve o concurso, né? Da educação no município.
Eu fiz o concurso, tive a oportunidade de passar, né? Nesse momento, eu não estava em sala de aula. (Egressa
29, 2018)
218
Então, logo que eu terminei, que eu colei grau, eu passei num concurso e comecei já num concurso público que
era pra Educação Infantil em Rondonópolis. Aí eu passei. Já saí do curso mês e pouco depois que eu colei grau
já fui chamada no concurso e já assumi. (Egressa 28, 2018)
Mais de 85% das egressas desse período estão efetivadas. As demais estão atuando por
contrato temporário ou carteira assinada. Ao observar esses sete trechos de biotecituras, e ter
presente o que as egressas já disseram anteriormente sobre o curso, quando afirmaram que o
conhecimento construído ao longo do curso forneceu uma base inicial para elas, pois
puderam, logo após a conclusão, serem avaliadas via concurso. Para o curso, considero esse
um dado importante, já que quando trouxeram suas frentes de atuação, verifiquei que no que
concerne à docência, várias estão sem sala de aula (desde a creche até a universidade), outras
na gestão escolar, e em secretarias de ensino e na formação continuada de várias modalidades
de ensino. Nesse aspecto, vi a Pedagogia ocupando seu espaço. Mas, no aspecto informal, nos
ambientes não escolares, como hospitais, presídios, empresas e outras instituições, observo
que isso ainda é um desafio para a formação inicial e atuação profissional.
Considerando os aspectos postos anteriormente relativos à pesquisa de campo
realizada para este trabalho, que olhou para a formação profissional intrinsicamente ligada ao
curso, e o que decorreu da inserção na carreira docente, busquei verificar a relação do curso
com a atuação profissional trazendo para o diálogo as biotecituras das colaboradoras egressas,
como fonte de pesquisa, abarcando suas subjetividades, memórias e atuação profissional.
Nessa seara, o concurso é um elemento importante da e na atuação profissional.
Geralmente, o curso aparece nas falas das egressas no horizonte da atuação
profissional. Ele se coloca diante delas não em termos de uma lembrança de uma conquista,
mas de uma constante presença, de uma construção pessoal-coletiva e formativa que vai se
aprofundando nas diversas atuações desse profissional. Os primeiros contatos com a realidade
de atuação são permeados por um misto de sensações, confrontos desse ser-professor que se
percebe aprendiz em sua própria prática.
Pensar essa entrada na carreira docente, seja via concurso ou outras maneiras de
empregabilidade logo ao término do curso, se constituiu como uma oportunidade importante.
A respeito disso, para algumas egressas, há a sensação de um corte, de uma interrupção entre
a formação inicial com a continuada, que ao trazer sua percepção, assim diz:
A gente se forma, parece, assim, que é um botão que desliga e você vai viver outra coisa. (Egressa 8, 2018)
Essa outra coisa não significa buscar outra profissão, mas estando na docência, na vida
profissional, a egressa se sente distante e até impossibilitada de buscar cursos ou
oportunidades para um aprofundamento na profissão. A formação construída na Pedagogia
219
não fica em standby, representando o ato de espera que será retomado, mas ela se torna a
referência pessoal-profissional primeira e, devido às suas exigências no campo de atuação, é
ela que impulsiona novas formações. Concluir um curso de formação inicial e, ao permanecer
na área, exige-se novos processos contínuos de formações.
Para algumas egressas, a formação inicial se constitui como uma das primeiras
experiências formativas profissionais. Mesmo aquelas que estavam cursando38
Mestrado e
Doutorado em Educação reconhecem a contribuição da formação inicial, mas sentem que
precisam avançar. Uma delas disse:
Com certeza, contribuiu bastante, que eu tive essa visão geral do curso. E aí, como eu falei pra você, para ficar
especialista na área que você escolher, tem que fazer a formação continuada, se aprofundar na formação.
(Egressa 6, 2018)
O aprofundamento vai sendo entendido e assumido conforme as perceptivas de cada
uma, pois há aquelas que, ao término do curso, assumem novas oportunidades formativas. É o
que recolhi da biotecitura da Egressa 21 (2018), ao contar que:
Quando eu terminei a graduação, em 2009, eu já em seguida passei no Mestrado aqui nessa casa, 2009, 2011,
eu fiz o Mestrado em Educação. Durante o Mestrado, eu não consegui dar aula. Durante o Mestrado, eu fiz todo
o processo de educação em espaço não formal. Trabalhei durante esses dois anos em projetos de política
pública da Economia Solidária. Tanto é que a dissertação foi sobre o processo de formação de um grupo de
mulheres que eu acompanhei durante esse processo investigando os sentidos atribuídos sobre o processo de
formação. Quando eu conclui, em 2011, o Mestrado, eu fui pro interior, eu fui pra uma cidade chamada Vera, e
Vera não tem universidade. Fiz o seletivo e trabalhei 2012, 2013 no curso de Pedagogia trabalhando didática e
estágio supervisionado, tanto em espaços não escolares quanto na Educação Infantil. (Egressa 21, 2018)
Lendo as biotecituras, entendo que cada uma das egressas, ao término do curso, passa
a assumir seus tempos formativos em um nível mais aprofundado da autoformação e vão se
constituindo profissionalmente. E o curso continua sendo sua base inicial, como elas mesmas
colocaram, o curso é ―o divisor de águas‖. Por outro lado, quando se depararam com algumas
questões educacionais e sociais mais complexas e que agora precisam ser resolvidas, reportam
ao curso para tentar encontrar nele ou fora dele as alternativas para sua práxis.
E quando eu comecei a dar aula eu fui... assim, minha ficha foi cair, porque quando a gente tá aqui estudando é
uma coisa, né? Aí quando você fala „oh, agora é meu trabalho, eu tô aqui na frente e eu tenho o ano inteiro com
essas crianças‟, e durante os meus dois primeiros meses, eu pensei até em desistir, eu falei „gente, mas é difícil‟
porque quando eu assumi [...] logo quando eu saí daqui, eu já assumi o concurso (Egressa 17, 2018)
Esse movimento é normal ou esperado da ‗ficha cair‘, de se ver diante do novo e de
desafios próprios da função de professor iniciante na carreira docente. Por diversas
circunstâncias, as exigências do campo de atuação do pedagogo se ampliam, pois nada mais
38
No período da entrevista, duas egressas estavam em processo de formação continuada, uma no início do
Mestrado e outra no final do Doutorado.
220
está fora da sala de aula, isso no sentido humano, pois recebem o aluno na escola com todas
as suas bagagens, crenças, necessidades e capacidades. Diante disso, a Pedagogia vai se
potencializando a partir dessa ramificação de exigências para seu campo de atuação. Isso
exige sempre maior aprofundamento no campo do currículo, incorporando outras
especificidades formativas. A esse respeito se vincula não somente a formação inicial, mas a
dimensão profissional quanto à formação docente. Acerca disso, Zabalza (2019, p. 10) nos
lembra que:
A dimensão profissional é aquela a qual se presta maior atenção, posto que constitui
a essência do que um docente é e deve fazer. Não resta dúvida que a perspectiva
profissional salvou os docentes da zona difusa e límbica do amadorismo vocacional
com o qual durante muitos anos exerceram sua profissão. O exercício de uma
profissão sugere requisitos que, sem dúvida, têm fortalecido a identidade da tarefa
docente: uma formação específica e de alto nível; alguns sistemas de seleção; o
reconhecimento da autonomia em seu trabalho; a formação permanente; a carreira
profissional, etc.
Com essa construção de entendimento juntamente com referido autor, quanto mais
sólida e arraigada às realidades a que ela se destina for a formação profissional, visando
sempre um crescente exercício de compreensão da própria profissão, mais irá contribuir com
a maturidade e a mudança do professor em vista de sua autonomia profissional.
Entendo que há uma correlação entre a formação pessoal, inicial e profissional, com
compreensão de uma formação permanente no sentido do inacabamento, por se colocar como
um profissional aberto ainda, porque o ser-pessoa está em constante mudança. Isso porque há
sempre algo novo para aprender, pois embora se trabalhe na Pedagogia, em suas várias frentes
de atuação, com grupos ou coletivos de pessoas, a singularidade, individualidade e a
heterogeneidade precisam ser preservadas, notadas, como bem expressou a egressa:
Eu acredito assim, que o meu trabalho não está assim... eu penso que ele ainda está no início, não tenho muita
experiência ainda. Então eu tô sempre buscando ou em colegas ou... outras referências, outros professores que
passaram pelo curso de Pedagogia, professores que eu me identifiquei, pra poder contribuir com o meu
trabalho hoje em dia em sala de aula. Então, isso é importante. A gente ficar prestando atenção nos detalhes,
metodologia, didática, tudo isso importa. Então, assim, eu sou uma pessoa muito aberta. Não acho que tenho...
não tenho ainda um perfil profissional fechado, porque eu acredito que essa é a graça de ser pedagogo. Você tá
sempre descobrindo algo novo, tá melhorando o seu trabalho. Observar as crianças, vendo o que que elas
precisam também, que é uma coisa que normalmente nós não fazemos, nós não paramos pra ver. Quando a
gente para um momento... determinado momento, começa a perceber a criança dentro da sala, você começa a se
adequar àqueles perfis, você vai vendo que o seu trabalho melhora, sua vida, enfim, tudo melhora. (Egressa 11,
2018, grifo nosso)
Nessa mesma direção, Amiguinho et al. (2003, p. 115) asseveram que ―a formação
acontece na produção e não no consumo (de informação)‖. Então, essa exposição com a
prática suscita a potencialização, empodera as pedagogas em suas atuações que passam a
selecionar suas formações, pois suas experiências produzem um diferencial em suas escolhas
221
formativas para se autoproduzirem enquanto pessoas e profissionais. E se a formação
profissional é permanente, requer também, diante das atuais exigências humanas e
pedagógicas, que seja abrangente como considera a egressa:
Tem que ser um pouquinho mais abrangente. Você estar conhecendo melhor o seu aluno, como ele pensa, como
ele aprende, o que que acontece, quais as... [...]. a vivência dele que influencia tanto no aprendizado dele.
Vamos dizer, os prejuízos psicológicos que ele tem na vida familiar, na vida social dele, que interfere na
aprendizagem [...]. (Egressa 9, 2018)
Nesse ponto de diálogo, percebo a compreensão das egressas que agora, ou melhor,
nesse aspecto da sua formação, sentem a necessidade de elas mesmas cuidarem de sua
carreira, na dimensão do formar-se.
Esse entendimento é possível de se chegar quando o professor, ao longo de sua
formação profissional, já consegue perceber-se. Assim, considero tal qual Pineau (2010, p.
103), quando ressalta que:
A autoformação nas suas fases últimas corresponde a uma dupla apropriação do
poder de formação; é tomar em mãos esse poder tornar-se sujeito- mas é também
aplicá-lo a si mesmo: tornar-se objeto de formação para si mesmo. Essa dupla
operação desdobra o indivíduo num sujeito e num objeto de um tipo muito
particular, que podemos denominar de autorreferencial. Esse desdobramento alarga,
clarifica e aumenta as capacidades de autonomização do interstício, do intervalo, da
interface entre a hetero e a ecoformação, que é, ao princípio, o indivíduo. Cria-se um
meio, um espaço próprio, que oferece ao sujeito uma distância mínima que lhe
permite tornar-se e ver-se como objeto específico entre os outros objetos,
diferenciar-se deles, refletir-se, emancipar-se e autonomizar-se: numa palavra,
autoformar-se.
O referido autor considera que todas as fases da vida humana são igualmente férteis de
aprendizados, contrariando as teorias clássicas de aprendizado, que concebem as fases iniciais
biológicas (infância e adolescência), como as mais importantes para mudanças. Já à idade
adulta caberia a estabilização dessas mudanças. Para ele, podemos construir ou produzir
modificações significativas em nossas fases e etapas da existência humana. Isso porque as
etapas de desenvolvimento humano são circulares em nossa vida. Elas vão nos constituindo
por inteiro. Por isso, a autoformação está sempre relacionada com os outros movimentos da
vida (hetero-eco), que caminham para um grau de uma percepção de autorreferência.
Nesse conceber formativo permanente, que autonomiza o ser em construção de si,
percebo, nas biotecituras, características, traços significativos de mudanças em prol da
formação profissional, assim como expressou a egressa:
Pra mim, o que eu tô buscando, além da formação continuada, é nunca parar de estudar. Assim, no momento
que eu saí da graduação, eu continuei fazendo formação continuada dentro da profissão. Lá dentro do
concurso, tal, mas assim, eu sentia necessidade, e sinto ainda, de terminar, porque lá na graduação, eu
engravidei, não tive como, porque eu queria sair da graduação, ir pro mestrado e ir pro doutorado, como era o
caminho a ser seguido. Não deu. Aconteceram outras coisas, mas nunca saiu da minha cabeça. Então, é o
222
estudo, a leitura, „a gente acaba acomodando‟, acomoda, não lê, não lê, lê o necessário, o obrigatório. Então,
pra mim, o que falta, e eu preciso e tô buscando, tô lutando, né? Porque é difícil, é voltar a estudar e continuar,
porque é uma escada, você tem que subir, você tem que ir no outro degrau, não é ficar parado. (Egressa 7,
2018, grifo nosso)
Há a compreensão que os estudos na perspectiva da formação profissional ocorrem no
processo, nos vários processos, sendo que eles não são desenvolvidos de modo linear, nem
dizem respeito a uma condição meramente natural daqueles que se colocam na carreira
docente.
Nesse caso, a inserção e a exposição reiteradamente à docência possibilitam que a
egressa tenha uma percepção de si acompanhada de uma autoavaliação, como denota a fala de
Egressa 10 (2018) ao frisar que:
[...] eu já estava pegando o ritmo de como trabalhar, do que que eu precisava fazer e tudo mais, porque, como
eu falei pra senhora, foi um choque, é um choque da realidade que a gente passa dentro da sala de aula [...].
Então, vejo que os lugares de atuação da Pedagogia se constituem em campos férteis
de experimentação, de reflexão, de construção e de sínteses de conhecimentos constitutivos à
docência, independentemente da sala de aula, mas onde se fizer presente a Pedagogia. A esse
sentido de atuação em outros espaços fora da sala de aula, a egressa comenta:
Eu nunca tinha trabalhado com educação infantil em creche, né? Que é diferente de escola, educação infantil.
Eu estudei ano passado, peguei muita coisa pra saber como que se organiza uma salinha, o que que vai pra dois
anos, porque lá é de dois a cinco anos. Então, a parte da escola eu falei „eu já sei, agora eu tenho que saber o
que que é a creche‟. Então, já no Cemei já foi um outro aprendizado, né? Igual agora no segundo ano a gente já
vai começar com uns projetos de literatura com as crianças, várias coisinhas bacanas. Então, assim, esses seis
anos que eu tô de rede, eu já passei bastante, bastante lugar (Egressa 17, 2018)
São vários processos formativos pelos quais o professor, em várias etapas de sua
carreira profissional, vai vivenciando. A respeito da construção de uma profissão, Roldão
(2004, p. 96) pontua que o ―[...] reconhecimento social de uma profissão é justamente a
identificação clara da sua função, e respectiva utilidade social, legitimando-se o seu exercício
pelo domínio do correspondente saber específico, de que partilham os membros do grupo
profissional‖.
No que tange a essa construção profissional, García (1999) explica que seria como
uma encruzilhada de caminhos com espaços-lugares de experimentações, de construções
diálogos entre saberes com transversalidade de possibilidades. Isso, tendo em conta que os
contextos de atuação da Pedagogia oportunizam o professor a construir, a ver e rever suas
práticas pedagógicas e metodológicas para reafirmar ou ressignificar sua postura, como
reforça a Egressa 3 (2018, grifo nosso), ao olhar para sua própria atuação, pontuando que:
223
Quando eu começo a dar aula, uma aula muito preparada, muito bem elaborada, é diferente, os alunos eles
gostam, eles aprendem. Eu procurei fazer isso, sabe? [...]. É pouco tempo, não tem muito tempo na sala de aula.
Mas eu me esforcei e tenho me esforçado pra colocar isso em prática, eu quero que o meu aluno aprenda. A
gente não consegue assim com todos, a gente gostaria mesmo, mas isso só é possível se eu colocar em prática o
que eu aprendi, não posso inventar nada, a educação a gente inventa algumas situações, mas tem que ter uma
base teórica pra tudo.
Em outro excerto, a Egressa 17 (2018), na mesma perspectiva, relatou:
O dia a dia, todo dia, todo dia tem alguma coisa nova em escola. Isso que é o legal, é um pai que vem e fala uma
coisa que você não sabe e você vai procurar saber. É uma criança especial que entra e você tem que conhecer
essa família, conhecer essa criança [...] Então, é um desafio. Acho que todo dia é um desafio pra gente, né? É
incrível isso. Não tem um dia que você vai lá e fala „vou voltar do mesmo jeito‟. Alguma coisa acontece e
contribui para a sua formação.
Roldão (2004, p. 97), ao olhar para a função desse professor em atuação em contextos
diversos, chama atenção, ao esclarecer que:
[...] a nova realidade social dos tempos pós-modernos reclama de forma acrescida a
necessidade do trabalho deste profissional a que chamamos professor, contudo
acentuando uma leitura diferente da sua função: já não para que ―professe‖,
publicite, apresente o seu saber, outrora restrito, nem tão pouco para que se esbata o
seu papel e se converta apenas no assistente facilitador da aprendizagem autónoma
dos alunos, como a leitura simplificadora de movimentos teóricos na linha da
aprendizagem activa e da não directividade, associados, por vezes, a algumas
interpretações discutíveis do construtivismo, defendem, mas antes para que assuma
um papel activo que se reconhece como socialmente necessário – o papel de ensinar.
Nesse sentido de fios que tecem o aguayo do curso da atuação profissional, as egressas
trazem elementos em suas vozes que relacionam o curso aos conhecimentos e habilidades
exigidas em seu labor, tal qual ressaltou Roldão (2004). Ora, as inúmeras vivências
comunicam que há movimentos intercruzados e continuum na tecitura dos aguayos de cada
egressa. Essa relação começa na formação pessoal, aprofunda-se no curso e segue para vida
profissional. Contudo, não é algo pronto, já que precisa ser refletido, pensado, repensado e
assumido cotidianamente na profissão.
De igual modo, esse movimento que ora está no curso, quando penso no currículo, não
se vincula na aplicação literal, requerendo essa reflexão-ação, tal qual a vida. Assim, é natural
encontrar nas biotecituras movimentos compreensivos de si para si em um processo de
autoformar-se, tanto que a Egressa 7 (2018) comenta que:
Hoje eu já entendo e consigo fazer essa relação. Como eu disse antes, pra mim não fazia sentido, mas é porque
eu não tava atuando, né? Então, aquele monte de teoria, tudo, „ah, eu já quero ir pra sala, então pra mim não tá
valendo nada. Eu vim pra dar aula. Eu vim pra ser professora e ser professora é tá na sala falando‟, assim que
eu pensava. E hoje eu já relaciono em tudo... às vezes, eu já... só de lembrar, ‟ah, mas a professora tal disse que
era assim, assim pra sair, pra ensinar‟ Matemática mesmo é uma das coisas que eu tinha dificuldade, tanto
como aluna, antes da graduação, na graduação, e na graduação que foi tirada aquela barreira da matemática,
que eu consegui dar aula de matemática hoje, que eu consegui gostar da matemática.
224
Essa construção de significados perpassa a relação primeiramente no campo de sua
própria subjetividade, em que as egressas refletem que não estão formando o outro (hetero),
mas se formando (auto), podendo ajudar o outro a se formar também. O outro é o meu ponto
de confronto, não com ele, mas comigo mesma. A prática supõe essa relação de se perceber
no outro e para além dele. Nisso também consistem aspectos da manifestação da relação entre
auto, hetero ecoformação. Há uma força sistêmica entre esses elementos que contribui para a
sua fusão e difusão. Por isso, compreendo-os como movimentos formativos imbricados.
Quando as egressas estabelecem um olhar temporal entre a formação inicial e a
atuação profissional, unindo-as diante de si, essa aproximação e relação me possibilita
compreender, a partir delas, a construção de sua formação profissional, considerando o
‗tempo‘ oportunizador de múltiplas experiências e sínteses. Nesse aspecto, a Egressa (2018)
menciona sua compreensão:
Depois que eu iniciei a minha prática profissional na escola, eu voltei às literaturas do curso. E quando eu
voltei já em prática nas literaturas, tudo fez mais sentido, esclareceu muitas dúvidas, esclareceu muitas coisas
após a prática. Então, essa relação dialética é muito interessante. É muito importante. Eu até comentava com os
meus colegas professores, „nossa, como faz mais sentido, você ler o texto antes [...]”.
Esse entendimento faz mais sentido agora e não antes, pois são graus de significação
diferentes, de compreensões do ponto, lugar e ‗tempo‘ observados. São epistemologias
tratadas em contextos distintos e retomadas no confronto com realidades sociais, ‗agora‘,
concretas. Assim, elas entendem o que antes pouco ou nada fazia sentido em termos de
conteúdos tratados no curso. Com García (1999) entendo que essas compreensões novas e
ressignificadas na prática decorrem de processo de mudança de campos de percepções
diferentes do aprendente de sua profissão, que estão atreladas a múltiplos processos de
mudança e à necessidade de formação ao longo da vida (PINEAU, 2003).
Tendo em conta essas mudanças e novas compreensões, encontrei nas biotecituras
outros elementos curiosos que também possuem um peso de significações e até de cobranças
dentro do processo de atuação das egressas. O fato de serem egressas da UFMT faz com que
sejam são desafiadas por seus pares como sendo capazes de vencer os limites que muitas salas
de aula impõem ao professor. A ponto de dizer: ou elas dão conta, ou vão abandonar de vez a
profissão.
[...] eu peguei no quinto ano, que era meu primeiro ano saindo da... aí elas jogaram a bomba pra mim, todo
mundo, a escola, „a bomba pra ela, porque ela saiu agora, ela é da federal‟, era só esse comentário, „se ela der
conta, ela vai, se ela não der, ela sai dessa profissão‟, era pra amedrontar. (Egressa 7, 2018)
225
Em outro momento, essa mesma realidade do aspecto da origem formativa aparece na
voz da egressa ao comentar que:
Sendo UFMT, no chão ali, quando você começa a atuar, as pessoas querem ver essa diferença das pessoas
formadas na universidade federal, é muito cobrado. Eu sempre tive assim muito compromisso. (Egressa 3, 2018)
Nota-se que a formação em uma instituição pública federal confere status educacional
de maior importância e de responsabilidade, realidade que elas já traziam desde a formação
inicial.
Constata-se que não é diferente dessa fase, que também é de transição e mudança
dentro da vida profissional. O ciclo de evolução e mudança da vida se movimenta em direção
ao outro, às coisas e a si mesmo.
Por isso, considerando as biotecituras das egressas até aqui apresentadas, entendo que
os fios pessoais vão se cruzando e interligando os processos de formação profissional, em que
o curso de formação inicial se torna uma referência para as demais formações, mas a atuação
demarca as novas escolhas das características do tipo de curso a ser feito no horizonte das
formações, como esclareceram as egressas:
Tem que ter a característica teoria e prática. Aproveitar a prática dos... que os professores trazem, e a partir
dessas... desses desafios que os professores trouxerem, o formador, ele trazer a teoria que venha a [...] que
venha a sanar ou melhorar ou amenizar esses problemas que os professores têm. Porque o que eles dizem,
alguns professores dizem, é que na formação eles não levam em consideração o interesse do professor, qual é a
angústia que aquele professor está tendo. Então, esse é um dos problemas que eu vejo. Se eles tivessem essa...
atuassem, pelo menos como é uma turma numerosa, por exemplo, muitos professores, eles pegassem aquelas
recorrências, aqueles problemas recorrentes que é de interesse dos professores, pegar o que atinge a todos, aí
seria mais proveitoso, porque estaria vindo ao encontro do que eles querem, do que eles precisam. (Egressa 6,
2018, grifo nosso)
Esses cursos, ele precisa primeiramente ouvir as angústias, né? E a solução não tem como ser dada, mas
primeiro ouvir a angústia, debater sobre as angústias e tentar dali partir pra um rumo, entra a parte das
experiências, né? Onde um fala que deu certo isso, outro deu certo aquilo e aí a gente vai entrando naquele
conflito interno, e aí a gente vai tentando de um jeito, vai tentando de outro, não só ficar na teoria em si, né?
Mas eu acho que tem que juntar a teoria e a prática, porque, às vezes, fica tudo voltado na teoria e esquece...
tipo assim, como colocar aquela teoria, fazer aquela teoria funcionar. Eu acho que é algo nesse sentido, né?
Visando mais a nossa prática. (Egressa 29, 2018)
É um curso que tem a proposta adequada de acordo com o que nós vimos de dificuldade pra atuar ali. Então, é
um curso que venha oferecer sugestões, soluções para que possamos aplicar e aprimorar o nosso trabalho.
(Egressa 26, 2018)
Considerando as realidades de atuação trazidas pelas egressas, a partir da análise das
características dos cursos que fazem parte das escolhas delas, observei que essas formações,
em grande aspecto, se vinculam à prática do cotidiano mediante as necessidades que emergem
das frentes de atuação. Muitas vezes, são as demandas das realidades educacionais concretas
que orientam o tipo de formação que melhor atende aos professores. Posteriormente, essa
226
formação e o contexto de necessidades de aprendizagens determinarão novas formações e
aprofundamentos, caso haja um grau de identificação com essa especificidade formativa.
Assim, a vinculação primeira é com a prática:
As características que têm que ter é que tem que trazer também a prática. (Egressa 5, 2018)
Isso porque, para algumas, a necessidade do estudante já está posta e o pouco tempo
de atuação gera ansiedade e uma autocobrança em acertar o modo de intervir na sala de aula,
como nos falam as egressas, mediante suas percepções e necessidades formativas:
Eu acho que teria que ser curso dessa forma, sugestão de atividades. Qual é a melhor forma de trabalhar?
Vamos trabalhar com esse texto desse jeito. Assim é a melhor forma para trabalhar. Como eu vou trabalhar com
o primeiro ano? É assim que eu tenho que trabalhar. Como que eu trabalho com o segundo? Como que trabalho
com o terceiro? Eu sinto muita falta. Eu acho que tenho que aprender muito ainda. Eu sou muito nova. Só tenho
cinco anos. Eu acho que sou inexperiente. Assim, eu queria ter um curso como lidar com uma criança especial,
estudar cada deficiência. (Egressa 2, 2018)
[...] na verdade, alguns cursos, sabe o que que está sendo? Uma socialização daquilo que você tá fazendo lá na
sala de aula, que tá dando. E eu entendo que curso de capacitação não é isso. Não que você não possa fazer,
né? É claro que, às vezes, pra enriquecer, você precisa de uma experiência que deu certo, mas precisa um
conhecimento aprofundado, porque a nossa prática, ela tem que ser baseada em uma teoria, em algo que foi
pesquisado, porque senão fica algo sem sentido. (Egressa 30, 2018)
Os critérios da escolha do curso, tanto dentro da escola como fora dela, são aqueles
que contribuem com as demandas das necessidades em sala de aula. Observo que a formação
continuada e o aprofundamento em algumas especificidades de aprendizagens e
desenvolvimento ocorrem mediante os dilemas, desafios que naturalmente chegam às salas de
aula e na gestão da escola.
Portanto, vê-se que a formação continuada passa muito pelo crivo do âmbito pessoal e
do próprio profissional, e precisa ser ajeitada dentro de um espaço/temporal, que é negociado
concedido a ela um ‗tempo‘ que é constantemente ajustado e reajustado no cotidiano da
egressa, como ilustra bem ao relatar que:
[...] eu penso no tempo real, (chronos), né? Que é esse que a gente vive. Eu tenho algumas metas profissionais
ainda a serem alcançadas, que eu não consegui. Eu tenho uma pós-graduação pra terminar. Estou desesperada
porque só faltam três partes dela, que, na verdade, só dependem de mim (risos). E eu não consegui encontrar
tempo pra sentar, pegar uma caneta, ler, porque é disso assim que eu acho que o trabalho de uma pós-
graduação. Ele não é de qualquer jeito. Eu estou fazendo pra mim, pra minha satisfação, meu pessoal, e não
pra simplesmente ‘ah, pra aumentar um ponto no meu currículo’ Não é isso. Se eu começar dessa maneira,
está errado [...] Só que nesse ritmo que eu tenho andado, eu não estou encontrando tempo. Eu faço assim, no
domingo que dá tempo, eu faço uma parte, aí numa sexta-feira que dá tempo [...]. (Egressa 8, 2018, grifo nosso)
A escolha da formação da referida egressa vincula-se ao âmbito de suas necessidades
formativas, em que já há uma acomodação frente à escolha da atuação dentro da área da
Pedagogia. Nesse caso, a satisfação pessoal está em consonância com a profissional. ―Estou
227
fazendo pra mim‖. No dizer da colaboradora, por isso, precisa sentir-se bem, pois essa etapa
no processo a ajuda a ser quem é como pessoa e profissional.
Essa concepção do formar-se, de poder fazer suas próprias escolhas, muitas vezes,
entra em conflito com as formações promovidas e incentivadas pela rede de ensino onde essas
egressas atuam. Suas biotecituras trazem suas compreensões, críticas, sugestões e posições
mediante essas formações. Tal realidade será abordada no fio auxiliar que se apresenta a
seguir.
4.4.1 Percepções e reflexões frente às formações da Rede de Ensino
[...] o aprofundamento teórico ajuda a gente a abrir os olhares, porque a partir dessa reflexão, e você já tendo
uma vivência, você consegue pensar nos próprios caminhos metodológicos, dentro daquele contexto que você
está vivendo. Se você pegar algo solto, ou só uma perspectiva de oficina, por exemplo, às vezes, você reproduz
aquilo, mas não sabe depois transformar numa outra situação. Você fica fechado no contexto. E se algo não sai
conforme o planejado, você já não sabe lidar direito, né? Então, eu penso que a gente tem que aprofundar,
refletir, fazer a relação, a gente chama de práxis, né? Então, é esse movimento de práxis mesmo. Você vai
refletindo, vai analisando sua realidade, vai buscando os referenciais e vai movimentando o seu fazer
pedagógico dentro desse movimento mesmo. (Egressa 18, 2018)
Os professores colaboradores desta pesquisa são, na sua maioria, da rede de ensino
público de Mato Grosso, e outros estão atuando em instituições privadas, mas ambas as redes
de ensino tratam da formação continuada de seus professores. Essa formação,
costumeiramente, é ofertada como estratégia de continuidade de alguns estudos a serem
aprofundados ou retomados em vista da atuação profissional.
Nas biotecituras, pude observar que muitas formações ofertadas nas redes de ensino
são importantes, mas a participação nem sempre é algo livre. Algumas egressas se sentem
obrigadas a participarem devido à própria forma como o sistema se organiza e cobra dos
professores determinada pontuação, ou resultado em sala de aula, tal qual a realidade que se
evidencia na rede pública. Quanto a esse aspecto, a Egressa 11 (2018) assevera que:
[...] no fundo, todos gostam da ideia. Talvez, o que não tenha ainda é uma organização. [...] uma preocupação
assim em pensar um curso mesmo de qualidade, (que dê) tempo, que o professor possa mesmo tirar alguma
coisa proveitosa, senão exatamente apenas pra você conseguir, por exemplo, pontuação[...] Porque,
normalmente, o que a gente vê é isso, as pessoas querem ponto, carga horária. [...] Um certificado de 40 horas,
por exemplo, que é o que acontece. A maioria, dependendo do profissional, ele vai por conta disso. Então, talvez
a prefeitura pudesse criar cursos mais atrativos, um tempo um pouquinho maior, pra que os professores
começassem a ter prazer de frequentar esses cursos, não apenas pra cumprir uma carga.
Em um outro excerto, a Egressa 19 (2018) se expressa trazendo a necessidade
formativa dos cursos e que esses possam coadunar com os tempos do professor e o
conhecimento seja o mais próximo de sua atuação profissional na docência.
228
Um curso, primeiramente, tem que ser voltado pra Educação Infantil. Além de ser voltado pra educação infantil
também... (tem que) priorizar também o nosso horário, né? (Tem que) ver o melhor horário pra poder participar
realmente. E (que tragam) profissionais que possam trazer um conhecimento a mais pra gente, né? Já tem
experiência nessa área, estudou sobre isso e atua. E tem que ter Educação Infantil mesmo, contação de história,
atividades lúdicas (pra gente aprender na prática). (Egressa 19, 2018)
Essa contribuição crítico-reflexiva que a referida egressa apresenta com relação à
formação ofertada pela rede de ensino público me permite entender que a formação
continuada tem um caráter de ‗salvação da prática pedagógica escolar‘. E o fator ‗tempo‘ não
permite uma construção significativa de interesse formativo permanente, pois o curso vem na
linha do atendimento de queixas diversas, ou até dispersas sem uma reflexão na ação para um
posterior acompanhamento dessas possíveis intervenções na prática. Isso termina por reduzir
os cursos em um cumprimento e preenchimento de cargas horárias necessárias para uma
pontuação.
Dessa maneira, tem-se uma conotação à estilo de loteamento de escolas e salas de
aulas negociado em uma balança que se move conforme a pontuação obtida nas formações,
como reforça a egressa ao dizer que:
Na rede trabalha-se muito com ponto você participa de uma formação você ganha ponto você não participa
você perde ponto, eu já deixei de ganhar muitos pontos porque eu calculei que resolver problema do professor
que está querendo uma licença é ainda mais importante. A gente acaba sendo prejudicada por isso? Sim, porque
o sistema funciona dessa forma, o sistema funciona com essa política de adquirir ponto nisso, naquilo, você
entra nas empresas você vê lá o funcionário do mês. Mas, ainda assim, eu acredito que você controla melhor o
seu tempo quando você coloca a cabeça no travesseiro e diz assim “eu fiz o que era preciso fazer hoje e o que
foi possível”. O que não foi possível a gente tenta amanhã de novo. (Egressa 1, 2018)
No caso relatado nessa biotecitura, a egressa se refere à sua atuação na gestão escolar e
assinala que já deixou de ―ganhar muitos pontos‖, pois sua preocupação estava em resolver
situações concretas e urgentes da realidade escolar do que pontuar aqui e acolá. Ela via essa
questão como algo que poderia ser adiado, mas por fazer essa escolha, era penalizada por não
pontuar, já que o sistema, que é programado para atender questões meramente técnicas, não
levaria em consideração outras informações.
Como há uma rede de situações humanas-profissionais, por várias questões, as
egressas, em sua rede de ensino, deixam de participar de uma modalidade de formação,
reunião ou evento, por ter que fazer outras escolhas, sejam elas de ordem pessoal, questões de
saúde, licença maternidade, situações familiares, e também por não conseguirem conciliar,
por atuarem em mais de uma rede de ensino. Como já havia dito antes, muitas das egressas
colaboradoras são arrimos de família, tomam para si todas as responsabilidades e vivem entre
a família e o trabalho, com pouco ou nenhuma possibilidade de buscar outros estudos fora do
que é oferecido pela própria rede de ensino que atua, como ilustra a Egressa 10 (2018):
229
Eu comecei uma especialização o ano passado, mas infelizmente eu não consegui honrar com os pagamentos e
tive que acabar desistindo na metade do caminho, né? Que aí, como eu falei pra senhora, de 2014, que eu
entrei, de lá pra cá eu venho conquistando as minhas [...] as coisas de casa, hora precisa disso, hora precisa
daquilo, entendeu? Tem hora que eu olho pra aquele carro e falo assim, foi uma loucura comprar, porque
metade do meu salário vai pra ele. Eu trabalho hoje dois períodos, mas é um período pra pagar o carro e outro
período pra pagar as minhas contas, no geral, comida, alimentação, entendeu? Essa casa é alugada, eu moro de
aluguel.
Em um excerto, a Egressa 3 (2018) expressa:
Só que realmente eu não consegui conciliar casa, filhos, família, não consegui, o estudo. (Egressa 3, 2018)
Nesse sentido, percebi o quanto as formações da rede são importantes e necessárias
para a formação continuada das egressas. Porém, a participação efetiva do professor é
negociada conforme suas necessidades oriundas de suas demandas pessoais e profissionais.
No geral, as formações são consideradas necessárias e são aceitas, mas outras requerem uma
avaliação quanto aos temas, carga horária e metodologias usadas, como explicitaram as
egressas:
Tem algumas formações que, na minha opinião, são relevantes, mas só que tem outras que eu não [...] Como
que eu vou te dizer? Só é uma pessoa lendo os slides, não traz muita experiência, não diz muita coisa, então eu...
teve alguns cursos que eu não achei muito relevante em relação a isso, mas só que teve alguns que compensou
muito. Até mesmo alguns que foram oferecidos lá na escola, que na nossa... ano passado tinha que participar da
semana pedagógica, teve alguns que foi muito relevante, até mesmo pra coordenadora, que foram relevantes.
Mas só que tem uns que, tipo, a pessoa só vai lendo os slides e pronto. (Egressa 4, 2018)
Que busque com o professor qual a dificuldade que ele está tendo em sala de aula, qual a dificuldade que ele
vem enfrentando há tempos na escola ou na rede ou na sala e tente... e aí no curso solucionar... ideias pra
solucionar o que que o professor está tendo dificuldade lá na sala [...](Egressa 13, 2018)
Era o que a gente estava fazendo nos cursos, ia pra lá, discutia, discutia, discutia, não voltava com nada que
você poderia aplicar na sala e resolver o problema que você estava tendo, a dificuldade que o seu aluno tava
tendo lá ou que você estava tendo em fazer aquele aluno alfabetizar. (Egressa 13, 2018).
Diante do exposto pensando nas formações numa perspectiva permanente e pensadas e
guiadas para realidade do professor, Zabalza (2019, p. 20), reflete sobre o sentido da
acomodação das aprendizagens ao afirmar que:
[...] a acomodação nestes casos significa, sobretudo, "prática guiada". O grande
problema costuma residir no fato de que, em muitos casos, nem aqueles que
ministram os cursos têm feito esse itinerário, pois também estão, com respeito às
coisas das quais estamos falando, no momento da assimilação: dominam os
conceitos, mas não têm experiência em colocá-los em prática. São eruditos, mas não
competentes. Por isso, é muito difícil, para certos formadores, oferecer essa "prática
guiada". E, por outro lado, as vezes também acaba sendo um paradoxo que aqueles
que poderiam estar em melhores condições para estabelecer essas pontes entre a
teoria e a prática (professores com experiência, assessores de formação, etc.)
parecem eles mesmos seduzidos pela teoria, como se necessitassem reforçar sua
nova identidade de experts através de um distanciamento progressivo do que
constitui sua experiência prática como docentes.
230
O distanciamento no sentido do diálogo e da práxis com a realidade do professor
apresentada pelo referido autor coroa o tempo destinado às formações, diminuindo, assim, as
motivações.
Considerando o que Zabalza (2019) ponderou quanto à formação, voltando para
realidade escolar das egressas, elas disseram que o atual momento do cenário educacional e
social requer cursos nos quais o diálogo entre a teoria e a prática já estejam associados e
façam sentido frente às necessidades que mais as inquietam. Isso exige uma postura de
compromisso e de dedicação por parte dos professores também, como expressou a Egressa 8
(2018, grifo nosso):
Mas, professora, pelo amor de Deus! Parece que pararam no tempo. Vão para os cursos, „ah, eu só quero o
certificado‟. Gente! A profi [...] Quem é o profissional? Quem que vai dar a cara à tapa? Não é o palestrante. É
você. Como que você transforma aquilo em conhecimento para os seus alunos? É na sua dinâmica de trabalho
[...] A gente sabe que nós estamos num mundo que a corrupção, ela começa pela sala de aula. [...].
Nesse contexto da formação oferecida pela rede há tensões, conflitos, contradições,
necessidades de mais objetividades e maior clareza do que se está fazendo, para que se está
fazendo essa ou aquela formação.
Entre seus pares, as egressas mencionam professores atuando sempre no mesmo
segmento do ano escolar por um longo período da sua vida dentro da sua carreira, os quais
muitas vezes, frequentam repetidamente os mesmos cursos. Então, dá-se a entender que as
necessidades, as dificuldades, as limitações e as possibilidades já estão postas ali, uma vez
que eles participam da formação, mas não se envolvem com ela, não conseguem contribuir
com a prática. Esse é mais um aspecto que fragiliza os cursos e, consequentemente, a atuação,
juntamente com o que Zabalza (2019) já alertou.
Alguns fazem o mesmo curso todos os anos. Alguns professores dizem que é uma perda de tempo, que já sabe
tudo o que eles vão falar, acham que não é necessário. E assim, como eu diversifiquei bastante num curto
espaço de tempo em turmas diferentes, então, todos os cursos que eu fiz, pra mim era novo. Porque eu fiz cursos
pro segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo. Então, todos os cursos que eu fazia era... sempre achei
importante e válido pro momento que eu estava atuando. (Egressa 6, 2018)
Essas situações acabam repercutindo na atuação e na relação professor-professor, e
ainda no próprio projeto da escola. A sensação é que não há avanços significativos orientados
por formações alheias à realidade concreta. Em outro momento nas biotecituras, verifico a
existência de dilemas pessoais e coletivos transcorridos da escola, conforme abordaram as
egressas:
Eu procuro participar de todos, mesmo tendo alguma dificuldade, mas eu sempre não via como uma dificuldade,
né? A maioria do pessoal reclamou porque o PNAIC que foi à noite, então, foi fora da hora, sempre fala, „ah,
não ganha hora extra‟, é sempre uma [...] então, uma ação contínua, mas é de você, é um dia só, né? Não sei!
231
Aí, às vezes, na hora da atividade, „ah, mas é minha hora atividade, é a hora que eu vou planejar. Então, vai
ficar tudo atrasado lá na escola, aí eu vou ter que levar trabalho pro final de semana‟. Então, sempre tem uma
reclamação, mas assim, eu não digo que eu também, às vezes, não reclamo, „ah, não vou ser a [...]‟, mas tem
que dar um jeito, pra tudo dá um jeito, senão você vai deixar de fazer o curso, aí quando não oferece, reclama
porque não teve, mas quando tem reclama também. Então, não sei como que vai ser a solução. (Egressa 7,
2018, grifo nosso)
[...] a maioria do que você ouve dos colegas é, „ah, lá vai eu perder minha hora-atividade pra ir lá fazer esse
curso que não está servindo pra nada. Se eu tivesse na escola eu estaria pensando em algo com a minha colega
de hora-atividade, ou com a coordenadora, ou na internet estudando alguma coisa, que eu ia conseguisse
solucionar o problema que eu estou tendo aqui‟. (Egressa 13, 2018)
E aí a gente não tinha mais aquele dia na escola para poder planejar, pra poder sentar com o coordenador,
sentar com o colega, dividir, ver o que ... (Egressa 13, 2018)
Assim sendo, o que está em jogo é conciliar essa formação dentro ou fora do horário
de trabalho. Tal problemática é transferida ao professor, ele ‗tem que dar um jeito‘, pois se é
dentro do horário de trabalho, está na hora atividade do professor, e ele precisa negociar com
o seu planejamento e levar essa demanda como tarefa de casa. Se está fora do horário de
trabalho, precisa negociar com as obrigações e necessidades pessoais e familiares.
Esse contexto pode gerar, em alguns casos, sobrecarga de trabalho por parte de
professores que atuam em mais de um turno, já que não conseguem conciliar a formação.
Situações iguais a essas não são realidades pontuais. Elas aparecem em outras biotecituras,
como expressou a Egressa 9 (2018):
[...] é complicado porque ao mesmo tempo que a gente sente a necessidade, o tempo que a gente disponibiliza
pra participar desses cursos de formação são poucos, porque a gente tem que tirar da nossa vida o tempo que a
gente não tem pra poder estar fazendo, porque eu trabalho nos dois períodos. Então, qual é o tempo que eu
tenho pra participar desses cursos de formação?
A negociação é uma realidade constante na vida das egressas. Frequentemente, elas até
se sentem ‗culpadas‘ por terem uma jornada de trabalho tão intensa que não cabe mais nada a
não ser atuar no segmento da Pedagogia que assumiram. A esse respeito, a Egressa 12 (2018)
diz:
Na escola, durante o tempo que eu tô lá, eu não tenho tempo pras outras coisas, eu tô dedicada [...]
Além disso, as egressas citam o fato de terem que conciliar várias demandas dentro da
‗hora da aula‘, como exigências a serem posteriormente cobradas, seja da escola, do professor
ou do estudante, como acentua a Egressa 10 (2018):
Vem orientação da secretaria sobre sequência didática. Vem livro didático relacionado ao MEC. Vem projeto
da escola. Aí é pra você trabalhar sequência didática, é pra você trabalhar o livro, é pra você trabalhar os
projetos. São N coisas que eu garanto pra senhora que um bimestre não daria pra senhora [...] ou você chega
no final do ano letivo sem trabalhar tudo isso, e vira aquele jogo de cintura.
232
Assim, justificam para si mesmas as impossibilidades de participarem de um curso que
venha a contribuir com sua formação e qualificação profissional. Consideram o tempo o
maior entrave, sendo o vilão responsável por tais consequências, pois seu trabalho e sua
dimensão pessoal ‗se estendem nele‘ o que impossibilita outras atividades. O fator tempo vem
sendo invocado desde a dimensão pessoal das egressas, o que não seria diferente no âmbito
profissional vinculado à formação. São as demandas das jornadas de trabalho e as jornadas
duplas e até triplas. Nesse aspecto, não cabe nenhuma outra atividade fora do universo do
trabalho, o que acarreta o comprometimento, muitas vezes, dos fins de semana, que são
comprimidos e a sensação de que não ouve oportunidade para o descanso. O que ocorre é o
dilatamento das temporalidades pessoais, que são subtraídas pelas demandas de trabalho.
Mas, no geral, elas dizem que:
as formações que são oferecidas, essas são necessárias e são, como se diz, faz parte do meu trabalho. Então, eu
me adequo a ela, sempre participo. (Egressa 3, 2018)
Acerca disso, a Egressa 27 (2018) disse:
Então, é um esforço extra que o professor tem de fazer. Quando ele quer estar aí, sobre essas formações
oferecidas pela rede, é um esforço. Eu vejo um esforço e uma escolha de querer também, porque senão a gente
se vê estagnada também.
Esse movimento de formações é comumente assumido como positivo, mas as egressas
trazem em suas falas um sentimento de falta de espaço nessas formações para o diálogo, para
trocas de experiências. Elas se queixam da ausência de momentos para escutar o outro, saber
do outro.
E a gente precisa sim de experiência um do outro. (Egressa 4, 2018)
Tanto é que elas veem as trocas entre seus pares como necessárias, tanto no local de
trabalho como em outros espaços formativos, conforme destacaram algumas delas:
Conversar com os outros professores também, saber o que que tá acontecendo dentro da sala de aula deles,
como que eles tão lidando com isso. Então, isso tem ajudado bastante, contribuído bastante [...] Eu vejo que
também é bastante importante fazer cursos. Eu, pelo menos dos que eu já participei, a gente sai com a cabeça
bem mais aberta, dá mais vontade de... tipo assim, a gente sai de lá com vontade de mudar o mundo, dá um gás
a mais, né? E é bom, a gente não pode perder isso, não pode se acomodar, falar, „ah, não tem jeito mesmo‟. Não
quero ser uma professora assim. (Egressa 12, 2018)
E assim, alguns gostam deste momento, porque é um momento de aprendizado, um momento de compartilhar
com o outro. Outros já são resistentes porque eles... é igual eu disse, eles acham que este momento é um
momento que eu estou te dando, tipo assim é um momento que a prefeitura, a rede dá, mas é um momento que
logo depois a rede vai cobrar algo em troca, né? Vai cobrar algo em troca em relação a dar este curso né?
Porque nós estamos vivenciando na educação brasileira um momento muito forte, né, do Ideb e a nossa escola
se define numa nota, querendo ou não. E como a gente vai chegar nesta nota? Se vai ser de uma maneira
tradicional, de uma maneira que eu vou cobrar, eu vou passar ali o conteúdo e vou cobrar ao pé da letra
aquilo? Ou vai ser um momento lúdico[...]. (Egressa 28, 2018)
233
Nas colocações, percebo a importância dos momentos heteroformativos, os quais são
concebidos como possibilidades de aprendizados vinculados com a prática, a experiência do
outro, ajudando a ver e a rever os modos de atuação profissional, gerando sínteses reflexivas
de mudanças com ressignificações de estratégias de ensino, como se pode observar nas falas
que se seguem:
Acho que não tem como atuar na sala de aula só no que baseado ali no contexto escolar. A gente tem que sair
um pouco... ver outras experiências, professores relatam (às vezes), a gente ouvir o outro, né? Ouvir outros
colegas. Eu acho isso também muito válido [...] (Egressa 3, 2018, grifo nosso)
Não gosto de ficar pensando só nesse mundinho de escola. As limitações aqui também me sufocam. É como se…
Tem de ter outra coisa fora desse muro aqui. Tem que ter outras abstrações fora daqui, porque se ficar só aqui,
também, eu não consigo, eu não consigo. (Egressa 27, 2018)
Em outro excerto, a Egressa 6 (2018) comentou:
[...] eu gostei muito, porque a escola me dava liberdade de criar. Eu tinha uma ideia, „ah, eu quero fazer, eu
pensei em fazer isso, jogos, o que que vocês acham?‟. Então, eles sempre me deram muita liberdade pra isso, de
experimentar, criar formas de ensinar diferentes. (Egressa 6, 2018, grifo nosso)
Essa aprovação, apreciação e presença do outro impulsiona um agir que nasce da
própria observação e das vivências das egressas juntamente com a sua realidade. Nesse
sentido, concordo com García (1999, p. 153), que pondera que ―o objetivo de qualquer
estratégia que pretenda proporcionar a reflexão consiste em desenvolver nos professores
competências metacognitivas que lhes permitam conhecer, analisar, avaliar e questionar a sua
própria prática docente‖. Nesse caso, ouvindo a si mesmo e dialogando com os outros.
Nas biotecituras, quando houve o diálogo sobre os cursos de formação vinculados à
rede de ensino, a necessidade dessa formação quase sempre apareceu associada à sala de aula
no que concerne às exigências e desafios de aprendizagens que as egressas encontram. No que
diz respeito à escola, majoritariamente, percebi que seja na gestão ou na docência, há
situações muito mais complexas que as formações não conseguem alcançar em termos de
propostas de atuação e intervenção da Pedagogia. Como nos casos de ‗indisciplinas‘, traumas
e dramas familiares, as necessidades de aprendizagens mais especializadas. Tais realidades
não são dados isolados em uma ou outra sala de aula, muitas vezes, em uma mesma sala, as
profissionais convivem com múltiplos desafios de aprendizagens e ensinagens, o que entendi
na seguinte fala:
Então, eu preciso estudar mais, me preparar pra poder receber. Esse ano eu vou ter uma aluna autista. Então,
eu sinto que eu preciso me preparar pra recebê-la, né? Além dela, tem os outros casos [...] Então, eu quero
aprender a lidar com isso, a ter mais ferramentas pra ajudar esses alunos, eu sinto necessidade. Quero fazer
uma pós em neuropsicopedagogia pra eu conseguir entender um pouco. (Egressa 12, 2018)
234
Considerando o que a egressa relatou, compreendo em Roldão (2004, p. 99) que:
A ampliação e diversificação dos sujeitos que frequentam as escolas, inseridas em sociedades que exigem
qualificações crescentes extensivas à totalidade da teia social, cada vez mais conduz, na perspectiva eu aqui
defendo, a um reforço da premência social da função de ensinar.
Ademais, em outra biotecitura, considerando as demandas oriundas das atuações da
Pedagogia, verifiquei que as formações ainda são distantes de alguns contextos de
aprendizagens. É o que constata a Egressa 10 (2018) quando ressalta que:
O que eu quero dizer assim é que da forma como que é [...] se for pra você aplicar tudo que é falado lá na
formação com cinco, dez alunos, até no máximo, acho que você conseguiria [...].
A sensação é que seja possível aplicar e transpor a formação tal qual é aprendida em
contextos diversos e, quando isso não ocorre, vem a frustação. Quando a formação é ofertada
aos professores, muitas vezes, já vem direcionada a uma necessidade pontual das demandas
da escola, ou são impostas aos professores. Nesse sentido, os cursos desejados, ou aceitos
pelo coletivo dos professores, são chamados de cursos práticos, como sinalizou a biotecitura
das egressas:
Cursos mais práticos atraem mais os professores, porque se for um curso que você vai ficar lá sentado, depois
de um dia longo de trabalho, só ouvindo leitura, é horrível. Nós tivemos alguns casos assim. Então, tiveram
cursos muito bons, com professores assim, que... por exemplo, um curso de libras, né? Que foi muito rápido.
Então, a questão do tempo também interfere bastante, porque foi um curso curto pra uma demanda tão grande
[...] E nós imaginávamos assim, em quatro encontros não dá tempo pra fazer um curso [...]. (Egressa 11, 2018)
Então, entrei no curso vendo assim, „ah, mas como é que eu posso melhorar as minhas aulas, informatizar mais
as minhas aulas?‟, né? De construir vídeos com eles, de facilitar, né? Assim, de tentar linkar o que eu estou
trabalhando, se eu estou trabalhando um gênero textual, alguma coisa, jogar isso com a questão da informática,
porque pra eles é assim, você jogou, rapidinho eles pegam. (Egressa 15, 2018)
Essa prática está diretamente vinculada às necessidades formativas dos alunos, e não à
reflexão de uma construção que possibilitará novos conhecimentos. Assim, nota-se que o
imediatismo se apresenta para atender um grito quase de ‗socorro‘ dos professores. Por outro
lado, seria a orientação por parte dos formadores de uma prática guiada, conforme apontado
por Shulman (2014). Para isso, a realidade precisaria sempre ser ouvida mediante uma
acuidade pedagógica orientada.
As formações oferecidas pelo município são importantes, mas quando atendem às
necessidades. Quando não atendem, elas vão buscar em outras formações mais avançadas, em
especializações com recorte em uma ou várias necessidades de ensinagem.
Ocorre que, frequentemente, a sala de aula, devido à demanda de trabalho, e às
burocracias do sistema, e à própria situação de aprendizagem dos alunos, restringe a busca de
formações. Mesmo diante da dinâmica da sala de aula, que continuadamente se mostra como
235
rotina tensa e extensa, as egressas manifestam a importância para sua formação permanente
de outras formações organizadas fora da rede de ensino:
Você fica tão assim, bitolada em sala de aula, a gente tem esse momento na sala que você fica muito fechado e
esquece, às vezes, de abrir mais. Aí que esses cursos, eles vêm... igual eu falei, você quer chegar naquele
objetivo, você tem que fazer isso. Então, esses cursos, acho que eles estão aí pra isso. Estamos lá e (estamos
assim) tão fechados dentro da escola, (tem que voltar) também pra academia [...]. (Egressa 3, 2018)
Eu acredito ainda que o processo de formação, ele ainda tende a acontecer muito mais dentro da escola do
que fora da escola, e se for pra te trazer essa... esse crescimento na prática. Eu vou pensar nas dificuldades que
eu tô tendo ali, (no lugar ali), né? Lógico que eu acho relevante você (estudar) questões educacionais muito
mais abrangentes, (conosco), precisa ser, né? A gente não pode se fechar também dentro da escola e falar, „não,
é só aqui que é importante‟. De maneira alguma. Amo estar dentro das discussões dentro da universidade
também, amo estar dentro dos estudos, né? A gente não pode se fechar lá. Eu acho que tem que se mediar, nem
muito pra lá, nem muito pra cá. (Egressa 27, 2018, grifo nosso)
Nas falas das referidas egressas há uma necessidade pessoal-coletiva e profissional
intrínseca de formações orientadas pela instituição de ensino com cursos mais avançados que
contribuam para atuação profissional, mas também com um sentir-pessoa no que diz respeito
à sua identidade profissional, pois parece que se trata de mundos distintos, que estão
exteriores às necessidades formativas do campo pessoal. É como se essas propostas não
agregassem à formação e, consequentemente, ao desenvolvimento profissional, indo na
direção do que Patrick Paul, em uma entrevista39
em (2014), chama de um mix de saberes, em
que cada conhecimento é uma coisa, sendo, portanto, aspectos separados. Para ele, precisamos
desenvolver a capacidade de estabelecer uma interface diante das coisas que, na cultura e nas
ciências, são coisas diferentes, pois cada conhecimento tem sua própria natureza, o que vai
exigir uma visão sistêmica, uma abertura entre as disciplinas para propor links entre elas.
No campo da educação, essas interfaces entre as áreas de diferentes conhecimentos
são necessárias quando elas vão agregando conhecimentos que contribuem com a base da
formação, seja ela pessoal ou profissional.
Na biotecitura, observo que há uma busca dessa interface quando as egressas explicam
que:
[...] tentei duas pós-graduações e abandonei essas duas porque não era o tema que eu queria estudar, me
aprofundar. Aí eu fiquei dois anos sem fazer nada, só lendo revista Nova Escola, projetos pedagógicos,
procurando material na internet. Até que surgiu pra mim a oportunidade de fazer uma pós-graduação eu
neuropsicoeducação. Aí eu cheguei, perguntei pra gestora, „isso aí não é uma psicopedagogia remodelada?‟
(risos), ela disse, „não. Está para além‟. E aí ela me convidou pra assistir uma aula. Eu fui. Me encantei, porque
eu pude entender que tudo começa (no impulso neuronal) e nas ramificações [...] (Egressa 8, 2018)
Eu já fiz pós. Eu fiz pós em educação especial, que na época tinha bastante curiosidade de como trabalhar com
uma criança especial em sala de aula. Eu fiz o AEE, né? Que fala, atendimento especializado, né? E depois eu
fiz pra educação infantil porque eu tava atuando na educação infantil, e quando eu me vi... porque contrato
39 Entrevista online. Encontros TD - Palestra de Patrick Paul (2014) ver referências.
236
você não escolhe a sala que você quer, é a sala que te derem, e de repente me jogaram, tipo assim, na educação
infantil, eu nunca tinha atuado. (Egressa 14, 2018)
Para essas egressas, o formar-se vincula-se a atender suas necessidades de ensinagens
inicialmente, para que pudessem se sentir seguras diante de uma urgência em sala de aula,
onde a Pedagogia lhe exigia diálogos e compartilhamentos com outras áreas de
conhecimentos, pois estavam diante de uma necessidade de aprendizagem especial, como
esclarece a Egressa 8 (2018):
No primeiro ano, [...] não sabia que eu era um zero à esquerda no autismo, ele fugia mesmo, eu corria a escola
atrás dele. Eu ia trabalhar de tênis porque eu sabia que eu ia ter que correr. Emagreci (risos) porque eu ficava
correndo na escola atrás dele. E aí quando eu comecei entender e trabalhar com ele de forma diferenciada, aí
sim. Aí fez todo o sentido, ele ficou na sala, ele participava, ele (gritava), ele dançava, ele olhava pra mim, eu
chamava „nome do aluno‟, aí ele olhava pra mim, nossa, falei, „meu Deus, eu estou andando, eu estou
caminhando, eu tô vendo que isso está acontecendo‟ [...]. E assim, aí eu comecei insistir. E aí assim, comecei me
abrir pra estudar, pra buscar mais. Parei de estudar pra concurso e fui atrás dessa ciência. (Egressa 8, 2018)
Então, como não considerar as vivências dos professores para pensar a formação? Elas
são essenciais não somente para atender uma situação de aprendizagem, mas também para
saber atuar diante das realidades educacionais concretas, como construir uma alternativa de
trabalho humano-pedagógico. Por isso, conforme Paul (2014) explicita, essas interfaces
representam a possibilidade isomórfica entre conhecimentos diferenciados, evitando a
fragmentação dos saberes, pois é necessário vencer a dificuldade humana de aprendizagem
considerando o ser-pessoa como um todo.
É nesse sentido que a formação profissional, a partir de necessidades pessoais, se
relaciona com a reflexão-ação profissional e gera uma demanda formativa de um continuum
evolutivo de mudanças. Assim, esse formar-se tem uma circularidade que envolve a auto-
hetero-ecoformação tanto do professor como do estudante. O que fica mais bem explicitado
na biotecitura da Egressa 12 (2018), ao comentar que:
[...] os alunos, os desafios, que eu todos os dias eu sou desafiada por eles a melhorar, a mudar o meu jeito, eu
aprendo muito dentro de sala de aula, muito mesmo. Assim, pessoal, eu tive um crescimento pessoal muito
grande e profissional também porque é o que tá ali no meu trabalho é o que me motiva a melhorar, a querer
fazer as coisas melhor, a me dedicar mais e eu vejo que eu ainda tenho muito pra aprender, muita coisa ainda.
(Egressa 12, 2018)
Esse querer fazer as coisas de forma melhor, mudar o jeito de ser e fazer e se dar conta
que têm muito a aprender, reforça a participação do outro ser-pessoa inserido em um dado
ambiente escolar, social e cultural, o que exige, nesse caso da egressa, uma mudança que
supõe aprendizado de novas epistemologias que fazem, por sua vez, interfaces entre si.
Essa lucidez frente aos espaços tempos e sujeitos envolvidos no processo de
aprendizagens, quando as egressas consideram a si mesmas em suas biotecituras, se revelam
237
quando abordam na sua atuação o que consideram importante para o seu desenvolvimento
profissional.
Zabalza (2019, p. 19) afirma que a acomodação de novos conhecimentos requer
processos que envolvem tempos plurais das egressas no exercício da prática.
A partir do meu ponto de vista, as principais condições sugeridas pela acomodação
são o tempo e a prática. É necessário tempo para ir assentando as ideias, e prática
para ir consolidando-as, para ir reorganizando nossa situação mental. Uma boa
acomodação não pode ser feita sem tempo, pois trata-se de processos que não podem
ser acelerados. Obviamente, o tempo somente não é suficiente. Também é preciso o
contraste das noções conceituais com sua aplicação prática através de oportunidades
de aplicação das mesmas (para ver se funcionam ou não na prática e como o fazem,
se são úteis no próprio contexto, se sugerem novas necessidades, etc.
Frente às colocações apresentadas pelas egressas de um dizer de si e de suas atuações,
entendo que os cursos de formação continuada de curto, médio e longo prazo, na visão de
algumas, já deveriam compreender como uma necessidade urgente as exigências das
demandas da sala de aula, ou das outras especificidades devido à ampliação da área de
atuação da Pedagogia. E Zalbaza (2019) alerta quanto à necessidade tanto da experimentação,
da reflexão e de uma prática guiada, na qual as formações possuem níveis diferentes conforme
suas intencionalidades. O que me parece que falta é maior clareza nessas intencionalidades
formativas.
Quando as egressas buscam por uma formação continuada, geralmente, essa está
associada a alguma necessidade concreta da sala de aula ou da escola, como se verifica no
excerto da Egressa 7 (2018):
[...] ano passado, eu tive a oportunidade de ficar na sala multi. Então, eu fiz um pouquinho de libras, bem
fraquinho, mas fiz assim, aí eu tive interesse, tenho agora ainda, né? De fazer o curso mesmo de Libras. Então
todo ano... nunca fiquei sem fazer curso, tanto oferecido, quanto pago.
A exposição reiteradamente à sala de aula e em outras especificidades de atuação da
Pedagogia vai apurando a percepção da formação que melhor responde à necessidade
percebida para a atuação profissional e novas acomodações de aprendizagens.
A busca pela formação, geralmente, vem acompanhada por uma queixa ou situação de
aprendizagem que requer atenção, como confirma a fala da egressa:
Então, pra mim, uma formação tem que ter o que eu estou atuando. Se eu estou atuando com alunos com
dificuldade, a formação tem que me ajudar nisso. O curso tem que me trazer essa luz, né? Preciso entender
como atuar com a criança com dificuldades, pra eu poder ter um resultado melhor com ela. (Egressa 3, 2018)
Nesse sentido, para algumas egressas, a atuação da e na Pedagogia requer um
permanente estudo, como ressaltou a egressa:
238
[...] o professor, ele tem que estudar. Ele não pode jamais deixar se abandonar, se tornar obsoleto. O
conhecimento, ele não é fechado, como muitas vezes eu pensei, „ah, tudo já foi dito, tudo já foi escrito‟. Não. É
possível construir algo novo. É possível você reescrever, reelaborar, reensinar. Então, eu acho que o professor
tem que estudar mesmo. Ele tem que ir pro Mestrado... Eu não sei se eu quero ir pra Doutorado, mas pelo
menos o Mestrado e continuar estudando, isso eu quero. Por isso que eu vou começar a estudar, pra mim não
perder o gosto pelo estudo, coisa que eu abandonei nos dois últimos anos, e porque eu achava que eu não dava
conta e hoje eu sei que eu dou conta sim. (Egressa 25, 2018)
Em outro momento, a Egressa 2 (2018) destaca:
Para mim e para o meu desenvolvimento profissional é de estudar mais estudar mais.
Ela expressa a necessidade de fazer um curso relacionado ao que está atuando
atualmente, ou ao que pretende atuar futuramente. Assim, a Egressa 6 (2018) pontua que:
Só a qualificação constante. Em constante qualificação, aperfeiçoamento.
A escolha de formações que possibilitam o desenvolvimento profissional das egressas
é uma decisão primeiramente feita pelo crivo pessoal, já que há aquelas em que o ‘olho
brilha‘. Elas apontaram que precisam sentir identificação e interesse e, finalmente, aquelas
que dialogam com as realidades que desafiam ou dizem respeito à sala de aula são escolhidas.
Quando isso ocorre, há a busca por aprofundamentos em estudos, consoante acentua a Egressa
11 (2018):
Participar de quantos cursos eu puder, pra ficar sempre... aprender mesmo, assim exatamente, porque a gente
não aprende tudo durante os quatro anos aqui [...] Então, tudo que aparece aqui em Cuiabá, que seja vinculado
com a área da educação, eu tento participar.
A partir disso, a própria atuação já vai orientando as especificidades dos cursos e,
consequentemente, atendendo à formação profissional. Considerando os vários campos de
atuação, urgem necessidades formativas humanas diversas, no caso específico, quanto ao
espaço da gestão, ocorre que as agendas de estudos, reuniões e necessidades formativas para
orientar os professores e alunos na sua diversidade de situações de aprendizagens, muitas
vezes, a formação, não está no campo das escolhas pessoais, mas nessas e outras necessidades
bem específicas que emergem do cotidiano da escola, como lembra a Egressa 1 (2018),
como diretora da escola atualmente, a gente precisa cumprir algumas agendas. Querendo ou não, sendo de
interesse ou não, você precisa cumprir aquelas agendas.
Considerando o que as DCNs (2006) trouxeram para a Pedagogia, e as biotecituras
construídas pelas egressas no tocante aos contextos das experiências formativas, pude
entender a amplitude que abarca a área de atuação do pedagogo quando ele se coloca a
serviço da profissão. Nessa perspectiva, quando se remete à questão da formação do
profissional docente, este está associado ao desejo de crescimento não somente profissional,
239
mas humano, do ser-docente. Em razão disso, há uma compreensão de que as formações
passem primeiro por uma identificação de um viés pessoal. Em seguida, que seja possível
associar à disponibilidade de tempos sociais e humanos para vivenciar as oportunidades
formativas que estão no campo dessa ampliação. Mas, tudo isso segue margeado por um
compromisso social-educacional-cidadão. Para Day (2001, p. 16):
No decurso de toda a carreira, será aceitável esperar que os professores tenham
oportunidades para participar numa variedade de atividades formais e informais
indutoras de processos de revisão, renovação e aperfeiçoamento do seu pensamento
e de sua ação e, sobretudo, do seu compromisso profissional.
Nessa mesma perspectiva de entendimento, Nóvoa (2009, p. 19) lembra que ―[...] é
essencial reforçar dispositivos e práticas de formação de professores baseadas numa
investigação que tenha como problemática a acção docente e o trabalho escolar‖.
Day (2001) traz à tona o entendimento que verificamos nos estudos de Pineau (2010;
2003) de formação ―permanente‖, no qual eu destaco permanente em uma relação com outras
áreas de conhecimentos e interesses da Pedagogia, nas quais o aprendizado seja oportunizado,
o que supõe a organização de uma política de formação docente que considere esse processo
imprescindível e viável para a qualidade do ensino e do bem pessoal-social-profissional do
professor. Como compreende García (2009, p. 08), para quem
O conhecimento, o saber, tem sido o elemento legitimador da profissão docente e a
justificação do trabalho docente tem -se baseado no compromisso em transformar
esse conhecimento em aprendizagens relevantes para os alunos. Para que este
compromisso se renove, sempre foi necessário, e hoje em dia é imprescindível, que
os professores — da mesma maneira que é assumido por muitas outras profissões se
convençam da necessidade de ampliar, aprofundar, melhorar a sua competência
profissional e pessoal.
O autor conclama que essa necessidade precisa ser um sentir sine qua non da
construção da profissional e pessoal do ser professor, portanto, trata-se de uma busca pessoal
e coletiva que gere desdobramentos de uma política que venha a legitimar esse processo.
Mediante esse raciocínio, percebo que o estar em sala de aula já possibilita o contato
direto com contextos de aprendizagens, de autoaprendizagens, de ressignificações do modo de
ver o ensino, os conteúdos, a própria criança, pois sempre há um elemento novo e desafiador
na atuação profissional. E que do labor em sala de aula, na gestão, nas assessorias
pedagógicas e formativas decorrem pensamentos de ação, reações e proposições de buscas por
novos conhecimentos. Nesse pensar de modo interrelacionado com outras áreas e
necessidades, a egressa revela sua surpresa, ao comentar que:
Eu achava que eu não precisava participar do conselho de classe, porque eu era auxiliar, mas eu vi que eu
precisava sim, porque aí... foi aí que eu aprendi o que que é o pedagógico de ensino e o que que é
240
comportamento. Porque essas duas coisas se chocam tanto na sala de aula, e muitas vezes é um dos
determinantes da não aprendizagem. Foi aí... foi nesse momento que eu comecei a aprender. E aí eu ganhei
uma sala de aula. (Egressa 8, 2018, grifo nosso)
Essa percepção é decorrente da relação ação-reflexão, e quanto mais próximo esteja
dos contextos que envolvem a escola, mais se alargam as possibilidades de atuação e modos
de intervenções. Por isso, não dá para desconsiderar os entornos da escola com suas extensões
e tensões sociais concretas de significados e contradições.
Nesse viés de interlocução com as realidades apresentadas pelas egressas, no que
concerne às suas vivências, entendo que coubesse pensar e conceber a formação na
perspectiva profissional como um movimento permanente e evolutivo conforme revelado
pelos estudos de Pineau (2003), em que sejam consideradas as múltiplas temporalidades que
cruzam e intercruzam a formação humana e profissional impondo aos professores novos
sincronizadores temporais.
Há de se ter em conta, nesse movimento formativo, tanto as necessidades formativas
individuais como as do ambiente coletivo, bem como que os aprendizados dos alunos e dos
professores são individuais. Assim, como destaca Tardif (2002, p. 240), isso requer das
instituições, sejam elas superiores ou de redes de ensino, mudanças de concepções que
possibilitem:
[...] reconhecer que os professores de profissão são sujeitos de conhecimento é
reconhecer ao mesmo tempo, que deveriam ter o direito de dizer algo a respeito de
sua própria formação profissional, pouco importa se ela ocorra na universidade, nos
institutos ou em qualquer outro lugar.
Para o referido autor, se ao professor é conferida a competência com a missão de
formar pessoas, não seria diferente no tocante à sua capacidade de atuar ativamente em sua
própria formação, dando-lhe poder de envolver-se a si mesmo, ainda com direito de
determinar, juntamente com seus pares da educação, os conteúdos e formas, pois o mesmo
autor sublinha que há de se considerar que o trabalho do professor exige conhecimentos
específicos, sendo paradoxal baseá-lo em conteúdos embebidos em lógicas disciplinares
pouco enraizadas na ação cotidiana. Para fortalecer essa compreensão, é preciso reconhecer
que os atores envolvidos na formação inicial e na permanente sejam assumidos como sujeitos
do conhecimento e não meros expectadores de sua profissão.
Forja-se, com isso, a necessidade de se pensar uma corrente epistemológica que ajude
a construir mais espaços-tempos-práticos no próprio currículo para a formação do profissional
docente. A esse respeito, para esse processo formativo de se considerar o professor
integralmente, Tardif (2002, p. 232), compreende e reforça que:
241
[...] o professor é considerado o sujeito ativo de sua própria prática, ele aborda sua
prática e a organiza a partir de sua vivência, de sua história de vida, de sua
afetividade e de seus valores. Seus saberes estão enraizados em sua história de vida
e em sua experiência do ofício de professor. Portanto, eles não são somente
representações cognitivas, mas possuem também dimensões afetivas, normativas e
existenciais. Eles agem como crenças e certezas pessoais a partir das quais o
professor filtra e organiza sua prática.
Portanto, intrinsicamente, o professor vai se constituindo em suas singularidades,
heterogeneidades e nesse movimento formador, múltiplos tempos e temporalidades são
tensionados e não podem ser ignorados. Foi o que compreendi ao tomar o conjunto das
biotecituras das egressas, pois ali estavam postas suas percepções, reflexões, tensões e
superações em seu processo formativo profissional sempre em construção.
Olhar esse processo de formações humanas e profissionais voltadas para o professor, neste
caso, para o pedagogo, entendo como Nóvoa (2009, p. 19) que trata sim, de afirmar e
reafirmar, a partir das biotecituras, que ―as nossas propostas teóricas só fazem sentido se
forem construídas dentro da profissão, se forem apropriadas a partir de uma reflexão dos
professores sobre o seu próprio trabalho‖. Tal movimento não acontece de modo espontâneo e
nem linear, e não está neutro das realidades socioculturais, das políticas educacionais
vigentes, das histórias de vida e profissionais dos professores com seus sistemas de crenças e
valores, de sua realidade escolar situada e das múltiplas propostas de formações.
Com suas percepções de si, enquanto profissionais da Pedagogia, ao atuarem em
espaços diversos, compreendem a formação como uma construção pessoal, coletiva, educativa
e social. Diante do tempo e de suas temporalidades, esse movimento em busca de
conhecimentos se constitui um desafio a ser enfrentado.
O aguayo vivo e vivido estampado nas multicores dos movimentos humanos e
profissionais das egressas, nesta parte do trabalho, me ajudou a compreender os tempos
formativos humanos como dilemas que se apresentam frente a frente na construção do ser
docente. Conciliar esses tempos formativos geram reflexões e tensionamentos desafiadores.
242
Figura 11 - Processos de autonomizações profissionais
Fonte: elaborada pela autora (2019).
Considerando esses movimentos que atravessam as realidades formativas das egressas
de Pedagogia, foram construídos, no fio de entremeio, diálogos com as biotecituras,
observando nelas percepções e noções de tempo e temporalidades como o fio subjetivo que
permeia a formação humana e profissional desse grupo de egressas, buscando saber as
implicações que esse movimento pode gerar ou produzir nesses processos formativos.
243
4.5 Implicações de tempos e temporalidades nas tecituras da dimensão pessoal-formação
inicial e na atuação profissional
Lidar com subjetividades e múltiplos tempos foi o desafio que este trabalho assumiu.
Tal tarefa é, no mínimo, exigente e delicada. Arrisco aqui trazer minhas percepções
compreensivas e olhares mediante o que venho estudando sobre o tempo e a temporalidade
que cruzam e intercruzam a formação do profissional voltada para a Pedagogia. Quando me
reporto ao campo das percepções, ao dialogar com as biotecituras, entendo, a partir delas, as
possibilidades de significações e ressignificações, eu diria que ―buscar a essência da
percepção é declarar que a percepção é não presumida verdadeira, mas definida por nós como
acesso à verdade. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 14), é o movimento do vivido, no qual
compreendo as vivências das egressas, revelando o que as tocam, seja por si mesmas, pelos
outros ou pelas coisas. No que se refere à percepção, Merleau-Ponty (1999, p. 504) assevera
que:
Ela me abre a um mundo, ela só pode fazê-lo ultrapassando-me e ultrapassando-se, é
preciso que a ‗síntese‘ perceptiva seja inacabada, ela só pode oferecer-me um ‗real‘
expondo-se ao risco do erro, é necessário que a coisa, se deve ser uma coisa, tenha
para mim lados escondidos, e é por isso que a distinção entre a aparência e a
realidade imediatamente tem seu lugar na ‗síntese‘ perceptiva.
Por isso, a síntese compreensiva perceptível que nasce das biotecituras se estende no
agora, não na sua totalidade do vivido pelas egressas, mas se coloca como partes que me
foram possíveis acessar, perceber e descrever. Certamente, outros observadores e estudiosos
poderiam constituir outras sínteses perceptíveis que possam talvez estar escondidas do meu
campo de percepção, mas, por ora, foi o que pude abstrair.
Essas compreensões nasceram orientadas ou suscitadas, em grande parte, pelas
biotecituras das 30 egressas colaboradoras desta pesquisa. Em razão disso, é minha voz
intercruzada com as vozes dessas profissionais docentes que se constituem em fios múltiplos
que tecem o aguayo. Em Merleau-Ponty (1999), entendo que a temporalização desses fios do
presente, do passado e do futuro é constituída através da percepção e essa percepção me lança
a um presente contínuo.
Nesse movimento, foi interessante olhar para quem olha para si mesma, para suas
memórias pessoais e familiares. Olhei para quem estava ali diante de mim nas entrevistas,
como que abrindo e revirando um baú pessoal de lembranças, tirando dele coisas boas,
situações difíceis, em dados momentos, pois externavam sensações de alegria, superação e
244
lamentos. Em outro momento, como se tudo estivesse misturado, permitiam mostrar algumas
certezas das escolhas que foram feitas e refeitas.
Nesse movimento, compreendo-o em Merleau-Ponty (1999, p. 564) que:
Um passado e um porvir brotam quando eu me estendo em direção a eles. Para mim
mesmo, eu não estou no instante atual, estou também na manhã deste dia ou na noite
que virá, e meu presente, se se quiser, é este instante, mas é também este dia, este
ano, minha vida inteira.
Esse estender-se a si mesmo, se lançar e se colocar diante de si, é um exercício do
pensar, como o referido autor reporta ao campo da percepção como acesso à sua verdade
temporalizada pelo sujeito da percepção, para esse estudo, as egressas de Pedagogia.
O ato de puxar essas memórias é como trazê-las em forma de fios que se tecem nas
rocas e nos teares. Por isso, logo de início, algumas disseram ―nossa quanto tempo eu não falo
disso aqui!‖. Não pensava que um dia tocaria nessas lembranças‖. Era como se um cenário
inteiro viesse à tona, trazendo um tempo pessoal-histórico, social, econômico, político e
educacional resgatado de memórias que foram recontextualizandas e que voltaram a e existir
no ‗agora‘. Digo, como o referido autor, que ―[...] em geral, a síntese intelectual só tem um
sentido temporal porque pouco a pouco a síntese da apreensão me liga a todo o meu passado
efetivo‖ (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 560).
Quando digo que veio à tona é no sentido da evocação de algo pessoal e singular, não
como algo quieto, parado, guardado à espera de ser chamado, como se estivesse em uma
coxia de um teatro pronto para se apresentar. Por isso, a fiação do aguayo é assumida no
sentido de tecituras que se filiam à vida, gerando, por conseguinte, as biotecituras. Reconheço
nos estudos que realizei, seja em Pineau (2010; 2003) e Merleau-Ponty (1999) e nas
biotecituras que:
A percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada
de posição deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é
pressuposta por eles. O mundo não é um objeto do qual possuo comigo a lei de
constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e de
todas as minhas percepções explícitas. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 06)
O que foi posto supõe múltiplos movimentos diacrônicos e sincrônicos das
biotecituras das egressas. A intenção não é mensurar o tempo no sentido da quantificação da
utilização por parte das egressas, isso porque não o concebo como contabilização, mas essa
percepção de contabilização ou descontabilização é um elemento importante quando trato de
tempos performáticos.
As egressas assumem as suas rocas do tempo-temporalidade e seguem tecendo suas
percepções e compreensões sobre o tempo e a temporalidade. Alguns excertos ajudaram-me a
245
entender como as egressas constroem a ideia de tempo e temporalidade no sentido de sua
apreensão, assimilação e percepção. Busquei investigar como ele vem permeando as suas
formações humanas e profissionais na perspectiva da docência do ser-professor. Nessa
singularidade, consegui observar a movimentação das temporalidades nas biotecituras das
egressas. Suas vozes ecoaram nesses fios do tempo ao dizerem que:
Então, quando fala de tempo pra mim, eu já associo a todas as tarefas que eu tenho pra fazer no dia, sabe? Eu
acho que até, às vezes, me falta... me falta tempo, me falta hora no meu dia pra terminar as coisas que eu tenho
pra fazer [...]. (Egressa 12, 2018)
Na visão da Egressa 1 (2018, grifo nosso), a percepção de tempo se amplia e
diversifica, ao dizer que:
Eu penso no tempo tanto na questão cronológico como esse tempo subjetivo, que a gente não sabe nem quando
começa e nem quando terminou. Ele está meio que no abstrato. Tempo vem a história, vem a construção. Acho
que é isso que vem em minha mente, história.
A construção está posta no sentido das intencionalidades, no fazer-sendo, sendo-
fazendo, com a sensação de um não aprisionamento quando se remete ao sentido subjetivo,
pois se segue no sentido de ir se constituindo/construindo, seja como ser-pessoa, como ser
profissional. Em uma compreensão mais ampla da percepção subjetiva, Prigogine (1990, p.
23) lembra que ―com o aparecimento da vida, nasceu um tempo interno que prossegue durante
bilhões de anos de vida e se transmite de geração em geração, de espécie em espécie, e não
apenas se transmite como se torna cada vez mais complexo‖. O subjetivo, abstrato e interior
se filiam à vida do ser-pessoa que vive o seu próprio processo de construção e segue
evoluindo.
O tempo aparece como se estivesse em nossas vísceras humanas no constitutivo do ser
e não ser, das escolhas, das esperas e do reabrir-se a ele como o percebe a Egressa 25 (2018):
Tempo? Nossa, é muito subjetivo, muito... muito... o tempo, ele é necessário. O tempo, pra mim, ele é importante
porque eu sou uma pessoa urgente. Eu tenho necessidade do aqui e agora, sabe? De fazer acontecer. Eu não
gostava muito de esperar, então, o tempo, ele me ensinou a ser uma pessoa mais paciente, a respeitar o meu
processo, o processo das pessoas. A minha trajetória ela vai mostrando assim que em muitos momentos muitas
coisas foram adiadas na minha vida, muitas coisas, seja na minha infância, o estar com a minha família, seja na
minha... na minha formação inicial ali na Educação Básica em que eu reprovei e tal, seja ali no Ensino Médio
que eu tive que dar um tempo pra cuidar da minha filha e depois na faculdade pra mim chegar ao curso que eu
queria, que era o curso que estava no meu coração, que era o curso dos meus sonhos, que era Pedagogia. (
Conforme Pineau (2006, p. 55), essa construção do ser-pessoa, em seus biotempos e
biorritimos, está posta para além da biologização do sujeito, e essa evolução se inscreve,
segundo ele, em ―uma revolução bioética e biopolítica, que atribui aos indivíduos a carga de
246
construir sentido em sua vida‖, aproximando do entendimento do formar-se-a-si e
autonomizar-se respeitando a singularização da individuação.
Essa revolução e evolução é um processo de sentir de cada um, como expressa a
Egressa 9 (2018), ao se colocar dentro do tempo cronológico, biológico e subjetivo:
Tem o tempo cronológico. Que é o tempo que a gente... é registrado no relógio e durante o ano. E tem o tempo
de maturação das coisas acontecerem em sua vida, de percepção de... pra muitas pessoas acontece a questão
do... em relação à questão da aprendizagem é em um certo tempo, outros demoram um pouco mais. [...] Quando
eu terminei a Pedagogia, eu tinha uma base boa. Mas na minha cabeça, eu não me sentia madura, eu não
achava que eu tinha... que eu estava pronta para exercer certas funções, [...]. E por conta disso, eu sempre adiei
muita coisa na minha vida, achando que não era o tempo certo, entendeu?
Em um outro excerto, a Egressa 25 (2018) disse que:
O tempo, ele foi muito rico pra mim. Ele foi muito importante porque eu fui maturando, amadurecendo, me
conhecendo, fazendo as escolhas certas, assim como eu fiz escolhas erradas, aprendendo que tudo tem seu
tempo, que as coisas que aconteceram na minha vida, elas foram necessárias pra mim amadurecer. Então, o
tempo, ele é importante pra mim, o tempo... o tempo é necessário. O tempo é maturidade, o tempo... eu acho que
eu não teria uma palavra pra definir.
Nessa mesma concepção, a Egressa 18 (2018) trouxe que:
[...] o tempo, ele vai além da questão cronológica, é isso mesmo, das experiências, das emoções, do que eu
sinto, como é que eu me coloco naquele determinado espaço que está atrelado ao tempo. Acho que essas coisas,
elas meio que não têm uma distância, elas meio que se misturam, se confundem [...]
O ‗tempo certo‘, quer seja o tempo pessoal, ele se confronta com os outros tempos
sociais. Esses outros tempos ‗adiam‘ o que as egressas sentem como sendo o tempo da
maturação, o tempo necessário, o estar pronta ao serem vencidas as esperas. Foi mediante
esses outros tempos que elas trouxeram a relação do tempo com o curso de Pedagogia e sua
atuação profissional, e essa relação se imbrica com a vida no sentido mais complexo, como
lembrado por Prigogine (1990).
Reportando-se ao curso de Pedagogia, para as egressas, ele se constituiu como ‗tempo
oportuno‘, que vence as esperas, mesmo que, de certo modo, seja ritmado, vivenciado,
cadenciado pelos módulos que se constituíam em disciplinas. A esse respeito, Pineau (2003,
p. 148), em diálogo com Bessin (1997), chama atenção para o kairós como outra
temporalidade de sincronização quando se coloca a escolha do momento oportuno, pois para
eles, ―o tempo do kairós lembra a dimensão sistêmica, plural e global de toda atividade
humana, ao passo que o chronos tende a apagar as contradições que caracterizam esta
multiplicidade dos registros em um indivíduo‖. Essa multiplicidade de memórias se integra à
dimensão pessoal que, por sua vez, se filia à dimensão profissional, estabelecendo, assim,
ligações e sentidos, constituindo uma concretização da maturidade da espera.
247
A formação inicial se apresentou como campo aberto de muitas possibilidades de
tecituras, como lembrou a Egressa 5 (2018), ao dizer que:
Durante o curso de Pedagogia, eu acho que eu aproveitei mais as questões de formação [...]. Então, eu fiz
muitos cursos, viajei pra vários eventos. Depois que eu terminei o curso, eu não tive mais tempo pra fazer isso.
Essa ocupação se justifica pela jornada de trabalho, que é, muitas vezes, excessiva,
pelo cansaço diário, pela pouca motivação pessoal e profissional para retomar os estudos, ou
mesmo, devido aos cursos e trocas de experiências que possibilitam elementos formativos
para a formação pessoal e profissional.
Desse universo de colaboradoras entrevistadas, pelo menos 12 foram bolsistas de
algum grupo de pesquisa, projetos vinculados à extensão acadêmica, de iniciação cientifica à
pesquisa e à docência. Por isso, o envolvimento com o curso não se limitou à academia.
Outras experiências formativas ajudaram a ampliar o olhar sobre a Pedagogia, a universidade
e a formação pessoal. Assim, o curso nas biotecituras é assumido como um território e tempo
fértil e oportuno para o aprendizado. Mesmo para aquelas que não chegaram no curso por
uma opção inicial, mas se encontram nele, como foi o caso da Egressa 8 (2018), que relatou:
[...] fui chegando na Pedagogia, conheci as meninas do PET, e aí eu passei a frequentar a sala do PET. Aí eu
observei algumas situações, eu falei, „nossa, que lugar interessante‟. E aí, nessa época, eu trabalhava e
estudava, né? Concomitantemente assim. E aí passou o tempo, aí surgiu uma vaga no PET. Ah, eu mais do que
depressa eu vim me inscrever. Passei. [...].
A academia é prenhe de múltiplos lugares, movimentos, acontecimentos e nascimentos
que podem ajudar a significar e ressignificar o porquê estudamos isso e aquilo, e assim, ocorre
que podemos nos perceber em movimento de construção e reconstrução nesse movimento. O
estar concomitante no estudo e no trabalho, aparece como ponto paradoxal de colisão e não de
coesão. Elas sentem a necessidade de viver o curso. Por isso, agarram as oportunidades de
alguma bolsa de estudos. Tal realidade não foi vivida por todas, pois algumas, sendo arrimo
de família e tendo filhos menores, não podiam desconsiderar uma maior remuneração. Trata-
se, portanto, de uma responsabilidade que em algum momento da vida não pode ser
negociada. Esse fato me chamou atenção e ajudou-me a observar o sentido do tempo social, o
qual é contabilizado pela egressa como um espaço-temporal que está como que ‗preenchido‘
como que naturalmente, devido às responsabilidades que decorrem dos compromissos com a
família e seus sistemas de crenças. Para a egressa, há múltiplos tempos a ponto de dizer que
há um tempo dentro do tempo:
Acho que todos os professores vivem dois tempos, né? Ele vive um tempo, o tempo, e o tempo escolar. Né? O
tempo escolar, ele é algo real na vida do professor e a gente vive esse tempo, o tempo do calendário escolar, (de
248
200) dias letivos, o tempo da atividade, atividades que perpassam a escola como… Tem um nome. Ai, meu Deus,
como que é? É que a parte da cultura, desse tempo das comemorações, das datas comemorativas, também lá são
permeadas dentro da escola, dentro desse calendário, tem o tempo da aula, o tempo do... da… É uma questão…
O tempo dentro do tempo, o tempo dentro da escola. (Egressa 27, 2018, grifo nosso)
Assim, em um dado momento e circunstância, esse tempo é negociado com os tempos
pessoais e profissionais. Porém, como no caso da Egressa 3 (2018), por estar fora de um
banco escolar há alguns anos, coloca um distanciamento entre o antes, que é concebido por
ela como tempo ‗perdido, morto‘; o agora, como oportuno para reviver, recuperar o que se
perdeu; o depois que se caracteriza como uma possibilidade de novas buscas, começos e
recomeços. Portanto, ela avalia que:
Então, esse tempo que eu perdi, eu fiquei praticamente sete anos (sem pensar em estudar), muito assim
preocupada... assim, preocupei com outras coisas [...]. Com a família, com filhos, a casa. [...] na verdade, talvez
não era o tempo certo das coisas ocorrerem [...] Assim, parecia que já estava um pouco tarde, né? Pra eu
recomeçar. (Egressa 3, 2018, grifo nosso)
Esse tempo certo dá a sensação que há um tempo oportuno para cada um fazer o que
precisa ser feito no curso da vida, o que reforça o que eu disse antes. É nesse sentido que
observo o ser em mudança, o tempo de as dimensões pessoais serem tomadas ou assumidas de
outros modos pelo ser em relação com sua autoformação, o auto está muito colocado como
consciência de si, como maturidade para ser e fazer algo para si e para os outros. Assim se
expressou a esse respeito a Egressa 18 (2018):
O tempo, o meu tempo de vida, o tempo que a sociedade cobra as coisas da gente, é o tempo que a minha
família entende que as coisas aconteçam, o meu próprio tempo de amadurecimento, de crescimento pessoal, dos
entendimentos que a gente vai construindo ao longo da vida, a partir das experiências que a gente tem, dos
convívios, dos grupos, das instituições que a gente participa. (Egressa 18, 2018)
Para algumas egressas, esse movimento atrás de si mesmo, por mais tenso e difícil que
tenha sido, foi forjando o ser profissional com a percepção de si, de sua situação atual.
[...] pra mim, o tempo traz experiência pra gente. Muita experiência. Porque em três anos atrás eu pensava uma
coisa, hoje eu penso totalmente diferente. (Egressa 4, 2018)
Esse trazer não é algo exterior, adquirido, mas é vivido, não passa, fica, acrescenta-se,
não em um mix de outras coisas distintas, mas é o ser que vai como que se constituindo a si
mesmo, no sentido do formar-se sendo o que ele é mesmo, a apropriação de si e do seu vivido.
Ao pensar nesse constituir-se a si, entendo como Paul (2009), quando traz, a partir dos
estudos de Pineau (2003), que o movimento do formar-se, dar-se uma forma no sentido de
autoformar-se é uma sucessão de atividades arraigadas na estrutura do ser e é mais ontológico
do que se educar. A formação assume, então, um caráter ontológico, na perspectiva do ser e
249
vir a ser sempre em relação com as múltiplas dimensões que nos constituem, como explica
Moraes (2015, p. 02-03):
A ontologia é a parte da filosofia que trata da natureza do ser, da realidade e da
existência dos entes. Ontos, em grego, significa entes; Logos: conhecimento,
ciência. Etimologicamente, a palavra ontologia significa a ―ciência do ser‖. Para
Mario Bunge, é o estudo filosófico do ser e do vir-a-ser. Refere-se, portanto, à
natureza dos fenômenos da matéria. Assim, a expressão ontologia complexa
significa que as relações sujeito/objeto, ser/realidade, são de natureza complexa,
portanto, inseparáveis entre si, pois o sujeito traz consigo a realidade que tenta
objetivar. É um sujeito, um ser humano que não fragmenta a realidade que o cerca,
que não descontextualiza o conhecimento. Um sujeito multidimensional, com todas
as suas estruturas perceptivas e lógicas, como também sociais e culturais à
disposição de seu processo de construção do conhecimento, já que a realidade não
existe separada do ser humano, de sua lógica, de sua cultura e da sociedade em que
vive.
Quando se nega o ser em si, força-se a criar uma realidade para si, ou fora de si, a qual
faz emergir uma estrutura que se fortalece, o que chamo de tempo hegemônico objetivo, que
busca nivelar as subjetividades negando-as. Concebo o sentido hegemônico de tempo a partir
da seguinte perspectiva trazida por Pineau (2003, p. 130):
Determinação dos horários diários, programações, bater o ponto, as ordens do dia
são casos intermediários. Sua ligação com as análises macrossociais, que mostram
que o controle dos tempos e movimentos é a condição de todo poder político,
econômico e ideológico não deve ser esquecida. São formas concretas de submissão.
Entendo-o como submissão ao tempo enquanto um padrão de sistemas de regulação e
controles fechados das subjetividades em detrimento de alcance de metas e resultados
passíveis de serem controlados.
Nas biotecituras, a preocupação é pelo ser. Observo as egressas buscando a si mesmas,
no tempo e nas suas temporalidades como uma centralidade conquistada. Que García (1999)
colabora com esse pensamento, ao entender essa busca e trabalho de si, como mudança e
evolução permanente em Pineau (2003, p. 48), há assim, ―novos autos formar-se graças a esse
poder de reflexão do sujeito sobre seu percurso de vida, graças à sua escrita e à sua leitura‖.
Avançando um pouco mais nas compreensões das biotecituras, observo que há nelas
aquele entendimento de possuir o tempo, de tê-lo e de não o ter, de possuí-lo para poder fazer
algo com ele ou nele. É o que revela a Egressa 5 (2018):
Tempo significa pra mim, refere a fazer tudo antes de acabar, entendeu? Aquela coisa assim de vai passar e eu
tenho que fazer alguma coisa antes que esse tempo acabe assim. [...] De fazer o que eu penso, o que eu quero
antes de não ter mais (ele)” (Egressa 5, 2018).
Egressa 30 (2018) assim se expressou:
Eu acho assim que o tempo é algo que nós não temos domínio, né? Nós temos que aproveitar cada momento e
as oportunidades que nos são dadas.
250
Na compreensão dessas egressas, as oportunidades e as escolhas limitam-se ao tempo
‗hora certa‘, para não correr o risco de se lamentar pelo que fez, ou pelo que poderia ter feito,
sendo que o estado atual pessoal-profissional é decorrente de decisões anteriores. No que diz
respeito a esse aspecto assinalado, Prigogine (1990, p. 21) pondera que ―devemos considerar
o tempo como aquilo que conduz o homem e não o homem como o criador do tempo‖.
O próprio autor reconhece que essa compreensão no campo das ciências ainda divide
opiniões. Concordo com ele quando pontua que o ser-pessoa possui uma consciência que cria
o tempo. Esse mesmo sentido é compartilhado por Merleau-Ponty (1999), pela sua percepção
do vivido. Isso decorre de um entendimento entre a relação consciência e natureza, mundo
interior e exterior, o qual, nessa relação, não se pretende explicar o fenômeno, mas descrevê-
lo. No meu entender, essa compreensão se aplica ao tempo e à temporalidade quando a
Egressa 21 (2018), com sua consciência, descreve suas trajetórias de vida e formações, ao
dizer que:
[...] o tempo ele é subjetivo, né? Porque ele se comunica, ele dialoga com as experiências de vida, com as N
experiências concretas e, inclusive, com coisas que, por exemplo, aconteceram na minha infância e que eu já
nem lembro, mas que estão ali no subconsciente e travam, a pessoa não aprende nunca inglês, a pessoa não
aprende nunca a dirigir, a pessoa não aprende nunca a ler. Teve uma experiência [...].
Esse algo que ficou guardado ou até esquecido em uma parte da vida, para a egressa,
nunca deixou de fazer ou se tornar parte do presente quando por uma situação ou outra se
defronta com ele novamente. Concordo com Prigogine (1986) quando ele nos diz que não
podemos predizer o futuro, mas podemos influir nele, dado que podemos produzir
ressignificações do vivido. Esse autoperceber-se no movimento do vivido e de modo
ressignificado aproxima do que observa a egressa, ao dizer que:
O tempo... ah, traz várias lembranças, né? O percurso, pra mim, é muito de se lembrar o percurso que se
passou, até onde... o que eu era antes e com o passar do tempo o que eu sou hoje. E nisso você vai percebendo
com o tempo que você vai colhendo frutos do seu trabalho, do seu esforço, da sua dedicação durante esse
percurso e vai trazendo coisas novas, desafios novos, né? Acho que é isso. (Egressa 28, 2018)
De outro ponto de percepção, para a Egressa 21 (2018) o tempo implica sensações
contínuas de movimentos internos e externos:
Eu não via o tempo como meu, o tempo nunca foi meu. Ele passou a ser meu, inclusive, pouquinho
relativamente, né, nessa perspectiva de rotina, quando eu comecei a me perceber como coautora desse processo,
mas isso demorou. Então, o tempo, pra mim, ele sempre foi uma exterioridade, eu nunca controlei ele, eu não
controlo ele, eu sei, mas hoje eu consigo perceber nas ações, nas pessoas, e eu consigo perceber (mais nas
pessoas) e eu controlo mais ou menos, eu consigo fazer com que o tempo seja algo que me pertence porque
ele nunca tinha me pertencido. Ele nunca foi meu, tanto é que eu nem dormia. Eu tenho problema hoje
seríssimo de insônia porque hoje o tempo é meu numa certa medida, tudo isso com... né? Relativo, mas fazendo
essa analogia do antes e depois do tempo, ele sempre foi do outro, o tempo nunca foi meu, nunca seria. (Egressa
21, 2018)
251
Ocorre que ―o tempo se recomeça: ontem, hoje, amanhã, esse ritmo cíclico, essa forma
constante pode-nos dar a ilusão de possuí-lo por inteiro de uma só vez [...] (MERLEAU-
PONTY, 1999, p. 567-568) devido à objetividade dos sincronizadores universais da medição,
como relógios, agendas, calendários e outros aspectos cíclicos da natureza. Para o referido
autor, o tempo só existe para mim por eu e, nesse caso, as egressas, estarem situadas nele,
ainda porque se descobrem envolvidas nele como o ser da percepção por meio da
subjetividade. Por isso, há a sensação dessa aproximação e controle.
Há cenários de mudanças internas e externas. Há uma abertura a si mesma e aos outros
e à sua relação com seu meio físico, o que nem sempre é uma relação tranquila. Dessa forma,
percebo as tecituras de tempos que se imbricam em contributos que vão se associando ao
desenvolvimento profissional. Assim, o outro da relação está presente, ele participa e
contribui com a mudança, produzindo movimentos de heteroformativos, mas nesse ponto de
relação, há uma necessidade de (co-criação) de si mesmo, mesma. No processo do formar-se a
si mesmo, o outro, reitero, é o ponto de confronto, já que nele me ressignifico, crio e recrio.
Em outro momento, as biotecituras apontam como as egressas concebem o tempo do
trabalho em relação aos demais tempos no seu dia a dia. Acerca disso, a Egressa 3 (2018) o
afirma que:
O tempo de trabalho, ele é rígido. Ele não muda, é aquele tempo ali, não tem flexibilidade. É aquilo e aquilo ali.
Eu tenho horário pra cumprir. Eu tenho obrigação. [...] os demais tempos, eu tenho mais tranquilidade, não
tenho tanta cobrança, levo o tempo que eu conseguir. Por exemplo, o fato de estudar a distância é o tempo
assim essencial. Eu preciso fazer o tempo.
O trabalho se coloca como tempo fixo em termos de produção e resultados pré-
elaborados. Em razão disso, não há expectativas de mudanças, há execuções pontuais. No que
concerne ao aspecto pessoal, às decisões e os estudos, há uma sensação que aconteçam
conforme a Egressa 3, no ‗tempo que conseguir‘. Não há pressa, pressão, há uma
autoflexibilização que se ajusta à vontade, sendo que o ser ‗faz o tempo‘, o que está aliado às
necessidades e às realizações. Como se o sujeito estivesse no ‗controle do seu próprio tempo‘.
Então, a meu ver, há uma experiência perceptível de um tempo subjetivo operante em
negociação com os tempos sociais e profissionais.
Nessa perspectiva, o tempo é entendido como sendo multifacetado. Ora, é rígido, fixo,
em movimento; em outro, representa algo organizável, ou que se permite organizar, no qual
antecipo as minhas ações, me pré-disponho para executá-las, reservo nesse mesmo tempo,
espaço para autocorreções e redirecionamentos das intervenções com foco em algum objetivo,
como é possível observar na fala da Egressa 6 (2018):
252
Com muita organização. Eu sempre fui uma pessoa que eu sempre gosto de me precaver às situações. Eu
sempre gosto de antever o meu planejamento, eu sempre, com 15 dias de antecedência, pra qualquer imprevisto,
ter tempo de fazer adaptações, melhoramentos [...] Então, o tempo, eu sempre procuro me antecipar no
planejamento, pra evitar os imprevistos. Pra você ter um tempo de intervenção.
A relação com o tempo, muitas vezes, é compreendida nas coisas, mas quando
organizado, é possível se ‗antever‘. Assim, não se sofrerá nenhuma perda temporal, pois até
nos imprevistos é possível se antecipar. A sensação é que esse tempo é exterior, mas algo
passível de ser administrado, caso se consiga anteceder-se a ele.
O signo da hora regida pelo relógio entra na vida social, profissional e pessoal com
força para sincronizar e homogeneizar os processos humanos. Tal aspecto pode ser notado na
abordagem da Egressa 12 (2018, grifo nosso), quando disse que:
[...] na escola, meu tempo é bem cronometrado pra todas as coisas que eu tenho que fazer. Se eu não me
organizar, não anotar as coisas que eu tenho pra fazer eu esqueço, deixo de fazer. Eu tenho assim, muito
problema agora, que eu tô trabalhando com o tempo tão apertado, que se eu não anoto as coisas que eu tenho
ideia, eu passo batido, que eu acabo me perdendo [...] pouco tempo que eu tenho pra fazer as coisas, parece que
eu tô sempre atrasada.
A sensação é que, caso seja preciso resolver aspectos pessoais da vida, torna-se
necessário que eles estejam também ordenados na sequência ou nas brechas dos tempos
sociais. Assim, por se ter muitas responsabilidades e afazeres considerando apenas um dia,
uma semana, um mês e um bimestre escolar, por exemplo, corre-se o risco do esgotamento do
tempo previsto, e que ele não seja suficiente para comportar tantas obrigações a serem
executadas. Tanto é que a Egressa 16 (2018) o considera como um tempo que escorre por ser
intenso:
[...] esse ano eu tenho percebido ele escorrer assim pelas minhas mãos. Às vezes, eu chego em casa, eu não
consigo realizar a leitura de algum texto que eu gostaria ou realizar algo... pensar para além do... um livro, nem
que seja de ficção científica, por exemplo, mas de tentar viver um pouco mais, penso assim, não é como se eu
não tivesse vivendo. Também não é isso, mas tá muito assim, eu vou pra casa, aí eu passo na minha mãe, eu
faço alguma coisa com ela e depois de... quando eu já vejo, já tá de noite e já tá na hora de dormir e aí outro
dia é amanhã, e lá no serviço é... o fluxo é intenso de trabalho, intenso, o tempo todo.
Há essa sensação da objetivação do tempo tanto por possuí-lo como por esgotá-lo.
Diante disso, concordo que ―o tempo objetivo, que se escoa e existe parte por parte, não seria
nem mesmo suspeitado se não estivesse envolvido em um tempo histórico que se projeta do
presente vivo em direção a um passado e a um futuro‖. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 446).
Entendo que nesse movimento de múltiplos tempos e temporalidades pessoais e sociais a
percepção se apresenta como reencontro entre a subjetividade e as coisas; o percebido se
apresenta como aquilo que é, e que permanece em seu ser. É no reencontro da subjetividade e
do mundo que nasce a percepção.
253
Por outra compreensão, observo, nas biotecituras, as percepções de um tempo da
entrega, do abandono à uma vontade que não é própria de si mesma, mas de uma intervenção
superior que controla esse ‘tempo certo‘, uma relação espiritual que vai forjando o ser-pessoa
e suas ações profissionais, como expressa a Egressa 7 (2018),
Como pra mim tudo gira em torno da religião, da minha fé, o meu tempo é o tempo Dele, o tempo de Deus. Eu
faço o que tem que ser feito. As coisas vão acontecendo de acordo com o que Ele quer, porque eu sempre falo
assim, „o meu plano não é meu, os meus planos são Teus, então, o que você tem pra mim, reservado, eu vou
seguindo‟, eu sou o instrumento e não... deu hoje, deu, se não deu, amanhã... e assim eu vou fazendo [...] Sempre
me entrego, o meu tempo é o tempo Dele.
Esse sentir é particular, sendo uma evocação, de tempos de acontecimentos, das
manifestações, que para essa egressa em particular é o tempo de Deus, já que nele ela se
reconhece e se deixa conduzir. É um tempo desprovido de corporeidade e imaterial, mas
perceptível pelo seu sistema de crença e valores.
O tempo na escola e o tempo da aula são vistos dentro de algumas horas cadenciadas
por atividades e rotinas, como o tempo da fluidez, o tempo da atenção, que são cortados por
outros tempos, o da acolhida, o da merenda, o do intervalo, o do parquinho, o da saída. Assim,
o aluno com necessidade de aprendizado também está colocado dentro de um tempo que tem
pressa de ser esgotado, preenchido e enchido de conhecimento. É preciso considerar que há
um período estimado que homogeneíza o tempo. Isso implica em acreditar que se deu certo
com um, tem que dar certo com os outros.
Agora, aqui é diferente, eu tenho que fazer o meu tempo. Se eu quiser sair com eles, eu saio 16h30 até 16h45 lá
para o parquinho, que aqui tem espaço né. Então, aqui o tempo é diferente. Eu acho, vou fazer atividade que
horas? Das 13h até às 15h, que é a merenda. Essa é hora que eles ficam prestando atenção mais na aula.
(Egressa 2, 2018)
Quando o relógio marcar 17 horas, você tem que já estar lá na frente com os alunos,
conforme esclarece a Egressa 2 (2018). Há um duelo entre os tempos humanos sociais, os
válidos, os que precisam cortar os tempos das organizações e das percepções do ser
professora. Assim, ela declara:
Dez minutos, para tudo! Restam 10 minutos para as 17h! (Egressa 2, 2018)
Ora, é o tempo que precisa para deixar a sala limpa, alunos organizados para seguirem
para o espaço onde os pais já estão esperando para buscá-los. Há quem não habite dentro
desse tempo dos outros, pois vive em sua sala seu próprio tempo, seu ritmo e biorritmo:
Mas, eu até hoje ainda não coloquei os meus eu lá, não consegui fazer essa...Arrumar o horário. Porque para
mim, tem que ser 5 horas. Vai ser 5h, guarda o material! Não! Como lhe falei, eu devia ter parado, porque eles
254
deixaram papel no chão, aí não deu tempo de eu arrumar. Aí já pegaram as coisas já saíram da sala. (Egressa
2, 2018)
Há alguns condicionamentos ou rotinas que são assumidos como válidas e são
impostos aos professores como modos legítimos de organização do trabalho pedagógico, da
estrutura da sala de aula, a hora certa da aula e de outras estruturas de funcionamento da
escola, o que implica na própria autonomia do ser docente.
A esse respeito, García (1999, p. 145), alerta que ―[...] o desenvolvimento profissional
dos professores está intrinsicamente relacionado com a melhoria das suas condições de
trabalho com a possibilidade institucional de maiores índices de autonomia e capacidade de
ação dos professores individual e coletivamente‖. Quando isso não ocorre, causa um
estranhamento por parte do professor
[...] mas essa questão da flexibilidade tem que ser assim, eu tenho meio que uma birra com essas questões que
tem que [...]. (Egressa 1, 2018)
No sentido de que ‗tem que ser assim‘, esse assim deve ser usado como referência para
todos, em que uns se adaptam e outros partem para o diálogo ou confronto. Isso termina por
criar uma arena de disputas na escola, com comparações entre quem obedece e quem
questiona. Nesse sentido, os tempos-espaços de atuação do professor na escola e na sala de
aula também sofrem o controle não somente das agendas, calendários, sistemas e avaliações,
mas de ajustes de imposições de hegemonias de ritmos a serem harmonizados. Nesse
movimento de negociação, o tempo aparece como que sendo ‗roubado‘ do professor,
subtraído de seu horário de trabalho, não sendo um tempo oportuno. É o que a egressa
explicita ao manifestar como alguns pares reagem ou agem diante de algumas propostas de
formação continuada:
Então, a gente vê várias resistências por parte dos professores pra fazer esses cursos de formação, porque se
sentem roubados, né? Sentem roubados, porque não é oferecido o tempo que você está em sala de aula. Porque
lá em Cuiabá ainda tem a aula de artes e educação física, que é um dia da semana, né? E eles disponibilizam,
quando eu estava lá era assim [...]. Que ao invés de você estar fazendo planejamento, você poderia ir pra esses
cursos de formação. E aqui não. [...] Igual esse curso que eu te falei, de sequência didática, ele foi oferecido no
período que eu estava em sala de aula. E pra mim participar desse curso eu teria ou que pagar uma substituta,
ou a escola tinha que dar um jeitinho pra não deixar meus alunos sem aula. Eu não acho justo. (Egressa 9,
2018)
Diante das exigências e urgências da sala de aula e das outras frentes de atuação do
professor pedagogo, o seu modo de compreender suas responsabilidades e necessidades já
está posto dentro da estimativa de ‗tempo de realização‘, de seus afazeres naturais da escola,
os que são programados e precisam ainda lidar com as demandas de outras situações que não
permitem ser controladas ou previstas. Seria o que está prescrito diante do que é real. Sabendo
255
disso, entende-se que o que atravessa esse ‗tempo‘ ‗rouba‘ deles a hora, o momento de
concretizar o que se propôs realizar ou construir com seus estudantes ou seus pares. Por isso,
teriam que negociar essa ausência.
Nessa perspectiva, o pensar a formação permanente em serviço carece de assumir e
incluir a escola como espaços-tempos de formação não somente enquanto o lugar da ação
como técnicas ou instrumentais de ensino, mas dos processos de reflexão do ser-docente na
ação que não é só individual, mas, muitas vezes, coletiva, considerando-se autocrítico, agindo
como um intelectual que é autor de sua prática e de sua autoformação.
Ao lidar com o trabalho decorrente da própria docência, frequentemente, o uso do
tempo implica em uma medida de comprimento a ser vencida, em um prazo, extensão a ser
considerado como válido para o aprendizado dentro de uma sala de apoio às necessidades dos
estudantes. Quando isso não acontece, ou está próximo de encerrar o prazo estabelecido, o
sentimento presente internamente com relação a essa situação faz a Egressa 3 (2018)
expressar que:
[...] tem uns que aprendem num tempo recorde, muito rápido, no tempo que eles gostariam que aprendesse. Eu
tive alunos que em dois meses já estavam alfabetizados da sala de apoio. Então, assim, esse tempo, ele é cruel,
ao mesmo tempo, assim, nos deixam ansiosos, preocupados, „porque eu não estou conseguindo... meu aluno não
está aprendendo, vou ter que ir com ele até o final do ano‟. Isso é frustrante, porque eles não conseguem.
Nesse caso, a temporalidade do aluno é confrontada com os tempos fixos do
aprendizado, do resultado a ser apresentado. Quando isso não ocorre, há sensação que esse
tempo imposto carrega um peso e se torna o carrasco que precisa ser responsabilizado pela
pressa, pois o que for colocado dentro dessa negociação de agendas e horários,
necessariamente, deverá ser manifestado nessa extensão para se ter a sensação do dever
cumprido, como também é colocado na biotecitura da referida egressa, que ainda esclarece
sua percepção ao dizer que:
Então, esse tempo ele é cruel, na maioria das vezes ele nos deixa desesperados [...] e então, isso é cruel quando
o tempo vai passando e você vê que não conseguiu ainda atingir aquele objetivo. Então, isso dá um certo pavor,
medo, você sente... é difícil não pensar no fracasso, na frustração de não conseguir [...]. Daí tem aluno que não
avançou e isso é ruim. Então, o tempo, nesse momento, ele é prejudicial. Ele prejudica muito. A gente tem que
correr com o conteúdo, correr...[...]. Mas assim, devido à pressa talvez de atingir aquele tempo, perdeu a
qualidade [...]. Assim, „ah não, o aluno tem o tempo dele‟. (Egressa 3, 2018)
Tomando os excertos das biotecituras de Egressa 3 (2018), percebo um tempo que se
apresenta imposto do exterior para o interior, no sentido de que o aluno e o professor recebem
a incumbência dentro desse tempo de horários, datas, calendários e currículo, que são postos e
impostos. Então, o professor busca, juntamente com o aluno, materializar, assumir esse tempo
e traduzi-lo em resultados mensuráveis, dentro de um espaço/tempo imposto, no qual o
256
aluno/criança apresenta a sua própria temporalidade, seu ritmo, seu biorritmo, as suas formas
de processar em seu tempo interno/subjetivo. Quando inconsciente ou conscientemente são
exigidos resultados, dentro de um prazo e não outro, não pode ser distendido ou se é
postergado, esse prazo significa ‗tempo perdido‘. Ora, ela podia aprender em três meses, dois
meses, seis meses, meio ano. Mas, isso implica em tempo que se excede a confrontar os
tempos hegemônicos. O que é contra argumentado por outra egressa, ao esclarecer sua
posição formativa e formadora:
O que eu aprendi que, por exemplo, nós não podemos exigir tanto que se cumpra exatamente um tempo definido.
Nós temos que ter um planejamento, lógico, tem que tentar seguir, mas o tempo, ele tem que apenas contribuir.
Não podemos ficar assim muito vinculados ao tempo também porque senão você fica... você se perde. Por isso
que um bom planejamento é bom, porque aí você vai dando sequência dentro do tempo do aluno, dentro do seu
tempo, porque cada turma é diferente. (Egressa 11, 2018)
Então, nesses dois exemplos concretos da percepção do tempo, há de se considerar
também o tempo do aluno. Ele não está perdendo nada, é o tempo do processamento, do
entendimento, do desenvolvimento, porque, muitas vezes, faltaram para ele algumas
motivações, elementos que suscitassem nele um insight para a compreensão ou conclusão
daquele processo ou ciclo. Assim, esse tempo interno é diferente do tempo imposto, que é
esse tempo físico, regulado, cronometrado. Se é assim, com o aluno, não seria diferente para o
professor, que é o observador da criança que a confronta com seu tempo pessoal, com o
tempo escolar/social imposto a ela e ao professor. Sua experiência também se faz e refaz
nesse mesmo processo.
A respeito dessa fragmentação, ou de cortes impostos como condições, estas ou
aquelas como validadas para algum tipo de formação ou mudança pessoal, seja do aluno ou
do professor, concordo com Pineau (2003, p. 55), que em seu postulado alerta que:
Esta fragmentação e esta desagregação impedem compreender e utilizar esta relação
como relação chave que permita reforçar a dimensão educativa destas diferentes
tentativas de controlar o tempo e vê-las como elementos importantes de um
movimento cronofomador com a amplitude da esquizocronia combatida.
Para o autor, é preciso entender a importância socioeducativa de tempos formadores
diversos que não caracterizam as possibilidades da formação permanente. Sobre esses tempos
formadores, concordo com Paul (2009, p. 620), ao entender que ―o tempo educativo, então
não é mais aquele da educação inicial, nem da educação alternante, mas o da educação
permanente tornando possível uma capacidade de gerir os problemas, cada vez mais
complexos, de nossa sociedade‖. Para o referido autor, a alternativa para a sociedade,
humanamente falando, é a formação. Por isso, para ele, ―[...] a educação permanente, em
257
nossa abordagem impõem, todavia, considerar a realidade de cada sujeito em sua
singularidade‖.
Diante desses movimentos de muitas percepções na roca dos tempos e temporalidades
das egressas, percebo que há negociações entre o tempo chronos e o tempo kairótico.
Na minha percepção, elas habitam esses tempos, e eles, em termos de sensações,
coabitam no ser-pessoa de cada uma delas. Mas, habitar um significa negar o outro. A
negociação aparece na relação dos três movimentos, auto, hetero e ecoformação que
acompanham as egressas, em que a autoformação é constantemente confrontada com as forças
do chronos que sufoca toda possibilidade de singularidade, individualidade e criação
espontânea, pois a produtividade está posta como satisfação e realização de algo de certa
forma imposto e não que flui do exterior para o interior, mas do interior para o exterior e vice-
versa, como nos fala a egressa, ao revelar que:
Muito complicado. Eu tenho uma planilha em casa, que eu mesma fiz, mas foi com incentivo da psicóloga,
porque eu... no outro trabalho, eu não tinha nem hora pra dormir. Eu estava entrando num processo de desgaste
muito forte, muito forte mesmo. E aí o que que acontece? Fiz a planilha. E os horários que eram direcionados a
mim, eu nunca conseguia cumprir. (Egressa 8, 2018)
Ora, o eu-subjetivo não se limita a uma planilha que a ele se impõe, pois as
manifestações das necessidades subjetivas tendem a ultrapassar as fronteiras do tempo
chronos esgotante, como lembra a egressa ―eu não tinha nem hora pra dormir‖, ela não
conseguia habitar seu próprio tempo-pessoal, o que leva ao desgaste físico, mental e
psicológico. As biotecituras indicam a urgência da presença do tempo kairós, no qual a
direção não está no fazer em atenção ao chronos, mas ao ser-criativo e com mais intensidade,
conforme observei nas falas das egressas:
[...] fico pensando, até pra sair falo, „não, mas amanhã eu vou tá cansada e aí eu... daí segunda-feira eu não
vou render no trabalho‟. Então, eu tento sair ou na sexta ou no sábado, quando eu vou sair, pra não ficar... pra
ter o dia pra me recuperar pra segunda-feira tá inteira, senão é horrível trabalhar assim virada. Já fiz isso e a
semana inteira parece que não rende. (Egressa 12, 2018)
É complicado sabe? Porque até quando, às vezes, a gente não tá na escola, a gente tá pensando na escola. A
gente tá pensando em como vai ser amanhã, como que vai ser a organização, como que vai funcionar. Mas
assim, eu tento, eu tento, não consigo, mas eu tento cumprir a minha jornada aqui de oito horas, às vezes, nove,
às vezes, dez horas e o restante ficar pra minha família. (Egressa 29, 2018)
O tempo do trabalho, ele é demarcado, né? Ele é... tem aquele peso eu acho, e o outro tempo, por exemplo, meu
tempo de lazer, ou tempo de eu ler um livro que não seja acadêmico, um livro de literatura pro meu prazer,
assistir uma série, um filme ou visitar um amigo. Já o meu tempo demarcado de trabalho é... é demarcado, né?
É cheio de compromisso que eu tenho que fazer, eu tenho que cumprir. Infelizmente não sobra mais tempo [...].
(Egressa 17, 2018)
258
Nas biotecituras das egressas, o tempo pessoal é tecido intercruzado com as
necessidades advindas do tempo da atuação profissional. Frequentemente, ele se impõe aos
tempos pessoais-e-sociais, como transparece na fala da Egressa 4 (2018):
Quando que eu tenho tempo eu tô me envolvendo com atividade. Eu tô olhando atividades que são interessantes,
lendo teorias que são interessantes, que eu acho que vai trazer coisas diferente pra mim e pros alunos.
Em um certo momento, outra egressa concluiu que há, em sua percepção, uma
extensão do tempo, pois se sente:
Fisicamente e mentalmente cansada devido à rotina de formação e trabalho. No trabalho, me entrego em tudo.
Quando estou em casa, não deixo de ser professora. Saio da escola, mas a escola não sai de mim. (Egressa 20,
2018)
Nessa perspectiva de um nível de percepção em relação ao tempo, a egressa toma a
sua experiência pessoal como uma referência de autorreflexão e mudança, ao dizer que:
Porque a questão do professor, ele estende da escola pra sua casa. Não tem como falar que não vou fazer isso,
porque tem que fazer. Porque aquelas quatro horas é do aluno, não é pra mim fazer outras coisas que fica
pendente, tipo avaliação[...] Então, aquele momento das quatro horas não dá. Então, a gente tem que estender e
levar pra casa. E pra mim era muito ruim isso. Eu não via como uma coisa boa. Hoje em dia eu já tô sabendo
lidar melhor com isso. (Egressa 13, 2018)
Essas reflexões coadunam com a fala da Egressa 20 (2018), que explicou que:
Então, eu parei um pouco de levar serviço pra casa, mas tá sempre relacionado a alguma coisa, né? Até... eu
vejo assim que até, às vezes, quando você tá na rede social lá aparece um negócio, você fala, „ai que legal,
educação infantil”. Então, você tá sempre pensando em alguma coisa pra educação infantil. (Egressa 20, 2018)
Em virtude disso, vê-se que há uma imersão no universo da atuação profissional que
chega a comprimir os tempos pessoais. O que não é diferente para a Egressa 8 (2018), quando
se refere às horas dedicadas à profissão vinculadas à sala de aula diretamente, sendo que a
casa se torna uma extensão da escola, pois:
[...] trabalhar 40 horas, a gente vem pilhada da escola, „não, já tenho que preparar as coisas pra amanhã‟, aí
você tem aquela necessidade, „eu vou ler meu plano de aula. Aí vou fazer isso, isso, isso. De manhã e à tarde
vou fazer isso, isso, isso‟, ok? Ok, beleza. Quando você assusta, já é 11 horas da noite.
Com essa biotecitura, além das de outras egressas, observo que há um corpo forçado a
ser mecanizado, vigilante em constante operação, sem relaxamento, conduzindo a vida
pessoal para dentro da vida profissional como um dado natural e, às vezes, até considerado
normal. Essa relação ‗dia e noite‘ repleta de horas estabelecidas para isso e aquilo, pelo fato
de se ficar em estado de alerta desde o momento que acorda, mostra a sensação que algumas
egressas têm, pois expressaram que:
259
Parece que a gente não dá muita conta de administrar o nosso tempo fora da escola. Então, acho que isso não é
um defeito, ou uma prorrogativa minha. Entendeu? Parece que no meio da educação, a gente se dedica tanto
para educação e meio que a gente não consegue administrar o tempo lá fora. (Egressa 1, 2018)
[...] eu não tenho tempo pra mim assim, pra desligar. Eu só tenho tempo pra mim quando eu tô em casa. E aí
quando eu tô em casa, ainda tenho que levar coisa da escola, porque se eu não levar alguma coisa da escola pra
ir adiantando, lá não dá tempo, né? Então, o tempo que eu... eu não tenho, eu correndo atrás. Tem hora que eu
falo assim, „eu tenho que dormir, mas eu também tenho isso pra fazer, e eu também quero desligar minha
cabeça senão eu vou ficar louca, que eu quero ter um tempo pra mim, pra distrair, assistir uma série‟. (Egressa
12, 2018, grifo nosso)
Há essa sensação de um tempo dentro e outro fora quando se pensa no tempo
profissional e nos tempos pessoais. Esse último sofre a angústia da ansiedade do tempo social
e escolar. Ouvindo as egressas, percebi que esse tempo profissional, em sua maioria, quase
sempre dá-se entender é entendido por elas como sendo um tempo ininterrupto, pois ―‗a noção
de tempo‘‖ remete a alguns aspectos do fluxo contínuo de acontecimentos em meio aos quais
os homens vivem, e dos quais eles mesmos fazem parte‖ (ELIAS, 1998, p. 13). Para o autor,
só é possível essa apreensão do sentido do tempo, porque as coisas estão se movendo e
modificando à medida que lidamos com elas em diversas sequências, pois pela memória e
linguagem somos capazes de situar o ‗quando‘ dos fatos e acontecimentos, dando a sensação
do antes e do depois, ou ainda mais cedo ou mais tarde. Isso demarca a existência e a
persistência do tempo chronos, que é ligado e acelerado e que termina por sufocar os tempos
pessoais.
O tempo ‗fora‘ do tempo profissional, também é entendido e tomado como algo que
está ali, preenchível, ordenado, retalhado pelos horários e negociando as coisas pessoais,
particulares ou coletivas:
Bom, eu procuro um segundinho que eu tiver com meu filho, eu procuro ouvir, entender o que ele tá falando, a
minha filha [...] Meu tempo fora da escola é isso. Pastoral, e as crianças vão junto, tem o canto das crianças, a
parte das crianças. Então, tá todo mundo junto, se é na igreja, todo mundo junto. Se vai no shopping, todo
mundo junto, se vai passear, é todo mundo junto [...] (Egressa 7, 2018)
Os demais tempos sofrem a mesma sensação, para ser validados, o ser-pessoa se
organiza de modo a ser conduzindo nas horas contabilizadas como que gastas para uma
atividade que não seja de trabalho, de igual modo, está sob o signo dos pêndulos. O estar
consigo mesmo e com os outros precisa caber nos ‗segundinhos‘ que são ordenados para
serem executados tal qual o planejamento da escola, para no final ter a sensação de ter feito
tudo que se planejou dentro do tempo reservado, sendo assim, a sua representação simbólica
do tempo.
260
A forma de perceber e aprender o sentido do tempo pode ser entendido como um
aprendizado, que diz respeito a como cada um consegue se colocar em seu tempo no que se
refere ao trabalho profissional, seu meio social e cultural, bem como no âmbito pessoal.
Hoje em dia consigo separar, porque eu fiz numa forma pra mim fazer toda minha atividade na escola. Nem se
fosse pra mim ficar um tempinho a mais lá na escola, mas só que eu terminava todos os meus planejamentos,
todas as atividades que eu tinha que fazer na escola, porque a gente também tem que curtir um pouco, né?
Porque, muitas vezes, a gente leva pra sala... pra casa trabalho e a gente não tem tempo. Passa o seu sábado,
passa o seu domingo e você, vamos dizer assim, não fez nada pra você um pouquinho se aliviar, porque, às
vezes, a sala de aula é estressante. E você precisa desse tempo pra você, pra você fazer alguma coisa que você
gosta e não só ficar focada no trabalho, trabalho, trabalho. Eu, ano passado, eu consegui fazer assim, fazer
tudo o que era necessário na escola, nem se fosse pra mim ficar um tempinho a mais lá, porque eu só tava
trabalhando um período, Então, eu conseguia terminar tudo que eu tinha pra fazer na escola pra não levar nada
pra casa. (Egressa 5, 2018)
Para a referida egressa, fazer esse corte entre o tempo de trabalho e o pessoal foi uma
questão de aprendizado de uma possibilidade de se reorganizar nas demandas oriundas da
escola, pois nesse sentido, não era o tempo que se apresentava ‗insuficiente‘, mas as
responsabilidades do trabalho geravam sempre novas demandas a serem organizadas, ou
atendidas dentro do tempo reservado para o trabalho, o que não era possível, acarretando
demandas que, por sua vez, passavam a negociar com os outros tempos sociais-pessoais.
Para algumas egressas, essa separação ou corte temporal não existe, como revela a fala
da Egressa 1 (2018):
Eu, enquanto diretora, é diferente. Eu preciso estar aqui, às vezes, sábado, dia de domingo. É uma ocorrência.
É alguma coisa que acontece. É uma dedicação exclusiva mesmo.
Há situações em que quando se mora no mesmo bairro onde fica a escola, o
envolvimento atravessa os muros da escola, pois as necessidades do estudante de
aprendizagem estão vinculadas às suas necessidades de sobrevivência. Então, há buscas de
programas sociais para baixa renda, ações solidárias para atender situações urgentes como a
questão da fome, desnutrição, situação de risco de morte, abusos, vulnerabilidade e uso de
drogas.
Há uma percepção de um tempo dentro da escola e outra fora da escola, mas esses
tempos se confundem e se imbricam, pois o tempo do trabalho se mistura com o tempo
familiar e coletivo familiar, conforme continua a egressa a dizer:
Como desligar disso? Sendo que eu estou na escola do bairro. Estou na igreja do bairro. Estou no
supermercado do bairro. Estou na rua do bairro. Então, é difícil! (Egressa 1, 2018)
Há uma percepção que as horas da escola são só para se dedicar ao ensino de
conteúdo, sendo a realidade da sala de aula ou da gestão escolar, uma demanda de diversos
261
trabalhos que requerem uma resposta na ordem do dia. Com isso, em geral, o planejamento, as
correções de produções dos alunos, a pesquisa para aprofundamento de algum conteúdo e
outros estudos complementares acontecem em casa e de modo solitário, como lembrou a
Egressa 2 (2018), ao constatar que:
Todo mundo reclama que tem que planejar em casa, mas, a maioria das vezes, a gente planeja em casa porque
não temos lugar adequado para planejar e, às vezes, na sala de professor não era ambiente planejado porque, a
gente entrava, o banheiro ficava bem de frente. Na verdade, a gente fica sozinha. Toda hora a gente conversa.
Não era um ambiente bom para planejar. Trocava pouca ideia com os professores, trocava rapidamente ideias,
ou trocava atividade.
A escola é um campo fértil para pesquisa, trocas de experiências, confrontos de ideias
e construções coletivas de projetos e intervenções. O tempo do trabalho escolar consegue ser
intenso, produtivo e improdutivo, pois tanto na sala de aula como na escola, de modo geral,
atravessam-se vários acontecimentos, encaminhamentos, tensões, negociações nas quais o
tempo social ‗exterior‘ à escola também rege os tempos da escola, pois o calendário escolar é
organizado em consonância ao calendário civil e os acontecimentos sociais costumam povoar
o espaço escolar.
Ao lado dessa realidade, temos os tempos dos estudantes com seus ritmos e
biorritmos, tanto biológicos, psicológicos como pedagógicos, os quais atravessam o tempo
dos professores. Por isso, é necessário pensar no tempo de escolar de modo a considerar os
contextos de aprendizagem e dos atores. Por isso, mais uma vez, observo, na composição das
biotecituras, a imposição do tempo chronos que trava duelos com os movimentos que
constroem a relação entre a auto-hetero e a ecoformação das egressas.
Quando me reporto ao tempo denominado ‗livre‘, ele, de igual modo, é cadenciado e
negociado e, muitas vezes, desconsiderado e tido como improdutivo, morto. Por isso, parece
que ele precisa ser habitado de modo a ser aproveitado. A respeito disso, a Egressa 1 (2018)
comentou:
Dizer pra você que está tudo em ordem, eu consigo trabalhar aqui consigo ter meu tempo de lazer, consigo dar
atenção pro meu marido pra minha filha, não, não consigo. Se tem alguma pessoa que consegue, ou se tem
alguém da educação que consiga, eu tiro o chapéu. Porque quando eu proponho fazer uma caminhada, vou sair
do sedentarismo, estou caminhando. Na época, eu estava caminhando e pensava no meu planejamento de aula
de amanhã. O que eu vou levar, eu tenho que comprar isso. Tenho que procurar isso na coordenação. Então, é
muito difícil desligar da educação.
Nesse mesmo sentido, a Egressa 23 (2018), ao se referir ao tempo profissional,
considera:
Eu vivo em função do tempo. Então, assim, eu me organizo conforme está ali. Então, assim, não tem como fugir.
Então, não tem como diferenciar. Vou me organizando conforme dá. (Egressa 23, 2018)
262
Há uma necessidade de (des)ritmar o tempo profissional dos tempos pessoais. Isso não
significa que eles seguem separados, mas a relação de um com o outro é diferente. No ritmo
da atuação profissional de cada uma das egressas, a percepção do tempo ‗livre‘, de estar fora
de um contexto produtivo de trabalho, precisa ser pensada e tem precisa caber dentro da
sistemática do chronos, e ir se constituindo também mediante uma organização externa para
um sentir internamente despreocupado de tudo que lembra produção e contabilização. Assim,
a Egressa 3 (2018) expressa que:
Mas eu gosto muito de ter o tempo assim, livre, e eu preciso muito, pra ficar com os filhos, né? E ficar, às vezes,
[...] ter aquela tranquilidade, não me preocupar com nada, né? Mas eu vejo essa dificuldade de ter esse tempo
livre e me organizar.
O modo como se compreende e se apreende o tempo é no sentido de ‗uso‘, como
revela a fala da Egressa 11 (2018, grifo nosso):
De casa pro trabalho, do trabalho pra casa, não fazia nada além disso. Esse ano que ainda... consegui agora
atividade física, mas à noite, já pra não atrapalhar nem o tempo durante o dia. Durante o dia não dá mesmo,
mas aí eu estou tentando agora criar outras alternativas pra passar o meu tempo livre. Ano passado eu
pensava só em trabalho, de manhã, à tarde e à noite em casa. Falei que esse ano vou mudar. Não quero pensar
em trabalho à noite, pelo menos à noite, até pra eu descansar mesmo.
Esses conteúdos me fizeram lembrar os estudos do sociólogo alemão Hartmut Rosa
(2003) sobre a teoria da aceleração social que se vincula à dimensão temporal, infiltrando de
modo totalitário na experiência individual e coletiva, conduzindo, no meu entender, ao
esvaziamento do tempo livre frente ao completo preenchimento dele.
Retomando a incursão nas biotecituras das egressas, percebo a problemática que se
instalou pela força do chronos, ao expressarem que:
Tempo pra mim é o essencial. Você, na verdade, está determinado a isso, a sua vida se desenvolve através de
cada momento. Eu digo assim que o tempo é um momento de você desenvolver certas atividades, certas rotinas
diárias. Então, assim, tempo é o nosso... vou dizer que o tempo é o nosso pior desafio, e você tem 24 horas pra
poder se organizar na sua rotina diária. Então, assim, você, na verdade, está trabalhando contra ele, né?
(Egressa 23, 2018)
Eu acho que tenho passado por um momento tão novo, diferente que meio não consegue desligar muito do
trabalho não. Até dentro de casa lá está lembrando „ah, amanhã eu tenho isso pra fazer, eu tenho aquilo”‟ ela
não consegue desligar muito do trabalho não, mas eu vejo assim eu gosto muito do meu trabalho. Então, levá-
lo, pensar nele em casa, ou seja, em outros momentos não é algo que me deixa estressada. É algo que me traz
prazer. (Egressa 28, 2018)
Há uma busca de existir de mediante a coabitação ‗entre dois mundos‘ chronos, o aion
em busca do kairós e até de coexistência desses tempos. Esses tempos nos coabitam, nos
dividem e nos integram. Para a Egressa 28 (2018), mesmo que o tempo pessoal sofra o
cruzamento do tempo profissional e nele imprima marcadores temporais nas obrigações
rotineiras da vida pessoal, para ela, não há necessidade dessa separação de se desligar, pois há
263
satisfação pessoal nessa relação. Na mesma direção de Rosa (2003), no sentido do
aceleramento, Pineau (2003) apresenta a esquizocronia como uma forma aguda de uma
cronopatologia que tende ao um tempo universal, em que se eliminam e se negam outras
possibilidades de dimensões temporais.
Na fala da egressa urge uma busca de dessincronização, uma quase suspensão de um
ritmo para desaceleração não social, mas pessoal, para se ter ao alcance a sua própria
temporalidade:
[...] quando eu tenho esse tempo livre, eu só quero ficar deitada. Não quero nem sair. Não quero nem... às vezes,
eu não quero nem assistir televisão porque parece que eu quero assim, ter uma paz na minha cabeça. [...] você
trabalha sexta, trabalha sábado e trabalha domingo. Aí segunda-feira volta. P arece que você não teve final de
semana. Não descansou nada e daí volta o batidão de novo. Aí você começa se sentir desmotivada porque você
sente que você tá trabalhando muito e parece que não tá dando conta das coisas. Então, às vezes, eu paro e
falo, „não, esse final de semana eu não vou mexer com isso porque senão [...]‟. (Egressa 12, 2018)
O ‗batidão‘ é o sacrifício dos corpos para se se ajustar ao ritmo do relógio. O corpo
físico deseja descanso, mas a cabeça não para, uma vez que está sincronizada no pêndulo das
horas. Diante desse algoz, Pineau (2003, p. 46) escreve que ―o respeito pelo relógio-quase se
tornou o culto totalitário moderno que dificilmente tolera aqueles e aquelas que a ele não se
sacrificam incondicionalmente‖. Para ele, o relógio se instalou na vida interna e externa da
humanidade ao ponto de ser análogo ao que a coleira é para o cão. Tornou-se um refém que é
conduzido pela ‗hora certa‘, o que passa a ser uma rotina, como descreve a egressa, ao revelar
que em sua jornada de trabalho:
Questão de horário, é hora disso, é hora daquilo. Por quê? Porque apesar de ser educação infantil, é um
momento corrido, né? Eles têm muitas coisas pra fazer durante um, período. Eu só dou aula a partir da uma da
tarde, então, da uma às cinco, eles têm muita coisa pra fazer. Eles têm inglês. Eles têm educação física. Eles têm
futsal, balé. Então, é muita informação. Então, eu costumo trabalhar muito com rotina, com rotina pra eu poder
conseguir, né? Estabelecer... conseguir alcançar os objetivos, porque senão, não consigo, se não tiver uma
rotina, eu não consigo. [...]. (Egressa 20, 2018)
No meu entendimento com base nas biotecituras, essa relação com o chronos é
intercruzada, e ora programada, ritmada para depois se dissipar no sentido da própria
subjetividade, como mencionou a Egressa 24 (2018):
Eu acho que o tempo, tempo é a gente que tem que procurar fazer da melhor forma tempo na vida da gente,
porque se você organizar ele certinho, você consegue realizar as tarefas de tudo, porque é corrido, hoje em dia,
o tempo nosso é corrido. Não tem como não ser... é bem corrido assim, ainda mais eu que sou dona de casa,
tenho três filhos e ainda tenho a creche pra tomar conta. É um tempo corrido, mas eu consigo organizar
tudinho, a minha vida mesmo, o meu tempo durante o dia.
Há um paradoxo nesse esforço de se colocar dentro de um tempo pré-estabelecido,
porque tudo precisa estar certinho e organizado. O que parece ser um fazer exterior para uma
satisfação interior, é a conciliação dos tempos.
264
Há um desencadeamento de múltiplos sentidos na relação com o tempo, como
sinalizam as egressas, trazendo a sua percepção de sentir a esse respeito:
É, são muitos tempos, porque o tempo de trabalho talvez, pra mim, seja um pouco mais organizado. Agora, o
tempo que eu tenho, por exemplo, (pra) tá no tempo livre, eu não tenho tanta pressa eu acho. É diferente. No
trabalho, eu sou muito organizada, muito... né? E os outros tempos passam um pouco mais devagar, eu acho.
Que pensar no tempo de um jeito subjetivo é complicado. (Egressa 11, 2018)
[...] acho que se fosse colocar em dois grandes pedaços, eu ia colocar dessa maneira, o tempo da escola e o
tempo da não-escola. Porque o tempo da escola, ele é traçado, ele é extinto já, né? Você tem toda uma rotina
escolar, como você tem uma rotina dentro da sua casa também, dentro da escola vai ter a sua rotina, e aí você
minimamente vai cumprir algumas coisas estabelecidas naquela rotina. (Egressa 27, 2018)
Na vida profissional, o tempo do relógio e dos planejamentos imperam impondo
rotinas e a sensação de aceleração, quando se volta para a vida privada, é como se o tempo
pudesse ser ajustado por reconhecer ser um outro tempo dentro do tempo, como já foi dito
antes.
Nessa mesma perspectiva, compreendo a abordagem da Egressa 10 (2018), ao externar
que:
Na verdade, a palavra tempo, ela é turbilhões de emoções, de sentidos na minha cabeça atualmente. Tempo. O
tempo que hoje é corrido, o tempo que já não volta mais, o que já passou, o tempo que ainda está por vir, o
tempo que a gente não vai chegar a usufruir, porque o futuro a Deus pertence.
Nesse movimento de tensionamento, cruzamento dos tempos no espaço do vivido ou
do vir a ser entendo, que ―o porvir, o passado e o presente estão ligados no movimento de
temporalização‖ (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 577).
Perscrutando os tempos e as temporalidades das egressas, ao puxar cada fio dessa
parte da pesquisa que tece o aguayo, observei, nas biotecituras das egressas, a construção
social, cultural e linguística simbólica do tempo. Sua manifestação se expressa em múltiplas
percepções que se relacionam com suas vivências. Esse relacionar está no campo das
compreensões de si devido a um pensar a partir de si, como se tudo estivesse dentro, e que, ao
ser acessado, fizesse sentido no agora. Por isso, entendo que, nesse sentido, ―a reflexão só é
verdadeiramente reflexão se não se arrebata para fora de si mesma, se se conhece como
reflexão-sobre-um-irrefletido e, por conseguinte, como uma mudança de estrutura de nossa
existência‖ (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 97).
Nesse sentir perceptivelmente, compreendi que as egressas, em suas biotecituras, ao
parar diante de si, se percebem no movimento de suas temporalidades pessoais e profissionais,
e que a formação não se limita em uma só dimensão, como já dialogamos anteriormente, ela
se faz evolui permanentemente. O ser está no mundo com as coisas de modo inseparável. Em
razão disso, ―compreender o sujeito, não será em sua forma pura, mas procurando-o na
265
intersecção de suas dimensões‖ (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 550). Essa intersecção parece
constituir as dimensões fronteiriças compreendidas em Pineau (2003), e com as quais busco
ganchos de compreensões da autoformação enquanto escolha pessoal de um poder
simbolístico, político e educativo do ser professor.
Entendo, com isso, em Pineau (2003, p. 149) que ―a autoformação permanente das
pessoas no decorrer de suas vidas representa um espaço-tempo privilegiado desta negociação
temporal‖, o que exige a conjugação de múltiplos tempos plurais ou até mesmo antagônicos.
É um aprendizado-formação.
Trazendo essas compressões para o tecimento do aguayo no sentido das tecituras que
se constituiu como um todo maior e mais complexo, é que saliento que ―o mundo é
inseparável do sujeito, mas de um sujeito que não é senão projeto do mundo, e o sujeito é
inseparável do mundo, mas de um mundo que ele mesmo projeta. O sujeito é o ser-no-mundo,
e o mundo permanece ―subjetivo‖ (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 576).
Passei a entender, com as biotecituras tecidas nesta parte do trabalho, que não é vista
por mim como somente uma parte do trabalho, mas como o movimento de fios, em que o
tempo foi compreendido e apreendido pelas egressas, ora de modo objetivo (pelos pêndulos),
ou de modo subjetivo, por sentirem suas ontologias a se desdobrar na passagem, no mover
dos pêndulos, pois se sentiram como seres no mundo sem se apartar das coisas, sendo
protagonistas de uma mudança contínua de si-mesmas.
Por isso, esse tempo/temporalidade foi expresso pelas egressas de vários modos, e eu
os percebi com elas como segue estampado no Quadro 5.
266
Quadro 5 - Múltiplas percepções do tempo
Fonte: elaborado pela autora (2018).
De todos os modos, as expressões e compreensões, nas quais se inscrevem a percepção
de tempo/temporalidade, apareceram misturadas com as coisas da vida. Nesse mesmo fio do
aguayo vinculado à vida, Prigogine (1990, p. 28) apresenta sua compreensão sobre essa vida
que se deixa observar:
De acordo com meu ponto de vista, a vida exprime melhor do que qualquer outro
fenômeno físico algumas leis essenciais da natureza. A vida é o reino do não linear,
a vida é o reino da autonomia do tempo, é o reino da multiplicidade das estruturas
[...] a vida se caracteriza por essa instabilidade que faz que vejamos nascer e
desaparecer estruturas em tempos geológicos.
Desse modo, é bem provável que essa capacidade evolutiva de instabilidades que
atravessa esquemas estáticos históricos, biológicos e geológicos seja orientada pela força da
subjetividade.
267
Em outro ponto de compreensão, quanto a essa relação ser-tempo, Elias (1998)
considera que as sociedades urbanizadas-industrializadas se distanciaram de elementos da
natureza que historicamente serviam de marcadores de cortes temporais, a exemplo da lua.
Por isso, mesmo que as pessoas estejam vivendo sob a pressão do tempo, não são capazes de
compreendê-lo. O autor considera que havendo uma experiência própria do tempo, o ser-
pessoa conseguiria compreender a si mesmo. Essa experiência própria, como lembra
Prigogine (1990), faz com que a vida do ser se exprima melhor com relação a si-mesmo e
também em relação à sua percepção de tempo. Ainda quando amplio esse diálogo, encontro
Pineau (2003, p. 16), que diz que, ―apoiar-se maneira formadora na alternância dia/noite, com
dimensões ao mesmo tempo cósmicas, biológicas e socioculturais, permite ritmar sua vida
cotidiana com os sons de várias origens (os próprios, os dos outros, das coisas) [...].‖. Quanto
a esse modo de inter-relacionar a vida humana, a natureza das coisas e de si mesmo, concordo
com os autores e nessa ação/reação/evolução, ancoro a minha compreensão da percepção de
tempo e temporalidade de cada egressa ao comporem ou gestarem suas biotecituras.
Essas percepções me suscitaram a seguinte indagação: como as egressas ressignificam
esse tempo que permeia a sua formação profissional docente? Essa questão não é outra
questão problema, mas uma indagação foi feita com a intenção de me ajudar a retomar o
objetivo geral proposto para esta tese: ―compreender as implicações de tempo e da
temporalidade na tecitura e ressignificação da formação profissional de egressos de um curso
de Licenciatura em Pedagogia, examinando o seu constituir-se profissionalmente para além
do tempo e temporalidades hegemônicas que venham a condicionar seu trabalho‖. Espero ir
respondendo essa indagação ao logo deste trabalho. Por ora, no que tange às suas implicações,
digo que o tempo implica na qualidade da atuação profissional das egressas, pois sentem a
escassez dele devido às demandas (relatórios a serem preenchidos, sistema a serem
alimentados e suas burocracias, as comemorações, os projetos da escola, reuniões etc.), os
quais atravessam suas jornadas de trabalho. O tempo na escola se esgota quase sempre na sala
de aula, não restando possibilidade de trocas de experiências, socializações de ações
pedagógicas bem-sucedidas entre os pares. O próprio ambiente escolar, muitas vezes, não
possui uma estrutura de acomodação dos professores para trocas ou momentos de reflexões no
coletivo.
E, de igual forma, ele tem implicância na formação permanente, pois há quem tenha
jornada tripla de trabalho. E estar em um curso ou em formações no terceiro turno de um dia
intenso de trabalho é um peso a ser considerado como exigente e de pouco aproveitamento;
estar na formação promovida pelo sistema de ensino em hora atividade empurra ainda mais a
268
jornada da escola para dentro da vida privada do professor, que tem que negociá-lo com sua
vida pessoal gerando um embate constante.
Considerando esses pontos de compreensões, busquei distender no fio auxiliar, o qual
segue ladeando e ora intercruzando os fios das dimensões formativas que elegi para
desenvolver as entrevistas. Entre os tempos performáticos e formadores, consta um desafio no
campo da práxis profissional.
4.5.1 Entre tempos performáticos-esquizocrônicos e tempos formadores
Trazer o conceito de tempos e temporalidades para o diálogo da formação do
profissional docente em uma perspectiva de formação permanente remete a pensar e situar os
colaboradores desta pesquisa com suas biotecituras dentro de um contexto social e
educacional mais amplo. Pensar no ser da percepção como compreende Pineau (2003)
significa considerar a singularidade de suas vidas compreendidas em tempos plurais. Assim,
como os tempos são plurais e atravessam a vida, o contexto sociocultural e educacional
também se imbrica nesses tempos e nessas temporalidades pessoais.
Ora, digo que os contextos social, econômico e profissional docente, vinculado ao
mundo do trabalho na contemporaneidade, que apresenta um cenário de múltiplas tensões,
reflexões construções e desconstruções frente a essa profissão docente e, de modo singular, a
política educacional no que tange ao cenário brasileiro. Mas, não é meu objetivo retratá-la
neste momento, o que implicaria outro trabalho. Menciono essa realidade para situar de onde
estou falando.
Nessa perspectiva, pesquisas de várias áreas de conhecimento salientam conquistas
promissoras, principalmente considerando os avanços tecnológicos que estão presentes em
todos os campos de estudos científicos em âmbito nacional e internacional.
No que tange à formação de professores, de fato, não seria prudente desconsiderá-la
ou separá-la do contexto educacional brasileiro mais amplo, muito menos do político-sócio-
econômico. Isso requer lucidez, pois esses avanços científicos e tecnológicos nem sempre são
assumidos para suprir necessidades e interesses coletivos, sejam eles sociais ou educacionais.
De modo geral, eles sustentam uma política de competitividade econômica e travam duelos
entre instituições e pessoas. Geralmente, seus objetivos são ancorados no controle de
mercado, em produtos de fácil circulação/aceitação, rentabilidade, padronização e
competitividade e essa cultura acaba chegando às escolas e instituições superiores de ensino.
Essas novas formas de estruturas são também, conforme Ball (2001, p. 05), ―novas tecnologia
de políticas que ―produzem‖ ou promovem novos valores, novas relações e novas
269
subjetividades [...]‖. Essa cultura é tomada pelo autor como sendo a performatividade, que
passa a ser entendida como ―uma tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação
que emprega julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controle, atrito e
mudança. (BALL, 2005, p. 543), inaugurando, a meu entender, tempos performáticos e
esquizocrônicos em combate com outros tempos sociais e pessoais. A esse respeito, Pineau
(2003) alerta para o fortalecimento do que ele chama de cronopatologia. Processos de
dessincronização e diluição temporal, despontando uma forma mais aguda intitulada por ele
de esquizocronia, que, a meu ver, é a difícil conjugação das temporalidades com uma
tendência de produzir e induzir outros tempos. Assim, o autor ressalta que:
[...] mostra a cisão de um outro tipo de tempo que produz o uso automático da única
plataforma do tempo universal: ela separa da produção o que pode ser denominado
mesotempo pessoal, do qual a pessoa deve se apossar, dar a si mesma para existir
como meio específico entre o biólogo, o social e o cósmico. Esta cisão – esta
esquizocronia – difere das outras por não ser a separação dos tempos já existentes,
mas a da produção de novos tempos singulares, pessoais. (PINEAU, 2004, p. 50)
Nesse viés de compreensão do referido autor, chamo atenção para a insistência para
naturalização de tempos hegemônicos sociais e pessoais, que se nutrem e se fortalecem desses
tempos performáticos e esquizocrônicos, os quais tendem a eliminar, silenciar toda
possibilidade de pensar que pode existir-coexistir outras dimensões de tempos válidos. Há um
esforço desse tempo absoluto universal de se impor e travar duelos com as temporalidades
pessoais que reivindicam sua sincronização. Foi o que consegui observar nas biotecituras que
passo a dialogar nesta etapa do trabalho.
Nesse espaço-tempo de exposição e inserção na prática docente, observei, por meio
das biotecituras de cada uma, a composição de sua trajetória, suas experiências e memórias,
pois como expressou Pineau (2003, p. 16), as ―histórias de vida em formação permitem a
criação de novas historicidades‖. Os excertos das biotecituras me aproximaram da
compreensão de suas percepções frente ao tempo performático e à urgência de tempos
formadores.
Ao me deparar com a fala da Egressa 2 (2018, grifo nosso), uma luz de curiosidade e
preocupação acendeu quando declarou que:
O tempo do trabalho, o tempo do professor e a vida pessoal. A questão é que, a vida profissional toma mais
conta da vida da gente do que pessoal, porque a gente fica muito tempo planejando. É uma coisa que demora
muito, porque você senta no computador, você vê aquela atividade, aí você procura um vídeo, você ainda vai
montar o que você quer fazer. Eu acho que a vida do professor, ela é muito exaustiva, porque assim, a gente não
planeja na escola, a gente planeja em casa. A gente está lá sozinha, o tempo profissional é maior do que o
pessoal. E se você quiser mais tempo pessoal, você tem que deixar de lado e, às vezes, atrasa, né! Aí você deixa
atrasar as suas coisas para fazer um passeio, para poder ir para Chapada. Aí você escolhe, vou largar hoje!!!
Escolhe uma coisa ou outra.
270
Diante dessa comunicação de percepção e relação com o tempo, comecei a me
preocupar, pois o tempo surge cindido, o tempo pessoal das coisas que são ligadas ao
cotidiano da vida, já não coincidem com o tempo profissional, mais que isso, um é capaz de
sobrepor-se ao outro com dispositivos de descontinuidades de um em detrimento do outro. As
‗coisas‘ passam ser parte de si-mesma e a vida privada passa a ser extensão de si, pois não se
identifica com os tempos livres. A ponto de o tempo pessoal e coletivo familiar serem um
disfarce do tempo do trabalho, um intervalo do cronosprofissional, como desabafou a Egressa
20 (2018):
A gente que é professor, é difícil diferenciar, né? Uma coisa da outra, porque acaba que a gente tem uma...
estabelece um comportamento de estar vinculado sempre ao seu trabalho, não tem como. Você tá em casa, „ah,
esse final de semana eu vou fazer o quê? Ah, eu tenho que fazer o plano, mas aí de tal a tal hora eu faço o plano,
de tal a tal hora eu faço tal coisa‟. Então, a gente não tem muito uma divisão de tempo de escola, de trabalho
com os demais tempos, né? Mas eu tento, eu tento. Tem dia, assim, que eu não faço nada relacionado ao
trabalho mesmo, fico com ele, com o meu filho e aí a gente consegue dar uma disfarçada do trabalho.
Na direção que essas falas me possibilitaram olhar, concordo com Pineau (2003),
quando aponta a colonização dos tempos livres, que impede, muitas vezes, esse movimento de
circularidade e completude como um sincronizador socioeducativo de uma articulação
formadora entre os tempos, entre teoria/prática, ação/reflexão. Trata-se do que Ball (2002)
também nomeia de ―a colonização das suas vidas‖, pois estas formas de colonização/
regulação e autorregulação tendem a abarcar a dimensão social, pessoal e interpessoal.
Compreendo, nas falas de várias egressas, desde sua dimensão pessoal, que existe um
embate temporal existencial de suas temporalidades, pois ―o tempo vivenciado, as diferentes
experiências dos tempos diários – curtos e longos – são na maioria experiência de
impotência‖ (PINEAU, 2003, p. 50). E essa incapacidade de viver a sincronização de tempos
pessoais com outros tempos ambientais, para o referido autor, pode estar concretizado nesse
aspecto ―a forma fundamental da esquizocronia, da alienação, da coisificação da existência‖
(PINEAU, 2003, p. 50-51). O uso do tempo fica mais em função de uma contabilização
objetiva de horas regidas pelo signo do relógio, do que aos ritmos e biorritimos pessoais e
sociais.
O tempo e a temporalidade compreendidos nas biotecituras são simultaneamente
múltiplos e únicos. Defrontei-me com percepções de tempos sociais-hegemônicos cortando os
tempos pessoais e profissionais. Há um intercruzamento de tempos pessoais e tempos
regulatórios orientados por sincronizadores chronoperformáticos, como pude observar nos
excertos das biotecituras, quando as egressas enfatizaram que:
271
O relógio. Falo assim (tempo) pelo menos é o primeiro pensamento que vem, o relógio, porque é o que
determina. Eu acordo cinco da manhã e durmo 11 da noite. Tudo na minha vida é controlado pelo relógio. Eu
não consigo pensar em tempo de uma forma subjetiva, por exemplo, assim, tempo, só consigo pensar mesmo
nisso aqui, só no objeto mesmo. (Egressa 11, 2018)
O tempo que eu tenho do dia, o tempo que eu tenho à noite, o tempo que eu tenho pra acordar, pra chegar no
trabalho. Eu acho que é mais basicamente o que vem na cabeça a questão do relógio, do relógio, do dia seu ser
dividido em várias horas, que naquela hora você tem que fazer tal coisa, que você tem que almoçar dentro de
uma hora, e que daqui a pouco você tem... sempre tem uma hora certa pra começar as coisas da gente, né?
(Egressa 13, 2018)
Nas falas das egressas há muitos sinais ou indícios que possibilitam compreender uma
atuação profissional em que predomina um tempo exigente no sentido do preenchimento e da
necessidade da utilidade em especializá-lo. O relógio e a hora certa entram nas subjetividades
como instrumentos de domesticação e disciplina. Tal realidade é apresentada pela Egressa 9
(2018), ao esclarecer:
Disciplina é comigo mesmo. Eu tenho que estar me policiando quanto ao tempo de tudo. Você tem que
administrar o tempo. O tempo todo e estar conciliando o pessoal com o profissional, o tempo todo. Todos os
minutos na sala, „agora é isso, depois disso é isso e agora é o intervalo, eu vou usar pra eu ir ao banheiro. Aí
depois na hora do almoço, eu vou almoçar, nesse tempo eu posso estar fazendo isso‟. Aí termina, você volta pra
sala de aula. E tudo de novo. Você administrando o tempo.
A sensação é de se estar à frente do tempo para objetivá-lo dentro de uma concepção
disciplinadora tanto dos corpos, das mentes como das coisas. Diante disso, há uma
emergência de pensar e repensar um novo processo formador no qual essa racionalidade
técnica, muitas vezes reducionista, possa dialogar com epistemologias calcadas na
complexidade inerente ao ser-pessoa de modo contextualizado e relacional, que possivelmente
possa ajudar a lidar e até superar fissuras entre as relações sujeito/objeto ou ser e as coisas.
Se há uma negociação dos tempos, é porque há um nível de percepção de seu modo de
compreendê-lo, como fala a Egressa 16 (2018):
O meu tempo de atuação profissional, eu cobro ele muito linear, às vezes, porque eu penso assim, eu já me
formei vai fazer tanto tempo, então, eu já tinha que ter, eu já tinha que fazer, eu já tinha que ser ou... sabe?
Então, assim, às vezes, eu me cobro muito no sentido de... como se fosse uma escada. E hoje, conversando com
você, eu percebo que eu tenho subido essa escada, mas não do jeito que talvez eu pensava inicialmente, mas eu
já percorri muita coisa.
Considerando essas trajetórias, é inegável que haja um contexto mais amplo se
impondo nos contextos menores, urgindo a necessidade da produção ―denominada de
mesotempo pessoal do qual a pessoa deve se apossar, dar a si mesma para existir como meio
específico entre o biológico, o social e o cósmico‖ (PINEAU, 2003, p. 50). Reiteradamente,
observo essa reivindicação da necessidade de conjugar esses tempos para trabalhar, o que o
autor considera ser a difícil sincronização dos movimentos.
272
Avançamos para outro aspecto da educação-formação, há um entendimento que não
seja um consenso que o que está determinado nacionalmente para a Educação orientará o que
será assumido nos estados/municípios e, consequentemente, em cada núcleo de ensino, que é
a escola. E, nessa veia de conduções legais, há sempre uma política educacional que conforme
o contexto histórico social vem sendo calcada, ora em princípios de concepções pedagógicas
consideradas mais tradicionais, racionalistas e técnicas e, em outro, em tentativas de formular
concepções pedagógicas de compreensão de diversas áreas de estudos, estabelecendo, por
conseguinte, interfaces epistêmicas. De qualquer forma, elas alcançam a práxis profissional,
seja ela escolar ou não escolar, neste caso, da atuação da Pedagogia, como está assinalado na
fala da Egressa 10 (2018) ao expressar:
A forma que eu dei uma aula, que não deu certo, que eu quero fazer de outro jeito, que eu quero colocar isso,
que eu quero tirar aquilo. Então, eu vou fazendo essa dinâmica. Como eu falei pra senhora, cada ano a gente
passa, a gente... a gente aprende mais. Mas eu acho que eu aprendo mais ainda porque eu sou uma pessoa
muito curiosa e fico tentando casar as coisas da melhor forma... da melhor forma possível. E aí hoje, que nem
eu falei pra senhora, esse ano eu quero administrar bem certinho essa questão de orientação de secretaria, é
livro de Pnaic... livro de Pnaic, é isso, aquilo, é livro do MEC que vem pra você desenvolver, projeto da escola
que você tem que desenvolver. Então, você tem que... você tem que ser assim, viver naquela constante alerta de
tudo o que você precisa fazer e desenvolver [...].
O espaço-tempo de atuação da professora egressa suscita a necessidade de processos
intencionais e planejados, que possibilitem mudanças paradigmáticas em vista de um pensar-
agir de modo relacional com os processos de movimentos auto-hetero-eco-formadores
imprescindíveis ao nosso momento histórico-social, cultural do ser-pessoa não mecanizados.
Pois, o que a egressa chama de ―constante alerta de tudo‖, a meu ver, engessa os processos
subjetivos naturais que são observáveis só no solo da prática no olho a olho dos sujeitos em
relação. Há sensação de se estar metaforicamente engaiolada-presa no tempo chronos, como
disse a egressa:
Eu tento me planejar porque com essa vida corrida, você tem que meio que cronometrar, né? Tem o tempo de
trabalhar que você não tem como fugir, a gente tem os horários pra cumprir, né, chegar, sair, então, não tem
como fugir disso. (Egressa 30, 2018)
O que me traz à tona o pensamento sobre o tempo enquanto um elemento simbólico
social aprendido, que é compreendido em Elias (1998, p. 20), ao chamar a atenção dizendo
que:
O fato de os homens deverem e poderem se orientar em seu mundo adquirindo um
saber, e de, com isso, sua vida individual e coletiva depender totalmente da
aprendizagem de símbolos sociais, é uma das particularidades que diferenciam o ser
humano de todos os outros seres vivos. Ora, o tempo faz parte dos símbolos que os
homens são capazes de aprender e com os quais, em certa etapa da evolução da
sociedade, são obrigados a se familiarizar, como meios de orientação.
273
Ele nos diz isso por ser o tempo a decorrência de uma síntese aprendida e, esse, por
sua vez, exerce em nós uma coerção tal, que quando mencionei a gaiola, a egressa disse que
não tem como fugir. E essa análise simbólica se distancia cada vez mais das questões da
natureza, por colocarmos sua sincronização no automático.
Trazendo para a compreensão, em seus múltiplos aspectos, no ato de planejar precisa-
se saber lidar com as situações de incertezas e situações inesperadas que nem sempre podem
ser resolvidas em um plano racional de um sistema fechado. Mais uma vez, o controle
aparente do tempo chronos exige flexibilização dos processos:
É tudo muito corrido, né? Você começa em fevereiro, quando você percebe, já está terminando o primeiro
bimestre, e aí cada dia mais a gente tem mais funções, como professora, mais função, funções de lançamento de
aula, de relatório, de diagnóstico que você tem que fazer no final do mês. Você tem que cumprir o calendário
escolar. Você tem que cumprir o plano de curso, cumprir com todos os... como é que eu posso dizer? Com os
conteúdos que tem que ser aplicados naquele período, com o plano anual, com o plano bimestral [...]. (Egressa
13, 2018)
Nessa percepção das egressas, o tempo aparece de modos múltiplos, mas com forte
traço de um dado que se objetiva no mundo, ele se filia aos objetos da natureza, gerando um
paradoxo entre o tangível e intangível devido aos seus vários graus de relações, percepções e
apreensões no campo das experiências pessoais, sociais e profissionais. Essas compreensões
se constituem representações subjetivas que se cruzam e se enraízam na natureza humana:
O tempo parece ser muito pequeno dentro de tanto que a gente tem que fazer, e tudo que a gente... aí, às vezes,
você fala, „nossa, não deu tempo nem de fazer isso, já acabou o primeiro bimestre‟, aí final de mês tem
relatório. Aí final de mês tem diagnóstico. Final do bimestre tem relatório, tem sistema pra fechar. Muito
corrido, tudo muito corrido. E quem trabalha 40 horas, aí que não sobra tempo pra nada, sai de uma sala entra
na outra. (Egressa 13, 2018, grifo nosso)
Considerando essas falas, recorro a Ball (2001), que lembra que em diferentes
sociedades surgem novas tecnologias de políticas capazes de produzir e reproduzir novas
ferramentas de disciplina (novas práticas de trabalho e novas subjetividades de trabalhadores),
conduzindo os protagonistas para novos modos de regulação social e privada.
[...] eu fico desde a hora que eu acordo até a hora que eu vou dormir, assim, com a cabeça ocupada, e me falta
tempo, se eu não falar assim, „esse final de semana eu vou reservar pra mim‟, eu só trabalho e não faço mais
nada porque é muita coisa, ainda mais dentro da sala de aula, e aí eu trabalho os dois períodos, e o meu
intervalo de um período pro outro é uma hora só. Então, eu não consigo, tempo é o que me falta [...]. Eu vivo
correndo atrás do tempo. (Egressa 12, 2018)
A esse respeito, me apoio em Elias (1998, p. 97), que explicita que:
[...] as configurações móveis que servem para a determinação temporal dos
acontecimentos são transformadas pelos habitus sociais dos espectadores em
representações simbólicas de momentos puros do escoamento de um ‗tempo
imaterial‘. E este, segundo a expressão consagrada, parece ‗seguir seu curso‘,
independentemente de qualquer movimento físico e qualquer testemunho humano.
274
Vai-se aprendendo que por poder datar, marcar e candência o ‗tempo‘, posso estar na
hora certa, chegar antes dela ou me atrasar no tempo, sem considerar os marcadores como
quadros de referência da representação simbólica.
Por conseguinte, nesse cenário, há uma lógica produtivista e reprodutivista que é
negociada, e que surge como uma espécie de competição entre os sujeitos, grupos ou de
grupos, e que reproduz configurações sociais do tempo. Assim, as ações fracionam o tempo
em unidades de medidas a serem distribuídas. Por isso, o tempo começa a ‗faltar‘ ou se
‗esgotar‘. ―[...] classificações e graduações, introduzidas na competição entre grupos, podem
criar sentimentos individuais de orgulho, culpa, vergonha e inveja eles têm uma dimensão
(status) emocional, assim como racionalidade e objetividade‖ (BALL, 2002, p. 10-11).
Esse tensionamento de forças que se confrontam na realidade da prática pedagógica
aparece na fala da Egressa 10 (2018):
É como se alguém superior desse uma ordem pra senhora, pra você, aí chega outra pessoa aí te dá uma segunda
ordem, e aí vem outra pessoa e te dá uma segunda ordem, aí você fica atolado de coisas pra você fazer e você
não sabe bem ao certo quem você atende, como você atende. Mas eu estou desvendando. Em nome de Jesus, eu
vou conseguir, porque eu sou superexigente comigo mesmo. Então, frustração vem de monte em mim quando eu
não consigo.
Frequentemente, a incerteza da condução da ação interfere na reflexão e,
consequentemente, na ressignificação dela. Em alguns casos, realmente há um desvendar, tirar
a venda, pois o que se exige produzir da e na prática não coaduna com o processo real. Nessa
arena de disputas, as forças impositivas do imperativo de indicadores querem aferir resultados
que dizem respeito às práticas educacionais e o desempenho dos estudantes. Essas forças
buscam estabelecer-se como válidas e legítimas. Todavia, a realidade é dispare, o que pode
possibilitar movimentos de recontextualização de valores pessoais, culturais e sociais
diversos, mesmo diante das orientações hegemônicas, em que as tecituras de novas
interpretações possam ajudar a reestruturar políticas humanizadoras mais engajadas na
sociedade, e de igual modo, que possam orientar a melhoria dos resultados do conjunto do
sistema de ensino. Diante desses contextos, Ball (2002, p. 09) lembra que:
A questão não é a da possível certeza de se ser sempre visto, observado como num
‗panóptico‘. A questão é a incerteza e instabilidade de se ser julgado de diferentes
maneiras, por diferentes meios, através de diferentes agentes e agências e a
exigência de termos de mostrar desempenhos excelentes, ou pelo menos credíveis,
coletiva ou individualmente, em momentos de revisão, avaliação/apreciação e
inspeção. É o fluxo de exigências em mudança, expectativas e indicadores que nos
torna continuamente responsáveis e constantemente observados.
Essa preocupação apresentada pelo referido autor é uma realidade constante na vida
das egressas, estejam elas diretamente na sala de aula, na gestão escolar, em condução de
275
formações continuadas ou em outros espaços de atuação da Pedagogia. O que se espera é um
resultado do ponto de vista avaliável aceitável. Por isso, em várias biotecituras, observei um
‗estado de vigia‘, como destaco ao trazer a colocação da Egressa 12 (2018, grifo nosso), ao
dizer que:
[...] no início, o ano passado, era tanta cobrança que eu recebia que eu ficava sempre com a sensação de que eu
não tava dando conta do meu trabalho, de que eu não tava fazendo as coisas direito. E isso é horrível porque
você tá trabalhando, tá se dedicando e sempre tem uma cobrança a mais. Então, você fala, „poxa, tudo que eu tô
fazendo não tá tendo resultado nenhum? Não é possível que toda dedicação que eu tenho não tá tendo nenhum
resultado. Será que eu tô...?‟. Você começa a se sentir meio que um lixo assim [...]. Porque eu não gosto de
trabalhar com a sensação de que eu não tô dando conta do recado. Eu detesto ter a sensação de que eu tô
falhando em alguma coisa. E aí no meu trabalho, que é o que eu tô dedicando a minha vida, eu não tá
atingindo o resultado esperado, o objetivo esperado, isso é muito desmotivante.
Diante dessa colocação da egressa, entendo que há uma política da eficiência sempre
orientada para um resultado que você pode sempre ir além, como se tivéssemos uma régua
horizontal que tende a atingir um ponto vertical imaginário, o qual nunca se alcança a
contenda, pois não há consenso. E para Ball (2010), há um discurso de poder, no qual se
discutem os campos das resistências e das acomodações, emergindo na educação uma nova
forma de regulação que produz e reproduz novas formas de gestão e relações nas
organizações. A esse respeito, o autor destaca que:
O ato de ensinar e a subjetividade do professor estão ambos profundamente
alterados dentro desta nova visão de gestão (de qualidade e excelência) e das novas
formas de controlo empresarial (através do marketing e da competição). Dois
efeitos, aparentemente em conflito, são conseguidos; um aumento da
individualização, incluindo a destruição de solidariedades baseadas numa identidade
profissional comum, e a filiação em sindicatos, contra a construção de novas formas
institucionais de filiação e ‗comunidade‘, baseada numa cultura de empresa. Isto
envolve o ‗retrabalhar‘ das relações entre o comprometimento e empenhamento
individuais e a ação na organização [...]. (BALL, 2002, p. 09)
Mesmo considerando a educação em seu espaço público, os seus atores, os
profissionais docentes, têm suas atuações e formações em um nível que caracteriza a
instituições privadas a partir dos moldes empresariais. Nesse aspecto, a performatividade vem
conquistando espaço e adeptos, pois há uma busca por excelência, em que o indivíduo, para
ser aceito, visto e considerado, precisa competir entre seus pares. Abandona-se, com isso, um
projeto de uma sociedade em formação, difundindo-se ou fundindo-se em pequenos grupos ou
ainda, resumindo em indivíduos solitários, sem sua representatividade profissional coletiva,
tornando-se um profissional comum.
Ainda, o que é mais assolador, para autor em questão, é que nem sempre é muito claro
o que se espera dos professores diante de uma variação de questões que povoam a regulação
das necessidades do mercado educacional. Aqui caberia pensar a ausência da discussão de um
276
projeto de educação dentro de uma política que se diz de estado, mas que, ao contrário, é
regida por regimes totalitários.
Tendo por referência essa instabilidade no discurso da política de educação e da
formação de professores, há um esvaziamento de sentidos e processos humanos do ser
professor como sendo ele mesmo o protagonista de seus aprendizados, consequentemente, há
uma desconstrução social subjetiva de sua autoformação.
A esse sentido, García (1999), em suas trajetórias de estudos da formação, me ajudou
a pensar a formação de professores dentro de uma necessidade de entendê-la em um contexto
de trabalho com outros professores dentro de uma equipe, pois considerando cada realidade,
há de se pensar estilos de formações próprias de cada grupo.
Ainda, García (2009, p. 86) nos esclarece que ―[...] converter-se em professor se
constitui num processo complexo, que se caracteriza por sua natureza multidimensional,
idiossincrática e contextual‖, o que, a meu entender, se vincula diretamente com a formação
permanente e o combate e ressignificação dos tempos performáticos e esquizocrônicos.
Nas análises construídas até aqui, compreendo questões que englobam a história
pessoal em disputas entre temporalidades diversas que corroboram em produzir implicações
nos tempos que se imbricam no desenvolvimento humano-profissional. Isso configura um
permanente ringue de disputas e conflitos entre os tempos sociais hegemônicos e pessoais
implicados na constituição do humano.
Diante disso, Pineau (2003, p. 55-56) me ajuda a compreender que:
Esta fragmentação e esta desagregação impedem compreender e utilizar esta relação
como relação chave que permite reforçar a dimensão educativa destas diferentes
tentativas de controlar o tempo e vê-las como elementos importantes de um
movimento cronoformador coma amplitude da esquizocronia combatida
Encontro em Pineau (2003) ressonância em tomar tempos no plural, defender a
existência de tempos formadores. Assumo, com o autor, a concepção de pensar a
cronoformação como uma experiência vivida e organizada nas etapas das formações humanas
e profissionais, tendo o tempo como formador. Em virtude disso, compreendo que ele ―deixa
de ser unicamente um objeto transcendental, apanágio de especulações filosóficas
arrebatadas‖ (PINEAU, 2003, p. 15). Ele passa a se correlacionar e cocriar com o ser como
processo de formação permanente. O tempo humano serve como objeto de formação
permanente onde os diversos momentos da vida caracterizam-se como percursos formativos.
Com isso, busca-se ―libertar de um cronocentrismo unidimensional e unidirecional encerrando
os comportamentos e as conceitualizações dentro de um sentido homogêneo e irreversível‖
(PINEAU, 2003, p. 56).
277
Ora, para esses movimentos de fios humanos do sentir-se a si mesmo como tecelão de
sua vida, Pineau (2003, p. 211) diz ―que para o sujeito identificado com a própria vida, trata-
se de um movimento de autorreferenciação, onde ele passa a ser objeto. É um movimento
autodiferenciador de desidentificação, por dobrar-se reflexivo e desdobrar-se narrativo‖.
No movimento dos tempos-formativos pessoais e sociais, podem acontecer a
imposições de tempos intensos e tensos de hetero-formação como totalidade da formação. Por
isso, assumo, com Pineau (2003), a busca nas biotecituras de delinear no sentido de fios novos
(novos conhecimentos), de um novo tempo neocultural de auto-ecoformação, que faz da
formação um processo permanente. O que corrobora entender que a formação, para ser
compreendida como função da evolução humana, para ―[...] transformar tudo em formação
permanente implica transformar a formação‖. (PINEAU, 2003, p. 164). E os empates nas
fronteiras (PINEAU, 2003) como um mito revolucionário na educação permanente dos
tempos, é a apropriação dos tempos pessoais e sociais.
A intensificação dos ritmos de vida e trabalho aparece como uma característica de um
traço comum nas falas das egressas e essas intensidades e extensões que se instalam na vida
pessoal forjam outras formas de dominação e controle das subjetividades diversas. Diante
desse signo do chronos que se impõe, considero que o caminho para a formação permanente,
para a autonomia corresponsável pressupõe uma apropriação crítica de seu próprio tempo e
habitá-lo, construindo sentido para vida pessoal e profissional, constituindo uma racionalidade
aberta/diversa que considera e valoriza a ontologia do ser-pessoa em mudança e em evolução
permanente.
Nessa perspectiva, a experiência do outro, no caso, das egressas, passa a ser educativa,
socioeducativa e formadora entre seus pares, o que requer pensar a construção do
conhecimento científico em suas bases.
278
CONSIDERAÇÕES FINAIS: FIOS DE ENTREMEIOS
Para este trabalho, decidi construir todo o movimento da pesquisa
correlacionando-a nos fios do aguayo, tecido multicolorido que é a expressão
cultural e identitária da constituição da vida do povo andino. Foi nessa perspectiva
que busquei inspirações considerando a construção dos processos de formação que
abarcam a vida pessoal e profissional do docente egresso do curso de Pedagogia,
sendo que tal processo é enraizado nas coisas da vida, tal qual esse tecido que teve
seus fios estendidos nos teares artesanais e manuseados por tecelãs.
Elegi a fiação da tecitura de seus fios em todas as etapas desta pesquisa
para finalmente serem tensionados no movimento das dimensões nas biotecituras
das egressas do curso de Pedagogia da UFMT, pertencentes às turmas
concluintes nos anos de 2009 e 2013.
Ao chegar nas considerações deste trabalho, assumo trazer para o texto as
egressas, referindo-me a elas como professoras, pois é o que são as 30
colaboradoras desta pesquisa. Esse olhar me permite situá-las ora no curso, ora
em suas atuações profissionais. Já os excertos foram apresentados no corpo do
trabalho respeitando o que foi decidido, que foi nomeá-las como ―Egressa‖.
No tocante ao tecido aguayo, doravante se constitui os fios e as tramas
desse grupo de professoras tecelãs de si-mesmas nos processos humanos e
profissionais de suas formações. Agora, a cultura guardada ressignificada nesses
fios que teceram novos aguayos experienciais humanos anunciam as construções
e reconstruções forjadas nos processos formativos da Pedagogia e seus
inacabamentos.
A jornada de estudos para a pesquisa assumiu a formação inicial e
permanente como constitutivos do processo de desenvolvimento profissional,
que acontecem de modo entrelaçado e aberto, com várias dimensões permeadas
por tempos e temporalidades, que comunicam a presença dos movimentos auto-
hetero- e-ecoformativos, que estão intrinsecamente imbricados.
279
A formação é assumida como permanente por estar tecida em tempos plurais,
biológicos, físicos, culturais, sociais e profissionais. Concordo com Pineau (2003, p. 145),
quando enfatiza que o conhecimento ―dos tempos pessoais ainda está quase isolado como
objeto de conhecimento‖, e que é entrelaçado por múltiplas temporalidades que implicam e
imbricam com a formação humana. O autor referido nos provoca a pensar em novos tempos
educativos observando a formação permanente no decurso da vida. Há um entendimento que
existem tempos plurais que precisam ser conjugados, sendo que ―é importante conjugá-los na
1ª pessoa do singular [...] essa competência não é inata e seu aprendizado não se interrompe
na conjugação dos verbos na escola‖ (PINEAU (2003, p. 149). Essa concordância dos tempos
plurais é um exigente aprendizado que avança em todas as fases da vida, atravessa a idade
escolar e por isso mesmo, se torna um aprendizado permanente na base da construção dos
deveres pessoais e socioculturais.
Ao retomar o objetivo central desta pesquisa, que é ―compreender as implicações de
tempo e da temporalidade na tecitura e ressignificação da formação profissional de egressos
de um curso de Licenciatura em Pedagogia, examinando o seu constituir-se profissionalmente
para além do tempo e temporalidades hegemônicas que venham a condicionar seu trabalho‖,
observei que essas implicações aparecem nos relatos das professoras desde a dimensão
pessoal e se estendem à vida profissional. Além disso, de muitos modos, percebi que as
professoras têm a compreensão desses tempos múltiplos que atravessam suas experiências
nessas dimensões e a conciliação ou reconciliação desses tempos é um difícil exercício, tanto
humano quanto profissional, como me contou a professora ao dizer, inicialmente, que o
tempo:
É uma medida, penso eu, mas é uma medida que eu não gosto de me encaixar nela porque eu prefiro viver
assim, como se... uma atemporalidade, digamos, se pudesse existir isso. Nós somos constituídos de toda uma
história, de uma trajetória, e essa trajetória é que não deixa o tempo fixo, penso eu. Eu tentei falar da minha
trajetória, desde a faculdade até hoje, de uma forma linear, até pra me organizar o pensamento aqui. (Egressa
16, 2018)
Considerando as contribuições de Pineau (2003), frente à formação, ao tempo e ainda,
em atenção a essa fala da professora, ao me debruçar nas biotecituras, elas indicaram-me, que
as professoras estabelecem uma relação quase que visceral entre sua formação pessoal, inicial
e permanente. Esses movimentos parecem associados, interagem e orientam o modo como as
professoras atuam, sendo que as necessidades decorrentes dessa atuação apresentam as
lacunas, limitações e fragilidades, tanto da formação inicial como da permanente. É nesse
diálogo compreensivo que elas se potencializam e ressignificam seus modos de atuação
enquanto ser pessoa e ser profissional.
280
Nas biotecituras das professoras, as três dimensões tratadas nesta pesquisa são
compreendidas na perspectiva da formação profissional docente. O processo de
desenvolvimento profissional dessas professoras é uma expressão da apropriação do vivido
com predominância da autoformação, a qual assume um caráter pessoal e coletivo no
processo de mudanças e evoluções formativas pessoais e sociais. Como a formação
profissional por ela mesma já supõe processos, os quais não são únicos, mas diversos ao
longo do percurso da vida, a mudança no sentido pessoal e profissional do ser docente, a meu
ver, é uma construção de compreensões conforme a consciência de si mesma que cada
professora vai construindo em seu processo formativo.
No que se refere à mudança, ela será observada e assumida segundo cada nível de
percepção e de realidade delas. Nesse viés de constitutivos formativos considerando as três
dimensões tensionadas nesta pesquisa, compreendi a permeação de múltiplos tempos e
temporalidades individuais e sociais tecendo formações. São os tempos dos alunos, das
professoras, de seus pares, de seus familiares, do sistema educacional e do próprio ambiente
físico natural. Os estudos feitos, tendo presentes esses tempos/temporalidades, me ajudaram a
compreender que as vivências relatadas em forma de biotecituras para fiação do aguayo vão
se organizando e produzindo sentidos e significados nas experiências pessoais e profissionais
das professoras de modo reconstrutivo, porque, a meu ver, vinculam-se às mudanças tanto no
aspecto pessoal como profissional dentro de processos de autoconsciência de si e dos outros.
Quanto maior consciência de si para si, dos outros (hetero) e do mundo, observo
despontar nas falas e trajetórias dessas professoras a busca por compreender os tempos de
modo mais qualitativo e subjetivo, em que a vida, em toda sua extensão, se coloca em
formação permanente. A esse respeito, ao dialogar com Pineau (2006; 2003), tendo em conta
as biotecituras, percebo nelas o potencial transformador humano-profissional, e nelas enxergo
a busca de construir sentidos a partir do tempo vivido, das experiências, das relações com os
outros e com as coisas, como energia mobilizadora de um poder vital de produzir a vida e a
formação e de ― apropriar-se do seu poder de formação‖ (PINEAU 2003, p. 117). Avançando
um pouco mais, compreendi, a partir do autor, que:
O tempo diz respeito em primeiro lugar a todo poder que só se torna e permanece tal
se conseguir ordenar e subordinar os múltiplos tempos dos outros ao seu próprio.
[...] a história do tempo, é a história dos tempos que é feita de sua relação pelo
ângulo do domínio de um tempo oficial sobre os outros. Domínio que se exerce pela
imposição de um sentido –significado e direção –e de uma medida para contabilizar
(irreversibilidade) e trocar (reversibilidade), mas também contra a desmedida. [...]
Existe, portanto, uma ligação muito forte entre medida do tempo e ordem social,
mas também entre mudança de medida e mudança social. (PINEAU, 2003, p. 67-68)
281
Observo que Pineau (2003) já alertava sobre a presença de tempos oficiais
reguladores, sem negociação com os outros tempos subjetivos por se apresentar como sendo
homogêneo e irreversível. Diante dessa constatação, quando volto o olhar para o contexto
formativo, o que não pode ser desconsiderado frente à compreensão de formação profissional
é a presença de tempos performáticos, esquizocrônicos e o kairótico em negociação, mediante
ritmos acelerados em busca de mudança que coloque em diálogo esses tempos, sem que um
esteja subordinado ao outro de modo a não considerá-lo como válido. As falas das
colaboradoras da pesquisa trouxeram esse duelo em questão como uma arena viva de
resistência e enfrentamentos. O desafio é imposto de fora para dentro, muitas vezes,
desconsiderando as subjetividades com suas ontologias. O processo formador se torna mais
exigente, pois precisam aprender a conciliar múltiplos tempos que atravessam a atuação da
Pedagogia descontinuando-o e desconstruindo o sentido do tempo, como cronoformador que
constrói e desconstrói no cotidiano da existência de cada ser pessoa, sua percepção de si, do
outro e das coisas como ―a assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. A
esse sentido, a perspectiva de relações humanas perpassa a compreensão da ―outreidade‖ do
―não eu‖, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu‖‖ (FREIRE, 1997, p. 46).
Nessa mesma direção de compreensão, Passos (2019)40
lembra que ―a educação não é
uma aquisição dominada. Ela é a outreidade do mundo em sua criação responsiva até o fim
conosco, em expressividade sem termo, como ‗relação eu-outro-mundo‘‖. Há necessidade de
apropriação dos processos da autoformação por parte das professoras. Essa apropriação de si
mesmas possibilita a (re)construção de olhares sobre o vivido que, por sua natureza, reforça
essa apropriação de si enquanto protagonista de sua formação, sendo que se integram nessa
relação ação, os outros seres humanos em formação com seus ritmos, biorritimos e ―arritmias‖
pessoais em seus ambientes físicos e socioculturais. Esse movimento pessoal e coletivo do
formar-se a si mesmo possibilita às professoras construírem novos movimentos epistêmicos
pessoais, sociais, estéticos, éticos, políticos e educacionais.
A produção não é somente intelectual, social e humana. E isso tudo, e, também, a
autoprodução do tempo próprio para com ele combater o cronocentrismo hegemônico social
com poder de referência para agir sobre a vida, a vida como ela própria se apresenta.
A Pedagogia não se constituiu somente como um curso superior dentro de uma
extensão do tempo. Ela possibilitou múltiplas compreensões de si frente aos outros, em uma
40
Observação de Passos (2019) no parecer de qualificação.
282
consciência que esses tempos se se cruzam, e, nesse outro que não sou eu, reconheço a
formação como mudança. Nesse excerto, consigo compreender essa percepção de si:
[...] a Pedagogia me fez ser mais humana do que eu era, eu vejo dessa maneira, ser mais humana, compreender
o outro, entender que a mudança do outro depende de mim porque muitas vezes nós queremos essa mudança do
outro, mas é a partir de mim porque quando eu mudo o outro também muda. E eu falo isso muito pros meus
alunos, eu costumo dizer pra eles “o respeito é a base de tudo”, mas não é o respeito pelo outro, mas é o
respeito por mim mesmo. (Egresso 30, 2018)
Entender essas percepções das professoras, tanto diante da formação profissional
como do tempo-temporalidade, foi possível, a meu ver, porque como elas, fiz o percurso de
formação inicial na Pedagogia dentro da mesma instituição. E, com o relato de algumas
egressas, me identifiquei um pouco mais, pois antes de concluir o curso de Pedagogia, por ter
feito o Magistério, já havia me deparado com a realidade de uma coordenação pedagógica
escolar. Posteriormente, fui atuar em sala de aula e, com o término do curso de graduação,
busquei especializações na área de atuação. Passei a atuar na formação de professores na
instituição onde trabalhava e com início do Mestrado em Educação, houve a oportunidade de
atuação nas licenciaturas como professora substituta. Embora meu processo de formação
profissional tenha tomado caminhos formativos diferentes, ao ouvir as biotecituras das
professoras, me sentia uma delas. Conseguia me ver no lugar delas, mas respeitei esse lugar, o
qual se constituiu como um ponto-farol das minhas observações. Entendo que jamais poderei
deixar eu mesma, e é esta dimensão que dá ao meu ―corpo-mundo‖, um olhar que sempre será
de meu corpo próprio, que só eu poderei vê-las assim, como parte de mim mesma, por estar
em comunhão sinestésica com essas temporalidades que a mim se apresentaram.
Entendo que pude escrever esta pesquisa e compreender o que as professoras estavam
dizendo, porque, de algum modo, percorri e estou percorrendo como docente, trilhas e veredas
em vista da formação permanente. Pude ouvi-las, em conexão e comunhão, de forma singular
e pessoal, uma a uma, contando-me de si. Não era para elas alguém simplesmente que estava
entrevistando-as, gravando suas falas, mas alguém que conseguia dialogar do lugar no qual
elas se encontravam. Havia uma outra temporalidade em síntese, os tempos meus, mais de
uma década de vivências, que se confundiam nos tempos delas, como se fosse um mesmo
tempo aberto e convulsivo. O que me fez pensar que ―[...] por meu campo perceptivo com
seus horizontes temporais, estou presente ao meu presente, a todo o passado que o precedeu e
a um futuro (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 443) e esse estar presente é possível, pois eu me
coloco novamente na experiência do vivido. Compreendo-o esse movimento como o faz o
referido autor, pois ―é vindo ao presente que um momento do tempo adquire a individualidade
indelével, o "de uma vez por todas" que lhe permitirão em seguida atravessar o tempo e nos
283
darão a ilusão da eternidade‖. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 568). Nessa sensação de
eternidade é que descubro as possibilidades das sínteses desses tempos que atravessaram a
mim e a nós em forma de aprendizagens de si mesmos. E a síntese perceptível que faço é que
sou eu mesma, como ser-pessoa, um ser em formação permanente.
Ao analisar de modo contextual e reflexivo a formação profissional desse grupo de
professoras, não trabalhei com verdades absolutas ou percepções de concepções fechadas de
um puro idealismo. Por isso, não é possível construir uma análise das biotecituras por meio de
esquemas, estilizações, comparações, prescrições e determinações. Cada uma delas traz
elementos que podem ser novamente tensionados a depender de onde essa leitura vir a ser
feita. A formação profissional envolve o ser pessoa por inteiro como sendo ela mesma uma
tecelã em grande parte consciente de seu próprio pensar e agir profissional, pois considero que
há espaços de atuação da Pedagogia como contextos privilegiados para a pesquisa, que há
formação e que há proposições que são impulsionadoras de políticas educacionais. E há
encontros uníricos sob forma de insights que se apresentaram a mim, que nunca me
abandonarão e que continuarão em mim, que com o tempo, novas descobertas lugares,
espaços e alhures deverei visitar, pois elas sempre existirão e assaltar-me-ão como portais e
recortes fecundos encharcados de vida e de experiências construídas na formação na
Pedagogia.
Com a ampliação da área de atuação da Pedagogia orientada pelas DCNs (2006), os
cursos foram reformulados, o entendimento da ação-intervenção pedagógica atravessou os
muros das escolas, o que consequentemente ainda atualmente requer a recontextualização do
currículo para que haja maior aproximação e consideração da relação dos campos de atuação
da Pedagogia, como espaços/tempos oportunos com sentido vigoroso kairótico de pensar e
repensar a formação de produções acadêmicas científicas, tendo em vista as pessoas, suas
temporalidades e as realidades concretas que os envolvem.
Nas biotecituras nas fendas justapostas entrelaçadas, observei a satisfação das
professoras ao se reportarem à ampliação da área de atuação da Pedagogia como um cenário
de novas possibilidades para a Pedagogia contribuir com outros espaços formais e não formais
de aprendizados humanos. Observando os dois períodos de formação, o primeiro grupo delas
fez parte da fase de transição de uma proposta curricular para outra. Por isso, trouxeram, em
suas falas, algumas angústias, descontentamentos e esperanças frente às mudanças. Isso em
razão de precisarem acomodar essa nova proposta dentro do tempo de um curso que estava
em transcurso sem ampliar esse tempo dentro do próprio turno de aula. Tiveram que ir para
284
um contraturno em uma jornada maior de carga horária, diante de uma epistemologia diversa
que estava sendo incorporada ao novo currículo.
Para algumas professoras entrevistadas, essa experiência foi muito intensa em termos
de conteúdos e responsabilidades/atribuições novas à Pedagogia, ainda com pouco espaço
para discussão, leituras, releituras e aprofundamentos em temáticas que iriam persegui-las por
uma vida toda. A esse respeito, a Egressa 8 (2018) comentou ―[...] eu lembro que um dia a
gente se rebelou, porque a gente não queria mais, porque cada hora... cada ano que a gente
entrava era algo mais [...]‖. Mesmo com essas situações vividas no curso, as professoras
avaliaram positivamente as reformulações e o avanço de abrangência do currículo do curso.
O segundo grupo de professoras colaboradoras desta pesquisa encontrou o que foi
reformulado quando iniciaram seus estudos. A entrada não se deu pelo vestibular unificado,
mas via ENEM e SISU. Muitas delas não tiveram a Pedagogia como sua primeira escolha de
curso superior, ou escolheram porque já tinham o Magistério, como expressou a Egressa 13
(2018):
[...] „vou pra Pedagogia, já tenho o Magistério, acho que é alguma coisa que eu conseguiria fazer, não pensei
muito assim não, foi bem assim muito rápido pra eu pensar. E fui, fiz e consegui. E no que eu consegui eu
também não quis pensar em outra coisa, dizer, “ah, não era isso que eu realmente que eu quero. Eu consegui
(acesso) a federal e vou fazer‟, e fui!
Algumas que se descobriram dentro do curso vieram atraídas por ser um curso federal.
Outras nem sabiam de que o curso se tratava. Chegaram cativadas pela fama da
empregabilidade mais rápida e pelo número de vagas ofertadas diante do número de
concorrentes. Outras, por escolha e identificação desde a formação na Educação Básica.
Havia um sentimento de espanto de várias delas ao saber que o curso iria ajudá-las a se
formar profissionalmente. Também povoaram as falas das professoras sentimentos de medo,
desespero, curiosidade e esperanças. Algumas professoras ficaram no curso inicialmente para
ver de que se tratava aquela graduação, e se gostassem, iriam continuar. Nos relatos, disseram
que ficaram no curso uma semana, um mês, um ano, e logo, quatro anos se passaram.
Algumas descobertas foram decisivas para o processo, como expressou a Egressa 30 (2018),
ao compreender a extensão do curso na própria vida, quando contou que:
Pedagogia pra mim na minha vida foi... eu vou dizer até mudança de concepções, quebra de paradigmas porque
o curso ele me possibilitou eu mudar alguns conceitos, né? Até inclusive eu falo pras minhas filhas “eu queria
ter tido vocês hoje, após a minha formação”, não que eu me arrependa de ter sido a mãe que eu fui, mas muita
coisa poderia ter sido diferente, porque o conhecimento da gente... a sua mente abre pro conhecimento, né? E
algumas coisas, vamos dizer assim, errôneas que você fez lá atrás por ignorância, por não ter esse
conhecimento.
285
Nas falas de todas, de modo mais profundo ou singular, o curso foi o marco diferencial
da vida. Achavam que estavam ali para aprender a ensinar, mas descobriram que muito
aprenderam para si e de si mesmo. O curso, com suas várias nuances quanto ao ensino, as
desafiou a aprenderem sobre si e para si, para poderem ensinar alguma coisa a alguém.
A formação da Pedagogia entra nesse processo vivo e vivido das professoras e se faz um
divisor de águas, para as trinta professoras, as quais o valida como seus testemunhos.
Disseram que conseguiram trazê-lo ou fazê-lo em consonância com a vida, seu
cotidiano, e que, pouco a pouco, definitivamente sofreram mudanças percebidas e sentidas
nos processos de relação diversas com seus próprios filhos, consigo mesmas e com muitos
outros (heteros). Advindo desse processo, surgiram novas compreensões didático-
pedagógicas, e ainda disseram que aprenderam coisas da vida que não aprenderam antes do
curso. Sentiram a força e a coerência do que estavam aprendendo. Sentiram as dificuldades do
e no processo. Sofreram com os contratempos das mudanças no decorrer do processo
formativo.
As biotecituras possibilitaram compreender que as experiências das professoras no
sentido da formação profissional aconteceram e acontecem de modo continuum, de forma
misturada com as coisas da vida pessoal e profissional. Ao ressignificarem suas práticas em
sala de aula, decorrem de outras compreensões, reflexões e mudanças que vão acontecendo
em um todo maior que está inter-relacionado. Desse modo, o crescimento humano pessoal
reflete também aos contextos sociais, educacionais e culturais. Para as professoras, a base
desse pensamento tem suas raízes nos estudos realizados no curso de Pedagogia como
formação inicial, o qual vai se intensificando com e na prática, como relatou a Egressa 24
(2018):
[...] com a prática, hoje eu sei que se eu não tivesse passado por aqui, pela Pedagogia, se eu não tivesse feito
essa formação, essas outras experiências que eu tive também, não tem como você ter uma formação assim tão
completa. Eu falo que a nossa formação aqui ela é completa, porque eu vejo essas outras faculdades, esses
outros... não querendo recriminar, mas eu vejo que se a da gente, que é uma formação que exige tanta leitura,
tanto conhecimento, tanto buscar, às vezes você ainda tem que... fica com dificuldade, imagina aquelas outras
que não têm esses amparos, porque os professores daqui... a gente tinha na sala de aulas muitos exemplos, eles
faziam a gente buscar também exemplo, apesar de não estar na prática, de não estar atuando, a gente buscava
bastante exemplo da prática pra fazer o processo de uma coisa e de outra, pra aprender o concreto mesmo, pra
aprender com exatidão tudo. Eu acho que a Pedagogia pra mim é isso, é a nossa formação, é essa construção, é
ser professora.
Esse campo maior de atuação da Pedagogia vai sendo entendido e assumido após o
curso com o exercício da docência e das necessidades decorrentes dessa atuação. Há
entendimentos por parte das professoras que a Pedagogia rompe com as fronteiras da sala de
aula e da escola em termos formais de atuação, principalmente extrapolando o próprio espaço
286
da escola que circunscreve a sala de aula como lócus da docência, já que a escola também se
torna um espaço-tempo de possibilidades de aprendizados diversos. Esse lugar de atuação
passa a ser problematizador das questões que envolvem o ensino, as relações sociais,
culturais, educacionais e as políticas educacionais, sendo ele escolar ou não escolar.
Esses contextos de atuação são concebidos não como fixos e nem sistemas fechados,
uma vez que abrangem esferas cada vez mais amplas da educação formal e não-formal e
extrapolam questões limitadoras que separam a escola e a sociedade.
Dentro dessa concepção de entendimentos e mudança, percebo como as professoras
passam a conceber a sua própria formação profissional, nas múltiplas relações que vão
estabelecendo com seu ser pessoa, com as coisas e com os outros, pois aprendem e ensinam,
tanto nas formações formais como naquelas não formais.
É nessa análise compreensiva que destaco o atravessamento de tempos e
temporalidades na formação permanente e saliento o desafio de conciliações entre o chronos e
o kairós, pois os percebo em constantes conflitos e disputas. Com essas temporalidades
múltiplas, teço este aguayo simbólico que estampa, nas entrelinhas deste trabalho, a formação
do profissional docente observada e temporalizada pela perspectiva das professoras
intercruzada pelas minhas percepções.
O aguayo que se constrói traz em suas multicores as nuances que me ajudaram a
entender, as multi-e-pluri tramas da formação do profissional docente. Na composição das
biotecituras sobressaiu que há uma afirmatividade ao correlacionar a formação inicial na
Pedagogia com a processos pessoais, que em muitos momentos desse processo, as 30
professoras testemunharam que o curso se fez e se faz um divisor de águas via
conhecimentos, ele oportunizou a elas a emancipação feminina. São aprendizados que
concebo como movimento de tempos novos revolucionários, como um kairós fundamental na
derrota do patriarcalismo e a afirmação reiterada do protagonismo do ser mulher, mãe, esposa,
cidadã e profissional docente.
O aguayo tecido em tempos e temporalidades plurais, nas experiências e vivências
desse grupo de professores conta-nos como as professoras aprendem e reaprendem a lidar
com o tempo chronos, muitas vezes conflitante com as suas temporalidades pessoais e
profissionais. Nesse aspecto do aprendizado e da experiência, reitero Pineau (2003), quando
ressalta o poder da formação quando assumido nas dimensões e nas extensões da vida
conjugando os múltiplos tempos como cronoformador.
Diante dessa abordagem compreensiva, me desafio a inferir que a cronoformação
concebida por Pineau (2003) insere-se nas perspectivas atuais sobre a formação continuada
287
dos professores, pois a ―além de se apoiar em novas temporalidades, a cronoformação teria
como objeto a formação de tempo pessoal, tanto de tempo cotidiano, como um dia, quanto de
tempos mais longos, como fases de vida ou uma vida‖ (PINEAU, 2003, p. 16), o que me
possibilita dizer sobre a urgência da desalienação e descoisificação das temporalidades
humanas das professoras, as quais exigem novos sincronizadores, em cujas histórias de vida
das professoras sejam compreendidos nos currículos, tanto da formação inicial como da
formação permanente não como algo improvisado, mas oportunizado como comunicação
ativa para que elas próprias se reconheçam como protagonistas em vista de sua
autonomização. Para essa perspectiva, me apoio em Nóvoa (2009, p. 38), que sustenta que:
A formação de professores deve dedicar uma atenção especial às dimensões pessoais
da profissão docente, trabalhando essa capacidade de relação e de comunicação que
define o tacto pedagógico. Ao longo dos últimos anos, temos dito (e repetido) que o
professor é a pessoa, e que a pessoa é o professor. Que é impossível separar as
dimensões pessoais e profissionais. Que ensinamos aquilo que somos e que, naquilo
que somos, se encontra muito daquilo que ensinamos. Que importa, por isso, que os
professores se preparem para um trabalho sobre si próprios, para um trabalho de
autorreflexão e de autoanálise.
Em suma, a cultivar uma consciência aberta e crítica para uma temporalidade que
sempre está se fazendo e se refazendo, e que nos convida a estudos, revisão, avaliação e à
ousadia em busca dos ―inéditos viáveis‖, parafraseando Paulo Freire, pois cada situação exige
novas ações que não paralisam o curso das estórias de todos e todas nós.
Sigo dizendo: como não incluir na formação e, portanto, na proposta curricular, a vida
do ser pessoa em formação? Pois muito daquilo que somos se coloca na frente como base de
aprendizado de si e de ensino para os outros. Nessa mesma direção, Pineau (2003, p. 198)
esclarece que:
As pessoas em formação utilizam sua história de vida para viver. Tentam fazê-la ou
refazê-la a partir da experiência, utilizando-a não apenas no sentido cognitivo, mas
também no conotativo, quase operatório de aprender, de pôr em conjunto, em
sentido, em forma de elementos, pedaços de outra maneira dispersos, fragmentados.
O autor em questão chama atenção para a formação profissional como possibilidade de
unir compreensivamente os aprendizados da vida dentro de um conjunto significativo, no qual
o ser-pessoa em formação, quando tem sua história pessoal considerada, consegue construir
ou reconstruir a si mesmo em suas próprias experiências de modo ressignificado e integrado
com a vida e a formação. Esse estado nascente traz o saber decisivo da realização profissional,
que não se coaduna com a repetição.
De igual modo, assertivo, Monteiro (2014, p. 718-719), ao tratar em seus estudos de
formação sobre o profissional docente, sendo ele um protagonista narrador e produtor de si,
288
compreende a urgência do entrelaçamento das dimensões formativas com os múltiplos tempos
que cruzam esses processos, ao dizer que isso:
[...] significa reconhecermos que o sentido desse processo para os professores vai
sendo construído pelo entrelaçamento das dimensões pessoais/profissionais, dos
contextos e demais aspectos constitutivos da profissionalidade docente, das políticas
e práticas formativas num movimento permanente de indagação, problematização,
experienciação e ressignificação do exercício docente. Embora esse processo revele
tamanha complexidade e multidimensionalidade, é uma necessidade
individual/coletiva e organizacional que pressupõe comprometer-se com uma
aprendizagem contínua [...]. (MONTEIRO, 2014, p. 718-719)
Tendo presente todo esse movimento de tempos e temporalidades que formam o ser-
pessoa -professor, concordo com Pineau (2006), para quem de nós estejamos diante de uma
encruzilhada de fronteiras pessoais, sociais e profissionais, onde a crise de desregulação
temporal, com ênfase em tempos de ―balburdia‖ conduz à uma esquizocronia de subordinação
temporal objetiva, consentida e validada, cujo feito é minar e impedir o ato educativo, criador,
adequado de estímulo de uma Pedagogia da esperança e liberdade transformadora.
Frente a essa dissonância maldosa, é preciso, como nunca, dar tempo aos tempos e aos
contratempos para que se permita o nascimento da educação com ética, liberdade e
corresponsabilidade. Assim, compreendo que a concordância dos tempos não termina na
idade escolar no âmbito da formação inicial. Ele se torna um aprendizado contínuo voltado à
construção dos deveres pessoais e sociais que nos solicitam assumir a formação permanente
como um devir ontológico e histórico, permitindo ao sujeito da temporalização compreender-
se como protagonista de seus processos formativos para pensar e produzir-se a si mesmo fora
dos tempos hegemonicamente ritualizados. Tendo em mente essa perspectiva, defendo o
estudo da epistemologia do ser pessoa dentro de um movimento que denomino de
cronobioformação, no qual deve-se buscar considerar a vida humana como um processo
ininterrupto de um todo formativo e formador.
A atual proposta do curso de Pedagogia campus Cuiabá continua a ser a mesma com a
qual dialoguei neste trabalho. Acresce-se, apenas, que está em fase de reformulação. Com o
resultado desta pesquisa considerando as biotecituras das egressas, saliento a urgência de
incluir na nova proposta curricular a cronobioformação como uma concepção de ter nas
disciplinas do curso uma abordagem da construção da história de si mesmo, a inclusão das
temporalidades pessoais desde o início do curso como marco orientador formativo em direção
à autoformação. E que o dossiê (trabalho de conclusão da Pedagogia, nesse caso, do campus
Cuiabá) seja o meio socializador desse percurso formativo, evidenciando quais mudanças e
construções foram possibilitadas pelas epistemologias que atravessaram o curso. A
289
consciência e o aprendizado de si para si, para os outros em ressignificação e em atenção aos
contextos de inserção profissional, a meu ver, gradativamente, ampliará na atuação
profissional e na formação permanente de modo a ajudar a construir processos de
autonomizações.
290
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298
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO Nº 1
LEVANTAMENTO DE INFORMAÇÕES PARA PESQUISA DE DOUTORAMENTO DE
DEJACY DE ARRUDA ABREU/ PPGE/UFMT
Estas perguntas são sobre você, sua formação e atuação profissional
a. Ano de início e término do curso de Pedagogia
Início: 2006 Término: 2009
b. Qual é a sua idade?
Menos de 25 ( ) 25-29 ( ) 30–39 ( X ) 40-49 ( ) 50-59 + ( )
c. Sexo: F ( X ) M ( )
d. Qual o nível mais elevado de educação formal que você concluiu?
( ) Educação Superior – Licenciatura em Pedagogia
( X ) Especialização (Lato Sensu)
( ) Mestrado (Stricto Sensu)
( ) Doutorado (Stricto Sensu)
Outra especificação___________________
e. Onde está atuando profissionalmente:
Instituição pública: Municipal ( X ) Estadual ( ) Federal ( )
Instituição privada ( ).
f. Qual forma de contratado de trabalho: Celetista ( X ) Estatutário ( ). Outra
especificação:________________________
( ) 20h semanais
( X ) 40h semanais
( ) Outra especificação de Tempo _________
g. Qual função está exercendo?
Professora - Coordenadora
h. Atua em mais de uma instituição?
Sim ( ) Não ( X ). Em quantas? _____________
i. Tempo de atuação profissional:
Entre 1 a 5 anos ( X ) ; Entre 5 a 10 anos ( ) ; Outras especificações_______
j. Aceita fazer parte de uma pesquisa de doutorado que envolverá egressos do curso de
Pedagogia IE/ UFMT.
Sim ( X ) Não ( )
k. Como gostaria de ser identificada nesta pesquisa?
M.A.S.
OBRIGADA PELA SUA COLABORAÇÃO!
299
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM EGRESSAS(OS) DO CURSO DE
PEDAGOGIA/IE/UFMT
A pesquisa intitulada: ―Tempo e temporalidade no desenvolvimento profissional de
egressos de Pedagogia‖ 41
tem por objetivo compreender as implicações do tempo e da
temporalidade na tecitura e ressignificação da formação profissional de egressos de um curso
de Licenciatura em Pedagogia, examinando o seu constituir-se profissionalmente.
As informações, mantidas em sigilo, comporão e constituirão a base de dados para a
elaboração da tese de doutoramento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso.
Tendo presente essa proposta de pesquisa, lhe agradeço e solicito a gentileza de
realizar uma entrevista sobre sua formação inicial e profissional na perspectiva da formação
humana dentro do contexto do Desenvolvimento Profissional de professores.
1 No que se refere à dimensão pessoal:
-Conte-me um pouco de você (sua formação pessoal dentro da sua cultura familiar)
-O que vem em sua cabeça (mente), quando falamos de tempo? (Poderá aparecer memórias,
reminiscências, conceitos, representações, percepções, subjetividades de sua experiência e
consciência humana – isso não será dito serve somente para orientar a percepção da
pesquisadora)
2 No que se refere à dimensão da formação inicial:
- O que trouxe você para um curso de Licenciatura em Pedagogia? (Motivações relacionadas
à escolha do curso)
- Para você, o que é a Pedagogia?
- O que pensa sobre as perspectivas da Pedagogia e as possibilidades de atuação profissional
dos pedagogos? (As Diretrizes Curriculares Nacionais para Pedagogia (DCNP) de 2006
ampliaram a área de atuação do pedagogo. A partir desse período ocorreu a reformulação do
curso de Pedagogia da UFMT).
-A sua formação na Pedagogia contribui com a sua vida profissional?
3 No que se refere à atuação profissional:
41
Título original do trabalho. Em decorrência do desenvolvimento das análises, vislumbrou-se a possibilidade de
alterar o título por mais adequadamente expressar as discussões e compreensões feitas a partir das falas das
egressas que participaram da pesquisa e considerando a construção conceitual do trabalho, a presente pesquisa
passou a ser assim intitulada: Egressos da Pedagogia: implicações de tempos e temporalidades na formação docente.
300
-Sua inserção profissional se deu antes, durante ou depois da conclusão do curso de
Licenciatura em Pedagogia?
-Fale sobre sua atuação profissional.
- Você relaciona o curso de Licenciatura em Pedagogia aos conhecimentos e habilidades
exigidos em sua atuação profissional?
- Que contextos e experiências formativas vêm contribuindo com o seu desenvolvimento
profissional docente?
-Fale sobre sua participação nos cursos de formação oferecidos pela Rede de Ensino que você
atua. (Perceber se há algum fator contextual que dificulta essa participação)
-Quais são características importantes de um curso que contribua para a sua formação
continuada?
-Como é vista a Formação Continuada pela Rede de Ensino que você atua?
- O que você considera importante para o seu desenvolvimento profissional?
-Como você lida como o tempo no dia a dia de sua atuação profissional?
-Quais são as experiências de desenvolvimento profissional vividas por você (pós-graduação,
concurso, participação em associações, sindicatos, formação continuada, sua participação em
eventos da educação)?
-Como diferencia o tempo do trabalho e os demais tempos em seu dia a dia?
-O que faz quando não está no trabalho?
Observação: Antes de começar a entrevista, os colaboradores desta pesquisa já devem ter
assinado o termo de consentimento.
301
APÊNDICE C – TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO EM
EDUCAÇÃO
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado(a) a participar como voluntário (a), da pesquisa ―Tempo e
temporalidade no desenvolvimento profissional: egressos de Pedagogia 2009 e 2013‖. A
pesquisadora responsável por este trabalho é Dejacy de Arruda Abreu, vinculada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso – PPGE/IE/UFMT.
Pretende-se, com essa pesquisa, alcançar o seguinte objetivo: compreender as implicações
do tempo e da temporalidade na tecitura e ressignificação da formação profissional de
egressos de um curso de Licenciatura em Pedagogia, examinando o seu constituir-se
profissionalmente para além do tempo e temporalidades hegemônicas que venham a
condicionar seu trabalho.
Sua participação nessa pesquisa consistirá em fornecer informações enquanto egresso do
curso de Pedagogia por meio de entrevistas estruturadas e semiestruturadas, podendo ser por
escrito, gravadas em um gravador de voz digital e ou filmadora.
Após o acesso às entrevistas digitais, escritas e/ou filmagens, a pesquisadora transcreverá
na íntegra a fala do(a) entrevistado(a) para posterior análise interpretativa.
Sua participação é voluntária e você poderá se retirar do trabalho a qualquer momento. Sua
recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador, ou com a continuidade
do estudo. As informações obtidas através da referida pesquisa serão confidenciais e
asseguramos o sigilo sobre sua participação. Informo também que os riscos da pesquisa são
mínimos, os egressos poderão ou não sentir algum desconforto emocional ao tomarem nas
mãos as memórias do seu tempo de formação inicial, bem como perceberem possíveis
descobertas e conquistas dessa trajetória. Quanto aos benefícios, os egressos sujeitos dessa
pesquisa não terão benefícios de modo direto, mas indiretamente, eles poderão ser traduzidos
na oportunidade de compreender como se constitui a sua trajetória de formação. Ainda,
302
perceberem os múltiplos tempos que atravessaram e atravessam sua formação e como vão
construindo-se como pessoa e profissionais.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço da instituição
onde está vinculado a pesquisa e o pesquisador, podendo, desse modo, em qualquer momento,
tirar dúvidas sobre o trabalho e sua participação na pesquisa.
Pesquisadora: Dejacy de Arruda Abreu, Universidade Federal de Mato Grosso/Campus
Universitário de Cuiabá – Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação
da Universidade Federal de Mato Grosso– PPGE/IE/UFMT. Telefone para contato: (XX)
XXXX-XXXX, e-mail: XXX@XXX.
No que se refere ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Área das
Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso (CEP/UFMT), caso
sinta necessidades poderá entrar em contato com a Prof.ª Drª. Rosangela Kátia Sanches
Mazzorana Ribeiro que é a coordenadora responsável do referido comitê. O CEP/UFMT é um
colegiado interdisciplinar e independente, de relevância pública, de caráter consultivo,
deliberativo e educativo, criado para defender os interesses dos participantes da pesquisa em
sua integridade e dignidade e tem como uma de suas funções receber denúncias em caso de
irregularidades sob o aspecto ética na pesquisa. Telefone: (65) 3615-8935, e-mail:
Considerando os dados acima, CONFIRMO estar sendo informado(a) por escrito e
verbalmente dos objetivos desta pesquisa.
Eu_________________________________________________________________________
_____ Idade:______ Sexo:_____________
Naturalidade:__________________________________ portador (a) do documento RG
nº________________________ declaro que entendi os objetivos propostos, bem como os
riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar. Compreendo
tudo o que me foi explicado sobre o estudo a que se refere este documento e aceito participar
do mesmo. Afirmo ter conhecimento dos procedimentos de coleta de dados, autorizando o seu
desenvolvimento. Declaro ainda estar ciente das atividades dessa investigação, e, portanto,
comprometo-me colaborar no que for necessário com agenda de encontros previamente
combinada.
Assinatura do participante:......................................................................................
Assinatura do pesquisador:......................................................................................
Cuiabá/MT__________ de _____________________2018.