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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Silvio Luís de Camargo Saiki
A alíquota tributária como norma de competência e de segurança jurídica
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2008
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Silvio Luís de Camargo Saiki
A alíquota tributária como norma de competência e de segurança jurídica
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de mestre em
Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Roque Antonio
Carrazza
SÃO PAULO
2008
3
Banca Examinadora
_________________________________
_________________________________
_________________________________
4
Dedicatória
Aos meus pais, que nunca mediram esfo rços para
me dar amor e educação.
Às minhas amadas Maria Alice, companheira em todos os
momentos, e Maria Fernanda, filha angelical, que me fazem feliz e eternamente
apaixonado.
Aos demais membros de minha família, tanto da Saiki
quanto da Damasceno, que sempre me deram o prazer de um convívio intenso, cheio de
carinho e de alegria.
Aos meus sobrinhos e sobrinhas que me tratam com o amor
sincero da infância.
Aos meus amigos e amigas que complementam a minha
família.
5
Agradecimentos
Fazer um agradecimento não é fácil porque sempre corremos o risco de nos
esquecermos de alguém. Ocasionalmente, esse risco só existe quando somos ajudados por
muitos.
Essa é a minha situação e, por isso, para não cometer esse tipo de injustiça, quero
agradecer, desde já, a todos que concorreram de algum modo, direto ou indireto, para que
Eu ultrapassasse algumas barreiras e chegasse até aqui.
De forma direta, não posso deixar de agradecer à Dra. Maria Leonor Leite Vieira
e à Dra. Carolina Romanini Miguel, que me incentivaram, de modo especial, a ingressar no
Mestrado da PUC/SP.
Do mesmo modo, devo agradecimentos ao Dr. Paulo de Barros Carvalho por ter
me aprovado no processo seletivo e me dado a oportunidade de integrar o corpo discente
do Curso de Pós-Graduação da PUC/SP e ter desfrutado da sua convivência em sala de
aula e, às vezes, até mesmo, fora dela.
À Comissão de Bolsas do Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da
PUC/SP e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq,
igualmente os meus agradecimentos pela grandiosa colaboração para o desenvolvimento
dos meus estudos.
À Professora Eloísa Galesso pelo seu entusiasmo e incentivo, singularmente em
matéria de linguagem e estilo.
Especialmente ao Dr. Roque Antonio Carrazza, meu orientador, que me recebeu,
desde o primeiro contato, com muita gentileza e atenção, dedicando muito do seu tempo
para ouvir as minhas idéias. Com a dedicação de seu tempo e conhecimento ao meu estudo
deixou evidente sua vocação de Mestre dos mestres.
Por fim, agradeço a Deus por ter permitido que Eu vivesse essa experiência perto
de pessoas tão boas.
6
Resumo
Tomando o Direito como um conjunto de normas sistematizadas (coordenação e
subordinação) e resguardando a importância do processo comunicacional para a sua
análise, tentamos imprimir rigor científico para destacar a composição do direito positivo
pelos planos de expressão (sistema dos enunciados legais) e de conteúdo (sistema das
normas jurídicas).
A partir do estudo acerca da produção das normas jurídicas, passamos a analisar a
importância das normas de competência tributária e da regra-matriz de incidência,
notadamente no que atina aos limites constitucionais para que as alíquotas sejam
introduzidas no sistema do direito positivo. Nesse mister, verificamos que as normas de
competência tributária estabelecem o arquétipo da atividade tributária, despertando
interesse sobre a forma como a instituição do tributo deve ser observada pelo legislador
infraconstitucional na fixação das alíquotas tributárias e visando a atestar serem essas
normas mais um critério de segurança jurídica existente no sistema jurídico tributário.
Destacadamente, além da identificação de normas constitucionais delimitadoras da
competência tributária, procuramos demonstrar que as normas de competência relativas às
alíquotas não são critérios quantitativos da regra-matriz de incidência e que, por isso,
influenciam sobremaneira a produção de enunciados no exercício da competência
impositiva do Estado.
Isso nos possibilitou a verificação empírica dos critérios de fixação das alíquotas
pelos diversos entes políticos tributantes e para as diversas espécies de tributos, podendo
evidenciar em quais hipóteses constitucionais o legislador ordinário está adstrito ou não à
observância de limites competenciais na fixação de alíquotas em respeito à segurança
jurídica dos sujeitos passivos da obrigação tributária.
Não nos aprofundamos nos limites ditos formais por dizerem respeito ao órgão e ao
procedimento para a produção de normas tributárias, assunto que entendemos fugir à nossa
proposta dissertativa.
Palavras-Chave: alíquota, fixação, critério quantitativo, competência e segurança
jurídica. Silvio Luís de Camargo Saiki A alíquota tributária como norma de competência e de segurança jurídica
7
Summary
Taking the law as a set of systematized norms (coordination and subordination) and
considering the relevance of the communicational process for its analysis, we tried to bring
scientific rigor to call the attention to the composition of positive law by the plans of
expression (system of legal statements) and of content (system of rules of law).
Starting by the study upon the production of the rules of law, we analyzed the
relevance of the norms of tax ability and matrix rule of incidence, focusing on the
constitutional limits for aliquots to be part of the system of positive law. In this sense, we
realized that the norms of tax ability establish a model for tax activities, calling the
attention upon the way the setting of the tribute should be observed by the infra-
constitutional legislator while fixing the tax aliquots and aiming to set these norms as
another criteria of legal security in the Brazilian Tax System.
Beyond the identification of the constitutional norms that set the limits of tax
ability, we tried to demonstrate that the norms of tax ability regarding the aliquots are not
quantitative criteria to the matrix rule of incidence and that, therefore, influence the
production of enunciates in the exercise of state imposed competency.
All previously stated made it possible to empirically verify the criteria of aliquots
setting by the different political tax actors and for the different types of tributes, making it
possible to see in which constitutional hypothesis the ordinary legislator is attached or not
to observing the competency limits in aliquots’ setting regarding the legal security of the
players that do have the tax obligation.
We did not deepen the study in the so called formal limits as they developed
according to the agency and the procedure for the production of tax norms, since we
understood that as off limits to our original study proposal.
Key-words: aliquot, setting, quantitative criteria, competency and legal security
Silvio Luís de Camargo Saiki
The tax aliquot as competency and legal security norm
8
Sumário
1. Delimitação do objeto ............................................................................................. 12
2. Metodologia adotada ............................................................................................... 13
3. Desenvolvimento do trabalho .................................................................................. 14
Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do direito .................................. 16
Capítulo 1 - Conceito de Direito .................................................................................... 16
4. Orientação sociologista ou realista .......................................................................... 16
5. Teorias jusnaturalistas ............................................................................................. 17
6. Teorias com influências positivistas ........................................................................ 18
7. Opção conceitual .................................................................................................... 19
Capítulo 2 - A concretização do direito ......................................................................... 20
8. Aspecto lingüístico das relações intersubjetivas ...................................................... 20
9. A verdade da realidade como linguagem ................................................................. 24
10. O processo comunicacional do direito ..................................................................... 26
11. Os planos lingüísticos do direito – enunciado e norma ............................................ 32
11.1. Produto positivado – texto legal enunciado ..................................................... 32
11.2. Produto regulador – norma jurídica ................................................................ 35
12. Texto e contexto – sistemas normativos .................................................................. 37
12.1. Sistema dos enunciados legais ........................................................................ 41
12.2. Sistema das normas ........................................................................................ 42
13. A Interpretação no direito ....................................................................................... 44
14. Definição e Classificação no Direito ....................................................................... 47
14.1. Classificação da norma jurídica ...................................................................... 49
14.1.1. Classificação pelo evento/fato do antecedente da norma .............................. 50
14.1.2. Classificação pela relação jurídica do conseqüente da norma ....................... 51
14.1.3. Classificação da norma pelo caráter da conduta regulada ............................. 53
14.1.4. Classificação pelo caráter coativo da norma................................................. 55
15. A validade da norma no direito ............................................................................... 57
16. A validade do enunciado legal ................................................................................ 60
Capítulo 3 - O sistema jurídico-tributário brasileiro.................................................... 62
17. Sistema jurídico nacional ........................................................................................ 62
18. Sistema constitucional-tributário brasileiro ............................................................. 66
19. O federalismo e o sistema tributário brasileiro......................................................... 69
9
20. Federalismo e tributação ......................................................................................... 72
21. Competência é norma do sistema jurídico positivo .................................................. 75
22. Tributo é norma do sistema jurídico positivo ........................................................... 78
23. Princípios jurídicos constitucionais ......................................................................... 82
23.1. Princípio é norma do sistema jurídico positivo ............................................... 83
23.2. Princípios, regras e aplicação no direito positivo ............................................ 87
23.3. Princípios constitucionais e estrutura da norma de competência tributária ...... 93
23.4. Segurança jurídica é sobrenorma do sistema jurídico positivo......................... 97
Capítulo 4 – Estrutura da norma de exação tributária ................................................ 99
24. O tributo é norma de conduta e, não, de competência .............................................. 99
24.1. Regra-matriz de incidência tributária ............................................................ 100
24.1.1. Critérios do antecedente da regra-matriz .................................................... 102
24.1.1.1. Critério material ..................................................................................... 102
24.1.1.2. Critério espacial...................................................................................... 103
24.1.1.3. Critério temporal .................................................................................... 104
24.1.2. Critérios do conseqüente da regra-matriz ................................................... 105
24.1.2.1. Introdução à relação jurídica e ao objeto do conseqüente normativo ....... 105
24.1.2.2. Critério pessoal....................................................................................... 106
24.1.2.3. Critério quantitativo – considerações gerais ............................................ 109
24.1.2.3.1. Base de cálculo .................................................................................... 109
24.1.2.3.2. Alíquota – considerações gerais ........................................................... 110
25. Classificação dos tributos e competência tributária ................................................ 111
25.1. Espécies tributárias....................................................................................... 111
25.2. Arquétipo competencial................................................................................ 115
Título II – Argumentação acerca da alíquota como norma de competência e de segurança jurídica no sistema do direito positivo .............................................. 118
Capítulo 5 – Alíquota – definição e características ..................................................... 118
26. Breves comentários acerca do tema perseguido ..................................................... 118
27. Aspecto “quantitativista” da alíquota..................................................................... 121
28. Relação jurídico-tributária e alíquota..................................................................... 127
29. Obrigação tributária e alíquota .............................................................................. 129
29.1. Objeto-prestação – um aspecto da obrigação tributária ................................. 129
29.2. Objeto material– outro aspecto da obrigação tributária ................................. 131
29.3. Influência da alíquota sobre a obrigação tributária ....................................... 132
10
29.4. Função da alíquota ....................................................................................... 133
Capítulo 6 - Alíquota e os princípios constitucionais tributários ............................... 137
30. Princípios que influem na fixação das alíquotas .................................................... 138
30.1. Princípio da legalidade ................................................................................. 138
30.2. Tipicidade ou função material da legalidade................................................. 140
30.3. Vinculabilidade ao princípio da legalidade ................................................... 142
30.4. Irretroatividade da lei tributária e alíquota ................................................... 148
30.5. Princípio da anterioridade e alíquota ............................................................ 151
30.6. Princípio da igualdade.................................................................................. 157
30.7. Princípio da igualdade e progressividade da alíquota .................................... 162
30.8. Capacidade contributiva e alíquota .............................................................. 164
30.8.1. Noções gerais ..................................................................................... 164
30.8.2. Capacidade contributiva subjetiva e progressividade ........................... 167
30.8.3. Capacidade contributiva objetiva e progressividade ............................ 168
30.9. Seletividade e alíquota ................................................................................. 170
30.10. Não-confisco e alíquota ............................................................................. 173
30.11. Princípio da não-diferenciação tributária, em razão da procedência ou destino ......................................................................................................... 175
Capítulo 7 - Alíquota e regras de competência tributária .......................................... 178
31. A alíquota é mais um critério conformador da competência tributária ................... 178
32. A norma de competência da alíquota e as espécies tributárias................................ 182
32.1. Contribuições Sociais, de Intervenção no Domínio Econômico e de Interesse das Categorias Profissionais ou Econômicas .................................. 184
32.2. A norma de competência da alíquota mínima para as Contribuições Sociais dos servidores públicos .................................................................... 185
32.3. A norma de competência da alíquota para as contribuições interventivas ...... 187
32.4. A norma de competência da alíquota para as contribuições sociais ............... 189
32.5. A norma de competência da alíquota para os impostos regulatórios (II – IE – IPI – IOF) ............................................................................................. 192
32.6 A norma de competência da alíquota para o Imposto sobre a Renda - IR ...... 194
32.7. A norma de competência da alíquota para o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI ................................................................................... 200
32.8. A norma de competência da alíquota para o Imposto sobre Propriedade Territorial Rural – ITR ................................................................................. 202
32.9. A norma de competência da alíquota mínima para o IOF sobre o Ouro ........ 204
11
32.10. A norma de competência da alíquota máxima para o ITCMD .................... 205
32.11. As diversas normas de competência das alíquotas do ICMS ....................... 208
32.12. A norma de competência da alíquota para o IPVA ..................................... 214
32.13. A norma de competência das alíquotas para o IPTU .................................. 217
32.14. A norma de competência das alíquotas do ISS ........................................... 219
33. O termo “alíquota” em outros dispositivos constitucionais .................................... 223
33.1 Imposto sobre Venda a Varejo de Combustíveis – IVVC (art. 34, § 7º, do ADCT) ........................................................................................................ 223
33.2 Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF – artigos 74 e 75 do ADCT ............................................................................. 223
33.3 Contribuição para a Seguridade Social - art. 56 do ADCT ............................ 226
33.4 Fundo Social de Emergência - artigo 72 do ADCT ....................................... 227
33.5 Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza ............................................... 229
33.5.1 Fundo Federal - Adicional sobre a CPMF .................................................. 230
33.5.2 Fundo Federal - Adicional sobre o IPI ....................................................... 232
33.5.3 Fundos Estaduais e Distrital – Adicional sobre o ICMS ............................. 233
33.5.4 Fundos Municipais e Distrital - Adicional sobre o ISS ............................... 234
34. Destinatário das normas constitucionais relativas às alíquotas ............................... 235
35. Limitação do poder de tributar e alíquota .............................................................. 238
Capítulo 8 – Alíquota como garantia de segurança jurídica em matéria tributária ............................................................................................................. 241
36. Norma de competência legislativo-tributária como segurança jurídica ................... 241
37. Exercício regular da competência tributária do Estado como segurança jurídica .... 244
Conclusão ..................................................................................................................... 248
Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do Direito ..................................... 248
Título II – Argumentação acerca da alíquota como norma de competência e de segurança jurídica no sistema do direito positivo ................................................... 261
Referências bibliográficas ............................................................................................ 277
12
Introdução
1. Delimitação do objeto
O estudo jurídico é desafio intelectual de grande vulto. Exige-se o domínio de um
emaranhado de conceitos, definições, sistemas e valores existentes no universo
comunicacional que é infinito e, por isso, exige de qualquer estudioso a necessidade de
delimitar o objeto estudado, demarcando rigorosamente os institutos com ele (objeto)
relacionados.
Nessa seara, importante destacar que o presente trabalho cuida do estudo do
Direito, com ênfase no modo analítico de aspecto jurídico específico que ao longo dos
tempos não tem sido objeto de estudos aprofundados. Trata-se da análise dos critérios
constitucionais da proposição-hipótese e do conseqüente-tese da norma de competência
tributária e da regra matriz de incidência, no que dizem respeito aos seletores das alíquotas
tributárias, capazes de influir no exercício da competência legislativo-tributária dos entes
políticos tributantes.
Em especial, embora intuitiva dos estudiosos do Direito, não se vê um
detalhamento analítico acerca da indispensabilidade de o legislador infraconstitucional
estar adstrito aos limites materiais da norma de competência no que atinam à fixação das
alíquotas tributárias.
O tema é por inteiro relevante, na medida em que, para a hipótese analisada, há a
possibilidade de propormos respostas às questões inerentes à introdução de enunciados
relativos à definição, estrutura, fixação e utilização das alíquotas tributárias pelo legislador
infraconstitucional e evidenciar a segurança jurídica do sujeito passivo da obrigação
tributária relativamente a esses predicados.
A obrigação tributária sofrerá, conforme o caso, conseqüências a ponto de irradiar
efeitos equivocados quanto ao montante do tributo a ser pago pelo sujeito passivo, se os
critérios constitucionais da norma de competência na instituição de regras-matrizes de
incidência não forem rigorosamente observados. Esclareça-se que a adoção da alíquota
tributária poderá (deverá) ser maior ou menor conforme os critérios de imputação deôntica
que, eventualmente, forem identificados nas normas de competência instituídas pela
Constituição Federal.
13
2. Metodologia adotada
Diante dessa relevância, um estudo científico a respeito das alíquotas tributárias
exige revelar os meios para manipular o Direito, passando-se pelos seus principais
instrumentos conceituais de análise, para registrar a metodologia científica.
A tentativa foi a de empregar método investigativo, especificamente no campo da
Dogmática Jurídica, na esteira do que asseverava Hans Kelsen, para quem o “objeto da
ciência jurídica é o Direito”,1 esforçando-nos para operarmos nos limites de uma Ciência
Jurídica Strictu Sensu.2
Com esse intento, vigiamos as nossas investigações para não adentrarmos
naquelas tidas “zetéticas” que, para Tércio Sampaio Ferraz Júnior, seriam aquelas que têm
o Direito como um objeto de estudo no âmbito da Sociologia, da Antropologia, da
Psicologia, da História, da Filosofia, da Ciência Política, etc., não sendo, como assevera o
autor, nenhuma delas jurídica, mas tão somente complementares aos juristas, para auxiliá-
los na investigação estrita da Ciência Jurídica.3
Assim, voltamo-nos às advertências de Karl Larenz para nos manter na retentiva
de que os cortes metodológicos do presente trabalho foram incisivos a favor da Dogmática
Jurídica, que pauta sua investigação na “delimitação balizada pela sua orientação aos
princípios fundamentais do ordenamento jurídico vigente”.4
Para além disso, mister foi demarcar a existência de critérios na Constituição
Federal, especificamente em relação às alíquotas tributárias, focando-se as suas normas de
estrutura (competência), tidas como arquétipos tributários para a instituição de regras-
matrizes de incidência tributária.
É com este espírito que o rigor científico propiciará a convicção da existência de
seletores constitucionais prefixadores das alíquotas tributárias e, ainda, esmiuçar as
1 Teoria Pura do Direito. 2006, p. 79 2 Esclareça-se que o termo “Ciência” será tratado, na esteira do aludido por Eurico Marcos Diniz de Santi, como o conjunto de proposições descritivas, passíveis de verificação empírica, acerca de um objeto suficientemente demarcado, que, no nosso caso, são os enunciados de direito positivo (Lançamento Tributário. 2ª ed. 2001, p. 50) 3 Introdução ao Estudo do Direito. 2003, págs. 44-47 4 Metodologia e Ciência do Direito. 2005, p. 269
14
diversas espécies de tributos discriminadas na Constituição Federal, para demonstrar as
respectivas normas de competência relativas às alíquotas.
O impulso investigativo nos conduz a uma meticulosa delimitação da competência
legislativo-tributária no que diz respeito à observância dos critérios constitucionais
prefixados para a introdução de enunciados prescritores de alíquotas tributárias. Falamos
da nuance dinâmica5 do tributo, no plano normativo abstrato.
Esse tipo de trabalho demonstra que o tema propicia uma investigação necessária
e sem precedentes na doutrina brasileira porque não se fala a respeito dos critérios
constitucionais definidores da competência tributária a partir da alíquota.
3. Desenvolvimento do trabalho
A ausência de trabalhos que tratem da alíquota como norma jurídico-tributária, as
características de nosso sistema jurídico tributário e a individualidade das nossas regras-
matrizes de incidência, nos afastam da doutrina estrangeira e nos limita o auxílio da
nacional, cujas incursões só se darão para apoio teórico de natureza subsidiária pela
peculiaridade da ótica do estudo proposto.
Dessa carência revelou-se a importância do tema, abrindo porta para uma
continuidade destes estudos ou, ao menos, para chamar a atenção dos juristas
especializados para uma investigação permanente nesse sentido.
Para a efetividade de tal desígnio, o presente estudo foi desenvolvido partindo-se
inicialmente da necessidade de demarcar as proposições conceituais e revelar a forma
como se pretende manipular o direito positivo para extrair argumentos e demonstrar o que
se pretende. Diante disso, de forma sucinta, pareceu-nos indispensável dissertar revelando
o conceito de Direito adotado e demarcando a base de todas as premissas; em seguida, a)
destacamos a importância da linguagem no Direito, sem a qual nem Direito temos; b)
registramos como se opera o direito positivo, os enunciados e as normas em geral; c)
decorrência disso, falamos da construção e aplicação das normas para manipular os
5 Segundo Kelsen, “A teoria da construção escalonada da ordem jurídica apreende o Direito no seu movimento, no processo, constantemente a renovar-se, da sua auto-criação. É uma teoria dinâmica do Direito, em contraposição a uma teoria estática do Direito que procura conceber este apenas como ordem já criada, a sua validade, o seu domínio de validade, etc., sem ter em conta a sua criação.” Teoria Pura do Direito, 2006, p. 309.
15
sistemas do direito; d) acerca da norma de competência, fizemos uma análise do seu
antecedente/hipótese e do seu conseqüente; e) esmiuçamos os critérios da regra matriz de
incidência tributária para revelar como se dão na aplicação do direito tributário; f) em
relação à alíquota, abrimos a análise específica do tema para uma exposição geral acerca
das suas características e de sua definição; g) na seqüência da investigação, fizemos uma
análise da Carta Magna no que pertine ao emprego do termo “alíquota” e à identificação
dos critérios constitucionais das diversas normas de competência relacionadas ao termo; h)
posteriormente apresentamos uma análise da alíquota em relação aos princípios
constitucionais tributários e a sua regra de prefixação como norma de estrutura capaz de
influenciar a competência do legislador infraconstitucional, para dar segurança jurídica ao
contribuinte e estabilidade ao sistema jurídico; i) por fim, concluímos pela existência de
critérios constitucionais que estabelecem a competência tributária mediante a prefixação
constitucional das alíquotas, de observância obrigatória para o exercício da atividade
legislativo-tributária, no que atina à introdução de enunciados normativos no sistema de
direito positivo pelo órgão político tributante. Com essa conclusão, conferimos ser a norma
de competência da alíquota mais um instrumento de segurança jurídica do sujeito passivo
da obrigação tributária e do Estado democrático de direito.
16
Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do direito
Capítulo 1 - Conceito de Direito
Este trabalho exige, de início, uma delimitação, ainda que objetiva e sucinta, do
conceito de “Direito”, o qual será considerado para todos os fins que possam nortear as
idéias e argumentações que adiante serão expressas.
Pensando do mesmo modo que Tércio Sampaio, “reconhecemos, sem pôr em
discussão, a pluridimensionalidade do objeto que chamamos direito, o que permite
diversos ângulos de abordagem, ora separados, ora ligados por nexos meramente lógicos
ou didáticos, ora integrados em formas sintéticas. Quem pretende realizar uma
investigação ontológica do direito corre, por isso, o risco de privilegiar aspectos deste
fenômeno plural, na forma de sociologismo ou psicologismos ou formalismos ou
moralismos, conforme a lição de Miguel Reale a respeito.”6
Assim, de forma direta, podemos relembrar que o modo de conceber o Direito tem
sido diferente por diversas correntes filosóficas. Diante de tamanha grandeza do Direito,
são inúmeros os fatores que contribuem para dificultar o alcance de um conceito universal
do Direito, dentre eles a diversidade de perspectivas de enfoque a partir das quais se
contempla o fenômeno jurídico. Pois bem, essas diferentes perspectivas de concepção do
Direito deram ensejo ao estabelecimento, durante séculos, de polêmicas entre aqueles que,
de forma unilateral e reducionista, pretendem oferecer uma concepção geral do Direito em
função de algum de seus componentes.
Apesar das dificuldades de integração e comunicação dos povos e,
conseqüentemente, por serem muitas as doutrinas que se ocuparam e ocupam do tema em
destaque de forma individual, podem elas ser reduzidas, para fim meramente propedêutico,
a três grandes grupos.
4. Orientação sociologista ou realista
Denominamos como doutrinas de orientação sociologista ou realista aquelas que
descrevem o Direito pelas ações humanas como fontes da sua criação, aplicação ou
6 Teoria da Norma Jurídica. 2006, p. 5
17
eficácia. Em termos genéricos, só para demarcar essa orientação, pode-se considerar I) a
chamada Escola Histórica, que compreende o Direito a partir do ânimo popular que se
considera como a sua força criadora; II) além dessa corrente, tem-se também a
Jurisprudência de Interesses, que tem como corte epistemológico os interesses sociais que
inspiram o Direito e lhes dá a respectiva garantia de sua eficácia; III) pode-se, ainda,
incluir nessa orientação as denominadas Escolas do Direito Livre, o Realismo Americano e
o Escandinavo, além de outros com igual perfil, que advogam o Direito apenas pelo
aspecto “criador” das sentenças judiciais.
Em resumida síntese, tem-se que essas orientações, sociologistas ou realistas,
revelam seu ponto caracterizador na circunstância de priorizarem o seu corte
epistemológico na eficácia social do Direito, a partir da sua vigência social experimentada
por meio de sua influência nos comportamentos reais dos homens.
Para nós, na esteira de Alfredo Augusto Becker, essas orientações constituem o
chamado "momento pré-jurídico",7 pelo que não nos filiamos a ela.
5. Teorias jusnaturalistas
As teorias jusnaturalistas tendem a vislumbrar o Direito a partir dos valores que
possam ser considerados como base de fundamentação, legitimando-o para a sua
consecução finalística. A partir dessa compreensão do Direito, o valor da justiça passa a ser
concebido em um sentido bem amplo do bem comum ou dos direitos humanos,
constituindo, assim, o sentido pragmático de toda regra jurídica e o fundamental parâmetro
de sua validade.
Alguns aspectos mais modernos dessa escola mostram que, conforme a natureza
das coisas, a realidade social passa a possuir força normativa, constituindo uma fonte de
Direito à qual o direito positivo deve se amoldar. Trata-se de uma reação mais recente
contra o positivismo, para um retorno às concepções jusnaturalistas.
Esta corrente revela existir uma instituição jurídica que deriva não do direito
positivo, mas, sim, dos fatos da natureza, dos costumes, tradições ou usos ou das relações
7 Teoria Geral do Direito Tributário. 2007, p. 22
18
vitais, como se fosse uma espécie de “tipo ideal” de justiça que se obtém mediante a
tipificação e a idealização da individualidade da relação vital que se considera.8
6. Teorias com influências positivistas
As teorias que sofrem influências positivistas concebem a idéia de um Direito que
se identifica com as normas jurídicas ou sistemas normativos, como regras prescritas à
sociedade pelo detentor do poder, que trata de impô-las, coativamente ao âmbito social.
Essa forma de expedir regras coativas e exigir que sejam cumpridas revela a
característica da perspectiva adotada para conceber o Direito e a forma de se aferir a sua
validade. Assim, para essa corrente, uma norma será jurídica se, e somente se, cumprir os
requisitos procedimentais previstos no próprio sistema normativo para a produção de
normas.
Integram o Positivismo Jurídico, dentre outras, as Teorias do Cepticismo e do
Realismo Empírico, o Positivismo Ideológico, o Formalismo Jurídico e o Positivismo
Metodológico ou Conceitual.9
Não nos interessa, aqui, esmiuçar os detalhes e/ou peculiaridades de cada uma das
teorias integrantes aos três grandes grupos aqui discriminados, mas sim destacar a
concepção do Direito sob a ótica geral das principais correntes que nos levam a alguma
uniformidade. Assim, para o Positivismo Jurídico, o Direito, de modo genérico, é comando
arbitrário, inteiramente relativo, privado de autoridade intrínseca.
Para os adeptos dessa teoria, o Direito é visto como conjunto de regras impostas
pelo poder que exerce o monopólio da força de uma determinada sociedade, por meio de
sua organização, formando um ordenamento.10 Esse Direito, com sua própria existência,
independentemente do valor moral de suas regras, serve para a obtenção de certos fins
desejáveis, como a ordem, a paz, a certeza e, em geral, a justiça legal.
Para essa corrente, o direito positivo, tão-só pelo fato de ser positivo, isto é, a
emanação da vontade dominante, é justo; ou seja, o critério para julgar a justiça ou
8 Aftalión, Enrique R. Fernando Garcia Olano e José Vilanova. Introduccion al derecho, 1972, p. 163/191 9 Para aprofundamento no tema, recomenda-se a leitura de Carlos Santiago Nino, Introducción al Análisis del Derecho. Colección Ariel Derecho. 8ª ed. Barcelona: Astrea, 1997 10 Norberto Bobbio, Teoria do Ordenamento Jurídico, 2006, p. 27
19
injustiça das leis coincide perfeitamente com o que se adota para julgar sua validade ou
invalidade. Pretende esse positivismo que os juízes assumam uma posição moralmente
neutra e que se limitem a decidir segundo o direito positivo vigente.
Por meio dessas premissas, essa corrente entende que o Direito está composto
exclusiva ou predominantemente por preceitos legislativos, ou seja, por normas
promulgadas explícita e deliberadamente por órgãos centralizados. Por fim, essa corrente
pressupõe que a ordem jurídica é um sistema auto-suficiente para prover a solução unívoca
para qualquer caso concebível, resumindo-se o Direito ao conjunto das leis.
7. Opção conceitual
Diante dessa discussão filosófica acerca da ontologia do Direito é que
reconhecemos a dificuldade de conceituá-lo. Entretanto, queremos registrar que o presente
trabalho será desenvolvido com base num conceito em que o Direito será visto como um
sistema harmônico e hierarquizado de normas e preceitos jurídicos, tendentes a regular as
relações intersubjetivas.
Notadamente reconhecemos como característica estrutural do direito, como
sistema positivado, a presença do fato, relação e norma (jurídicos) e, na seara de sua
aplicação, o imperioso reconhecimento dos valores positivados.
Reconhecemos, com isso, que o Direito, posto como sistema, é uno, indivisível,
não podendo ser cindido, sob pena de ser descaracterizado como tal.11 Em face disso, falar-
se em Direito Tributário é promover tão somente uma aparente cisão, de natureza
meramente didática, visando a seu estudo como elemento do Direito e na tentativa de
esgotar a análise, até os limites de suas nuances. Eis o motivo de reconhecermos o Direito
Tributário como disciplina jurídica cujo conceito apropriado parece-nos ser o conjunto de
normas atinentes a regular a criação, fiscalização e arrecadação das prestações de natureza
tributária.12
Assim, importa registrar que, para fins da Ciência do Direito, fixamos como
objeto-formal, em sentido estrito, o direito positivo, entendido, neste trabalho, como o
11 Consideramos para o fechamento sintático do sistema o axioma da norma fundamental de Kelsen. 12 Nesse sentido Paulo de Barros Carvalho. Curso de Direito Tributário. 2005, p. 16.
20
conjunto de normas jurídicas válidas. Por essa forma, o presente estudo seguirá uma
investigação calcada nessas normas, vistas como unidades estruturais do direito positivo.
Capítulo 2 - A concretização do direito
8. Aspecto lingüístico das relações intersubjetivas
A manifestação humana se dá pela linguagem. Sem linguagem não há significado
e, portanto, inexiste qualquer expressão humana. Por assim ser, reconhece-se não haver
mundo sem linguagem.
Os seres humanos já nascem com características que os fazem ser dependentes da
linguagem. Por ser um ser social, o homem necessita da linguagem para se comunicar com
os seus semelhantes, todos dotados de habilidades cerebrais e sensoriais capazes de
produzir, mediante o uso da linguagem, a comunicação.
A linguagem, então, como um conjunto de signos,13 rege as relações humanas e a
intersubjetividade delas decorrente enseja um processo comunicacional munido de regras
que carecem de inúmeras fórmulas aclaradoras e assecuritárias de sentido, em face da
complexidade e grandiosidade das infinitas formas de comunicação.14
Assim é que se exige um idioma entre os interlocutores, uma base uniforme de
emprego de signos, uma estrutura convencionada para a sua utilização, visando obter
sucesso no processo comunicacional. Esse processo não é outra coisa senão um sistema
comunicativo e se constitui, em regra, pela conhecida esquematização de Romam
Jakobson, que elegeu seis elementos vitais para o processo comunicacional verbal:
remetente, destinatário, mensagem, contexto, contacto e código.15
13 Carvalho, Paulo de Barros, citando E. Husserl. Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência. 2005, p. 17. 14 Sentido sintático, semântico e pragmático. 15 Há outras denominações para se referir a esses elementos, como emissor (remetente), receptor (destinatário), conteúdo (mensagem), referente (contexto), canal físico (contacto) e língua/idioma (código). Lingüística e Comunicação, 2003, p. 123
21
Segundo Jakobson, por meio desses elementos é que manipulamos as funções da
linguagem16 e, com isso, conseguimos influir nas relações intersubjetivas. Nesse sentido,
com o uso das funções da linguagem, o homem consegue produzir resultados, orientando a
mensagem na direção que pretende.
Samira Chalhub ensina que “as atribuições de sentido, as possibilidades de
interpretação – as mais plurais – que se possam deduzir e observar na mensagem estão
localizadas primeiramente na própria direção intencional do fator da comunicação, o qual
determina o perfil da mensagem, determina sua função, a função de linguagem que marca
aquela informação.”17
Disso resulta que há uma infinidade de meios funcionais da linguagem que
propiciam e que interferem nas relações intersubjetivas humanas.
Contudo, a linguagem não está restrita às mensagens verbais, como produto da
fala do Homem, havendo outros meios de linguagem que também propiciam a
comunicação - que é infinita.
“O corpo fala, a fotografia flagra, a arquitetura recorta espaços, a pintura imprime,
o teatro encena o verbal, o visual, o sonoro, a poesia – forma especialmente inédita de
linguagem – surpreende, a música irradia sons, a escultura tateia, o cinema movimenta
etc.”. “A linguagem participa de aspectos mais amplos que apenas o verbo.”18
Além disso, a linguagem não é só comunicação, pura e simples; é processo
sofisticado de expressão do pensamento humano. É também processo de conhecimento,
pois este não se limita às percepções sensoriais do indivíduo humano.
Por esse método de conhecimento, o indivíduo projeta de sua imaginação
proposições sobre objetos percebidos no mundo físico, e até metafísico, elucubrando
16 Idem 17 Funções da Linguagem. 2000, p. 6. 18 Idem
22
significações. Segundo Lourival Vilanova19 “é por meio da linguagem que se fixam as
significações e, por conseguinte, que se constrói o conhecimento”.
Essa manifestação lingüística, humana, se dá por meio da fala que é distinto da
língua. Esta é o processo sistêmico social, como objeto de convenção dos signos adotados
em uma dada comunidade (idioma). É objeto cultural, eminentemente. A fala, por sua vez,
é ato de uso da língua, psicofísico e individual. Constitui-se pela seleção discricionária da
estrutura lingüística com o fim de exteriorização de um discurso lingüístico do indivíduo.20
A fala se materializa por meio de enunciados lingüísticos, caracterizando a
mensagem falada. Assim, o enunciado é o plano de expressão da mensagem direcionada
ao destinatário, tendo como atributo ser o suporte físico da mensagem pronunciada. O
texto. Este é integrante da relação sígnica, juntamente com o “significado” e a
“significação”. Diante disso, evidencia-se que o enunciado não é “significado” e nem
“significação”.
Diferentemente, o enunciado produzido pelo ser cognoscente propicia tão somente
a atribuição de significados às coisas, como estrutura lingüística que permite ser utilizada
para predicar objetos. Assim, os significados enunciados por um indivíduo serão
experimentados por outro, que produzirá a sua significação.
É inerente ao processo comunicacional que o receptor de uma mensagem, de um
enunciado, tome contato com o significado de um fenômeno qualquer21 e produz a sua
significação a respeito. Importante é que a significação produzida pelo receptor de um
enunciado nem sempre corresponde à significação de outro indivíduo qualquer que tenha
contato com aquele mesmo enunciado. E, além disso, é comum que a significação
produzida pelo destinatário do enunciado seja diferente da significação pretendida pelo
próprio emissor do enunciado. Isso se dá pelo fato de que o processo de apreensão da
mensagem, compreensão do enunciado, é relativamente22 livre.
19 Vilanova, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 38. 20 Fiorim, José Luiz. Linguagem e ideologia, 2000, págs. 10 e 11. 21 Objeto de apreensão sensível em sentido amplo. 22 Relativo porque em se tratando de interpretação sempre haverá um limite em face, ao menos, da literalidade do texto.
23
Com a expedição de um enunciado, ingressamos no terreno da interpretação em
que, muito embora, a fonte comunicativa possa ser a mesma (o mesmo enunciado), o
intérprete, o destinatário ou qualquer outro indivíduo que se proponha a analisar aquela
mesma fonte, não estão adstritos ao plano físico do enunciado. Como dito, o enunciado
serve para emitir uma mensagem, porém, a informação, como produto final do processo
comunicacional, exige ainda mais. Exige a observância do contexto em que foi inserido tal
enunciado.
Alf Ross delimita bem essa carência do enunciado ao dizer que a comunicação,
em relação tanto à intenção do emissor quanto ao efeito produzido no receptor da
mensagem enunciada, depende de seu contexto, tomado em seu sentido amplo, ou seja, a
compreensão do enunciado depende totalmente da situação vital concreta em que a
comunicação ocorre.23
Para demonstrar essa necessidade contextual da comunicação, ROSS apresenta os
seguintes enunciados exemplificativos: “`Pedro, feche a porta!’, `O rei está morto.’ e `Está
chovendo’”. Formulando questões como `Qual Pedro e qual porta se refere?’, `Que rei?’ e
`Onde e em que momento está chovendo?’, ele demonstra, então, que a significação da
mensagem enunciada varia muitíssimo segundo as circunstâncias da expressão.
Assim, evidencia-se que a comunicação não está limitada ao plano de expressão
do enunciado lingüístico e só obterá sucesso nas relações intersubjetivas quando a
informação for apreendida no contexto adequado. Evita-se, por essa forma, a afasia da
linguagem conforme asseverou Roman Jakobson.24
Importa destacar outro enfoque da linguagem; a multiplicidade de suas funções.
Essa característica é oportuna para uma análise pragmática da linguagem, haja vista que
esta tem como núcleo comunicativo a expedição de enunciados introdutores de mensagens
tendentes a exercer influência no comportamento dos seus destinatários.
23 Ross, Alf. Lógica de las normas, 1971, p. 14 24 Lingüística e comunicação. 2003, p. 34.
24
A linguagem, quando colocada sob essa ótica pragmática, revela uma mensagem
cujo conteúdo traz consigo a vontade do seu expedidor em alterar o comportamento do seu
destinatário, seja no sentido de convencê-lo a agir de algum modo, seja com a intenção de
alterar-lhe os sentimentos, enfim, objetiva-se que o receptor sofra os seus efeitos e aja na
direção funcional da mensagem enviada.
Assim, o que se anota é que, dependendo do ânimo do emissor é possível
classificar a linguagem conforme a função preponderante cravada no processo
comunicacional. Falamos em preponderante porque, segundo Samira Chalhub,25 as funções
dialogam e a predominância de um dos fatores determinará a predominância de uma
função da linguagem. Em suma, sempre há mais de uma função, embora predomine uma.
As funções são várias; há aquelas que visam descrever um objeto, outras que
visam persuadir o destinatário, visam fins meramente informativos, fins interrogativos, e
tantas outras mais que interferem e constituem as relações intersubjetivas.
9. A verdade da realidade como linguagem
Diz-se, com base na evolução da filosofia da linguagem, que a realidade não é
mais buscada com base na essência do objeto do conhecimento e sim por meio do
significado que se atribui ao objeto.26
Disso resulta que a filosofia atual busca o conhecimento por meio dos signos, em
que não mais se analisa a imagem do objeto (não a essência da imagem), mas sim o seu
plano de expressão, como suporte físico do objeto referido e estrato lingüístico.
Assim, por meio da filosofia da linguagem, analisando os signos lingüísticos,
tidos como plano de expressão (suporte físico), passou-se a entender que realidade é o
significado atribuído ao objeto que permite chegar ao conhecimento, articulando
proposições e construindo significações. Por essa forma, para a moderna filosofia da
linguagem e para a manipulação da linguagem pelo Direito, temos como ponto de partida
25 Funções da Linguagem. 2000, p. 8. 26 Oliveira. Manfredo Araújo. Reviravolta lingüístico-pragmática da filosofia contemporânea, 2001, p. 13
25
indispensável o conhecimento do “signo”.27 O ramo especulativo dos signos é a Semiótica,
a qual se pode dizer teve sua origem nas obras de Charles S. Peirce, Ferdinand Saussure e
dos membros fundadores do Neopositivismo Lógico do histórico círculo de Viena,
notadamente de Charles Morris e Rudolf Carnap.28
O “signo” deve ser entendido como a unidade de um sistema lingüístico que
relaciona o “suporte físico” (plano de expressão), o “significado” e a “significação” como
sua estrutura.29
Por assim ser, podemos notar que a realidade não é aquilo que vemos ou tocamos
no mundo, não é a imagem do mundo que temos aos olhos. O que vemos, e temos como
realidade, é um conjunto de proposições lingüísticas formuladas em nosso cérebro sobre as
imagens do mundo físico. Este, por sua vez, não pode ser esquecido ou ignorado, pois, se o
“conhecimento não fosse efeito da ação dos objetos sobre os órgãos dos sentidos, não
haveria explicação possível para a existência de sensações”.30
Assim, os estímulos sensoriais humanos são a tradução de objetos do mundo
físico. Todavia, não se confunda a tradução de objetos com cópia. Goffredo Telles Júnior31
assevera que por muitos motivos não se pode pensar que uma imagem seja uma simples
cópia de um objeto que ela visa reproduzir. Primeiramente ele afirma que “toda cópia é
cópia de um objeto conhecido. Não é possível copiar o que não se conhece”. Em segundo
lugar ele afirma que “a imagem não pode ser cópia do objeto porque a imagem, embora
tradução cerebral dele, não é idêntica ao seu objeto”. “A imagem é infinitamente pobre...É
sempre, ou quase sempre, vaga, imprecisa, incerta e, às vezes, falsa”.
Com isso, conclui o citado autor que cada sensação possibilita uma significação,
mas possibilita dentro de uma organização, de uma estrutura. Segundo ele, “as estruturas
deu ao homem a possibilidade de reconhecer um objeto que jamais impressionou seus
27 Charles W. Morris, fundamentos da teoria dos signos, 1976, p. 13 28 Apud Santaella, Lúcia. O que é semiótica. 23a reimpr. Ed. Brasiliense. São Paulo. 2006, p. 15/16 e 80/81 29 John Lyons, Lingua(gem) e lingüística. Uma introdução, 1987, p. 29 30 Telles Júnior, Goffredo. O Direito Quântico: ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. 1985, p.211 31 Idem, p. 271
26
órgãos sensórios e do qual, portanto, nunca teve sensações e percepções, nem guarda
qualquer imagem”.32
Por essas linhas, podemos perceber que o conhecimento da realidade depende de
um sistema de referências. A idéia de sistema referencial é condição indispensável para o
conhecimento.
Com efeito, é o sistema de referências que permite a aferição da verdade e esta só
existirá se for referida a um sistema de referência. Em outras palavras, o conhecimento só é
verdade quando representar uma tradução cerebral da realidade.33
Por assim ser, a realidade se apresenta para o Direito como um conhecimento
revestido num estrato lingüístico, e, por isso, asseverou Tércio Sampaio Ferraz Júnior que
“a realidade, o mundo real, não é um dado, mas uma articulação lingüística mais ou menos
uniforme num contexto existencial.”34
Por derradeiro, a idéia de verdade e realidade está adstrita ao universo de um
sistema referencial lingüístico.
10. O processo comunicacional do direito
Em face do acima exposto, há que se reter na memória a existência de uma
linguagem constituidora da realidade social e outra linguagem constituidora da realidade
jurídica. Esta última é construída a partir da primeira, funcionando como um seletor de
acontecimentos sociais os quais serão captados para ingresso nos domínios do Direito.
Assim, com a dinâmica social, vê-se o Direito tentando acompanhá-la para ver
esgotados os valores da sociedade por meio da linguagem do Direito, de cunho deôntico.
O Direito, objeto cultural35 que é, manifesta-se sempre em linguagem específica.
Desta forma, surge, assim, “o direito positivo como uma camada de linguagem idiomática,
32 Ibidem , p. 271 33 Ibidem, p. 291 34 Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, nominação. 2003, p. 270. 35 Bem cultural visto na concepção integrativa do ser e do dever-ser, cuja dualidade existencial o suporte e o significado (valor) numa relação de implicação e polaridade a que se refere Miguel Reale (Introdução à
27
empregada na função prescritiva de condutas”.36 Revestido dessa forma, a linguagem do
Direito é canalizada para uma função prescritiva, voltada para expedição de ordens,37
comandos voltados ao comportamento das pessoas.
Nesse diapasão, é importante notar que o Direito, por meio da linguagem, não
detém o poder de controlar as condutas humanas, mas tão somente de motivá-las a um
desiderato.
Sendo o direito positivo um corpo de linguagem utilizado na função prescritiva
surgem, então, importantes ferramentas de análise para manipular e extrair o melhor
conhecimento desse estrato lingüístico, tais como a lógica deôntica, que se encarrega de
analisar as estruturas sintáticas da linguagem jurídica; a semântica, que trata dos processos
de significação e a pragmática, que trata do modo como essa linguagem se opera.
Melhor explicando, o direito positivo apresenta-se como um conjunto de
enunciados lingüísticos com predomínio da função prescritiva da linguagem. Sobre essa
camada de linguagem prescritiva do Direito é que podemos imprimir conhecimento sob a
ótica: a) sintática; b) semântica; e c) pragmática.
Esmiuçando cada uma destas, vemos que a análise sintática da linguagem do
direito positivo possibilita examinar as relações entre os signos que a compõem (relação
entre eles).
A análise semântica da linguagem do direito positivo, por sua vez, permite
verificar de que modo os signos se relacionam com os objetos, com os fatos e com as
condutas a que eles se referem (objetos significados). 38 Esse tipo de análise visa revelar as
significações contidas em seus comandos lingüísticos, permitindo identificar os valores
insculpidos pela sociedade, que esta pretende proteger no meio social.
Filosofia, 2003, p. 7) e Paulo de Barros Carvalho (Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 4) 36 Carvalho, Paulo de Barros. A visão semiótica na interpretação do direito, Revista da Associação dos Pós-Graduandos da PUC-SP, 2:5, 1997, p. 5. 37 Robles, Gregório. O Direito como Texto. Quatro estudos da teoria comunicacional do direito. Trad. de Roberto Barbosa Alves. São Paulo: Editora Manole, 2005, p. 79. 38 Santi, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. 2ª Ed. 1999, p. 28.
28
Por fim, o estudo pragmático da linguagem do Direito elucidará as relações
viventes entre os sujeitos – emissores e receptores de mensagens jurídicas – e as
mensagens propriamente ditas. Por essa ótica, pragmática, vê-se que o direito positivo
objetiva alterar as condutas, orientando-as no sentido desejado.
Segundo Paulo de Barros Carvalho, a busca do resultado desejado pelo direito
positivo implica a influência por todo tipo de estímulos, até mesmo a sanção em último
caso.39
Além desse ângulo de visão, do direito positivo como camada de linguagem, vale
voltar os olhos para o fato de que há outras linguagens e, em especial, linguagens que
cuidam de explicar outras linguagens. Isso nos dá a idéia de um sobreplano de linguagens,
da existência de uma hierarquia de linguagens.
Nesse sentido, o autor supracitado discorre acerca da denominada hierarquia da
linguagem (linguagem-objeto e metalinguagem), teoria que parte da premissa de que onde
houver uma linguagem existirá sempre a possibilidade de falar-se a respeito dela. Importa
reconhecer que há níveis de linguagem, de tal modo que aquela em que se fala é chamada
de linguagem-objeto, ao passo que a empregada para falar da linguagem-objeto denomina-
se metalinguagem.40
Dentre as diversas metalinguagens que há no universo comunicacional, destaca-se
a que têm o direito positivo como linguagem-objeto, denominada de Ciência do Direito.
Esta é uma linguagem que se constitui em um corpo de proposições descritivas do sistema
de prescrições que compõe o direito positivo.
A respeito dessa relação hierárquica, existente entre direito positivo e Ciência do
Direito,41 Lourival Vilanova aduzia que “a linguagem da ciência jurídica inevitavelmente
passa a ser linguagem sobre outra linguagem, tomando a linguagem do direito positivo
como linguagem-objeto. (...) seu propósito é exibir em linguagem apofântica a linguagem
39 Curso de direito tributário, 2005, p. 516 e Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência, 2005, p. 15 40 Carvalho, Paulo de Barros. “Língua e Linguagem - Signos Lingüísticos - Funções, Formas e Tipos de Linguagem - Hierarquia de Linguagens”. In: Apostila do Curso de Filosofia do Direito I - Lógica Jurídica. Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 41 Adotaremos Direito em letra maiúscula para nos referirmos à Ciência do Direito e em letras minúsculas para o direito positivo.
29
deôntica do direito positivo, recolhendo, pois, tanto normas quanto as condutas
normativamente qualificadas.”42
Em face disso, podemos concluir que a linguagem da Ciência do Direito
possibilita a expedição de proposições capazes de descrever os enunciados prescritivos do
direito positivo. Com efeito, portanto, há que se distinguirem os planos da linguagem do
direito positivo do plano da linguagem da Ciência do Direito, especialmente pela função
que cada uma desempenha no processo comunicacional do Direito.
As proposições do direito positivo se revestem de uma linguagem prescritiva,
ordenativa, de condutas; já as proposições da Ciência do Direito apresentam-se como
linguagem descritiva, denotativa ou referencial. Essa diferença na função da linguagem se
faz no plano de sentido pragmático.
Além dessa cunhagem diferencial de função da linguagem do direito positivo e da
Ciência do Direito, é possível distingui-las também no plano sintático, de natureza lógica.
Como dito acima, a Ciência do Direito se expressa por proposições descritivas e, por essa
forma, são experimentadas pelos valores de verdade ou de falsidade da Lógica
Apofântica.43 Formalizando, podemos dizer que são fórmulas do tipo “A é B” e que, por
isso, experimentam o sucesso da verdade ou falsidade da proposição.
Diferentemente, a linguagem prescritiva do direito positivo é testada pelos valores
válido ou não-válido, próprios da Lógica Deôntica.44 Vale notar que não são os
comportamentos humanos a experimentarem o sucesso da validade ou invalidade dessa
linguagem; as proposições desta linguagem objetivam tão somente modificar os
comportamentos sem, entretanto, expô-los a teste.
Isso significa tão somente que o comportamento humano, contrário a uma
prescrição normativa, não afeta o seu valor de verdade/falsidade, pois, em termos
científicos, a norma jurídica é válida ou inválida.45
42 Vilanova, Lourival. Norma jurídica – Proposição Jurídica (Significação semiótica). RDP 61/12, p. 12 43 Idem 44 Ibidem 45 Trataremos sobre validade da norma em subtítulo próprio.
30
Destaque-se, como fez Lourival Vilanova,46 que o ilícito não invalida a
proposição normativa correlata, sob pena de ruir o respectivo sistema de normas. Para este
consagrado jusfilósofo, “a proposição que recolhe o caso concreto discrepante do tipo
normativo é proposição descritiva de um estado-de-coisas (de conduta que, de fato,
descumpre o juridicamente estatuído); todavia tal proposição descritiva não pode
invalidar proposição deôntica ou prescritiva.”.
Por derradeiro, o ângulo semântico também oferece uma distinção no plano das
linguagens do direito positivo e da Ciência do Direito.47 Esse plano estreita o intervalo
interpretativo entre as linguagens do direito positivo e da linguagem social, haja vista estar
voltado ao sentido das condutas intersubjetivas no seu contexto social. No que atina à
Ciência do Direito, o uso da linguagem, na função semântica, propicia a formulação de
proposições cujo objetivo é proporcionar uma melhor compreensão das ordens e dos
valores emanados pelos textos do direito positivo (textos legais).
Insta salientar, que tal discurso tem natureza eminentemente descritiva, fala de seu
objeto, o direito positivo, que, por sua vez, também se apresenta como um estrato de
linguagem, porém de cunho prescritivo.
A Ciência do Direito deve ser entendida como o conjunto de proposições
descritivas a respeito de um determinado sistema de direito positivo, cuja finalidade é
investigar, interpretar e descrever o feixe de normas jurídicas que tem como objetivo
ordenar as relações intersubjetivas.
Igualmente, trata-se de linguagem de sobrenível (pois descreve um objeto que, por
sua vez, também está vertido em linguagem), de natureza descritiva (sendo a “verdade” e a
“falsidade” seus valores prevalentes), cuja base empírica serão os textos legais que
veiculam as normas do direito positivo, os quais são depurados mediante a substituição de
termos imprecisos por outros, buscando sempre que possível a univocidade dos vocábulos
lingüísticos.
46 Vilanova, Lourival. 1997, p. 106. 47 Carvalho, Paulo de Barros. “A visão Semiótica na Interpretação do Direito”, 1997, p.6.
31
De qualquer maneira, a linguagem da Ciência do Direito sempre será empregada
de modo a assegurar um “processo de elucidação” com a apresentação do sentido de
eventuais termos “ambíguos” ou “vagos” empregados na linguagem.
Para a afirmação de conceitos, importa anotar que empregamos o termo “ciência”
como o “conjunto de proposições descritivas, passíveis de verificação empírica, acerca de
um objeto suficientemente demarcado: no caso, os enunciados de direito positivo”.48
Segundo Paulo de Barros Carvalho, para isolar o Direito é necessário promover
um corte no domínio heterogêneo da linguagem que recobre todo o espaço da vida social,
provocando, com isso, o aparecimento de um subdomínio homogêneo em que se situa a
linguagem prescritiva. Nesta camada de linguagem, realiza-se outro talho selecionando o
outro subdomínio formado pela linguagem prescritiva do direito positivo, com o qual se
identificam os enunciados prescritivos que exibem a característica da juridicidade.49
Neste particular, observe-se que a juridicidade de um enunciado prescritivo
qualquer não poderá ser atestada pelo exame do seu próprio corpo de enunciado. Isto
ocorre porque a diferença existente entre um enunciado prescritivo jurídico e outro
enunciado qualquer é, justamente, o sistema de enunciados em que o primeiro está
inserido.
A compreensão de juridicidade desloca o predicado “ser-jurídico” dos enunciados
prescritivos para o conjunto em que estes enunciados estão contidos, do mesmo modo
como Norberto Bobbio deslocou a questão de ser jurídica a norma pertencente a um
ordenamento jurídico. Segundo este jusfilósofo, “o problema da definição do Direito se
torna um problema de definição de um ordenamento normativo e, conseqüentemente,
diferenciação entre este tipo de ordenamento normativo e um outro, não o de definição de
um tipo de normas.”50
Em razão disso, na esteira de Bobbio, devemos inferir que para identificar um
enunciado prescritivo jurídico bastará constatar que ele pertence à linguagem do direito
positivo. Conclui-se, portanto, inútil será qualquer esforço para demarcar o direito positivo
48 Santi, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. 1999, p. 50 49 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária. 2005, p. 4
50 Teoria do Ordenamento Jurídico. 2006, p. 28
32
indo diretamente aos enunciados que o compõe, o que só será possível pela consideração
de todo o conjunto de enunciados.
11. Os planos lingüísticos do direito – enunciado e norma
Diante dos aspectos da linguagem acima comentados, podemos reafirmar que o
direito positivo aparecerá sempre como fato comunicacional, cuja expressão se dá em
planos distintos, aparecendo primeiramente como produto legislado,51 na feição de
enunciado legal e, em segundo plano, como produto regulador, na estrutura de uma norma
jurídica.
Vale notar que o plano dos enunciados legais é um plano de expressão textual do
direito positivo e encontra-se como pressuposto do plano normativo, das normas jurídicas.
Assim, é necessário evidenciar que o direito positivo se manifesta pelos planos de
expressão e de conteúdo, revelando-se a importância em se ter discernimento acerca da
diferença semântica entre enunciados e normas jurídicas para a manipulação do Direito.52
A proposta deste capítulo vem no sentido epistemológico, pois se tenta demarcar
os pressupostos que serviram de instrumentos para a manipulação do direito positivo,
como adiante tentaremos demonstrar.
11.1. Produto positivado – texto legal enunciado
Ao reconhecermos na linguagem o único meio de se construir a expressão dos
objetos do mundo físico, levando-se em conta o seu suporte físico, o significado e a
significação, entusiasmadamente a tomamos como ferramenta eficiente para o isolamento
do direito no universo lingüístico para dele conhecer o seu conteúdo.
Trata-se de um isolamento gnosiológico, em que podemos restringir a nossa
análise ao estrato de linguagem do direito positivo, como discurso produzido pela
51 Sentido amplo de produto introduzido no sistema do direito positivo 52 Carvalho, Paulo de Barros. Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária. 2005, p. 59/61.
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linguagem do legislador.53 Com isso, vemos a importância de destacarmos o estrato de
linguagem, como objeto significado, produzido pelo legislador (sentido amplo), e como
plano de expressão do direito positivo, ou seja, somente como texto legal produzido.
Queremos enfocar que a produção e a introdução de enunciados legais, como
objeto do direito, nos possibilitam o acesso, num primeiro momento, tão somente ao
produto legislado, ao texto legal especificamente.
Assim, o direito positivo é o conjunto de enunciados prescritivos produzidos pela
autoridade competente, como pressuposto das normas jurídicas reguladoras das condutas
humanas. Com efeito, não pode ser considerada uma proposição da Ciência do Direito,
pois se trata de um texto legal, visto suas características lingüísticas serem incompatíveis
com o discurso científico.
Temos, nesse estrato lingüístico, um texto de natureza prescritiva, cujos valores
vigentes são os da lógica deôntica54 (válido e não-válido), tendo como escopo influenciar
as relações intersubjetivas ocorridas entre os indivíduos do lugar no qual propaga seus
efeitos.
O produto positivado, portanto, como texto de direito, em hipótese alguma, pode
ser confundido com as proposições da Ciência do Direito, já que se trata de corpos de
linguagem diversos, com discursos díspares e incompatíveis e com funções semânticas e
pragmáticas diferentes.
Nesse universo lingüístico, identificamos o texto legal como o objeto empírico da
Ciência do Direito. É sobre esse texto que o operador do direito debruça-se com o intuito
de interpretá-lo e descrevê-lo de modo a poder extrair de seu interior as normas que
nortearão o comportamento dos indivíduos em suas relações intersubjetivas.
53 Em sentido amplo para amparar toda e qualquer autoridade competente para introduzir enunciados legais no sistema do direito positivo, assim abrange os parlamentares que introduzem leis (em sentido amplo), os magistrados que expedem sentenças/acórdãos, as autoridades administrativas que procedem autuações e até mesmo os particulares quando celebram contratos. 54 Vilanova, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 1997, p. 106.
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O produto positivado é documento normativo e, bem nesse sentido, vem à lição de
Tárek Moysés Moussallem, para quem a Constituição Federal, emenda constitucional, lei
complementar, lei ordinária, decreto, portaria, instrução normativa, sentença, acórdão, ato
administrativo, contrato, etc., são invólucros compostos por enunciados, que não vêm a ser
as normas.55
Como se percebe, o produto legislado é o plano de expressão do direito positivo e
esse é corpo lingüístico que possibilita a estimulação de mensagens deônticas. Nessa linha,
inevitável não destacar que o legislador56 não cria normas, não produz significações
normativas. Ele se limita a introduzir enunciados legais no sistema do direito positivo.
Assim também agem os magistrados e os Tribunais em relação às sentenças e acórdãos,
bem como as autoridades administrativas, na lavratura de autos de infração e imposição de
multa, e, até mesmo, os particulares em relação à celebração de contratos; todos eles
expedem enunciados que viabilizam a produção de significados necessários para a
construção de normas jurídicas.
Obviamente que o processo de construção da significação deôntica não decorre
exclusivamente do plano de expressão, dos enunciados. Esse é o primeiro dado para
impulsionar o processo;57 há tantos outros relevantes, sem os quais não se chegará com
rigor à significação do deôntico, tais como: valores, circunstâncias históricas, políticas,
ideologias e tantas outras circunstâncias que interferem no processo de produção do
sentido jurídico de determinada norma. São inerentes ao processo de significação as
associações de sentidos, pois, visa-se a buscar o contexto em que a norma poderá ser
construída.
Assim, para o direito, não pode haver texto sem contexto.58
55 Moussallem, Tárek Moysés. As fontes do direito tributário. 2006, p. 166 56 Sentido amplo, abrangendo toda autoridade competente para expedir enunciados legais. 57 Paulo de Barros Carvalho diz que o texto é ponto de partida para a formação das significações e, ao mesmo tempo, para a referência aos entes significados, perfazendo aquela estrutura triádica ou trilateral que é própria das unidades sígnicas. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 17. 58 Carvalho, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 18.
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11.2. Produto regulador – norma jurídica
Entendemos como produto regulador a entidade originada em decorrência do
processo de construção de uma significação deôntica completa, que tem como pressuposto
a existência de enunciados legais. É a norma jurídica, dotada de comando normativo
regulador das relações intersubjetivas.
A norma jurídica é a significação que obtemos por meio da leitura e interpretação
dos textos de direito positivo. É ato cognitivo, produzido dentro da mente do intérprete,
resultado da percepção sensorial do mundo exterior e selecionado pelos sentidos. É,
exatamente, o objeto empírico da Ciência do Direito.
Quanto à sua estrutura, pode-se afirmar que a norma jurídica possui estrutura
dual,59 ou seja, é composta por duas partes distintas denominadas de hipótese60 e
conseqüente. A hipótese, de natureza descritiva, reproduz uma situação do mundo
fenomênico que, ao se verificar, acarretará o nascimento de uma relação jurídica cuja
prescrição encontra-se no conseqüente da norma.61
Nas palavras de Lourival Vilanova, a proposição normativa, mostra estrutura
implicacional: se se dá um fato “F”, recolhido numa proposição “p”, um sujeito se coloca
em relação deôntica com outro sujeito.62
Por assim ser, a norma jurídica possuirá sentido deôntico completo quando for
formada, a partir do direito positivo, pela descrição de um evento, como uma hipótese, a
qual servirá de pressuposto a desencadear uma conseqüência, representada, por sua vez,
por uma proposição relacional prescritiva de uma conduta proibida, permitida ou obrigada
(uma conduta modalizada).
59 Não nos referimos à teoria da estrutura dual da norma como sendo norma primária (preceito primário) e norma secundária (norma sancionadora) a que se refere Lourival Vilanova em As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 111. Trata-se da estrutura dual interna da norma. 60 Adotaremos o termo “hipótese” para fazer referência ao pressuposto das normas abstratas e o termos “antecedente” para as normas concretas. 61 Cléber Giardino já defendia essa estrutura em meados de 1980, em “Introdução à teoria das reduções tributárias”, RDT, 13-14, págs. 224/236. 62 Vilanova, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 112
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Vale notar que a estrutura formal da norma nada diz sobre fatos ou
comportamentos; insta destacar que servirá à necessidade de atestar que a um fato
pressupõe a existência de outro. Isso só nos ajudará a entender que a norma, sob essa
perspectiva, deve conter elementos mínimos para a constituição de uma relação jurídica.
O preenchimento do conteúdo da hipótese e do conseqüente normativo dependerá
de interpretação do texto do direito positivo, em que haverá que se identificar o evento
descrito e as correspondentes relações que dele (evento) irradiam.
Assim, os elementos normativos são construídos pelo intérprete do direito positivo
a partir de seu contato com a textualidade dos enunciados introduzidos no sistema
jurídico.63 O percurso do intérprete pelo texto do direito positivo é que o estimulará à
produção de um juízo acerca do que está nele e ao seu redor incrustado, explícita ou
implicitamente. É a presença da sincronia entre texto e contexto proporcionando a
formulação de uma proposição deôntica, cuja mensagem e informação acerca de
determinado comportamento se constituem no conteúdo material da norma jurídica. Assim,
saberá se o comportamento é permitido, proibido ou obrigatório.
Paulo de Barros Carvalho assevera, nesse sentido, que a “norma jurídica é a
significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo. Trata-se de algo
que se produz em nossa mente, como resultado da percepção do mundo exterior, captado
pelos sentidos. Vejo os símbolos lingüísticos marcados no papel, bem como ouço a
mensagem sonora que me é dirigida pelo emissor da ordem. Esse ato de apreensão
sensorial propicia outro, no qual associo idéias ou noções para formar um juízo, que se
apresenta, finalmente, como proposição.”64 Como corolário, a norma jurídica é a
significação dos enunciados prescritivos do direito positivo e de seu contexto.
No universo de enunciados e normas não vemos correspondência quantitativa entre
uns e outras. Com certeza, encontraremos uma quantidade de enunciados totalmente
diversa da de normas, assim podemos encontrar um número maior de normas do que de
enunciados ou, até mesmo, maior de enunciados em relação às normas.
63 Sobre sistema jurídico aduziremos na seqüência. 64 Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 2005, p.8.
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Isso se deve pelo fato de que tratamos de universos distintos, de planos lingüísticos
distintos. Esses planos indicam que a construção das normas decorrem da interpretação do
plano de expressão dos enunciados e, portanto, podemos ter v.g. para alguns enunciados
uma única norma ou, do contrário, um único enunciado possibilitar algumas normas (se
bem que mais incomum no direito positivo brasileiro).
Outro aspecto relevante da norma jurídica é que, no seu plano abstrato,65 podemos
antever uma relação implicacional da proposição-hipótese, como elemento descritivo de
um evento hipotético, com a proposição-tese, a qual prescreve critérios necessários à
constituição de uma relação jurídica qualquer entre sujeitos de direitos e deveres e, por
isso, predicamos de conseqüente normativo.
O que vale notar nesse cenário é que os elementos proposicionais da norma jurídica
(hipótese e tese) fornecem critérios para a constituição de fatos jurídicos e das respectivas
relações jurídicas que deles se desencadearam, regulando-as.
Em remate, é no conseqüente da norma jurídica, mais precisamente nos critérios da
relação jurídica prescrita, que encontramos um “dever-ser” modalizado pelos imperativos
permitido, proibido e obrigatório, regulando as relações intersubjetivas.
12. Texto e contexto – sistemas normativos
Em uma conformação da linguagem na busca de sentido, não podemos admitir a
hipótese de existir “texto sem contexto”.66 O texto é instância física com o qual o homem
toma contato para a produção de significações. Essas significações, no entanto, não
decorrem pura e simplesmente desse contato físico; são, na verdade, o resultado de idéias,
noções, sensações experimentadas juntamente com o contato físico do texto.
65 Abstrato no sentido de não existir ainda uma relação jurídica concreta, efetivamente amoldada àquela hipótese por ato de aplicação do direito. 66 Expressão utilizada por Paulo de Barros Carvalho em Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 18
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Como assevera Paulo de Barros Carvalho, “o texto é o ponto de partida para a
formação das significações e, ao mesmo tempo, para a referência aos entes significados,
perfazendo aquela estrutura triádica ou trilateral que é própria das unidades sígnicas.”67
Por assim ser, o texto ganha conotação relacional, agregando à sua instância física
uma porção de tantas outras instâncias textuais que acabam por gerar associações e, por
conseqüência, possibilitar as significações.
Essas associações não pertencem mais ao domínio do texto e, sim, do contexto, e é
nesse sentido que Paulo de Barros Carvalho afirma que “surge logo uma distinção que há
de ser feita: texto em sentido estrito e texto em acepção ampla. Strictu sensu, texto se
restringe ao plano dos enunciados como suportes de significações, de caráter
eminentemente físico, expresso na seqüência material do eixo sintagmático. Mas não há
texto sem contexto, pois a compreensão da mensagem pressupõe necessariamente uma
série de associações que poderíamos referir como lingüísticas e extralingüísticas.”68
Em relação a isso, assevera Alf Ross que o “o processo de comunicação (ou mais
brevemente, `a comunicação’) depende de algo mais que de fatores lingüísticos. Sabe-se
que a comunicação, em relação tanto à intenção do emissor quanto ao efeito produzido no
receptor, depende de seu contexto, tomado em seu sentido amplo, isto é, depende da total
situação vital concreta em que a comunicação ocorre.”69
Decorrente dessas manifestações é que podemos vislumbrar que, sem
ingressarmos na sua estrutura contextual, o enunciado lingüístico (texto) por si só, em sua
instância eminentemente físico-material, não possui significação.
Com efeito, a significação decorre da idéia de texto e contexto e, tendo em vista
isso, somos levados a pensar na unidade do discurso lingüístico, visando buscar a sua
67 Carvalho, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 17 68 Idem, p. 18. 69 O original consta assim: “El proceso de comunicación (o más brevemente, `la comunicación’) depende de algo más que de factores lingüísticos. Como es sabido, la comunicación, em relación tanto la intención del emisor como al efecto producido em el receptor, depende de su contexto, tomado en un sentido amplio, esto es, depende de La situación vital concreta en la situacón ocurre.”. ROSS, Alf. Logica de las normas, 1971, p. 14.
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uniformidade e entender como o direito regula as relações intersubjetivas por meio das
normas.
Ainda na esteira de Paulo de Barros Carvalho, vale lembrar que “como
significações construídas a partir dos enunciados prescritivos, as normas jurídicas existem
num universo de discurso que é o sistema de direito posto.”70
Assim, em termos científicos, podemos aduzir que a idéia de sistema é que nos
trará um discurso jurídico coerente e uniforme. No entanto, acerca do termo “sistema”,
cumpre-nos destacar, de início, que há grande instabilidade semântica no seu emprego e,
em face disso, há também infindáveis discussões filosóficas e científicas71 sobre a forma
sistematizada para se chegar ao conhecimento. Por envolver questão da ontologia, não
vamos manifestar um juízo a esse respeito. Partiremos da adesão ao conceito de sistema
como “um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma
referência determinada”.72
Registre-se também a importância da classificação de sistema feita por Hans
Kelsen em que fala acerca dos sistemas dinâmicos73 (em que as normas são deduzidas
umas das outras por sucessivas delegações de poder) e estáticos (em que as normas se
interligam no que se refere ao seu conteúdo). Assim também enriquecedora a classificação
feita por Marcelo Neves, sobre a qual aderimos à idéia de sistema proposicional,
nomoempírico descritivo (para enunciados da Ciência do Direito) ou prescritivo (para
enunciados do direito positivo).74
Vale observar que o direito positivo, como discurso jurídico (texto e contexto),
passa a ser visto como um ordenamento de enunciados e de normas. Nesse sentido, Tércio
Sampaio Ferraz Júnior certifica que, no direito contemporâneo, a dogmática tende a ver o
70 Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 41 71 Bobbio, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 2006, p. 71 72 Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 43 73 Teoria Pura do Direito, 2006, p. 219. 74 Teoria da inconstitucionalidade das leis. Saraiva, 1988, p. 4.
40
ordenamento jurídico como um conjunto sistemático e, por isso, segundo ele, quem fala em
ordenamento pensa, logo, em sistema.75
Em consonância com o conceito de sistema acima colacionado, Norberto
Bobbio, ao estudar a coerência do ordenamento jurídico, formulou a seguinte idéia:
“Entendemos por ‘sistema´ uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais
existe uma certa ordem.76
Conquanto esteja aberta a discussão ontológica sobre sistema, fiquemos
aqui com a idéia fundamental de um conjunto de elementos relacionados uniformemente
entre si, em face de uma mesma referência e segundo uma estrutura única.
Em termos paradigmáticos, mas enfocando o sistema das línguas, José
Luiz Fiorin afirma que “o sistema é um conjunto de elementos com uma organização
interna, ou seja, com uma estrutura.”77
Assim, destaca-se que a estrutura do sistema é escalonada, caracterizando-se
como um conjunto de regras que estabelecem as diferentes relações internas de
coordenação (horizontalidade) e de subordinação78 (verticalidade) entre os elementos do
conjunto.
Com fulcro nessas premissas, podemos afirmar que um conjunto qualquer de
normas, agrupadas sem critério, não se encaixa no conceito de sistema. Será, no máximo,
um conjunto de normas (um simples “repertório” no dizer de Tércio Sampaio Ferraz
Júnior),79 mas jamais um sistema hierárquico de normas.
Em remate desse tema, importa destacar que, ao sistema jurídico, predicam-se
foros de unidade mediante corte metodológico, com o apoio do axioma da “norma
hipotética fundamental” de Kelsen,80 para a qual todas as normas jurídicas convergem em
75 Introdução ao estudo do direito, 2003, p. 176. 76 Teoria do ordenamento jurídico, 2006, p. 71 77 Fiorin, José Luiz. Linguagem e ideologia. 7ª ed. São Paulo: Ed. Ática. 2000, p. 11. 78 Segundo Tércio Sampaio, “hierarquia é um conjunto de relações, estabelecidas conforme regras de subordinação e de coordenação.” Introdução ao estudo do direito, 2003, p. 175 79 Introdução ao estudo do direito, 2003, p. 175. 80 Teoria Pura do Direito, 2006, p.217
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face da força hierárquica existente entre elas. Por derradeiro, a homogeneidade do sistema
é atestada pela “multiplicidade de normas de mesma índole”81 dentro do sistema.
12.1. Sistema dos enunciados legais
O texto jurídico prescritivo não pode ser confundido com o sistema do direito
positivo. Paulo de Barros Carvalho destaca muito bem acerca da distinção que deve haver
entre “sistema dos enunciados legais” e “sistema do direito positivo”. Para ele, o primeiro
está no plano das literalidades textuais, da morfologia e sintaxe gramaticais. É mero
suporte físico que possibilita tão somente análise vernacular do texto jurídico, sem entrar
no plano de conteúdo do direito.
Trata-se de uma cisão, de cunho estritamente metodológico, para segregar,
analiticamente, o suporte físico (texto) do conteúdo (norma) dos enunciados prescritivos do
direito positivo.
É, quiçá, obra de interesse acadêmico para enfatizar que o texto normativo é o
único e exclusivo dado objetivo para os integrantes da comunidade comunicacional. Essa
objetivação, por meio do texto legal, ganha foros de importância, na medida em que, num
ordenamento jurídico escrito, a ausência de suporte físico implica a ausência de norma
jurídica e, conseqüentemente, a falta de regulamentação das relações intersubjetivas não
previstas.
Segregando a estrutura textual dos enunciados jurídicos, pode-se, num primeiro
momento, fazer a análise morfológica das unidades lingüísticas e detectar a existência de
um conjunto, sintaticamente finito, cujos elementos mantêm uma estrutura sistêmica. É o
que assevera Paulo de Barros Carvalho, ao afirmar que “os textos jurídico-positivos, nessa
dimensão de análise, vão constituir conjuntos finitos de enunciados prescritivos,
racionalmente organizados na forma de sistema.”82
Com essas breves palavras, queremos destacar que não se opera o direito tão
somente com a manipulação do texto jurídico, com a sua base material (mero suporte
81 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 48 82 Idem, p. 66
42
físico). É instintivo, mas é bom que se registre, que o contato com o texto nos leva
imediatamente ao plano do conteúdo do enunciado, porém, na seara científica, mister se
faz ressalvar que uma coisa é análise do plano de expressão e outra coisa é a análise do
plano de conteúdo do enunciado do direito positivo. São sistemas discursivos distintos.
O sistema da literalidade textual permite ao exegeta transitar pelos domínios da
língua (idiomática) e ingressar na análise morfológica e sintática da estrutura enunciada,
podendo avaliar o sentido (sintático) das construções frásicas. É relevante tal experiência,
na medida em que permite uma avaliação prévia do sistema textual que dá base para a
construção das significações de todo o sistema jurídico positivo, permitindo antever
deficiências morfológicas e sintáticas e ignorá-las ou corrigi-las para o ingresso no plano
de conteúdo dos enunciados prescritivos do direito positivo.
Como vimos, é nessa plataforma lingüística que o legislador (sentido amplo)
introduz alterações e faz repercutir, em todo o sistema jurídico positivo os efeitos da sua
mudança que, embora textual, altera o conteúdo das significações dos enunciados legais.
12.2. Sistema das normas
Ingressando agora no plano de conteúdo dos enunciados jurídicos, vamos nos ater
ao limite substancial da significação, isto é, à proposição extraída do enunciado. Isso nos
dá uma idéia de que enunciado aqui é entendido como a base material, articuladamente
produzida pelas regras idiomáticas, e a substância do seu conteúdo como uma proposição
de sentido. Portanto, enunciado e proposição serão tidos como de instâncias materiais
distintas.
Diante dessa evolução, podemos notar que o jurista ingressa em outro sistema, em
um sistema de significações jurídicas em que ele poderá identificar a regulação das
relações humanas (intersubjetividades).
Contudo, esse ingresso, por si só, ainda é limitado. Conquanto o jurista se depare
com o conteúdo dos enunciados prescritivos, enxerga-o de forma isolada, retirando
pequenas porções de significação do deôntico.
43
Agindo assim, o intérprete terá mero contato com a significação do plano básico
do enunciado prescritivo, como unidade do sistema do direito positivo. Nesse angusto
espaço construirá significações também isoladas que não revelarão o verdadeiro teor do
deôntico normativo do sistema positivado. Não irá construir normas jurídicas.
Nesse sentido, veja-se como o exemplo citado por Paulo de Barros Carvalho é
elucidativo: “A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil.” 83. Como podemos notar, o disposto no artigo 13 da Constituição Federal, embora seja um
enunciado prescritivo, não revela em seu corpo e conteúdo o mínimo do deôntico (o dever-
ser normativo), permanecendo como uma simples frase prescritiva (mera unidade
enunciada). Disso resulta que, se ficássemos limitados a esse domínio, teríamos a seguinte
dúvida: Está bem que é o idioma oficial do Brasil, mas e daí, o que isso significa? Significa
que, somente com esse estrato lingüístico, compreenderíamos que é o idioma oficial do
Brasil e pronto.
Por assim ser, o sistema do direito positivo exige mais do intérprete para que ele
atinja o patamar das normas jurídicas. Reclama a aglutinação e o confronto de enunciados
prescritivos, fazendo com que o intérprete articule e transite pelos “enunciados soltos” 84
por todo o conjunto sistêmico.
É por meio dessa atividade que se revela a existência de um sistema do direito
positivo, em que as unidades se caracterizam como um sistema de normas, diversamente
do sistema de enunciados.85 Assim é que podemos afirmar que as normas jurídicas são
elementos do direito positivo.86
Importa destacar, ainda, que é nesse plano sistêmico que encontramos os “fatos
jurídicos”, as “relações jurídicas”, as “hipóteses” e “conseqüências” jurídicas, todos como
elementos integrantes das normas jurídicas. Por isso, não podemos admitir a hipótese de
83 Ibidem, p. 72 84 Enunciados prescritivos soltos no sentido de unidades sistêmicas isoladas, integrantes de um mesmo conjunto. 85 No sentido anteriormente comentado, ou seja, como mera plataforma física (suporte físico). 86 Lourival Vilanova assevera que “um sistema de normas jurídicas é sistema empírico”. Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, p. 247
44
encontrarmos desgarrados do sistema do direito positivo por comporem a estrutura das
normas jurídicas.
É de se ver, então, que os comandos normativos, reguladores das condutas
humanas, estão sempre no sistema do direito positivo, integrados à estrutura condicional
própria das normas jurídicas, correspondendo à fórmula lógica-proposicional
“se...então...deve-ser...”.
Por essas razões, ao aduzirmos acerca do sistema do direito positivo,
vislumbramos um conglomerado de normas em relação estrutural, no plano horizontal e no
vertical. As normas estão organizadas hierarquicamente quando percebemos seu plano
vertical v.g. uma relação jurídica em que observamos as normas a partir da Constituição
Federal, leis complementares, leis ordinárias, decretos, regulamentos, portarias, etc. até
chegarmos à relação concretamente constituída. Podemos falar, aqui, em subordinação das
normas.
De outro modo, a organização pode ocorrer no plano horizontal, em que
detectamos uma relação jurídica a partir de normas coordenadas entre si, sem relação
hierárquica, porém, integrativas. É o que se chama de coordenação das normas.
Com efeito, o sistema do direito positivo apresenta-se como um sistema de
normas, cuja composição vertical se dá por elementos derivados, material e formalmente,
uns dos outros, em que a hierarquia vem de alto a baixo atestando as respectivas
competências. De outro modo, olhando-se o sistema do direito positivo de baixo para cima,
podemos atestar que cada norma está fundada em outras que lhe são superiores, atestando
as respectivas validades.
13. A interpretação no direito
Temos falado até aqui sobre a influência da linguagem no direito, mediante a qual
procuramos analisá-lo partindo do seu estrato lingüístico, nos seus planos, de expressão e
de conteúdo, em que sempre nos deparamos com as entidades que o caracterizam: os
suportes físicos, os significados e as significações.
45
Assim, como fenômeno de coerência de nosso discurso, que pretende ser
científico, é mister falarmos acerca de como se dá a interpretação do direito nesse sistema
de linguagem.
Assim, convém destacar que a aplicação87 do direito pressupõe a interpretação,
entendida como atividade cognoscitiva, norteada por regras hermenêuticas, tendente a
buscar o sentido, o alcance e o conteúdo das normas jurídicas.
Todavia, a doutrina tradicional sempre fez referência ao método de interpretação do
direito, apontando como hermenêutica jurídica algumas técnicas de interpretação que
pretendiam “buscar” o conteúdo das significações dos textos legais. Sempre foi uma
metodologia voltada a identificar a “vontade” do legislador88 como se fosse possível
“encontrar” uma significação separada do próprio texto legal. Sempre se teve uma noção
de que interpretar era usar técnicas hermenêuticas para “identificar” a significação que
estava “por detrás” do texto legal.
Exemplo claro dessa doutrina é citado por Paulo de Barros Carvalho,89 em que
aponta a clássica obra Hermenêutica e aplicação do direito, de Carlos Maximiliano, que
adota o modelo convencional, cuja orientação vem no sentido de que se faça o uso dos
métodos tradicionais, como a interpretação literal ou gramatical, o histórico, o lógico, o
teleológico e o sistemático. Por tão conhecidos, esses métodos dispensam maiores
detalhamentos. Por relevante, lembra o autor que essa doutrina convencional sempre
considerou, equivocadamente, a integração como um processo fora da interpretação, até
porque levada a essa inclinação pelo próprio Código Tributário Nacional – CTN - que
segregou os conceitos como se fossem processos distintos de conhecimento.
Dessa forma, percebe-se que, para a doutrina convencional, não há uma clara
percepção da hermenêutica e interpretação, ora misturando-se e ora segregando-se o
método hermenêutico da construção de significações.
87 Contudo “aplicação do direito” deve ser entendida como a atividade produtiva de veículos introdutores de normas jurídicas. Nesse sentido vale consultar Eurico Marcos Diniz de Santi. Lançamento tributário, 2001, p. 78; José Souto Maior Borges, Isenções Tributárias, p. 149 e Pontes de Miranda, Incidência e Aplicação da Lei, Revista da Ordem dos Advogados de Pernambuco. 88 Legislador em sentido amplo, abrangendo todo expedidor de atos normativos. 89 Curso de Direito Tributário, 2005, pág. 96
46
Em face disso, importa registrar a necessidade de aclarar a interpretação que
entendemos melhor delimitar esse espectro. Primeiramente, queremos chamar a atenção
para o fato de nos parecer mais adequado à busca das significações normativas a fixação de
um conceito mais abrangente de hermenêutica, adotando-a em sentido amplo, como aduz o
supracitado autor ao sentido de “hermenêutica filosófica”, em que a interpretação não se
limita à teoria científica do método, mas, sim, à interpretação que possibilite a construção
de significações do produto legislado.90
Com efeito, visto o direito como um plano lingüístico, o seu conhecimento exige a
investigação sempre calcada pelos seus planos fundamentais, que são a sintaxe, a
semântica e a pragmática. Com isso, é de se ver que os métodos da hermenêutica científica
estão aglutinados nesses planos lingüísticos e assim distribuídos: (i) da interpretação literal
ou gramatical e lógico estão abrangidos pelo plano sintático, já que é formado pela
“relação que os símbolos lingüísticos mantêm entre si, sem qualquer alusão ao mundo
exterior ao sistema”; (ii) a interpretação histórica e teleológica influem tanto no plano
semântico quanto no pragmático, já que o primeiro plano atina às “ligações dos símbolos
com os objetos significados”, e o segundo refere-se às “formas como os utentes da
linguagem a empregam na comunidade social, para motivar comportamentos”91 e (iii) a
interpretação sistemática, que “envolve os três planos da linguagem”.92
Com isso, deixamos claro que interpretar o discurso prescritivo do direito é
percorrer todos os planos dos sistemas jurídicos que o compõe, notadamente pelos seus
planos lingüísticos, e construir as correspondentes significações normativas.
É por isso que Eros Roberto Grau assevera que é “equívoco
reiteradamente consumado pelos que supõem que se interpretam normas”. Prossegue o
eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, dizendo que “a interpretação é, portanto,
atividade que se presta a transformar textos – disposições, preceitos, enunciados – em
normas”. Nessa linha ele deixa claro, com a remissão a Ruiz e Cárcova, que “as
90 Produto legislado em sentido amplo, abrangendo todos os atos normativos legais e infralegais. 91 Curso de Direito Tributário, 2005, p. 100 92 Nesse mesmo sentido pode-se ver as posições de Alchourrón – sobre interpretação ver Introducción a la metodologia de las ciências jurídicas e sociales, p. 113 e de Bulygin Hacia un critério empírico de validez, p. 23
47
disposições, os enunciados, os textos, nada dizem; eles dizem o que os intérpretes dizem
que eles dizem”. 93
14. Definição e classificação no direito
Segundo o “Dicionário prático de filosofia”, o termo “definição” pode ser
entendido, no sentido etimológico, como oriundo do “latim definire, demarcar, fixar
limites, definir – de fines, limites”. Já com significado comum, pode ser a “afirmação
formulando qualidades próprias a um ser ou a uma coisa e daí o significado da palavra que
designa ou ser ou a coisa. Para a lógica e para a filosofia, “definição” é o “enunciado que
formula a essência de um ser ou de uma coisa (Aristóteles, Tópicos 1, 5, 101 a)”.94
Segundo Luis Alberto Warat, a formulação de uma definição científica percorre o
denominado processo de estipulação ou de elucidação, em que o termo empregado no
discurso científico tem o seu significado especificado de forma mais precisa.95
Podemos ensaiar, em linhas gerais, que definir é delimitar os contornos de um
dado objeto, visando atribuir-lhe convencionalmente um significado; sendo assim, para o
direito,96 o que nos revela mais importante não é a “definição” em si mesma, mas sim a
utilidade da função definidora, pois esta possui a característica de eliminar as
ambigüidades e vaguidades dos termos, tornando-os mais precisos.
Postas dessa forma, as definições servem para buscar uma linguagem unívoca,
digna de um discurso científico.
Segundo Eurico Marcos Diniz de Santi,97 “toda definição é classificatória, na
medida em que compõe duas classes: a que atende e a que não atende ao critério do
93 Ensaio e discurso sobre interpretação/aplicação do direito. 3ª ed. 2005, p. 23. 94 Dicionário prático de filosofia, p. 84. Podem ser encontrados outros significados como v.g. “definição de verdade”, “definição estipulativa”, “definição real”, “definição ostensiva” dentre outros, no Dicionário Oxford de Filosofia, de Simon Blackburn; consultoria da edição brasileira, Danilo Marcondes; [trad., Desidério Murcho...et al.] – Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Edição de 1997. Págs. 90/92. Há também outros significados em “Dicionário de filosofia”, de Mario Bunge. Editora Perspectiva. [trad. de Gita K. Guinsburg] – São Paulo: Perspectiva, 2002. – (coleção big bang). Págs. 96/97 95 O direito e sua linguagem. 1995, 57. 96 Quando empregamos o termo “Direito”, com a primeira letra maiúscula, fazemos referência como Ciência. 97 As classificações no sistema tributário brasileiro. 1988, p. 129
48
definiens (ser ou não tributo, por exemplo)”. As definições também permitem segregar os
objetos em gêneros e espécies, propiciando uma ordenação do trabalho intelectual e
facilitando a compreensão do intérprete.
Assim, com o emprego de nomes genéricos, permite-se a criação de classes por
meio da agregação de todos os objetos com características semelhantes. Como exemplo,
podemos citar a palavra “mamíferos”, que representa um critério conotativo de uso da
palavra como, no caso exemplificado, de um termo aglutinador de todos os seres
portadores de glândulas mamárias. A existência de glândulas mamárias em alguns animais
é critério denotativo de inclusão na classe dos mamíferos. De outro modo, podemos anotar
a existência de outras características que acabam por representar critérios adicionais a
certos mamíferos, subdividindo-os em subclasses.
Sobre classe e subclasse, Irving Copi entende que “a classe cujos membros se
dividem em subclasses é o gênero e as diversas subclasses são as espécies”.98
As sucessivas divisões de classes e subclasses decorrem de um acréscimo de
predicado, denominado “diferença específica” por Santi, que nos permitem a visualização
do gênero e da espécie. Contudo, como adverte esse autor, as classificações dependem de
nossos interesses e de nossas necessidades.99
Nessa seara, Roque Antonio Carrazza ensina que “as classificações objetivam
acentuar as semelhanças e dessemelhanças em diversos seres, de modo a facilitar a
compreensão do assunto que estiver sendo examinado”. Segundo esse autor, “isto nos leva
a concluir que as classificações não estão no mundo fenomênico (no mundo real), mas na
mente do homem (agente classificador)”.100
Diante desse emaranhado discursivo e mantendo-se na esteira da linguagem do
direito, podemos vislumbrar, então, que há uma classificação no plano do direito positivo e
outra no plano da Ciência do Direito.
98 Introdução à lógica, 1981, p. 128. 99 Lançamento tributário, 1999, p. 208. 100 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 495
49
Segundo Santi, “as classificações no direito positivo têm cunho nitidamente
prescritivo e o fim precípuo de outorgar regimes jurídicos e definir situações jurídicas
específicas aos produtos dessas classificações. De outra parte, as classificações da Ciência
do Direito caracterizam-se por apresentar em linguagem descritiva e, justamente, têm por
objeto descrever as proposições prescritivas do direito positivo”.101
No cotejo dessas classificações, podemos atestar que a classificação pertinente ao
direito positivo, aquela posta pelo legislador,102 estará sempre submetida ao teste da
validade ou invalidade, como a todos os enunciados positivados, segundo a lógica
aplicável ao sistema jurídico a que pertencem. Já no caso da classificação da Ciência do
Direito, elaborada pelo cientista do Direito, por meio de linguagem descritiva própria,
estará submetida à lógica alética, tradicional, cujos valores são o verdadeiro e o falso.
Cuida-se aqui de proposição descritiva que exige coerência lógica dos critérios científicos
empregados para explicar o direito positivo.
De uma forma geral, as classificações no direito hão de observar critérios que
possam cunhá-las de jurídicas. Ademais, qualquer critério que não observe o limite
normativo do direito não produzirá classificação jurídica que lhe sirva com utilidade
aclaradora.
Nesse sentido, afirma Roque Antonio Carrazza que uma classificação jurídica
“deverá necessariamente levar em conta o dado jurídico por excelência: a norma jurídica.
Reforçando a asserção, a norma jurídica é o ponto de partida indispensável de qualquer
classificação que pretenda ser jurídica”.103
14.1. Classificação da norma jurídica
Como corolário do discurso até aqui apresentado, importa destacar agora as
classificações das normas jurídicas a partir da análise da Ciência do Direito, porém,
adotando, sem qualquer inovação, a classificação comumente referida pela doutrina pátria
101 Lançamento tributário, 1999, p. 211 102 No sentido amplo, abrangendo todas as pessoas competentes para introduzir enunciados legais. 103 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 494
50
e pelos meios acadêmicos, por gozar de prestígio em face de sua grande capacidade
elucidativa.
Falamos da classificação das normas jurídicas em individuais ou gerais e
abstratas ou concretas, levando em consideração, como fundamento classificatório,
basicamente os elementos que integram o antecedente e o conseqüente normativo.
14.1.1. Classificação pelo evento/fato do antecedente da norma
Cuidemos, primeiramente, neste subtítulo, da classificação pelo critério do
antecedente normativo em que encontramos o caráter abstrato ou concreto da norma.
Nesse mister, podemos afirmar que a norma jurídica será abstrata ou concreta
conforme a ocorrência ou não, no mundo fenomênico e jurídico, da hipótese descrita no
seu antecedente normativo.
Isso implica dizer que um dos elementos integrantes da norma jurídica é uma
proposição descritiva de um dado evento social cuja ocorrência jurídica104 permite
classificá-la em concreta e a sua não ocorrência em abstrata.
Assim, em outras palavras, podemos dizer também que a norma jurídica abstrata é
composta por uma hipótese descritiva de critérios determinantes de um dado evento, que é
insculpida em forma de enunciado conotativo. Dessa forma, a hipótese conota um evento
futuro, ainda não ocorrido (abstração). Essa classe de norma segue a fórmula: “se ocorrer
o fato F”.
Na seara do direito tributário, podemos aduzir à regra-matriz de incidência como
exemplo de norma abstrata, embora também geral, porque não denote qualquer relação
jurídica ainda, como adiante veremos.
Já acerca da concretude da norma, podemos afirmar que assim será classificada a
norma cujos eventos sociais descritos hipoteticamente na norma abstrata venham a se
104 Vale deixar clara a idéia de que o evento social por si só não terá relevância jurídica se não for vertido em linguagem competente por autoridade igualmente competente. Queremos esclarecer que o importante para o direito não é o fato social, por si só, mas sim sua versão em fato jurídico.
51
concretizar no mundo fenomênico e a sua ocorrência seja relatada em linguagem por
autoridade competente, constituindo-os em fato jurídico.
É de se observar que toda vez que uma autoridade competente constitui um fato
jurídico, com o relato em linguagem competente da ocorrência de uma dada hipótese
normativa, num dado tempo e lugar, a norma jurídica será classificada como concreta. Por
assim ser, não se trata mais de hipótese normativa e, sim, de um fato jurídico, revelando-se
como antecedente da norma concreta um enunciado denotativo. Essa classe de norma
segue a fórmula: “dado ter ocorrido o fato F”.
Como exemplo de norma concreta podemos trazer à colação o lançamento
tributário, em que o sujeito competente105 relata a ocorrência da hipótese prevista na norma
abstrata, promovendo a subsunção de todos os critérios da norma jurídica ao fato jurídico
tributário e implicando a correspondente relação jurídica entre sujeitos determinados
(contribuinte e Fisco). Esta norma, além de concreta, também é individual como veremos
logo abaixo.
14.1.2. Classificação pela relação jurídica do conseqüente da norma
Com semelhante enfoque, vale analisar as normas gerais ou individuais, cuja base
classificatória está calcada nos sujeitos da relação jurídica a ser constituída a partir de
critérios que se encontram no conseqüente dessas normas.
Assim, se o conseqüente normativo estiver prevendo uma relação jurídica entre
sujeitos indeterminados, tratar-se-á de uma norma geral. Cite-se, por exemplo, uma
proposição-conseqüente que estipula uma classe indeterminada de sujeitos, porém finita,
como “proprietários de veículos automotores” os quais deverão pagar o Imposto sobre a
Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Nota-se prima facie que estaremos diante
de uma norma geral porque não sabemos quem são os proprietários de veículos
automotores. Há indeterminação do sujeito.106
105 Referimo-nos à pessoa credenciada pelo sistema para promover o lançamento tributário. 106 Na sintaxe, fala-se em indeterminação do sujeito quando o verbo intransitivo ou transitivo indireto está na 3a pessoa do plural: “falaram mal de você”; ou na 3a do singular com índice de indeterminação: “precisa-se
52
De outro modo, havendo a individualização, mediante a expedição de uma norma
cuja proposição-conseqüente identifique o sujeito da relação jurídica, estaremos diante de
norma individual (o comentário é truísta, mas válido pelo registro retórico).
Na esteira do exemplo acima, imaginemos que o sujeito “Tício de Souza” tenha
sido identificado na norma concreta como sendo proprietário de veículo automotor; a
determinação desse fato implica uma relação jurídica constituída segundo os critérios da
proposição-conseqüente da norma, em que “Tício” estará obrigado a pagar o IPVA ao
respectivo Estado; daí ser essa norma da classe das individuais.
Em remate, importa destacar que a classificação das normas jurídicas, embora
tenha recorrente a aparição na doutrina, não se dá tão somente com a combinação de
normas gerais e abstratas ou individuais e concretas. No sistema do direito positivo,
encontramos várias combinações lógicas entre essas classes normativas, tais como: normas
gerais e concretas, individuais e abstratas e individuais e concretas.
Nesse sentido advertiu Luiz César Souza de Queiroz,107 buscando fundamento em
Kelsen e Bobbio, que a indicação desses binômios (geral e abstrata ou individual e
concreta), como se fossem combinações necessárias, não é correta; são imprecisas quando
assim indicadas porque não condizem com as possibilidades combinatórias.
Essas combinações vão surgindo, segundo Paulo de Barros Carvalho, na medida
em que o direito vai se positivando com vistas à regulação efetiva das condutas
interpessoais. Assim, na hierarquia do direito posto, quanto mais alto for o plano de ação
da norma, mais geral e abstrata ela tende a ser. É o processo de generalização das normas.
Na medida em que se desce nessa escala hierárquica a norma jurídica tende a concretude e
individualização das relações intersubjetivas. É o chamado processo de positivação das
normas jurídicas, caracterizando-se pelo avanço em direção às condutas humanas.108
de pedreiro”. Não é o caso a que nos referimos, pois, estamos a considerar a generalização do texto legal, que não especifica o sujeito. 107 Queiroz, Luiz César Souza de. Sujeição passiva tributária. 2002, p. 48. 108 Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 36
53
14.1.3. Classificação da norma pelo caráter da conduta regulada
Embora toda norma vise a regular condutas, é relevante destacar uma outra
classificação normativa em que se segregam (i) as normas voltadas a regular condutas
comuns, relacionadas tão somente às relações interpessoais, denominada pela doutrina de
normas de comportamento ou regras de conduta, das (ii) normas direcionadas a regular
condutas que produzem novas regras jurídicas; são condutas produtoras de novas estruturas
normativas e, por isso, também denominadas pela doutrina de normas de estrutura ou de
produção normativa.
Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho destacou bem a diferença entre essa classe
de normas, ao dizer que aquilo que se quer expressar sobre norma de comportamento é que
essa regra esgota a qualificação jurídica da conduta, orientando-a em termos decisivos e
finais, como a regra de estrutura, com seu timbre de mediatidade, institui condição,
determina limite ou estabelece outra conduta que servirá para a construção de outras regras
do primeiro tipo (de conduta).109
Como se pode ver, o objeto que permite o discríminem classificatório é o caráter
imediato/mediato da conduta regulada; assim, a conduta imediata (caracterizada pelas
relações interpessoais finais) é objeto da norma de comportamento e a conduta mediata
(caracterizada pela conduta que expede regra para regular outro comportamento)110 objeto
da norma de estrutura.
Segundo Luiz César Souza de Queiroz, essa classificação possui uma relevância
extrema para o estudo do processo de produção do direito.111 Para se ter uma idéia da
importância dessa classificação, basta lembrarmos alguns exemplos. Primeiro, como
normas de comportamento, destaquem-se as regras-matrizes de incidência dos tributos e
aquelas atinentes ao cumprimento dos deveres instrumentais ou formais (obrigações
109 idem, p. 39 110 Esclareça-se que não se trata, necessariamente, de hierarquia de normas; as normas de conduta não prescindem, necessariamente, de outras normas de inferior hierarquia para alcançar a região material das condutas. 111 Sujeição passiva tributária, 2002, p. 53/54
54
acessórias), oriundas da legislação infraconstitucional,112 dentre tantas outras. Segundo,
como normas de estrutura, invoquemos as normas que outorgam competências tributárias
e as que regulam os procedimentos administrativo-fiscais, para evidenciarmos a relevância
exemplar.
Bobbio, ao falar sobre o ordenamento jurídico, assevera que este é composto por
normas de conduta (que prescrevem a conduta que se deve ter ou não ter) que estão
alinhadas a outras normas, as de estrutura ou de competência (que prescrevem condições e
os procedimentos por meio dos quais emanam normas de conduta válidas).113
Como exemplos vivos do direito positivo vigente, podemos construir as seguintes
normas com base na legislação114 do IPVA:
Norma de Comportamento (destinada à conduta final):
Antecedente = ser proprietário de veículo automotor, no primeiro dia do ano civil,
no território do Estado.
Conseqüente = o proprietário deverá pagar à Fazenda do Estado a importância
equivalente a 4% do valor venal do veículo.
Norma de Estrutura: (destinada à conduta de produzir outra regra)
Antecedente = dado o fato de o Estado possuir órgão legislativo.
Conseqüente = deve ser a competência para que esse órgão edite normas sobre o
IPVA.
112 Destacamos que só a regra-matriz de incidência prevista na legislação infraconstitucional pode servir de exemplo de norma de conduta, pois, o arquétipo tributário referido por Roque Antonio Carrazza, não pode servir de exemplo dessa espécie de norma por se tratar de norma de competência tributária. 113 Teoria do ordenamento jurídico, 2006, p. 33. 114 Sentido amplo, a contar dos termos da Constituição Federal, CTN, lei ordinária dos Estados, etc.
55
Em remate, vale acrescentar que a presente classificação nos permite a
individualização da categoria normativa e a conseqüente aproximação da análise em
relação ao objeto que cada uma das normas efetivamente regula.
14.1.4. Classificação pelo caráter coativo da norma
O direito positivo, por si só, como estrato lingüístico, não tem o poder de interferir
fisicamente nas condutas humanas; possui, sim, um poder motivador115 psico-jurídico-
social que orienta como devem ser as relações intersubjetivas.
Assim, a depender tão somente desse plano orientador, a finalidade do direito
positivo ficaria condicionada à eficácia social116 das normas, ou seja, a sua finalidade só
seria atingida se a comunidade cumprisse todas as orientações, sem qualquer conflito. Isso
seria um plano ideal, porém utópico dado a complexidade das relações humanas e à
diversidade de interesses, além de infinitos fenômenos de mutação social, econômica, etc.
Diante dessa realidade, o direito positivo possui um aparato coativo no seu
sistema normativo, que visa a incrementar a sua força motivadora e tornar eficaz o seu
poder regulador sobre os comportamentos praticados no seio da comunidade social.
Conforme aduziu Kelsen, é o Poder do Estado como coação.117
Por assim ser, não queremos, com isso, afirmar que a clareza dos enunciados
prescritivos, possibilitando a construção de normas cristalinas, tenha o condão de coagir o
cidadão-administrado118 a cumprir o estatuído no direito positivo.
Na seara do direito positivo, o sujeito passivo de uma determinada relação jurídica
pode cumprir ou descumprir qualquer um dos modais deônticos (permitido, proibido e
obrigado) da norma jurídica. É o arbítrio dele que estará ou não em consonância com as
115 Referimo-nos ao poder de motivação em face do domínio do Estado, a que aduziu Kelsen. Teoria Geral do Estado, 2000, p. 12/13 e 21/22. 116 Como eficácia social queremos significar o cumprimento voluntário de todo o sistema normativo pelo cidadão, acatando-o sem contestação ou conflito. 117 Teoria Geral do Direito e do Estado, 2006, p. 129 118 No sentido de “povo”, como elemento objetivo do Estado, adotado por Celso Ribeiro Bastos, no seu Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. 6ª ed. 2004.
56
regras comportamentais estabelecidas pelo Estado para a comunidade social, sem que isso
afete a validade ou eficácia jurídica do sistema normativo.
Em decorrência disso é que surge uma visão maior da estrutura das normas
jurídicas, em que podemos atinar para o caráter unitário do direito positivo, porém,
bifásico, donde se evidencia uma primeira fase com a normatização substantiva das
relações jurídicas, compondo-as com os direitos e deveres e, numa segunda etapa, uma fase
de adjetivação sancionatória dos comportamentos não adequados à primeira fase
normativa.119 É a chamada estrutura completa da norma, decorrente da teoria da estrutura
dual da norma jurídica, em que constam duas partes: a norma primária e a norma
secundária.120 Essa a classificação a que nos referimos aqui.
As chamadas normas primárias estatuem as relações deônticas de direitos e
deveres correlatos; tudo isso se opera em face da verificação dos pressupostos fixados na
proposição descritiva de situações sociais ou já juridicamente qualificadas. No caso das
normas secundárias, preceituam-se as conseqüências do não cumprimento das normas
primárias, estabelecendo-se a sanção correlata.
Nesse cenário, importa destacar que não se trata de uma relação causal entre a
norma primária e secundária, mas de uma relação lógico-jurídica de antecedente e
conseqüente normativos. A norma secundária pressupõe logicamente a determinação
prévia de uma conduta pela norma primária (relação jurídica) e o seu descumprimento é
que ensejará a coação121 estatal por meio de órgão jurisdicional.122 É o Estado motivando
as condutas humanas por meio do seu poder coativo que é exercido, num estado
democrático de direito, pela sua função judiciária.123
A estrutura completa da norma jurídica poderia assim ser representada: “dado o
fato F, então deve-ser reconhecida a existência de relação jurídica entre `Sujeito Ativo -
119 Lourival Vilanova assim predica as normas primárias (substantivas) e secundárias (adjetivas). Causalidade e relação no direito, 2000, p. 123, 126 e 130. 120 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, p.111 121 Importante destacar que as normas primárias também podem ter preceito sancionador sem, entretanto, se confundirem com as normas secundárias pela ausência da eficácia coercitiva. Veja “Lançamento Tributário”, de Eurico Marcos Diniz de Santi, 2001, p. 43. 122 Obviamente temos por pressuposto a provocação da máquina judiciária pelo interessado. 123 Na mesma linha. José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, 2001, p. 553.
57
Sa’ e `Sujeito Passivo - Sp’, em que o primeiro tem o direito de exigir um dado objeto do
segundo, e este, o dever jurídico de entregá-lo”; e124 “Dado o fato de `Sp’ não ter cumprido
o seu dever perante `Sa’, então sofrerá os efeitos da decisão imposta pelo Poder
Judiciário”.
Por derradeiro, muito embora essa classificação seja inerente às normas jurídicas
e, ademais, relevante para a Ciência do Direito, importa destacar que, para os fins desta
dissertação, não recorreremos ao emprego da norma secundária, sancionatória, no trato de
nossas análises.
15. A validade da norma no direito
A partir do momento em que tomamos o direito positivo como um sistema
proposicional de normas, composto por vários subsistemas em decorrência das construções
mentais do intérprete, passamos a perceber que há uma relação entre norma e o critério por
ele (sistema) adotado para considerá-la como parte integrante.
É, pois, uma operação de inclusão do elemento normativo na sua classe (pura
construção lógica); daí, sustenta-se que a validade não é propriedade da norma e, sim, uma
relação entre a norma e o critério eleito pelo jurista.125
Pela identidade dos elementos componentes das normas com os critérios eleitos é
que se afirma ser a validade uma relação de pertinencialidade dela com o sistema.126
Assim sendo, a validade da norma equivale à existência; se existe é porque faz
parte do sistema eleito ou, logicamente, se faz parte do sistema é porque existe. Por essa
forma, podemos admitir que o preenchimento dos requisitos necessários implica a entrada
no sistema e, a partir desse ingresso, passa a existir (a norma será válida).
124 Destaque-se que este “e” deve ser tido na função lógica para atestar a validade das proposições primária e secundária, pois, se uma delas não for válida não há estrutura completa da norma, o que implicaria dizer, em direito positivo, inexistência de relação jurídica. É o que assevera Lourival Vilanova quando discorre sobre a “conexão entre norma primária e norma secundária, em “As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 1997, págs. 117 a 122. 125 Martin Diego Farrell, em La metodologia del positivismo lógico, 1979, p. 174. 126 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 50.
58
Lourival Vilanova assegura que “não há norma jurídica que não pertença a um
determinado sistema. Isoladamente, não tem ela o específico característico de valer, de ser
exigível, em sua observância e aplicação. Mesmo diante de toda norma cabe a pergunta: de
onde provém, de onde obtém sua existência válida? Há de provir de um sistema, em cujo
interior se encontram os modos de constituir e de desconstituir normas.”127
Vista a validade dessa forma, pode-se até mesmo criticar o uso da expressão
“norma válida” por caracterizar uma redundância. A norma existe ou não existe; daí que,
ao falar em “norma inválida” incorre-se em uma contradição em termos (se é norma, não
tem como ser inválida).
Diante desse discurso, logo vamos levantando questão correlata no que atina ao
modo de como se reconhecer a validade da norma, a sua existência. Importa dizer que o
próprio sistema jurídico estabelece os requisitos da existência da norma (validade),
mediante a prefixação do órgão competente e o procedimento128 para a sua introdução e,
até mesmo, muitas vezes, delimita a sua matéria. É, em outras palavras, a relação de
pertinencialidade da norma ao sistema do direito positivo.
Note-se que o sistema prescreve o processo de produção normativa e o produto
dele resultante há de ser presumido como norma válida. Disso resulta uma conclusão: se é
o sistema quem cria a norma, só o sistema pode expurgá-la. Trata-se de um processo intra-
sistêmico.
Explique-se que, posta uma proposição prescritiva, ela é presumidamente válida,
até que outra proposição prescritiva a exclua do sistema.
Desse processo resulta uma presunção de existência da norma introduzida no
sistema (presume-se válida a norma). Conquanto possa parecer que a dúvida acerca de
como reconhecer a validade da norma, a sua existência sistêmica, permanece aberta, não
127 Causalidade e relação no direito, 2000, p. 55 128 O modelo kelseniano vem no sentido de ser válida a norma produzida por órgão credenciado pelo sistema e na conformidade com o procedimento também previsto no ordenamento jurídico. Teoria pura do direito, 2006, p. 166/167.
59
nos esqueçamos de que a presunção de validade da norma é juris tantum129 e, portanto, até
prova em contrário, ela será considerada válida.
Ocorre, todavia, que, aos olhos do destinatário da norma, nem sempre é clara a
visão acerca do seu processo de produção ou da autoridade que a introduziu no sistema,
permanecendo a aparência de legitimidade do veículo introdutor ou do órgão emissor. Mas,
ainda que seja explicitamente visível aos olhos do destinatário, a norma continuará válida,
surtindo, inclusive, todos os seus efeitos130 jurídicos.
Essa afirmação, que pode até doer no espírito do justo, vem carregada pelo
pressuposto de que o sistema jurídico é prescritivo e, assim sendo, somente uma prescrição
pode afastar outra prescrição do ordenamento jurídico positivo.
Kelsen asseverou que “as normas de uma ordem jurídica valem enquanto a sua
validade não termina, de acordo com os preceitos dessa ordem jurídica.”131 Em outras
palavras, a norma num sistema jurídico é válida até que o sistema, mediante outra norma
válida, cancele sua validade.
Por essa forma, por mais absurda que possa parecer a norma, a eventual não
submissão do seu destinatário aos efeitos dela decorrentes carecerá de outra prescrição
normativa. Assim como o sistema dispõe de meios para a introdução das normas, possui
também outros meios de eliminação daquelas que não cumpriram os requisitos sistêmicos à
sua introdução.
Como o destinatário da norma não pode, por si só, expulsar a norma do sistema,
ele torna disponíveis meios para ingressar em seu contexto e pleitear a sua invalidação.
Igualmente ao processo de introdução da norma, o processo de expulsão também se dará
por órgão credenciado e procedimento previsto pelo próprio sistema. É o processo,
administrativo ou judicial, conforme a natureza da norma jurídica (geral e abstrata, geral e
concreta, individual e concreta ou individual e abstrata).
129 Presunção relativa que admite prova em contrário. 130 Ressalvamos os efeitos em decorrência de vigência e eficácia serem distintos da validade. 131 Teoria pura do direito, 2006, p. 233
60
Por isso, ninguém, em sã consciência, deixa de cumprir uma norma pela crença,
ou até certeza, de sua ilegalidade ou inconstitucionalidade. Assim, evidencia-se que o
sistema estabeleceu que a validade da norma fosse contemporânea à sua introdução no
sistema (imediata e presumida) ao passo que a sua invalidação depende de nova norma
prescritiva.
Por derradeiro, temos para nós que válida é a norma que pode ser aplicada aos
fatos que pretende regular, ainda que sua vigência tenha sido restrita, no tempo, por outra
norma, permanecendo aplicável tão somente aos fatos praticados ao tempo em que
vigorou.
16. A validade do enunciado legal
Outro cenário da validade diz respeito ao plano dos enunciados legais, do suporte
físico das normas jurídicas, ou seja, dos textos legais em face do sistema de enunciados
prescritivos do direito.
Por essa forma, importa destacar que são diferentes os planos de validade das
normas jurídicas e dos enunciados prescritivos do direito positivo.
Como referido anteriormente, o sistema de enunciados prescritivos é composto
pelo conjunto de enunciados que servem de suporte físico às normas jurídicas. Esse
sistema está estruturado pelo conjunto de documentos legais, normativos, introduzidos
conforme as regras do direito positivo e, por isso, nem todos os enunciados existentes
pertencem ao sistema dos enunciados prescritivos do direito positivo.
Exemplificativamente lembremo-nos do texto da Constituição Federal, das Leis
Complementares, das Leis Ordinárias, dos Decretos, das Portarias, das Instruções
Normativas, etc.
Nesse sentido, é fácil destacarmos dessa realidade sistêmica os enunciados
emitidos por um parlamentar em forma de um relatório de atividades, de um projeto de lei,
um esclarecimento do Governo, publicado no diário oficial, e tantos outros enunciados
61
lingüísticos que, mesmo veiculando informações oficiais dos Poderes do Estado, não são
leis.132
Por essa distinção é que podemos vislumbrar que há uma forma de ingresso no
sistema de enunciados do direito positivo, regulada por ele próprio. Nesse sentido, Tárek
Moysés Moussalem discorre longamente acerca da norma sobre produção jurídica,
dizendo que “a norma sobre produção jurídica descreve, em seu antecedente, um agente
competente e o procedimento prescrito pelo ordenamento para a produção normativa e, em
seu conseqüente, prescreve a obrigação de todos respeitarem as disposições inseridas, pelo
próprio veículo introdutor, no sistema do direito positivo.”133
Com isso, podemos anotar que o direito positivo regula, por meio de normas, a
produção e a alteração dos enunciados prescritivos, compondo o respectivo sistema, o
sistema dos documentos normativos.
Por essa forma, só integrarão o sistema de enunciados prescritivos aqueles
introduzidos por normas jurídicas que resultam da “aplicação da norma sobre a produção
jurídica e são da espécie concreta e geral, construída a partir da leitura da epígrafe e do
preâmbulo134 do documento normativo, responsável por introduzir enunciados prescritivos
no sistema.135 O antecedente desse tipo de norma é composto por um enunciado protocolar
– fato jurídico – que projeta no documento normativo a linguagem constitutiva do agente
competente, do espaço, do tempo em que se realizou a sua atividade, bem como deixa
indícios (nome da espécie do veículo introdutor) do procedimento utilizado para a
confecção do documento. Todos presumidos juris tantum. O conseqüente é composto de
uma relação jurídica modalizada pelo functor obrigatório (O), que prescreve o dever de
toda a comunidade observar as regras jurídicas criadas pelo exercício de uma dada
competência e de um dado procedimento.”.136
132 Em sentido estrito, como espécie normativa de texto legal. 133 Fontes do direito tributário, 2006, p. 171 (item 6.4) 134 Refere-se o autor ao título (epígrafe) v.g. “Lei n. 7777, de 20 de novembro de 2007” e à ementa (preâmbulo) v.g. “Esta lei dispõe sobre o Imposto sobre Produto Industrializados – IPI”, como veículo introdutor. 135 É o denominado “veículo introdutor de normas” a que aduz Tárek Moyses Moussallem em Fontes do Direito Tributário, 2006. 136 Idem, p. 176-177 (item 6.4).
62
Assim, para o sistema dos enunciados prescritivos, válidos serão tão somente os
enunciados que tiverem como pressuposto a validade do seu respectivo veículo introdutor.
Enfim, havendo incongruência entre eles (veículo introdutor e enunciado prescritivo) o
enunciado não será pertinente ao sistema de enunciados e, conclusivamente, não será
válido.
Capítulo 3 - O sistema jurídico-tributário brasileiro
17. Sistema jurídico nacional
Como já referido, o sistema jurídico é o conjunto de normas jurídicas dispostas de
forma harmônica e hierarquicamente organizadas, que mantém uma estrutura unitária com
vínculos de coordenação e subordinação de umas normas em relação às outras.
Em decorrência desse vínculo, podemos antever uma hierarquia de normas que
nos faz logo olhar para o ápice dessa estrutura para sabermos de onde sai o fundamento de
validade de todas elas.
A resposta devemos buscar na norma fundamental de Kelsen, em que
encontramos o axioma de que todo o sistema retira sua validade. Mas, sabendo que a
norma de Kelsen é pressuposta137 e, portanto, como fonte do sistema, estaria ela própria
fora dele, passamos, então, por meio de um corte medotológico, a considerar essa força
axiomática e a fixar o mais alto plano do sistema jurídico na Constituição Federal de 1988.
É na Constituição Federal que encontramos todos os elementos do Estado; ela é o
documento normativo em que “estão incluídas as linhas gerais que disciplinam a
organização dos elementos do Estado, a forma e estrutura dele, o sistema de governo, a
divisão e funcionamento dos Poderes, o modelo econômico, direitos, deveres e garantias
constitucionais, dentre outros.”138
137 Teoria pura do direito, 2006, p. 225 138 Luiz Alberto David Araújo, Curso de Direito Constitucional. 2008, p. 3. Em sentido semelhante José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 2001, p. 37;
63
A Constituição139 é a lei fundamental de uma nação, fruto de um evento político
marcado como Poder Constituinte, que cria o Estado.140
Por essa compleição, podemos vislumbrar que aqui reside o fundamento de
validade de todo o sistema jurídico nacional. Assim, pode-se garantir que o conjunto de
normas construídas diretamente do texto da Constituição Federal constitui o subsistema
jurídico das normas constitucionais do direito positivo brasileiro.141 E, paralelamente a
esse sistema, encontramos o subsistema dos enunciados constitucionais do direito positivo
brasileiro, compondo a base fundamental de todo o sistema jurídico.
Com efeito, podemos, prima facie, anotar que a norma jurídica constitucional
goza de status superior na hierarquia do sistema do direito positivo. Nesse sentido assevera
Roque Antonio Carrazza que “as normas constitucionais, além de ocuparem a cúspide da
pirâmide jurídica, caracterizam-se pela imperatividade de seus comandos, que obrigam não
só as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado, como o próprio
Estado.”142
É dessa seara que didaticamente “recortamos” os demais subsistemas do direito
positivo, assim como, v.g., o direito civil, o penal, o tributário, o processual, etc., que hão
de estar em consonância com a Constituição.
Cumpre observar que, devido ao fato de a Constituição ser entendida numa
concepção mais formal,143 ou seja, são normas constitucionais aquelas que se identificam
com os enunciados insculpidos em seu corpus, a identificação de uma norma
139 Em que pesem os diversos significados que podem ser atribuídos ao termo “Constituição”, ficamos com o sentido de estrutura íntima do Estado como órgão emissor de ordens imperativas e detentor do Poder coercitivo. 140 Estado em sentido amplo, abrangendo todos os órgãos emissores de ordens imperativas e detentor do “monopólio” da coerção. 141 Paulo de Barros Carvalho assevera ser o “fundamento último de validade semântica” do sistema do direito positivo brasileiro, Curso de direito tributário, 2005, p. 102 142 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 34 143 Importa destacar exceção introduzida recentemente na Constituição Federal em que a EC n. 45, de 08 de dezembro de 2004, introduziu o parágrafo 3º ao artigo 5º da Constituição Federal, estabelecendo que os enunciados contidos em tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, gozam de status constitucional equivalente ao status das Emendas Constitucionais. Portanto, aqui está uma exceção à regra de que todas as normas constitucionais estão na Constituição Federal.
64
constitucional prescinde de maiores investigações do seu conteúdo substancial (material).
Ir a fundo no conteúdo da norma constitucional implica, na verdade, a identificação dos
vetores axiológicos que influem na construção das normas em geral, até mesmo das
normas constitucionais, tais como: república, federalismo, soberania, igualdade, segurança
jurídica, etc.
Posto dessa forma, vemos que, no Brasil, não é necessária a investigação do
conteúdo da norma para que seja caracterizada como constitucional e ocupe o patamar
hierarquicamente mais elevado no sistema do direito positivo; basta, para isso, construí-la a
partir dos enunciados constitucionais, ressalvada a exceção anteriormente anotada em
rodapé (EC n. 45/04 sobre direitos humanos).
Importa ressaltar que, muito embora haja diferentes significações adotadas pela
doutrina, pátria e alienígena, acerca do termo “Constituição”,144 preferimos adotar
objetivamente o sentido que leva em consideração a (in)compatibilidade vertical das
normas inferiores com a própria constituição, ou seja, o sentido formal e o material das
normas.
Nessa linha, no sentido formal, aduzimos às normas que são produzidas por
autoridade competente e de acordo com o procedimento estabelecido pela própria
Constituição. Já no sentido material, referimo-nos à substância material ditada pela
constituição para a produção das normas. Ou seja, o conteúdo objetal das normas jurídicas
deve estar em consonância com o conteúdo delimitado nas normas constitucionais.145
144 Celso Ribeiro Bastos, certifica que o sentido amplo de Constituição é "a idéia de que a Constituição é a estrutura íntima de um ser.". Já em sentido estrito, por sua vez, seria possível atribuir sentido (a) material, definida como o conjunto de forças políticas, econômicas, ideológicas, etc., que conforma a realidade de determinado Estado – definição não jurídica (b) substancial, definida pelo conteúdo de suas normas, o qual deveria ser substancialmente constitucional e (c) formal, esse nada tem a ver com uma dada matéria ou com as forças políticas intersubjetivas, mas tão-somente com uma espécie de documento normativo. Curso de Direito Constitucional. 2001, p. 41/47. 145 Roque Antonio Carrazza assegura que a própria norma constitucional deve ser interpretada e aplicada de modo consentâneo com os princípios da Carta Constitucional, Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 44.
65
Assim sendo, o descompasso entre enunciado inferior (leis, decretos, portarias,
etc.) e a Constituição, seja no sentido formal seja material, acarreta a sua
inconstitucionalidade, podendo ser invalidado.
Igualmente, é a partir da Constituição que se regula toda a atividade de produção
normativa, dispondo sobre competência legislativa. Assim, a norma constitucional, além de
estabelecer os órgãos competentes e o procedimento para a introdução de normas jurídicas
no sistema do direito positivo, determina também, em maior ou menor grau, o conteúdo da
norma a ser produzida.
Trata-se, nesse caso, de norma constitucional de estrutura, em que se estabelecem
os modais deônticos da competência normativa, permitindo, proibindo ou obrigando algum
sujeito de direito a criar uma norma jurídica. Essa norma constitucional pode, ainda, em
maior ou menor potência, estabelecer a estrutura normativa, ou seja, pode fixar as
hipóteses e as conseqüências como termos de sua composição.
Por assim ser, evidencia-se que o sistema do direito positivo brasileiro não impede
que a Constituição estabeleça o conteúdo da norma jurídica.146 Essa limitação pode se dar,
em regra, tanto pelos modais, “proibido” e “permitido”, em que a norma jurídica a ser
produzida está proibida ou permitida a conter determinada substância, quanto pelo modal
obrigado, em que a norma jurídica não poderá deixar de conter determinada matéria.
A título exemplificativo, podemos destacar alguns dispositivos da Constituição
Federal de 1988 em que, embora os modais não apareçam tão identificados com os termos
clássicos (permitido, proibido e obrigado), aparecem com suas diversas variantes. Citem-
se, inicialmente, como exemplos relativos aos modais, “permitido” e “proibido”, o “caput”
do artigo 145, cujo enunciado dispõe que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios poderão instituir os seguintes tributos:”; o artigo 150 estabelece que “sem
prejuízos de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
146 Nesse sentido encontramos as lições de Hans Kelsen, para quem a norma jurídica constitucional “tem a atribuição de prescrever positivamente certo conteúdo dos futuros estatutos.” Teoria pura do direito, 2006, p. 249.
66
ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem que lei que o
estabeleça.” (grifos nossos)
Já no que atina ao exemplo do modal “obrigado”, podemos fazer referência ao
inciso I do § 2º do artigo 153, que estabelece que o imposto sobre a renda e proventos de
qualquer natureza “será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da
progressividade, na forma da lei;”. (grifos nossos)
Como dito acima, o texto constitucional vem expresso nas variações lingüísticas
dos modais deônticos, mas, ainda assim, explicitam o imperativo da ordem constitucional.
Há, em toda a constituição, normas com esses modais, de maneira que seríamos repetitivos
fossem arrolados mais exemplos.
Por essa forma, podemos ver que a superioridade da Constituição acarreta uma
limitação - material e procedimental - à criação e alteração de enunciados prescritivos do
direito positivo. Com efeito, podemos concluir que a Constituição Federal estabelece o
conteúdo que há de possuir as normas jurídicas introduzidas pelos enunciados produzidos
pelo órgão legislador, num primeiro momento (em face do princípio da legalidade) e, por
conseqüência, em seguida, aos demais órgãos autorizados a introduzir normas jurídicas no
sistema do direito positivo (em face da regulamentação e aplicação do direito).
Na esteira da comentada hierarquia do direito positivo, vale lembrar que o
significado dos enunciados da Constituição Federal se sobrepõe ao significado dos
enunciados da legislação infraconstitucional. Assim, a significação formulada pelo
intérprete acerca dos enunciados de inferior hierarquia, para a construção de normas
jurídicas, há de ser em consonância com o significado dos enunciados constitucionais.
A norma constitucional deve sempre se sobrepor, em termos semânticos, a todos
os ramos do ordenamento jurídico, influindo na construção de todas as normas jurídicas de
inferior hierarquia.
18. Sistema constitucional-tributário brasileiro
Como visto, o conjunto de normas jurídicas constitui o sistema jurídico brasileiro
e a investigação acerca de sua composição permite-nos ver que no ápice desse sistema,
67
encontramos, com características próprias, um subsistema em decorrência do corpo de
enunciados da Constituição Federal - os enunciados constitucionais - formando, então, o
que denominamos de direito constitucional, do qual se produzem as respectivas normas
constitucionais.
Esmiuçando um pouco mais o subsistema constitucional e analisando as suas
porções é possível “dividi-lo”, didaticamente, em tantos outros subsistemas nos quais se
aglutinam características normativas que conotam um objeto material comum. Trata-se, em
verdade, de um conjunto de normas que acabam por constituir outro subsistema, como
aduzimos exemplificativamente, o subsistema do direito constitucional, tributário,
administrativo, civil, comercial, penal, processual, etc.
Disso resulta que, identificando-se a presença de normas jurídicas, dentre tantas
outras no emaranhado de enunciados constitucionais, que regulem, direta ou indiretamente,
a atividade estatal de tributar, tem-se aí o conglomerado de normas constitutivas do
subsistema constitucional tributário.
Note que, como unidade sistêmica, a homogeneidade do subsistema constitucional
tributário se dá pelo fato de estarem todas as normas insculpidas no texto constitucional e
disciplinarem a atividade estatal de criar, fiscalizar e arrecadar tributos. Com efeito, é um
subsistema que, quase exclusivamente, regula a competência tributária atribuída aos entes
políticos tributantes: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
É realidade que a nossa Constituição Federal cuidou minuciosamente da questão
tributária, estabelecendo toda a diretriz normativa para as relações jurídicas envolvendo
matéria dessa natureza.
Nesse sentido, assevera Geraldo Ataliba que algumas constituições se
caracterizam como um “cheque em branco” no que diz respeito à disciplina tributária, sem
regras ou com regras muito frouxas, permitindo discricionariedade da Administração
Pública no trato da matéria tributária.147
147 Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, 1968, p. 31.
68
Não é o caso da Constituição Federal do Brasil que, segundo Roque Antonio
Carrazza, o “nosso constituinte cuidou do tema à exaustão e com esmero, podendo-se dizer
que, neste passo, beirou os limites do casuísmo”.148
Por assim ser, nossa Constituição Federal está caracterizada por uma marca
expressiva de enunciados destinados a regular a matéria tributária, colocados ao lado de
tantos outros destinados a disciplinar a estrutura do Estado, a divisão e organização dos
poderes, os direitos e garantias fundamentais. Por esse paralelo, há de se ver, então, a
importância que galgou o subsistema constitucional tributário.
Como corolário, as disposições constitucionais tributárias estabelecem as balizas
mestras do objeto, material e formal, que as pessoas políticas, União, Estados, Distrito
Federal e os Municípios deverão observar para a produção de normas jurídico-tributárias.
Isso quer dizer que a produção normativa relativa às relações jurídico-tributárias está
integralmente regulada pela Constituição Federal.
Nessa seara, importa destacar que a norma jurídico-tributária caracteriza-se pela
constituição de uma norma infraconstitucional cuja hipótese possui elementos descritivos
de um evento lícito e prescreve em seu conseqüente os critérios para a constituição de uma
relação jurídica entre dois sujeitos, cujo objeto será uma prestação pecuniária devida pelo
sujeito passivo ao Estado, numa relação implicacional.
Por essa forma, podemos ver que o subsistema constitucional tributário regula o
Poder de tributar, limita o Poder do Estado, equiparando-o juridicamente ao do particular,
ou seja, deixando ambos submetidos aos limites impostos pelo direito positivo.
Com efeito, o subsistema constitucional tributário disciplina a limitação ao
“poder” de tributar, estabelecendo o que se conhece como competência tributária. Esta é
caracterizada como um vértice regulador em que vislumbramos a vertente do exercício da
capacidade tributária ativa do Estado (direito de tributar) de um lado e a vertente da
capacidade contributiva do contribuinte (direito de ser tributado até o limite de sua
capacidade econômica) do outro.
148 Conflitos de Competência – Um caso concreto. 1984. p. 30
69
Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza assevera que “entre nós, a força tributante
estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Como veremos em
seguida, cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso País, poder tributário
(manifestação do ius imperium do Estado), mas competência tributária (manifestação da
autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-constitucional). A
competência tributária subordina-se às normas constitucionais, que, como é pacífico, são
de grau superior às de nível legal, que prevêem as concretas obrigações tributárias.”149
Impende registrar que a norma de competência tributária, por estar alçada no
plano constitucional, não está restrita a uma visão pragmática, cuja finalística seria regular
tão somente o comportamento do órgão político tributante; mais que isso, a norma de
competência, para esse mister, possui um perfil completo acerca da matéria tributária.
Assim, ela alcança todas as nuances que implicam uma relação jurídica tributária,
esboçando, então, o arquétipo tributário às pessoas políticas.
Insta dizer que a norma de competência descreve como hipóteses normativas os
eventos possíveis de serem tributados, os fatos jurídicos e as pessoas possíveis de serem
imunes à tributação, a conformação do valor ao fato tributado (base de cálculo e alíquota) e
até mesmo os princípios constitucionais aplicáveis a cada espécie tributária. É a
demarcação do campo de atuação do legislador infraconstitucional.
Por derradeiro, é no bojo do subsistema constitucional tributário que
encontraremos as prescrições normativas acerca do processo legislativo e dos respectivos
documentos normativos, credenciados para introduzir no sistema de enunciados
prescritivos do direito positivo tributário, novos enunciados com substância tributária.
19. O federalismo e o sistema tributário brasileiro
Como visto até aqui, o direito positivo está calcado em um sistema normativo
estruturado hierarquicamente, do qual as normas inferiores retiram o fundamento de
validade das normas superiores.
149 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 469
70
Dessa forma, a criação e alteração do direito positivo atuam como uma referência
circular, em que a aplicação do direito pressupõe a introdução de novos enunciados e
novas normas e ambos pressupõem a existência de enunciados e normas que os precedem
como fundamento de validade. Assim, diz- se que o direito cria o próprio direito.
Nesse mister, estamos aqui a considerar a criação e a alteração do plano de
expressão do direito (corpus), mediante a introdução de enunciados no sistema de
enunciados do direito positivo.
Vale registrar, porém, que o direito como objeto cultural que é, recebe a carga
semântica dos valores que também implicam a sua alteração.
Os valores são a carga quantitativa e qualitativa de afeição psicofísica que
atribuímos a determinados objetos,150 dimensionando-os conforme nossa influência social.
Assim, determinados objetos têm seus valores variantes de indivíduo para indivíduo.
O mesmo ocorre com o direito positivo, pois, embora o signo expresso no direito
positivo (o enunciado) não seja alterado por qualquer outro, ainda, assim, pode ocorrer
alteração semântica dos seus termos. Importa lembrar recente alteração promovida pela Lei
nº 11.106/05 no Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de
1940, cuja causa foi exatamente a alteração do sentido em face da evolução do valor que se
emprestava à expressão “mulher honesta”151 e “mulher virgem”,152 nos crimes sexuais
praticados contra a mulher.
Não fosse a evolução do valor da mulher no seio da sociedade, como titular de
direitos e deveres iguais aos dos homens,153 o adjetivo “honesta” continuaria sendo
elemento nuclear dos crimes sexuais praticados “só” contra mulheres ditas honestas. Como
se admitisse que as mulheres supostamente (ou ainda que fossem assumidamente)
150 No sentido de objeto do conhecimento, coisa a ser explorada. 151 Esta expressão era empregada nos artigos 215 e 216 do CP para os crimes de posse sexual e atentado ao pudor, ambos mediante fraude. 152 Esta expressão constava do artigo 217 do CP que previa o crime de sedução e foi revogado. 153 CF, artigo 5º, inciso I. “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição;”
71
desonestas não poderiam ser vítimas de crimes sexuais (em outras palavras, o agente não
seria considerado criminoso e tampouco punido).
O mesmo se diga a respeito do valor acerca da emancipação sexual da mulher em
que a citada lei revogou o artigo 217, que previa o crime de sedução de mulher virgem e
visava a assegurar a sua virgindade até os 18 anos de idade.
Essa revogação se deve à evolução da sociedade, possivelmente influenciada
pelos movimentos modernistas de igualdade aliadas à prematuridade dos jovens da
sociedade moderna, que propiciou a alteração semântica do conceito, influindo,
primeiramente, na aplicação caso a caso do direito pelos juízes e, posteriormente, com a
alteração sintática dos próprios enunciados do direito positivado pelo legislador.
Assim, além desses breves destaques acerca das possibilidades de intervenção no
sistema do direito positivo, é corolário destacar o comentado no item “classificação da
norma pelo caráter da conduta regulada”, do capítulo II, em que destacamos que esse
sistema jurídico positivo alberga normas destinadas a (a) regular as condutas humanas e (b)
normas destinadas a disciplinar os comportamentos de produção normativa.
Igualmente, a característica hierárquica do direito positivo revela-nos que a cada
uma dessas normas correspondem outras em relação superior, que lhes dão o seu
fundamento de validade.
Desse modo, as normas de produção normativa são normas de estrutura,154 que
estabilizam as nuances do processo legislativo, estabelecendo os limites legiferantes do
órgão introdutor de enunciados no sistema do direito positivo. É a denominada norma de
competência legislativo-tributária.
É por meio de normas dessa natureza que a Constituição garante a divisão do
direito de tributar entre as pessoas políticas que abaixo tentaremos demonstrar.
154 Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ed. 2005, p. 139
72
20. Federalismo e tributação
Conforme ensina Roque Antonio Carrazza, para sabermos as reais dimensões da
competência tributária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
precisamos conhecer acerca do federalismo no Brasil.155
Contudo, colocaremos de fora tudo o quanto não for diretamente relacionado à
questão da competência tributária. Portanto, não ingressaremos nas discussões ontológicas
do federalismo, de cunhos filosóficos, históricos, políticos e tantos outros que não
exprimem diretamente idéias sobre a relação federalismo e tributação.
Assim, como intróito deste subitem, queremos registrar que federalismo atina à
forma de composição de um Estado. É o perfil de como se apresenta um Estado e por meio
do qual podemos vislumbrar sua organização.
Fala-se, então, em federação, quando nos referimos ao Estado constituído a partir
da associação de diversos outros Estados, os quais consentem em institucionalizar sua
integração participativa, abrindo-se mão de algumas prerrogativas políticas em prol da
soberania do Estado novo, mas mantendo a sua própria autonomia político-administrativa.
É a chamada união de Estados.156
Assim, o reconhecimento, pelos Estados-membros,157 de um poder supremo e
autônomo do Estado Federal indica a sua característica marcante e distintiva dos demais
Estados/Nações.158
Não deve ser confundida Federação com Confederação de Estados e Estado
Unitário Descentralizado. No primeiro, há uma união de Estados, geralmente de cunho
internacional, formando a confederação sem, entretanto, os Estados-membros perderem a
155 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 123 156 Distingue-se “União de Estados” dos “Estados Simples”, aqui Estado unitário lá associação de vários Estados. 157 Estados-membros abrange o Distrito Federal e os Municípios, também como entes políticos de uma Federação. 158 Nesse sentido Roque Antonio Carrazza afirma que o “traço distintivo e específico do Estado é a soberania, entendido como poder supremo autônomo e originário. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 128
73
sua própria soberania. Diferente, ainda, no segundo caso, identificamos um Estado único,
soberano, em que há a presença de diversos governos autônomos, porém vinculados a um
governo central, cuja competência legislativa é tão ampla que pode até mesmo promover
alteração - ou ainda extinguir - na autonomia dos governos descentralizados.
Baseados nessas sucintas características, já podemos afirmar que o Brasil é uma
Federação159 e, também, fundamentar essa assertiva com base no artigo 1º da Carta Magna,
que estabelece ser “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal...”. Como se não bastasse esse dispositivo,
atentemo-nos para um outro ainda mais relevante; o artigo 60, §4º, inciso I, o qual
estabelece que a “ forma federativa de Estado” não poderá ser abolida por emenda à
Constituição.
Geraldo Ataliba aduz que “Federação implica igualdade jurídica entre a União e
os Estados, traduzida num documento (constitucional) rígido, cuja principal função é
discriminar competências de cada qual, de modo a não ensejar violação da autonomia
recíproca de qualquer das partes.”. Por essa visão, numa Federação a Constituição é alçada
à condição de fundamento da repartição de competências.
Por assim ser, vemos que o princípio federativo é a base da divisão jurídica160 do
Estado Brasileiro. Nesse sentido, professa Roque Antonio Carrazza revelando que, por
força do princípio federativo, convive harmonicamente uma múltipla incidência normativa,
ou seja, a ordem jurídica global (o Estado brasileiro) e as ordens jurídicas parciais (a
União, como ordem central, e os Estados-membros, como ordem periférica) e que essa
159 Michel Temer registra que “o Brasil é Federação desde 15 de novembro de 1889. Segundo ele, o Decreto n. 1, como ato constituinte, fixou que as antigas Províncias ficariam constituindo só ‘Estados Unidos do Brasil”. O Decreto no. 1, de 15 de novembro de 1889, assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que proclamou provisoriamente e decretou, como forma de governo da Nação Brasileira, a República Federativa, e estabelece as normas pelas quais se devem reger os Estados Federais, prescreveu, em seu artigo 1º, que “Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da Nação Brasileira – a República Federativa”. Elementos de Direito Constitucional. 2005, p. 84 160 Aqui expressamos uma idéia ampla de divisão jurídica para abranger todas as atribuições juridicamente possíveis dos Estados-membros, não só a competência tributária.
74
harmonia só é possível por força de rigorosa discriminação de competências no bojo da
Constituição Federal.161
Assim, em outras palavras, a competência se dá pela autonomia legislativa de
cada Estado-membro e da União para expedir enunciados legais que compõem, juntamente
com a Constituição Federal, o sistema do direito positivo do Estado brasileiro.
Com efeito, isso nos revela que essas ordens jurídicas possuem áreas delimitadas
pela Constituição Federal para atuação. A Lei Máxima demarca, então, um controle das
fronteiras da autonomia dos Estados-membros e da União, não podendo qualquer delas
extrapolar esses limites, sob pena de ofensa ao princípio federativo.
No campo tributário, essa demarcação vem explícita às pessoas políticas na
medida em que a Constituição Federal estabelece a cada uma a forma e os meios para
prover as necessidades de seu governo e de sua administração. Para isso, há uma garantia
de receitas tributárias próprias, viabilizadas pela divisão da competência tributante que
serve como suporte à autonomia dos entes federados.
Com efeito, então, evidencia-se que a sobrevivência de uma Federação depende
da não restrição da autonomia dos entes federados, bem como do não abuso da autonomia
por eles mesmos.
Há, em outras palavras, necessidade de uma harmonia das autonomias dos entes
federados, mediante uma equilibrada distribuição de competências para a aferição de
receitas, notadamente tributárias, que sirva de instrumento para preservar o regime
federativo.
Nesse sentido, assevera Sacha Calmon Navarro Coelho, “é essencial à estrutura
federal de Estado a repartição de competência, de modo que cada ordem jurídica parcial,
que somente vale dentro do âmbito territorial de cada ente descentralizado, possa nascer de
Poder Legislativo próprio daquele ente estatal descentralizado”.162
161 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 139 162 Comentários à Constituição de 1988. 2006, p. 20
75
Com efeito, dado que, em decorrência do princípio federativo, cada ente político
necessita obter seus próprios recursos, a Constituição Federal de 1988 estatuiu normas de
competência tributária que conferem às diferentes pessoas políticas de direito público
interno, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, instituir seus próprios
tributos.
21. Competência é norma do sistema jurídico positivo
Diante dessa divisão jurídica do Estado, vemos que, ao lado das normas relativas à
estrutura do Estado, divisão e organização de Poderes, direitos e garantias fundamentais,
convivem disposições acerca da matéria tributária, que conferem competência aos entes
políticos para legislar e, assim, obter recursos financeiros para a satisfação dos interesses
públicos atinentes ao seu território.
Assim, muito se discute, na seara da Ciência Jurídica, o significado da chamada
competência tributária no Estado brasileiro.
Como já destacado anteriormente, a norma jurídica qualificada pela conduta
regulada pode ter como desiderato disciplinar a conduta humana decorrente das relações
intersubjetivas ou o comportamento de produção normativa.
No caso da competência tributária, vemos que há uma norma direcionada aos
Estados-membros,163 autorizando-os, por meio de seus respectivos órgãos legislativos, a
editarem e introduzirem enunciados prescritivos no sistema do direito positivo.
Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho adverte que não se pode confundir
competência com capacidade tributária ativa. A primeira deve ser entendida como a
habilitação para editar enunciados prescritivos, inovando o direito positivo, a segunda
corresponde à integração ao pólo ativo da relação jurídico-tributária.164
163 Sentido amplo, que abrange também o Distrito Federal e os Municípios. 164 Curso de Direito Tributário, 2005, p. 219.
76
Por assim ser, podemos notar que a expressão “competência tributária”, então,
pode ser entendida no sentido de direito subjetivo de que são titulares os órgãos
legislativos dos Estados-membros para a criação de tributos.
Nessa seara, no entanto, importa registrar que a referida expressão dá margem a
interpretações bem mais abrangentes. Ricardo Lobo Torres, por exemplo, ao falar da
competência recebida pelos Estados-membros, faz alusão a um “poder tributário” que
surge rigidamente limitado pela Constituição e constitui uma especial manifestação do
poder estatal.165
Além disso, a expressão “competência tributária” é mais uma daquelas cujo
significado pode ser atribuído conforme a ênfase que se pretende destacar, ou seja, pode-se
referir à “competência tributária” a fim de identificá-la como parte da soberania do
Estado166; como “poder tributário”167; como “partilha do poder de tributar”168; como
“princípio constitucional”.169
Em que pesem esses empregos pelos mais renomados doutrinadores do país, com
a ênfase peculiar que cada um pretendeu imprimir a seu discurso, o ponto relevante é que
não se pode confundir “poder” com “competência tributária”. O primeiro é pré-jurídico, é
pressuposto do sistema do direito positivo. Já o segundo, diz com o próprio sistema
normativo, é integrante do sistema como elemento normativo.
Nesse sentido, assevera Roque Antonio Carrazza que “no Brasil, por força de uma
série de disposições constitucionais, não há falar em poder tributário (incontrastável,
165 Curso de Direito Financeiro e Tributário. 1998, p. 310. 166 Ruy Barbosa Nogueira identifica competência tributária como parte da soberania do Estado, cujo exercício é regulado pelo Direito Constitucional Tributário. Curso de Direito Tributário. 1995, p. 117 167 Gian Antonio Micheli identifica competência tributária como “poder tributário” a “potestade tributária”. Curso de Direito Tributário. 1978. p. 56/57. Sacha Calmon Navarro Coelho, também faz referência à competência tributária, como “poder” para instituir e exonerar tributos. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 2001, p. 477/478. 168 Hugo de Brito Machado ao discorrer sobre a competência tributária dos Estados-membros, adota, como sinônimas, as expressões “partilha do poder de tributar” e “parcela do poder tributário”, e as elenca entre os princípios jurídicos da tributação. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 2008, p. 40, 272-273. 169 Victor Uckmar entende competência tributária como um verdadeiro princípio de Direito Constitucional Tributário, se reportando a um poder tributário do Estado. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. 1999, p. 104-129.
77
absoluto), mas, tão somente, em competência tributária (regrada, disciplinada pelo
direito).170
Seja como for, a expressão “competência tributária” e as suas “variantes
sinonímicas” têm sido empregadas, no mais das vezes, pela Ciência do Direito, para
designar os direitos subjetivos de que são portadores os órgãos legislativos para criar um
dado tributo.
Roque Antonio Carrazza assevera que “competência tributária é a possibilidade de
criar in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência,
seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas.”.171
Na mesma linha discorre Paulo de Barros Carvalho, para quem “a competência
tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são
portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a
produção de normas jurídicas sobre tributos.”.172
Além dos autores acima, registre-se a adesão de José Eduardo Soares de Melo173e
de Eduardo Marcial Ferreira Jardim,174 que também, comumente empregam a expressão
“competência tributária” e no mesmo sentido. Há, ainda, no cenário da doutrina nacional,
outros autores que também dão ênfase ao direito subjetivo dos Estados-membros de criar
tributos como indicativo da competência tributária. Citamos José Artur Lima Gonçalves;175
Hugo de Brito Machado;176 Márcio Severo Marques;177 Betina Treiger Grupenmacher,178
Maria do Rosário Esteves179 e Clélio Chiesa.180
170 Curso de Direito Constitucional Tributário. 2006, p. 469 171 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 471 172 Curso de direito tributário, 2005, p. 218 173 Curso de Direito Tributário. 2001, p. 100/104 174 Manual de Direito Financeiro e Tributário. 1999. P. 180-185 175 Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. 2002, p. 88-89 176 Curso de direito tributário. 2008, p. 272 177 Classificação constitucional dos tributos. 2000, p. 93 178 Tratados internacionais em matéria tributária e ordem interna. 1999, p. 37 179 Normas gerais de direito tributário. 1997, p. 57 180 A competência tributária do Estado brasileiro – desonerações nacionais e imunidades condicionadas. 2002, p. 28
78
Assim, pode-se ensaiar que “competência tributária” é norma de competência
legislativo-tributária, em sentido estrito, ou seja, é norma de estrutura que estabelece os
critérios autorizadores para que as pessoas constitucionais possam proceder à edição e à
modificação das regras-matrizes de incidência tributária, instituidoras de seus respectivos
tributos.
Importa notar que tal autorização não é absoluta, devendo observar os limites
formais e materiais para a instituição de tributos que o próprio sistema do direito positivo
impõe.
Há limites a serem observados pelo legislador dos Estados-membros (legislador
infraconstitucional). Os limites formais dizem respeito aos órgãos e ao procedimento de
como devem ser editados os enunciados prescritivos. Já os limites materiais disciplinam o
conteúdo dos enunciados a serem editados pelo ente político competente, sujeito passivo
da norma de competência tributária.
22. Tributo é norma do sistema jurídico positivo
A linguagem adotada pelo legislador não carrega em si mesma o rigor perseguido
pela Ciência do Direito.
O parlamento, em regra, congrega homens das mais diversas experiências e
conhecimentos, cada um com suas influências formadoras, com vocação para representar o
povo segundo os interesses que cada um entende estar representando. Disso, resulta um
emaranhado de enunciados que são introduzidos no sistema de enunciados do direito
positivo, com uma linguagem eivada dessa ascendência heterogênea.
Por esse motivo, importa registrar que o termo “tributo”, empregado na
Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, não é unívoco, dá margem à
ambigüidade e, portanto, dificulta o conhecimento do direito positivo.
79
Tanto é verdade que Paulo de Barros Carvalho registra seis acepções181
comumente encontradas na manipulação do direito positivo brasileiro, tanto pela doutrina
quanto pela jurisprudência. Diz o autor ter encontrado os seguintes significados: “a) tributo
como quantia em dinheiro; b) tributo como prestação correspondente ao dever jurídico do
sujeito passivo; c) tributo como direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) tributo
como sinônimo de relação jurídica tributária; e) tributo como norma jurídica tributária; e, f)
tributo como norma, fato e relação jurídica. Eis aí a nossa ambigüidade.
A Constituição Federal possui dezenas de enunciados em que é empregado o
termo “tributo”, assim como encontramos variações decorrentes desse termo, tais como
“tributário” e “tributar” sem, entretanto, qualquer delimitação de seu significado. Se
contarmos, um a um, considerando o termo “tributo” e seus derivados, identificaremos 52
(cinqüenta e duas) referências expressas a eles no texto constitucional.182
O Código Tributário Nacional, por sua vez, prescreve em seu artigo 3º, uma
definição de tributo, porém, como resultado legislativo, vez que a linguagem técnica
empregada não foi suficiente para oferecer um adequado entendimento desse termo.
Por assim ser, a boa doutrina, há muito tempo, vem criticando a atecnia do
legislador acerca da definição de tributo e, como atividade científica, descritiva do direito
positivo, tem tentado oferecer uma definição mais rigorosa desse objeto cognitivo.183
Nesse mister, por ser uma criação do subsistema constitucional tributário e em
face da superior hierarquia que as normas constitucionais exercem sobre as demais normas
da denominada pirâmide jurídica, o significado de “tributo” não pode ser construído a
partir das normas infraconstitucionais.
Assim, se admitimos como critério validador das normas a hierarquia sistêmica,
do mesmo modo não podemos admitir que a definição de termos empregados na
181 Curso de direito tributário, 2005, p. 19 182 Não relacionamos os artigos para não se tornar exaustiva uma mera exemplificação que não agregaria muita coisa ao nosso discurso. 183 A propósito disso Roque Antonio Carrazza ensina que não cabe à lei definir, muito menos à Lei Maior. Segundo ele, definir é missão da doutrina. A lei deve mandar, proibir ou facultar. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 380
80
Constituição Federal sejam definidos pela legislação infraconstitucional num processo de
inversão da pirâmide, especialmente no caso de termos cujo significado implica uma
obrigação jurídica e ainda que a tentativa seja com significado aclarador. Em nosso sistema
jurídico, as significações devem ser buscadas nas normas de superior hierarquia, não o
contrário.
Com efeito, podemos antever que a definição de tributo não pode ficar ao arbítrio
do legislador infraconstitucional, sendo indispensável a sua construção a partir dos
enunciados da Constituição Federal. Essa tem sido a tônica de uma doutrina mais vigorosa
visto que, como profere Roque Antonio Carrazza, “a procura pela verdade científica não
pode terminar na simples leitura de um texto legislativo (ainda mais quando ele briga com
texto legislativo hierarquicamente superior)”.184
Nesse sentido, então, encontramos o esforço da doutrina de José Artur Lima
Gonçalves, em que ao tratar do conceito constitucional de “renda”, para fins de conhecer
sobre o “tributo” incidente sobre a “renda”, teve a feliz constatação de que “admitindo-se
que é a Constituição que confere ao legislador as competências tributárias impositivas, o
âmbito semântico dos veículos lingüísticos por ela adotados para traduzir o conteúdo
dessas regras de competência não pode ficar à disposição de quem recebe a outorga de
competências”.185
Fosse assim, o limite da competência ficaria à discricionariedade do próprio
legislador infraconstitucional e, aí, teríamos o desmoronamento do sistema do direito
positivo brasileiro.
Assim como acontece com o termo “renda”, também o termo “tributo” não
encontra definição no texto constitucional, havendo, portanto, a necessidade de sua
edificação por meio do contexto normativo constitucional, ou seja, há que se promover
construção da definição constitucional de “tributo” a partir das normas constitucionais.186
184 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 42 185 Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais. 2002, p. 171 186 Nesse sentido temos o endosso de Roque Antonio Carrazza que adverte que “o fenômeno tributário não pode ser analisa com respaldo, apenas, na legislação infraconstitucional. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 377
81
Em outras palavras, cabe ao intérprete construir o significado de tributo a partir das normas
constitucionais.
Por esse caminho já trilhou Geraldo Ataliba, o qual identificou que as relações
jurídicas decorrentes do sistema jurídico nacional, que se caracterizam pela entrega de
dinheiro ao Estado, são oriundas de situações lícitas ou ilícitas. Assim, concluiu ele, em
face da relação constituída, que a entrega de dinheiro decorrente de condutas lícitas é uma
obrigação tributária e a de ilícitas outras obrigações não tributárias.187
Também com o mesmo ânimo científico, Roque Antonio Carrazza, após
reconhecer que a Constituição não estabeleceu explicitamente o que venha a ser “tributo”,
cuidou de figuras afins a ele, como, v.g., a desapropriação, o serviço militar e outras
obrigações impostas pelo Estado ao cidadão, e concluiu que os contrastes oferecidos pela
Constituição Federal, em termos de relações jurídicas, propicia a construção do significado
de “tributo”. Por esse caminho, ele definiu “tributo” como sendo “a relação jurídica que se
estabelece entre o Fisco e o contribuinte (pessoa colhida pelo direito positivo), tendo por
base a lei, em moeda, igualitária e decorrente de um fato lícito qualquer.”188
Por entendermos ser esse o caminho adequado para o significado do termo
“tributo” é que também entendemos que a definição oferecida pelo Código Tributário
Nacional, no citado artigo 3º, ou seja, “tributo é toda obrigação pecuniária compulsória, em
moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,
instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”, só
será válida189 se estiver em consonância com o significado empreendido pela Constituição
Federal sem, entretanto, existir margem para interpretações restritivas ou extensivas do
significado que lhe é hierarquicamente superior.
187 Conclui Geraldo Ataliba assim: "a obrigação pecuniária, legal, não emergente de fatos ilícitos, em princípio. Estes fatos ilícitos podem ser geradores de multa ou de obrigação de indenizar." Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 37. 188 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 380 189 Como se trata de texto do direito positivo, a validade aqui decorre da lógica deôntica, alética, em que os valores são a validade e invalidade dos termos, e não da lógica apofântica cujos valores são a verdade e falsidade.
82
Como se observa, quer-nos parecer que a definição constitucional de “tributo”
exige a fixação em dois termos normativos que podem ser extraídos por meio da estrutura
analítica190 das normas jurídico-constitucionais que regem as obrigações; o primeiro diz
respeito à instituição por lei de uma hipótese obrigacional de ato lícito, praticado
discricionariamente pelo sujeito administrado e, como segundo termo, a conseqüência de
entregar dinheiro, pelo sujeito que praticou o ato discricionário, ao órgão credenciado por
aquela lei.
A existência desses elementos no antecedente e conseqüente da norma jurídica a
discrimina das demais normas jurídicas, permitindo-nos a identificação do significado de
“tributo” e a individualização como norma jurídico-tributária.
Por derradeiro, tributo é norma jurídico-tributária, em cujo antecedente
encontramos a descrição de critérios de um evento hipotético, cuja ocorrência implica uma
relação jurídica entre dois sujeitos em torno de um objeto pecuniário, devido pelo sujeito
passivo ao sujeito ativo. É esse o conceito de “tributo” que enredaremos nesta dissertação.
23. Princípios jurídicos constitucionais
A manipulação do direito positivo pelo intérprete exige, de imediato, o seu
contato com o sistema de enunciados do direito positivo. É, na verdade, o contato do
intérprete com os enunciados prescritivos do direito (incluída aqui a jurisprudência) que
possibilitará a construção de significados jurídicos.
As articulações do discurso jurídico perante os planos de expressão e de conteúdo
do direito positivo permitem ao cientista do Direito a construção de proposições deônticas.
É a partir dessa atividade que se constroem as normas jurídicas.
Com efeito, é nesse processo construtivo que sentimos a influência das ideologias,
dos valores, dos interesses e das circunstâncias que cercam o conhecimento humano e
auxiliam na construção de significados normativos.
190 Referimo-nos aos elementos, antecedente e conseqüente, comuns às normas jurídicas em geral.
83
Nesse cenário, deparamo-nos com a linguagem do direito positivo que, ao
albergar os “princípios”, fornece-nos uma entidade sem representação concreta e de difícil
delimitação significativa.
O caráter sistêmico do direito positivo permite-nos vislumbrar que os princípios
jurídicos dele fazem parte e, assim, podemos aduzir que a interpretação no sistema jurídico
constitucional reclama, como pressuposto científico, uma delimitação de significado dos
princípios jurídicos.
O caminho é pela Constituição Federal, em que encontramos as normas de maior
relevo jurídico, as normas de superior hierarquia no sistema do direito positivo. Há, porém,
conforme adverte Roque Antonio Carrazza, normas mais importantes e normas menos
importantes, já que algumas veiculam simples regras e outras verdadeiros princípios.191
23.1. Princípio é norma do sistema jurídico positivo
A noção do significado do termo “princípio” carece do referencial eleito para se
determinar o seu limite, o seu alcance. Trata-se de termo sem representação física e de
delimitação abstrata, o que dificulta qualquer tentativa de precisão no processo
interpretativo.
Contudo, partindo-se de sua expressão mais básica, podemos aduzir a idéia leiga
de que “princípio” corresponde a início, a partida de algum desiderato, fonte ou até mesmo
origem de alguma coisa.
Roque Antonio Carrazza, depois de apresentar o significado etimológico do termo
e de registrar que, depois de introduzido na filosofia, Platão utilizou-o como “fundamento
de raciocínio” e Aristóteles como a “premissa maior de uma demonstração”, assevera que
“em qualquer Ciência, princípio é seu começo, seu alicerce, seu ponto de partida” e que
“pressupõe, sempre, um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a
demonstração de algo.”192
191 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 36 192 Princípios constitucionais tributários e Competência tributária. 1986, p. 6
84
Segundo o dicionário de Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa,193 o
termo “princípio” pode possuir a seguinte extensão semântica: 1) “origem, causa, começo,
início.” 2) “Preceito, regra, lei.” 3) “Máxima, norma, sentença.” 4) “Estréia.” 5) “Razão,
base: O trabalho é o princípio de toda riqueza (Séguier).” 6) “Teoria.” 7) “Opinião,
parecer, modo de ver, ponto de vista: Ser fiel aos seus princípios (idem).” 8) Pl.
“Antecedentes.” 9) “Educação, instrução; convicções, opiniões: É um homem sem
princípios.” 10) “Elementos, noções, rudimentos, tintura: Princípios de álgebra.”
Como se vê, ao buscar recurso na lexicografia, podemos anotar que há uma
diversidade relevante do emprego do termo “princípio”, acarretando conseqüentemente,
alguns significados que podem ser bem ou mal empregados de acordo com a situação
eleita.
Sob a ótica do dicionário de filosofia Logos,194 “princípio” significa “começo,
início, origem, fundamento, primeiro de uma série e, em geral, aquilo de que algo procede,
seja de que modo for. No sentido original, é o começo de uma grandeza espacial e, por
conseqüência, do movimento e do tempo. Desde Aristóteles, a noção de princípio tem de
comum ser a fonte de que deriva o ser, o devir e o conhecimento”. Segundo esse
dicionário, os princípios podem ser ontológicos e lógicos. Os ontológicos dizem respeito
ao “ser” e podem ser extrínsecos, se se distinguem dele (ser), ou intrínsecos, se constituem
o “ser” de que se dizem os princípios. Já os princípios lógicos atinam aos enunciados de
que deriva o conhecimento de outros enunciados. Podem ser lógico-formais, quando dizem
respeito às proposições de que deriva o conhecimento de outras proposições, ou lógico-
materiais, ao enunciarem fatos a partir dos quais se conhecem outros fatos.
De qualquer forma, os primeiros princípios sempre foram compreendidos por
Aristóteles, Descartes e Kant como a base segura, a última fundamentação de todo o
conhecimento, pois, racionalmente, a última fundamentação faz entrar na axiologia.195
193 Francisco Fernandes. 1999, p. 696 194 Dicionário Logos da Enciclopédia Luso-brasileira de filosofia, Lisboa/São Paulo. Editorial Verbo. Edição realizada sob o patrocínio da Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa. 1992. 195 Similar ao raciocínio de Hans Kelsen acerca da norma hipotética fundamental do sistema jurídico.
85
Anota-se que, por ora, é evidente tratar-se de termo ambíguo, pois, mesmo no
conhecido dicionário jurídico de Maria Helena Diniz,196 é possível conceber inúmeras
possibilidades de empregos do termo pelos juristas, comprovando sua ambigüidade no
direito.
Em que possa parecer aproveitável, essa plurivocidade do termo “princípio” para
a linguagem do cotidiano, para fins científicos isso não é produtivo. Constatamos a
dificuldade de delimitação desse termo, ou melhor, a utilização com sentidos variados até
mesmo pelo discurso da nossa doutrina. Não há consenso na delimitação de seu
significado.
Conforme Hugo de Brito Machado, o problema da delimitação do significado do
termo “princípio” é correlato à influência filosófica do intérprete, pois, v.g., para os
jusnaturalistas, os princípios são o fundamento de validade do direito positivo. Seriam os
princípios um elemento integrante do Direito Natural. Ainda, segundo esse autor, para
aqueles que têm uma concepção positivista, “princípios” são normas jurídicas.197
Para Paulo de Barros Carvalho, o termo “princípio” conota uma força valorativa
axiológica muito grande influindo na construção de grande parte do ordenamento jurídico.
Segundo ele, isso se deve ao fato de o direito e as normas serem objeto cultural.198
Por isso, em direito positivo, os princípios são empregados tanto para expressar
valores quanto para normas. Contudo, arremata, afirmando que “em direito positivo,
princípios são normas jurídicas portadoras de intensa carga axiológica, de tal forma que a
compreensão de outras unidades do sistema fica na dependência da boa aplicação daqueles
vetores.”199
Outro aspecto relevante dos comentários de Paulo de Barros é no sentido de que
não há um universo de valores suprapositivos, pairando sobre o sistema do direito positivo.
196 Dicionário Jurídico. “Nas linguagens, jurídica e comum, pode significar: a) preceito; norma de conduta; b) máxima; c) opinião; maneira de ver; d) parecer; e) código de boa conduta através do qual se dirigem as ações e a vida de uma pessoa; f) educação; doutrina dominante; h) alicerce; base”. 2005, Vol. 3, p. 830. 197 Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 1991, p. 14 198 Curso de direito tributário, 2005, p. 144/148 199 O princípio da segurança jurídica em matéria tributária, RDT 61, p. 88
86
Assim, para ele, como as normas, os princípios integram o sistema do direito positivo e
que, em face da existência de hierarquia sintática no sistema, eles (os princípios)
distribuem escalonadamente os valores, garantindo-lhes, ao lado de sua supremacia
hierárquica, posição de superioridade axiológica.
Da destreza analítica demonstrada por Paulo de Barros Carvalho, importa lúcida a
explicação que ele entende deva ser dada aos princípios jurídicos ao lecionar que “a
interpretação dos princípios, como normas que verdadeiramente são, depende de uma
análise sistemática que leve em consideração o universo das regras jurídicas, como
organização sintática (hierarquia sintática) e organização axiológica (hierarquia dos valores
jurídicos), pois assim como uma proposição prescritiva do direito não pode ser apreciada
independentemente do sistema a que pertence, outro tanto acontece com os valores
jurídicos injetados nas estruturas normativas. Desse processo de integração resultará o
entendimento da mensagem prescritiva, em sua integridade semântica, sempre elástica e
mutável.”200
Geraldo Ataliba doutrinou sobre princípios entendendo como um valor
condicionante da atividade interpretativa. Essa concepção se faz presente ao asseverar que
“princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico.
Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos
pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do
querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da
administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser
prestigiados até as últimas conseqüências.”201
Nesse mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello entende “por princípio a
disposição expressa ou implícita, de natureza categorial em um sistema, que informa o
sentido das normas implantadas em uma dada ordenação jurídico-positiva. Vale dizer:
mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que
se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua
200 O princípio da segurança jurídica em matéria tributária, RDT 61, p. 89 201 República e Constituição. 2001, p. 34.
87
exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do
sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe outorga o sentido harmônico.”202
Em remate, as lições de Roque Antonio Carrazza vigorizam as posições acima,
quando diz que “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por
sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito
e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas
jurídicas que com ele se conectam.”203
Como se percebe da lição dos mestres, o termo “princípio” conota,
principalmente, os vetores normativos exegéticos que norteiam os intérpretes na
construção de outras normas jurídicas em conformidade com um estado de coisas
finalisticamente desejado pelo direito positivo.
23.2. Princípios, regras e aplicação no direito positivo
Roque Antonio Carrazza assevera, com efeito, que “mesmo na Constituição
existem normas mais importantes e normas menos importantes”.204
Humberto Ávila, na esteira dos pensamentos de Carrazza, cuida de delimitar
conceitualmente as diferenças entre princípios e regras. Aponta que tanto Josef Esser
quanto Karl Larenz consideram como fator distintivo um critério qualitativo; assim, os
princípios seriam diferentes das regras por caracterizarem fundamentos normativos para a
tomada de decisão, para a aplicação do direito.205
Claus-Wilhelm Canaris assevera que os princípios diferem das regras porque
possuem forte conteúdo axiológico, que seria construído por um processo dialético
decorrente da interação com outras normas que são decorrentes da axiologia ao contrário
das regras.206
202 Curso de Direito Administrativo. 2005, p. 545 203 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 39 204 Idem, p. 36 205 Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2005, pp. 35/36 206 Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito, 2002, págs. 30/38 e 208/209
88
Ronald Dworkin, em aparente antagonismo ao positivismo, assegurou que as
regras são aplicadas, por serem válidas e, portanto, suscetíveis de implicar conseqüências,
ou não são aplicadas por não serem válidas. É do tipo tudo ou nada. Por isso, no caso de
colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. No caso dos princípios,
Dworkin afirma que não determinam a decisão, mas fundamentam, conjuntamente com
outros princípios, a aplicação do direito. Segundo ele, havendo colisão entre princípios,
sobrepõe-se o de maior valor, sem afetar a validade do princípio colidente. Dworkin não os
comparou (princípios e regras), mas estabeleceu uma classificação quanto às suas
estruturas lógicas.207
Robert Alexy, delimitando as argumentações de Dworkin, advertiu que os
princípios são uma espécie de normas jurídicas aplicadas pelas regras da prevalência,
assim, havendo colisão entre princípios, pondera-se o peso de cada um e aplica-se o
prevalente para o caso concreto.208
Ávila adverte que princípio ou regra dependem do intérprete, pois, conforme o
enfoque por ele adotado, uma norma pode caracterizar uma regra ou um princípio.
Segundo ele, o qualificativo de princípio ou regra depende do uso argumentativo e, não, da
estrutura hipotética.209
Sobre princípios e regras, Ávila assevera que é mais grave descumprir uma regra
que descumprir um princípio pelo fato de que a regra é explícita, é mais clara, é mais
evidente e, por isso, descumprir o que está à mostra é mais reprovável do que descumprir
um fim, um vetor, um conteúdo que carece de complementação, como é o caso dos
princípios.210
Quer-nos parecer, que Ávila tem bons argumentos quando traz à colação
exemplos que ilustram a prevalência das regras quando em aparente conflito com os
princípios. Quando aduz à regra de proibição de prova ilícita em confronto com o princípio
do interesse público repressivo, revela-nos que a regra deve prevalecer porque o legislador,
207 Ronald Dworkin – apud Humberto Ávila em teoria dos princípios. 2005, 37 208 Teoría de los derechos fundamentales. 2001, págs. 87/90 e 98/103 209 Teoria dos princípios, 2005, p. 42-43 210 Idem, p. 104
89
mesmo conhecedor do princípio, instituiu a regra para situação específica, limitando a
aplicação do princípio.211
Noutro caso, destaca a posição do Supremo Tribunal Federal acerca da ampliação,
por lei ordinária, da base de cálculo de uma contribuição social prevista em uma regra
constitucional de competência.
Nesse julgamento, discutiu-se se deveria haver a prevalência dos princípios da
solidariedade social e da universalidade do financiamento da Seguridade Social, para
justificarem a ampliação da base de cálculo (para receita bruta), em detrimento da regra
constitucional de competência, que previa, apenas, a instituição do tributo sobre
determinado fato jurídico (faturamento de bens e serviços).212
Como se sabe, prevaleceu o entendimento de que as regras de competência,
quando em conflito com os princípios, não podem ser alteradas, por estabelecerem balizas
conceituais, impondo limites constitucionais.
Nessa esteira, concluiu Ávila que, quando se tratar de princípios e regras de
mesma posição hierárquica, sempre prevalecerá a regra sobre o princípio. Contudo, nem
sempre será assim, pois, no caso de aparente conflito entre regras e princípios, entre regras
e regras ou, ainda, entre princípios e princípios de diferentes níveis hierárquicos, há que
prevalecer a norma hierarquicamente superior.
Dessa forma, existindo confronto entre um princípio constitucional e uma regra
legal, prevalecerá o princípio constitucional. Note-se que, nesses casos, a prevalência
depende da hierarquia e, não, da espécie normativa (princípio ou regra).213
De outro modo, para Ávila, havendo confronto entre uma regra e um princípio,
ambos constitucionais, prevalecerá a regra sobre o princípio. Isso se dá pelo fato de que a
regra possui caráter de decidibilidade mais intenso, é causa imediata de regulação da
conduta humana e possuidora de forte razão na sua aplicabilidade. Quanto aos princípios,
211 Ibidem, p. 107 212 Ibidem, p. 108 213 Ibidem, p. 105
90
sua causa imediata é o fim e não diz respeito diretamente à região material das condutas,
possuindo um caráter finalístico e geral na sua aplicabilidade. Então, em face da
especificidade das regras em relação aos princípios é que aquelas (regras) são
prevalecentes.
Para bem situarmos bem a posição de Ávila, vale dizer que, para ele, não há uma
“oposição” entre princípios e regras, havendo, sim, uma relação de “complementação”
entre eles, pois, diferem tão somente quanto às suas funções normativas.214
As regras têm função decisória imediata e, por isso, destinadas a solucionar
conflitos decorrentes das relações diretamente ligadas a bens e interesses. As regras
assumem caráter primariamente retrospectivo, por descreverem um contexto fático
conhecido do legislador, ao contrário dos princípios, que possuem caráter prospectivo,
determinante de um estado de coisas a ser construído.215 Por essa característica, as regras
são mais rígidas nas suas razões para serem superadas por contra-razões, ao contrário dos
princípios, que se mostram mais flexíveis, por serem superados com menor ônus
argumentativo.
No que tange aos princípios, notamos que Ávila os caracteriza por normas com
função de complementariedade, auxiliando na aplicação do direito positivo.
Entre os princípios e as regras, normalmente, há uma “conexão substancial” e,
não, uma efetiva oposição entre eles. Havendo confronto efetivo, resolve-se, primeiro, pela
hierarquia e, depois, pela prevalência das regras. Essa a opinião de Ávila.
Outro aspecto relevante é atinente à distinção estabelecida por Ávila entre
princípios, regras e postulados, pois, para ele, postulados são metanormas e não se
confundem com eles. Diferenciam-se dos princípios porque a regra “não tem elevado grau
de abstração e generalidade: como norma, dirige-se a situações determinadas (colisão entre
princípios em razão da utilização de um meio cuja adoção provoca efeitos que promovem a
realização de um princípio, mas restringem a realização de outro) e a pessoas determinadas
214 Ibidem, p. 105 215 Ibidem, p. 106
91
(sujeitos, normalmente autoridades públicas, que adotam medidas com a pretensão de
realizar determinados princípios).
Os postulados também não podem ser considerados uma regra, pois não têm
hipótese e uma conseqüência que permita a subsunção do conceito do fato ao conceito da
norma (não diz respeito à conduta diretamente).
Em vez de uma hipótese de fato ou da definição de um efeito, os postulados
estabelecem uma estrutura argumentativa de aplicação do direito por meio de critérios
relacionais de elementos, tais como a ponderação, a razoabilidade, a proporcionalidade, a
adequação, a necessidade e a relação entre valor e desvalor promovido, algo bem diverso
dos princípios e das regras.216
Os postulados são normas que estão num sobrenível em relação aos princípios e
regras, disciplinando o modo de aplicação deles. Embora sutil, há diferença entre promover
um fim e promover uma estrutura que dê respaldo à promoção do fim. Assim operam os
postulados, promovendo o modo de raciocínio e de argumentação para a aplicação das
normas relativas à prescrição de comportamentos. É nesse sentido que Ávila entende os
postulados e os denomina de metanormas ou normas de segundo grau.217
Tal aplicação, explica Ávila, se dá mediante a exigência de relações de elementos
com base em critérios mais ou menos específicos, embora existam alguns postulados que
não pressupõem a preexistência de elementos e critérios.
Resumindo-se os esclarecimentos do ilustre autor acerca dessa espécie de
postulado, destacamos (a) “a ponderação de bens como método de atribuição de pesos a
elementos que se entrelaçam, sem ter em vista pontos de vista materiais que orientam esse
sopesamento”; (b) “a concordância prática exige a realização máxima de valores que se
imbricam”; e, (c) “a proibição de excesso que proíbe que a aplicação de uma regra ou de
um princípio restrinja de tal forma um direito fundamental que termine lhe retirando seu
mínimo de eficácia”.
216 Ibidem, p. 126 217 Ibidem, p. 123
92
Além desses postulados, que não exigem preexistência de critérios, Ávila indica
outros postulados que dependem deles, como o da igualdade, que estrutura a aplicação do
direito quando há relação entre dois sujeitos em função de elementos (critério de
diferenciação e finalidade de distinção) e da relação entre eles (congruência do critério em
razão do fim).218
Já o postulado da razoabilidade, segundo o referido Autor, aplica-se por três
fórmulas: (1) como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades
do caso concreto; (2) como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o
objeto referido no mundo fenomênico; (3) diretriz que exige relação de equivalência entre
duas grandezas.219
Por fim, Humberto Bergmann Ávila destaca o postulado da proporcionalidade,
que é aplicado nos casos em que haja uma relação de causalidade entre meio e fim,
concretamente perceptível. Para aferição dessa relação, ele sugere o critério que revele a
adequação do meio ao fim; a necessidade do meio para se chegar ao fim; e, a
proporcionalidade entre o valor e desvalor entre o meio e o fim.220
Sobremais, mister considerar que a mencionada prevalência das regras sobre os
princípios só se dará quando ocorrer efetivo conflito entre eles, no mesmo plano normativo,
e se fará sempre ao modo dos postulados, ou seja, mediante ponderação de critérios
relacionais de elementos como a proporcionalidade, a razoabilidade e a necessidade da
norma em face do caso concreto.
Interessante atentar-se para a importância de que a relação de
complementariedade entre princípios e regras, aplicados sob o influxo dos postulados,
tende a concretizar a aplicação do dever de o Estado e os órgãos legislativos escolher o
meio que concretamente promova o fim desejado pelo direito positivo.221
218 Ibidem, p. 168 219 Ibidem, p. 169 220 Ibidem, p. 169 221 Ibidem, p. 153
93
Seja como for, somos da opinião de que, no confronto ou complementariedade
entre princípios e regras, ao final sempre teremos que sopesar a hierarquia de um ou outro
princípio ao caso concreto, pois, sempre por detrás de uma regra, há um princípio influindo
na aplicação do direito.
23.3. Princípios constitucionais e estrutura da norma de competência
tributária
Como visto, é na Constituição Federal que encontramos as normas de superior
hierarquia, aquelas que dão fundamento de validade para as normas inferiormente
escalonadas.
Nessa linha, vimos que a nossa Lei Maior foi quase casuística ao tratar da matéria
tributária, contendo uma marca expressiva de enunciados com a diretriz normativa para as
relações jurídicas, envolvendo matéria dessa natureza.
Notadamente, o princípio federativo implicou a divisão jurídica do Estado
brasileiro e, com ela, a necessária atribuição de competência tributária aos Estados-
membros (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
Em face disso, as normas constitucionais delimitaram, em certa medida, as
normas jurídico-tributárias, vinculando, desta forma, a atividade legislativo-tributária das
unidades federativas.
Com efeito, é a partir dos enunciados prescritivos, insculpidos na Constituição
Federal de 1988, que o intérprete do direito deverá construir normas relativas à produção
normativa e à competência tributária.
Em outras palavras, o texto constitucional possui uma série de prescrições
normativas estabelecedoras de critérios para a produção de enunciados em matéria
tributária, fixando o procedimento, o sujeito e a matéria correspondentes. É o plano
primário aduzido originalmente por Renato Alessi, em que a competência tributária tem a
94
ver com o controle abstrato da instituição de um tributo, mormente por decorrer de
atividade que antecede à sua instituição.222
Trata-se, então, de normas dirigidas à região material da atribuição das pessoas
políticas, estabelecendo-se, como hipótese normativa para a instituição de tributos, o
procedimento do ente político.
Assim, importa destacar que saber quando essas normas constituem princípios
envolve avaliação subjetiva, de cunho axiológico. Tem muito a ver com a ideologia
cultural do intérprete como adverte Hugo de Brito Machado.223
Como se sabe, a Constituição Federal possui inúmeros princípios, ditos gerais,
que são aplicáveis a todo o ordenamento jurídico, e os que, de modo específico, estão
diretamente ligados à atividade exacional do Estado.
No dizer de Paulo de Barros Carvalho, a construção de normas jurídicas, a partir
dos princípios, vem influenciada por fortes vetores axiológicos ou por limites objetivos,
que acabam compondo a sua estrutura como antecedente ou conseqüente normativo. Para
esse autor, os princípios constitucionais, tanto os gerais quanto os tributários, são
elementos integrantes da estrutura sintática das normas de competência tributária e das
normas de produção jurídica correspondentes.224
Os princípios constitucionais tributários são, em outras palavras, elementos
proposicionais normativos que orientam, com maior ou menor influência, o sentido das
normas jurídicas.
Desse modo, a construção das normas de competência, assim como das normas de
produção jurídica a elas relacionadas, deve partir de uma articulação entre os textos que
exprimem os princípios constitucionais tributários e os demais enunciados prescritivos da
Constituição Federal. É por meio dessa atividade cognoscente que o intérprete chegará ao
222 Renato Alessi fala em planos abstratos e concretos da atividade tributária para se referir, respectivamente, à competência tributária, que ele denomina de primário, e à atividade administrativa de cobrança do tributo, designado por plano complementar. Instituzioni di Diritto Tributário, G. Stammati, 1ª Ed. Torino, UTET. 223 Os princípios jurídicos da tributação na constituição de 1988. 1991, p. 14. 224 O princípio da segurança jurídica em matéria tributária. RDT. vol. 61, p. 81 e também Curso de Direito Tributário. 2005, p.144.
95
sentido daquelas normas jurídicas, desvendando os valores ou os limites finalísticos
inerentes aos princípios constitucionais correlatos.
Nessa seara convém um último e importante destaque acerca da diferença entre
norma de competência e norma sobre produção jurídica. A norma de competência é o que
Paulo de Barros Carvalho denomina de “regra de estrutura”,225 reguladora do
comportamento de criação de normas, que é diferente da disciplina sobre o comportamento
em relação ao processo legislativo, que é disciplinado pela norma sobre produção
normativa.
Levando-se em conta a estrutura normativa, podemos anotar que a norma de
competência possui estrutura diversa da norma sobre produção normativa. Esta, como
aduzido no item 16, do capítulo II, retrocomentado, possui como antecedente um
enunciado protocolar – fato jurídico – que projeta no documento normativo a linguagem
constitutiva do agente competente, do espaço e do tempo em que se realizou a sua
atividade, bem como deixa indícios (nome da espécie do veículo introdutor – Emenda
Constitucional, Lei Complementar, Lei, etc...data e local) do procedimento utilizado para a
confecção do documento.226
O conseqüente da norma sobre produção jurídica é composto de uma relação
jurídica modalizada pelo modal obrigatório, que prescreve o dever de toda a comunidade
observar as regras jurídicas criadas pelo exercício de uma dada competência e de um dado
procedimento. Em outras palavras, é a norma que regula o processo de elaboração do
enunciado prescritivo.
Já a norma de competência tributária, nada tem a ver com o processo legislativo
em si mesmo. Em largas palavras, podemos dizer que o antecedente da norma de
competência descreve como hipótese227 normativa a existência do sujeito credenciado para
a criação, modificação ou supressão de normas no sistema do direito positivo e, em seu
225 Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 38 226 Todos presumidos “juris tantum” para os efeitos do teste de sua validade. 227 Considere o emprego do termo para indicar tanto o evento (abstratamente previsto) como o fato jurídico (concretizado).
96
conseqüente, a permissão ou obrigação a esse sujeito de legislar sobre o objeto de sua
competência.
Com intuito de nos fazermos entender melhor, cotejemos os exemplos abaixo.
Norma de competência
antecedente: dada a existência da pessoa política estadual;
conseqüente: deve-ser a permissão para legislar a respeito do Imposto
sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e de Prestação de Serviços
de Transporte de Natureza interestadual e intermunicipal ou de Comunicação -
ICMS e o dever jurídico de a sociedade observar a faculdade de legislar nos termos
em que for estabelecida.
Norma sobre produção jurídica
antecedente: se órgão legislativo estadual cumprir os procedimentos
legislativos necessários à edição da lei ordinária e exercitar a faculdade de legislar
sobre o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e de
Prestação de Serviços de Transporte de Natureza interestadual e intermunicipal ou
de Comunicação - ICMS;
conseqüente: deve-ser a obrigação de a sociedade observar os enunciados
introduzidos no sistema de enunciados do direito positivo pelo respectivo veículo
introdutor para a construção de normas jurídicas.
Pontuando as distinções sobre as normas de conduta, comentamos, no item 7.1.3,
do capítulo II, em que nos referimos à classificação da norma conforme a
imediatidade/mediatidade da conduta regulada. Assim, vale repisar que se considera norma
de conduta aquela que regula imediatamente as relações interpessoais finais, geralmente
oriundas da legislação infraconstitucional.
Em meio a tudo isso, importa dizer que, sendo os princípios constitucionais
tributários elementos normativos integrantes do ordenamento jurídico tributário, de cunho
hierárquico e com forte valor axiológico, eles influem no processo interpretativo para
97
estabelecer, finalisticamente, o limite da competência tributária e disciplinar a validade das
normas de conduta inseridas no sistema do direito positivo.
Corroborando tudo isso, importa registrar as palavras de Roque Antonio Carrazza,
para quem a norma de competência tributária estabelece as nuances principiológicas em
que a pessoa política poderá proceder para a criação de tributos, prescrevendo como
critérios normativos a hipótese normativa possível, o sujeito ativo possível, o sujeito
passivo possível, o critério quantitativo possível.228
23.4. Segurança jurídica é sobrenorma do sistema jurídico positivo
A nossa Constituição Federal alberga todos os fundamentos que garantem a
caracterização de um Estado democrático de direito. Nosso país é um verdadeiro Estado
Constitucional, em que todos, sem exceção, público ou particular, Poderes e Instituições,
estão sujeitos, para o exercício de direitos e o cumprimento de deveres, aos limites
encartados na Constituição Federal.
Sendo assim, o princípio da segurança jurídica atua na promoção dos valores
supremos de toda a sociedade, conferindo certeza do direito e igualdade de tratamento nas
relações em geral.
Por assegurar o cumprimento de direitos fundamentais, tais como a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança pública e à
propriedade, é tido como um sobreprincípio.
Assim, segurança jurídica é um sobreprincípio que realiza o valor supremo da
previsibilidade dos efeitos das relações jurídicas, estabelecendo, normativamente, uma
diretriz para todo o sistema jurídico positivo, que deverá com ele se coadunar sob pena de
invalidade de seus preceitos.
Trata-se de uma garantia ampla, geral e irrestrita, que garante a manutenção dos
efeitos das relações jurídicas consolidadas no passado, como o direito adquirido, o ato
228 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 482
98
jurídico perfeito e a coisa julgada, em consonância com o que dispõe o inciso XXXVI, do
artigo 5º da Constituição Federal, prescrita pela irretroatividade da lei.
A garantia das relações passadas dá segurança aos cidadãos, que se vêem
confiantes no planejamento de relações futuras, acreditando na aplicação da lei e na
realização do direito que conhecem (previsibilidade das relações).
Com efeito, além de outros princípios, tais como o da justiça e da certeza do
direito (definitividade das relações), o princípio da segurança jurídica é mais uma das vigas
mestras do direito positivo, que rege a unidade e uniformidade do sistema, atestando o
âmbito de validade das normas que regem as relações intersubjetivas.
Por essa implicação geral do sistema jurídico positivo pelo princípio da segurança
jurídica, podemos inferir que o seu influxo hierárquico sobre os princípios e regras
específicas, notadamente as do subsistema constitucional tributário, possibilita a
previsibilidade dimensível do âmbito de validade do exercício das competências tributárias
e das normas de conduta reguladoras das relações jurídico-tributárias delas decorrentes.
Desta forma, a competência tributária só pode ser exercida dentro dos parâmetros
constitucionais; fora disso, haverá insegurança jurídica, pois, ficará o contribuinte sujeitos
aos caprichos do Poder Público.
Se em um plano normativo temos a competência dos entes políticos para legislar
e, por esse meio, obter recursos financeiros para a satisfação dos interesses públicos,
encontramos no altiplano normativo a segurança jurídica dos contribuintes como garantia
de que serão obrigados a cumprir as exigências do Estado tão somente nos limites
estatuídos na Constituição, ou melhor, nos limites dos poderes outorgados pelo próprio
povo, como vetor calibrador da igualdade e da justiça.
Em remate, podemos afirmar que, na seara tributária, a observância rigorosa do
arquétipo competencial pelos entes políticos tributantes realiza o primado da segurança
jurídica e garante a estabilidade do sistema jurídico tributário brasileiro.
99
Capítulo 4 – Estrutura da norma de exação tributária
24. O tributo é norma de conduta e, não, de competência
Importa destacar, de início, acerca da posição da doutrina brasileira que há muito
tempo sustenta que a Constituição Federal não cria tributo. No entanto, tal consenso foi
provocado com a manifestação de José Souto Maior Borges que asseverou, enfaticamente,
que “mesmo antes de sua instituição por lei, o tributo apenas previsto na Constituição já
existe”.229
Importante dissenso nos permite registrar que colhida tal manifestação em termos
exegéticos, pode até parecer-nos cristalina a existência das características essenciais dos
tributos na Constituição Federal. A impressão é a de a Carta Magna prefine o tributo,
deixando os contornos da hipótese de incidência para a lei ordinária.230
Essa idéia é reforçada pela aparente constatação de predeterminação na
Constituição Federal do principal critério dos tributos, o material, em que logo se vê um
verbo e o respectivo complemento como síntese da espécie tributária.231
Assim, em que pese o aparente conflito, logo se vê que a Constituição Federal não
cria tributo, com certeza ela estabelece os critérios estruturais de todas as espécies
tributárias e, com isso, em verdade, está a demarcar exclusivamente a competência para
instituí-las.
A competência tributária como norma estabelece os limites da ação legislativo-
tributária das pessoas políticas, preestabelecendo a norma-padrão para a instituição de cada
tipo tributário. Assim, repetimos a advertência de Roque Antonio Carrazza, para quem a
Constituição Federal, ao discriminar as competências tributárias, garantiu certa margem de
liberdade ao legislador apontando “a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo
229 A Fixação em Lei Complementar das Alíquotas Máximas do Imposto sobre Serviços. Ed. Resenha Tributária, 1975, p. 05. 230 Aires Barreto, Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 1998, p. 26. 231 Paulo de Barros Carvalho em Curso de Direito Tributário exemplifica “prestar serviços” como verbo e complemento do ISS. 2005, p. 268 e Teoria da Norma. 1974, p 106
100
possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das
várias espécies e subespécies de tributos.”232
Contudo, uma coisa é a estrutura da norma de competência tributária e outra é a
norma tributária exacional, ou seja, a norma de conduta que institui o tributo.
Anteriormente, no capítulo III, item 4.1.1, dissemos que competência tributária é norma de
competência legislativo-tributária, em sentido estrito, ou seja, é norma de estrutura que
estabelece os critérios autorizadores para que as pessoas constitucionais possam proceder à
edição e à modificação das regras-matrizes de incidência tributária, instituidoras de seus
respectivos tributos. Dissemos também que tributo é norma de conduta jurídico-tributária,
em cujo antecedente encontramos a descrição de critérios de um evento hipotético, cuja
ocorrência implica uma conseqüente relação jurídica entre dois sujeitos em torno de um
objeto pecuniário, devido pelo sujeito passivo ao sujeito ativo.
Com isso, pretendemos esclarecer que o tributo detalha a hipótese normativa e
prescreve a implicação jurídica, fazendo nascer a correspondente relação jurídico-tributária
entre os sujeitos ativo e passivo, em que se estabelece o direito de um e o correlato dever
do outro, em torno de um objeto prestacional expresso em moeda, não decorrente de
sanção por ato ilícito.233
Assim, tributo é norma de conduta que regula as relações interpessoais finais e
que decorre do exercício da competência tributária, a qual, por sua vez, é norma de
estrutura voltada a delinear a ação de criar tributos.
24.1. Regra-matriz de incidência tributária
Vale repisar que a norma jurídica é construção do intérprete, o qual a projeta a
partir do sistema de enunciados do direito positivo.
As “normas tributárias em sentido estrito”, no dizer de Paulo de Barros Carvalho,
são aquelas que “assinalam o núcleo da percussão jurídica do tributo”. É a denominada
232 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 482 233 Na esteira do artigo 3º do CTN.
101
“norma-padrão” ou “regra-matriz de incidência tributária”.234 Todas as demais são normas
em sentido amplo.
Podemos considerar uma norma tributária em sentido estrito quando as suas
proposições, antecedente e conseqüente, ligadas por uma imputação deôntica, ensejarem a
constituição de um fato jurídico tributário e a conseqüente relação jurídica. Pode-se dizer
que esta é a estrutura mínima do deôntico na fórmula normativo-tributária.
A estrutura da regra-matriz possui, ao menos, então, no seu antecedente, uma
proposição-hipótese descritiva de um evento de cunho econômico capaz de implicar, no
conseqüente, uma proposição-tese prescritiva de uma relação jurídica, de conteúdo
obrigacional, entre uma pessoa política de direito público interno, na condição de sujeito
ativo, e uma pessoa física ou jurídica, como sujeito passivo, de modo a imputar um direito
subjetivo público à primeira pessoa que lhe possibilitará exigir, da segunda, o cumprimento
do dever jurídico de pagar-lhe determinado valor em dinheiro.
Na regra-matriz de incidência tributária encontramos, então, uma hipótese com a
descrição de um comportamento ou estado pessoal de conteúdo econômico, condicionado
no tempo e no espaço e, uma conseqüência, composta pelos critérios de constituição da
relação jurídica, que inclui a indicação dos critérios de identificação dos sujeitos, ativo e
passivo, que irão compor a relação tributária, e do critério de quantificação da dívida
tributária. Sem qualquer um desses elementos, não se poderá, identificar, ou melhor,
constituir o fato ou a relação jurídica tributária e, portanto, não haverá a norma tributária
em sentido estrito.
Atente-se, novamente, que somente as proposições normativas, extraídas do
processo de significações do sistema de enunciados, permitem a implicação jurídica.
Além desse aspecto, importa lembrar também que a regra-matriz de incidência
tributária é norma jurídica do tipo geral e abstrata, conotando os critérios (traços,
características, marcas, aspectos, linhas) hipotéticos que condicionam o sucesso do tributo
no mundo fenomênico. Equivale dizer que são critérios condicionais para identificar as
234 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 83
102
referências aos componentes da hipótese e da conseqüência da norma tributária em sentido
estrito.
24.1.1. Critérios do antecedente da regra-matriz
24.1.1.1. Critério material
O critério material da regra-matriz de incidência tributária corresponde às marcas
referenciais de conteúdo de um dado evento social. É o elemento nuclear da hipótese de
incidência tributária e, portanto, não se confunde com o fato jurídico.
Trata-se de critério descritivo das referências indicativas dos acontecimentos
sociais. É a juridicização de eventos sociais, de cunho econômico, selecionados para se
sujeitarem aos efeitos da norma tributária.
Contudo, o critério material não oferece, por si só, todas as referências do evento
juridicizado, pois, como sabemos, o acontecimento de um evento também está
condicionado pelas marcas de tempo e lugar para que seja assim caracterizado.
Com o registro dessas particularidades, importa dizer que o critério material
corresponde às marcas do comportamento ou o estado particular de uma pessoa, física ou
jurídica.
No dizer de Paulo de Barros Carvalho, o critério material é composto por um
verbo e um complemento, abstraindo-se, obviamente, as condicionantes de tempo e lugar
que também caracterizam um evento social. Com isso, quer esse autor chamar a atenção
para o fato de que o critério material não é a hipótese de incidência, sendo tão somente o
núcleo dela.235
Destacar as referências de tempo e lugar do comportamento, num processo de
abstração pura, permite-nos antever que não é correto afirmarmos que o critério material
corresponde à hipótese de incidência tributária ou ao fato tributário. A hipótese, em sua
235 Curso de direito tributário, 2005, p. 257
103
integridade, também possui as referências ao tempo e ao lugar do comportamento das
pessoas, físicas ou jurídicas.
Notadamente encontramos, nos textos normativos, expressões do tipo “vender
mercadorias”, “importar mercadorias”, “ser proprietário”, “industrializar produtos”,
“prestar serviços”, “auferir renda”, e tantas outras expressões que indicam um verbo e o
seu complemento. Assim, abstraindo aqueles elementos espaços-temporais, podemos
atestar que o critério material é o núcleo da hipótese da regra-matriz de incidência
tributária.
24.1.1.2. Critério espacial
O critério espacial corresponde às referências de lugar onde deva ocorrer o critério
material. É a designação do espaço onde o comportamento humano previsto no núcleo da
hipótese deva ocorrer, para que seja possível a incidência da regra-matriz.
Geraldo Ataliba entende que o aspecto espacial é a indicação de circunstância de
lugar, contida, explícita ou implicitamente, na hipótese de incidência, relevante para a
configuração do fato imponível.236
No ordenamento jurídico brasileiro, alguns documentos normativos trazem
explícitas as marcas do lugar e outros, no entanto, não o fazem. É, aparentemente, opção
do legislador e depende do esmero que cada um quer emprestar à clareza dos enunciados
normativos. De qualquer forma, sempre haverá a marca do espaço físico em que se deu o
comportamento hipotético descrito na norma jurídica.
Importa notar que não se pode confundir o critério espacial da hipótese de
incidência tributária com a territorialidade da norma jurídico-tributária, pois esta diz
respeito à divisão da competência entre as pessoas políticas de direito público interno no
que toca aos tributos federais, estaduais e municipais. Outro aspecto distintivo importante
diz respeito ao plano de eficácia territorial da lei que nada tem a ver com o critério espacial
da hipótese de incidência tributária.
236 Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 104.
104
O âmbito de validade territorial da norma transcende o local de ocorrência do fato;
em sentido contrário, podemos dizer que o local de ocorrência da hipótese de incidência
(critério espacial) está contido no interior do universo da eficácia territorial da norma
(aspecto territorial). São ontologicamente distintos.
Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho exemplifica bem com a legislação do
IPTU, em que os efeitos da lei alcançam todo o território do município, mas somente os
imóveis localizados nas áreas urbanas sofrem o impacto desse tributo.237
Assim, na esteira do entendimento de Geraldo Ataliba, pode-se concluir que as
conotações espaciais da hipótese de incidência são decisivas para a conformação do fato
imponível.238
24.1.1.3. Critério temporal
As relações jurídicas decorrem, por força da imputação deôntica, dos
comportamentos referidos no núcleo da hipótese de incidência tributária, os quais
acontecem num dado lugar e num estrato de tempo determinado.
É o tempo do comportamento o marco exato do liame abstrato da relação jurídica
de que surgirão direitos e obrigações correlatas. Esse marco temporal é, sem dúvida, o
ponto decisório acerca do preciso instante em que acontece o fato descrito no suposto da
norma tributária e o momento em que se irradiam os efeitos jurídicos.
Assim, na hipótese da regra-matriz de incidência tributária, além do núcleo
material e do lugar do comportamento, encontramos o elemento tempo, que oferece
indicações relevantes para a identificação do momento em que se dá o sucesso dos eventos
juridicizados que se pretendem alcançar com a tributação.
Nessa linha discorre Paulo de Barros Carvalho, que compreende o “critério
temporal da hipótese de incidência tributária como o grupo de indicações, contidas no
suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso
237 Curso de direito tributário, 2005, p. 261 238 Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 104
105
instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e
credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária”.239
Por essa forma, podemos considerar que o marco temporal da hipótese de
incidência tributária deve assinalar o exato momento em que surge um direito e um dever,
em torno de uma obrigação tributária.
24.1.2. Critérios do conseqüente da regra-matriz
24.1.2.1. Introdução à relação jurídica e ao objeto do conseqüente normativo
Até aqui analisamos os elementos contidos no antecedente da regra-matriz de
incidência tributária, com vistas a esmiuçar as referências normativas que possibilitam
identificar o fato descrito na norma.
Com o mesmo foco analítico, pretendemos, agora, estudar os meandros do
deôntico que regulam as relações intersubjetivas, aqueles critérios insculpidos no
conseqüente da norma e que prescrevem direitos e obrigações às pessoas envolvidas com o
acontecimento do fato jurídico tributário, com o desiderato de promover um determinado
objeto.
É noção cediça que o sucesso do evento descrito na hipótese constitui o fato
jurídico e, pela imputação deôntica, deve ser constituída uma relação jurídica que vinculará
duas pessoas, ou mais, em torno de um dado objeto jurídico.
Nesse tocante, importa assentar, de início, que não se pode confundir o
comportamento objeto da relação jurídica constituída no conseqüente da regra-matriz de
incidência tributária com o objeto desse comportamento. Uma coisa é estar obrigado a um
determinado comportamento, decorrente da relação jurídica constituída; outra coisa, o
resultado da ação desse comportamento.
Nesse sentido, Geraldo Ataliba assevera que o “objeto das normas jurídicas é o
comportamento humano. Assim, o objeto da obrigação tributária é o comportamento do
239 Curso de direito tributário, 2005, p. 264
106
sujeito passivo = entrega do dinheiro aos cofres públicos. O dinheiro, assim, é objeto do
comportamento. Este é que é objeto da obrigação”.240
Por tais razões, diz-se que o comportamento positivado na relação jurídica
tributária é o pagamento de uma dívida tributária em dinheiro, e ele é o objeto da prestação
devida. Daí inferirmos que o conseqüente da regra-matriz de incidência tributária se
constitui de dois elementos, as pessoas da relação jurídica, denominado de critério pessoal,
e o objeto da relação, cuja aferição se faz pela verificação da ocorrência de uma conduta
em entregar o quantum debeatur.
Por derradeiro, importa registrar as advertências de Sacha Calmon Navarro
Coelho, a respeito da afirmativa de existirem dois elementos no conseqüente da regra-
matriz de incidência tributária, para quem defende que, “além dos pontos magnos
relacionados por Barros Carvalho – sujeito ativo e passivo (critério pessoal da
conseqüência) e base de cálculo e alíquotas (critério quantitativo) -, outros aspectos são
encontradiços, todos pertinentes à relação jurídica que se forma com a realização da
hipótese de incidência: como, onde, de que modo, quando, em que montante satisfazer ao
débito em favor do sujeito ativo.”241
Embora registremos as advertências de Sacha Calmon, para os efeitos deste
trabalho não vemos como um imperativo enfrentar a análise de todos os demais elementos
do conseqüente da regra-matriz de incidência tributária, porque entendemos que os
critérios pessoal e quantitativo, juntamente com os critérios do antecedente, revelam-se
suficientes para uma análise do mínimo deôntico da regra-matriz de incidência tributária.
24.1.2.2. Critério pessoal
É com a ocorrência da hipótese normativa que se irradiam os efeitos jurídicos,
relacionando-se os sujeitos envolvidos naquela hipótese. Então, é no conseqüente da regra-
matriz de incidência tributária que encontramos os elementos necessários a identificar os
240 Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 32. 241 Teoria geral do tributo, da interpretação e da exoneração tributária. 2003, p. 100.
107
sujeitos da relação jurídica constituída com a ocorrência do fato jurídico tributário instado
como antecedente normativo.
No conseqüente normativo, em verdade, encontraremos os critérios para a
identificação dos sujeitos ativo e passivo que irão compor a relação jurídica tributária,
donde serão identificados os direitos e deveres de um em relação ao outro sujeito.
Nesta seara, temos, então, a figura do sujeito ativo, que é o titular do direito
subjetivo de exigir do sujeito passivo o cumprimento de determinada obrigação tributária.
Segundo Geraldo Ataliba, o critério pessoal “é a qualidade – inerente à hipótese
de incidência – a qual determina os sujeitos da obrigação tributária, que o fato imponível
fará nascer. Consiste numa conexão (relação de fato) entre o núcleo da hipótese de
incidência e duas pessoas, que serão erigidas, em virtude do fato imponível e por força da
lei, em sujeitos da obrigação. É, pois, um critério de indicação de sujeitos que se contêm na
h.i.” 242
Comumente, o sujeito ativo se identifica com o ente político competente para a
instituição e cobrança da exação tributária. Entretanto, nem sempre é assim; há vezes em
que a lei instituidora do tributo prescreve que o sujeito ativo, aquele que comporá a relação
jurídica tributária, seja outra pessoa, distinta do ente político competente. Para fins
exemplificativos, importa lembrar-se dos tributos pagos ao INSS, as contribuições pagas às
entidades de categorias profissionais, como OAB, CREA, etc. cuja pessoa competente é
uma e a beneficiária/arrecadadora é outra. Em suma, nem sempre quem institui o tributo é
quem figura na relação jurídica como sujeito ativo.
Aqui importa destacar a diferença entre competência tributária e capacidade
tributária ativa. A competência tributária é a aptidão constitucional para instituição de
tributos; já a capacidade ativa é o atributo para figurar numa relação jurídica tributária, por
força de lei. Por isso, vemos muitas vezes uma entidade no pólo ativo de uma relação
jurídica tributária distinta da pessoa política que instituiu a exação.
242 Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 72
108
Na competência tributária temos a pessoa a quem está constitucionalmente
reservado o direito subjetivo de instituir tributo; já na capacidade tributária ativa temos a
figura da pessoa que foi posta pela autoridade competente no pólo ativo da relação jurídica
tributária como apta a cobrar o correspondente tributo.
No caso em que houver a indicação de terceira pessoa para figurar na relação
tributária, é indispensável também que seja definida a destinação pública da
arrecadação.243
De outro lado, encontramos a figura do sujeito passivo, pessoa sobre quem recai o
dever jurídico de entregar dinheiro ao sujeito ativo da relação jurídica tributária.
O sujeito passivo é a pessoa que mantém relação direta ou indireta com a
ocorrência da hipótese tributária, embora nem sempre dê ensejo à sua ocorrência. Assim, é
importante destacar que, algumas vezes, resguardadas as limitações do próprio direito
positivo, realizar o comportamento tipificado na hipótese de incidência tributária não
significa, necessariamente, ser o devedor do tributo. Só o será aquele sujeito cujas
características coincidam com os critérios descritos no conseqüente da regra-matriz de
incidência.
Nesse sentido, vale lembrar as hipóteses de “sujeição passiva indireta” destacadas
por Geraldo Ataliba, em que o devedor do tributo não é a mesma pessoa que realiza o
sucesso da hipótese de incidência tributária.244
Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho observa que uma "coisa é a aptidão para
concretizar o êxito abstratamente descrito no texto normativo, outra é integrar o liame que
se instaura no preciso instante em que adquire proporções concretas o fato previsto no
suposto da regra tributária."245
243 Cf. Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 2006, p. 67 244 Hipótese de incidência tributária. 2008, p. 89 245 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência, 2005, p. 157
109
24.1.2.3. Critério quantitativo – considerações gerais
Como dito, no conseqüente normativo encontramos as referências que permitirão
constituir uma relação jurídica e quantificar o objeto dessa relação. Uma delas é o critério
pessoal, acima comentado, que possibilita a instauração da relação jurídica propriamente
dita e, a outra, o critério quantitativo, que propicia a mensuração do objeto da relação
tributária.
Esse objeto (objeto-prestação) conota um comportamento obrigatório do sujeito
passivo, caracterizado pela entrega de dinheiro (objeto material) ao sujeito ativo. No
entanto, esse objeto carece de mensuração, de identificação do quantum debeatur, de
delimitação do seu montante, pois, se o comportamento do sujeito passivo é entregar
dinheiro ao sujeito ativo, mister saber o seu valor. É aqui que surge o critério quantitativo
da regra-matriz de incidência tributária.
Assim, a quantidade de dinheiro a ser entregue pelo sujeito passivo ao sujeito ativo
carece de um critério quantificador. Com efeito, é no conseqüente da regra-matriz de
incidência tributária que cabe ao critério quantitativo fornecer elementos necessários ao
cálculo da dívida tributária. Como regra, esses elementos são a base de cálculo e a alíquota,
cujas referências, em cálculo matemático simples de multiplicação, tendem a fornecer o
valor exato da dívida do sujeito passivo.
Em remate, a base de cálculo e a alíquota são elementos normativos, constituintes
da regra-matriz de incidência tributária e auxiliam na conformação do arquétipo do tributo,
possibilitando, ao final, a mensuração da dívida tributária.
24.1.2.3.1. Base de cálculo
A base de cálculo, conforme ensina Aires Barreto, é o atributo dimensível do
aspecto material da hipótese de incidência. Com isso, quer-nos mostrar que a base de
cálculo é um padrão, um critério ou uma referência para medir um fato tributário. Alerta
para a distinção entre base de cálculo e base calculada, revelando que para as hipóteses
tributárias (plano normativo abstrato) tem-se atributos abstratos para a base de cálculo e,
110
contrariamente, para fatos tributários (plano normativo concreto), os atributos
consentâneos com o critério material, nos termos da lei.246
Por essa forma, a base de cálculo, como critério legal de mensuração do fato
jurídico tributário, confirma, afirma ou infirma o critério material da hipótese de
incidência.247
Conforme preleciona Paulo de Barros Carvalho, a base de cálculo é, antes de
qualquer fator de mensuração, um enunciado prescritivo que fornece um quantum de
descritividade das propriedades a ela inerentes e juridiciza a grandeza material da hipótese
de incidência.248
Juntamente com a alíquota, a base de cálculo fornece a exata dimensão quantitativa
do objeto da obrigação tributária, o montante do tributo.
Ressalte-se que nossos comentários acerca da base de cálculo permanecerão no
plano normativo, sem aprofundamento na denominada “base calculada” tão bem explicada
por Aires Barreto,249 registrando sucintamente tão somente que por base de cálculo
referimos aos critérios legais que a conotam e que por “base calculada” o montante já
determinado que denotam aqueles critérios. Em suma, base de cálculo abstrata e base de
cálculo concreta.
24.1.2.3.2. Alíquota – considerações gerais
Sendo o objeto central deste trabalho o tema das alíquotas, neste momento faremos
um simples intróito a respeito, para, mais adiante, entrarmos efetivamente nas
considerações meritórias.
246 Base de Cálculo, Alíquota e princípios constitucionais. 1998, p. 38 247 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência. 2005, p. 178 248 Idem, p. 179 249 Aires Barreto aprofundou conhecimento na “base calculada” para registrar a diferença entre a base de cálculo, referida no plano normativo abstrato, e a “base calculada”, referida sempre no plano concreto de aplicação da norma. Refere-se à base de cálculo já dimensionada e não aos critérios para a sua dimensão. Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais. 1998, p. 94
111
Como dito, a alíquota está aliada à base de cálculo como critério legal de se
mensurar a real dimensão quantitativa da dívida tributária. E, nesse sentido, podemos
registrar, de antemão, que a alíquota é o fator proporcional a ser confrontado com a base
calculada (já determinada) para a obtenção do objeto da prestação tributária.
Nisso, importa destacar, de início, que a alíquota não é parte, quota, fatia da
materialidade da hipótese de incidência. Partilhamos da opinião de Aires Barreto no
sentido de que a alíquota é um indicador da proporção, quando diante do plano abstrato da
norma, e é termo da operação algébrica (multiplicação), quando da sua aplicação concreta
sobre a base calculada, no plano concreto da norma.250
Vale registrar também, nesta consideração inicial, que tentaremos demonstrar outro
foco para o estudo das alíquotas, revelando-as além do critério quantificador do objeto da
prestação tributária.
Para progresso científico desse tema, nosso propósito será focar a análise da
alíquota em face das normas de competência e da segurança jurídica, tentando demonstrar
que o seu estudo não pode ser relegado ao segundo plano pela doutrina, bem como ficar
limitado à análise focal eterna de simples quantificadora do tributo. É mais do que isso.
Fiquemos com essas idéias iniciais, para melhor explorá-las nos capítulos seguintes.
Dando seqüência às nossas premissas, importa tratar acerca dos arquétipos
competenciais que influem na instituição dos tributos, independentemente da espécie
exacional, por serem decisivos na fundamentação deste estudo.
25. Classificação dos tributos e competência tributária
25.1. Espécies tributárias
Discorrer sobre o tema das alíquotas como norma de competência que garante a
segurança jurídica exige, de plano, se faça uma incursão sobre a classificação das espécies
tributárias e sobre os arquétipos competenciais.
250 Idem, p.44
112
Importa registrar que, sobre classificação dos tributos, encontram-se, na doutrina
pátria, diversas posições a respeito. São tantas opiniões em face da importância dada ao
estudo da individualização das normas exacionais, que quase toda a doutrina nacional já se
manifestou, cada qual ao seu tempo e modo, sobre o assunto.251
Repassando rapidamente acerca disso, podemos lembrar que Geraldo Ataliba
iniciou bem a classificação de tributos em vinculados e não vinculados a uma atuação
estatal e, partindo do critério material da hipótese de incidência como elemento aglutinador
de características, definiu que as espécies seriam os impostos (hipótese de incidência não
vinculada), as taxas (hipótese de incidência diretamente vinculada) e as contribuições
(hipótese de incidência indiretamente vinculada). Esse o denominado “critério
tricotômico”.
Essa classificação encontrou adeptos importantes na doutrina nacional, como
Rubens Gomes de Souza,252 Alfredo Augusto Becker,253 Roque Antonio Carrazza,254 Paulo
de Barros Carvalho255 e Aires Barreto,256 além de outros tributaristas de renome.
Registre-se a existência de posição daqueles que adotam o critério dicotômico ou
classificação bipartida, cujas espécies se resumem, de uma forma ou de outra, em somente
impostos e taxas, em que encontramos Alberto Xavier, Pontes de Miranda, Alfredo
Augusto Becker e Eduardo Marcial Ferreira Jardim, conforme relaciona Soares de Melo.257
Além deles, há também outros, como Ives Gandra da Silva Martins e Cláudio
Santos, que aderem à teoria “qüinqüipartida”, por meio da qual os tributos são impostos,
taxas, contribuições de melhoria, contribuições e empréstimos compulsórios.258
251 Sobre essa circunstância vale conferir a consolidação de idéias e argumentos de diversos autores elaborada por José Eduardo Soares de Melo, em Contribuições sociais no sistema tributário. 2006, págs. 38/43. 252 Ver RDP, vol.17/309-310 253 Teoria geral do direito tributário, 2007, p. 382 254 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 495. 255 Curso de direito tributário, 2005, p. 33 256 Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 1998, p. 36. 257 Contribuições sociais no sistema tributário. 2006, p. 40 258 Apud José Eduardo Soares de Melo, em “Contribuições sociais no sistema tributário. 2006, p. 42
113
Embora haja diversificação de critérios, ressalte-se que o grande apego ao critério
material da hipótese de incidência para o fim classificatório fez surgir uma grande repulsa
à admissão dos elementos da destinação constitucional da receita do tributo e da sua
restituição obrigatória, nos casos de empréstimos compulsórios.
Para os defensores da classificação tricotômica, esses elementos são considerados
alheios à seara tributária e, por isso, imprestáveis ao estudo das espécies tributárias.
De outro lado, quanto à destinação constitucional da receita e à restituibilidade, há
outros estudiosos que entendem importante a sua consideração como critério classificatório
dos tributos.
Sobre isso, Luciano da Silva Amaro assevera que "há situações em que a
destinação do tributo é posta pela Constituição como aspecto integrante do regime jurídico
da figura tributária, na medida em que se apresenta como condição, requisito, pressuposto
ou aspecto do exercício legítimo (isto é, constitucional) da competência tributária."259 Para
ele, essa circunstância é normativa e, por isso, suficiente para identificar uma espécie
tributária em especial.
Com a autoridade de suas palavras, arremata afirmando que “se a destinação do
tributo compõe a própria norma jurídica tributária constitucional definidora da
competência tributária, ela se torna um dado jurídico que, por isso, tem relevância na
definição do regime jurídico específico da exação, prestando-se, portanto, a distingui-la de
outras”.260
Com efeito, “ad argumentandum”, se, para a identificação das espécies tributárias
é suficiente a análise do critério material e da sua respectiva base de cálculo, pois, assim,
se confirmará se há ou não atividade vinculada do Estado e conseqüentemente a
especificação da espécie, parece-nos, no entanto, “data maxima venia” daqueles que
divergem, que esse critério objetiva conhecer a natureza jurídica do tributo.
259 Amaro, Luciano da Silva. Conceito e Classificação dos Tributos. 1991, p. 284 260 Idem, p. 285.
114
Nessa linha, relevante parece a questão levantada por Alfredo Augusto Becker
que, baseado na posição nuclear da base de cálculo, e sustentando que “imposto” é a regra
jurídica tributária cuja base de cálculo seja um fato lícito qualquer, e “taxa”, a regra
jurídica que tenha como base de cálculo o serviço estatal ou coisa estatal, registrou que,
dentre outras, a destinação do imposto ou taxa, a posição do sujeito ativo ou passivo, não
são circunstâncias influentes sobre a natureza jurídica do imposto ou taxa. 261
Para Becker, é preciso não confundir natureza jurídica do imposto ou taxa com
validade da regra jurídica correspondente. Segundo ele, embora essas circunstâncias
“nenhuma influência exerçam sobre a natureza jurídica do imposto ou sobre a taxa,
entretanto aquelas circunstâncias poderão ter influência decisiva sobre a validade
(juridicidade) da regra jurídica que, ao criar o tributo, tiver violado regra jurídica (ex.:
constitucional), cuja regra (preceito) seja precisamente uma daquelas supra referidas
circunstâncias.”262
Nessa esteira, vemos que, para o teste de validade da norma jurídica que institui o
tributo, nem sempre basta a verificação do binômio materialidade e base de cálculo, pois
há de estar toda ela em conformidade com o regime jurídico estatuído pela norma de
competência tributária. Assim, parece-nos que o critério da corrente tricotômica serve à
classificação das espécies tributárias e, de outro modo, o critério adotado pelas demais
correntes servem a identificação da competência tributária.
Nesse sentido, não desconsideramos os alertas da doutrina para a importância de
não nos deixarmos levar para a seara extrajurídica, bem como não discordamos do critério
de classificação dos tributos segundo a consistência material da hipótese de incidência ser
ou não vinculada à ação estatal, mas queremos enfatizar que, além do critério
classificatório dos tributos, há normas de competência para atestar a validade das normas
exacionais a partir do regime jurídico do tributo.
Justifica-se, pois, a prevalência das normas de competência em nosso estudo, por
serem elas as normas que fornecem os regimes jurídicos (critérios mínimos) a serem
261 Teoria geral do direito tributário, 2007, p. 403 262 Idem
115
observados pelo legislador infraconstitucional na instituição de tributos, seja qual for a
espécie tributária.
Como proposta científica, entendemos que o estudo a partir das normas de
competência, além de ser um redutor de complexidades, já que possibilita ultrapassar a
discussão acerca da classificação das espécies,263 permitirá aferir a validade das normas
exacionais na amplitude de suas nuances regimentais, não se limitando à consistência
material do binômio hipótese de incidência e base de cálculo.
25.2. Arquétipo competencial
Impende registrar que a importância dada, por Luciano da Silva Amaro e José
Eduardo Soares de Melo, à destinação constitucional da receita tributária das contribuições
faz-nos olhar, obrigatoriamente, para as normas de competência tributária, quando
queremos desvendar a validade dos tributos em face do nosso sistema positivo.
Nesse mister, a contribuição fornecida por Eurico Marcos Diniz De Santi é
totalmente valiosa. Seguindo na esteira das classificações dos tributos, esse autor imprimiu
estudo e consignou a sua classificação na conjugação de duas categorias, denominadas por
ele critérios intrínsecos e extrínsecos.264
Para Eurico, o critério intrínseco se assemelha ao de Geraldo Ataliba, relativamente
à vinculação ou não do critério material da hipótese de incidência à atividade estatal. Trata-
se de uma visão bipartida originada da classe, considerando tão somente os vinculados e
não vinculados e desconsiderando a subclasse dos vinculados, aqueles denominados
tributos diretamente ou indiretamente vinculados à ação estatal.
Na exploração da classificação intrínseca, o autor percebeu que há, em nosso
sistema constitucional tributário, outras variáveis possíveis ao critério classificatório, quais
263 Como é cediço, o ato de classificar é método de facilitação para o conhecimento do objeto estudado e só por isso deve ser empregado. Roque Carrazza pontifica que: “Em expressão abreviada, classificar é o procedimento lógico de dividir um conjunto de seres (de objetos, de coisas) em categorias, segundo critérios preestabelecidos. As classificações objetivam acentuar as semelhanças e dessemelhanças entre diversos seres, de modo a facilitar a compreensão do assunto que estiver sendo examinado. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, pág. 493. 264 Lançamento tributário, 1999, p. 207.
116
sejam a destinação da receita e a restituibilidade, formando as características extrínsecas do
tributo. Esse autor reconhece que essas duas variantes não integram a estrutura da norma
tributária exacional, mas revela que, inexoravelmente, condicionam (suficientemente) a sua
validade. Daí o caráter extrínseco da norma tributária.
Diante disso, conclui esse autor que, “se o imposto não pode ser destinado
especificamente a nenhum órgão, não basta ser tributo não-vinculado; exige-se também
que seja não destinado”.265 Nessa seara, então, entende que “três são, a priori, os critérios
diferenciadores que convivem, concomitantemente, no âmago constitucional: o primeiro e
indiscutível é a vinculação, ou não, de uma atividade estatal no desenho da hipótese
tributária; o segundo, a previsão do destino legal do tributo; o terceiro, a previsão legal da
restituição.”266
Assim, se o critério de Geraldo Ataliba revela condições de estabelecer a
classificação dos tributos pelas características da vinculação ou não descritas no critério
material da hipótese de incidência, também o critério intrínseco de Eurico possui
credenciais classificatórias do mesmo jeito. Ambos consideram um aspecto intranormativo
da norma exacional, deixando, em conseqüência, espaço para a admissão do critério
extrínseco (destinação da receita e restituibilidade) revelado por Eurico.
Contudo, tanto o critério de um quanto o de outro servem para a classificação de
tributos e o que procuramos revelar é que, além dos critérios de classificação dos tributos,
existem também as normas de competência tributária, que permitem, de forma mais ampla,
o teste de validade de todas as normas desse subsistema, a partir da observância do
arquétipo competencial.
Destaque-se que a destinação do produto da arrecadação e a exigência de o
legislador prever a sua restituição ao sujeito passivo são elementos do conseqüente da
norma de competência tributária e, não, do tributo. Por essa forma podemos ver que esses
dados (destinação e restituição) integram uma estrutura normativa (competência), mas não
integram a estrutura normativa específica do próprio tributo.
265 As classificações no sistema tributário brasileiro. 1988, p. 139. 266 Idem.
117
Diante disso, na esteira do pensamento de Eurico sobre os critérios intrínsecos e
extrínsecos da classificação dos tributos, temos para nós que podemos, em nível de
sobreposição de normas, passar a considerar as normas de competência tributária para a
aferição do teste de validade das normas tributárias, em vez das regras de classificação das
espécies.
Para nós, importa destacar que a validade dos tributos criados no exercício das
competências tributárias tem a ver com a observância integral do arquétipo competencial
pelo órgão legislativo. Isso implica atender normativamente aos contornos do regime
jurídico do tributo, constitucionalmente predefinido. Enfatize-se, entretanto, que, para os
desígnios desta dissertação, limitaremos nossas análises ao critério constitucional relativo
às alíquotas tributárias, com vistas à identificação das respectivas normas de competência
existentes em nosso sistema jurídico positivo para cada figura exacional.
118
Título II – Argumentação acerca da alíquota como norma de competência e
de segurança jurídica no sistema do direito positivo
Capítulo 5 – Alíquota – definição e características
26. Breves comentários acerca do tema perseguido
Antes de tecermos comentários diretos acerca da alíquota como norma de
competência e de segurança jurídica, impende a exposição de noções introdutórias acerca
do nosso tema.
Uma das formas de afetação patrimonial do particular se dá com a tributação.
Ocorre o “desfalque” patrimonial, especialmente por meio da dimensão percentual
(alíquota) estabelecida pela legislação tributária e, não, por meio da base de cálculo.267
Essa é a representação dimensível do fato jurídico tributário o qual, por sua vez, nada mais
é do que a perspectiva normativa de um “bem da vida”, de cunho patrimonial legalmente
eleito para ser afetado.
Assim, formalmente, essa perspectiva normativa de um bem particular é formada
pela conjugação do “critério material” e da “base de cálculo”. Em termos genéricos, o
legislador tributário escolhe um “patrimônio”,268 nos limites de sua competência,
descrevendo, normativamente, o seu conteúdo econômico (critério material = renda,
imóvel, negócio mercantil, etc.) e prescreve os critérios para apuração de seu valor (base
para cálculo).269
Uma vez estabelecidos os critérios para a identificação e mensuração legal do
patrimônio, o legislador tributário estabelece,270 por fim, um “indicador da proporção”271
(alíquota), que determinará a dimensão da “incisão” algébrica daquele patrimônio,
267 Função primária da alíquota e secundária da base de cálculo. 268 O termo patrimônio será sempre empregado em sentido amplo, para referir de forma abrangente, todas hipóteses normativas de afetação tributária decorrentes da ocorrência de eventos jurídicos e a existência de bens. 269 Deixemos de lado os comentários critérios espacial e temporal por não serem incisivos neste ponto e apelarmos para a objetividade do tema. 270 Ainda no plano abstrato da norma. 271 Aires Barreto, ob. cit. p. 51
119
legalmente individualizado pela descrição do critério material e da base de cálculo. Nesse
sentido, vale lembrar que Aires Barreto, autor de obra específica sobre os critérios
quantitativos da regra-matriz de incidência, não refuta seja a alíquota um “critério para a
atribuição de uma parcela da riqueza do particular ao Estado.”272
Adiante, descendo no processo de positivação do direito, no plano de aplicação das
normas individuais e concretas, encontraremos uma pessoa competente273 relatando, em
linguagem jurídica, mediante adoção dos critérios hipotéticos da norma, a identificação e
mensuração do patrimônio.
Aqui, impõe-se um parêntese para afirmar que é, exatamente, em função da
atividade legal de confrontação do patrimônio identificado com a aferição de seu
respectivo valor que se tem a assertiva de que a base de cálculo274 “confirma, afirma ou
infirma” o critério material da hipótese de incidência tributária.275
Note-se que, tanto no plano abstrato quanto no plano concreto da norma jurídica,
podemos atestar a assertiva retro-referida, pois vemos que é indispensável haver uma
relação simétrica entre as grandezas dimensíveis dos critérios material e base de cálculo da
regra-matriz de incidência para que o patrimônio possa ser corretamente identificado e
tributado.
Contudo, podemos inferir que a alíquota não se presta a esse fim, pois,
diversamente da base de cálculo, sua relação com o critério material pode ser assimétrica.
Isso nos quer dizer que o “indicador de proporção” (alíquota) poderá276 ser inferior à
grandeza dimensível do critério material277 ou, até mesmo, equivalente ou maior que o
272 Idem, ob. cit. p.52 e 93. 273 Sabe-se que no direito positivo tributário a pessoa competente pode ser tanto pública como privada, em face da possibilidade de o lançamento ser feito diretamente pelo próprio contribuinte. 274 Função primária da base de cálculo. 275 Paulo de Barros Carvalho, em Curso de direito tributário. 2005, p. 342. 276 Deverá, no mais das vezes, em face da proibição do confisco, conforme veremos mais adiante. 277 Situação comum nas relações tributárias com fim arrecadador de recursos para fazer frente às despesas de interesse público do Estado em contraponto às relações tributárias com fim extra fiscal ou regulador.
120
critério material, como é recorrente nos casos de tributação com efeito parafiscal ou
meramente regulador.278
No plano concreto da norma, conforme nos ensina Aires Barreto,279 o “indicador de
proporção” passa a ser “termo” da operação algébrica (multiplicação) quando da sua
aplicação concreta sobre a “base calculada”, possibilitando a determinação da carga
tributária permitida pelo legislador.
Por essa forma vemos que, qualquer que seja o fato jurídico de conteúdo
econômico, critério material eleito e a sua respectiva base de cálculo, sempre será a carga
tributária operada pela alíquota que afetará o patrimônio do contribuinte e, nesse mister,
quanto maior ou menor a alíquota, maior ou menor será o impacto fiscal.
Essa visão, em que pesem os efeitos financeiros a favor do Estado e em desfavor do
contribuinte, está longe de ser interpretada como de natureza financeira. É jurídica, pois
estamos a considerar não o impacto fiscal em si mesmo, mas, sim, as normas jurídico-
tributárias que permitem e estabelecem a manipulação do sistema jurídico positivo, para
impor os limites na determinação da referida carga tributária a partir das alíquotas.
Com efeito, os critérios constitucionais para a fixação das alíquotas permitem, além
de mensurar o impacto tributário sobre a capacidade tributária280 do sujeito passivo,
também aferir a respectiva competência tributária do sujeito ativo e a segurança jurídica
das relações dela decorrentes.281
Disso resulta que, ao lado dos demais critérios constitucionais relacionados com a
hipótese de incidência tributária, é fundamental identificarmos os traços das normas de
competência tributária que dizem respeito ao comando necessário à fixação das alíquotas
pelo legislador infraconstitucional.
278 É o que acontece com a tributação de bens supérfluos e nocivos à saúde ou até mesmo à economia ou ao interesse público. Muito comum na legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. 279 Ob. cit. 280 Note-se que a capacidade tributária é tida como um dado objetivo de conteúdo econômico, selecionado como hipótese normativa. 281 Tal aferição se dará com a verificação da fixação de alíquotas pelo legislador infraconstitucional de acordo ou não com os princípios e regras constitucionais que a prefixam.
121
Assim, imaginamos que um estudo nesse sentido demandará explorar os tópicos
seguintes, visando a apresentar novas perspectivas jurídicas às questões relacionadas às
alíquotas tributárias, extrapolando a sua atual dimensão quantitativista, cunhada pela
doutrina.
27. Aspecto “quantitativista” da alíquota
Em que pese a ausência de trabalho específico acerca do tema das alíquotas
tributárias, importa registrar que a doutrina brasileira sempre teceu importantes
comentários gerais a respeito. E, embora marcada pela heterogeneidade de suas influências
jusfilosóficas, toda a doutrina, de algum modo, direto ou indireto, inclina-se, quase que
uniformemente, para considerar unicamente a alíquota como um critério quantitativo, que,
aliado ao da base de cálculo, possibilita a mensuração da dívida tributária.
Poderíamos aqui transcrever muitos desses trabalhos, mas, por um apelo à
objetividade desta dissertação, preferimos tão somente indicar os inúmeros registros feitos
pelos mais diversos autores, começando-se pela doutrina mais remota, como a de Aliomar
Baleeiro282 e de Rubens Gomes de Souza283 e evoluir historicamente pela doutrina de
Amílcar de Araújo Falcão,284 de Fábio Fanuchi,285 de Ylves José de Miranda Guimarães,286
Alfredo Augusto Becker,287 Geraldo Ataliba,288 passando-se, então, a mais atual de José
Souto Maior Borges,289 Hugo de Brito Machado,290 Paulo de Barros Carvalho291 e Roque
Antonio Carrazza,292 dentre tantos outros autores nacionais que deixaremos de citar pela
desnecessidade de exaustão exemplificativa. Também na doutrina estrangeira tivemos
opiniões no mesmo sentido de J.J. Ferreiro Lapatza293 e Juan Ramallo Massanet.294
282 Baleeiro. Direito tributário brasileiro. 2006, p. 65. 283 Compêndio de legislação tributária. 1975, p. 103. 284 Fato gerador da obrigação tributária. 1999, p. 31 285 Curso de direito tributário brasileiro. 1979, p. 117. 286 Os princípios e normas constitucionais tributários. 1976, p.103. 287 Teoria geral do direito tributário, 2007, p. 398 288 Hipótese de incidência tributária. 2008, p.103 289 Lançamento tributário. 1999, p. 147 290 Curso de direito tributário. 2006, p.112 291 Curso de direito tributário, 2005, p. 342 292 Curso de Direito Constitucional Tributário. 2006, p. 483 293 Cuantificacion de la deuda tributaria. Revista de Direito Tributário. Volume 49. 1989, p. 13.
122
Em que pese a já extensa lista de autores acima citados, vale destacar os trabalhos
de Valdir de Oliveira Rocha e de Aires Barreto, os quais imprimiram maior dedicação aos
critérios quantitativos da obrigação tributária, e que, muito embora tenham concluído
também no mesmo sentido da doutrina pátria, demonstraram argumentação diferenciada do
tema.
Valdir de Oliveira Rocha295 parte da premissa de que há, em nosso direito positivo,
tributo fixo e tributo variável, e que a determinação de seu montante deve ser operada por
meio das modalidades “quantificação”, “fixação” e “avaliação”.
É na modalidade “quantificação” que esse autor vislumbra a existência da base de
cálculo e da alíquota por demandar a presença de cálculo matemático para a determinação
do montante do tributo. O autor observa que, para se determinar o montante do tributo, é
necessário, além da base de cálculo, de um fator, a alíquota. Para ele, a alíquota é “o fator
que se aplica à base de cálculo, para se quantificar o montante do tributo”. Igualmente à
boa parte da doutrina, entende que o termo “alíquota” não deve ser estudado a partir de sua
etimologia.
Em relação às outras duas modalidades de determinação do tributo, Valdir de
Oliveira Rocha entende que a “fixação” tem a ver com a possibilidade de tributo fixo,
especialmente em relação às taxas, pois se posiciona no sentido de que o nosso direito
positivo permite a instituição de tributos já determinados, fixados, que prescindem de
cálculo (“quantificação”) e, nesse sentido, não haveria que se falar em base de cálculo e
alíquota. Nessa linha, conclui que só não pode haver impostos fixos, em face do princípio
da capacidade contributiva.
Por fim, em relação à modalidade da “avaliação”, entende esse autor que há um
único caso possível, que seria na hipótese das contribuições de melhoria, em que a
determinação do tributo não se daria pela “quantificação” ou “fixação”, mas, sim, pela
avaliação da valorização do patrimônio do contribuinte, em face da obra pública realizada
294 Hecho imponible y cuantificación de la prestación tributaria. Revista de Direito Tributário. Volume 11-12, 1980, p. 21. 295 Determinação do montante do tribute: quantificação, fixação e avaliação. 1995, p. 101-103
123
pelo poder tributante, prescindindo, portanto, da base de cálculo e da alíquota, também. De
qualquer forma, embora esse autor tenha posição bem diferenciada de grande parte da
doutrina, o que nos fez citá-lo, também entende, conclusivamente, que a alíquota é critério
quantitativo da dívida tributária, como todos os demais autores.
Deixamos para o fim as reflexões que entendemos mais aprofundadas acerca das
alíquotas. Para nós, Aires Barreto foi quem mais se aproximou do tema da alíquota como
norma de competência e de segurança jurídica, muito embora seus ensinamentos também
tivessem permanecido na seara quantitativa da alíquota.
Esse último autor apresentou, em sua obra “Base de Cálculo, Alíquota e princípios
constitucionais”, dois pilares fundantes desse tema, estabelecendo-os como premissas de
todo o seu arrazoado: (i) a delimitação do princípio da capacidade contributiva e (ii) o
reconhecimento da juridicização das proposições matemáticas. A sua justificativa foi a de
que estes institutos são inerentes ao estudo das entidades que servem para medir e à própria
medição dos eventos tributáveis.296
Esmiuçando as idéias desse autor, comecemos pela (i) delimitação do princípio da
capacidade contributiva, em que o autor registra que a Constituição exige um tratamento
paritário dos cidadãos, pautado por um princípio de igualdade. O autor, tendo o princípio
da capacidade contributiva como desdobramento da igualdade297 observa que, nos tributos
vinculados, impõe-se ao legislador ordinário escolher, como hipótese normativa, fatos com
conteúdo econômico e, no conseqüente normativo, prescrever critério de mensuração (base
de cálculo) ad valorem.
Desse modo, afirma o renomado autor, fere-se a capacidade contributiva eleger fato
sem conteúdo econômico ou adotar base de cálculo que não seja lastreada no valor, com o
que não admite a figura do “tributo fixo”, no que concerne aos tributos não vinculados. No
296 Base de Cálculo, Alíquota e princípios constitucionais. 1998, p.25 297 Dino Jarach, em sentido análogo, observa que o “princípio da capacidade contributiva é que está na base do imposto. Temos visto que dito princípio constitui a característica das hipóteses de incidência, que sempre são manifestações de riquezas sujeitas a uma valoração política do legislador. Como conseqüência disso, a obrigação tributária que nasce da realização dos fatos imponíveis guarda com estes uma relação ou uma proporção que será dada pela alíquota do imposto. Raros são os impostos que têm como montante uma soma fixa, porque isto contrasta com a idéia fundamental de proporcionar a obrigação à capacidade contributiva.” (“Aspectos da hipótese de incidência tributária”, Revista de Direito Público. Vol. 17, p. 302)
124
caso dos tributos que possuem em sua hipótese normativa a descrição de uma atuação
estatal, salienta que, tratando-se de taxas, apesar de a única base de cálculo possível ser o
valor da atuação estatal, ainda assim torna-se necessária a presença de referências à base de
cálculo e à alíquota, o mesmo ocorrendo com a contribuição de melhoria.298
Quanto à (ii) juridicização das proposições matemáticas, Aires Barreto anota a
assertiva de que o comportamento humano de entregar uma quantia ao Estado, como
direito/dever da obrigação tributária, não prescinde da utilização da Ciência Matemática.299
Contudo, ele explica que, por vezes, ocorre a absorção, pelo direito, de categorias,
conceitos, definições etc. que integram outras Ciências, transformando tais entidades em
linguagem jurídica e fazendo ingressar no sistema do direito.
Com efeito, esse autor ressalta que a “juridicização de dada proposição se dá pelo
acolhimento de todos os princípios a que se subordina e dos preceitos ou regras aos quais
se enlaça.”300 Com isso, conclui que, o direito, ao acolher tais entidades, acolhe também as
operações fundamentais da matemática e as regras que lhes dizem respeito.
Realce do trabalho de Aires Barreto é o aprofundamento na distinção entre base de
cálculo e base calculada, a qual, segundo esse autor, é idéia originada dos pensamentos de
Alberto Xavier. Assim, a “base de cálculo”, para Aires, é um conjunto de referências
normativas a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários e, em
conseqüência dessa operação quantificadora, tem-se que a “base calculada” é o “resultado
expresso em moeda da aplicação do critério abstrato (designado base de cálculo) a um
caso concreto.”301
Por essa forma, no momento em que se constitui a base calculada, assevera-se que a
alíquota deixa de ser uma “indicação de proporção” de um valor indeterminado (uma
incógnita), passando a ser calculada sobre um valor legalmente determinado (a base
calculada), permitindo-se, assim, conhecer a quantia da dívida tributária.
A partir dessas manifestações sobre a base de cálculo e base calculada, o autor
supracitado nos revela a importância de nos atentarmos para a consciência em manipular o
298 Aires Barreto. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 1998, p. 137. 299 Idem, p. 31. 300 Ibidem, p. 32. 301 ibidem, p. 127.
125
critério quantitativo no plano normativo abstrato e no plano concreto. E, mantendo-se esse
rigor, Aires Barreto define alíquota, no plano abstrato, como “o indicador da proporção a
ser tomada da base de cálculo”.302 Em lado oposto, observa que a “alíquota in concretu” é
o “fator aplicável à base calculada para a obtenção da dívida tributária.”303 É o termo da
operação algébrica de multiplicação.304
Seguindo nessa linha, ele adverte que têm sido comum na doutrina considerações
no sentido de que a alíquota é parte, quota, pedaço, fatia ou fração a ser retirada da base
imponível. Colocando em confronto essa doutrina com a realidade, demonstra ser comum
o ensejo de normas jurídico-tributárias prescrevendo critérios que atribuem ao Poder
Público quantias tributárias equivalentes à própria base de cálculo e, até mesmo, em alguns
casos, quantias superiores ao valor tributável.
Com isso, esse ilustre autor adverte que a alíquota não é parte, fatia, quota ou fração
da base de cálculo, mas, sim, o critério legal para a obtenção de uma parte, de uma fatia,
de uma quota ou de uma fração da grandeza expressa pela base calculada. A alíquota é,
resumindo, o operador legal de aferição da quantia devida (o quantum debeatur).
Quer-nos parecer que, em remate, na visão do autor, poder-se-ia cogitar apenas de
que é o quantum debeatur a fração do todo (patrimônio em sentido amplo)305 e, não, a
alíquota. Em consonância com essa afirmação, podemos inferir que em inúmeros casos
também não se cogita ser a dívida tributária parte da base de cálculo, há vezes em que é
superior, como no caso do IPI sobre cigarros, v.g.
No mesmo cenário da base de cálculo, o presente autor teve também a preocupação
de distinguir a “alíquota normativa” daquela utilizável no caso concreto. Segundo ele,
enquanto a base de cálculo será, necessariamente, um valor, a alíquota poderá consistir em
percentual ou unidade de medida. Nesse particular, observa ainda que um “tributo só é
proporcional, progressivo ou regressivo, à medida que o é a alíquota aplicável, diante da
relação jurídico-tributária.”306
302 Ibidem, p. 58. 303 Ibidem, p. 128. 304 Ibidem, p. 44. 305 Ibidem, p. 56. 306 Ibidem, p. 128.
126
Proporcional, para ele, é a alíquota que não varia, apesar da variação do valor
expresso pela base calculada. Progressiva, por sua vez, são as alíquotas que aumentam no
mesmo sentido que varia a base calculada. Lastreado nas lições de Rubens Gomes de
Souza, Aires Barreto anota que a progressão simples é aquela em que cada alíquota é
aplicada por inteiro à base calculada, enquanto progressão graduada é aquela em que cada
alíquota é aplicada sobre uma parcela da base calculada, tendo-se em mente a idéia de
faixas de aplicação de alíquota. A alíquota regressiva, por fim, é aquela que varia no
sentido inverso à variação da base calculada.307
Anotação sutil percebida pelo autor foi a situação em que a lei prescreve algo como
em tal ou qual situação a alíquota será duplicada ou reduzida. Nesses casos, observa a
existência de hipótese de alíquota só precisamente definida após a realização desse cálculo
e, não, expressando que isso ocorrerá apenas e tão somente por ocasião da expedição da
norma individual e concreta.308
Notadamente, outro aspecto quantitativo a considerar é que, relativamente à
classificação dos tributos em fixos ou variáveis, seguimos a opinião majoritária da
doutrina, no sentido de que nosso subsistema constitucional tributário não admite a
modalidade fixa, pois, em que possa parecer desfavorável a não vedação expressa nos
enunciados constitucionais, os arquétipos tributários revelam que todas as espécies deles
derivadas hão de se constituir a partir de regras-matrizes, com seus respectivos critérios
(material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo – base de cálculo e alíquota), daí todos
carecerem da modalidade “quantificação”.
Com base nessa afirmativa, podemos inferir que os tributos vinculados sempre são
quantificados, pois, como todos os demais tributos não vinculados, também carecem da
previsão de uma hipótese material de incidência, cujo valor é atribuído segundo o critério
normativo nuclear da base de cálculo e apurado pela “base calculada”, possibilitando, pela
perspectiva quantitativa da obrigação tributária, a aplicação da alíquota a qual, comumente
nos tributos vinculados, é de 100% (cem por cento).
307 Ibidem, p. 129. 308 Ibidem, p. 59.
127
Nesse cenário, ainda, pode-se afirmar que os tributos vinculados também
possibilitam cumprir os princípios da capacidade contributiva e do não-confisco, pois,
sabendo-se que o ente político competente pode cobrá-los até o limite do preço de seus
“serviços”,309 mediante a aplicação de uma alíquota de 100%, fica patente que ela pode ser
graduada entre 0% e 100%, para atender, em muitos casos (i) ao exercício da cidadania e à
dignidade da pessoa humana, bem como para (ii) erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais do país.310
Podemos imaginar, então, que, por esse foco, é possível a previsão de alíquotas
inferiores a 100%, podendo-se atingir até 0% (zero por cento), na instituição de tributos
vinculados às atividades estatais, prestadas ou colocadas à disposição de pessoas
financeiramente hipossuficientes.
Registre-se que esses pontos de vista revelam uma posição “quantitativista” da
doutrina sobre o estudo tanto da base de cálculo quanto da alíquota, não os revelando,
especialmente esta última, como mais uma norma de competência tributária e de segurança
jurídica insculpida em nosso sistema jurídico.
28. Relação jurídico-tributária e alíquota
Importa registrar que o “fato jurídico tributário” e a “relação jurídico-tributária”
habitam o plano das normais individuais e concretas, enquanto os “critérios” da hipótese e
da conseqüência estão fincados no plano das normas gerais e abstratas.
Com efeito, é na seara do conseqüente da norma geral e abstrata que estão
prescritos os critérios para que o aplicador do direito identifique a relação jurídico-
tributária e determine o valor devido (quantum debeatur). Desse modo, vemos que, no
conseqüente das normas gerais e abstratas, não há uma efetiva relação entre sujeitos de
direito, mas tão somente os critérios para a sua constituição, a qual se dará com a
expedição da respectiva norma individual e concreta.
309 Empregado em sentido amplo, abarcando todo o critério material da hipótese de incidência das diversas hipóteses dos tributos vinculados. 310 Conforme artigos 1o, incisos II e III e 3o, inciso III, todos da Constituição Federal.
128
Com isso, vale notar que, uma coisa são os critérios prescritos pela norma geral e
abstrata e outra coisa, a relação jurídica efetivamente constituída pela norma individual e
concreta.
Sob a ótica concreta, então, na relação jurídico-tributária, encontramos a
determinação de um comportamento por uma pessoa, comumente denominada sujeito
passivo pela doutrina, e a determinação do objeto desse comportamento, a ser entregue ao
sujeito ativo.
Isso nos revela que a relação jurídica tributária é constituída pela norma individual
e concreta, a partir da determinação por autoridade competente,311 além da influência
indireta de outros, mas especialmente dos critérios pessoal e quantitativo prescritos na
norma geral e abstrata. No critério pessoal, a norma individual e concreta irá identificar os
sujeitos da relação jurídica tributária e, no critério quantitativo, os critérios determinantes
do objeto da conduta, consistente na entrega de dinheiro do sujeito passivo ao sujeito ativo.
No entanto, exclusivamente no que pertine ao critério quantitativo alíquota,
podemos anotar que, no plano normativo, geral e abstrato, encontramos critérios mínimos
que influem a quantificação do objeto, delineando o universo para a constituição da relação
jurídico-tributária.
Com efeito, importa lembrar que a relação jurídica forma-se não só em torno do
direito de um sujeito e o correlato dever de outro. Além dos sujeitos e de outros aspectos,
tais como tempo, lugar, modo, etc., há o objeto sobre o qual circunda toda relação jurídica.
Isso implica dizer que, além da observância do critério para identificação dos
sujeitos e da matéria da relação jurídico-tributária (critério pessoal), o aplicador do direito
deverá observar também a diretriz legal estabelecida para a determinação do critério
quantitativo, tanto para base de cálculo quanto para a alíquota. Sem isso, podemos afirmar
que, relativamente à alíquota, a inobservância dos critérios mínimos, prescritos na norma
geral e abstrata, implica a invalidade da norma individual e concreta produzida e impede a
constituição de relação jurídico-tributária.
311 Entenda-se como o órgão encarregado de constituir o fato jurídico-tributário.
129
Nesse cenário, então, subindo-se na escala hierárquica normativa,312 notamos que a
prescrição infraconstitucional de critérios legais tendentes a delinear a regra-matriz de
incidência, para fins de constituição de relações jurídico-tributárias, carece da observância
integral da norma de competência tributária (o arquétipo competencial), não podendo
aviltar qualquer dos critérios dos tributos constitucionalmente reservados aos entes
políticos tributantes.
Assim, quando a Constituição Federal estabelece regras ou princípios, explícitos ou
implícitos, a serem observados para o pleno exercício da competência tributária, quer-nos
parecer que há uma diretriz a ser observada pelo legislador infraconstitucional para o
delineamento do critério material, temporal, espacial, pessoal, quantitativo e,
evidentemente, então, também em relação às alíquotas.
Em suma, se a Constituição Federal estabelece normas de competência, com
balizamento dos critérios para a fixação das alíquotas tributárias, não se há como constituir
relação jurídico-tributária a partir de legislação infraconstitucional que desatenda as
referidas normas.
29. Obrigação tributária e alíquota
29.1. Objeto-prestação – um aspecto da obrigação tributária
Como dito acima, toda relação jurídica se forma especialmente em torno de um
objeto, sobre o qual se estabelecem direitos e deveres. Ocorre, contudo, que relação
jurídico-tributária, quando entendida como aquela da qual decorre o dever jurídico de um
determinado sujeito entregar uma determinada quantia em dinheiro a outro, que tem o
direito subjetivo de exigir o cumprimento daquele dever, parece-nos conotar, de início, a
existência de um objeto comportamental.
312 Invertendo-se a pirâmide do processo de positivação de Kelsen em direção à generalização e abstração normativa para atestarmos a validade das normas frente à Constituição Federal. Teoria pura do direito, 2006, p. 246.
130
Nesse sentido, o artigo 3o do Código Tributário Nacional é bem explícito ao
delinear o conceito de tributo, prescrevendo que tributo, como obrigação tributária, é a
“prestação pecuniária”.
Cristalino se torna esse conceito para revelar que a obrigação tributária, como
“prestação pecuniária”, decorre de uma ação pelo sujeito passivo. Assim, quer-nos parecer
que o dever jurídico-tributário se encerra nos limites do comportamento de determinado
indivíduo em levar determinada quantia ao titular do direito subjetivo. Estamos aqui a
retratar um aspecto da obrigação tributária, em decorrência da competência do ente político
tributante, exclusivamente no âmbito do direito de exigir e dever de cumprir dos sujeitos
dela integrantes tão somente.
Sobre isso, Geraldo Ataliba salienta que “o objeto da norma tributária não é o
dinheiro, transferido aos cofres públicos, mas, sim, o comportamento de levar dinheiro aos
cofres públicos. As obrigações de dar têm um objeto que é o comportamento consistente
em dar alguma coisa. Esta coisa é o objeto material do comportamento, o qual, à sua vez, é
objeto do comando. O comportamento objeto do comando, na relação obrigacional, recebe
a designação de prestação”.313
Ocorre, porém, que, para um indivíduo estar sujeito ao comportamento (objeto-
prestação) de entregar dinheiro a outro, é indispensável que a obrigação tributária tenha
sido efetivamente constituída a partir das regras-matrizes de incidência postas no sistema
do direito positivo, com a observância dos critérios constitucionais que a influem.
Em outras palavras, a exigência de um dado comportamento, decorrente da
instituição de determinado tributo, deve estar em total consonância com a norma de
competência tributária, observando-se o respectivo arquétipo.
Assim, é a norma de competência que fornece o delineamento da obrigação
tributária e permite que o sujeito ativo a institua e exija, como seu objeto, um
comportamento consistente na entrega de dinheiro. O objeto prestação é, efetivamente, o
efeito jurídico do exercício da competência tributária.
313 Hipótese de Incidência Tributária. 2008, p. 22
131
29.2. Objeto material – outro aspecto da obrigação tributária
O objeto-prestação, o comportamento, exigido na obrigação tributária, não surge
só, despido de qualquer aspecto físico. Ao invés disso, a obrigação tributária descreve o
comportamento exigido e atribui um predicado a ele. Em sentido análogo, Aires Barreto
aludiu que ao “verbo e complemento”314 da hipótese de incidência há que se aditar um
“adjunto adnominal” e, aproveitando os exemplos de Paulo de Barros Carvalho, emenda,
afirmando que o “vender mercadorias”, “industrializar produtos”, “ser proprietário de bem
imóvel”, exige o adjunto adnominal “de que valor?”.
Assim, aproveitando os mesmos exemplos, equivale dizer que o comportamento de
“vender” reclama o complemento “mercadorias”, que, por sua vez, carece de uma
valoração significativa.
Essa valoração é o objeto material da obrigação tributária, correspondente à
substância do dito objeto-prestação. Isso nos quer dizer que o comportamento exigido pela
obrigação tributária reclama sempre a entrega de dinheiro, que é a coisa material,
expressão física pecuniária, que acompanha referido comportamento.
Assim, é indubitável que o aspecto quantitativo da obrigação tributária está
relacionado ao objeto material e, não, ao objeto prestação.
Com isso, podemos anotar, com uma visão clássica de obrigação tributária, a
existência de uma perspectiva quantitativa por meio do objeto-material e outra perspectiva,
de natureza relacional, no que atina ao objeto-prestação, compondo ambas as suas nuances
características.
Assim, quando se faz referência ao aspecto quantitativo da obrigação tributária,
estar-se-ia direcionando a análise tão somente ao objeto material, no que pertine aos
critérios relacionados ao cálculo do tributo. De outro modo, as anotações sobre o objeto-
prestação fazem referência direta aos critérios relativos à competência tributária.
314 Paulo de Barros Carvalho ensina que a hipótese de incidência sempre haverá de ter um verbo e um complemento para indicar o critério material do tributo. ob. cit.
132
Por essa forma, importa anotar que objeto-prestação e objeto-material se
distinguem um do outro, mas constituem juntos as duas faces da obrigação tributária.315
Em decorrência disso, ao se fazer referência às alíquotas, como simples aspecto
quantitativo, estar-se-ia tão somente direcionando comentários aos critérios relacionados
ao objeto-material da obrigação tributária.
Entretanto, além disso, quer-nos parecer que o nosso sistema de enunciados do
direito positivo veicula um conjunto de princípios e regras constitucionais relativos às
alíquotas tributárias que influi, juntamente com outros, na constituição do arquétipo da
competência tributária.
29.3. Influência da alíquota sobre a obrigação tributária
No plano normativo individual e concreto, o “lançamento tributário” concretiza a
existência dos objetos (prestacional e material) da obrigação tributária e denota, por si só,
marcas da consumação dela.
Contudo, importa lembrar que a validade da obrigação tributária depende da
validade da norma individual e concreta que a instituiu e, nesse sentido, voltando-se os
olhos para as normas gerais e abstratas que lhe serviram de fundamento, encontraremos, no
plano hierárquico das leis, outras normas que constituem o sistema do direito positivo com
todas as diretrizes de validade tanto das normas individuais e concretas quanto das próprias
normas gerais e abstratas.
Assim sendo, com a análise da alíquota, numa perspectiva prestacional da
obrigação tributária, temos a oportunidade de verificação da validade das normas gerais e
abstratas postas no sistema, antes mesmo da instalação da obrigação tributária, checando a
atividade legislativa do ente político tributante, no que concerne ao exercício de sua
competência tributária.
Por essa forma é que atestamos a influência das normas constitucionais, gerais e
abstratas, relativas à alíquota, sobre os objetos da obrigação tributária posta no sistema
315 Obviamente que estamos a considerar a implicitude dos aspectos, temporal e espacial, que sempre marcam a existência de qualquer fato.
133
pelas normas de conduta. O processo de positivação das normas jurídicas relativas às
regras-matrizes de incidência tributária, tendente a constituir obrigações dessa natureza,
carece da observância de todos os critérios constitucionalmente preestabelecidos.
Com efeito, a inobservância dos critérios constitucionais relativos à alíquota
tributária, além de outros, influi na possibilidade jurídica de instituir tributos, além da de
constituir obrigação tributária para a exigência dos seus objetos.
Assim, é de se concluir que, na seara da obrigação tributária, além de seu aspecto
quantitativo, as alíquotas possuem outro, relacionado aos critérios da competência
tributária, que influi na constituição da obrigação tributária.
29.4. Função da alíquota
Além de falar especificamente acerca da função da alíquota, impende discorrer,
preliminarmente, sobre a base de cálculo, pois importa registrar que a base de cálculo, em
regra, corresponde à exata dimensão do fato jurídico tributário, como habitualmente
propagado pela doutrina nacional.
Merece destaque o fato de que o valor do fato jurídico tributário deve ser sempre o
mesmo valor do negócio jurídico nuclear do critério material da regra-matriz de incidência
tributária, pois a base de cálculo opera uma lapidação limitativa nos contornos do núcleo
da hipótese, para determinar de forma cristalina o seu valor.
A mensuração da base calculada opera as arestas do referido núcleo de incidência
de modo a adicionar ou excluir outros valores que, por fim, conformam a dimensão do fato
jurídico tributário, mas que com ele não se confundem. Como constatação dessa assertiva,
basta analisar a legislação do Imposto sobre a Renda316 - IR -, cujo fato jurídico tributário
nuclear (auferimento de renda) é o resultado decorrente das exclusões e adições à receita
ingressada no patrimônio do contribuinte, previstas na regra-matriz de incidência deste
316 Confira a legislação do IR (lei 4.506/64 e DL 5.844/43 e Dec. 3.000/99)
134
imposto. Também vemos essa mesma regra lapidar na legislação do ICMS317 dos Estados e
do Distrito Federal, na legislação do IPI318 e na do ISS,319 dentre outras.
Importa alertar que a relevância de a tributação afetar tão somente o acréscimo
patrimonial,320 por imperativo de “justiça tributária,”321 implicam sejam feitas exclusões e
adições ao valor do fato jurídico nuclear. Por esse motivo a doutrina tem proclamado, em
resumo, que a base de cálculo infirma, afirma ou confirma o critério material da regra-
matriz de incidência tributária.322
Outro exemplo que reforça nossa afirmativa diz respeito ao Imposto sobre
Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de
Transporte de Natureza Interestadual ou Intermunicipal ou de Comunicação – ICMS,323 em
que o valor do fato jurídico tributário nuclear não pode ser, como tradicionalmente ocorre,
confundido com o valor da venda de mercadoria ou o valor da prestação do serviço, pois
ele nunca será o mesmo da base de cálculo desse imposto. Isso se dá pelo fato de que a
legislação aplicável à espécie (ICMS) estabelece que a base de cálculo seja o valor do
negócio jurídico relativo à operação ou à prestação (entenda-se o valor do fato jurídico
tributário), incluindo-se, aí, todos os demais valores que integram o negócio mercantil.
Abra-se um parêntese para lembrar que esse é o motivo pelo qual a doutrina não admite o
acréscimo do próprio imposto (ICMS) e de outras despesas não relacionadas ao negócio
jurídico na sua base de cálculo.324
317 Ver LC 87/96. 318 Lei n. 4.502/64 e Regulamento do IPI 319 Ver LC 106/00 320 Empregamos em sentido amplo, para nos referirmos a todo acréscimo patrimonial em decorrência de algum fato jurídico qualquer, como obtenção de renda, venda de mercadoria, ganho de capital, ganho de loteria, etc. 321 Justiça no sentido de obediência à política jurídico-fiscal decorrente dos princípios constitucionais tributários, que estabelecem uma tributação adequada à capacidade contributiva de cada contribuinte. 322 Esse é o sentido comumente empregado pela doutrina Brasileira. 323 Veja a Lei Complementar n. 87/96 e legislações estaduais sobre ICMS. 324 Essa sempre foi a posição da doutrina nacional, em que pese o STF já ter decidido acerca da constitucionalidade dessa hipótese em face da EC n.º 33/01. Criticando duramente o instituto do "cálculo por dentro", fixado pela legislação complementar do ICMS, Roque Antonio Carrazza, assim manifestou-se: "Destarte – como será melhor demonstrado –, o montante de ICMS não pode integrar sua própria base de cálculo, sob pena de desnaturar-se o tributo e, o que é pior, de se infringirem maus tratos ao estatuto do contribuinte, constitucionalmente traçado. "Na verdade, não é possível inserir, na base de cálculo do ICMS a sua própria incidência (cálculo por dentro), ensejando a cobrança de imposto sobre o imposto." Em que pese a consistência dos argumentos acima, e ainda, a sapiência de seus defensores, o Supremo Tribunal Federal
135
Posto isso, evidencia-se que a base de cálculo decorre de uma prescrição
normativa de um conjunto de valores, dentre eles o valor do fato jurídico tributário – mas
não só, cuja motivação é empírico-constitucional, para a realização da referida justiça
tributária.
A alíquota, diferentemente da base de cálculo, funciona por um método exclusivo
de afetação patrimonial. Repare que, enquanto a base de cálculo tem a função primordial
de medir o valor patrimonial a ser afetado, delineando a exata dimensão da capacidade
contributiva325 do sujeito passivo, a alíquota investe contra essa dimensão patrimonial e
demarca-lhe o gravame tributário – o objeto-material da prestação tributária.
Trata-se, no plano abstrato da norma tributária (de conduta), que a alíquota se
perfaz em uma previsão aritmética do comprometimento do “patrimônio” do contribuinte,
v.g., 10% (dez por cento) ou 110% (cento e dez por cento) da base de cálculo, conforme a
natureza da exação (arrecadatória ou regulatória).326
No plano concreto da incidência normativa, a alíquota atua sobre a base de
calculada, com as nuances acima comentadas,327 possibilitando, ao final, a mensuração do
objeto material da prestação tributária.
(STF), apreciando a questão, decidiu pela constitucionalidade do "cálculo por dentro" do ICMS, não acolhendo as alegações de afronta aos princípios da capacidade contributiva, estrita legalidade e não-cumulatividade, dentre outros (RE nº 212.209, rel. Ministro Marco Aurélio, redação para acórdão Ministro Nelson Jobim, 23 de junho/99). "ICMS – Inconstitucionalidade da Inclusão de seu Valor, em sua Própria Base de Cálculo", em “Revista Dialética de Direito Tributário” nº 23, São Paulo: Dialética, p. 102 325 No sentido de capacidade contributiva pelo porte do patrimônio, aferido pelo valor do fato jurídico tributário e os respectivos acréscimos e decréscimos. 326 Como dito anteriormente, exceção feita tão somente aos tributos vinculados, em que entendemos deva ser a alíquota limitada a 100%, no exato limite da base de cálculo, que deverá corresponder, por sua vez, ao valor nuclear da hipótese de incidência. Vislumbramos que não há tributos fixos em nosso sistema positivo e, por isso, entendemos que os tributos vinculados têm suas regras-matrizes constituídas pelos mesmos critérios dos não vinculados, ou seja, material, temporal, espacial, pessoal e quantitativo (base de cálculo e alíquota). Nesse cenário, então, imaginamos que a base de cálculo dos tributos vinculados deva corresponder ao valor intrínseco da hipótese material de incidência e a alíquota poderá ser de até 100%. Em regra, a cobrança dos vinculados se dá pela alíquota de 100% da base de cálculo, mas nada impede que seja graduada entre 0% e 100%, conforme a capacidade econômica do sujeito passivo. Por exemplo, pode-se estabelecer uma taxa de serviço público com alíquota de 0% (com efeito de isenção) para as pessoas carentes de recursos financeiros, pobres na acepção jurídica do termo, para dar eficácia aos fundamentais valores da cidadania e dignidade da pessoa humana, e 100% para quem não prove tal carência. 327 A base calculada de Aires Barreto.
136
Assim, numa perspectiva quantitativa da obrigação tributária, a função da base de
cálculo está para a mensuração pecuniária do patrimônio a ser afetado e a alíquota para a
dimensão valorativa do objeto material da prestação tributária, o qual corresponde à
parcela do patrimônio particular que deverá ser entregue aos cofres públicos. Essa a função
quantitativa da alíquota.
No entanto, entendemos haver outras funções da alíquota. Segundo Aires Barreto,
“a alíquota tem por função, no caso de imposto, possibilitar o exame da não
confiscatoriedade; nas taxas, atua como indicador da capacidade contributiva e, por fim, na
contribuição de melhoria, como elemento de aferição do confisco.”328
Pensamos que a Constituição Federal, no que pertine ao subsistema jurídico
constitucional tributário, estabeleceu diversas competências, delineando-as segundo o
regime jurídico dos tributos e alguns critérios normativos consagrados como parâmetros de
fixação das alíquotas pelo legislador infraconstitucional.
Por essa forma, em face do regime jurídico de cada espécie tributária, podemos
aferir também a competência de cada ente político tributante. Nesse sentido, sabemos que,
quanto ao critério de classificação dos tributos, podemos considerar o binômio critério
material e base de cálculo, donde chegamos à classificação dos tributos em vinculados a
uma atuação estatal e os não vinculados, aferindo-se as espécies taxas, contribuições e
impostos, respectivamente. De outro modo, pensando-se em classificação a partir do
regime jurídico das espécies tributárias, encontramos na Constituição Federal até 5 (cinco)
espécies (impostos, taxas, contribuições sociais, contribuições de melhoria e empréstimos
compulsórios).
Vale ponderar que, ao analisarmos as normas constitucionais relativas às diversas
espécies tributárias sem, no entanto, considerar qualquer critério de classificação dos
tributos, podemos afirmar que a alíquota também possui a função de calibrar a
competência tributária, influindo na instituição das diversas regras-matrizes pelo
legislador infraconstitucional.
328 Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 1998, p. 84
137
Com efeito, pensamos conclusivamente que há princípios e regras constitucionais
que estabelecem o arquétipo tributário e fornecem critérios que predeterminam as alíquotas
das regras-matrizes possíveis e, com isso, delimitam a competência tributária dos entes
políticos tributantes, garantindo, assim, a segurança jurídica das relações jurídico-
tributárias.
Capítulo 6 - Alíquota e os princípios constitucionais tributários
Anteriormente comentamos que, sendo os princípios constitucionais tributários
elementos normativos integrantes do ordenamento jurídico tributário, de cunho hierárquico
e com forte valor axiológico, eles influem no processo interpretativo para estabelecer,
finalisticamente, o limite da competência tributária e disciplinar a validade das normas
inseridas no sistema do direito positivo.
Analisando alguns princípios constitucionais tributários, em face da aplicação das
normas relativas à alíquota, podemos encará-los como limites objetivos (princípios e
regras) do direito positivo brasileiro para o exercício da atividade do legislador
infraconstitucional.
Isso implica fazermos uma breve incursão sobre alguns dos princípios
constitucionais, alguns gerais e outros de natureza eminentemente tributária, que a nosso
ver são considerados vitais à sustentabilidade do subsistema tributário, influindo
decisivamente na construção das normas de competência tributária e respectivas normas de
conduta, consideradas por nós como pilares mestres do direito tributário.
Obviamente que a limitação ao universo dos princípios constitucionais se dá pela
necessidade de objetividade do trabalho que exige sejam citados tão somente aqueles que
exercem influência direta ao nosso tema, não considerando preteridos outros princípios, até
pela unidade ínsita do próprio sistema jurídico.
138
30. Princípios que influem na fixação das alíquotas
30.1. Princípio da legalidade
A busca pelo sentido do princípio da legalidade deve ser iniciada a partir do artigo
5º, inciso II, da Constituição Federal, o qual estabelece que “ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Desse enunciado podemos inferir que há um poder impositivo estabelecendo a
principal diretriz do sistema jurídico positivo, em que se percebe a grandeza de uma força
originária de quem lhe outorga. O povo.
É o princípio da legalidade a expressão maior da vontade do povo de um Estado
democrático de direito, regido por um regime político de representação popular, mediante
sufrágio universal e secreto. É, o princípio da legalidade, em outras palavras, o exercício
regular da vontade do povo levado a efeito mediante representação exercida pela atividade
política parlamentar e, que, caracteriza a primeira outorga de competência.
Conforme ensina Roque Antonio Carrazza, a “legalidade é a morada da
isonomia”, pois, explica esse autor, todos os princípios estão a serviço da isonomia e, por
isso, fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei, só será legítimo se for em
face de “lei igualitária”.329 Assim, na esteira do mestre, parece-nos que a legalidade
estampa a igualdade entre os cidadãos do povo e estabelece limitações ao poder de tributar.
Pelo princípio da legalidade há igualdade de sujeição entre os cidadãos, bem como do
próprio Poder constituído.
Invocando Pontes de Miranda, o ilustre jurista Sacha Calmon Navarro Coelho
assegura que legalidade da tributação “significa o povo se tributando a si próprio. Traduz-
se como o povo autorizando a tributação através de seus representantes eleitos para fazer
leis, ficando o príncipe, o chefe do Poder Executivo – que cobra os tributos – a depender
do Parlamento”.330
329 Curso de Direito Constitucional Tributário. 2006, p. 420 330 Curso de direito tributário. 2005, p. 221
139
No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado assevera que “a lei, a manifestação
legítima da vontade do povo, por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o ser
instituído em lei significa ser o tributo consentido. O povo consente que o Estado invada
seu patrimônio para dele retirar os meios indispensáveis à satisfação das necessidades
coletivas.331
Em matéria tributária, além do inciso II do artigo 5o da Constituição Federal,
encontramos o reforço do inciso I do artigo 150 da Carta Política que estabelece que “Sem
prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios (...) exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Com isso, é patente em nosso sistema positivo que só a lei pode definir os tipos tributários.
Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza professa que o “princípio da legalidade
garante, decisivamente, a segurança das pessoas, diante da tributação.” E, assim, arremata,
afirmando que “o patrimônio dos contribuintes só pode ser atingido nos casos e modos
previstos na lei, que deve ser geral, abstrata, igual para todos (art. 5o, I, e art. 150, II,
ambos da CF), irretroativa (art. 150, III, “a”, da CF), não-confiscatória (art. 150, IV, da
CF) etc.”332
Quanto à função do princípio da legalidade em matéria tributária, Regina Helena
Costa destaca três distinções relevantes, lembrando a “função formal”, que é a exigência
indispensável de veículo legislativo; a “função material”, caracterizada pela especificação
de todos os aspectos necessários à verificação do fato jurídico-tributário (especificidade ou
tipicidade) e respectiva obrigação, e a “função vinculante” relativa à vinculatividade dos
órgãos da Administração aos seus comandos.333
Adotando as distinções acima destacadas, podemos apurar, em nosso sistema
jurídico positivo, grande relevância analítica delas para o estudo do direito tributário.
Assim, no sentido de “função formal” do princípio da legalidade encontramos a posição de
Américo Lacombe, assentando: que “podemos afirmar que, com o advento do Estado
331 Curso de direito tributário, 2006, p. 53. 332 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, págs. 243 e 247 333 Praticabilidade e justiça tributária – Exeqüibilidade de Lei Tributária e Direitos do Contribuinte. 2007, p. 142
140
moderno, o princípio da legalidade perdeu o cunho de autotributação, passando a adquirir
um cunho meramente formalista, que se traduz na idéia de que só a lei ordinária, emanada
do Poder Legislativo, pode estabelecer os critérios da hipótese de incidência e do
mandamento da norma jurídica tributária.”334
Com efeito, relevando-se o extremismo de algumas posições formalistas, é a partir
da “função formal” que se pode afirmar não ser possível a criação ou alteração de tributos
por qualquer modo legislativo ou administrativo; exige-se, sempre, a introdução de
enunciados prescritivos pelo parlamento por meio de documentos normativos específicos,
como a Lei Complementar e a Lei Ordinária. Nesse cenário, vale lembrar rapidamente
acerca da polêmica envolvendo a introdução de matéria tributária no sistema positivo, por
meio do documento normativo, oriundo do Poder Executivo, denominado Medidas
Provisórias, pois, após a Emenda Constitucional n.o 32, de 11 de setembro de 2001, em que
pesem as diversas opiniões contrárias da doutrina pátria, tem-se admitido a instituição ou
alteração de tributos também por essa espécie “legislativa”.
A “função formal” do princípio da legalidade, ainda, a nosso ver, tem função
estruturante, pois norteia toda a construção das normas de produção jurídica, disciplinando
todo o processo legislativo tendente a instituir, majorar, extinguir, diminuir tributos,
influindo decisivamente na introdução de documentos normativos e seus respectivos
enunciados prescritivos na órbita do direito positivo.
30.2. Tipicidade ou função material da legalidade
No que atina à “função material” do princípio da legalidade, importa destacar
eminente posição de José Artur Lima Gonçalves, o qual, após assentar que a criação e
cobrança de tributo deve estar sempre calcada em lei, assevera que, de outro lado, a lei
(referindo-se ao princípio da legalidade) “deve tipificar taxativamente o tributo criado” e,
com isso, explana que esse documento normativo “deve descrever a materialidade da sua
hipótese de incidência, a definição do sujeito passivo, a fixação da alíquota e base de
cálculo etc.”335 Disso, conclui esse autor que a tributação, no Brasil, depende de dois
334 Princípios Constitucionais Tributários. 1996, p. 42. 335 Imposto sobre a Renda, pressupostos constitucionais. 2002, p. 80
141
requisitos: a legalidade e a tipicidade, os quais, a nosso ver, correspondem mais às funções,
formal e material, do princípio da legalidade do que a institutos de gênero próprio.
Seja como for, a “função material”, também denominada de “tipicidade” ou,
ainda, “especificidade”, do princípio da legalidade vem no sentido traçado por Alberto
Xavier que, ao vislumbrar a premissa garantidora do princípio da legalidade para se evitar
uma tributação arbitrária, concluiu, asseverando que “a lei, mesmo em sentido material,
deve conter não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio
critério da decisão do caso concreto. Nesse sentido, esse autor advertiu que, se o princípio
de reserva de lei formal exige lex scripta, o de reserva absoluta coloca-nos diante da
necessidade de uma lex stricta, em que deve conter todos os elementos da decisão do caso
concreto, do conteúdo ao fim.336
Diante disso, podemos assegurar que a Constituição, quando estabelece que
apenas a lei possa instituir ou majorar tributo, está prescrevendo que a construção da regra-
matriz de incidência tributária deve ser fundada, além do plano de expressão, no conteúdo
dos enunciados introduzidos no sistema do direito positivo por documentos normativos
competentes.
Nessa linha, reforça a idéia os pensamentos de Paulo de Barros Carvalho, para
quem o “veículo introdutor da regra tributária no ordenamento há de ser sempre a lei
(sentido lato), porém o princípio da estrita legalidade diz mais do que isso, estabelecendo a
necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato
jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional. Esse plus caracteriza a tipicidade
tributária, que alguns autores tomam como outro postulado imprescindível ao subsistema
de que nos ocupamos, mas que pode, perfeitamente, ser tido como uma decorrência
imediata do princípio da estrita legalidade.”337
Como corolário, é de se ver que o chamado princípio da tipicidade tributária ou,
para nós, “função material”, surge, inevitavelmente, em decorrência do princípio da
legalidade, mediante o qual a lei, em sentido estrito, deve prescrever a hipótese de
incidência tributária, descrevendo todos os seus critérios (material, espacial, temporal,
336 Os princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. 1978, p. 37 337 Curso de Direito Tributário. 2005, p. 158/159
142
pessoal e quantitativo – base de cálculo e a nossa prezada alíquota). É nesse sentido que
percebemos a função material do princípio da legalidade, proibindo a integração da regra-
matriz de incidência tributária por documentos normativos diversos da lei, de hierarquia
inferior.
Em resumo disso tudo, podemos invocar as palavras de Roque Antonio Carrazza,
para quem o “tributo, pois, deve nascer da lei (editada, por óbvio, pela pessoa política
competente). Tal lei deve conter todos os elementos e supostos da norma jurídica tributária
(hipótese de incidência do tributo, seus sujeitos ativo e passivo e suas bases de cálculo e
alíquotas), não se discutindo, de forma alguma, a delegação, ao Poder Executivo, da
faculdade de defini-los, ainda que em parte. Remarcamos ser de exclusividade da lei, não
só a determinação da hipótese de incidência do tributo, como, também, de seus elementos
quantitativos (base de cálculo e alíquota). Resta evidente, portanto, que o Executivo não
poderá apontar – nem mesmo por delegação legislativa – nenhum aspecto essencial da
norma jurídica tributária, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.”338
É por isso que Carrazza conclui advertindo que “o Poder Executivo não pode,
com o pretexto de terminar a obra do legislador, regulamentar tudo o que este prescreveu
em linhas largas, agregando novos componentes ou definindo os conceitos utilizados pelo
legislador do nada.”339
30.3. Vinculabilidade ao princípio da legalidade
Por fim, no que tange à “função vinculativa” do princípio da legalidade, podemos
aduzir à necessária e indispensável submissão dos órgãos da Administração Pública, em
especial da administração tributária, aos comandos da lei.
338 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 247 339 “Laboram em equívoco, portanto, os que sustentam que o Chefe do Executivo, no que tange à tributação, pode terminar a obra do legislador, regulamentando tudo o que ele apenas descreveu com traços largos. Na verdade, a faculdade regulamentar serve para ressaltar alguns conceitos menos claros contidos na lei, mas não para agregar-lhes novos componentes ou, o que é pior, para defini-los do nada. Entendimento contrário viola o princípio da legalidade em sua própria essência.” Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 248.
143
Nesse sentido, alerta Regina Helena Costa que, no Brasil, “o princípio da
legalidade é um dos primados essenciais do direito público, impondo à Administração que
adote tão-somente condutas previamente descritas em lei”.340
Não que se negue a possibilidade de atos discricionários à Administração, mas a
prática de atos relevantes, diretamente relacionados com a instituição das exações
tributárias, há que estar vinculada às estreitas raias do comando normativo da lei.
Não é outro o sentido empregado no discurso de Paulo de Barros Carvalho,
quando trata do denominado “princípio da vinculabilidade da tributação”, que, para nós,
não deixa de ser mais uma das funções do princípio da legalidade. Vamos às suas palavras.
“A atividade impositiva do Poder Público está toda ela regulada por prescrições
jurídicas que lhe permitem exercer, concretamente, os direitos e deveres que a legislação
tributária estabelece, desenvolvendo sua função administrativa mediante a expedição de
atos discricionários e atos vinculados.”
“O magistério dominante inclina-se por entender que, nos confins da estância
tributária, hão de existir somente atos vinculados, fundamento sobre o qual exaltam o
chamado princípio da vinculabilidade da tributação. Entretanto, as coisas não se passam
bem assim. O exercício da atuosidade administrativa, nesse setor, se opera também por
meio de atos discricionários, que são, aliás, mais freqüentes e numerosos. O que acontece é
que os expedientes de maior importância, aqueles que dizem mais de perto aos fins da
pretensão tributária, são pautados por uma estrita vinculabilidade, caráter que, certamente,
influenciou a doutrina no sentido de chegar à radical generalização. Podemos isolar um
catálogo extenso de atos administrativos, no terreno da fiscalização dos tributos, que
respondem, diretamente, à categoria dos discricionários, em que o agente atua sob critérios
de conveniência e oportunidade, para realizar os objetivos da política administrativa
340 Praticabilidade e Justiça Tributária – exeqüibilidade de lei tributária e direitos do contribuinte. 2007, p. 101 – destaca o inc. II do Art. 5o (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”) e o art. 37, caput, (“A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:...”), da Constituição Federal.
144
planejada e executada pelo Estado. Compreendido com essa ressalva, nada haverá de
extravagante em proclamarmos o vigor do princípio da vinculabilidade da tributação.”341
Assim, importa concluir que as três fundamentais funções do princípio da
legalidade exercem, no universo das relações jurídicas, um balizamento formal na
elaboração dos documentos normativos, prescrevendo o procedimento e a autoridade
competente, e delimitam substancialmente o conteúdo desses documentos, os quais
vinculam materialmente a todos no sistema jurídico.
Dito isso, vislumbramos que a intersecção da alíquota com o princípio da
legalidade se dá a partir da edição das leis tributárias, as quais, ao instituírem as diversas e
possíveis regras-matrizes de incidência, devem observância, além, obviamente, da função
formal desse princípio, que exige lei em sentido estrito, ao critério quantitativo –
alíquota.342 Ela deve ser inserida na lei para a satisfação da função material do referido
princípio, pois, sob a ótica formal, a lei (veículo introdutor) deverá ser produzida sob o
influxo material das normas de competência e de produção normativa.
Por fim, importa lembrar que, embora pouquíssimas, há exceções ao princípio da
legalidade. Nesse sentido José Artur Lima Gonçalves lembra alguns casos que existem,
mas ressalva que todos “circunscritos e excepcionais, e só existem quando expressamente
autorizados pelo próprio texto constitucional.”343 Segundo a lembrança desse autor, temos
as seguintes exceções ao princípio da legalidade: (i) o caput do art. 48 prevê que não serão
objeto de lei as matérias de competência exclusiva do Congresso listadas no art. 49; da
Câmara relacionados no art. 51; e do Senado conforme art. 52, cujos veículos normativos
são os decretos legislativos e as resoluções (art. 59, VI e VII); (ii) a medida provisória, que
tem força de lei (art. 62), mas que perde a eficácia se não convertida em lei em trinta dias
(parágrafo único), só podendo ser editada em caso de urgência e relevância; (iii) a lei
delegada, que, todavia, depende de resolução do Congresso(art. 68 e §2o), que lhe fixará o
“conteúdo e os termos do seu exercício”.
341 Curso de Direito Tributário, 2005, p. 165 342 Os conceitos podem ser ampliados também à base de cálculo, porém, manteremos concentração no critério quantitativo alíquota, para não desviarmos o foco. 343 Imposto sobre a Renda, pressupostos constitucionais. 2002, p. 66
145
Ocorre, porém, que, falando mais especificamente em relação à seara tributária,
não podemos nos esquecer do alerta feito por Roque Antonio Carrazza, no sentido de que
“laboram em equívoco” os autores que “entendem que alguns tributos não precisam
obedecer ao princípio da legalidade”. O alerta do autor refere-se às aparentes exceções ao
princípio da legalidade, notadamente em relação àquelas hipóteses em que ocorrem
majorações de alíquotas pelo Poder executivo, nos termos do §1º, do artigo 153, da
Constituição Federal, o qual prevê o aumento de alíquotas do Imposto de Importação – I.I.,
do Imposto de Exportação – I.E., do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, e do
Imposto sobre Crédito, Câmbio, Seguro ou relativa a Títulos e Valores Mobiliários – IOF,
por meio de decreto executivo.
A afirmativa vem acompanhada de arrazoado contundente, demonstrativo de que,
embora majoradas por decreto executivo, as condições e limites estabelecidos foram
instituídos por meio de lei.344
Parece-nos, de fato, incontestável a posição do autor no que pertine à instituição,
formal e material, do tributo, em que se determinam as hipóteses de incidência tributária.
Contudo, de modo oposto, também são de Roque Antonio Carrazza as
advertências acerca dos limites do princípio da legalidade. Segundo ele, ilações sobre a
potencialidade do princípio da legalidade “podem levar-nos a entender que o campo de
incidência do princípio da legalidade é ilimitado, isto é, que tudo pode ser sindicado pela
lei.” Com sua sapiência cristalina, não nos deixa sem resposta ao asseverar que “esta
primeira expressão, porém, é logicamente absurda, pois a competência para a legalidade –
como de resto toda e qualquer competência -, se implica uma autorização, encerra também
uma limitação.”345
Assim, tendo em mente os alertas do mestre Carrazza, relativamente às alíquotas,
acrescentamos algumas hipóteses excessivas ao princípio da legalidade, tais como:
344 Segundo Carrazza, “Não há, neste dispositivo constitucional, qualquer exceção a princípio da legalidade. Apenas o Texto o Magno permite, no caso, que a lei delegue ao Poder Executivo a faculdade de fazer variar, observadas determinadas condições e dentro dos limites que ela estabelecer, as alíquotas (não as bases de cálculo) dos mencionados impostos”. Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 294 345 Curso de direito constitucional Tributário, 2006, p. 349
146
(iv) a fixação de alíquotas máximas do Imposto sobre Transmissão “Causa
Mortis” e Doações – ITCMD, nos termos do inciso IV do §1o, do artigo 155 da
Constituição Federal, deve ser por meio de resolução do Senado Federal como documento
normativo competente;
(v) o inciso IV do §2o do artigo 155 da Constituição Federal, prevê que a
resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos
Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas do
Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS, aplicáveis
às operações e prestações, interestaduais e de exportação;
(vi) o inciso V do §2o do artigo 155 da Constituição Federal, que estabelece a
faculdade ao Senado Federal para a) estabelecer alíquotas mínimas de ICMS nas operações
internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de
seus membros; b) fixar alíquotas máximas do ICMS, nas mesmas operações para resolver
conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da
maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;
(vii) § 6º do artigo 155, da Constituição Federal, que estabelece a faculdade de o
Senado Federal, também por resolução, instituir a alíquota mínima do imposto sobre
propriedade de veículos automotores – IPVA.
Em nosso entender, com os acréscimos feitos, entendemos que o universo de
normas infraconstitucionais criadoras, modificadoras e extintivas de direito, possíveis no
sistema jurídico-tributário brasileiro e que prescindem de lei em sentido estrito está bem
exemplificado.
Conclusivamente, importa ressaltar que, em que pese a possibilidade da edição
dos atos infraconstitucionais exemplificados acima, o nosso sistema jurídico é
hierarquizado e, por isso, a edição de leis ordinárias criadoras, modificadoras e extintivas
de direito, por parte dos entes políticos, há de observar os limites estabelecidos naqueles
documentos normativos (ainda que infralegais), pela força constitucional que ostentam.
147
Assim, exemplificativamente, uma lei ordinária estadual que pretenda instituir
IPVA com alíquota inferior àquela estabelecida em Resolução do Senado Federal será
inconstitucional, por falta de competência do ente político tributante para tal instituição.
Do mesmo modo, a instituição de alíquotas internas do ICMS, por uma determinada
unidade federativa, sem observar a mínima estabelecida em resolução do Senado Federal,
será inconstitucional. Ocorrerá, também, neste caso, extrapolação do limite da competência
tributária estadual.
Contudo, fazemos a ressalva em relação aos nossos acréscimos à articulação de
Lima Gonçalves, para destacar que nossa exceção vem na direção das normas que
prefixam regras de competência tributária, influindo o conteúdo material da própria lei
instituidora do tributo.
Com isso, queremos registrar que a Constituição Federal excepcionou, nos casos
acima destacados, a instituição de alíquotas mínimas e máximas do princípio da legalidade.
Em paralelo, podemos dizer que, assim como ao Poder Executivo, na hipótese do §1o do
artigo 153 da Constituição Federal, fixou a faculdade de fazer variar, dentro dos limites da
lei, as alíquotas do IPI, do IOF, do I.E. e do I.I., o legislador ordinário, nas hipóteses acima
relacionadas ao ITCMD, ao ICMS e ao IPVA, também só poderá fazer variar a alíquota
por lei dentro dos limites, mínimo e máximo, fixados em resolução do Senado Federal.
A resolução do Senado Federal, em nossa afirmativa, é veículo introdutor de
norma jurídica que desenha o arquétipo dos referidos tributos, influenciando,
independentemente de lei,346 as respectivas regras-matrizes de incidência, e o eventual
exercício da competência tributária dos entes políticos tributantes.
É com esse enfoque que entendemos existir exceção ao princípio da legalidade
tributária.
346 Referimo-nos ao sentido estrito, como espécie normativa, lei ou lei complementar.
148
30.4. Irretroatividade da lei tributária e alíquota
Pensar isoladamente em irretroatividade da lei poderia nos levar à conclusão
inicial de que, sob o ponto de vista formal das normas jurídicas, não haveria nada que
impedisse tal circunstância, pois a estrutura das normas, construídas a partir dos
enunciados legais, possibilita, em tese, que, no seu antecedente sejam descritos eventos já
ocorridos e sobre eles se atribua conseqüências normativas.
Hans Kelsen, ao tratar do que ele denominou de “domínio da vigência”, expressou
sua opinião no sentido de que há normas retroativas, asseverando que o período de tempo
em que uma norma vale pode ser limitado ou ilimitado pela própria norma ou
predeterminado por norma superior.347
Para esse jusfilósofo, é “verdade que aquilo que já aconteceu não pode ser
transformado em não acontecido; porém, o significado normativo daquilo que há um longo
tempo aconteceu pode ser posteriormente modificado através de normas que são postas em
vigor após o evento que se trata de interpretar”.348
Na esteira desses pensamentos, Kelsen adverte que permitir que leis retroajam é
admitir um sentimento de injustiça, pois a qualquer um poder-se-iam atribuir
conseqüências que, ao tempo de sua ação, não teria como saber que a ela se vincularia tal
conseqüência. Contudo, conclui o ilustre jusfilósofo afirmando que, por mais imoral ou
politicamente incorreto que possa parecer, leis retroativas podem existir.349
Contudo, em que pese a retidão dos argumentos sob o ponto de vista estritamente
formal, quer-nos parecer que a aplicação do direito vai muito além de seu aspecto formal e,
nessa seara, vemos dia-a-dia a tentativa da busca incessante por justiça, movida pela força
dos princípios gerais do direito.
347 Teoria Pura do Direito, 2006, p. 15 348 Idem, p. 15 349 Ibidem, p. 61
149
Para nós, a irretroatividade da lei tributária é um princípio geral do direito que
impede seja o sistema normativo manipulado de forma a impingir conseqüências negativas
a eventos passados.
Assim, mesmo na ausência de disposição expressa sobre a irretroatividade de leis
no seu sistema de referência, pensamos ser impossível a retroatividade de normas jurídicas
que implicam conseqüências onerosas. Nossa justificativa se ampara no ideal de justiça
conformado pelo próprio direito e garantido pelo princípio da segurança jurídica. Pelos
mesmos argumentos sustentamos, até pela obviedade, que as normas que acarretam
conseqüências benéficas retroagem.
Com essas poucas palavras, já estamos demonstrando que o princípio da
irretroatividade das leis tributárias reforça a segurança jurídica e, por conseqüência, a
estabilidade de todo o nosso sistema jurídico.
Nesse sentido, então, tendo em vista o nosso sistema positivado, podemos, sem
maiores problemas, afirmar que as leis tributárias são irretroativas, pois encontramos
guarida, tal como o princípio da legalidade, na própria Constituição Federal.
De antemão, além de outras disposições análogas, como a irretroatividade da lei
penal e as anistias no campo político, podemos apontar o disposto no artigo 5o, inciso
XXXVI, da Constituição Federal, que estabelece uma regra geral impeditiva à
retroatividade das leis. Assim está expresso: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o
ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
Como se não bastasse a disposição geral a respeito, o legislador constituinte
originário foi mais adiante e demarcou, agudamente, na seara tributária, a irretroatividade
das leis exacionais. Confira-se: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – (...);
III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência
da lei que os houver instituído ou aumentado;”
Nesse diapasão, podemos afirmar que a irretroatividade de lei tributária é critério
constitucional que se aloca no conseqüente da norma de competência, limitando o
exercício do legislador ordinário. Este, por sua vez, então, no plano hierarquicamente
150
inferior, não poderá incluir no antecedente da norma geral e abstrata, mais precisamente no
critério temporal, a descrição de eventos ocorridos em data anterior à vigência da própria
lei.
Assim, podemos vislumbrar que, em nosso sistema jurídico positivo, a
irretroatividade nunca poderá deixar de ser levada em consideração na construção do
conseqüente das normas de competência tributária, delimitando uma fração da hipótese
normativa possível do arquétipo tributário com o estabelecimento de um marco temporal
futuro.
No que pertine às alíquotas tributárias, importa destacar que as diversas regras
constitucionais, em face da harmonia do sistema, ligam-se umas às outras, num movimento
de coordenação e subordinação e, juntas, influem a formação da competência tributária do
legislador infraconstitucional.
Assim, entendemos que, conjuntamente, as regras constitucionais da
irretroatividade, assim como a das alíquotas tributárias, fornecem critérios indispensáveis
para a construção das normas de competência tributária. Por essa forma, como a
irretroatividade fornece a fração temporal da hipótese normativa possível do arquétipo
tributário, não permitindo seja a norma geral e abstrata retroativa, a regra da alíquota
também fornece a sua fração normativa, estipulando, em alguns casos, as alíquotas mínima
e máxima que deverão auxiliar no contorno das normas de competência. Por essa forma,
entendemos que as regras da irretroatividade e da alíquota atuam em comum na
composição da competência tributária.
Assim, são alguns exemplos de regras de prefixação das alíquotas tributárias que
sempre atuarão, conjuntamente ao princípio da irretroatividade, na conformação da
competência tributária os seguintes artigos: 149, § 1º. “Os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em
benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será
inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União”; 153, § 4º -
“O imposto previsto no inciso VI do caput: (ITR) I - será progressivo e terá suas alíquotas
fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas”; 153, § 5º -
“O ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, se sujeita
151
exclusivamente à incidência do imposto de que trata o inciso V do "caput" (IOF) deste
artigo, devido na operação de origem; a alíquota mínima será de um por cento”; 155, §2o,
IV - § 2.º - “O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte: resolução do
Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores,
aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às
operações e prestações, interestaduais e de exportação;” (destaques nossos)
Veremos detalhadamente, mais adiante, mas apressamo-nos em apontar algumas
disposições em que o conseqüente da norma de competência há de ser sempre construído,
basicamente, seguindo uma estrutura mínima que, no presente tópico, seria estruturada da
seguinte forma:
Antecedente da norma de competência tributária: dada a faculdade de instituir
tributo;
Então, deve-ser:
Conseqüente da norma de competência tributária: que as alíquotas sejam
instituídas segundo a prefixação dos arquétipos tributários e que a respectiva norma geral e
abstrata não atinja fatos anteriores à sua vigência.
30.5. Princípio da anterioridade e alíquota
O princípio da anterioridade tributária tem como característica fundamental
estabelecer o prazo inicial dos efeitos normativos das leis tributárias (eficácia),
estabelecendo a data a partir da qual os tributos podem incidir após terem sido
regularmente introduzidos nos sistema do direito positivo (vigência).350
Em outras palavras, o princípio da anterioridade é verdadeiro instrumento
regulador da vacatio legis das leis tributárias, impedindo que qualquer norma jurídico-
350 Eficácia está sendo empregado no sentido diverso de vigência. Esta, como Paulo de Barros Carvalho, entendemos a norma que está apta a propagar seus efeitos, com o acontecimento no mundo fenomênico dos eventos por ela descritos. A Eficácia, entretanto, é o processo mediante o qual a ocorrência dos fatos descritos no antecedente da norma, faz irradiar os efeitos do conseqüente normativo. Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo. Saraiva. 2005. p. 53
152
tributária, que institua ou aumente tributos, surta efeitos antes do prazo por ele (princípio)
estabelecido.
Em termos mais objetivos, podemos dizer que o princípio da anterioridade proíbe
que um tributo incida sobre fatos ocorridos no mesmo exercício financeiro em que a
respectiva lei foi editada. Assim, por essa forma, a lei que cria ou aumenta o tributo, ao
entrar em vigor, tem sua eficácia adiada, em regra, para o exercício seguinte.
Esse princípio vem encartado nas alíneas, “b” e “c”, do inciso III, e §1o, do artigo
150, e §6o, do artigo 195, todos da Constituição Federal, dos quais construímos a norma
constitucional que a doutrina denomina de princípio da anterioridade, verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – (...); III - cobrar tributos: a) (...); b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; § 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.” Art. 195 (...) § 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".”
Como se pode notar, é a partir desse conjunto de enunciados que construímos o
significado do princípio da anterioridade, o qual se mostra como uma norma jurídica que
impõe um limite objetivo aos efeitos das leis exacionais tributárias, impedindo, como
regra, a eficácia normativa delas no mesmo exercício financeiro e, cumulativamente, antes
de decorridos 90 (noventa) dias da data da sua publicação.
No entanto, como exceção, podem ser instituídos e majorados no mesmo exercício
financeiro e, ainda, mesmo antes de decorridos 90 (noventa) dias da data de publicação da
153
lei exacional, os Empréstimos Compulsórios, os Impostos de Exportação, de Importação e
sobre Operações de Crédito, Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários e Seguro e os
Extraordinários decorrentes de calamidade pública ou guerra externa. Em suma, esses
tributos não estão sujeitos a estas anterioridades, podendo ter sua eficácia definida na
própria lei que os instituir ou majorar.
No que pertine ao Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, nota-se que esse
imposto pode incidir no mesmo exercício financeiro, porém deve obedecer ao prazo
mínimo de 90 (noventa) dias para ter eficácia. Ao contrário do IPI, o Imposto sobre Rendas
e Proventos de Qualquer Natureza – IR, e as alterações da base de cálculo do IPVA e do
IPTU, não podem surtir efeitos no mesmo exercício financeiro, mas podem ter eficácia
antes do decurso do prazo mínimo de 90 (noventa) dias.
Importa destacar, ainda, que a regra da anterioridade é integralmente aplicável às
contribuições sociais de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias
profissionais ou econômicas, previstas no artigo 149, da Constituição Federal, assim como
às contribuições municipais/distrital para o custeio do serviço de iluminação pública,
previstas no artigo 149-A, do mesmo Estatuto Magno.
Contudo, a anterioridade do artigo 150, III, “b”, da Constituição Federal, não se
aplica às contribuições sociais destinadas ao custeio da Seguridade Social,351 pois estas são
regidas pela regra exposta no parágrafo 6º, do artigo 195, no sentido de que, além da
instituição, a simples modificação, independentemente de majoração, da legislação não
poderá vigorar antes de decorridos 90 (noventa) dias da data da publicação da lei que as
tenha modificado.
Vale anotar que, no caso do IR, o legislador constitucional derivado352 permitiu,
em explícita falta de bom senso e afronta a direitos fundamentais do contribuinte, que a
instituição ou majoração desse imposto possa continuar sendo feita no dia 31 de dezembro
351 Importa destacar que, a anterioridade do art. 150, III, “c”, também não se aplicava à CPMF, recentemente extinta, que seguia a anterioridade nonagesimal do §6o, do artigo 195, por força dos artigos 74 e 75 do ADCT, todos da Constituição Federal. 352 Vale lembrar que os enunciados relativos às alíneas “a” e “b”, do inciso III, do artigo 150, da CF, foram introduzidos no plano de expressão do direito positivo pelo constituinte derivado, por meio da Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003.
154
para ter eficácia no dia seguinte, ou seja, no dia 1º de cada ano. Data maxima venia, quer-
nos parecer que tamanho equívoco é dado à total falta de conhecimento técnico da
diferença entre vigência e eficácia da norma jurídica.
Para nós, a lei majoradora do IR, publicada, p.ex., no final do mês de dezembro de
2005 (ano de vigência), só teria efeitos após o término dos fatos jurídicos ocorridos entre
1o de janeiro e 31 de dezembro de 2006 (fato imponível) e, portanto, sendo exigível o
tributo a partir de 1o de janeiro de 2007 (eficácia jurídica).
Em resumo, então, temos que o princípio da anterioridade estabelece que,
ressalvadas as exceções acima, a instituição ou majoração de tributo não surtirá efeitos no
mesmo exercício e antes de decorridos 90 (noventa) dias, contados da data da publicação
da respectiva lei.
A preocupação do legislador constitucional com a fixação de um prazo mínimo
para a eficácia das leis tributárias que instituam ou majorem tributos tem a ver com a
necessidade de preservar um valor maior, indispensável à estabilidade de todo o sistema
jurídico.
Assim, é a segurança jurídica o valor maior que exige seja o sistema jurídico
aplicado em tempo razoável, como critério mínimo de justiça, pois é justo que se dê tempo
ao contribuinte para preparar a sua vida, a sua economia, o seu patrimônio, enfim, a sua
propriedade, que será “dividida” com o Estado.
A observância do princípio da anterioridade gera, sem dúvida, a preservação do
sentimento de segurança jurídica do contribuinte, pois, ao afastar-lhe a tributação surpresa,
impõe-se a confiança dele nas relações jurídico-tributárias a serem constituídas com o
Fisco e minimiza-se a possibilidade de ofensa, rebeliões e até a ruptura do próprio sistema
normativo.
155
Segundo Roque Antonio Carrazza, “o princípio da anterioridade é o corolário
lógico do princípio da segurança jurídica. Visa evitar surpresas para o contribuinte, com a
instituição ou a majoração de tributos, no curso do exercício financeiro.”353
Em termos estruturais, vemos que o princípio da anterioridade habita o
conseqüente da norma de produção jurídica, influindo na ação dos sujeitos, ativo e passivo,
da obrigação tributária. Assim, é um limite objetivo que, uma vez inserido no sistema de
enunciados, traz um mandamento no sentido de estabelecer o momento em que os
enunciados tributários podem e devem ser obedecidos.
Relativamente às alíquotas tributárias, vale notar que o princípio da anterioridade
sofre influências de algumas regras e propiciam a construção de normas constitucionais
que dão outros contornos para a eficácia temporal das leis tributárias, em situações
específicas.
O artigo 155, §4o, inciso IV, “c”, da Constituição Federal, que dispõe sobre a
incidência única do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e de
Prestação de Serviços de Transporte de natureza interestadual ou intermunicipal e de
Comunicação – ICMS sobre combustíveis e lubrificantes, a pretexto de mero
restabelecimento de alíquota anteriormente reduzida, trata da possibilidade de majoração
das alíquotas no mesmo exercício financeiro, afastando a aplicação da anterioridade do
artigo 150, III, “b”, da mesma Constituição.
Vale notar que, no caso acima, a construção da norma relativa ao princípio da
anterioridade ficará restrita, substancialmente, ao prazo de 90 (noventa) dias, contados da
data de publicação da respectiva lei “restabelecedora” da alíquota, pois, a nosso ver, não
consta no sistema de enunciados da Constituição Federal qualquer disposição restritiva à
aplicação da anterioridade “nonagesimal”, prevista no artigo 150, III, “c”.
Outra situação, influenciadora na construção da norma da anterioridade tributária,
é a prevista na alínea “b”, do inciso I, do §4º, do artigo 177, da Constituição Federal, que
dispõe sobre a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, relativa às atividades
353 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 188
156
de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus
derivados e álcool combustível – CIDE Combustíveis, pois estabelece que as alíquotas
possam ser reduzidas ou restabelecidas por ato do Poder Executivo, não lhe sendo
aplicável a anterioridade prevista no artigo 150, III, “b” (exercício seguinte).
Aqui, igualmente ao caso do ICMS, empregou-se o termo “restabelecer” para
ocultar uma majoração de alíquota dentro do mesmo exercício financeiro, implicando uma
anterioridade tão somente de 90 (noventa) dias, nos termos do artigo 150, III, “c”, da
Constituição Federal.
Outro aspecto a considerar é que, diante do acima exposto, percebemos que no
sistema de enunciados constitucionais encontramos regras relativas às alíquotas tributárias
que, revestidas de princípio da anterioridade, também influem temporalmente na eficácia
da norma que institui ou majora tributos.
Assim, por mais que o legislador ordinário exerça sua competência, instituindo ou
majorando tributos, algumas regras sobre alíquotas tributárias estabelecem o marco inicial,
a partir do qual, algumas relações jurídico-tributárias poderão ser constituídas.
Entendemos que essa intersecção entre as regras da anterioridade e das alíquotas
tributárias é um ponto relevante para o direito tributário, não só pela harmonia do sistema,
como também pela necessidade de despertar os olhos críticos para o sentido de que há
regras constitucionais sobre alíquotas que influem outros campos e valores desse ramo do
direito, muito além de características meramente quantitativas.
Em remate, vale registrar que as exceções ao princípio da anterioridade, como no
caso do IR, do ICMS, da CIDE, citadas acima, e outras introduzidas no sistema de
enunciados constitucionais pelo legislador constituinte derivado, por meio de emendas
constitucionais (33/01 e 42/03), que reduziram o lapso temporal da eficácia da lei
tributária, que instituir ou majorar tributo, é inconstitucional por transformar o legislador
constituinte derivado em originário e ferir direitos fundamentais do contribuinte,
especialmente o direito à propriedade, nos termos do artigo 60, §4o, IV, da Constituição
Federal.
157
30.6. Princípio da igualdade
É na Constituição Federal que encontramos diversos vetores normativos tendentes
a consagrar a igualdade jurídica de tratamento entre as pessoas. Há um vasto conjunto de
enunciados constitucionais que prescrevem, de forma direta ou indireta, a igualdade em
sentido formal.
São dispositivos que regem desde o preâmbulo da Constituição até capítulos
específicos, tais como a igualdade entre trabalhadores rurais e entre portadores de
deficiências físicas,354 e tantas outras disposições que direcionam o sistema jurídico a um
tratamento igualitário entre os cidadãos. Exemplos disso são encontrados no disposto no
inciso IV, do artigo 3o, que prescreve o bem de todos, sem discriminação de origem, raça,
sexo, cor, idade; no inciso II, do artigo 5o, que estabelece a igualdade entre homens e
mulheres; no artigo 7o, que estabelece os mesmos direitos para trabalhadores urbanos e
rurais; no artigo 14, que estipula o mesmo valor do voto para todos; na seara das finanças e
negócios públicos, o inciso XXI, do artigo 37, prescreve a igualdade para concorrer a
licitações; e, na seara tributária, o inciso II, do artigo 150, estabelece a igualdade tributária,
impedindo que os contribuintes sejam tratados de forma desigual, no que pertine à
condição de equivalência entre eles.
O que importa destacar, de início, é que o princípio da igualdade é decorrência do
Estado Federal que caracteriza o Brasil. Assim, o federalismo permite uma divisão
harmônica das competências, inclusive a tributária, garantindo uma autonomia aos entes
políticos, os quais podem, assim, viabilizar o exercício do poder distribuído e aplicá-lo de
forma igualitária no seio da sociedade.
É também a forma republicana de governar o Brasil que fortalece a igualdade
formal de tratamento, já que é um sistema de governo constituído pelo poder do povo e
exercido em seu nome, daí a necessidade de o poder político distribuir igualitariamente os
seus efeitos.
354 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;”
158
Sobre isso, importa destacar a lição de Geraldo Ataliba que correlaciona república
e isonomia. Para ele, “não teria sentido que os cidadãos se reunissem em república,
erigissem um Estado, outorgassem a si mesmos uma Constituição, em termos republicanos,
para consagrar instituições que tolerassem ou permitissem – seja de modo direto, seja
indireto – a violação da igualdade fundamental, que foi o próprio postulado básico,
condição da ereção do regime. Que dessem ao Estado – que criaram em rigorosa isonomia
cidadã – poderes para serem usados criando privilégios, engendrando desigualações,
favorecendo grupos ou pessoas, ou atuando em detrimento de quem quer que seja. A res
publica é de todos e para todos. Os poderes que de todos recebe devem traduzir-se em
benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos. De nada valeria a legalidade se não
fosse marcada pela igualdade.”355
Com autoridade, Roque Antonio Carrazza professa que se é o povo que outorga
competência, não se pode admitir que, numa república, possa existir tratamento
diferenciado a pessoas que se encontrem em situação equivalente.356
Disso resulta que a construção de toda e qualquer norma jurídica deve estar em
consonância com o cânone republicano da igualdade, com a isonomia de tratamento
jurídico.
Nesse sentido, escreveu Francisco Campos, citado por Celso Antonio Bandeira de
Mello, que o destinatário da cláusula constitucional da igualdade é precisamente o
legislador e, em conseqüência, a legislação.357 Acrescentamos que o aplicador do direito
também é destinatário do princípio isonômico, uma vez que cabe a ele a função de
construir as normas jurídicas e aplicá-las igualitariamente às relações jurídicas.
Sobre isso, Celso Antonio Bandeira de Mello alerta que “o respeito ao princípio
da igualdade reclama do exegeta uma vigilante cautela”, qual seja, “não poder interpretar
355 República e Constituição. 2001, p. 160 356 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 82/83 357 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 2007, p. 9
159
como desigualdades legalmente certas situações, quando a lei não haja “assumido” o fator
tido como desequiparador”.358
É dessa assertiva que se extrai a idéia de que o tratamento isonômico das pessoas,
no sistema do direito positivo decorre de uma igualdade formal, oriunda dos termos legais.
Trata-se de uma igualdade enunciada nos documentos normativos como critérios abstratos
para a aferição de relações equânimes.
Disso resulta uma oposição da igualdade formal ao conceito de igualdade material
ou substancial, que vem a ser a igualdade efetivada, aplicada ao caso concreto, como fato
jurídico.
Em face desse cenário contraposto, entre igualdade formal e material, é que ficaria
a pergunta de Celso Antonio Bandeira de Mello: “que espécie de igualdade veda e que tipo
de desigualdade faculta a discriminação de situações e pessoas sem quebra e agressão aos
objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia?”.359
Joaquim José Gomes Canotilho assevera que indagar sobre a concretização da
isonomia é um “problema de valoração”.360 Em resposta a Bandeira de Mello, parece-nos
aplicável a recomendação cautelosa de Humberto Bergmann Ávila que assevera a
importância de centrar exame nos controles de razoabilidade, proporcionalidade e não-
excessividade na aplicação do princípio da igualdade.361 Com isso, esse autor registra que é
possível haver restrição ao princípio da igualdade, nos casos em que a finalidade é de
atingir resultado diverso do tratamento formal igualitário.
Para o autor gaúcho, a igualdade formal, então, é a igualdade na aplicação da lei, a
uniformidade da lei aplicada para os mesmos casos e a igualdade material, a igualdade na
elaboração da lei, no seu conteúdo, impedindo “a escolha de critérios arbitrários para a
358 Idem, p. 45 359 Ibidem, p. 15 360 Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2002. p. 428 361 O princípio da isonomia em matéria tributária, em Teoria Geral da Obrigação Tributária, estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges. Coord. Heleno Taveira Torres. 2005, p. 734
160
diferenciação de tratamento, objeto de análise no postulado da razoabilidade-
congruência.”362
Como é de se ver, a igualdade não corresponde simplesmente a um mesmo
tratamento para todos os sujeitos de direito, podendo enunciar hipóteses a partir de
diferentes referenciais, acabando por criar distinções. Daí surgir a necessidade de
estabelecer os limites da diferenciação existentes em nosso sistema jurídico que não
atentem contra a isonomia.
Diante dessa inquietante incerteza, Celso Antonio Bandeira de Mello apresentou
alguns critérios para identificação desses limites, podendo-se, a partir deles, afirmar se
houve ou não violação ao princípio da isonomia. Para esse autor, as diferenciações que não
podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: a primeira refere-se à
necessidade de investigar o critério discriminatório, o “fator de desigualação” adotado pela
lei; a segunda, em contraposição à primeira, refere-se à verificação da racionalidade lógica
entre o traço desigualador e a disparidade estabelecida no trato jurídico adotado; a terceira
e última atina em apurar se o traço desigualador da norma abstrata se afina em concreto
com os interesses absorvidos no sistema constitucional.363
Em remate, o ilustre autor conclui que a conjugação dos três critérios permitirá
apurar se houve violação ao princípio da igualdade, pois, segundo ele, a violação pode
estar em qualquer um dos três.
Relativamente à consonância da discriminação com os interesses protegidos na
constituição (terceira regra), assevera o autor supracitado que um discrimem legal poderá
conviver com a isonomia quando concorrerem quatro elementos: “a) que a desequiparação
não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas
desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer,
possuam características, traços, nelas residentes, diferençados; c) que exista, em abstrato,
uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime
jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo
362 Idem, p. 741 363 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 2007, p. 22
161
de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente
protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão
valiosa - ao lume do texto constitucional - para o bem público.”364
Com esses recursos, o professor administrativista da PUC/SP conclui sua obra
afirmando que haverá ofensa ao preceito constitucional da igualdade quando: “I - A norma
singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma
categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada. II - A norma adota como
critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos
fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende
tomar o fator ‘tempo’ - que não descansa no objeto - como critério diferencial. III - A
norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção de discrimem adotado que,
entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes
outorgados. IV - A norma supõe relação de pertinência lógica em abstrato, mas o
discrimem estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes
dos interesses prestigiados constitucionalmente. V - A interpretação da norma extrai dela
distinções, discríminens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por
ela de modo claro, ainda que por via implícita.”365
Diante dessas ponderações é que podemos vislumbrar que a tributação, num
Estado republicano, decorre necessariamente da adequação do sistema tributário ao sistema
constitucional da igualdade tributária. E, especificamente, em relação à exação tributária,
podemos antever que a isonomia tributária irradia seus efeitos sobre a distinção da carga
tributária suportada pelos contribuintes.
É nessa seara, então, que imaginamos a afeição do princípio da igualdade com as
alíquotas, uma vez que a correta manipulação delas pelo legislador infraconstitucional
caracteriza exercício regular da competência tributária e será vital para a concreção desse
princípio.
364 Idem, p. 41 365 Ibidem, p. 48
162
30.7. Princípio da igualdade e progressividade da alíquota
Em que pesem algumas posições contrárias,366 a concreção da isonomia tributária
prevista em nosso sistema positivo carece da adoção de tributos progressivos. E é aí que a
alíquota ganha espaço de respeito na seara das discussões jurídicas correlatas, pois,
representa um mecanismo perfeito para a efetividade da igualdade tributária e, na medida
em que essa igualdade influi todos os demais princípios e regras do nosso ordenamento,
tem ela (alíquota) influência decisiva sobre o exercício da competência tributária.
Não é outro o pensamento de Roque Antonio Carrazza para quem “a
progressividade das alíquotas tributárias, longe de atritar com o sistema jurídico, é o
melhor meio de se afastarem, no campo dos impostos, as injustiças tributárias, vedadas
pela Carta Magna. Sem impostos progressivos, não há como atingir-se a igualdade
tributária. Logo, o sistema de impostos, no Brasil, deve ser informado pelo critério da
progressividade. Impostos com alíquotas crescentes em função do aumento das suas bases
tributáveis (bases de cálculo in concreto) levam corretamente em conta que o sacrifício
suportado pelo contribuinte para concorrer às despesas públicas é tanto maior quanto
menor a riqueza que possui (e vice-versa). Ademais, permitem que o Estado remova, pelo
menos em parte, as desigualdades econômicas existentes entre as pessoas. Realmente,
impostos com alíquotas fixas agravam diferenças sociais existentes, porque tratam de
maneira idêntica contribuintes que, sob o ângulo da capacidade contributiva, não são
iguais.”367
Ainda que o ideal das alíquotas progressivas para a concreção da igualdade não
possa ser aplicável à realidade de todas as nossas espécies tributárias pelas peculiaridades
da natureza jurídica de cada uma delas, parece-nos indispensável a sua adoção naquelas
hipóteses de incidência, cuja materialidade e respectiva base de cálculo são signos
presuntivos de riqueza individualmente considerada, aplicando-se, portanto, aos tributos
que incidem sobre a propriedade mobiliária ou imobiliária, tal como o IPVA e o
366 Veja posição contrária de Ives Gandra da Silva Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 6o vol. tomo I, São Paulo: Saraiva, 1990, págs. 61/63 e também de Ricardo Lobo Torres, no seu Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. II. Rio de Janeiro: Renovar 2005, págs. 312/320 367 Curso de Direito Constitucional. 2006, p. 88
163
IPTU/ITR, respectivamente, e sobre a renda e heranças ou doações, como o IRPF/IRPJ e o
ITCMD.368
Com efeito, além do enunciado geral sobre igualdade, há outros que interferem
especificamente em questões tributárias, estabelecendo a impossibilidade de instituição de
tratamento tributário desigual entre contribuintes que estejam na mesma situação, seja em
relação à ocupação profissional ou função.369 Mas note-se que, o inciso II, do artigo 150,
da Constituição Federal, prevê a possibilidade de o legislador criar um tratamento
tributário diferençado em função da atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte.
Exemplo disso encontra-se no parágrafo 9º, do artigo 195, da Constituição Federal, em que
as alíquotas ou bases de cálculo das contribuições sociais também poderão ser
diferenciadas em razão da atividade econômica.
Por fim, no parágrafo 12 do artigo retrocitado, a Constituição alude à
possibilidade de adoção do regime de não-cumulatividade para a apuração das
contribuições sociais para diferentes setores de atividade econômica.
Assim, pode-se dizer, em resumo, que o princípio da legalidade estabelece uma
diretriz isonômica na elaboração e aplicação da legislação sem, entretanto, inibir
discríminens necessários ao sucesso da isonomia jurídica, inclusive no que pertine à
fixação das alíquotas tributárias.
Por assim ser, vislumbramos que a fixação de alíquotas diferençadas pelo
legislador infraconstitucional deve seguir os vetores discriminatórios do princípio da
igualdade tributária, sob pena de extrapolar a competência tributária constitucionalmente
predeterminada.
368 As siglas referem-se ao Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, ao Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, Imposto Territorial Rural – ITR, Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza da Pessoa Física – IRPF, Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza da Pessoa Jurídica – IRPJ e o Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doações – ITCMD. 369 Inciso II, do artigo 150 da Constituição Federal – “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – (...); II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”
164
30.8. Capacidade contributiva e alíquota
30.8.1. Noções gerais
Ao discorrer sobre igualdade tributária, Mizabel de Abreu Machado Derzi afirma
que ela nada mais é do que a concretização do princípio geral da igualdade, que ela
denomina de “unidade do justo”, fundamentando que “não pode haver igualdade parcelada,
justiça parcelada, pois a Constituição integra as partes distintas em um todo harmônico e
coerente. Por isso, mesmo, generalidade, capacidade contributiva (considerada
proporcional ou progressivamente) e outros valores, ditados pela política econômica e
social do País, são desdobramentos de um mesmo e único princípio, o da igualdade.”370
Acreditamos que o princípio da capacidade contributiva realmente é um
desdobramento do princípio da igualdade tributária, como afirma a autora, e, nesse sentido,
o texto da nossa Constituição Federal assim estabelece:
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
§1o – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
É corolário que capacidade contributiva tem a ver com os fatos signos-presuntivos
de renda ou capital acima do mínimo vital, ou seja, o patrimônio que excede ao mínimo
indispensável à subsistência do contribuinte, especialmente para garantir-lhe um direito
mínimo à sua dignidade humana. Em outros termos, a capacidade contributiva diz com a
potencialidade patrimonial do cidadão excedente à manutenção de suas necessidades
humanas básicas.
Nesse sentido já se manifestava Rubens Gomes de Souza, antes mesmo da atual
Constituição, que definia capacidade contributiva como sendo “a soma da riqueza
disponível depois de satisfeitas as necessidades elementares da existência, riqueza essa que
370 Nota em Limitações ao poder de tributar. Aliomar Baleeiro. 1997, p. 523
165
pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem
prejudicar as suas atividades econômicas.”371
Em face dessa visão programática do princípio da capacidade contributiva,
Alfredo Augusto Becker afirmou, enfaticamente, que dizer que capacidade contributiva é
dividir os ônus do Estado entre os contribuintes nos limites de sua capacidade é uma
tautologia, pois, é óbvio que, para contribuir, o contribuinte necessita ter capacidade
contributiva. Daí ele ter afirmado que a expressão “capacidade contributiva” “não constitui
um conceito científico”, sendo, por isso mesmo, “uma locução ambígua” caracterizada por
ele como um “recipiente vazio que pode ser preenchido pelos mais diversos conteúdos.”372
A doutrina, de forma geral, entende que o princípio da capacidade contributiva do
sujeito passivo da obrigação tributária está aliado à idéia de modulação do ônus tributário
de acordo com a riqueza de cada um, respeitado o seu mínimo vital. Comungam desse
pensamento os mais diversos e renomados autores da doutrina nacional, merecendo
destaque, dentre outros, a posição de Geraldo Ataliba,373 Roque Antonio Carrazza,374 Hugo
de Brito Machado,375 Mizabel Abreu Machado Derzi.376
Discute-se, ainda, a aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva aos
impostos tão somente ou a todos os tributos. Como é cediço em questões tormentosas
como esta, há correntes doutrinárias nos dois sentidos, bem como há uma intermediária em
que se vislumbra a obrigatoriedade em relação aos impostos e uma facultatividade de
aplicá-lo também às taxas, “sempre que possível”.
Defendem, dentre outros, a aplicação do princípio da capacidade contributiva tão
somente aos impostos, Geraldo Ataliba,377 Regina Helena Costa,378 Elizabeth Nazar
371 Compêndio de Legislação Tributária. 1975, p. 85 372 Teoria Geral do Direito Tributário, 2007, p. 511 373 Hipótese de Incidência Tributária. 2008, p. 69 374 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 91/92. 375 O princípio da capacidade contributiva. Cadernos de Pesquisas Tributárias, vol. 14, São Paulo: Resenha Tributária, 1989, p.126 376 Ob. cit. pág. 690 377 Ob. cit. pág. 195 378 Ob. cit. pág. 34-35
166
Carrazza,379 e Humberto Bergmann Ávila.380 Em contraponto, sustentam a posição de que
o referido princípio é de aplicabilidade compulsória a todas as espécies tributárias Josë
Marcos Domingos de Oliveira,381 Aires Barreto382 e Sacha Calmon Navarro Coelho.383 No
ponto de equilíbrio dessas posições extremadas encontramos as ponderações dos já citados
autores Roque Antonio Carrazza,384 Hugo de Brito Machado385 e Mizabel Abreu Machado
Derzi,386 que entendem a aplicação obrigatória do princípio da capacidade contributiva aos
tributos ditos não vinculados a uma atuação estatal e facultativa aos vinculados.
Considerando-se a posição do órgão máximo do Judiciário, parece-nos que
prevalece, no direito interno, a posição intermediária acima aduzida, pois o Supremo
Tribunal Federal, por meio do Ministro Carlos Velloso, manifestou acatamento à tese de
que é possível que a lei institua taxa, com faixas de valor, para realizar o princípio da
capacidade contributiva, insculpido no parágrafo 1o, do artigo 145, da Constituição
Federal, pois, para ele, não há impedimento em nossa Magna Carta.387
Importa destacar, ainda, que, além dessas discussões, queremos também destacar
considerações importantes quanto à classificação da capacidade contributiva. Nesse
sentido, Aires Barreto assevera, com muita clareza, que “a capacidade contributiva é
princípio prestigiado pela Constituição e, por isso, requerido para a criação de tributo. Essa
capacidade manifesta-se subjetiva ou objetivamente.”388
379 Ob. cit. pág. 63-64 380 Sistema constitucional tributário. 2006, p. 382 381 Capacidade contributiva – conteúdo e eficácia do princípio. 1998. págs. 82/114 382 Ob. cit. pág. 19-23 383 Ob. cit. pág. 86 384 Ob. cit. nota 44, pág. 85 385 Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 2004, p. 77 e princípio da capacidade contributiva como princípio de justiça (item 5.1). 386 Ob. cit. págs. 694-695 387 Confira-se o teor no julgamento do Recurso Extraordinário n.o 177.835, publicado no D.O.J. de 25.05.2001, em que o Sr. Ministro opinou sobre a constitucionalidade da “taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários”, instituída pela lei n. 7.940/89. Para o Ministro Velloso, a referida lei “procura realizar, com a variação do valor da taxa, em função do patrimônio líquido da empresa, é o princípio da capacidade contributiva – C.F. art. 145, §1o. Esse dispositivo constitucional diz respeito aos impostos é certo. Não há impedimento, entretanto, na tentativa de aplicá-lo relativamente às taxas, principalmente quando se tem taxa de polícia, isto é, taxa que tem por fato gerador o poder de polícia.” 388 Ob. cit. pág. 22
167
30.8.2. Capacidade contributiva subjetiva e progressividade
No que atina ao princípio da capacidade contributiva subjetiva, podemos inferir
que nos referimos ao elemento específico insculpido no conseqüente da norma de
competência tributária, modulador dos critérios, pessoal e os quantitativos (base de cálculo
e alíquota) do arquétipo do tributo.
Note-se que a norma de competência tributária sofre o influxo do princípio
constitucional da capacidade contributiva, pois a sua estrutura normativa será sempre –
mais enfaticamente nos tributos não vinculados – constituída levando-se em conta que, no
antecedente, encontraremos a autorização constitucional para a pessoa política criar
tributos e, no seu conseqüente, a obrigação de levar em consideração a capacidade
econômica do sujeito passivo, ao prescrever os critérios que determinarão o crédito
tributário.
Por essa forma, vemos que será subjetivamente modulada a capacidade
contributiva quando a competência tributária do ente político tributante for exercida
mediante a instituição de regra-matriz de incidência, cujo elemento modulador da referida
capacidade estiver voltado a ter eficácia valorativa apenas sobre pessoas que se coloquem
em situações configuradoras ou representativas de um conteúdo econômico, e atribuir a
determinação do crédito tributário mediante a prefixação da base de cálculo e da alíquota
conforme essas características pessoais.
Podemos citar como exemplo da capacidade tributária subjetiva o Imposto sobre a
Renda Retido na Fonte – IRRF, em que a renda e/ou proventos recebidos pelas pessoas em
geral são tributados segundo as peculiaridades pessoais de cada um, pois, conforme a renda
e/ou proventos recebidos, incidirá a alíquota respectiva, que será maior ou menor conforme
o ganho auferido (embora não seja satisfatória a progressividade desse imposto, conforme
adiante será demonstrado).
Na hipótese acima, podemos notar que o elemento modulador da capacidade
econômica do sujeito passivo atua enfaticamente sobre as pessoas que auferirem renda,
determinando a base de cálculo e alíquota conforme a dimensão do seu conteúdo
168
econômico. Assim, em face daquele modulador subjetivo, as pessoas que não se
encontrarem nessa situação (auferir renda) não serão alcançadas pelo referido tributo.
Sob essa ótica subjetivista, podemos imaginar que a técnica da progressividade
dos tributos seria um elemento modulador da capacidade contributiva, segundo o qual, à
variação do valor do patrimônio do sujeito passivo,389 para maior ou para menor,
corresponderia também a variação da alíquota no mesmo patamar.390 Essa técnica, então,
estaria moldada também no conseqüente da regra matriz de incidência tributária, a partir da
constituição da relação jurídico-tributária e respectiva determinação do crédito tributário.
Com isso, podemos vislumbrar que a modulação da capacidade contributiva do
sujeito passivo está voltada a influenciar o exercício da competência tributária, e a
alíquota, como elemento modulador que é, juntamente com os demais critérios da regra-
matriz de incidência, contribui para a aferição da regularidade desse exercício.
30.8.3. Capacidade contributiva objetiva e progressividade
O que nos parece é que o elemento modulador da capacidade contributiva não se
limita ao conseqüente da norma jurídico-tributária, pois, além da progressividade
anteriormente referida, os entes políticos tributantes estão autorizados pela Constituição
Federal a exercerem suas competências exacionais mediante a instituição de regras-
matrizes de incidência tributária em que dito elemento modulador esteja prioritariamente391
no antecedente da norma jurídico-tributária. É o que podemos chamar de capacidade
contributiva objetiva.
Nesse particular, vale notar que, em muitas espécies tributárias, o elemento
modulador da capacidade contributiva está descrito no critério material da hipótese de
incidência tributária e, portanto, insculpido no antecedente da norma jurídico-tributária, em
que o arquétipo estabelece que os eventos tributáveis sejam aqueles que ostentam signos de
riqueza, passíveis de mensuração.
389 Aferido pela base de cálculo do tributo. 390 Ou, se admitida, também a proporcionalidade – igualmente instada no conseqüente normativo. 391 Prioritariamente porque mesmo o modulador estando tão somente fincado no critério material da hipótese de incidência, a norma tributária sempre exige a existência de todos os demais critérios (tempo, lugar, pessoas, base de cálculo e alíquota) para a conformação do tributo.
169
O que se vê em nossa Constituição Federal é que a norma de competência
tributária varia de acordo com a espécie exacional. Assim, em relação ao princípio da
capacidade contributiva, podemos atestar que os tributos em geral possuem como elemento
modulador, além da previsão de uma situação pessoal que configure conteúdo econômico
(subjetividade), a conotação de circunstâncias representativas de riqueza (objetividade).
Disso resulta que o critério material das diversas regras-matrizes prevê,
suficientemente, a conotação de aspectos tangíveis da capacidade contributiva, que
significa, no dizer de Aires Barreto, que o “ato-fato, fato ou estado de fato conectado ao
contribuinte é revelador de conteúdo econômico, ontologicamente considerado, sem
perquirições de natureza subjetiva.”392
Assim, pode-se concluir que a consideração da (i) posição de pessoas em
situações indiciárias de conteúdo econômico e (ii) a exigência da prescrição hipotética de
fatos tidos como signos presuntivos de riqueza pela nossa Constituição Federal, revelam
que o Documento Magno estabeleceu limites ao exercício da competência tributária,
mediante a observância da capacidade subjetiva e objetiva do sujeito passivo.
Importa destacar que o elemento modulador da capacidade contributiva atuará,
inevitavelmente, na conjugação de critérios da regra-matriz de incidência tributária, mais
especificamente entre o critério material do antecedente com o pessoal e os quantitativos
do conseqüente da norma jurídico-tributária. A partir, então, dessa conjugação, pode haver
preponderância de um critério sobre os demais.
Assim, num rápido exemplo, pode-se acentuar o critério material para dar
prevalência à tributação de “grandes fortunas” (critério objetivo do antecedente normativo
prevalente), restringindo o universo dos sujeitos passivos a pessoas cuja capacidade
contributiva decorra dessa posição financeira privilegiada e configuradora de riqueza
(critério subjetivo do conseqüente normativo secundário), apurando-se a respectiva base de
cálculo e alíquota conforme a dimensão dessa riqueza.
392 Ob. cit. pág. 21
170
De outro modo, porém, dentre o universo objetivo de pessoas ricas, há os menos
ricos e os mais ricos e, nessa medida, a ênfase do elemento modulador da capacidade
contributiva pode ser assentada na progressividade da base de cálculo e da alíquota para
selecionar as pessoas menos e as mais ricas (critério subjetivo do conseqüente normativo
prevalente) e possibilitar uma variação de tratamento entre ricos, exaurindo a igualdade
formal entre eles.
Quanto à efetividade, devemos anotar que o princípio da capacidade contributiva,
quando visto como norma de natureza negativa, limita, por meio dos seus moduladores –
dentre eles a alíquota – o universo competencial, impedindo que a pessoa política
inviabilize, por meio de tributos, os direitos e garantias fundamentais. Nessa feição, então,
esse princípio é aplicável a toda espécie tributária.
Em remate, podemos afirmar que há, de outro modo, uma eficácia positiva do
princípio da capacidade contributiva que reclama a repartição das cargas tributárias,
mediante os recursos possíveis, estabelecendo uma tributação progressiva, genérica,
universal e seletiva, afinando-se com o princípio da igualdade para a sua efetividade.
30.9. Seletividade e alíquota
Em que pese a importância da técnica da progressividade da tributação, como
corolário dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade, pensamos que o
legislador constituinte estabeleceu sua aplicação especificamente a alguns casos, como,
v.g., ao Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR), previsto no artigo
153, §2º, I; ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), nos termos do artigo
153, §4º, I;393 e, ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU),394 instituído no
artigo 156, §1º, I, todos da Constituição Federal.
Entendemos dessa forma porque imaginamos ter sido vislumbrado pelo legislador
constituinte que as diferentes hipóteses de incidência tributária, com diversos critérios
393 Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 2003 394 Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000
171
materiais, inviabilizariam a aplicação da tributação progressiva a todas as espécies, muito
embora fosse tida como ideal para justiça tributária.
Em decorrência disso, pensamos que foram introduzidas, ainda, outras técnicas
capazes de dar efetividade aos princípios da capacidade contributiva e da igualdade
tributária, perfazendo uma tributação justa e realizadora da dignidade da pessoa humana
como um dos fundamentos do Estado democrático de direito.
Daí a exigência de nossa Carta Constitucional ao legislador ordinário, para que a
técnica da seletividade em razão da essencialidade do objeto tributado fosse insculpida na
regra-matriz de tributos que não admitissem, pelas suas próprias características materiais
de incidência, a técnica da progressividade, como v.g. o inciso I, do parágrafo 3o, do artigo
153, que estabeleceu ser o IPI seletivo, devido à essencialidade do produto industrializado,
e o inciso III, do parágrafo 2o, do artigo 155,395 que previu também ser o ICMS seletivo,
dada à essencialidade das mercadorias e dos serviços negociados.
Não é outra a opinião de Roque Antonio Carrazza, que assevera: “Salientamos
que estas normas constitucionais, mandando que tais impostos sejam seletivos, não estão
dando uma mera faculdade ao legislador, mas, pelo contrário, estão lhe impondo um
inarredável dever, de cujo cumprimento ele não se pode furtar”.396
Os impostos supra-referidos são considerados, pelas suas características
incidentais, como de natureza onerosa ao consumo em geral e, portanto, capazes de atingir
toda a massa populacional, independentemente da condição social do consumidor.
Por essa forma, consideram-se tributos cuja repercussão tem forte efeito político-
social capaz de impactar, como instrumento regulador, o âmbito das relações jurídico-
sociais.
Nessa seara, então, a técnica da seletividade possibilita ao ente político tributante
estimular ou desestimular o consumo de certos produtos/mercadorias, conforme a sua
395 O inciso III, do §2o, do artigo 155, da Constituição Federal emprega o termo “poderá”, no entanto, acompanhamos a opinião daqueles que entendem tratar-se de poder-dever, 396 Curso Constitucional Tributário, 2006, p. 95
172
essencialidade. Por essa técnica, a Constituição estabeleceu competência para os entes
políticos instituírem impostos menos gravosos aos produtos/mercadorias mais essenciais, e
mais gravosos aos menos essenciais.
Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza afirma que “estamos confirmando,
destarte, que o IPI e o ICMS devem ser utilizados como instrumentos de ordenação
político-econômica, estimulando a prática de operações (com produtos industrializados ou
mercadorias) ou serviços havidos por necessários, úteis ou convenientes à sociedade e, em
contranota, onerando outros que não atendam tão de perto ao interesse coletivo.”397
Muito embora seja possível, em tese, qualquer técnica para alteração seletiva da
carga tributária, ela ocorre, em regra, pela diminuição da base de cálculo ou da alíquota, ou
de ambas conjuntamente. Entretanto, como se tem observado na prática, a seletividade tem
sido praticada basicamente pela manipulação das alíquotas.398
Segundo Hugo de Brito Machado, “dizer que um imposto é seletivo é apenas dizer
que ele incide de forma diferente sobre os objetos tributados. A razão dessa incidência
diferenciada é o que denominamos critério da seletividade.”399
Em termos de estrutura normativa, pode-se afirmar que o princípio da seletividade
vem insculpido no conseqüente da norma de competência tributária, e atua diretamente
sobre a ação do legislador infraconstitucional.
Assim, quando a Constituição Federal estabelece que o IPI deva ser seletivo, e que
o ICMS poderá400 sê-lo, está em verdade delimitando o arquétipo da competência tributária
397 Idem, p. 95 398 Roque Carrazza afirmou tal constatação: “Temos, porém – o que acaba sendo confirmado na prática – que por intermédio da manipulação das alíquotas mais facilmente se alcança a seletividade, nestes impostos.” Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 96 399 Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 2004, p.111 400 Vale ressalvar que o inciso II, do §2º, do artigo 155, da CF, estabelece que o ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Contudo, em decorrência dos princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, III e IV, da CF) e dos princípios da capacidade contributiva (artigo 145, CF) e da igualdade (artigo 5º, I, da CF) como direitos fundamentais de um do Estado democrático de direito, entendemos que a expressão “poderá ser seletivo” só pode ser interpretada como “deverá ser seletivo”, restando ao legislador infraconstitucional a discricionariedade de como será estabelecida a seletividade (quanto à forma). Sabemos que a grande maioria
173
e vinculando, materialmente, o legislador ordinário que deverá, por ocasião da instituição
desses impostos, observar essa diretriz constitucional.
Aqui encontramos outro ponto de intersecção da alíquota com esse critério
constitucional, pois o objetivo seletivo constitucionalmente estabelecido para o IPI e para o
ICMS exige do legislador ordinário instituir regras-matrizes de incidência cujo “critério
quantitativo” preveja a graduação (i) da base de cálculo – menos comum e mais difícil de
operar – ou (ii) das alíquotas – substancialmente comum e reiteradamente praticada.
Por essa forma, a instituição de hipóteses de incidência do IPI e, a nosso ver,
também do ICMS, sem previsão de alíquotas diferenciadas, ofende o princípio da
seletividade e denota a extrapolação da competência tributária relativa a essas espécies
tributárias.
30.10. Não-confisco e alíquota
O princípio do não confisco é decorrente da capacidade contributiva, pois garante
uma tributação justa, uma tributação equânime, dentro dos limites legais, em que se
respeita a capacidade econômica do sujeito passivo. Assim, vemos que a exação fiscal, em
desconformidade com a capacidade contributiva do sujeito passivo, caracteriza confisco
por se tornar excessiva, aviltante do patrimônio mínimo vital e inviabilizadora, por vezes,
da atividade profissional do sujeito passivo, conforme o caso de sua incidência.
Importa destacar que o princípio do não-confisco é um limite ao poder de tributar,
pois funciona como uma proibição ao Poder público para que não afete a fonte de riqueza
do sujeito passivo, o seu mínimo vital,401 indispensável à produção de suas necessidades,
sejam elas básicas e indispensáveis à sua sobrevivência ou inerentes às suas atividades
profissionais indispensáveis à sua produção de riqueza.
da doutrina tem interpretado tal dispositivo como uma faculdade do legislador e não uma imposição constitucional, mas ousamos discordar. 401 Conforme dispõe o inciso IV, do artigo 7o, da Constituição Federal. “IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;”
174
Assim, no plano tributário, o princípio do não-confisco visa a proteger a
propriedade, garantindo segurança jurídica e justiça tributária aos cidadãos. Importa
destacar que, na sociedade moderna, a visão “engessada” de propriedade intocável não
mais se aplica, sendo relativizada para se estabelecer o limite da sua função social,
demarcando o limite entre o interesse particular do proprietário e o eventual interesse
público.
Nos dias atuais, é comum vermos ocorrerem desapropriações e tributações
extrafiscais, exatamente com o objetivo de adequar a propriedade particular aos interesses
da coletividade. Mas, além dessa circunstância de cunho de interesse público,
eminentemente social, o princípio do não-confisco prevê como limite competencial o
patrimônio particular que exceder ao mínimo vital.
Não é tarefa fácil estabelecer o parâmetro divisório em que o tributo passa a ser
confiscatório e, por isso, os efeitos do princípio do não-confisco surgirá com a análise de
cada caso concreto. Segundo Roque Antonio Carrazza, “a análise, porém, de cada caso
concreto, tendo em vista os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da função
social da propriedade e a dignidade da pessoa humana, tem força bastante para revelar se
atingiu as raias do confisco, hipótese em que o Poder Judiciário, devidamente provocado,
declarará inconstitucional a lei irrazoável que o criou.”402
O confisco, então, pode ser definido como o esbulho ilegal do patrimônio do
contribuinte por meio de tributação, que acontece, por vezes, por meio da medição
incorreta do patrimônio, em decorrência de meio arbitrário na apuração da base de cálculo,
superdimensionando403 o valor patrimonial, ou pode ocorrer por meio da aplicação de
alíquota desarrazoada404 sobre o patrimônio, ainda que ele seja corretamente mensurado
pela base de cálculo.
Assim, temos aqui a possibilidade, além da base de cálculo, de a alíquota, como
elemento quantificador do crédito tributário, ser utilizada como instrumento calibrador da
402 Ob. cit. p. 101 403 No sentido de super avaliar ou não promover deduções legítimas. 404 No sentido de fixação acima do limite constitucionalmente permitido.
175
carga tributária e impedir o efeito confiscatório. Obviamente essa afirmação vale para os
impostos e as contribuições de melhoria, em que a presença da alíquota é critério marcante
do espectro quantificador desses tributos.
Para as taxas, entendemos que a aferição dos efeitos confiscatórios partirá de um
exame do critério material da hipótese de incidência em que o órgão julgador levará em
consideração (i) o exercício regular da cidadania, não impedindo esse direito por meio de
tributação, (ii) a dignidade humana da pessoa, em que será preservado o patrimônio
mínimo vital e (iii) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, em que deverá haver
razoabilidade na incidência de taxas, de modo a não inviabilizar a fonte produtora de
riqueza do cidadão. Assim, a tributação não confiscatória, por meio de taxas, há de ser
exercida tão somente sobre aqueles serviços cuja utilização ou disponibilização não afetem
esses fundamentais direitos, caracterizadores de um Estado democrático de direito.405
30.11. Princípio da não-diferenciação tributária, em razão da procedência
ou destino
A Constituição Federal, ao mesmo tempo que concede competência tributária aos
entes políticos para instituírem tributos, também impõe limites ao seu exercício, regulando
o arbítrio do legislador ordinário visando a evitar distorções na política tributária do país.
Desse modo, o artigo 152 da Carta Magna estabelece que “é vedado aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços,
de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.”
Como se percebe, essa vedação é mecanismo de política fiscal decorrente do pacto
federativo insculpido em nossa Constituição e tem como principal objetivo dar
uniformidade geográfica à tributação, evitando-se discriminação em razão da procedência
ou destino de bens ou serviços.
405 Conforme expressa o artigo 1o, da Constituição Federal: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
176
Da mesma forma que José Afonso da Silva406 asseverou ser criticável a regra da
uniformidade geográfica da tributação (art. 151, I, da CF), por ser inaplicável num país em
que as desigualdades geoeconômicas são tão marcantes – situação que, segundo ele, ao
contrário, requer tratamento diferenciado, a fim de que se possa executar uma política
fiscal niveladora da economia nacional, Paulo de Barros Carvalho também alertou quanto à
não discriminação tributária, prevista no artigo 152, da Constituição Federal, afirmando
que “a procedência e o destino são índices inidôneos para efeito de manipulação das
alíquotas e da base de cálculo pelos legisladores dos Estados, dos Municípios e do Distrito
Federal.”407
Segundo esse último autor, o princípio só vale como preceito geral, posto que,
sobre o mesmo conteúdo material por ele tratado, exercem influência outros valores de
idêntica índole constitucional.
Quer-nos parecer, no entanto, que o sentido pretendido pelo legislador
constitucional foi o de impedir tão somente qualquer tipo de discriminação regional que
ofendesse o princípio da igualdade, numa concepção meramente formal.
Contudo, o enunciado constitucional retro-referido, parece merecer tal crítica
quando confrontamos o princípio da não discriminação tributária, em razão da procedência
ou destino, com o valor do regime constitucional de alíquotas do ICMS, que estabelece
uma categoria para as operações/prestações internas e outra para as interestaduais, gerando,
aparentemente, a discriminação “vedada” pelo artigo 152, da Constituição Federal.
Confira-se o regime de alíquotas do ICMS, estatuído no artigo 155, parágrafo 2o, inciso
VII, da Carta Magna:
“VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;
406 Comentário contextual à Constituição, Malheiros Editores, 2005, p. 660 407 Ob. cit. p. 166.
177
Sobre esse aparente confronto, Ylves José de Miranda Guimarães teve a
oportunidade de se manifestar antes mesmo da Constituição Federal de 1988, alegando que
a distinção entre as alíquotas internas e interestaduais do ICMS revelava a necessidade de
reserva diferenciada de recursos entre os Estados, produtores e consumidores de bens e
serviços, confrontando, então, naquela ocasião, a uniformidade geográfica com o princípio
federativo.
Em outras palavras, a questão, posta antes da Constituição de 1988, envolvia a
cobrança do ICM sobre as operações subseqüentes à interestadual, pois, dependendo a
origem e destino dos bens, havia perda de arrecadação pelos Estados mais consumidores.
A correção, então, veio com a Constituição atual, em que a adoção da alíquota
interestadual, geralmente inferior às alíquotas internas, só é empregada quando o
destinatário for contribuinte do ICMS, hipótese em que o Estado destinatário passou a ter
direito sobre a diferença entre as alíquotas praticadas (diferencial de alíquota).
A partir disso, então, Ylves José de Miranda Guimarães argumentou que,
pragmaticamente, a diferenciação entre alíquotas em razão da procedência e destino, nesses
casos, acaba por implementar a uniformidade final desse imposto. Assim, ele arrazoou que
“aventando a hipótese de dois comerciantes, estabelecidos em diferentes margens de divisa
interestadual, verificamos que se um consumidor domiciliado no Estado ‘A’ adquirir
mercadoria do comerciante estabelecido também no Estado ‘A’, será onerado em 16,5% de
ICM; se o mesmo consumidor adquirisse a mesma mercadoria do comerciante estabelecido
no Estado ‘B’, que poderia estar localizado a poucos metros distante do outro, o
consumidor seria onerado com 14,5%. O absurdo é patente. Acaso, com efeito, esse
entendimento não fere, efetiva, frontal e profundamente, a vedação constitucional acima
referida? A diferenciação final da alíquota – o gravame tributário do conjunto das
operações relativas à circulação da mercadoria que pesará sobre o consumidor final – não
ocorreria, aí, precisamente, em razão da procedência ou destino da mercadoria? É evidente
178
que sim. A uniformidade inicial ou parcial da alíquota do imposto implicaria,
necessariamente, uma desuniformidade final, isto é, numa ‘biformidade’ da alíquota”.408
Com essa ressalva, a Constituição Federal encampou a igualdade material entre as
regiões, ao permitir que o legislador ordinário adote um tratamento tributário desigual,
conforme as desigualdades regionais.
Desse modo, vemos que é exatamente o regime diferenciado das alíquotas que dá
eficácia à não-diferenciação tributária, assegurando-se ao fundo um tratamento igualitário.
Capítulo 7 - Alíquota e regras de competência tributária
31. A alíquota é mais um critério conformador da competência
tributária
Na esteira do que até aqui temos tentado marcar, registramos que a Constituição
Federal não criou tributos, mas, sim, traçou detidamente os contornos da tributação. Nesse
sentido, Roque Antonio Carrazza ensina que "quando afirmamos que a Constituição não
criou tributos, estamos emprestando à frase um significado bem preciso. Reconhecemos
que ela cuidou pormenorizadamente da tributação, traçando, inclusive, a norma-padrão de
incidência de cada uma das exações que poderão ser criadas pela União, pelos Estados,
pelos Municípios e Distrito Federal.”409
Em outro pertinente comentário, o ilustre autor registra que “o Código Magno, ao
conferir às pessoas políticas, competências tributárias, teve o cuidado de gizar-lhes todos
os contornos. Em razão disso, o legislador ordinário, ao descrever os vários aspectos da
norma jurídica instituidora ou majoradora de cada tributo, deve observar os parâmetros
constitucionais que disciplinam o exercício da competência tributária.”410
408 Os princípios e normas constitucionais tributários: sua classificação em função da obrigação tributária. 1976, pp. 105-106. 409 Curso de Direito Constitucional Tributário. 2006, p. 478/479 410 Idem, p. 668
179
Nesse sentido, podemos, então, antever que o sistema jurídico tributário tem, além
de seu fundamento de validade na Constituição Federal, todas as suas nuances marcadas
por enunciados, regras e princípios, previstos na Carta Magna.
Como referido antes, José Souto Maior Borges, em sua obra intitulada “A fixação
em lei complementar das alíquotas máximas do Imposto sobre Serviços”, asseverou que o
tributo previsto na Constituição Federal já existe mesmo antes de ser instituído por lei.411
Com cometimento, Aires Barreto colhe o entendimento de Souto Maior e lhe dá
razão nos seus termos. Segundo esse autor, “facialmente informe, mas já insculpido nos
seus traços ligeiros, o tributo se prefine na Constituição mesma.” Explica que os contornos
nítidos da hipótese de incidência estão, obviamente, reservados à lei ordinária, não
obstante estar cinzelada a prefiguração do tributo na própria Constituição. Ademais,
entende este autor que, além dos critérios, material e pessoal, há também contornos quanto
à base de cálculo e traços informadores pertinentes às alíquotas.412
Diante disso, parece-nos inquestionável haver, no mais alto plano normativo do
nosso sistema jurídico tributário, normas relativas à alíquota tributária que influem
decisivamente na positivação do direito tributário, notadamente, para nós, normas de
competência tributária e de segurança jurídica, que preestabelecem o arquétipo
competencial para cada exação tributária, embora as posições dos autores supra terem
grande peso e serem relacionadas à regra-matriz.
Nessa seara, a questão a ser levantada para experimentar tal afirmativa seria:
Existem regras constitucionais de competência que predeterminam a fixação das alíquotas,
de forma a vincular o legislador infraconstitucional na instituição de tributos? Em uma
perspectiva otimista, a pergunta seguinte seria: Caso existam as referidas regras, quais são
e como devem ser aplicadas no direito positivo tributário?
411 Ob. cit. p. 5 412 Ob. cit. p. 26
180
Caminhando para as respostas, importa destacar que os critérios normativos da
competência existem na Constituição Federal e dentre eles encontramos diversas regras e
princípios norteadores da fixação das alíquotas pelo legislador infraconstitucional.
Nesse sentido, ressalte-se que a Constituição Federal emprega o termo “alíquota”
em 38 dispositivos,413 os quais estabelecem o seu modal deôntico próprio, obrigando,
permitindo ou proibindo a instituição (competência) de diversas regras-matrizes de
incidência tributária pelo legislador ordinário, conforme adiante mostraremos.
Roque Antonio Carrazza assevera que a competência foi distribuída pela
constituição Federal segundo os critérios material e territorial, pois o material, por si só,
não é suficiente, por ser concorrente entre os entes políticos e, daí, para se evitar o conflito
de competência, conjuga-se ao territorial para a devida repartição de competências
impositivas.414 Note-se, porém, que a lição do mestre foi, na esteira de Cléber Giardino,
diretamente relacionada à solução de conflitos de competência sem, entretanto,
desconsiderar a importância dos demais critérios para a positivação do direito tributário.
Concordamos, integralmente, com a assertiva acima e ousamos escrever em
paralelo que, além dos critérios, material e territorial, a conformação da competência
tributária carece, para o seu exercício pleno, também dos critérios temporal, pessoal e
“quantitativo” - base de cálculo e alíquota, pois, além da função repartidora e inibidora de
conflitos daqueles dois primeiros, há um limite impositivo dentro do exercício de cada uma
das competências, distribuídas a partir do arquétipo competencial tributário.
Assim, uma vez bem alinhada a competência material ao seu território, importa
observar se será ela exercida nos moldes dos demais critérios estabelecidos pela
Constituição Federal. Com efeito, ao estabelecer os arquétipos tributários, a Constituição
Federal prefixou alguns limites prevendo, às vezes, especificidades quanto aos sujeitos da
413 (1) Art. 149, § 1º; (2) Art. 149, § 2º, III; (3) Art. 153, § 1º; (4) Art. 153, § 4º, I; (5) Art. 153, § 5º; (6) Art.155, IV; (7) Art.155, § 2º, IV; (8) Art.155, V, “a”; (9) Art.155, V, “b”; (10) Art.155, VI; (11) Art.155, VII, “a” e “b”; (12) Art.155, VIII; (13) Art.155, § 4º, IV; (14) Art.155, § 6º, I e II; (15) Art.156, § 1º, II; (16) Art.156, § 3º, I; (17) Art.177, § 4º, I; (18) Art.195, § 8º; (19) Art.195, § 9º; (20) Art.201, § 13º; ADCT – (21) Art.34, § 7º; (22) Art.56; (23) Art.72, III; (24) Art.72, III; (25) Art.72, V; (26) Art.72, § 1º; (27) Art.74, § 1º; (28) Art.75, § 1º; (29) Art.75, § 2º; (30) Art.80, I; (31) Art.80, II; (32) Art.82, § 1º; (33) Art.82, § 2º; (34) Art.84, § 2º; (35) Art.84, § 3º; (36) Art.88, I; (37) Art.88, II e (38) Art.90, § 2º. 414 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 611/612
181
relação jurídico-tributária, outras vezes quanto ao momento da constituição da relação
jurídica e outras tantas quanto aos critérios relativos ao montante do tributo.
Essa ótica, a nosso sentir, permite apurar que todos os critérios prefixados na
Constituição Federal destinam-se, juntos, a estabelecer o arquétipo competencial a que nos
referimos no item 0 retro, delimitando, então, como o próprio Roque Antonio Carrazza
ensina, o critério material possível, o critério territorial possível, o critério espacial
possível, o critério pessoal possível e as bases de cálculo e alíquotas possíveis, para o
exercício da competência tributária.415
Assim, é evidente que a Constituição Federal preestabelece, além de outros
critérios, a alíquota como um critério conformador da competência tributária que, se não é
suficiente para inibir conflitos territoriais de competência, é necessária para o seu regular
exercício.
Nessa esteira, importa lembrar que a norma jurídica constitucional é construída a
partir de enunciados insertos na Constituição Federal. Como dito anteriormente, as normas
constitucionais gozam de superioridade hierárquica sobre as demais normas existentes no
sistema do direito positivo.
Por essa forma, as normas constitucionais modalizam as normas de inferior
hierarquia, determinando o seu conteúdo, em um dos modais obrigatório, permitido ou
proibido. Com esse enfoque, temos as lições de Hans Kelsen para quem as normas da
Constituição Federal podem estabelecer, de forma positiva ou negativa, que as leis tenham
uma delimitação do conteúdo.416
Ao reconhecermos o subsistema constitucional tributário, estamos a admitir a
existência de um subsistema de enunciados constitucionais voltados às questões tributárias,
dos quais podemos construir infinitas normas jurídico-tributárias.
415 Idem, p. 482 416 Teoria Geral do Direito e do Estado. 2000, p. 183
182
As referidas normas disciplinam, dentre tantas outras questões marginais, os
critérios dos tributos e, dentre eles, encontramos os das alíquotas, que poderão ser
instituídos, e as pessoas que poderão instituí-los, conformando a competência tributária.
Em remate, ainda que a doutrina contemporânea queira dar prevalência ao estudo
dos critérios da materialidade e da base de cálculo da regra-matriz de incidência tributária,
é indisfarçável a importância do estudo das alíquotas quando olhamos para elas além de
um simples critério infraconstitucional quantificador de tributos, pois a experiência que
tentamos esboçar revela-nos que são prefixadas, na Constituição Federal, como critérios
conformadores da competência tributária.
32. A norma de competência da alíquota e as espécies tributárias
Uma idéia fundamental que norteia a seara tributária é a de que todos os tributos
estão, de algum modo, sujeitos às limitações constitucionais impostas pelos princípios
informadores do sistema tributário, tais como as normas veiculadas pelo princípio
federativo, da legalidade, anterioridade, irretroatividade, não confisco e tantos outros.
Todavia, tão fundamental quanto as normas dos princípios são as regras constitucionais e
infraconstitucionais que conformam a competência tributária.
Ao lançarmos olhos mais críticos sobre o nosso sistema constitucional tributário
encontraremos alguns tributos cuja competência do ente político está conformada, tão
somente, por princípios, e outros tantos que, além da influência deles, têm sua competência
também conformada por regras específicas.
É de se notar, então, que a Constituição Federal estabelece arquétipos tributários,
desenhando, por conseqüência, a competência do legislador infraconstitucional, seja
porque está adstrito aos princípios, seja porque está submetido às regras estabelecidas pela
ordem constitucional ou por ambos, na maioria dos casos.
De qualquer forma, o que queremos demonstrar é exatamente que, além das
normas constitucionais, calcadas nos enunciados constitucionais que descrevem a
materialidade e a base de cálculo dos tributos, as quais estabelecem o arquétipo do tributo
como fator de resolução de conflitos, há, também, algumas regras constitucionais relativas
às alíquotas que constituem verdadeiras normas de competência tributária, estruturando a
183
forma como deve agir o legislador ordinário no seu mister de instituir regras-matrizes de
incidência.
Há situações em que a alíquota é posta pela Constituição Federal como aspecto
integrante do regime jurídico da espécie tributária, na medida em que se apresenta como
condição, requisito, pressuposto ou aspecto do exercício legítimo da competência
tributária.
Importa esclarecer que, conforme ensina a doutrina dominante,417 a análise do
critério material e da respectiva base de cálculo do tributo possibilita a identificação da sua
natureza jurídica e, com isso, resolvem-se eventuais conflitos de competência. Contudo, a
nosso sentir, o tema que ora nos atrevemos desenvolver tem a ver com o momento
posterior à existência de eventual conflito de competência, pois, está diretamente
relacionado com o exercício desta, regrando a atividade legislativa do ente político
tributante na manipulação das alíquotas por ocasião da instituição das regras-matrizes de
incidência.
Melhor explicando. A nosso sentir, é a partir dos arquétipos competenciais
tributários que poderemos identificar quais os casos em que o legislador ordinário tem
limitações ou faculdades discricionárias para manipular algumas regras-matrizes de
incidência, articulando para maior ou para menor as alíquotas tributárias dos tributos que
lhe competem.
Com esse alinhamento, temos para nós que a Constituição Federal parametrizou a
competência tributária em dois planos normativos que se interligam, estabelecendo,
primeiro, uma competência cunhada pelo princípio federativo em que se reconhece a
autonomia dos entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para divisar,
por meio dos critérios material e territorial, as suas aptidões político-tributárias e, num
segundo plano, uma competência calcada nas regras constitucionais-tributárias, em sentido
estrito, em que se moldam as ações tributárias dentro dos limites das respectivas aptidões
417 Representada aqui pelos autores anteriormente citados.
184
(materiais e territoriais), na manipulação de todos os critérios da regra-matriz de incidência
tributária, notadamente o da alíquota.
Nessas circunstâncias, então, ao examinar a figura tributária, não se pode ignorar a
questão da alíquota, nem descartá-la como critério constitucional que permita identificar a
respectiva norma de competência tributária.
Para confirmar essas afirmações, vale analisarmos as regras que identificamos na
Constituição Federal e ponderarmos acerca dos efeitos jurídicos de cada uma delas para, ao
final, concluirmos se são ou não normas conformadoras da competência tributária, capazes
de influir na atividade impositiva do legislador ordinário.
Comecemos pela mesma ordem articulada pela Constituição Federal, visando, no
entanto, a comentarmos, conjuntamente, os dispositivos relativos a uma mesma espécie
tributária, segundo a denominação adotada pela própria Carta Magna, já que qualquer
classificação doutrinária dos tributos não implicará nossa argumentação.
32.1. Contribuições Sociais, de Intervenção no Domínio Econômico e de
Interesse das Categorias Profissionais ou Econômicas
Conforme ensina Roque Antonio Carrazza, no artigo 149 da Constituição Federal,
encontramos alguns dispositivos que ajudam a moldar o arquétipo de três tipos de
contribuições: (1) as Contribuições Sociais, (2) as de Intervenção no Domínio Econômico
e (3) as de Interesse das Categorias Profissionais ou Econômicas.418
Segundo assevera esse autor, diferentemente do que acontece com os impostos e
as taxas, que até estão sujeitas às vedações do artigo 167, IV, da Constituição Federal
(destinação específica ou vinculação da receita),419 “as `contribuições’ ora em exame não
418 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 553 419 “Art. 167, IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).”
185
foram qualificadas, em nível constitucional, por suas regras-matrizes, mas, sim, por suas
finalidades constitucionais.” Segundo Carrazza, parece sustentável que haverá esse tipo de
exação sempre que implementada uma de suas finalidades constitucionais.420
Nessa esteira, interessa-nos destacar tão somente os critérios constitucionais que
conformam a competência tributária para a instituição dessas contribuições, a partir da
prefixação de suas alíquotas, haja vista que todos os outros aspectos da regra-matriz, além
de fugirem à proposta dessa dissertação, já são estudados de forma abundante pela doutrina
brasileira.
32.2. A norma de competência da alíquota mínima para as Contribuições
Sociais dos servidores públicos
Inicialmente, importa citar o critério estabelecido para as contribuições
previdenciárias dos servidores públicos, previsto no parágrafo 1º, do artigo 149 da
Constituição Federal, que estabelece norma conformadora da competência tributária
concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que atina
à alíquota. Confira-se:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no
domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como
instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e
150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que
alude o dispositivo.”
“§1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus
servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art.
40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos
efetivos da União.”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
(grifamos)
Desse dispositivo, podemos extrair a conclusão de que, além da materialidade
tributária das contribuições sociais previdenciárias, há prefixação limitativa das pessoas
(servidores públicos) que poderão ser tributadas pelos respectivos entes políticos.
420 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 557
186
Ademais, nesse mesmo dispositivo, há, em especial, exemplo da prefixação da
alíquota, por meio da qual os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm sua
competência determinada a um limite mínimo, qual seja, o de não adotar alíquota inferior à
da contribuição devida pelos servidores da União.
Assim sendo, podemos aduzir que a Constituição Federal, de modo excepcional,
pela natureza previdenciária desse tributo, estabeleceu uma norma de competência
impositiva, pelo emprego do modal obrigatório, em que se constrói o seguinte sentido: Os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios são obrigados a instituir contribuição
previdenciária com a alíquota igual ou superior à da contribuição cobrada dos servidores
da União.
Em termos formais, essa norma jurídica seria construída com uma estrutura que
poderia ser descrita da seguinte forma:
Antecedente: Dado o fato de os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
terem funcionários públicos, igualmente a União;
então, deve-ser:
Conseqüente: a obrigação de instituírem contribuição previdenciária, com
alíquota não inferior à da contribuição cobrada dos servidores
da União.
Embora a introdução do enunciado acima transcrito no sistema de enunciados do
direito positivo constitucional não tenha, até o momento, sido declarado inconstitucional,
pesam contra ele argumentos da doutrina a respeito da inconstitucionalidade da Emenda
Constitucional nº 41, 19.12.2003, que o introduziu, segundo a qual não seria possível ao
legislador derivado introduzir regra no sistema constitucional, para impor comportamentos
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, interferindo na sua autonomia, por
187
confrontar com o regime de separação dos poderes estatuído no artigo 60, §4º, III, da
CF.421
De qualquer forma, considerando os efeitos de sua eficácia nos dias atuais, vemos
inequívoca a conformação da competência dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios com especial influência da alíquota na atividade legislativa desses entes
políticos ao instituírem ditas contribuições previdenciárias.
E, assim, considerando que a finalidade (destinação legal do produto da
arrecadação) é o caminho mais seguro para identificar o regime jurídico das contribuições
e que a Constituição Federal não forneceu traços precisos das regras-matrizes dessa
contribuição, como o fez com os impostos e as taxas, pensamos que isso reforça nossos
argumentos quanto à importância da alíquota como critério conformador da norma de
competência tributária que auxilia na análise da regularidade do exercício competencial
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para instituírem contribuições
previdenciárias.
32.3. A norma de competência da alíquota para as contribuições
interventivas
Inicialmente, vale destacar que Roque Antonio Carrazza discorre sobre os
equívocos da Emenda Constitucional n.o 33/01, que pretensamente introduziu na
Constituição Federal as denominadas “Contribuições de Intervenção no Domínio
Econômico”, trazendo cristalina lição no sentido de que as características enunciadas nos
artigos 149 e 177 do Texto Constitucional revelam que de “contribuições” não se tem
nada, pois as materialidades e as supostas destinações, vinculações da receita, não
justificam a criação de tributos (contribuições) interventivos.
Com esse arrazoado, o ilustre autor conclui que “as contribuições interventivas,
previstas na Emenda Constitucional 33/2001, inobstante seu nomem iuris, são, na
realidade, novos impostos federais, que deveriam, em tudo e por tudo, ao serem instituídos,
421 Nesse sentido José Afonso da Silva, em “Comentário contextual à Constituição”, 2005, p. 651, e Roque Antonio Carrazza, em “Curso de Direito Constitucional Tributário”, 2006, p. 578.
188
obedecer às diretrizes do art. 154, I da CF (instituição por meio de lei complementar,
observância do princípio da não-cumulatividade e necessidade de hipóteses de incidência e
bases de cálculo diversas dos impostos mencionados nos arts. 153, 155 e 156 da Carta
Magna), tudo sem prejuízo do disposto no art.157, II, do mesmo Diploma Excelso (partilha
de 20% do produto de sua arrecadação com os Estados-membros e o Distrito Federal).”422
Com efeito, a precisão das críticas de Roque Antonio Carrazza, que faz coro à
melhor doutrina nacional, revela ainda mais a importância que queremos destacar para os
critérios das alíquotas, quando prefixados na Constituição Federal. Conforme temos
tentado demonstrar, a análise da conformação da competência tributária não se pode
limitar aos aspectos da materialidade, da base de cálculo ou da finalidade (no caso das
contribuições), pois, uma vez ultrapassada a discussão acerca da correção ou não da
observância dos critérios constitucionais relacionados a esses aspectos, entra em cena
também, no plano da possibilidade legislativa ordinária, a análise do universo dos critérios
constitucionais das alíquotas de cada tributo, quando for o caso.
Nesse sentido, então, vejamos o que dispõe o parágrafo 2º, do artigo 149, da
Constituição Federal.
“Art. 149 (...) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; III - poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)” (grifamos) Art. 177. Constituem monopólio da União: § 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) I - a alíquota da contribuição poderá ser: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) a) diferenciada por produto ou uso; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
422 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 568/569
189
b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) (grifamos)
O que importa, nesse dispositivo, é que a competência da União sofre influência
do critério da alíquota posto pela Constituição Federal, o qual a conforma a esse universo
único de alíquotas, pois, por mais que se destaque a discricionariedade na escolha do
critério, não poderá o legislador ordinário selecionar outro.423
Trata-se, aqui, de uma discricionariedade fechada, em que a ação competencial
está restrita à instituição por lei de um desses critérios (ad valorem, específica ou
diferençada por produto ou uso) e, não, outro.
Diante disso, olhando-se todos os critérios constitucionais (princípios, regras,
materialidade, finalidade, etc.) que conformam a competência tributária das contribuições
interventivas, é induvidoso admitir que o da alíquota, também aqui, integra a sua
formatação e nada tem a ver com o aspecto quantitativo (infraconstitucional) da alíquota
tributária. Este aspecto nascerá com a lei editada no exercício regular da competência
tributária.
32.4. A norma de competência da alíquota para as contribuições sociais
A conformação da isonomia tributária pela capacidade contributiva é corolário
lógico decorrente da Constituição e, por esse motivo, a Carta Magna estabelece formas
diversas para o alcance da proposição geral da igualdade tributária, enunciada no inciso II
de seu artigo 150, ao admitir as atividades econômicas desempenhadas pelos contribuintes
como critério diferenciador do respectivo tratamento tributário.
Nesse sentido, no parágrafo 9º, do artigo 195, da Constituição Federal, o
constituinte estabeleceu que, em razão da atividade econômica, as contribuições sociais ali
previstas poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas. Além disso, no parágrafo
12 do mesmo artigo, o enunciado constitucional ainda estabelece que o regime de não-
423 Nesse sentido, Tácio Lacerda Gama, exemplifica que a liberdade de prescrever alíquotas progressivas para as contribuições interventivas demanda expressa previsão constitucional, como no caso do Imposto sobre a Renda – artigo 153, §2º, I da CF – e do Imposto sobre Propriedade Territorial – artigo 156, §1º, I da CF. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. 2003. p. 222.
190
cumulatividade para o cálculo das contribuições sociais poderá ter por base diferentes
setores de atividade econômica. Confira-se:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)” (grifos nossos)
Com efeito, foi para a eficácia do princípio da isonomia que a Constituição Federal
estabeleceu outras regras que levassem em conta a desigualdade, modificando o âmbito de
aplicação da regra geral da isonomia em matéria tributária.
Em decorrência disso, as diferenças instituídas no seio de contribuições sociais
destinadas ao custeio da Seguridade Social, além da influência de outros princípios a serem
ponderados, são normas que conformam a competência tributária, influenciando a ação do
legislador.
Importa notar, mais uma vez, que chamamos a atenção para o fato de que o termo
“poderão”, enunciado no parágrafo 9º, do artigo 195, retrotranscrito, corresponde ao
“dever-poder” e em nada tem de facultativo. É, por força do princípio da isonomia e da
capacidade contributiva, uma norma de competência que obriga o legislador a estatuir um
tratamento diferençado, da alíquota ou da base de cálculo, “em razão da atividade
econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição
estrutural do mercado de trabalho”.
191
Assim, como se nota, o enunciado constitucional acerca da alíquota das
Contribuições Sociais, assim como da base de cálculo, constitui-se em norma de
competência tributária, não se podendo argumentar se tratar de critérios quantitativos das
Contribuições Sociais. Eles nascerão com a edição de lei no sistema jurídico positivo, que
deverá fornecer o respectivo “indicador de proporção” (único critério quantitativo).
Além desse aspecto diferençado e conformador da norma de competência
tributária para a instituição das Contribuições Sociais, a Constituição Federal, por força da
Emenda Constitucional n.o 20/98, bem como pela observância dos efeitos da isonomia e da
capacidade contributiva, também estabeleceu outra norma conformadora da competência
tributária, visando a criar um sistema de inclusão previdenciária dos “trabalhadores de
baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho
doméstico, no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda”.
Essa norma é uma diretriz constitucional que preestabelece ao legislador ordinário
a obrigação de instituir Contribuições Sociais para pessoas nessas condições, mediante a
fixação de alíquotas inferiores às da previdência geral. Confira-se.
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente
ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
192
§ 13. O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) (grifos nossos)
Em remate, quer-nos parecer que a intuição do Constituinte em preservar a
isonomia fez com ele insculpisse, na Constituição Federal, diversos elementos
diferençados que conformassem a competência tributária, com o fim de calibrá-la à
capacidade contributiva. Assim, além de outros aspectos ipso jure, podemos anotar que os
enunciados constitucionais acima destacados veiculam verdadeiras normas de competência
tributária.
32.5. A norma de competência da alíquota para os impostos regulatórios
(II – IE – IPI – IOF)
Conforme dispõe a Constituição Federal, o Poder Executivo pode alterar as
alíquotas do Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros – II, sobre a Exportação
de Produtos Nacionais ou Nacionalizados – IE, sobre Operações com Produtos
Industrializados – IPI e sobre Operações de Crédito, de Câmbio, de Seguro e de Títulos e
Valores Mobiliários – IOF, nas condições e limites estabelecidos em lei. Confira-se,
abaixo, o referido dispositivo.
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III – (...); IV - produtos industrializados; V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; § 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.”
O enunciado retrotranscrito nos propicia, de antemão, uma aparente certeza
quanto à possibilidade de construção de uma norma jurídica permissiva, em que o Poder
Executivo da União seria competente para alterar as alíquotas daqueles impostos sem, no
entanto, estar adstrito ao processo legislativo para tanto.
Paradoxalmente, podemos afirmar que a Constituição Federal está, em verdade,
veiculando duas normas jurídicas relativas a esses impostos. A primeira norma reafirma o
critério geral da legalidade, estabelecendo a obrigatoriedade de lei para a introdução de
alíquotas no sistema do direito positivo; a segunda norma, veiculada no modal permitido,
193
autoriza sejam as alíquotas moduladas por ato infralegal do Poder Executivo, dentro dos
parâmetros fixados em lei.
Segundo Roque Antonio Carrazza, a correta proposição descritiva do §1º do art.
153 da CF, deveria ser a seguinte: “O legislador poderá fixar teto e piso de alíquotas dos
impostos alfandegários, do IPI e do IOF, permitindo, assim, que o Executivo, obedecendo
às condições fixadas na lei, as faça variar dentro desses limites.”424
Por essa forma, como dito antes, vê-se que não se trata, aqui, de uma exceção ao
princípio da legalidade, em que uma análise mais apressada poderia concluir. É, em
verdade, um plus competencial relativamente a esses impostos, em decorrência das
características extrafiscais voltadas ao controle do equilíbrio político-econômico do
Estado.425
Pelo grande interesse público do Estado na manipulação rápida da carga tributária
dos impostos em questão é que o constituinte viu a necessidade de outorgar uma
competência administrativa por viés tributário ao Poder Executivo Federal.426
Assim, como tem sido em nosso sistema jurídico, o Poder Legislativo federal,
com base em sua competência legislativa, edita as leis relativas a esses impostos,
estabelecendo as margens das respectivas alíquotas. Com isso, possibilita a competência
424 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 296 425 Nesse sentido, Ives Gandra Martins assevera que “os impostos regulatórios, todavia, no mais das vezes, objetivam menos a arrecadação e mais a instrumentalização de mecanismos para evitar distorções nas relações comerciais, monetárias e cambiais, que poderiam afetar o comércio interno e externo.” In Comentários à Constituição do Brasil, 6º volume, tomo I, p. 235 426 Importa destacar que não ignoramos a existência de opiniões doutrinárias acerca da possibilidade de delegação de competência legislativa tributária, como v.g. defendida por Ives Gandra Martins ao comentar o referido parágrafo 1º, do artigo 153, da Constituição Federal, em que afirma: “Embora correta a colocação (da doutrina que considera delegável apenas a capacidade tributária), pois não há delegação de exercício de competência já exercida, no caso presente a delegação é de competência legislativa. A competência é indelegável, salvo exceção constitucional. A capacidade não. A hipótese, todavia, é de delegação de competência legislativa, por força de princípio constitucional, no que a exceção se justifica, e não mero exercício de capacidade arrecadatória.” (Cf. Comentários à Constituição do Brasil, p. 276) (acrescentamos os esclarecimentos entre parênteses aos comentários do autor). Ives busca apoio nas lições de Hamilton Dias De Souza o qual adverte ser “sem propósito sustentar que a delegação legislativa é prática pouco recomendável por conduzir ao amesquinhamento do Parlamento e à hipertrofia do Executivo, ou ainda, por contrariar o próprio regime democrático, à medida que vai de encontro ao princípio da separação dos poderes.” Esse autor cita diversos motivos para sustentar esse argumento, indo desde a prática comum nos países modernos (fato) que deve vincular a formulação das teorias, a quebra do dogma da “separação dos poderes”, impossibilidade (limitação) do Parlamento ser eficiente para a totalidade da demanda legislativa e pelo fato de que, ao final, é o Legislativo que sempre limita e controla o exercício das funções do poderes. (In Estrutura do Imposto de Importação no Código Tributário Nacional, IBDT/Resenha Tributária, 1980, p. 58-60)
194
administrativa do Poder Executivo Federal para manipular, exclusivamente nesses casos,
as alíquotas dos impostos regulatórios em questão.
Por essa forma vemos que, no que pertine aos impostos referidos no parágrafo 1º,
do artigo 153, da Constituição Federal (I.I., I.E., IPI e IOF), há um critério constitucional
da alíquota que extrapola a natureza tributária desses tributos, chegando às raias da
competência administrativa do Poder Executivo.
A afirmação pode parecer tautológica, mas imprescindível para o nosso destaque.
A existência da regra do parágrafo 1º, do artigo 153, da Constituição Federal, evidencia
que a alíquota, quando enunciada no plano constitucional, não é critério quantitativo. É,
sim, norma de competência tributária e, às vezes, como no presente caso, norma de
competência administrativa, em face da finalidade do ato de elevação da alíquota.
32.6 A norma de competência da alíquota para o Imposto sobre a Renda -
IR
Segundo José Luiz Bulhões Pedreira, “a tendência moderna para a importância do
imposto de renda resulta do conhecimento de que a renda é a fonte dos tributos. Por isso,
seria a medida mais perfeita da capacidade contributiva individual.”427
À evidência, importa lembrar que o imposto sobre a renda, por incidir sobre o
aumento da riqueza,428 é um tributo que oferece condições a uma política distributiva e,
portanto, maior capacidade de arrecadação e conseqüente risco confiscatório sobre a
propriedade do cidadão.
Introdutoriamente, destaque-se que a comunidade jurídica tem discutido
profundamente acerca do conceito de renda, discussão que não será explorada aqui pela
impertinência objetal para esta dissertação. Para os fins deste trabalho, renda será tratada
tão somente como disponibilidade pecuniária capaz de acarretar acréscimo patrimonial,
assim entendida a riqueza superior àquela necessária e indispensável à sobrevivência digna
do cidadão (mínimo vital).429
427 Imposto de renda. 1969, p. 2-5 428 Incidência sobre o acréscimo patrimonial, considerando-se imune o mínimo vital. 429 Para maiores informações consulte Imposto sobre a Renda (Perfil Constitucional e Temas Específicos), de Roque Antonio Carrazza ou Imposto sobre a Renda – Pressupostos Constitucionais, de José Artur Lima Gonçalves, ambas de Malheiros Editores, São Paulo.
195
Assim, importa dizer que, além dos efeitos dos princípios e regras gerais
determinados no sistema jurídico tributário, o Imposto sobre a Renda está sujeito, também,
às regras específicas da universalidade, da generalidade e da progressividade. Essas regras
serão tomadas por nós, objetivamente, pelo significado de que o Imposto sobre a Renda
deverá incidir sobre todas as espécies de rendas e proventos (universalidade), auferidas por
quaisquer espécies de pessoas (generalidade) e que, quanto maior o acréscimo de
patrimônio, maior deverá ser a alíquota aplicável (progressividade).
Deixaremos de lado maiores comentários acerca dos critérios da universalidade e
da generalidade pelo fato de não estarem diretamente relacionados ao estudo das alíquotas
que ora tentamos imprimir, importando-nos destacar que se deve entender a
progressividade aludida na Constituição Federal tão somente como uma seqüência
numérica de alíquotas que dê eficácia ao exercício da competência tributária e, com isso,
garanta os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva.
Temos, então, que a progressividade referida na Constituição Federal não tem a
ver com simples definições matemáticas ou econômicas. É, em verdade, uma regra que
proíbe seja o Imposto sobre a Renda instituído com alíquotas fixas, visando a preservar a
aplicação e os efeitos dos referidos princípios quando do exercício da competência
tributária.
Tendo em mente essas ressalvas, vamos ao que dispõe o inciso I, do parágrafo 2º,
do artigo 153, da Constituição Federal, para melhor identificarmos os referidos critérios e,
por fim, demonstrar que o da alíquota do IR também influi na respectiva competência
tributária da União, igualmente aos tributos retro comentados.
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: III - renda e proventos de qualquer natureza § 2º - O imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei; (grifos nossos)
Diante dessa transcrição, podemos antever que o dispositivo supra, além de dispor
expressamente sobre a universalidade e generalidade como regra constitucional do Imposto
sobre a Renda, estabelece indiretamente uma progressividade da alíquota como critério
conformador da competência impositiva da União.
196
Falamos em progressividade indireta da alíquota porque a Constituição Federal
estabelece que o imposto deva ser progressivo, possibilitando, com isso que a técnica da
progressividade seja exercida mediante a manipulação direta da base de cálculo ou
mediante outros artifícios que impliquem a obtenção de alíquotas progressivas (efetivas)
sem, no entanto, seja necessário manipular diretamente as alíquotas nominais enunciadas
no texto legal. É o que acontece com o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física - IRPF,
conforme adiante mostraremos.
Ressalte-se, também, que, em decorrência da expressão “na forma da lei”,
enunciada na parte final do dispositivo acima, a doutrina pátria já discutiu muito se esses
critérios seriam obrigatórios ou se estariam vinculados à vontade do legislador ordinário.
Ao que tudo indica e na esteira da melhor doutrina, temos para nós que são obrigatórios na
compostura do Imposto sobre a Renda, norteando a competência da União na instituição
das respectivas regras-matrizes de incidência.
Nesse sentido, pontifica Roque Antonio Carrazza que o inciso I, do parágrafo 2º,
do artigo 153, da Constituição Federal, “encerra norma cogente, isto é de observância
obrigatória. A lei poderá regular o modo pelo qual se dará a progressividade no Imposto
sobre a Renda. Mas não poderá anular a supramencionada exigência constitucional – o que
ocorreria caso o imposto passasse a ter alíquota fixa.”430
Assim, podemos vislumbrar que, no que atina ao Imposto sobre a Renda de
Pessoa Física - IRPF, a progressividade “tem sido” exercitada pela denominada “tabela
progressiva de alíquotas e descontos”, em que se tem uma isenção para os rendimentos
auferidos até o limite de R$ 1.164,00, uma alíquota de 15% para os rendimentos entre R$
1.164,01 e R$ 2.326,00, com desconto de R$ 174,60 e, finalmente, uma alíquota de 27,5%
para os rendimentos superiores a esse último valor, com desconto de R$ 465,35. Confira-se
a tabela exemplificativa abaixo.
430 Imposto sobre a Renda (Perfil Constitucional e Temas Específicos), 2006, p. 88
197
REMUNERAÇÃO
PERCEBIDA
ALÍQUOTA
ENUNCIADA
IRPF APURADO
PELO CONTRIB.
DESCONTO
ENUNCIADO
IRPF EXIGIDO PELO
FISCO
ALÍQUOTA PROGRESSIVA
INDIRETAMENTE ENUNCIADA
DIFERENÇA PROGRESSIVA
P/IGUALDADE-CAPACIDADE
Até 1.164,00 - isento - isento A 0
De 1.164,01 15,00% 174,60 174,60 0,001 B 0,0001% B-A 0,0001%
Até 2.326,00 15,00% 348,90 174,60 174,30 C 7,4936% C-B 7,4934%
4.652,00 27,50% 1.279,30 465,35 813,95 D 17,4968% D-C 10,0032%
9.304,00 27,50% 2.558,60 465,35 2.093,25 E 22,4984% E-D 5,0016%
18.608,00 27,50% 5.117,20 465,35 4.651,85 F 24,9992% F-E 2,5008%
37.216,00 27,50% 10.234,40 465,35 9.769,05 G 26,2496% G-F 1,2504%
74.432,00 27,50% 20.468,80 465,35 20.003,45 H 26,8748% H-G 0,6252%
148.864,00 27,50% 40.937,60 465,35 40.472,25 I 27,1874% I-H 0,3126%
297.728,00 27,50% 81.875,20 465,35 81.409,85 J 27,3437% J-I 0,1563%
595.456,00 27,50% 163.750,40 465,35 163.285,05 K 27,4218% K-J 0,0782%
1.190.912,00 27,50% 327.500,80 465,35 327.035,45 L 27,4609% L-K 0,0391%
931.000.000,00 27,50% 256.025.000,00 465,35 256.024.534,65 M 27,5000% M-L 0,0390%
Sobre essa tabela, importa comentar que a fixação das alíquotas do IRPF em 15%
e 27,5% não impede que se afirme existir uma progressividade. Contudo, essa limitada
seqüência numérica de porcentuais e descontos, bem como a existência de variadas faixas
sociais, em que a renda respectiva representa realidades patrimoniais totalmente díspares,
obriga-nos a interpretar que a progressividade constitucional é aquela que se adequa aos
princípios da igualdade e da capacidade contributiva.
Como se pode notar, a tabela acima reproduzida deixa evidente que a pretensa
progressividade do IRPF só é perceptível para além das casas decimais, demonstrando uma
diferença irrisória entre as alíquotas progressivas indiretamente enunciadas, ainda que uma
dada remuneração percebida seja o dobro da faixa anterior.
Assim, evidencia-se o equívoco no exercício competencial da União quando as
alíquotas fixadas pela lei do Imposto sobre a Renda, ainda que possam corresponder aos
critérios de uma pseudoprogressividade, acarreta, para além do exercício irregular da
competência tributária, uma inobservância aos princípios da igualdade e da capacidade
contributiva.
Por essa forma, podemos comprovar que a tabela de alíquotas do IRPF, a despeito
de a Constituição Federal estabelecer um arquétipo competencial bem definido, mostra-se
como um mero arremedo de progressividade, em desrespeito à capacidade contributiva do
cidadão.
Com muito otimismo, embora seja óbvio que essa quantidade ínfima de alíquotas
não perfaz com eficiência a propagação dos efeitos da progressividade constitucional do
Imposto sobre a Renda, podemos dizer que o legislador ordinário, ao menos, sofreu alguma
influência das normas de competência quando instituiu duas alíquotas nominais e
198
descontos para a obtenção de alíquotas “progressivas” (conforme demonstrado no quadro
acima).
Por essa forma, entendemos que já é possível notar que a previsão constitucional
da alíquota progressiva desse imposto está longe de uma definição meramente quantitativa.
É, muito além disso, precisamente, uma norma de competência tributária, em que a União
deverá instituir o Imposto sobre a Renda segundo a observância desse critério, além dos
outros ipso jure.
Como experiência confirmadora dessa assertiva, também vale lembrar o que tem
acontecido no âmbito do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ, em que,
mais uma vez, identificamos a ausência da progressividade constitucional das alíquotas,
em ofensa às normas de competência e aos princípios estabelecidas pela Constituição
Federal.
Assim, independentemente das discussões jurídicas a respeito do que venha a ser
lucro,431 concentraremos nossas considerações sobre o aspecto de que a Constituição
Federal não concedeu autorização para a União instituir o IRPJ mediante alíquota fixa,
bem como determinou fossem elas progressivas, de forma a atender aos princípios da
igualdade e da capacidade contributiva.
Com efeito, em que pese o teor do disposto no inciso I, parágrafo 2º, do artigo 153
da Carta Magna, a legislação de regência desse imposto prevê uma alíquota de 15% sobre
o lucro apurado da pessoa jurídica.
Além disso, com o intuito de tornar o IRPJ progressivo, o legislador ordinário
pretensamente estatuiu um adicional de 10% sobre o lucro mensal excedente a
R$20.000,00 e anual a R$240.000,00432 gerando, com isso, o efeito de aumentar a alíquota
efetiva (alíquota indiretamente enunciada) do imposto, conforme o aumento do lucro
obtido.
431 Quanto a isso, importa dizer que os critérios introduzidos no sistema positivo para os fins de apuração do lucro das pessoas jurídicas são totalmente discutíveis e, por isso, para os fins desta dissertação, limitaremos o conceito de lucro como sendo, genericamente, a diferença positiva entre receitas e custos/despesas apurados no balanço de resultados em um determinado período de apuração, conforme determinação legal. Veja Lei e Regulamento do IR – Dec. 3.000/99. 432 Segundo a legislação, o limite é de R$20.000,00 por mês, no período de apuração. Como no Brasil o período de apuração é de 12 meses, o limite anual para incidência do adicional é de R$ 240.000,00.
199
Confira-se, no quadro abaixo, a expressão prática do critério adotado pelo
legislador infraconstitucional para o IRPJ:
Base de Cálculo Imposto a Alíquota de Imposto Adicional a Total do Imposto Alíquota efetiva Diferença Alíq. Efetiva
R$ 15% 10% R$ % %
20.000,00 3.000,00 - 3.000,00 15,0000%
50.000,00 7.500,00 3.000,00 10.500,00 21,0000% 6,0000%
100.000,00 15.000,00 8.000,00 23.000,00 23,0000% 2,0000%
1.000.000,00 150.000,00 98.000,00 248.000,00 24,8000% 1,8000%
10.000.000,00 1.500.000,00 998.000,00 2.498.000,00 24,9800% 0,1800%
100.000.000,00 15.000.000,00 9.998.000,00 24.998.000,00 24,9980% 0,0180%
1.000.000.000,00 150.000.000,00 99.998.000,00 249.998.000,00 24,9998% 0,0018%
10.000.000.000,00 1.500.000.000,00 999.998.000,00 2.499.998.000,00 25,0000% 0,0002%
100.000.000.000,00 15.000.000.000,00 9.999.998.000,00 24.999.998.000,00 25,0000% 0,0000%
Dessa forma, podemos notar que o IRPJ433 foi introduzido no sistema do direito
positivo mediante a adoção de um critério misto, mesclando progressividade e
proporcionalidade, em vez de adotar um critério eminentemente progressivo e que atenda
aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, conforme estabelecido na
Constituição Federal.
Com efeito, ao instituir esse sistema de progressividade, em que as alíquotas
efetivas apresentam-se com diferenças irrisórias, bem como tornar invariável a alíquota a
partir de uma determinada faixa de lucro,434 a União extrapolou a sua competência
tributária e, conseqüentemente, infringiu a norma do inciso I, do parágrafo 2º, do artigo
153, da Constituição Federal, além de impossibilitar a eficácia dos princípios da igualdade
(inc.I, §2º, art. 5º, CF) e da capacidade contributiva (§1º, art. 145, CF).
Nesse sentido, importa lembrar que, se de um lado a progressividade
constitucional do IR não tem a ver com os conceitos extrajurídicos da matemática ou da
economia, devendo-se aferir uma diversificação numérica de alíquotas que dêem eficácia
aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, de outro lado, não temos como
nos afastar da definição matemática de proporcionalidade, assim entendida como a
433 Igualmente ocorre com o IRPF, em que a alíquota deixa de ser progressiva, mantendo-se totalmente inalterada e independentemente do número de casas decimais a partir do lucro de R$ 931.000.000,00. Em que pese ser um lucro exorbitante, a alíquota aplicável é praticamente a mesma daquela aplicada ao lucro de aproximadamente R$ 30.000,00. Confira essa discrepância na tabela anteriormente apresentada. 434 Note que a partir do lucro de R$ 1.000.000,00 a alíquota é basicamente a mesma.
200
igualdade entre duas ou mais razões. Em outras palavras, quando os quocientes forem
iguais (alíquota efetivas no nosso caso), haverá proporcionalidade.435
Tendo isso em vista, podemos notar, na tabela acima reproduzida, que o critério
adotado pelo legislador ordinário para a fixação das alíquotas do IRPJ para a faixa de lucro
que vai até R$ 10.000.000,00, apresenta-se com uma “pseudoprogressão” da alíquota
efetiva, cuja variação também se mostra irrisória a partir de diferenças identificadas nas
casas decimais.
Denominamos de “pseudoprogressão” porque a diferença é ínfima e não atende de
modo algum aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Outro aspecto é que,
acima dessa faixa (R$ 10.000.000,00), notamos que a carga tributária torna-se invariável,
apresentando-se um efeito proporcional da alíquota efetiva e nivelando, em um mesmo
patamar, a carga tributária incidente sobre lucros diversos, em total afronta à Constituição
Federal.
A progressividade do Imposto sobre a Renda não é um sistema progressivo
qualquer, voltado à mera quantificação do tributo, mas, sim, um elemento conformador da
competência tributária do ente político, indispensável para a efetividade da tributação,
segundo a capacidade contributiva e igualdade tributária.
Em remate, o que queremos destacar é que a Constituição Federal, quando
estabeleceu que a União poderia instituir um imposto sobre a renda, desde que universal,
geral e progressivo, introduziu no sistema jurídico-tributário uma norma de competência
para preservar direitos e deveres fundamentais e, não, um mero aspecto quantitativo.
32.7. A norma de competência da alíquota para o Imposto sobre Produtos
Industrializados – IPI
Muito embora a seletividade possa ser praticada de formas variadas, entendemos
que, relativamente ao IPI, em decorrência de sua incidência recair sobre todo e qualquer
produto industrializado, a Constituição Federal a estabeleceu “em função da essencialidade
435 Razão é o quociente entre dois números naturais, sendo o segundo diferente de 0, e que, por esse motivo, deve ser entendida como proporcionalidade a igualdade entre duas ou mais razões, ou seja, quando os quocientes forem iguais há proporcionalidade. “Matemática: Volume Único”. Gelson Iezzi e outros. São Paulo: Atual Editora, 1997.
201
do produto, determinada pela necessidade do consumidor e pelo tipo de produto
fabricado”.436
Nessa medida, quer-nos parecer que a seletividade constitucional do IPI já veio
formatada com base na variação das alíquotas e, não, em outra forma. Confira-se o texto
constitucional:
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
§1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.
IV - produtos industrializados;
§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:
I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;”
Assim, a nosso ver, o Poder Executivo passou a ter a legitimidade para alterar as
alíquotas do IPI, ficando dispensado do processo legislativo e da anterioridade, para esse
fim.
Contudo, importa destacar que, muito embora o Poder Executivo tenha adquirido
tal legitimidade, isso não quer dizer que poderá deixar de exercê-la, não alterando as
alíquotas e impedindo fazer valer a seletividade do IPI.
A nosso ver, a faculdade do parágrafo 1º, do artigo 153, da Constituição Federal
diz respeito tão somente a essa suposta “delegação”, para firmar que o Executivo pode,
sem as amarras da lentidão do processo legislativo e sem a observância do princípio da
anterioridade, alterar as alíquotas dentro dos limites legais.
Noutro passo, temos que a essencialidade, por ser decorrente de norma cogente,
obriga o Executivo a agir rapidamente para manter a integridade da seletividade do IPI nos
moldes constitucionais. Trata-se de uma norma específica que conforma a competência
tributária da União, estabelecendo que o IPI terá alíquotas seletivas, que deverão ser
alteradas pelo Executivo conforme a necessidade essencial do consumidor e do produto
fabricado.
436 Cf. Ives Gandra Martins, em Comentários à Constituição do Brasil. vol. 6, tomo I. 1990, p. 298
202
Em remate, vislumbramos que a norma constitucional relativa à alíquota do IPI,
além de exercer influência sobre a instituição de alíquotas seletivas, mínima e máxima,
pelo legislador ordinário (função típica do Poder Legislativo), também exerce influência
sobre a função atípica de legislar do Poder Executivo (alteração das alíquotas por decreto),
evidenciando seu caráter de norma de competência.
32.8. A norma de competência da alíquota para o Imposto sobre
Propriedade Territorial Rural – ITR
Tendo como pano de fundo a função social da propriedade imobiliária, notamos
que a Constituição Federal concedeu competência tributária à União para instituir imposto
sobre propriedades territoriais rurais, com o fim de possibilitar a esse ente político o
estímulo à manutenção de terras produtivas.
Nesse sentido, encontramos o parágrafo 4o, do artigo 153, da Constituição
Federal, com a seguinte redação:
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: VI - propriedade territorial rural; § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003);” (grifamos)
Embora a pretensão final seja a de estimular a função social/produtiva da
propriedade rural, vale ressaltar que o ITR continua tendo natureza tributária. O registro é
válido para que não se confunda com a natureza sancionatória da desapropriação por
interesse social, para fins de reforma agrária, do imóvel rural que não esteja cumprindo sua
função social.437
A nosso ver, a Constituição Federal concedeu competência tributária à União
para, por meio do ITR, desenvolver uma política agrária e fundiária estabelecendo, porém,
437 O artigo 184 da Constituição Federal dispõe o seguinte: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.”
203
que este imposto só poderá ser instituído como instrumento auxiliar dessa política. Assim
sendo, registre-se aqui a primeira característica da competência da União para instituí-lo.
Além da finalidade constitucional acima referida, considerada por boa parte da
doutrina como extrafiscal, há que se observar que referida competência vem bem delineada
por outras duas características. Segundo a Carta Magna, o imposto deve ser (i) progressivo
e (ii) ter alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades
improdutivas.
Diante disso, devemos entender que a Constituição Federal, além dos princípios e
regras gerais normalmente influentes na conformação da competência tributária, também
estabeleceu um arquétipo competencial para o ITR a partir da prefixação de uma alíquota
progressiva com função social.
À evidência, determinar seja o imposto progressivo a partir de alíquotas fixadas
com um fim específico prova a existência de mais um critério constitucional relativo à
alíquota como norma de competência tributária.
Em outras palavras, podemos dizer que a Constituição Federal proíbe que o ITR
seja instituído para o fim meramente arrecadatório ou orçamentário do governo, bem como
obriga que a União exerça sua competência mediante a instituição de um imposto
progressivo, com alíquotas desestimuladoras às propriedades improdutivas que não
cumpram sua função social.
Com efeito, não se trata de um critério meramente quantitativo da alíquota, pois a
norma que se produz a partir do enunciado constitucional é no sentido de que a União só
tem competência para instituir o ITR se, e somente se, (1) for ele instrumento de política
agrária e/ou fundiária, (2) for progressivo, com (3) alíquotas desestimuladoras à
manutenção de propriedades improdutivas.
Não nos parece restarem dúvidas de que a regra da alíquota, estatuída no inciso I,
do parágrafo 4º, do artigo 153, da Constituição Federal, é uma norma de competência que
norteia a função do legislador ordinário na instituição do ITR.
204
Nesse sentido, em relação aos aspectos da obrigação tributária, materialidade
possível, base de cálculo possível, alíquota possível, sujeitos possíveis, entendemos que a
Constituição Federal tratou deles como critérios conformadores das normas de
competência tributária e, por isso, para nós, o caráter quantitativo da alíquota só passa a
existir a partir da instituição, por lei, das regras-matrizes. Nunca na Constituição Federal.
32.9. A norma de competência da alíquota mínima para o IOF sobre o
Ouro
Seguindo a articulação disposta na Constituição Federal, encontramos outro
exemplo de arquétipo constitucional tributário, que, por sua vez, implica a competência da
União. Trata-se do disposto no parágrafo 5º, do artigo 153, da Carta Magna, que também
estabelece a competência da União para instituir o Imposto sobre Operações de Crédito,
Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários - IOF, quando envolver o
ouro como ativo financeiro, mediante a predeterminação de uma alíquota mínima. Vamos à
letra da Constituição Federal.
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...); V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
§ 5º - O ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, se sujeita exclusivamente à incidência do imposto de que trata o inciso V do "caput" deste artigo, devido na operação de origem, a alíquota mínima será de um por cento, assegurada a transferência do montante da arrecadação nos seguintes termos: (grifamos)
Como visto, aqui também se evidencia uma norma de competência conformada
pela influência da alíquota. Nesse caso, podemos vislumbrar que do dispositivo acima
transcrito, é possível constatar a existência de uma norma jurídica que conforma a
competência da União num aspecto positivo, permitindo a instituição do IOF sobre o ouro,
quando definido como ativo financeiro ou instrumento cambial e, num aspecto negativo,
proibindo que a alíquota seja inferior a 1% (um por cento).
Ao analisar o texto legal supratranscrito, evidencia-se a conformação da
competência tributária da União, naquelas condições, mediante o aspecto negativo da
alíquota mínima de 1%, pois o legislador constituinte sentiu a necessidade de conformá-la
com essa limitação para impedir que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
205
ficassem, por vontade política unilateral da União, sem participar do resultado da riqueza
constituída a partir de seus respectivos territórios.
Essa é mais uma experiência que denota ser a alíquota, além de um simples
aspecto quantitativo, um critério conformador da competência tributária e garantia do
regime federativo brasileiro.
32.10. A norma de competência da alíquota máxima para o ITCMD
Primeiramente, importa comentar que, no que atina ao ITCMD, a Constituição
Federal estabeleceu que os Estados e o Distrito Federal tivessem competência para instituí-
lo até o limite da alíquota máxima definida pelo Senado Federal. Assim, por mais que se
queira extravasar o estudo de outros critérios da regra-matriz desse imposto, essa
competência também está conformada pelo critério constitucionalmente predeterminado da
alíquota, não podendo qualquer ente federado extrapolar tal limite, sob pena de
inconstitucionalidade dos efeitos decorrentes. Vamos ao texto constitucional:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
§ 1.º O imposto previsto no inciso I:
IV - terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;” (grifamos)
Diante do texto constitucional, vemos que a competência dos Estados e do
Distrito Federal para instituir o ITCMD foi conformada pela prefixação de uma alíquota
máxima, tendo em vista a necessidade de se estabelecer um teto nacional como política de
igualdade e justiça tributária, impedindo abusos confiscatórios que poderiam ser
perpetrados pelos Estados/Distrito Federal contra o direito de herança e doação.
Como se nota, as regras-matrizes do ITCMD a serem definidas pelos entes
políticos tributantes deverão pautar as respectivas alíquotas dentro do limite
206
constitucionalmente reservado à decisão do Senado Federal, sob pena de extrapolação da
competência tributária concedida.438
Por força do inciso IV, do parágrafo 1º, do artigo 155, da Constituição Federal, o
Senado Federal editou a Resolução n.o 9/92, fixando a alíquota máxima do ITCMD em 8%,
a partir de 1º de janeiro de 1992, facultando aos Estados instituir alíquotas progressivas
conforme o quinhão herdado. Confira-se o enunciado da resolução 9/92.
“RESOLUÇÃO N° 9, de 5 de maio de 1992
Art. 1° A alíquota máxima do imposto de que trata a alínea a, inciso I, do art. 155 da Constituição Federal será de oito por cento, a partir de 1° de janeiro de 1992.
Art. 2° As alíquotas dos impostos, fixadas em lei estadual, poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal.
Art. 3° Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4° Revogam-se as disposições em contrário.” (grifamos)
A resolução supratranscrita representa mais uma circunstância confirmadora da
existência da alíquota tributária como norma de competência. Há que se destacar que, além
de estabelecer uma alíquota máxima, em fiel cumprimento ao disposto no artigo 155, §1º,
IV, da Constituição Federal, a resolução estabelece também uma data retroativa para seus
efeitos e, ainda, “faculta” aos Estados e ao Distrito Federal a instituição de alíquotas
progressivas.
Ao dispor sobre a retroatividade de seus efeitos e sobre progressividade
facultativa, a Resolução n.o 9/92 extrapolou o limite material da norma constitucional da
alíquota do ITCMD, pois essa norma concedeu ao Senado Federal tão somente a
competência administrativo-legislativa para instituir a alíquota máxima definidora da
competência tributária dos Estados/Distrito Federal em relação a esse imposto.
438 Nesse sentido já se manifestou o STF – “Imposto de transmissão causa mortis. Alíquota, Fixação pelo Senado Federal. CF/69, art. 23, I. CF/88, art. 155, IV. A nova Carta Constitucional manteve a antiga regra de que cabe ao Senado Federal estabelecer as alíquotas máximas do imposto de transmissão causa mortis. Diante da existência de resolução reguladora da matéria, compatível com o novo Texto, não restou espaço para o legislador estadual dispor acerca da alíquota do tributo, sob invocação do §1º” (STF – 1ª T. – Agravo Regimental em agravo de instrumento ou de petição no 147.490/RS – Rel. Min. Ilmar Galvão, Diário da Justiça, Seção I, 1º out. 1993, p. 20.217).
207
Se, de um modo, só podemos afirmar que a retroatividade dos efeitos da alíquota
máxima estabelecida pela Resolução do Senado Federal é inconstitucional,439 por violar o
princípio da legalidade, da anterioridade e, conseqüentemente, da segurança jurídica,
podemos, de outro modo, afirmar que a faculdade concedida aos Estados e ao Distrito
Federal para instituir alíquotas progressivas sobre o quinhão herdado é inconstitucional,
por violar a norma de competência administrativo-legislativa da alíquota máxima
insculpida na Carta Magna.
Melhor explicando. Para nós, conquanto seja a progressividade o melhor método
de distribuição de justiça tributária, por possibilitar os efeitos da capacidade contributiva
do parágrafo 1º, do artigo 145, da Constituição Federal, não nos parece tenha o Senado
Federal competência para autorizar os Estados e o Distrito Federal a instituir ITCMD
progressivo. Essa autorização não consta do Texto Magno.
Se o ITCMD deverá ou poderá ser progressivo é uma discussão que desloca a
análise jurídica para aplicabilidade ou não do disposto no referido artigo 145, pois será
nessa seara que se deverá discutir a natureza desse imposto, se ele é real ou pessoal, se
admite ou não o regime de alíquotas progressivas, considerando-se os argumentos da
jurisprudência do STF em relação ao IPTU (antes da EC n.o 29/2000) e ao ITBI.440
Com efeito, independentemente da aplicabilidade ou não do parágrafo 1º, do
artigo 145, da Constituição Federal,441 isso nos revela que o termo “alíquota”, empregado
no inciso IV, do parágrafo 1º, do artigo 155, da Constituição Federal, não pode jamais ser
interpretado como um simples critério quantitativo, porque se trata, na verdade, de uma
norma de competência. Essa afirmação reforça também o argumento de que o critério para
quantificação dos tributos surge com a lei, nunca com a Constituição Federal.
439 O Supremo Tribunal Federal já decidiu nesse sentido no RE n.o 218.182/PE, 1ª turma, rel. Min. Moreira Alves. 440 Quanto a isso, vale lembrar que o plenário do STF decidiu ser inconstitucional a fixação de alíquotas progressivas para o IPTU (antes da EC n.o 29/00 – RE n.o 153.771-0/MG) e o ITBI (RE n.o 234.105-3/SP), sob o fundamento de serem impostos reais, razão que impediria a aplicação do §1º, do artigo 145 da CF. 441 Entendemos possível seja aplicada a progressividade ao ITCMD, com base no §1º, do artigo 145, da Constituição Federal.
208
32.11. As diversas normas de competência das alíquotas do ICMS
No que pertine ao ICMS, é de se notar que a conformação da competência
tributária dos Estados e do Distrito Federal é mais exaustiva, pois a Constituição Federal
predetermina um arcabouço de regras, de modo a estabelecer alguns arquétipos
competenciais para a instituição de diversas regras-matrizes desse imposto.
Inicialmente, além dos nossos comentários feitos nos itens 30.9.
SELETIVIDADE e alíquota” e 32.7. A NORMA de competência da alíquota para o
Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI”, importa fazermos alguns comentários
acerca da seletividade do ICMS.
A Constituição Federal, no inciso III, do parágrafo 2º, do artigo 155, estabelece
que o ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos
serviços”. Como já ressalvado, entendemos que esse “poderá” corresponde ao que Celso
Antonio Bandeira de Mello denomina de dever-poder,442 que reclama seja interpretado
como um dever e, não, como uma faculdade.
Assim sendo, posicionamo-nos no sentido de que a seletividade do ICMS é uma
obrigação imposta ao legislador pelos reclamos dos princípios fundamentais da dignidade
da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, III e IV,
CF), da igualdade (artigo 5º, I, CF) e da capacidade contributiva (artigo 145, §1º, CF).
Ocorre, todavia, que a seletividade não é uma regra hermética, fechada, de feição
única. Ao contrário, possui múltiplas formas e pode ser operada por diversas técnicas que
permitem a gradação seletiva de um dado objeto.
Segundo entendemos, a Constituição Federal, ao estabelecer que cabe ao
Executivo alterar as alíquotas do IPI, acabou por predeterminar a técnica da
progressividade das alíquotas para esse imposto, conformando a competência tributária da
União (tanto do legislativo federal na edição de lei, quanto do executivo na edição de
decreto) para a instituição e alteração das respectivas alíquotas. Tendo esse paradigma,
442 Curso de Direito Administrativo. 2005, págs. 60/61
209
somos da opinião de que a seletividade do ICMS, ao contrário do IPI, não foi predefinida
pelo Texto Constitucional, podendo o legislador infraconstitucional operá-la por qualquer
meio que lhe dê efetividade.
Nesse sentido, vale lembrar as lições de Roque Antonio Carrazza que, muito
embora se manifeste no sentido de que é com a variação das alíquotas que a seletividade do
ICMS se torna mais alcançável, assevera claramente que ela “poderá ser alcançada com o
emprego de quaisquer técnicas de alteração quantitativa da carga tributária: sistema de
alíquotas diferençadas, variação de bases de cálculo, criação de incentivos fiscais etc.”443
Em contato com o texto constitucional, percebemos que não há predeterminação
constitucional no sentido de que, especificamente, as alíquotas do ICMS sejam seletivas e,
em conseqüência, não vislumbramos aqui uma norma de competência relativamente à
seletividade das alíquotas do ICMS.
Feitos esses comentários iniciais, vamos, na seqüência, à regra insculpida no
parágrafo 2º, inciso IV, do artigo 155, da Constituição Federal, que trata da norma de
competência para a prefixação das alíquotas para as operações e prestações interestaduais e
de exportação.
§ 2.º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:
IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; (destacamos e grifamos)
Embora a redação não tenha sido das melhores, entendemos que a Constituição
Federal estabeleceu, em relação às operações e prestações interestaduais e de exportação,
que a competência dos Estados e do Distrito Federal será conformada mediante a
observância das alíquotas, mínima e máxima, definidas pelo Senado Federal e, por essa
forma, igualmente às regras do ITCMD, a instituição ordinária das diversas regras-matrizes
443 ICMS, 2006, p. 376 e também em Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 96
210
do ICMS pelos entes políticos tributantes sofrem a influência das normas de competência
das alíquotas constitucionalmente predeterminadas.444
Importa destacar que, conforme adverte Roque Antonio Carrazza, em razão do
princípio federativo e da autonomia distrital, “o Senado terá que ser bastante criterioso no
fixar quer as alíquotas mínimas, quer as máximas, de modo a não anular a autonomia das
pessoas que tributam por meio de ICMS”.445
Em outras palavras, podemos dizer que os Estados e o Distrito Federal só são
competentes para instituir ICMS sobre negócios interestaduais e de exportação, se o
fizerem mediante a observância dos limites constitucionais dos critérios normativos da
alíquota predeterminados pela Constituição Federal, além, obviamente, de outros critérios
regulares.446
Semelhantemente à hipótese acima, encontramos no inciso V, do parágrafo 2º, do
artigo 155, da Constituição Federal, regras que também estabelecem a conformação da
competência dos Estados e do Distrito Federal em relação às alíquotas internas do ICMS,
em que as mínimas e as máximas também são definidas por Resolução do Senado Federal.
Prescreve o dispositivo constitucional o seguinte:
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (ICMS)
V - é facultado ao Senado Federal:
444 O STF já teve a oportunidade de confirmar o critério de prefixação da alíquota pelo Senado Federal. STF – “Impossibilidade de a alíquota, nas operações de exportação, ser fixada pelo convênio. É que se à lei complementar não cabe fixar a alíquota, também não poderia fazê-lo o convênio. A fixação da alíquota, em tal caso, cabe ao Senado Federal: CF, art. 155, §2º, IV. Essa fixação somente ocorreu com a Resolução no 22, de 19-05-1989. Destarte, entre 1-3-1989 a 31-5-1989, não houve incidência do ICMS na saída de produtos semi-elaborados remetidos para o exterior” (STF – 2ª, T. – RE. No 145.491/SP – Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 20 Fev. 1998, p. 21). 445 O ICMS na Constituição, 2006, p. 79 446 Atualmente a alíquota interestadual e de exportação é definida pela Resolução 22, de 19/05/89, do Senado Federal, sendo 12% (doze por cento) para os negócios realizados com contribuintes localizados nas regiões Sul e Sudeste, exceto o Estado do Espírito Santo, e de 7% (sete por cento) para contribuintes localizados nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e o Estado do Espírito Santo. As exportações, quando tributadas, terão alíquotas de 13% (treze por cento). Nos dias atuais, grande parte de bens e serviços goza de imunidade tributária ou de isenção fiscal, conforme estabelece o artigo 155, §2º, inciso X, alínea “a”, da CF e a Lei Complementar n. 87/96, que estabelecem que o ICMS não incidirá sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).
211
a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;
b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; (destacamos e grifamos)
Nessas hipóteses, as regras-matrizes do ICMS a serem instituídas pelos entes
políticos tributantes deverão observar os balizamentos, mínimo e máximo, das alíquotas
predeterminadas pela Constituição Federal, para que haja o exercício regular da
competência tributária.
De outro modo, podemos dizer que o ente federativo, ao instituir alíquotas do
ICMS aquém da mínima ou além da máxima fixadas pelo Senado Federal, estará atuando
fora de sua competência tributária, exacerbando formal e materialmente a ação delimitada
pela Constituição Federal.
Outro tocante dispositivo que vale ser lembrado é o inciso VI, do parágrafo 2º, do
artigo 155, da Constituição Federal, que conforma a competência tributária dos Estados e
do Distrito Federal com a predeterminação de alíquotas mínimas nas operações praticadas
dentro dos seus respectivos territórios. Vejamos a redação do dispositivo:
“§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (ICMS)
VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g" (Lei Complementar regulará a forma da deliberação), as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;" (destacamos e grifamos)
Como se pode ver, a Constituição Federal estabeleceu que os Estados e o Distrito
Federal só serão competentes para instituir regras-matrizes do ICMS em seus territórios, se
os critérios das respectivas alíquotas forem iguais ou superiores aos das alíquotas
interestaduais, também pré-fixadas pela própria Constituição Federal (art. 155, §2º, IV).
Outra prova de que a competência tributária é conformada pela predeterminação
constitucional de alíquotas pode ser encontrada no disposto nos incisos VII e VIII, ambos
do parágrafo 2º, do artigo 155, da Constituição Federal. Vamos aos enunciados:
“VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
212
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;”
“VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do
destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;” (grifamos)
Segundo esses dispositivos, quando se tratar de operação ou prestação que destine
bens ou serviços a consumidor final, localizado em outro Estado, a competência dos
Estados e do Distrito Federal para instituir regras-matrizes do ICMS está conformada pela
observância do critério constitucional das alíquotas, interestadual e interna, no caso de o
destinatário, respectivamente, ser ou não ser contribuinte desse imposto.
Em outros termos, em se tratando de operação/prestação interestadual, a
predeterminação da alíquota foi estabelecida conforme a condição do destinatário da
mercadoria, pois, se ele for contribuinte do ICMS, a alíquota predeterminada será a
interestadual e, no caso contrário, a alíquota será a interna do Estado de origem.
Ademais, no caso da competência conformada pela alíquota interestadual (alínea
“a”, do inciso VII, acima), geralmente menor que a alíquota interna instituída pelos
Estados de origem (da mercadoria ou do serviço), nota-se a conformação de outra
competência tributária, a do Estado447 destinatário, que passará a ter a sua competência a
partir da diferença entre as alíquotas praticadas pelo exercício do Estado de origem da
mercadoria/serviço (diferencial de alíquotas).
Sobre a incidência única do ICMS sobre os combustíveis e lubrificantes, definidos
em lei complementar, a Constituição Federal estabeleceu que a conformação da
competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir a alíquota desse imposto se
dará, além da definição em lei complementar (i) da forma deliberativa para concessão de
desonerações fiscais e (ii) dos combustíveis e lubrificantes que sofrerão incidência única,
447 Distrito Federal, quando for o caso.
213
(iii) por meio das alíquotas definidas em Convênio, celebrado no âmbito do CONFAZ.448
Confira-se a redação constitucional:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (ICMS)
XII - cabe à lei complementar:
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b;
§ 4º Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte:
IV - as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
a) serão uniformes em todo o território nacional, podendo ser diferenciadas por produto;
b) poderão ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem, incidindo sobre o valor da operação ou sobre o preço que o produto ou seu similar alcançaria em uma venda em condições de livre concorrência;
c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.
§ 5º As regras necessárias à aplicação do disposto no § 4º, inclusive as relativas à apuração e à destinação do imposto, serão estabelecidas mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g.
Traduzindo-se os termos que interessam a este trabalho, podemos dizer que a
Constituição Federal estabeleceu que as alíquotas do ICMS para os combustíveis e
lubrificantes, definidos em lei complementar, serão:
a) definidas por ato infralegal (convênios) decorrente de deliberação das Unidades Federadas;
b) uniformes em todo o território e seletivas por produto;
448 O Conselho Fazendário – CONFAZ é constituído com a participação de todos os Secretários da Fazenda dos Estados e do Distrito Federal, bem como do Secretário do Ministério da Fazenda, conforme estabelece a LC no 24/75.
214
c) específicas, por unidade de medida, ou ad valorem; e,
d) reduzidas ou restabelecidas no mesmo exercício financeiro.
Nessa seara, vemos que há uma influência bastante incisiva das normas de
competência da alíquota sobre a atividade do legislador ordinário (Poder Legislativo
Estadual), pois que, para fixar as alíquotas do ICMS-Único sobre combustíveis e
lubrificantes, o legislador estadual/distrital haverá que observar o conteúdo dos convênios
celebrados entre os Estados (deliberação do Poder Executivo).449
Com efeito, segundo a Constituição Federal, a competência tributária do
legislador ordinário para instituir o ICMS-Único passa a ser conformada pelo conteúdo dos
convênios editados a partir das deliberações dos Executivos Estaduais/Distrital.
Assim sendo, podemos concluir que o legislador ordinário está adstrito a instituir
a regra-matriz do ICMS, relativamente às operações com combustíveis e lubrificantes,
segundo a influência da norma de competência das alíquotas definidas em convênios, além
de outros critérios ipso jure.
Essa circunstância nos obriga a repisar a afirmação de que os enunciados
constitucionais que veiculam os termos relativos às alíquotas do ICMS são verdadeiras
normas de competência tributária, estruturantes do sistema jurídico dessa espécie tributária.
Diante de tudo isso, podemos afirmar que não há critérios quantitativos da
alíquota do ICMS na Constituição Federal, havendo tão somente normas de competência
tributária. Os critérios quantitativos só surgem com a edição de lei, editada segundo a
observância das normas de competência das alíquotas tributárias.
32.12. A norma de competência da alíquota para o IPVA
O Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA - substituiu a
antiga Taxa Rodoviária Única, popularmente conhecida como TRU, cuja competência
449 Não fizemos referência à Lei Complementar n. 87/96 porque, segundo a Constituição Federal, a ela caberia a função de definir os combustíveis e os lubrificantes sujeitos ao ICMS-Único. E, como ficou expresso, as normas relativas às alíquotas ficaram a cargo da deliberação dos Estados pelo instrumento do Convênio (§2º, XII, “g”, art. 155, CF e Lei Complementar n. 24/75)
215
tributária pertencia à União e incidia sobre a propriedade de veículos automotores no
momento do licenciamento do veículo pelo respectivo proprietário.
A origem constitucional do IPVA se deu pela Emenda n. 27, de 28 de novembro
de 1985, na vigência da Constituição passada, e o imposto foi mantido pelo inciso III, do
artigo 155, da Constituição Federal de 1988. Contudo, a competência tributária foi
deslocada para os Estados e para o Distrito Federal, com a arrecadação partilhada pela
metade com os Municípios onde os veículos forem licenciados.
Fora esse aspecto competencial, voltado mais à natureza material do IPVA,
queremos ressaltar que o parágrafo 6º, do artigo 155, da Constituição Federal, acrescentou
outros critérios conformadores da competência tributária dos Estados/Distrito Federal para
instituir o IPVA. Confira-se a redação constitucional:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
III - propriedade de veículos automotores. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
§ 6º O imposto previsto no inciso III: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
I - terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
II - poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003). (grifamos)
Com efeito, a partir da Emenda Constitucional n.o 42/03, além da propriedade de
veículo automotor, que é a materialidade nuclear do IPVA, a Constituição Federal passou a
estabelecer normas relativas à alíquota que também conformam a competência dos Estados
e do Distrito Federal, delimitando o arquétipo competencial com alíquotas mínimas fixadas
pelo Senado Federal e diferençadas em função do tipo e utilização dos veículos.
Em outras palavras, além dos demais critérios ipso jure, o legislador ordinário só
poderá instituir o IPVA mediante a fixação de alíquotas iguais ou superiores à alíquota
mínima prefixada em resolução do Senado Federal, podendo, ainda, prescrever variações
conforme o tipo e utilização do veículo.
216
Sobre o primeiro critério normativo (alíquotas mínimas), importa considerar que a
Constituição Federal outorgou competência administrativo-legislativa ao Senado Federal
(órgão democrático e composto por representantes dos Estados da Federação e do Distrito
Federal) para prefixar a norma de competência tributária mediante a prefixação de uma
alíquota mínima do IPVA.
Quer-nos parecer que a razão de o Senado Federal preestabelecer uma alíquota
mínima foi motivada pela necessidade de se limitar o exercício da competência para a
efetividade do princípio fundamental da igualdade republicana e do princípio federativo,
nos termos do artigo 1º da Constituição Federal.
No que atina ao outro aspecto constitucional da alíquota do IPVA, relativo à
expressão “poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização”, temos para
nós que aqui, mais uma vez, o termo “poderá” corresponde ao dever-poder, denominado
por Bandeira de Mello, para indicar que não se trata de uma faculdade e sim de uma
obrigação imposta ao legislador ordinário, pois, a faculdade aqui é relativa ao fato de o
ente federado ter a discricionariedade quanto à determinação (escolha) de uma alíquota
para cada “tipo” e “utilização” do veículo. Paralelamente, há o dever do ente político
tributante de fazer variar a alíquota sobre o critério eleito.
Entendemos que a variação das alíquotas do IPVA, nos termos do inciso II, do
parágrafo 6º, do artigo 155, da Constituição Federal, encerra uma norma cogente de
competência que veicula ser obrigatória tal variação, em razão da necessidade de
observância dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, fazendo com que
haja melhor distribuição da carga tributária e de justiça fiscal.
O “tipo” e a “utilização” do veículo devem ser entendidos segundo a legislação
ordinária regulamentar. Por essa forma, vemos que a competência dos Estados e do
Distrito Federal para a instituição do IPVA é, além de outros critérios ipso jure,
conformada por normas relativas às alíquotas.
É por esse motivo que as alíquotas do IPVA, em quase todas as unidades da
federação, exemplificativamente, para caminhonetes com cabine dupla e cabine simples
são diferentes. Os Estados e o Distrito Federal são competentes para estabelecer o
217
tratamento diferençado em decorrência do “tipo” e da “utilização” do veículo, segundo a
classificação do Conselho Nacional de Trânsito para caminhonetes com essas
características.450
Em remate, podemos afirmar que os enunciados relativos ao IPVA, acima
transcritos, ajudam a evidenciar que a Constituição Federal não veicula critérios
quantitativos da alíquota, mas tão somente normas de competência tributária. Os critérios
quantitativos das alíquotas do IPVA serão fixados na legislação ordinária dos Estados e do
Distrito Federal, segundo as respectivas normas de competência das alíquotas.
32.13. A norma de competência das alíquotas para o IPTU
Relativamente ao Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana – IPTU, vale
registrar, inicialmente, que a doutrina nacional sempre discutiu acerca da efetividade dos
princípios da capacidade contributiva e da igualdade, em decorrência das regras da (i)
progressividade em razão do valor do imóvel; (ii) da progressividade de acordo com a
localização e o uso do imóvel; e, (iii) da progressividade temporal da alíquota, em razão do
descumprimento das regras do plano diretor dos Municípios (sancionatória).451
Referidas regras advêm do disposto nos incisos I e II, do parágrafo 1º, do artigo
156, e no inciso II, do parágrafo 4º, do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Confira-
se:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana;
§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) (grifamos)
450 Atualmente vige a Resolução CONTRAN n.o 262/07. 451 Nesse sentido, ensina Elizabeth Nazar Carrazza, in IPTU e Progressividade – Igualdade e capacidade contributiva. Juruá Editora. 1996. Curitiba. P. 103
218
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; (grifamos)
Independentemente da classificação, fiscal ou extrafiscal, que se adote em razão
dessas características progressivas do IPTU, temos para nós que a Constituição Federal, em
matéria tributária, sempre veicula normas destinadas a dar efetividade aos princípios
constitucionais gerais e tributários, mas, sempre, em especial, o da capacidade contributiva,
da igualdade e da segurança jurídica. Por isso, quase sempre o destinatário das normas
constitucionais tributárias são o legislador e os aplicadores do direito (o Poder Executivo e
do Judiciário). São, em regra, normas estruturantes que balizam o comportamento
institucional destes poderes.
Posto dessa forma, entendemos que os enunciados constitucionais relativos ao
IPTU, acima transcritos, veiculam normas de competência destinadas a moldar os limites
da ação dos entes políticos tributantes municipais na instituição das respectivas regras-
matrizes.
É por isso que, a nosso ver, encontraremos o critério quantitativo da alíquota,
dentre outros, tão somente nas normas veiculadas pelas leis ordinárias e decretos
regulamentares, conforme o caso.
Daí podermos vislumbrar que não cabe falar em critérios quantitativos da alíquota
do IPTU, quando se analisam aspectos constitucionais do tributo, pois, em regra, não há,
na Carta Magna, qualquer “indicativo de proporção”, ainda que, excepcionalmente,
contenha algumas indicações de parâmetros mínimos e/ou máximos, como p.e. ocorre no
caso do artigo 153, § 5º, da Constituição Federal (alíquota mínima de 1% para a tributação
incidente sobre o Ouro e os demais exemplos já citados).
Nesse sentido, importa relembrar que Aires Barreto ensinou que a alíquota é o
indicador da proporção, quando diante do plano abstrato da norma, e é termo da operação
219
algébrica (multiplicação), quando da sua aplicação concreta sobre a base calculada, no
plano concreto da norma.
A nosso ver, o plano abstrato a que se refere o ilustre autor só pode ser o
infraconstitucional, da lei em sentido estrito que institui as regras-matrizes, nunca o da
constituição, pois, nela, “indicador” só o será de competência tributária.
Diante do exposto, sentimo-nos autorizados a arrematar que não se tem qualquer
quantificação do IPTU na Constituição Federal, impedindo-nos de considerar as normas
constitucionais relativas à alíquota como critério quantitativo desse imposto.
32.14. A norma de competência das alíquotas do ISS
Vale recordar que competência tributária é a aptidão constitucional para criar, em
abstrato, tributos, o que equivale a dizer, em última análise, que é a possibilidade jurídica
para instituir as suas regras-matrizes, com todos os seus elementos, incluindo,
necessariamente, a alíquota.
Estabelecer a alíquota do ISS, então, como critério quantitativo, é matéria
reservada ao legislador ordinário municipal da pessoa política competente, segundo os
critérios competenciais previstos no sistema do direito positivo.
Nesse sentido, a Constituição Federal estabeleceu que a competência tributária
para a instituição do ISS será conformada pela prefixação das alíquotas, máxima e mínima,
pelo legislador complementar. É o que enuncia o artigo 156, §3º, da Constituição Federal,
abaixo transcrito:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)
I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)
II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
220
III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)” (grifamos)
Originalmente, a prefixação de alíquota máxima do ISS fora enunciada no inciso
I, do parágrafo 4º, do artigo 156, da Constituição Federal. A Emenda Constitucional n.o
03/93 revogou a redação desse parágrafo e a transformou no atual parágrafo 3º, que
também foi alterado pela Emenda Constitucional n.o 37/02, para acrescentar a prefixação
de alíquota mínima, que trataremos mais abaixo.
No que atina à prefixação da alíquota máxima, muito embora a Emenda
Constitucional n.o 01/69,452 já há muito tempo tenha enunciado que “lei complementar
poderá fixar as alíquotas máximas” do ISS, isso veio a ocorrer tão somente em 1999, pelo
artigo 4º, da Lei Complementar n.o 100, de 22 de dezembro de 1999, que estabeleceu, em
caráter aparentemente específico, a alíquota máxima de 5% para os contratos de concessão
de serviços relativos às rodovias.453
Essa limitação foi mantida pelo artigo 8º, inciso II, da Lei Complementar n.o
116/03, e deve ser tida como uma norma que regula a conformação da competência
tributária dos Municípios e do Distrito Federal para a instituição do ISS.
Nesse sentido, assevera José Souto Maior Borges que a lei complementar, ao
estabelecer a limitação da alíquota nos termos da Constituição Federal, está apenas
“regulando uma limitação constitucional ao poder de tributar”.454
Diante disso, não há que se argumentar acerca de violação ao princípio da
autonomia dos Municípios e do Distrito Federal, pois a necessidade de observarem uma
norma, que prefixa um parâmetro máximo para as alíquotas do ISS, introduzida por meio
de lei complementar, é elemento de definição da própria autonomia e da competência
tributária.
452 É o que dispunha o artigo 24, §4º, da Emenda Constitucional 01/69, que alterou a CF de 67. 453 José Eduardo Soares de Melo registra a origem da fixação de alíquotas máximas no Ato Complementar 34, de 30.01.67, na vigência da CF de 1946 sem, entretanto, haver fundamento constitucional. Aspectos teóricos e práticos do ISS, 2ª Ed. Dialética, São Paulo, 2001, p. 108. 454 Lei Complementar tributária. 1975, p. 209
221
Isso se torna mais visível quando reconhecemos que essa regra limitativa,
juntamente com outras regras constitucionais, dá contornos à autonomia dos entes políticos
tributantes, contribuindo para a própria definição do arquétipo competencial do ISS.
Obviamente que a prefixação de uma alíquota máxima em lei complementar exige
rigoroso empenho por parte do legislador complementar, pois não poderá preestabelecer
um parâmetro ínfimo sob pena de diminuir ou, até, anular a autonomia do ente político.
Infelizmente, por se tratar de análise que extrapola a seara jurídica do direito
Tributário, não podemos alegar que a prefixação da alíquota máxima do ISS em 5%, pela
Lei Complementar 116/03, limita a autonomia dos Municípios e do Distrito Federal. Tal
investigação, s.m.j., deve ser feita na órbita da Ciência das Finanças Públicas. Preferimos,
por enquanto, admitir que o limite máximo da alíquota, prefixado por lei complementar,
decorre de norma de competência tributária constitucional.
Relativamente à prefixação de alíquotas mínimas do ISS, entendemos que a
Emenda Constitucional n.º 37, de 12 de junho de 2002, alterou equivocadamente a norma
de competência dos Municípios e do Distrito Federal.
Além de ter estabelecido que caberia à lei complementar prefixar uma alíquota
mínima do ISS (inexistente até o momento), a Emenda Constitucional 37/02 também
acrescentou o artigo 88 ao Ato da Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT,
estabelecendo que, enquanto não sobrevier referida lei no sistema do direito positivo, o ISS
terá alíquota mínima de 2%, excetuando-se, tão somente os serviços relacionados ao setor
de construção civil. A redação é a seguinte:
“Art. 88. Enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do § 3º do art. 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso III do caput do mesmo artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)
I - terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)
II - não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)” (grifamos)
222
Em que pese a motivação de acabar com a denominada “guerra fiscal” entre os
Municípios e o Distrito Federal, originada, em regra, pela redução de alíquotas do ISS,
para atrair empresas e investimentos para os seus territórios, a medida foi totalmente
equivocada sob o ponto de vista jurídico-tributário.
Infelizmente, a alteração da Constituição Federal pelo Constituinte derivado
mostra-se violadora de diversas normas constitucionais. A primeira violação está
relacionada à limitação imposta aos Municípios e ao Distrito Federal para instituírem as
suas próprias regras-matrizes do ISS, pois, segundo o que dispõe o inciso II, do artigo 88,
acima transcrito, impede que os entes políticos legislem sobre isenções, incentivos e
benefícios fiscais que alterem a alíquota mínima do imposto.
Pelo fato de impedir a concessão de isenção, que pode se dar, por exemplo, por
meio de fixação de alíquota zero, a prefixação da alíquota mínima em 2% representa total
anulação da autonomia dos Municípios e do Distrito Federal.
Uma segunda violação ao sistema constitucional tributário corresponde à
conseqüência da estreita limitação das alíquotas do ISS entre 2% e 5%, pois essa ínfima
variação inviabiliza que os entes políticos tributantes instituam um efetivo sistema
progressivo de alíquotas, podendo fazê-lo tão somente do ponto vista formal entre os
extremos fixados (2% e 5%). Não há como atingir a capacidade contributiva e distribuir
justiça tributária com uma competência tributária tão limitada.
Uma última violação cometida pelo legislador Constituinte Derivado diz respeito
à quebra da isonomia tributária, pois não há qualquer critério constitucionalmente
sustentável para discriminar as empresas relacionadas ao setor de construção civil dos
demais prestadores de serviço e permitir que a elas se possam fixar alíquotas inferiores a
2%, como se pretendeu na parte final do inciso I, do artigo 88, retrotranscrito.
Em remate, em que pesem todas as inconstitucionalidades acima comentadas, elas
servem de apoio ao nosso desiderato, pois podemos afirmar que as normas relativas às
alíquotas do ISS, sejam as introduzidas pelo legislador Constituinte Originário (alíquota
máxima - artigo 156 da CF), sejam pelo legislador Constituinte Derivado (alíquota mínima
223
- Emenda Constitucional n.o 37/02), são normas que conformam a competência tributária e
influem na ação do legislador ordinário dos Municípios e do Distrito Federal.
33. O termo “alíquota” em outros dispositivos constitucionais
33.1 Imposto sobre Venda a Varejo de Combustíveis – IVVC (art. 34, §
7º, do ADCT)
Embora já extinto, vale registrar que o IVVC era um imposto de competência da
União, que passou à competência dos Municípios e do Distrito Federal com o advento da
Constituição Federal de 1988.
O artigo 34, parágrafo 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –
ADCT - também conformava a competência para a instituição do extinto Imposto sobre
Vendas a Varejo de Combustíveis – IVVC - mediante norma específica da alíquota
tributária, estabelecendo a máxima de 3% (três por cento) até que fossem fixadas em Lei
Complementar.
33.2 Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF –
artigos 74 e 75 do ADCT
A Emenda Constitucional n. 12/96, introduziu o artigo 74 ao Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias – ADCT para conceder à União competência tributária para
instituir a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de
Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, cuja arrecadação fora destinada
integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de
saúde.455
Muito embora a CPMF tenha sido extinta em 31 de dezembro de 2007, após
várias prorrogações,456 entendemos relevante comentarmos alguns de seus aspectos, tendo
455 Os artigos que dispõem sobre a CPMF são: arts. 74, § 1º; 75, § 1º e § 2º; 84, §2º e §3º; e 90, todos dos ADCT. 456 Veja artigo 75 do ADCT, incluído pela EC n. 21/99 e Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, modificada pela Lei nº 9.539, de 12 de dezembro de 1997, cuja vigência também foi prorrogada por idêntico prazo pela mesma Emenda Constitucional nº 21, de 1999, e foi objeto de grande celeuma no cenário jurídico e judiciário do País.
224
em vista que nos permitirá demonstrar, mais uma vez, que a alíquota na constituição é
norma de competência e, não, um critério quantitativo.
Assim, importa destacar que a competência tributária da União para instituir a
CPMF, além de ter sido bem delineada no seu aspecto material e finalidade arrecadatória,
também foi conformada pela prefixação das alíquotas, tendo iniciado com uma prefixação
de 0,25% e sido alterada para 0,38%, sendo que 0,08% foram destinados ao Fundo de
Combate e Erradicação da Pobreza, instituído pelo artigo 80, inciso I, do ADCT,
acrescentado pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000.
A respeito das alterações constitucionais, vale destacar que a Emenda
Constitucional nº 42/03 incluiu o artigo 90 ao Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias - ADCT - com o intuito de prorrogar o prazo de vigência da Contribuição
Provisória sobre a Movimentação Financeira ("CPMF") até 31 de dezembro de 2007.
Lembre-se que a prorrogação da CPMF foi alvo de inúmeras discussões no
cenário brasileiro e, especialmente, na seara jurídica do direito tributário nacional.
Anteriormente, esse tributo já havia sido prorrogado pela Emenda Constitucional nº 37, de
12 de junho de 2002, ocasião em que o legislador constituinte derivado autorizou a sua
cobrança até 31 de dezembro de 2004.
Na ocasião, a EC 37/02 estabeleceu que a União tivesse competência para cobrar
a CPMF, nos exercícios de 2002 e de 2003, mediante uma alíquota de 0,38% e, no
exercício de 2004, essa competência seria limitada a alíquota de 0,08%.
Como o advento da EC 42/03, o legislador constituinte derivado alterou a
competência da União para, novamente, permitir que ela cobrasse a CPMF com base na
norma da alíquota de 0,38% - inclusive no exercício de 2004.
Diante desse emaranhado de alterações na Constituição Federal acerca da CPMF,
verifica-se que as normas prescritas pela EC 42/03 não se limitam à prorrogação da CPMF,
a exemplo do que ocorreu quando da edição da EC 37/02. E é nesse cenário que nossa
argumentação ganha força, pois a verdade é que, ao modificar a alíquota da contribuição
para o exercício de 2004 – alíquota essa que já havia sido fixada em 0,08% pelas regras
introduzidas por meio da EC 37/02 – o constituinte derivado acabou por modificar o
225
arquétipo da competência tributária da União para instituir a regra-matriz de incidência da
CPMF, razão pela qual haveria a necessidade de instituição de nova alíquota e, portanto, a
exigência da contribuição ficaria sujeita à legalidade estrita e à anterioridade nonagesimal.
Nesse sentido, embora o pleno do STF, ao julgar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 2.666/DF, tenha firmado o entendimento de que a prorrogação da
CPMF instituída pela EC 37/02 não estaria sujeita à anterioridade nonagesimal, sob a
argumentação de que ocorreu a mera prorrogação de um tributo que já existia, importa
observar que há uma grande diferença com a promulgação da EC 42/03, pois, a rigor, não
se está diante de simples prorrogação da CPMF, mas, sim, de efetiva mudança na
competência tributária que era conformada pela alíquota aplicável durante o exercício de
2004, o que exige sejam observados os princípios da estrita legalidade (edição de lei em
sentido estrito, pela impossibilidade jurídica de emenda constitucional prorrogar a eficácia
de lei, com vigência determinada e eficácia sobre “fatos geradores” determinados) e da
anterioridade de 90 dias, expresso no artigo 195, parágrafo 6º, da Carta Constitucional.
A existência infraconstitucional a que se referira o STF era fundamentada na Lei
n. 9.311/96, DOU de 25.10.1996, cujo artigo 20 dispunha sobre o prazo determinado de
sua vigência e acerca da sua eficácia sobre fatos geradores específicos: Confira-se:
“Art. 20 A contribuição incidirá sobre os fatos geradores verificados no período de tempo correspondente a treze meses, contados após decorridos noventa dias da data da publicação desta lei, quando passará a ser exigida.” (grifamos)
Importa lembrar também que, na seqüência, veio a Lei n. 9.539/97, DOU de
15.12.1996, antes mesmo do término da vigência da lei 9.311/96 a qual, a pretexto de
prorrogá-la, acabou por instituir nova incidência da CPMF sobre novos “fatos geradores”,
também específicos e delimitados no tempo, caracterizando uma revogação tácita, por
regular integralmente a matéria da lei anterior, mas deixando bem clara a marca temporal
de sua incidência: sobre os fatos geradores ocorridos tão somente nos 24 meses, contados a
partir do dia 23 de janeiro de 1997. Confira-se a redação:
“Art. 1º Observadas as disposições da Lei n. 9.311/96, a contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira incidirá sobre os fatos geradores ocorridos no prazo de 24 meses, contado a partir de 23 de janeiro de 1997.” (grifamos)
226
Em que pese a decisão do Pleno do STF em admitir, a nosso ver
equivocadamente, a prorrogação da vigência e da eficácia de leis tributárias incidentes
sobre “fatos geradores” passados para atingir outras hipóteses de incidência, as mudanças
na CPMF nos ajudam a demonstrar que, no plano constitucional, as alíquotas são
verdadeiras normas de competência tributária, as quais, se alteradas, implicam novos
processos legislativos para a exigência de tributos, notadamente quando as leis
introduzidas no sistema do direito positivo pelo legislador infraconstitucional forem
incompatíveis com a nova competência ou tiverem prazo e objetos determinados pela
competência anterior.
33.3 Contribuição para a Seguridade Social - art. 56 do ADCT
No que atina à contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários,
muito embora já tenhamos comentado anteriormente, quando nos referimos às
contribuições sociais, importa registrar que, por ocasião da promulgação da Constituição
Federal de 1988, o legislador constituinte originário estabeleceu uma norma conformadora
da competência relativamente à destinação da arrecadação desse tributo à Seguridade
Social.
Como havia sido previsto, antes da alteração promovida pela Emenda
Constitucional n.o 20/98, o legislador constituinte estabeleceu, na redação original do
artigo 195, I, da CF, que a Seguridade Social seria financiada, dentre outras fontes, por
contribuições dos empregadores incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o
lucro, nos termos da lei. Em decorrência disso, o artigo 56 do ADCT regulava,
provisoriamente, a competência tributária da União para a instituição e arrecadação desse
tributo. Vale conferir a redação do disposto no artigo 56 do ADCT.
“Art. 56. Até que a lei disponha sobre o art. 195, I, a arrecadação decorrente de, no mínimo, cinco dos seis décimos percentuais correspondentes à alíquota da contribuição de que trata o Decreto-Lei nº 1.940, de 25 de maio de 1982, alterada pelo Decreto-Lei nº 2.049, de 1º de agosto de 1983, pelo Decreto nº 91.236, de 8 de maio de 1985, e pela Lei nº 7.611, de 8 de julho de 1987, passa a integrar a receita da seguridade social, ressalvados, exclusivamente no exercício de 1988, os compromissos assumidos com programas e projetos em andamento.” (grifamos)
227
Com o advento da Lei Complementar n.o 70/91, que instituiu a contribuição social
para financiamento da Seguridade Social, nos termos do artigo 195, I, da CF, a eficácia do
artigo 56 do ADCT expirou.
No entanto, importa-nos destacar tão somente que o dispositivo transitório,
embora tivesse enunciado o termo “alíquota”, usou-o para veicular uma norma que
conformasse a competência da União relativamente ao destino do produto da arrecadação
da contribuição, não estabelecendo arquétipo competencial específico acerca da alíquota
tributária.
É de se notar, independentemente do advento da Lei Complementar n.o 70/91, a
norma de conformação da competência tributária relativamente à alíquota da contribuição
social para financiamento da Seguridade Social sempre foi construída a partir dos
princípios gerais da legalidade, da anterioridade, da capacidade contributiva, do não-
confisco, etc.
33.4 Fundo Social de Emergência - artigo 72 do ADCT
Na esteira do “Fundo de Estabilização Fiscal”, instituído pelo artigo 71 do ADCT,
veio o “Fundo Social de Emergência”, enunciado pelo artigo 72 também do ADCT,
veiculando norma para o aumento da alíquota da contribuição social das instituições
financeiras, por meio de emenda constitucional de revisão n.o 01/94.
Contra esse aumento pesaram alegações doutrinárias no sentido de essa alteração
ter violado o princípio da isonomia e da capacidade contributiva, em razão da instituição
de alíquotas diferençadas para o setor bancário.
Contudo, a quarta turma do TRF da 3º Região julgou como válida a instituição da
alíquota diferenciada da CSLL para as instituições financeiras, tendo-se sustentado no RE
343.446 do STF, cujo relator foi o ministro Carlos Veloso (j. 20.03.2003 e DJ 04.04.2003),
que julgou válida a alíquota diferenciada da contribuição social para o Seguro Acidente de
Trabalho, conhecido como SAT, por entender não ter havido qualquer violação aos citados
princípios (isonomia e capacidade contributiva). O Texto Constitucional está assim
enunciado:
228
Art. 72. Integram o Fundo Social de Emergência: (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994)
III - a parcela do produto da arrecadação resultante da elevação da alíquota da contribuição social sobre o lucro dos contribuintes a que se refere o § 1º do Art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, a qual, nos exercícios financeiros de 1994 e 1995, bem assim no período de 1º de janeiro de 1996 a 30 de junho de 1997, passa a ser de trinta por cento, sujeita a alteração por lei ordinária, mantidas as demais normas da Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 10, de 1996)
§ 1.º As alíquotas e a base de cálculo previstas nos incisos III e V aplicar-se-ão a partir do primeiro dia do mês seguinte aos noventa dias posteriores à promulgação desta Emenda. (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994)
Seja como for, o que nos interessa destacar é que, mais uma vez, temos a
oportunidade de experimentar a veiculação de norma constitucional relativa à alíquota para
fins de conformação da competência tributária.
Para nós, a alteração promovida pela Emenda Constitucional de Revisão n.o 01/94
evidenciou a veiculação de norma que ampliou a competência tributária do ente político
tributante, possibilitando que a União, no caso, a exercesse mediante a simples majoração
da alíquota para um determinado segmento da economia.
Com efeito, o confronto das alegações doutrinárias de violação aos princípios da
isonomia e da capacidade contributiva com a posição contrária da jurisprudência nacional
nos permite afirmar, mais uma vez, que a norma que possibilita a majoração da alíquota da
CSLL das instituições financeiras é, efetivamente, uma norma que conforma a
competência tributária da União e, não, um simples critério quantitativo.
À evidência, vale destacar que, à época, a União não foi questionada acerca de sua
competência para majorar a alíquota da CSLL. Foi, sim, de outro modo, questionada sobre
o exercício da competência para majorar a alíquota tão somente para um determinado
segmento da economia (instituições financeiras), ferindo os princípios da isonomia e da
capacidade contributiva.
Com esses comentários, queremos afirmar que uma coisa é (i) ser competente para
majorar a alíquota em 30% e outra coisa é (ii) possuir competência para majorar a alíquota
em 30% tão somente para as instituições financeiras. Na primeira hipótese, (i) há uma
norma que conforma a competência tributária para permitir a tributação, mediante a
fixação da alíquota em 30%, para qualquer pessoa, e, na segunda, (ii) uma outra norma que
229
estabelece a competência para tributar, mediante a fixação da alíquota em 30%, tão
somente as instituições financeiras.
Veja-se que, na segunda hipótese, ainda que a União pretendesse tributar
igualmente outros segmentos da economia, majorando a alíquota em 30% com base na
Emenda Constitucional n.o 01/94, não poderia fazê-lo, pois a sua competência estava
limitada a obter recursos tão somente por meio de majoração das alíquotas prefixadas para
as instituições financeiras.
Desse modo, podemos vislumbrar que no núcleo da discussão travada à época
sobre a majoração da alíquota da CSLL não se tratou do aspecto quantitativo da alíquota
(25% ou 30% p.e.), mas, sim, da norma de competência relativa à alíquota prefixada para
um único segmento econômico (instituições financeiras).
Em remate, podemos dizer que o episódio da majoração da CSLL pela Emenda
Constitucional de Revisão n.o 01/94 reafirma a impossibilidade de se discutir critérios
quantitativos no plano constitucional, havendo espaço tão somente para críticas sobre a
norma de competência veiculada pela prefixação de alíquotas tributárias.
33.5 Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza
O Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza foi instituído pela Emenda
Constitucional n.o 31, de 14 de dezembro de 2000, que inseriu os artigos 79 a 83 ao ADCT,
visando a viabilizar níveis dignos de subsistência a todos os brasileiros, em decorrência do
objetivo de erradicar a pobreza, insculpido no o inciso III, do artigo 3º, da Constituição
Federal, e como corolário do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana,
previsto no inciso III, do artigo 1º, também da Carta Magna.
Para isso, segundo assevera José Afonso da Silva, “foi necessário fazê-lo por meio
de norma constitucional, porque se teve que vincular recursos de tributos ao Fundo,
abrindo, assim, exceção à proibição constante do art. 167, IV, da CF, e também porque se
teve que instituir formas de tributação que não constam da parte permanente da
Constituição, como é o caso do adicional sobre a contribuição social de que trata o art. 75
do ADCT (art. 79, I) e do adicional do IPI incidente sobre produtos supérfluos, tal como
definidos em lei federal (art. 84). A disposição constitucional ainda era necessária para
230
impor aos Estados, Distrito Federal e Municípios a obrigação de criar Fundos de Combate
à Pobreza, assim como instituir adicionais estaduais sobre o ICMS e municipais sobre o
ISS e vincular recursos da União ao Fundo, em decorrência das privatizações de empresas
de economia mista e empresas públicas federais.”457
Vejamos os enunciados pertinentes ao nosso tema, começando pela instituição de
alíquota adicional à CPMF, a qual, embora extinta, foi norma introduzida no sistema do
direito positivo que nos revelou a ampliação da competência tributária (i) para majorar a
alíquota em 0,08% e (ii) para destinar o produto da arrecadação dessa majoração ao Fundo
de Erradicação da Pobreza. Confira a redação constitucional:
33.5.1 Fundo Federal - Adicional sobre a CPMF
Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)
I - a parcela do produto da arrecadação correspondente a um adicional de oito centésimos por cento, aplicável de 18 de junho de 2000 a 17 de junho de 2002, na alíquota da contribuição social de que trata o art. 75 (CPMF) do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000) (negritamos e destacamos entre parênteses)
Art. 84. A contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, prevista nos arts. 74, 75 e 80, I, deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, será cobrada até 31 de dezembro de 2004. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)
§ 1º Fica prorrogada até a data referida no caput deste artigo, a vigência da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, e suas alterações.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)
§ 2º Do produto da arrecadação da contribuição social de que trata este artigo será destinada a parcela correspondente à alíquota de: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)
I - vinte centésimos por cento ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)
457 Comentário contextual à Constituição, Malheiros Editores, 5ª Ed., São Paulo, 2008, p. 942. O artigo 167, IV, da CF, estabelece o seguinte: Art. 167. São vedados: IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”. Já o artigo 75 do ADCT trata da CPMF.
231
II - dez centésimos por cento ao custeio da previdência social; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)
III - oito centésimos por cento ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, de que tratam os arts. 80 e 81 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002) (grifamos)
§ 3º A alíquota da contribuição de que trata este artigo será de: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)
I - trinta e oito centésimos por cento, nos exercícios financeiros de 2002 e 2003; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)
II - oito centésimos por cento, no exercício financeiro de 2004, quando será integralmente destinada ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, de que tratam os arts. 80 e 81 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002) (Revogado pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) (grifamos)
Embora longa, a transcrição acima nos ajuda a identificar que os enunciados
constitucionais alteraram a competência da União, conformando-a, transitoriamente, para
possibilitar ao legislador infraconstitucional a cobrança da CPMF por mais um período
determinado e com alíquota superior à até então vigente.
Em que pese a já comentada prorrogação equivocada da CPMF, o que nos importa
mostrar é que se alterou a norma de competência da União para cobrar a dita contribuição,
não só para continuar cobrando-a como também para aumentá-la, por meio da alíquota, e
destinar o produto da arrecadação decorrente desse acréscimo ao Fundo de Combate e
Erradicação da Pobreza. Note-se também que, além dessa destinação, havia ainda a
obrigação de destinar vinte centésimos por cento ao Fundo Nacional de Saúde, para
financiamento das ações e serviços de saúde, e dez centésimos por cento ao custeio da
previdência social (Emenda Constitucional nº 37, de 2002).
À evidência, caso o legislador ordinário não estipulasse que o acréscimo de 0,08%
sobre a alíquota da CPMF não fossem destinadom ao referido Fundo, assim como também
não fossem observadas as demais destinações, haveria total desvio de finalidade da
arrecadação em decorrência do exercício irregular da competência tributária estatuída nos
artigos 79 a 84 do ADCT.
Vale notar que tal competência se revela estritamente impositiva, seja no que diz
respeito à obrigação de instituir o adicional, seja porque não há margem de escolha da
alíquota, pois, deverá ser exatamente de 0,08%, nem mais nem menos. Isso nos ajuda a
232
revelar que a alíquota na Constituição Federal não é um critério quantitativo, mas, sim,
uma norma de competência tributária que aparece, no caso presente, com o modal deôntico
“obrigado”, estipulando que a União é detentora de um dever jurídico consistente na
introdução de normas no sistema do direito positivo, para a constituição do Fundo de
Combate e Erradicação da Pobreza por meio da alíquota adicional da CPMF.
Em remate, podemos dizer que a Constituição Federal de 1988 é rica em
exemplos de normas de estrutura (competência) em que o Poder Legislativo está obrigado
a produzir normas.
33.5.2 Fundo Federal - Adicional sobre o IPI
Semelhantemente ao adicional da CPMF, foi instituído o adicional sobre as
alíquotas do IPI, incidentes sobre produtos supérfluos. O artigo 80, II, do ADCT ampliou a
competência da União para permitir que esta adicione 5% às alíquotas de produtos
supérfluos até a extinção do Fundo. Vamos ao Texto Constitucional.
Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)
II - a parcela do produto da arrecadação correspondente a um adicional de cinco pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, ou do imposto que vier a substituí-lo, incidente sobre produtos supérfluos e aplicável até a extinção do Fundo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)
Nesse caso, trata-se de uma competência que, embora também seja impositiva,
forçando, então, a União a instituir o referido adicional, permite, por outro lado, ao
legislador discriminar os produtos supérfluos sobre os quais recairá o ônus adicional.
Com efeito, o enunciado acima transcrito veicula mais uma norma delineadora do
arquétipo constitucional da competência tributária da União, influenciadora da ação do
legislador infraconstitucional, o qual deverá alterar as regras-matrizes do IPI para, segundo
a competência imposta no artigo 80, II, do ADCT, adicionar cinco pontos percentuais no
“indicador de proporção” dos produtos supérfluos.
Em outras palavras, a norma de competência relativa à alíquota adicional do IPI
determina que a União altere o critério quantitativo das regras-matrizes relativas aos
produtos supérfluos, para lhes adicionar o encargo de mais cinco pontos percentuais.
233
33.5.3 Fundos Estaduais e Distrital – Adicional sobre o ICMS
O legislador Constituinte derivado reformou a Constituição Federal e alterou,
além da competência da União acima comentada, também a competência dos Estados e do
Distrito Federal, no que pertine à instituição do ICMS. Vejamos o dispositivo
constitucional.
Art. 82. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate á Pobreza, com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a participação da sociedade civil. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)
§ 1º Para o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de
até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, sobre os produtos e serviços supérfluos e nas condições definidas na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, da Constituição, não se aplicando, sobre este percentual, o disposto no art. 158, IV, da Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) (grifamos)
Tendo em vista a autonomia dos Estados e do Distrito Federal e o princípio
federativo, há dúvidas acerca da legitimidade dessa alteração, uma vez que se estão
obrigando esses entes políticos a adotar medidas adversas aos seus compromissos já
assumidos com o combate e erradicação da pobreza, nos termos do princípio fundamental
da dignidade da pessoa humana, insculpido no inciso III, do artigo 1º, da Constituição
Federal, pelo Constituinte Originário.
Para nós, as alterações constitucionais promovidas pelo legislador derivado não
ferem o princípio federativo e a autonomia dos respectivos entes políticos por se tratar de
mera ampliação de competência, ainda que decorrente de norma cogente que estabelece
seja ela, efetivamente, exercida.
De qualquer forma, independentemente de vir a ser considerada a
inconstitucionalidade da Emenda n.o 31/00, vale analisar que o enunciado do artigo 82 ao
ADCT veicula uma norma de competência tributária, objetivando obrigar os Estados e o
Distrito Federal a instituírem Fundos de Combate à Pobreza, mediante a instituição de
alíquotas adicionais do ICMS sobre produtos supérfluos.
Com efeito, embora obrigados à instituição do adicional, aos Estados e ao Distrito
Federal foi facultada a fixação da alíquota adicional até o limite máximo de dois pontos
234
percentuais. Obviamente que a referida discricionariedade está adstrita, além do limite
máximo, a um mínimo razoável que garanta a eficiência do Fundo de Combate à Pobreza,
sob pena de inviabilizar a sua constituição e ferir a norma cogente da competência
tributária. Assim, não se poderá instituir um adicional, p.ex., de 0,01%, por completa
ausência de expressão econômica para a constituição do Fundo e verdadeira dissimulação
do exercício da competência tributária e conseqüente violação à respectiva norma cogente.
33.5.4 Fundos Municipais e Distrital - Adicional sobre o ISS
Do mesmo modo que os Estados e o Distrito Federal, em relação ao adicional do
ICMS, podemos afirmar que os Municípios e o Distrito Federal também se sujeitam às
mesmas normas, pois o mesmo artigo 82 do ADCT prevê a obrigação de instituir Fundos
de Combate à Pobreza pelos Municípios e pelo Distrito Federal, relativamente à
competência tributária relacionada com o ISS, podendo criar uma alíquota adicional de até
meio ponto percentual. Confira-se:
“§ 2º Para o financiamento dos Fundos Municipais, poderá ser criado adicional de até meio ponto percentual na alíquota do Imposto sobre serviços ou do imposto que vier a substituí-lo, sobre serviços supérfluos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)” (grifamos)
Assim, podemos dizer que a única diferença entre a norma destinada ao legislador
ordinário da União, relativamente à CPMF, dos Estados e do Distrito Federal,
relativamente ao ICMS, e a norma destinada ao legislador dos Municípios e do Distrito
Federal, relativamente ao ISS, é tão somente a mensuração do adicional que a cada um
compete instituir. Em outras palavras, isso quer-nos dizer que o arquétipo competencial
desses adicionais difere tão somente em relação à mensuração da abrangência normativa
constitucional que prefixa as alíquotas adicionais - no primeiro, a competência pode ser
exercida até cinco pontos percentuais; no segundo, até dois e, no terceiro, até meio ponto.
Em remate, podemos afirmar que os enunciados retro transcritos em nada se
parecem com o critério quantitativo instituído pela legislação infraconstitucional, pois
dizem respeito à estrutura do Sistema Constitucional Tributário, delimitando, tão somente,
as ações do legislador tributário dos entes políticos federados.
Por fim, vale registrar que o parágrafo 8º, do artigo 195, da Constituição Federal,
estabelece que “o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador
235
artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de
economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social
mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e
farão jus aos benefícios nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
20, de 1998).
Esse dispositivo, muito embora contenha em seu enunciado o termo “alíquota”,
não veicula uma norma de competência especificamente em relação à alíquota tributária.
Para nós, trata-se de uma norma de competência que predetermina a base de cálculo da
contribuição social a ser exigida dos trabalhadores rurais e pescadores e, por isso, maiores
comentários exorbitam a seara desta dissertação.
34. Destinatário das normas constitucionais relativas às alíquotas
No dizer de Geraldo Ataliba, “as normas jurídicas genericamente são voltadas para
toda a comunidade social. De seu cunho obrigatório resulta a respeitabilidade de seus
efeitos por parte de todos, inclusive dos próprios órgãos do poder.”458
Assim sendo, toda norma visa regular condutas e, nesse mister, as normas
constitucionais destinam-se a regular, basicamente, a conduta de dois grandes grupos de
destinatários. Num ângulo podemos inferir, então, que temos normas voltadas a (i) regular
as condutas comuns do povo, direcionadas tão somente às relações interpessoais, que a
doutrina denomina de “normas de comportamento” ou “regras de conduta”, e, num outro,
(ii) normas direcionadas a regular as condutas dos representantes do povo, que produzem
novas regras jurídicas; são condutas produtoras de novas estruturas normativas e, por isso,
também denominadas, pela doutrina, de “normas de estrutura ou competência” ou de
“produção normativa”.459
Nesse passo, então, logo vemos, na esteira do ilustre autor, que “é destinatário da
norma o sujeito cujo comportamento é visado precipuamente por ela.”460
458 República e Constituição. 2001, p. 152 459 Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário. 2005, págs.139/141 460 República e Constituição. 2001, p. 153
236
É de bom alvitre destacar, logo de início, que não ignoramos o alerta que Paulo
Bonavides faz, ao registrar as críticas de estudiosos, notadamente de Santi Romano, sobre
a impossibilidade de distinção entre as normas programáticas e as preceptivas, pelo
critério do destinatário da norma, pois, ao final, as normas são voltadas para toda a
coletividade.461
Obviamente que as normas constitucionais, numa visão global, una e indivisível,
destinam-se a toda a coletividade, aplicam-se a toda comunidade, às pessoas e às
instituições, públicas ou privadas, de qualquer natureza. Entretanto, isso não impede de
fazermos incursões analíticas para registrarmos que há, em nosso sistema jurídico
constitucional, subsistemas de enunciados e de normas que atuam, precipuamente, sobre
destinatários específicos, sem, com isso, ofender a harmonia de todo o sistema.
Nesse sentido, Geraldo Ataliba exemplifica que “os destinatários da lei processual
são os órgão do Poder Judiciário e as partes, perante ele atuando, como partes. Os
destinatários do direito administrativo são administração e administrados, nas suas relações
recíprocas. Destinatários da lei tributária são fisco e contribuinte (e terceiros envolvidos),
nas relações jurídicas estabelecidas a propósito do exercício da tributação. Destinatários do
direito constitucional são o Estado e seus súditos (cidadãos e terceiros investidos e os
servidores, pela própria Constituição, em direitos), os agentes políticos e os servidores
públicos como tais. Os destinatários das normas se fazem devedores dos comportamentos
nelas prescritos, sob pena de aplicação das respectivas sanções.”462
Nessa linha, podemos afirmar que o sistema do direito positivo possui uma gama de
normas constitucionais e infraconstitucionais relativas às alíquotas tributárias que, embora
possam ser consideradas, finalisticamente, como normas de conduta, uma vez que, em
termos pragmáticos, sempre influenciarão as relações interpessoais, são normas
especificamente direcionadas ao legislador ordinário e, portanto, são precipuamente
461 Curso de Direito Constitucional. 2008, p. 239/241. A doutrina italiana, em relação à classificação das normas, trata como programáticas as normas dirigidas ao legislador e preceptivas ou não-programáticas aquelas dirigidas aos cidadãos e ao juiz. 462 República e Constituição. 2001, p. 154
237
normas de estrutura, pois, visam a estabelecer um arquétipo (das alíquotas) para o
exercício da competência tributária.
Assim, antes mesmo da constituição de relações jurídico-tributárias no plano
concreto das normas, a Constituição Federal direcionou aos entes políticos um emaranhado
de enunciados e normas, a fim de dar eficácia ao sistema constitucional tributário,
estabelecendo a faculdade de criar tributos (competência tributária) nos moldes por ela
delimitados.
Com efeito, essa delimitação advém do arquétipo constitucional da competência
tributária e é destinada aos órgãos legislativos dos entes políticos, impondo-lhes a
observância de um universo, mínimo ou máximo, na fixação de alíquotas, quando da
edição de leis instituidoras de tributos.
Como exemplos confirmatórios dessa afirmativa, podemos relembrar os enunciados
constitucionais que estabelecem (a) que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
instituirão contribuição previdenciária dos seus servidores públicos, mediante uma alíquota
não inferior à da contribuição dos servidores públicos da União (art. 149, §1º, da CF); (b) a
proibição aos Estados e ao Distrito Federal de instituírem alíquotas internas do ICMS
superiores às alíquotas interestaduais, nas operações relativas à circulação de mercadorias e
nas prestações de serviços (art. 155, §2º, VI, da CF); (c) que o Senado Federal estabelecerá
as alíquotas do ICMS aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação,
por meio de resolução, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos
Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros (art. 155, §2º, IV, da CF), etc.
Note-se que, nos exemplos acima, todas as normas constitucionais direcionam-se
para o legislador, estabelecendo uma diretriz para o exercício da sua competência
tributária. Daí a assertiva de que as normas de estrutura das alíquotas se destinam,
precipuamente, aos legisladores, representantes do povo que têm o mister de editar
enunciados introdutores de outras normas.
Com isso, o legislador infraconstitucional, por ocasião do exercício da sua
competência tributária, introduzirá no sistema jurídico positivo normas de conduta
destinadas precipuamente às relações interpessoais.
238
Com efeito, podemos arrematar que o destinatário das normas de conduta não
estará adstrito aos seus efeitos quando o legislador infraconstitucional introduzi-las no
sistema jurídico positivo sem a observância das normas constitucionais de estrutura,
extrapolando, portanto, sua competência tributária.
35. Limitação do poder de tributar e alíquota
Os princípios e regras constitucionais tributários fixam balizamentos jurídicos e
resguardam valores consagrados pela Constituição Federal como relevantes, assegurando,
em especial, os direitos e garantias individuais.
Por essa forma, o conjunto de princípios e regras, em especial os anteriormente
comentados, norteiam a competência tributária e, por isso, correspondem, em parte, às
denominadas limitações do poder de tributar.
Roque Antonio Carrazza afirma, categoricamente, que é induvidoso que o
legislador, ao exercitar a competência tributária, encontra limites jurídicos. Segundo
Carrazza, “um primeiro limite ele encontra na observância das normas constitucionais. O
respeito devido a tais normas é absoluto e sua violação importa irremissível
inconstitucionalidade da lei tributária.”463
O respeito a que se refere o ilustre autor tem a ver com a compatibilidade das
normas legais com os limites impostos pelas normas constitucionais, fato que revelará,
pois, o âmbito de sua validade jurídica.
O Professor Carrazza ainda assevera que o legislador encontra outro limite nos
grandes princípios constitucionais, que também não podem ser violados. “É o caso dos
princípios republicano, federativo, autonomia municipal e distrital, da segurança jurídica,
da igualdade, da reserva de competência, da anterioridade, etc., que operam como balizas
intransponíveis à tributação. Guiam a ação estatal de tributar, que só será válida se
observar todos eles.”464
463 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 475 464 Idem, p. 475
239
No mesmo sentido, adverte Luciano da Silva Amaro que os limites do poder de
tributar definidos na Constituição Federal não se esgotam nos enunciados nela contidos. E,
nesse sentido, ele lembra que várias imunidades não se encontram no capítulo dedicado ao
“Sistema Tributário Nacional” e, bem assim, também, outros tantos requisitos formais ou
materiais, limites quantitativos, características específicas de um ou outro tributo qualquer
permeiam não só este capítulo como também são encontráveis em várias outras normas
esparsas de outros capítulos da Constituição e, ademais, há, ainda, campo aberto pela
própria Carta Magna para atuação de outros tipos normativos, como é o caso de lei
complementar,465 resoluções do Senado e Convênios, na seara, v.g., do ICMS/IPVA/ISS466
que, em certas situações, também balizam o poder do legislador tributário na criação ou
modificação de tributos.467
Tendo função estruturante do sistema constitucional tributário e como destinatário
precípuo o legislador ordinário, é patente que o plexo normativo delimitador da
competência tributária não está restrito aos enunciados da Constituição Federal, mas, sim,
ao universo normativo por ela definido.
465 Estabelece o artigo 146 da Constituição Federal: – “Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) I - será opcional para o contribuinte; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) 466 Entenda-se Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte de natureza interestadual ou intermunicipal e de Comunicação. 467 Direito Tributário Brasileiro. 1991, p. 106
240
Como exemplos desse universo podem ser citadas, além daquelas
supracomentadas, algumas outras regras estatuídas para impor tais limites, tais como: (i) o
artigo 155, §1º, IV, da Constituição Federal, que estabelece a obrigação de os Estados e o
Distrito Federal, ao instituírem impostos sobre a transmissão causa mortis e doação -
ITCMD, de quaisquer bens ou direitos, observarem as alíquotas máximas fixadas pelo
Senado Federal; (ii) O artigo 155, § 6º, I, da Constituição Federal, prevê que o Imposto
sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA terá alíquotas mínimas fixadas pelo
Senado Federal; (iii) o inciso IV, do parágrafo 2º, do mesmo artigo, estabelece que os
Estados deverão observar, ao instituírem o ICMS, a alíquota máxima fixada por Resolução
do Senado, iniciada pelo Presidente da República ou de um terço dos Senadores, para as
operações ou prestações interestaduais e de exportação; (iv) o inciso I, do parágrafo 3º, do
artigo 156, da Constituição Federal, estabelece que a competência dos Municípios para
instituírem o ISS deve observância às alíquotas máximas e mínimas estabelecidas em lei
complementar, etc.
Com efeito, o exercício do poder de tributar reclama a sua “conformação com os
princípios constitucionais tributários e a adequação, quando seja o caso, aos limites
normativos competenciais (alíquotas máximas ou mínimas) definidos na Constituição, em
leis complementares ou em resoluções do Senado Federal”.468
Em remate, importante destacar que os limites ao poder de tributar encerram os
aspectos formais e materiais da atividade impositiva do Estado, impondo ao legislador
infraconstitucional a observância do seu universo competencial para a instituição,
majoração e diminuição de tributos, notadamente na fixação de alíquotas.
468 Luciano da Silva Amaro, ob. cit. p. 107
241
Capítulo 8 – Alíquota como garantia de segurança jurídica em matéria
tributária
36. Norma de competência legislativo-tributária como segurança
jurídica
A norma de competência, no seu plano de expressão concreto e geral, diz respeito
à norma cujo antecedente se reveste de um efetivo fato jurídico e o conseqüente de uma
determinada relação jurídica. É concreta quando já há a existência de um fato jurídico
(com o perdão da redundância, já constituído) e, geral, quando, na relação jurídica, está de
um lado um sujeito ativo determinado e de outro um sujeito passivo indeterminado.
Como exemplo aclaratório de norma de competência concreta e geral, podemos
lançar o seguinte:
Antecedente: dada a existência de órgão legislativo estadual (fato jurídico);
Então, deve-ser (modalizador neutro);
Conseqüente: a permissão para que este órgão (sujeito ativo) legisle sobre o ICMS,
introduzindo a regra-matriz de incidência, modificando-a ou extinguindo-a, e o dever de
todos os administrados (sujeito passivo indeterminado) respeitarem a faculdade legislativa;
Como se nota, trata-se de uma norma em que o modal deôntico “permitido” é
nuclear do direito de legislar, acarretando, por via lógica, os modais deônticos “obrigado
permitir” e “proibido não permitir”.469
Diferentemente, a norma de competência, na sua feição abstrata e geral, encena
em seu antecedente, tão somente a descrição de critérios necessários e suficientes470 para a
constituição do fato jurídico e, por corolário, no seu conseqüente, a prescrição de critérios
que vincularão, por meio de uma relação jurídica, de um lado o órgão competente (sujeito
469 Resume-se em norma de faculdade de legislar. 470 Uma condição é suficiente quando, numa estrutura condicional, afirmar a verdade do antecedente permitir afirmar a verdade do conseqüente. Lógica, Proposición e Norma. 1995, p. 61.
242
ativo) e de outro a comunidade (sujeito passivo indeterminado). Para melhor compreensão,
exemplifiquemos novamente, do seguinte modo:
Antecedente: se o órgão legislativo estadual editar lei ordinária tendente a instituir,
modificar ou extinguir o ICMS, com a observância dos critérios
constitucionais (procedimento legislativo e materialidade
normativa)471 necessários à edição da respectiva lei (hipótese);
Então, deve-ser (modalizador neutro);
Conseqüente: a obrigação de toda a comunidade observar o enunciado introduzido
no sistema de enunciados do direito positivo, para a construção de
normas jurídicas relativas ao ICMS;
Com efeito, trata-se agora de uma norma472 em que o núcleo do modal deôntico se
apresente na feição “proibido” legislar sem a observância dos critérios constitucionais,
acarretando, da mesma forma lógica, os modais “obrigado” legislar, com a observância dos
critérios constitucionais, e “permitido” proibir que se legisle, sem a observância dos
critérios constitucionais.
Diante dessas possibilidades, importa destacar que a aplicação da norma de
competência abstrata e geral pelo ente político competente, implica a aplicação simultânea
da norma de competência concreta e geral, por inerradável corolário lógico dos seus
efeitos. Melhor explicando, só é possível o exercício da competência tributária (veiculada
por norma abstrata e geral), mediante a existência de órgão legislativo do ente político
competente (norma concreta e geral).
Importa reiterar que é no conseqüente das normas de competência tributária que
encontramos o conteúdo que a norma tributária poderá (ou deverá) prescrever. Nesse
sentido, advoga Roque Antonio Carrazza que a relação jurídica constituída no conseqüente
da norma de competência tributária estabelece os termos em que a pessoa política
471 Deve-se entender por materialidade normativa os aspectos que encerram o arquétipo competencial para a instituição do tributo, tais como o critério material (operação mercantil relativa à circulação de mercadoria), critério temporal, espacial, pessoal e quantitativo – base de cálculo e alíquota. 472 Resume-se em norma que proíbe legislar fora dos critérios constitucionais.
243
competente poderá exercitar a faculdade de criar tributos, prescrever os sujeitos possíveis
(ativo e passivo), a hipótese normativa possível, o critério quantitativo possível.473
De outro modo, vale destacar também que a norma sobre produção jurídica
prescreve, em sua hipótese, o sujeito credenciado para a criação, modificação ou supressão
de normas no sistema do direito positivo e os procedimentos legislativos necessários à
produção normativa. Em seu conseqüente, prescreve a obrigação de todos respeitarem as
disposições inseridas no sistema de enunciados prescritivos pelo respectivo veículo
introdutor.
Igualmente, a norma de competência concreta e geral possibilitará a edição de
outra norma denominada “veículo introdutor de normas”, em face do exercício efetivo da
competência tributária. Assim, o órgão competente, ao editar um enunciado normativo,
insere no sistema do direito positivo um documento normativo (lei, decreto, resolução,
portaria, etc.) do qual construímos as normas jurídicas infraconstitucionais por ele
introduzidas.
Esse processo produtivo (formal e materialmente) deve estar em perfeita harmonia
com a norma de competência abstrata e geral, devendo o seu produto final, a lei, observar a
forma e procedimento estabelecidos (produção jurídica).
Isso nos revela que os enunciados constitucionais relativos às alíquotas tributárias,
tipicamente caracterizados como normas de competência legislativo-tributária, compõem
um feixe de proposições normativas que delimitam, juntamente com as normas de
produção jurídica, o universo de ação do legislador infraconstitucional e, a partir disso,
garantem, finalisticamente, a segurança jurídica do jurisdicionado.
Essa garantia se dá pelo fato de que as normas de comportamento, introduzidas
pelo legislador infraconstitucional no subsistema jurídico-tributário, só poderão afetar as
relações intersubjetivas quando estiverem em perfeita harmonia com todas as normas de
competência legislativo-tributária, notadamente das alíquotas.
473 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 482
244
37. Exercício regular da competência tributária do Estado como
segurança jurídica
Dissemos anteriormente que, no plano normativo constitucional, encontramos a
competência dos entes políticos para legislar e, por esse meio, obter recursos financeiros
para a satisfação dos interesses públicos. No mesmo sentido, podemos afirmar que, no
altiplano das normas constitucionais, encontramos, por necessidade antagônica à
competência tributária, a segurança jurídica dos contribuintes, como garantia de que serão
obrigados a cumprir as exigências do Estado tão somente nos limites estatuídos na
Constituição, ou melhor, nos limites dos poderes outorgados pelo próprio povo, como
vetor calibrador da igualdade e da justiça.
A segurança jurídica como valor constitucional supremo dá estabilidade ao sistema
jurídico, implicando outros valores do ordenamento e impondo limites objetivos para a sua
eficácia. Numa visão apressada, poderiam alguns afirmar que a efetividade da segurança
jurídica dependeria dos limites impostos pelos princípios da legalidade, da anterioridade e
da irretroatividade da lei. Contudo, um olhar mais abrangente, revelará que há, antes
mesmo da edição de leis e dos seus efeitos (anterioridade e irretroatividade), limites outros
oriundos da própria Constituição Federal.
Mais especificamente, esses limites são decorrentes dos direitos fundamentais
encartados nos mais diversos enunciados da Constituição Federal, alguns explícitos e
outros implícitos, mas, de qualquer forma, ali presentes. Segundo Roque Antonio
Carrazza,474 são preceitos que servem à Constituição determinar de modo negativo o
conteúdo possível das leis tributárias e, indiretamente, dos atos infralegais, tais como
regulamentos, portarias e atos administrativos em geral. Isso quer dizer que são preceitos
que impõem proibições.
Assim, quando a Constituição Federal, em seu artigo 5o, estabelece garantia à
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
474 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 406
245
reconhecendo um direito público subjetivo, oponível ao próprio Estado, está estabelecendo
um direito fundamental e um limite às ações tributárias que pretendam investir contra ele.
Tendo em vista a harmonia do sistema jurídico, entendemos estar o conteúdo
material dos enunciados constitucionais que explicitam regras jurídicas relativas à
prefixação das alíquotas tributárias em total comunhão com os princípios fundamentais do
Estado democrático de direito (arts. 1o ao 4o, da CF) e com os direitos e garantias
individuais (consagrados no citado artigo 5o, da CF), pois a União, os Estados, os
Municípios e o Distrito Federal, ao exercitarem suas competências tributárias, são
obrigados a preservar os direitos e garantias fundamentais.475
As regras de prefixação das alíquotas são normas de estrutura que moldam o
arquétipo competencial de diversos entes políticos para a criação de tributos e garantem
uma tributação justa, nos moldes constitucionais.
Em conseqüência, a prefixação constitucional das alíquotas são limites que
possibilitam a previsibilidade dos efeitos das relações jurídicas a serem constituídas no
plano concreto das normas tributárias. Além disso, essa prefixação constitucional é uma
norma que estabelece uma diretriz para todo o subsistema jurídico legal e infralegal, que
deverá com ela (prefixação constitucional) se coadunar, sob pena de invalidade de seus
preceitos.
Com efeito, igualmente a tantas outras, as normas constitucionais que prefixam as
alíquotas, para as mais diversas situações e espécies tributárias, moldando a competência
tributária dos entes políticos, influem decisivamente na ação do legislador ordinário,
traçando-lhe, previamente, uma diretriz a ser seguida na instituição de tributos. Essas
normas de prefixação, então, nada mais são do que limites objetivos que dão eficácia à
segurança jurídica das relações jurídico-tributárias, funcionando coativamente sobre o
exercício da competência legislativo-tributária.
475 Nesse sentido a manifestação do STF para declarar que - “Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito.” (STF – 2ª Turma – HC no 73.454-5 – Rel. Min. Maurício Corrêa. Informativo STF, no 34).
246
Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza assevera que: “Portanto, no Brasil, o
legislador de cada pessoa política (União, Estados, Municípios ou Distrito Federal), ao
tributar, isto é, ao criar, in abstrato, tributos, vê-se a braços com o seguinte dilema: ou
praticamente reproduz o que consta na Constituição – e, ao fazê-lo, apenas recria, num
grau de concreção maior, aquilo que nela já se encontra previsto – ou, na ânsia de ser
original, acaba ultrapassando as barreiras que ela lhe levantou e resvala para o campo da
inconstitucionalidade.”476
Por assim ser, o cidadão-contribuinte sempre saberá, com antecedência, que a lei
ordinária, instituidora da regra-matriz de incidência tributária, deverá se coadunar com
aquelas normas constitucionais que prefixam as alíquotas tributárias, dando-lhe a exata
dimensão da certeza de seu direito em face da afetação de sua propriedade.
Esse conhecimento prévio garante, assim, a possibilidade de o contribuinte
fiscalizar a ação do legislador ordinário e demandá-lo, com todas as demais garantias
processuais, administrativas e judiciais, para que se recomponham as suas ações exacionais
aos limites da competência que lhe foi, constitucionalmente, reservada.
Igualmente, as normas constitucionais que prefixam as alíquotas tributárias são de
utilidade relevantíssima, pois possibilitam, ainda no plano abstrato, a verificação empírica
da validade das leis exacionais. Com efeito, por ocasião da publicação da lei, criadora de
determinado tributo, já será possível ao contribuinte saber se a sua sujeição à determinada
incidência tributária, com as alíquotas que lhe foram fixadas, é constitucional ou não.
Nesse cenário, além do respeito aos princípios gerais e tributários indispensáveis
em qualquer estudo aprofundado, imaginamos que a confrontação das leis exacionais com
as normas constitucionais que prefixam alíquotas tributárias se caracteriza como mais um
critério de segurança jurídica, pois, por essa forma, será possível revelar quais exações
podem ou não podem ser legítimas e aplicadas.
Ademais, no plano normativo concreto, o lançamento tributário que vier pretender a
constituir relação jurídico-tributária, baseado em lei instituidora de tributo, cuja alíquota
476 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 378
247
estiver em dissonância com os preceitos constitucionais prefixados para aquela exação,
poderá ser desconstituído pelo Judiciário em garantia à segurança jurídica do contribuinte
em face da exacerbação da competência tributária do ente político tributante ao instituí-las.
Trata-se, aqui, de um direito público subjetivo, oponível a terceiros particulares e
ao próprio Estado.
Assim, podemos arrematar que a prefixação de alíquotas pela constituição Federal
corresponde a um arquétipo competencial que influi no exercício do legislador
infraconstitucional e garante a segurança jurídica do contribuinte.
248
Conclusão
Título I – Noções propedêuticas para a manipulação do Direito
1. Como proposta acadêmica de cunho científico, uma dissertação deve necessariamente estabelecer, de antemão, as premissas fundamentais dos argumentos que se pretende lançar. Daí o nosso intróito propedêutico neste título I.
Capítulo 1 – Conceito de Direito
2. Fazer Ciência exige um corte epistemológico para delimitação do seu objeto. Por essa forma, a Ciência do Direito exige, de início, uma delimitação do próprio conceito de direito, pois ele, como objeto de estudo, é pluridimensional e oferece significações infinitas. 3. Isso se dá pelo fato de que as inúmeras correntes jusfilosóficas, ao tentarem buscar o conceito de direito na sua ontologia, acabam por sofrer influências sociológicas, naturalistas, formalistas, moralistas, etc.477 4. Daí que, para a Ciência do Direito, entendemos que a incisão epistemológica deva segregar como objeto de estudo tão somente o conjunto de normas jurídicas positivadas em determinado sistema jurídico, fato que nos permitirá conceituar o Direito como um sistema harmônico e hierarquizado de normas e preceitos jurídicos, tendentes a regular as relações intersubjetivas.
Capítulo 2 – A concretização do direito
5. Ocorre que o exercício da Ciência do Direito exige a descrição do objeto, os seus aspectos e as suas manifestações. Disso resulta indispensável dizer que o Direito, como um sistema de normas jurídicas, manifesta-se por uma linguagem prescritiva de condutas. Esta, assim como a manifestação humana, se dá, inicialmente, pela linguagem, como forma de comunicação de mensagens, no caso de mensagens deônticas. 6. Ao direito positivo, então, compete prescrever, por meio de um sistema de enunciados legais, as condutas jurídico-sociais, disciplinando, normativamente, as relações intersubjetivas. 7. Esse é o aspecto lingüístico do direito, que cria a realidade jurídica ao selecionar alguns eventos do universo de fatos sociais de uma determinada sociedade. 8. O direito possui um processo comunicacional diverso da comunicação comum, pois, ao discriminar fatos sociais, passa a exercer seu domínio sobre eles, motivando-os ao seu desiderato normativo.
477 Conforme advertências de Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Teoria da Norma Jurídica. 2006, p. 3
249
9. Essa comunicação deôntica se opera pelos planos lingüísticos dos enunciados e das normas jurídicas. 10. O enunciado corresponde ao plano de expressão do direito positivo. É o texto legal introduzido no direito positivo pelos órgãos legiferantes. Caracteriza-se como produto positivado e corresponde aos documentos normativos, tais como a Constituição Federal, a Lei Complementar, a Lei Ordinária, o Decreto, a Resolução, a Portaria, a Sentença, o Acórdão, o Contrato, etc. 11. A norma jurídica, por sua vez, tem a ver com o plano de conteúdo do direito positivo. É o produto regulador originado em decorrência do processo de construção de uma significação deôntica completa, que tem como pressuposto a existência de enunciados legais. 12. É a norma jurídica que é dotada de comando normativo regulador das relações intersubjetivas, possuindo, então, uma estrutura condicional com antecedente e conseqüente normativos. No antecedente, são descritas as hipóteses normativas que, uma vez ocorridas, implicam, no conseqüente, a correspondente relação jurídica que se apresenta como tese. 13. Por esse motivo, a norma jurídica é definida como a significação que obtemos por meio da leitura e interpretação dos textos de direito positivo. É ato cognitivo, produzido dentro da mente do intérprete, resultado da percepção sensorial do mundo exterior e selecionado pelos sentidos. É, exatamente, o objeto empírico da Ciência do Direito. 14. Em conseqüência, pode-se afirmar que o direito se concretiza, se torna paupável, por meio dos sistemas de enunciados legais e das normas jurídicas, suportados em razão do aspecto lingüístico do sistema comunicativo de um determinado povo. 15. A idéia de sistema como “conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada que possibilita um discurso jurídico coerente e uniforme”,478 permite-nos afirmar que é condição necessária para a construção das significações normativas pelo intérprete, que deverá, para isso, transitar pelos textos legais enunciados e ingressar na sua estrutura contextual, pois o enunciado, considerado isoladamente na sua instância físico-material, não possui significação deôntica. 16. Dessa forma, a interpretação no direito, como método que possibilita a construção de significações do produto legislado (norma jurídica), é ferramenta indispensável para a concretude do sistema jurídico positivo, pois permite aferir a sua dimensão para efetivá-lo, ao final, no plano da sua aplicabilidade. 17. O processo cognitivo de interpretar o sistema de enunciados do direito positivo e construir o correspondente sistema das normas jurídicas dispõe de inúmeras possibilidades metodológicas, sendo praxe o recurso ao uso de definições e classificações como modelo
478 Aduzida por Paulo de Barros Carvalho, em Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência.
250
de reduzir as complexidades e aclarar o sentido, conteúdo e o alcance da mensagem deôntica 18. Disso decorre que, na atualidade, além da definição de norma jurídica acima referida, também é muito comum a doutrina de bom quilate classificar as normas jurídicas para permitir uma aproximação maior e uma visão mais analítica do objeto que cada uma regula. 19. Assim, regra geral, temos a classificação das normas jurídicas em gerais, individuais, concretas e abstratas, as quais se apresentam no direito positivo com inúmeras combinações, sendo, no entanto, mais comuns o surgimento de normas jurídicas com a combinação de gerais e abstratas e individuais e concretas. 20. As normas abstratas e concretas são assim classificadas pelo critério da ocorrência ou não, no mundo fenomênico, da hipótese descrita nos seus antecedentes, podendo-se denominar de concretas ipso facto as normas cuja hipótese tenha ocorrido e de abstratas as que ainda não tiveram a ocorrência de sua hipótese. 21. Isso implica dizer que um dos elementos integrantes da norma jurídica é uma proposição descritiva de um dado evento social cuja ocorrência jurídica permite classificá-la em concreta e a sua não ocorrência em abstrata. 22. Já as normas jurídicas gerais e individuais têm como critério classificatório a determinação ou não dos sujeitos da relação jurídica a ser constituída no conseqüente dessas normas. Por essa forma, teremos uma norma individual sempre que uma proposição-conseqüente identificar os sujeitos da relação jurídica e, ao contrário, estaremos diante de uma norma geral sempre que a sua proposição-conseqüente indicar sujeitos indeterminados. 23. Além dessa classificação normativa e de suas possíveis combinações entre si, há também a classificação segundo o caráter da conduta regulada, muito embora todas as normas visem, ao final, a regular condutas. Referimo-nos às normas voltadas à disciplinar as condutas comuns, tipicamente voltadas às relações interpessoais, denominada, pela doutrina, de “normas de comportamento” ou “regras de conduta”, e aquelas outras normas direcionadas a regular as condutas das pessoas que produzem novas regras jurídicas, também denominadas pela doutrina de “normas de estrutura” ou de “produção normativa”. 24. O discríminem desse processo classificatório é o critério imediato/mediato da conduta regulada. Por essa forma, a conduta imediata, caracterizada pelas relações interpessoais, é objeto da norma de comportamento como a conduta mediata, caracterizada pela conduta que introduz, no sistema jurídico, regra para regular outros comportamentos, é objeto da norma de estrutura. 25. Essa classificação possui uma relevância extrema para o estudo do processo de produção do direito e, em especial, do direito tributário. Isso porque, como normas de comportamento, podemos lembrar, v.g., das fundamentais regras-matrizes de incidência dos tributos e aquelas atinentes ao cumprimento dos deveres instrumentais ou formais
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(obrigações acessórias). Já como normas de estrutura, lembremo-nos das normas que outorgam competência tributária e as que regulam os procedimentos administrativo-fiscais. 26. Uma última classificação das normas jurídicas que dão concretude ao direito tem a ver com o seu caráter coativo. Em decorrência disso, podemos ter uma visão maior da estrutura das normas jurídicas, pois o caráter unitário do direito positivo mostra-se bifásico, evidenciando-se uma primeira fase com normas substantivas das relações jurídicas, compostas com os direitos e deveres e, numa segunda, uma fase de adjetivação sancionatória dos comportamentos não adequados à primeira fase normativa. 27. O direito positivo, diante da impossibilidade de inexistência de conflitos interpessoais, não tem sua finalidade limitada à eficácia social das normas. Por esse motivo, os sujeitos de direito têm livre arbítrio para cumprirem ou descumprirem as normas jurídicas. No entanto, o seu descumprimento está sujeito às sanções do Estado, que tem a função, não só de regular, mas também de obrigar sejam as condutas readequadas a desiderato relacional pretendido pelo direito positivo. 28. Em outras palavras, podemos afirmar que há uma relação lógico-jurídica de antecedente e conseqüente normativos entre essas duas fases do direito positivo. A norma secundária pressupõe, logicamente, a determinação prévia de uma conduta pela norma primária (relação jurídica) e o seu descumprimento ensejará a coação estatal por meio de órgão jurisdicional. 29. Assim, na hierarquia do direito posto, quanto mais alto for o plano de ação da norma, mais geral e abstrata ela será. É o que se denomina de “generalização das normas”. De modo inverso, na medida em que se desce na escala hierárquica, a norma jurídica tende à concretude e individualização das relações intersubjetivas, caracterizando o chamado processo de positivação das normas jurídicas, que avança em relação às condutas humanas.479 30. Diante desse discurso, a questão correlata que se apresenta diz respeito ao modo de se reconhecer a validade dos enunciados e das normas jurídicas, como imperativo da concretude do direito positivo. 31. A validade dos enunciados prescritivos é aferida pela observância das chamadas “normas de produção jurídica”, as quais regulam o modus operandi (processo legislativo ou de produção normativa) do agente competente para a sua introdução no sistema positivo e demarcam a respectiva espécie (Constituição Federal, Emenda Constitucional, Leis Complementas, Leis Ordinárias, Medidas Provisórias, Decretos, sentenças, acórdão, contratos, etc.) 32. Nesse sentido, importa concluir que é o próprio sistema do direito positivo que estabelece os requisitos da existência da norma jurídica, reconhecendo-lhe a validade, se observado o órgão competente e o procedimento necessários à sua introdução no sistema
479 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 34.
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jurídico, bem como o seu conteúdo material (objeto normativo). Assim, a norma jurídica será considerada válida sempre que estiver presente a presunção “juris tantum” da observância dos critérios para a sua introdução no sistema jurídico-positivo. 33. Em remate, pode-se dizer que o próprio direito positivo dá concretude aos seus sistemas jurídicos, predeterminando o órgão competente e o procedimento tanto para a introdução quanto para a expulsão das normas jurídicas, respectivamente, válidas e inválidas. Essas últimas deixarão de ter sua aplicabilidade no sistema, a partir da introdução de outras normas válidas que assim o prescreverem, podendo-se dar por meio do Poder Legislativo (ab-rogação) ou do Poder do Judiciário (declaração).
Capítulo 3 – O sistema jurídico-tributário brasileiro
34. Nessa dimensão de concretude que lançamos acima, em termos científicos, podemos afirmar que a idéia de sistema é que nos trará um discurso jurídico coerente e uniforme.480 35. Essa coerência decorre da organização que oferece todo sistema, cuja estrutura é escalonada em um conjunto de regras que estabelece as diferentes relações internas coordenação (horizontalidade) e de subordinação (verticalidade) entre os elementos do conjunto. É a hierarquia aludida por Tércio Sampaio Ferraz Júnior.481 36. Com essas bases, cremos que não se opera o direito positivo tão somente com a manipulação do texto jurídico (plano de expressão), com a sua base material (mero suporte físico). É indispensável o ingresso consciente no plano de conteúdo do enunciado, pois, embora o contato com o texto nos leve imediatamente ao seu plano de conteúdo, muitos não percebem que apenas o fazem de forma instintiva e se deixam levar pelo simples texto. 37. Contudo, esse ingresso exige ainda mais do intérprete, pois não poderá se limitar a enxergar, de forma isolada, o conteúdo mínimo de enunciados prescritivos, retirando-lhes frações do deôntico. Essas frações, por si sós, não constituem uma norma jurídica. 38. O patamar das normas jurídicas, para ser atingindo, reclama do intérprete do direito que ele transite pelos enunciados “soltos” por todo o conjunto sistêmico, pinçando as frações, aglutinando-as e confrontando-as para a construção do sentido deôntico completo do direito positivo. 39. À evidência, a manipulação do direito exige interpretar o seu discurso prescritivo mediante o percurso de todos os planos do sistema jurídico que o compõem e construir as correspondentes significações normativas.
480 Já tivemos a oportunidade alertar que o termo “sistema” apresenta infindáveis discussões filosóficas e científicas e, por isso, aderimos ao conceito de sistema como “um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada”. Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 40. 481 Introdução ao estudo do direito. Técnica, decisão dominação. 2003, p. 175
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40. Posto isso, é de se ver que o nosso sistema jurídico nacional é composto por um conjunto sistêmico de normas jurídicas dispostas de forma harmônica e hierarquicamente organizadas, que nos obrigam olhar para o ápice do sistema na busca do fundamento de validade de todas essas normas. 41. A resposta vem ao encontro da norma fundamental de Kelsen, em que encontramos o axioma necessário à validade de todo e qualquer sistema. A incisão metodológica, com essa premissa axiomática, fixa o mais alto plano do Sistema Jurídico Nacional na Constituição Federal de 1988. 42. É a partir da Constituição Federal, então, que o conjunto de normas construídas diretamente do seu texto/contexto constitui o subsistema jurídico das normas constitucionais do direito positivo brasileiro. 43. Com efeito, a norma jurídica constitucional goza de status superior na hierarquia do sistema do direito positivo. Nesse sentido, ensina Roque Antonio Carrazza que “as normas constitucionais, além de ocuparem a cúspide da pirâmide jurídica, caracterizam-se pela imperatividade de seus comandos, que obrigam não só as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado, como o próprio Estado.”482 44. No Brasil, não é necessária a investigação do conteúdo da norma para que seja caracterizada como constitucional e ocupe o patamar hierarquicamente mais elevado no sistema do direito positivo; basta, para isso, construí-la a partir dos enunciados constitucionais.483 45. Em conseqüência, qualquer descompasso entre as normas veiculadas pelos enunciados inferiores (leis, decretos, resoluções, portarias, sentenças, acórdãos, contratos, etc.) e as da Constituição Federal, seja no sentido formal seja material, acarreta a sua inconstitucionalidade, podendo ser invalidadas. 46. Para ingressarmos no direito tributário, “recortamos”, didaticamente, da seara constitucional, todos os demais subsistemas do direito positivo, assim como, v.g., o direito civil, o penal, o processual, o tributário, etc. que hão de estar em consonância (unidade e harmonia) com a Constituição. 47. Por derradeiro, é no bojo do subsistema constitucional tributário que encontraremos as prescrições normativas inerentes ao processo legislativo das diversas espécies de documentos jurídicos, credenciados a introduzir, no sistema de enunciados do direito positivo tributário, novos enunciados com substância tributária. 48. Daí, então, advêm as normas constitucionais tributárias que estabelecem as balizas mestras do objeto, material e formal, que as pessoas políticas, União, Estados, Distrito
482 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 34 483 Exceção feita em relação aos tratados internacionais sobre direitos humanos, em decorrência da Emenda Constitucional n. 45/04, que os equiparou aos dispositivos constitucionais.
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Federal e os Municípios, em obediência ao princípio do federalismo, deverão observar a adequada produção de normas jurídico-tributárias. 49. À evidência, podemos afirmar que o subsistema constitucional tributário regula o Poder de tributar, limita o Poder do Estado, estabelecendo o que se conhece como competência tributária. Essa é a aptidão constitucional para criar tributos em abstrato. 50. Por isso, Roque Antonio Carrazza assevera que “entre nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Como veremos em seguida, cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso País, poder tributário (manifestação do ius imperium do Estado), mas competência tributária (manifestação da autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-constitucional). A competência tributária subordina-se às normas constitucionais, que, como é pacífico, são de grau superior às de nível legal, que prevêem as concretas obrigações tributárias.”484 51. Em termos estruturais, pode-se dizer que a norma de competência descreve como hipóteses normativas os eventos possíveis de serem tributados, os fatos jurídicos e as pessoas possíveis de serem imunes à tributação, a conformação do valor ao fato tributado (base de cálculo e alíquota) e, até mesmo, os princípios constitucionais aplicáveis a cada espécie tributária. 52. Em remate, competência tributária é norma de competência legislativo-tributária, em sentido estrito, que estabelece os critérios autorizadores para que as pessoas constitucionais possam proceder à edição e à modificação das regras-matrizes de incidência tributária. 53. Disso resulta que tributo, necessariamente, tem que ser entendido na acepção de norma jurídico-tributária decorrente do exercício da competência tributária dos entes políticos federados e construída a partir do sistema jurídico-tributário brasileiro. 54. O termo “tributo” oferece inúmeras significações, sendo, portanto, ambíguo por originar-se da linguagem do legislador cuja formação e influências sociais são as mais variadas possíveis. Por assim ser, a doutrina vem criticando, há muito tempo, essa atecnia legislativa e tentando oferecer uma definição que possa seguir critérios científicos, como atividade descritiva do direito positivo. 55. Assim, diante das diversas propostas científicas, preferimos nos filiar àquela que considera tributo como uma norma jurídico-tributária, na qual encontramos, como antecedente normativo, a descrição de critérios de um evento hipotético, cuja ocorrência implica uma relação jurídica entre dois sujeitos em torno de um objeto pecuniário, devido pelo sujeito passivo ao sujeito ativo. Conforme definido, segundo entendemos, no artigo 3º, do Código Tributário Nacional.
484 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 469
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56. Considerando o caráter sistemático do direito positivo, podemos concluir que os princípios jurídicos dele fazem parte e, assim, podemos aduzir também que a interpretação no sistema jurídico constitucional reclama, como pressuposto científico, uma delimitação de significado dos princípios jurídicos. 57. O termo “princípio” também não se apresenta unívoco, oferecendo grande margem para diversas significações e, por isso, carecendo de delimitação segura para o estudo do direito. 58. Assim, caminhar na esteira da boa doutrina é entender “princípios” como normas jurídicas, cuja primazia sobre as demais normas decorre da sua posição constitucional de vetor normativo exegético, que norteiam os intérpretes na construção de outras normas jurídicas em conformidade com um estado de coisas, finalisticamente, desejado pelo direito positivo. 59. É por esse motivo que Roque Antonio Carrazza adverte, com autoridade, que “mesmo na Constituição existem normas mais importantes e normas menos importantes”.485 Daí porque a doutrina estrangeira também sempre discutiu a importância em se distinguirem princípios das regras, tais como autores do quilate de Ronald Dworkin,486 Robert Alexy487 e Claus-Wilhelm Canaris.488 60. Vale destacar que, embora as ponderações muito bem fundamentadas de Humberto Ávila, no sentido de que não há uma “oposição” entre princípios e regras, havendo, sim, uma relação de “complementação” entre eles, pois, diferem tão somente quanto às suas funções normativas, havendo que, por vezes, a regra poderá prevalecer sobre os princípios quando ambas estiverem no mesmo plano normativo-hierárquico, a doutrina nacional, assim como a doutrina estrangeira, ainda tem-se mantido praticamente unânime, no sentido de que os princípios são vetores axiológicos que apontam a finalidade do direito positivo e acabam compondo a estrutura das normas jurídicas, seja no antecedente seja no conseqüente normativo, e prevalecendo sobre as regras jurídicas em geral. Para a doutrina nacional, princípios são lançados ao nível dos postulados aduzidos por Ávila, que os entende como vetores axiomáticos.489 61. No que atina à distinção entre princípios e regras, importa ressaltar que na Constituição Federal encontramos as normas de superior hierarquia que dão fundamento de validade para as normas inferiormente escalonadas, bem como encontramos inúmeros princípios, ditos gerais, que são aplicáveis a todo o ordenamento jurídico e, os que, de modo específico, estão diretamente ligados à atividade tributária do Estado.
485 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 36 486 Ronald Dworkin – citado por Humberto Ávila em teoria dos princípios, 37 487 Teoría de los derechos fundamentales. 2001, p. 98 488 Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. 2002, págs. 204/210 489 Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2005, pp. 35/36
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62. Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho assevera que os princípios constitucionais, tanto os gerais quanto os tributários, são elementos integrantes da estrutura sintática das normas de competência e das normas de produção jurídica.490 63. É por isso que se pode afirmar que o texto constitucional possui uma série de prescrições normativas estabelecedoras de critérios para a produção de enunciados em matéria tributária, fixando o procedimento, o sujeito e a matéria correspondentes. É o plano primário, aduzido originalmente por Renato Alessi, em que a competência tributária tem a ver com o controle abstrato da instituição de um tributo, mormente por decorrer de atividade que antecede à sua instituição.491 64. Trata-se, então, de normas dirigidas à região material da atribuição das pessoas políticas, estabelecendo-se como hipótese normativa para a instituição de tributos o procedimento do ente político. 65. Assim é que se pode dizer que os princípios constitucionais tributários são, em outras palavras, elementos proposicionais normativos que orientam, com maior ou menor influência, o sentido das normas jurídico-tributárias. 66. Desta feita, a construção das normas de competência, assim como das normas de produção jurídica a elas relacionadas, deve partir de uma articulação entre os textos que exprimem os princípios constitucionais tributários e os demais enunciados prescritivos da Constituição Federal. 67. É por meio dessa atividade cognoscente que o intérprete chegará ao sentido das normas jurídicas do sistema jurídico-tributário, desvendando os valores ou os limites finalísticos inerentes aos princípios constitucionais correlatos. 68. Por derradeiro, revela-se importante destacar a diferença entre norma de competência e norma sobre produção jurídica. A norma de competência é o que Paulo de Barros Carvalho denomina de “norma de estrutura”, reguladora do comportamento de criação de normas, que é diferente da disciplina sobre o comportamento em relação ao processo legislativo, que é disciplinado pela norma sobre produção normativa. 69. A norma de competência possui estrutura diversa da norma sobre produção normativa. Essa última possui como antecedente um enunciado protocolar – fato jurídico – que projeta no documento normativo a linguagem constitutiva do agente competente, do espaço e do tempo em que se realizou a sua atividade, bem como deixa indícios (nome da espécie do veículo introdutor – Emenda Constitucional, Lei Complementar, Lei, etc., data e local) do procedimento utilizado para a confecção do documento.492
490 O princípio da segurança jurídica em matéria tributária, p. 81 e também Curso de Direito Tributário, p.144 ed. 2003. 491 Instituzioni di DirittoTributário, G. Stammati, 1ª Ed., Torino, UTET. 492 Todos presumidos “juris tantum” para os efeitos do teste de sua validade.
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70. O conseqüente da norma sobre produção jurídica é composto de uma relação jurídica modalizada pelo modal obrigatório, que prescreve o dever de toda a comunidade observar as regras jurídicas criadas pelo exercício de uma dada competência e de um dado procedimento. 71. Em outras palavras, é a norma de produção jurídica que regula o processo de elaboração do enunciado prescritivo. 72. Já a norma de competência tributária nada tem a ver com o processo legislativo em si mesmo. Em largas palavras, podemos dizer que o antecedente da norma de competência descreve como hipótese normativa a existência do sujeito credenciado para a criação, modificação ou supressão de normas no sistema jurídico-tributário e, em seu conseqüente, a permissão ou obrigação a esse sujeito de legislar sobre o objeto de sua competência. 73. Daí porque, em nossa ótica, as normas de competência e de produção jurídica se apresentam como as características estruturais do sistema jurídico tributário. O exemplo é aclarador de nossas conclusões.
Norma de competência
antecedente: dada a existência da pessoa política estadual;
conseqüente: deve-ser a permissão para instituir o Imposto sobre Operações
relativas à Circulação de Mercadorias e de Prestação de Serviços de Transporte
de Natureza interestadual e intermunicipal ou de Comunicação - ICMS, nos
termos constitucionais, e o dever jurídico de a sociedade observar a faculdade
de legislar nos termos em que for estabelecida.
Norma sobre produção jurídica
antecedente: se órgão legislativo estadual cumprir os procedimentos
legislativos necessários à edição da lei ordinária e exercitar a faculdade de
legislar sobre o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias
e de Prestação de Serviços de Transporte de Natureza interestadual e
intermunicipal ou de Comunicação - ICMS;
conseqüente: deve-ser a obrigação de a sociedade observar os enunciados
introduzidos no sistema de enunciados do direito positivo pelo respectivo
veículo introdutor para a construção de normas jurídicas.
74. Pode-se arrematar, então, que, além das normas de conduta, que regulam imediatamente as relações interpessoais finais, geralmente oriundas da legislação
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infraconstitucional, o sistema jurídico-tributário nacional é composto por normas de produção jurídica e por normas de competência.
75. Em meio a essas normas, é conclusiva a idéia de que, sendo os princípios constitucionais tributários elementos normativos integrantes do ordenamento jurídico tributário, de cunho hierárquico e com forte valor axiológico, eles influem no processo interpretativo para estabelecer finalisticamente o limite da competência tributária e disciplinar a validade das normas de conduta inseridas no sistema jurídico-tributário brasileiro.
76. Essa influência vetorial dos princípios sobre o direito positivo e, em especial, à competência tributária, alberga todos os fundamentos que garantem a caracterização de um Estado democrático de direito, em que todos, sem exceção, Poderes e Instituições, públicos ou particulares, estão sujeitos, para o exercício de direitos e o cumprimento de deveres, aos limites encartados na Constituição Federal.
77. Para além desse aspecto, o sistema jurídico-tributário brasileiro necessita, ainda, de uma garantia maior que lhe dê estabilidade à sua aplicação. Essa garantia advém do princípio da segurança jurídica que atua na promoção dos valores supremos de toda a sociedade, conferindo certeza do direito e igualdade de tratamento nas relações em geral.
78. Daí dizer-se que o princípio da segurança jurídica é uma sobrenorma do sistema jurídico positivo, aplicável ao subsistema jurídico-tributário e todos os demais subsistemas, pois assegura o cumprimento de todos os direitos/deveres fundamentais de um Estado democrático de direito e, por esse motivo, é alçado ao ápice do sistema jurídico como um sobreprincípio, viga mestra do direito positivo.
79. Segurança jurídica é uma garantia ampla, geral e irrestrita, para a manutenção dos efeitos das relações jurídicas, assegurando aos cidadãos planejamento das suas ações futuras diante da aplicação da lei e na realização previsível do direito posto.
80. Por essa implicação geral do sistema jurídico positivo pelo princípio da segurança jurídica, podemos afirmar que o seu influxo hierárquico sobre os princípios e regras específicas, notadamente as do subsistema constitucional tributário, possibilita a previsibilidade dimensível do âmbito de validade das normas de conduta decorrentes do exercício das competências tributárias e das relações jurídico-tributárias delas decorrentes.
81. Diante disso, é conclusivo dizer que o sistema jurídico-tributário alberga em um plano normativo a competência tributária dos entes políticos para legislar e, por esse meio, obter recursos financeiros para a satisfação dos interesses públicos e, em contrapeso, no altiplano normativo, a segurança jurídica dos contribuintes como garantia de que serão obrigados a cumprir as exigências do Estado tão somente nos limites estatuídos na Constituição, ou melhor, nos limites dos poderes outorgados pelo próprio povo, como vetor calibrador da igualdade e da justiça.
82. Na seara tributária, podemos afirmar que a observância rigorosa do arquétipo competencial pelos entes políticos tributantes realiza o primado da segurança jurídica e garante a estabilidade do sistema jurídico tributário brasileiro.
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Capítulo 4 – Estrutura da norma de exação tributária
83. No que atina ao tributo em si mesmo, objeto nuclear do exercício da competência tributária, temos a concluir que, como bem sustenta o consenso doutrinário, a Constituição Federal não criou tributos.
84. Muito embora tal consenso tenha se intimidado com a manifestação contundente de José Souto Maior Borges, que asseverou, enfaticamente, que “mesmo antes de sua instituição por lei, o tributo apenas previsto na Constituição já existe”,493 entendemos que as normas constitucionais que se referem aos diversos aspectos das diversas espécies tributárias são normas de competência e jamais podem ser confundidas com normas de conduta.
85. As normas que instituem tributos, como sustentado antes, são normas de conduta estrito senso e regulam as relações interpessoais (sujeito ativo e passivo da obrigação tributária) e, por isso, entendemos não existir tributos na Constituição.
86. A alegação de que “mesmo antes de sua instituição por lei, o tributo previsto na Constituição já existe,” não considera que as suas nuances constitucionais são normas de competência tributária que estabelecem, sob a égide do regime federativo, os limites da ação legislativo-tributária das pessoas políticas, preestabelecendo a norma-padrão de competência para a instituição de cada tipo tributário e não o tributo em si mesmo.
87. Daí porque Roque Antonio Carrazza asseverou que a Constituição Federal, ao discriminar as competências tributárias, garantiu certa margem de liberdade ao legislador apontando “a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos.”494
88. Para dissipar eventual confusão sobre isso, mister ter em mente o discernimento da diferença entre a norma de estrutura (competência), que estabelece os critérios autorizadores para que as pessoas políticas possam proceder à edição e à modificação das regras-matrizes de incidência tributária, e as normas de conduta, que as instituem. Uma coisa é o arquétipo competencial e outra coisa a regra-matriz de incidência, decorrentes de normas jurídicas com estruturas totalmente distintas entre si.
89. As “normas tributárias em sentido estrito”, no dizer de Paulo de Barros Carvalho, são aquelas que “assinalam o núcleo da percussão jurídica do tributo”. É a denominada “norma-padrão” ou “regra-matriz de incidência tributária”.495
90. A estrutura da regra-matriz é composta por critérios que, ao menos, no seu antecedente, caracterizam uma proposição-hipótese descritiva de um evento de cunho econômico capaz de implicar, no conseqüente, uma proposição-tese prescritiva de uma
493 A Fixação em Lei Complementar das Alíquotas Máximas do Imposto sobre Serviços, p. 05, São Paulo, Ed. Resenha Tributária, 1975. 494 Curso de Direito Constitucional Tributário, 2006, p. 482 495 Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência tributária, 2005, p. 83
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relação jurídica, de conteúdo obrigacional, entre uma pessoa política de direito público interno, na condição de sujeito ativo, e uma pessoa física ou jurídica, como sujeito passivo, de modo a imputar um direito subjetivo público à primeira pessoa que lhe possibilitará exigir, da segunda, o cumprimento do dever jurídico de pagar-lhe determinado valor em dinheiro.
91. Os critérios da regra-matriz, então, são normalmente denominados pela doutrina de (i) material, para designar as marcas referenciais de conteúdo de um dado evento social como nuclear da hipótese de incidência tributária. Os critérios, (ii) espacial e (iii) temporal, referem-se às referências de tempo e lugar em que a referida hipótese deva ocorrer para desencadear efeitos jurídicos.
92. Os três critérios acima se encontram alojados no antecedente da regra-matriz de incidência tributária. No conseqüente dela encontramos os critérios (iv) pessoal e (v) quantitativos. O pessoal se refere aos sujeitos da relação jurídica a ser constituída a partir da ocorrência da hipótese material. Já o critério quantitativo se apresenta bipartido pelas referências à base de cálculo e à alíquota. Base de cálculo é definida pela doutrina, de forma quase unânime, como sendo o atributo dimensível do aspecto material da hipótese de incidência e, alíquota, na esteira de Aires Barreto, tem sido apresentada como um “indicador de proporção” a ser confrontado com a “base calculada” (base de cálculo já determinada) para a obtenção do valor da dívida tributária.
93. Além desse aspecto, importa lembrar também que a regra-matriz de incidência tributária é norma jurídica do tipo geral e abstrata, conotando os critérios (traços, características, marcas, aspectos, linhas) hipotéticos que condicionam o sucesso do tributo no mundo fenomênico.
94. É a partir do reconhecimento das características da regra-matriz de incidência tributária que parte da doutrina classifica tributos, levando-se em conta os aspectos da materialidade e da base de cálculo respectiva (corrente tricotômica – tributos diretamente vinculados, indiretamente vinculados e não vinculados à ação estatal, ou dicotômica que considera simplesmente vinculados ou não vinculados, redundando ambas nas espécies – impostos, taxas e contribuições).
95. De outro modo, a outra parte da doutrina, com base na competência tributária, segrega o regime jurídico constitucional do tributo e o classifica pelo critério da (i) vinculação ou não do tributo à ação estatal; (ii) da destinação específica do produto da arrecadação; e, (iii) da restituição compulsória do produto arrecadado, para reconhecer cinco espécies tributárias (impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsórios).
96. Para nós, o que importa é que a validade dos tributos criados no exercício das competências tributárias tem a ver com a observância integral do arquétipo competencial pelo órgão legislativo. Isso implica dizer que o ente político tributante deve atender, normativamente, aos contornos do regime jurídico do tributo, para bem exercer sua competência tributária constitucionalmente definida.
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Título II – Argumentação acerca da alíquota como norma de competência e
de segurança jurídica no sistema do direito positivo
Capítulo 5 – Alíquota – definição e características
97. Diante dessas premissas, sustentamos, como desígnio conclusivo desta dissertação, que a alíquota, como critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária, não pode ser estudada na seara constitucional, pois, sempre que assim for considerada, estar-se-á a analisar a estrutura da norma de exação tributária e, não, a da norma de competência.
98. Somente no plano normativo infraconstitucional é que são aceitáveis as afirmações doutrinárias no sentido de que a alíquota é um critério quantitativo que, aliado ao da base de cálculo, possibilita a mensuração da dívida tributária, como dito por Aliomar Baleeiro,496 Rubens Gomes de Souza,497 Amílcar de Araújo Falcão,498 Fábio Fanuchi,499 Ylves José de Miranda Guimarães,500 Alfredo Augusto Becker,501 Geraldo Ataliba,502 José Souto Maior Borges,503 Hugo de Brito Machado,504 Paulo de Barros Carvalho,505 Valdir de Oliveira Rocha,506 Aires Barreto,507 J.J. Ferreiro Lapatza,508 Juan Ramallo Massanet509 e tantos outros.
99. Os comentários da doutrinária impõem, basicamente, uma única visão da alíquota, como se ela fosse tão somente um aspecto quantitativista. São sempre comentários voltados, consciente ou inconscientemente, a descrevê-la como sendo um aspecto mensurador do objeto material da obrigação tributária.
100. Sobre obrigação tributária, é de bom alvitre que se destaque que o seu objeto, como “prestação pecuniária” (art. 3º, do CTN), decorre de uma ação do sujeito passivo, cujo dever jurídico-tributário se encerra nos limites do comportamento de determinado indivíduo em levar quantia ao titular do direito subjetivo (sujeito ativo). Isso é o retrato de um aspecto da obrigação tributária em decorrência do exercício da competência do ente político tributante, exclusivamente no direito de exigir e o dever de cumprir dos sujeitos dela (obrigação) integrantes.
496 Direito Tributário Brasileiro. 2006, p. 65. 497 Compendio de legislação tributária. 1975, p. 103. 498 Fato gerador da obrigação tributária. 1999, p. 31 499 Curso de direito tributário brasileiro. 1971, p. 117. 500 Os princípios e normas constitucionais tributários. 1976, p.103. 501 Teoria Geral do Direito Tributário, 2007, p. 398 502 Hipótese de incidência tributária. 2008, p.103 503 Lançamento tributário, 2001, p. 147 504 Curso de Direito Tributário. 2006, p. 305. 505 Curso de Direito Tributário, 2005, p. 342 506 Determinação do montante do tribute: quantificação, fixação e avaliação. 1995, págs. 101-103 507 Base de Cálculo, Alíquota e princípios constitucionais. 1998, p.25 508 Cuantificacion de la deuda tributaria”. Revista de Direito Tributário. Volume 49, p. 13. 509 Hecho imponible y cuantificación de la prestación tributaria”. Revista de Direito Tributário. Volume 11-12, p. 21.
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101. O outro aspecto da obrigação tributária tornou-se aparente com os comentários de Geraldo Ataliba, o qual, muito embora sempre se referisse à alíquota como aspecto quantitativo, afirmou que o objeto da norma tributária não é o dinheiro transferido aos cofres públicos, mas, sim, o comportamento consistente em dar alguma coisa. Essa “coisa” é o objeto material do comportamento, o qual, por sua vez, é objeto do comando. Em resumo, podemos concluir que Ataliba asseverava que na obrigação tributária hão de ser encontrados o objeto prestação (comportamento exigido pela lei) e o objeto material (o quantum debeatur).510
102. Ocorre que, quando se fala em obrigação tributária, está-se a considerar como pressuposto a existência de uma norma de conduta, decorrente de uma lei que a tenha introduzido no sistema do direito positivo. Estar-se-ia, então, limitado ao plano normativo infraconstitucional todo e qualquer comentário que se referir à alíquota como critério quantitativo. Assim, é indubitável que o aspecto quantitativo da obrigação tributária serve ao objeto material como complemento do objeto prestação.
103. Ademais, a prova de que uma visão “quantitativista” da alíquota só faz sentido no plano normativo infraconstitucional reside no fato de que, além de limitá-la ao universo do objeto material da obrigação tributária, é tão somente a partir do conseqüente da norma geral e abstrata, oriunda de enunciado legal introduzido no sistema do direito positivo pela pessoa política competente, que encontraremos a prescrição dos critérios necessários à identificação da relação jurídico-tributária e da alíquota como elemento determinante do valor da respectiva dívida (objeto material - quantum debeatur). Não se tem isso na Constituição Federal, embora tenhamos normas dispondo sobre alíquotas tributárias.
104. Outro aspecto a destacar é que a alíquota, enquanto for considerada tão somente um aspecto quantitativo da regra-matriz, também estará sendo limitada a auxiliar tão somente na análise da validade das normas individuais e concretas no confronto com as normas gerais e abstratas que lhe deram origem.
105. Em outras palavras, pensamos que o teste de validade de um, v.g., lançamento tributário (norma individual e concreta), no que atina à alíquota como critério quantitativo, só poderá atestar se o objeto material da obrigação lançada corresponde ao “indicador de proporção” (critério) da lei que lhe deu respaldo, nada mais.
106. Assim sendo, para além de uma análise meramente do objeto material da obrigação tributária, a análise da alíquota, numa perspectiva constitucional da competência tributária, nos dá a oportunidade de verificação da validade das normas gerais e abstratas postas no sistema, antes mesmo da instalação da obrigação tributária, checando a atividade legislativa do ente político tributante, no que concerne à regularidade do exercício de sua competência tributária, no que pertine à fixação das alíquotas.
107. Posto isso, mister destacar que a alíquota, enquanto limitada a um aspecto quantitativo, diferentemente da base de cálculo, tem por função um método exclusivo de afetação patrimonial. Importa dizer que, enquanto a base de cálculo tem a função
510 Hipótese de Incidência Tributária. 2008, p. 22
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primordial de medir o valor patrimonial a ser afetado, delineando a exata dimensão da capacidade contributiva511 objetiva do contribuinte, a alíquota investe contra essa dimensão patrimonial e demarca-lhe o gravame tributário – o objeto-material da prestação tributária.
108. Por esse modo, vemos que, numa perspectiva quantitativa da obrigação tributária, a função da base de cálculo está para a mensuração pecuniária objetiva do patrimônio a ser afetado e a alíquota, para a dimensão valorativa do objeto material da prestação tributária, o qual corresponde, ao final, à parcela do patrimônio particular que deverá ser entregue aos cofres públicos. Essa a função quantitativa da alíquota.
109. No entanto, há outra perspectiva jurídica da alíquota que não guarda relação direta com a dimensão quantitativa do objeto material instituído em face das normas de conduta (seja no plano geral e abstrato – lei - ou no individual e concreto - lançamento). Trata-se das normas constitucionais relativas às alíquotas, em que elas possuem, eminentemente, função calibradora da competência tributária dos entes políticos federados.
Capítulo 6 - Alíquota e os princípios constitucionais tributários
110. A Constituição Federal, no que pertine ao subsistema jurídico constitucional tributário, estabeleceu diversas competências, delineando-as segundo o regime jurídico dos tributos e alguns critérios normativos foram consagrados como parâmetros constitucionais para a fixação das alíquotas pelo legislador infraconstitucional.
111. Ao analisarmos as normas constitucionais relativas às diversas espécies tributárias sem privilegiar, no entanto, qualquer critério de classificação dos tributos, podemos apurar que a alíquota é tida, em muitos casos, como elemento conformador da competência tributária do respectivo ente político.
112. Com efeito, na Constituição Federal há princípios e regras constitucionais que estabelecem o arquétipo tributário e fornecem critérios que predeterminam as alíquotas, como conteúdo material das normas de conduta (regras-matrizes possíveis) e, com isso, delimitam a competência tributária dos entes políticos tributantes e as relações jurídico-tributárias dela decorrentes.
113. Uma breve incursão no Texto Constitucional nos permite apurar que alguns princípios gerais e outros de natureza eminentemente tributária são vitais à sustentabilidade do subsistema tributário, influindo, decisivamente, na construção das normas de competência tributária e respectivas normas de conduta.
114. Daí porque não se pode deixar de considerar o princípio da legalidade como exigência maior para a alteração formal do direito posto, não se podendo exercer a competência tributária na instituição ou majoração de tributo sem lei que o estabeleça (art. 150, I, CF). Logo, a irretroatividade da lei tributária se apresenta também como um princípio geral do direito que impede seja o sistema normativo manipulado de forma a
511 No sentido de capacidade contributiva pelo porte do patrimônio, aferido pelo valor do fato jurídico tributário e os respectivos acréscimos e decréscimos.
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impingir conseqüências negativas a eventos passados. Daí a conclusão de que a legalidade e a irretroatividade são normas constitucionais que conformam a competência tributária e prefixam que nenhum ente político está apto a fixar ou majorar alíquotas sem lei e que, se legalmente for instituída, não poderá ela afetar as relações passadas. São, indiscutivelmente, normas que conformam a competência tributária e influenciam a atividade legislativa dos entes políticos.
115. Por esse motivo, o princípio da anterioridade tributária, com sua característica fundamental de estabelecer o prazo inicial dos efeitos normativos das leis tributárias (eficácia), estabelece, taxativamente, a data a partir da qual os tributos podem incidir, após terem sido regularmente introduzidos nos sistema do direito positivo (vigência).512
116. Igualmente, podemos concluir que o princípio da anterioridade tributária também conforma a competência tributária, notadamente em relação à alíquota, para delimitar os seus efeitos (fixação ou majoração) no mesmo exercício financeiro ou antes do prazo constitucionalmente preestabelecido para a cobrança do tributo.
117. Como corolário lógico desse princípio, mister destacar que o denominado princípio da “tipicidade”, ou também considerado como “função material” da legalidade, implica decisivamente no exercício da competência tributária de vez que, por meio desse princípio, deve o ente político exercer sua competência tributária, tipificando, taxativamente, o tributo criado, com todas as suas nuances estruturais – materialidade, tempo, lugar, sujeitos ativo e passivo, base de cálculo e alíquota.
118. Com efeito, nos casos em que a Constituição Federal estabeleceu os critérios relativos às alíquotas como, v.g., nas operações interestaduais relativas à circulação de mercadorias – ICMS, em que os Estados e o Distrito Federal deverão observar a prefixação do Senado Federal (atualmente em 7% ou 12%, entre contribuintes, conforme a região do país),513 esses entes políticos devem, para o exercício regular de sua competência, além de tipificar a alíquota taxativamente, instituí-la nos exatos limites preestabelecidos, sob pena de extrapolação da competência que lhe fora reservada.
119. Assim, como decorrência da legalidade, conforme destacam Regina Helena Costa e Paulo de Barros Carvalho, os atos mais relevantes na seara do direito tributário, assim como a fixação ou majoração de alíquotas, hão de ser praticados sob a égide do princípio da vinculabilidade da tributação, em que a ação impositiva do Estado está vinculada às estreitas raias do comando normativo da lei no exercício de sua competência. Como corolário lógico, não haverá, a contrário senso, vinculabilidade da tributação quando a lei exacional fixar alíquotas em descompasso com os critérios constitucionais que as prefixaram como norma conformadora da respectiva competência tributária.
120. Outro aspecto conclusivo é que, na Constituição Federal, encontramos diversos vetores normativos tendentes a consagrar a igualdade jurídica de tratamento entre as
512 Eficácia está sendo empregado no sentido diverso de vigência. A Eficácia é o processo mediante o qual a ocorrência dos fatos descritos no antecedente da norma faz irradiar os efeitos do conseqüente normativo. Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo. Saraiva. 2005. p. 53 513 Resolução SF n. 22/89
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pessoas. Há um vasto conjunto de enunciados constitucionais que prescrevem, de forma direta ou indireta, a igualdade em sentido formal para todos os fins, incluindo-se o exercício da tributação.
121. Por esse motivo escreveu Francisco Campos, citado por Celso Antonio Bandeira de Mello, que o destinatário da cláusula constitucional da igualdade é precisamente o legislador e, em conseqüência, a legislação.514 Acrescentamos que o aplicador do direito também é destinatário do princípio isonômico, uma vez que cabe a ele a função de construir as normas jurídicas e aplicá-las igualitariamente, às relações jurídicas.
122. Em que pesem algumas posições contrárias,515 concluímos também que a concreção da isonomia tributária prevista em nosso sistema positivo carece da adoção de tributos progressivos. E, por esse motivo, entendemos que a alíquota ganha espaço de respeito na seara das discussões jurídicas correlatas, pois, representa um mecanismo perfeito para a efetividade da igualdade tributária e, na medida em que essa igualdade influi todos os demais princípios e regras do nosso ordenamento, tem ela (alíquota) influência normativa na conformação da competência tributária e do respectivo exercício.
123. Pensamos que respaldam os argumentos acima o pensamento de Roque Antonio Carrazza, para quem “a progressividade das alíquotas tributárias, longe de atritar com o sistema jurídico, é o melhor meio de se afastarem, no campo dos impostos, as injustiças tributárias, vedadas pela Carta Magna. Sem impostos progressivos, não há como atingir-se a igualdade tributária. Logo, o sistema de impostos, no Brasil, deve ser informado pelo critério da progressividade. Impostos com alíquotas crescentes, em função do aumento das suas bases tributáveis (bases de cálculo in concreto), levam corretamente em conta que o sacrifício suportado pelo contribuinte para concorrer às despesas públicas é tanto maior quanto menor a riqueza que possui (e vice-versa). Ademais, permitem que o Estado remova, pelo menos em parte, as desigualdades econômicas existentes entre as pessoas. Realmente, impostos com alíquotas fixas agravam diferenças sociais existentes, porque tratam de maneira idêntica contribuintes que, sob o ângulo da capacidade contributiva, não são iguais.”516
124. Como conseqüência, em matéria tributária, o princípio da capacidade contributiva é um desdobramento do princípio da igualdade tributária e tem a função de modular o ônus tributário de acordo com a riqueza de cada um, respeitando-se o seu mínimo vital e, por isso, torna-se relevante o sistema progressivo de alíquotas como norma conformadora da competência tributária.
125. Nessa esteira, é de se admitir que o princípio da seletividade serve como complemento à efetividade da igualdade e da capacidade contributiva, pois, a técnica da progressividade é mais facilmente empregada em alguns casos, como v.g. o I.R. (art. 153, §2º, I, CF), o ITR (art. 153, §4º, I, CF) e o IPTU (art. 156, §1º, I, CF), mas não em todos.
514 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 2007, p. 9. 515 Veja posição contrária de Ives Gandra da Silva Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 6o vol., tomo I, São Paulo: Saraiva, 1990, págs. 61/63 e também de Ricardo Lobo Torres, no seu Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, vol. II. Rio de Janeiro: Renovar 2005, págs. 312/320 516 Curso de Direito Constitucional, 2006, p. 88.
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Assim, no caso do ICMS e do IPI, que são impostos que incidem sobre o consumo, a seletividade da alíquota perfaz uma norma de competência que realiza, objetivamente, uma tributação justa e realizadora da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado democrático de direito.
126. O princípio do não-confisco, por sua vez, decorre da capacidade contributiva, pois garante uma tributação justa, uma tributação equânime, dentro dos limites legais, em que se respeita a capacidade econômica do sujeito passivo. Assim, vemos que a exação fiscal, mediante a fixação de alíquotas em desconformidade com a capacidade contributiva do sujeito passivo, caracteriza confisco por se tornar excessiva, aviltante do patrimônio mínimo vital e inviabilizadora, por vezes, da atividade profissional do sujeito passivo, conforme o caso.
127. Esse panorama nos permite afirmar, conclusivamente, com rigor científico, que as normas constitucionais que prefixam alíquotas não confiscatórias são parâmetros normativos de conformação da competência tributária e, não, critérios quantitativos.
128. Um último aspecto principiológico da alíquota tem a ver com o fato de que a Constituição Federal, no artigo 152, estabeleceu que “é vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.”
129. No entanto, para se evitarem deformidades no trato da igualdade tributária, como aquela apontada no exemplo de Ylves José de Miranda Guimarães, em que o contribuinte morador próximo à divisa de Estado pudesse optar em comprar mercadoria sujeita ao ICM do lado em que a alíquota fosse menor, entendemos que a Constituição encampou a igualdade material entre as regiões, ao permitir que o legislador ordinário adote um tratamento tributário desigual, conforme as desigualdades regionais, prefixando ela mesma, no entanto, as alíquotas segundo as desigualdades constitucionalmente asseguradas.
130. Essa prefixação da alíquota, então, como elemento discriminador, é norma de competência tributária que visa a dar efetividade à igualdade tributária. Foi o que aconteceu no artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, da Carta Magna, em que o destino de bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado teve a prefixação alíquota interna ou interestadual do ICMS conforme a condição de contribuinte ou não do destinatário.
Capítulo 7 - Alíquota como norma de competência tributária
131. Além da influência dos princípios na construção de normas de competência relativas às alíquotas tributárias, entendemos haver, ainda, regras constitucionais relativas a elas que também conformam a competência tributária dos entes políticos tributantes, influindo sobre a sua atividade de introduzir normas de conduta no sistema do direito positivo para cobrar tributos, antes mesmo de existir o tão propagado e popular “aspecto quantitativo”. Este, reforce-se, só surgirá com a enunciação legal do “indicador de proporção” que, algebricamente aplicado à “base calculada”, ensejará a quantificação do objeto-material (verdadeiro quantum debeatur).
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132. Quando afirmamos que a Constituição não criou tributos, consideramos como pressuposto que o processo de positivação das normas jurídicas relativas às regras-matrizes de incidência tributária, tendente a constituir obrigações dessa natureza, carece da observância de todos os critérios constitucionalmente preestabelecidos como requisito de validade.
133. Com efeito, a inobservância das regras constitucionais relativas à alíquota tributária, além de outros requisitos, influi na possibilidade jurídica de instituir tributos (competência), implicando a eventual pretensão de constituir obrigação tributária para a exigência dos seus objetos (prestacional e material).
134. Nesse sentido, identificamos que a Constituição Federal empregou o termo “alíquota” em 38 dispositivos, estabelecendo, na maioria deles, o seu modal deôntico próprio, obrigando, proibindo ou permitindo a instituição (competência) de diversas regras-matrizes de incidência tributária pelo legislador ordinário.
135. Por essa forma, podemos antever que o critério denominado pela doutrina de quantitativo, além daqueles outros, material, espacial, territorial e pessoal, quando identificados no subsistema constitucional tributário, são regras que prefixam elementos conformadores da competência tributária, moldando o que chamamos de “arquétipo competencial”.
136. É por isso que afirmamos que, ao lançarmos olhos mais críticos sobre o nosso sistema constitucional tributário, encontraremos matéria tributária cuja competência do ente político está conformada tão somente por princípios e outros tantos que, além da influência destes, têm sua competência também conformada por regras específicas.
137. É de se notar, então, que a Constituição Federal estabelece arquétipos tributários desenhando, por conseqüência, a competência do legislador infraconstitucional, seja porque está adstrito aos princípios, seja porque está submetido às regras estabelecidas pela ordem constitucional ou por ambos, na maioria dos casos.
138. Para nós, é conclusiva a idéia de que é a partir dos arquétipos competenciais tributários que poderemos identificar em quais casos o legislador ordinário tem limitações ou faculdades discricionárias para manipular algumas regras-matrizes de incidência, articulando para maior ou para menor as alíquotas tributárias dos tributos e demais elementos que lhe compõem.
139. Com esse entendimento, podemos afirmar que a Constituição Federal parametrizou a competência tributária em dois planos normativos que se interligam, estabelecendo, primeiro, uma competência cunhada pelo princípio federativo em que se reconhece a autonomia dos entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para divisar, por meio dos critérios, material e territorial, as suas aptidões político-tributárias e, num segundo plano, uma competência calcada nas regras constitucionais tributárias, em sentido estrito, em que se moldam as ações tributárias dentro dos limites das respectivas aptidões (materiais e territoriais) na manipulação de todos os critérios da regra-matriz de incidência tributária, notadamente o da alíquota.
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140. Nessas circunstâncias, então, ao examinar a figura tributária, não se pode ignorar a questão da alíquota, nem descartá-la como critério constitucional que permite identificar a respectiva norma de competência tributária.
141. É o que se atesta quando analisamos as seguintes regras constitucionais:
(1) Contribuições Previdenciárias dos servidores públicos
142. No artigo 149, parágrafo 1º, identificamos a norma de competência da alíquota mínima para a instituição de contribuições previdenciárias dos servidores públicos. Norma que estabelece que nenhum Estado, Distrito Federal ou Municípios poderá instituí-las com alíquota inferior a definida para os servidores da União.
(2) Contribuições Interventivas
143. Nas alíneas “a” e “b”, do inciso II, do parágrafo 2º, do artigo 149, e alíneas “a” e “b”, do inciso I, do parágrafo 4º, do artigo 177, encontramos disposições que tratam da norma de competência da alíquota para as contribuições interventivas, em que se estabelece o dever-poder de fixar alíquotas ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro ou, ainda, específica por unidade de medida, assim como diferençadas por produto ou uso e reduzidas e restabelecidas por ato do Poder Executivo. Importa esclarecer que advogamos que o termo “poderá” desses dispositivos nada tem de facultativo, pois a discricionariedade aqui se apresenta fechada a esses termos constitucionais. O legislador está adstrito a essas alternativas e, não, outras.
(3) Contribuições Sociais
144. A norma de competência da alíquota para as contribuições sociais prevista no parágrafo 9º do artigo 195, em que o constituinte estabeleceu que, em razão da atividade econômica as contribuições sociais ali previstas poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas. Além disso, no parágrafo 12 do mesmo artigo, o enunciado constitucional ainda estabelece que o regime de não-cumulatividade para o cálculo das contribuições sociais poderá ter por base diferentes setores de atividade econômica. Outro aspecto revelador da alíquota como norma de competência é a diretriz constitucional do artigo 201 que preestabelece ao legislador ordinário a obrigação de instituir Contribuições Sociais para pessoas de baixa ou sem renda mediante a fixação de alíquotas inferiores às da previdência geral.
(4) Imposto de Importação - I.I., Exportação - I.E., Produtos Industrializados
- IPI e Operações Financeiras - IOF
145. A norma de competência da alíquota para os impostos regulatórios dispõe que o Poder Executivo pode alterar as alíquotas do Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros – II, sobre a Exportação de Produtos Nacionais ou Nacionalizados – IE, sobre Operações com Produtos Industrializados – IPI e sobre Operações de Crédito, de Câmbio, de Seguro e de Títulos e Valores Mobiliários – IOF, nas condições e limites estabelecidos em lei. A existência dessa regra no parágrafo 1º, do artigo 153, da Constituição Federal, evidencia que a alíquota, quando enunciada no plano constitucional, não é critério
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quantitativo. É, sim, norma de competência tributária e, às vezes, como no presente caso, norma de competência administrativa em face da motivação e finalidade do ato de elevação da alíquota.
(5) Imposto sobre a Renda - IR
146. O inciso I, do parágrafo 2º, do artigo 153, da Constituição Federal, além de dispor expressamente sobre a universalidade e generalidade como regra constitucional do Imposto sobre a Renda, estabelece indiretamente uma progressividade da alíquota como critério conformador da competência impositiva da União.
147. Repise-se que falamos em progressividade indireta da alíquota porque a Constituição Federal estabelece que o imposto deve ser progressivo, possibilitando, com isso, que a técnica da progressividade seja exercida mediante a manipulação direta da base de cálculo ou mediante outros artifícios que impliquem a obtenção de alíquotas progressivas (efetivas) sem, no entanto, seja necessário manipular diretamente as alíquotas nominais enunciadas no texto legal. De qualquer forma, ao determinar que o IR será progressivo, a Constituição Federal delimitou o campo de ação do legislador ordinário, vinculando-o, se quiser instituir esse imposto, à sua progressividade que, em regra, se opera por meio das alíquotas.
(6) Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI
148. O inciso I, do parágrafo 3º, do artigo 153, da Constituição Federal, ao estabelecer que o IPI será seletivo, em função da essencialidade do produto, veicula norma cogente, obrigando ao legislador ordinário a instituí-lo com essa característica normativa. Para nós, trata-se de uma norma específica que conforma a competência tributária da União para instituí-lo conforme a necessidade essencial do consumidor e do produto fabricado.
(7) Imposto sobre Propriedade Territorial Rural – ITR
149. A regra da alíquota, estatuída no inciso I, do parágrafo 4º, do artigo 153, da Constituição Federal, é no sentido de que a União só tem competência para instituir o ITR se, e somente se, (a) for ele instrumento de política agrária e/ou fundiária, (b) for progressivo, com (c) alíquotas desestimuladoras à manutenção de propriedades improdutivas.
150. Para nós, trata-se de uma norma de competência que norteia a função do legislador ordinário na instituição do ITR.
(8) IOF sobre o Ouro Ativo Financeiro
151. Entendemos que o disposto no parágrafo 5º, do artigo 153, da Carta Magna, ao estabelecer que o ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, se sujeita exclusivamente à incidência do IOF, devido na operação de origem, a alíquota mínima de um por cento, está a veicular uma legítima norma de competência.
152. Evidencia-se a conformação da competência tributária da União, nessas condições, mediante a prefixação de um aspecto proibitivo da alíquota inferior a 1%, pois o
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legislador constituinte sentiu a necessidade de conformá-la com essa limitação para impedir que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios ficassem, por vontade política unilateral da União, sem participar do resultado da riqueza constituída a partir de seus respectivos territórios.
(9) Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD
153. Por força do inciso IV, do parágrafo 1º, do artigo 155, da Constituição Federal, compete ao Senado Federal fixar a alíquota máxima do ITCMD, o que acabou acontecendo por meio da Resolução n.o 9/92, a partir de 1º de janeiro de 1992, a qual fixou a alíquota em 8% e facultou aos Estados instituir alíquotas progressivas conforme o quinhão herdado.
154. Pelo texto constitucional, abstraímos uma norma em que a competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir o ITCMD foi conformada pela prefixação de uma alíquota máxima, em decorrência da necessidade de se estabelecer um teto nacional como política de igualdade e justiça tributária, impedindo abusos confiscatórios que poderiam ser perpetrados pelos Estados/Distrito Federal contra o direito de herança e doação.
155. Como se nota, as regras-matrizes do ITCMD a serem definidas pelos entes políticos tributantes deverão pautar as respectivas alíquotas dentro do limite constitucionalmente reservado à decisão do Senado Federal, sob pena de extrapolação da competência tributária concedida.
(10) Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e
Prestação de Serviços de Transporte de Natureza Interestadual ou Intermunicipal e
de Comunicação - ICMS
156. Por força do disposto no parágrafo 2º, do artigo 155, da Constituição Federal, o ICMS é o imposto que apresenta maior número de regras relativas à prefixação de alíquotas conformadoras da respectiva competência tributária.
157. Primeiramente, pode-se destacar que o inciso III estabelece que o ICMS poderá ser seletivo, semelhantemente ao IPI. Sobre essa regra entendemos, como Celso Antonio Bandeira de Mello, deva ser compreendida como dever-poder, em decorrência dos princípios da isonomia e capacidade contributiva, e não como uma simples faculdade posta ao arbítrio do legislador.
158. Além dessa regra, segue-se a insculpida no inciso IV, do parágrafo 2º do artigo 155, da Constituição Federal, que trata da norma de competência para a prefixação das alíquotas para as operações e prestações interestaduais e de exportação. Segundo essa regra, os Estados e o Distrito Federal só poderão instituir o ICMS sobre operações e prestações interestaduais e de exportação nos moldes das alíquotas estabelecidas por resolução do Senado Federal.
159. Já no que atina às alíquotas internas do ICMS, também a Constituição Federal, nas alíneas “a” e “b”, do inciso V, do parágrafo 2º, do artigo 155, conformou a competência dos Estados e do Distrito Federal com os limites, mínimo e máximo,
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estabelecidos pelo Senado Federal. À evidência de tratar-se de norma de competência reside no fato de que a resolução do Senado Federal visa resolver conflito entre os entes políticos delimitando a fixação das alíquotas internas deste imposto, limitando o arbítrio tributário a esses limites.
160. Outra regra conformadora da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal é o inciso VI, do parágrafo 2º, do artigo 155, da Constituição Federal, que predetermina as alíquotas mínimas nas operações praticadas dentro dos seus respectivos territórios, impedindo que elas sejam inferiores às interestaduais. Trata-se de norma limitativa do arbítrio fiscal para impedir sejam incentivadas as operações internas e desestimuladas as interestaduais, prejudicando o desenvolvimento de outras unidades federativas.
161. Os incisos VII e VIII, ambos do parágrafo 2º, do artigo 155 da Constituição Federal, veiculam a prefixação das alíquotas a serem instituídas nas operações interestaduais envolvendo consumidor final. São normas de competência que visam a tributar isonomicamente o consumidor final, independentemente do seu Estado de origem ou destino, e distribuir, igualitariamente, a carga tributária entre os entes políticos tributantes.
162. No caso dos combustíveis e lubrificantes, a Constituição Federal estabeleceu, no inciso XII e parágrafo 4º, competência para que sejam tributados uma única vez pelo ICMS e que suas alíquotas sejam definidas por meio de convênios, celebrados no âmbito do Conselho Fazendário - CONFAZ, e nos termos da lei complementar, devendo, no entanto, ser uniformes em todo o território nacional e podendo ser diferençadas por produtos, específicas por unidade de medida, ou ad valorem e, ainda, serem reduzidas e restabelecidas no mesmo exercício financeiro.
163. Essas tantas circunstâncias relativas ao ICMS nos obrigam a repisar a afirmação de que os enunciados constitucionais que veiculam os termos relativos às suas alíquotas são verdadeiras normas de competência tributária, estruturantes do sistema jurídico dessa espécie tributária e, em nada se confunde com o aspecto quantitativo da norma de conduta instituída pelos entes federados.
(11) Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotivos – IPVA
164. No que atina ao IPVA, encontramos nos incisos I e II, do parágrafo 6º, do artigo 155, da Constituição Federal, incluídos pela Emenda Constitucional n.o 42/03, normas relativas à alíquota que também conformam a competência dos Estados e do Distrito Federal, delimitando o arquétipo competencial com alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal e diferençadas em função do tipo e utilização dos veículos.
165. Segundo essas regras constitucionais, além dos demais critérios ipso jure, o legislador ordinário só poderá instituir o IPVA mediante a fixação de alíquotas iguais ou superiores à alíquota mínima prefixada em resolução do Senado Federal, “podendo-devendo” prescrever variações conforme o tipo e utilização do veículo.
166. Para nós, trata-se de norma constitucional motivada pela necessidade de se conformar o exercício da competência para a efetividade do princípio fundamental da
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igualdade republicana e do princípio federativo, nos termos do artigo 1º, da Constituição Federal, bem como de uma norma cogente de competência que veicula ser obrigatória a variação da alíquota em razão da necessidade de observância dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, fazendo com que haja melhor distribuição da carga tributária e de justiça fiscal.
(12) Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana – IPTU
167. Relativamente ao IPTU, encontramos as regras dispostas nos incisos I e II do parágrafo 1º, do artigo 156, com redação dada pela Emenda Constitucional n.o 29/00, que prevêem que este imposto deverá ser progressivo (1) em razão do valor do imóvel; (2) ter alíquotas diferençadas de acordo com a localização e o uso do imóvel.
168. Essa regra constitucional estabelece, em outras palavras, que a competência dos Municípios para instituir o IPTU está moldada pelo critério de que quão maior for o valor do imóvel, maior “poderá-deverá” ter a alíquota correspondente e, ainda, mais, “poderá-deverá” ter a alíquota diferençada conforme a localização e o uso do imóvel.
169. Para nós, trata-se de normas constitucionais conformadoras da competência exacional, em sintonia com o princípio da capacidade contributiva, realizador da igualdade tributária. Assim sendo, segundo a Constituição Federal, em que pese não serem assim na prática, os Municípios deveriam instituir o IPTU segundo esses parâmetros competenciais.
170. Outro aspecto competencial diz respeito à norma veiculada pelo inciso II, do artigo 4º, do artigo 182, da Constituição Federal, que prevê a conformação da competência tributária para a instituição do IPTU, progressivo no tempo, para a realização da função social da propriedade imobiliária. À evidência, trata-se de norma de natureza extrafiscal que estabelece a possibilidade de instituir alíquotas progressivas no tempo para a realização de uma finalidade social. Essa alíquota (direta ou indireta/efetiva) progressiva no tempo e a finalidade social da medida são, indiscutivelmente, regras constitucionais conformadoras da competência tributária dos Municípios.
(13) Imposto sobre Serviços – ISS
171. A Constituição Federal, em seu artigo 156, §3º, inciso I, estabeleceu que a competência tributária para a instituição do ISS será conformada pela prefixação das alíquotas, máxima e mínima, pelo legislador complementar.
172. Como dissemos, a prefixação da alíquota máxima, muito embora a Emenda Constitucional n.o 01/69,517 já há muito tempo tenha enunciado que caberia à lei complementar fixar as alíquotas máximas do ISS, isso veio a ocorrer tão somente em 1999, pelo artigo 4º, da Lei Complementar n.o 100, de 22 de dezembro de 1999, que estabeleceu,
517 É o que dispunha o artigo 24, §4º, da Emenda Constitucional 01/69, que alterou a CF de 67.
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em caráter aparentemente específico, a alíquota máxima de 5% tão somente para os contratos de concessão de serviços relativos às rodovias.518
173. Essa limitação foi mantida pelo artigo 8º, inciso II, da Lei Complementar n.o 116/03, e deve ser tida, enquanto válida no sistema, como uma norma que regula a conformação da competência tributária dos Municípios e do Distrito Federal.
174. Já no que pertine à prefixação de alíquotas mínimas do ISS, entendemos que a Emenda Constitucional n.º 37, de 12 de junho de 2002, em que pese a sua equivocada enunciação, caracteriza-se como uma norma conformadora da competência dos Municípios e do Distrito Federal.
175. Além de ter estabelecido que caiba à lei complementar prefixar uma alíquota mínima do ISS (inexistente até o momento), a Emenda Constitucional 37/02 também acrescentou o artigo 88 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, estabelecendo que, enquanto não sobrevier referida lei no sistema do direito positivo, o ISS terá alíquota mínima de 2%, excetuando, tão somente os serviços relacionados ao setor de construção civil.
176. A conclusão vem no sentido de que, embora sejam normas de competência, há equívoco em intervir na autonomia dos Municípios e do Distrito Federal, impedindo-os de conceder isenções e benefícios fiscais, com ou sem a redução de alíquota a zero.
177. Outra crítica que podemos fazer às regras de competência relativas às alíquotas do ISS é que a pequena margem existente entre a alíquota de 2% e de 5%, constitucionalmente prefixada, impede os Municípios de instituírem um efetivo sistema progressivo de alíquotas.
178. Uma última violação cometida pelo legislador constituinte derivado, ao modificar a conformação da competência tributária dos Municípios e do Distrito Federal para a instituição do ISS, diz respeito à quebra da isonomia tributária pela discriminação inconstitucional do setor de construção civil dos demais prestadores de serviço. Segundo o artigo 88, inciso I, parte final, esse setor pode ser beneficiado com alíquotas inferiores a 2%.
179. Em remate, em que pesem todas as inconstitucionalidades acima comentadas, elas servem de apoio ao nosso desiderato, pois, podemos afirmar que as normas relativas às alíquotas do ISS, sejam as introduzidas pelo legislador Constituinte Originário (alíquota máxima - artigo 156 da CF) ou pelo legislador Constituinte Derivado (alíquota mínima - Emenda Constitucional n.o 37/02), são normas que conformam a competência tributária e influem na ação do legislador ordinário dos Municípios e do Distrito Federal, não se podendo considerá-las como simples critérios quantitativos.
518 José Eduardo Soares de Melo registra a origem da fixação de alíquotas máximas no Ato Complementar 34, de 30.01.67, na vigência da CF de 1946 sem, entretanto, haver fundamento constitucional. Aspectos teóricos e práticos do ISS, 2ª Ed. Dialética, São Paulo, 2001, p. 108.
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180. Embora tenhamos feito o registro de que o termo “alíquota” foi empregado em 38 dispositivos constitucionais, apuramos que, em alguns deles, efetivamente se caracterizavam como normas de competência, embora já não mais em vigor no sistema jurídico, como no caso do Imposto sobre Venda a Varejo de Combustíveis – IVVC (art. 34, § 7º, do ADCT), Contribuição para a Seguridade Social (art. 56 do ADCT), Fundo Social de Emergência – (artigo 72 do ADCT), Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF (artigos 74 e 75 do ADCT), e outros tantos como o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (artigos 79 a 83), que veicularam normas de competência relativas à instituição de alíquotas adicionais tanto para tributos federais, quanto para estaduais, distritais e municipais.
181. Diante de todo esse arsenal de normas constitucionais relativas às alíquotas para a conformação das inúmeras competências tributárias, mister destacar que, diferentemente das normas de conduta estrito senso, as normas de competência são destinadas a regular as condutas dos representantes do povo, aquelas autoridades incumbidas de produzirem novas regras jurídicas.
182. Nesse passo, podemos concluir, então, que o sistema do direito positivo possui uma gama de normas constitucionais (e infraconstitucionais, quando revestidas de conotação constitucional, tais como a resolução do Senado Federal e a Lei Complementar editadas segundo os preceitos da própria Constituição Federal), relativas às alíquotas tributárias que, embora possam ser consideradas finalisticamente como normas de conduta, uma vez que, em termos pragmáticos, sempre influenciarão as relações interpessoais, são normas especificamente direcionadas ao legislador ordinário e, portanto, são precipuamente normas de estrutura que visam a estabelecer um arquétipo das alíquotas como norma de competência tributária e funcionam como limites normativos ao exercício do poder de tributar.
Capítulo 8 – Alíquota como garantia de segurança jurídica em matéria tributária
183. Como corolário lógico, a competência tributária, que é norma geral e abstrata, só pode ser exercida mediante a existência e ação do órgão legislativo do ente político competente.
184. Disso resulta que, no conseqüente das normas de competência tributária, encontraremos o conteúdo, os termos em que a pessoa política competente deverá exercitar a faculdade de criar tributos, prescrever as hipóteses, os sujeitos, os critérios quantitativos, o tempo e o lugar de ocorrência do fenômeno tributário.
185. Isso implica reconhecer que a normas de competência, com todos os seus aspectos, incluindo-se aí o da alíquota, possibilita e delimita a edição de outra norma, denominada “veículo introdutor de normas”, em decorrência do seu exercício (da competência).
186. Por essa forma, o órgão competente, ao editar um enunciado normativo insere no sistema do direito positivo um documento normativo (lei, decreto, resolução, portaria, etc.) que nos permite construir as normas de conduta por ele introduzidas.
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187. A conseqüência é que a norma de conduta introduzida pelo agente competente, para que surta seus efeitos jurídicos, carece de compatibilidade com os balizamentos da norma de competência tributária.
188. Esse processo produtivo revela-nos que os enunciados constitucionais relativos às alíquotas tributárias são, tipicamente, caracterizados como normas de competência legislativo-tributária e compõem um feixe de proposições normativas que delimitam, juntamente com as normas de produção jurídica, o universo de ação do legislador infraconstitucional e, a partir disso, garantem, finalisticamente, a segurança jurídica do jurisdicionado.
189. Essa garantia se dá pelo fato de que as normas de comportamento, introduzidas pelo legislador infraconstitucional no subsistema jurídico-tributário, só poderão afetar as relações intersubjetivas quando estiverem em perfeita harmonia com todas as normas de competência legislativo-tributária, notadamente das alíquotas.
190. Nesse sentido, entra em cena a segurança jurídica como valor constitucional supremo que dá estabilidade ao sistema jurídico, implica outros valores do ordenamento e impõe limites objetivos para a sua eficácia (do sistema).
191. Isso significa reconhecer que o conteúdo material dos enunciados constitucionais que explicitam regras jurídicas relativas à prefixação das alíquotas tributárias, assim como outras tantas regras constitucionais, devem estar em total comunhão com os princípios fundamentais do Estado democrático de direito (arts. 1º ao 4º, da CF) e com os direitos e garantias individuais (art. 5º, da CF), implicando decisivamente no exercício das competências tributárias
192. As regras constitucionais que prefixam alíquotas são normas de estrutura que moldam o arquétipo competencial dos entes políticos para a criação de tributos e garantem uma tributação justa, nos moldes constitucionais.
193. Por essa forma, o cidadão-contribuinte sempre saberá, com antecedência, que a lei instituidora de um determinado tributo, deverá se coadunar com aquelas normas constitucionais que prefixam as alíquotas tributárias, dando-lhe a exata dimensão da certeza de seu direito em face da afetação de sua propriedade.
194. Podemos acrescentar que as normas constitucionais relativas às alíquotas tributárias se apresentam como limites que possibilitam a previsibilidade dos efeitos das relações jurídicas a serem constituídas no plano concreto das normas tributárias.
195. O conhecimento prévio das normas constitucionais relativas às alíquotas, assim como acontece com os outros aspectos, permite a verificação empírica da validade das leis exacionais, possibilitando ao contribuinte demandá-las perante o Judiciário para proteger o seu patrimônio do exercício irregular da competência tributária.
196. Diante disso tudo, concluímos que as normas constitucionais que prefixam alíquotas tributárias são efetivamente normas de competência, cuja estrutura impede seja a alíquota considerada tão somente como um aspecto quantitativo da obrigação tributária (norma de conduta). Ademais, como arquétipos competenciais que são, as normas
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constitucionais relativas às alíquotas delimitam o exercício do legislador infraconstitucional na sua fixação ou majoração, garantindo, assim, a segurança jurídica do contribuinte, no tocante a esse aspecto.
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