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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Verônica Alves Borges O processo de tornar-se cuidador principal do paciente renal crônico em hemodiálise MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA SÃO PAULO 2009

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Alves... · do Apego de John Bowlby, e indica que há grande impacto objetivo (tais como rotina diária, saúde, convivência

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Verônica Alves Borges

O processo de tornar-se cuidador principal

do paciente renal crônico em hemodiálise

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

SÃO PAULO

2009

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Verônica Alves Borges

O processo de tornar-se cuidador principal

do paciente renal crônico em hemodiálise

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de MESTRE

em Psicologia Clínica – Núcleo de Família e

Comunidade, sob a orientação da Profa.

Doutora Maria Helena Pereira Franco.

SÃO PAULO

2009

Banca Examinadora

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

Ao meu pai (in memoriam) e à minha mãe,

os pais certos para mim.

À minha família,

meu porto seguro.

AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco, pelo respeito, carinho e firmeza de

sua orientação na construção deste trabalho, confiando que eu seria capaz de

realizá-lo.

À Profa. Dra. Maria Julia Paes da Silva e Profa. Dra. Fernanda A. C. Gouveia-

Paulino, por todas as observações que fizeram durante meu exame de

qualificação, contribuindo para o correto direcionamento dessa pesquisa.

Ao Instituto de Nefrologia e Diálise - INEDI, em especial à Dra. Soraia Stael

Drumond e Dra. Fuquico Nakamoto que, gentilmente, permitiram o acesso às

dependências e aos pacientes. Meu agradecimento à psicóloga Neisi Cabanal

Mendes, pela paciência com que me acompanhou, orientou e facilitou a obtenção

das informações sobre os pacientes e respectivos cuidadores.

Às cuidadoras, participantes desta pesquisa e que compartilharam comigo suas

histórias de vida.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, pelo

apoio financeiro para a realização desta pesquisa.

À Rita de Cássia Macieira, grande incentivadora e uma das responsáveis pela

minha transformação: de lagarta até borboleta.

Á Selenita, Flávia, Fabio e Isela, queridos amigos e parceiros que acompanharam

e incentivaram o desenvolvimento desta dissertação e a todos os amigos que

souberam compreender a minha ausência, oferecendo apoio nos momentos mais

difíceis.

RESUMO

O processo de tornar-se cuidador principal do pacie nte renal crônico em

hemodiálise

Verônica Alves Borges

Orientadora: Drª Maria Helena Pereira Franco

O processo de se tornar cuidador principal do paciente renal crônico em

hemodiálise foi estudado por meio de uma investigação de natureza qualitativa,

realizada com oito participantes do sexo feminino, acima de 19 anos, com laços

biológicos e a principal responsabilidade do cuidado. O cuidador principal ainda é

invisível às políticas públicas, pois não há programas que atendam a esse público

no Brasil. As iniciativas privadas buscam promover a criação de grupos de apoio;

porém, elas são insuficientes para atender à demanda que, no âmbito brasileiro, é

muito grande. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada

com perguntas elaboradas a partir da versão brasileira validada da escala Burden

Interview (SCAZUFCA, 2002) e do Inventário de Burnout de Maslach - Human

Services Survey (MASLACH & LEITER, 1997), versão brasileira validada

(CARLOTTO & CÂMARA, 2007). A análise dos dados ocorreu a partir da Teoria

do Apego de John Bowlby, e indica que há grande impacto objetivo (tais como

rotina diária, saúde, convivência familiar e social, profissão, finanças) e subjetivo

(estresse mental) na vida do cuidador. Além disso, a síndrome de burnout pode

ser considerada como diagnóstico possível para o conjunto dos sintomas

encontrados no cuidador principal do paciente renal crônico. Novos estudos são

necessários para ampliar o conhecimento sobre burnout nos cuidadores de

pacientes crônicos em geral, pois cada doença exige respostas individualizadas

do cuidado.

Palavras-chave : cuidador; burnout; luto antecipatório; doença renal crônica.

ABSTRACT

The process of becoming the main caregiver of the r enal chronic

hemodialysis patient

Verônica Alves Borges

Advisor: Maria Helena Pereira Franco

The process of becoming the main caregiver of the renal chronic hemodialysis

patient was pursued by means of a qualitative investigation, which was made upon

the results got from 8 female, adult participants above 19 years old, who were

family bounds to the patients and to who were in charge of taking care of them.

The main caregiver remains invisible to the public politics, for there are not any

programs that cover such audience in Brazil. Private initiatives try to provide the

creation of support groups; however, there are not enough groups to cover such a

huge demand for them. The data have been collected by means of a semi-

structured interview containing questions that were shaped according to the

validated version of the Burden Interview scale (SCAZUFCA, 2002) and of the

Maslach’s Burnout Inventory - Human Services Survey (MASLACH & LEITER,

1997), in a Brazilian validated version (CARLOTTO & CÂMARA, 2007). The

analysis of those data was made based on the Attachment Theory by John

Bowlby, and it shows that there is a great positive impact (such as daily routine,

health, social common family living, job, finance), as well as a subjective impact

(mental stress) acting upon the life of the caregiver. Besides, the burnout

syndrome might be considered as a helpful diagnosis for the set of symptoms

reported by the main caregiver of the renal chronic patient. Further studies are

necessary in order to increase the knowledge concerning the burnout syndrome

on the caregivers of renal chronic patients, for each disease demands proper,

individual responses concerning the care-giving.

Key Words : caregiver; burnout; anticipatory grief; renal chronic disease.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABTO Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos

CFM Conselho Federal de Medicina

CNCDOs Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos

CNDSS Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde

DCNT Doença Crônica Não Transmissível

DP Despersonalização

DPA Diálise Peritoneal Ambulatorial

DPAC Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua

DRC Doença Renal Crônica

DSC Discurso do Sujeito Coletivo

DT Doença Transmissível

EE Esgotamento Emocional

FA Família Atual

FE Família Extensa

FN Família Nuclear

FO Família de Origem

FS Família Substituta

HD Hemodiálise

HIV Human Immunodeficiency Virus

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IRC Insuficiência Renal Crônica

MS Ministério da Saúde

OMS Organização Mundial de Saúde

OPAS Organização Pan-Americana da Saúde

POF Pesquisa de Orçamentos Familiares

RP Realização Profissional

SBN Sociedade Brasileira de Nefrologia

SNT Sistema Nacional de Transplantes

SUS Sistema Único de Saúde

WHO World Health Organization

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

I A TEORIA DO APEGO 14

I.1 John Bowlby e as características do comportamento de apego 14

II. CONTEXTUALIZANDO A DOENÇA RENAL CRÔNICA 20

II.1 O conceito de doença 20

II.2 A doença crônica 20

II.3 A doença renal crônica 21

II.3.1 A terapia renal substitutiva 22

II.3.1.1 A diálise peritoneal 24

II.3.1.2 A hemodiálise 25

II.3.1.3 O transplante renal 26

II.4 Dados epidemiológicos 28

II.4.1 Brasil 28

II.4.2 O município de Taboão da Serra 31

III. O CUIDADO, O CUIDADOR E O GRUPO FAMILIAR 35

III.1 O cuidado 35

III.2 O cuidador 36

III.3 O grupo familiar 39

III.3.1 A família e o ciclo vital 41

III.3.2 A família e a doença crônica 43

IV. O LUTO NA EXPERIÊNCIA DA DOENÇA CRÔNICA 46

IV.1 O luto antecipatório 46

V. A SÍNDROME DE BURNOUT 50

V.1 Definição 50

V.2 As três dimensões da síndrome 52

VI. OBJETIVO E MÉTODO 56

VI.1 Objetivo 56

VI.2 Método 56

VI.2.1 Tipo do estudo 56

VI.2.2 Perspectiva do estudo 58

VI.2.3 Caracterização da instituição 59

VI.2.4 Participantes 59

VI.2.5 Procedimento para coleta dos dados 61

VI.2.6 Aspectos éticos 63

VI.2.7 Instrumentos 64

VI.2.8 Procedimentos para análise dos dados 64

VII. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 66

VIII. DISCUSSÃO 123

CONSIDERAÇÕES FINAIS 142

REFERÊNCIAS 148

ANEXOS 157

11

INTRODUÇÃO

A origem do cuidado confunde-se com a origem da humanidade e, desde

os primórdios da civilização, cuidar é sinônimo de manutenção da vida.

O interesse pelo tema do cuidado surgiu durante um trabalho de

intervenção lúdica realizado em uma clínica de hemodiálise no município de

Taboão da Serra, em São Paulo, cujo objetivo era favorecer o relaxamento e o

relacionamento interpessoal entre os pacientes considerados muito agressivos

pela equipe médica.

Uma vez por semana, durante o horário da hemodiálise, eram promovidos

jogos e brincadeiras com um grupo de pacientes renais crônicos. Após cinco

meses da realização desse trabalho, foi verificado, por meio da observação direta

e de relatos da equipe de enfermeiros e médicos, que os pacientes apresentavam

uma significativa melhora no humor e aderência ao tratamento, fato este que

contrastava com os pacientes que não participaram da intervenção, pois faziam

hemodiálise em outros dias e horários.

Durante esse período, foi observado que os acompanhantes desses

pacientes não tiveram qualquer tipo de atendimento, ou seja, ficavam literalmente

“à própria sorte”, sem apoio psicológico ou esclarecimento sobre os âmbitos

afetados de sua nova vida, sem espaço adequado para o diálogo e a livre

expressão de seus afetos, e sem promoção do intercâmbio entre cuidadores com

vivências similares para a troca de experiências.

Enquanto aguardavam que os pacientes em fila realizassem a pesagem

(obrigatória antes e após a hemodiálise), os cuidadores conversavam entre si. O

tema das conversas sempre girava em torno das dificuldades que enfrentavam,

com ênfase na rotina obrigatória de comparecer à clínica, 3 vezes por semana.

Assim que os pacientes iniciavam a hemodiálise, os cuidadores deixavam o local

e retornavam, quatro horas depois, para acompanharem os pacientes de volta ao

lar.

Essas observações motivaram o estudo ora apresentado, e o levantamento

bibliográfico sobre o tema aponta para uma ampla produtividade, tanto no Brasil

12

como no exterior, de trabalhos relacionados ao cuidador, bem como abrange

tanto o profissional da saúde — que tem como foco o cuidado ao paciente —,

quanto os cuidadores — que exercem as funções do cuidado, sem que para isso

recebam algum tipo de remuneração. Nesse caso, a existência dessas duas

categorias de cuidadores coloca-nos frente à primeira questão importante, a

saber, a reflexão sobre as diferenças objetivas (rotina do lar, relações familiares,

relações sociais, lazer, finanças) e subjetivas (estresse físico e mental) existentes

entre os sujeitos que vivenciam a experiência do cuidar. Como não foi encontrado

trabalho específico sobre o cuidador do paciente renal crônico em hemodiálise,

associando os sintomas da sobrecarga do trabalho principal com a síndrome de

burnout, esta pesquisa busca verificar as diferentes fases envolvidas no processo

de se tornar cuidador, por meio de um estudo de natureza qualitativa, utilizando

como referencial teórico os pressupostos de John Bowlby sobre a Teoria do

Apego, apresentada no primeiro capítulo.

O segundo capítulo busca conduzir o leitor através do mundo da doença

crônica, nos diferentes conceitos e classificações, e concentra a atenção sobre a

doença renal crônica a partir de sua origem, de seus sintomas, de suas

consequências e dos tratamentos possíveis, assim como o contexto

epidemiológico brasileiro e regional em que a pesquisa foi realizada.

O terceiro capítulo especifica as dimensões do cuidado e a influência desse

papel no cuidador, dentro de uma visão biopsicossocial, incluindo as

repercussões no grupo familiar. O quarto capítulo aborda aspectos relacionados

ao luto, também conhecido como “luto antecipatório”, cuja ocorrência se deve à

possibilidade da morte iminente originada pela doença crônica, afetando o

enfermo, o cuidador e seus familiares.

O quinto capítulo apresenta a história e as características da síndrome de

burnout e, a partir da avaliação dos sintomas das suas três dimensões, procura

subsídios para analisar e discutir os resultados associando os sintomas da

sobrecarga do trabalho principal com a síndrome. O sexto capítulo apresenta o

objetivo e a metodologia utilizados nesta pesquisa.

No sétimo capítulo são apresentados os resultados a partir do Discurso do

Sujeito Coletivo numa avaliação transversal entre os três grupos de cuidadores

13

selecionados, identificando as principais repercussões no cuidador dentro do seu

contexto familiar e social.

O oitavo capítulo oferece a discussão dos resultados, à luz do

embasamento teórico dos capítulos anteriores, e busca a compreensão dos

temas levantados dentro do discurso coletivo. Por fim, as Considerações Finais

objetivam realçar os pontos impactantes na atividade do cuidado, assim como dos

indicativos de burnout no cuidador do paciente renal crônico, bem como

apresenta reflexões sobre as possibilidades públicas e privadas, de apoio ao

cuidador.

14

CAPÍTULO I – A TEORIA DO APEGO

I.1 John Bowlby e as características do comportamen to de apego

Na década de 1950, John Bowlby, psicanalista e estudioso do

comportamento humano, procurava respostas para uma pergunta recorrente, que

fazia a outros colegas de profissão, sobre o caminho que deveria seguir a

psicanálise para estar submetida a uma rigorosa disciplina científica sem

prejudicar suas valiosas contribuições. Naquela ocasião, Bowlby se deparou com

a obra dos etologistas — biólogos que estudavam o comportamento dos animais

em seu habitat natural, usando conceitos como os de instinto, conflito e

mecanismo de defesa semelhante aos utilizados para o comportamento humano,

além de terem conseguido criar uma técnica experimental para submeter suas

hipóteses a provas.

Os etologistas centralizaram seus estudos no desenvolvimento do

comportamento social e nas relações familiares em espécies inferiores. Bowlby

concluiu que tal abordagem oferecia um conjunto de conceitos e dados relevantes

para a compreensão do comportamento humano, embora o fizesse com respaldo

científico (BOWLBY, 2006).

Em 1958, ele propôs que, assim como em outras espécies animais, os

bebês humanos seriam programados para emitir certos comportamentos que

necessitariam de atenção e de cuidados e que manteriam a proximidade do

cuidador. Seu estudo demonstra que o repertório comportamental do

comportamento de apego inclui chorar, fazer contato visual, agarrar-se,

aconchegar-se e sorrir. Bowlby (2006, p.172), enfatiza sete características do

comportamento de apego:

a) Especificidade – o comportamento de apego é dirigido para um ou alguns

indivíduos específicos, geralmente em ordem clara de preferência.

b) Duração – o apego persiste, geralmente, por grande parte do ciclo vital.

c) Envolvimento emocional – muitas das emoções mais intensas surgem durante

a formação, a manutenção, o rompimento e a renovação das relações de apego.

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d) Ontogenia – o comportamento de apego desenvolve-se durante os primeiros

nove meses de idade de vida dos bebês humanos e mantém-se ativado até o final

do terceiro ano de vida; no desenvolvimento saudável, torna-se, daí por diante,

cada vez menos ativado.

e) Aprendizagem – recompensas e punições desempenham apenas um papel

secundário. A ligação pode desenvolver-se, apesar de repetidas punições por

uma figura de apego.

f) Organização – o comportamento de apego pode ser ativado pelo

estranhamento, pela fome, pelo cansaço e por qualquer coisa assustadora. As

condições terminais incluem a visão ou o som da figura materna, bem como a

interação com ela. Quando o comportamento de apego é fortemente despertado,

o término poderá requerer o contato físico ou o agarramento à figura materna e

(ou) ser acariciado por ela. Inversamente, quando a figura materna está presente,

a criança deixa de manifestar o comportamento de apego e passa a explorar o

meio ambiente.

g) Função biológica – o comportamento de apego possui valor de sobrevivência.

Assim, a função do comportamento de apego é a da proteção.

É necessário ressaltar que o comportamento de apego difere do

comportamento de dependência nas suas características essenciais, pois este

último não está relacionado a uma pessoa específica e tampouco a uma emoção

forte (sendo que, neste caso, nenhuma função biológica está ativada).

Na teoria do apego, a figura materna desempenha papel vital no

desenvolvimento saudável da criança enquanto fornecedora da base segura para

que a criança possa explorar o meio ambiente ou regressar ao colo materno

quando se sentir ameaçada ou assustada. Tal comportamento será ativado ou

desativado durante toda a vida adulta, dependendo de quem esteja atuando como

figura de apego, traduzida na figura do cônjuge, dos pais e até dos filhos. Nesse

contexto, as experiências de uma criança com seus pais determinarão sua

capacidade ou incapacidade para estabelecer vínculos afetivos durante toda a

vida, pois terá “construído um modelo representacional de si mesma como sendo

capaz de se ajudar e merecedora de ser ajudada se surgirem dificuldades”

(BOWLBY, 2006, p.179).

16

O “modelo representacional de si mesmo” é o conjunto de experiências que

a criança teve em seus primeiros anos de vida e cuja função é regular, interpretar

e prever o comportamento, os pensamentos e os sentimentos relativos ao apego

tanto de si como da figura de apego. Experiências angustiantes de separação da

mãe, ocorridas entre 3 e 5 anos na vida de uma criança, expõem-na à

possibilidade de ocorrer danos psíquicos com efeitos secundários imediatos de

reação hostil à mãe ao reunir-se novamente a ela; excessiva solicitação da mãe

ou mãe substituta com intensa possessividade, ciúme extremo e violentos

acessos de raiva; ligação calorosa, mas superficial com qualquer adulto e

retraimento apático a qualquer envolvimento emocional. Assim, como qualquer

adulto, as crianças que perderam uma pessoa amada também sentem pesar e

passam por períodos de luto (BOWLBY, 2006, 2006a).

Esse conjunto de experiências transforma-se, com o tempo, em modelos

internalizados que podem ser classificados em quatro categorias de diferenças

individuais no apego adulto (BARTHOLOMEW e HOROVITZ, 1984):

a) Estilo seguro: pessoa com um modelo positivo de si e dos outros, valoroso e

digno de amor. Considera os outros como responsivos e atenciosos; procura

proximidade, sente-se confortável nos relacionamentos que são de longa

duração, havendo compromisso. Quando fica com raiva, tem maior

probabilidade de procurar soluções construtivas, ao invés de punição ou

revanche; em épocas de necessidade, procura apoio. Padrão de

comportamento: confortável com a intimidade e a autonomia.

•••• Tipo de vínculo: seguro.

•••• Reação ao luto: expressa sentimentos e emoções como o medo do abandono

e a raiva; expressa saudade, assim como suas decepções, remorsos e

recriminações pela figura perdida; após o período de pesar, encara a realidade

e se reorganiza.

b) Estilo evitador: pessoa que tende a um autoconceito muito positivo de si (não

realista) e acredita ser valoroso e independente. Não gosta de contato físico ou

de carícias dentro do relacionamento amoroso; tende a ver os relacionamentos

de modo negativo e evita interações pessoais; nega a importância dos

relacionamentos, a existência de conflitos estressantes e a necessidade de

17

ajuda. Necessita classificar-se como perfeito, numa idealização defensiva por

medo de que alguma imperfeição seja encontrada.

•••• Padrão de comportamento: autoconfiança compulsiva; contrário à

dependência; rejeita a intimidade.

•••• Tipo de vínculo: solicitude compulsiva – envolve-se em relações, sempre no

papel de dispensador de cuidados, nunca de os receber.

•••• Reação ao luto: tende a protelá-lo por meses ou anos. Porém, irritabilidade e

tensão geralmente estão presentes e podem ocorrer depressões episódicas,

tanto tempo depois, que se perde de vista a conexão causal com a morte ou a

separação.

c) Estilo temeroso: pessoa com um conceito negativo, tanto de si como dos

outros. Minimiza o contato íntimo a fim de evitar a rejeição e, muito hostil, não

percebe quando está ficando nervoso. Ciumento, tende a usar o álcool para

reduzir a ansiedade em situações sociais. Considera os outros

insuficientemente responsivos e a ativação do sistema de apego não leva ao

conforto e à satisfação.

•••• Padrão de comportamento: evita o contato social; teme a intimidade.

•••• Tipo de vínculo: evitação.

•••• Reação ao luto: tende a se caracterizar por uma raiva extraordinariamente

intensa e (ou) autorrecriminação acompanhada de depressão, que tende a

persistir por muito mais tempo do que o normal.

d) Estilo preocupado: pessoa com uma visão negativa de si; porém, julga os

outros amáveis e receptivos; busca proximidade emocional e a julga, sempre,

insuficiente; sente necessidade de fusão com o parceiro: espera que o outro

preencha todas as suas necessidades; torna-se completamente dependente do

outro e se sente ameaçado pelas tentativas naturais de autonomia do parceiro;

demonstra emoções exacerbadas e solidão acentuada. Sente-se

particularmente afetado pelo fim de um relacionamento. A instabilidade pela

proximidade pode ser considerada uma hiperativação do sistema de apego.

•••• Padrão de comportamento: preocupado com os relacionamentos.

•••• Tipo de vínculo: dependente.

18

•••• Reação ao luto: tende a se caracterizar por um luto crônico, de longa duração,

marcado por traços de desesperança.

Em seus estudos, Bowlby (2006a) chama a atenção para o fato de que a

saúde psíquica de um indivíduo está diretamente relacionada com a qualidade do

vínculo existente entre a criança e sua mãe, considerando a necessidade de que

seja um relacionamento contínuo e prazeroso. Ele coloca que “os cuidados

maternos com uma criança não se prestam a um rodízio; trata-se de uma relação

humana viva, que altera tanto a personalidade da mãe quanto a do filho” (p.69), e

enfatiza que as crianças desenvolvem-se melhor em lares (inclusive maus lares,

com as devidas excessões) do que em boas instituições. Na vida adulta, a

capacidade de adaptação social está diretamente relacionada à qualidade do

vínculo estabelecido com a mãe (ou cuidador permanente). Uma vez que uma

das principais funções sociais do ser humano é a de ser pai ou mãe, a adaptação

ao papel de pais também é afetada pelo resultado dessa vinculação. Além disso,

a capacidade para se adaptar satisfatoriamente às separações e perdas na vida

adulta está diretamente relacionada à qualidade da vinculação primária

estabelecida nos primeiros anos de vida, pois disponibilizará recursos internos

necessários ao sujeito para elaborar o luto (BOWLBY, 2006).

Os modelos internalizados ou modelos mentais promovem uma regulação

emocional na criança por meio da relação estabelecida entre ela e seu cuidador,

da mesma maneira que, no decorrer da vida adulta, essa regulação acontece no

contato interpessoal. Nesse contexto, estudos buscam explorar a maneira como

essa regulação emocional também é alcançada por meio da representação de

Deus, pois a experiência religiosa pressupõe a existência de uma relação (ou

relacionamento) com a imagem internalizada de Deus. No conceito dos modelos

operativos internos, as pessoas que não conseguiram estabelecer uma relação de

apego seguro com seus pais procuram figuras de apego substitutas (professores,

irmãos mais velhos etc.), e que, por esse motivo, tornam-se candidatas para a

adoção de Deus como figura substitutiva em potencial. Assim, as crenças

religiosas ou outras divindades podem ser consideradas manifestações adultas do

sistema de apego (WEIGAND, 2004).

Em princípio, o cuidador deve servir de base segura ao paciente crônico,

no enfrentamento das perdas significativas ocorridas em decorrência da doença,

19

uma vez que “não só a criança, mas, também o adulto, necessita da assistência

de uma outra pessoa de sua inteira confiança se quiser recuperar-se da perda

sofrida, (...) a qual ela possa ligar-se gradualmente para aceitar a perda como

sendo irremediável e a reorganizar sua vida interior de acordo com isso”

(BOWLBY, 2006, p. 126). Além disso, entende-se que “para cuidar do outro é

preciso aprender a cuidar de si mesmo” (KESTENBERG e cols, 2006, p.194).

20

CAPÍTULO II - CONTEXTUALIZANDO A DOENÇA RENAL CRÔNI CA

II.1 O conceito de doença

A enfermidade nos fragiliza diante da iminência da morte (PIRES,

2005, p.732).

O prolongamento da vida sempre foi a intenção primeira do homem, desde

que as questões sobre vida e morte passaram a inquietá-lo. Assim, investigar as

doenças passou a ser necessidade essencial.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) define a saúde humana como

“(...) um estado de completo bem-estar físico, mental, social e não apenas a

ausência da doença ou enfermidade”1; porém, na definição do conceito de

doença, a comunidade científica encontra duas abordagens diferentes: a que

privilegia a visão exclusiva da ciência médica (biomedicina) e a que inclui a

percepção da pessoa que passa pela experiência de estar doente. Nesse

contexto, estudos buscam colocar a doença como um processo, no qual estão

presentes uma combinação de aspectos biológicos, socioculturais e de

experiências vivenciadas com significados próprios para o doente e que precisam

ser, além de reconhecidos, incorporados pelos profissionais da saúde (GOMES &

cols, 2002).

II.2 A doença crônica

Qualificar uma doença como “crônica” requer a presença permanente de

atributos com reconhecidos efeitos na pessoa, na família e na comunidade. A

cronicidade é caracterizada, de forma geral, por um longo período de duração; é

incurável; pode apresentar lesões irreversíveis e complicações com graus

variáveis de incapacidade ou óbito; requer maior esforço paliativo; deixa o

1 Health is a state of complete physical, mental, and social well-being and not merely the absence of disease or infirmity.

21

paciente vulnerável ao aparecimento de múltiplas doenças; possui um caráter

recorrente; há necessidade de contínua monitoração e dependência de

medicamentos; exige grande estrutura de suporte de serviços e alto custo de

manutenção. Além disso, a condição crônica impõe perdas, disfunções e

constantes alterações no quotidiano, pois implica mudanças na imagem corporal,

na expectativa de vida e na visão de mundo, bem como obriga a adequações

psicológicas e sociais, posto que modifica a relação entre as pessoas e o

ambiente.

O aparecimento de uma doença e sua evolução para a cronicidade

depende de elementos antecedentes. Estudos apontam para os seguintes fatores

de risco: estilo de vida não saudável (tabagismo, alcoolismo, sedentarismo,

obesidade), alto nível de estresse, herança genética, causas congênitas, idade

avançada, acidentes, não aderência ao tratamento quando a doença ainda se

encontra na fase inicial, doença crônica gerada por agravamento de outra doença

sistêmica (ROLLAND, 1995; FREITAS & cols, 2007).

II.3 A doença renal crônica

A Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (CID-10), define a

doença renal crônica ou insuficiência renal como perda das funções dos rins, e é

considerada aguda quando essa perda ocorre durante um curto período de

tempo, e cuja recuperação se dá somente após algumas semanas. Nesse caso, o

paciente é mantido em diálise até que os rins voltem ao funcionamento normal.

Recentemente, ela foi definida pela Iniciativa de Qualidade em Desfechos

de Doenças Renais da Fundação Nacional do Rim dos Estados Unidos (NKF –

K/DOQI) como “a presença de lesão renal ou de nível reduzido de função renal

durante três meses ou mais, independentemente do diagnóstico” (p.11).

No caso da IRC (Insuficiência Renal Crônica), a perda da função renal é

lenta, progressiva e irreversível. Por ser um processo lento, provoca adaptações

no organismo, que mantém o paciente sem sinais da doença. Esta só é percebida

quando já houve perda de 50% do funcionamento dos rins (SBN, 2008).

22

Várias são as causas que provocam a falência dos rins e, dentre elas,

estão as glomerulonefrites primárias, caracterizadas por inflamação crônica dos

rins; a doença renal policística, caracterizada pelo crescimento de grandes e

numerosos cistos nos rins; a pielonefrite, composta por repetidas infecções

urinárias devido à presença de alterações no trato urinário (cálculo renal,

obstruções); a doença vascular renal; as nefropatias hereditárias; as neoplasias

renais; as doenças sistêmicas, tais como a hipertensão arterial e o diabetes

mellitus, ambas consideradas “doenças silenciosas”; o Lupus e outras doenças

que afetam o sistema imunológico (LUGON & cols, 2003).

Dentre os sintomas iniciais característicos dessa doença, estão anemia

leve acompanhada de palidez anormal, pressão alta, dor lombar, edema de olhos

e pés, mudança nos hábitos urinários (levantar diversas vezes à noite para urinar)

e do aspecto da urina (urina muito clara, sangue na urina), fraqueza e desânimo

constante, além de náuseas e vômitos frequentes pela manhã. Antes que a

função renal tenha apenas 10-12% de seu funcionamento preservado, há

possibilidade de tratamento com dieta e medicamentos. Abaixo desse percentual,

o tratamento será realizado por meio de transplante ou diálise permanente (SBN,

2008).

II.3.1 A terapia renal substitutiva

A decisão para iniciar a terapia substitutiva renal, além de considerar a

urgência, também leva em conta três critérios básicos: o nível de deteriorização

da função renal, o estado nutricional e o surgimento de sinais ou sintomas

urêmicos (desorientação, redução do nível de consciência, soluços persistentes,

anorexia, náuseas e vômitos). Essas diretrizes são apresentadas no Kidney

Disease: Improving Global Outcome (KDIGO).

O significativo aumento do número de pacientes com doenças renais no

Brasil fez com que, em 15 de junho de 2004, o Ministério da Saúde publicasse a

Política Nacional de Atenção ao Paciente Portador de Doença Renal, por meio da

Portaria GM/MS nº 1.168. Dentre seus vários objetivos, tal política busca a

organização de uma linha de cuidados integrais que incluem a promoção, a

23

prevenção, o tratamento e a recuperação do paciente, assim como garantir o

acesso às diferentes modalidades de Terapia Renal Substitutiva (diálise

peritoneal, hemodiálise e transplante), além de criar um Centro de Referência

especializado em hipertensão e diabetes, porquanto os custos dos procedimentos

de diálise são cada vez mais elevados.

Figura 1 – Demonstra os 6 estágios evolutivos da doença renal crônica e as respectivas estratégias

terapêuticas2.

•••• Estágio Normal: há fatores de risco que devem ser investigados como fatores

preventivos.

•••• Estágio Risco Elevado: há fatores desencadeantes e a avaliação médica

precisa ser feita considerando-se a possibilidade de doença renal crônica.

•••• Estágio Lesão: há fatores de evolução com necessidade de tratamento das

condições mórbidas para retardar a progressão da doença.

•••• Estágio Complicações: há fatores de evolução com necessidade de estimar a

progressão da doença, tratamento das complicações e preparação do paciente

para a terapia renal substitutiva.

•••• Estágio Insuficiência Renal: há fatores terminais com necessidade de

substituição da função renal por diálise ou transplante.

•••• Estágio Morte.

2 Fonte: National Kidney Foundation. K/DOQI Clinical Practice Guidelines for Chronic Kidney

Disease: Executive Summary (p.11).

Complicações

Risco Elevad o

Lesão Compli -cações

IRC Normal Morte

24

O procedimento dialítico objetiva a remoção de toxinas, sal e excesso de

água, mantendo nivelados certos componentes químicos do corpo, tais como o

potássio, o sódio e o bicarbonato, além do controle da pressão sanguínea, seja

por meio da hemodiálise, seja através da diálise peritoneal (SBN, 2008).

II.3.1.1 A diálise peritoneal

A diálise peritoneal é um tipo de diálise constituída de três componentes:

fluxo sanguíneo, membrana peritoneal e solução de diálise, na qual a filtração do

sangue acontece pelo uso da membrana peritoneal, por meio de um cateter

implantado no abdômen, de modo a proporcionar acesso à cavidade peritoneal. O

processo de diálise acontece em 3 fases: infusão (ou entrada), permanência e

drenagem. Durante o tratamento, a área abdominal será lentamente preenchida

com o líquido dialisador por meio do catéter. O sangue circula nas artérias e veias

e os fluídos extras e toxinas são retirados do sangue e retidos no dialisador. Há

dois tipos de diálise peritoneal:

•••• DPAC (Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua): é um tipo de diálise realizada

sem máquina, numa frequência de 4 a 5 vezes por dia em casa ou no trabalho,

colocando-se o líquido dialisador na cavidade peritoneal por meio do catéter. O

dialisador circula por 4 ou 5 horas, efetuando a drenagem do sangue para

dentro da bolsa. Esse procedimento é denominado “intercâmbio”. A cada

diálise, uma nova bolsa precisará ser acoplada ao catéter. Enquanto dialisa, o

paciente pode realizar suas atividades normalmente.

•••• DPA (Diálise Peritoneal Automatizada): normalmente é realizada em casa,

usando uma máquina especial chamada cicladora. É similar ao DPAC, exceto

pelo número de intercâmbios. Cada ciclo utiliza uma hora e meia e a diálise é

realizada com trocas noturnas.

A diálise peritoneal costuma ser a primeira opção para o tratamento da

doença renal crônica, pois possibilita melhor controle bioquímico, da uremia, da

anemia, da hipertensão arterial e da preservação da função renal residual, e

porque demanda menor necessidade de transfusões sanguíneas, sem o risco de

ocorrência da “síndrome do desequilíbrio da diálise” à qual os pacientes em

25

hemodiálise ficam expostos. Além disso, esse é um processo considerado mais

seguro, com menor índice de infecção e menor demanda de uso, e proporciona

maior flexibilidade relacionada à qualidade de vida do paciente. No entanto, ele é

contraindicado quando há ocorrência de peritonite, lesão do peritôneo causada

por fibrose ou doença maligna (ABRAHÃO, 2006).

II.3.1.2 A hemodiálise

A hemodiálise é uma técnica de filtragem sanguínea que substitui a função

renal na insuficiência renal crônica terminal, e busca a reversão dos sintomas da

uremia, a redução das complicações a longo prazo, a diminuição do risco de

mortalidade, a melhoria da qualidade de vida e a reintegração social do paciente,

além da elevação da expectativa de vida para um patamar que se aproxime da

esperada para a população geral.

A máquina de hemodiálise é composta por uma bomba que realiza a

circulação sanguínea extracorpórea e de um sistema paralelo que permite o fluxo

da solução de troca, que banha as membranas do dialisador. Ela também controla

a retirada de líquido do organismo, mantém o sangue aquecido durante a

circulação extracorpórea e, por meio de sensores de segurança, monitora falhas

técnicas que eventualmente ocorram durante todo o procedimento.

Para que o paciente esteja em condições de ser dialisado, é necessário

prover o seu corpo de um acesso vascular adequado, permitindo que a circulação

extracorpórea do sangue aconteça de maneira satisfatória com baixo índice de

complicações. Por meio de um procedimento cirúrgico, a fístula arteriovenosa é

confeccionada no braço não dominante, sendo necessário um intervalo de tempo

entre a confecção e sua utilização, de forma a permitir o desenvolvimento do

chamado leito venoso. Há situações em que não há tempo para esperar a

maturação do acesso venoso devido à urgência do paciente em dialisar. Nesses

casos, catéteres podem ser implantados nas veias subclávias, femurais ou

jugulares internas. No caso das jugulares, o acesso é mais frequente.

Complicações podem ocorrer a partir da confecção da fístula, em que o

mau funcionamento é identificado antes mesmo de ser utilizada levando à

26

redução parcial ou total do seu fluxo. Denominada “falência primária”, ela ocorre

com frequência em pacientes idosos e diabéticos. Outras complicações do acesso

vascular incluem o aneurisma da fístula, pseudoaneurisma e infecção. Por ser um

procedimento onde há necessariamente o contato do sangue com as paredes do

circuito extracorpóreo (tubos da máquina), pode ocorrer a formação de coágulos

dentro do referido circuito em questão de minutos. A utilização de um

anticoagulante precisa ser prescrita para todos os pacientes (respeitando as

devidas exceções clínicas), e o mais utilizado na hemodiálise crônica é a heparina

não fracionada.

Durante as sessões de hemodiálise, podem ocorrer diversas

intercorrências clínicas devido à individualidade de resposta do paciente ao

tratamento, também conhecidas como “síndrome do desequilíbrio da diálise”, que

ocorre durante a sessão ou após seu encerramento. Os sintomas incluem mal-

estar, febre, rubor, calafrios, prurido (coceira), cefaleias, náuseas, vômitos, dor

lombar ou torácica, tosse, sibilos, dispneia, cãibras e, nos casos mais graves,

elevação ou redução da pressão arterial, convulsões, parada cardiorespiratória,

AVC (acidente vascular cerebral), hematomas intracranianos, hemorragia,

trombose, desordens osmolares, arritmia, epilepsia e coma. Na grande maioria

dos casos, os sintomas ocorrem no início da sessão de diálise (LUGON & cols,

2003; BIANCHI & cols, 2009).

II.3.1.3 O transplante renal

O transplante renal é uma opção terapêutica importante para o paciente

com insuficiência renal crônica. Trata-se de um procedimento médico-cirúrgico

para substituição dos rins doentes por rins saudáveis, coletados a partir de doador

vivo ou falecido.

Pacientes em diálise ou pré-diálise podem ser beneficiados com o

transplante, que é preferencialmente indicado para

pacientes diabéticos que estão em pré-diálise (para reduzir a incidência de complicações vasculares, cardíacas, oculares e

27

neurológicas próprias do diabetes) e em crianças com idade inferior a 10 anos (para evitar prejuízo no crescimento, osteodistrofia renal e, principalmente, pelas dificuldades dialíticas) (SBN/Diretrizes).

Para a realização do transplante é necessário que o paciente esteja fora da

lista de critérios que invalidam total, relativa ou temporariamente esta

possibilidade:

•••• Contraindicação absoluta para portadores de HIV, neoplasias malignas, doença

pulmonar crônica avançada, doença cardíaca grave, insuficiência vascular

periférica, lesões graves em artérias ilíacas e cirrose hepática.

•••• Contraindicação relativa para portadores de oxalose primária, cateterismo e/ou

mapeamento cardíacos alterados (para pacientes maiores de 60 anos ou com

diabetes mellitus), doença neuropsiquiátrica, anomalias urológicas, obesidade

mórbida, crianças com peso inferior a 15 kg e ausência de suporte familiar ou

pessoal para aderência ao tratamento pelas condições de vida ou de moradia.

•••• Contraindicação temporária para portadores de infecção, transfusão sanguínea

recente (menos de 15 dias), perda de enxerto (transplante renal anterior) por

causa imunológica, úlcera gastroduodenal, glomerulonefrites ou vasculites.

Atualmente, a idade deixou de ser fator excludente para o transplante

renal, pois já foram realizados em recém-nascidos (incluindo-se prematuros) e em

pacientes renais crônicos com idade superior a 70 anos.

Qualquer pessoa pode candidatar-se para a doação de um rim, desde que

preencha alguns requisitos necessários para este tipo de intervenção: idade

superior a 21 anos (preferencialmente, acima de 30 anos) e inferior a 70 anos.

Precisa apresentar boa saúde física e emocional, nenhum problema renal e existir

compatibilidade sanguínea com o paciente renal crônico. Caso haja mais de um

candidato em boas condições para a doação, a opção recairá sobre o doador

mais velho e, além disso, será preservado no doador o melhor rim.

No caso de doadores falecidos, o sucesso do transplante depende da

qualidade do órgão transplantado. A qualidade do rim está relacionada com

alguns fatores, tais como idade, história médica anterior e cuidados de terapia

intensiva no momento da constatação da morte encefálica. Na legislação

28

brasileira de transplante, os critérios diagnósticos de morte encefálica foram

definidos pelo Conselho Federal de Medicina (Resolução CFM n° 1.480/97),

segundo parâmetros internacionalmente estabelecidos.

A retirada de órgãos de doador falecido deve obedecer à normas do

Decreto Federal n° 2.268, de 30 de junho de 1997, q ue regulamenta a Lei Federal

9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Por meio desse decreto foram criados o

Sistema Nacional de Transplantes (SNT), centralizado no Ministério da Saúde, em

Brasília, e as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos

(CNCDOs), nos estados e em regiões dos estados, para desenvolver o processo

de captação e distribuição de órgãos, tecidos e partes retiradas do corpo humano

com finalidades terapêuticas. Em 23 de março de 2001, a Lei 10.211

regulamentou a realização de transplantes no Brasil.

Como toda cirurgia de grande porte, há riscos de intercorrências pós-

operatórias, assim como há possibilidade de rejeição crônica do órgão

transplantado após 1 ano (SBN, Ministério da Saúde).

II.4 Dados epidemiológicos

II.4.1 Brasil

Atualmente, o perfil epidemiológico do Brasil está representado pelas

doenças do subdesenvolvimento e da modernidade. Tal fato demonstra que o

país ainda não conseguiu implantar políticas públicas de saúde adequadas ao

controle das doenças, tanto as transmissíveis (DT) quanto as crônicas não

transmissíveis (DCNT), embora desenvolvimento tecnológico e científico

possibilite o diagnóstico prematuro e a antecipação de terapêuticas adequadas

(Ministério da Saúde, 2009).

Um dos fatores agravantes para qualquer doença é a necessidade de

medicação de uso contínuo, pois muitos doentes alegam problemas financeiros e

deixam de usá-la por algum tempo. Em 2004, a hipertensão arterial (71,4%) e o

diabetes (42,8%) foram identificadas como as doenças crônicas de maior

frequência. Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Nefrologia apontou, em

29

2008, que o diagnóstico de base mais frequente para o surgimento da doença

renal crônica (DRC) foi a hipertensão arterial (36%) e o diabetes (26%)

(FONSECA & cols, 2004; SESSO e cols, 2009).

O Relatório de Indicadores da Situação de Agravos, elaborado pelo

Ministério da Saúde, em 2009, estima que há 16.925.157 hipertensos e 5.631.388

de diabéticos no país. No programa do Sistema de Cadastramento e

Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos (HiperDia) estão 7.179.214

pacientes cadastrados, e a frequência de doenças renais entre eles foi de 6,26%

ou seja, 479.401 casos. Destes, 322.436 pertencem ao sexo feminino (67%) e

156.965 ao sexo masculino (33%), com predominância da faixa etária

compreendida entre 55 e 64 anos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).

TABELA 1 - Total de pacientes em tratamento dialíti co por ano

Censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia – MAR.2 008

(*Estimado / SBN – Março, 2008)

A análise dos dados (SESSO e cols, 2009) no Relatório do Censo

Brasileiro de Diálise avaliou a pesquisa realizada com 47,8% das unidades de

diálise cadastradas no país e apontou uma estimativa de 87.044 pacientes em

diálise, dos quais mais da metade (57,4%) encontrava-se na região sudeste. No

perído compreendido entre 2006-2008, foram diagnosticados 16.172 novos

pacientes com aumento estimado de 18,58% na taxa de crescimento da doença

0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 70000 80000 90000

100000

N.PACIENTES 42695 45557 48806 54523 59153 65121 70872 73605 87044* 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

30

renal crônica. A taxa de prevalência foi de 468 pacientes por milhão da população

(pmp) e a maior incidência de pacientes que apresentam IRC (Insuficiência Renal

Crônica) encontra-se na faixa etária compreendida entre 40 e 59 anos (43,7%),

seguida dos pacientes com idade igual ou superior a 60 anos (36,3%). A

distribuição percentual de pacientes em diálise por sexo apresenta pouca

diferença, considerando que há 57% de pacientes masculinos contra 43% de

pacientes femininos. A taxa de mortalidade bruta em 2007 foi de 15,2%, e

totalizou 13.338 óbitos estimados. Desses, 59% dos pacientes encontravam-se na

faixa etária acima de 60 anos.

Em 2008, a terapêutica mais utilizada para tratamento do paciente renal

crônico foi a hemodiálise, com 89,4% dos casos seguido da diálise peritoneal,

cujo índice foi de 10,6%. O percentual de centros conveniados ao SUS e que

realizam os tratamentos dialíticos é 93,8%.

A Terapia Renal Substitutiva inclui o transplante renal como possibilidade

de tratamento. No Brasil, 41.614 pacientes aguardam na fila para realizá-lo.

Desses, 35.928 (89,4%) realizam a hemodiálise (HD), procedimento que obriga o

paciente ao comparecimento a uma clínica especializada; 1.885 (4,9%) realizam a

DPA (Diálise Peritoneal Automatizada); 1.982 (5,3%) realizam a CAPD (Diálise

Peritoneal Contínua Ambulatorial) e 96 (0,4%) realizam a DPI (Diálise Peritoneal

Intermitente).

A fila de espera brasileira está distribuída da seguinte maneira: 6.394

residem na região Sul; 23.880 na região Sudeste; 2.420 na região Centro-Oeste;

7.948 na região Nordeste e 972, na região Norte.

Dados da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (2008) informam

que o número de transplantados renais com doador falecido está aumentando a

cada ano, fato que indica uma possibilidade de sobrevida maior aos pacientes em

diálise.

31

TABELA 2 - Distribuição do número de receptores tra nsplantados, com doador cadáver,

Estado de São Paulo, 1997 a 2008

Órgão / Tecido 1997* 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Rim 140 372 449 507 493 431 480 633 509 553 521 703

TX - Duplo 1997* 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Pâncreas / rim 0 0 6 33 53 62 75 83 60 66 69 85

Fígado / rim 0 0 4 6 4 5 3 9 4 8 23 20

Coração / rim 0 0 1 0 1 1 2 0 0 1 1 0 Fonte: Sistema Estadual de Transplantes - Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo * - a partir de julho de 1997, atualização anual.

Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos - ABTO

observou-se em 2008 um crescimento nas taxas de doação (15%) e de

transplante de órgãos no país. Na área renal, foram realizados mais de 3.500

transplantes com doador vivo (2,2%) e acima de 2000 transplantes com doador

falecido (16,1%), o que indica aumento de 9,2% nos transplantes renais.

Em fevereiro de 2009, dados do Ministério da Saúde apontaram um custo

de R$ 1.396.067.808,83 com Terapia Renal Substitutiva, tendo sido realizados

9.815.213 procedimentos assistenciais no Brasil.

II.4.2 O município de Taboão da Serra

Em 8 de junho de 1973, a Lei Complementar do Brasil nº 14 estabeleceu a

criação de regiões metropolitanas para várias cidades brasileiras, cujo objetivo foi

promover o desenvolvimento econômico e social integrado dos municípios, que

passaram a fazer parte do conglomerado de cidades circunvizinhas às capitais

dos estados.

No estado de São Paulo, 39 municípios passaram a fazer parte da região

metropolitana, também conhecida como Grande São Paulo e subdividida em

microrregiões.

32

TABELA 3 – Municípios que integram a região metropo litana de São Paulo

Taboão da Serra é um município com população residente, em 2009, de

227.348 habitantes, cuja taxa de crescimento anual estimada (2006-2009) é de

0,3%. Em 2007, os gastos com Terapia Renal Substitutiva no município foram de

R$ 3.957.033,05 (16,6% em relação ao total Brasil), com atendimento a 27.841

pacientes (Fonte: IBGE).

O Relatório de Indicadores da Situação de Agravos, elaborado pelo Ministério

da Saúde em 2009, revelou que no município de Taboão da Serra, SP, há 15.643

pacientes com hipertensão arterial e diabetes cadastrados no programa HiperDia, nos

quais a ocorrência de doenças renais é de 2,71% ou seja, 435 casos. Desses, 276

pertencem ao sexo feminino (63%) e 159 ao sexo masculino (37%), ambos com

predominância da faixa etária compreendida entre 50 e 64 anos.

Segundo o Censo Demográfico 2000 e a Pesquisa de Orçamentos

Familiares (POF 2000/ 2003), a incidência da pobreza obteve índice de 39,84 na

população pesquisada no município de Taboão da Serra (IBGE/MS).

Microrregião Município

Capital São Paulo

Grande ABC Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra

Alto Tietê Arujá, Biritiba-Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis, Santa Isabel,

Suzano

Osasco Barueri, Cajamar, Carapicuíba, Itapevi, Jandira, Osasco, Pirapora do Bom Jesus, Santana de Parnaíba

Itapecerica Cotia, Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra, Taboão da Serra , Vargem Grande Paulista

Franco da Rocha Caieiras, Francisco Morato, Franco da Rocha, Mairiporã

33

TABELA 4 - Estimativa das populações residentes em 1º de julho de 2008, segundo os

Municípios (Fonte: IBGE)

Municípios Incidência da pobreza (%) 2000/ 2003

Equipamento de hemodiálise

(2008)

População residente

(2008) Taboão da Serra 39,84 31 224.757 São Lourenço 52,41 2 17.763 Itapecerica 54,62 1 159.102 Embu 49,58 0 245.093 Cotia 45,80 0 182.043 Embu-Guaçu 53,86 0 61.701 Vargem Grande Paulista 53,80 0 43.664 M

icro

rreg

ião:

Ita

pece

rica

Juquitiba 52,16 0 29.090

Osasco 38,75 62 713.066 Carapicuíba 46,74 19 388.532 Itapevi 61,86 1 201.995 Barueri 45,46 0 264.619 Jandira 50,81 0 110.325 Santana de Parnaíba 43,13 0 110.730 Cajamar 56,52 0 62.522

Mic

rorr

egiã

o: O

sasc

o

Pirapora do Bom Jesus 67,84 0 15.410

TOTAL 116 2.830.412

Dado o fato de que a cidade de Taboão da Serra é uma das que

possuem equipamentos e máquinas para o atendimento médico dos pacientes

renais crônicos, foi necessário incorporar aos dados epidemiológicos informações

sobre a possível demanda advinda das cidades circunvizinhas e, por isso, na

Tabela 4, as duas microrregiões foram citadas, levando-se em conta a

proximidade geográfica existente entre elas.

Os municípios componentes das microrregiões Itapecerica e Osasco

apresentaram em 2008 uma população estimada de 2.830.412, com média de

incidência de pobreza, em 2003, de 50%. O levantamento estatístico mostra que

apenas 6 dentre os 16 municípios estão capacitados para o atendimento regular

de pacientes necessitados de hemodiálise. A informação de que há apenas um

aparelho disponível em duas cidades indica a possibilidade de que este seja

utilizado em Hospital Geral para atendimentos emergenciais.

Esse quadro mostra que cidades equipadas para atendimento ao paciente

hemodialítico terão de atender a uma demanda superior à estimada para a

população nativa. Além disso, os pacientes das cidades que não possuem

equipamentos para hemodiálise ficam à mercê da disponibilidade de vagas nas

34

cidades em que o serviço é oferecido, e por isso correm o risco de terem de se

sujeitar a grandes deslocamentos, 3 vezes por semana, para a manutenção da

própria vida.

35

CAPÍTULO III - O CUIDADO, O CUIDADOR E O GRUPO FAMILIAR

III.1 O cuidado

O cuidado existe desde que há vida humana e, como atos de humanidade, é por meio dele que a vida se mantém. Durante milhares de anos, não esteve associado a nenhum ofício ou profissão e sua história se constrói sob duas orientações que coexistem, complementam-se e se geram mutuamente: cuidar para garantir a vida e cuidar para recuar a morte (COELHO & cols, 2005, p.215).

O cuidado está presente em todo o ciclo vital do ser humano desde a

gestação, e permanece no parto, nos cuidados ao recém-nascido, na puberdade,

na vida adulta, no cuidado ao idoso e ao doente, sendo imprescindível tanto como

forma de viver quanto de se relacionar. Mesmo na ausência da enfermidade, o

cuidado permanece, e compreendê-lo para além do modelo biomédico (que

coloca em foco a doença e não o doente) implica considerar que tanto o cuidador

quanto aquele que é cuidado participam de um processo interativo e não podem

ser reduzidos a simples corpos biológicos separados do contexto psicossocial,

econômico e cultural em que estão inseridos (COELHO e cols, 2005;

KESTENBERG e cols, 2006).

Até meados do século XVIII, os cuidados com o doente nasciam das

descobertas empíricas, pois o corpo sofredor não era digno de atenção.

Gradativamente, ocorre a inversão de valores, e a doença passa a ser objeto de

estudos científicos. Surgem, a partir daí, os cuidados médicos e, com eles, os

especialistas ou os cuidadores formais (COELHO e cols, 2005). Na medicina

contemporânea, a assistência à saúde está associada à aplicação de tecnologias

para o bem-estar físico e mental das pessoas. No entanto, reflexões acontecem

para que “o cuidado em saúde considere e participe de projetos humanos (...) em

oposição às intervenções técnicas que podem limitar a arte de assistir apenas à

criação e manipulação de ‘objetos’” (AYRES, 2004, p.84).

A educação profissionalizante em saúde, o domínio e o manejo dessas

tecnologias, bem como o conhecimento especializado diferenciam o cuidador

36

profissional (ou formal) do cuidador não profissional que, leigo, assume as

funções de cuidar diariamente de seu dependente justamente por sua condição

de proximidade com o doente. Este pode vir a ser alguém da família, um amigo ou

um vizinho que presta assistência emocional, física, médica e, às vezes,

financeira, sem ter preparo adequado para tal (MEDEIROS & cols, 1998;

COELHO e cols, 2005).

III.2 O cuidador

Em diferentes pesquisas, foram encontradas denominações variadas para

identificar o cuidador não profissional: cuidador principal; cuidador informal;

cuidador primário; cuidador secundário; cuidador terciário; cuidador familiar;

cuidador leigo, cuidador domiciliar (MEDEIROS e cols, 1998; BOCCHI, 2004;

FLORIANI, 2004; SÁNCHEZ, 2005; MACHADO e cols, 2007; SOUZA e cols,

2007; SCHOSSLER & CROSSETTI, 2008). Neste estudo, optou-se pela utilização

do termo “cuidador principal” para designar a pessoa que tem a principal

responsabilidade no cuidado diário com o paciente renal crônico.

O comportamento de cuidar envolve ações que exigem do cuidador a

capacidade de colocar toda a sua atenção no outro; de manter uma escuta ativa

ao que o outro tem a dizer; na capacidade de transmitir segurança e na empatia,

ou seja, na capacidade de “[se] colocar no lugar do outro” mental e

emocionalmente, favorecendo a qualidade da relação de ajuda. Esta empatia

também pode apresentar-se centrada em si mesma, quando a motivação para a

ajuda está na tentativa de eliminar os próprios sentimentos de ansiedade e mal-

estar por ver o outro necessitado de ajuda (SILVA, 2003; KESTENBERG e cols,

2006).

Quando alguém se dispõe voluntariamente a ajudar alguém, diz-se que

teve um comportamento pró-social. Porém, é difícil definir se a disponibilidade

para a ajuda é ou não definida pelos benefícios que supostamente haverá no ato

de ajudar, sejam eles internos ou externos, conscientes ou inconscientes, ditos ou

não ditos. Esses benefícios podem ser exemplificados pelo aumento da

autoestima, pela prova do próprio valor, pela admiração e pelo elogio dos outros,

37

pela gratidão da vítima e pela resolução de sentimentos de culpa. Entretanto, no

altruísmo, a capacidade empática está mais centrada no outro e a motivação para

a ajuda ocorre sem qualquer interesse de retribuição, mas é difícil identificar os

limites entre o comportamento altruísta e o comportamento interessado. A

incapacidade para agir de maneira empática contribui para o fracasso na relação

de ajuda (SANDRIN, 2006).

Ao assumir o cuidado de uma pessoa com doença crônica, o cuidador

procura oferecer o melhor de suas possibilidades e crenças. A dinâmica envolvida

nesta tarefa coloca-o, porém, em constante tensão. Seu objeto de cuidado é

alguém atingido na integridade física, psíquica e social, que expressa sofrimento e

que corre muitas vezes risco de vida. Toda mobilização que isso provoca ao

próprio doente, aos amigos e aos familiares exige do cuidador investimentos

emocionais e físicos às vezes superiores à possibilidade humana de os alcançar.

O ato de cuidar pode ser um agente estressor, pois perturba ou ameaça a

atividade habitual do cuidador, de modo a produzir uma necessidade de

adaptação nas condições do indivíduo que é obrigado a conviver com a doença e

suas consequências, com emoções, sentimentos e conflitos intensos presentes

no paciente crônico. Além disso, são desafiados na sua autoestima diante da

expectativa de onipotência que não têm. Eles são obrigados a conviver com a

frustração e a impotência; são obrigados à autossuperação, enfrentando

situações desprazerosas na tentativa de obter resultados satisfatórios, e devem,

ainda, enfrentar a realidade da doença e da morte (MARTINS & cols, 2000).

A possibilidade de distúrbios somáticos e psíquicos no cuidador é elevada

e pode revelar-se por cansaço, ansiedade, irritabilidade, indiferença, pessimismo,

pensamentos obsessivos, perda de autoestima, consumo de álcool e

psicofármacos, insônia, depressão e até suicídio. Apresentam, muitas vezes,

quadro de estafa, atitudes defensivas, incapacidade de se concentrar nas tarefas

cotidianas, e de se relacionar adequadamente com seus pares e com o próprio

doente crônico. A perda da liberdade, a solidão e o cansaço são os itens mais

apontados como negativos dos cuidados. Os itens positivos identificados foram de

ganho narcísico, aprendizado e encontro de um sentido para a vida (LAHAM,

2003; CAMPOS, 2006).

38

Estudos relatam os impactos desta atividade estressora que, normalmente,

é de longa duração, e os custos que ocorrem no nível físico, psíquico, social e

financeiro. Estatísticas mostram que 20% dos cuidadores perderam seus

empregos; 31% das famílias tiveram perdas em suas reservas financeiras e 29%

das famílias perderam a principal fonte de renda, das quais as mais atingidas

foram as de baixa renda, que tinham pacientes com menos de 45 anos, e aquelas

cujos pacientes tinham o perfil de dependência acentuada; em 85,7% das famílias

estudadas, ocorreram mudanças na vida familiar após a doença; 42,8% dos

casos, o cuidador principal é a (o) esposa (o) e 28,5% são dependentes de

cuidados (FLORIANI, 2004; FONSECA, MENDONÇA, NOGUEIRA e MARCON,

2004).

Quando há necessidade da internação domiciliar, vários são os fatores que

precisam ser levados em conta e, nesse contexto, o cuidador principal precisará

contar com a supervisão de uma equipe médica específica, pois pode haver a

necessidade da oferta de uma tecnologia adequada, de equipamentos, de

materiais e de medicamentos que exijam acompanhamento equivalente ao

oferecido no ambiente hospitalar. Além disso, é fundamental a avaliação do

contexto domiciliar, em que se considerem os aspectos econômicos, sociais e

afetivos da família; a disponibilidade de recursos materiais e humanos; a rede

social de apoio; as relações estabelecidas entre os membros da família, dentro e

fora do domicílio; o espaço físico; as condições de higiene e de segurança da

casa e a avaliação do(s) cuidador (es) (LACERDA, OLINISKI & GIACOMOZZI,

2004).

Em sua definição de cuidados paliativos, a Organização Mundial da Saúde

(WHO, 2002) estabelece que

(...) é uma abordagem voltada para a qualidade de vida tanto dos pacientes quanto de seus familiares frente a problemas associados a doenças que põem em risco a vida. A atuação busca a prevenção e o alívio do sofrimento, por meio do reconhecimento precoce, de uma avaliação precisa e criteriosa e do tratamento da dor e de outros sintomas, sejam de natureza física, psicossocial ou espiritual3.

3 The aim of palliative care is to provide the best possible quality of life both for people approaching the end of life and for their families and carers. It is a holistic approach to care and support, and

39

Em 2006, na sede da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em

Brasília, foi criada a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde

(CNDSS). Porém, na realidade brasileira, não há estatísticas que identifiquem o

percentual de famílias que contam com esse tipo de apoio durante essa fase, cujo

ônus para a família e para o cuidador é muito grande.

III.3 O grupo familiar

Até meados do século passado, o conceito tradicional da palavra “família”

era definido como a união estável entre homem e mulher, legitimada pelo

casamento. Tratava-se de uma época em que a criação dos filhos ocupava todo o

período da vida adulta (CARTER & MCGOLDRICK, 1995). Hoje, com as novas

formas de associação dentro dos agrupamentos familiares, esse conceito mudou,

e muitos são os autores que buscam defini-la com base em uma grande variação

de arranjos. Nessa pesquisa, adotou-se a definição dada por Ângelo (2003),

segundo a qual

a família é um grupo autoidentificado de dois ou mais indivíduos, cuja associação é caracterizada por termos especiais, que podem ou não estar relacionados a linhas de sangue ou legais, mas que funcionam de modo a se considerarem uma família (p.20).

As mudanças ocorridas nas relações conjugais, assim como entre pais e

filhos através das gerações, mostram que estão conectadas às mudanças

macroeconômicas e políticas; à competição global; ao trabalho feminino; ao

desenvolvimento científico, mediante o surgimento de métodos contraceptivos

eficazes, a inseminação artificial e o congelamento de óvulos para posterior

realização da maternidade; e às mudanças ideológicas na relação conjugal,

implicando o equilíbrio de poder e de divisão das responsabilidades. Além disso,

atualmente, estudos interculturais apontam que a família conjugal não é a única

estrutura possível de cuidado para a próxima geração: organizações e instituições takes into account emotional, psychological and spiritual needs as well as physical needs. Pain control is central to the concept of palliative care.

40

têm se mostrado funcionais no cuidado às crianças, tal como exemplifica a

experiência dos kibutz, além de outras formas alternativas cuja finalidade seja a

de estabelecer esse tipo de vínculo (SOUZA, 2006).

Psicologicamente, a família humana é considerada uma estrutura de

cuidado que, além de alimentar e proteger dos perigos, oferece condições para

que seus membros se desenvolvam como parte de um grupo social. As estruturas

se definem e conservam as diferenças humanas dentro dos diferentes papéis em

que se configuram (casal, pais, filhos, irmãos), mas ao longo do tempo vem

desenvolvendo padrões de interação que influenciam o funcionamento de todos

os seus membros tanto quanto o comportamento individual interfere no conjunto.

A impossibilidade de a espécie humana sobreviver sem cuidados nos primeiros

anos de vida tornou a família o modelo natural para assegurar a sobrevivência

biológica da espécie, pois oferece a matriz para o desenvolvimento psíquico de

seus descendentes e se constitui na célula básica de toda e qualquer cultura

(SOUZA, 2006; MINUCHIN, 2003; OZORIO, 1996).

Em sociedades “menos” desenvolvidas, há comunidades onde as pessoas

vivem em grandes grupos familiares (pais, filhos, irmãos, avós, tios, primos,

bisavós), e onde se configura um sistema de seguro social valoroso, pois, quando

pai ou mãe ficam temporária ou permanentemente impossibilitados de exercer

essa função, alguém do grupo familiar assume essa tarefa. Porém, na cultura

ocidental industrializada, esse grupo familiar amplo deixou de existir. O aumento

das migrações fez com que muitas famílias abandonassem sua terra natal,

promovendo uma ruptura social e, consequentemente, o afrouxamento dos laços

existentes entre a família e a sociedade (vizinhos, amigos), tanto quanto entre os

próprios familiares. Essa sociedade dispersa não oferece condições de apoio

adequado quando as funções parentais não podem ser exercidas, seja por

incapacidade daquele que é arrimo de família, seja por morte ou separação dos

pais, seja por doenças crônicas (BOWLBY, 2006a).

Cerveny (2000) procurou definir e categorizar diferentes tipos de

composições familiares, entendendo esse grupo como um sistema de relações

que são significativas entre si: Família Atual (FA); Família de Origem (FO), que

está ligada aos conceitos de ascendência e descendência, pressupondo laços

consanguíneos (inclui os pais e os pais desses, numa ascendência progressiva);

41

Família Extensa (FE), pressupondo parentesco consanguíneo ou por afinidade de

pessoas ligadas entre si no tempo, no espaço e que se articulam no presente;

Família Nuclear (FN) enquanto unidade coletiva composta de pais e filhos,

desenvolvida a partir de um relacionamento biológico; e Família Substituta (FS),

ou seja, aquela que assume a criação de uma ou mais pessoas com as quais não

tem laços de parentesco.

III.3.1 A família e o ciclo vital

Dentro de um contexto evolutivo, o núcleo familiar é um organismo vivo que

apresenta o seu próprio ciclo vital dinâmico, composto de fases ou momentos

críticos: expansão (formação do casal, geração e criação dos filhos), dispersão ou

cisão (saída dos filhos de casa) e substituição (formação de novos núcleos

familiares), indicando a transitoriedade das funções familiares (OZORIO, 1996).

Para fugirem da descrição tradicional do ciclo de vida familiar (cujo início é

o casamento e término é a morte), Carter e McGoldrick (1995) consideram a

família como “a unidade emocional operativa desde o berço até o túmulo” (p.16) e

buscam descrever um novo ciclo vital da família por meio de 6 estágios (Tabela

5), relacionados aos respectivos processos emocionais de transição entre eles.

A família, enquanto sistema, move-se no tempo e possui propriedades que

a diferencia de todos os outros sistemas. Nos sistemas não familiares, os papéis

e funções são executados dentro de relativa estabilidade, providenciando-se a

substituição de seus membros caso não atendam às expectativas, queiram ir

embora ou aconteça a extinção do sistema. No caso do sistema familiar, a

incorporação de novos membros se dá por meio do nascimento, da adoção ou do

casamento e, a eliminação, apenas pela morte. Isso acontece porque, embora as

famílias possuam papéis e funções, o seu principal valor são os relacionamentos.

Dentro de uma visão de interação entre gerações, esses relacionamentos são

insubstituíveis, pois não há como substituir um pai, uma mãe ou um filho que

morre, posto que nenhuma outra pessoa conseguirá substitui-lo em seus

42

aspectos emocionais. Neste sentido, a família é mais do que a soma de suas

partes (CARTER e MCGOLDRICK, 1995).

TABELA 5 – Ciclo de Vida Familiar (segundo Carter e McGoldrick)

Estágio de Vida de Ciclo Familiar Processo Emociona l de Transição

1 Saindo de casa: jovens solteiros Aceitar a responsabilidade emocional e

financeira pelo eu

2 A união de famílias: o novo casal Comprometimento com um novo sistema

3 Famílias com filhos pequenos Aceitar novos membros no sistema

4 Famílias com adolescentes Aumentar a flexibilidade das fronteiras familiares

para incluir a independência dos filhos e as fragilidades dos avós

5 Lançando os filhos e seguindo em frente Aceitar várias saídas e entradas no sistema

familiar

6 Famílias no estágio tardio da vida Aceitar a mudança dos papéis geracionais

Ao olhar para o ciclo de vida familiar, torna-se necessário incluir o ciclo de

vida individual, que ocorre simultaneamente no decorrer do tempo. Ainda que as

famílias nucleares estejam domiciliadas separadamente, continuam reagindo aos

relacionamentos passados, presentes e futuros como subsistemas emocionais do

sistema maior, geracional. Carter e McGoldrick (1995) explicam que “quando os

membros da família agem como se os relacionamentos familiares fossem

opcionais, eles o fazem em detrimento de seu próprio senso de identidade e da

riqueza de seu contexto emocional e social” (p. 10).

Nas transições do ciclo de vida familiar, existe uma mistura natural de

gerações, em que uma caminha para a idade avançada; outra luta com a

síndrome do ninho vazio; a próxima está às voltas com a construção de carreiras,

o estabelecimento de relacionamentos íntimos adultos e a criação de filhos; e a

quarta geração começa a ser introduzida no sistema. Além desses, no ciclo de

vida familiar também é necessário levar em conta questões relacionadas ao

divórcio, ao novo casamento, à formação da família novamente casada, à classe

social, à variação cultural, à etnia, à religiosidade e aos rituais dessenvolvidos

pelas famílias para facilitar a passagem de seus membros de um status para o

seguinte. A influência de uma geração sobre a outra causa impactos e tem um

poderoso efeito sobre todos os envolvidos tanto num fluxo de eventos estressores

43

verticais (padrões de relacionamento, mitos, segredos e legados familiares

transmitidos por meio das gerações) quanto num fluxo de eventos estressores

horizontais ligados à linha do tempo (transições do ciclo de vida, morte precoce,

doença crônica, acidente) (CARTER e MCGOLDRICK, 1995).

III.3.1 A família e a doença crônica

O início de uma doença pode ser repentino (agudo) ou gradual. Essa

característica indicará o grau em que o evento estressor impactará o indivíduo e a

família. Doenças que ocorrem em crise súbita exigem da família um

reajustamento na estrutura, nos papéis, na solução de problemas e de manejo

afetivo em um espaço de tempo muito curto. As famílias mais bem-equipadas

para lidar com mudanças rápidas são as que toleram estados afetivos altamente

carregados, onde os papéis são claros e flexíveis, resolvem problemas com

eficiência e buscam recursos externos para o enfrentamento. No caso das

doenças de aparecimento gradual, o período de ajustamento é maior, permitindo

o aumento da capacidade na administração da crise (ROLLAND, 1995).

O curso das doenças crônicas pode acontecer de forma progressiva,

constante ou reincidente/ episódica. A doença progressiva é sintomática e

progride com severidade, incapacitando o doente gradualmente e fazendo com

que os períodos de alívio relacionados às demandas da doença sejam cada vez

menores. Há uma tensão crescente nas pessoas que prestam o cuidado, não só

pelo risco da exaustão, mas pelo acréscimo de novas tarefas ao longo do tempo.

A doença de curso constante é aquela na qual em determinado momento o

quadro se estabiliza. Ela é caracterizada por algum déficit claro ou uma limitação

residual funcional. Nesse caso, a família se vê diante de uma mudança

semipermanente, estável e previsível durante longo período de tempo, embora

não haja a tensão de novas demandas de papel. Na doença de curso reincidente

ou episódico há alternância de períodos estáveis, de duração variada, com

ausência de sintomas e períodos de crise. Caracterizada por episódios

intermitentes, ela requer menos cuidados contínuos ou redistribuição de papéis. A

família convive numa rotina “normal”, mas há a ameaça constante da

desestabilização (ROLLAND, 1995).

44

As famílias, assim como os indivíduos, funcionam de modo a manter a

baixa tensão emocional e o equilíbrio estabilizado. Quando a realidade da doença

crônica e da morte se apresentam, a tendência é que cada membro busque,

automaticamente, recursos de enfrentamento que consideram menos

perturbadores para si e para os outros. Uma das reações típicas é o

distanciamento da realidade da doença e da morte, deixando que os especialistas

no assunto (hospitais, médicos, enfermeiros, agentes funerários) assumam o

comando (BROWN, 1995).

Tanto a morte quanto a doença crônica rompem o equilíbrio familiar. Vários

são os fatores que afetam este sistema: 1) o contexto social e étnico da morte; 2)

a história de perdas anteriores; 3) o timing da morte no ciclo de vida; 4) a natureza

da morte ou da doença grave; 5) a posição e a função da pessoa no sistema; e 6)

a abertura do sistema familiar. No caso de uma doença, seja ela crônica ou não,

há uma ruptura no fluxo cotidiano, obrigando o enfermo e seus familiares a uma

nova reorganização das atividades diárias (BROWN, 1995; GOMES & cols, 2002).

Dependendo da fase do ciclo de vida em que o indivíduo esteja, a doença

debilitante e a morte possuem significados diferentes. No caso do idoso, é

considerado aquele que completou todas as fases de sua vida e tem poucas

tarefas e responsabilidades no meio familiar, mas sua morte impacta o ciclo vital

da família, pois a morte de uma geração mais velha aproxima as gerações

seguintes de sua própria morte. Quando a doença grave ou a morte atinge um

dos progenitores que tem filhos adolescentes ou jovens adultos em casa, ela

pode impedir a conclusão das tarefas de transição desses filhos para a

independência, colocando-os como substitutos paternos em relação aos irmãos.

Quando os filhos são ainda pequenos, o impacto recai sobre o parceiro

sobrevivente, a quem é transferida a responsabilidade pela família e pela criação

dos filhos. Os efeitos da morte paterna nos filhos pequenos estão diretamente

relacionados com a capacidade de o progenitor sobrevivente lidar com a

expressão emocional e de compartilhar a tristeza dessa criança. No caso da

morte de um filho, além de ser considerada pelos pais a maior tragédia da vida,

ela também parece completamente fora de lugar no ciclo de vida. É no filho que

os pais projetam suas esperanças e sonhos de vida. Filhos com doença

45

debilitante são fonte de tristeza crônica para a família, além da permanente

incerteza sobre os resultados do cuidado (BROWN, 1995).

O impacto psicossocial na família está diretamente relacionado à extensão

na qual a doença crônica pode provocar a morte e o grau em que ela pode

encurtar a vida. Para o doente, há o medo de que a vida termine antes de ter tido

a oportunidade de completar o seu “plano de vida”. Para a família, a futura

expectativa da perda dificulta a manutenção de uma perspectiva familiar

equilibrada. Neste sentido, ambos tendem à tristeza e à separação antecipatória

que envolvem todas as fases de adaptação (ROLLAND, 1995).

46

CAPÍTULO IV - O LUTO NA EXPERIÊNCIA DA DOENÇA CRÔNI CA

IV.1 O luto antecipatório

A cronicidade de uma doença sempre coloca o indivíduo frente à

possibilidade da morte iminente, seja a sua ou a de alguém de seu sistema

familiar. Essa notícia poderá desencadear alterações em seu cosmo psíquico,

seja na área cognitiva, emocional ou comportamental, pois “a antecipação da

perda pode ser tão perturbadora e dolorosa para as famílias quanto a morte

efetiva de um de seus membros” (ROLLAND, 1998, p. 166).

O sofrimento vivenciado como decorrência dos confusos sentimentos que

emergem são denominados como luto; porém, tal tipo de luto apresenta

características um pouco diferenciadas do luto que ocorre quando a morte,

efetivamente, já aconteceu. Esse “luto de pessoa viva”, também conhecido como

“luto antecipatório”4, foi cunhado por Lindemann (1944), quando começou a

estudar as reações emocionais das esposas de soldados que iam para a guerra.

Ele percebeu que a perspectiva da morte de seus maridos provocava reações de

enlutamento em todas as mulheres e interpretou esse fenômeno como uma forma

de adaptação à possibilidade da perda. Nesse período, elas alternavam períodos

de depressão, raiva, desorganização e reorganização, numa tentativa de

antecipação do desligamento afetivo de seus maridos, “protegendo-se” dos

efeitos dolorosos da morte repentina.

A convivência dos familiares com o paciente crônico é caracterizada pela

ambivalência dos sentimentos, pois, à medida que a doença crônica avança para

a terminalidade, os recursos emocionais e financeiros tendem ao esgotamento e o

medo da perda do ente querido pode mudar para o desejo da morte, causando

enorme culpa e vergonha. Além disso, a esperança de cura ou continuidade da

vida continuará a ser alimentada e a elaboração e resolução desse tipo de luto

implica a manutenção do vínculo afetivo com o ente querido. Há de ser levado em

conta, também, o grau de incapacitação física e psicológica em que o paciente se

4 A commom picture hitherto not apreciated is a syndrome which we have designated anticipatory grief (LINDEMANN, 1944, p.142)

47

encontra, pois com o declínio físico a intimidade fica comprometida, caso a família

venha a se retrair emocionalmente. No caso da perda psicológica, caracterizada

por uma gama de déficits cognitivos, a dor para a família é muito grande,

porquanto a morte psicológica ocorre antes da morte física. Essas são algumas

das características que diferenciam o luto antecipado do luto pós-morte

(ROLLAND, 1998; FONSECA, 2004).

A preparação para a morte próxima do enfermo oferece a possibilidade de

resolver situações incompletas com a pessoa terminal, além de favorecer a lenta

adaptação à realidade da perda, pois ela prepara a família para a ausência

permanente do ente querido, embora possa gerar solidão, insegurança,

desconforto social, incerteza econômica, e alteração do estilo de vida, dentre

outras consequências. Para que essa adaptação aconteça de maneira saudável,

há a necessidade de intervenções que previnam o aparecimento de problemas

após a morte. As situações que precisam ser resolvidas referem-se às questões

administrativas da vida (contas, bens etc.) e às questões subjetivas e pessoais

(dizer adeus, falar sobre seus sentimentos, falar sobre o que ficou por dizer,

perdoar ou pedir perdão etc.). Caso esse luto antecipado seja evitado ou

dificultado por negação ou crença de que o paciente possa sair de seu estágio

terminal, por envolvimento excessivo com o paciente por meio do papel de

cuidador ou de vínculo de cônjuge, o luto pós-morte provavelmente será mais

sofrido e complicado (FONSECA, 2004).

O luto antecipatório é parte do processo de luto como um todo (pré e pós-

morte) e não apenas uma fase preparatória para o impacto da morte, uma vez

que não impedirá a dor da separação. Ele, porém, aumenta a capacidade de

enfrentamento dessa realidade. Questões relacionadas à morte e ao luto, quando

negadas ou limitadas à crença de que são inevitáveis e suportáveis, podem levar

a consequências graves para o indivíduo e para a sociedade, gerando problemas

psiquiátricos, doenças psicossomáticas e dificuldades de aprendizagem, dentre

outros problemas (BROMBERG, 2000; FONSECA, 2004).

Rando (2000 apud FONSECA, 2004) divide o luto antecipatório em 6

dimensões que abordam os aspectos afetados na vida dos envolvidos nesse

processo, a partir: 1) da perspectiva do paciente, familiares, amigos e cuidadores;

2) do fator tempo, relacionado ao passado, ao presente e ao futuro; 3) dos fatores

48

psicológicos, sociais e físicos que influenciam a elaboração do luto antecipatório;

4) das perdas ou traumas que originaram a necessidade de readaptações; 5) das

condições de enfrentamento, enlutamento, interação, reorganização psicossocial,

planejamento, balanço das demandas conflitivas, facilitação para uma morte

apropriada; e 6) do contexto em que ocorre, seja no nível intrapsíquico,

interacional com o doente, familiar e sistêmico.

O enlutamento permite o reconhecimento que a pessoa perdida realmente

se foi e que são necessárias mudanças internas (psicológicas) e externas

(comportamentais e sociais) para se adaptar à nova realidade. No caso do luto

antecipado, perdas ocorridas no passado são relembradas quando a debilidade

física do paciente aproxima-o da morte, levando o enlutado ao enfrentamento de

outras perdas associadas relacionadas ao ente querido saudável que não existe

mais e aos planos de vida futura que serão abandonados (FONSECA, 2004).

Segundo Weisman (1979, apud FONSECA, 2004), é possível promover a

facilitação para uma morte apropriada por meio: a) do cuidado, oferecendo uma

adequada ajuda e conforto aos sintomas físicos e um suporte psicossocial aos

envolvidos; b) do controle, permitindo que o doente participe da administração e

dos próprios cuidados, assim como nas decisões e no controle produtivo das

pessoas íntimas; c) da compostura, mantendo uma disposição e um nível de

emoção dentro dos limites perante o doente; d) da comunicação verbal e não

verbal, identificando necessidades e permeando as relações entre o doente e

seus familiares; e) da continuidade, protegendo a autêntica identidade do doente

enquanto pessoa, principalmente nos estágios finais da vida; e f) da finalização,

buscando resolver ou redefinir os problemas residuais quando situações não

terminais são finalizadas.

Do ponto de vista sistêmico, o luto antecipatório permite à família que sofre

o impacto da doença crônica em algum de seus membros, a manutenção do

equilíbrio para assegurar o atendimento das necessidades do doente e seus

familiares. Do ponto de vista social, há o distanciamento dos amigos pela

dificuldade que estes têm de compreender a natureza de uma doença terminal e a

ajuda que podem oferecer (Rando, 2000 apud FONSECA, 2004).

O luto antecipatório está sujeito a fatores psicológicos, interpessoais e

socioculturais que, segundo Fulton e Gottesman (1980 apud FONSECA, 2004),

49

caracteriza-se por um complexo interjogo de fatores, tais como habilidades de

enfrentamento, sentimento de culpa e responsabilidade pela condição terminal do

paciente. O luto não é uma experiência privada, pois as relações estabelecidas

entre a famíla, o paciente e a equipe de saúde podem facilitar ou dificultar a

comunicação e a expressão de sentimentos. Não há uma institucionalização do

luto antecipatório e tampouco são prescritas normas de comportamento. Fonseca

(2004) afirma que “o desapego e a separação num luto antecipatório saudável

não se referem ao doente no presente mas sim à experiência intrapsíquica na

relação com um futuro que está por vir, onde a morte vai se aproximando cada

vez mais” (p. 103).

50

CAPÍTULO V - A SÍNDROME DE BURNOUT

V.1 Definição

A síndrome do esgotamento profissional, como é denominada, faz parte da Lista

de Doenças Profissionais e Relacionadas ao Trabalho, segundo o Ministério da Saúde,

relatada na Portaria nº 1339/1999. Ela está classificada no CID-10 (Classificação

Internacional de Doenças, 10ª revisão) como Z73.0, e é citada como um problema

consequente do contato com pacientes que exigem cuidados permanentes nos serviços

de saúde. No entanto, ela não consta nas classificações psiquiátricas (VIEIRA et al,

2006).

Inicialmente descrita como um “incêndio interno”, resultado da tensão

produzida pela vida moderna (FREUDENBERGER, 1974), foi rapidamente aceita

pela comunidade científica, que, apesar da dificuldade em conceitualizá-la e

consequentemente em diagnosticá-la, adotou o termo burnout para caracterizar o

conjunto de respostas emocionais do sujeito que apresenta gradual perda da

responsabilidade e desinteresse pelo trabalho, cuja profissão envolva o contato

com pessoas que necessitem de cuidados e atenção constantes, seja na área da

saúde, do ensino ou nas organizações (MILLAN, 2007).

Conceitualmente, o burnout é caracterizado por sintomas temporários e se

manifesta em situações específicas da vida do sujeito, e que estejam

relacionadas ao trabalho (Freudenberger, 1987 apud MASLACH, 2001). Nesse

caso, a depressão associada aparece sem o sentimento de culpa, característico

da depressão psiquiátrica que atinge todas as áreas da vida da pessoa

(MASLACH, 2001).

Como os sintomas que compõem a síndrome estão presentes na

depressão, aventa-se a hipótese de que a demora no reconhecimento do

problema poderia ser relevante no agravamento desta patologia (VIEIRA et al,

2006). É considerada também a possibilidade de haver uma sobreposição entre

burnout e depressão (AHOLA et al, 2005) e a sintomatologia apresentada pela

população de trabalhadores, independentemente da profissão exercida, poderia

ser o resultado da maneira pela qual se organiza o trabalho em suas áreas de

51

atuação, desde que todas as dimensões tenham sido afetadas: exaustão

emocional, despersonalização e comprometimento da realização pessoal.

Pode-se considerar que os sintomas decorrentes do burnout são encontrados

em sujeitos cujas características individuais levem a uma inadaptação ao estresse

agudo ou crônico provocado pelo trabalho de cuidador principal, seja por falta de

recursos de enfrentamento, seja por não conseguir colocar em ação estratégias já

conhecidas e que levem a disfunções emocionais e de conduta (SÁNCHEZ, 2005).

Em uma outra linha de raciocínio, Millan (2007) argumenta que não deve

ser dado um novo nome a um conjunto de sintomas amplamente conhecidos e

definidos na psiquiatria, apenas porque o fator desencadeante dos sintomas é o

trabalho. Além disso, há divergências quanto à qualidade psicométrica do

Maslach Burnout Inventory (MASLACH, 1989), que não permite à comunidade

científica assumir integralmente seus resultados como validação diagnóstica

(JAVIER et al, 2002). No Brasil, porém, estudos avaliaram a fidedignidade e a

validade de constructo das características psicométricas do Inventário de Burnout

de Maslach - Human Services Survey (MASLACH & LEITER, 1997), e concluem

que

a versão brasileira do instrumento apresenta os requisitos necessários em termos de consistência interna e validade fatorial para ser amplamente utilizada na Síndrome de Burnout em trabalhadores que desenvolvem suas atividades em profissões consideradas de ajuda, em nossa realidade (CARLOTTO e CÂMARA, 2007, p.331).

Se os sintomas referentes ao estresse negativo encontrados no cuidador

fossem avaliados isoladamente, como sugeridos por Millan (2007), haveria o risco, por

exemplo, de o diagnóstico deixar de identificar o trabalho como estímulo disparador

para o estado depressivo. Neste sentido, a imediata melhoria de perspectivas na área

do trabalho que modificaria rapidamente esse quadro seria prejudicada, caso a

síndrome deixasse de ser considerada como uma hipótese possível.

52

V.2 As três dimensões da síndrome

A síndrome, resultado de uma condição de sofrimento psíquico associado

ao trabalho, é composta por três dimensões básicas: esgotamento emocional

(EE), despersonalização (DP) e comprometimento da realização profissional (RP).

Dentro desses, há subgrupos constituídos por sintomas de conduta, sociais e

psicossomáticos. Outras variáveis podem ser identificadas como preditoras do

burnout e determinantes enquanto estressores laborais: variáveis pessoais

afetivo-cognitivo-emocionais, biológico-demográficas, de contexto ambiental,

organizacional, ou relacionado ao trabalho e estrutural. No entanto, há a

dificuldade de situá-la dentro de um processo ou de um estado. Sob uma

perspectiva clínica, burnout é considerado um estado a que chega o sujeito,

resultado do estresse relacionado ao trabalho. Numa perspectiva psicossocial, ele

é considerado um processo que se desenvolve como resultado da interação entre

as características pessoais e a maneira como o sujeito se relaciona com o

trabalho. Neste sentido, o estresse (cujos efeitos podem ser positivos e

negativos), no caso do burnout, sempre gera efeitos negativos (MASLACH, 1989;

SÁNCHEZ, 2005).

Estudos apontam para altas taxas de ansiedade e depressão entre

cuidadores informais de pacientes em fase terminal de câncer de mama ou

genital, com predominância nos cuidadores do sexo feminino (REZENDE et al,

2005). O mesmo acontece com cuidadores de pacientes demenciados, tendo sido

comprovados altos níveis de impacto subjetivo (LEMOS et al, 2006). Estes,

porém, não são relacionados ao burnout.

O trabalho direto com pessoas portadoras de algum tipo de doença crônica

ou vítima de algum tipo de catástrofe pode levar o cuidador a uma situação de

risco psicológico, pois cria um “círculo de vulnerabilidade” entre aquele que ajuda

e quem é ajudado. Isto ocorre sempre que, dentro do processo empático, o

cuidador sentir-se abalado por seus próprios problemas emocionais não

resolvidos, ligando-se ao paciente pela excessiva identificação e exposição à dor

do outro (SANDRIN, 2006).

53

Assim, por meio dos sintomas identificados na síndrome de burnout, o

cuidador pode ser avaliado dentro de cada uma das fases de que se compõe

(MASLACH, 1989; SÁNCHEZ, 2005; SANDRIN, 2006):

I. Esgotamento Emocional (EE):

•••• Entusiasmo idealista: há uma hiperidentificação com quem deve ser ajudado, e

há excesso de dedicação, pois se considera que as necessidades do doente

têm precedência sobre as próprias;

•••• Estagnação: surgem os primeiros sinais de grande cansaço físico e de

irritabilidade;

II. Despersonalização (DP):

•••• Frustração: pequenos obstáculos configuram-se como insuperáveis, há a

sensação de fracasso e de apreensão em relação ao futuro. Nesta fase é

frequente o aparecimento de doenças psicossomáticas, o exagero na

alimentação e no uso de drogas, tais como a nicotina, a cafeína e o álcool bem

como ocorrem prejuízos nas relações familiares e sociais;

•••• Des-humanização: estabelece-se a indiferença emotiva em relação ao

sofrimento do outro, fato que favorece um distanciamento defensivo;

III. Comprometimento da realização profissional (RP):

•••• Apatia: é quando o burnout propriamente dito pode ser identificado. Esta é uma

fase marcada pelo fracasso da empatia, pelo início da resignação, e pela

procura por compensações ou fugas, no que se entende como uma espécie de

“morte profissional”. No caso em estudo relativo ao cuidador principal, a leitura

pode ser feita como “morte da atividade de cuidar”.

Uma das armadilhas comuns em que o cuidador pode cair é utilizar a

famosa frase “se eu não fizer, ninguém vai fazer...” e, dessa maneira, entrar

facilmente em estado de esgotamento físico, mental e emocional. Nesse

momento, o cuidador costuma atribuir-se a culpa pelo sentimento de fracasso que

experimenta ao fazer uma leitura inadequada da realidade (SANDRIN, 2006).

A personalidade do cuidador é formada por características mentais,

histórico-afetivas, estilo interpessoal, capacidade de controle das emoções, e

imagem que tem de si mesmo e de suas atividades profissionais. Além do modo

54

de interpretar e avaliar as situações, há variáveis que contribuem para o

aparecimento dos sintomas associados à síndrome de burnout (SANDRIN, 2006;

SÁNCHEZ, 2005):

I. Características estruturais da personalidade do cuidador: fraco e dependente

nos relacionamentos; desconhece os pontos fracos/ fortes em si; baixa

autoestima; atento às coisas sem importância; satisfaz apenas com trabalho as

necessidades de realização, aceitação e aprovação; precisa controlar tudo e

todos: não delega;

II. Contexto relacional: sobrecarga física e emocional; sensação de não ter o

controle da situação; ter de enfrentar situações que envolvem dor, doença e

morte; dificuldade de harmonizar expectativas pessoais e das demais pessoas

envolvidas; falta de autonomia pessoal; feedbacks em relação aos resultados

obtidos no trabalho;

III. Contexto ambiental: falta de apoio da família/ amigos; conflitos entre o cuidador

e seus familiares/ superiores; autoritarismo por parte de algum integrante do

grupo à sua volta; pouco conhecimento sobre a tarefa que desempenha; falta

de orientação sobre o cuidado; clima tenso durante o trabalho; trabalho

monótono e sem perspectivas de mudança; estresse por “lealdade dupla”, ou

seja, na relação em que o cuidador é obrigado a cultivar a lealdade para com a

equipe médica em detrimento da lealdade com o assistido e vice-e-versa. Isso

envolve uma cisão da própria identidade, gerando a crise.

Nesse contexto, há de ser levado em conta o tipo de envolvimento

existente entre o cuidador e aquele que é cuidado, pois, devido à grande

quantidade de energia pessoal envolvida nesta relação, as emoções se

“confundem”. No estado de burnout, o cuidador sente a impossibilidade de se

defender da angústia frente à certeza do fim da relação com o doente crônico;

percebe a dificuldade de adaptação emotiva e cognitiva às tarefas relacionadas

ao cuidado do doente crônico; tem o sentimento de raiva pela doença que não

consegue controlar e de impotência por não poder fazer mais; sente o conflito

pela empatia que algumas vezes está presente e, outras, não (SÁNCHEZ, 2005;

SANDRIN, 2006).

55

Na revisão bibliográfica não foram encontrados estudos no Brasil que

associem as taxas de ansiedade e de depressão nos cuidadores principais dos

pacientes renais crônicos à síndrome, uma vez que ela é associada aos sujeitos

cujo ato de cuidar esteja ligado a uma atividade remunerada (ALARCÓN, 2002;

SÁNCHEZ, 2005; VIEIRA e cols, 2006).

56

CAPÍTULO VI - OBJETIVO E MÉTODO

VI.1 Objetivo

Neste estudo, surgiram duas perguntas básicas: a) qual é o impacto

psíquico no sujeito ao tornar-se cuidador de um paciente renal crônico?; e b) a

síndrome de burnout pode ser utilizada como hipótese diagnóstica quando os

sintomas de suas três dimensões básicas (esgotamento emocional,

despersonalização e realização pessoal) são encontrados em sujeitos que atuam

como cuidadores principais de pacientes renais crônicos?

Com base nessas questões, a proposta foi estudar o processo de se tornar

cuidador principal do paciente renal crônico em hemodiálise. Para isso, propôs-se

a pesquisa, no cuidador, do impacto da doença, das estratégias de enfrentamento

(coping), da rede de apoio, das necessidades educativas sobre a doença renal e

da relação entre burnout e cuidado principal.

VI.2 Método

VI.2.1 Tipo do estudo

Este é um estudo transversal composto por 3 grupos de cuidadores, cujos

pacientes estavam no primeiro, no terceiro e no quinto anos de hemodiálise. Tal

estudo se caracteriza por uma pesquisa qualitativa que, segundo Gonzáles-Rey

(2005), é um processo que começa com a incerteza e com o desafio do que se

deseja pesquisar. Diferentemente da pesquisa quantitativa baseada na definição

descritivo-comportamental, esta se baseia na definição subjetivo-interpretativa

inserida dentro de uma linha de pesquisa que busca oferecer a criação de

modelos teóricos sobre a realidade estudada para a produção de conhecimento

“de modo menos organizado e mais problematizado” (p.90) por um sistema de

pensamento “cujos momentos distintos se afetam de forma recíproca” (p.93).

57

A pesquisa das publicações necessárias ao embasamento teórico foi

realizada por meio de consulta às bases de dados Medline (National Library of

Medicine, USA), Lilacs (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da

Saúde, Brasil) e Scielo (Scientific Electronic Library Online, Brasil), mediante o

uso dos descritores em inglês: caregiver, burnout, family e renal.

Foi realizado um recorte de tempo que abrangesse o período dos últimos

10 anos (1999-2009). A complementação da pesquisa deu-se junto a arquivos de

dissertações, teses e livros publicados no Brasil. A escolha dos idiomas privilegiou

os temas em português, inglês e espanhol, respeitando a capacidade de

compreensão linguística da pesquisadora.

Uma vez que existam variadas designações para identificar a pessoa que

cuida do paciente crônico sem ter formação profissional para tal, essa foi uma

dificuldade encontrada no momento de fazer as combinações entre os descritores

para a pesquisa, pois o acréscimo de palavras como “principal” ou “informal”,

excluía publicações sobre cuidadores designados como “family” ou “primary”, por

exemplo. Para isso, a seleção inicial foi feita abrangendo cuidadores formais e

não formais mediante uso do termo “caregiver” associado ao termo “burnout” e,

após a leitura dos resumos, foram excluídos os artigos que tratavam dos

cuidadores formais.

Na base de dados Medline, a combinação “burnout-caregiver-renal” não

encontrou registros. Optou-se pela combinação “burnout-caregiver-family”, tendo

sido encontrados 38 artigos de variadas nacionalidades. Destes, 22 estudos

faziam referência à possibilidade de burnout no cuidador não formal (África do Sul

[1], Alemanha [1], Austrália [2], Canadá [1], Holanda [3], Itália [1], Irlanda do Norte

[1], Japão [2], Suíça [2], Estados Unidos [9]) e apenas 4 utilizaram a escala de

avaliação da síndrome de burnout em suas pesquisas: Alemanha [1], Japão [1] ,

Estados Unidos [2] e nenhum deles relacionados ao paciente renal crônico.

Na base de dados Lilacs, as associações “burnout-caregiver-family”,

“burnout-caregiver”, e “caregiver-renal” não obtiveram resultados. As

combinações “burnout-renal” e “burnout-family” apresentaram 15 documentos

sobre cuidadores formais e que foram descartados. Utilizando apenas o descritor

“caregiver” foram encontrados 125 documentos, dos quais 65 estavam

58

relacionados ao cuidador não formal sem referência ao burnout ou ao paciente

renal crônico.

Na base de dados Scielo, as associações “burnout-caregiver-family” e

“burnout-renal” não obtiveram resultados. Porém, a associação “burnout-

caregiver” encontrou um artigo (Espanha) sobre o cuidador não formal, utilizando

a escala de avaliação da síndrome de burnout, embora esta não tenha relação

com o paciente renal crônico.

O recorte para análise totalizou 69 documentos obtidos em bases

eletrônicas de dados e a aquisição das publicações complementares se deu por

meio de bibliotecas de instituição e de universidade privada.

Cada documento foi submetido à leitura flutuante para apreciação do

conteúdo, para que se verificasse se atendiam a alguns critérios, tais como

abordagem do tema sobre o cuidador e o desenvolvimento do estudo sobre a

síndrome de burnout em cuidadores principais de pacientes crônicos.

VI.2.2 Perspectiva do estudo

O processo da pesquisa ocorreu por meio de estudos de caso baseado em

um roteiro para entrevista semidirigida. Tal roteiro possibilitou a interação entre

pesquisador e pesquisado, tornando a fala “reveladora de condições de vida, da

expressão dos sistemas de valores e crenças” (MINAYO, 2007, p.64) dentro de

um contexto histórico, socioeconômico e cultural.

A análise do conteúdo das entrevistas objetivou o resgate, no discurso

individual, da representação social do fenômeno pesquisado, e buscou maior

fidelidade possível entre a vida real e a vida pesquisada, pois o pensamento,

objeto de estudo, em princípio não é composto por “atributos externos

quantificáveis” (LEFÉVRE, 2003, p.34), mas por qualidades que aparecem como

resultado da pesquisa. Foi levado em conta o fato de que “haverá diversidade de

opiniões e crenças dentro de um mesmo segmento social e a análise qualitativa

deve dar conta dessa diferenciação” (MINAYO, 2007, p.79).

59

VI.2.3 Caracterização da instituição

A pesquisa foi realizada no município de Taboão da Serra, SP, em clínica

especializada, cuja ação volta-se ao atendimento de pacientes de hemodiálise e diálise

peritoneal. O contato inicial foi realizado por meio telefônico. O ofício (ANEXO 1) tinha

por objetivo solicitar autorização para a realização da pesquisa, juntamente com

Projeto de Pesquisa que foi enviado por e-mail. Houve concordância da direção da

clínica para o início da investigação, além da liberação do acesso aos prontuários dos

pacientes renais crônicos, assim como disponibilização do espaço interno da clínica

para realização das entrevistas com os cuidadores.

Comparado com a época em que a intervenção lúdica foi realizada (2002),

houve mudança de endereço e de instalações físicas que primavam pela arquitetura

ampla e bem planejada. A quantidade de funcionários aumentou e a pesquisadora

notou que, enquanto aguardava na sala de espera para ser recebida pela diretora da

clínica, foi cumprimentada por todos os funcionários que circularam no ambiente, pois

era o horário da troca de turnos e esse detalhe lhe chamou muito a atenção. Foi

observado também que havia entre eles um clima bastante amistoso.

Ficou definida pela direção da clínica que todos os cuidadores

selecionados deveriam ser entrevistados nas dependências da própria clínica,

para que o ambiente pudesse proporcionar privacidade, impedindo eventuais

interrupções. Assim, elas foram realizadas em sala disponibilizada no prédio

durante o horário da hemodiálise, período em que os cuidadores aguardavam até

que pudessem conduzir os pacientes de volta para casa.

VI.2.4 Os participantes

Os participantes foram selecionados a partir da avaliação dos prontuários

dos pacientes renais crônicos com diagnóstico confirmado durante os anos de

2003, 2005 e 20085 para definição de 3 grupos distintos para pesquisa.

5 A primeira entrevista só ocorreria se o diagnóstico tivesse sido realizado 90 dias antes da entrevista, para que o cuidador tivesse absorvido o impacto da crise do diagnóstico e encontrado o equilíbrio para lidar com as demandas da doença e tratamento, conforme descrito por Holland (1990).

60

Dentro dos parâmetros estabelecidos, verificou-se a necessidade de

perguntar aos pacientes quais eram as pessoas que eles consideravam como

seus cuidadores, posto que esta informação não constava nas fichas de

cadastramento.

A seleção dos prontuários contou com a ajuda e orientação da psicóloga

responsável pelo atendimento aos renais crônicos na clínica. Ela também realizou

a abordagem para a identificação dos cuidadores junto aos pacientes,

relacionados na Tabela 7.

A avaliação dessas informações complementares resultou na seleção de

40 possíveis participantes, pois foram descartados os pacientes cuja resposta

incluía “Não tem”, “Paciente ausente p/ abordagem”, “Empregada”,

“Acompanhante”, “Igreja” e “Instituição”. Desses, 9 cuidadores (ambos sexos)

recusaram o convite e 1 paciente faleceu nesse período. Restaram para a

pesquisa 30 possíveis participantes, dos quais 3 encontravam-se no primeiro

grupo, 9 no segundo e 18 no terceiro grupo.

Como o número de participantes foi definido por inclusão progressiva, ele

foi interrompido pelo critério de saturação, quando “as concepções, explicações e

sentidos atribuídos pelos sujeitos começam a ter uma regularidade de

apresentação” (MINAYO, 2007, p.48), dado que “não é o tamanho do grupo que

define os procedimentos de construção do conhecimento, mas sim as exigências

de informação quanto ao modelo em construção que caracteriza a pesquisa”

(GONZÁLEZ-REY, 2005, p.110). Desse modo, foram realizadas 8 entrevistas que

atenderam ao critério de saturação.

Os critérios de inclusão consideraram apenas os cuidadores com laços

biológicos ou sociais, de ambos os sexos, com idade acima de 19 anos e que,

mesmo exercendo uma atividade remunerada qualquer, tem como

responsabilidade principal o cuidado ao paciente renal crônico e o faz

gratuitamente. Nesta pesquisa o cuidador que atende a estes critérios foi

designado como cuidador principal.

61

TABELA 07 – Cuidadores indicados pelos pacientes

Ano do diagnóstico Cuidador indicado pelo paciente Pacientes

abordados

Não tem 5 Paciente ausente p/ abordagem 3

Esposa 3

Marido 2

Sobrinha 1

2003

Empregada 1 Esposa 7

Não tem 4 Paciente ausente p/ abordagem 3

Filha 3

Sobrinha 2

Instituição 2 Marido 1

Irmã 1

2005

Acompanhante 1

Não tem 17 Esposa 9

Paciente ausente p/ abordagem 8

Filha 4 Marido 2

Irmã 2

Mãe 1

Igreja 1

Filho 1

2008

Enteada 1

TOTAL DE PRONTUÁRIOS 85

VI.2.5 Procedimento para coleta dos dados

O primeiro contato com os participantes ocorreu por meio do telefone, para

exposição dos objetivos deste projeto e definição dos cuidadores que já

compareciam à clínica para acompanhar o paciente renal crônico. Esses foram os

primeiros a serem contatados, pois esse era um dado facilitador. Constatou-se,

porém, um número reduzido deles na clínica, e apenas 2 cuidadores atenderam a

esse critério.

Em seguida, foi utilizado o critério de localização, ou seja, os cuidadores

preferenciais foram os residentes no município de Taboão da Serra, pois essa

62

escolha facilitaria o deslocamento deles até a clínica, dado que houve resistência

tanto ao convite quanto ao fato de terem de ir até o local para a realização da

pesquisa.

Outro dado relevante diz respeito à recepção mais agressiva, que sempre

vinha por parte do público masculino que atendia às ligações. Apenas as

mulheres concordaram em participar, apesar de haver vários maridos que foram

apontados por suas esposas como cuidadores. Esta agressividade exigiu um

manejo especial no contato, buscando a adesão do(a)s cuidador(a)s à pesquisa.

As participantes mais receptivas à pesquisa moravam em outros

municípios componentes da região metropolitana de São Paulo, fato que chamou

a atenção, pois essas eram pessoas obrigadas a realizar grandes deslocamentos

para chegar até a clínica de hemodiálise.

As entrevistas foram individuais e realizadas com agendamento prévio. No

entanto, em várias ocasiões foi necessária a adaptação da pesquisadora às

possibilidades das cuidadoras com a alteração ou cancelamento das datas e/ ou

horários agendados.

No dia e horário marcados, foram apresentados o Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (ANEXO 2) e o Consentimento para Atuar como Participante

na Pesquisa (ANEXO 3), lidos e assinados pelas participantes alfabetizadas. Em

duas ocasiões a pesquisadora precisou ler (em voz alta) o texto de

consentimento, pois as cuidadoras declararam não entender o que estava escrito.

Somente após a verificação de que todas tinham realmente entendido o objetivo

da pesquisa, a voluntariedade da participação, a possibilidade de se retirarem da

pesquisa a qualquer momento sem nenhum prejuízo ou dano para elas ou para

os respectivos pacientes, além do compromisso de confidencialidade por parte da

pesquisadora, elas assinaram o documento. Em seguida, foi realizada a coleta de

dados referente a dados de identificação, idade, escolaridade, profissão e grau de

parentesco com o paciente (ANEXO 4). Além disso, todas as entrevistas foram

gravadas com a autorização das participantes.

Uma das cuidadoras teve apenas parte da sua entrevista gravada, porque

terminou a bateria do gravador após 18 minutos e isso só foi percebido ao final do

encontro. Além disso, a qualidade dessa gravação está precária, impossibilitando

63

a transcrição integral desse período. Neste caso, foi feita a análise baseada nas

observações da pesquisadora sobre o caso.

A transcrição das entrevistas foi realizada pela própria pesquisadora, e

essa tarefa consumiu um tempo considerável, mas permitiu que as informações

ficassem mais claras na medida em que ela tinha de retomar os discursos várias

vezes, até verificar que as transcrições estavam fiéis às gravações originais.

As participantes foram identificadas pelas letras do alfabeto, de acordo com

o grupo em que se encontravam. Cuidadoras cujo paciente foi diagnosticado no

ano de 2003, tiveram seus nomes identificados pela letra P, pois este foi

considerado o primeiro grupo de pesquisa; o segundo grupo foi identificado pela

letra S, pois os pacientes foram diagnosticados no ano de 2005, e o terceiro grupo

foi identificado pela letra T, cujos pacientes foram diagnosticados no ano de 2008.

Não foi possível entregar a transcrição da entrevista às respectivas

cuidadoras para correções, validações ou complementação de dados, pois alguns

obstáculos surgiram no decorrer da pesquisa, tais como a resistência de algumas

cuidadoras para um novo comparecimento à clínica e a baixa escolaridade da

maioria delas, dificultando o entendimento da leitura.

Foi oferecido acolhimento psicológico às cuidadoras, até 30 dias após a

entrevista. Entretanto, nenhuma delas procurou tal atendimento, mesmo aquelas

que ficaram muito emocionadas durante a entrevista. Algumas agradeceram a

oferta e despediram-se rapidamente. Outras se colocaram à disposição caso

houvesse a necessidade da coleta de informações complementares.

VI.2.6 Aspectos éticos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP,

por meio do Protocolo de Pesquisa nº 295/2008 (ANEXO 8) e, seus participantes

assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO 2), atendendo

às Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres

Humanos (Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da

Saúde). Foram tomadas todas as precauções também no sentido de preservar a

64

identidade das participantes, bem como em garantir os demais princípios éticos

quanto à beneficência, justiça e equidade.

VI.2.7 Instrumentos

Os instrumentos de medida utilizados nesta investigação foram compostos

por 1 formulário para coleta dos dados de identificação do cuidador e 1 roteiro

orientador de perguntas (ANEXO 5) utilizado nas entrevistas semidirigidas para

que fossem abordados aspectos importantes e que não surgiram

espontaneamente no decorrer das mesmas, tais como rede de apoio social,

atendimento domiciliar, sintomas psicossomáticos, conhecimentos na área da

saúde e da doença renal crônica.

Para a elaboração das perguntas, foi utilizada como base a versão

brasileira validada da escala Burden Interview (SCAZUFCA, 2002) para estudo do

impacto das doenças mentais e físicas (ANEXO 7), além do inventário para

identificação dos sintomas de burnout (ANEXO 6), Inventário de Burnout de

Maslach — Human Services Survey (MASLACH & LEITER, 1997) —, versão

brasileira validada (CARLOTTO e CÂMARA, 2007).

VI.2.8 Procedimentos para análise dos dados

A análise qualitativa dos dados foi realizada por meio de um estudo

transversal entre os 3 grupos de cuidadores, avaliando as diferentes fases do

processo para se tornar cuidador principal e os sintomas relativos ao burnout.

Os dados obtidos nas entrevistas foram avaliados por meio da análise de

conteúdo, que permite

uma construção que acompanha o caráter contextual, processual e dinâmico da subjetividade e, ao mesmo tempo, suas formas de organização, a história dessas formas de organização e sua constante tensão e compromisso com os contextos e campos de ação atuais da pessoa (GONZÁLEZ-REY, 2005, p.137).

65

Como instrumento para análise, foi utilizado o DSC - Discurso do Sujeito

Coletivo (LEFÉVRE, 2003), que possibilita a investigação dos principais temas

emergentes. As unidades de análise foram as respostas de cada subgrupo,

entendidas como a manifestação de cada fenômeno porque

quando se quer conhecer o pensamento de uma comunidade sobre um dado tema, é preciso realizar, antes de mais nada, uma pesquisa qualitativa, já que, para serem acessados os pensamentos, na qualidade de expressão da subjetividade humana, precisam passar, previamente, pela consciência humana (LEFÉVRE, 2003, p.9).

O conteúdo foi analisado para levantamento das questões mais relevantes

ao tema em estudo, utilizando-se 4 figuras metodológicas: as expressões-chave;

a ideia-central; a ancoragem; e o DSC.

As expressões-chave de cada discurso foram identificadas e transcritas,

assim como as afirmações que explicitavam as ideias centrais, tendo sido ambas

agrupadas em temas semelhantes. O DSC permitiu a elaboração dos discursos-

síntese, de forma a expressar a representação social de cada fenômeno. A

ancoragem possibilitou a identificação de traços linguísticos que explicitassem

teorias, hipóteses, conceitos e ideologias internalizados nas participantes

enquanto reflexo da sociedade e da cultura em que estão inseridas. A seguir, são

apresentados os resultados desta análise.

66

VII. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

Durante a análise dos discursos, foi percebido que o conteúdo de

determinadas respostas fazia referência a questões abordadas em outras

perguntas. Tal fato demonstrou a reciprocidade existente entre diferentes temas,

e houve dificuldade para agrupá-las em categorias, pois o mesmo tema

adequava-se a categorias diferentes.

Para organizar e facilitar a compreensão optou-se por apresentar os

resultados por meio de quadros referentes a cada uma das perguntas

direcionadoras, compostos pelos principais temas identificados e idéias centrais

sintetizadas que surgiram na análise das questões. Alem disso, foi referenciado o

ano correspondente ao discurso original, ou seja, ao período cronológico em que

o diagnóstico foi realizado.

O DSC (Discurso do Sujeito Coletivo), que aparece em itálico e sem aspas,

pois se refere a depoimentos coletivos e não sendo, portanto, citações.

Justamente por isso, a transcrição também apresenta as marcas comuns da

oralidade, tais como desvios de pronúncia, de aglutinação de palavras e de

concordância de número e de gênero. O perfil resumido dos participantes está

relacionado na Tabela 6. Os resultados foram agrupados em 6 categorias e

desmembrados em subcategorias, para melhor apresentação e análise.

I. A doença

•••• O diagnóstico

•••• O impacto do diagnóstico

•••• Meios de acesso às informações sobre a doença

•••• Aprendizado sobre a doença

•••• As restrições alimentares

II. Cuidador principal

•••• A decisão de ser cuidador

•••• Adaptação ao papel

67

•••• A convivência diária com (RC)

•••• Dependência de (RC) em relação ao cuidador

•••• Reações ao humor de (RC)

•••• As tarefas diárias

•••• Saúde do cuidador

•••• Autoestima

−−−− Valorização do cuidado

−−−− Autonomia

−−−− Realização pessoal

−−−− Sonhos para o futuro

III. Impacto financeiro

•••• Responsabilidade pela administração financeira

•••• Gastos com remédios

•••• Habitação

IV. Rede social de apoio

•••• O papel da família no apoio ao cuidador

−−−− Convivência familiar

−−−− Divisão de tarefas

V. Recursos de enfrentamento

•••• Apoio emocional

•••• Apoio espiritual

•••• A esperança do transplante

•••• Capacidade de “dar a volta por cima”

•••• Lazer e convivência social

−−−− Atividades recreativas

−−−− Amizades

68

VI. Relação entre a síndrome de burnout e cuidador principal

•••• Esgotamento emocional

•••• Despersonalização

•••• Realização profissional

TABELA 6 - Perfil das cuidadoras entrevistadas e re spectivos pacientes renais crônicos

Dados do(a) Cuidador(a) Dados do(a) Paciente

Ano

do

diag

nóst

ico

Cuidador

Idad

e

Esc

olar

idad

e

Município (residência)

Renda familiar mensal (salário

mínimo de referência)

Origem da falência

renal *Gên

ero

Idad

e Profissão/ Remuneração

Gra

u de

pa

rent

esco

Palmira 53 Ensino Fundamental Barueri 2 Diabetes H 73 Aposentado Tio

Paola 55 Superior Taboão da Serra

6 Hipertensão Arterial

H 54 Vendedor / (Esposa é

aposentada) esposo

2003

Patricia 52 Ensino

Fundamental (incompleto)

Embu-Guaçu

1 Hipertensão

Arterial e Diabetes

H 58 Ambulante esposo

Selma 63 Analfabeta Barueri 3 Diabetes H 68 Aposentado esposo

2005 Silvia 53

Ensino Fundamental (incompleto)

São Paulo (capital)

2 Diabetes H 53 Aposentado esposo

Tania 48 Ensino Médio

Taboão da Serra 2

Hipertensão Arterial e Diabetes

M 50

Ajudante de Limpeza / (Auxílio-doença)

irmã

Tereza 33 Ensino Médio Itapevi 2

Pielonefrite / Cálculos

Renais M 26

Vendedora / (Auxílio-doença)

irmã 2008

Tina 42 Ensino Fundamental

Taboão da Serra 2

Doença congênita

no rim H 16 Estudante /

(Aposentado) filho

* H = Homem / M = Mulher

O público participante desta pesquisa foi composto por mulheres, com

idade variável entre 33 e 63 anos, cuja renda familiar média é de 2,5 salários

mínimos de referência, domiciliadas em municípios integrantes da região

metropolitana de São Paulo cujo índice de pobreza, segundo o IBGE, gira em

torno de 50% da população.

69

As participantes apresentam baixa escolaridade e a maioria delas deixou o

trabalho profissional para cuidar de um familiar atingido pela doença renal crônica.

No entanto, continuaram exercendo algum tipo de atividade informal para a

complementação da renda. Todas dependem dos valores oferecidos por

programas sociais, tais como o Bolsa-Família, e recebem aposentadoria ou

auxílio-doença da Previdência Social.

Além do papel de cuidadora, também desempenham variados papéis

dentro da família, indicando um aumento de responsabilidades e consequente

aumento de energia adaptativa.

A Tabela 6 apresenta o predomínio das doenças como diabetes e

hipertensão arterial, assim como da baixa escolaridade. Pode-se inferir que a

soma desses dois fatores tenha contribuído para o desconhecimento das

informações adequadas sobre as doenças e suas consequências, resultando na

falência renal. Nota-se, também, maior número de pacientes do sexo masculino e

que apresentam idade acima de 50 anos.

Nesta pesquisa, os critérios de inclusão consideraram os cuidadores com

laços biológicos ou sociais, de ambos os sexos. Contudo, constatou-se que as

famílias continuam assumindo os cuidados do paciente crônico, com o predomínio

histórico das mulheres neste papel.

O predomínio de pacientes jovens no grupo diagnosticado em 2008 pode

ser resultado de diagnósticos precoces e que só foram possíveis graças aos

avanços da medicina, que proporcionam meios rápidos para identificação e

tratamento da doença.

Durante a elaboração dessa análise, soube-se que o jovem de 16 anos

conseguiu realizar o transplante renal e que a paciente de 26 anos preparava-se

para realizá-lo.

70

VII.1 A doença

VII.1.1 O diagnóstico

Como foi saber que (RC) tem a doença renal crônica?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - (RC) poderia morrer amanhã

A2 - (RC) poderia morrer no dia seguinte

2003

A3 - O diagnóstico provocou medo da morte de (RC) até hoje

A4 - Foi difícil porque no hospital as pessoas entram falando e morrem no dia seguinte

A. O doente renal crônico morre logo

A5 - Os órgãos de (RC) tinham parado e, aquilo era como se o mundo tivesse acabado

2008

B1 - O diagnóstico provocou problemas no sistema nervoso e até hoje toma remédio controlado

B2 - O diagnóstico provocou tristeza

2005

B3 - O impacto do diagnóstico só foi sentido quando (RC) foi para a UTI, foi difícil e provocou choque e tristeza.

B. O diagnóstico de (RC) provocou sofrimento físico e/ou emocional

B4 - No início foi muito difícil, terrível, descobrir que o rim de (RC) estava falido e ficou com medo de entrar em depressão.

2008

C1 - Pensou que o médico estivesse brincando

2003

C2 - A doença renal crônica só acontece na casa dos outros C. Não acontece com a gente

C3 - O diagnóstico provoca pavor, incredulidade, inconformismo, tristeza e medo.

2008

VII.1.1.1 O doente renal crônico morre logo

Quando (RC) foi para o hospital, o médico falou que tava grave, que não tinha mais jeito, né? Porque os órgãos tinha parado tudo! Só o coração e o fígado funcionava... A gente ficou muito preocupado, com medo, esperando o pior mesmo! Eu trabalho no hospital e vejo pessoas que entram lá, falando e morrem...No outro dia, morre... Eu achava que (RC) ia morrer logo, no dia seguinte e não ia voltar pra casa! Tenho medo até hoje... Pra mim, aquilo era como se o mundo tivesse acabado, né?

71

VII.1.1.2 O diagnóstico de (RC) provocou sofrimento físico e/ ou emocional

Pra mim, no início foi muito difícil quando eu descobri que o rim de (RC) estava falido... A família, os amigos... Todos ficaram em choque! Fiquei triste, né? Fiquei até com medo de entrar em depressão, porque foi terrível! Comecei a ficar ruim dos nervo, ter crise e até hoje tomo remédio controlado.

VII.1.1.3 Não acontece com a gente

Aí o médico disse o resultado e eu falei: “Nossa doutor, ce tá brincando, né?", porque a gente pensa que nunca vai acontecer na casa da gente...Aí foi que eu caí na real que (RC) tava doente mesmo! Porque, antes disso, eu não acreditava! Eu não me conformava de ver (RC) daquele jeito, né? Eu ficava só chorando!

O diagnóstico da doença renal crônica e a possibilidade da perda do ente

querido pela morte iminente provocou reações emocionais de choque,

incredulidade e negação no paciente e nos familiares. O medo da perda

permanece até os dias atuais, ou seja, não foi diluído com a passagem do tempo.

O desconhecimento sobre a origem da doença, os sintomas, o tratamento

e as mudanças a que estariam expostos causaram sofrimento, mesmo quando os

pacientes apresentavam diagnóstico primário de diabetes ou hipertensão arterial,

uma vez que a doença renal pode derivar de qualquer uma delas. Houve reações

psicossomáticas que causaram alteração no sistema nervoso e aumento da

pressão arterial, além de tristeza intensa relatada pela maioria das participantes,

independentemente do tempo em que o diagnóstico tivesse sido realizado.

72

VII.1.2. O impacto do diagnóstico

O que pensou no momento? E o que fez?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Após o diagnóstico, nada pode ser feito para ajudar (RC). 20

03

A. Não posso fazer nada

A2 - Não pode fazer nada por (RC)

2008

B. Preciso fazer alguma coisa B1 - Foi necessário procurar tratamento para (RC)

2005

C1 - O diagnóstico é vontade de Deus

C2 - Para evitar a tristeza, conversa com Deus. C. É vontade de Deus

C3 - (RC) morrerá quando Deus quiser

2005

D1 - A depressão foi "quase" uma possibilidade

D2 - O diagnóstico provocou tristeza que não foi considerada depressão

2003

D. "Quase" entrei em depressão

D3 - O diagnóstico provocou medo de entrar em depressão e até de morrer 20

08

VII.1.2.1 Não posso fazer nada

A doença renal crônica mexeu muito com a gente, né? Porque é uma coisa que não tem como fazer nada! A gente vê que (RC) tá sofrendo, mas não pode fazer nada...

VII.1.2.2 Preciso fazer alguma coisa

Comecei a correr atrás de tratamento, porque ele foi piorando, né?

VII.1.2.3 É vontade de Deus

As vezes eu pergunto por quê Deus prova a gente igual ao fogo no ouro? Não sei se vai primeiro ele ou eu... sei lá...Deus é que sabe, né? Se um dia o Senhor levá (RC), que descanse em paz! O negócio é não ficá triste e que seja feita a vontade de Deus, né?

VII.1.2.4 “Quase” entrei em depressão

73

Acho que eu fiquei mais triste, depois que aconteceu isso, porque a situação era meia complicada, sabe? No início, tive até medo e quase entrei em depressão porque não queria perder (RC). Foi terrível!

Há um sentimento de impotência diante da doença renal, quando

acompanham diariamente o sofrimento do familiar adoentado. Porém, a

recuperação do sentimento de controle da situação pode ser verificada quando a

cuidadora “arregaça as mangas” e atua, beneficiando o paciente de alguma

maneira, ainda que esse esforço seja motivado pelos sintomas inesperados que a

doença renal crônica provoca no doente.

A poderosa figura internalizada de Deus, possuidor de uma vontade

soberana, provê recurso emocional à cuidadora para se resignar frente à situação

sobre a qual ela não tem controle.

A grande tristeza sentida foi interpretada como uma “quase” depressão, em

que o sofrimento foi minimizado diante da possibilidade da perda de (RC) pela

morte. Do mesmo modo, impotência, resignação e minimização do próprio

sofrimento surgiram como resultados iniciais do impacto causado pelo diagnóstico

de doença renal crônica em algum membro da família. O estigma que ronda essa

doença faz as pessoas acreditarem que o doente morrerá no dia seguinte ao

diagnóstico e essa crença atua principalmente nas camadas sociais de baixa

renda, na qual o acesso às informações desse porte é mais restrito.

74

VII.1.3 Meios de acesso às informações sobre a doen ça

Como recebeu orientações sobre a doença e suas cons equências?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Equipe de Enfermagem da Clínica de Nefrologia

2003

A2 - Hospital

2005

A. No Hospital, Clínica de Nefrologia

A3 - Equipe de Enfermagem do Hospital das Clínicas

2008

B1 - Sobrinha que é enfermeira

2005

B2 - Professores do curso de auxiliar de Enfermagem B. Por meio de profissionais da saúde

B3 - Psicólogos, nutricionista, assistente social, enfermeira-chefe.

2008

C1 - Catálogo sobre alimentação

2003

C2 - Folheto explicativo sobre rim e diabetes C. Por meio de Mídia

C3 - Internet

2008

D. Por outros pacientes com DRC D1 - Perguntava para uma paciente que já fazia hemodiálise 20

03

VII.1.3.1 No Hospital, Clínica de Nefrologia

No hospital das Clínicas dava essa lista de restrição alimentar e eu sigo o que vi lá. Não sabia o que era hemodiálise e quando (RC) começou a diálise na clínica, não lembro se me deram essa lista, não!

VII.1.3.2 Por meio de profissionais da saúde

No Hospital (Geral) e na clínica, a gente conversava bastante com psicólogos, assistente social, nutricionista, enfermeira-chefe e eles explicou tudo, né? Elas foi me orientando e eu fiquei sabendo. Fiz um curso de auxiliar de enfermagem, né? Então, na escola (de Enfermagem) eu perguntava e fui bem mais profundo no assunto!

VII.1.3.3 Por meio de mídia

75

Eu tenho uma sobrinha, que é enfermeira e ela fez uma especialização nessa parte e me arrumou um catálogo, assim, com o que tem cada alimento... Quanto de potássio... Quanto disso... Quanto daquilo... No hospital, deram um folheto da explicação do problema de rim e diabetes. A gente tem curiosidade e fica mais na Internet.

VII.1.3.4 Por outros pacientes com DRC

De início, eu comecei a perguntar pra uma paciente que já estava na clínica. Tenho curiosidade, pergunto, entro no assunto, corro atrás. E aí, fui aprendendo.

Há pouco ou nenhum conhecimento sobre a doença renal crônica, seus

sintomas, consequências, restrições alimentares e as limitações impostas pelo

tratamento. Soma-se a isso o fato de que essas informações chegaram à

cuidadora por meio de instituições como hospitais, clínicas de Nefrologia e

respectivas equipes de profissionais da área da Saúde como psicólogos,

nutricionistas, assistentes sociais, enfermeiros e médicos.

Outras fontes de informação foram identificadas, e foi percebido que os

catálogos e folhetos impressos com explicações sobre doenças como diabetes e

DRC, além da troca de experiências que ocorre por meio de outros pacientes com

o mesmo problema, foram citadas por cuidadoras de meia-idade, mesmo por

aquelas cujo diagnóstico foi realizado há apenas um ano. Informações obtidas por

meio de acesso à Internet foram realizadas por cuidadoras mais jovens.

76

VII.1.4 Aprendizado sobre a doença

O que aprendeu sobre a doença depois que (RC) inici ou o tratamento?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Aprendeu muitas coisas e valorizar a vida

A2 - Aprendeu sobre a doença, transplante e alimentação.

2003

A3 - Aprendeu sobre alimentação e aplicação de insulina

A4 - Aprendeu sobre alimentação e a ficar de olho em (RC)

A. Aprendem-se muitas coisas

A5 - Aprendeu sobre alimentação e cuidado ao (RC)

2008

B. O estresse do cuidado provoca doença B1 - Aprendeu que o estresse do cuidado provoca diabetes

2005

VII.1.4.1 Aprendem-se muitas coisas

No hospital a gente conversava com psicólogo, assistente social e nutricionista. Eles foi me orientando como é que eu tinha que fazer, como é que não tinha, né? E quando ele veio praqui, a psicóloga, a assistente social e a enfermeira-chefe daqui (clínica de hemodiálise) também conversou bastante comigo e explicou tudo, né? Antigamente, (RC) tinha que vim no posto (de saúde) tomar insulina. Aí, o médico começou a ensinar eu (a aplicar a insulina) lá, aonde era o lugar de dar. Aprendi sobre a doença, sobre transplante... Aprendi mais na parte da alimentação e a ficar de olho em (RC), né? Porque a gente sabe que (RC) não pode tomar muito líquido. Aí, a gente tem que tomar cuidado no preparo da comida porque não pode sal, não pode muito líquido. Aprendi muita coisa, viu? Dou muito valor à vida.

VII.1.4.2 O estresse do cuidado provoca doença

Aprendi que, por causa dos nervo, peguei diabetes!

As competências que a cuidadora precisa ter incluem o conhecimento

sobre a dinâmica da doença e seus desdobramentos, as restrições alimentares, o

transplante renal, os sintomas e reações do paciente e, também, a aplicação de

insulina, no caso dos pacientes diabéticos.

77

A valorização da própria vida e a constatação de que as tarefas do

cuidado podem causar doença no cuidador também foram apontados como fonte

de aprendizado.

VII.1.5 As restrições alimentares

Restrição alimentar: paciente aderiu ao tratamento ?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - (RC) sempre foi educado para comer

2003

A. (RC) aderiu ao tratamento A2 - A família adaptou-se à alimentação e (RC) obedece a dieta 20

08

B1 - (RC) come o que quer e não tem jeito!

2003

B2 - Nunca seguiu a dieta e se não fizer o que RC quer, tem briga!

B3 - (RC) quando quer uma coisa vai lá e come!

2005

B4 - (RC) quer comer o que não pode e aí tem briga!

B. A alimentação é fonte de estresse

B5 - É difícil manter (RC) na dieta

2008

C1 - Faz comida para que (RC) possa comer, mas também faz para os outros. 20

03

C2 - A comida de (RC) é sem sal e a cuidadora não pode comer porque tem pressão baixa então, a comida é separada.

C. A preparação dos alimentos é diferenciada

C3 - Na alimentação e na higiene, tudo é diferente.

2008

VII.1.5.1 (RC) aderiu ao tratamento

(RC) sempre teve educação pra comer, né? Sempre. E isso ajuda muito o renal crônico: a educação alimentar. Então eu falo assim: “Pode comer mais um pouquinho”. E (RC) diz: “Eu como pra viver e não pra morrer”. (RC) nunca chegou aqui (na clínica) com falta de ar. Tem gente que chega andando e sai de cadeira de roda, por ficar cheio d’água. (RC) não faz xixi. Não lembro muito bem: um ano e pouco o xixi encerrou. Se não se educa na água, o que vai acontecer, né? A gente (família) já tem uma alimentação diferenciada, com muita fruta, legumes, verduras...Então, não mudou muito...Só diminuiu o sal, por causa da alimentação de

78

(RC), né? E só coisas que (RC) pode comer e em pouca quantidade. Mesmo se for de muita quantidade, (RC) come muito pouco porque não sente fome e só come por necessidade. Lanche, a gente não faz em casa. Só final de semana, uma vez ou outra a gente faz lanche.

VII.1.5.2 A alimentação é fonte de estresse

Às vezes (RC) quer passar da linha, mas eu não deixo! (RC) fica com os nervos à flor da pele, não entende... Aí, a gente briga! Quando (RC) quer comer alguma coisa, não tem quem segura, porque vai e compra! Não adianta falar: “Não compra”. (RC) vai e compra. E não tem jeito! Nunca obedeceu, né? (RC) dizia que ia morrê mesmo, então comia de tudo! Até hoje come! Eu me preocupo mas (RC) come só o que qué! Se eu num quero fazê, manda os outro fazê porque diz que eu tenho preguiça. Aí, eu pego e faço! Dô tudo o que (RC) qué! Qué feijoada? Come.Qué mocotó? Toma... (RC) briga! Então, faço tudo o que (RC) qué. (RC) come doce quando a diabetes baixa, né? A minha comida já é sem sal e antes de (RC) adoecer, comprava um monte de coisas e ficava na geladeira. Hoje, já não faço mais isso! Porque, é muito difícil pra segurar (RC), né? Tanto na comida como na água...Em tudo... É muito difícil!

VII.1.5.3 A preparação dos alimentos é diferenciada

Eu faço uma comida pra que (RC) possa comer, mas também faço pra gente. Faço salada e eu faço alguma coisa pra (RC) comer também... Alguma coisa cozida... Porque a de (RC) é sem sal, né? Eu não posso comer porque tenho pressão baixa, né? É separado. Eu que cuido da dieta pra diabetes e pro rim. Na alimentação, na higiene, tudo é mais diferente do que os outros! Porque... É assim... Se eu faço alguma coisa que (RC) não pode comer, aí... Eu já nem compro, entendeu?

Pequeno número de famílias mantinha, antes do diagnóstico, uma

alimentação constituída por uma dieta saudável com muitas frutas, legumes e

verduras ou cujo paciente conscientizou-se sobre a importância da educação

alimentar para o sucesso do tratamento. Estas famílias adaptaram-se

rapidamente, fazendo ajustes alimentares relacionados à quantidade de sal, de

água e de porções de alimentos autorizados para o paciente.

A dificuldade na manutenção do controle sobre a rigorosa dieta alimentar

que o paciente renal crônico precisa manter é apontada como fonte de estresse

pelas cuidadoras, independentemente do tempo em que o diagnóstico tenha sido

79

feito. Quando o paciente não adere ao tratamento, as brigas entre a cuidadora e o

doente são constantes. As tentativas de controle sobre a alimentação geram

revolta em (RC), que prefere comer o que tem vontade, colocando a própria vida

em risco, do que se submeter à dieta que aumenta sua sobrevida, pois a restrição

de líquidos evita que o ganho de peso dificulte a diálise e a ingestão de alimentos

proibidos, traz sérias consequências à saúde do renal crônico.

Foi verificado que o grau de parentesco e a idade do paciente interferem no

sucesso (ou insucesso) desse controle. As cuidadoras-esposas não conseguiram

estabelecer regras alimentares para seus pacientes-maridos. As cuidadoras-irmãs

só obtiveram sucesso quando a cuidadora era mais velha do que a paciente. A

cuidadora-mãe obteve sucesso em todos os procedimentos de cuidados

alimentares, sugerindo a existência de uma ascendência moral ou geracional na

família. Na maioria das famílias, as mudanças na alimentação do paciente exigiu

a elaboração de um cardápio à parte para atender às necessidades alimentares

dos demais membros da família.

VII.2 O cuidador principal

VII.2.1 A decisão de ser cuidador

Conte um pouco como foi que você passou a cuidar de (RC)?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - É lógico que a esposa sempre tem que cuidar do marido 20

03

A2 - Vai cuidar até que a morte os separe A. Esposa tem que cuidar do marido

A3 - (RC) está bem cuidado e na medida do possível, fez o papel de esposa.

2005

B. Quem já foi cuidado, agora tem que cuidar. B1 - Quem já foi cuidado agora tem que cuidar

2003

C1 - Já cuidava de (RC) antes do diagnóstico

C. Cuidava antes do diagnóstico

C2 - Cuida porque (RC) é filho e dependente

D. Cuida porque tem mais conhecimento sobre a doença

D1 - Cuida porque entendia mais sobre a doença renal crônica

2008

80

VII.2.1.1 Esposa tem que cuidar do marido

Desde que a gente se casou é lógico que a esposa sempre tem que estar cuidando do marido. Acho que lutei direito, porque hoje tá bem cuidado e vou cuidar até que a morte nos separe!

VII.2.1.2 Quem já foi cuidado, agora tem que cuidar

(RC) cuidou de mim então, agora, tenho que cuidar dele.

VII.2.1.3 Cuidava antes do diagnóstico

Eu já cuidava de (RC) antes do diagnóstico porque é uma pessoa que depende de mim, né?

VII.2.1.4 Cuida porque tem mais conhecimento sobre a doença

Trabalho em hospital, né? Os médicos conversava comigo então, entendia mais.

A proximidade da convivência familiar possibilitou que essa tarefa fosse

assumida automaticamente, sem grandes questionamentos por parte das

cuidadoras. Verificou-se, também, que as cuidadoras-esposas assumiram o papel

do cuidado com total abnegação, pois consideram que a conjugalidade exige, de

maneira inquestionável, que “a esposa sempre tem que estar cuidando do

marido”.

Outro dado importante refere-se ao fato de existir uma lealdade familiar, em

uma relação em que consideram ser óbvio o fato de que quem já foi cuidado

agora deve cuidar, como uma espécie de retribuição. Dentro desta convivência

em família, nota-se que não há um revezamento no papel de cuidadora, uma vez

que quem cuidava antes do diagnóstico permaneceu cuidando. Além disso,

também assume esse papel quem possui mais conhecimento sobre a doença,

independentemente do grau de parentesco existente.

81

VII.2.2 Adaptação ao papel

O que mudou na vida do cuidador?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Transformou a vida para cuidar de (RC)

2003

A2 - O diagnóstico alterou a saúde do cuidador

2005

A. A vida mudou

A3 - Mudou um pouco a rotina

2008

B. A vida permaneceu a mesma B1 - O relacionamento continua o mesmo

2003

C1 - Cuidar de (RC) é difícil quando também há necessidade de dar conta das tarefas em casa e das exigências profissionais

C2 - Cuidar de (RC) é um peso quando há outros na família que também exigem cuidados

C. É difícil cuidar

C3 - É uma doença difícil de ser cuidada

2008

D. A relação entre (RC) e parentes próximos ficou alterada

D1 - O diagnóstico alterou a relação entre (RC) e parentes próximos

E1 - (RC) não pode exercer uma profissão

2003

E2 - (RC) largou o trabalho de vendedor

2005

E3 - Emprego nenhum vai querer (RC)

E. (RC) não pode exercer uma profissão

E4 - (RC) trabalhava na administração do Shopping e agora se afastou

2008

VII.2.2.1 A vida mudou

O que eu tenho pra falar é assim: a gente muda a vida da gente, né? Transformei minha vida pra cuidar, né? Vê do jeito que (RC) era e vê na situação que tava. Fiquei com muita agitação e com pobrema na pressão.

VII.2.2.2. A vida permaneceu a mesma

Não teve muita mudança no relacionamento entre a gente. Continua o mesmo.

82

VII.2.2.3 É difícil cuidar

Tá sendo difícil e eu tô tentando, né? Tenho que correr em casa, correr com (RC), correr para o serviço... É pouco o que eu ganho e não dá pra nós... Eu precisava ganhar mais e só fiquei nesse trabalho por causa das horas que tenho em casa senão, quem vai cuidar de (RC)? Pelo horário que eu trabalho, o local em que eu trabalho, eu acho que é mais fácil! Tem vez que (RC) chega, não consegue comer e tenho que dar comida na boca! Ás vezes muda o lugar (da fístula), né? Eu tenho que estar junto... Quando fez a coisa (fístula) no braço, eu tinha que dar banho, dar comida, dar remédio. Acho que até uns cinco, seis meses, o abalo foi grande! Eu ainda não tava bem mas fui me acostumando com aquilo. Eu tinha que colocar minha cabeça no lugar porque não tenho que cuidar só de (RC). É um peso, porque tenho meus outros filhos também, né? Não é fácil quando você descobre que um filho seu ou um parente tá com uma doença difícil de ser cuidada!

VII.2.2.4 A relação entre (RC) e parentes próximos ficou alterada

Com relação a (RC), os parentes ficaram com aquele sentimento: “Ah... Coitado” sabe?

VII.2.2.5 (RC) não pode exercer uma profissão

(RC) trabalhava com vendas e agora não pode exercer uma profissão e trabalhar que nem antigamente, né? Começou a complicar a diabetes e não deu pra continuar porque ia ter que faltar pra ir no médico, né? Aí eu falei: “Emprego nenhum vai querer você desse jeito! Fica aí... Enquanto eu puder ir levando...”. Aí, largou por causa da doença, né? Agora só pode se aposentar por invalidez! Aí, o médico deu esse auxílio pra (RC). Não é nem auxílio-doença! E agora (RC) quer vender uns cosméticos, porque é muito pouco (o valor do auxílio-doença), né? Pra arrecadar e ganhar mais dinheiro.

Algumas cuidadoras tiveram de transformar suas vidas ao assumirem esse

papel. É possível inferir que essa adaptação está relacionada à capacidade da

empatia, pois sofrem ao perceber o sofrimento do outro. No entanto, o

enfrentamento das novas demandas que o papel do cuidado exige provocou

reações somáticas em resposta a essas mudanças que ocorreram

independentemente da escolha delas.

83

A cuidadora que desempenha o papel há 6 anos parece estar bem

adaptada ao papel e considera que não houve muita mudança no relacionamento

familiar após o início dessa tarefa.

As cuidadoras que desempenham este papel há apenas 1 ano ou menos

colocaram ênfase nas dificuldades encontradas no atendimento ao doente renal,

pois aumentou o número de preocupações, de tarefas e de responsabilidades,

diante da necessidade de atender a toda uma demanda de cuidados de (RC) e

dos demais membros da família — ainda mais quando há filhos pequenos para

serem cuidados. No caso das cuidadoras que exercem atividades profissionais

fora de casa, há o peso de uma dupla jornada de trabalho, considerando que a

doença renal é “uma doença difícil de ser cuidada”.

Dentre as mudanças ocorridas na vida dessas cuidadoras, há as questões

de relacionamento entre o parentesco e que afetam toda a dinâmica familiar.

Quando (RC) passa a ser considerado um “coitado” por sua família, pode-se

inferir que este sentimento interferirá no fator emocional tanto do paciente quanto

da cuidadora, que será afetada diretamente pelas variações de humor de seu

assistido.

Independentemente do tempo em que o diagnóstico tenha ocorrido, todos

os pacientes tiveram prejuízos em suas vidas profissionais, pois a obrigatoriedade

da diálise, 3 vezes por semana, invalida qualquer tentativa de manutenção de

uma atividade formalmente constituída, posto que os horários de trabalho não

podem ser cumpridos. Essa realidade faz com que muitos busquem, no trabalho

informal, sua fonte de ocupação e de renda.

84

VII.2.3 A convivência diária com (RC)

Como você descreve a convivência diária com (RC)?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - (RC) sempre foi educado

2003

A2 - Às vezes a convivência diária com (RC) é maravilhosa 20

05

A3 - A convivência diária com (RC) é muito boa

A. Conviver com (RC) é fácil

A4 - Em casa (RC) fica muito bem

2008

B1 - A convivência diária com (RC) não é fácil

2003

B2 - A convivência diária com (RC) é difícil

2005

B. Conviver com (RC) é difícil

B3 - A convivência diária com (RC) deixa todo mundo nervoso 20

08

VII.2.3.1 Conviver com (RC) é fácil

A convivência em casa é muito boa! (RC) não é ignorante, num briga, sempre teve educação, canta, é uma pessoa boa, maravilhosa e feliz! A gente conversa, brinca, sai junto, se diverte. A única coisa é o nervosismo, a teimosia e a timidez mas em casa fica muito bem, né?

VII.2.3.2 Conviver com (RC) é difícil

A convivência diária com (RC) não é fácil, não. Tem momentos bons, mas está sempre falando mal da clínica de hemodiálise, entendeu? É sempre assunto desagradável! (RC) não faz dieta, não me obedece e ainda tem a teimosia, a braveza! Era uma pessoa muito alegre e depois, deprimiu... De lá pra cá, murchou... É só agressividade, nervosismo. Parece que desanimou. Não tá reagindo assim...Confiante! Então, (RC) fala: “Já perdi minha saúde, mesmo... Pra que é que eu vou lutar por alguma coisa?” e isso deixa todo mundo nervoso, né? A psicóloga ajudando, fica mais fácil pra gente lidar.

As características da personalidade de (RC) é que dão o “tom” da melhor

ou da pior convivência diária, e não a doença renal propriamente dita, ou

85

tampouco a idade, ou o maior/ menor tempo em que o diagnóstico tenha

acontecido. Pode-se inferir que os recursos de enfrentamento existentes no

paciente contribuem significativamente para o alívio ou o aumento da carga sobre

os ombros da cuidadora.

As dificuldades no relacionamento com (RC), apontadas pelas cuidadoras,

estão diretamente relacionadas à depressão, ao nervosismo, à agressividade, à

teimosia, à desobediência à dieta, e à medicação. Segundo elas, nesses casos, o

apoio de um profissional da saúde mental seria bem-vindo.

VII.2.4 Dependência de (RC) em relação ao cuidador

Qual o grau de dependência de (RC) em relação ao cu idador?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - No início da doença, (RC) necessitou da cuidadora para controlar a medicação.

A2 - No início da doença, (RC) necessitou de cuidado constante.

2003

A. No início, (RC) era dependente de cuidados.

A3 - Quando muito debilitado, (RC) necessitou da presença constante da cuidadora. 20

08

B1 - Atualmente (RC) assume a responsabilidade pela medicação e não dá trabalho

B2 - (RC) assumiu a responsabilidade pelo tratamento e não deu muito trabalho

2003

B3 - (RC) não dá trabalho

2005

B. Atualmente, não dá trabalho.

B4 - Atualmente, (RC) assume a responsabilidade pelo tratamento e é independente. 20

08

C1 - Atualmente, (RC) necessita de mais cuidado.

2003

C2 - (RC) depende da cuidadora C. (RC) é dependente de cuidados

C3 - (RC) depende de cuidados

2008

VII.2.4.1 No início, (RC) era dependente de cuidados

No início era eu que cuidava de (RC), né? Porque tava com fraqueza, depressão... A maioria entra em depressão, né? Aí eu

86

levava (remédios) na xicrinha, né? No começo, acompanhava (RC) bastante lá no Hospital das Clínicas, porque foi lá que a gente começou a fazer os primeiros exames. Quando tava com muita debilidade física, precisava dar um banho, ajudar no banho, levar no banheiro, porque (RC) não conseguia andar em casa de tanto cansaço. A gente leva uma comida, orienta e às vezes, não quer... Eu falo: “Sai, toma um sol! Vai tomar um solzinho lá fora...!”. Porque, se deixasse, ficava em depressão, mesmo! Mas, na época em que tava assim, ruim... Aí, sim... A gente ficava em cima! Tinha que dar remédio... Marcar consulta, exame... Aí, sim...

VII.2.4.2 Atualmente, não dá trabalho

(RC) não dá um pingo de trabalho e controla a própria medicação. Não me preocupo. Agora lava a louça, varre a casa, cuida do cachorro... Tem adoração pelos cachorro... põe o lixo na rua, entendeu? Eu levanto de manhã, tomo meu banho, faço café e chamo (RC) que toma café e volta pra cama. Vai dormir. Num dá trabaio! A preocupação é minha! (RC) num reclama. Eu que tenho que ficá de olho senão, já tinha achado (RC) sem vida dentro de casa! (RC) é totalmente independente, também, né? Vem sem ninguém pra clínica (de hemodiálise), cozinha, faz tudo! Tudo o que quer, faz! Agora, tá superbom!

VII.2.4.3 (RC) é dependente de cuidados

Eu estou sentindo que agora (RC) está precisando de mais cuidado. Umas duas vezes que veio pra clínica, se sentiu mal... Então, eu já peço, se precisar vim buscar, é pra ligar, né? A médica falou que (RC) pode ter uma vida normal e é só não carregar peso! Mas (RC) fica só dormindo! Porque uma coisa eu falo pra você: eu não confio de deixar (RC) com ninguém! Aonde eu vou, eu levo (RC)! Porque, eu tenho medo de ir trabalhar... Assim... Porque se eu vou trabalhar, (RC) não vai tomar os remédios na hora certa! E quem toma remédio, tem que tomar nos horários certo, né? E... Eu tenho medo d’eu sair e (RC) passar mal...Tive que deixar minha vida pra cuidar dele! Enquanto (RC) precisar de mim... Né? Aí, eu acho assim: (RC) é uma pessoa que depende de mim, né?

Nos primeiros meses após o diagnóstico, as mudanças orgânicas ocorridas

no paciente em decorrência da falência renal (e, também, logo após o início da

hemodiálise) tornam o paciente muito dependente da cuidadora, pois apresentam

sintomas como fraqueza, cansaço, depressão e falta de apetite.

A adaptação do paciente à diálise e aos esquemas a que está submetido

por conta do tratamento contribui para que (RC) readquira uma relativa

87

independência, diminuindo a dependência em relação à cuidadora, fazendo com

que a rotina familiar retorne à “normalidade”.

Com o passar do tempo, a doença renal crônica evolui, debilitando

gradativamente o paciente. Essa evolução faz com que a cuidadora precise

retomar suas tarefas de cuidado com maior atenção, pois percebe que “agora

(RC) está precisando de mais cuidado”. A dependência acentuada de (RC) faz

com que algumas cuidadoras assumam essa tarefa de maneira tão abnegada,

que não conseguem confiar em ninguém para compartilhar o cuidado.

VII.2.5 Reações ao humor de (RC)

Como o cuidador reage às alterações de humor de (RC )?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Brinca

2003

A2 - Fica alegre A. Reage bem ao humor de (RC)

A3 - Fica bem

2008

B1 - Coloca limites

2003

B2 - Faz o que pode

2005

B. Reage com dificuldade ao humor de (RC)

B3 - Sente esgotamento

2008

VII.2.5.1 Reage bem ao humor de (RC)

(RC) é uma pessoa calma, alegre, ri, conversa, conta piada. Daí, fica feliz... Fica contente... É normal! É muito raro ver (RC) com raiva porque vive com muitas pessoas em volta. Em casa fica muito bem, né? Quando eu quero alguma coisa que eu vejo que (RC) vai implicar um pouquinho, já falo brincando, dando risada, dando beijo, sabe?

VII.2.5.2 Reage com dificuldade ao humor de (RC)

88

Eu procuro escutar, ter uma certa paciência, entender o lado de (RC) porque é o doente mas, de vez em quando, também me altero pra pôr um limite, sabe? A gente não pode ficar ali aguentando, aguentando, aguentando, porque senão fica um negócio sem limite, né? Então, de vez em quando, eu dou um: “Chega!”, sabe? (RC) é assim: não se relaciona bem com os outros pacientes! É uma pessoa difícil! Não se relaciona bem com algumas enfermeiras da clínica também, é ruim, porque acha que todo mundo está contra (RC), né? Mas isso é da cabeça de (RC), que eu sei! Sempre tem uma briga danada porque sempre (RC) é ligado (na máquina de hemodiálise) por último, sabe? Não sei se todos os pacientes são assim... Mas (RC) é assim! E fala: “Ai... Porque liga todo mundo e eu fico lá, esperando!”. (RC) não gosta de vim pra clínica. Na festa de final de ano, se tiver um amigo secreto, (RC) não participa! Mas é coisa da cabeça de (RC) , mesmo, porque é difícil de se relacionar com (RC)... Porque (RC) me maltratava demais da conta, era desobediente, não fazia o que o médico mandava. (RC) me cansa mentalmente, fisicamente, tudo! Na minha medida, faço o que posso, né? Não tenho raiva porque fiz o meu papel de esposa, né?

As estratégias desenvolvidas pela cuidadora para superar as resistências

de (RC) ao tratamento facilitam a interação entre ambos. Percebe-se que as

manifestações afetivas de rir, brincar e beijar garantem esse sucesso. Além disso,

viver com muitas pessoas em volta parece ser um indicativo de que estados

emocionais agressivos não perduram muito tempo nesses ambientes.

Os limites físicos e emocionais da cuidadora são colocados à prova,

independentemente do tempo de ocorrência do diagnóstico, pois conhece as

consequências da doença em (RC) e dispõe-se a “ter uma certa paciência” que,

às vezes, não é entendida pelo doente e, para colocar limites, precisa dizer

“Chega!”. Pode-se inferir que a desobediência de (RC) às recomendações

médicas causa frustração e cansaço na cuidadora.

89

VII.2.6 As tarefas diárias

Como você se sente no seu trabalho diário?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Acostumou-se a cuidar

2003

A. Acostumou-se a cuidar

A2 - Conformou-se e leva a vida pela frente

2008

B1 - Gosta de ser cuidadora

2003

B. Gosta de cuidar

B2 - Gosta de cuidar e faz com prazer

2008

C1 - Em algum instante se sente insatisfeita

2003

C. Sente insatisfação com as tarefas do cuidado

C2 - Sobrecarregada

2008

D. Sente-se heróica D1 - Todos falam que é heróica

2005

VII.2.6.1 Acostumou-se a cuidar

Eu comecei pensar, né? Falei: “Se... aconteceu isso e eu vou ter que cuidar... então eu vou ter que aprender e me acostumar, né? Só que agora, eu já me conformei e levo a vida pela frente... Normal.

VII.2.6.2 Gosta de cuidar

Gosto... gosto! De ser cuidadora! E quando (RC) não precisar mais de mim, vou trabalhar de cuidadora de um velhinho. Então, pra mim, eu faço assim com prazer!

VII.2.6.3 Sente insatisfação com as tarefas do cuidado

Ah... A minha rotina diária é assim: no meu serviço eu vou e volto! Levo uma turma (de estudantes) e volto. Fico duas horas em casa. Depois eu volto e levo outra turma de estudantes. Em casa faço praticamente tudo: ajudo (RC) a atender o portão e no dia que (RC) vem pra clínica, fico pra vender água. Faço compras, vou no banco, faço comida, lavo e passo roupa, vou no mercado,

90

faço limpeza e deixo tudo arrumadinho. Tem hora que eu vou tapeando, né? Porque não tenho tempo mas tem hora que tem que fazer limpeza, mesmo! Sábado e domingo é dia de lavar, passar... Faço tudo! Em algum instante a gente se sente insatisfeita, porque é aquele tal negócio: o trabalho de dona de casa nunca aparece, né?

VII.2.6.4 Sente-se heroica

Eu limpo minha casa de manhã cedo, faço almoço, dou almoço pra (RC) almoço e durmo um soninho de tarde... Aí, de tarde eu levanto, faço a janta... Se é o dia d’eu lavar a roupa, eu lavo, né? É só nós dois. Eu sou uma mulher de fibra! O homem que respeite! Todo mundo fala que eu sou a heroica!

A obrigatoriedade do cuidado é percebida quando a cuidadora declara “(...)

vou ter que cuidar (...) então vou ter que aprender e me acostumar”, indicando

que precisou assimilar três aprendizados simultaneamente: cuidar, aprender e se

acostumar. Após adquirir esses domínios, surgiu um quarto elemento emocional,

que também foi assimilado: a conformação. A partir daí, a vida tornou-se “normal”.

Há cuidadoras que encontraram nesta atividade um polo de satisfação e,

na qual pretendem dar continuidade mesmo quando (RC) não necessitar mais de

cuidados.

O exercício das atividades profissionais fora de casa aliada à sobrecarga

existente na rotina de dona de casa, e que invade até mesmo sábados e

domingos, mostra que não há tempo adequado para descanso e reestruturação

tanto física quanto emocional. Além disso, como “o trabalho de dona de casa

nunca aparece”, pode-se inferir que não há, por parte de outros integrantes da

família, o reconhecimento e a valorização do trabalho da cuidadora, ou seja, a

validação desse papel na família.

As atividades de manutenção da casa ocupam a maior parte do tempo das

cuidadoras, e há aquela que se percebe como heroína dentro do contexto em que

vive.

91

VII.2.7 Saúde

Como está a sua saúde?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Está bem de saúde, mas precisa fazer exame de rotina. 20

03

A2 - Tem que ficar bem de saúde para cuidar de (RC)

2008

A3 - Não pode ficar doente senão, quem vai cuidar de (RC)?

A. Cuidador não pode ficar doente

A4 - Tem medo de morrer e deixar (RC) sem cuidado

2008

B1 - Não consegue mais fazer as coisas como antigamente 20

03

B2 - Está com estresse e vários problemas de saúde física e emocional 20

05

B. Adoeceu após o diagnóstico de (RC)

B3 - Após o diagnóstico, ficou com o sistema nervoso abalado e engordou demais. 20

08

VII.2.7.1 Cuidador não pode ficar doente

Esse ano que passou, mesmo, eu não fui nenhuma vez no médico, entendeu? Eu tenho que fazer exame de rotina.Como mulher, eu tenho que fazer mamografia. Mas eu me sinto bem! Não estou com nenhum problema. O que eu não posso é “cair” doente. Se eu “cair” doente, vai ser a coisa pior e eu não quero! Mesmo porque, eu falei: “Eu não posso ficar doente nem entrar em depressão, nem nada!”. Porque, como é que eu vou ajudar (RC) doente? Só a pressão, que quando (RC) adoeceu, eu já tinha pressão alta! Eu fiquei com medo até de morrer! Eu morrer e deixar (RC)!

VII.2.7.2 Adoeceu após o diagnóstico de (RC)

Tem hora que eu acho que tô envelhecendo. Não tô conseguindo mais fazer as coisas que eu fazia antigamente! Comecei a ficar ruim dos nervo, ter crise...até hoje tomo remédio controlado. Tirei um cisto no ovário direito, a vesícula, uma hérnia e tenho muita cólica no intestino. Peguei diabetes por causa dos nervo, só que eu controlo, fecho a minha boca, tô me cuidando. O médico diz que tenho muito estresse. Quando (RC) adoeceu comecei a engordar demais! Não sei se é porque eu fico nervosa, né? Faço tudo pra emagrecer e não consigo! Depois que (RC) adoeceu é que eu comecei a “inchar pros lados”!

92

O foco da atenção da cuidadora é colocado inteiramente na saúde de (RC)

quando passam a considerar que não podem ficar doentes — caso contrário,

quem cuidará do paciente? Além dessa preocupação, parece haver um aumento

do instinto de preservação da vida do outro e um rebaixamento dessa

preservação em si quando diz: “esse ano que passou, mesmo, eu não fui

nenhuma vez no médico, entendeu?”.

O estresse, resultado do grande investimento físico e emocional nas

tarefas do cuidado, provocam o aparecimento de patologias orgânicas na

cuidadora que, além dos cuidados que precisa ter com (RC), também se vê

obrigada a olhar para si, a se cuidar. As patologias mais comuns são as

alterações do sistema nervoso e aumento da pressão arterial.

VII.2.8 Autoestima

VII.2.8.1 Valorização do cuidado

(RC) reconhece e valoriza o cuidado que recebe?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - (RC) respeita a cuidadora

A2 - Acha que (RC) valoriza a cuidadora

2003

A. A cuidadora acha que é valorizada

A3 - Acha que sim

2008

B1 - (RC) nunca valorizou

2005

B2 - (RC) tem que colaborar B. A cuidadora não é valorizada

B3 - (RC) não obedece muito

2008

VII.2.8.1.1 A cuidadora acha que é valorizada

93

Eu acho que (RC) valoriza o cuidado que recebe. Mesmo porque, considera eu e as crianças sua família, né? (RC) é uma pessoa liberada, não esquenta a cabeça com nada, me conhece e sabe que eu gosto de tomar uma cerveja. Aí, eu falo assim: “Ah, vou tomar uma cervejinha hoje, né?”. (RC) fala: “Toma!”. Se eu quiser tomar duas latinhas de cerveja eu tomo. Nunca questionou minha cerveja, entendeu? Nesse sentido de valorização, demonstrar, (RC) não demonstra. Pra mim, não! Mas, de repente, pode falar pra outras pessoas! Pra mim, nunca falou nada... Chegar e demonstrar, assim, não! Mas também, acho que não daria tanta importância pra isso, não!

VII.2.8.1.2 A cuidadora não é valorizada

Valor? Nunca! Nunca me deu! Eu falei que (RC) tem que me ajudar! Vai chegar uma hora que eu não vou aguentar cuidar, né? Um adolescente, já tá numa idade que não obedece muito. Se (RC) sai, eu vou atrás! Mas não é só depois que adoeceu que eu faço isso...

A cuidadora “acha” que é valorizada, mas não tem certeza. Ela faz

deduções relacionadas aos comportamentos de (RC), pois nunca foi comunicada

sobre o valor que tem na vida do paciente, embora revele que não daria tanta

importância a essa verbalização. Esse discurso foi encontrado nas entrevistas em

que as cuidadoras apreciavam o desempenho deste papel.

Nos casos em que a desvalorização do cuidado foi reconhecida pela

cuidadora, também houve relato da existência de conflitos familiares ou de grande

dificuldade no relacionamento com (RC). Mesmo nessas circunstâncias, a

cuidadora prosseguiu no desempenho do seu papel, sabendo que “vai chegar

uma hora que eu não vou aguentar, né?”.

94

VII.2.8.2 Autonomia

O que gosta de fazer quando está só?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Gosta de assistir televisão ou fumar

A2 - Gosta de ler

2003

A3 - Termina os afazeres domésticos e dorme após o almoço 20

05

A4 - Gosta de descansar e dorme após o almoço

A5 - Gosta de ler bastante

A. Atividades diversas

A6 – Faz bordado

2008

VII.2.8.2.1 Atividades diversas

Gosto de ler, ver televisão. Quando (RC) vai dormir eu fico lá, curtindo a televisão... sozinha. Já acostumei. Não sou de ficar na casa dos outros, entendeu? Ás vezes, vou fumar no quintal. Aí, abro o portão e fico olhando a rua, porque eu não fumo dentro de casa e não deixo ninguém fumar, né? Eu limpo minha casa de manhã cedo, faço almoço, dou almoço pra (RC), almoço e durmo um soninho de tarde... Eu gosto de descansar quando estou sozinha mas é difícil, né? Só quando a (RC) dorme, é que eu descanso um pouco! Eu não tenho tempo pra isso! Aí eu almoço e vou dormir... Eu bordo em casa. Pego a produção com a minha vizinha que ela borda, né? Bordado de pedrinhas...

O descanso, a leitura, a televisão e atividades manuais são as mais

procuradas quando a cuidadora está sozinha. Tais atividades são realizadas

somente quando (RC) dorme, pois não há tempo suficiente para isso quando ele

está acordado, indicando que sua autonomia é parcial, pois permite a escolha das

atividades, mas impede que sejam realizadas em qualquer período do tempo

desejado.

95

VII.2.8.3 Realização pessoal

Que pontos considera positivos na sua vida depois q ue começou a cuidar de (RC)?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Aprendeu a acostumar, tentar resolver.

A2 - Ficou mais paciente com (RC)

2003

A. Há pontos positivos no cuidado

A3 - Sente prazer em cuidar

B1 - Não tem nada de positivo

B. Nada há de positivo no cuidado B2 - Não sabe dizer se tem algo positivo, pois tudo continuou como sempre foi.

2008

C. Positivo é a permissão de Deus C1 - Tirou a visão e tornou (RC) impotente

2005

VII.2.8.2.1 Há pontos positivos no cuidado

Aprendi a acostumar, a tentar resolver. Conforme vai passando o tempo, a gente vai cansando um pouco mais. Só que a gente tem que aprender a viver com isso, né? Fiquei mais paciente com (RC), né? Porque eu não tinha muita paciência. Agora eu tolero mais. Então, isso eu achei mais positivo... Eu já pensei nisso também! Tipo assim: eu sinto prazer em cuidar! Eu gosto de cuidar!

VII.2.8.2.2 Nada há de positivo no cuidado

Ah... Eu não sei... Positivo até agora? Até agora, não vi nada de positivo! Tá difícil as coisa... A gente não vê saída...Não tem nada de positivo, não. Pra mim... ó...Falar a verdade: depois daquele dia que (RC) saiu do hospital e foi pra minha casa, que eu tava vendo que ele tava bem e tava na minha casa... Porque o difícil pra mim foi quando (RC) tava no hospital. Mas quando foi pra minha casa...Pra mim foi... Tudo continuou como sempre foi...Eu levo tudo “na boa”, entendeu?

VII.2.8.2.3 Positivo é a permissão de Deus

Eu creio que tem... Sabe por quê? Isso é permissão de Deus... Porque Deus viu o que (RC) fazia comigo...E Deus achou que eu não merecia... E a única coisa... A primeira coisa que Deus fez, foi

96

tirá a visão de (RC) porque...Acho que eu devia te (para a pesquisadora) falar uma coisa que eu vou te falar. A primeira parte que Deus quebrou (RC)... Você sabe onde é... <e fez sinal com o polegar para baixo, indicando impotência sexual> ... e depois, acabei ficando assim...

A cuidadora considera como positivo o fato de ter se acostumado com a

situação, com as tentativas para resolução de problemas, com o aprendizado

para viver nesse novo contexto, com o desenvolvimento da paciência e da

tolerância e com a descoberta de que gosta de cuidar.

Segundo algumas cuidadoras, nada há de positivo na situação em que se

encontram, pois não veem saída para a doença e suas consequências. Apesar

disso, levam tudo “na boa”.

A crença de que Deus é justo faz com que a cuidadora justifique a cegueira

e a impotência sexual de (RC) como resultado da “justiça Divina”, ou seja, Ele foi

justo com ela aplicando, merecidamente, punições físicas ao paciente, e tal

consequência é considerada positiva na vida dela.

Que pontos considera negativos na sua vida depois q ue começou a cuidar de (RC)?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Os pacientes morrem e isso dói

A2 - (RC) sente muita dor, toma remédio toda hora, não viaja e não há o que fazer com a doença.

2003

A3 - É difícil ver o sofrimento de (RC)

2005

A4 - As coisas são difíceis porque não se vê saída

A. Quase tudo é negativo

A5 - A única coisa negativa é dar pouca atenção para a filha

B. Está tudo normal B1 - Está tudo normal e não há nada de negativo

2008

VII.2.8.2.4 Quase tudo é negativo

De negativo? Ah... de negativo é quase tudo, né? O problema de (RC) estar nessa situação é que sente bastante dor em vários lugares, tem que ficar tomando remédio toda hora, não pode viajar

97

mais, porque dia sim, dia não tem que ficar aqui (na clínica)... Nossa! É muita coisa! De negativo tem uma porção de coisas... Não tem nem como falar, né? É uma coisa tão difícil pra gente... É uma situação que... É uma doença que não tem o que fazer! A gente fica ali, de pés e mãos atados! Porque não tem o que fazer! Não tem uma cirurgia, não tem nada! Só tem que fazer o tratamento aqui e pronto! É difícil vê uma pessoa sofrê tanto, né? (RC) sofreu demais! Tudo assim, seguido... Tá difícil as coisa... A gente não vê saída! E tambem dou menos atenção pra minha filha. Aqui na clínica a gente pega muita amizade, sabe? Vou parar de ficar com muito chique-chique com paciente, porque depois eles vão embora (morrem)...e eu vou ficar dolorida!

VII.2.8.2.5 Está tudo normal

Negativo? Também não sei! Pra mim, o que tem que acontecer ninguém vai desviar, né? Então, pra mim, não tem nada negativo. Pra mim, normal!

A cuidadora sente-se de “pés e mãos atados” por considerar que a doença

renal crônica “é uma doença que não tem o que fazer”. Novamente, há o

sentimento de impotência frente à crença de que nada pode ser feito. Além disso,

ela precisa conviver com as restrições físicas do sujeito assistido (dores

constantes, ingestão de remédios a toda hora), as restrições sociais (não pode

viajar porque precisa dialisar em dias alternados) e com a ameaça da proximidade

gradativa da morte do paciente devido ao quadro evolutivo da doença crônica.

Acreditar na fatalidade do destino e que “o que tem que acontecer ninguém

vai desviar” oferece à cuidadora um recurso ao qual ela pode se apegar para

justificar a situação em que se encontra por imposição das circunstâncias. Assim,

evita o sofrimento e os conflitos, chegando a considerar que “não tem nada de

negativo” em sua vida, no momento.

98

VII.2.8.4. Sonhos para o futuro

Quais seus sonhos para o futuro?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Deseja ter muita saúde para, algum dia, cuidar de um idoso.

A2 - Pretende ver os filhos bem, casados, alem de deixar a vida acontecer.

2003

A3 - Orar pelos enfermos

2005

A4 - Sonha em recuperar a tranquilidade perdida e que (RC) consiga um doador para o transplante

A5 - Quer que (RC) faça o transplante, alcance a cura e que a cirurgia da filha dê certo.

A. Tem sonhos

A6 - Pede a Deus que (RC) tenha o direito de receber um rim

2008

B1 - Nem pensa nisso

B2 - Não fala em projeto para o futuro porque não sabe quanto tempo (RC) irá viver

2003

B. Não pensa nisso

B3 - Seu sonho só pertence a Deus

2005

VII.2.8.2.4 Tem sonhos

Meu único desejo para o futuro é que eu tenha muita saúde, que eu quero ainda ajudar muito os idosos. A gente projeta muitas coisas nos filhos, né? Eu pretendo ver os meus filhos bem, casados, né? Deus fala muito comigo, sabe? A minha missão é orar pelos enfermos sabe? Meu sonho é que (RC) consiga o rim, transplante e se cure, né? Pra gente poder ter uma vida mais tranquila porque depois desse problema aí, ficou tudo bagunçado! A minha filha agora vai fazer a cirurgia de adenoide e quero que tudo dê certo, que a gente fique em paz e isso tudo acabe logo, entendeu? E assim será: ser feliz! Eu não perco a esperança, entendeu? Todo dia eu peço a Deus para que, se (RC) ter direito a esse rim, seja mais fácil que tenha, né? Porque a vida de quem faz hemodiálise, não é fácil, né? Só o fato de você estar ali, naquela coisa, 3 vezes por semana, já é difícil!

VII.2.8.2.5 Não pensa nisso

99

[Longa pausa e depois um grande suspiro] É... sabe que eu nem penso nisso? Meus sonhos pro futuro? O meu futuro mesmo? Não tenho muito o que falar de projeto pro futuro... É... Ir vivendo e ver o que vai acontecendo, né? Porque agora, com a doença de (RC) a gente não sabe o que vai acontecer! Você não sabe quantos anos que (RC) vai viver... [seus olhos se enchem de lágrimas] Se é um... Se é dois... Se é dez, né? Então, eu acho que não dá pra falar sobre futuro... [longa pausa, acompanhada de grande suspiro] Meu sonho? Só pertence a Deus...

Os sonhos para o futuro estão relacionados com o bem-estar pessoal,

alcançado por meio de muita saúde; com a realização do transplante renal do

paciente para que a tranquilidade existente na vida antes do diagnóstico da

doença renal, seja recuperada e “isso tudo acabe logo”; com o desejo que os

filhos fiquem bem; com atividades que beneficiem idosos e enfermos. Nota-se que

ninguém possui projetos que envolvam vantagens financeiras ou profissionais.

Pode-se inferir que as questões relacionadas à saúde física, mental e espiritual

são consideradas de maior valor do que as questões materiais.

Cuidadoras que desempenham este papel há mais de 3 anos fizeram longa

pausa antes de responder e, emocionadas, disseram que não alimentam projetos

para o futuro: apenas vivem um dia após o outro, embora tenham demonstrado a

angústia que sentiam pela possibilidade da morte do paciente ocorrer a qualquer

momento. A falta de apoio psicológico faz com que as cuidadoras fiquem

vulneráveis ao próprio sofrimento, sem condições de receber acolhimento

adequado para a elaboração deste luto que, na maioria dos casos, não é

reconhecido por elas.

100

VII.3 Impacto financeiro

VII.3.1 Responsabilidade pela administração finance ira

Quem administra a vida financeira da casa?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - É a curadora de (RC)

A2 - Sempre administrou a vida financeira da casa

2003

A3 - Atualmente administra a vida financeira da casa

2005

A. Cuidador administra vida financeira da casa

A4 – Tudo é a cuidadora

2008

B1 - Vende material reciclável para aumentar a renda familiar

B2 - A renda familiar é composta por uma aposentadoria e a venda de água em casa

2003

B3 - A renda familiar é composta por uma aposentadoria

2005

B4 - A renda familiar é composta por um salário mínimo e auxílio-doença

B5 - A renda familiar é composta pelo salário dos membros da família e do auxílio-doença

B. O dinheiro é pouco

B6 - A renda familiar é composta por aposentadoria, Bolsa-Família e confecção de bordados.

C. A administração é compartilhada entre os membros da família

C1 – Cada familiar administra seu próprio dinheiro e as despesas são divididas entre eles

2008

VII.3.1.1 Cuidador administra a vida financeira da casa

Sou eu que administro e pago as contas porque até cinco meses atrás, era (RC). Eu só ia no banco pegar o dinheiro. É que eu sou a curadora porque (RC) não tem como mexer com as coisas e a poupança tá no nome de (RC). Aí eu vou, faço o que tenho que fazer. Mas, praticamente, sempre foi, né? Não sei se é porque eu trabalhava já em banco.

VII.3.1.2 O dinheiro é pouco

101

Por eu ter uma renda mínima, quase nada, eu vendo seletivo (garrafa plástica, latinha), vendo sabão. Isso dá uma renda de duzentos e cinquenta real. A cada dez dias eu vendo vinte reais de seletivo. Tudo que meus vizinho joga. Assim, vou aproveitando. Tem um saco com umas garrafas lá, jogado na rua e eu tô passando, eu pego. Não tenho vergonha de agachar no chão e pegar. Tem onze anos que eu aposentei. A gente ainda tem uma coisa de vender água em casa mesmo. (RC) demorou pra correr atrás do INPS e agora, tá adiantada a doença. Agora só pode se aposentar por invalidez! Aí, o médico deu esse auxílio-doença! Aí (RC) recebe um salário (mínimo). E eu também faço bordado em casa, uns “biquinhos”. Eu pego a produção com a minha vizinha e faço bordado de pedrinhas. Tem mês que eu tiro cem, cento e cinquenta e tem mês que eu não tiro nada! E recebo também o Bolsa-Família, que já é uma ajuda. Quando meu marido acha um “bico” pra trabalhar, dá pra ganhar uns trocadinhos, mas tem vez que fica um mês sem, né?

VII.3.1.3 A administração é compartilhada entre os membros da família

Todo mundo lá em casa, trabalha, né? Cada um administra o seu dinheiro. Eu administro o de (RC) mas cada um administra o seu dinheiro. Uns pagam umas contas. É dividida as contas... Assim, né? Eu pago o telefone...Tem um que paga a luz... Tem outro que... Minha mãe faz compras...É tudo dividido...

O adoecimento provoca uma alteração significativa na rotina de trabalho do

paciente renal crônico, interferindo na dinâmica do funcionamento familiar, pois

precisa sair do mercado de trabalho formal buscando muitas vezes, no trabalho

informal, sua fonte complementar de renda. Quando passa a depender da

Previdência Social para sobreviver financeiramente, os cuidadores são

diretamente afetados por esta dinâmica, pois a responsabilidade pela

administração financeira da casa também recai sobre a cuidadora, que nem

sempre pode contar com a colaboração da família nesta questão — seja porque

esta atividade já era exercida antes do diagnóstico, seja porque (RC) ficou

impossibilitado de realizá-la.

A venda de material reciclável, o comércio de água mineral ou a confecção

de bordados são atividades informais exercidas pelas cuidadoras, cuja finalidade

é complementar a renda familiar que, na maioria dos casos, é composta por

aposentadoria ou auxílio-doença, recebidos da Previdência Social ou pelo

programa Bolsa-Família.

102

VII.3.2 Gastos com medicação

As despesas aumentaram?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Os remédios são caros e a Prefeitura fornece

A2 - Alguns remédios são caros e adquiridos no Posto de Saúde

2003

A3 - Os remédios mais caros são fornecidos pela clínica de hemodiálise

A4 - O Posto Saúde fornece os remédios com receita médica

A. A Prefeitura fornece os remédios caros

A5 - O Posto Saúde fornece os remédios para a doença renal crônica, pressão arterial e diabetes.

2008

B1 - Alguns remédios precisam ser comprados

2003

B2 - O Posto Saúde fornece a insulina e não fornece os remédios para a doença renal crônica

B3 - Quando o Posto de Saúde está fechado, os remédios são comprados.

B. Remédios baratos são comprados

B4 - Só compra remédio baratinho

2008

VII.3.2.1 A Prefeitura fornece os remédios caros

Uma vez, tive de correr atrás da Prefeitura pra comprar um remédio que o médico receitou e que custava cento e cinquenta reais a caixa! Só que o nosso prefeito, dá. Precisei ir lá na Câmara, fazer uma entrevista pra pedir pra primeira-dama. Aí, consegui três caixas. Porque até chegar a Hemac de um paciente que entra hoje na hemodiálise, leva trinta dias. Tem que fazer um processo, ir pro Ministério da Saúde pra liberar, porque é caríssima! Não tem condição de ninguém comprar. Aí esse processo leva mais de um mês. A insulina e uma vitamina que (RC) toma, se tem receita, a gente pega no Posto de Saúde. A sorte é que estão dando aqui, na hemodiálise! Também, é um potão grande assim!

VII.3.2.2 Remédios baratos são comprados

Os remédios, alguns a gente compra e não são caros. Quando o Posto de Saúde tá fechado, a gente compra na Farmácia Popular.

103

Foi uma pomada, só, que a clínica de hemodiálise pediu pra trazer, porque (RC) falou que os pacientes da clínica, dividem. Acho que, cada mês, um paciente trás. Porque a gente não compra remédio, né? Nem eu compro o que eu tomo de pressão. Nem o de diabetes. A gente só compra esse remédio que é baratinho e nunca passa de quatorze reais! Aí, quando tá na promoção, esse mês passado, mesmo, eu comprei e paguei oito reais e quarenta centavos! Eu compro um potinho com cem comprimidos. É vitamina o que eu compro. É o Complexo B... Só esse que eu compro e é baratinho, também...Doze (reais)... Tem vez que tá oito (reais)... O resto é de quarenta e nove (reais)... Trinta e nove reais... O dinheiro que (RC) pega tem que comprar... Uma caixinha dá quinze dias... Tem que ser duas caixas de cada! Três de pressão (remédio), um pra arritmia, um pro coração, né? Então tem que ser duas caixinhas de cada... Aí, dá pro mês todo!

Todas as cuidadoras utilizam os serviços públicos oferecidos pelo

Ministério da Saúde ou pelas Prefeituras para aquisição de medicação gratuita,

pois a condição de baixa renda em que vivem não permite que os gastos com

remédios de alto custo sejam incorporados pelas famílias.

Medicações de baixo valor monetário somente são adquiridos quando o

Posto de Saúde encontra-se fechado. Nesse caso, a compra é realizada em

Farmácia Popular, havendo, então, um ônus e consequente acréscimo de

despesa no orçamento familiar.

104

VII.3.3 Habitação

Moradia

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Mora a 50 anos na mesma rua

A2 - Vive com o marido e os filhos

2003

A3 - Construiu uma casa para ventilar

2005

A4 - Mora em terreno com duas casas

A5 - A família é grande e moram na mesma casa

A. Mora em casa própria

A6 - Mora em casa própria construída em terreno da Prefeitura

2008

B1 - Compartilha o quintal com o tio

2003

B2 - Compartilha o quintal com os filhos

2005

B3 - Compartilha o quintal com o pai

B4 - Compartilha o quintal com a avó

B. O terreno é compartilhado

B5 - Compartilha o quintal com outra família (vizinhos)

2008

VII.3.3.1 Mora em casa própria

Onde eu moro é terreno da Prefeitura. Ele (irmão) disse: “Então, vamos fazer o seguinte: como o terreno não é meu, é da prefeitura e pode tirar a hora que ela (prefeitura) quiser, esse dinheiro que você vai pagar aluguel, nós junta e “bate laje” (construção) na minha casa, porque a casa é de telha e você constrói em cima”. E aí, meu outro irmão falou: “Enquanto isso, vocês fica aqui na minha casa pra não pagar aluguel. Porque o dinheiro que vai pagar aluguel, já vai comprando material pra construir, né?”. E assim a gente fez e construímos em cima da casa do meu irmão. Fizemo uma casa pra ventilá, porque (RC) tinha muita falta de ar... A gente construimo em cima... nem terminou...E a gente passou pra cima, por causa da ventilação... É que é um terreno só com duas casa. Nossa família é grande e lá em casa sou eu, meu marido e meus dois filhos.Moro há cinquenta anos naquela rua...

105

VII.3.3.2 O terreno é compartilhado

O quarto dele era adaptado... ele segurava nos ferro pra sentar na cama... tudo limpinho...era separado... era no quintal... se ele falasse um “a” eu escutava. Por quê era separado? Porque quando ele (tio B) era alcoólatra, ele ficava transitando na casa toda... foi aí que nóis separamos ele, né? Meus filho mora tudo no quintal... Mora eu e minha irmã e, embaixo, mora meu pai. Nós somos em oito... Mora eu, a minha filha, os meus irmãos e a minha mãe. E no fundo da minha casa, a minha avó. Aí o meu irmão separou da mulher, vendeu a casa dele de baixo, porque na época que ele vendeu a gente não tinha dinheiro pra comprar, senão, a gente tinha comprado, né? Aí, moram outras pessoas embaixo. Mas é tudo gente boa, também. Assim, bem legal, né? Não tenho nada de reclamar deles. Aí, mora eu em cima e eles (vizinhos), embaixo.

Todas as cuidadoras moram em cidades periféricas pertencentes à Grande

São Paulo e apresentam um padrão habitacional: moram há muitos anos no

mesmo bairro, possuem casa própria e compartilham o terreno com outros

membros da família. Esse estilo de vida familiar comunitária parece ter se

estendido para o cultivo das relações com a vizinhança ou com as comunidades

religiosas.

106

VII.4. Rede social de apoio

VII.4.1 O papel da família no apoio ao cuidador

VII.4.1.1 Convivência familiar

Como descreve a convivência com os demais membros d a família?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - A família dá palpite errado sobre o cuidado

2003

A. A família não colabora

A2 - A família não ajuda

2008

B1 - O médico nunca viu uma família tão unida

2005

B2 - A família é muito grande, muito unida. Família feliz! B. A família é unida

B3 – É uma família de gente bem unida

2008

C. Houve pouca mudança no relacionamento familiar C1 - Não teve muita mudança de relacionamento

2005

VII.4.1.1.1 A família não colabora

Você vim pra clínica, cuidar da casa, dos outros médicos, correr atrás de medicação, dinheiro pouco... tudo estressa, né? E família dando palpite errado. Aí elas falavam: “Pôxa! Você não deixa (RC) comer nem beber nada! E eu falava: “Vocês cala a boca porque quem tá sabendo da situação sou eu. Agora, se vocês querem entendê, vocês vão pelo menos dois meses com (RC) e fica fazendo a pesquisa lá na clínica de hemodiálise ou conversa com a doutora, conversa com a enfermeira-chefe e vocês vão saber o que eu estou sabendo!” A família, também, não ajuda, sabe? Meu pai casou de novo, meus outros irmão não quer saber de fazer teste (de compatibilidade sanguínea), nem nada! E aumenta mais ainda a revolta de (RC)! Porque é de outra mulher (os irmãos) e não sente a gente como família... Eles foram até lá (Hospital das Clínicas) e não quiseram fazer! Aí, (RC) entra em desespero! Aí, deixa a gente desesperada, também!

VII.4.1.1.2 A família é unida

107

Nós nunca deixemo (RC) sozinho! O médico falou que nunca viu uma família unida igual a nossa! Tudo os filho, gosta demais de (RC). Nossa família é muito grande, muito unida, sabe? Se precisar de alguma coisa, todo mundo tá lá disposto a ajudar... Muito unida... Família feliz! Porque a minha família aqui em São Paulo é bem grande e, graças a Deus, é uma família de gente muito unida! Tanto a minha família quanto a família do meu esposo. Porque o meu esposo tem bastante gente aqui...A minha é que tem menos, né? Mas... A minha família... O meu esposo gosta muito da minha família...

VII.4.1.1.3 Houve pouca mudança no relacionamento familiar

Não teve assim muita mudança de relacionamento entre a gente. Só os parentes ficaram com aquele sentimento: “Ah... Coitado” sabe?

O apoio familiar ajuda a diminuir o sofrimento e acelera a adaptação ao

papel de cuidadora, embora houvesse situações em que ele não tenha ocorrido e

a revolta tenha sido identificada no discurso da cuidadora. Em outros casos, os

relatos indicam a união familiar, o apoio à cuidadora e a boa convivência entre os

seus membros. Assim, questões relacionadas ao apoio familiar recebido (ou não)

independem do tempo em que o diagnóstico tenha sido realizado.

A presença da família é de vital importância tanto para o paciente renal

crônico quanto para o cuidador, e essa realidade se expressa por meio do relato

de uma cuidadora, ao relatar o drama pessoal de um amigo que faz hemodiálise:

(...) E, uma vez, ele escreveu para um enfermeiro uma carta, falando que era para o enfermeiro entregar aquela carta lá no “De Volta para Minha Terra” (programa de televisão), pra procurar a família dele! E ele (amigo) falou: “Não quero nada. Só quero isso”! Porque ele falou que não tem família aqui (no estado de São Paulo). Só tem uma mulher... Só que a mulher não liga pra ele! Não tá nem aí pra ele! E ele queria alguém da família dele pra poder... Assim... Conversar... Contar com um apoio! E era só isso que ele (amigo), queria... Então, eu acho importante, ter alguém da família! Pra acompanhar, pra ajudar, pra correr atrás....

108

VII.4.1.2 Divisão de tarefas

Com quem divide as tarefas do cuidado?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Família não ajuda a cuidar

A2 - Não tem com quem dividir as tarefas

2003

A. Ninguém ajuda a cuidar

A3 - É a única pessoa que cuida de (RC)

B1 – Filhas e netas

2005

B2 - Pai

B3 – Mãe e irmãos

B. O cuidado é compartilhado

B4 - Marido, filha, irmãos, vizinhos.

2008

VII.4.1.2.1 Ninguém ajuda a cuidar

Pensa que me ajudava a cuidar? Não ajudava. Então, mais sou eu que cuido. Não tenho com quem dividir. A única pessoa que cuida de (RC) sou eu! Vinte e quatro horas!

VII.4.1.2.2 O cuidado é compartilhado

Olha...Todo mundo ajuda: meu pai ajuda, na medida do possível, porque ele tem os outros filhos, né? Os meus vizinhos... O meu vizinho lá que, qualquer coisa que eu precisar... Assim... Pode ser dia... Noite... Ele tá pronto pra ajudar! Porque em casa tem o pai de (RC), minha mãe, meus irmãos, meu marido, minhas filhas, minhas netas que ajudam também!

Cuidadoras que exercem essa atividade há 3 anos ou mais não contam

com auxílio familiar na divisão das tarefas, diferentemente das cuidadoras cujo

diagnóstico do paciente seja recente. Aparentemente, a passagem do tempo faz

com que os familiares “acomodem-se” com o fato de haver alguém que,

oficialmente, encarrega-se de todas as demandas do cuidado. Foi percebido, nas

109

entrelinhas dos discursos, que há por parte dessas cuidadoras uma aceitação

resignada desse papel.

Cuidadoras nascidas em famílias grandes, unidas, participativas e que

também puderam contar com o apoio de algum vizinho foram as que melhor

enfrentaram os revezes que o diagnóstico do paciente renal crônico impôs às

suas vidas.

VII.5 Recursos de enfrentamento

VII.5.1 Apoio emocional

Quando você percebe que precisa desabafar, a quem p rocura?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Não tem com quem desabafar então, xinga, fala palavrão e fica bem, na hora! 20

03

A. Não tem com quem desabafar

A2 - Não tem com quem desabar então, fala sozinha.

2008

B1 - Não tem com quem desabafar então, vai à igreja e sente alívio. 20

03

B. Vai à igreja quando precisa de alívio

B2 - Vai até a igreja, buscar a Palavra (de Deus).

2005

C1 - Desabafa com a irmã

C. Desabafa com pessoas próximas

C2 - Desabafa com a vizinha, a irmão ou a filha.

2008

VII.5.1.1 Não tem com quem desabafar

Ah... Eu não tenho ninguém... Tem vez que eu falo sozinha! Meu pai fala que eu sou doida! Falo comigo mesma... Falo sozinha! Quando alguém me irrita, desabafo do meu jeito. Eu xingo, falo palavrão. Saro na hora! Agora... eu pará pra conversar e desabafar, não. Não desabafo com ninguém!

VII.5.1.2 Vai à igreja quando precisa de alívio

Não tenho uma pessoa que eu possa desabafar! Eu vou muito na igreja buscar a palavra (de Deus), né?. Chega lá, a Palavra fala

110

direitinho...Nossa! Saio zonzinha de dentro da igreja! Então, eu acho que isso aí é uma coisa que pra mim é um alívio, né? Me alivia muito porque a gente começa a ter outros entendimentos, dá tranquilidade, a gente aceita mais as coisas, com calma. Não fica esbravejando, achando que tudo é ruim. De tudo tem que tirar uma lição. É uma lição de vida também, né?

VII.5.1.3 Desabafa com pessoas próximas

Eu desabafo com a minha irmã, né? Nós somos muito amigas! Sempre que acontece alguma coisa ela escuta, dá uns conselhos... A gente senta, conversa e fala das nossas vidas, dos nossos problemas, das alegrias, tristezas, troca experiências, ideias. Nem com as minhas amigas, eu não falo! Tem muita coisa da minha vida que eu só falo pra minha irmã! Desabafo com a minha filha de quinze anos mas que tem mente e cabeça de adulto, mesmo! Desabafo com a minha vizinha mais próxima! Sem ser a de baixo, a do lado! Quando eu vim praqui, tem uns quinze anos... faz agora em março, né? Não, já fez! Hoje é vinte? Eu vim pra cá dia 12. Foi aí que eu conheci ela (vizinha). E a gente tem uma amizade muito... Assim... Eu considero ela como se fosse uma irmã minha, né? Aí eu me desabafo com ela.

A solidão experimentada por algumas cuidadoras torna-se explícita quando

ela declara: “Ah... Eu não tenho ninguém... Tem vez que eu falo sozinha!”. Esse

relato foi encontrado tanto naquelas que estão sofrendo o impacto desta tarefa há

pouco tempo, quanto naquelas que desempenham este papel há mais de 5 anos.

Numa observação mais ampliada em relação ao total da entrevista, verificou-se

ser este o perfil de cuidadoras com história de vida que incluía a perda, na

infância, de um dos pais, tenha sido por morte ou por separação.

As atividades religiosas são consideradas uma fonte de alívio e de

compreensão para os problemas vividos no dia a dia. A relação com a

comunidade religiosa já fazia parte da rotina social e espiritual de algumas

cuidadoras, na verdade, muito antes do diagnóstico da doença renal.

A busca de um sentido para a própria vida mantém as cuidadoras em

atividade junto às comunidades religiosas. Pode-se considerar, também, que essa

é uma maneira de preservar um espaço apenas para si, pois tal atividade lhes

porporciona algum tempo longe do ambiente doméstico e das preocupações

constantes a que estão submetidas.

111

Cuidadoras cuja família é numerosa, unida e participativa relacionam-se

melhor com seus integrantes, bem como com a comunidade social na qual fazem

parte, de forma a encontrar, por meio desses relacionamentos, alívio para suas

tensões emocionais e físicas.

VII.5.2 Apoio espiritual

Religiosidade e crença em Deus

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Deus abençoou e agora (RC) está bem

A2 - Deus abençoa e pode impedir que (RC) não fique numa cama

2003

A3 - Deus faz muita coisa boa e tem o poder de transformar o rim de (RC)

A4 - Deus, por meio da Sua vontade, decide se o doador será encontrado.

2005

A5 - Deus sabe o que faz, transmite força e decide se o doador irá aparecer.

A6 - Reza e pede a Deus que garanta a saúde da família e dos amigos

A. Deus é fonte de alívio e esperança

A7 - Deus garante que (RC) dure (viva), dá força, traça o destino e ninguém pode reclamar.

B. Vai à igreja quando precisa de Deus B1 - Vai à igreja quando está triste e precisa de Deus no coração

2008

VII.5.2.1 Deus é fonte de alívio e esperança

Mas, graças a Deus, agora (RC) tá bem e Deus abençoou que deu tudo certo! Fui sempre muito abençoada por Deus, sabe? Até peço pra Deus que (RC) não fique numa cama, né? Deus fala muito comigo, sabe? Orar pelos enfermos é a minha missão, sabe? Quando internei (RC) , Deus me mostrou que tinha uma obra pra mim fazê lá dentro (do hospital)! Tanta coisa boa que Deus fez! Porque Deus tem o poder de transformá, de trocá o rim! E que seja feita a vontade de Deus, né? Batalhar pra encontrar um doador e esperar! Deus lá, tá vendo: se tiver que aparecer um doador, vai aparecer! Mas eu rezo todo dia! Eu rezo, oro, peço pela saúde da minha família, peço pelos meus amigos... Pra todo mundo! Porque eu acho que a nossa vida é traçada, né? O

112

destino já é traçado por Deus, né? Então, tudo que nós tem que passar, nós não pode reclamar por nada! Não tem um culpado! Mas no caso de uma doença, ninguém é culpado porque a outra pessoa tá doente, né? Então, não reclamo, graças a Deus! Sou uma pessoa que acredito muito em Deus, né? Então, tudo que vou fazer, primeiro peço a Deus permissão pra fazer aquilo ali e peço a Deus pra me dar forças pra cuidar de (RC) e dos outros (filhos).

VII.5.2.2 Vai à igreja quando precisa de Deus

Na verdade, só vou na igreja agora, quando eu sinto que preciso de Deus no meu coração! Tem horas que eu falo: “Meu Deus!”. Acho que é quando eu tô triste, porque a gente só busca Deus, nessas horas, né?

As manifestações de apego a Deus foram encontradas em todas as

entrevistas realizadas, independentemente de a participante estar associada a

alguma religião ou doutrina. Aparentemente, a representação de um Deus

internalizado e “criado” para atender às necessidades próprias preenche o papel

de figura de apoio nos momentos de crise, possibilitando a regulação emocional

e, consequentemente, alívio e renovação de forças para novos enfrentamentos. A

recuperação do sentimento de segurança foi identificada em todos os relatos.

VII.5.3 A esperança do transplante

A esperança do transplante

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - (RC) tem pouco tempo de vida

A. Não alimenta esperança A2 - Não há doador compatível na família e é difícil aparecer doador cadáver

2003

B1 - (RC) recusa doador familiar e espera por doador cadáver 20

05

B2 - Não há doador compatível na família e (RC) espera por doador cadáver 20

08

B. Não perde a esperança

B3 - Não há doador compatível na família e (RC) aguarda doador cadáver

C. Aguarda a realização do transplante C1 - Há, na família, doador compatível e (RC) apenas aguarda a realização do transplante.

2008

113

VII.5.3.1 Não alimenta esperança

Em casa, não sou compatível pra doar e os filhos também não! Porque o sangue de (RC) é tipo O e o nosso é B. E da família de (RC), o pessoal é muito desligado... (RC) não tem mais pai nem mãe. Só tem uma irmã que mora em Portugal. E aqui, os outros parentes mais distantes, não tem relacionamento. Então, ninguém se ofereceu! E a gente sabe que, de doador cadáver, é muito difícil! (RC) está esperando na fila (para transplante de rim). Mas com seis anos de hemodiálise, setenta e três anos... não vai longe, né?

VII.5.3.2 Não perde a esperança

(RC) tá na fila do transplante renal e o outro filho falou: “Eu quero doar o rim!”. Mas (RC) não quer! Disse que o filho é novo, pode rejeitar (o rim) e (RC) não quer! Se eu fosse compatível, doava o rim pra (RC)! Já falei e (RC) não quer! Está esperando doador cadáver, porque tem que ser rim e pâncreas. (RC) tem diabetes, né? Essa semana, mesmo, (RC) chorou dizendo que não vai chegar até o transplante. Como eu tenho pressão alta, não posso doar e como meu marido é diabético, também não pode, né? E o meu sobrinho que ia doar pra (RC) tem pedra no rim, também não pode, né? Então, quando (RC) veio praqui (clínica de hemodiálise), os médicos daqui já me deu encaminhamento pro transplante e (RC) faz acompanhamento de três em três meses. Eu não perco a esperança, entendeu?

VII.5.3.3 Aguarda a realização do transplante

(RC) tá esperando o transplante. O doutor inscreveu todo mundo que queria ser doador, né? O transplante é certo: tem que fazer mesmo! Inscreveu todos os cinco irmãos. Eu tenho cálculo (renal), então não posso doar. Mas tem os outros irmãos, minha mãe... Todos se inscreveram e deram que são compatíveis! Então, doador é o que não falta!

Constatou-se que a esperança na realização do transplante diminui com o

passar do tempo, pois a realidade sobre a dificuldade encontrada na captação de

órgãos, seja de doador vivo ou cadáver, paulatinamente toma conta da cuidadora.

Algumas delas evitaram tocar nesse assunto.

Familiares solidarizam-se ao paciente, quando oferecem o próprio rim na

tentativa de eliminar o sofrimento do ente querido; porém, em alguns casos, (RC)

114

recusa a oferta sabendo dos riscos a que o doador ficará exposto caso submeta-

se à cirurgia para a retirada do órgão. Em outros casos, a falta de doador provoca

desespero no paciente. Ainda assim, as cuidadoras não perdem a esperança na

resolução positiva para o caso.

Famílias em que existem vários doadores compatíveis contribuem para que

a cuidadora tenha a certeza na realização do transplante: “todos se inscreveram e

deram que são compatíveis! Então, doador é o que não falta!”.

VII.5.4 Capacidade de “dar a volta por cima”

Capacidade de "dar a volta por cima"

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Sou uma pessoa boa

2003

A. Tenho valor

A2 - Sou pessoa de fibra

2005

B1 - A gente tem que ajudar

B. Temos que ajudar

B2 - A gente dá força pra ficar bem

2008

VII.5.4.1 Tenho valor

Aí eu comecei a pensar... pensar... pensar... e falei: “Quer saber de uma coisa: eu tenho que me acostumar com isso... hoje, pra mim, é a mesma coisa que estar vindo num salão de baile, 3 vezes por semana: eu já chego gritando: “Bom dia!”. Se ninguém responde eu grito de novo... sabe? Só que é assim: se alguém me irritar... Eu sou muito boazinha... paciente quer que eu vá no mercado, eu vou... paciente quer que eu vá no Walmart eu vou... quer que eu vá levar no banheiro fazer cocô, eu vou... Só que se falar alguma coisa que me maltrate, eu fico brava... Claro, com paciente não... Eu sou brava, mas não sou ignorante... Acompanhante, né? Mas, graças a Deus, nunca aconteceu nada aqui (na clínica)... Deus me deu a inteligência, senão, eu não teria nem aonde morar! Sabe? Eu que construí a escada... Quarenta dregau! Eu cavei com barro até aqui [aponta para o joelho] pra fazê os dregau! Sabe? Eu sou uma mulher de fibra! O homem que respeite! O povo tem uma inveja de mim, aonde eu moro, menina! Lá (no terreno) é tudo tão organizado, minha filha é tão caprichosa... Todo mundo fala que eu sou a heroica! Vale a pena,

115

sabe? Por isso que eu falo: “Eu preciso cuidar de mim. Já que (RC) não me valoriza, eu que tenho que me vola... volarizar...”.

VII.5.4.2 Temos de ajudar

Eu brigo! Quando (RC) vai no hospital eu vou atrás! Se não tem ninguém pra levar no Raios-X, eu vou! O médico tá demorando? Eu vou atrás! Eu brigo! Eu vou! Se a nossa obrigação é arrumar uma perua pra trazer aqui (na clínica de hemodiálise), então, já arrumou! Ah! Também já chorei quando eu fui lá na Secretaria da Saúde pedir pro rapaz, pelo amor de Deus, arrumar um exame pra ela também! A gente se humilha, a gente briga, mas a gente tem que ir atrás! Senão, não consegue não! Eu podia falar pra (RC): “Se vira! Você já tá bem, normal, sua única dificuldade é dialisar, então, se vira!”. Mas não é assim! A gente tem que ajudar...Se a gente não ajuda, se não tem colaboração da família, é difícil, viu?”. Assim... Daqui de dentro? (pacientes da clínica) Ah... São bem legal. Eu gosto de todo mundo daqui, né? A gente conversa muito... Sobre a doença... Às vezes a gente fala besteira [sorri]. Não assim... Sobre a doença...A gente conversa muito sobre isso também, né? A gente pergunta como aquele outro paciente... Aquela pessoa tá? Se tá bem, né? Como que ela tá, também, né? Se alguem tá se sentindo mal, a gente dá força pra ficar bem... A gente encontra gente muito boa, aqui. Todos, aqui, são gente boa.

A cuidadora consegue agir e reagir às situações ao estabelecer limites,

posicionando-se e ajustando-se de acordo com a necessidade, sem perder a

sensibilidade empática, relacionada ao seu paciente, que também é seu parente.

É interessante perceber que mesmo tendo a oportunidade de delegar as

responsabilidades do cuidado ao próprio doente, ela não o faz, e permanece leal

ao cumprimento da tarefa do cuidado.

As participantes reconhecem a necessidade de expressar as emoções e

fazem uso delas de maneira assertiva quando precisam enfrentar situações

adversas.

116

VII.5.3 Lazer e convivência social

VII.5.3.1 Atividades recreativas

Como é o seu lazer?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Gosta de ficar em casa assistindo a novela na televisão

A2 - Lê revistas com temas religiosos

2003

A3 - Fica em casa acompanhando (RC) e assiste programas evangélicos na televisão 20

05

A4 - Gosta de dormir após o almoço

A5 - Prefere ficar em casa, telefona para amigo(a)s, lê um livro, ás vezes, passeia com a filha ou fica o dia inteiro na cama.

A. Prefere ficar em casa

A6 - Recebe visitas e conversa com a família pelo telefone

2008

B. Viaja para visitar familiares B1 - Faz viagens rápidas para visitar parentes

2005

VII.5.3.1.1 Prefere ficar em casa

Quando me convidam pra sair eu não vou. Falo: “Ah... num tô a fim de sair de casa! Quero assistir a novela" Gosto e não reclamo! Eu num saio de casa, nem pra ir pra igreja, pra num deixá (RC) só! Quando eu tô só... É difícil, né? Gosto de descansar! Só quando (RC) dorme, é que eu descanso um pouco porque não tenho tempo pra isso! Aí almoço e vou dormir. Toda minha vida fui assim! Tem uma festa, eu prefiro ficar em casa! Eu gosto mais de calma, de ler um livro. Não gosto de bagunça, não! De domingo, mesmo, tem dia que fico o dia inteiro na cama! Só levanto pra comer! Mas que eu saia, pra ir pro shopping pra passear assim... Não! Não sei... Acho que sou antissocial! O meu irmão não vai na minha casa todos os dias, mas toda semana ele vai na minha casa, né? Mesmo que ele passe uma semana sem ir na minha casa, ele liga duas, 3 vezes pra saber se tá tudo bem, né? Tanto ele quanto a minha irmã que mora no Embu, a minha outra irmã que mora em Santo Amaro (bairro da capital paulista), a outra irmã que mora em Itapevi (cidade do interior de SP), a minha sobrinha que mora lá em Itapevi. Todo mundo liga direto.Tem dia que na minha casa não pára de tocar o telefone!

VII.5.3.1.2 Viaja para visitar familiares

117

Eu ainda tenho parentes no sul de Minas (Gerais), né? Aí, eu vou pra lá mais pra ver os meus parentes mesmo, né? Tem minha mãe, também que agora...Coitadinha, tá tendo doença e não tá passando muito bem...Então, todo mês eu vou pra lá. E acabo me espairecendo. Eu vou rapidinho. Normalmente, eu vou num dia e volto no outro, por causa dele. Não fico demorando, não, porque não dá. Deixar (RC) assim, em casa... O máximo que eu fico lá é um dia!

A monotonia da rotina cotidiana imposta pelo tratamento hemodialítico,

aliada às restrições físicas, nutricionais e sociais a que o paciente fica submetido,

estende-se ao cuidador. Nessa categoria, verificou-se que as limitações

econômicas, além do cansaço relatado pelas participantes, padronizaram a

escolha do tipo de lazer a que se entregam nas poucas oportunidades que têm. A

televisão, a leitura, o repouso e a convivência familiar foram as atividades

apontadas pela maioria das cuidadoras. Viagens são realizadas por curtos

períodos de tempo, pois há o receio de deixar (RC) desacompanhado por muito

tempo, dado que a obrigatoriedade da hemodiálise, em dias alternados, impede

que o paciente também participe dessa forma de lazer.

VII.5.3.2 Amizades

Você tem amigos?

TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO

A1 - Os vizinhos são todos amigos

2003

A2 - Se dá muito bem com os vizinhos

2005

A3 - Tem amiga lá da rua, mesmo.

A. Os vizinhos são amigos

A4 - Tem amigo(a)s da vizinhança

B1 - Tem amigo(a)s dos lugares em que trabalhou

B. Tem amigos do trabalho

B2 - Tem amigo(a)s do trabalho

2008

C1 - Tem amigo(a)s da igreja

2003

C. Tem amigos da igreja

C2 - Os irmãos da igreja são amigo(a)s

2005

118

VII.5.3.2.1 Os vizinhos são amigos

Tenho. Todos os meus vizinhos são todos meus amigos porque nunca deixei nada a desejar. Moro há cinquenta anos naquela rua e os vizinho tá tudo ali. Não tenho atrito na minha rua, com ninguém, entendeu? Só quando era criança, né? Aí não conta. Não sou de ficar na casa de vizinho, nunca fui! Me dô muito bem com os vizinhos que mora tudo assim, do outro lado (da rua). Da época da escola tem uma que é muito minha amiga e é minha vizinha. Na minha rua, eu não gosto muito de fazer amizade com quem eu não conheço, né? Lá é uma rua pequenininha, né? Mas todo mundo é gente boa, direita. Quem mora mais perto, né? Tá todo mundo pronto pra ajudar na hora que a gente precisa!

VII.5.3.2.2 Tem amigos do trabalho

Eu tenho meus amigos do local de trabalho. A gente tá todo dia lá, a gente acaba virando amigo. Se você falar: “Hoje eu vou pra casa de uma amiga”. Eu vou falar: “Então, eu não vou!”. Eu, não tenho muitas amigas! Tenho bastante colega de trabalho! Ainda bem que tem colegas que vai em casa. Todo lugar que eu trabalhei, tive bastante colega! Essa (amiga) que eu trabalho, tem mais de vinte anos que conheço ela!

VII.5.3.2.3 Tem amigos da igreja

Eu tenho as amigas e os irmão da igreja. Já são mais ou menos uns dez anos, né? E tenho uma amiga de longo tempo também, mas como ela mora longe, a gente quase nem se vê, né? Só de vez em quando.

Quando questionadas sobre as amizades, não houve alteração na rotina de

contato com as amigas existentes antes do diagnóstico. Cuidadoras que possuem

um estilo de vida familiar comunitário conseguem manter, com facilidade, bons

relacionamentos interpessoais com os vizinhos, fazendo com que essa rede de

apoio afetiva e social seja mais um recurso facilitador para suas vidas, além das

relações estabelecidas e mantidas nos ambientes de trabalho e das amizades

cultivadas nas comunidades religiosas.

119

VII.6 Relação existente entre a síndrome de burnout e cuidador principal

Para verificar a existência dos sintomas da síndrome de burnout no

cuidador principal do paciente renal crônico em hemodiálise, foi realizada uma

análise comparativa dos sintomas encontrados no DSC com os sintomas

correspondentes nas 3 dimensões da síndrome: esgotamento emocional (EE),

despersonalização (DP) e comprometimento da realização profissional (RP)

(MASLACH, 1989). Dessa forma, o resultado desta análise corresponderá ao

discurso coletivo.

VII.6.1 Esgotamento emocional

Nesta dimensão, há a hiperidentificação com quem deve ser ajudado,

havendo excesso de dedicação, pois se considera que as necessidades do

doente têm precedência sobre as próprias. Além desse aspecto,verifica-se que o

foco da atenção da cuidadora é colocado inteiramente na saúde do renal crônico,

pois ela passa a considerar que não pode ficar doente porque, na falta de seus

cuidados, não haveria quem cuidasse do paciente renal crônico. Soma-se a este

fato o aparente aumento do instinto de preservação da vida do outro, e um

rebaixamento dessa preservação em si quando declara:

Esse ano que passou, mesmo, eu não fui nenhuma vez no médico, entendeu? Eu tenho que fazer exame de rotina. Como mulher, eu tenho que fazer mamografia. Mas eu me sinto bem! Não estou com nenhum problema. O que eu não posso é “cair” doente. Se eu “cair” doente, vai ser a coisa pior e eu não quero! Mesmo porque, eu falei: “Eu não posso ficar doente nem entrar em depressão, nem nada!”. Porque, como é que eu vou ajudar (RC) doente?

Sintomas de grande cansaço físico e irritabilidade também caracterizam o

esgotamento emocional e a existência de conflitos familiares. A grande dificuldade

no relacionamento com o renal crônico e a desvalorização do cuidado por parte

do enfermo fez com que a cuidadora prosseguisse no desempenho de seu papel,

mesmo sabendo que “vai chegar uma hora que eu não vou aguentar, né?”. Nesse

120

contexto, a solidão experimentada pela cuidadora tornou-se explícita ao dizer: “Eu

não tenho ninguém... Tem vez que eu falo sozinha!”.

No caso da cuidadora que exerce atividade profissional fora de casa, há o

peso da dupla jornada de trabalho, pois além de carregar a responsabilidade de

ser a principal cuidadora do enfermo, ela ainda deve enfrentar a sobrecarga

existente na rotina de dona de casa, que invade sábados e domingos, mostrando

que não há tempo adequado para descanso e reestruturação tanto física quanto

emocional. Sua declaração é simples e conhecida da realidade social brasileira:

“o trabalho de dona de casa nunca aparece”, e dela infere-se que não há, por

parte de outros integrantes da família, um reconhecimento e valorização do

trabalho da cuidadora, ou seja, a validação desse papel na família.

A dificuldade de controlar a rigorosa dieta alimentar que o enfermo renal

crônico precisa manter é apontada como fonte de estresse pela cuidadora,

independentemente do tempo em que o diagnóstico tenha sido feito. Quando o

enfermo não adere ao tratamento, os conflitos entre a cuidadora e o doente são

constantes. As tentativas de controle sobre a alimentação geram revolta no

enfermo, que prefere comer o que sente vontade, colocando assim a própria vida

em risco, do que se submeter à dieta que aumenta sua sobrevida, pois a restrição

de líquidos evita que o ganho de peso dificulte a diálise e a ingestão de alimentos

proibidos, traz sérias consequências à saúde do renal crônico.

VII.6.2 Despersonalização

Na despersonalização, pequenos obstáculos configuram-se como

insuperáveis, são acompanhados pela sensação de fracasso, marcam essa

dimensão e são encontrados no convívio com as restrições físicas (dores

constantes, ingestão de remédios a toda hora), com as restrições sociais (não

pode viajar porque precisa dialisar em dias alternados) e com a ameaça da

proximidade gradativa da morte do enfermo devido ao quadro evolutivo da doença

crônica. Isso faz com que a cuidadora considere-se de “pés e mãos atados”

diante de uma doença renal crônica que “é uma doença que não tem o que fazer”,

121

além de crer na fatalidade do destino e de que “o que tem que acontecer ninguém

vai desviar”.

Outro sintoma característico da despersonalização é a apreensão em

relação ao futuro que se apresentou com a possibilidade da perda do enfermo,

pela morte, causando angústia na cuidadora:

Vê do jeito que (RC) era e vê na situação que tava... Porque agora, com a doença de (RC) a gente não sabe o que vai acontecer! Você não sabe quantos anos que (RC) vai viver... [seus olhos se enchem de lágrimas] Se é um... Se é dois... Se é dez, né? Então, eu acho que não dá pra falar sobre futuro...

Nessa fase, é frequente o aparecimento de doenças psicossomáticas,

geradas pelo estresse, como resultado do grande investimento físico e emocional

nas tarefas do cuidado, provocando o aparecimento de patologias orgânicas na

cuidadora que, além dos cuidados que precisa ter com o renal crônico, também

se vê obrigada a olhar para si, a se cuidar. As patologias encontradas com maior

frequência foram as alterações do sistema nervoso e aumento da pressão arterial.

Há também prejuízos nas relações familiares, pois quem exerce o papel de

cuidador há mais de 3 anos não conta com auxílio da família na divisão das

tarefas. Tal fato permite que se infira que a passagem do tempo promove uma

“acomodação” dos familiares, com o fato de haver alguém que, oficialmente,

encarrega-se de todas as demandas do cuidado.

Outro sintoma característico dessa dimensão é a indiferença emotiva em

relação ao sofrimento do outro. Tal indiferença favorece um distanciamento

defensivo que, neste caso, é verificado quando a crença de que Deus é justo faz

com que a cuidadora justifique a cegueira e a impotência sexual do renal crônico

enquanto resultado da “justiça Divina”, ou seja, ela crê que Ele foi justo com ela

ao aplicar, merecidamente, punições físicas ao enfermo, e isso é considerado

positivo em sua vida.

Na análise do DSC, não houve relato de que a cuidadora tivesse

exagerado na própria alimentação e no uso de drogas, tais como a nicotina, a

cafeína e o álcool.

122

VII.6.3 Comprometimento da realização profissional

Esta é a dimensão na qual o burnout, propriamente dito, pode ser

identificado. Trata-se de uma fase marcada pelo fracasso da empatia, pelo início

da resignação, e pela procura por compensações ou fugas. É nesse momento

que há uma espécie de “morte profissional”. No caso em estudo relativo ao

cuidador principal, a leitura pode ser feita como “morte da atividade de cuidar”.

Houve momentos do discurso em que foram identificadas manifestações de

revolta ou de resignação, considerando-se que nada há de positivo na situação

em que se encontra, pois não é possível enxergar saída para a doença e suas

consequências: “Ah... Eu não sei... Positivo até agora? Até agora, não vi nada de

positivo! Tá difícil as coisa... A gente não vê saída...Não tem nada de positivo,

não”.

123

VIII. DISCUSSÃO

Assim como em outras pesquisas (LUGON & cols, 2003; FONSECA & cols,

2004; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009; SESSO e cols, 2009), a análise dos dados

constatou que as doenças primárias (ou silenciosas) como o diabetes mellitus e a

hipertensão arterial foram as causas mais frequentes da falência renal, e indicam

que os programas para esclarecimento e prevenção da população não

conseguem evitar o aumento significativo dessas patologias.

O predomínio, nesta pesquisa, da doença renal crônica em pacientes do

sexo masculino e que apresentam idade acima de 50 anos, confirmou os índices

brasileiros que apontam para taxas de 57% contra 43% de pacientes do sexo

feminino. Além disso, a maior adesão de mulheres (63%) ao programa de

combate à hipertensão arterial e diabetes - HiperDia (Ministério da Saúde, 2009)

no município de Taboão da Serra pode estar contribuindo para a confirmação do

índice de prevalência masculina na doença renal.

Constatou-se que, nos estágios iniciais das doenças primárias, o enfermo

desfrutava de autonomia e independência sobre a própria vida; porém, na maioria

dos casos, a pouca ou nenhuma informação sobre as consequências evolutivas

da hipertensão arterial e/ ou diabetes, o estilo de vida não saudável e a não

aderência ao tratamento (FREITAS & cols, 2007) fizeram com que o quadro

evoluísse para a falência renal.

Receber a informação de que a doença é incurável (pois há lesão renal

irreversível), de que o doente está exposto a complicações que podem levar ao

óbito, bem como da necessidade de terapia renal substitutiva e uso de medicação

permanente (FREITAS & cols, 2007) provocou reações emocionais de choque,

incredulidade, negação, impotência, resignação e minimização do próprio

sofrimento, que surgiram como resultado inicial do impacto causado pelo

diagnóstico tanto no enfermo quanto nos familiares.

A grande tristeza sentida pela cuidadora foi interpretada como uma “quase”

depressão que, mesmo após insistentes questionamentos pela pesquisadora, em

momento algum foi admitida a possibilidade de ter vivenciado, realmente, uma

depressão. Essa ocorrência foi constatada nos 3 grupos pesquisados.

124

A condição crônica impõe perdas, disfunções e constantes alterações no

quotidiano, pois implica mudanças na imagem corporal, na expectativa de vida, e

na visão de mundo, de modo a obrigar a cuidadora a adequações psicológicas e

sociais diante da modificação das relações entre as pessoas e o ambiente

(ROLLAND, 1995; FREITAS & cols, 2007). Saber que o enfermo era portador de

diabetes mellitus ou hipertensão arterial — doenças consideradas incuráveis e

que também exigem medicação permanente — não provocou tanto sofrimento na

cuidadora quanto o diagnóstico da doença renal crônica.

O estigma que ronda essa doença fez a cuidadora acreditar que o doente

morreria no dia seguinte ao diagnóstico. Considerando que, no conjunto dos

municípios em que as participantes da pesquisa estão domiciliadas, há um índice

médio de 50% de pobreza na população nativa (IBGE) e que elas fazem parte

desse índice por apresentarem um percentual médio de 2,5 salários mínimos de

renda familiar, pode-se inferir que essa crença atua nas camadas sociais de baixa

renda, em que o acesso às informações deste porte é mais restrito.

No início, há pouco ou nenhum conhecimento sobre a doença renal

crônica, seus sintomas, consequências, restrições alimentares, limitações

impostas pelo tratamento. Em seguida, essas informações passaram a ser

obtidas por meio de instituições como hospitais, clínicas de Nefrologia e

respectivas equipes de profissionais da área da Saúde, tais como médicos,

enfermeiros, psicólogos, nutricionistas e assistentes sociais.

Outras fontes de informação também foram identificadas. As cuidadoras

relataram acesso a catálogos e folhetos impressos com explicações sobre

doenças como diabetes e DRC, além da troca de experiências que ocorre por

meio de outros enfermos com o mesmo problema. Informações obtidas por meio

de acesso à Internet foram realizadas por cuidadora cuja faixa etária estava

abaixo de 45 anos, indicando a preferência desse público por canais eletrônicos

de comunicação.

Nos estágios iniciais da doença, antes que a função renal tenha apenas 10-

12% de seu funcionamento, é possível reverter o quadro clínico por meio de dieta

e medicamentos; porém, como a perda da função renal é lenta, progressiva e

irreversível (SBN, 2008), sua evolução passa por 6 estágios (K/DOQI, 2003) e a

125

efetiva presença do cuidador costuma ser necessária a partir do 4º estágio,

quando as complicações típicas da doença se tornam aparentes.

A proximidade da convivência familiar possibilitou que essa tarefa fosse

assumida automaticamente, sem grandes questionamentos por parte das

cuidadoras, em relatos que confirmam as pesquisas realizadas por Medeiros e

cols (1998).

Verificou-se o predomínio da esposa no papel do cuidadora, para quem a

crença de que a conjugalidade exige, de maneira inquestionável, que “a esposa

sempre tem que estar cuidando do marido”. Estatísticas mostram que em 42,8%

dos casos, a(o) esposa(o) é responsável pelo cuidado principal do paciente

(FLORIANI, 2004; FONSECA & cols, 2004).

Outro dado importante refere-se ao fato de existir uma lealdade familiar,

segundo a qual a cuidadora considera ser óbvio o fato de que quem já foi cuidado

agora tem que cuidar, numa espécie de retribuição que pode ser entendida dentro

de um contexto psicológico em que a família humana é considerada uma

estrutura de cuidado que, além de alimentar e proteger dos perigos, oferece

condições para que seus membros se desenvolvam como parte de um grupo

social (BORGES, 2006). Dentro desta convivência em família, notou-se que não

houve revezamento no papel do cuidado, pois quem cuidava antes do diagnóstico

permaneceu cuidando. Além disso, também assume esse papel quem tem mais

conhecimento sobre a doença, independentemente do grau de parentesco

existente com o paciente.

A percepção do sofrimento no outro fez com que algumas cuidadoras

transformassem suas vidas para assumir esse papel. Silva (2003) afirma que o

comportamento de cuidar envolve a capacidade de colocar toda a sua atenção no

outro; de manter uma escuta ativa ao que o outro tem a dizer; na capacidade de

transmitir segurança e na capacidade empática, colocando-se mental e

emocionalmente “no lugar do outro”. A incapacidade para agir de maneira

empática,contribui para o fracasso na relação de ajuda (SANDRIN, 2006).

A cuidadora que desempenha o papel há mais de 5 anos parece ter-se

adaptado bem, pois considera que não houve muita mudança no relacionamento

familiar após o início dessa tarefa. Segundo Rolland (1995), como a doença renal

126

crônica acontece de forma progressiva, o período de ajustamento é maior,

permitindo um aumento da capacidade na administração da crise.

Quem desempenha este papel há apenas 1 ano ou menos enfatizou as

dificuldades encontradas, pois aumentou o número de preocupações, tarefas e

responsabilidades, vendo-se diante da necessidade de atender à demanda de

cuidados do enfermo e dos demais integrantes da família, ainda mais quando há

filhos pequenos para serem cuidados. Nesse caso, a adaptação ainda se

encontra no estágio inicial. Contudo, em se tratando de uma doença sintomática e

que progride com severidade, ela gradualmente incapacita o doente e faz com

que os períodos de alívio relacionados às demandas da doença sejam cada vez

menores, provocando uma tensão crescente nas pessoas que prestam o cuidado,

não só pelo risco da exaustão, mas pelo acréscimo de novas tarefas ao longo do

tempo (ROLLAND, 1995).

Quando a doença aparece, seja ela crônica ou não, há uma ruptura no

fluxo cotidiano, obrigando o enfermo e seus familiares a uma nova reorganização

das atividades diárias (BROWN, 1995; GOMES & cols, 2002) e, no caso da

cuidadora que exerce atividade profissional fora de casa, há o peso da dupla

jornada de trabalho, pois além de carregar a responsabilidade de ser a principal

cuidadora do enfermo, tem ainda de enfrentar a sobrecarga existente na rotina de

dona de casa, que invade seus sábados e domingos e torna evidente o fato de

que não há tempo adequado para o descanso e a reestruturação tanto física

quanto emocional. Além disso, como “o trabalho de dona de casa nunca aparece”,

pode-se inferir que não há, por parte de outros integrantes da família, o

reconhecimento e a valorização do trabalho da cuidadora, ou seja, a validação

desse papel na família.

A cuidadora que abandonou a atividade profissional para se dedicar ao

papel do cuidado ocupa a maior parte do tempo com a manutenção da casa, o

cuidado com o paciente e a realização de alguma atividade para geração de

renda complementar.

Todos os enfermos tiveram prejuízos em suas vidas profissionais, pois a

obrigatoriedade da diálise, 3 vezes por semana, invalida qualquer tentativa de

manutenção de uma atividade formalmente constituída, já que os horários de

trabalho não podem ser cumpridos. Essa realidade fez com que muitos

127

buscassem, no trabalho informal, sua fonte de ocupação e renda. Tais dados

confirmam as pesquisas sobre o impacto das doenças crônicas nas famílias,

quando demonstram que 20% dos cuidadores perderam seus empregos, 31% das

famílias tiveram perdas em suas reservas financeiras e 29% das famílias

perderam a principal fonte de renda, sendo que as mais atingidas foram as de

baixa renda, que tinham enfermos com menos de 45 anos, e aquelas cujos

enfermos apresentam dependência acentuada. Em 85,7% das famílias

estudadas, ocorreram mudanças na vida familiar após a doença, e 28,5% são

dependentes de cuidados (FLORIANI, 2004; FONSECA & cols, 2004).

A situação de perda de renda e decorrente desestabilidade econômica fez

com que a responsabilidade pela administração financeira da casa também

recaísse sobre a cuidadora e, nessa questão, nem sempre houve colaboração da

família.

A venda de material reciclável, o comércio de água mineral ou a confecção

de bordados são atividades informais que a cuidadora exerce com a finalidade de

complementar a renda familiar que, na maioria dos casos, é composta por

aposentadoria ou auxílio-doença, recebidos da Previdência Social, além do valor

recebido por meio do programa Bolsa-Família.

A cuidadora utiliza os serviços públicos oferecidos pelo Ministério da Saúde

ou Prefeituras para a aquisição de medicação gratuita, pois a condição de baixa

renda em que vive não permite que os gastos com remédios de alto custo sejam

incorporados pela família. Medicações de baixo valor monetário somente são

adquiridas quando o Posto de Saúde encontra-se fechado. Neste caso, a compra

é realizada em Farmácia Popular, havendo, então, ônus e consequente acréscimo

de despesa no orçamento familiar.

A cuidadora mora em cidade periférica pertencente à Grande São Paulo e

apresenta um padrão habitacional: mora há muitos anos no mesmo bairro, possui

casa própria e compartilha o terreno com outros membros da família. Esse estilo

de vida familiar comunitária parece ter se estendido para o cultivo das relações

com a vizinhança ou com a comunidade religiosa.

Um pequeno número de famílias tinha, antes do diagnóstico, uma

alimentação constituída por uma dieta saudável com muitas frutas, legumes e

128

verduras ou cujo enfermo tenha se conscientizado sobre a importância da

educação alimentar para o sucesso do tratamento. Essas famílias adaptaram-se

rapidamente às alterações requeridas, fazendo ajustes alimentares relacionados à

quantidade de sal, à água e às porções de alimentos autorizados para o enfermo.

A dificuldade de controlar a rigorosa dieta alimentar que o enfermo renal

crônico precisa manter é apontada como fonte de estresse pela cuidadora,

independentemente do tempo em que o diagnóstico tenha sido feito. Quando o

enfermo não adere ao tratamento, os conflitos entre a cuidadora e o doente são

constantes. As tentativas de controle sobre a alimentação geram revolta no

enfermo, que prefere comer o que sente vontade, colocando a própria vida em

risco, do que se submeter à dieta que aumenta sua sobrevida, pois a restrição de

líquidos evita que o ganho de peso dificulte a diálise e a ingestão de alimentos

proibidos, traz sérias consequências à saúde do renal crônico.

Na maioria das famílias, as mudanças na alimentação do enfermo exigiu a

elaboração de um cardápio à parte, de forma a atender às necessidades

alimentares dos demais membros da família.

Foi verificado que o grau de parentesco e a idade do enfermo interferiram

no sucesso (ou insucesso) desse controle. A cuidadora-esposa não logrou

estabelecer regras alimentares para seu paciente-marido. A cuidadora-irmã só

obteve sucesso quando a cuidadora era mais velha do que o enfermo. A

cuidadora-mãe relatou sucesso em todos os procedimentos de cuidados

alimentares, o que sugere a existência de uma ascendência moral ou geracional

na família. Carter e McGoldrick (1995) confirmam a influência existente de uma

geração sobre a outra com poderoso efeito sobre todos os envolvidos.

No contexto social e econômico em que essa pesquisa foi realizada,

verificou-se que a cuidadora nascida em família grande, unida, participativa e

integrada com a comunidade de vizinhos, enfrentou melhor os revezes que o

diagnóstico do paciente renal crônico impôs à sua vida, em que o apoio familiar

ajudou a diminuir o sofrimento e acelerou a adaptação ao papel. Assim, através

desses relacionamentos, ela conseguiu encontrar alívio para suas tensões

emocionais e físicas. Neste sentido, há similaridade com os achados de Bowlby

(2006a) quando o pesquisador explica que, em sociedades menos desenvolvidas

economicamente, há comunidades onde as pessoas vivem em grandes grupos

129

familiares (pais, filhos, irmãos, avós, tios, primos, bisavós) de modo a configurar

um sistema de seguro social valoroso, pois, quando o pai ou a mãe fica

temporária ou permanentemente impossibilitada de exercer essa função, alguém

do grupo familiar assume essa tarefa.

O afrouxamento dos laços existentes entre a família e a sociedade

(vizinhos, amigos), tanto quanto entre os próprios familiares, impossibilitou a

oferta de condições de apoio adequado (BOWLBY, 2006a) à cuidadora,

principalmente naquela que exerce essa atividade há mais de 3 anos, pois não

conta com auxílio da família na divisão das tarefas. Aparentemente, a passagem

do tempo promove uma “acomodação” dos familiares com o fato de haver alguém

que, oficialmente, encarrega-se de todas as demandas do paciente.

A existência de conflitos familiares, a grande dificuldade no relacionamento

com o renal crônico e a desvalorização do cuidado por parte do enfermo fizeram

com que a cuidadora prosseguisse no desempenho de seu papel, ainda que

soubesse que “vai chegar uma hora que eu não vou aguentar, né?”. Houve

momentos do discurso em que foram identificadas manifestações de revolta ou de

resignação frente ao futuro imaginado, considerando que nada há de positivo na

situação em que se encontra, pois não encontra saída para a doença e suas

consequências: “Ah... Eu não sei... Positivo até agora? Até agora, não vi nada de

positivo! Tá difícil as coisa... A gente não vê saída...Não tem nada de positivo,

não”.

Nesse contexto, a solidão experimentada pela cuidadora tornou-se explícita

ao declarar: “Eu não tenho ninguém... Tem vez que eu falo sozinha!”. Essa

constatação pode ser assumida como atemporal, pois foi encontrada em

discursos recolhidos nos 3 grupos pesquisados. Numa observação mais ampliada

em relação ao total da entrevista, verificou-se tratar de cuidadora com história de

vida que incluía a perda, na infância, de um dos pais, tenha sido por morte ou por

separação. As experiências de uma criança com seus pais determinarão sua

capacidade ou incapacidade para estabelecer vínculos afetivos durante toda a

vida, pois ela terá “construído um modelo representacional de si mesma como

sendo capaz de se ajudar e merecedora de ser ajudada se surgirem dificuldades”

(BOWLBY, 2006, p.179).

130

Dentre as mudanças ocorridas na vida da cuidadora, estão as questões de

relacionamento entre a parentalidade e que afeta toda a dinâmica familiar.

Quando o renal crônico passa a ser considerado um “coitado” pela família, pode-

se inferir que este sentimento interferirá no emocional do enfermo tanto quanto da

cuidadora, afetada diretamente pelas variações de humor de seu assistido. Nesse

sentido, quem cuida terá de realizar adaptações emocionais para conviver com as

emoções, os sentimentos e os conflitos intensos presentes no paciente crônico

(MARTINS e cols, 2000).

As características da personalidade do renal crônico é que dão o “tom” da

melhor ou pior convivência diária, e não a doença renal propriamente dita, ou

tampouco a idade do renal crônico, ou o maior/ menor tempo em que o

diagnóstico tenha ocorrido. Pode-se inferir que os recursos de enfrentamento

existentes no enfermo contribuem significativamente para o alívio ou o aumento

da carga sobre os ombros de quem cuida, considerando que ambos participam de

um processo interativo e não podem portanto ser reduzidos a simples corpos

biológicos separados do contexto psicossocial, econômico e cultural em que estão

inseridos (COELHO e cols, 2005).

Reações emocionais do enfermo, tais como depressão, nervosismo,

agressividade, teimosia, e desobediência à dieta e à medicação foram apontadas

como principais motivos que dificultaram o relacionamento com o renal crônico e,

segundo a cuidadora, o apoio de um profissional da saúde mental, nesses casos,

seria bem-vindo.

As estratégias desenvolvidas pela cuidadora para superar as resistências

do renal crônico ao tratamento facilitam a interação entre ambos. Percebe-se que

as manifestações afetivas, tais como rir, brincar e beijar, garantem este sucesso.

Além disso, conviver em família numerosa e amigos parece ser um indicativo de

que estados emocionais agressivos não perduram muito tempo nesses

ambientes.

O convívio com as restrições físicas (dores constantes, ingestão de

remédios a toda hora), com as restrições sociais (não pode viajar porque precisa

dialisar em dias alternados) e com a ameaça da proximidade gradativa da morte

do enfermo devido ao quadro evolutivo da doença crônica faz a cuidadora crer

que esteja de “pés e mãos atados”, pois ela considera a doença renal crônica

131

como “uma doença que não tem o que fazer”, além de crer na fatalidade do

destino, segundo o qual “o que tem que acontecer ninguém vai desviar”. Tal

crença oferece à cuidadora uma justificativa para a situação que lhe foi imposta

pelas circunstâncias. Dessa maneira, ela se esforça para evitar sofrimentos e

conflitos, chegando a considerar que “não tem nada de negativo” em sua vida, no

momento.

Esses achados confirmam o estudo de Martins e cols (2000) quando

afirmam que os cuidadores são desafiados na sua autoestima diante da

expectativa de onipotência que não possuem, sendo obrigados a conviver com a

frustração, a impotência e a autossuperação, enfrentando situações

desprazerosas na tentativa de obter resultados satisfatórios e tendo, ainda, de

enfrentar a realidade da doença e da morte.

O enfrentamento das novas demandas que o papel do cuidado exige

provocou reações somáticas na cuidadora, em resposta às mudanças que

ocorreram, independentemente de sua escolha. Martins e cols (2000) afirmam

que o ato de cuidar pode ser um agente estressor, pois perturba ou ameaça a

atividade habitual do cuidador, de modo a produzir a necessidade de adaptação

nas condições do indivíduo que é obrigado a conviver com a doença e suas

consequências, com emoções, sentimentos e conflitos intensos presentes no

paciente crônico.

O foco da atenção da cuidadora é colocado inteiramente na saúde do

renal crônico, quando passa a considerar que não pode ficar doente, pois na falta

de seus cuidados, o paciente renal crônico se verá desassistido. Além disso,

parece haver um aumento do instinto de preservação da vida do outro e um

rebaixamento dessa preservação em si quando declara:

Esse ano que passou, mesmo, eu não fui nenhuma vez no médico, entendeu? Eu tenho que fazer exame de rotina. Como mulher, eu tenho que fazer mamografia. Mas eu me sinto bem! Não estou com nenhum problema. O que eu não posso é “cair” doente. Se eu “cair” doente, vai ser a coisa pior e eu não quero! Mesmo porque, eu falei: “Eu não posso ficar doente nem entrar em depressão, nem nada!”. Porque, como é que eu vou ajudar (RC) doente?

132

O estresse, resultado do grande investimento físico e emocional nas

tarefas do cuidado, provoca o aparecimento de patologias orgânicas na cuidadora

que, além dos cuidados que precisa ter com o renal crônico, também se vê

obrigada a olhar para si, a se cuidar. As patologias encontradas com maior

frequência foram as alterações do sistema nervoso e o aumento da pressão

arterial, ocorrências que confirmam as afirmações de Laham (2003) e Campos

(2006), segundo os quais a possibilidade de distúrbios somáticos e psíquicos no

cuidador é elevada.

A cuidadora percebe o cuidado como uma obrigação e diz: “... vou ter que

cuidar... então vou ter que aprender e me acostumar”, o que indica a necessidade

da integração de 4 aprendizados simultâneos: cuidar, aprender, acostumar e se

conformar. Após essa assimilação, a vida tornou-se “normal”. Notou-se, neste

caso, a construção de estratégias adaptativas para a realidade da doença crônica

e da morte que, segundo Brown (1995), faz com que cada pessoa busque,

automaticamente, recursos de enfrentamento que consideram menos

perturbadores para si e para os outros, de modo a manterem a baixa tensão

emocional e o equilíbrio estabilizado.

Nos primeiros meses após o diagnóstico, as mudanças orgânicas ocorridas

no enfermo em decorrência da falência renal, e também logo após o início da

hemodiálise tornaram o enfermo muito dependente da cuidadora, posto que

apresentaram sintomas como fraqueza, cansaço, depressão e falta de apetite —

também conhecidos como “síndrome do desequilíbrio da diálise” — devido à

individualidade de resposta do enfermo ao tratamento (LUGON & cols, 2003;

BIANCHI & cols, 2009).

Aos poucos, a adaptação do enfermo à diálise e aos esquemas a que está

submetido por conta do tratamento contribui para que o renal crônico readquira

uma relativa independência, diminuindo a dependência em relação à cuidadora e

fazendo com que a rotina familiar retorne à “normalidade”. Essa constatação

confirma os estudos de Rolland (1995), pois ele explica que a doença crônica é

caracterizada por um déficit claro, apresentando uma limitação residual funcional,

caracterizando-a como uma doença de curso constante e que, em determinado

momento, se estabiliza. Nesse caso, a família se vê diante de uma mudança

133

semipermanente, estável e previsível durante longo período de tempo, embora

não haja a tensão de novas demandas de papel.

Com o passar do tempo, a doença renal crônica de um dado paciente

evoluiu, debilitando gradativamente o enfermo. Essa evolução fez com que sua

cuidadora precisasse dedicar maior atenção às tarefas do cuidado, pois percebeu

que “agora (RC) está precisando de mais cuidado”. A dependência acentuada do

renal crônico fez com que a ela assumisse essa tarefa de maneira tão abnegada,

que não conseguiu confiar em ninguém para compartilhar o cuidado. Neste caso,

segundo Rolland (1995), percebe-se o aumento da tensão não só pelo risco da

exaustão, mas pelo acréscimo de novas tarefas ao longo do tempo.

A possibilidade da perda do enfermo, pela morte, causou angústia na

cuidadora:

Vê do jeito que (RC) era e vê na situação que tava... Porque agora, com a doença de (RC) a gente não sabe o que vai acontecer! Você não sabe quantos anos que (RC) vai viver... [seus olhos se enchem de lágrimas] Se é um... Se é dois... Se é dez, né? Então, eu acho que não dá pra falar sobre futuro...

e esse sofrimento aconteceu, independentemente do tempo em que o diagnóstico

da doença renal tenha sido realizado. A exposição diária a esse risco pode

provocar alterações cognitivas, emocionais ou comportamentais, pois “a

antecipação da perda pode ser tão perturbadora e dolorosa para as famílias

quanto a morte efetiva de um de seus membros” (WALSH & MCGOLDRICK,

1998, p. 166). O luto antecipado leva o enlutado ao enfrentamento de outras

perdas associadas, tais como a morte do ente querido saudável que não existe

mais e dos planos de vida futura, que serão abandonados (FONSECA, 2004).

A falta de apoio psicológico contribuiu para que a cuidadora ficasse

vulnerável ao próprio sofrimento, sem condições de receber acolhimento

adequado para a elaboração deste luto que, na maioria dos casos, não é

reconhecido por ela.

Os sonhos para o futuro estão relacionados com o bem-estar pessoal,

alcançado por meio de muita saúde; com a realização do transplante renal do

enfermo para que a tranquilidade existente na vida antes do diagnóstico da

134

doença renal seja recuperada e “isso tudo acabe logo”; com o desejo que os filhos

fiquem bem; com atividades que beneficiem idosos e enfermos. Entretanto, a

cuidadora que se encontra na tarefa de cuidar há mais de 3 anos, fez longa pausa

antes de responder sobre os seus sonhos e, emocionada, disse que não alimenta

projetos para o futuro e apenas vive um dia após o outro.

Nota-se que, quando questionadas sobre planos para o futuro, não há

projetos que envolvam vantagens financeiras ou profissionais. Pode-se inferir que

as questões relacionadas à saúde física, emocional e espiritual são consideradas

de maior valor do que as questões materiais.

Os limites físicos e emocionais da cuidadora são frequentemente

colocados à prova, independentemente do tempo de ocorrência do diagnóstico,

pois ela conhece as consequências da doença no renal crônico e se dispõe a “ter

uma certa paciência” que, às vezes, não é compreendida pelo enfermo, de forma

que, para colocar limites, precisa lhe dizer “Chega!”.

A recuperação do sentimento de controle da situação pode ser verificada

quando a cuidadora “arregaça as mangas” e atua, beneficiando o enfermo de

alguma maneira, agindo e reagindo às situações: “Eu brigo! Quando (RC) vai no

hospital eu vou atrás! Se não tem ninguém pra levar no Raios-X, eu vou! O médico tá

demorando? Eu vou atrás! Eu brigo! Eu vou! Se a nossa obrigação é arrumar uma

perua pra trazer aqui (na clínica de hemodiálise), então, já arrumou!”. Assim, ela

trabalha de acordo com a necessidade, sem perder a sensibilidade empática,

relacionada ao seu familiar que está enfermo.

É interessante notar que mesmo tendo a oportunidade de delegar as

responsabilidades do cuidado ao próprio doente, ela não o faz, e permanece leal

ao cumprimento da tarefa do cuidado. Contudo, quando precisa enfrentar

situações adversas, ela expressa suas emoções de maneira assertiva.

A cuidadora considera positivo o fato de ter se acostumado com a situação

em que vive, com as tentativas para resolução de problemas, com o aprendizado

para viver nesse novo contexto, com o desenvolvimento da paciência e da

tolerância e com a descoberta de que gosta de cuidar. Além disso, quando

questionada sobre a valorização que o enfermo faz do cuidado que recebe, afirma

desconhecer essa opinião, embora revele que não daria tanta importância a essa

135

verbalização. Neste caso, percebe-se que ela encontra na atividade do cuidado

um polo de satisfação, a qual pretende dar continuidade mesmo quando o renal

crônico não necessitar mais de cuidados.

As competências adquiridas pela cuidadora no decorrer do tempo incluem

o conhecimento sobre a dinâmica da doença e seus desdobramentos, as

restrições alimentares, o transplante renal, os sintomas e reações do enfermo,

bem como a aplicação de insulina, no caso dos enfermos diabéticos. A

valorização da própria vida, a percepção de se sentir como heroína dentro do

contexto em que vive e a constatação de que as tarefas do cuidado podem causar

doença no cuidador estão entre os itens positivos do cuidado e identificados no

estudo de Laham (2003), que são o de ganho narcísico, aprendizado e encontro

de um sentido para a vida.

A busca de um sentido para a própria vida mantém a cuidadora em

atividade junto às comunidades religiosas. Tal atividade, considerada uma fonte

de alívio e de compreensão para os problemas vividos no dia a dia, fazia parte da

sua rotina social e espiritual muito antes do diagnóstico da doença renal. Pode-se

considerar que esta é uma maneira de preservar um espaço apenas para si

mesma, como forma de passar algum tempo longe do ambiente doméstico e das

preocupações constantes a que está submetida.

As manifestações de apego a Deus e consequente recuperação do

sentimento de segurança foram encontradas em todos os discursos,

independentemente de a cuidadora estar associada a alguma religião ou doutrina.

A poderosa figura internalizada de Deus, possuidor de uma vontade

soberana, provê recurso emocional à cuidadora para que se resigne frente à

situação sobre a qual ela não tem controle.

A crença de que Deus é justo faz com que a cuidadora justifique a cegueira

e a impotência sexual do renal crônico como resultado da “justiça Divina” ou seja,

Ele foi justo com ela porque aplicou, merecidamente, punições físicas ao enfermo,

e isto é considerado positivo na vida da cuidadora. Acerca desse tipo de

ocorrência, Weigand (2004) explica que, no conceito dos modelos operativos

internos, as pessoas que não conseguiram estabelecer uma relação de apego

seguro com seus pais procuram figuras de apego substitutas (professores, irmãos

136

mais velhos etc) e que, por isso, tornam-se candidatas para a adoção de Deus

como figura substitutiva em potencial. Assim, as crenças religiosas ou outras

divindades podem ser consideradas manifestações adultas do sistema de apego.

Aparentemente, a representação de um Deus internalizado e “criado” para

atender às necessidades próprias preenche o papel de figura de apoio nos

momentos de crise, possibilitando a regulação emocional e, consequentemente,

alívio e renovação de forças para novos enfrentamentos.

A esperança na realização do transplante é outro recurso de enfrentamento

utilizado e que diminui com o passar do tempo, pois a realidade sobre a

dificuldade encontrada na captação de órgãos, seja de doador vivo ou cadáver,

paulatinamente toma conta da cuidadora. Esse comportamento é justificado pelos

dados obtidos na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (2008), segundo

os quais os transplantes realizados com doador cadáver beneficiaram apenas 703

pessoas, numa fila de espera que conta, só na região Sudeste, com 23.880

enfermos renais crônicos, de acordo com a análise dos dados no Relatório do

Censo Brasileiro de Diálise (SESSO e cols, 2009).

A Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) informa que,

em 2008, houve um crescimento de 9,2% na realização de transplantes renais no

país. Estes, porém, são insuficientes para atender a demanda de enfermos que

cresce a uma taxa aproximada de 18,5% ao ano, com índice de mortalidade, em

2007, de 15,2% (SESSO e cols, 2009).

Famílias em que havia vários doadores compatíveis que se dispuseram à

doação contribuíram para que o discurso da cuidadora fosse permeado pelo

otimismo, na certeza da realização do transplante: “todos se inscreveram e deram

que são compatíveis! Então, doador é o que não falta!”. Houve relatos em que o

renal crônico recusou a oferta de doação entre vivos, sabendo dos riscos a que o

doador ficaria exposto caso se submetesse à cirurgia para a retirada do órgão.

Neste caso, os familiares solidarizaram-se ao enfermo, oferecendo o próprio rim

na tentativa de eliminar o sofrimento do ente querido.

Na falta de doador vivo ou cadáver, houve desespero por parte do enfermo,

embora a cuidadora, que desempenha este papel há menos de 3 anos, tenha

mantido a esperança na realização do transplante.

137

A monotonia da rotina cotidiana imposta pelo tratamento hemodialítico,

aliada às restrições físicas, nutricionais e sociais a que o enfermo ficou

submetido, estendeu-se à cuidadora. Verificou-se que o cansaço físico e as

limitações econômicas padronizaram a escolha do tipo de lazer a que ela se

entrega, nas poucas oportunidades que tem. A televisão, a leitura, o repouso e a

convivência familiar foram as atividades escolhidas e que são realizadas, na

maioria das vezes, quando o renal crônico está dormindo, indicando a relativa

autonomia que a cuidadora possui, posto que essa particularidade limita o tempo

desfrutado na atividade escolhida.

As viagens são realizadas por curtos períodos de tempo, pois a cuidadora

teme deixar o renal crônico desacompanhado por muito tempo. Este, por sua vez,

encontra-se impossibilitado de acompanhá-la, dada a obrigatoriedade que ele tem

de passar pela hemodiálise em dias alternados.

Quando a cuidadora foi questionada sobre as amizades, não houve

alteração na rotina de contato existente antes do diagnóstico. Quando ela possui

um estilo de vida familiar comunitário, consegue manter com facilidade bons

relacionamentos interpessoais com os vizinhos, fazendo com que essa rede de

apoio afetivo e social seja mais um recurso facilitador para sua vida, além das

relações estabelecidas e mantidas nos ambientes de trabalho e das amizades

cultivadas nas comunidades religiosas.

O contexto em que essa pesquisa foi realizada padronizou o paciente renal

hemodialítico que são obrigados ao comparecimento em clínica especializada

para o tratamento, 3 vezes por semana. Diante desse fato, os pacientes que têm

a oportunidade de realizar a diálise em casa, ou seja, a diálise peritoneal, não

foram contemplados. Assim, as cuidadoras não precisaram de orientação e/ou

acompanhamento médico específico para atendimento ambulatorial domiciliar,

exceto nos casos em que o paciente passava mal ao chegar em casa (queda ou

aumento da pressão, dores intensas, desmaios etc.). Nesses casos, a equipe

médica da clínica de hemodiálise foi acionada, e as orientações emergenciais

foram passadar por telefone com a recomendação para encaminhamento ao

Pronto-Socorro, se necessário.

Apenas uma cuidadora recebeu o apoio de equipe multidisciplinar

(psicólogo, nutricionista, assistente social) durante o processo ocorrido entre a

138

notícia do diagnóstico e a chegada à clínica de Hemodiálise. Vale lembrar que

este intervalo pode demorar até dois meses, em decorrência da dificuldade em

conseguir vaga para internação.

A síndrome de burnout (FREUDENBERGER, 1974) é uma doença

relacionada ao trabalho profissional, composta por 3 dimensões de sintomas

temporários que se manifestam em situações específicas da vida do sujeito e que

estão relacionadas ao trabalho (Freudenberger, 1987 apud MASLACH, 2001).

Tais sintomas emergem como respostas emocionais às tensões decorrentes de

um trabalho que envolva o contato com pessoas cuja necessidade de cuidado e

de atenção seja permanente, tanto na área da saúde, quanto no campo do ensino

ou nas organizações (MILLAN, 2007).

Na dimensão relacionada ao esgotamento emocional, o foco da atenção da

cuidadora é colocado inteiramente na saúde do renal crônico. Nesse caso, ela

passa a considerar que não pode ficar doente, pois em caso de lhe ocorrer uma

doença, o paciente renal crônico ficaria desassistido. Além disso, parece haver

um aumento do instinto de preservação da vida do outro e um rebaixamento

dessa preservação em si. Nota-se, aqui, a hiperidentificação com o enfermo e o

excesso de dedicação a ele, pois se considera que as necessidades do doente

precedem sobre as próprias. Assim, parece haver nesse comportamento um

“círculo de vulnerabilidade”, quando o cuidador liga-se ao enfermo pela excessiva

identificação e exposição à dor do outro (SANDRIN, 2006).

Sintomas de grande cansaço físico e irritabilidade também caracterizam o

esgotamento emocional e a existência de conflitos familiares, a grande dificuldade

no relacionamento com o renal crônico e a desvalorização do cuidado por parte

do enfermo fizeram com que a cuidadora prosseguisse no desempenho de seu

papel, ainda que soubesse que “vai chegar uma hora que eu não vou aguentar,

né?”. Nesse contexto, a solidão experimentada pela cuidadora tornou-se explícita

em seu desabafo: “Eu não tenho ninguém... Tem vez que eu falo sozinha!”.

No caso da cuidadora que exerce atividade profissional fora de casa, há

ainda o peso da dupla jornada de trabalho, pois além de carregar a

responsabilidade de ser a principal cuidadora do enfermo, tem ainda de enfrentar

a sobrecarga existente na rotina de dona de casa que vê seus sábados e

139

domingos invadidos pelo trabalho, tornando-se evidente que não há tempo

adequado para seu descanso e sua reestruturação tanto física quanto emocional.

Uma das armadilhas comuns em que o cuidador pode cair é utilizar a

famosa frase “se eu não fizer, ninguém vai fazer...” e, assim, entrar facilmente em

estado de esgotamento físico, mental e emocional. Nesse momento, o cuidador

costuma atribuir-se a culpa pelo sentimento de fracasso que experimenta porque

realiza uma leitura inadequada da realidade (Sandrin, 2006).

A dificuldade de controlar a rigorosa dieta alimentar que o enfermo renal

crônico precisa manter é apontada como fonte de estresse pela cuidadora,

independentemente do tempo em que o diagnóstico tenha sido feito. Quando o

enfermo não adere ao tratamento, os conflitos entre a cuidadora e o doente são

constantes.

Dentre as variáveis que contribuem para o aparecimento dos sintomas

associados à síndrome, estão a sobrecarga física e emocional; a sensação de

não ter o controle da situação; de ter de enfrentar situações que envolvem dor,

doença e morte; a dificuldade em harmonizar expectativas pessoais e das demais

pessoas envolvidas; a falta de autonomia pessoal; e os feedbacks em relação aos

resultados obtidos no trabalho (SANDRIN, 2006; SÁNCHEZ, 2005).

Na despersonalização, pequenos obstáculos configuram-se como

insuperáveis, são acompanhados pela sensação de fracasso, marcam essa

dimensão (Sandrin, 2006) e são encontrados no convívio com as restrições físicas

(dores constantes, ingestão de remédios a toda hora), com as restrições sociais

(não pode viajar porque precisa dialisar em dias alternados) e com a ameaça da

proximidade gradativa da morte do enfermo devido ao quadro evolutivo da doença

crônica. Isso faz com que a cuidadora considere-se estar com “pés e mãos

atados”, pois ela acredita que a doença renal crônica “é uma doença que não tem

o que fazer”, além de crer na fatalidade do destino e de que “o que tem que

acontecer ninguém vai desviar”.

Um outro sintoma característico da despersonalização é a apreensão em

relação ao futuro que se apresentou com a possibilidade da perda do enfermo,

pela morte, causando angústia na cuidadora. Nessa fase, é frequente o

aparecimento de doenças psicossomáticas, geradas pelo estresse, resultantes do

140

grande investimento físico e emocional nas tarefas do cuidado, de forma a

provocar o aparecimento de patologias orgânicas na cuidadora que, além dos

cuidados que precisa ter com o renal crônico, também se vê obrigada a olhar para

si, a se cuidar. As patologias encontradas com maior frequência foram as

alterações do sistema nervoso e o aumento da pressão arterial.

No estado de burnout, o cuidador sente a impossibilidade de se defender

da angústia frente à certeza do fim da relação com o doente crônico; percebe a

dificuldade de adaptação emotiva e cognitiva às tarefas relacionadas ao cuidado

do doente crônico; possui o sentimento de raiva pela doença que não consegue

controlar, bem como o sentimento de impotência por não poder fazer mais; e

sente o conflito pela empatia que em algumas vezes está presente e, em outras,

não existe (SÁNCHEZ, 2005; SANDRIN, 2006).

Há também prejuízos nas relações familiares, pois quem exerce o papel de

cuidador há mais de 3 anos não conta com auxílio da família na divisão das

tarefas. Aparentemente, a passagem do tempo promove uma “acomodação” dos

familiares com o fato de haver alguém que, oficialmente, encarrega-se de todas

as demandas do cuidado.

Questões relacionadas à falta de apoio da família ou amigos; conflitos entre

o cuidador e seus familiares; autoritarismo por parte de algum integrante do grupo

à sua volta; pouco conhecimento sobre a tarefa que desempenha; falta de

orientação sobre o cuidado; clima tenso durante o trabalho; trabalho monótono e

sem perspectivas de mudança; estresse por “lealdade dupla” (o cuidador é

obrigado a cultivar a lealdade para com a equipe médica em detrimento da

lealdade com o assistido e vice-e-versa): tudo isso envolve uma cisão da própria

identidade, gerando a crise (SANDRIN, 2006; SÁNCHEZ, 2005).

Outro sintoma característico dessa dimensão é a indiferença emotiva em

relação ao sofrimento do outro, o que favorece o distanciamento defensivo

(SANDRIN, 2006). Este, nesse caso, é verificado quando a crença de que Deus é

justo faz com que a cuidadora justifique a cegueira e a impotência sexual do renal

crônico como resultado da “justiça Divina”, ou seja, de que Ele foi justo com ela ao

aplicar, merecidamente, punições físicas ao enfermo, e isso é considerado

positivo na vida da cuidadora.

141

Na análise do DSC não houve relatos de que a cuidadora tivesse

exagerado na alimentação e no uso de drogas, tais como a nicotina, a cafeína e o

álcool.

É na dimensão do comprometimento da realização profissional, que o

burnout, propriamente dito, pode ser identificado. Trata-se de uma fase marcada

pelo fracasso da empatia, pelo início da resignação, e pela procura por

compensações ou por fugas, na qual há uma espécie de “morte profissional”. No

caso em estudo relativo ao cuidador principal, a leitura pode ser feita como “morte

da atividade de cuidar” (SANDRIN, 2006).

Do modo semelhante, houve momentos do discurso em que foram

identificadas manifestações de revolta ou de resignação, considerando que nada

há de positivo na situação em que se encontra, pois não vê saída para a doença e

suas consequências.

142

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo resultou em uma coletânea de informações sobre a doença

renal crônica e seu impacto na vida do enfermo, do cuidador principal e dos

familiares. Questões relacionadas ao impacto do diagnóstico, aos recursos de

enfrentamento, à rede social de apoio e à relação dos sintomas do burnout com o

cuidador principal foram identificadas e analisadas, de maneira a buscar uma

compreensão de todas as fases envolvidas no processo do cuidado. O conjunto

das particularidades de cada história permitiu que o universo desses personagens

fosse delineado ao poucos para retratar uma realidade comum a muitos

brasileiros.

Doenças primárias como diabetes mellitus e hipertensão arterial continuam

a ser as doenças predominantes na origem da falência renal. Esse fato indica que

as políticas públicas de prevenção ainda não conseguem conter o crescimento

dessas patologias, com o consequente ônus para a população e para os cofres

públicos.

Há o desconhecimento sobre a doença, seus sintomas e seu tratamento, e

ela está associada à crença de que o enfermo morre imediatamente após o

diagnóstico. Tal falta de informação contribui para o agravamento das doenças

primárias, responsáveis pela falência renal que, depois de instalada, gera

consequências também de ordem econômica e social, pois as famílias tornam-se

dependentes dos valores oferecidos por programas sociais como o Bolsa-Família,

recebem aposentadoria ou auxílio-doença da Previdência Social e utilizam os

serviços de hospitais públicos e postos de saúde mantidos pelas prefeituras, além

da aquisição de remédios gratuitos oferecidos pelo Ministério da Saúde.

Houve aumento de enfermos cuja faixa etária encontra-se abaixo dos 30

anos, como resultado de diagnósticos precoces e que só foram possíveis graças

aos avanços da medicina, que proporciona meios rápidos para identificação e

tratamento da doença renal.

Foi possível verificar que o diagnóstico da doença causa fortes reações

emocionais no enfermo, no cuidador principal e demais membros da família,

143

provocando mudanças na vida de todos os envolvidos com alteração no fluxo da

rotina diária, na saúde, na convivência familiar e social, nas atividades

profissionais e nas questões de ordem financeira.

A melhor (ou pior) adaptação do cuidador à situação depende do contexto

familiar em que esteja inserido. Famílias grandes, unidas, participativas e

integradas com a comunidade de vizinhos, enfrentam melhor os revezes que o

diagnóstico do paciente renal crônico impõe, contribuem para a diminuição do

sofrimento e aceleram a adaptação ao papel do cuidado, de modo a

proporcionar, através desses relacionamentos, alívio para as tensões emocionais

e físicas do cuidador. Famílias pouco integradas com a comunidade e que

apresentam muitos conflitos entre seus próprios membros dificultam a adaptação,

impossibilitando a oferta de condições de apoio adequado ao cuidador que não

recebe auxílio da família na divisão das tarefas.

Pelo fato de ser progressiva, sintomática e de curso constante, a doença

renal crônica permite uma adaptação gradativa aos sintomas e suas

consequências, tanto para o enfermo quanto para a família. No entanto, quando a

notícia da falência renal chega, ela provoca reações de grande sofrimento em

todos os seus participantes.

Nos estágios iniciais da doença, o cuidador principal encontra muitas

dificuldades para assumir os cuidados com o enfermo, e as principais referem-se

ao cansaço, ao resultado da sobrecarga de tarefas cotidianas com a dupla

jornada de trabalho — seja porque exerce uma atividade profissional fora de casa,

seja porque contribui para a complementação da renda familiar com atividades

informais realizadas em casa —, ao estresse gerado pelas alterações de humor

do enfermo ou pela não aderência deste ao tratamento (principalmente no tocante

à rigorosa dieta alimentar, imprescindível para a manutenção da vida do renal

crônico) e à possibilidade diária da perda, pela morte, do enfermo.

Nesse período, o cuidador também alimenta sonhos para o futuro

relacionados ao bem-estar pessoal alcançado por meio de muita saúde; à

expectativa de que os filhos fiquem bem; ao desejo de que o transplante renal do

enfermo se realize, para que a tranquilidade existente na vida antes do

diagnóstico da doença seja recuperada, e às atividades que beneficiem idosos e

144

enfermos. Neste sentido, questões relacionadas à saúde física, emocional e

espiritual são consideradas de maior valor do que as questões materiais.

Com o passar do tempo, o cuidador ajusta-se à situação e aumenta a sua

capacidade para administrar a crise, chegando a considerar positivo o fato de ter

se acostumado com a situação, com as tentativas para resolução de problemas,

com o aprendizado para viver nesse novo contexto, com o desenvolvimento da

paciência e da tolerância e com a descoberta, em alguns casos, de que gosta de

cuidar.

Dentre os recursos de enfrentamento utilizados estão a recuperação do

sentimento de controle da situação, quando o cuidador age ou reage às situações

em benefício do enfermo, seja “brigando” para conseguir uma internação, seja

“correndo atrás” de remédios, consultas, exames ou transporte, por exemplo. A

busca de um sentido para a própria vida através de atividades junto às

comunidades religiosas e as manifestações de apego a Deus contribuem para o

alívio e a regulação emocional nos momentos de crise. Do mesmo modo, a

escolha da televisão, da leitura, do repouso e da convivência familiar como formas

de lazer, bem como o convívio social por meio das amizades que continuaram a

ser cultivadas após o diagnóstico são meios de manter equilibradas as

compensações do tempo de dedicação ao enfermo e que, nesses poucos

intervalos, passa a ser dedicado a si.

Outro recurso utilizado é a manutenção da esperança na realização do

transplante renal, que diminui no decorrer do tempo, pois a realidade sobre a

dificuldade encontrada na captação de órgãos, seja de doador vivo ou cadáver,

paulatinamente toma conta do cuidador, bem como é justificada pelas estatísticas

brasileiras encontradas no Relatório do Censo Brasileiro de Diálise (SESSO e

cols, 2009), segundo o qual o número de doadores é insuficiente para atender à

demanda de enfermos renais crônicos.

Percebeu-se, até este momento, como o cuidador age e reage no

desempenho do seu papel ao longo do tempo e os efeitos sobre o seu mundo

pessoal, familiar e social. Tal estudo possibilitou uma análise comparativa entre

os sintomas encontrados na síndrome de burnout e aqueles encontrados durante

a análise desta pesquisa.

145

Uma vez que a síndrome do esgotamento profissional (burnout) é

considerada uma doença relacionada ao trabalho profissional, neste estudo a

proposta foi buscar subsídios que validem a síndrome como um diagnóstico

possível para o trabalho realizado sem remuneração.

A análise tomou como base o discurso coletivo, no qual foi verificado que

os sintomas de todas as dimensões da síndrome (EE, DP e RP) foram

encontrados. Neste sentido, a melhoria nas condições de trabalho, em que o

cuidador fica exposto por imposição das tarefas do cuidado, provocaria imediata

melhoria na sintomatologia do cuidador. Individualmente, a análise dos discursos

mostrou que a totalidade dos sintomas existentes nas 3 dimensões não foi

encontrada, mas identificou sintomas de 1 ou 2 dimensões, simultaneamente.

Com base nas duas análises, pode-se considerar a síndrome como um

diagnóstico possível, pois a possibilidade de ocorrer burnout no cuidador principal

do paciente renal crônico em hemodiálise é alta.

Outra questão que surgiu no decorrer da análise foi a seguinte: “qualquer

cuidador principal de um doente crônico está sujeito ao burnout?” A resposta é

negativa, pois há quem sinta prazer na atividade do cuidado. Essas são pessoas

que têm facilidade para encontrar ou criar estratégias de enfrentamento,

possibilitando uma realização pessoal que “neutraliza” os efeitos negativos que as

demandas do cuidado também geram.

Atualmente, as políticas públicas de apoio ao doente renal crônico têm

como foco a manutenção da vida do paciente, sem considerar que esta pessoa,

na maioria dos casos, terá dificuldades para dar conta do autocuidado, dadas as

condições de imprevisibilidade e de complicação dos sintomas (FREITAS & cols,

2007) necessitando, em algum momento, de alguém que cuide dele. Esse papel

costuma ser assumido por um familiar que, na maioria das vezes, não possui

preparo para tal, e este estudo confirmou a importância da figura do cuidador

principal, dada a relevância social que tem na manutenção da vida do paciente e

dos núcleos familiares.

O desenrolar desta pesquisa deu-se numa região do Brasil considerada de

melhor poder econômico e, ainda assim, as condições de pobreza e de

dificuldades encontradas na população pesquisada, faz com que a reflexão se

146

amplie para o restante do país, onde as desigualdades sociais são gritantes e o

acesso à saúde e à educação, em muitas localidades, ainda é irreal.

Se no estado de São Paulo, cuja riqueza econômica é comprovada, há

municípios que não possuem local e equipamentos adequados ao tratamento do

paciente renal, o que dizer das cidades onde as condições de miserabilidade

estão presentes? O que acontece aos seus renais crônicos? A falta da diálise

peritoneal ou hemodiálise lhes garantirá a morte num curto período de tempo.

Provavelmente o contato com esta realidade tenha promovido a crença, na

maioria das participantes desta pesquisa de que a falência dos rins provoca a

imediata morte do paciente, pois elas nasceram em estados das regiões Nordeste

e Centro-Oeste do país.

Há, por parte da pesquisadora, otimismo por perceber que nos altos

escalões do Ministério da Saúde estão sendo construídas diretrizes para o

combate e a prevenção às doenças primárias; protocolos de atendimento ao renal

crônico estão sendo instituídos; regras para a instalação e a manutenção de

clínicas de diálise estão sendo efetivadas; e a distribuição de medicação de alto

valor já é disponibilizada para os enfermos renais. Além disso, há uma crescente

conscientização nas universidades, nos hospitais e nas clínicas acerca da

importância das equipes multidisciplinares no atendimento ao enfermo, aos

cuidadores e às famílias, de acordo com o que foi comprovado nesta pesquisa.

Estudos mais detalhados precisam ser efetivados para que se amplie o

conhecimento sobre o burnout nos cuidadores de pacientes crônicos em geral,

pois é sabido que cada doença possui características próprias e que exigem

respostas individualizadas do cuidado.

O cuidador principal ainda é invisível às políticas públicas, pois não há

programas que atendam a esse público no Brasil. Iniciativas privadas buscam

promover a criação de grupos de apoio aos cuidadores familiares de enfermos

crônicos; porém, eles são insuficientes para atender à demanda que, no âmbito

brasileiro, é muito grande.

Da mesma forma que o governo investe em ações curativas dos enfermos

de doença renal crônica e de diabetes, por exemplo, ele precisa investir na

prevenção dessa gama de enfermidades. Assim, programas educativos devem

147

ser inseridos nas escolas públicas e privadas com o objetivo de sensibilizar os

alunos para a importância das rotinas de prevenção das doenças, por meio de

exames periódicos, de educação alimentar, da vida emocional equilibrada, da

convivência social saudável e do lazer.

No processo de cuidar em casa, realiza-se muito mais do que o simples ato

de medicar o enfermo ou de prover-lhe o alimento. Faz-se uma autossuperação

diária, cujo alvo a ser atingido modifica-se, no decorrer do tempo. No início, trata-

se da recuperação da vida que existia antes da doença por meio da cura ou do

transplante renal. Depois, trata-se da batalha para manter o enfermo vivo e da

conscientização, pouco a pouco, de que ele partirá a qualquer momento. Soma-se

a tudo isso o conflito interior, o cansaço e, às vezes, a revolta, para finalmente

chegar à resignação, embora jamais se pense, sob hipótese alguma, no

abandono da tarefa que tão arraigada e cuidadosamente a cuidadora tomou para

si. Nesse sentido, certamente se pode afirmar que elas são, como tantas outras (e

tantos outros, é claro), heroínas de uma história que se inscreve aqui, na

academia, como caso digno de atenção e de futuros estudos.

148

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SBN – Sociedade Brasileira de Nefrologia. Disponível em:

<http://www.sbn.org.br/> [Acesso em 19/07/2008].

SBN - Sociedade Brasileira de Nefrologia: Diretrizes para condutas médicas.

Disponível em: <http://www.sbn.org.br/Diretrizes/tx.htm> [Acesso em 19/06/2009].

WHO - World Health Organization. Disponível em:

<http://www.who.int/3by5/en/palliativecare_en.pdf > [Acesso em 22/08/2008].

Anexos

ANEXO 1

OFÍCIO

São Paulo, 10 de setembro de 2008

Dra. Soraia Stael Drumond

Diretora do INEDI – Instituto de Nefrologia e Diálise S S Ltda

Senhora Diretora,

Sou aluna do curso de Mestrado da PUC-SP e estou desenvolvendo a pesquisa: “O Processo de Tornar-se Cuidador Informal do Paciente Renal Crônico”, cujo objetivo é identificar a percepção dos cuidadores frente à tarefa de cuidar do renal crônico. Espera-se que este estudo contribua para a ampliação do conhecimento sobre o impacto que a doença crônica têm sobre a vida do cuidador e assim, promover a criação de programas que atendam essa faixa da população, proporcionando orientações, suporte psicológico e grupos de apoio tendo em vista que o número de cuidadores vem aumentando a cada ano, na mesma proporção em que aumenta o número de casos da doença renal no Brasil.

Solicito permissão dessa Instituição para que eu possa efetuar a pesquisa de campo junto aos cuidadores dos pacientes em hemodiálise.

Encaminho anexo o Projeto de Pesquisa para maiores esclarecimentos e informo que se obtiver liberação, o início da coleta de dados está prevista para a 2ª quinzena de setembro.

Colocando-me à disposição para maiores informações,

Atenciosamente,

Verônica Alves Borges

NOME DO PROJETO: O processo de tornar-se cuidador informal do paciente renal crônico

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA – NÍVEL MESTRADO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUCSP)

ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco

PESQUISADORA: Verônica Alves Borges / fones: (11) 4787-8189 e (11) 9426-3458 e-mail: [email protected]

ANEXO 2

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

O presente questionário tem a finalidade de buscar dados para dissertação de

mestrado que versa sobre: O PROCESSO DE TORNAR-SE CUIDADOR

INFORMAL DO PACIENTE RENAL CRÔNICO. Esta pesquisa propõe estudar o

impacto que a doença crônica tem sobre a vida do cuidador em seus diferentes

aspectos: emocional, social, familiar, pessoal, profissional para compreender os

processos de adaptação exigidos pelas mudanças ocorridas em sua vida, após o

diagnóstico da doença renal crônica. Para isso precisamos de sua colaboração

respondendo às nossas perguntas e permitindo que a conversa seja gravada. O

gravador serve para que eu não perca nada do que você vai falar. Depois da

nossa entrevista, o que foi conversado será escrito e a fita do gravador será

apagada. O seu nome não irá aparecer em nenhum papel de pesquisa, ou seja, o

que você falar não será associado a você de forma alguma. É importante que

você saiba que tem toda a liberdade em participar ou não da pesquisa, podendo

desistir a qualquer momento sem nenhum prejuízo. Qualquer dúvida que você

tiver ou qualquer informação que quiser, poderá entrar em contato comigo pelo

telefone: 3045-6942; e-mail: [email protected]

Agradeço sua colaboração.

Atenciosamente,

Verônica Alves Borges

ANEXO 3

CONSENTIMENTO PARA ATUAR COMO PARTICIPANTE NA PESQU ISA

Eu ____________________________________________________________,

R.G: _________________________________, abaixo assinado, tendo recebido

as informações acima, e ciente dos meus direitos abaixo relacionados, concordo

em participar.

− A garantia de receber a resposta a qualquer pergunta ou esclarecimento a

qualquer dúvida acerca dos procedimentos, riscos, benefícios e outros

relacionados com a pesquisa;

− A liberdade de retirar meu consentimento a qualquer momento e deixar de

participar do estudo sem que isso traga prejuízo à continuação do tratamento

a que meu familiar / amigo recebe na clínica;

− A segurança de que não serei identificado e que será mantido o caráter

confidencial das informações relacionadas com a minha privacidade;

− O compromisso de me proporcionar informação atualizada durante o estudo,

ainda que afete a minha vontade de continuar participando;

Tenho ciência do exposto acima e desejo participar do estudo.

São Paulo, de 200__.

Assinatura do cuidador:

__________________________________________________

Permissão para gravação da entrevista: ( ) SIM ( ) NÃO

ANEXO 4

FORMULÁRIO PARA ENTREVISTA: DADOS DE IDENTIFICAÇÃO

Nome do Cuidador: _________________________________ ___________________

Nome do Paciente: _________________________________ ___________________

Registro na Instituição: __________________________ _______________________

Grau de parentesco: _______________________________ ____________________

Endereço:___________________________________________ _________________

Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino

Idade: ( ) 20 __ 30 anos Cor: ( ) branco

( ) 31 __ 40 anos ( ) negro

( ) 41 __ 50 anos ( ) pardo

( ) 51 __ 60 anos ( ) amarelo

( ) 61 __70 anos

( ) 71 __80 anos

( ) Acima 80 anos

Estado civil: ( ) solteiro(a) Religião ( ) c atólica

( ) casado(a) ( ) evangélica

( ) viúvo(a) ( ) espírita

( ) separado(a) ( ) outros ______________ _____

( ) moram juntos

Renda Mensal: ( ) 1 salário mínimo

( ) 2 salários mínimos

( ) 3 a 4 salários mínimos

( ) 5 a 6 salários mínimos

( ) 7 a 10 salários mínimos

( ) acima de 10

Local de nascimento: ______________________________ ____________________

Local em que reside atualmente: ___________________ ______________________

Tempo de escolaridade:

( ) analfabeto

( ) __________anos de estudo

( ) Pré-escola

( ) Primário (Ensino Fundamental)

( ) 2º Grau (Ensino Médio)

( ) 3º Grau (Ensino Superior)

Profissão: _________________________________________ ___________________

Filhos: ( ) Não ( ) Sim Quantos? __________________

Foi informado do diagnóstico da doença renal há qua nto tempo?

_____________________________________________________________________

Horário da entrevista: Início: ___________________ __ Término: ___________________

ANEXO 5

DADOS SOBRE A PERCEPÇÃO DO CUIDADOR FRENTE SUA TARE FA

RELACIONADA AO DOENTE RENAL CRÔNICO

QUESTÕES DIRECIONADORAS:

1. Conte um pouco como foi que você passou a cuidador de (RC)?

2. Como foi saber que (RC) tem a doença renal crônica?

3. O que pensou no momento? E o que fez?

4. Como começou sua vida como cuidador (a)?

− identificar se foi uma tarefa escolhida ou imposta (por quem?)

− com quem divide as tarefas do cuidado

− o que mudou na vida do cuidador

5. O que aprendeu sobre a doença depois que (RC) iniciou o tratamento?

− verificar orientações adequadas sobre a doença e suas conseqüências

− identificar existência de assistência domiciliar por equipe multidisciplinar

6. Como você descreve a convivência diária com (RC)?

− identificar quais emoções e/ou sentimentos (RC) provoca no cuidador

− verificar o grau de dependência de (RC) em relação ao cuidador

− identificar se (RC) reconhece e valoriza o cuidado que recebe

7. Como são as emoções de (RC)?

− averiguar como o cuidador reage às alterações de humor de (RC)

− identificar pressões, cobranças, (des)valorização por parte de (RC)

8. Como descreve a convivência com os demais membros da família?

− Identificar pontos de conflito

− verificar se há divisão de tarefas entre eles

9. Como você se sente no seu trabalho diário?

− verificar a quantidade de atividades executadas

− identificar o grau de (in)satisfação

− identificar emoções e/ou sentimentos associados ao trabalho

10. Você tem amigos?

− Identificar formas de lazer e convivência social

11. Como está a sua saúde?

− identificar doenças existentes antes do diagnóstico de (RC)

− verificar reações psicossomáticas após o diagnóstico

12. Quem administra a vida financeira da casa?

− verificar se houve desemprego após o diagnóstico

− identificar dificuldades financeiras e pontos que contribuíram para aumento

das despesas

13. O que gosta de fazer quando está só? E tem feito?

− identificar se consegue manter o controle sobre sua vida por meio de alguma

atividade des-estressora

14. Que pontos considera positivos na sua vida depois que começou a cuidar de

(RC)?

15. Que pontos considera negativos na sua vida depois que começou a cuidar de

(RC)?

16. Quais seus sonhos para o futuro?

− verificar que expectativas tem para sua vida futura

17. Quando você percebe que precisa “desabafar”, a quem procura?

− identificar existência de rede de apoio

ANEXO 6

Inventário de Burnout de Maslach - Human Services S urvey (Benevides-Pereira,

2001 que traduziu para o português; Mary Sandra Car lotto e Sheila Gonçalves

Câmara, 2007, validaram para a versão brasileira co m amostra multifuncional)

INSTRUÇÕES: A seguir encontra-se uma lista de afirmativas que reflete como as pessoas

algumas vezes sentem-se quando cuidam de outra pessoa. Depois de cada afirmativa, indique

com que freqüência o Sr/Sra se sente daquela maneira (nunca=1, algumas vezes=2, algumas

vezes ao mês=3, algumas vezes na semana=4 ou diariamente=5). Não existem respostas certas

ou erradas.

1. Sinto-me estimulado depois de haver trabalhado diretamente com quem tenho que atender.

2. Creio que consigo muitas coisas valiosas nesse trabalho.

3. Sinto que posso criar, com facilidade, um clima agradável em meu trabalho.

4. Sinto que posso entender facilmente as pessoas que tenho que atender.

5. Sinto que estou exercendo influência positiva na vida das pessoas, através de meu trabalho.

6. Sinto que trato com muita eficiência os problemas das pessoas as quais tenho que atender.

7. No meu trabalho eu manejo com os problemas emocionais com muita calma.

8. Sinto-me muito vigoroso no meu trabalho.

9. Sinto que meu trabalho está me desgastando.

10. Quando termino minha jornada de trabalho sinto-me esgotado.

11. Sinto-me emocionalmente decepcionado com meu trabalho.

12. Sinto que estou trabalhando demais.

13. Sinto-me como se estivesse no limite de minhas possibilidades.

14. Sinto-me frustrado com meu trabalho.

15. Sinto que trabalhar em contato direto com as pessoas me estressa.

16. Quando me levanto pela manhã e me deparo com outra jornada de trabalho, já me sinto

esgotado.

17. Sinto que trabalhar todo o dia com pessoas me cansa.

18. Sinto que me tornei mais duro com as pessoas, desde que comecei este trabalho.

19. Sinto que realmente não me importa o que ocorra com as pessoas as quais tenho que atender

profissionalmente.

20. Fico preocupado que este trabalho esteja me enrijecendo emocionalmente.

21. Sinto que estou tratando algumas pessoas com as quais me relaciono no meu trabalho como

se fossem objetos impessoais.

22. Parece-me que as pessoas que atendo culpam-me por alguns de seus problemas.

ANEXO 7

Burden Interview (Zarit & Zarit, 1987; trad. portug uês: Márcia Scazufca, 2002)

INSTRUÇÕES: A seguir encontra-se uma lista de afirmativas que reflete como as pessoas algumas vezes

sentem-se quando cuidam de outra pessoa. Depois de cada afirmativa, indique com que freqüência o Sr/Sra

se sente daquela maneira (não, raramente, algumas vezes=2, freqüentemente, ou sempre). Não existem

respostas certas ou erradas.

1. O Sr/Sra sente que S* pede mais ajuda do que ele (ela) necessita?

2. O Sr/Sra sente que por causa do tempo que o Sr/Sra gasta com S, o Sr/Sra não tem tempo suficiente

para si mesmo (a)?

3. O Sr/Sra se sente estressado (a) entre cuidar de S e suas outras responsabilidades com a família e o

trabalho?

4. O Sr/Sra se sente envergonhado (a) com o comportamento de S?

5. O Sr/Sra se sente irritado (a) quando S está por perto?

6. O Sr/Sra sente que S afeta negativamente seus relacionamentos com outros membros da família ou

amigos?

7. O Sr/Sra sente receio pelo futuro de S?

8. O Sr/Sra sente que S depende do Sr/Sra?

9. O Sr/Sra se sente tenso (a) quando S esta por perto?

10. O Sr/Sra sente que a sua saúde foi afetada por causa do seu envolvimento com S?

11. O Sr/Sra sente que o Sr/Sra não tem tanta privacidade como gostaria, por causa de S?

12. O Sr/Sra sente que a sua vida social tem sido prejudicada porque o Sr/Sra está cuidando de S?

13. O Sr/Sra não se sente à vontade de ter visitas em casa, por causa de S?

14. O Sr/Sra sente que S espera que o Sr/Sra cuide dele/dela, como se o Sr/Sra fosse a única pessoa de

quem ele/ela pode depender?

15. O Sr/Sra sente que não tem dinheiro suficiente para cuidar de S, somando-se as suas outras despesas?

16. O Sr/Sra sente que será incapaz de cuidar de S por muito mais tempo?

17. O Sr/Sra sente que perdeu o controle da sua vida desde a doença de S?

18. O Sr/Sra gostaria de simplesmente deixar que outra pessoa cuidasse de S?

19. O Sr/Sra se sente em dúvida sobre o que fazer por S?

20. O Sr/Sra sente que deveria estar fazendo mais por S?

21. O Sr/Sra sente que poderia cuidar melhor de S?

22. De uma maneira geral, quanto o Sr/Sra se sente sobrecarregado (a) por cuidar de S**?

*No texto S refere-se a quem é cuidado pelo entrevis tado. Durante a entrevista, o entrevistador usa o

nome desta pessoa.

**Neste item as respostas são: nem um pouco=0, um p ouco=1, moderadamente=2, muito=3,

extremamente=4.

ANEXO 8