Upload
truongdung
View
213
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Verônica Alves Borges
O processo de tornar-se cuidador principal
do paciente renal crônico em hemodiálise
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
SÃO PAULO
2009
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Verônica Alves Borges
O processo de tornar-se cuidador principal
do paciente renal crônico em hemodiálise
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Psicologia Clínica – Núcleo de Família e
Comunidade, sob a orientação da Profa.
Doutora Maria Helena Pereira Franco.
SÃO PAULO
2009
Banca Examinadora
_________________________________________________
_________________________________________________
_________________________________________________
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco, pelo respeito, carinho e firmeza de
sua orientação na construção deste trabalho, confiando que eu seria capaz de
realizá-lo.
À Profa. Dra. Maria Julia Paes da Silva e Profa. Dra. Fernanda A. C. Gouveia-
Paulino, por todas as observações que fizeram durante meu exame de
qualificação, contribuindo para o correto direcionamento dessa pesquisa.
Ao Instituto de Nefrologia e Diálise - INEDI, em especial à Dra. Soraia Stael
Drumond e Dra. Fuquico Nakamoto que, gentilmente, permitiram o acesso às
dependências e aos pacientes. Meu agradecimento à psicóloga Neisi Cabanal
Mendes, pela paciência com que me acompanhou, orientou e facilitou a obtenção
das informações sobre os pacientes e respectivos cuidadores.
Às cuidadoras, participantes desta pesquisa e que compartilharam comigo suas
histórias de vida.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, pelo
apoio financeiro para a realização desta pesquisa.
À Rita de Cássia Macieira, grande incentivadora e uma das responsáveis pela
minha transformação: de lagarta até borboleta.
Á Selenita, Flávia, Fabio e Isela, queridos amigos e parceiros que acompanharam
e incentivaram o desenvolvimento desta dissertação e a todos os amigos que
souberam compreender a minha ausência, oferecendo apoio nos momentos mais
difíceis.
RESUMO
O processo de tornar-se cuidador principal do pacie nte renal crônico em
hemodiálise
Verônica Alves Borges
Orientadora: Drª Maria Helena Pereira Franco
O processo de se tornar cuidador principal do paciente renal crônico em
hemodiálise foi estudado por meio de uma investigação de natureza qualitativa,
realizada com oito participantes do sexo feminino, acima de 19 anos, com laços
biológicos e a principal responsabilidade do cuidado. O cuidador principal ainda é
invisível às políticas públicas, pois não há programas que atendam a esse público
no Brasil. As iniciativas privadas buscam promover a criação de grupos de apoio;
porém, elas são insuficientes para atender à demanda que, no âmbito brasileiro, é
muito grande. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada
com perguntas elaboradas a partir da versão brasileira validada da escala Burden
Interview (SCAZUFCA, 2002) e do Inventário de Burnout de Maslach - Human
Services Survey (MASLACH & LEITER, 1997), versão brasileira validada
(CARLOTTO & CÂMARA, 2007). A análise dos dados ocorreu a partir da Teoria
do Apego de John Bowlby, e indica que há grande impacto objetivo (tais como
rotina diária, saúde, convivência familiar e social, profissão, finanças) e subjetivo
(estresse mental) na vida do cuidador. Além disso, a síndrome de burnout pode
ser considerada como diagnóstico possível para o conjunto dos sintomas
encontrados no cuidador principal do paciente renal crônico. Novos estudos são
necessários para ampliar o conhecimento sobre burnout nos cuidadores de
pacientes crônicos em geral, pois cada doença exige respostas individualizadas
do cuidado.
Palavras-chave : cuidador; burnout; luto antecipatório; doença renal crônica.
ABSTRACT
The process of becoming the main caregiver of the r enal chronic
hemodialysis patient
Verônica Alves Borges
Advisor: Maria Helena Pereira Franco
The process of becoming the main caregiver of the renal chronic hemodialysis
patient was pursued by means of a qualitative investigation, which was made upon
the results got from 8 female, adult participants above 19 years old, who were
family bounds to the patients and to who were in charge of taking care of them.
The main caregiver remains invisible to the public politics, for there are not any
programs that cover such audience in Brazil. Private initiatives try to provide the
creation of support groups; however, there are not enough groups to cover such a
huge demand for them. The data have been collected by means of a semi-
structured interview containing questions that were shaped according to the
validated version of the Burden Interview scale (SCAZUFCA, 2002) and of the
Maslach’s Burnout Inventory - Human Services Survey (MASLACH & LEITER,
1997), in a Brazilian validated version (CARLOTTO & CÂMARA, 2007). The
analysis of those data was made based on the Attachment Theory by John
Bowlby, and it shows that there is a great positive impact (such as daily routine,
health, social common family living, job, finance), as well as a subjective impact
(mental stress) acting upon the life of the caregiver. Besides, the burnout
syndrome might be considered as a helpful diagnosis for the set of symptoms
reported by the main caregiver of the renal chronic patient. Further studies are
necessary in order to increase the knowledge concerning the burnout syndrome
on the caregivers of renal chronic patients, for each disease demands proper,
individual responses concerning the care-giving.
Key Words : caregiver; burnout; anticipatory grief; renal chronic disease.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABTO Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos
CFM Conselho Federal de Medicina
CNCDOs Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos
CNDSS Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde
DCNT Doença Crônica Não Transmissível
DP Despersonalização
DPA Diálise Peritoneal Ambulatorial
DPAC Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua
DRC Doença Renal Crônica
DSC Discurso do Sujeito Coletivo
DT Doença Transmissível
EE Esgotamento Emocional
FA Família Atual
FE Família Extensa
FN Família Nuclear
FO Família de Origem
FS Família Substituta
HD Hemodiálise
HIV Human Immunodeficiency Virus
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IRC Insuficiência Renal Crônica
MS Ministério da Saúde
OMS Organização Mundial de Saúde
OPAS Organização Pan-Americana da Saúde
POF Pesquisa de Orçamentos Familiares
RP Realização Profissional
SBN Sociedade Brasileira de Nefrologia
SNT Sistema Nacional de Transplantes
SUS Sistema Único de Saúde
WHO World Health Organization
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
I A TEORIA DO APEGO 14
I.1 John Bowlby e as características do comportamento de apego 14
II. CONTEXTUALIZANDO A DOENÇA RENAL CRÔNICA 20
II.1 O conceito de doença 20
II.2 A doença crônica 20
II.3 A doença renal crônica 21
II.3.1 A terapia renal substitutiva 22
II.3.1.1 A diálise peritoneal 24
II.3.1.2 A hemodiálise 25
II.3.1.3 O transplante renal 26
II.4 Dados epidemiológicos 28
II.4.1 Brasil 28
II.4.2 O município de Taboão da Serra 31
III. O CUIDADO, O CUIDADOR E O GRUPO FAMILIAR 35
III.1 O cuidado 35
III.2 O cuidador 36
III.3 O grupo familiar 39
III.3.1 A família e o ciclo vital 41
III.3.2 A família e a doença crônica 43
IV. O LUTO NA EXPERIÊNCIA DA DOENÇA CRÔNICA 46
IV.1 O luto antecipatório 46
V. A SÍNDROME DE BURNOUT 50
V.1 Definição 50
V.2 As três dimensões da síndrome 52
VI. OBJETIVO E MÉTODO 56
VI.1 Objetivo 56
VI.2 Método 56
VI.2.1 Tipo do estudo 56
VI.2.2 Perspectiva do estudo 58
VI.2.3 Caracterização da instituição 59
VI.2.4 Participantes 59
VI.2.5 Procedimento para coleta dos dados 61
VI.2.6 Aspectos éticos 63
VI.2.7 Instrumentos 64
VI.2.8 Procedimentos para análise dos dados 64
VII. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 66
VIII. DISCUSSÃO 123
CONSIDERAÇÕES FINAIS 142
REFERÊNCIAS 148
ANEXOS 157
11
INTRODUÇÃO
A origem do cuidado confunde-se com a origem da humanidade e, desde
os primórdios da civilização, cuidar é sinônimo de manutenção da vida.
O interesse pelo tema do cuidado surgiu durante um trabalho de
intervenção lúdica realizado em uma clínica de hemodiálise no município de
Taboão da Serra, em São Paulo, cujo objetivo era favorecer o relaxamento e o
relacionamento interpessoal entre os pacientes considerados muito agressivos
pela equipe médica.
Uma vez por semana, durante o horário da hemodiálise, eram promovidos
jogos e brincadeiras com um grupo de pacientes renais crônicos. Após cinco
meses da realização desse trabalho, foi verificado, por meio da observação direta
e de relatos da equipe de enfermeiros e médicos, que os pacientes apresentavam
uma significativa melhora no humor e aderência ao tratamento, fato este que
contrastava com os pacientes que não participaram da intervenção, pois faziam
hemodiálise em outros dias e horários.
Durante esse período, foi observado que os acompanhantes desses
pacientes não tiveram qualquer tipo de atendimento, ou seja, ficavam literalmente
“à própria sorte”, sem apoio psicológico ou esclarecimento sobre os âmbitos
afetados de sua nova vida, sem espaço adequado para o diálogo e a livre
expressão de seus afetos, e sem promoção do intercâmbio entre cuidadores com
vivências similares para a troca de experiências.
Enquanto aguardavam que os pacientes em fila realizassem a pesagem
(obrigatória antes e após a hemodiálise), os cuidadores conversavam entre si. O
tema das conversas sempre girava em torno das dificuldades que enfrentavam,
com ênfase na rotina obrigatória de comparecer à clínica, 3 vezes por semana.
Assim que os pacientes iniciavam a hemodiálise, os cuidadores deixavam o local
e retornavam, quatro horas depois, para acompanharem os pacientes de volta ao
lar.
Essas observações motivaram o estudo ora apresentado, e o levantamento
bibliográfico sobre o tema aponta para uma ampla produtividade, tanto no Brasil
12
como no exterior, de trabalhos relacionados ao cuidador, bem como abrange
tanto o profissional da saúde — que tem como foco o cuidado ao paciente —,
quanto os cuidadores — que exercem as funções do cuidado, sem que para isso
recebam algum tipo de remuneração. Nesse caso, a existência dessas duas
categorias de cuidadores coloca-nos frente à primeira questão importante, a
saber, a reflexão sobre as diferenças objetivas (rotina do lar, relações familiares,
relações sociais, lazer, finanças) e subjetivas (estresse físico e mental) existentes
entre os sujeitos que vivenciam a experiência do cuidar. Como não foi encontrado
trabalho específico sobre o cuidador do paciente renal crônico em hemodiálise,
associando os sintomas da sobrecarga do trabalho principal com a síndrome de
burnout, esta pesquisa busca verificar as diferentes fases envolvidas no processo
de se tornar cuidador, por meio de um estudo de natureza qualitativa, utilizando
como referencial teórico os pressupostos de John Bowlby sobre a Teoria do
Apego, apresentada no primeiro capítulo.
O segundo capítulo busca conduzir o leitor através do mundo da doença
crônica, nos diferentes conceitos e classificações, e concentra a atenção sobre a
doença renal crônica a partir de sua origem, de seus sintomas, de suas
consequências e dos tratamentos possíveis, assim como o contexto
epidemiológico brasileiro e regional em que a pesquisa foi realizada.
O terceiro capítulo especifica as dimensões do cuidado e a influência desse
papel no cuidador, dentro de uma visão biopsicossocial, incluindo as
repercussões no grupo familiar. O quarto capítulo aborda aspectos relacionados
ao luto, também conhecido como “luto antecipatório”, cuja ocorrência se deve à
possibilidade da morte iminente originada pela doença crônica, afetando o
enfermo, o cuidador e seus familiares.
O quinto capítulo apresenta a história e as características da síndrome de
burnout e, a partir da avaliação dos sintomas das suas três dimensões, procura
subsídios para analisar e discutir os resultados associando os sintomas da
sobrecarga do trabalho principal com a síndrome. O sexto capítulo apresenta o
objetivo e a metodologia utilizados nesta pesquisa.
No sétimo capítulo são apresentados os resultados a partir do Discurso do
Sujeito Coletivo numa avaliação transversal entre os três grupos de cuidadores
13
selecionados, identificando as principais repercussões no cuidador dentro do seu
contexto familiar e social.
O oitavo capítulo oferece a discussão dos resultados, à luz do
embasamento teórico dos capítulos anteriores, e busca a compreensão dos
temas levantados dentro do discurso coletivo. Por fim, as Considerações Finais
objetivam realçar os pontos impactantes na atividade do cuidado, assim como dos
indicativos de burnout no cuidador do paciente renal crônico, bem como
apresenta reflexões sobre as possibilidades públicas e privadas, de apoio ao
cuidador.
14
CAPÍTULO I – A TEORIA DO APEGO
I.1 John Bowlby e as características do comportamen to de apego
Na década de 1950, John Bowlby, psicanalista e estudioso do
comportamento humano, procurava respostas para uma pergunta recorrente, que
fazia a outros colegas de profissão, sobre o caminho que deveria seguir a
psicanálise para estar submetida a uma rigorosa disciplina científica sem
prejudicar suas valiosas contribuições. Naquela ocasião, Bowlby se deparou com
a obra dos etologistas — biólogos que estudavam o comportamento dos animais
em seu habitat natural, usando conceitos como os de instinto, conflito e
mecanismo de defesa semelhante aos utilizados para o comportamento humano,
além de terem conseguido criar uma técnica experimental para submeter suas
hipóteses a provas.
Os etologistas centralizaram seus estudos no desenvolvimento do
comportamento social e nas relações familiares em espécies inferiores. Bowlby
concluiu que tal abordagem oferecia um conjunto de conceitos e dados relevantes
para a compreensão do comportamento humano, embora o fizesse com respaldo
científico (BOWLBY, 2006).
Em 1958, ele propôs que, assim como em outras espécies animais, os
bebês humanos seriam programados para emitir certos comportamentos que
necessitariam de atenção e de cuidados e que manteriam a proximidade do
cuidador. Seu estudo demonstra que o repertório comportamental do
comportamento de apego inclui chorar, fazer contato visual, agarrar-se,
aconchegar-se e sorrir. Bowlby (2006, p.172), enfatiza sete características do
comportamento de apego:
a) Especificidade – o comportamento de apego é dirigido para um ou alguns
indivíduos específicos, geralmente em ordem clara de preferência.
b) Duração – o apego persiste, geralmente, por grande parte do ciclo vital.
c) Envolvimento emocional – muitas das emoções mais intensas surgem durante
a formação, a manutenção, o rompimento e a renovação das relações de apego.
15
d) Ontogenia – o comportamento de apego desenvolve-se durante os primeiros
nove meses de idade de vida dos bebês humanos e mantém-se ativado até o final
do terceiro ano de vida; no desenvolvimento saudável, torna-se, daí por diante,
cada vez menos ativado.
e) Aprendizagem – recompensas e punições desempenham apenas um papel
secundário. A ligação pode desenvolver-se, apesar de repetidas punições por
uma figura de apego.
f) Organização – o comportamento de apego pode ser ativado pelo
estranhamento, pela fome, pelo cansaço e por qualquer coisa assustadora. As
condições terminais incluem a visão ou o som da figura materna, bem como a
interação com ela. Quando o comportamento de apego é fortemente despertado,
o término poderá requerer o contato físico ou o agarramento à figura materna e
(ou) ser acariciado por ela. Inversamente, quando a figura materna está presente,
a criança deixa de manifestar o comportamento de apego e passa a explorar o
meio ambiente.
g) Função biológica – o comportamento de apego possui valor de sobrevivência.
Assim, a função do comportamento de apego é a da proteção.
É necessário ressaltar que o comportamento de apego difere do
comportamento de dependência nas suas características essenciais, pois este
último não está relacionado a uma pessoa específica e tampouco a uma emoção
forte (sendo que, neste caso, nenhuma função biológica está ativada).
Na teoria do apego, a figura materna desempenha papel vital no
desenvolvimento saudável da criança enquanto fornecedora da base segura para
que a criança possa explorar o meio ambiente ou regressar ao colo materno
quando se sentir ameaçada ou assustada. Tal comportamento será ativado ou
desativado durante toda a vida adulta, dependendo de quem esteja atuando como
figura de apego, traduzida na figura do cônjuge, dos pais e até dos filhos. Nesse
contexto, as experiências de uma criança com seus pais determinarão sua
capacidade ou incapacidade para estabelecer vínculos afetivos durante toda a
vida, pois terá “construído um modelo representacional de si mesma como sendo
capaz de se ajudar e merecedora de ser ajudada se surgirem dificuldades”
(BOWLBY, 2006, p.179).
16
O “modelo representacional de si mesmo” é o conjunto de experiências que
a criança teve em seus primeiros anos de vida e cuja função é regular, interpretar
e prever o comportamento, os pensamentos e os sentimentos relativos ao apego
tanto de si como da figura de apego. Experiências angustiantes de separação da
mãe, ocorridas entre 3 e 5 anos na vida de uma criança, expõem-na à
possibilidade de ocorrer danos psíquicos com efeitos secundários imediatos de
reação hostil à mãe ao reunir-se novamente a ela; excessiva solicitação da mãe
ou mãe substituta com intensa possessividade, ciúme extremo e violentos
acessos de raiva; ligação calorosa, mas superficial com qualquer adulto e
retraimento apático a qualquer envolvimento emocional. Assim, como qualquer
adulto, as crianças que perderam uma pessoa amada também sentem pesar e
passam por períodos de luto (BOWLBY, 2006, 2006a).
Esse conjunto de experiências transforma-se, com o tempo, em modelos
internalizados que podem ser classificados em quatro categorias de diferenças
individuais no apego adulto (BARTHOLOMEW e HOROVITZ, 1984):
a) Estilo seguro: pessoa com um modelo positivo de si e dos outros, valoroso e
digno de amor. Considera os outros como responsivos e atenciosos; procura
proximidade, sente-se confortável nos relacionamentos que são de longa
duração, havendo compromisso. Quando fica com raiva, tem maior
probabilidade de procurar soluções construtivas, ao invés de punição ou
revanche; em épocas de necessidade, procura apoio. Padrão de
comportamento: confortável com a intimidade e a autonomia.
•••• Tipo de vínculo: seguro.
•••• Reação ao luto: expressa sentimentos e emoções como o medo do abandono
e a raiva; expressa saudade, assim como suas decepções, remorsos e
recriminações pela figura perdida; após o período de pesar, encara a realidade
e se reorganiza.
b) Estilo evitador: pessoa que tende a um autoconceito muito positivo de si (não
realista) e acredita ser valoroso e independente. Não gosta de contato físico ou
de carícias dentro do relacionamento amoroso; tende a ver os relacionamentos
de modo negativo e evita interações pessoais; nega a importância dos
relacionamentos, a existência de conflitos estressantes e a necessidade de
17
ajuda. Necessita classificar-se como perfeito, numa idealização defensiva por
medo de que alguma imperfeição seja encontrada.
•••• Padrão de comportamento: autoconfiança compulsiva; contrário à
dependência; rejeita a intimidade.
•••• Tipo de vínculo: solicitude compulsiva – envolve-se em relações, sempre no
papel de dispensador de cuidados, nunca de os receber.
•••• Reação ao luto: tende a protelá-lo por meses ou anos. Porém, irritabilidade e
tensão geralmente estão presentes e podem ocorrer depressões episódicas,
tanto tempo depois, que se perde de vista a conexão causal com a morte ou a
separação.
c) Estilo temeroso: pessoa com um conceito negativo, tanto de si como dos
outros. Minimiza o contato íntimo a fim de evitar a rejeição e, muito hostil, não
percebe quando está ficando nervoso. Ciumento, tende a usar o álcool para
reduzir a ansiedade em situações sociais. Considera os outros
insuficientemente responsivos e a ativação do sistema de apego não leva ao
conforto e à satisfação.
•••• Padrão de comportamento: evita o contato social; teme a intimidade.
•••• Tipo de vínculo: evitação.
•••• Reação ao luto: tende a se caracterizar por uma raiva extraordinariamente
intensa e (ou) autorrecriminação acompanhada de depressão, que tende a
persistir por muito mais tempo do que o normal.
d) Estilo preocupado: pessoa com uma visão negativa de si; porém, julga os
outros amáveis e receptivos; busca proximidade emocional e a julga, sempre,
insuficiente; sente necessidade de fusão com o parceiro: espera que o outro
preencha todas as suas necessidades; torna-se completamente dependente do
outro e se sente ameaçado pelas tentativas naturais de autonomia do parceiro;
demonstra emoções exacerbadas e solidão acentuada. Sente-se
particularmente afetado pelo fim de um relacionamento. A instabilidade pela
proximidade pode ser considerada uma hiperativação do sistema de apego.
•••• Padrão de comportamento: preocupado com os relacionamentos.
•••• Tipo de vínculo: dependente.
18
•••• Reação ao luto: tende a se caracterizar por um luto crônico, de longa duração,
marcado por traços de desesperança.
Em seus estudos, Bowlby (2006a) chama a atenção para o fato de que a
saúde psíquica de um indivíduo está diretamente relacionada com a qualidade do
vínculo existente entre a criança e sua mãe, considerando a necessidade de que
seja um relacionamento contínuo e prazeroso. Ele coloca que “os cuidados
maternos com uma criança não se prestam a um rodízio; trata-se de uma relação
humana viva, que altera tanto a personalidade da mãe quanto a do filho” (p.69), e
enfatiza que as crianças desenvolvem-se melhor em lares (inclusive maus lares,
com as devidas excessões) do que em boas instituições. Na vida adulta, a
capacidade de adaptação social está diretamente relacionada à qualidade do
vínculo estabelecido com a mãe (ou cuidador permanente). Uma vez que uma
das principais funções sociais do ser humano é a de ser pai ou mãe, a adaptação
ao papel de pais também é afetada pelo resultado dessa vinculação. Além disso,
a capacidade para se adaptar satisfatoriamente às separações e perdas na vida
adulta está diretamente relacionada à qualidade da vinculação primária
estabelecida nos primeiros anos de vida, pois disponibilizará recursos internos
necessários ao sujeito para elaborar o luto (BOWLBY, 2006).
Os modelos internalizados ou modelos mentais promovem uma regulação
emocional na criança por meio da relação estabelecida entre ela e seu cuidador,
da mesma maneira que, no decorrer da vida adulta, essa regulação acontece no
contato interpessoal. Nesse contexto, estudos buscam explorar a maneira como
essa regulação emocional também é alcançada por meio da representação de
Deus, pois a experiência religiosa pressupõe a existência de uma relação (ou
relacionamento) com a imagem internalizada de Deus. No conceito dos modelos
operativos internos, as pessoas que não conseguiram estabelecer uma relação de
apego seguro com seus pais procuram figuras de apego substitutas (professores,
irmãos mais velhos etc.), e que, por esse motivo, tornam-se candidatas para a
adoção de Deus como figura substitutiva em potencial. Assim, as crenças
religiosas ou outras divindades podem ser consideradas manifestações adultas do
sistema de apego (WEIGAND, 2004).
Em princípio, o cuidador deve servir de base segura ao paciente crônico,
no enfrentamento das perdas significativas ocorridas em decorrência da doença,
19
uma vez que “não só a criança, mas, também o adulto, necessita da assistência
de uma outra pessoa de sua inteira confiança se quiser recuperar-se da perda
sofrida, (...) a qual ela possa ligar-se gradualmente para aceitar a perda como
sendo irremediável e a reorganizar sua vida interior de acordo com isso”
(BOWLBY, 2006, p. 126). Além disso, entende-se que “para cuidar do outro é
preciso aprender a cuidar de si mesmo” (KESTENBERG e cols, 2006, p.194).
20
CAPÍTULO II - CONTEXTUALIZANDO A DOENÇA RENAL CRÔNI CA
II.1 O conceito de doença
A enfermidade nos fragiliza diante da iminência da morte (PIRES,
2005, p.732).
O prolongamento da vida sempre foi a intenção primeira do homem, desde
que as questões sobre vida e morte passaram a inquietá-lo. Assim, investigar as
doenças passou a ser necessidade essencial.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) define a saúde humana como
“(...) um estado de completo bem-estar físico, mental, social e não apenas a
ausência da doença ou enfermidade”1; porém, na definição do conceito de
doença, a comunidade científica encontra duas abordagens diferentes: a que
privilegia a visão exclusiva da ciência médica (biomedicina) e a que inclui a
percepção da pessoa que passa pela experiência de estar doente. Nesse
contexto, estudos buscam colocar a doença como um processo, no qual estão
presentes uma combinação de aspectos biológicos, socioculturais e de
experiências vivenciadas com significados próprios para o doente e que precisam
ser, além de reconhecidos, incorporados pelos profissionais da saúde (GOMES &
cols, 2002).
II.2 A doença crônica
Qualificar uma doença como “crônica” requer a presença permanente de
atributos com reconhecidos efeitos na pessoa, na família e na comunidade. A
cronicidade é caracterizada, de forma geral, por um longo período de duração; é
incurável; pode apresentar lesões irreversíveis e complicações com graus
variáveis de incapacidade ou óbito; requer maior esforço paliativo; deixa o
1 Health is a state of complete physical, mental, and social well-being and not merely the absence of disease or infirmity.
21
paciente vulnerável ao aparecimento de múltiplas doenças; possui um caráter
recorrente; há necessidade de contínua monitoração e dependência de
medicamentos; exige grande estrutura de suporte de serviços e alto custo de
manutenção. Além disso, a condição crônica impõe perdas, disfunções e
constantes alterações no quotidiano, pois implica mudanças na imagem corporal,
na expectativa de vida e na visão de mundo, bem como obriga a adequações
psicológicas e sociais, posto que modifica a relação entre as pessoas e o
ambiente.
O aparecimento de uma doença e sua evolução para a cronicidade
depende de elementos antecedentes. Estudos apontam para os seguintes fatores
de risco: estilo de vida não saudável (tabagismo, alcoolismo, sedentarismo,
obesidade), alto nível de estresse, herança genética, causas congênitas, idade
avançada, acidentes, não aderência ao tratamento quando a doença ainda se
encontra na fase inicial, doença crônica gerada por agravamento de outra doença
sistêmica (ROLLAND, 1995; FREITAS & cols, 2007).
II.3 A doença renal crônica
A Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (CID-10), define a
doença renal crônica ou insuficiência renal como perda das funções dos rins, e é
considerada aguda quando essa perda ocorre durante um curto período de
tempo, e cuja recuperação se dá somente após algumas semanas. Nesse caso, o
paciente é mantido em diálise até que os rins voltem ao funcionamento normal.
Recentemente, ela foi definida pela Iniciativa de Qualidade em Desfechos
de Doenças Renais da Fundação Nacional do Rim dos Estados Unidos (NKF –
K/DOQI) como “a presença de lesão renal ou de nível reduzido de função renal
durante três meses ou mais, independentemente do diagnóstico” (p.11).
No caso da IRC (Insuficiência Renal Crônica), a perda da função renal é
lenta, progressiva e irreversível. Por ser um processo lento, provoca adaptações
no organismo, que mantém o paciente sem sinais da doença. Esta só é percebida
quando já houve perda de 50% do funcionamento dos rins (SBN, 2008).
22
Várias são as causas que provocam a falência dos rins e, dentre elas,
estão as glomerulonefrites primárias, caracterizadas por inflamação crônica dos
rins; a doença renal policística, caracterizada pelo crescimento de grandes e
numerosos cistos nos rins; a pielonefrite, composta por repetidas infecções
urinárias devido à presença de alterações no trato urinário (cálculo renal,
obstruções); a doença vascular renal; as nefropatias hereditárias; as neoplasias
renais; as doenças sistêmicas, tais como a hipertensão arterial e o diabetes
mellitus, ambas consideradas “doenças silenciosas”; o Lupus e outras doenças
que afetam o sistema imunológico (LUGON & cols, 2003).
Dentre os sintomas iniciais característicos dessa doença, estão anemia
leve acompanhada de palidez anormal, pressão alta, dor lombar, edema de olhos
e pés, mudança nos hábitos urinários (levantar diversas vezes à noite para urinar)
e do aspecto da urina (urina muito clara, sangue na urina), fraqueza e desânimo
constante, além de náuseas e vômitos frequentes pela manhã. Antes que a
função renal tenha apenas 10-12% de seu funcionamento preservado, há
possibilidade de tratamento com dieta e medicamentos. Abaixo desse percentual,
o tratamento será realizado por meio de transplante ou diálise permanente (SBN,
2008).
II.3.1 A terapia renal substitutiva
A decisão para iniciar a terapia substitutiva renal, além de considerar a
urgência, também leva em conta três critérios básicos: o nível de deteriorização
da função renal, o estado nutricional e o surgimento de sinais ou sintomas
urêmicos (desorientação, redução do nível de consciência, soluços persistentes,
anorexia, náuseas e vômitos). Essas diretrizes são apresentadas no Kidney
Disease: Improving Global Outcome (KDIGO).
O significativo aumento do número de pacientes com doenças renais no
Brasil fez com que, em 15 de junho de 2004, o Ministério da Saúde publicasse a
Política Nacional de Atenção ao Paciente Portador de Doença Renal, por meio da
Portaria GM/MS nº 1.168. Dentre seus vários objetivos, tal política busca a
organização de uma linha de cuidados integrais que incluem a promoção, a
23
prevenção, o tratamento e a recuperação do paciente, assim como garantir o
acesso às diferentes modalidades de Terapia Renal Substitutiva (diálise
peritoneal, hemodiálise e transplante), além de criar um Centro de Referência
especializado em hipertensão e diabetes, porquanto os custos dos procedimentos
de diálise são cada vez mais elevados.
Figura 1 – Demonstra os 6 estágios evolutivos da doença renal crônica e as respectivas estratégias
terapêuticas2.
•••• Estágio Normal: há fatores de risco que devem ser investigados como fatores
preventivos.
•••• Estágio Risco Elevado: há fatores desencadeantes e a avaliação médica
precisa ser feita considerando-se a possibilidade de doença renal crônica.
•••• Estágio Lesão: há fatores de evolução com necessidade de tratamento das
condições mórbidas para retardar a progressão da doença.
•••• Estágio Complicações: há fatores de evolução com necessidade de estimar a
progressão da doença, tratamento das complicações e preparação do paciente
para a terapia renal substitutiva.
•••• Estágio Insuficiência Renal: há fatores terminais com necessidade de
substituição da função renal por diálise ou transplante.
•••• Estágio Morte.
2 Fonte: National Kidney Foundation. K/DOQI Clinical Practice Guidelines for Chronic Kidney
Disease: Executive Summary (p.11).
Complicações
Risco Elevad o
Lesão Compli -cações
IRC Normal Morte
24
O procedimento dialítico objetiva a remoção de toxinas, sal e excesso de
água, mantendo nivelados certos componentes químicos do corpo, tais como o
potássio, o sódio e o bicarbonato, além do controle da pressão sanguínea, seja
por meio da hemodiálise, seja através da diálise peritoneal (SBN, 2008).
II.3.1.1 A diálise peritoneal
A diálise peritoneal é um tipo de diálise constituída de três componentes:
fluxo sanguíneo, membrana peritoneal e solução de diálise, na qual a filtração do
sangue acontece pelo uso da membrana peritoneal, por meio de um cateter
implantado no abdômen, de modo a proporcionar acesso à cavidade peritoneal. O
processo de diálise acontece em 3 fases: infusão (ou entrada), permanência e
drenagem. Durante o tratamento, a área abdominal será lentamente preenchida
com o líquido dialisador por meio do catéter. O sangue circula nas artérias e veias
e os fluídos extras e toxinas são retirados do sangue e retidos no dialisador. Há
dois tipos de diálise peritoneal:
•••• DPAC (Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua): é um tipo de diálise realizada
sem máquina, numa frequência de 4 a 5 vezes por dia em casa ou no trabalho,
colocando-se o líquido dialisador na cavidade peritoneal por meio do catéter. O
dialisador circula por 4 ou 5 horas, efetuando a drenagem do sangue para
dentro da bolsa. Esse procedimento é denominado “intercâmbio”. A cada
diálise, uma nova bolsa precisará ser acoplada ao catéter. Enquanto dialisa, o
paciente pode realizar suas atividades normalmente.
•••• DPA (Diálise Peritoneal Automatizada): normalmente é realizada em casa,
usando uma máquina especial chamada cicladora. É similar ao DPAC, exceto
pelo número de intercâmbios. Cada ciclo utiliza uma hora e meia e a diálise é
realizada com trocas noturnas.
A diálise peritoneal costuma ser a primeira opção para o tratamento da
doença renal crônica, pois possibilita melhor controle bioquímico, da uremia, da
anemia, da hipertensão arterial e da preservação da função renal residual, e
porque demanda menor necessidade de transfusões sanguíneas, sem o risco de
ocorrência da “síndrome do desequilíbrio da diálise” à qual os pacientes em
25
hemodiálise ficam expostos. Além disso, esse é um processo considerado mais
seguro, com menor índice de infecção e menor demanda de uso, e proporciona
maior flexibilidade relacionada à qualidade de vida do paciente. No entanto, ele é
contraindicado quando há ocorrência de peritonite, lesão do peritôneo causada
por fibrose ou doença maligna (ABRAHÃO, 2006).
II.3.1.2 A hemodiálise
A hemodiálise é uma técnica de filtragem sanguínea que substitui a função
renal na insuficiência renal crônica terminal, e busca a reversão dos sintomas da
uremia, a redução das complicações a longo prazo, a diminuição do risco de
mortalidade, a melhoria da qualidade de vida e a reintegração social do paciente,
além da elevação da expectativa de vida para um patamar que se aproxime da
esperada para a população geral.
A máquina de hemodiálise é composta por uma bomba que realiza a
circulação sanguínea extracorpórea e de um sistema paralelo que permite o fluxo
da solução de troca, que banha as membranas do dialisador. Ela também controla
a retirada de líquido do organismo, mantém o sangue aquecido durante a
circulação extracorpórea e, por meio de sensores de segurança, monitora falhas
técnicas que eventualmente ocorram durante todo o procedimento.
Para que o paciente esteja em condições de ser dialisado, é necessário
prover o seu corpo de um acesso vascular adequado, permitindo que a circulação
extracorpórea do sangue aconteça de maneira satisfatória com baixo índice de
complicações. Por meio de um procedimento cirúrgico, a fístula arteriovenosa é
confeccionada no braço não dominante, sendo necessário um intervalo de tempo
entre a confecção e sua utilização, de forma a permitir o desenvolvimento do
chamado leito venoso. Há situações em que não há tempo para esperar a
maturação do acesso venoso devido à urgência do paciente em dialisar. Nesses
casos, catéteres podem ser implantados nas veias subclávias, femurais ou
jugulares internas. No caso das jugulares, o acesso é mais frequente.
Complicações podem ocorrer a partir da confecção da fístula, em que o
mau funcionamento é identificado antes mesmo de ser utilizada levando à
26
redução parcial ou total do seu fluxo. Denominada “falência primária”, ela ocorre
com frequência em pacientes idosos e diabéticos. Outras complicações do acesso
vascular incluem o aneurisma da fístula, pseudoaneurisma e infecção. Por ser um
procedimento onde há necessariamente o contato do sangue com as paredes do
circuito extracorpóreo (tubos da máquina), pode ocorrer a formação de coágulos
dentro do referido circuito em questão de minutos. A utilização de um
anticoagulante precisa ser prescrita para todos os pacientes (respeitando as
devidas exceções clínicas), e o mais utilizado na hemodiálise crônica é a heparina
não fracionada.
Durante as sessões de hemodiálise, podem ocorrer diversas
intercorrências clínicas devido à individualidade de resposta do paciente ao
tratamento, também conhecidas como “síndrome do desequilíbrio da diálise”, que
ocorre durante a sessão ou após seu encerramento. Os sintomas incluem mal-
estar, febre, rubor, calafrios, prurido (coceira), cefaleias, náuseas, vômitos, dor
lombar ou torácica, tosse, sibilos, dispneia, cãibras e, nos casos mais graves,
elevação ou redução da pressão arterial, convulsões, parada cardiorespiratória,
AVC (acidente vascular cerebral), hematomas intracranianos, hemorragia,
trombose, desordens osmolares, arritmia, epilepsia e coma. Na grande maioria
dos casos, os sintomas ocorrem no início da sessão de diálise (LUGON & cols,
2003; BIANCHI & cols, 2009).
II.3.1.3 O transplante renal
O transplante renal é uma opção terapêutica importante para o paciente
com insuficiência renal crônica. Trata-se de um procedimento médico-cirúrgico
para substituição dos rins doentes por rins saudáveis, coletados a partir de doador
vivo ou falecido.
Pacientes em diálise ou pré-diálise podem ser beneficiados com o
transplante, que é preferencialmente indicado para
pacientes diabéticos que estão em pré-diálise (para reduzir a incidência de complicações vasculares, cardíacas, oculares e
27
neurológicas próprias do diabetes) e em crianças com idade inferior a 10 anos (para evitar prejuízo no crescimento, osteodistrofia renal e, principalmente, pelas dificuldades dialíticas) (SBN/Diretrizes).
Para a realização do transplante é necessário que o paciente esteja fora da
lista de critérios que invalidam total, relativa ou temporariamente esta
possibilidade:
•••• Contraindicação absoluta para portadores de HIV, neoplasias malignas, doença
pulmonar crônica avançada, doença cardíaca grave, insuficiência vascular
periférica, lesões graves em artérias ilíacas e cirrose hepática.
•••• Contraindicação relativa para portadores de oxalose primária, cateterismo e/ou
mapeamento cardíacos alterados (para pacientes maiores de 60 anos ou com
diabetes mellitus), doença neuropsiquiátrica, anomalias urológicas, obesidade
mórbida, crianças com peso inferior a 15 kg e ausência de suporte familiar ou
pessoal para aderência ao tratamento pelas condições de vida ou de moradia.
•••• Contraindicação temporária para portadores de infecção, transfusão sanguínea
recente (menos de 15 dias), perda de enxerto (transplante renal anterior) por
causa imunológica, úlcera gastroduodenal, glomerulonefrites ou vasculites.
Atualmente, a idade deixou de ser fator excludente para o transplante
renal, pois já foram realizados em recém-nascidos (incluindo-se prematuros) e em
pacientes renais crônicos com idade superior a 70 anos.
Qualquer pessoa pode candidatar-se para a doação de um rim, desde que
preencha alguns requisitos necessários para este tipo de intervenção: idade
superior a 21 anos (preferencialmente, acima de 30 anos) e inferior a 70 anos.
Precisa apresentar boa saúde física e emocional, nenhum problema renal e existir
compatibilidade sanguínea com o paciente renal crônico. Caso haja mais de um
candidato em boas condições para a doação, a opção recairá sobre o doador
mais velho e, além disso, será preservado no doador o melhor rim.
No caso de doadores falecidos, o sucesso do transplante depende da
qualidade do órgão transplantado. A qualidade do rim está relacionada com
alguns fatores, tais como idade, história médica anterior e cuidados de terapia
intensiva no momento da constatação da morte encefálica. Na legislação
28
brasileira de transplante, os critérios diagnósticos de morte encefálica foram
definidos pelo Conselho Federal de Medicina (Resolução CFM n° 1.480/97),
segundo parâmetros internacionalmente estabelecidos.
A retirada de órgãos de doador falecido deve obedecer à normas do
Decreto Federal n° 2.268, de 30 de junho de 1997, q ue regulamenta a Lei Federal
9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Por meio desse decreto foram criados o
Sistema Nacional de Transplantes (SNT), centralizado no Ministério da Saúde, em
Brasília, e as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos
(CNCDOs), nos estados e em regiões dos estados, para desenvolver o processo
de captação e distribuição de órgãos, tecidos e partes retiradas do corpo humano
com finalidades terapêuticas. Em 23 de março de 2001, a Lei 10.211
regulamentou a realização de transplantes no Brasil.
Como toda cirurgia de grande porte, há riscos de intercorrências pós-
operatórias, assim como há possibilidade de rejeição crônica do órgão
transplantado após 1 ano (SBN, Ministério da Saúde).
II.4 Dados epidemiológicos
II.4.1 Brasil
Atualmente, o perfil epidemiológico do Brasil está representado pelas
doenças do subdesenvolvimento e da modernidade. Tal fato demonstra que o
país ainda não conseguiu implantar políticas públicas de saúde adequadas ao
controle das doenças, tanto as transmissíveis (DT) quanto as crônicas não
transmissíveis (DCNT), embora desenvolvimento tecnológico e científico
possibilite o diagnóstico prematuro e a antecipação de terapêuticas adequadas
(Ministério da Saúde, 2009).
Um dos fatores agravantes para qualquer doença é a necessidade de
medicação de uso contínuo, pois muitos doentes alegam problemas financeiros e
deixam de usá-la por algum tempo. Em 2004, a hipertensão arterial (71,4%) e o
diabetes (42,8%) foram identificadas como as doenças crônicas de maior
frequência. Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Nefrologia apontou, em
29
2008, que o diagnóstico de base mais frequente para o surgimento da doença
renal crônica (DRC) foi a hipertensão arterial (36%) e o diabetes (26%)
(FONSECA & cols, 2004; SESSO e cols, 2009).
O Relatório de Indicadores da Situação de Agravos, elaborado pelo
Ministério da Saúde, em 2009, estima que há 16.925.157 hipertensos e 5.631.388
de diabéticos no país. No programa do Sistema de Cadastramento e
Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos (HiperDia) estão 7.179.214
pacientes cadastrados, e a frequência de doenças renais entre eles foi de 6,26%
ou seja, 479.401 casos. Destes, 322.436 pertencem ao sexo feminino (67%) e
156.965 ao sexo masculino (33%), com predominância da faixa etária
compreendida entre 55 e 64 anos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).
TABELA 1 - Total de pacientes em tratamento dialíti co por ano
Censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia – MAR.2 008
(*Estimado / SBN – Março, 2008)
A análise dos dados (SESSO e cols, 2009) no Relatório do Censo
Brasileiro de Diálise avaliou a pesquisa realizada com 47,8% das unidades de
diálise cadastradas no país e apontou uma estimativa de 87.044 pacientes em
diálise, dos quais mais da metade (57,4%) encontrava-se na região sudeste. No
perído compreendido entre 2006-2008, foram diagnosticados 16.172 novos
pacientes com aumento estimado de 18,58% na taxa de crescimento da doença
0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 70000 80000 90000
100000
N.PACIENTES 42695 45557 48806 54523 59153 65121 70872 73605 87044* 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
30
renal crônica. A taxa de prevalência foi de 468 pacientes por milhão da população
(pmp) e a maior incidência de pacientes que apresentam IRC (Insuficiência Renal
Crônica) encontra-se na faixa etária compreendida entre 40 e 59 anos (43,7%),
seguida dos pacientes com idade igual ou superior a 60 anos (36,3%). A
distribuição percentual de pacientes em diálise por sexo apresenta pouca
diferença, considerando que há 57% de pacientes masculinos contra 43% de
pacientes femininos. A taxa de mortalidade bruta em 2007 foi de 15,2%, e
totalizou 13.338 óbitos estimados. Desses, 59% dos pacientes encontravam-se na
faixa etária acima de 60 anos.
Em 2008, a terapêutica mais utilizada para tratamento do paciente renal
crônico foi a hemodiálise, com 89,4% dos casos seguido da diálise peritoneal,
cujo índice foi de 10,6%. O percentual de centros conveniados ao SUS e que
realizam os tratamentos dialíticos é 93,8%.
A Terapia Renal Substitutiva inclui o transplante renal como possibilidade
de tratamento. No Brasil, 41.614 pacientes aguardam na fila para realizá-lo.
Desses, 35.928 (89,4%) realizam a hemodiálise (HD), procedimento que obriga o
paciente ao comparecimento a uma clínica especializada; 1.885 (4,9%) realizam a
DPA (Diálise Peritoneal Automatizada); 1.982 (5,3%) realizam a CAPD (Diálise
Peritoneal Contínua Ambulatorial) e 96 (0,4%) realizam a DPI (Diálise Peritoneal
Intermitente).
A fila de espera brasileira está distribuída da seguinte maneira: 6.394
residem na região Sul; 23.880 na região Sudeste; 2.420 na região Centro-Oeste;
7.948 na região Nordeste e 972, na região Norte.
Dados da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (2008) informam
que o número de transplantados renais com doador falecido está aumentando a
cada ano, fato que indica uma possibilidade de sobrevida maior aos pacientes em
diálise.
31
TABELA 2 - Distribuição do número de receptores tra nsplantados, com doador cadáver,
Estado de São Paulo, 1997 a 2008
Órgão / Tecido 1997* 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Rim 140 372 449 507 493 431 480 633 509 553 521 703
TX - Duplo 1997* 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Pâncreas / rim 0 0 6 33 53 62 75 83 60 66 69 85
Fígado / rim 0 0 4 6 4 5 3 9 4 8 23 20
Coração / rim 0 0 1 0 1 1 2 0 0 1 1 0 Fonte: Sistema Estadual de Transplantes - Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo * - a partir de julho de 1997, atualização anual.
Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos - ABTO
observou-se em 2008 um crescimento nas taxas de doação (15%) e de
transplante de órgãos no país. Na área renal, foram realizados mais de 3.500
transplantes com doador vivo (2,2%) e acima de 2000 transplantes com doador
falecido (16,1%), o que indica aumento de 9,2% nos transplantes renais.
Em fevereiro de 2009, dados do Ministério da Saúde apontaram um custo
de R$ 1.396.067.808,83 com Terapia Renal Substitutiva, tendo sido realizados
9.815.213 procedimentos assistenciais no Brasil.
II.4.2 O município de Taboão da Serra
Em 8 de junho de 1973, a Lei Complementar do Brasil nº 14 estabeleceu a
criação de regiões metropolitanas para várias cidades brasileiras, cujo objetivo foi
promover o desenvolvimento econômico e social integrado dos municípios, que
passaram a fazer parte do conglomerado de cidades circunvizinhas às capitais
dos estados.
No estado de São Paulo, 39 municípios passaram a fazer parte da região
metropolitana, também conhecida como Grande São Paulo e subdividida em
microrregiões.
32
TABELA 3 – Municípios que integram a região metropo litana de São Paulo
Taboão da Serra é um município com população residente, em 2009, de
227.348 habitantes, cuja taxa de crescimento anual estimada (2006-2009) é de
0,3%. Em 2007, os gastos com Terapia Renal Substitutiva no município foram de
R$ 3.957.033,05 (16,6% em relação ao total Brasil), com atendimento a 27.841
pacientes (Fonte: IBGE).
O Relatório de Indicadores da Situação de Agravos, elaborado pelo Ministério
da Saúde em 2009, revelou que no município de Taboão da Serra, SP, há 15.643
pacientes com hipertensão arterial e diabetes cadastrados no programa HiperDia, nos
quais a ocorrência de doenças renais é de 2,71% ou seja, 435 casos. Desses, 276
pertencem ao sexo feminino (63%) e 159 ao sexo masculino (37%), ambos com
predominância da faixa etária compreendida entre 50 e 64 anos.
Segundo o Censo Demográfico 2000 e a Pesquisa de Orçamentos
Familiares (POF 2000/ 2003), a incidência da pobreza obteve índice de 39,84 na
população pesquisada no município de Taboão da Serra (IBGE/MS).
Microrregião Município
Capital São Paulo
Grande ABC Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra
Alto Tietê Arujá, Biritiba-Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá, Salesópolis, Santa Isabel,
Suzano
Osasco Barueri, Cajamar, Carapicuíba, Itapevi, Jandira, Osasco, Pirapora do Bom Jesus, Santana de Parnaíba
Itapecerica Cotia, Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra, Taboão da Serra , Vargem Grande Paulista
Franco da Rocha Caieiras, Francisco Morato, Franco da Rocha, Mairiporã
33
TABELA 4 - Estimativa das populações residentes em 1º de julho de 2008, segundo os
Municípios (Fonte: IBGE)
Municípios Incidência da pobreza (%) 2000/ 2003
Equipamento de hemodiálise
(2008)
População residente
(2008) Taboão da Serra 39,84 31 224.757 São Lourenço 52,41 2 17.763 Itapecerica 54,62 1 159.102 Embu 49,58 0 245.093 Cotia 45,80 0 182.043 Embu-Guaçu 53,86 0 61.701 Vargem Grande Paulista 53,80 0 43.664 M
icro
rreg
ião:
Ita
pece
rica
Juquitiba 52,16 0 29.090
Osasco 38,75 62 713.066 Carapicuíba 46,74 19 388.532 Itapevi 61,86 1 201.995 Barueri 45,46 0 264.619 Jandira 50,81 0 110.325 Santana de Parnaíba 43,13 0 110.730 Cajamar 56,52 0 62.522
Mic
rorr
egiã
o: O
sasc
o
Pirapora do Bom Jesus 67,84 0 15.410
TOTAL 116 2.830.412
Dado o fato de que a cidade de Taboão da Serra é uma das que
possuem equipamentos e máquinas para o atendimento médico dos pacientes
renais crônicos, foi necessário incorporar aos dados epidemiológicos informações
sobre a possível demanda advinda das cidades circunvizinhas e, por isso, na
Tabela 4, as duas microrregiões foram citadas, levando-se em conta a
proximidade geográfica existente entre elas.
Os municípios componentes das microrregiões Itapecerica e Osasco
apresentaram em 2008 uma população estimada de 2.830.412, com média de
incidência de pobreza, em 2003, de 50%. O levantamento estatístico mostra que
apenas 6 dentre os 16 municípios estão capacitados para o atendimento regular
de pacientes necessitados de hemodiálise. A informação de que há apenas um
aparelho disponível em duas cidades indica a possibilidade de que este seja
utilizado em Hospital Geral para atendimentos emergenciais.
Esse quadro mostra que cidades equipadas para atendimento ao paciente
hemodialítico terão de atender a uma demanda superior à estimada para a
população nativa. Além disso, os pacientes das cidades que não possuem
equipamentos para hemodiálise ficam à mercê da disponibilidade de vagas nas
34
cidades em que o serviço é oferecido, e por isso correm o risco de terem de se
sujeitar a grandes deslocamentos, 3 vezes por semana, para a manutenção da
própria vida.
35
CAPÍTULO III - O CUIDADO, O CUIDADOR E O GRUPO FAMILIAR
III.1 O cuidado
O cuidado existe desde que há vida humana e, como atos de humanidade, é por meio dele que a vida se mantém. Durante milhares de anos, não esteve associado a nenhum ofício ou profissão e sua história se constrói sob duas orientações que coexistem, complementam-se e se geram mutuamente: cuidar para garantir a vida e cuidar para recuar a morte (COELHO & cols, 2005, p.215).
O cuidado está presente em todo o ciclo vital do ser humano desde a
gestação, e permanece no parto, nos cuidados ao recém-nascido, na puberdade,
na vida adulta, no cuidado ao idoso e ao doente, sendo imprescindível tanto como
forma de viver quanto de se relacionar. Mesmo na ausência da enfermidade, o
cuidado permanece, e compreendê-lo para além do modelo biomédico (que
coloca em foco a doença e não o doente) implica considerar que tanto o cuidador
quanto aquele que é cuidado participam de um processo interativo e não podem
ser reduzidos a simples corpos biológicos separados do contexto psicossocial,
econômico e cultural em que estão inseridos (COELHO e cols, 2005;
KESTENBERG e cols, 2006).
Até meados do século XVIII, os cuidados com o doente nasciam das
descobertas empíricas, pois o corpo sofredor não era digno de atenção.
Gradativamente, ocorre a inversão de valores, e a doença passa a ser objeto de
estudos científicos. Surgem, a partir daí, os cuidados médicos e, com eles, os
especialistas ou os cuidadores formais (COELHO e cols, 2005). Na medicina
contemporânea, a assistência à saúde está associada à aplicação de tecnologias
para o bem-estar físico e mental das pessoas. No entanto, reflexões acontecem
para que “o cuidado em saúde considere e participe de projetos humanos (...) em
oposição às intervenções técnicas que podem limitar a arte de assistir apenas à
criação e manipulação de ‘objetos’” (AYRES, 2004, p.84).
A educação profissionalizante em saúde, o domínio e o manejo dessas
tecnologias, bem como o conhecimento especializado diferenciam o cuidador
36
profissional (ou formal) do cuidador não profissional que, leigo, assume as
funções de cuidar diariamente de seu dependente justamente por sua condição
de proximidade com o doente. Este pode vir a ser alguém da família, um amigo ou
um vizinho que presta assistência emocional, física, médica e, às vezes,
financeira, sem ter preparo adequado para tal (MEDEIROS & cols, 1998;
COELHO e cols, 2005).
III.2 O cuidador
Em diferentes pesquisas, foram encontradas denominações variadas para
identificar o cuidador não profissional: cuidador principal; cuidador informal;
cuidador primário; cuidador secundário; cuidador terciário; cuidador familiar;
cuidador leigo, cuidador domiciliar (MEDEIROS e cols, 1998; BOCCHI, 2004;
FLORIANI, 2004; SÁNCHEZ, 2005; MACHADO e cols, 2007; SOUZA e cols,
2007; SCHOSSLER & CROSSETTI, 2008). Neste estudo, optou-se pela utilização
do termo “cuidador principal” para designar a pessoa que tem a principal
responsabilidade no cuidado diário com o paciente renal crônico.
O comportamento de cuidar envolve ações que exigem do cuidador a
capacidade de colocar toda a sua atenção no outro; de manter uma escuta ativa
ao que o outro tem a dizer; na capacidade de transmitir segurança e na empatia,
ou seja, na capacidade de “[se] colocar no lugar do outro” mental e
emocionalmente, favorecendo a qualidade da relação de ajuda. Esta empatia
também pode apresentar-se centrada em si mesma, quando a motivação para a
ajuda está na tentativa de eliminar os próprios sentimentos de ansiedade e mal-
estar por ver o outro necessitado de ajuda (SILVA, 2003; KESTENBERG e cols,
2006).
Quando alguém se dispõe voluntariamente a ajudar alguém, diz-se que
teve um comportamento pró-social. Porém, é difícil definir se a disponibilidade
para a ajuda é ou não definida pelos benefícios que supostamente haverá no ato
de ajudar, sejam eles internos ou externos, conscientes ou inconscientes, ditos ou
não ditos. Esses benefícios podem ser exemplificados pelo aumento da
autoestima, pela prova do próprio valor, pela admiração e pelo elogio dos outros,
37
pela gratidão da vítima e pela resolução de sentimentos de culpa. Entretanto, no
altruísmo, a capacidade empática está mais centrada no outro e a motivação para
a ajuda ocorre sem qualquer interesse de retribuição, mas é difícil identificar os
limites entre o comportamento altruísta e o comportamento interessado. A
incapacidade para agir de maneira empática contribui para o fracasso na relação
de ajuda (SANDRIN, 2006).
Ao assumir o cuidado de uma pessoa com doença crônica, o cuidador
procura oferecer o melhor de suas possibilidades e crenças. A dinâmica envolvida
nesta tarefa coloca-o, porém, em constante tensão. Seu objeto de cuidado é
alguém atingido na integridade física, psíquica e social, que expressa sofrimento e
que corre muitas vezes risco de vida. Toda mobilização que isso provoca ao
próprio doente, aos amigos e aos familiares exige do cuidador investimentos
emocionais e físicos às vezes superiores à possibilidade humana de os alcançar.
O ato de cuidar pode ser um agente estressor, pois perturba ou ameaça a
atividade habitual do cuidador, de modo a produzir uma necessidade de
adaptação nas condições do indivíduo que é obrigado a conviver com a doença e
suas consequências, com emoções, sentimentos e conflitos intensos presentes
no paciente crônico. Além disso, são desafiados na sua autoestima diante da
expectativa de onipotência que não têm. Eles são obrigados a conviver com a
frustração e a impotência; são obrigados à autossuperação, enfrentando
situações desprazerosas na tentativa de obter resultados satisfatórios, e devem,
ainda, enfrentar a realidade da doença e da morte (MARTINS & cols, 2000).
A possibilidade de distúrbios somáticos e psíquicos no cuidador é elevada
e pode revelar-se por cansaço, ansiedade, irritabilidade, indiferença, pessimismo,
pensamentos obsessivos, perda de autoestima, consumo de álcool e
psicofármacos, insônia, depressão e até suicídio. Apresentam, muitas vezes,
quadro de estafa, atitudes defensivas, incapacidade de se concentrar nas tarefas
cotidianas, e de se relacionar adequadamente com seus pares e com o próprio
doente crônico. A perda da liberdade, a solidão e o cansaço são os itens mais
apontados como negativos dos cuidados. Os itens positivos identificados foram de
ganho narcísico, aprendizado e encontro de um sentido para a vida (LAHAM,
2003; CAMPOS, 2006).
38
Estudos relatam os impactos desta atividade estressora que, normalmente,
é de longa duração, e os custos que ocorrem no nível físico, psíquico, social e
financeiro. Estatísticas mostram que 20% dos cuidadores perderam seus
empregos; 31% das famílias tiveram perdas em suas reservas financeiras e 29%
das famílias perderam a principal fonte de renda, das quais as mais atingidas
foram as de baixa renda, que tinham pacientes com menos de 45 anos, e aquelas
cujos pacientes tinham o perfil de dependência acentuada; em 85,7% das famílias
estudadas, ocorreram mudanças na vida familiar após a doença; 42,8% dos
casos, o cuidador principal é a (o) esposa (o) e 28,5% são dependentes de
cuidados (FLORIANI, 2004; FONSECA, MENDONÇA, NOGUEIRA e MARCON,
2004).
Quando há necessidade da internação domiciliar, vários são os fatores que
precisam ser levados em conta e, nesse contexto, o cuidador principal precisará
contar com a supervisão de uma equipe médica específica, pois pode haver a
necessidade da oferta de uma tecnologia adequada, de equipamentos, de
materiais e de medicamentos que exijam acompanhamento equivalente ao
oferecido no ambiente hospitalar. Além disso, é fundamental a avaliação do
contexto domiciliar, em que se considerem os aspectos econômicos, sociais e
afetivos da família; a disponibilidade de recursos materiais e humanos; a rede
social de apoio; as relações estabelecidas entre os membros da família, dentro e
fora do domicílio; o espaço físico; as condições de higiene e de segurança da
casa e a avaliação do(s) cuidador (es) (LACERDA, OLINISKI & GIACOMOZZI,
2004).
Em sua definição de cuidados paliativos, a Organização Mundial da Saúde
(WHO, 2002) estabelece que
(...) é uma abordagem voltada para a qualidade de vida tanto dos pacientes quanto de seus familiares frente a problemas associados a doenças que põem em risco a vida. A atuação busca a prevenção e o alívio do sofrimento, por meio do reconhecimento precoce, de uma avaliação precisa e criteriosa e do tratamento da dor e de outros sintomas, sejam de natureza física, psicossocial ou espiritual3.
3 The aim of palliative care is to provide the best possible quality of life both for people approaching the end of life and for their families and carers. It is a holistic approach to care and support, and
39
Em 2006, na sede da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em
Brasília, foi criada a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde
(CNDSS). Porém, na realidade brasileira, não há estatísticas que identifiquem o
percentual de famílias que contam com esse tipo de apoio durante essa fase, cujo
ônus para a família e para o cuidador é muito grande.
III.3 O grupo familiar
Até meados do século passado, o conceito tradicional da palavra “família”
era definido como a união estável entre homem e mulher, legitimada pelo
casamento. Tratava-se de uma época em que a criação dos filhos ocupava todo o
período da vida adulta (CARTER & MCGOLDRICK, 1995). Hoje, com as novas
formas de associação dentro dos agrupamentos familiares, esse conceito mudou,
e muitos são os autores que buscam defini-la com base em uma grande variação
de arranjos. Nessa pesquisa, adotou-se a definição dada por Ângelo (2003),
segundo a qual
a família é um grupo autoidentificado de dois ou mais indivíduos, cuja associação é caracterizada por termos especiais, que podem ou não estar relacionados a linhas de sangue ou legais, mas que funcionam de modo a se considerarem uma família (p.20).
As mudanças ocorridas nas relações conjugais, assim como entre pais e
filhos através das gerações, mostram que estão conectadas às mudanças
macroeconômicas e políticas; à competição global; ao trabalho feminino; ao
desenvolvimento científico, mediante o surgimento de métodos contraceptivos
eficazes, a inseminação artificial e o congelamento de óvulos para posterior
realização da maternidade; e às mudanças ideológicas na relação conjugal,
implicando o equilíbrio de poder e de divisão das responsabilidades. Além disso,
atualmente, estudos interculturais apontam que a família conjugal não é a única
estrutura possível de cuidado para a próxima geração: organizações e instituições takes into account emotional, psychological and spiritual needs as well as physical needs. Pain control is central to the concept of palliative care.
40
têm se mostrado funcionais no cuidado às crianças, tal como exemplifica a
experiência dos kibutz, além de outras formas alternativas cuja finalidade seja a
de estabelecer esse tipo de vínculo (SOUZA, 2006).
Psicologicamente, a família humana é considerada uma estrutura de
cuidado que, além de alimentar e proteger dos perigos, oferece condições para
que seus membros se desenvolvam como parte de um grupo social. As estruturas
se definem e conservam as diferenças humanas dentro dos diferentes papéis em
que se configuram (casal, pais, filhos, irmãos), mas ao longo do tempo vem
desenvolvendo padrões de interação que influenciam o funcionamento de todos
os seus membros tanto quanto o comportamento individual interfere no conjunto.
A impossibilidade de a espécie humana sobreviver sem cuidados nos primeiros
anos de vida tornou a família o modelo natural para assegurar a sobrevivência
biológica da espécie, pois oferece a matriz para o desenvolvimento psíquico de
seus descendentes e se constitui na célula básica de toda e qualquer cultura
(SOUZA, 2006; MINUCHIN, 2003; OZORIO, 1996).
Em sociedades “menos” desenvolvidas, há comunidades onde as pessoas
vivem em grandes grupos familiares (pais, filhos, irmãos, avós, tios, primos,
bisavós), e onde se configura um sistema de seguro social valoroso, pois, quando
pai ou mãe ficam temporária ou permanentemente impossibilitados de exercer
essa função, alguém do grupo familiar assume essa tarefa. Porém, na cultura
ocidental industrializada, esse grupo familiar amplo deixou de existir. O aumento
das migrações fez com que muitas famílias abandonassem sua terra natal,
promovendo uma ruptura social e, consequentemente, o afrouxamento dos laços
existentes entre a família e a sociedade (vizinhos, amigos), tanto quanto entre os
próprios familiares. Essa sociedade dispersa não oferece condições de apoio
adequado quando as funções parentais não podem ser exercidas, seja por
incapacidade daquele que é arrimo de família, seja por morte ou separação dos
pais, seja por doenças crônicas (BOWLBY, 2006a).
Cerveny (2000) procurou definir e categorizar diferentes tipos de
composições familiares, entendendo esse grupo como um sistema de relações
que são significativas entre si: Família Atual (FA); Família de Origem (FO), que
está ligada aos conceitos de ascendência e descendência, pressupondo laços
consanguíneos (inclui os pais e os pais desses, numa ascendência progressiva);
41
Família Extensa (FE), pressupondo parentesco consanguíneo ou por afinidade de
pessoas ligadas entre si no tempo, no espaço e que se articulam no presente;
Família Nuclear (FN) enquanto unidade coletiva composta de pais e filhos,
desenvolvida a partir de um relacionamento biológico; e Família Substituta (FS),
ou seja, aquela que assume a criação de uma ou mais pessoas com as quais não
tem laços de parentesco.
III.3.1 A família e o ciclo vital
Dentro de um contexto evolutivo, o núcleo familiar é um organismo vivo que
apresenta o seu próprio ciclo vital dinâmico, composto de fases ou momentos
críticos: expansão (formação do casal, geração e criação dos filhos), dispersão ou
cisão (saída dos filhos de casa) e substituição (formação de novos núcleos
familiares), indicando a transitoriedade das funções familiares (OZORIO, 1996).
Para fugirem da descrição tradicional do ciclo de vida familiar (cujo início é
o casamento e término é a morte), Carter e McGoldrick (1995) consideram a
família como “a unidade emocional operativa desde o berço até o túmulo” (p.16) e
buscam descrever um novo ciclo vital da família por meio de 6 estágios (Tabela
5), relacionados aos respectivos processos emocionais de transição entre eles.
A família, enquanto sistema, move-se no tempo e possui propriedades que
a diferencia de todos os outros sistemas. Nos sistemas não familiares, os papéis
e funções são executados dentro de relativa estabilidade, providenciando-se a
substituição de seus membros caso não atendam às expectativas, queiram ir
embora ou aconteça a extinção do sistema. No caso do sistema familiar, a
incorporação de novos membros se dá por meio do nascimento, da adoção ou do
casamento e, a eliminação, apenas pela morte. Isso acontece porque, embora as
famílias possuam papéis e funções, o seu principal valor são os relacionamentos.
Dentro de uma visão de interação entre gerações, esses relacionamentos são
insubstituíveis, pois não há como substituir um pai, uma mãe ou um filho que
morre, posto que nenhuma outra pessoa conseguirá substitui-lo em seus
42
aspectos emocionais. Neste sentido, a família é mais do que a soma de suas
partes (CARTER e MCGOLDRICK, 1995).
TABELA 5 – Ciclo de Vida Familiar (segundo Carter e McGoldrick)
Estágio de Vida de Ciclo Familiar Processo Emociona l de Transição
1 Saindo de casa: jovens solteiros Aceitar a responsabilidade emocional e
financeira pelo eu
2 A união de famílias: o novo casal Comprometimento com um novo sistema
3 Famílias com filhos pequenos Aceitar novos membros no sistema
4 Famílias com adolescentes Aumentar a flexibilidade das fronteiras familiares
para incluir a independência dos filhos e as fragilidades dos avós
5 Lançando os filhos e seguindo em frente Aceitar várias saídas e entradas no sistema
familiar
6 Famílias no estágio tardio da vida Aceitar a mudança dos papéis geracionais
Ao olhar para o ciclo de vida familiar, torna-se necessário incluir o ciclo de
vida individual, que ocorre simultaneamente no decorrer do tempo. Ainda que as
famílias nucleares estejam domiciliadas separadamente, continuam reagindo aos
relacionamentos passados, presentes e futuros como subsistemas emocionais do
sistema maior, geracional. Carter e McGoldrick (1995) explicam que “quando os
membros da família agem como se os relacionamentos familiares fossem
opcionais, eles o fazem em detrimento de seu próprio senso de identidade e da
riqueza de seu contexto emocional e social” (p. 10).
Nas transições do ciclo de vida familiar, existe uma mistura natural de
gerações, em que uma caminha para a idade avançada; outra luta com a
síndrome do ninho vazio; a próxima está às voltas com a construção de carreiras,
o estabelecimento de relacionamentos íntimos adultos e a criação de filhos; e a
quarta geração começa a ser introduzida no sistema. Além desses, no ciclo de
vida familiar também é necessário levar em conta questões relacionadas ao
divórcio, ao novo casamento, à formação da família novamente casada, à classe
social, à variação cultural, à etnia, à religiosidade e aos rituais dessenvolvidos
pelas famílias para facilitar a passagem de seus membros de um status para o
seguinte. A influência de uma geração sobre a outra causa impactos e tem um
poderoso efeito sobre todos os envolvidos tanto num fluxo de eventos estressores
43
verticais (padrões de relacionamento, mitos, segredos e legados familiares
transmitidos por meio das gerações) quanto num fluxo de eventos estressores
horizontais ligados à linha do tempo (transições do ciclo de vida, morte precoce,
doença crônica, acidente) (CARTER e MCGOLDRICK, 1995).
III.3.1 A família e a doença crônica
O início de uma doença pode ser repentino (agudo) ou gradual. Essa
característica indicará o grau em que o evento estressor impactará o indivíduo e a
família. Doenças que ocorrem em crise súbita exigem da família um
reajustamento na estrutura, nos papéis, na solução de problemas e de manejo
afetivo em um espaço de tempo muito curto. As famílias mais bem-equipadas
para lidar com mudanças rápidas são as que toleram estados afetivos altamente
carregados, onde os papéis são claros e flexíveis, resolvem problemas com
eficiência e buscam recursos externos para o enfrentamento. No caso das
doenças de aparecimento gradual, o período de ajustamento é maior, permitindo
o aumento da capacidade na administração da crise (ROLLAND, 1995).
O curso das doenças crônicas pode acontecer de forma progressiva,
constante ou reincidente/ episódica. A doença progressiva é sintomática e
progride com severidade, incapacitando o doente gradualmente e fazendo com
que os períodos de alívio relacionados às demandas da doença sejam cada vez
menores. Há uma tensão crescente nas pessoas que prestam o cuidado, não só
pelo risco da exaustão, mas pelo acréscimo de novas tarefas ao longo do tempo.
A doença de curso constante é aquela na qual em determinado momento o
quadro se estabiliza. Ela é caracterizada por algum déficit claro ou uma limitação
residual funcional. Nesse caso, a família se vê diante de uma mudança
semipermanente, estável e previsível durante longo período de tempo, embora
não haja a tensão de novas demandas de papel. Na doença de curso reincidente
ou episódico há alternância de períodos estáveis, de duração variada, com
ausência de sintomas e períodos de crise. Caracterizada por episódios
intermitentes, ela requer menos cuidados contínuos ou redistribuição de papéis. A
família convive numa rotina “normal”, mas há a ameaça constante da
desestabilização (ROLLAND, 1995).
44
As famílias, assim como os indivíduos, funcionam de modo a manter a
baixa tensão emocional e o equilíbrio estabilizado. Quando a realidade da doença
crônica e da morte se apresentam, a tendência é que cada membro busque,
automaticamente, recursos de enfrentamento que consideram menos
perturbadores para si e para os outros. Uma das reações típicas é o
distanciamento da realidade da doença e da morte, deixando que os especialistas
no assunto (hospitais, médicos, enfermeiros, agentes funerários) assumam o
comando (BROWN, 1995).
Tanto a morte quanto a doença crônica rompem o equilíbrio familiar. Vários
são os fatores que afetam este sistema: 1) o contexto social e étnico da morte; 2)
a história de perdas anteriores; 3) o timing da morte no ciclo de vida; 4) a natureza
da morte ou da doença grave; 5) a posição e a função da pessoa no sistema; e 6)
a abertura do sistema familiar. No caso de uma doença, seja ela crônica ou não,
há uma ruptura no fluxo cotidiano, obrigando o enfermo e seus familiares a uma
nova reorganização das atividades diárias (BROWN, 1995; GOMES & cols, 2002).
Dependendo da fase do ciclo de vida em que o indivíduo esteja, a doença
debilitante e a morte possuem significados diferentes. No caso do idoso, é
considerado aquele que completou todas as fases de sua vida e tem poucas
tarefas e responsabilidades no meio familiar, mas sua morte impacta o ciclo vital
da família, pois a morte de uma geração mais velha aproxima as gerações
seguintes de sua própria morte. Quando a doença grave ou a morte atinge um
dos progenitores que tem filhos adolescentes ou jovens adultos em casa, ela
pode impedir a conclusão das tarefas de transição desses filhos para a
independência, colocando-os como substitutos paternos em relação aos irmãos.
Quando os filhos são ainda pequenos, o impacto recai sobre o parceiro
sobrevivente, a quem é transferida a responsabilidade pela família e pela criação
dos filhos. Os efeitos da morte paterna nos filhos pequenos estão diretamente
relacionados com a capacidade de o progenitor sobrevivente lidar com a
expressão emocional e de compartilhar a tristeza dessa criança. No caso da
morte de um filho, além de ser considerada pelos pais a maior tragédia da vida,
ela também parece completamente fora de lugar no ciclo de vida. É no filho que
os pais projetam suas esperanças e sonhos de vida. Filhos com doença
45
debilitante são fonte de tristeza crônica para a família, além da permanente
incerteza sobre os resultados do cuidado (BROWN, 1995).
O impacto psicossocial na família está diretamente relacionado à extensão
na qual a doença crônica pode provocar a morte e o grau em que ela pode
encurtar a vida. Para o doente, há o medo de que a vida termine antes de ter tido
a oportunidade de completar o seu “plano de vida”. Para a família, a futura
expectativa da perda dificulta a manutenção de uma perspectiva familiar
equilibrada. Neste sentido, ambos tendem à tristeza e à separação antecipatória
que envolvem todas as fases de adaptação (ROLLAND, 1995).
46
CAPÍTULO IV - O LUTO NA EXPERIÊNCIA DA DOENÇA CRÔNI CA
IV.1 O luto antecipatório
A cronicidade de uma doença sempre coloca o indivíduo frente à
possibilidade da morte iminente, seja a sua ou a de alguém de seu sistema
familiar. Essa notícia poderá desencadear alterações em seu cosmo psíquico,
seja na área cognitiva, emocional ou comportamental, pois “a antecipação da
perda pode ser tão perturbadora e dolorosa para as famílias quanto a morte
efetiva de um de seus membros” (ROLLAND, 1998, p. 166).
O sofrimento vivenciado como decorrência dos confusos sentimentos que
emergem são denominados como luto; porém, tal tipo de luto apresenta
características um pouco diferenciadas do luto que ocorre quando a morte,
efetivamente, já aconteceu. Esse “luto de pessoa viva”, também conhecido como
“luto antecipatório”4, foi cunhado por Lindemann (1944), quando começou a
estudar as reações emocionais das esposas de soldados que iam para a guerra.
Ele percebeu que a perspectiva da morte de seus maridos provocava reações de
enlutamento em todas as mulheres e interpretou esse fenômeno como uma forma
de adaptação à possibilidade da perda. Nesse período, elas alternavam períodos
de depressão, raiva, desorganização e reorganização, numa tentativa de
antecipação do desligamento afetivo de seus maridos, “protegendo-se” dos
efeitos dolorosos da morte repentina.
A convivência dos familiares com o paciente crônico é caracterizada pela
ambivalência dos sentimentos, pois, à medida que a doença crônica avança para
a terminalidade, os recursos emocionais e financeiros tendem ao esgotamento e o
medo da perda do ente querido pode mudar para o desejo da morte, causando
enorme culpa e vergonha. Além disso, a esperança de cura ou continuidade da
vida continuará a ser alimentada e a elaboração e resolução desse tipo de luto
implica a manutenção do vínculo afetivo com o ente querido. Há de ser levado em
conta, também, o grau de incapacitação física e psicológica em que o paciente se
4 A commom picture hitherto not apreciated is a syndrome which we have designated anticipatory grief (LINDEMANN, 1944, p.142)
47
encontra, pois com o declínio físico a intimidade fica comprometida, caso a família
venha a se retrair emocionalmente. No caso da perda psicológica, caracterizada
por uma gama de déficits cognitivos, a dor para a família é muito grande,
porquanto a morte psicológica ocorre antes da morte física. Essas são algumas
das características que diferenciam o luto antecipado do luto pós-morte
(ROLLAND, 1998; FONSECA, 2004).
A preparação para a morte próxima do enfermo oferece a possibilidade de
resolver situações incompletas com a pessoa terminal, além de favorecer a lenta
adaptação à realidade da perda, pois ela prepara a família para a ausência
permanente do ente querido, embora possa gerar solidão, insegurança,
desconforto social, incerteza econômica, e alteração do estilo de vida, dentre
outras consequências. Para que essa adaptação aconteça de maneira saudável,
há a necessidade de intervenções que previnam o aparecimento de problemas
após a morte. As situações que precisam ser resolvidas referem-se às questões
administrativas da vida (contas, bens etc.) e às questões subjetivas e pessoais
(dizer adeus, falar sobre seus sentimentos, falar sobre o que ficou por dizer,
perdoar ou pedir perdão etc.). Caso esse luto antecipado seja evitado ou
dificultado por negação ou crença de que o paciente possa sair de seu estágio
terminal, por envolvimento excessivo com o paciente por meio do papel de
cuidador ou de vínculo de cônjuge, o luto pós-morte provavelmente será mais
sofrido e complicado (FONSECA, 2004).
O luto antecipatório é parte do processo de luto como um todo (pré e pós-
morte) e não apenas uma fase preparatória para o impacto da morte, uma vez
que não impedirá a dor da separação. Ele, porém, aumenta a capacidade de
enfrentamento dessa realidade. Questões relacionadas à morte e ao luto, quando
negadas ou limitadas à crença de que são inevitáveis e suportáveis, podem levar
a consequências graves para o indivíduo e para a sociedade, gerando problemas
psiquiátricos, doenças psicossomáticas e dificuldades de aprendizagem, dentre
outros problemas (BROMBERG, 2000; FONSECA, 2004).
Rando (2000 apud FONSECA, 2004) divide o luto antecipatório em 6
dimensões que abordam os aspectos afetados na vida dos envolvidos nesse
processo, a partir: 1) da perspectiva do paciente, familiares, amigos e cuidadores;
2) do fator tempo, relacionado ao passado, ao presente e ao futuro; 3) dos fatores
48
psicológicos, sociais e físicos que influenciam a elaboração do luto antecipatório;
4) das perdas ou traumas que originaram a necessidade de readaptações; 5) das
condições de enfrentamento, enlutamento, interação, reorganização psicossocial,
planejamento, balanço das demandas conflitivas, facilitação para uma morte
apropriada; e 6) do contexto em que ocorre, seja no nível intrapsíquico,
interacional com o doente, familiar e sistêmico.
O enlutamento permite o reconhecimento que a pessoa perdida realmente
se foi e que são necessárias mudanças internas (psicológicas) e externas
(comportamentais e sociais) para se adaptar à nova realidade. No caso do luto
antecipado, perdas ocorridas no passado são relembradas quando a debilidade
física do paciente aproxima-o da morte, levando o enlutado ao enfrentamento de
outras perdas associadas relacionadas ao ente querido saudável que não existe
mais e aos planos de vida futura que serão abandonados (FONSECA, 2004).
Segundo Weisman (1979, apud FONSECA, 2004), é possível promover a
facilitação para uma morte apropriada por meio: a) do cuidado, oferecendo uma
adequada ajuda e conforto aos sintomas físicos e um suporte psicossocial aos
envolvidos; b) do controle, permitindo que o doente participe da administração e
dos próprios cuidados, assim como nas decisões e no controle produtivo das
pessoas íntimas; c) da compostura, mantendo uma disposição e um nível de
emoção dentro dos limites perante o doente; d) da comunicação verbal e não
verbal, identificando necessidades e permeando as relações entre o doente e
seus familiares; e) da continuidade, protegendo a autêntica identidade do doente
enquanto pessoa, principalmente nos estágios finais da vida; e f) da finalização,
buscando resolver ou redefinir os problemas residuais quando situações não
terminais são finalizadas.
Do ponto de vista sistêmico, o luto antecipatório permite à família que sofre
o impacto da doença crônica em algum de seus membros, a manutenção do
equilíbrio para assegurar o atendimento das necessidades do doente e seus
familiares. Do ponto de vista social, há o distanciamento dos amigos pela
dificuldade que estes têm de compreender a natureza de uma doença terminal e a
ajuda que podem oferecer (Rando, 2000 apud FONSECA, 2004).
O luto antecipatório está sujeito a fatores psicológicos, interpessoais e
socioculturais que, segundo Fulton e Gottesman (1980 apud FONSECA, 2004),
49
caracteriza-se por um complexo interjogo de fatores, tais como habilidades de
enfrentamento, sentimento de culpa e responsabilidade pela condição terminal do
paciente. O luto não é uma experiência privada, pois as relações estabelecidas
entre a famíla, o paciente e a equipe de saúde podem facilitar ou dificultar a
comunicação e a expressão de sentimentos. Não há uma institucionalização do
luto antecipatório e tampouco são prescritas normas de comportamento. Fonseca
(2004) afirma que “o desapego e a separação num luto antecipatório saudável
não se referem ao doente no presente mas sim à experiência intrapsíquica na
relação com um futuro que está por vir, onde a morte vai se aproximando cada
vez mais” (p. 103).
50
CAPÍTULO V - A SÍNDROME DE BURNOUT
V.1 Definição
A síndrome do esgotamento profissional, como é denominada, faz parte da Lista
de Doenças Profissionais e Relacionadas ao Trabalho, segundo o Ministério da Saúde,
relatada na Portaria nº 1339/1999. Ela está classificada no CID-10 (Classificação
Internacional de Doenças, 10ª revisão) como Z73.0, e é citada como um problema
consequente do contato com pacientes que exigem cuidados permanentes nos serviços
de saúde. No entanto, ela não consta nas classificações psiquiátricas (VIEIRA et al,
2006).
Inicialmente descrita como um “incêndio interno”, resultado da tensão
produzida pela vida moderna (FREUDENBERGER, 1974), foi rapidamente aceita
pela comunidade científica, que, apesar da dificuldade em conceitualizá-la e
consequentemente em diagnosticá-la, adotou o termo burnout para caracterizar o
conjunto de respostas emocionais do sujeito que apresenta gradual perda da
responsabilidade e desinteresse pelo trabalho, cuja profissão envolva o contato
com pessoas que necessitem de cuidados e atenção constantes, seja na área da
saúde, do ensino ou nas organizações (MILLAN, 2007).
Conceitualmente, o burnout é caracterizado por sintomas temporários e se
manifesta em situações específicas da vida do sujeito, e que estejam
relacionadas ao trabalho (Freudenberger, 1987 apud MASLACH, 2001). Nesse
caso, a depressão associada aparece sem o sentimento de culpa, característico
da depressão psiquiátrica que atinge todas as áreas da vida da pessoa
(MASLACH, 2001).
Como os sintomas que compõem a síndrome estão presentes na
depressão, aventa-se a hipótese de que a demora no reconhecimento do
problema poderia ser relevante no agravamento desta patologia (VIEIRA et al,
2006). É considerada também a possibilidade de haver uma sobreposição entre
burnout e depressão (AHOLA et al, 2005) e a sintomatologia apresentada pela
população de trabalhadores, independentemente da profissão exercida, poderia
ser o resultado da maneira pela qual se organiza o trabalho em suas áreas de
51
atuação, desde que todas as dimensões tenham sido afetadas: exaustão
emocional, despersonalização e comprometimento da realização pessoal.
Pode-se considerar que os sintomas decorrentes do burnout são encontrados
em sujeitos cujas características individuais levem a uma inadaptação ao estresse
agudo ou crônico provocado pelo trabalho de cuidador principal, seja por falta de
recursos de enfrentamento, seja por não conseguir colocar em ação estratégias já
conhecidas e que levem a disfunções emocionais e de conduta (SÁNCHEZ, 2005).
Em uma outra linha de raciocínio, Millan (2007) argumenta que não deve
ser dado um novo nome a um conjunto de sintomas amplamente conhecidos e
definidos na psiquiatria, apenas porque o fator desencadeante dos sintomas é o
trabalho. Além disso, há divergências quanto à qualidade psicométrica do
Maslach Burnout Inventory (MASLACH, 1989), que não permite à comunidade
científica assumir integralmente seus resultados como validação diagnóstica
(JAVIER et al, 2002). No Brasil, porém, estudos avaliaram a fidedignidade e a
validade de constructo das características psicométricas do Inventário de Burnout
de Maslach - Human Services Survey (MASLACH & LEITER, 1997), e concluem
que
a versão brasileira do instrumento apresenta os requisitos necessários em termos de consistência interna e validade fatorial para ser amplamente utilizada na Síndrome de Burnout em trabalhadores que desenvolvem suas atividades em profissões consideradas de ajuda, em nossa realidade (CARLOTTO e CÂMARA, 2007, p.331).
Se os sintomas referentes ao estresse negativo encontrados no cuidador
fossem avaliados isoladamente, como sugeridos por Millan (2007), haveria o risco, por
exemplo, de o diagnóstico deixar de identificar o trabalho como estímulo disparador
para o estado depressivo. Neste sentido, a imediata melhoria de perspectivas na área
do trabalho que modificaria rapidamente esse quadro seria prejudicada, caso a
síndrome deixasse de ser considerada como uma hipótese possível.
52
V.2 As três dimensões da síndrome
A síndrome, resultado de uma condição de sofrimento psíquico associado
ao trabalho, é composta por três dimensões básicas: esgotamento emocional
(EE), despersonalização (DP) e comprometimento da realização profissional (RP).
Dentro desses, há subgrupos constituídos por sintomas de conduta, sociais e
psicossomáticos. Outras variáveis podem ser identificadas como preditoras do
burnout e determinantes enquanto estressores laborais: variáveis pessoais
afetivo-cognitivo-emocionais, biológico-demográficas, de contexto ambiental,
organizacional, ou relacionado ao trabalho e estrutural. No entanto, há a
dificuldade de situá-la dentro de um processo ou de um estado. Sob uma
perspectiva clínica, burnout é considerado um estado a que chega o sujeito,
resultado do estresse relacionado ao trabalho. Numa perspectiva psicossocial, ele
é considerado um processo que se desenvolve como resultado da interação entre
as características pessoais e a maneira como o sujeito se relaciona com o
trabalho. Neste sentido, o estresse (cujos efeitos podem ser positivos e
negativos), no caso do burnout, sempre gera efeitos negativos (MASLACH, 1989;
SÁNCHEZ, 2005).
Estudos apontam para altas taxas de ansiedade e depressão entre
cuidadores informais de pacientes em fase terminal de câncer de mama ou
genital, com predominância nos cuidadores do sexo feminino (REZENDE et al,
2005). O mesmo acontece com cuidadores de pacientes demenciados, tendo sido
comprovados altos níveis de impacto subjetivo (LEMOS et al, 2006). Estes,
porém, não são relacionados ao burnout.
O trabalho direto com pessoas portadoras de algum tipo de doença crônica
ou vítima de algum tipo de catástrofe pode levar o cuidador a uma situação de
risco psicológico, pois cria um “círculo de vulnerabilidade” entre aquele que ajuda
e quem é ajudado. Isto ocorre sempre que, dentro do processo empático, o
cuidador sentir-se abalado por seus próprios problemas emocionais não
resolvidos, ligando-se ao paciente pela excessiva identificação e exposição à dor
do outro (SANDRIN, 2006).
53
Assim, por meio dos sintomas identificados na síndrome de burnout, o
cuidador pode ser avaliado dentro de cada uma das fases de que se compõe
(MASLACH, 1989; SÁNCHEZ, 2005; SANDRIN, 2006):
I. Esgotamento Emocional (EE):
•••• Entusiasmo idealista: há uma hiperidentificação com quem deve ser ajudado, e
há excesso de dedicação, pois se considera que as necessidades do doente
têm precedência sobre as próprias;
•••• Estagnação: surgem os primeiros sinais de grande cansaço físico e de
irritabilidade;
II. Despersonalização (DP):
•••• Frustração: pequenos obstáculos configuram-se como insuperáveis, há a
sensação de fracasso e de apreensão em relação ao futuro. Nesta fase é
frequente o aparecimento de doenças psicossomáticas, o exagero na
alimentação e no uso de drogas, tais como a nicotina, a cafeína e o álcool bem
como ocorrem prejuízos nas relações familiares e sociais;
•••• Des-humanização: estabelece-se a indiferença emotiva em relação ao
sofrimento do outro, fato que favorece um distanciamento defensivo;
III. Comprometimento da realização profissional (RP):
•••• Apatia: é quando o burnout propriamente dito pode ser identificado. Esta é uma
fase marcada pelo fracasso da empatia, pelo início da resignação, e pela
procura por compensações ou fugas, no que se entende como uma espécie de
“morte profissional”. No caso em estudo relativo ao cuidador principal, a leitura
pode ser feita como “morte da atividade de cuidar”.
Uma das armadilhas comuns em que o cuidador pode cair é utilizar a
famosa frase “se eu não fizer, ninguém vai fazer...” e, dessa maneira, entrar
facilmente em estado de esgotamento físico, mental e emocional. Nesse
momento, o cuidador costuma atribuir-se a culpa pelo sentimento de fracasso que
experimenta ao fazer uma leitura inadequada da realidade (SANDRIN, 2006).
A personalidade do cuidador é formada por características mentais,
histórico-afetivas, estilo interpessoal, capacidade de controle das emoções, e
imagem que tem de si mesmo e de suas atividades profissionais. Além do modo
54
de interpretar e avaliar as situações, há variáveis que contribuem para o
aparecimento dos sintomas associados à síndrome de burnout (SANDRIN, 2006;
SÁNCHEZ, 2005):
I. Características estruturais da personalidade do cuidador: fraco e dependente
nos relacionamentos; desconhece os pontos fracos/ fortes em si; baixa
autoestima; atento às coisas sem importância; satisfaz apenas com trabalho as
necessidades de realização, aceitação e aprovação; precisa controlar tudo e
todos: não delega;
II. Contexto relacional: sobrecarga física e emocional; sensação de não ter o
controle da situação; ter de enfrentar situações que envolvem dor, doença e
morte; dificuldade de harmonizar expectativas pessoais e das demais pessoas
envolvidas; falta de autonomia pessoal; feedbacks em relação aos resultados
obtidos no trabalho;
III. Contexto ambiental: falta de apoio da família/ amigos; conflitos entre o cuidador
e seus familiares/ superiores; autoritarismo por parte de algum integrante do
grupo à sua volta; pouco conhecimento sobre a tarefa que desempenha; falta
de orientação sobre o cuidado; clima tenso durante o trabalho; trabalho
monótono e sem perspectivas de mudança; estresse por “lealdade dupla”, ou
seja, na relação em que o cuidador é obrigado a cultivar a lealdade para com a
equipe médica em detrimento da lealdade com o assistido e vice-e-versa. Isso
envolve uma cisão da própria identidade, gerando a crise.
Nesse contexto, há de ser levado em conta o tipo de envolvimento
existente entre o cuidador e aquele que é cuidado, pois, devido à grande
quantidade de energia pessoal envolvida nesta relação, as emoções se
“confundem”. No estado de burnout, o cuidador sente a impossibilidade de se
defender da angústia frente à certeza do fim da relação com o doente crônico;
percebe a dificuldade de adaptação emotiva e cognitiva às tarefas relacionadas
ao cuidado do doente crônico; tem o sentimento de raiva pela doença que não
consegue controlar e de impotência por não poder fazer mais; sente o conflito
pela empatia que algumas vezes está presente e, outras, não (SÁNCHEZ, 2005;
SANDRIN, 2006).
55
Na revisão bibliográfica não foram encontrados estudos no Brasil que
associem as taxas de ansiedade e de depressão nos cuidadores principais dos
pacientes renais crônicos à síndrome, uma vez que ela é associada aos sujeitos
cujo ato de cuidar esteja ligado a uma atividade remunerada (ALARCÓN, 2002;
SÁNCHEZ, 2005; VIEIRA e cols, 2006).
56
CAPÍTULO VI - OBJETIVO E MÉTODO
VI.1 Objetivo
Neste estudo, surgiram duas perguntas básicas: a) qual é o impacto
psíquico no sujeito ao tornar-se cuidador de um paciente renal crônico?; e b) a
síndrome de burnout pode ser utilizada como hipótese diagnóstica quando os
sintomas de suas três dimensões básicas (esgotamento emocional,
despersonalização e realização pessoal) são encontrados em sujeitos que atuam
como cuidadores principais de pacientes renais crônicos?
Com base nessas questões, a proposta foi estudar o processo de se tornar
cuidador principal do paciente renal crônico em hemodiálise. Para isso, propôs-se
a pesquisa, no cuidador, do impacto da doença, das estratégias de enfrentamento
(coping), da rede de apoio, das necessidades educativas sobre a doença renal e
da relação entre burnout e cuidado principal.
VI.2 Método
VI.2.1 Tipo do estudo
Este é um estudo transversal composto por 3 grupos de cuidadores, cujos
pacientes estavam no primeiro, no terceiro e no quinto anos de hemodiálise. Tal
estudo se caracteriza por uma pesquisa qualitativa que, segundo Gonzáles-Rey
(2005), é um processo que começa com a incerteza e com o desafio do que se
deseja pesquisar. Diferentemente da pesquisa quantitativa baseada na definição
descritivo-comportamental, esta se baseia na definição subjetivo-interpretativa
inserida dentro de uma linha de pesquisa que busca oferecer a criação de
modelos teóricos sobre a realidade estudada para a produção de conhecimento
“de modo menos organizado e mais problematizado” (p.90) por um sistema de
pensamento “cujos momentos distintos se afetam de forma recíproca” (p.93).
57
A pesquisa das publicações necessárias ao embasamento teórico foi
realizada por meio de consulta às bases de dados Medline (National Library of
Medicine, USA), Lilacs (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da
Saúde, Brasil) e Scielo (Scientific Electronic Library Online, Brasil), mediante o
uso dos descritores em inglês: caregiver, burnout, family e renal.
Foi realizado um recorte de tempo que abrangesse o período dos últimos
10 anos (1999-2009). A complementação da pesquisa deu-se junto a arquivos de
dissertações, teses e livros publicados no Brasil. A escolha dos idiomas privilegiou
os temas em português, inglês e espanhol, respeitando a capacidade de
compreensão linguística da pesquisadora.
Uma vez que existam variadas designações para identificar a pessoa que
cuida do paciente crônico sem ter formação profissional para tal, essa foi uma
dificuldade encontrada no momento de fazer as combinações entre os descritores
para a pesquisa, pois o acréscimo de palavras como “principal” ou “informal”,
excluía publicações sobre cuidadores designados como “family” ou “primary”, por
exemplo. Para isso, a seleção inicial foi feita abrangendo cuidadores formais e
não formais mediante uso do termo “caregiver” associado ao termo “burnout” e,
após a leitura dos resumos, foram excluídos os artigos que tratavam dos
cuidadores formais.
Na base de dados Medline, a combinação “burnout-caregiver-renal” não
encontrou registros. Optou-se pela combinação “burnout-caregiver-family”, tendo
sido encontrados 38 artigos de variadas nacionalidades. Destes, 22 estudos
faziam referência à possibilidade de burnout no cuidador não formal (África do Sul
[1], Alemanha [1], Austrália [2], Canadá [1], Holanda [3], Itália [1], Irlanda do Norte
[1], Japão [2], Suíça [2], Estados Unidos [9]) e apenas 4 utilizaram a escala de
avaliação da síndrome de burnout em suas pesquisas: Alemanha [1], Japão [1] ,
Estados Unidos [2] e nenhum deles relacionados ao paciente renal crônico.
Na base de dados Lilacs, as associações “burnout-caregiver-family”,
“burnout-caregiver”, e “caregiver-renal” não obtiveram resultados. As
combinações “burnout-renal” e “burnout-family” apresentaram 15 documentos
sobre cuidadores formais e que foram descartados. Utilizando apenas o descritor
“caregiver” foram encontrados 125 documentos, dos quais 65 estavam
58
relacionados ao cuidador não formal sem referência ao burnout ou ao paciente
renal crônico.
Na base de dados Scielo, as associações “burnout-caregiver-family” e
“burnout-renal” não obtiveram resultados. Porém, a associação “burnout-
caregiver” encontrou um artigo (Espanha) sobre o cuidador não formal, utilizando
a escala de avaliação da síndrome de burnout, embora esta não tenha relação
com o paciente renal crônico.
O recorte para análise totalizou 69 documentos obtidos em bases
eletrônicas de dados e a aquisição das publicações complementares se deu por
meio de bibliotecas de instituição e de universidade privada.
Cada documento foi submetido à leitura flutuante para apreciação do
conteúdo, para que se verificasse se atendiam a alguns critérios, tais como
abordagem do tema sobre o cuidador e o desenvolvimento do estudo sobre a
síndrome de burnout em cuidadores principais de pacientes crônicos.
VI.2.2 Perspectiva do estudo
O processo da pesquisa ocorreu por meio de estudos de caso baseado em
um roteiro para entrevista semidirigida. Tal roteiro possibilitou a interação entre
pesquisador e pesquisado, tornando a fala “reveladora de condições de vida, da
expressão dos sistemas de valores e crenças” (MINAYO, 2007, p.64) dentro de
um contexto histórico, socioeconômico e cultural.
A análise do conteúdo das entrevistas objetivou o resgate, no discurso
individual, da representação social do fenômeno pesquisado, e buscou maior
fidelidade possível entre a vida real e a vida pesquisada, pois o pensamento,
objeto de estudo, em princípio não é composto por “atributos externos
quantificáveis” (LEFÉVRE, 2003, p.34), mas por qualidades que aparecem como
resultado da pesquisa. Foi levado em conta o fato de que “haverá diversidade de
opiniões e crenças dentro de um mesmo segmento social e a análise qualitativa
deve dar conta dessa diferenciação” (MINAYO, 2007, p.79).
59
VI.2.3 Caracterização da instituição
A pesquisa foi realizada no município de Taboão da Serra, SP, em clínica
especializada, cuja ação volta-se ao atendimento de pacientes de hemodiálise e diálise
peritoneal. O contato inicial foi realizado por meio telefônico. O ofício (ANEXO 1) tinha
por objetivo solicitar autorização para a realização da pesquisa, juntamente com
Projeto de Pesquisa que foi enviado por e-mail. Houve concordância da direção da
clínica para o início da investigação, além da liberação do acesso aos prontuários dos
pacientes renais crônicos, assim como disponibilização do espaço interno da clínica
para realização das entrevistas com os cuidadores.
Comparado com a época em que a intervenção lúdica foi realizada (2002),
houve mudança de endereço e de instalações físicas que primavam pela arquitetura
ampla e bem planejada. A quantidade de funcionários aumentou e a pesquisadora
notou que, enquanto aguardava na sala de espera para ser recebida pela diretora da
clínica, foi cumprimentada por todos os funcionários que circularam no ambiente, pois
era o horário da troca de turnos e esse detalhe lhe chamou muito a atenção. Foi
observado também que havia entre eles um clima bastante amistoso.
Ficou definida pela direção da clínica que todos os cuidadores
selecionados deveriam ser entrevistados nas dependências da própria clínica,
para que o ambiente pudesse proporcionar privacidade, impedindo eventuais
interrupções. Assim, elas foram realizadas em sala disponibilizada no prédio
durante o horário da hemodiálise, período em que os cuidadores aguardavam até
que pudessem conduzir os pacientes de volta para casa.
VI.2.4 Os participantes
Os participantes foram selecionados a partir da avaliação dos prontuários
dos pacientes renais crônicos com diagnóstico confirmado durante os anos de
2003, 2005 e 20085 para definição de 3 grupos distintos para pesquisa.
5 A primeira entrevista só ocorreria se o diagnóstico tivesse sido realizado 90 dias antes da entrevista, para que o cuidador tivesse absorvido o impacto da crise do diagnóstico e encontrado o equilíbrio para lidar com as demandas da doença e tratamento, conforme descrito por Holland (1990).
60
Dentro dos parâmetros estabelecidos, verificou-se a necessidade de
perguntar aos pacientes quais eram as pessoas que eles consideravam como
seus cuidadores, posto que esta informação não constava nas fichas de
cadastramento.
A seleção dos prontuários contou com a ajuda e orientação da psicóloga
responsável pelo atendimento aos renais crônicos na clínica. Ela também realizou
a abordagem para a identificação dos cuidadores junto aos pacientes,
relacionados na Tabela 7.
A avaliação dessas informações complementares resultou na seleção de
40 possíveis participantes, pois foram descartados os pacientes cuja resposta
incluía “Não tem”, “Paciente ausente p/ abordagem”, “Empregada”,
“Acompanhante”, “Igreja” e “Instituição”. Desses, 9 cuidadores (ambos sexos)
recusaram o convite e 1 paciente faleceu nesse período. Restaram para a
pesquisa 30 possíveis participantes, dos quais 3 encontravam-se no primeiro
grupo, 9 no segundo e 18 no terceiro grupo.
Como o número de participantes foi definido por inclusão progressiva, ele
foi interrompido pelo critério de saturação, quando “as concepções, explicações e
sentidos atribuídos pelos sujeitos começam a ter uma regularidade de
apresentação” (MINAYO, 2007, p.48), dado que “não é o tamanho do grupo que
define os procedimentos de construção do conhecimento, mas sim as exigências
de informação quanto ao modelo em construção que caracteriza a pesquisa”
(GONZÁLEZ-REY, 2005, p.110). Desse modo, foram realizadas 8 entrevistas que
atenderam ao critério de saturação.
Os critérios de inclusão consideraram apenas os cuidadores com laços
biológicos ou sociais, de ambos os sexos, com idade acima de 19 anos e que,
mesmo exercendo uma atividade remunerada qualquer, tem como
responsabilidade principal o cuidado ao paciente renal crônico e o faz
gratuitamente. Nesta pesquisa o cuidador que atende a estes critérios foi
designado como cuidador principal.
61
TABELA 07 – Cuidadores indicados pelos pacientes
Ano do diagnóstico Cuidador indicado pelo paciente Pacientes
abordados
Não tem 5 Paciente ausente p/ abordagem 3
Esposa 3
Marido 2
Sobrinha 1
2003
Empregada 1 Esposa 7
Não tem 4 Paciente ausente p/ abordagem 3
Filha 3
Sobrinha 2
Instituição 2 Marido 1
Irmã 1
2005
Acompanhante 1
Não tem 17 Esposa 9
Paciente ausente p/ abordagem 8
Filha 4 Marido 2
Irmã 2
Mãe 1
Igreja 1
Filho 1
2008
Enteada 1
TOTAL DE PRONTUÁRIOS 85
VI.2.5 Procedimento para coleta dos dados
O primeiro contato com os participantes ocorreu por meio do telefone, para
exposição dos objetivos deste projeto e definição dos cuidadores que já
compareciam à clínica para acompanhar o paciente renal crônico. Esses foram os
primeiros a serem contatados, pois esse era um dado facilitador. Constatou-se,
porém, um número reduzido deles na clínica, e apenas 2 cuidadores atenderam a
esse critério.
Em seguida, foi utilizado o critério de localização, ou seja, os cuidadores
preferenciais foram os residentes no município de Taboão da Serra, pois essa
62
escolha facilitaria o deslocamento deles até a clínica, dado que houve resistência
tanto ao convite quanto ao fato de terem de ir até o local para a realização da
pesquisa.
Outro dado relevante diz respeito à recepção mais agressiva, que sempre
vinha por parte do público masculino que atendia às ligações. Apenas as
mulheres concordaram em participar, apesar de haver vários maridos que foram
apontados por suas esposas como cuidadores. Esta agressividade exigiu um
manejo especial no contato, buscando a adesão do(a)s cuidador(a)s à pesquisa.
As participantes mais receptivas à pesquisa moravam em outros
municípios componentes da região metropolitana de São Paulo, fato que chamou
a atenção, pois essas eram pessoas obrigadas a realizar grandes deslocamentos
para chegar até a clínica de hemodiálise.
As entrevistas foram individuais e realizadas com agendamento prévio. No
entanto, em várias ocasiões foi necessária a adaptação da pesquisadora às
possibilidades das cuidadoras com a alteração ou cancelamento das datas e/ ou
horários agendados.
No dia e horário marcados, foram apresentados o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (ANEXO 2) e o Consentimento para Atuar como Participante
na Pesquisa (ANEXO 3), lidos e assinados pelas participantes alfabetizadas. Em
duas ocasiões a pesquisadora precisou ler (em voz alta) o texto de
consentimento, pois as cuidadoras declararam não entender o que estava escrito.
Somente após a verificação de que todas tinham realmente entendido o objetivo
da pesquisa, a voluntariedade da participação, a possibilidade de se retirarem da
pesquisa a qualquer momento sem nenhum prejuízo ou dano para elas ou para
os respectivos pacientes, além do compromisso de confidencialidade por parte da
pesquisadora, elas assinaram o documento. Em seguida, foi realizada a coleta de
dados referente a dados de identificação, idade, escolaridade, profissão e grau de
parentesco com o paciente (ANEXO 4). Além disso, todas as entrevistas foram
gravadas com a autorização das participantes.
Uma das cuidadoras teve apenas parte da sua entrevista gravada, porque
terminou a bateria do gravador após 18 minutos e isso só foi percebido ao final do
encontro. Além disso, a qualidade dessa gravação está precária, impossibilitando
63
a transcrição integral desse período. Neste caso, foi feita a análise baseada nas
observações da pesquisadora sobre o caso.
A transcrição das entrevistas foi realizada pela própria pesquisadora, e
essa tarefa consumiu um tempo considerável, mas permitiu que as informações
ficassem mais claras na medida em que ela tinha de retomar os discursos várias
vezes, até verificar que as transcrições estavam fiéis às gravações originais.
As participantes foram identificadas pelas letras do alfabeto, de acordo com
o grupo em que se encontravam. Cuidadoras cujo paciente foi diagnosticado no
ano de 2003, tiveram seus nomes identificados pela letra P, pois este foi
considerado o primeiro grupo de pesquisa; o segundo grupo foi identificado pela
letra S, pois os pacientes foram diagnosticados no ano de 2005, e o terceiro grupo
foi identificado pela letra T, cujos pacientes foram diagnosticados no ano de 2008.
Não foi possível entregar a transcrição da entrevista às respectivas
cuidadoras para correções, validações ou complementação de dados, pois alguns
obstáculos surgiram no decorrer da pesquisa, tais como a resistência de algumas
cuidadoras para um novo comparecimento à clínica e a baixa escolaridade da
maioria delas, dificultando o entendimento da leitura.
Foi oferecido acolhimento psicológico às cuidadoras, até 30 dias após a
entrevista. Entretanto, nenhuma delas procurou tal atendimento, mesmo aquelas
que ficaram muito emocionadas durante a entrevista. Algumas agradeceram a
oferta e despediram-se rapidamente. Outras se colocaram à disposição caso
houvesse a necessidade da coleta de informações complementares.
VI.2.6 Aspectos éticos
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP,
por meio do Protocolo de Pesquisa nº 295/2008 (ANEXO 8) e, seus participantes
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO 2), atendendo
às Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres
Humanos (Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da
Saúde). Foram tomadas todas as precauções também no sentido de preservar a
64
identidade das participantes, bem como em garantir os demais princípios éticos
quanto à beneficência, justiça e equidade.
VI.2.7 Instrumentos
Os instrumentos de medida utilizados nesta investigação foram compostos
por 1 formulário para coleta dos dados de identificação do cuidador e 1 roteiro
orientador de perguntas (ANEXO 5) utilizado nas entrevistas semidirigidas para
que fossem abordados aspectos importantes e que não surgiram
espontaneamente no decorrer das mesmas, tais como rede de apoio social,
atendimento domiciliar, sintomas psicossomáticos, conhecimentos na área da
saúde e da doença renal crônica.
Para a elaboração das perguntas, foi utilizada como base a versão
brasileira validada da escala Burden Interview (SCAZUFCA, 2002) para estudo do
impacto das doenças mentais e físicas (ANEXO 7), além do inventário para
identificação dos sintomas de burnout (ANEXO 6), Inventário de Burnout de
Maslach — Human Services Survey (MASLACH & LEITER, 1997) —, versão
brasileira validada (CARLOTTO e CÂMARA, 2007).
VI.2.8 Procedimentos para análise dos dados
A análise qualitativa dos dados foi realizada por meio de um estudo
transversal entre os 3 grupos de cuidadores, avaliando as diferentes fases do
processo para se tornar cuidador principal e os sintomas relativos ao burnout.
Os dados obtidos nas entrevistas foram avaliados por meio da análise de
conteúdo, que permite
uma construção que acompanha o caráter contextual, processual e dinâmico da subjetividade e, ao mesmo tempo, suas formas de organização, a história dessas formas de organização e sua constante tensão e compromisso com os contextos e campos de ação atuais da pessoa (GONZÁLEZ-REY, 2005, p.137).
65
Como instrumento para análise, foi utilizado o DSC - Discurso do Sujeito
Coletivo (LEFÉVRE, 2003), que possibilita a investigação dos principais temas
emergentes. As unidades de análise foram as respostas de cada subgrupo,
entendidas como a manifestação de cada fenômeno porque
quando se quer conhecer o pensamento de uma comunidade sobre um dado tema, é preciso realizar, antes de mais nada, uma pesquisa qualitativa, já que, para serem acessados os pensamentos, na qualidade de expressão da subjetividade humana, precisam passar, previamente, pela consciência humana (LEFÉVRE, 2003, p.9).
O conteúdo foi analisado para levantamento das questões mais relevantes
ao tema em estudo, utilizando-se 4 figuras metodológicas: as expressões-chave;
a ideia-central; a ancoragem; e o DSC.
As expressões-chave de cada discurso foram identificadas e transcritas,
assim como as afirmações que explicitavam as ideias centrais, tendo sido ambas
agrupadas em temas semelhantes. O DSC permitiu a elaboração dos discursos-
síntese, de forma a expressar a representação social de cada fenômeno. A
ancoragem possibilitou a identificação de traços linguísticos que explicitassem
teorias, hipóteses, conceitos e ideologias internalizados nas participantes
enquanto reflexo da sociedade e da cultura em que estão inseridas. A seguir, são
apresentados os resultados desta análise.
66
VII. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Durante a análise dos discursos, foi percebido que o conteúdo de
determinadas respostas fazia referência a questões abordadas em outras
perguntas. Tal fato demonstrou a reciprocidade existente entre diferentes temas,
e houve dificuldade para agrupá-las em categorias, pois o mesmo tema
adequava-se a categorias diferentes.
Para organizar e facilitar a compreensão optou-se por apresentar os
resultados por meio de quadros referentes a cada uma das perguntas
direcionadoras, compostos pelos principais temas identificados e idéias centrais
sintetizadas que surgiram na análise das questões. Alem disso, foi referenciado o
ano correspondente ao discurso original, ou seja, ao período cronológico em que
o diagnóstico foi realizado.
O DSC (Discurso do Sujeito Coletivo), que aparece em itálico e sem aspas,
pois se refere a depoimentos coletivos e não sendo, portanto, citações.
Justamente por isso, a transcrição também apresenta as marcas comuns da
oralidade, tais como desvios de pronúncia, de aglutinação de palavras e de
concordância de número e de gênero. O perfil resumido dos participantes está
relacionado na Tabela 6. Os resultados foram agrupados em 6 categorias e
desmembrados em subcategorias, para melhor apresentação e análise.
I. A doença
•••• O diagnóstico
•••• O impacto do diagnóstico
•••• Meios de acesso às informações sobre a doença
•••• Aprendizado sobre a doença
•••• As restrições alimentares
II. Cuidador principal
•••• A decisão de ser cuidador
•••• Adaptação ao papel
67
•••• A convivência diária com (RC)
•••• Dependência de (RC) em relação ao cuidador
•••• Reações ao humor de (RC)
•••• As tarefas diárias
•••• Saúde do cuidador
•••• Autoestima
−−−− Valorização do cuidado
−−−− Autonomia
−−−− Realização pessoal
−−−− Sonhos para o futuro
III. Impacto financeiro
•••• Responsabilidade pela administração financeira
•••• Gastos com remédios
•••• Habitação
IV. Rede social de apoio
•••• O papel da família no apoio ao cuidador
−−−− Convivência familiar
−−−− Divisão de tarefas
V. Recursos de enfrentamento
•••• Apoio emocional
•••• Apoio espiritual
•••• A esperança do transplante
•••• Capacidade de “dar a volta por cima”
•••• Lazer e convivência social
−−−− Atividades recreativas
−−−− Amizades
68
VI. Relação entre a síndrome de burnout e cuidador principal
•••• Esgotamento emocional
•••• Despersonalização
•••• Realização profissional
TABELA 6 - Perfil das cuidadoras entrevistadas e re spectivos pacientes renais crônicos
Dados do(a) Cuidador(a) Dados do(a) Paciente
Ano
do
diag
nóst
ico
Cuidador
Idad
e
Esc
olar
idad
e
Município (residência)
Renda familiar mensal (salário
mínimo de referência)
Origem da falência
renal *Gên
ero
Idad
e Profissão/ Remuneração
Gra
u de
pa
rent
esco
Palmira 53 Ensino Fundamental Barueri 2 Diabetes H 73 Aposentado Tio
Paola 55 Superior Taboão da Serra
6 Hipertensão Arterial
H 54 Vendedor / (Esposa é
aposentada) esposo
2003
Patricia 52 Ensino
Fundamental (incompleto)
Embu-Guaçu
1 Hipertensão
Arterial e Diabetes
H 58 Ambulante esposo
Selma 63 Analfabeta Barueri 3 Diabetes H 68 Aposentado esposo
2005 Silvia 53
Ensino Fundamental (incompleto)
São Paulo (capital)
2 Diabetes H 53 Aposentado esposo
Tania 48 Ensino Médio
Taboão da Serra 2
Hipertensão Arterial e Diabetes
M 50
Ajudante de Limpeza / (Auxílio-doença)
irmã
Tereza 33 Ensino Médio Itapevi 2
Pielonefrite / Cálculos
Renais M 26
Vendedora / (Auxílio-doença)
irmã 2008
Tina 42 Ensino Fundamental
Taboão da Serra 2
Doença congênita
no rim H 16 Estudante /
(Aposentado) filho
* H = Homem / M = Mulher
O público participante desta pesquisa foi composto por mulheres, com
idade variável entre 33 e 63 anos, cuja renda familiar média é de 2,5 salários
mínimos de referência, domiciliadas em municípios integrantes da região
metropolitana de São Paulo cujo índice de pobreza, segundo o IBGE, gira em
torno de 50% da população.
69
As participantes apresentam baixa escolaridade e a maioria delas deixou o
trabalho profissional para cuidar de um familiar atingido pela doença renal crônica.
No entanto, continuaram exercendo algum tipo de atividade informal para a
complementação da renda. Todas dependem dos valores oferecidos por
programas sociais, tais como o Bolsa-Família, e recebem aposentadoria ou
auxílio-doença da Previdência Social.
Além do papel de cuidadora, também desempenham variados papéis
dentro da família, indicando um aumento de responsabilidades e consequente
aumento de energia adaptativa.
A Tabela 6 apresenta o predomínio das doenças como diabetes e
hipertensão arterial, assim como da baixa escolaridade. Pode-se inferir que a
soma desses dois fatores tenha contribuído para o desconhecimento das
informações adequadas sobre as doenças e suas consequências, resultando na
falência renal. Nota-se, também, maior número de pacientes do sexo masculino e
que apresentam idade acima de 50 anos.
Nesta pesquisa, os critérios de inclusão consideraram os cuidadores com
laços biológicos ou sociais, de ambos os sexos. Contudo, constatou-se que as
famílias continuam assumindo os cuidados do paciente crônico, com o predomínio
histórico das mulheres neste papel.
O predomínio de pacientes jovens no grupo diagnosticado em 2008 pode
ser resultado de diagnósticos precoces e que só foram possíveis graças aos
avanços da medicina, que proporcionam meios rápidos para identificação e
tratamento da doença.
Durante a elaboração dessa análise, soube-se que o jovem de 16 anos
conseguiu realizar o transplante renal e que a paciente de 26 anos preparava-se
para realizá-lo.
70
VII.1 A doença
VII.1.1 O diagnóstico
Como foi saber que (RC) tem a doença renal crônica?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - (RC) poderia morrer amanhã
A2 - (RC) poderia morrer no dia seguinte
2003
A3 - O diagnóstico provocou medo da morte de (RC) até hoje
A4 - Foi difícil porque no hospital as pessoas entram falando e morrem no dia seguinte
A. O doente renal crônico morre logo
A5 - Os órgãos de (RC) tinham parado e, aquilo era como se o mundo tivesse acabado
2008
B1 - O diagnóstico provocou problemas no sistema nervoso e até hoje toma remédio controlado
B2 - O diagnóstico provocou tristeza
2005
B3 - O impacto do diagnóstico só foi sentido quando (RC) foi para a UTI, foi difícil e provocou choque e tristeza.
B. O diagnóstico de (RC) provocou sofrimento físico e/ou emocional
B4 - No início foi muito difícil, terrível, descobrir que o rim de (RC) estava falido e ficou com medo de entrar em depressão.
2008
C1 - Pensou que o médico estivesse brincando
2003
C2 - A doença renal crônica só acontece na casa dos outros C. Não acontece com a gente
C3 - O diagnóstico provoca pavor, incredulidade, inconformismo, tristeza e medo.
2008
VII.1.1.1 O doente renal crônico morre logo
Quando (RC) foi para o hospital, o médico falou que tava grave, que não tinha mais jeito, né? Porque os órgãos tinha parado tudo! Só o coração e o fígado funcionava... A gente ficou muito preocupado, com medo, esperando o pior mesmo! Eu trabalho no hospital e vejo pessoas que entram lá, falando e morrem...No outro dia, morre... Eu achava que (RC) ia morrer logo, no dia seguinte e não ia voltar pra casa! Tenho medo até hoje... Pra mim, aquilo era como se o mundo tivesse acabado, né?
71
VII.1.1.2 O diagnóstico de (RC) provocou sofrimento físico e/ ou emocional
Pra mim, no início foi muito difícil quando eu descobri que o rim de (RC) estava falido... A família, os amigos... Todos ficaram em choque! Fiquei triste, né? Fiquei até com medo de entrar em depressão, porque foi terrível! Comecei a ficar ruim dos nervo, ter crise e até hoje tomo remédio controlado.
VII.1.1.3 Não acontece com a gente
Aí o médico disse o resultado e eu falei: “Nossa doutor, ce tá brincando, né?", porque a gente pensa que nunca vai acontecer na casa da gente...Aí foi que eu caí na real que (RC) tava doente mesmo! Porque, antes disso, eu não acreditava! Eu não me conformava de ver (RC) daquele jeito, né? Eu ficava só chorando!
O diagnóstico da doença renal crônica e a possibilidade da perda do ente
querido pela morte iminente provocou reações emocionais de choque,
incredulidade e negação no paciente e nos familiares. O medo da perda
permanece até os dias atuais, ou seja, não foi diluído com a passagem do tempo.
O desconhecimento sobre a origem da doença, os sintomas, o tratamento
e as mudanças a que estariam expostos causaram sofrimento, mesmo quando os
pacientes apresentavam diagnóstico primário de diabetes ou hipertensão arterial,
uma vez que a doença renal pode derivar de qualquer uma delas. Houve reações
psicossomáticas que causaram alteração no sistema nervoso e aumento da
pressão arterial, além de tristeza intensa relatada pela maioria das participantes,
independentemente do tempo em que o diagnóstico tivesse sido realizado.
72
VII.1.2. O impacto do diagnóstico
O que pensou no momento? E o que fez?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Após o diagnóstico, nada pode ser feito para ajudar (RC). 20
03
A. Não posso fazer nada
A2 - Não pode fazer nada por (RC)
2008
B. Preciso fazer alguma coisa B1 - Foi necessário procurar tratamento para (RC)
2005
C1 - O diagnóstico é vontade de Deus
C2 - Para evitar a tristeza, conversa com Deus. C. É vontade de Deus
C3 - (RC) morrerá quando Deus quiser
2005
D1 - A depressão foi "quase" uma possibilidade
D2 - O diagnóstico provocou tristeza que não foi considerada depressão
2003
D. "Quase" entrei em depressão
D3 - O diagnóstico provocou medo de entrar em depressão e até de morrer 20
08
VII.1.2.1 Não posso fazer nada
A doença renal crônica mexeu muito com a gente, né? Porque é uma coisa que não tem como fazer nada! A gente vê que (RC) tá sofrendo, mas não pode fazer nada...
VII.1.2.2 Preciso fazer alguma coisa
Comecei a correr atrás de tratamento, porque ele foi piorando, né?
VII.1.2.3 É vontade de Deus
As vezes eu pergunto por quê Deus prova a gente igual ao fogo no ouro? Não sei se vai primeiro ele ou eu... sei lá...Deus é que sabe, né? Se um dia o Senhor levá (RC), que descanse em paz! O negócio é não ficá triste e que seja feita a vontade de Deus, né?
VII.1.2.4 “Quase” entrei em depressão
73
Acho que eu fiquei mais triste, depois que aconteceu isso, porque a situação era meia complicada, sabe? No início, tive até medo e quase entrei em depressão porque não queria perder (RC). Foi terrível!
Há um sentimento de impotência diante da doença renal, quando
acompanham diariamente o sofrimento do familiar adoentado. Porém, a
recuperação do sentimento de controle da situação pode ser verificada quando a
cuidadora “arregaça as mangas” e atua, beneficiando o paciente de alguma
maneira, ainda que esse esforço seja motivado pelos sintomas inesperados que a
doença renal crônica provoca no doente.
A poderosa figura internalizada de Deus, possuidor de uma vontade
soberana, provê recurso emocional à cuidadora para se resignar frente à situação
sobre a qual ela não tem controle.
A grande tristeza sentida foi interpretada como uma “quase” depressão, em
que o sofrimento foi minimizado diante da possibilidade da perda de (RC) pela
morte. Do mesmo modo, impotência, resignação e minimização do próprio
sofrimento surgiram como resultados iniciais do impacto causado pelo diagnóstico
de doença renal crônica em algum membro da família. O estigma que ronda essa
doença faz as pessoas acreditarem que o doente morrerá no dia seguinte ao
diagnóstico e essa crença atua principalmente nas camadas sociais de baixa
renda, na qual o acesso às informações desse porte é mais restrito.
74
VII.1.3 Meios de acesso às informações sobre a doen ça
Como recebeu orientações sobre a doença e suas cons equências?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Equipe de Enfermagem da Clínica de Nefrologia
2003
A2 - Hospital
2005
A. No Hospital, Clínica de Nefrologia
A3 - Equipe de Enfermagem do Hospital das Clínicas
2008
B1 - Sobrinha que é enfermeira
2005
B2 - Professores do curso de auxiliar de Enfermagem B. Por meio de profissionais da saúde
B3 - Psicólogos, nutricionista, assistente social, enfermeira-chefe.
2008
C1 - Catálogo sobre alimentação
2003
C2 - Folheto explicativo sobre rim e diabetes C. Por meio de Mídia
C3 - Internet
2008
D. Por outros pacientes com DRC D1 - Perguntava para uma paciente que já fazia hemodiálise 20
03
VII.1.3.1 No Hospital, Clínica de Nefrologia
No hospital das Clínicas dava essa lista de restrição alimentar e eu sigo o que vi lá. Não sabia o que era hemodiálise e quando (RC) começou a diálise na clínica, não lembro se me deram essa lista, não!
VII.1.3.2 Por meio de profissionais da saúde
No Hospital (Geral) e na clínica, a gente conversava bastante com psicólogos, assistente social, nutricionista, enfermeira-chefe e eles explicou tudo, né? Elas foi me orientando e eu fiquei sabendo. Fiz um curso de auxiliar de enfermagem, né? Então, na escola (de Enfermagem) eu perguntava e fui bem mais profundo no assunto!
VII.1.3.3 Por meio de mídia
75
Eu tenho uma sobrinha, que é enfermeira e ela fez uma especialização nessa parte e me arrumou um catálogo, assim, com o que tem cada alimento... Quanto de potássio... Quanto disso... Quanto daquilo... No hospital, deram um folheto da explicação do problema de rim e diabetes. A gente tem curiosidade e fica mais na Internet.
VII.1.3.4 Por outros pacientes com DRC
De início, eu comecei a perguntar pra uma paciente que já estava na clínica. Tenho curiosidade, pergunto, entro no assunto, corro atrás. E aí, fui aprendendo.
Há pouco ou nenhum conhecimento sobre a doença renal crônica, seus
sintomas, consequências, restrições alimentares e as limitações impostas pelo
tratamento. Soma-se a isso o fato de que essas informações chegaram à
cuidadora por meio de instituições como hospitais, clínicas de Nefrologia e
respectivas equipes de profissionais da área da Saúde como psicólogos,
nutricionistas, assistentes sociais, enfermeiros e médicos.
Outras fontes de informação foram identificadas, e foi percebido que os
catálogos e folhetos impressos com explicações sobre doenças como diabetes e
DRC, além da troca de experiências que ocorre por meio de outros pacientes com
o mesmo problema, foram citadas por cuidadoras de meia-idade, mesmo por
aquelas cujo diagnóstico foi realizado há apenas um ano. Informações obtidas por
meio de acesso à Internet foram realizadas por cuidadoras mais jovens.
76
VII.1.4 Aprendizado sobre a doença
O que aprendeu sobre a doença depois que (RC) inici ou o tratamento?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Aprendeu muitas coisas e valorizar a vida
A2 - Aprendeu sobre a doença, transplante e alimentação.
2003
A3 - Aprendeu sobre alimentação e aplicação de insulina
A4 - Aprendeu sobre alimentação e a ficar de olho em (RC)
A. Aprendem-se muitas coisas
A5 - Aprendeu sobre alimentação e cuidado ao (RC)
2008
B. O estresse do cuidado provoca doença B1 - Aprendeu que o estresse do cuidado provoca diabetes
2005
VII.1.4.1 Aprendem-se muitas coisas
No hospital a gente conversava com psicólogo, assistente social e nutricionista. Eles foi me orientando como é que eu tinha que fazer, como é que não tinha, né? E quando ele veio praqui, a psicóloga, a assistente social e a enfermeira-chefe daqui (clínica de hemodiálise) também conversou bastante comigo e explicou tudo, né? Antigamente, (RC) tinha que vim no posto (de saúde) tomar insulina. Aí, o médico começou a ensinar eu (a aplicar a insulina) lá, aonde era o lugar de dar. Aprendi sobre a doença, sobre transplante... Aprendi mais na parte da alimentação e a ficar de olho em (RC), né? Porque a gente sabe que (RC) não pode tomar muito líquido. Aí, a gente tem que tomar cuidado no preparo da comida porque não pode sal, não pode muito líquido. Aprendi muita coisa, viu? Dou muito valor à vida.
VII.1.4.2 O estresse do cuidado provoca doença
Aprendi que, por causa dos nervo, peguei diabetes!
As competências que a cuidadora precisa ter incluem o conhecimento
sobre a dinâmica da doença e seus desdobramentos, as restrições alimentares, o
transplante renal, os sintomas e reações do paciente e, também, a aplicação de
insulina, no caso dos pacientes diabéticos.
77
A valorização da própria vida e a constatação de que as tarefas do
cuidado podem causar doença no cuidador também foram apontados como fonte
de aprendizado.
VII.1.5 As restrições alimentares
Restrição alimentar: paciente aderiu ao tratamento ?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - (RC) sempre foi educado para comer
2003
A. (RC) aderiu ao tratamento A2 - A família adaptou-se à alimentação e (RC) obedece a dieta 20
08
B1 - (RC) come o que quer e não tem jeito!
2003
B2 - Nunca seguiu a dieta e se não fizer o que RC quer, tem briga!
B3 - (RC) quando quer uma coisa vai lá e come!
2005
B4 - (RC) quer comer o que não pode e aí tem briga!
B. A alimentação é fonte de estresse
B5 - É difícil manter (RC) na dieta
2008
C1 - Faz comida para que (RC) possa comer, mas também faz para os outros. 20
03
C2 - A comida de (RC) é sem sal e a cuidadora não pode comer porque tem pressão baixa então, a comida é separada.
C. A preparação dos alimentos é diferenciada
C3 - Na alimentação e na higiene, tudo é diferente.
2008
VII.1.5.1 (RC) aderiu ao tratamento
(RC) sempre teve educação pra comer, né? Sempre. E isso ajuda muito o renal crônico: a educação alimentar. Então eu falo assim: “Pode comer mais um pouquinho”. E (RC) diz: “Eu como pra viver e não pra morrer”. (RC) nunca chegou aqui (na clínica) com falta de ar. Tem gente que chega andando e sai de cadeira de roda, por ficar cheio d’água. (RC) não faz xixi. Não lembro muito bem: um ano e pouco o xixi encerrou. Se não se educa na água, o que vai acontecer, né? A gente (família) já tem uma alimentação diferenciada, com muita fruta, legumes, verduras...Então, não mudou muito...Só diminuiu o sal, por causa da alimentação de
78
(RC), né? E só coisas que (RC) pode comer e em pouca quantidade. Mesmo se for de muita quantidade, (RC) come muito pouco porque não sente fome e só come por necessidade. Lanche, a gente não faz em casa. Só final de semana, uma vez ou outra a gente faz lanche.
VII.1.5.2 A alimentação é fonte de estresse
Às vezes (RC) quer passar da linha, mas eu não deixo! (RC) fica com os nervos à flor da pele, não entende... Aí, a gente briga! Quando (RC) quer comer alguma coisa, não tem quem segura, porque vai e compra! Não adianta falar: “Não compra”. (RC) vai e compra. E não tem jeito! Nunca obedeceu, né? (RC) dizia que ia morrê mesmo, então comia de tudo! Até hoje come! Eu me preocupo mas (RC) come só o que qué! Se eu num quero fazê, manda os outro fazê porque diz que eu tenho preguiça. Aí, eu pego e faço! Dô tudo o que (RC) qué! Qué feijoada? Come.Qué mocotó? Toma... (RC) briga! Então, faço tudo o que (RC) qué. (RC) come doce quando a diabetes baixa, né? A minha comida já é sem sal e antes de (RC) adoecer, comprava um monte de coisas e ficava na geladeira. Hoje, já não faço mais isso! Porque, é muito difícil pra segurar (RC), né? Tanto na comida como na água...Em tudo... É muito difícil!
VII.1.5.3 A preparação dos alimentos é diferenciada
Eu faço uma comida pra que (RC) possa comer, mas também faço pra gente. Faço salada e eu faço alguma coisa pra (RC) comer também... Alguma coisa cozida... Porque a de (RC) é sem sal, né? Eu não posso comer porque tenho pressão baixa, né? É separado. Eu que cuido da dieta pra diabetes e pro rim. Na alimentação, na higiene, tudo é mais diferente do que os outros! Porque... É assim... Se eu faço alguma coisa que (RC) não pode comer, aí... Eu já nem compro, entendeu?
Pequeno número de famílias mantinha, antes do diagnóstico, uma
alimentação constituída por uma dieta saudável com muitas frutas, legumes e
verduras ou cujo paciente conscientizou-se sobre a importância da educação
alimentar para o sucesso do tratamento. Estas famílias adaptaram-se
rapidamente, fazendo ajustes alimentares relacionados à quantidade de sal, de
água e de porções de alimentos autorizados para o paciente.
A dificuldade na manutenção do controle sobre a rigorosa dieta alimentar
que o paciente renal crônico precisa manter é apontada como fonte de estresse
pelas cuidadoras, independentemente do tempo em que o diagnóstico tenha sido
79
feito. Quando o paciente não adere ao tratamento, as brigas entre a cuidadora e o
doente são constantes. As tentativas de controle sobre a alimentação geram
revolta em (RC), que prefere comer o que tem vontade, colocando a própria vida
em risco, do que se submeter à dieta que aumenta sua sobrevida, pois a restrição
de líquidos evita que o ganho de peso dificulte a diálise e a ingestão de alimentos
proibidos, traz sérias consequências à saúde do renal crônico.
Foi verificado que o grau de parentesco e a idade do paciente interferem no
sucesso (ou insucesso) desse controle. As cuidadoras-esposas não conseguiram
estabelecer regras alimentares para seus pacientes-maridos. As cuidadoras-irmãs
só obtiveram sucesso quando a cuidadora era mais velha do que a paciente. A
cuidadora-mãe obteve sucesso em todos os procedimentos de cuidados
alimentares, sugerindo a existência de uma ascendência moral ou geracional na
família. Na maioria das famílias, as mudanças na alimentação do paciente exigiu
a elaboração de um cardápio à parte para atender às necessidades alimentares
dos demais membros da família.
VII.2 O cuidador principal
VII.2.1 A decisão de ser cuidador
Conte um pouco como foi que você passou a cuidar de (RC)?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - É lógico que a esposa sempre tem que cuidar do marido 20
03
A2 - Vai cuidar até que a morte os separe A. Esposa tem que cuidar do marido
A3 - (RC) está bem cuidado e na medida do possível, fez o papel de esposa.
2005
B. Quem já foi cuidado, agora tem que cuidar. B1 - Quem já foi cuidado agora tem que cuidar
2003
C1 - Já cuidava de (RC) antes do diagnóstico
C. Cuidava antes do diagnóstico
C2 - Cuida porque (RC) é filho e dependente
D. Cuida porque tem mais conhecimento sobre a doença
D1 - Cuida porque entendia mais sobre a doença renal crônica
2008
80
VII.2.1.1 Esposa tem que cuidar do marido
Desde que a gente se casou é lógico que a esposa sempre tem que estar cuidando do marido. Acho que lutei direito, porque hoje tá bem cuidado e vou cuidar até que a morte nos separe!
VII.2.1.2 Quem já foi cuidado, agora tem que cuidar
(RC) cuidou de mim então, agora, tenho que cuidar dele.
VII.2.1.3 Cuidava antes do diagnóstico
Eu já cuidava de (RC) antes do diagnóstico porque é uma pessoa que depende de mim, né?
VII.2.1.4 Cuida porque tem mais conhecimento sobre a doença
Trabalho em hospital, né? Os médicos conversava comigo então, entendia mais.
A proximidade da convivência familiar possibilitou que essa tarefa fosse
assumida automaticamente, sem grandes questionamentos por parte das
cuidadoras. Verificou-se, também, que as cuidadoras-esposas assumiram o papel
do cuidado com total abnegação, pois consideram que a conjugalidade exige, de
maneira inquestionável, que “a esposa sempre tem que estar cuidando do
marido”.
Outro dado importante refere-se ao fato de existir uma lealdade familiar, em
uma relação em que consideram ser óbvio o fato de que quem já foi cuidado
agora deve cuidar, como uma espécie de retribuição. Dentro desta convivência
em família, nota-se que não há um revezamento no papel de cuidadora, uma vez
que quem cuidava antes do diagnóstico permaneceu cuidando. Além disso,
também assume esse papel quem possui mais conhecimento sobre a doença,
independentemente do grau de parentesco existente.
81
VII.2.2 Adaptação ao papel
O que mudou na vida do cuidador?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Transformou a vida para cuidar de (RC)
2003
A2 - O diagnóstico alterou a saúde do cuidador
2005
A. A vida mudou
A3 - Mudou um pouco a rotina
2008
B. A vida permaneceu a mesma B1 - O relacionamento continua o mesmo
2003
C1 - Cuidar de (RC) é difícil quando também há necessidade de dar conta das tarefas em casa e das exigências profissionais
C2 - Cuidar de (RC) é um peso quando há outros na família que também exigem cuidados
C. É difícil cuidar
C3 - É uma doença difícil de ser cuidada
2008
D. A relação entre (RC) e parentes próximos ficou alterada
D1 - O diagnóstico alterou a relação entre (RC) e parentes próximos
E1 - (RC) não pode exercer uma profissão
2003
E2 - (RC) largou o trabalho de vendedor
2005
E3 - Emprego nenhum vai querer (RC)
E. (RC) não pode exercer uma profissão
E4 - (RC) trabalhava na administração do Shopping e agora se afastou
2008
VII.2.2.1 A vida mudou
O que eu tenho pra falar é assim: a gente muda a vida da gente, né? Transformei minha vida pra cuidar, né? Vê do jeito que (RC) era e vê na situação que tava. Fiquei com muita agitação e com pobrema na pressão.
VII.2.2.2. A vida permaneceu a mesma
Não teve muita mudança no relacionamento entre a gente. Continua o mesmo.
82
VII.2.2.3 É difícil cuidar
Tá sendo difícil e eu tô tentando, né? Tenho que correr em casa, correr com (RC), correr para o serviço... É pouco o que eu ganho e não dá pra nós... Eu precisava ganhar mais e só fiquei nesse trabalho por causa das horas que tenho em casa senão, quem vai cuidar de (RC)? Pelo horário que eu trabalho, o local em que eu trabalho, eu acho que é mais fácil! Tem vez que (RC) chega, não consegue comer e tenho que dar comida na boca! Ás vezes muda o lugar (da fístula), né? Eu tenho que estar junto... Quando fez a coisa (fístula) no braço, eu tinha que dar banho, dar comida, dar remédio. Acho que até uns cinco, seis meses, o abalo foi grande! Eu ainda não tava bem mas fui me acostumando com aquilo. Eu tinha que colocar minha cabeça no lugar porque não tenho que cuidar só de (RC). É um peso, porque tenho meus outros filhos também, né? Não é fácil quando você descobre que um filho seu ou um parente tá com uma doença difícil de ser cuidada!
VII.2.2.4 A relação entre (RC) e parentes próximos ficou alterada
Com relação a (RC), os parentes ficaram com aquele sentimento: “Ah... Coitado” sabe?
VII.2.2.5 (RC) não pode exercer uma profissão
(RC) trabalhava com vendas e agora não pode exercer uma profissão e trabalhar que nem antigamente, né? Começou a complicar a diabetes e não deu pra continuar porque ia ter que faltar pra ir no médico, né? Aí eu falei: “Emprego nenhum vai querer você desse jeito! Fica aí... Enquanto eu puder ir levando...”. Aí, largou por causa da doença, né? Agora só pode se aposentar por invalidez! Aí, o médico deu esse auxílio pra (RC). Não é nem auxílio-doença! E agora (RC) quer vender uns cosméticos, porque é muito pouco (o valor do auxílio-doença), né? Pra arrecadar e ganhar mais dinheiro.
Algumas cuidadoras tiveram de transformar suas vidas ao assumirem esse
papel. É possível inferir que essa adaptação está relacionada à capacidade da
empatia, pois sofrem ao perceber o sofrimento do outro. No entanto, o
enfrentamento das novas demandas que o papel do cuidado exige provocou
reações somáticas em resposta a essas mudanças que ocorreram
independentemente da escolha delas.
83
A cuidadora que desempenha o papel há 6 anos parece estar bem
adaptada ao papel e considera que não houve muita mudança no relacionamento
familiar após o início dessa tarefa.
As cuidadoras que desempenham este papel há apenas 1 ano ou menos
colocaram ênfase nas dificuldades encontradas no atendimento ao doente renal,
pois aumentou o número de preocupações, de tarefas e de responsabilidades,
diante da necessidade de atender a toda uma demanda de cuidados de (RC) e
dos demais membros da família — ainda mais quando há filhos pequenos para
serem cuidados. No caso das cuidadoras que exercem atividades profissionais
fora de casa, há o peso de uma dupla jornada de trabalho, considerando que a
doença renal é “uma doença difícil de ser cuidada”.
Dentre as mudanças ocorridas na vida dessas cuidadoras, há as questões
de relacionamento entre o parentesco e que afetam toda a dinâmica familiar.
Quando (RC) passa a ser considerado um “coitado” por sua família, pode-se
inferir que este sentimento interferirá no fator emocional tanto do paciente quanto
da cuidadora, que será afetada diretamente pelas variações de humor de seu
assistido.
Independentemente do tempo em que o diagnóstico tenha ocorrido, todos
os pacientes tiveram prejuízos em suas vidas profissionais, pois a obrigatoriedade
da diálise, 3 vezes por semana, invalida qualquer tentativa de manutenção de
uma atividade formalmente constituída, posto que os horários de trabalho não
podem ser cumpridos. Essa realidade faz com que muitos busquem, no trabalho
informal, sua fonte de ocupação e de renda.
84
VII.2.3 A convivência diária com (RC)
Como você descreve a convivência diária com (RC)?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - (RC) sempre foi educado
2003
A2 - Às vezes a convivência diária com (RC) é maravilhosa 20
05
A3 - A convivência diária com (RC) é muito boa
A. Conviver com (RC) é fácil
A4 - Em casa (RC) fica muito bem
2008
B1 - A convivência diária com (RC) não é fácil
2003
B2 - A convivência diária com (RC) é difícil
2005
B. Conviver com (RC) é difícil
B3 - A convivência diária com (RC) deixa todo mundo nervoso 20
08
VII.2.3.1 Conviver com (RC) é fácil
A convivência em casa é muito boa! (RC) não é ignorante, num briga, sempre teve educação, canta, é uma pessoa boa, maravilhosa e feliz! A gente conversa, brinca, sai junto, se diverte. A única coisa é o nervosismo, a teimosia e a timidez mas em casa fica muito bem, né?
VII.2.3.2 Conviver com (RC) é difícil
A convivência diária com (RC) não é fácil, não. Tem momentos bons, mas está sempre falando mal da clínica de hemodiálise, entendeu? É sempre assunto desagradável! (RC) não faz dieta, não me obedece e ainda tem a teimosia, a braveza! Era uma pessoa muito alegre e depois, deprimiu... De lá pra cá, murchou... É só agressividade, nervosismo. Parece que desanimou. Não tá reagindo assim...Confiante! Então, (RC) fala: “Já perdi minha saúde, mesmo... Pra que é que eu vou lutar por alguma coisa?” e isso deixa todo mundo nervoso, né? A psicóloga ajudando, fica mais fácil pra gente lidar.
As características da personalidade de (RC) é que dão o “tom” da melhor
ou da pior convivência diária, e não a doença renal propriamente dita, ou
85
tampouco a idade, ou o maior/ menor tempo em que o diagnóstico tenha
acontecido. Pode-se inferir que os recursos de enfrentamento existentes no
paciente contribuem significativamente para o alívio ou o aumento da carga sobre
os ombros da cuidadora.
As dificuldades no relacionamento com (RC), apontadas pelas cuidadoras,
estão diretamente relacionadas à depressão, ao nervosismo, à agressividade, à
teimosia, à desobediência à dieta, e à medicação. Segundo elas, nesses casos, o
apoio de um profissional da saúde mental seria bem-vindo.
VII.2.4 Dependência de (RC) em relação ao cuidador
Qual o grau de dependência de (RC) em relação ao cu idador?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - No início da doença, (RC) necessitou da cuidadora para controlar a medicação.
A2 - No início da doença, (RC) necessitou de cuidado constante.
2003
A. No início, (RC) era dependente de cuidados.
A3 - Quando muito debilitado, (RC) necessitou da presença constante da cuidadora. 20
08
B1 - Atualmente (RC) assume a responsabilidade pela medicação e não dá trabalho
B2 - (RC) assumiu a responsabilidade pelo tratamento e não deu muito trabalho
2003
B3 - (RC) não dá trabalho
2005
B. Atualmente, não dá trabalho.
B4 - Atualmente, (RC) assume a responsabilidade pelo tratamento e é independente. 20
08
C1 - Atualmente, (RC) necessita de mais cuidado.
2003
C2 - (RC) depende da cuidadora C. (RC) é dependente de cuidados
C3 - (RC) depende de cuidados
2008
VII.2.4.1 No início, (RC) era dependente de cuidados
No início era eu que cuidava de (RC), né? Porque tava com fraqueza, depressão... A maioria entra em depressão, né? Aí eu
86
levava (remédios) na xicrinha, né? No começo, acompanhava (RC) bastante lá no Hospital das Clínicas, porque foi lá que a gente começou a fazer os primeiros exames. Quando tava com muita debilidade física, precisava dar um banho, ajudar no banho, levar no banheiro, porque (RC) não conseguia andar em casa de tanto cansaço. A gente leva uma comida, orienta e às vezes, não quer... Eu falo: “Sai, toma um sol! Vai tomar um solzinho lá fora...!”. Porque, se deixasse, ficava em depressão, mesmo! Mas, na época em que tava assim, ruim... Aí, sim... A gente ficava em cima! Tinha que dar remédio... Marcar consulta, exame... Aí, sim...
VII.2.4.2 Atualmente, não dá trabalho
(RC) não dá um pingo de trabalho e controla a própria medicação. Não me preocupo. Agora lava a louça, varre a casa, cuida do cachorro... Tem adoração pelos cachorro... põe o lixo na rua, entendeu? Eu levanto de manhã, tomo meu banho, faço café e chamo (RC) que toma café e volta pra cama. Vai dormir. Num dá trabaio! A preocupação é minha! (RC) num reclama. Eu que tenho que ficá de olho senão, já tinha achado (RC) sem vida dentro de casa! (RC) é totalmente independente, também, né? Vem sem ninguém pra clínica (de hemodiálise), cozinha, faz tudo! Tudo o que quer, faz! Agora, tá superbom!
VII.2.4.3 (RC) é dependente de cuidados
Eu estou sentindo que agora (RC) está precisando de mais cuidado. Umas duas vezes que veio pra clínica, se sentiu mal... Então, eu já peço, se precisar vim buscar, é pra ligar, né? A médica falou que (RC) pode ter uma vida normal e é só não carregar peso! Mas (RC) fica só dormindo! Porque uma coisa eu falo pra você: eu não confio de deixar (RC) com ninguém! Aonde eu vou, eu levo (RC)! Porque, eu tenho medo de ir trabalhar... Assim... Porque se eu vou trabalhar, (RC) não vai tomar os remédios na hora certa! E quem toma remédio, tem que tomar nos horários certo, né? E... Eu tenho medo d’eu sair e (RC) passar mal...Tive que deixar minha vida pra cuidar dele! Enquanto (RC) precisar de mim... Né? Aí, eu acho assim: (RC) é uma pessoa que depende de mim, né?
Nos primeiros meses após o diagnóstico, as mudanças orgânicas ocorridas
no paciente em decorrência da falência renal (e, também, logo após o início da
hemodiálise) tornam o paciente muito dependente da cuidadora, pois apresentam
sintomas como fraqueza, cansaço, depressão e falta de apetite.
A adaptação do paciente à diálise e aos esquemas a que está submetido
por conta do tratamento contribui para que (RC) readquira uma relativa
87
independência, diminuindo a dependência em relação à cuidadora, fazendo com
que a rotina familiar retorne à “normalidade”.
Com o passar do tempo, a doença renal crônica evolui, debilitando
gradativamente o paciente. Essa evolução faz com que a cuidadora precise
retomar suas tarefas de cuidado com maior atenção, pois percebe que “agora
(RC) está precisando de mais cuidado”. A dependência acentuada de (RC) faz
com que algumas cuidadoras assumam essa tarefa de maneira tão abnegada,
que não conseguem confiar em ninguém para compartilhar o cuidado.
VII.2.5 Reações ao humor de (RC)
Como o cuidador reage às alterações de humor de (RC )?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Brinca
2003
A2 - Fica alegre A. Reage bem ao humor de (RC)
A3 - Fica bem
2008
B1 - Coloca limites
2003
B2 - Faz o que pode
2005
B. Reage com dificuldade ao humor de (RC)
B3 - Sente esgotamento
2008
VII.2.5.1 Reage bem ao humor de (RC)
(RC) é uma pessoa calma, alegre, ri, conversa, conta piada. Daí, fica feliz... Fica contente... É normal! É muito raro ver (RC) com raiva porque vive com muitas pessoas em volta. Em casa fica muito bem, né? Quando eu quero alguma coisa que eu vejo que (RC) vai implicar um pouquinho, já falo brincando, dando risada, dando beijo, sabe?
VII.2.5.2 Reage com dificuldade ao humor de (RC)
88
Eu procuro escutar, ter uma certa paciência, entender o lado de (RC) porque é o doente mas, de vez em quando, também me altero pra pôr um limite, sabe? A gente não pode ficar ali aguentando, aguentando, aguentando, porque senão fica um negócio sem limite, né? Então, de vez em quando, eu dou um: “Chega!”, sabe? (RC) é assim: não se relaciona bem com os outros pacientes! É uma pessoa difícil! Não se relaciona bem com algumas enfermeiras da clínica também, é ruim, porque acha que todo mundo está contra (RC), né? Mas isso é da cabeça de (RC), que eu sei! Sempre tem uma briga danada porque sempre (RC) é ligado (na máquina de hemodiálise) por último, sabe? Não sei se todos os pacientes são assim... Mas (RC) é assim! E fala: “Ai... Porque liga todo mundo e eu fico lá, esperando!”. (RC) não gosta de vim pra clínica. Na festa de final de ano, se tiver um amigo secreto, (RC) não participa! Mas é coisa da cabeça de (RC) , mesmo, porque é difícil de se relacionar com (RC)... Porque (RC) me maltratava demais da conta, era desobediente, não fazia o que o médico mandava. (RC) me cansa mentalmente, fisicamente, tudo! Na minha medida, faço o que posso, né? Não tenho raiva porque fiz o meu papel de esposa, né?
As estratégias desenvolvidas pela cuidadora para superar as resistências
de (RC) ao tratamento facilitam a interação entre ambos. Percebe-se que as
manifestações afetivas de rir, brincar e beijar garantem esse sucesso. Além disso,
viver com muitas pessoas em volta parece ser um indicativo de que estados
emocionais agressivos não perduram muito tempo nesses ambientes.
Os limites físicos e emocionais da cuidadora são colocados à prova,
independentemente do tempo de ocorrência do diagnóstico, pois conhece as
consequências da doença em (RC) e dispõe-se a “ter uma certa paciência” que,
às vezes, não é entendida pelo doente e, para colocar limites, precisa dizer
“Chega!”. Pode-se inferir que a desobediência de (RC) às recomendações
médicas causa frustração e cansaço na cuidadora.
89
VII.2.6 As tarefas diárias
Como você se sente no seu trabalho diário?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Acostumou-se a cuidar
2003
A. Acostumou-se a cuidar
A2 - Conformou-se e leva a vida pela frente
2008
B1 - Gosta de ser cuidadora
2003
B. Gosta de cuidar
B2 - Gosta de cuidar e faz com prazer
2008
C1 - Em algum instante se sente insatisfeita
2003
C. Sente insatisfação com as tarefas do cuidado
C2 - Sobrecarregada
2008
D. Sente-se heróica D1 - Todos falam que é heróica
2005
VII.2.6.1 Acostumou-se a cuidar
Eu comecei pensar, né? Falei: “Se... aconteceu isso e eu vou ter que cuidar... então eu vou ter que aprender e me acostumar, né? Só que agora, eu já me conformei e levo a vida pela frente... Normal.
VII.2.6.2 Gosta de cuidar
Gosto... gosto! De ser cuidadora! E quando (RC) não precisar mais de mim, vou trabalhar de cuidadora de um velhinho. Então, pra mim, eu faço assim com prazer!
VII.2.6.3 Sente insatisfação com as tarefas do cuidado
Ah... A minha rotina diária é assim: no meu serviço eu vou e volto! Levo uma turma (de estudantes) e volto. Fico duas horas em casa. Depois eu volto e levo outra turma de estudantes. Em casa faço praticamente tudo: ajudo (RC) a atender o portão e no dia que (RC) vem pra clínica, fico pra vender água. Faço compras, vou no banco, faço comida, lavo e passo roupa, vou no mercado,
90
faço limpeza e deixo tudo arrumadinho. Tem hora que eu vou tapeando, né? Porque não tenho tempo mas tem hora que tem que fazer limpeza, mesmo! Sábado e domingo é dia de lavar, passar... Faço tudo! Em algum instante a gente se sente insatisfeita, porque é aquele tal negócio: o trabalho de dona de casa nunca aparece, né?
VII.2.6.4 Sente-se heroica
Eu limpo minha casa de manhã cedo, faço almoço, dou almoço pra (RC) almoço e durmo um soninho de tarde... Aí, de tarde eu levanto, faço a janta... Se é o dia d’eu lavar a roupa, eu lavo, né? É só nós dois. Eu sou uma mulher de fibra! O homem que respeite! Todo mundo fala que eu sou a heroica!
A obrigatoriedade do cuidado é percebida quando a cuidadora declara “(...)
vou ter que cuidar (...) então vou ter que aprender e me acostumar”, indicando
que precisou assimilar três aprendizados simultaneamente: cuidar, aprender e se
acostumar. Após adquirir esses domínios, surgiu um quarto elemento emocional,
que também foi assimilado: a conformação. A partir daí, a vida tornou-se “normal”.
Há cuidadoras que encontraram nesta atividade um polo de satisfação e,
na qual pretendem dar continuidade mesmo quando (RC) não necessitar mais de
cuidados.
O exercício das atividades profissionais fora de casa aliada à sobrecarga
existente na rotina de dona de casa, e que invade até mesmo sábados e
domingos, mostra que não há tempo adequado para descanso e reestruturação
tanto física quanto emocional. Além disso, como “o trabalho de dona de casa
nunca aparece”, pode-se inferir que não há, por parte de outros integrantes da
família, o reconhecimento e a valorização do trabalho da cuidadora, ou seja, a
validação desse papel na família.
As atividades de manutenção da casa ocupam a maior parte do tempo das
cuidadoras, e há aquela que se percebe como heroína dentro do contexto em que
vive.
91
VII.2.7 Saúde
Como está a sua saúde?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Está bem de saúde, mas precisa fazer exame de rotina. 20
03
A2 - Tem que ficar bem de saúde para cuidar de (RC)
2008
A3 - Não pode ficar doente senão, quem vai cuidar de (RC)?
A. Cuidador não pode ficar doente
A4 - Tem medo de morrer e deixar (RC) sem cuidado
2008
B1 - Não consegue mais fazer as coisas como antigamente 20
03
B2 - Está com estresse e vários problemas de saúde física e emocional 20
05
B. Adoeceu após o diagnóstico de (RC)
B3 - Após o diagnóstico, ficou com o sistema nervoso abalado e engordou demais. 20
08
VII.2.7.1 Cuidador não pode ficar doente
Esse ano que passou, mesmo, eu não fui nenhuma vez no médico, entendeu? Eu tenho que fazer exame de rotina.Como mulher, eu tenho que fazer mamografia. Mas eu me sinto bem! Não estou com nenhum problema. O que eu não posso é “cair” doente. Se eu “cair” doente, vai ser a coisa pior e eu não quero! Mesmo porque, eu falei: “Eu não posso ficar doente nem entrar em depressão, nem nada!”. Porque, como é que eu vou ajudar (RC) doente? Só a pressão, que quando (RC) adoeceu, eu já tinha pressão alta! Eu fiquei com medo até de morrer! Eu morrer e deixar (RC)!
VII.2.7.2 Adoeceu após o diagnóstico de (RC)
Tem hora que eu acho que tô envelhecendo. Não tô conseguindo mais fazer as coisas que eu fazia antigamente! Comecei a ficar ruim dos nervo, ter crise...até hoje tomo remédio controlado. Tirei um cisto no ovário direito, a vesícula, uma hérnia e tenho muita cólica no intestino. Peguei diabetes por causa dos nervo, só que eu controlo, fecho a minha boca, tô me cuidando. O médico diz que tenho muito estresse. Quando (RC) adoeceu comecei a engordar demais! Não sei se é porque eu fico nervosa, né? Faço tudo pra emagrecer e não consigo! Depois que (RC) adoeceu é que eu comecei a “inchar pros lados”!
92
O foco da atenção da cuidadora é colocado inteiramente na saúde de (RC)
quando passam a considerar que não podem ficar doentes — caso contrário,
quem cuidará do paciente? Além dessa preocupação, parece haver um aumento
do instinto de preservação da vida do outro e um rebaixamento dessa
preservação em si quando diz: “esse ano que passou, mesmo, eu não fui
nenhuma vez no médico, entendeu?”.
O estresse, resultado do grande investimento físico e emocional nas
tarefas do cuidado, provocam o aparecimento de patologias orgânicas na
cuidadora que, além dos cuidados que precisa ter com (RC), também se vê
obrigada a olhar para si, a se cuidar. As patologias mais comuns são as
alterações do sistema nervoso e aumento da pressão arterial.
VII.2.8 Autoestima
VII.2.8.1 Valorização do cuidado
(RC) reconhece e valoriza o cuidado que recebe?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - (RC) respeita a cuidadora
A2 - Acha que (RC) valoriza a cuidadora
2003
A. A cuidadora acha que é valorizada
A3 - Acha que sim
2008
B1 - (RC) nunca valorizou
2005
B2 - (RC) tem que colaborar B. A cuidadora não é valorizada
B3 - (RC) não obedece muito
2008
VII.2.8.1.1 A cuidadora acha que é valorizada
93
Eu acho que (RC) valoriza o cuidado que recebe. Mesmo porque, considera eu e as crianças sua família, né? (RC) é uma pessoa liberada, não esquenta a cabeça com nada, me conhece e sabe que eu gosto de tomar uma cerveja. Aí, eu falo assim: “Ah, vou tomar uma cervejinha hoje, né?”. (RC) fala: “Toma!”. Se eu quiser tomar duas latinhas de cerveja eu tomo. Nunca questionou minha cerveja, entendeu? Nesse sentido de valorização, demonstrar, (RC) não demonstra. Pra mim, não! Mas, de repente, pode falar pra outras pessoas! Pra mim, nunca falou nada... Chegar e demonstrar, assim, não! Mas também, acho que não daria tanta importância pra isso, não!
VII.2.8.1.2 A cuidadora não é valorizada
Valor? Nunca! Nunca me deu! Eu falei que (RC) tem que me ajudar! Vai chegar uma hora que eu não vou aguentar cuidar, né? Um adolescente, já tá numa idade que não obedece muito. Se (RC) sai, eu vou atrás! Mas não é só depois que adoeceu que eu faço isso...
A cuidadora “acha” que é valorizada, mas não tem certeza. Ela faz
deduções relacionadas aos comportamentos de (RC), pois nunca foi comunicada
sobre o valor que tem na vida do paciente, embora revele que não daria tanta
importância a essa verbalização. Esse discurso foi encontrado nas entrevistas em
que as cuidadoras apreciavam o desempenho deste papel.
Nos casos em que a desvalorização do cuidado foi reconhecida pela
cuidadora, também houve relato da existência de conflitos familiares ou de grande
dificuldade no relacionamento com (RC). Mesmo nessas circunstâncias, a
cuidadora prosseguiu no desempenho do seu papel, sabendo que “vai chegar
uma hora que eu não vou aguentar, né?”.
94
VII.2.8.2 Autonomia
O que gosta de fazer quando está só?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Gosta de assistir televisão ou fumar
A2 - Gosta de ler
2003
A3 - Termina os afazeres domésticos e dorme após o almoço 20
05
A4 - Gosta de descansar e dorme após o almoço
A5 - Gosta de ler bastante
A. Atividades diversas
A6 – Faz bordado
2008
VII.2.8.2.1 Atividades diversas
Gosto de ler, ver televisão. Quando (RC) vai dormir eu fico lá, curtindo a televisão... sozinha. Já acostumei. Não sou de ficar na casa dos outros, entendeu? Ás vezes, vou fumar no quintal. Aí, abro o portão e fico olhando a rua, porque eu não fumo dentro de casa e não deixo ninguém fumar, né? Eu limpo minha casa de manhã cedo, faço almoço, dou almoço pra (RC), almoço e durmo um soninho de tarde... Eu gosto de descansar quando estou sozinha mas é difícil, né? Só quando a (RC) dorme, é que eu descanso um pouco! Eu não tenho tempo pra isso! Aí eu almoço e vou dormir... Eu bordo em casa. Pego a produção com a minha vizinha que ela borda, né? Bordado de pedrinhas...
O descanso, a leitura, a televisão e atividades manuais são as mais
procuradas quando a cuidadora está sozinha. Tais atividades são realizadas
somente quando (RC) dorme, pois não há tempo suficiente para isso quando ele
está acordado, indicando que sua autonomia é parcial, pois permite a escolha das
atividades, mas impede que sejam realizadas em qualquer período do tempo
desejado.
95
VII.2.8.3 Realização pessoal
Que pontos considera positivos na sua vida depois q ue começou a cuidar de (RC)?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Aprendeu a acostumar, tentar resolver.
A2 - Ficou mais paciente com (RC)
2003
A. Há pontos positivos no cuidado
A3 - Sente prazer em cuidar
B1 - Não tem nada de positivo
B. Nada há de positivo no cuidado B2 - Não sabe dizer se tem algo positivo, pois tudo continuou como sempre foi.
2008
C. Positivo é a permissão de Deus C1 - Tirou a visão e tornou (RC) impotente
2005
VII.2.8.2.1 Há pontos positivos no cuidado
Aprendi a acostumar, a tentar resolver. Conforme vai passando o tempo, a gente vai cansando um pouco mais. Só que a gente tem que aprender a viver com isso, né? Fiquei mais paciente com (RC), né? Porque eu não tinha muita paciência. Agora eu tolero mais. Então, isso eu achei mais positivo... Eu já pensei nisso também! Tipo assim: eu sinto prazer em cuidar! Eu gosto de cuidar!
VII.2.8.2.2 Nada há de positivo no cuidado
Ah... Eu não sei... Positivo até agora? Até agora, não vi nada de positivo! Tá difícil as coisa... A gente não vê saída...Não tem nada de positivo, não. Pra mim... ó...Falar a verdade: depois daquele dia que (RC) saiu do hospital e foi pra minha casa, que eu tava vendo que ele tava bem e tava na minha casa... Porque o difícil pra mim foi quando (RC) tava no hospital. Mas quando foi pra minha casa...Pra mim foi... Tudo continuou como sempre foi...Eu levo tudo “na boa”, entendeu?
VII.2.8.2.3 Positivo é a permissão de Deus
Eu creio que tem... Sabe por quê? Isso é permissão de Deus... Porque Deus viu o que (RC) fazia comigo...E Deus achou que eu não merecia... E a única coisa... A primeira coisa que Deus fez, foi
96
tirá a visão de (RC) porque...Acho que eu devia te (para a pesquisadora) falar uma coisa que eu vou te falar. A primeira parte que Deus quebrou (RC)... Você sabe onde é... <e fez sinal com o polegar para baixo, indicando impotência sexual> ... e depois, acabei ficando assim...
A cuidadora considera como positivo o fato de ter se acostumado com a
situação, com as tentativas para resolução de problemas, com o aprendizado
para viver nesse novo contexto, com o desenvolvimento da paciência e da
tolerância e com a descoberta de que gosta de cuidar.
Segundo algumas cuidadoras, nada há de positivo na situação em que se
encontram, pois não veem saída para a doença e suas consequências. Apesar
disso, levam tudo “na boa”.
A crença de que Deus é justo faz com que a cuidadora justifique a cegueira
e a impotência sexual de (RC) como resultado da “justiça Divina”, ou seja, Ele foi
justo com ela aplicando, merecidamente, punições físicas ao paciente, e tal
consequência é considerada positiva na vida dela.
Que pontos considera negativos na sua vida depois q ue começou a cuidar de (RC)?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Os pacientes morrem e isso dói
A2 - (RC) sente muita dor, toma remédio toda hora, não viaja e não há o que fazer com a doença.
2003
A3 - É difícil ver o sofrimento de (RC)
2005
A4 - As coisas são difíceis porque não se vê saída
A. Quase tudo é negativo
A5 - A única coisa negativa é dar pouca atenção para a filha
B. Está tudo normal B1 - Está tudo normal e não há nada de negativo
2008
VII.2.8.2.4 Quase tudo é negativo
De negativo? Ah... de negativo é quase tudo, né? O problema de (RC) estar nessa situação é que sente bastante dor em vários lugares, tem que ficar tomando remédio toda hora, não pode viajar
97
mais, porque dia sim, dia não tem que ficar aqui (na clínica)... Nossa! É muita coisa! De negativo tem uma porção de coisas... Não tem nem como falar, né? É uma coisa tão difícil pra gente... É uma situação que... É uma doença que não tem o que fazer! A gente fica ali, de pés e mãos atados! Porque não tem o que fazer! Não tem uma cirurgia, não tem nada! Só tem que fazer o tratamento aqui e pronto! É difícil vê uma pessoa sofrê tanto, né? (RC) sofreu demais! Tudo assim, seguido... Tá difícil as coisa... A gente não vê saída! E tambem dou menos atenção pra minha filha. Aqui na clínica a gente pega muita amizade, sabe? Vou parar de ficar com muito chique-chique com paciente, porque depois eles vão embora (morrem)...e eu vou ficar dolorida!
VII.2.8.2.5 Está tudo normal
Negativo? Também não sei! Pra mim, o que tem que acontecer ninguém vai desviar, né? Então, pra mim, não tem nada negativo. Pra mim, normal!
A cuidadora sente-se de “pés e mãos atados” por considerar que a doença
renal crônica “é uma doença que não tem o que fazer”. Novamente, há o
sentimento de impotência frente à crença de que nada pode ser feito. Além disso,
ela precisa conviver com as restrições físicas do sujeito assistido (dores
constantes, ingestão de remédios a toda hora), as restrições sociais (não pode
viajar porque precisa dialisar em dias alternados) e com a ameaça da proximidade
gradativa da morte do paciente devido ao quadro evolutivo da doença crônica.
Acreditar na fatalidade do destino e que “o que tem que acontecer ninguém
vai desviar” oferece à cuidadora um recurso ao qual ela pode se apegar para
justificar a situação em que se encontra por imposição das circunstâncias. Assim,
evita o sofrimento e os conflitos, chegando a considerar que “não tem nada de
negativo” em sua vida, no momento.
98
VII.2.8.4. Sonhos para o futuro
Quais seus sonhos para o futuro?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Deseja ter muita saúde para, algum dia, cuidar de um idoso.
A2 - Pretende ver os filhos bem, casados, alem de deixar a vida acontecer.
2003
A3 - Orar pelos enfermos
2005
A4 - Sonha em recuperar a tranquilidade perdida e que (RC) consiga um doador para o transplante
A5 - Quer que (RC) faça o transplante, alcance a cura e que a cirurgia da filha dê certo.
A. Tem sonhos
A6 - Pede a Deus que (RC) tenha o direito de receber um rim
2008
B1 - Nem pensa nisso
B2 - Não fala em projeto para o futuro porque não sabe quanto tempo (RC) irá viver
2003
B. Não pensa nisso
B3 - Seu sonho só pertence a Deus
2005
VII.2.8.2.4 Tem sonhos
Meu único desejo para o futuro é que eu tenha muita saúde, que eu quero ainda ajudar muito os idosos. A gente projeta muitas coisas nos filhos, né? Eu pretendo ver os meus filhos bem, casados, né? Deus fala muito comigo, sabe? A minha missão é orar pelos enfermos sabe? Meu sonho é que (RC) consiga o rim, transplante e se cure, né? Pra gente poder ter uma vida mais tranquila porque depois desse problema aí, ficou tudo bagunçado! A minha filha agora vai fazer a cirurgia de adenoide e quero que tudo dê certo, que a gente fique em paz e isso tudo acabe logo, entendeu? E assim será: ser feliz! Eu não perco a esperança, entendeu? Todo dia eu peço a Deus para que, se (RC) ter direito a esse rim, seja mais fácil que tenha, né? Porque a vida de quem faz hemodiálise, não é fácil, né? Só o fato de você estar ali, naquela coisa, 3 vezes por semana, já é difícil!
VII.2.8.2.5 Não pensa nisso
99
[Longa pausa e depois um grande suspiro] É... sabe que eu nem penso nisso? Meus sonhos pro futuro? O meu futuro mesmo? Não tenho muito o que falar de projeto pro futuro... É... Ir vivendo e ver o que vai acontecendo, né? Porque agora, com a doença de (RC) a gente não sabe o que vai acontecer! Você não sabe quantos anos que (RC) vai viver... [seus olhos se enchem de lágrimas] Se é um... Se é dois... Se é dez, né? Então, eu acho que não dá pra falar sobre futuro... [longa pausa, acompanhada de grande suspiro] Meu sonho? Só pertence a Deus...
Os sonhos para o futuro estão relacionados com o bem-estar pessoal,
alcançado por meio de muita saúde; com a realização do transplante renal do
paciente para que a tranquilidade existente na vida antes do diagnóstico da
doença renal, seja recuperada e “isso tudo acabe logo”; com o desejo que os
filhos fiquem bem; com atividades que beneficiem idosos e enfermos. Nota-se que
ninguém possui projetos que envolvam vantagens financeiras ou profissionais.
Pode-se inferir que as questões relacionadas à saúde física, mental e espiritual
são consideradas de maior valor do que as questões materiais.
Cuidadoras que desempenham este papel há mais de 3 anos fizeram longa
pausa antes de responder e, emocionadas, disseram que não alimentam projetos
para o futuro: apenas vivem um dia após o outro, embora tenham demonstrado a
angústia que sentiam pela possibilidade da morte do paciente ocorrer a qualquer
momento. A falta de apoio psicológico faz com que as cuidadoras fiquem
vulneráveis ao próprio sofrimento, sem condições de receber acolhimento
adequado para a elaboração deste luto que, na maioria dos casos, não é
reconhecido por elas.
100
VII.3 Impacto financeiro
VII.3.1 Responsabilidade pela administração finance ira
Quem administra a vida financeira da casa?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - É a curadora de (RC)
A2 - Sempre administrou a vida financeira da casa
2003
A3 - Atualmente administra a vida financeira da casa
2005
A. Cuidador administra vida financeira da casa
A4 – Tudo é a cuidadora
2008
B1 - Vende material reciclável para aumentar a renda familiar
B2 - A renda familiar é composta por uma aposentadoria e a venda de água em casa
2003
B3 - A renda familiar é composta por uma aposentadoria
2005
B4 - A renda familiar é composta por um salário mínimo e auxílio-doença
B5 - A renda familiar é composta pelo salário dos membros da família e do auxílio-doença
B. O dinheiro é pouco
B6 - A renda familiar é composta por aposentadoria, Bolsa-Família e confecção de bordados.
C. A administração é compartilhada entre os membros da família
C1 – Cada familiar administra seu próprio dinheiro e as despesas são divididas entre eles
2008
VII.3.1.1 Cuidador administra a vida financeira da casa
Sou eu que administro e pago as contas porque até cinco meses atrás, era (RC). Eu só ia no banco pegar o dinheiro. É que eu sou a curadora porque (RC) não tem como mexer com as coisas e a poupança tá no nome de (RC). Aí eu vou, faço o que tenho que fazer. Mas, praticamente, sempre foi, né? Não sei se é porque eu trabalhava já em banco.
VII.3.1.2 O dinheiro é pouco
101
Por eu ter uma renda mínima, quase nada, eu vendo seletivo (garrafa plástica, latinha), vendo sabão. Isso dá uma renda de duzentos e cinquenta real. A cada dez dias eu vendo vinte reais de seletivo. Tudo que meus vizinho joga. Assim, vou aproveitando. Tem um saco com umas garrafas lá, jogado na rua e eu tô passando, eu pego. Não tenho vergonha de agachar no chão e pegar. Tem onze anos que eu aposentei. A gente ainda tem uma coisa de vender água em casa mesmo. (RC) demorou pra correr atrás do INPS e agora, tá adiantada a doença. Agora só pode se aposentar por invalidez! Aí, o médico deu esse auxílio-doença! Aí (RC) recebe um salário (mínimo). E eu também faço bordado em casa, uns “biquinhos”. Eu pego a produção com a minha vizinha e faço bordado de pedrinhas. Tem mês que eu tiro cem, cento e cinquenta e tem mês que eu não tiro nada! E recebo também o Bolsa-Família, que já é uma ajuda. Quando meu marido acha um “bico” pra trabalhar, dá pra ganhar uns trocadinhos, mas tem vez que fica um mês sem, né?
VII.3.1.3 A administração é compartilhada entre os membros da família
Todo mundo lá em casa, trabalha, né? Cada um administra o seu dinheiro. Eu administro o de (RC) mas cada um administra o seu dinheiro. Uns pagam umas contas. É dividida as contas... Assim, né? Eu pago o telefone...Tem um que paga a luz... Tem outro que... Minha mãe faz compras...É tudo dividido...
O adoecimento provoca uma alteração significativa na rotina de trabalho do
paciente renal crônico, interferindo na dinâmica do funcionamento familiar, pois
precisa sair do mercado de trabalho formal buscando muitas vezes, no trabalho
informal, sua fonte complementar de renda. Quando passa a depender da
Previdência Social para sobreviver financeiramente, os cuidadores são
diretamente afetados por esta dinâmica, pois a responsabilidade pela
administração financeira da casa também recai sobre a cuidadora, que nem
sempre pode contar com a colaboração da família nesta questão — seja porque
esta atividade já era exercida antes do diagnóstico, seja porque (RC) ficou
impossibilitado de realizá-la.
A venda de material reciclável, o comércio de água mineral ou a confecção
de bordados são atividades informais exercidas pelas cuidadoras, cuja finalidade
é complementar a renda familiar que, na maioria dos casos, é composta por
aposentadoria ou auxílio-doença, recebidos da Previdência Social ou pelo
programa Bolsa-Família.
102
VII.3.2 Gastos com medicação
As despesas aumentaram?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Os remédios são caros e a Prefeitura fornece
A2 - Alguns remédios são caros e adquiridos no Posto de Saúde
2003
A3 - Os remédios mais caros são fornecidos pela clínica de hemodiálise
A4 - O Posto Saúde fornece os remédios com receita médica
A. A Prefeitura fornece os remédios caros
A5 - O Posto Saúde fornece os remédios para a doença renal crônica, pressão arterial e diabetes.
2008
B1 - Alguns remédios precisam ser comprados
2003
B2 - O Posto Saúde fornece a insulina e não fornece os remédios para a doença renal crônica
B3 - Quando o Posto de Saúde está fechado, os remédios são comprados.
B. Remédios baratos são comprados
B4 - Só compra remédio baratinho
2008
VII.3.2.1 A Prefeitura fornece os remédios caros
Uma vez, tive de correr atrás da Prefeitura pra comprar um remédio que o médico receitou e que custava cento e cinquenta reais a caixa! Só que o nosso prefeito, dá. Precisei ir lá na Câmara, fazer uma entrevista pra pedir pra primeira-dama. Aí, consegui três caixas. Porque até chegar a Hemac de um paciente que entra hoje na hemodiálise, leva trinta dias. Tem que fazer um processo, ir pro Ministério da Saúde pra liberar, porque é caríssima! Não tem condição de ninguém comprar. Aí esse processo leva mais de um mês. A insulina e uma vitamina que (RC) toma, se tem receita, a gente pega no Posto de Saúde. A sorte é que estão dando aqui, na hemodiálise! Também, é um potão grande assim!
VII.3.2.2 Remédios baratos são comprados
Os remédios, alguns a gente compra e não são caros. Quando o Posto de Saúde tá fechado, a gente compra na Farmácia Popular.
103
Foi uma pomada, só, que a clínica de hemodiálise pediu pra trazer, porque (RC) falou que os pacientes da clínica, dividem. Acho que, cada mês, um paciente trás. Porque a gente não compra remédio, né? Nem eu compro o que eu tomo de pressão. Nem o de diabetes. A gente só compra esse remédio que é baratinho e nunca passa de quatorze reais! Aí, quando tá na promoção, esse mês passado, mesmo, eu comprei e paguei oito reais e quarenta centavos! Eu compro um potinho com cem comprimidos. É vitamina o que eu compro. É o Complexo B... Só esse que eu compro e é baratinho, também...Doze (reais)... Tem vez que tá oito (reais)... O resto é de quarenta e nove (reais)... Trinta e nove reais... O dinheiro que (RC) pega tem que comprar... Uma caixinha dá quinze dias... Tem que ser duas caixas de cada! Três de pressão (remédio), um pra arritmia, um pro coração, né? Então tem que ser duas caixinhas de cada... Aí, dá pro mês todo!
Todas as cuidadoras utilizam os serviços públicos oferecidos pelo
Ministério da Saúde ou pelas Prefeituras para aquisição de medicação gratuita,
pois a condição de baixa renda em que vivem não permite que os gastos com
remédios de alto custo sejam incorporados pelas famílias.
Medicações de baixo valor monetário somente são adquiridos quando o
Posto de Saúde encontra-se fechado. Nesse caso, a compra é realizada em
Farmácia Popular, havendo, então, um ônus e consequente acréscimo de
despesa no orçamento familiar.
104
VII.3.3 Habitação
Moradia
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Mora a 50 anos na mesma rua
A2 - Vive com o marido e os filhos
2003
A3 - Construiu uma casa para ventilar
2005
A4 - Mora em terreno com duas casas
A5 - A família é grande e moram na mesma casa
A. Mora em casa própria
A6 - Mora em casa própria construída em terreno da Prefeitura
2008
B1 - Compartilha o quintal com o tio
2003
B2 - Compartilha o quintal com os filhos
2005
B3 - Compartilha o quintal com o pai
B4 - Compartilha o quintal com a avó
B. O terreno é compartilhado
B5 - Compartilha o quintal com outra família (vizinhos)
2008
VII.3.3.1 Mora em casa própria
Onde eu moro é terreno da Prefeitura. Ele (irmão) disse: “Então, vamos fazer o seguinte: como o terreno não é meu, é da prefeitura e pode tirar a hora que ela (prefeitura) quiser, esse dinheiro que você vai pagar aluguel, nós junta e “bate laje” (construção) na minha casa, porque a casa é de telha e você constrói em cima”. E aí, meu outro irmão falou: “Enquanto isso, vocês fica aqui na minha casa pra não pagar aluguel. Porque o dinheiro que vai pagar aluguel, já vai comprando material pra construir, né?”. E assim a gente fez e construímos em cima da casa do meu irmão. Fizemo uma casa pra ventilá, porque (RC) tinha muita falta de ar... A gente construimo em cima... nem terminou...E a gente passou pra cima, por causa da ventilação... É que é um terreno só com duas casa. Nossa família é grande e lá em casa sou eu, meu marido e meus dois filhos.Moro há cinquenta anos naquela rua...
105
VII.3.3.2 O terreno é compartilhado
O quarto dele era adaptado... ele segurava nos ferro pra sentar na cama... tudo limpinho...era separado... era no quintal... se ele falasse um “a” eu escutava. Por quê era separado? Porque quando ele (tio B) era alcoólatra, ele ficava transitando na casa toda... foi aí que nóis separamos ele, né? Meus filho mora tudo no quintal... Mora eu e minha irmã e, embaixo, mora meu pai. Nós somos em oito... Mora eu, a minha filha, os meus irmãos e a minha mãe. E no fundo da minha casa, a minha avó. Aí o meu irmão separou da mulher, vendeu a casa dele de baixo, porque na época que ele vendeu a gente não tinha dinheiro pra comprar, senão, a gente tinha comprado, né? Aí, moram outras pessoas embaixo. Mas é tudo gente boa, também. Assim, bem legal, né? Não tenho nada de reclamar deles. Aí, mora eu em cima e eles (vizinhos), embaixo.
Todas as cuidadoras moram em cidades periféricas pertencentes à Grande
São Paulo e apresentam um padrão habitacional: moram há muitos anos no
mesmo bairro, possuem casa própria e compartilham o terreno com outros
membros da família. Esse estilo de vida familiar comunitária parece ter se
estendido para o cultivo das relações com a vizinhança ou com as comunidades
religiosas.
106
VII.4. Rede social de apoio
VII.4.1 O papel da família no apoio ao cuidador
VII.4.1.1 Convivência familiar
Como descreve a convivência com os demais membros d a família?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - A família dá palpite errado sobre o cuidado
2003
A. A família não colabora
A2 - A família não ajuda
2008
B1 - O médico nunca viu uma família tão unida
2005
B2 - A família é muito grande, muito unida. Família feliz! B. A família é unida
B3 – É uma família de gente bem unida
2008
C. Houve pouca mudança no relacionamento familiar C1 - Não teve muita mudança de relacionamento
2005
VII.4.1.1.1 A família não colabora
Você vim pra clínica, cuidar da casa, dos outros médicos, correr atrás de medicação, dinheiro pouco... tudo estressa, né? E família dando palpite errado. Aí elas falavam: “Pôxa! Você não deixa (RC) comer nem beber nada! E eu falava: “Vocês cala a boca porque quem tá sabendo da situação sou eu. Agora, se vocês querem entendê, vocês vão pelo menos dois meses com (RC) e fica fazendo a pesquisa lá na clínica de hemodiálise ou conversa com a doutora, conversa com a enfermeira-chefe e vocês vão saber o que eu estou sabendo!” A família, também, não ajuda, sabe? Meu pai casou de novo, meus outros irmão não quer saber de fazer teste (de compatibilidade sanguínea), nem nada! E aumenta mais ainda a revolta de (RC)! Porque é de outra mulher (os irmãos) e não sente a gente como família... Eles foram até lá (Hospital das Clínicas) e não quiseram fazer! Aí, (RC) entra em desespero! Aí, deixa a gente desesperada, também!
VII.4.1.1.2 A família é unida
107
Nós nunca deixemo (RC) sozinho! O médico falou que nunca viu uma família unida igual a nossa! Tudo os filho, gosta demais de (RC). Nossa família é muito grande, muito unida, sabe? Se precisar de alguma coisa, todo mundo tá lá disposto a ajudar... Muito unida... Família feliz! Porque a minha família aqui em São Paulo é bem grande e, graças a Deus, é uma família de gente muito unida! Tanto a minha família quanto a família do meu esposo. Porque o meu esposo tem bastante gente aqui...A minha é que tem menos, né? Mas... A minha família... O meu esposo gosta muito da minha família...
VII.4.1.1.3 Houve pouca mudança no relacionamento familiar
Não teve assim muita mudança de relacionamento entre a gente. Só os parentes ficaram com aquele sentimento: “Ah... Coitado” sabe?
O apoio familiar ajuda a diminuir o sofrimento e acelera a adaptação ao
papel de cuidadora, embora houvesse situações em que ele não tenha ocorrido e
a revolta tenha sido identificada no discurso da cuidadora. Em outros casos, os
relatos indicam a união familiar, o apoio à cuidadora e a boa convivência entre os
seus membros. Assim, questões relacionadas ao apoio familiar recebido (ou não)
independem do tempo em que o diagnóstico tenha sido realizado.
A presença da família é de vital importância tanto para o paciente renal
crônico quanto para o cuidador, e essa realidade se expressa por meio do relato
de uma cuidadora, ao relatar o drama pessoal de um amigo que faz hemodiálise:
(...) E, uma vez, ele escreveu para um enfermeiro uma carta, falando que era para o enfermeiro entregar aquela carta lá no “De Volta para Minha Terra” (programa de televisão), pra procurar a família dele! E ele (amigo) falou: “Não quero nada. Só quero isso”! Porque ele falou que não tem família aqui (no estado de São Paulo). Só tem uma mulher... Só que a mulher não liga pra ele! Não tá nem aí pra ele! E ele queria alguém da família dele pra poder... Assim... Conversar... Contar com um apoio! E era só isso que ele (amigo), queria... Então, eu acho importante, ter alguém da família! Pra acompanhar, pra ajudar, pra correr atrás....
108
VII.4.1.2 Divisão de tarefas
Com quem divide as tarefas do cuidado?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Família não ajuda a cuidar
A2 - Não tem com quem dividir as tarefas
2003
A. Ninguém ajuda a cuidar
A3 - É a única pessoa que cuida de (RC)
B1 – Filhas e netas
2005
B2 - Pai
B3 – Mãe e irmãos
B. O cuidado é compartilhado
B4 - Marido, filha, irmãos, vizinhos.
2008
VII.4.1.2.1 Ninguém ajuda a cuidar
Pensa que me ajudava a cuidar? Não ajudava. Então, mais sou eu que cuido. Não tenho com quem dividir. A única pessoa que cuida de (RC) sou eu! Vinte e quatro horas!
VII.4.1.2.2 O cuidado é compartilhado
Olha...Todo mundo ajuda: meu pai ajuda, na medida do possível, porque ele tem os outros filhos, né? Os meus vizinhos... O meu vizinho lá que, qualquer coisa que eu precisar... Assim... Pode ser dia... Noite... Ele tá pronto pra ajudar! Porque em casa tem o pai de (RC), minha mãe, meus irmãos, meu marido, minhas filhas, minhas netas que ajudam também!
Cuidadoras que exercem essa atividade há 3 anos ou mais não contam
com auxílio familiar na divisão das tarefas, diferentemente das cuidadoras cujo
diagnóstico do paciente seja recente. Aparentemente, a passagem do tempo faz
com que os familiares “acomodem-se” com o fato de haver alguém que,
oficialmente, encarrega-se de todas as demandas do cuidado. Foi percebido, nas
109
entrelinhas dos discursos, que há por parte dessas cuidadoras uma aceitação
resignada desse papel.
Cuidadoras nascidas em famílias grandes, unidas, participativas e que
também puderam contar com o apoio de algum vizinho foram as que melhor
enfrentaram os revezes que o diagnóstico do paciente renal crônico impôs às
suas vidas.
VII.5 Recursos de enfrentamento
VII.5.1 Apoio emocional
Quando você percebe que precisa desabafar, a quem p rocura?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Não tem com quem desabafar então, xinga, fala palavrão e fica bem, na hora! 20
03
A. Não tem com quem desabafar
A2 - Não tem com quem desabar então, fala sozinha.
2008
B1 - Não tem com quem desabafar então, vai à igreja e sente alívio. 20
03
B. Vai à igreja quando precisa de alívio
B2 - Vai até a igreja, buscar a Palavra (de Deus).
2005
C1 - Desabafa com a irmã
C. Desabafa com pessoas próximas
C2 - Desabafa com a vizinha, a irmão ou a filha.
2008
VII.5.1.1 Não tem com quem desabafar
Ah... Eu não tenho ninguém... Tem vez que eu falo sozinha! Meu pai fala que eu sou doida! Falo comigo mesma... Falo sozinha! Quando alguém me irrita, desabafo do meu jeito. Eu xingo, falo palavrão. Saro na hora! Agora... eu pará pra conversar e desabafar, não. Não desabafo com ninguém!
VII.5.1.2 Vai à igreja quando precisa de alívio
Não tenho uma pessoa que eu possa desabafar! Eu vou muito na igreja buscar a palavra (de Deus), né?. Chega lá, a Palavra fala
110
direitinho...Nossa! Saio zonzinha de dentro da igreja! Então, eu acho que isso aí é uma coisa que pra mim é um alívio, né? Me alivia muito porque a gente começa a ter outros entendimentos, dá tranquilidade, a gente aceita mais as coisas, com calma. Não fica esbravejando, achando que tudo é ruim. De tudo tem que tirar uma lição. É uma lição de vida também, né?
VII.5.1.3 Desabafa com pessoas próximas
Eu desabafo com a minha irmã, né? Nós somos muito amigas! Sempre que acontece alguma coisa ela escuta, dá uns conselhos... A gente senta, conversa e fala das nossas vidas, dos nossos problemas, das alegrias, tristezas, troca experiências, ideias. Nem com as minhas amigas, eu não falo! Tem muita coisa da minha vida que eu só falo pra minha irmã! Desabafo com a minha filha de quinze anos mas que tem mente e cabeça de adulto, mesmo! Desabafo com a minha vizinha mais próxima! Sem ser a de baixo, a do lado! Quando eu vim praqui, tem uns quinze anos... faz agora em março, né? Não, já fez! Hoje é vinte? Eu vim pra cá dia 12. Foi aí que eu conheci ela (vizinha). E a gente tem uma amizade muito... Assim... Eu considero ela como se fosse uma irmã minha, né? Aí eu me desabafo com ela.
A solidão experimentada por algumas cuidadoras torna-se explícita quando
ela declara: “Ah... Eu não tenho ninguém... Tem vez que eu falo sozinha!”. Esse
relato foi encontrado tanto naquelas que estão sofrendo o impacto desta tarefa há
pouco tempo, quanto naquelas que desempenham este papel há mais de 5 anos.
Numa observação mais ampliada em relação ao total da entrevista, verificou-se
ser este o perfil de cuidadoras com história de vida que incluía a perda, na
infância, de um dos pais, tenha sido por morte ou por separação.
As atividades religiosas são consideradas uma fonte de alívio e de
compreensão para os problemas vividos no dia a dia. A relação com a
comunidade religiosa já fazia parte da rotina social e espiritual de algumas
cuidadoras, na verdade, muito antes do diagnóstico da doença renal.
A busca de um sentido para a própria vida mantém as cuidadoras em
atividade junto às comunidades religiosas. Pode-se considerar, também, que essa
é uma maneira de preservar um espaço apenas para si, pois tal atividade lhes
porporciona algum tempo longe do ambiente doméstico e das preocupações
constantes a que estão submetidas.
111
Cuidadoras cuja família é numerosa, unida e participativa relacionam-se
melhor com seus integrantes, bem como com a comunidade social na qual fazem
parte, de forma a encontrar, por meio desses relacionamentos, alívio para suas
tensões emocionais e físicas.
VII.5.2 Apoio espiritual
Religiosidade e crença em Deus
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Deus abençoou e agora (RC) está bem
A2 - Deus abençoa e pode impedir que (RC) não fique numa cama
2003
A3 - Deus faz muita coisa boa e tem o poder de transformar o rim de (RC)
A4 - Deus, por meio da Sua vontade, decide se o doador será encontrado.
2005
A5 - Deus sabe o que faz, transmite força e decide se o doador irá aparecer.
A6 - Reza e pede a Deus que garanta a saúde da família e dos amigos
A. Deus é fonte de alívio e esperança
A7 - Deus garante que (RC) dure (viva), dá força, traça o destino e ninguém pode reclamar.
B. Vai à igreja quando precisa de Deus B1 - Vai à igreja quando está triste e precisa de Deus no coração
2008
VII.5.2.1 Deus é fonte de alívio e esperança
Mas, graças a Deus, agora (RC) tá bem e Deus abençoou que deu tudo certo! Fui sempre muito abençoada por Deus, sabe? Até peço pra Deus que (RC) não fique numa cama, né? Deus fala muito comigo, sabe? Orar pelos enfermos é a minha missão, sabe? Quando internei (RC) , Deus me mostrou que tinha uma obra pra mim fazê lá dentro (do hospital)! Tanta coisa boa que Deus fez! Porque Deus tem o poder de transformá, de trocá o rim! E que seja feita a vontade de Deus, né? Batalhar pra encontrar um doador e esperar! Deus lá, tá vendo: se tiver que aparecer um doador, vai aparecer! Mas eu rezo todo dia! Eu rezo, oro, peço pela saúde da minha família, peço pelos meus amigos... Pra todo mundo! Porque eu acho que a nossa vida é traçada, né? O
112
destino já é traçado por Deus, né? Então, tudo que nós tem que passar, nós não pode reclamar por nada! Não tem um culpado! Mas no caso de uma doença, ninguém é culpado porque a outra pessoa tá doente, né? Então, não reclamo, graças a Deus! Sou uma pessoa que acredito muito em Deus, né? Então, tudo que vou fazer, primeiro peço a Deus permissão pra fazer aquilo ali e peço a Deus pra me dar forças pra cuidar de (RC) e dos outros (filhos).
VII.5.2.2 Vai à igreja quando precisa de Deus
Na verdade, só vou na igreja agora, quando eu sinto que preciso de Deus no meu coração! Tem horas que eu falo: “Meu Deus!”. Acho que é quando eu tô triste, porque a gente só busca Deus, nessas horas, né?
As manifestações de apego a Deus foram encontradas em todas as
entrevistas realizadas, independentemente de a participante estar associada a
alguma religião ou doutrina. Aparentemente, a representação de um Deus
internalizado e “criado” para atender às necessidades próprias preenche o papel
de figura de apoio nos momentos de crise, possibilitando a regulação emocional
e, consequentemente, alívio e renovação de forças para novos enfrentamentos. A
recuperação do sentimento de segurança foi identificada em todos os relatos.
VII.5.3 A esperança do transplante
A esperança do transplante
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - (RC) tem pouco tempo de vida
A. Não alimenta esperança A2 - Não há doador compatível na família e é difícil aparecer doador cadáver
2003
B1 - (RC) recusa doador familiar e espera por doador cadáver 20
05
B2 - Não há doador compatível na família e (RC) espera por doador cadáver 20
08
B. Não perde a esperança
B3 - Não há doador compatível na família e (RC) aguarda doador cadáver
C. Aguarda a realização do transplante C1 - Há, na família, doador compatível e (RC) apenas aguarda a realização do transplante.
2008
113
VII.5.3.1 Não alimenta esperança
Em casa, não sou compatível pra doar e os filhos também não! Porque o sangue de (RC) é tipo O e o nosso é B. E da família de (RC), o pessoal é muito desligado... (RC) não tem mais pai nem mãe. Só tem uma irmã que mora em Portugal. E aqui, os outros parentes mais distantes, não tem relacionamento. Então, ninguém se ofereceu! E a gente sabe que, de doador cadáver, é muito difícil! (RC) está esperando na fila (para transplante de rim). Mas com seis anos de hemodiálise, setenta e três anos... não vai longe, né?
VII.5.3.2 Não perde a esperança
(RC) tá na fila do transplante renal e o outro filho falou: “Eu quero doar o rim!”. Mas (RC) não quer! Disse que o filho é novo, pode rejeitar (o rim) e (RC) não quer! Se eu fosse compatível, doava o rim pra (RC)! Já falei e (RC) não quer! Está esperando doador cadáver, porque tem que ser rim e pâncreas. (RC) tem diabetes, né? Essa semana, mesmo, (RC) chorou dizendo que não vai chegar até o transplante. Como eu tenho pressão alta, não posso doar e como meu marido é diabético, também não pode, né? E o meu sobrinho que ia doar pra (RC) tem pedra no rim, também não pode, né? Então, quando (RC) veio praqui (clínica de hemodiálise), os médicos daqui já me deu encaminhamento pro transplante e (RC) faz acompanhamento de três em três meses. Eu não perco a esperança, entendeu?
VII.5.3.3 Aguarda a realização do transplante
(RC) tá esperando o transplante. O doutor inscreveu todo mundo que queria ser doador, né? O transplante é certo: tem que fazer mesmo! Inscreveu todos os cinco irmãos. Eu tenho cálculo (renal), então não posso doar. Mas tem os outros irmãos, minha mãe... Todos se inscreveram e deram que são compatíveis! Então, doador é o que não falta!
Constatou-se que a esperança na realização do transplante diminui com o
passar do tempo, pois a realidade sobre a dificuldade encontrada na captação de
órgãos, seja de doador vivo ou cadáver, paulatinamente toma conta da cuidadora.
Algumas delas evitaram tocar nesse assunto.
Familiares solidarizam-se ao paciente, quando oferecem o próprio rim na
tentativa de eliminar o sofrimento do ente querido; porém, em alguns casos, (RC)
114
recusa a oferta sabendo dos riscos a que o doador ficará exposto caso submeta-
se à cirurgia para a retirada do órgão. Em outros casos, a falta de doador provoca
desespero no paciente. Ainda assim, as cuidadoras não perdem a esperança na
resolução positiva para o caso.
Famílias em que existem vários doadores compatíveis contribuem para que
a cuidadora tenha a certeza na realização do transplante: “todos se inscreveram e
deram que são compatíveis! Então, doador é o que não falta!”.
VII.5.4 Capacidade de “dar a volta por cima”
Capacidade de "dar a volta por cima"
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Sou uma pessoa boa
2003
A. Tenho valor
A2 - Sou pessoa de fibra
2005
B1 - A gente tem que ajudar
B. Temos que ajudar
B2 - A gente dá força pra ficar bem
2008
VII.5.4.1 Tenho valor
Aí eu comecei a pensar... pensar... pensar... e falei: “Quer saber de uma coisa: eu tenho que me acostumar com isso... hoje, pra mim, é a mesma coisa que estar vindo num salão de baile, 3 vezes por semana: eu já chego gritando: “Bom dia!”. Se ninguém responde eu grito de novo... sabe? Só que é assim: se alguém me irritar... Eu sou muito boazinha... paciente quer que eu vá no mercado, eu vou... paciente quer que eu vá no Walmart eu vou... quer que eu vá levar no banheiro fazer cocô, eu vou... Só que se falar alguma coisa que me maltrate, eu fico brava... Claro, com paciente não... Eu sou brava, mas não sou ignorante... Acompanhante, né? Mas, graças a Deus, nunca aconteceu nada aqui (na clínica)... Deus me deu a inteligência, senão, eu não teria nem aonde morar! Sabe? Eu que construí a escada... Quarenta dregau! Eu cavei com barro até aqui [aponta para o joelho] pra fazê os dregau! Sabe? Eu sou uma mulher de fibra! O homem que respeite! O povo tem uma inveja de mim, aonde eu moro, menina! Lá (no terreno) é tudo tão organizado, minha filha é tão caprichosa... Todo mundo fala que eu sou a heroica! Vale a pena,
115
sabe? Por isso que eu falo: “Eu preciso cuidar de mim. Já que (RC) não me valoriza, eu que tenho que me vola... volarizar...”.
VII.5.4.2 Temos de ajudar
Eu brigo! Quando (RC) vai no hospital eu vou atrás! Se não tem ninguém pra levar no Raios-X, eu vou! O médico tá demorando? Eu vou atrás! Eu brigo! Eu vou! Se a nossa obrigação é arrumar uma perua pra trazer aqui (na clínica de hemodiálise), então, já arrumou! Ah! Também já chorei quando eu fui lá na Secretaria da Saúde pedir pro rapaz, pelo amor de Deus, arrumar um exame pra ela também! A gente se humilha, a gente briga, mas a gente tem que ir atrás! Senão, não consegue não! Eu podia falar pra (RC): “Se vira! Você já tá bem, normal, sua única dificuldade é dialisar, então, se vira!”. Mas não é assim! A gente tem que ajudar...Se a gente não ajuda, se não tem colaboração da família, é difícil, viu?”. Assim... Daqui de dentro? (pacientes da clínica) Ah... São bem legal. Eu gosto de todo mundo daqui, né? A gente conversa muito... Sobre a doença... Às vezes a gente fala besteira [sorri]. Não assim... Sobre a doença...A gente conversa muito sobre isso também, né? A gente pergunta como aquele outro paciente... Aquela pessoa tá? Se tá bem, né? Como que ela tá, também, né? Se alguem tá se sentindo mal, a gente dá força pra ficar bem... A gente encontra gente muito boa, aqui. Todos, aqui, são gente boa.
A cuidadora consegue agir e reagir às situações ao estabelecer limites,
posicionando-se e ajustando-se de acordo com a necessidade, sem perder a
sensibilidade empática, relacionada ao seu paciente, que também é seu parente.
É interessante perceber que mesmo tendo a oportunidade de delegar as
responsabilidades do cuidado ao próprio doente, ela não o faz, e permanece leal
ao cumprimento da tarefa do cuidado.
As participantes reconhecem a necessidade de expressar as emoções e
fazem uso delas de maneira assertiva quando precisam enfrentar situações
adversas.
116
VII.5.3 Lazer e convivência social
VII.5.3.1 Atividades recreativas
Como é o seu lazer?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Gosta de ficar em casa assistindo a novela na televisão
A2 - Lê revistas com temas religiosos
2003
A3 - Fica em casa acompanhando (RC) e assiste programas evangélicos na televisão 20
05
A4 - Gosta de dormir após o almoço
A5 - Prefere ficar em casa, telefona para amigo(a)s, lê um livro, ás vezes, passeia com a filha ou fica o dia inteiro na cama.
A. Prefere ficar em casa
A6 - Recebe visitas e conversa com a família pelo telefone
2008
B. Viaja para visitar familiares B1 - Faz viagens rápidas para visitar parentes
2005
VII.5.3.1.1 Prefere ficar em casa
Quando me convidam pra sair eu não vou. Falo: “Ah... num tô a fim de sair de casa! Quero assistir a novela" Gosto e não reclamo! Eu num saio de casa, nem pra ir pra igreja, pra num deixá (RC) só! Quando eu tô só... É difícil, né? Gosto de descansar! Só quando (RC) dorme, é que eu descanso um pouco porque não tenho tempo pra isso! Aí almoço e vou dormir. Toda minha vida fui assim! Tem uma festa, eu prefiro ficar em casa! Eu gosto mais de calma, de ler um livro. Não gosto de bagunça, não! De domingo, mesmo, tem dia que fico o dia inteiro na cama! Só levanto pra comer! Mas que eu saia, pra ir pro shopping pra passear assim... Não! Não sei... Acho que sou antissocial! O meu irmão não vai na minha casa todos os dias, mas toda semana ele vai na minha casa, né? Mesmo que ele passe uma semana sem ir na minha casa, ele liga duas, 3 vezes pra saber se tá tudo bem, né? Tanto ele quanto a minha irmã que mora no Embu, a minha outra irmã que mora em Santo Amaro (bairro da capital paulista), a outra irmã que mora em Itapevi (cidade do interior de SP), a minha sobrinha que mora lá em Itapevi. Todo mundo liga direto.Tem dia que na minha casa não pára de tocar o telefone!
VII.5.3.1.2 Viaja para visitar familiares
117
Eu ainda tenho parentes no sul de Minas (Gerais), né? Aí, eu vou pra lá mais pra ver os meus parentes mesmo, né? Tem minha mãe, também que agora...Coitadinha, tá tendo doença e não tá passando muito bem...Então, todo mês eu vou pra lá. E acabo me espairecendo. Eu vou rapidinho. Normalmente, eu vou num dia e volto no outro, por causa dele. Não fico demorando, não, porque não dá. Deixar (RC) assim, em casa... O máximo que eu fico lá é um dia!
A monotonia da rotina cotidiana imposta pelo tratamento hemodialítico,
aliada às restrições físicas, nutricionais e sociais a que o paciente fica submetido,
estende-se ao cuidador. Nessa categoria, verificou-se que as limitações
econômicas, além do cansaço relatado pelas participantes, padronizaram a
escolha do tipo de lazer a que se entregam nas poucas oportunidades que têm. A
televisão, a leitura, o repouso e a convivência familiar foram as atividades
apontadas pela maioria das cuidadoras. Viagens são realizadas por curtos
períodos de tempo, pois há o receio de deixar (RC) desacompanhado por muito
tempo, dado que a obrigatoriedade da hemodiálise, em dias alternados, impede
que o paciente também participe dessa forma de lazer.
VII.5.3.2 Amizades
Você tem amigos?
TEMA IDÉIA CENTRAL SÍNTESE ANO
A1 - Os vizinhos são todos amigos
2003
A2 - Se dá muito bem com os vizinhos
2005
A3 - Tem amiga lá da rua, mesmo.
A. Os vizinhos são amigos
A4 - Tem amigo(a)s da vizinhança
B1 - Tem amigo(a)s dos lugares em que trabalhou
B. Tem amigos do trabalho
B2 - Tem amigo(a)s do trabalho
2008
C1 - Tem amigo(a)s da igreja
2003
C. Tem amigos da igreja
C2 - Os irmãos da igreja são amigo(a)s
2005
118
VII.5.3.2.1 Os vizinhos são amigos
Tenho. Todos os meus vizinhos são todos meus amigos porque nunca deixei nada a desejar. Moro há cinquenta anos naquela rua e os vizinho tá tudo ali. Não tenho atrito na minha rua, com ninguém, entendeu? Só quando era criança, né? Aí não conta. Não sou de ficar na casa de vizinho, nunca fui! Me dô muito bem com os vizinhos que mora tudo assim, do outro lado (da rua). Da época da escola tem uma que é muito minha amiga e é minha vizinha. Na minha rua, eu não gosto muito de fazer amizade com quem eu não conheço, né? Lá é uma rua pequenininha, né? Mas todo mundo é gente boa, direita. Quem mora mais perto, né? Tá todo mundo pronto pra ajudar na hora que a gente precisa!
VII.5.3.2.2 Tem amigos do trabalho
Eu tenho meus amigos do local de trabalho. A gente tá todo dia lá, a gente acaba virando amigo. Se você falar: “Hoje eu vou pra casa de uma amiga”. Eu vou falar: “Então, eu não vou!”. Eu, não tenho muitas amigas! Tenho bastante colega de trabalho! Ainda bem que tem colegas que vai em casa. Todo lugar que eu trabalhei, tive bastante colega! Essa (amiga) que eu trabalho, tem mais de vinte anos que conheço ela!
VII.5.3.2.3 Tem amigos da igreja
Eu tenho as amigas e os irmão da igreja. Já são mais ou menos uns dez anos, né? E tenho uma amiga de longo tempo também, mas como ela mora longe, a gente quase nem se vê, né? Só de vez em quando.
Quando questionadas sobre as amizades, não houve alteração na rotina de
contato com as amigas existentes antes do diagnóstico. Cuidadoras que possuem
um estilo de vida familiar comunitário conseguem manter, com facilidade, bons
relacionamentos interpessoais com os vizinhos, fazendo com que essa rede de
apoio afetiva e social seja mais um recurso facilitador para suas vidas, além das
relações estabelecidas e mantidas nos ambientes de trabalho e das amizades
cultivadas nas comunidades religiosas.
119
VII.6 Relação existente entre a síndrome de burnout e cuidador principal
Para verificar a existência dos sintomas da síndrome de burnout no
cuidador principal do paciente renal crônico em hemodiálise, foi realizada uma
análise comparativa dos sintomas encontrados no DSC com os sintomas
correspondentes nas 3 dimensões da síndrome: esgotamento emocional (EE),
despersonalização (DP) e comprometimento da realização profissional (RP)
(MASLACH, 1989). Dessa forma, o resultado desta análise corresponderá ao
discurso coletivo.
VII.6.1 Esgotamento emocional
Nesta dimensão, há a hiperidentificação com quem deve ser ajudado,
havendo excesso de dedicação, pois se considera que as necessidades do
doente têm precedência sobre as próprias. Além desse aspecto,verifica-se que o
foco da atenção da cuidadora é colocado inteiramente na saúde do renal crônico,
pois ela passa a considerar que não pode ficar doente porque, na falta de seus
cuidados, não haveria quem cuidasse do paciente renal crônico. Soma-se a este
fato o aparente aumento do instinto de preservação da vida do outro, e um
rebaixamento dessa preservação em si quando declara:
Esse ano que passou, mesmo, eu não fui nenhuma vez no médico, entendeu? Eu tenho que fazer exame de rotina. Como mulher, eu tenho que fazer mamografia. Mas eu me sinto bem! Não estou com nenhum problema. O que eu não posso é “cair” doente. Se eu “cair” doente, vai ser a coisa pior e eu não quero! Mesmo porque, eu falei: “Eu não posso ficar doente nem entrar em depressão, nem nada!”. Porque, como é que eu vou ajudar (RC) doente?
Sintomas de grande cansaço físico e irritabilidade também caracterizam o
esgotamento emocional e a existência de conflitos familiares. A grande dificuldade
no relacionamento com o renal crônico e a desvalorização do cuidado por parte
do enfermo fez com que a cuidadora prosseguisse no desempenho de seu papel,
mesmo sabendo que “vai chegar uma hora que eu não vou aguentar, né?”. Nesse
120
contexto, a solidão experimentada pela cuidadora tornou-se explícita ao dizer: “Eu
não tenho ninguém... Tem vez que eu falo sozinha!”.
No caso da cuidadora que exerce atividade profissional fora de casa, há o
peso da dupla jornada de trabalho, pois além de carregar a responsabilidade de
ser a principal cuidadora do enfermo, ela ainda deve enfrentar a sobrecarga
existente na rotina de dona de casa, que invade sábados e domingos, mostrando
que não há tempo adequado para descanso e reestruturação tanto física quanto
emocional. Sua declaração é simples e conhecida da realidade social brasileira:
“o trabalho de dona de casa nunca aparece”, e dela infere-se que não há, por
parte de outros integrantes da família, um reconhecimento e valorização do
trabalho da cuidadora, ou seja, a validação desse papel na família.
A dificuldade de controlar a rigorosa dieta alimentar que o enfermo renal
crônico precisa manter é apontada como fonte de estresse pela cuidadora,
independentemente do tempo em que o diagnóstico tenha sido feito. Quando o
enfermo não adere ao tratamento, os conflitos entre a cuidadora e o doente são
constantes. As tentativas de controle sobre a alimentação geram revolta no
enfermo, que prefere comer o que sente vontade, colocando assim a própria vida
em risco, do que se submeter à dieta que aumenta sua sobrevida, pois a restrição
de líquidos evita que o ganho de peso dificulte a diálise e a ingestão de alimentos
proibidos, traz sérias consequências à saúde do renal crônico.
VII.6.2 Despersonalização
Na despersonalização, pequenos obstáculos configuram-se como
insuperáveis, são acompanhados pela sensação de fracasso, marcam essa
dimensão e são encontrados no convívio com as restrições físicas (dores
constantes, ingestão de remédios a toda hora), com as restrições sociais (não
pode viajar porque precisa dialisar em dias alternados) e com a ameaça da
proximidade gradativa da morte do enfermo devido ao quadro evolutivo da doença
crônica. Isso faz com que a cuidadora considere-se de “pés e mãos atados”
diante de uma doença renal crônica que “é uma doença que não tem o que fazer”,
121
além de crer na fatalidade do destino e de que “o que tem que acontecer ninguém
vai desviar”.
Outro sintoma característico da despersonalização é a apreensão em
relação ao futuro que se apresentou com a possibilidade da perda do enfermo,
pela morte, causando angústia na cuidadora:
Vê do jeito que (RC) era e vê na situação que tava... Porque agora, com a doença de (RC) a gente não sabe o que vai acontecer! Você não sabe quantos anos que (RC) vai viver... [seus olhos se enchem de lágrimas] Se é um... Se é dois... Se é dez, né? Então, eu acho que não dá pra falar sobre futuro...
Nessa fase, é frequente o aparecimento de doenças psicossomáticas,
geradas pelo estresse, como resultado do grande investimento físico e emocional
nas tarefas do cuidado, provocando o aparecimento de patologias orgânicas na
cuidadora que, além dos cuidados que precisa ter com o renal crônico, também
se vê obrigada a olhar para si, a se cuidar. As patologias encontradas com maior
frequência foram as alterações do sistema nervoso e aumento da pressão arterial.
Há também prejuízos nas relações familiares, pois quem exerce o papel de
cuidador há mais de 3 anos não conta com auxílio da família na divisão das
tarefas. Tal fato permite que se infira que a passagem do tempo promove uma
“acomodação” dos familiares, com o fato de haver alguém que, oficialmente,
encarrega-se de todas as demandas do cuidado.
Outro sintoma característico dessa dimensão é a indiferença emotiva em
relação ao sofrimento do outro. Tal indiferença favorece um distanciamento
defensivo que, neste caso, é verificado quando a crença de que Deus é justo faz
com que a cuidadora justifique a cegueira e a impotência sexual do renal crônico
enquanto resultado da “justiça Divina”, ou seja, ela crê que Ele foi justo com ela
ao aplicar, merecidamente, punições físicas ao enfermo, e isso é considerado
positivo em sua vida.
Na análise do DSC, não houve relato de que a cuidadora tivesse
exagerado na própria alimentação e no uso de drogas, tais como a nicotina, a
cafeína e o álcool.
122
VII.6.3 Comprometimento da realização profissional
Esta é a dimensão na qual o burnout, propriamente dito, pode ser
identificado. Trata-se de uma fase marcada pelo fracasso da empatia, pelo início
da resignação, e pela procura por compensações ou fugas. É nesse momento
que há uma espécie de “morte profissional”. No caso em estudo relativo ao
cuidador principal, a leitura pode ser feita como “morte da atividade de cuidar”.
Houve momentos do discurso em que foram identificadas manifestações de
revolta ou de resignação, considerando-se que nada há de positivo na situação
em que se encontra, pois não é possível enxergar saída para a doença e suas
consequências: “Ah... Eu não sei... Positivo até agora? Até agora, não vi nada de
positivo! Tá difícil as coisa... A gente não vê saída...Não tem nada de positivo,
não”.
123
VIII. DISCUSSÃO
Assim como em outras pesquisas (LUGON & cols, 2003; FONSECA & cols,
2004; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009; SESSO e cols, 2009), a análise dos dados
constatou que as doenças primárias (ou silenciosas) como o diabetes mellitus e a
hipertensão arterial foram as causas mais frequentes da falência renal, e indicam
que os programas para esclarecimento e prevenção da população não
conseguem evitar o aumento significativo dessas patologias.
O predomínio, nesta pesquisa, da doença renal crônica em pacientes do
sexo masculino e que apresentam idade acima de 50 anos, confirmou os índices
brasileiros que apontam para taxas de 57% contra 43% de pacientes do sexo
feminino. Além disso, a maior adesão de mulheres (63%) ao programa de
combate à hipertensão arterial e diabetes - HiperDia (Ministério da Saúde, 2009)
no município de Taboão da Serra pode estar contribuindo para a confirmação do
índice de prevalência masculina na doença renal.
Constatou-se que, nos estágios iniciais das doenças primárias, o enfermo
desfrutava de autonomia e independência sobre a própria vida; porém, na maioria
dos casos, a pouca ou nenhuma informação sobre as consequências evolutivas
da hipertensão arterial e/ ou diabetes, o estilo de vida não saudável e a não
aderência ao tratamento (FREITAS & cols, 2007) fizeram com que o quadro
evoluísse para a falência renal.
Receber a informação de que a doença é incurável (pois há lesão renal
irreversível), de que o doente está exposto a complicações que podem levar ao
óbito, bem como da necessidade de terapia renal substitutiva e uso de medicação
permanente (FREITAS & cols, 2007) provocou reações emocionais de choque,
incredulidade, negação, impotência, resignação e minimização do próprio
sofrimento, que surgiram como resultado inicial do impacto causado pelo
diagnóstico tanto no enfermo quanto nos familiares.
A grande tristeza sentida pela cuidadora foi interpretada como uma “quase”
depressão que, mesmo após insistentes questionamentos pela pesquisadora, em
momento algum foi admitida a possibilidade de ter vivenciado, realmente, uma
depressão. Essa ocorrência foi constatada nos 3 grupos pesquisados.
124
A condição crônica impõe perdas, disfunções e constantes alterações no
quotidiano, pois implica mudanças na imagem corporal, na expectativa de vida, e
na visão de mundo, de modo a obrigar a cuidadora a adequações psicológicas e
sociais diante da modificação das relações entre as pessoas e o ambiente
(ROLLAND, 1995; FREITAS & cols, 2007). Saber que o enfermo era portador de
diabetes mellitus ou hipertensão arterial — doenças consideradas incuráveis e
que também exigem medicação permanente — não provocou tanto sofrimento na
cuidadora quanto o diagnóstico da doença renal crônica.
O estigma que ronda essa doença fez a cuidadora acreditar que o doente
morreria no dia seguinte ao diagnóstico. Considerando que, no conjunto dos
municípios em que as participantes da pesquisa estão domiciliadas, há um índice
médio de 50% de pobreza na população nativa (IBGE) e que elas fazem parte
desse índice por apresentarem um percentual médio de 2,5 salários mínimos de
renda familiar, pode-se inferir que essa crença atua nas camadas sociais de baixa
renda, em que o acesso às informações deste porte é mais restrito.
No início, há pouco ou nenhum conhecimento sobre a doença renal
crônica, seus sintomas, consequências, restrições alimentares, limitações
impostas pelo tratamento. Em seguida, essas informações passaram a ser
obtidas por meio de instituições como hospitais, clínicas de Nefrologia e
respectivas equipes de profissionais da área da Saúde, tais como médicos,
enfermeiros, psicólogos, nutricionistas e assistentes sociais.
Outras fontes de informação também foram identificadas. As cuidadoras
relataram acesso a catálogos e folhetos impressos com explicações sobre
doenças como diabetes e DRC, além da troca de experiências que ocorre por
meio de outros enfermos com o mesmo problema. Informações obtidas por meio
de acesso à Internet foram realizadas por cuidadora cuja faixa etária estava
abaixo de 45 anos, indicando a preferência desse público por canais eletrônicos
de comunicação.
Nos estágios iniciais da doença, antes que a função renal tenha apenas 10-
12% de seu funcionamento, é possível reverter o quadro clínico por meio de dieta
e medicamentos; porém, como a perda da função renal é lenta, progressiva e
irreversível (SBN, 2008), sua evolução passa por 6 estágios (K/DOQI, 2003) e a
125
efetiva presença do cuidador costuma ser necessária a partir do 4º estágio,
quando as complicações típicas da doença se tornam aparentes.
A proximidade da convivência familiar possibilitou que essa tarefa fosse
assumida automaticamente, sem grandes questionamentos por parte das
cuidadoras, em relatos que confirmam as pesquisas realizadas por Medeiros e
cols (1998).
Verificou-se o predomínio da esposa no papel do cuidadora, para quem a
crença de que a conjugalidade exige, de maneira inquestionável, que “a esposa
sempre tem que estar cuidando do marido”. Estatísticas mostram que em 42,8%
dos casos, a(o) esposa(o) é responsável pelo cuidado principal do paciente
(FLORIANI, 2004; FONSECA & cols, 2004).
Outro dado importante refere-se ao fato de existir uma lealdade familiar,
segundo a qual a cuidadora considera ser óbvio o fato de que quem já foi cuidado
agora tem que cuidar, numa espécie de retribuição que pode ser entendida dentro
de um contexto psicológico em que a família humana é considerada uma
estrutura de cuidado que, além de alimentar e proteger dos perigos, oferece
condições para que seus membros se desenvolvam como parte de um grupo
social (BORGES, 2006). Dentro desta convivência em família, notou-se que não
houve revezamento no papel do cuidado, pois quem cuidava antes do diagnóstico
permaneceu cuidando. Além disso, também assume esse papel quem tem mais
conhecimento sobre a doença, independentemente do grau de parentesco
existente com o paciente.
A percepção do sofrimento no outro fez com que algumas cuidadoras
transformassem suas vidas para assumir esse papel. Silva (2003) afirma que o
comportamento de cuidar envolve a capacidade de colocar toda a sua atenção no
outro; de manter uma escuta ativa ao que o outro tem a dizer; na capacidade de
transmitir segurança e na capacidade empática, colocando-se mental e
emocionalmente “no lugar do outro”. A incapacidade para agir de maneira
empática,contribui para o fracasso na relação de ajuda (SANDRIN, 2006).
A cuidadora que desempenha o papel há mais de 5 anos parece ter-se
adaptado bem, pois considera que não houve muita mudança no relacionamento
familiar após o início dessa tarefa. Segundo Rolland (1995), como a doença renal
126
crônica acontece de forma progressiva, o período de ajustamento é maior,
permitindo um aumento da capacidade na administração da crise.
Quem desempenha este papel há apenas 1 ano ou menos enfatizou as
dificuldades encontradas, pois aumentou o número de preocupações, tarefas e
responsabilidades, vendo-se diante da necessidade de atender à demanda de
cuidados do enfermo e dos demais integrantes da família, ainda mais quando há
filhos pequenos para serem cuidados. Nesse caso, a adaptação ainda se
encontra no estágio inicial. Contudo, em se tratando de uma doença sintomática e
que progride com severidade, ela gradualmente incapacita o doente e faz com
que os períodos de alívio relacionados às demandas da doença sejam cada vez
menores, provocando uma tensão crescente nas pessoas que prestam o cuidado,
não só pelo risco da exaustão, mas pelo acréscimo de novas tarefas ao longo do
tempo (ROLLAND, 1995).
Quando a doença aparece, seja ela crônica ou não, há uma ruptura no
fluxo cotidiano, obrigando o enfermo e seus familiares a uma nova reorganização
das atividades diárias (BROWN, 1995; GOMES & cols, 2002) e, no caso da
cuidadora que exerce atividade profissional fora de casa, há o peso da dupla
jornada de trabalho, pois além de carregar a responsabilidade de ser a principal
cuidadora do enfermo, tem ainda de enfrentar a sobrecarga existente na rotina de
dona de casa, que invade seus sábados e domingos e torna evidente o fato de
que não há tempo adequado para o descanso e a reestruturação tanto física
quanto emocional. Além disso, como “o trabalho de dona de casa nunca aparece”,
pode-se inferir que não há, por parte de outros integrantes da família, o
reconhecimento e a valorização do trabalho da cuidadora, ou seja, a validação
desse papel na família.
A cuidadora que abandonou a atividade profissional para se dedicar ao
papel do cuidado ocupa a maior parte do tempo com a manutenção da casa, o
cuidado com o paciente e a realização de alguma atividade para geração de
renda complementar.
Todos os enfermos tiveram prejuízos em suas vidas profissionais, pois a
obrigatoriedade da diálise, 3 vezes por semana, invalida qualquer tentativa de
manutenção de uma atividade formalmente constituída, já que os horários de
trabalho não podem ser cumpridos. Essa realidade fez com que muitos
127
buscassem, no trabalho informal, sua fonte de ocupação e renda. Tais dados
confirmam as pesquisas sobre o impacto das doenças crônicas nas famílias,
quando demonstram que 20% dos cuidadores perderam seus empregos, 31% das
famílias tiveram perdas em suas reservas financeiras e 29% das famílias
perderam a principal fonte de renda, sendo que as mais atingidas foram as de
baixa renda, que tinham enfermos com menos de 45 anos, e aquelas cujos
enfermos apresentam dependência acentuada. Em 85,7% das famílias
estudadas, ocorreram mudanças na vida familiar após a doença, e 28,5% são
dependentes de cuidados (FLORIANI, 2004; FONSECA & cols, 2004).
A situação de perda de renda e decorrente desestabilidade econômica fez
com que a responsabilidade pela administração financeira da casa também
recaísse sobre a cuidadora e, nessa questão, nem sempre houve colaboração da
família.
A venda de material reciclável, o comércio de água mineral ou a confecção
de bordados são atividades informais que a cuidadora exerce com a finalidade de
complementar a renda familiar que, na maioria dos casos, é composta por
aposentadoria ou auxílio-doença, recebidos da Previdência Social, além do valor
recebido por meio do programa Bolsa-Família.
A cuidadora utiliza os serviços públicos oferecidos pelo Ministério da Saúde
ou Prefeituras para a aquisição de medicação gratuita, pois a condição de baixa
renda em que vive não permite que os gastos com remédios de alto custo sejam
incorporados pela família. Medicações de baixo valor monetário somente são
adquiridas quando o Posto de Saúde encontra-se fechado. Neste caso, a compra
é realizada em Farmácia Popular, havendo, então, ônus e consequente acréscimo
de despesa no orçamento familiar.
A cuidadora mora em cidade periférica pertencente à Grande São Paulo e
apresenta um padrão habitacional: mora há muitos anos no mesmo bairro, possui
casa própria e compartilha o terreno com outros membros da família. Esse estilo
de vida familiar comunitária parece ter se estendido para o cultivo das relações
com a vizinhança ou com a comunidade religiosa.
Um pequeno número de famílias tinha, antes do diagnóstico, uma
alimentação constituída por uma dieta saudável com muitas frutas, legumes e
128
verduras ou cujo enfermo tenha se conscientizado sobre a importância da
educação alimentar para o sucesso do tratamento. Essas famílias adaptaram-se
rapidamente às alterações requeridas, fazendo ajustes alimentares relacionados à
quantidade de sal, à água e às porções de alimentos autorizados para o enfermo.
A dificuldade de controlar a rigorosa dieta alimentar que o enfermo renal
crônico precisa manter é apontada como fonte de estresse pela cuidadora,
independentemente do tempo em que o diagnóstico tenha sido feito. Quando o
enfermo não adere ao tratamento, os conflitos entre a cuidadora e o doente são
constantes. As tentativas de controle sobre a alimentação geram revolta no
enfermo, que prefere comer o que sente vontade, colocando a própria vida em
risco, do que se submeter à dieta que aumenta sua sobrevida, pois a restrição de
líquidos evita que o ganho de peso dificulte a diálise e a ingestão de alimentos
proibidos, traz sérias consequências à saúde do renal crônico.
Na maioria das famílias, as mudanças na alimentação do enfermo exigiu a
elaboração de um cardápio à parte, de forma a atender às necessidades
alimentares dos demais membros da família.
Foi verificado que o grau de parentesco e a idade do enfermo interferiram
no sucesso (ou insucesso) desse controle. A cuidadora-esposa não logrou
estabelecer regras alimentares para seu paciente-marido. A cuidadora-irmã só
obteve sucesso quando a cuidadora era mais velha do que o enfermo. A
cuidadora-mãe relatou sucesso em todos os procedimentos de cuidados
alimentares, o que sugere a existência de uma ascendência moral ou geracional
na família. Carter e McGoldrick (1995) confirmam a influência existente de uma
geração sobre a outra com poderoso efeito sobre todos os envolvidos.
No contexto social e econômico em que essa pesquisa foi realizada,
verificou-se que a cuidadora nascida em família grande, unida, participativa e
integrada com a comunidade de vizinhos, enfrentou melhor os revezes que o
diagnóstico do paciente renal crônico impôs à sua vida, em que o apoio familiar
ajudou a diminuir o sofrimento e acelerou a adaptação ao papel. Assim, através
desses relacionamentos, ela conseguiu encontrar alívio para suas tensões
emocionais e físicas. Neste sentido, há similaridade com os achados de Bowlby
(2006a) quando o pesquisador explica que, em sociedades menos desenvolvidas
economicamente, há comunidades onde as pessoas vivem em grandes grupos
129
familiares (pais, filhos, irmãos, avós, tios, primos, bisavós) de modo a configurar
um sistema de seguro social valoroso, pois, quando o pai ou a mãe fica
temporária ou permanentemente impossibilitada de exercer essa função, alguém
do grupo familiar assume essa tarefa.
O afrouxamento dos laços existentes entre a família e a sociedade
(vizinhos, amigos), tanto quanto entre os próprios familiares, impossibilitou a
oferta de condições de apoio adequado (BOWLBY, 2006a) à cuidadora,
principalmente naquela que exerce essa atividade há mais de 3 anos, pois não
conta com auxílio da família na divisão das tarefas. Aparentemente, a passagem
do tempo promove uma “acomodação” dos familiares com o fato de haver alguém
que, oficialmente, encarrega-se de todas as demandas do paciente.
A existência de conflitos familiares, a grande dificuldade no relacionamento
com o renal crônico e a desvalorização do cuidado por parte do enfermo fizeram
com que a cuidadora prosseguisse no desempenho de seu papel, ainda que
soubesse que “vai chegar uma hora que eu não vou aguentar, né?”. Houve
momentos do discurso em que foram identificadas manifestações de revolta ou de
resignação frente ao futuro imaginado, considerando que nada há de positivo na
situação em que se encontra, pois não encontra saída para a doença e suas
consequências: “Ah... Eu não sei... Positivo até agora? Até agora, não vi nada de
positivo! Tá difícil as coisa... A gente não vê saída...Não tem nada de positivo,
não”.
Nesse contexto, a solidão experimentada pela cuidadora tornou-se explícita
ao declarar: “Eu não tenho ninguém... Tem vez que eu falo sozinha!”. Essa
constatação pode ser assumida como atemporal, pois foi encontrada em
discursos recolhidos nos 3 grupos pesquisados. Numa observação mais ampliada
em relação ao total da entrevista, verificou-se tratar de cuidadora com história de
vida que incluía a perda, na infância, de um dos pais, tenha sido por morte ou por
separação. As experiências de uma criança com seus pais determinarão sua
capacidade ou incapacidade para estabelecer vínculos afetivos durante toda a
vida, pois ela terá “construído um modelo representacional de si mesma como
sendo capaz de se ajudar e merecedora de ser ajudada se surgirem dificuldades”
(BOWLBY, 2006, p.179).
130
Dentre as mudanças ocorridas na vida da cuidadora, estão as questões de
relacionamento entre a parentalidade e que afeta toda a dinâmica familiar.
Quando o renal crônico passa a ser considerado um “coitado” pela família, pode-
se inferir que este sentimento interferirá no emocional do enfermo tanto quanto da
cuidadora, afetada diretamente pelas variações de humor de seu assistido. Nesse
sentido, quem cuida terá de realizar adaptações emocionais para conviver com as
emoções, os sentimentos e os conflitos intensos presentes no paciente crônico
(MARTINS e cols, 2000).
As características da personalidade do renal crônico é que dão o “tom” da
melhor ou pior convivência diária, e não a doença renal propriamente dita, ou
tampouco a idade do renal crônico, ou o maior/ menor tempo em que o
diagnóstico tenha ocorrido. Pode-se inferir que os recursos de enfrentamento
existentes no enfermo contribuem significativamente para o alívio ou o aumento
da carga sobre os ombros de quem cuida, considerando que ambos participam de
um processo interativo e não podem portanto ser reduzidos a simples corpos
biológicos separados do contexto psicossocial, econômico e cultural em que estão
inseridos (COELHO e cols, 2005).
Reações emocionais do enfermo, tais como depressão, nervosismo,
agressividade, teimosia, e desobediência à dieta e à medicação foram apontadas
como principais motivos que dificultaram o relacionamento com o renal crônico e,
segundo a cuidadora, o apoio de um profissional da saúde mental, nesses casos,
seria bem-vindo.
As estratégias desenvolvidas pela cuidadora para superar as resistências
do renal crônico ao tratamento facilitam a interação entre ambos. Percebe-se que
as manifestações afetivas, tais como rir, brincar e beijar, garantem este sucesso.
Além disso, conviver em família numerosa e amigos parece ser um indicativo de
que estados emocionais agressivos não perduram muito tempo nesses
ambientes.
O convívio com as restrições físicas (dores constantes, ingestão de
remédios a toda hora), com as restrições sociais (não pode viajar porque precisa
dialisar em dias alternados) e com a ameaça da proximidade gradativa da morte
do enfermo devido ao quadro evolutivo da doença crônica faz a cuidadora crer
que esteja de “pés e mãos atados”, pois ela considera a doença renal crônica
131
como “uma doença que não tem o que fazer”, além de crer na fatalidade do
destino, segundo o qual “o que tem que acontecer ninguém vai desviar”. Tal
crença oferece à cuidadora uma justificativa para a situação que lhe foi imposta
pelas circunstâncias. Dessa maneira, ela se esforça para evitar sofrimentos e
conflitos, chegando a considerar que “não tem nada de negativo” em sua vida, no
momento.
Esses achados confirmam o estudo de Martins e cols (2000) quando
afirmam que os cuidadores são desafiados na sua autoestima diante da
expectativa de onipotência que não possuem, sendo obrigados a conviver com a
frustração, a impotência e a autossuperação, enfrentando situações
desprazerosas na tentativa de obter resultados satisfatórios e tendo, ainda, de
enfrentar a realidade da doença e da morte.
O enfrentamento das novas demandas que o papel do cuidado exige
provocou reações somáticas na cuidadora, em resposta às mudanças que
ocorreram, independentemente de sua escolha. Martins e cols (2000) afirmam
que o ato de cuidar pode ser um agente estressor, pois perturba ou ameaça a
atividade habitual do cuidador, de modo a produzir a necessidade de adaptação
nas condições do indivíduo que é obrigado a conviver com a doença e suas
consequências, com emoções, sentimentos e conflitos intensos presentes no
paciente crônico.
O foco da atenção da cuidadora é colocado inteiramente na saúde do
renal crônico, quando passa a considerar que não pode ficar doente, pois na falta
de seus cuidados, o paciente renal crônico se verá desassistido. Além disso,
parece haver um aumento do instinto de preservação da vida do outro e um
rebaixamento dessa preservação em si quando declara:
Esse ano que passou, mesmo, eu não fui nenhuma vez no médico, entendeu? Eu tenho que fazer exame de rotina. Como mulher, eu tenho que fazer mamografia. Mas eu me sinto bem! Não estou com nenhum problema. O que eu não posso é “cair” doente. Se eu “cair” doente, vai ser a coisa pior e eu não quero! Mesmo porque, eu falei: “Eu não posso ficar doente nem entrar em depressão, nem nada!”. Porque, como é que eu vou ajudar (RC) doente?
132
O estresse, resultado do grande investimento físico e emocional nas
tarefas do cuidado, provoca o aparecimento de patologias orgânicas na cuidadora
que, além dos cuidados que precisa ter com o renal crônico, também se vê
obrigada a olhar para si, a se cuidar. As patologias encontradas com maior
frequência foram as alterações do sistema nervoso e o aumento da pressão
arterial, ocorrências que confirmam as afirmações de Laham (2003) e Campos
(2006), segundo os quais a possibilidade de distúrbios somáticos e psíquicos no
cuidador é elevada.
A cuidadora percebe o cuidado como uma obrigação e diz: “... vou ter que
cuidar... então vou ter que aprender e me acostumar”, o que indica a necessidade
da integração de 4 aprendizados simultâneos: cuidar, aprender, acostumar e se
conformar. Após essa assimilação, a vida tornou-se “normal”. Notou-se, neste
caso, a construção de estratégias adaptativas para a realidade da doença crônica
e da morte que, segundo Brown (1995), faz com que cada pessoa busque,
automaticamente, recursos de enfrentamento que consideram menos
perturbadores para si e para os outros, de modo a manterem a baixa tensão
emocional e o equilíbrio estabilizado.
Nos primeiros meses após o diagnóstico, as mudanças orgânicas ocorridas
no enfermo em decorrência da falência renal, e também logo após o início da
hemodiálise tornaram o enfermo muito dependente da cuidadora, posto que
apresentaram sintomas como fraqueza, cansaço, depressão e falta de apetite —
também conhecidos como “síndrome do desequilíbrio da diálise” — devido à
individualidade de resposta do enfermo ao tratamento (LUGON & cols, 2003;
BIANCHI & cols, 2009).
Aos poucos, a adaptação do enfermo à diálise e aos esquemas a que está
submetido por conta do tratamento contribui para que o renal crônico readquira
uma relativa independência, diminuindo a dependência em relação à cuidadora e
fazendo com que a rotina familiar retorne à “normalidade”. Essa constatação
confirma os estudos de Rolland (1995), pois ele explica que a doença crônica é
caracterizada por um déficit claro, apresentando uma limitação residual funcional,
caracterizando-a como uma doença de curso constante e que, em determinado
momento, se estabiliza. Nesse caso, a família se vê diante de uma mudança
133
semipermanente, estável e previsível durante longo período de tempo, embora
não haja a tensão de novas demandas de papel.
Com o passar do tempo, a doença renal crônica de um dado paciente
evoluiu, debilitando gradativamente o enfermo. Essa evolução fez com que sua
cuidadora precisasse dedicar maior atenção às tarefas do cuidado, pois percebeu
que “agora (RC) está precisando de mais cuidado”. A dependência acentuada do
renal crônico fez com que a ela assumisse essa tarefa de maneira tão abnegada,
que não conseguiu confiar em ninguém para compartilhar o cuidado. Neste caso,
segundo Rolland (1995), percebe-se o aumento da tensão não só pelo risco da
exaustão, mas pelo acréscimo de novas tarefas ao longo do tempo.
A possibilidade da perda do enfermo, pela morte, causou angústia na
cuidadora:
Vê do jeito que (RC) era e vê na situação que tava... Porque agora, com a doença de (RC) a gente não sabe o que vai acontecer! Você não sabe quantos anos que (RC) vai viver... [seus olhos se enchem de lágrimas] Se é um... Se é dois... Se é dez, né? Então, eu acho que não dá pra falar sobre futuro...
e esse sofrimento aconteceu, independentemente do tempo em que o diagnóstico
da doença renal tenha sido realizado. A exposição diária a esse risco pode
provocar alterações cognitivas, emocionais ou comportamentais, pois “a
antecipação da perda pode ser tão perturbadora e dolorosa para as famílias
quanto a morte efetiva de um de seus membros” (WALSH & MCGOLDRICK,
1998, p. 166). O luto antecipado leva o enlutado ao enfrentamento de outras
perdas associadas, tais como a morte do ente querido saudável que não existe
mais e dos planos de vida futura, que serão abandonados (FONSECA, 2004).
A falta de apoio psicológico contribuiu para que a cuidadora ficasse
vulnerável ao próprio sofrimento, sem condições de receber acolhimento
adequado para a elaboração deste luto que, na maioria dos casos, não é
reconhecido por ela.
Os sonhos para o futuro estão relacionados com o bem-estar pessoal,
alcançado por meio de muita saúde; com a realização do transplante renal do
enfermo para que a tranquilidade existente na vida antes do diagnóstico da
134
doença renal seja recuperada e “isso tudo acabe logo”; com o desejo que os filhos
fiquem bem; com atividades que beneficiem idosos e enfermos. Entretanto, a
cuidadora que se encontra na tarefa de cuidar há mais de 3 anos, fez longa pausa
antes de responder sobre os seus sonhos e, emocionada, disse que não alimenta
projetos para o futuro e apenas vive um dia após o outro.
Nota-se que, quando questionadas sobre planos para o futuro, não há
projetos que envolvam vantagens financeiras ou profissionais. Pode-se inferir que
as questões relacionadas à saúde física, emocional e espiritual são consideradas
de maior valor do que as questões materiais.
Os limites físicos e emocionais da cuidadora são frequentemente
colocados à prova, independentemente do tempo de ocorrência do diagnóstico,
pois ela conhece as consequências da doença no renal crônico e se dispõe a “ter
uma certa paciência” que, às vezes, não é compreendida pelo enfermo, de forma
que, para colocar limites, precisa lhe dizer “Chega!”.
A recuperação do sentimento de controle da situação pode ser verificada
quando a cuidadora “arregaça as mangas” e atua, beneficiando o enfermo de
alguma maneira, agindo e reagindo às situações: “Eu brigo! Quando (RC) vai no
hospital eu vou atrás! Se não tem ninguém pra levar no Raios-X, eu vou! O médico tá
demorando? Eu vou atrás! Eu brigo! Eu vou! Se a nossa obrigação é arrumar uma
perua pra trazer aqui (na clínica de hemodiálise), então, já arrumou!”. Assim, ela
trabalha de acordo com a necessidade, sem perder a sensibilidade empática,
relacionada ao seu familiar que está enfermo.
É interessante notar que mesmo tendo a oportunidade de delegar as
responsabilidades do cuidado ao próprio doente, ela não o faz, e permanece leal
ao cumprimento da tarefa do cuidado. Contudo, quando precisa enfrentar
situações adversas, ela expressa suas emoções de maneira assertiva.
A cuidadora considera positivo o fato de ter se acostumado com a situação
em que vive, com as tentativas para resolução de problemas, com o aprendizado
para viver nesse novo contexto, com o desenvolvimento da paciência e da
tolerância e com a descoberta de que gosta de cuidar. Além disso, quando
questionada sobre a valorização que o enfermo faz do cuidado que recebe, afirma
desconhecer essa opinião, embora revele que não daria tanta importância a essa
135
verbalização. Neste caso, percebe-se que ela encontra na atividade do cuidado
um polo de satisfação, a qual pretende dar continuidade mesmo quando o renal
crônico não necessitar mais de cuidados.
As competências adquiridas pela cuidadora no decorrer do tempo incluem
o conhecimento sobre a dinâmica da doença e seus desdobramentos, as
restrições alimentares, o transplante renal, os sintomas e reações do enfermo,
bem como a aplicação de insulina, no caso dos enfermos diabéticos. A
valorização da própria vida, a percepção de se sentir como heroína dentro do
contexto em que vive e a constatação de que as tarefas do cuidado podem causar
doença no cuidador estão entre os itens positivos do cuidado e identificados no
estudo de Laham (2003), que são o de ganho narcísico, aprendizado e encontro
de um sentido para a vida.
A busca de um sentido para a própria vida mantém a cuidadora em
atividade junto às comunidades religiosas. Tal atividade, considerada uma fonte
de alívio e de compreensão para os problemas vividos no dia a dia, fazia parte da
sua rotina social e espiritual muito antes do diagnóstico da doença renal. Pode-se
considerar que esta é uma maneira de preservar um espaço apenas para si
mesma, como forma de passar algum tempo longe do ambiente doméstico e das
preocupações constantes a que está submetida.
As manifestações de apego a Deus e consequente recuperação do
sentimento de segurança foram encontradas em todos os discursos,
independentemente de a cuidadora estar associada a alguma religião ou doutrina.
A poderosa figura internalizada de Deus, possuidor de uma vontade
soberana, provê recurso emocional à cuidadora para que se resigne frente à
situação sobre a qual ela não tem controle.
A crença de que Deus é justo faz com que a cuidadora justifique a cegueira
e a impotência sexual do renal crônico como resultado da “justiça Divina” ou seja,
Ele foi justo com ela porque aplicou, merecidamente, punições físicas ao enfermo,
e isto é considerado positivo na vida da cuidadora. Acerca desse tipo de
ocorrência, Weigand (2004) explica que, no conceito dos modelos operativos
internos, as pessoas que não conseguiram estabelecer uma relação de apego
seguro com seus pais procuram figuras de apego substitutas (professores, irmãos
136
mais velhos etc) e que, por isso, tornam-se candidatas para a adoção de Deus
como figura substitutiva em potencial. Assim, as crenças religiosas ou outras
divindades podem ser consideradas manifestações adultas do sistema de apego.
Aparentemente, a representação de um Deus internalizado e “criado” para
atender às necessidades próprias preenche o papel de figura de apoio nos
momentos de crise, possibilitando a regulação emocional e, consequentemente,
alívio e renovação de forças para novos enfrentamentos.
A esperança na realização do transplante é outro recurso de enfrentamento
utilizado e que diminui com o passar do tempo, pois a realidade sobre a
dificuldade encontrada na captação de órgãos, seja de doador vivo ou cadáver,
paulatinamente toma conta da cuidadora. Esse comportamento é justificado pelos
dados obtidos na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (2008), segundo
os quais os transplantes realizados com doador cadáver beneficiaram apenas 703
pessoas, numa fila de espera que conta, só na região Sudeste, com 23.880
enfermos renais crônicos, de acordo com a análise dos dados no Relatório do
Censo Brasileiro de Diálise (SESSO e cols, 2009).
A Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) informa que,
em 2008, houve um crescimento de 9,2% na realização de transplantes renais no
país. Estes, porém, são insuficientes para atender a demanda de enfermos que
cresce a uma taxa aproximada de 18,5% ao ano, com índice de mortalidade, em
2007, de 15,2% (SESSO e cols, 2009).
Famílias em que havia vários doadores compatíveis que se dispuseram à
doação contribuíram para que o discurso da cuidadora fosse permeado pelo
otimismo, na certeza da realização do transplante: “todos se inscreveram e deram
que são compatíveis! Então, doador é o que não falta!”. Houve relatos em que o
renal crônico recusou a oferta de doação entre vivos, sabendo dos riscos a que o
doador ficaria exposto caso se submetesse à cirurgia para a retirada do órgão.
Neste caso, os familiares solidarizaram-se ao enfermo, oferecendo o próprio rim
na tentativa de eliminar o sofrimento do ente querido.
Na falta de doador vivo ou cadáver, houve desespero por parte do enfermo,
embora a cuidadora, que desempenha este papel há menos de 3 anos, tenha
mantido a esperança na realização do transplante.
137
A monotonia da rotina cotidiana imposta pelo tratamento hemodialítico,
aliada às restrições físicas, nutricionais e sociais a que o enfermo ficou
submetido, estendeu-se à cuidadora. Verificou-se que o cansaço físico e as
limitações econômicas padronizaram a escolha do tipo de lazer a que ela se
entrega, nas poucas oportunidades que tem. A televisão, a leitura, o repouso e a
convivência familiar foram as atividades escolhidas e que são realizadas, na
maioria das vezes, quando o renal crônico está dormindo, indicando a relativa
autonomia que a cuidadora possui, posto que essa particularidade limita o tempo
desfrutado na atividade escolhida.
As viagens são realizadas por curtos períodos de tempo, pois a cuidadora
teme deixar o renal crônico desacompanhado por muito tempo. Este, por sua vez,
encontra-se impossibilitado de acompanhá-la, dada a obrigatoriedade que ele tem
de passar pela hemodiálise em dias alternados.
Quando a cuidadora foi questionada sobre as amizades, não houve
alteração na rotina de contato existente antes do diagnóstico. Quando ela possui
um estilo de vida familiar comunitário, consegue manter com facilidade bons
relacionamentos interpessoais com os vizinhos, fazendo com que essa rede de
apoio afetivo e social seja mais um recurso facilitador para sua vida, além das
relações estabelecidas e mantidas nos ambientes de trabalho e das amizades
cultivadas nas comunidades religiosas.
O contexto em que essa pesquisa foi realizada padronizou o paciente renal
hemodialítico que são obrigados ao comparecimento em clínica especializada
para o tratamento, 3 vezes por semana. Diante desse fato, os pacientes que têm
a oportunidade de realizar a diálise em casa, ou seja, a diálise peritoneal, não
foram contemplados. Assim, as cuidadoras não precisaram de orientação e/ou
acompanhamento médico específico para atendimento ambulatorial domiciliar,
exceto nos casos em que o paciente passava mal ao chegar em casa (queda ou
aumento da pressão, dores intensas, desmaios etc.). Nesses casos, a equipe
médica da clínica de hemodiálise foi acionada, e as orientações emergenciais
foram passadar por telefone com a recomendação para encaminhamento ao
Pronto-Socorro, se necessário.
Apenas uma cuidadora recebeu o apoio de equipe multidisciplinar
(psicólogo, nutricionista, assistente social) durante o processo ocorrido entre a
138
notícia do diagnóstico e a chegada à clínica de Hemodiálise. Vale lembrar que
este intervalo pode demorar até dois meses, em decorrência da dificuldade em
conseguir vaga para internação.
A síndrome de burnout (FREUDENBERGER, 1974) é uma doença
relacionada ao trabalho profissional, composta por 3 dimensões de sintomas
temporários que se manifestam em situações específicas da vida do sujeito e que
estão relacionadas ao trabalho (Freudenberger, 1987 apud MASLACH, 2001).
Tais sintomas emergem como respostas emocionais às tensões decorrentes de
um trabalho que envolva o contato com pessoas cuja necessidade de cuidado e
de atenção seja permanente, tanto na área da saúde, quanto no campo do ensino
ou nas organizações (MILLAN, 2007).
Na dimensão relacionada ao esgotamento emocional, o foco da atenção da
cuidadora é colocado inteiramente na saúde do renal crônico. Nesse caso, ela
passa a considerar que não pode ficar doente, pois em caso de lhe ocorrer uma
doença, o paciente renal crônico ficaria desassistido. Além disso, parece haver
um aumento do instinto de preservação da vida do outro e um rebaixamento
dessa preservação em si. Nota-se, aqui, a hiperidentificação com o enfermo e o
excesso de dedicação a ele, pois se considera que as necessidades do doente
precedem sobre as próprias. Assim, parece haver nesse comportamento um
“círculo de vulnerabilidade”, quando o cuidador liga-se ao enfermo pela excessiva
identificação e exposição à dor do outro (SANDRIN, 2006).
Sintomas de grande cansaço físico e irritabilidade também caracterizam o
esgotamento emocional e a existência de conflitos familiares, a grande dificuldade
no relacionamento com o renal crônico e a desvalorização do cuidado por parte
do enfermo fizeram com que a cuidadora prosseguisse no desempenho de seu
papel, ainda que soubesse que “vai chegar uma hora que eu não vou aguentar,
né?”. Nesse contexto, a solidão experimentada pela cuidadora tornou-se explícita
em seu desabafo: “Eu não tenho ninguém... Tem vez que eu falo sozinha!”.
No caso da cuidadora que exerce atividade profissional fora de casa, há
ainda o peso da dupla jornada de trabalho, pois além de carregar a
responsabilidade de ser a principal cuidadora do enfermo, tem ainda de enfrentar
a sobrecarga existente na rotina de dona de casa que vê seus sábados e
139
domingos invadidos pelo trabalho, tornando-se evidente que não há tempo
adequado para seu descanso e sua reestruturação tanto física quanto emocional.
Uma das armadilhas comuns em que o cuidador pode cair é utilizar a
famosa frase “se eu não fizer, ninguém vai fazer...” e, assim, entrar facilmente em
estado de esgotamento físico, mental e emocional. Nesse momento, o cuidador
costuma atribuir-se a culpa pelo sentimento de fracasso que experimenta porque
realiza uma leitura inadequada da realidade (Sandrin, 2006).
A dificuldade de controlar a rigorosa dieta alimentar que o enfermo renal
crônico precisa manter é apontada como fonte de estresse pela cuidadora,
independentemente do tempo em que o diagnóstico tenha sido feito. Quando o
enfermo não adere ao tratamento, os conflitos entre a cuidadora e o doente são
constantes.
Dentre as variáveis que contribuem para o aparecimento dos sintomas
associados à síndrome, estão a sobrecarga física e emocional; a sensação de
não ter o controle da situação; de ter de enfrentar situações que envolvem dor,
doença e morte; a dificuldade em harmonizar expectativas pessoais e das demais
pessoas envolvidas; a falta de autonomia pessoal; e os feedbacks em relação aos
resultados obtidos no trabalho (SANDRIN, 2006; SÁNCHEZ, 2005).
Na despersonalização, pequenos obstáculos configuram-se como
insuperáveis, são acompanhados pela sensação de fracasso, marcam essa
dimensão (Sandrin, 2006) e são encontrados no convívio com as restrições físicas
(dores constantes, ingestão de remédios a toda hora), com as restrições sociais
(não pode viajar porque precisa dialisar em dias alternados) e com a ameaça da
proximidade gradativa da morte do enfermo devido ao quadro evolutivo da doença
crônica. Isso faz com que a cuidadora considere-se estar com “pés e mãos
atados”, pois ela acredita que a doença renal crônica “é uma doença que não tem
o que fazer”, além de crer na fatalidade do destino e de que “o que tem que
acontecer ninguém vai desviar”.
Um outro sintoma característico da despersonalização é a apreensão em
relação ao futuro que se apresentou com a possibilidade da perda do enfermo,
pela morte, causando angústia na cuidadora. Nessa fase, é frequente o
aparecimento de doenças psicossomáticas, geradas pelo estresse, resultantes do
140
grande investimento físico e emocional nas tarefas do cuidado, de forma a
provocar o aparecimento de patologias orgânicas na cuidadora que, além dos
cuidados que precisa ter com o renal crônico, também se vê obrigada a olhar para
si, a se cuidar. As patologias encontradas com maior frequência foram as
alterações do sistema nervoso e o aumento da pressão arterial.
No estado de burnout, o cuidador sente a impossibilidade de se defender
da angústia frente à certeza do fim da relação com o doente crônico; percebe a
dificuldade de adaptação emotiva e cognitiva às tarefas relacionadas ao cuidado
do doente crônico; possui o sentimento de raiva pela doença que não consegue
controlar, bem como o sentimento de impotência por não poder fazer mais; e
sente o conflito pela empatia que em algumas vezes está presente e, em outras,
não existe (SÁNCHEZ, 2005; SANDRIN, 2006).
Há também prejuízos nas relações familiares, pois quem exerce o papel de
cuidador há mais de 3 anos não conta com auxílio da família na divisão das
tarefas. Aparentemente, a passagem do tempo promove uma “acomodação” dos
familiares com o fato de haver alguém que, oficialmente, encarrega-se de todas
as demandas do cuidado.
Questões relacionadas à falta de apoio da família ou amigos; conflitos entre
o cuidador e seus familiares; autoritarismo por parte de algum integrante do grupo
à sua volta; pouco conhecimento sobre a tarefa que desempenha; falta de
orientação sobre o cuidado; clima tenso durante o trabalho; trabalho monótono e
sem perspectivas de mudança; estresse por “lealdade dupla” (o cuidador é
obrigado a cultivar a lealdade para com a equipe médica em detrimento da
lealdade com o assistido e vice-e-versa): tudo isso envolve uma cisão da própria
identidade, gerando a crise (SANDRIN, 2006; SÁNCHEZ, 2005).
Outro sintoma característico dessa dimensão é a indiferença emotiva em
relação ao sofrimento do outro, o que favorece o distanciamento defensivo
(SANDRIN, 2006). Este, nesse caso, é verificado quando a crença de que Deus é
justo faz com que a cuidadora justifique a cegueira e a impotência sexual do renal
crônico como resultado da “justiça Divina”, ou seja, de que Ele foi justo com ela ao
aplicar, merecidamente, punições físicas ao enfermo, e isso é considerado
positivo na vida da cuidadora.
141
Na análise do DSC não houve relatos de que a cuidadora tivesse
exagerado na alimentação e no uso de drogas, tais como a nicotina, a cafeína e o
álcool.
É na dimensão do comprometimento da realização profissional, que o
burnout, propriamente dito, pode ser identificado. Trata-se de uma fase marcada
pelo fracasso da empatia, pelo início da resignação, e pela procura por
compensações ou por fugas, na qual há uma espécie de “morte profissional”. No
caso em estudo relativo ao cuidador principal, a leitura pode ser feita como “morte
da atividade de cuidar” (SANDRIN, 2006).
Do modo semelhante, houve momentos do discurso em que foram
identificadas manifestações de revolta ou de resignação, considerando que nada
há de positivo na situação em que se encontra, pois não vê saída para a doença e
suas consequências.
142
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo resultou em uma coletânea de informações sobre a doença
renal crônica e seu impacto na vida do enfermo, do cuidador principal e dos
familiares. Questões relacionadas ao impacto do diagnóstico, aos recursos de
enfrentamento, à rede social de apoio e à relação dos sintomas do burnout com o
cuidador principal foram identificadas e analisadas, de maneira a buscar uma
compreensão de todas as fases envolvidas no processo do cuidado. O conjunto
das particularidades de cada história permitiu que o universo desses personagens
fosse delineado ao poucos para retratar uma realidade comum a muitos
brasileiros.
Doenças primárias como diabetes mellitus e hipertensão arterial continuam
a ser as doenças predominantes na origem da falência renal. Esse fato indica que
as políticas públicas de prevenção ainda não conseguem conter o crescimento
dessas patologias, com o consequente ônus para a população e para os cofres
públicos.
Há o desconhecimento sobre a doença, seus sintomas e seu tratamento, e
ela está associada à crença de que o enfermo morre imediatamente após o
diagnóstico. Tal falta de informação contribui para o agravamento das doenças
primárias, responsáveis pela falência renal que, depois de instalada, gera
consequências também de ordem econômica e social, pois as famílias tornam-se
dependentes dos valores oferecidos por programas sociais como o Bolsa-Família,
recebem aposentadoria ou auxílio-doença da Previdência Social e utilizam os
serviços de hospitais públicos e postos de saúde mantidos pelas prefeituras, além
da aquisição de remédios gratuitos oferecidos pelo Ministério da Saúde.
Houve aumento de enfermos cuja faixa etária encontra-se abaixo dos 30
anos, como resultado de diagnósticos precoces e que só foram possíveis graças
aos avanços da medicina, que proporciona meios rápidos para identificação e
tratamento da doença renal.
Foi possível verificar que o diagnóstico da doença causa fortes reações
emocionais no enfermo, no cuidador principal e demais membros da família,
143
provocando mudanças na vida de todos os envolvidos com alteração no fluxo da
rotina diária, na saúde, na convivência familiar e social, nas atividades
profissionais e nas questões de ordem financeira.
A melhor (ou pior) adaptação do cuidador à situação depende do contexto
familiar em que esteja inserido. Famílias grandes, unidas, participativas e
integradas com a comunidade de vizinhos, enfrentam melhor os revezes que o
diagnóstico do paciente renal crônico impõe, contribuem para a diminuição do
sofrimento e aceleram a adaptação ao papel do cuidado, de modo a
proporcionar, através desses relacionamentos, alívio para as tensões emocionais
e físicas do cuidador. Famílias pouco integradas com a comunidade e que
apresentam muitos conflitos entre seus próprios membros dificultam a adaptação,
impossibilitando a oferta de condições de apoio adequado ao cuidador que não
recebe auxílio da família na divisão das tarefas.
Pelo fato de ser progressiva, sintomática e de curso constante, a doença
renal crônica permite uma adaptação gradativa aos sintomas e suas
consequências, tanto para o enfermo quanto para a família. No entanto, quando a
notícia da falência renal chega, ela provoca reações de grande sofrimento em
todos os seus participantes.
Nos estágios iniciais da doença, o cuidador principal encontra muitas
dificuldades para assumir os cuidados com o enfermo, e as principais referem-se
ao cansaço, ao resultado da sobrecarga de tarefas cotidianas com a dupla
jornada de trabalho — seja porque exerce uma atividade profissional fora de casa,
seja porque contribui para a complementação da renda familiar com atividades
informais realizadas em casa —, ao estresse gerado pelas alterações de humor
do enfermo ou pela não aderência deste ao tratamento (principalmente no tocante
à rigorosa dieta alimentar, imprescindível para a manutenção da vida do renal
crônico) e à possibilidade diária da perda, pela morte, do enfermo.
Nesse período, o cuidador também alimenta sonhos para o futuro
relacionados ao bem-estar pessoal alcançado por meio de muita saúde; à
expectativa de que os filhos fiquem bem; ao desejo de que o transplante renal do
enfermo se realize, para que a tranquilidade existente na vida antes do
diagnóstico da doença seja recuperada, e às atividades que beneficiem idosos e
144
enfermos. Neste sentido, questões relacionadas à saúde física, emocional e
espiritual são consideradas de maior valor do que as questões materiais.
Com o passar do tempo, o cuidador ajusta-se à situação e aumenta a sua
capacidade para administrar a crise, chegando a considerar positivo o fato de ter
se acostumado com a situação, com as tentativas para resolução de problemas,
com o aprendizado para viver nesse novo contexto, com o desenvolvimento da
paciência e da tolerância e com a descoberta, em alguns casos, de que gosta de
cuidar.
Dentre os recursos de enfrentamento utilizados estão a recuperação do
sentimento de controle da situação, quando o cuidador age ou reage às situações
em benefício do enfermo, seja “brigando” para conseguir uma internação, seja
“correndo atrás” de remédios, consultas, exames ou transporte, por exemplo. A
busca de um sentido para a própria vida através de atividades junto às
comunidades religiosas e as manifestações de apego a Deus contribuem para o
alívio e a regulação emocional nos momentos de crise. Do mesmo modo, a
escolha da televisão, da leitura, do repouso e da convivência familiar como formas
de lazer, bem como o convívio social por meio das amizades que continuaram a
ser cultivadas após o diagnóstico são meios de manter equilibradas as
compensações do tempo de dedicação ao enfermo e que, nesses poucos
intervalos, passa a ser dedicado a si.
Outro recurso utilizado é a manutenção da esperança na realização do
transplante renal, que diminui no decorrer do tempo, pois a realidade sobre a
dificuldade encontrada na captação de órgãos, seja de doador vivo ou cadáver,
paulatinamente toma conta do cuidador, bem como é justificada pelas estatísticas
brasileiras encontradas no Relatório do Censo Brasileiro de Diálise (SESSO e
cols, 2009), segundo o qual o número de doadores é insuficiente para atender à
demanda de enfermos renais crônicos.
Percebeu-se, até este momento, como o cuidador age e reage no
desempenho do seu papel ao longo do tempo e os efeitos sobre o seu mundo
pessoal, familiar e social. Tal estudo possibilitou uma análise comparativa entre
os sintomas encontrados na síndrome de burnout e aqueles encontrados durante
a análise desta pesquisa.
145
Uma vez que a síndrome do esgotamento profissional (burnout) é
considerada uma doença relacionada ao trabalho profissional, neste estudo a
proposta foi buscar subsídios que validem a síndrome como um diagnóstico
possível para o trabalho realizado sem remuneração.
A análise tomou como base o discurso coletivo, no qual foi verificado que
os sintomas de todas as dimensões da síndrome (EE, DP e RP) foram
encontrados. Neste sentido, a melhoria nas condições de trabalho, em que o
cuidador fica exposto por imposição das tarefas do cuidado, provocaria imediata
melhoria na sintomatologia do cuidador. Individualmente, a análise dos discursos
mostrou que a totalidade dos sintomas existentes nas 3 dimensões não foi
encontrada, mas identificou sintomas de 1 ou 2 dimensões, simultaneamente.
Com base nas duas análises, pode-se considerar a síndrome como um
diagnóstico possível, pois a possibilidade de ocorrer burnout no cuidador principal
do paciente renal crônico em hemodiálise é alta.
Outra questão que surgiu no decorrer da análise foi a seguinte: “qualquer
cuidador principal de um doente crônico está sujeito ao burnout?” A resposta é
negativa, pois há quem sinta prazer na atividade do cuidado. Essas são pessoas
que têm facilidade para encontrar ou criar estratégias de enfrentamento,
possibilitando uma realização pessoal que “neutraliza” os efeitos negativos que as
demandas do cuidado também geram.
Atualmente, as políticas públicas de apoio ao doente renal crônico têm
como foco a manutenção da vida do paciente, sem considerar que esta pessoa,
na maioria dos casos, terá dificuldades para dar conta do autocuidado, dadas as
condições de imprevisibilidade e de complicação dos sintomas (FREITAS & cols,
2007) necessitando, em algum momento, de alguém que cuide dele. Esse papel
costuma ser assumido por um familiar que, na maioria das vezes, não possui
preparo para tal, e este estudo confirmou a importância da figura do cuidador
principal, dada a relevância social que tem na manutenção da vida do paciente e
dos núcleos familiares.
O desenrolar desta pesquisa deu-se numa região do Brasil considerada de
melhor poder econômico e, ainda assim, as condições de pobreza e de
dificuldades encontradas na população pesquisada, faz com que a reflexão se
146
amplie para o restante do país, onde as desigualdades sociais são gritantes e o
acesso à saúde e à educação, em muitas localidades, ainda é irreal.
Se no estado de São Paulo, cuja riqueza econômica é comprovada, há
municípios que não possuem local e equipamentos adequados ao tratamento do
paciente renal, o que dizer das cidades onde as condições de miserabilidade
estão presentes? O que acontece aos seus renais crônicos? A falta da diálise
peritoneal ou hemodiálise lhes garantirá a morte num curto período de tempo.
Provavelmente o contato com esta realidade tenha promovido a crença, na
maioria das participantes desta pesquisa de que a falência dos rins provoca a
imediata morte do paciente, pois elas nasceram em estados das regiões Nordeste
e Centro-Oeste do país.
Há, por parte da pesquisadora, otimismo por perceber que nos altos
escalões do Ministério da Saúde estão sendo construídas diretrizes para o
combate e a prevenção às doenças primárias; protocolos de atendimento ao renal
crônico estão sendo instituídos; regras para a instalação e a manutenção de
clínicas de diálise estão sendo efetivadas; e a distribuição de medicação de alto
valor já é disponibilizada para os enfermos renais. Além disso, há uma crescente
conscientização nas universidades, nos hospitais e nas clínicas acerca da
importância das equipes multidisciplinares no atendimento ao enfermo, aos
cuidadores e às famílias, de acordo com o que foi comprovado nesta pesquisa.
Estudos mais detalhados precisam ser efetivados para que se amplie o
conhecimento sobre o burnout nos cuidadores de pacientes crônicos em geral,
pois é sabido que cada doença possui características próprias e que exigem
respostas individualizadas do cuidado.
O cuidador principal ainda é invisível às políticas públicas, pois não há
programas que atendam a esse público no Brasil. Iniciativas privadas buscam
promover a criação de grupos de apoio aos cuidadores familiares de enfermos
crônicos; porém, eles são insuficientes para atender à demanda que, no âmbito
brasileiro, é muito grande.
Da mesma forma que o governo investe em ações curativas dos enfermos
de doença renal crônica e de diabetes, por exemplo, ele precisa investir na
prevenção dessa gama de enfermidades. Assim, programas educativos devem
147
ser inseridos nas escolas públicas e privadas com o objetivo de sensibilizar os
alunos para a importância das rotinas de prevenção das doenças, por meio de
exames periódicos, de educação alimentar, da vida emocional equilibrada, da
convivência social saudável e do lazer.
No processo de cuidar em casa, realiza-se muito mais do que o simples ato
de medicar o enfermo ou de prover-lhe o alimento. Faz-se uma autossuperação
diária, cujo alvo a ser atingido modifica-se, no decorrer do tempo. No início, trata-
se da recuperação da vida que existia antes da doença por meio da cura ou do
transplante renal. Depois, trata-se da batalha para manter o enfermo vivo e da
conscientização, pouco a pouco, de que ele partirá a qualquer momento. Soma-se
a tudo isso o conflito interior, o cansaço e, às vezes, a revolta, para finalmente
chegar à resignação, embora jamais se pense, sob hipótese alguma, no
abandono da tarefa que tão arraigada e cuidadosamente a cuidadora tomou para
si. Nesse sentido, certamente se pode afirmar que elas são, como tantas outras (e
tantos outros, é claro), heroínas de uma história que se inscreve aqui, na
academia, como caso digno de atenção e de futuros estudos.
148
REFERÊNCIAS
Impressas
ABRAHÃO, Sarah S. Determinantes de falhas da diálise peritoneal no
domicílio de crianças e adolescentes assistidos pel o Hospital das Clínicas
da UFMG. Dissertação de Mestrado em Ciências da Saúde na Área de
Concentração em Saúde da Criança e do Adolescente, Universidade Federal de
Minas Gerais, MG, 2006.
AHOLA K.; HONKONEN T.; ISOMETSÂ E.; KALIMO R.; NYKYRI E.; AROMAA A,
et al. The Relationship Between Job-Related Burnout and Depressive Disorders –
Results from the Finnish Health 2000 Study. J Affect Disord. 2005; 88(1): 55-62.
ALARCÓN, Javier; VAZ, Francisco J.; GUISADO, Juan A. Análisis del síndrome
de burnout: psicopatología, estilos de afrontamiento y clima social (II). Rev
Psiquiatria Fac Med Barna,; 29(1): p. 8-17, 2002.
ÂNGELO, Margareth; WERNET, Monika. Mobilizando-se para a família: dando um
novo sentido à família e ao cuidar. Revista Escola Enfermagem USP, São Paulo,
v.37, n.1, p.19-25, 2003.
AYRES, José R. C. M. Cuidado e reconstrução das práticas de Saúde. Rev.
Interface- Comunic. Saúde Educ., v.8, n.14, p.73-92, set.2003-fev.2004.
BARTHOLOMEW, K.; PERLMAN, D. (Eds), Advances in personal
relationships: Attachment processes in adulthood . Vol. 5. London: Jessica
Kingsley Publishers Ltd., 1994, p. 269-308.
BIANCHI, P.D.A.; BARRETO, S.S.M.; THOMÉ, F.S.; KLEIN, A.B. Repercussão da
hemodiálise na função pulmonar de pacientes com doença renal crônica terminal.
Jornal Brasileiro de Nefrologia, 31(1): 25-31, 2009.
BOCCHI, Silvia C. M. Vivenciando a sobrecarga ao vir-a-ser um cuidador familiar
de pessoa com Acidente Vascular Cerebral (AVC): uma análise do conhecimento.
Rev. Latino Americana Enfermagem, 12(1): 115-21, janeiro-fevereiro 2004.
149
BOWLBY, J. Formação e rompimento dos laços afetivos . 4 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
___________; AINSWORTH, M. D. S. (col). Cuidados maternos e saúde
mental . 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006a.
BROMBERG, Maria H. P. F. A psicoterapia em situações de perdas e luto .
São Paulo: Ed Livro Pleno, 2000.
BROWN, Fredda H. O impacto da morte e da doença grave sobre o ciclo de vida
familiar. In: CARTER, Betty; McGOLDRICK, Mônica & colaboradores. As
mudanças no ciclo de vida familiar – uma estrutura para a terapia familiar
Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1995, p. 393-414.
CAMPOS, Eugenio Paes. Equipe de saúde: cuidadores sob tensão, EPISTEMO-
SOMÁTICA (Belo Horizonte), v. III - n.02, p.195-222, set/dez 2006.
CARTER, Betty; McGOLDRICK, Mônica & colaboradores. As mudanças no ciclo
de vida familiar – uma estrutura para a terapia fam iliar . Porto Alegre: Ed. Artes
Médicas, 1995, Cap. 1, p.7-29.
CARLOTTO, Mary S; CÂMARA, Sheila G. Propriedades psicométricas do
Maslach Burnout Inventory em uma amostra multifuncional. Estudos de
Psicologia, Campinas, 24(3), 325-332, julho-setembro, 2007.
CERVENY, Ceneide M. O. A família como modelo: desconstruindo a
patologia . Campinas: Editora Livro Pleno, 2000.
COELHO, Edméia A. C; FONSECA, Rosa M. G. S. Pensando o cuidado na
relação dialética entre sujeitos sociais. Revista Brasileira de Enfermagem, 58(2):
p. 214-7, março-abril 2005.
FLORIANI, Ciro Augusto. Cuidador familiar: sobrecarga e proteção. Revista
Brasileira de Cancerologia, 50(4), Rio de Janeiro, p.341-345, 2004.
___________ Cuidador do idoso com câncer avançado: uma abordage m
bioética . Dissertação de Mestrado em Ciências na Área da Saúde, Fundação
Oswaldo Cruz, RJ, 2004a.
FONSECA, Angelita Roberta de Oliveira; MENDONÇA, Fernanda de Freitas;
NOGUEIRA, Luciana Alcântara; MARCON, Sonia Silva. Impacto da doença
150
crônica no cotidiano familiar. Arquivo APADEC – Associação Paranaense para
Desenvolvimento do Ensino da Ciência, 8(supl.): Maio, 2004.
FONSECA, José Paulo da. Luto antecipatório: as experiências pessoais,
familiares e sociais diante de uma morte anunciada . Campinas: Editora Livro
Pleno, Campinas, 2004.
FREUDENBERGER, HJ. Staff burnout. J Soc Issues. 30: p.159-65, 1974.
GOMES, Romeu; MENDONÇA, Eduardo A; PONTES, Maria L. As
representações sociais e a experiência da doença. Cad. Saúde Pública, Rio de
Janeiro, 18(5): p. 1207-1214, setembro-outubro 2002.
HOLLAND, J. Clinical course of cancer. In: HOLLAND, J; ROWLAND, J.
Handbook psychooncology: psychological care of the patient with cancer .
Nova York: Oxford University Press, 1990.
KESTENBERG, Célia Caldeira Fonseca; REIS, Márcia Maria dos Santos
Americano; MOTTA, Wanessa de Carvalho; CALDAS, Mariana Ferreira;
RODRIGUES, Daniela Macri da Costa. Cuidando do estudante e ensinando
relações de cuidado de enfermagem. Texto Contexto Enferm, 15 (Esp).
Florianópolis, p.193-200, 2006.
LACERDA, Maria Ribeiro; OLINISKI, Samantha Reikdal; GIACOMOZZI, Clélia
Mozara. Familiares cuidadores comparando a internação domiciliar e a hospitalar;
Família, Saúde Desenvolvimento, v.6, n.2, Curitiba, p.110-118, maio-agosto 2004.
LAHAM, Cláudia Fernandes. Percepção de perdas e ganhos entre cuidadores
de pacientes atendidos em um programa de assistênci a domiciliar .
Dissertação de Mestrado em Ciências pela FMUSP, São Paulo, 2003,.
LEFÉVRE, Fernando; Ana M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo
enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: Fundação
Universidade Caxias do Sul/ EDUCS, 2003.
LEMOS, D. L.; GAZZOLA, Juliana M.; RAMOS, Luiz R. Cuidando do paciente com
Alzheimer: o impacto da doença no cuidador. Saúde e Sociedade v.15, n.3, p.170-
179, setembro-dezembro 2006.
LINDEMANN, Erich. Symptomatology and management of acute grief. American
Journal of Psychiatry, 101:141-148, 1944.
151
LUGON, J. R. ; MATOS, J. P. S. ; WARRAK, E. A.. Hemodiálise. In: RIELLA,
Miguel Carlos. (Org.). Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolí ticos .
4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003, v., p. 869-907
MACHADO, Ana L. G; FREITAS, Consuelo H. A. de; JORGE, Maria S. B. O fazer
do cuidador familiar: significados e crenças. Rev. Bras. Enfermagem, Brasília,
60(5): 530-4, setembro-outubro 2007.
MASLACH C, Schaufeli WB, Leiter MP. Job burnout. Annu Rev Psychol. 52:
p.397-422, 2001.
MARTINS e cols. Estudo de adaptação e validação da escala de avaliação de
cuidado principal. Psicologia, Saúde e Doenças, Lisboa, , vol. I, n. 001, Sociedade
Portuguesa de Psicologia da Saúde, p. 3-9, 2000.
MEDEIROS, M.M.C; FERRAZ, M.B; QUARESMA, M.R. Cuidadores: as “vítimas
ocultas” das doenças crônicas. Revista Brasileira de Reumatologia, v.38, n.4,
1998, p. 189-92.
MILLAN, Luiz Roberto. A Síndrome de Burnout: realidade ou ficção? Revista da
Associação Médica Brasileira, v.53, p. 15-16, 2007.
MINAYO, Maria Cecília de S. (Org); DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES,
Romeu. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 26 ed. Petrópolis:
Editora Vozes, 2007.
MINUCHIN, Salvador; FISCHMAN, Charles. Técnicas de terapia familiar . 2 ed.
Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.
K/DOQI - National Kidney Foundation. Clinical Practice Guidelines for Chronic
Kidney Disease: Executive Summary (Diretrizes de Prática Clínica para Doença
Renal Crônica: Resumo Executivo). New York, 2002.
OZORIO, Luiz C. Família hoje . Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
PIRES, M.R.G.M. Politicidade do cuidado como referência emancipatória para a
enfermagem: conhecer para cuidar, cuidar para confrontar, cuidar para
emancipar. Rev. Latino Americana Enfermagem, 13(5): 729-36, setembro-outubro
2005.
152
REZENDE VL, DERCHAIN SFM, BOTEGA NJ, SARIAN LO, VIAL DL, MORAIS
SS. Depressão e ansiedade nos cuidadores de mulheres em fase terminal de
câncer de mama e ginecológico. Rev. Bras Ginecol Obstet. 27(12): 737-43, 2005.
REY, Fernando González. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos
de construção da informação . São Paulo: Ed. Pioneira Thomson Learning,
2005.
ROLLAND, John S. Doença crônica e o ciclo de vida familiar. In: CARTER, Betty;
McGOLDRICK, Mônica & colaboradores. As mudanças no ciclo de vida familiar
– uma estrutura para a terapia familiar . Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1995,
p. 373-391.
ROLLAND, John S. ajudando famílias com perdas antecipadas. In: WALSH, F.;
McGOLDRICK, M. Morte na família: sobrevivendo às perdas . Porto Alegre:
Editora Artes Médicas, 1998, p.166-186.
SANDRIN, Luciano. Ajudar sem se esgotar: como superar a síndrome de
esgotamento nas profissões de saúde e nas relações assistenciais . São
Paulo: Editora Paulinas, 2006.
SÁNCHEZ, José Manuel Párraga. Eficacia del programa I.R.I.S. para reducir el
Síndrome de Burnout y mejorar las disfunciones emocionales en
profesionales sanitarios. Tese de doutorado. Universidad de Extremadura;
Departamento de Psicología y Sociología de la Educación, Cáceres, Espanha,
2005.
SCAZUFCA, Márcia. Brazilian version of the Burden Interview scale for the
assessment of burden of care in carers of people with mental illness. Rev. Bras.
Psiquiatria 24(1): p. 12-7, 2002.
SCHOSSLER, Thaís; CROSSETTI, Maria G. Cuidador domiciliar do idoso e o
cuidado de si: uma análise através da Teoria do Cuidado Humano de Jean
Watson. Texto Contexto Enferm. Florianópolis, 17(2): p. 280-7, Abril-Junho 2008.
SESSO, Ricardo; LOPES, Antonio A; THOMÉ, Fernando S; BEVILACQUA, José
L; JUNIOR, João E.R; LUGON, Jocemir. Relatório do Censo Brasileiro de Diálise,
2008. J. Bras. Nefrologia. 2008; 30(4): 233-8.
153
SOUZA, Luccas M; WEGNER, Wiliam; GORINI, Maria I. P. C. Educação em
saúde: uma estratégia de cuidador ao cuidador leigo. Rev. Latino-am
Enfermagem, 15(2), março-abril 2007.
SOUZA, Rosane M. De; RAMIRES, Vera. Amor, casamento, família, divórcio...
e, depois, segundo as crianças . São paulo: Summus, 2006.
SILVA, Alcione Leite da. Habilidade intuitiva no cuidado de enfermagem. Rev.
Latino-am Enfermagem, 11(4):429-35, julho-agosto 2003.
VIEIRA, Isabela; RAMOS, Andréia; MARTINS, Dulcéa; BUCASIO, Érika;
BENEVIDES-PEREIRA, A. Maria; FIGUEIRA, Ivan; JARDIM, Sílvia. Burnout na
clínica psiquiátrica. Revista de Psiquiatria RS, 28(3): p.352-6, setembro-dezembro
2006.
WALSH, F.; McGOLDRICK, M. Morte na família: sobrevivendo às perdas .
Porto Alegre: Ed. Artmed, 1998.
WEIGAND, O. O papel do apego na crença religiosa e no comportamento – Deus,
objeto transicional. A influência na formação do senso de self. In: CONVENÇÃO
BRASIL LATINO AMÉRICA, CONGRESSO BRASILEIRO E ENCONTRO
PARANAENSE DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS. 1., 4., 9., Foz do Iguaçu.
Anais... Centro Reichiano, 2004. CD-ROM. [ISBN – 85-87691-12-0].
Eletrônicas
ABCDT - Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplantes. Disponível
em: <http://www.abcdt.org.br/> [Acesso em 17/06/2009].
ABTO - Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Estatísticas em
tansplantes: gráficos em 2008. Disponível em:
<http://www.abto.org.br/profissionais/profissionais.asp> [Acesso em 19/06/2009].
BRASIL, Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de
Saúde (DATASUS). Disponível em:
<http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/painel_%20indicadores_do_SUS.pd
f> [Acesso em 31/08/2008].
154
BRASIL, Ministério da Saúde. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de
procedimentos para os serviços de saúde. Brasília, 2001. Disponível em:
<http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/instrumento/arquivo/16_Doencas_Trabalho.
pdf#search=%22doen%C3%A7as%20relacionadas%20ao%20trabalho%22>
[Acesso em 31/08/2008].
BRASIL, Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196 de
10 de outubro de 1996: Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de
pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília, DF, 1996. Disponível em:
<http://conselho.saude.gov.br/docs/Resolucoes/Reso106.doc>. [Acesso em:
27/07/2008].
BRASIL, Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Portaria GM 1168 de
15 de junho de 2004: Institui a Política Nacional de Atenção ao Portador de
Doença Renal, a ser implantada em todas as unidades federadas, respeitadas as
competências das três esferas de gestão. Brasília, DF, 2004. Disponível em:
<http://portal.saude.gov.br/portal/sas/mac/area.cfm?id_area=844> [Acesso em:
14/04/2009].
BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Caderno de Informações de
Saúde. Informações Gerais. Município: Taboão da Serra - SP. Disponível em:
<http://tabnet.datasus.gov.br/tabdata/cadernos/SP/SP_Taboao_da_Serra_Geral.xl
s> [Acesso em 10/06/2009].
BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Portaria Conjunta
nº 112, de 19 de junho de 2002, Diário Oficial de 20 de junho de 2002. Programa
HiperDia. Disponível em:
<http://sna.saude.gov.br/legisla/legisla/prog_farm_b/SE_SPS_PC112_prog_farm_
b.doc> [Acesso em 19/06/2009].
BRASIL, Ministério da Saúde. HiperDia – Sistema de Cadastramento e
Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos. Disponível em:
<http://hiperdia.datasus.gov.br/> [Acesso em 19/06/2009].
BRASIL, Ministério da Saúde. Notícias. OMS defende combate a doenças
crônicas. Disponível em:
<http://www.sistemas.aids.gov.br/imprensa/Noticias.asp?NOTCod=67323>
[Acesso em 19/06/2009].
155
BRASIL, IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades@. Estado
de São Paulo. Município de Taboão da Serra - SP. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1;
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2008/POP2008_DO
U.pdf> [Acesso em 10/06/2009].
BRASIL, Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo – Cidadão. Distribuição do
número de receptores transplantados com doador cadáver. Estado de São Paulo,
1997 a 2008. Disponível em:
<http://www.saude.sp.gov.br/content/cidadao_extras_servicos_informacoes_orient
acoes_transplantes_transplantesrealizados_orgao_cornea.mmp> e
<http://www.saude.sp.gov.br/resources/cidadao/servicos/transplantes/le-
9434_050297.pdf> [Acesso em 10/06/2009].
BVS – Biblioteca Virtual em Saúde: DeCS - Descritores em Ciências da Saúde.
Disponível em: <http://decs.bvs.br/> [Acesso em 31/08/2008].
CNDSS – Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde. Disponível
em: <http://www.determinantes.fiocruz.br/>. [Acesso em 31/08/2008].
JBN - Jornal Brasileiro de Nefrologia; Volume XXVI - nº 3 - Suplemento 1 - Agosto
de 2004. Disponível em: <http://www.sbn.org.br/JBN/26-31/v26e3s1p001.pdf>
[Acesso em 19/07/2008].
K/DIGO - Kidney Disease: Improving Global Outcome, 2003. Disponível em:
<http://www.kdigo.org> [Acesso em 17/06/2009].
K/DOQI - National Kidney Foundation. Disponível em: <www.kdoqi.org> [Acesso
em 17/06/2009].
OMS – Organização Mundial da Saúde. Disponível em:
<http://www.who.int/topics/chronic_diseases/es/> [Acesso em 16/06/2009].
OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde. Disponível nos endereços
eletrônicos: http://www.opas.org.br/rh/noticia_det.cfm?id_noticia=453. [Acesso em
31/08/2008]. http://www.opas.org.br/prevencao/temas.cfm?id=59&area=Conceito
[Acesso 02/02/2009].
156
USRDS – United States Renal Data System / Annual Data Report: strategies to
identify chronic kidney disease, 2008. Disponível em:
<http://www.usrds.org/2008/pdf/V1_01_2008.pdf> [Acesso em 17/06/2009].
SBN – Sociedade Brasileira de Nefrologia. Disponível em:
<http://www.sbn.org.br/> [Acesso em 19/07/2008].
SBN - Sociedade Brasileira de Nefrologia: Diretrizes para condutas médicas.
Disponível em: <http://www.sbn.org.br/Diretrizes/tx.htm> [Acesso em 19/06/2009].
WHO - World Health Organization. Disponível em:
<http://www.who.int/3by5/en/palliativecare_en.pdf > [Acesso em 22/08/2008].
ANEXO 1
OFÍCIO
São Paulo, 10 de setembro de 2008
Dra. Soraia Stael Drumond
Diretora do INEDI – Instituto de Nefrologia e Diálise S S Ltda
Senhora Diretora,
Sou aluna do curso de Mestrado da PUC-SP e estou desenvolvendo a pesquisa: “O Processo de Tornar-se Cuidador Informal do Paciente Renal Crônico”, cujo objetivo é identificar a percepção dos cuidadores frente à tarefa de cuidar do renal crônico. Espera-se que este estudo contribua para a ampliação do conhecimento sobre o impacto que a doença crônica têm sobre a vida do cuidador e assim, promover a criação de programas que atendam essa faixa da população, proporcionando orientações, suporte psicológico e grupos de apoio tendo em vista que o número de cuidadores vem aumentando a cada ano, na mesma proporção em que aumenta o número de casos da doença renal no Brasil.
Solicito permissão dessa Instituição para que eu possa efetuar a pesquisa de campo junto aos cuidadores dos pacientes em hemodiálise.
Encaminho anexo o Projeto de Pesquisa para maiores esclarecimentos e informo que se obtiver liberação, o início da coleta de dados está prevista para a 2ª quinzena de setembro.
Colocando-me à disposição para maiores informações,
Atenciosamente,
Verônica Alves Borges
NOME DO PROJETO: O processo de tornar-se cuidador informal do paciente renal crônico
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA – NÍVEL MESTRADO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUCSP)
ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco
PESQUISADORA: Verônica Alves Borges / fones: (11) 4787-8189 e (11) 9426-3458 e-mail: [email protected]
ANEXO 2
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O presente questionário tem a finalidade de buscar dados para dissertação de
mestrado que versa sobre: O PROCESSO DE TORNAR-SE CUIDADOR
INFORMAL DO PACIENTE RENAL CRÔNICO. Esta pesquisa propõe estudar o
impacto que a doença crônica tem sobre a vida do cuidador em seus diferentes
aspectos: emocional, social, familiar, pessoal, profissional para compreender os
processos de adaptação exigidos pelas mudanças ocorridas em sua vida, após o
diagnóstico da doença renal crônica. Para isso precisamos de sua colaboração
respondendo às nossas perguntas e permitindo que a conversa seja gravada. O
gravador serve para que eu não perca nada do que você vai falar. Depois da
nossa entrevista, o que foi conversado será escrito e a fita do gravador será
apagada. O seu nome não irá aparecer em nenhum papel de pesquisa, ou seja, o
que você falar não será associado a você de forma alguma. É importante que
você saiba que tem toda a liberdade em participar ou não da pesquisa, podendo
desistir a qualquer momento sem nenhum prejuízo. Qualquer dúvida que você
tiver ou qualquer informação que quiser, poderá entrar em contato comigo pelo
telefone: 3045-6942; e-mail: [email protected]
Agradeço sua colaboração.
Atenciosamente,
Verônica Alves Borges
ANEXO 3
CONSENTIMENTO PARA ATUAR COMO PARTICIPANTE NA PESQU ISA
Eu ____________________________________________________________,
R.G: _________________________________, abaixo assinado, tendo recebido
as informações acima, e ciente dos meus direitos abaixo relacionados, concordo
em participar.
− A garantia de receber a resposta a qualquer pergunta ou esclarecimento a
qualquer dúvida acerca dos procedimentos, riscos, benefícios e outros
relacionados com a pesquisa;
− A liberdade de retirar meu consentimento a qualquer momento e deixar de
participar do estudo sem que isso traga prejuízo à continuação do tratamento
a que meu familiar / amigo recebe na clínica;
− A segurança de que não serei identificado e que será mantido o caráter
confidencial das informações relacionadas com a minha privacidade;
− O compromisso de me proporcionar informação atualizada durante o estudo,
ainda que afete a minha vontade de continuar participando;
Tenho ciência do exposto acima e desejo participar do estudo.
São Paulo, de 200__.
Assinatura do cuidador:
__________________________________________________
Permissão para gravação da entrevista: ( ) SIM ( ) NÃO
ANEXO 4
FORMULÁRIO PARA ENTREVISTA: DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Nome do Cuidador: _________________________________ ___________________
Nome do Paciente: _________________________________ ___________________
Registro na Instituição: __________________________ _______________________
Grau de parentesco: _______________________________ ____________________
Endereço:___________________________________________ _________________
Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
Idade: ( ) 20 __ 30 anos Cor: ( ) branco
( ) 31 __ 40 anos ( ) negro
( ) 41 __ 50 anos ( ) pardo
( ) 51 __ 60 anos ( ) amarelo
( ) 61 __70 anos
( ) 71 __80 anos
( ) Acima 80 anos
Estado civil: ( ) solteiro(a) Religião ( ) c atólica
( ) casado(a) ( ) evangélica
( ) viúvo(a) ( ) espírita
( ) separado(a) ( ) outros ______________ _____
( ) moram juntos
Renda Mensal: ( ) 1 salário mínimo
( ) 2 salários mínimos
( ) 3 a 4 salários mínimos
( ) 5 a 6 salários mínimos
( ) 7 a 10 salários mínimos
( ) acima de 10
Local de nascimento: ______________________________ ____________________
Local em que reside atualmente: ___________________ ______________________
Tempo de escolaridade:
( ) analfabeto
( ) __________anos de estudo
( ) Pré-escola
( ) Primário (Ensino Fundamental)
( ) 2º Grau (Ensino Médio)
( ) 3º Grau (Ensino Superior)
Profissão: _________________________________________ ___________________
Filhos: ( ) Não ( ) Sim Quantos? __________________
Foi informado do diagnóstico da doença renal há qua nto tempo?
_____________________________________________________________________
Horário da entrevista: Início: ___________________ __ Término: ___________________
ANEXO 5
DADOS SOBRE A PERCEPÇÃO DO CUIDADOR FRENTE SUA TARE FA
RELACIONADA AO DOENTE RENAL CRÔNICO
QUESTÕES DIRECIONADORAS:
1. Conte um pouco como foi que você passou a cuidador de (RC)?
2. Como foi saber que (RC) tem a doença renal crônica?
3. O que pensou no momento? E o que fez?
4. Como começou sua vida como cuidador (a)?
− identificar se foi uma tarefa escolhida ou imposta (por quem?)
− com quem divide as tarefas do cuidado
− o que mudou na vida do cuidador
5. O que aprendeu sobre a doença depois que (RC) iniciou o tratamento?
− verificar orientações adequadas sobre a doença e suas conseqüências
− identificar existência de assistência domiciliar por equipe multidisciplinar
6. Como você descreve a convivência diária com (RC)?
− identificar quais emoções e/ou sentimentos (RC) provoca no cuidador
− verificar o grau de dependência de (RC) em relação ao cuidador
− identificar se (RC) reconhece e valoriza o cuidado que recebe
7. Como são as emoções de (RC)?
− averiguar como o cuidador reage às alterações de humor de (RC)
− identificar pressões, cobranças, (des)valorização por parte de (RC)
8. Como descreve a convivência com os demais membros da família?
− Identificar pontos de conflito
− verificar se há divisão de tarefas entre eles
9. Como você se sente no seu trabalho diário?
− verificar a quantidade de atividades executadas
− identificar o grau de (in)satisfação
− identificar emoções e/ou sentimentos associados ao trabalho
10. Você tem amigos?
− Identificar formas de lazer e convivência social
11. Como está a sua saúde?
− identificar doenças existentes antes do diagnóstico de (RC)
− verificar reações psicossomáticas após o diagnóstico
12. Quem administra a vida financeira da casa?
− verificar se houve desemprego após o diagnóstico
− identificar dificuldades financeiras e pontos que contribuíram para aumento
das despesas
13. O que gosta de fazer quando está só? E tem feito?
− identificar se consegue manter o controle sobre sua vida por meio de alguma
atividade des-estressora
14. Que pontos considera positivos na sua vida depois que começou a cuidar de
(RC)?
15. Que pontos considera negativos na sua vida depois que começou a cuidar de
(RC)?
16. Quais seus sonhos para o futuro?
− verificar que expectativas tem para sua vida futura
17. Quando você percebe que precisa “desabafar”, a quem procura?
− identificar existência de rede de apoio
ANEXO 6
Inventário de Burnout de Maslach - Human Services S urvey (Benevides-Pereira,
2001 que traduziu para o português; Mary Sandra Car lotto e Sheila Gonçalves
Câmara, 2007, validaram para a versão brasileira co m amostra multifuncional)
INSTRUÇÕES: A seguir encontra-se uma lista de afirmativas que reflete como as pessoas
algumas vezes sentem-se quando cuidam de outra pessoa. Depois de cada afirmativa, indique
com que freqüência o Sr/Sra se sente daquela maneira (nunca=1, algumas vezes=2, algumas
vezes ao mês=3, algumas vezes na semana=4 ou diariamente=5). Não existem respostas certas
ou erradas.
1. Sinto-me estimulado depois de haver trabalhado diretamente com quem tenho que atender.
2. Creio que consigo muitas coisas valiosas nesse trabalho.
3. Sinto que posso criar, com facilidade, um clima agradável em meu trabalho.
4. Sinto que posso entender facilmente as pessoas que tenho que atender.
5. Sinto que estou exercendo influência positiva na vida das pessoas, através de meu trabalho.
6. Sinto que trato com muita eficiência os problemas das pessoas as quais tenho que atender.
7. No meu trabalho eu manejo com os problemas emocionais com muita calma.
8. Sinto-me muito vigoroso no meu trabalho.
9. Sinto que meu trabalho está me desgastando.
10. Quando termino minha jornada de trabalho sinto-me esgotado.
11. Sinto-me emocionalmente decepcionado com meu trabalho.
12. Sinto que estou trabalhando demais.
13. Sinto-me como se estivesse no limite de minhas possibilidades.
14. Sinto-me frustrado com meu trabalho.
15. Sinto que trabalhar em contato direto com as pessoas me estressa.
16. Quando me levanto pela manhã e me deparo com outra jornada de trabalho, já me sinto
esgotado.
17. Sinto que trabalhar todo o dia com pessoas me cansa.
18. Sinto que me tornei mais duro com as pessoas, desde que comecei este trabalho.
19. Sinto que realmente não me importa o que ocorra com as pessoas as quais tenho que atender
profissionalmente.
20. Fico preocupado que este trabalho esteja me enrijecendo emocionalmente.
21. Sinto que estou tratando algumas pessoas com as quais me relaciono no meu trabalho como
se fossem objetos impessoais.
22. Parece-me que as pessoas que atendo culpam-me por alguns de seus problemas.
ANEXO 7
Burden Interview (Zarit & Zarit, 1987; trad. portug uês: Márcia Scazufca, 2002)
INSTRUÇÕES: A seguir encontra-se uma lista de afirmativas que reflete como as pessoas algumas vezes
sentem-se quando cuidam de outra pessoa. Depois de cada afirmativa, indique com que freqüência o Sr/Sra
se sente daquela maneira (não, raramente, algumas vezes=2, freqüentemente, ou sempre). Não existem
respostas certas ou erradas.
1. O Sr/Sra sente que S* pede mais ajuda do que ele (ela) necessita?
2. O Sr/Sra sente que por causa do tempo que o Sr/Sra gasta com S, o Sr/Sra não tem tempo suficiente
para si mesmo (a)?
3. O Sr/Sra se sente estressado (a) entre cuidar de S e suas outras responsabilidades com a família e o
trabalho?
4. O Sr/Sra se sente envergonhado (a) com o comportamento de S?
5. O Sr/Sra se sente irritado (a) quando S está por perto?
6. O Sr/Sra sente que S afeta negativamente seus relacionamentos com outros membros da família ou
amigos?
7. O Sr/Sra sente receio pelo futuro de S?
8. O Sr/Sra sente que S depende do Sr/Sra?
9. O Sr/Sra se sente tenso (a) quando S esta por perto?
10. O Sr/Sra sente que a sua saúde foi afetada por causa do seu envolvimento com S?
11. O Sr/Sra sente que o Sr/Sra não tem tanta privacidade como gostaria, por causa de S?
12. O Sr/Sra sente que a sua vida social tem sido prejudicada porque o Sr/Sra está cuidando de S?
13. O Sr/Sra não se sente à vontade de ter visitas em casa, por causa de S?
14. O Sr/Sra sente que S espera que o Sr/Sra cuide dele/dela, como se o Sr/Sra fosse a única pessoa de
quem ele/ela pode depender?
15. O Sr/Sra sente que não tem dinheiro suficiente para cuidar de S, somando-se as suas outras despesas?
16. O Sr/Sra sente que será incapaz de cuidar de S por muito mais tempo?
17. O Sr/Sra sente que perdeu o controle da sua vida desde a doença de S?
18. O Sr/Sra gostaria de simplesmente deixar que outra pessoa cuidasse de S?
19. O Sr/Sra se sente em dúvida sobre o que fazer por S?
20. O Sr/Sra sente que deveria estar fazendo mais por S?
21. O Sr/Sra sente que poderia cuidar melhor de S?
22. De uma maneira geral, quanto o Sr/Sra se sente sobrecarregado (a) por cuidar de S**?
*No texto S refere-se a quem é cuidado pelo entrevis tado. Durante a entrevista, o entrevistador usa o
nome desta pessoa.
**Neste item as respostas são: nem um pouco=0, um p ouco=1, moderadamente=2, muito=3,
extremamente=4.