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*Armínio Fraga Neto *José Luiz Fiori *Pedro Malan *Gustavo Franco *Ruy Mauro Marini *Otávio Gouveia de Bulhões *Eugênio Gudin *Roberto Campos Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, fala sobre o Plano Brasil Maior e os desafios da indústria brasileira *Edmar Lisboa Bacha *Antônio Delfim Neto *Theotônio dos Santos *Dércio Gracia Munhoz *Afonso Celso Pastore *Ricardo Bielschowsky *Roberto Simonsen ISSN 1677-0668 *Joaquim Murtinho *Celso Furtado
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ISSN
1677
-066
8
ANO XII Nº 46 julho/setembro de 2011
Revista deConjunturaPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, fala sobre o Plano Brasil Maior
e os desafios da indústria brasileira
ARTIGOS
ENTREVISTA
Brasil: temos modelo de desenvolvimento?
Antonio Paulo Barea Coutinho
Um olhar da Sociologia Econômicasobre a crise financeira
Francisco de Assis Campos da Silva e Moisés Villamil Balestro
A crise do euro, dilemas de política econômica e o futuro da Europa
José Luis Oreiro
A necessidade de uma política industrial permanente como política de Estado
Jackson De Toni
A retomada da crise mundial e os seus impactos na economia brasileira
José Matias Pereira
Evolução recente e perspectivas da economia brasileira
Raul Velloso
Continuação da criseCarlos Eduardo de Freitas,
José Luiz Pagnussat e José Fernando Cosentino Tavares
O XIX Congresso Brasileiro de Economia, tema da matéria principal, homenageou os 60 anos da regulamentação da profissão e
discutiu a desindustrialização no Brasil.
*Celso Furtado
*Antônio Delfim Neto
*Mário Henrique Simonsen
*Dércio Gracia Munhoz
* Fotos de domínio público retiradas da internet
*José da Silva Lisboa, Visconde
de Cairu
*Irineu Evangelista de Souza, Visconde
de Mauá*Joaquim Murtinho
*Roberto Simonsen
*Otávio Gouveia de Bulhões
*Eugênio Gudin *Roberto Campos *Maria da Conceição Tavares
*Antônio de Barros Castro
*Ricardo Bielschowsky
*Afonso Celso Pastore
*Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo
*Armínio Fraga Neto *José Luiz Fiori *Pedro Malan
*Gustavo Franco *Ruy Mauro
Marini*Theotônio dos
Santos
*Rômulo Almeida
*Luiz Carlos Bresser-Pereira
*Edmar Lisboa Bacha
COMECE A FAZER PARTE DESDE JÁ DA SUA COMUNIDADE PROFISSIONAL!
Compareça ao Conselho Regional de Economia do Distrito Federal e obtenha sua Carteira de Estudante de Ciências Econômicas.
O estudante credenciado terá os mesmos benefícios oferecidos aos economistas registrados, em igualdade de condições, exceto aqueles diretamente relacionados ao exercício profissional que sejam privativos dos profissionais registrados por determinação da lei.
Ao apresentar a credencial em qualquer Conselho Regional de Economia, o portador poderá consultar a legislação regulamentadora da profissão do economista, extrair cópias de artigos sobre temas de economia e ter acesso às publicações do Sistema COFECON/CORECONs, videotecas e bibliotecas, além de conseguir descontos nos eventos do Sistema COFECON/CORECONs.
Documentos necessários:
Faculdade, mencionando data prevista de conclusão do curso (original e cópia);
www.corecondf.org.br
Aluno e aluna de
de qualquer período ou sérieCiências Econômicas
TTãmnia
A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contatando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de
R$ 40,00 anual, o que equivale a quatro edições da revista.
07Brasil: temos modelo de desenvolvimento?
Antonio Paulo Barea Coutinho
11Um olhar da Sociologia Econômica
sobre a crise fi nanceiraFrancisco de Assis Campos da Silva e
Moisés Villamil Balestro
18A crise do euro, dilemas de política
econômica e o futuro da EuropaJosé Luis Oreiro
28A necessidade de uma política
industrial permanente como política de Estado
Jackson De Toni
33A retomada da crise mundial e os seus
impactos na economia brasileira José Matias Pereira
40Evolução recente e perspectivas da
economia brasileira
Raul Velloso
44Continuação da crise
Carlos Eduardo de Freitas, José Luiz Pagnussat e
José Fernando Cosentino Tavares
2 editorial
3 entrevistaFernando Pimentel
23 destaqueXIX Congresso Brasileiro de Economia
ÍndicePublicação do Conselho Regional de
Economia do Distrito Federal
ANO XI • Nº 46 • julho/setembro de 2011
ConjunturaRevista de
Nesta edição
Editor responsávelJosé Luiz Pagnussat
Conselho editorialCarlos Eduardo de FreitasElder Linton Alves de AtaújoJosé Fernando Cosentino TavaresJosé Roberto Novaes de AlmeidaHumberto Vendelino RichterMaurício Barata de Paula PintoNewton Ferreira da Silva MarquesOscar Henrinque Belo SantosTito Belchior Silva MoreiraJúlio Miragaya
Jornalista responsávelCamila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851)
Redação e editoração eletrônicaCamila Fiorese
Revisão Letícia Sallorenzo
Tiragem: 4.000Periodicidade: trimestral
As matérias assinadas por colaboradores não refl etem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF
PresidenteJusçanio Umbelino de Souza
Vice-presidenteHumberto Vendelino Richter
Conselheiros efetivosJusçanio Umbelino de SouzaHumberto Vendelino RichterJosé Luiz PagnussatCarlos Eduardo de FreitasOscar Henrique Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Gilson Duarte Ferreira dos SantosCarlito Roberto ZanettiPaulo Roberto Amorim Loureriro
Conselheiros suplentesÉrton Birk TeixeiraDiones Alves CerqueiraRonalde Silva Lins Paulo Luiz Figueiredo de OliveiraMiguel RendyElder Linton Alves de Araujo Bento de Matos FélixJucemar José ImperatoriCésar Augusto Moreira Bergo
Conselheiros federais efetivos pelo DFMário Sérgio Fernandez Sallorenzo Júlio Miragaya Roberto Bocaccio Piscitelli
Conselheiros federais suplentes pelo DFMaria Cristina de AraújoNewton Ferreira da Silva Marques Max Leno de Almeida
Gerente executivoRonaldo Gallotti Schroeder
Equipe do Corecon-DFAngeilton Francisco Lima Faleiro Camila FioreseHélio Matheus Silva de OliveiraIraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares
End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 – Brasília/DFTel: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: corecondf@corecondf.org.brSite: www.corecondf.org.brHorário de funcionamento:das 8h às 18h (sem intervalo)
Esta edição da Revista de Conjuntura tem como tema principal a crise do euro. Tema
que foi analisado pelo grupo de conjuntura do Conselho em várias reuniões, desde agosto.
Procurou-se avaliar a crise com diversos olhares, com destaque para duas reuniões conjun-
tas com os professores da UnB da área da sociologia econômica. Essas visões estão coloca-
das, sem esgotar a riqueza dos debates realizados, nos diversos artigos incluídos na Revista.
O Grupo de Conjuntura vem se reunindo sistematicamente há mais de cinco anos e se
posicionando sobre temas de relevância nacional. Nestes anos foram analisadas algumas
dezenas de temas, como: “a mudança na metodologia de cálculo do PIB” (mai/07), a “dívi-
da dos estados” (jun/07), ”Rodada de Doha” (jul/07), “CPMF” (ago/07), “crise aérea” (set/07),
“perspectiva do crescimento econômico” (nov/07), “a controvérsia sobre a necessidade de
mudança na política econômica” (abr/08), “reforma tributária” (mai/08), “preços das com-
modities” (jun/08), “infl ação: a política econômica necessária” (jun/08), “Fundo Soberano”
(jul/08), “crise fi nanceira” (set/08), “crise de liquidez” (out/08), “impacto a médio prazo das
medidas anticíclicas” (mai/09), “a queda da Selic e as alterações na poupança” (mai/09),
“a crise acabou?” (jun/09), “cenário econômico mundial” (set/09), “tributação do ingresso
de capital estrangeiro” (out/09), “a crise política (do GDF) e os riscos econômicos e sociais”
(fev/10), “câmbio e desenvolvimento” (abr/10), “gastos do setor público, o que é investimen-
to?” (nov/10), “infl ação e estabilização: a opção gradualista” (mai/11), “a crise da zona do
euro” (ago/11), etc.
Estes são apenas alguns exemplos de temas debatidos, sempre com pluralidade na
análise, sem preconceito às diversas correntes de pensamento econômico. Hoje os econo-
mistas do Corecon-DF são referência na mídia nacional e internacional, ocupam semanal-
mente os principais jornais do país e antecipam, com grande competência, as tendências
econômicas. Pautam não só a mídia, mas também as alternativas de política econômica
para o país.
Neste sentido, convidamos todos os economistas a participarem das reuniões e a suge-
rirem temas para análise do Grupo de Conjuntura. Dois temas estão na lista de escolha para
debate: um se refere ao entusiasmo de setores do governo em relação à política econômica
da Argentina - de metas para o câmbio, prioridade para o crescimento, política monetária
menos conservadora - que vem propiciando elevadas taxas de crescimento do país vizinho.
Outra hipótese de tema se refere à controvérsia sobre a efetiva independência do Banco
Central. Para muitos, a decisão do Copom de reduzir os juros quando o mercado esperava
aumento indicou “intervenção do governo” e para outros revelou, enfi m, “a independência
do Banco Central dos lobbies do sistema fi nanceiro”. Antes o BC só fazia o que o “mercado”
sinalizava.
Neste ano, as reuniões do Grupo de Conjuntura vêm sendo realizjadas quinzenalmente
aos sábados pela manhã. Os temas debatidos são previamente escolhidos e procura-se
abordar o tema em mais de uma reunião, iniciando-se com um enfoque teórico/conceitual
para então ampliar o debate para a análise conjuntural. Participe!
Outro convite que fazemos aos economistas se refere à indicação de personalida-
des econômicas para compor a capa da próxima revista, em comemoração dos 60 anos
da profi ssão de economista no Brasil. Nesta edição, lembramos algumas personalidades
econômicas, sem esgotar a lista e sabendo que esquecemos de economistas brasileiros
importantes. Não incluímos nesta edição, por exemplo, economistas que são destaque na
área política, é o caso da presidenta Dilma Rousseff, do senador Aécio Neves e outros mais.
A indicação de nomes para a próxima capa da revista pode ser enviada para o e-mail do
Corecon (imprensa@corecondf.org.br).
EditorialEditorialPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
ConjunturaConjunturaRevista de
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Ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior fala
sobre o Plano Brasil Maior e os desafi os da indústria brasileira
ENTREVISTA
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Fernando Pimentel Fo
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gaçã
o
Mineiro de Belo Horizonte, Fernando Pimentel
é economista graduado pela Pontifícia Universidade
Católica (PUC) de Minas Gerais e Mestre em Ciência
Política pela Universidade Federal de Minas (UFMG). Foi
vice e, posteriormente, eleito prefeito de Belo Horizonte
(2005/2008) pelo Partido dos Trabalhadores (PT), do qual
foi um dos fundadores.
Por sua atuação, foi apontado pelo site inglês
Worldmayor como o oitavo melhor prefeito do mundo –
era o único da América do Sul na lista dos dez melhores.
Ele deixou a prefeitura com índices de aprovação supe-
riores a 90%.
Pimentel foi professor da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), vice-presidente da Associação de
Professores Universitários de Belo Horizonte, presidente
do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais
(1991-1992) e diretor do Sindicato dos Economistas
mineiro – após uma trajetória de resistência ao regime
militar durante os chamados anos de chumbo, quando
foi perseguido e preso entre 1970 e 1973.
Nos anos 1990, atuou na administração municipal
de Belo Horizonte, onde exerceu os cargos de secretário
da Fazenda (gestão de Patrus Ananias, de 1993 a 1996) e
de secretário de Governo, Planejamento e Coordenação
Geral no primeiro mandato de Célio de Castro (1996).
Em 2000 foi eleito vice-prefeito de Belo Horizonte, e
a partir de abril de 2003 assumiu o cargo de prefeito em
razão da aposentadoria do titular. Nas eleições de 2004,
com 68,5% dos votos válidos, tornou-se o primeiro pre-
feito na história da capital mineira eleito no primeiro
turno.
Com experiência na vida pública, Dilma Rousseff
o convidou para ocupar o cargo de ministro do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a partir
de 1º de janeiro de 2011.
Em entrevista à Revista de Conjuntura do Corecon-DF,
o ministro Fernando Pimentel falou sobre a evolução da
economia mundial, tendo em vista a crise fi nanceira,
os desafi os da indústria brasileira e sobre o Plano Brasil
Maior.
Conjuntura - Questão de profundidade envolvendo
o Plano Brasil Maior: é princípio do comércio inter-
nacional que as mercadorias sejam tributadas no
destino, e não na origem. Por essa razão, as expor-
tações são embarcadas livres de impostos. Cabe
ao país do importador arrecadar os impostos cabí-
veis. Não interessa aqui esmiuçar os detalhes e
problemas da prática dessa regra geral que, aliás,
se aplica exclusivamente aos tributos sobre a pro-
dução, e não aos impostos diretos, que incidem
sobre as remunerações dos fatores produtivos,
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como salários, juros, aluguéis e lucros. Por isso são
considerados componentes intrínsecos do custo de
produção, formadores do preço a custo de fatores,
elemento essencial da concorrência.
Ora, o custo dos fatores de produção no Brasil é in-
fl ado pela extravagante carga tributária incidente
sobre a mão de obra (20% de contribuição previden-
ciária patronal, mais 11% do empregado). Note-se
que os 11% do empregado representam a alíquota
máxima e é sujeita a teto; já os 20% do empregador
não obedecem a teto nenhum. E é tão elevado esse
ônus porque de fato os valores não se destinam a
fi nanciar somente um sistema público de aposen-
tadorias e pensões por tempo de contribuição, mas
um programa de redistribuição de renda de amplo
espectro com base nas determinações da Constitui-
ção de 1988, que vislumbraram um projeto de se-
guridade social misturado com previdência social.
O resultado é uma confusão de subsídios cruzados
e perda de competitividade da indústria de trans-
formação, fato agravado pela apreciação do real.
Pergunta-se: por que o governo, no Plano Brasil
Maior, não foi mais fundo nessa questão de desone-
rar a folha de pagamento, e substituiu a tributação
arrecadada diretamente sobre o emprego por im-
postos/contribuições gerais para fi nanciar aqueles
benefícios de natureza eminentemente distributi-
va? Ficariam para a folha de pagamento apenas os
valores estritamente destinados ao programa de
aposentadorias e pensões por tempo de contribui-
ção efetiva. O senhor não acha que isso reduziria
signifi cativamente o custo da mão de obra e forta-
leceria a competição da indústria brasileira tanto
no exterior, como na disputa pelo mercado interno?
Fernando Pimentel - Esta é uma medida totalmen-
te inovadora e um dos principais destaques do Plano
Brasil Maior. É claro que queríamos estendê-la a mais
setores, mas temos que ser cautelosos. Nesse primei-
ro momento, foram escolhidos esses quatro setores
sensíveis ao câmbio e à concorrência internacional e
intensivos em mão-de-obra, que são confecções, cal-
çados, móveis e software. Eles terão a redução a zero
da alíquota de 20% para o INSS. Em contrapartida, será
cobrada uma contribuição sobre o faturamento com
alíquota de 1,5% para confecções, calçados e artefa-
tos e móveis, e de 2,5%, para software. É uma deso-
neração feita com responsabilidade fi scal porque não
haverá perdas para a Previdência. O Tesouro Nacional
arcará com a diferença para cobrir eventual perda de
arrecadação da Previdência Social. A medida funcio-
nará como um projeto piloto até dezembro de 2012,
e seu impacto será acompanhado por uma comissão
tripartite, formada por governo, sindicatos e setor
privado. Nosso objetivo é reduzir os encargos traba-
lhistas e garantir a expansão do emprego e as condi-
ções necessárias de competição para essas empresas.
Conjuntura - Quais os seus prognósticos da evo-
lução da economia mundial no futuro próximo se
houver uma recessão mais profunda, como parece
sugerir a última ata do Copom?
Com altas taxas de desemprego, endividamento e
desvalorização de suas moedas, as economias desen-
volvidas estão sob a ameaça de uma crise sistêmi-
ca que ameaça se alastrar pelo mundo com efeitos
ainda piores que os provocados pela crise de 2008.
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‘‘
É uma desoneração feita com responsabilida-
de fi scal porque não haverá perdas para a
Previdência. O Tesouro Nacional arcará com a diferença para cobrir
eventual perda de arrecadação da Previdên-
cia Social. A medida funcionará como um
projeto piloto até dezembro de 2012...
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Conjuntura - Em sua opinião, a crise fi nanceira inter-
nacional irá afetar o Brasil?
Fernando Pimentel - O Brasil vive um paradoxo. Pre-
senciamos progresso econômico e social interno
sustentado sob a ameaça de uma crise internacio-
nal de grandes proporções. Mas não estamos imu-
nes aos problemas externos. Temos que redobrar a
atenção à ameaça infl acionária e à forte apreciação
cambial (que neste momento está mais branda), com
seus efeitos negativos sobre toda a cadeia produtiva.
Com o agravamento da crise, os efeitos do choque
externo sobre a economia brasileira serão a pressão
dos preços internacionais de commodities, a entrada
maciça de dólares induzida pelas políticas monetá-
rias expansionistas das economias desenvolvidas e o
avanço das importações sobre nosso mercado inter-
no, já que os países emergentes, como o Brasil, são a
bola da vez, com números de crescimento econômico
e aumento do poder de compra de suas populações.
Conjuntura - O Plano Brasil Maior, no seu lançamen-
to, adotou três conjuntos de medidas, com desta-
que para as de promoção do “comércio exterior”
e de “defesa da indústria e do mercado interno”. O
Ministério está planejando novas medidas nes-
sa área? E quais as principais diretrizes de ação?
Fernando Pimentel - O Brasil Maior não é um plano
concluído, que se encerrará nas medidas já anuncia-
das. Será acrescido e fortalecido com outras a serem
implantadas a partir das discussões entre governo,
trabalhadores e empresários. A visão estratégica do
Plano Brasil Maior se materializa num conjunto de
medidas e metas, que serão monitoradas e acompa-
nhadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimen-
to Industrial (CNDI), formado por representantes do
governo e do empresariado. Juntos, vamos discutir
e defi nir as medidas para fortalecer nossa indústria.
Conjuntura - Os conselhos de economia realizaram
no início de setembro o Congresso Brasileiro dos
Economistas. Um tema recorrente no evento foi a
preocupação com a “desindustrialização do Brasil”.
Como o Ministério pretende enfrentar essa tendên-
cia? E quais as principais causas desse processo?
Fernando Pimentel - Alguns setores da indústria
nacional passam por difi culdades em consequência
da concorrência desleal de importações, sobretudo
asiáticas, ou do real valorizado dos últimos tempos,
que tornaram o produto nacional mais caro na hora
de exportar. Muitos deles, inclusive, foram atendidos
pelo Plano Brasil Maior com medidas específi cas para
o aumento da competitividade. É o caso, por exem-
plo, de confecções, calçados, móveis e software, para
os quais o governo anunciou a desoneração da folha
de pagamento. Demais segmentos fragilizados, neste
momento, também poderão se benefi ciar de outras
medidas de desoneração tributária e, por exemplo,
de linhas de fi nanciamento do BNDES, algumas novas
e outras já existentes, mas que foram ampliadas para
atender um número maior de empresas. Mas apenas
a inovação será capaz de dar o fôlego necessário à
indústria nacional, aumentando as exportações e di-
minuindo o défi cit verifi cado em alguns segmentos.
Há necessidade de aumentar os investimentos em in-
fraestrutura e na qualidade da mão de obra, além de
reduzir a elevada carga tributária do país, que incide
diretamente sobre a competitividade das empresas.
Conjuntura - O pré-sal representa um risco futuro
para a desindustrialização do Brasil?
Fernando Pimentel - O pré-sal é uma riqueza importan-
tíssima, que já atrai investimentos e nos impõe o desafi o
de avançarmos na pesquisa e na inovação. Os recursos
gerados pelo pré-sal permitirão ao Brasil investir em co-
nhecimento e educação, o que, consequentemente, re-
sultará em maior competitividade da indústria brasileira.
Foto: Ascom
MD
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ura
... a aposta do Plano Brasil Maior na inovação, os investimentos do governo no
Pronatec e na concessão de bolsas de estudo em universidades estrangeiras de ponta para
estudantes brasileiros. A aposta é no conhecimento, que vai nos assegurar
condições de competir no mercado global.
Fernando Pimentel ‘‘
Conjuntura - Qual a importância da indústria para
o processo de desenvolvimento brasileiro e qual a
estratégia de desenvolvimento de longo prazo da
indústria brasileira?
Fernando Pimentel - A indústria brasileira represen-
tou 26,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, em
2010, o que mostra a importância desse segmento para
a economia nacional e a necessidade de medidas de
incentivo e proteção ao setor. O Plano Brasil Maior foi
lançado com esse objetivo, de permitir o crescimento
da competitividade da indústria que, quanto mais for-
te, mais poderá contribuir para a geração de empre-
gos e o aumento de sua participação no PIB brasileiro.
Conjuntura - O senhor será o responsável por avaliar
quais montadoras fi carão isentas do aumento de 30
pontos percentuais no Imposto sobre Produtos In-
dustrializados (IPI), medida dita para estimular a pro-
dução nacional. Em que será baseada está avaliação?
Fernando Pimentel - O Decreto nº 7.567, publica-
do no Diário Ofi cial de 16 de setembro, estabelece
os critérios para essa avaliação. Entre elas, mínimo de
65% de conteúdo regional, realização de pelo menos
6 de 11 etapas produtivas no Brasil e investimento de
0,5% da receita bruta total de venda de bens e servi-
ços em pesquisa e inovação tecnológica. Segundo o
decreto, por 45 dias a partir da publicação, todas as
empresas que produzem no país estarão habilitadas
provisoriamente. Quando esse prazo chegar ao fi m, o
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior (MDIC) será o órgão responsável por habilitar
a empresa para que tenha a isenção do aumento do
IPI. A sistemática para essa habilitação será defi nida
em portaria a ser publicada pelo ministério, em breve.
Conjuntura - O senhor acha que o protecionismo é a
melhor maneira de estimular a competitividade da
indústria de transformação?
Fernando Pimentel - Não. Por isso, a aposta do Plano
Brasil Maior na inovação, os investimentos do governo
no Pronatec e na concessão de bolsas de estudo em
universidades estrangeiras de ponta para estudantes
brasileiros. A aposta é no conhecimento, que vai nos
assegurar condições de competir no mercado global.
Foto
: Div
ulga
ção
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Brasil: temos modelo de desenvolvimento?
Antonio Paulo Barea Coutinho
Nos últimos anos, o modelo de crescimento econô-
mico calçado na expansão e fortalecimento do merca-
do interno trouxe, de fato, maior dinamismo à econo-
mia brasileira. Para constatar essa afi rmação bastariam
os principais indicadores econômicos desde 2005, que
puderam ser registrados mesmo em ambiente de forte
crise internacional. Tal expansão, combinada com meca-
nismos de distribuição de renda via transferências go-
vernamentais e o aumento do valor do salário mínimo,
resultou não só em maior sustentação do crescimento
econômico, como ainda cumpriu com um dever de jus-
tiça social. As disparidades sociais, especialmente aque-
las associadas à discriminação racial e de gênero, foram
construídas ao longo da história brasileira e perpetua-
ram enormes diferenças de qualidade de vida e de opor-
tunidades, observáveis quando comparamos as regiões
e quando consideramos outros recortes como os con-
trastes entre os ambientes rural e urbano, por exemplo.
No entanto, parece haver contradições entre esse
atual modelo de desenvolvimento econômico que
prevalece no país, conhecido como modelo de cres-
cimento pelo mercado de consumo de massa, e os
principais desafi os hoje postos pela conjuntura eco-
nômica e política internacional; especialmente quan-
do se levam em consideração algumas questões que
estão fortemente entrelaçadas. Em primeiro lugar,
também porque hoje estamos assistindo aos em-
bates em torno da aprovação de um novo Código
Florestal no país, há as questões que implicam dire-
tamente o meio ambiente, desde a preservação das
fl orestas até o meio ambiente urbano. Associado a
tais questões está o desafi o de migrarmos para uma
sociedade que tem no conhecimento sua difusão so-
cial, e no aumento da produtividade, um fundamento.
A questão do desenvolvimento, em uma visão
de etapas, que identifi ca um modelo a ser seguido
e que prevê uma fase de consumo de massa, já foi
apresentado por W. W. Rostow em “Etapas do desen-
volvimento econômico: um manifesto não-comunista”,
publicado em 1960. Na quinta etapa de seu modelo,
estabelece-se a era do consumo de massa (high mass
consumption), na qual há multiplicação das indús-
trias produtoras de bens de consumo duráveis, além
de uma crescente importância do setor de serviços.
Segundo Ricardo Bielschowsky, economista da Co-
missão Econômica para a América Latina e o Caribe (Ce-
pal), o modelo de crescimento que orienta o país hoje:
É um estilo de crescimento que pressupõe simultaneidade
entre: expansão dos investimentos, da produtividade e da
competitividade; e adequada transmissão de aumento de
produtividade à renda das famílias trabalhadoras (pelo
mercado de trabalho, pela redução de preços de bens e ser-
viços populares, e por políticas sociais muito ativas). É a mo-
dalidade virtuosa de integração entre crescimento e distri-
buição de renda que por décadas vigorou em países desen-
volvidos de mercado interno amplo. (BIELSCHOWSKY; 2004)
A descrição do modelo, certamente uma abstra-
ção, uma idealização que é necessária como recurso
para a análise econômica e histórica, ainda assim nos
traz ao menos um ponto fundamental: a necessária e
simultânea expansão dos investimentos, da produ-
tividade e da competitividade. E é aí que podemos
enxergar uma possível vulnerabilidade de tal mode-
lo, que poderá nos expor a enorme risco, se acreditar-
mos que há um círculo virtuoso que necessariamente
advirá do crescimento econômico que experimenta-
mos nos últimos anos. E é disso que tratamos a seguir.
Revi
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Em primeiro lugar, há de ser recuperada a visão de
desenvolvimento econômico, que não é trivial. Desen-
volvimento implica visão de mundo, transformação
social e afi rmação de um projeto que resultará em
novos cidadãos, instruídos por outros valores. Desen-
volvimento implica política. Vale voltarmos ao profes-
sor Celso Furtado, morto em 2004, e que nos deixou
um registro sintético de seu pensamento em discurso
realizado em 2002, ao receber o título de Doutor Ho-
noris Causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro:
Com o crescimento econômico eleva-se a renda da popu-
lação. Com a modernização, adotam-se novas formas de
vida, imitadas de outras sociedades que, estas sim, bene-
fi ciam-se de autêntica elevação da produtividade física.
Mas só o desenvolvimento propriamente dito é capaz de
fazer do homem um elemento de transformação, passível
de agir tanto sobre a sociedade como sobre si mesmo, e
de realizar suas potencialidades. Daí que a refl exão sobre
o desenvolvimento traga em si mesma uma teoria do ser
humano, uma antropologia fi losófi ca. (FURTADO; 2002)
A partir dessa refl exão do professor Celso Furtado,
como fi ca a questão do desenvolvimento hoje? Quais
são as potencialidades que têm que se atualizar para
fazer frente aos desafi os contemporâneos, conside-
rados em largos traços a sociedade brasileira e sua
inserção internacional? Não seríamos descritos antes
de tudo como uma sociedade fortemente desigual?
E a economia brasileira, não está cada vez mais inse-
rida em todos os circuitos econômicos e fi nanceiros
internacionais? Não é a megadiversidade, a riqueza de
nossos biomas, outro aspecto distintivo de nosso país?
O modelo de consumo de massa apenas tan-
gencia essas questões e pressupõe a capacidade
de endogeneização e simultânea autopropulsão do
crescimento econômico como uma solução satisfa-
tória. Ainda que faça reparos, Ricardo Bielschowsky
acredita ser o modelo viável no Brasil, apenas exigi-
ria intervenção pública em dois âmbitos: garantindo
que o aumento da produtividade chegue aos rendi-
mentos dos trabalhadores e que haja fomento à pro-
dução e exportação. Esse autor registra ainda que:
A estratégia baseia-se no debate iniciado nos anos 1960
sobre crescimento com redistribuição de renda, e foi apre-
sentada no PPA 2004-2007. Vale a pena que seja discutida,
aperfeiçoada e implementada.” (BIELSCHOWSKY; 2004)
Apesar de o texto ser de 2004, e fazer referência
ao PPA 2004-2007, vale registrar que ele traz parâ-
metros que parecem ainda balizar as principais deci-
sões do governo federal que precisam ser analisados
de perto. Em primeiro lugar, a questão ambiental.
Desde os anos 1960 há várias contestações da iden-
tifi cação do desenvolvimento econômico com o cres-
cimento da produção. Expressão histórica disso foi a
publicação e a grande repercussão do livro Primavera
Silenciosa, de Rachel Carson, em 1962, em que há uma
denúncia do uso indiscriminado de agrotóxicos e seus
efeitos destrutivos. Essa obra é um marco, e depois
dela há uma longa série de publicações e ações polí-
ticas que tinham como ponto fulcral a contestação do
modelo de desenvolvimento que elegia a expansão
do PIB como tarefa primordial. Esse movimento vem
por desaguar em perspectivas como a do ecodesen-
volvimento e, depois, desenvolvimento sustentável.
Em 1972, a realização da Conferência das Na-
ções Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em
Estocolmo, apresentou um mundo dividido quan-
to às questões ambientais. Entre países ricos e po-
bres houve uma fratura: os debates não permitiram
maior cooperação, especialmente porque os países
ricos lançaram ideias de inspiração neomalthusia-
Em primeiro lugar, há de ser recuperada a visão
de desenvolvimento econômico, que não é
trivial. Desenvolvimento implica visão de mundo, transformação social e
afi rmação de um projeto que resultará em novos
cidadãos, instruídos por outros valores.
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nas, que tinham por objetivo diminuir o crescimen-
to econômico dos países pobres. (RIBEIRO; 2002:37)
Ainda assim, algumas idéias e princípios apre-
sentados em Estocolmo tiveram ali a oportunidade
de serem amplifi cadas. Como o primeiro princípio:
O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igual-
dade e ao desfrute de condições de vida adequadas em
um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar
uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obri-
gação de proteger e melhorar o meio ambiente para as ge-
rações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que
promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial,
a discriminação, a opressão colonial e outras formas de
opressão e de dominação estrangeira são condenadas e de-
vem ser eliminadas. (DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO; 2002)
Em 1987, a publicação do relatório Nosso Futuro
Comum, e em 1992, a realização da “Rio-92”, favorece-
ram a expansão da utilização da ideia de desenvolvi-
mento sustentável. Apesar de muito recorrente já há
duas décadas, a expressão desenvolvimento susten-
tável muito pouco explica o que de fato ocorre nas
disputas políticas reais. A escalada da tensão política
nos embates em torno da reforma do Código Flores-
tal brasileiro é uma manifestação certamente aguda
- de uma fratura que atravessa todo o processo pro-
dutivo e, mais profundamente, visões inconciliáveis
do processo de desenvolvimento - dois campos tão
discerníveis quanto antagônicos. E mais: tal fratura
é nítida nos países que consolidaram sua industria-
lização apenas no século XX, como é o caso do Brasil.
Nas últimas décadas, os discursos e algumas prá-
ticas governamentais, de empresas e associações al-
teraram um pouco a visão prevalecente até os anos
1970, que atribuía à industrialização e ao crescimento
da produção de riqueza, expressa monetariamente, a
ideia de desenvolvimento. No entanto, apesar de tan-
tos esforços, parece persistir um anacronismo interes-
sado travando a renovação da visão de futuro, algo
bem nítido nas polêmicas em torno da aprovação do
novo Código Florestal brasileiro. É apenas algo entre
passado e futuro? É um choque de “visões de mun-
do”? Mudança de paradigma? Confl ito econômico?
Quanto à educação, item necessariamente asso-
ciado ao aproveitamento das possibilidades que vêm
da riqueza de nossos biomas, avaliações com parâme-
tros internacionais como o Programa Internacional de
Avaliação de Alunos indicam que nossos jovens ainda
estão em uma situação comparativamente bastante
desfavorável no cenário internacional. Postos de tra-
balho que exigem competências e habilidades cada
vez mais complexas, e que mudam constantemente,
estão cada vez mais distantes da maioria dos jovens
brasileiros. Os postos de trabalho que virão dos no-
vos desafi os, como aqueles que deverão ser criados
pelas mudanças climáticas, são bastante exigentes.
Outro tema polêmico que associa meio ambien-
te e economia é o conhecimento das comunida-
des tradicionais, como os indígenas, quilombolas
e caiçaras. Há grande interesse de grupos interna-
cionais, que procuram apreender o que conhecem
essas populações. Segundo Wagner Costa Ribeiro:
É enorme o interesse de grupos internacionais em apreender
o que eles conhecem..., ou seja, em descobrir pistas para a
pesquisa de matrizes genéticas que possam ser aprimoradas
e utilizadas na produção de alimentos, remédios e materiais.
Ainda não está claro como será o reconhecimento da impor-
tância desses grupos, cujo saber foi resultado de séculos de
práticas transmitidas de geração a geração.” (RIBEIRO; 2002)
O assassinato de mais dois líderes extrativistas em
maio deste ano no Pará, José Cláudio Ribeiro da Silva
e da mulher dele, Maria do Espírito Santo, pode ser
tomado como um sinal de alerta aos propalados be-
nefícios do modelo de consumo de massa. Lá se vão
mais de vinte anos da morte de Chico Mendes, ocorrida
em 22 de dezembro de 1988. É necessária uma revisão
do modelo de desenvolvimento econômico brasileiro,
pois estamos operando com uma visão anacrônica e
pouco atenta a características importantes do nosso
povo e do nosso território. Chico Mendes deixou fra-
ses como esta: “Se descesse um enviado dos céus e me
garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta
até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o
contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro nu-
meroso não salvarão a Amazônia. Quero Viver.” Tal von-
tade de viver, contrariada pela violência sem medida,
deverá ser lembrada quando a ocupação da Amazônia
for pauta de alguma decisão. Não será um modelo que
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nos põe como consumidores que nos tornará agen-
tes de uma construção de país justo e belo. Voltando
ao professor Celso Furtado, em seu discurso já citado:
No curso da história as ciências têm evoluído graças
àqueles indivíduos que, em dado momento, foram capa-
zes de pensar por conta própria e ultrapassar certos limi-
tes. Com a economia, essa ciência social que deve visar
prioritariamente o bem-estar dos seres humanos, não é
diferente. Ela requer dos que a elegeram imaginação e co-
ragem para se arriscar em caminhos por vezes incertos.
Para isso não basta se munir de instrumentos efi cazes. Há
que se atuar de forma consistente no plano político, assu-
mir a responsabilidade de interferir no processo histórico,
orientar-se por compromissos éticos.” (FURTADO; 2002)
A visão de mundo que podemos ter, quando
contamos em nossa cultura política com a herança de
brasileiros como Celso Furtado e Chico Mendes, o que
nos possibilita desejar um futuro melhor,é muito mais
rica do que a adesão ao consumo que tem por modelo as
sociedades do capitalismo avançado. Pois foi também a
dinâmica dessas economias que forçaram a inaceitável
perda de biodiversidade, de culturas e, muitas vezes,
de direitos pelo mundo afora nos últimos séculos.
Não será imaginando um Brasil repleto de shopping
centers e outlets, uma Flórida, que alcançaremos a
realização dos mais fortes compromissos com nossa
história, que pedem igualdade de oportunidades e
a realização cultural marcada por rica diversidade.
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logia, Produção e Comércio Exterior. Fevereiro de 2011.
Antonio Paulo Barea Coutinho paulo-coutinho@bol.com.br
Economista (USP), mestre em Ciência Ambiental (USP), doutor
em Ciências Sociais (Unicamp), Analista de
Planejamento e Orçamento do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão.
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Um olhar da Sociologia Econômicasobre a crise fi nanceira
Francisco de Assis Campos da Silva e Moisés Villamil Balestro
Como caminhamos celeremente para o fi nal de
2011, talvez o aspecto mais perturbador da crise fi -
nanceira de 2008, que continua a assolar o hemisfé-
rio norte da economia mundial e a preocupar todo o
resto do mundo, seja exatamente a sua permanência
e a imprevisibilidade resultante dessa mesma perma-
nência. Gestada a partir de questões bem específi cas e
localizadas, sobre as quais só se tem uma convergência
de entendimento preliminar, a crise surgiu e transfor-
mou-se a partir dos EUA, alcançou a Europa já percep-
tivelmente combalida e mexeu profundamente nas
perspectivas de crescimento do mundo emergente.
Para além das dicotomias, mais mercado ou mais
regulação e intervenção estatal e das abordagens de
políticas fi scal e monetária, a crise fi nanceira global
revela características estruturais nas complexas e in-
trincadas relações entre sociedade e economia. Tentar
desvelar a crise exige um esforço intelectual que vai
além das fronteiras da economia ou, ao menos, nos
lembra de que a Economia é parte das Ciências Sociais.
Entender a crise fi nanceira exige considerar as mu-
danças institucionais e políticas dos últimos 30 anos.
Implica considerar que os discursos dos economistas e
das variadas organizações vinculadas ao campo econô-
mico não apenas comunicam análises sobre a realidade,
mas contribuem poderosamente para moldar a realida-
de incentivando certos comportamentos em detrimen-
to de outros de parte dos atores econômicos e sociais.
Ao longo deste período, as mudanças regulató-
rias incentivaram um comportamento de maior risco
no mercado hipotecário e na indústria dos serviços
fi nanceiros, epicentro da crise de 2008. As duas últi-
mas décadas registraram um aumento considerável
na taxa de inovação de produtos fi nanceiros que pro-
porcionaram rendimentos médios de 20% (Altvater,
2010), bem acima das taxas médias de crescimento
do lucro real das fi rmas e das taxas de crescimento
do PIB. Os elevados ganhos com o mercado fi nancei-
ro produziram aquilo que os sociólogos da economia
denominam desarraigamento (disembeddedness)
dos mercados no tocante às relações sociais que ca-
racterizam a economia real em seus fatores de pro-
dução fundamentais: trabalho, capital e organização.
No fi nal dos anos 1970, o Congresso dos Estados
Unidos aprovou leis para evitar discriminações em re-
lação ao crédito, como o Community Reinvestment Act e
o Home Mortgage Disclosure Act. O abrandamento dos
critérios de concessão de crédito nos EUA se traduziu
em medidas tendentes a aceitar um maior nível de
endividamento das famílias, ausência de histórico de
crédito e de ocupação estável, e comprovação de ren-
da proveniente de empregos de meio período, horas
extras e auxílios fi nanceiros temporários (Eisner, 2011).
O afrouxamento dos procedimentos de contro-
le do crédito nos bancos e demais organizações fi -
nanceiras incentivou um comportamento mais ino-
vador, o que resultou em produtos com maior nível
de exposição a riscos. Ambos os processos geraram
uma complementaridade institucional que mais tar-
de contribuiria para a crise do subprime (CAMPBELL,
2011). É importante perceber que o consenso estabe-
lecido entre reguladores e mercado fi nanceiro quan-
to ao abrandamento da regulação foi alimentado
por resultados econômicos favoráveis, com conside-
rável aumento da lucratividade do setor fi nanceiro.
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Aliada a isso, a redução da massa salarial ao longo
dos últimos 30 anos nos EUA foi parcialmente compen-
sada pelo aumento do endividamento para o consumo.
A bolha imobiliária foi alimentada pela atratividade das
hipotecas ajustáveis e altos níveis de consumo com
baixas taxas de juros. A expansão do crédito permi-
tiu aos formuladores de políticas dissolverem tensões
políticas sem ter que decidir quais os grupos prioritá-
rios de acesso ao crédito e tampouco ter que decidir
quais prioridades sociais deveriam ser fi nanciadas por
um orçamento público deteriorado (KRIPPNER, 2010).
Por sua vez, o consumo resultante do endivi-
damento da população e do governo foi também
auxiliado pelo upgrading industrial de países ex-
portadores do leste asiático, com destaque para a
China. As importações provenientes da China con-
tribuíram para amenizar as pressões infl acionárias
no mercado consumidor dos EUA e isso resultou em
uma signifi cativa redução dos juros (EISNER, 2011).
Institucionalidade e crise
Stinchcombe (1968) apresenta uma distinção
entre “instituições” e “organizações”. Enquanto as “or-
ganizações” são conjunções contratuais para a re-
solução ou consecução de fi ns específi cos, as “ins-
tituições” seriam indicativas de arranjos mais am-
plos, referindo-se a valores e normas que mantêm
uma alta correlação com o poder (defi nição que,
segundo Stinchcombe, era a preferida de Parsons);
ou, colocado de forma mais direta, concentrações
de poder especialmente dedicadas a algum valor.
Enquanto a sociologia, em geral, tem na ideia de ins-
tituição um conceito fundador, visto positiva ou negati-
vamente de acordo com a abordagem entre menos ou
mais crítica, a sociologia econômica acentua essa trilha,
dedicando-se preferencialmente à análise do tecido
político-institucional subjacente às questões avaliadas.
Não fi ca fora do seu escopo a ideia de que a implemen-
tação de políticas no interior dos grandes complexos
institucionais, e mesmo no interior de arranjos organi-
zacionais simples ou complexos, acontece de acordo
com um ritual correlacionado com as disposições de
poder no interior dessas organizações e instituições.
Assim, uma análise institucional da crise que ainda
se abate sobre o mundo desenvolvido, e se aprofun-
da na Europa do euro, deverá levar em consideração
a persistência, na maioria dos lugares, de um paradig-
ma em vários sentidos permanentemente neoliberal.
Nos Estados Unidos, ponta de lança desse verda-
deiro credo, e entendendo-se a persistência da cri-
se como um aparente “novo normal” — pois não há
sinais de arrefecimento, a cada dia desdobram-se
novos dilemas, e o país vê-se à mercê da polarização
política não apenas pré-eleitoral, mas instalada desde
a vitória de Barack Obama — há um refl uxo neolibe-
ral evidente cujo indício mais visível é a atual investi-
da conservadora contra a Lei Dodd-Frank de julho de
2010 que pretende ser uma resposta à crise. A investi-
da é também contra normas de cunho social que res-
pondem à crescente desigualdade instalada no país.
Engana-se quem ainda acredita que o paradigma
neoliberal está morto, ou em retração. Em livro recen-
te, Pierre Dardot e Christian Laval, (DARDOT e LAVAL,
2010), o primeiro educador e fi lósofo e o segundo
sociólogo, argumentam que o neoliberalismo não é
uma ideologia passageira ou fadada ao desapareci-
O afrouxamento dos procedimentos
de controle do crédito nos bancos e demais organizações fi nanceiras incentivou um comportamento mais inovador, o que
resultou em produtos com maior nível de exposição a riscos.
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mento como resultado da crise fi nanceira. Nem é ele
somente um tipo de política econômica que confere
ao comércio e às fi nanças um lugar preponderante.
Para os autores, o neoliberalismo, como indica o títu-
lo de seu livro, é a “nova razão do mundo”. Está em jogo
a forma de nossa existência, já que o neoliberalismo
nos compele, ao defi nir como vivem as sociedades oci-
dentais e todas as demais que as seguem na trilha para
a “modernidade”, a viver de acordo com um universo de
competição generalizada, e conclama populações intei-
ras a entrarem em luta econômica umas contra as outras.
Por outro lado, o neoliberalismo conforma as rela-
ções sociais ao modelo de mercado, e transforma até
mesmo o indivíduo, agora chamado a se conceber
como uma empresa. Passado quase um terço de sé-
culo, o neoliberalismo continua a orientar as políticas
públicas, a comandar as relações econômicas mun-
diais, a transformar a sociedade e a remodelar a sub-
jetividade. Essa visão só é aparentemente abstrata.
Campbell (2010) refere-se a um “neoliberalismo em
crise”, mas não fatalmente morto. Mostra como as refor-
mas regulatórias associadas ao neoliberalismo ajudaram
a criar incentivos perversos que contribuíram signifi ca-
tivamente para o crescimento do crédito no mercado
de hipotecas e o crescimento da especulação em outros
mercados fi nanceiros, mesmo que o comportamento
fosse fl agrantemente arriscado. Ross Levine, economis-
ta e professor no Departamento de Economia da Brown
University nos Estados Unidos (LEVINE, 2009) e que par-
ticipou da última edição da famosa reunião fi nanceira
anual promovida pelo Federal Reserve Bank de Kansas
City, no resort de Jackson Hole, realiza uma verdadeira
“autópsia do sistema fi nanceiro dos Estados Unidos”.
Para situar as causas da crise em termos de polí-
ticas e diretrizes adotadas, Levine estuda cinco polí-
ticas implementadas nos EUA, no curto período de
1996 a 2006: (i) da Securities and Exchange Commis-
sion (SEC) para as agências de classifi cação de ris-
cos; (ii) do Federal Reserve Bank (Fed), o banco central
norte-americano, para o capital dos bancos e dos
chamados “credit default swaps” (CDS); (iii) da SEC e
do Fed para o mercado de balcão de derivativos; (iv)
da SEC para a supervisão consolidada dos principais
bancos de investimento, e, por fi m, (v) as políticas
ofi ciais para as organizações hipotecárias patrocina-
das pelo governo, isto é, Fannie Mae and Freddie Mac.
A conclusão de Levine, obviamente que em ou-
tras palavras, é que a crise não estava “escrita” nas es-
trelas, mas de fato lapidarmente “inscrita” nas normas,
regulamentos e diretrizes racionalmente produzidos
no interior do aparato governamental. Portanto, não
foram a bolha hipotecária e a criação e a comerciali-
zação em escala de produtos fi nanceiros complexos
e questionáveis que causaram por si só a crise. Para
o autor, as evidências mostram que os formuladores
de políticas, agindo a partir de posições privilegiadas
repetidamente conceberam, implementaram e man-
tiveram políticas que desestabilizaram o sistema fi -
nanceiro global na década justamente anterior à crise.
Além disso, embora as principais agências regula-
doras percebessem a crescente fragilidade do sistema
fi nanceiro como resultado de suas próprias políticas,
essas mesmas agências decidiram não modifi car suas
diretrizes. A propósito, a leitura atenta de um longo
artigo publicado na New York Times Magazine, sobre
a gestão da Sra. Sheila Bair frente à Federal Deposit In-
surance Corporation - FDIC, da lavra do jornalista John
Nocera (2009), dá o sentido da irresponsabilidade,
Passado quase um terço de século,
o neoliberalismo continua a orientar as
políticas públicas, a comandar as relações
econômicas mundiais, a transformar a sociedade
e a remodelar a subjetividade. Essa visão
só é aparentemente abstrata.
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de uma verdadeira ética da convicção neoliberal, no
sentido weberiano do termo, praticada pelos toma-
dores de decisão à frente da área econômico-fi nan-
ceira nos EUA exatamente antes e durante a crise.
Embora estudiosos do assunto e técnicos infl uentes
tivessem afi rmado que a causa da crise estaria nos fl u-
xos fi nanceiros internacionais, na euforia dos corretores
e no insufi ciente poder regulatório das agências go-
vernamentais, Levine argumenta que esses fatores re-
presentaram apenas uma parcela das causas. Talvez se
referindo, em particular, aos dispositivos da Lei Dodd-
Frank, e, de forma mais ampla, às iniciativas do G-20, Le-
vine argumenta que as reformas atuais representariam
apenas um passo no estabelecimento de um sistema fi -
nanceiro estável e efi caz. Como foram “falhas sistêmicas
institucionais” que ajudaram a causar a crise, somente
reformas do mesmo naipe, isto é, reformas sistêmicas
institucionais, poderão servir como contramedidas.
Em um exercício de autocrítica, e no bojo de co-
mentários sobre a crise de 2008, Acemoglu (2010) ava-
lia as lições a serem retiradas “para a” e “da” economia.
Afi rma que a adoção de noções imprecisas fez com que
os sinais da crise não pudessem ser devidamente cap-
turados. De acordo com uma dessas ideias, a economia
capitalista viveria em um vácuo institucional em que os
mercados, de forma miraculosa, monitorariam os com-
portamentos considerados oportunistas. Sob esse pon-
to de vista, os mercados livres são percebidos como
mercados não regulados por instituições, inclusive ins-
tituições legais. Segundo o autor, embora se entenda
que os mercados competitivos e livres têm como base
um conjunto de leis e instituições que asseguram os di-
reitos de propriedade e o cumprimento de contratos,
além de regular as empresas e a qualidade de produ-
tos e serviços, a conceituação de mercados conseguiu
abstrair cada vez mais o papel das instituições e das
normas e regulamentos que dão suporte às transações
de mercado. As práticas conduziram a um maior desar-
raigamento dos mercados, como foi antes mencionado.
Para Acemoglu (2011), embora as instituições te-
nham recebido mais atenção a partir da década de
1990, ainda se pensa que o estudo das instituições
serve somente para entender por que as nações po-
bres são pobres. Está fora de cogitação, por exemplo,
a realização de pesquisas sobre a natureza das insti-
tuições que asseguram prosperidade continuada às
nações avançadas e como as instituições deveriam
transformar-se em face das dinâmicas relações eco-
nômicas. Argumenta que muitos ainda veem a inclu-
são de qualquer aspecto além do autointeresse em
modelos econômicos como uma fraqueza da teoria
econômica. Para ele, entretanto, o reconhecimento
de que os mercados atuam sobre bases constituídas
por instituições, e que mercados livres não são sinô-
nimo de mercados não sujeitos a regulação, somen-
te pode enriquecer a teoria econômica e sua prática.
A despeito de tudo isso, de um claro reconhecimen-
to de que a regulação defi ciente ou inexistente, ou mal
aplicada, estava no centro da crise, não há, por exemplo,
hoje nos EUA clima para expansão do aparato regulató-
rio. Muito pelo contrário, a Lei Dodd-Frank, também cha-
mada de “lei da reforma do sistema fi nanceiro”, a duras pe-
nas poderá entregar o seu produto, se conseguir fazê-lo.
Como tem ocorrido de certa forma com as nor-
mas de cunho social aprovadas pelo governo Obama,
a Lei Dodd-Frank está sendo questionada na Câmara
dos Deputados e no Senado norte-americanos, com
projetos de lei apresentados conclamando a sua total
revogação. Na sua fase de implementação, agora em
curso, a Lei tem impressionado pelo número de dispo-
sitivos, a quantidade de regulamentação necessária e
relatórios regulares exigidos, e mesmo pela demanda
adicional de pessoal para a sua manutenção e recursos
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a serem consumidos até a sua implementação total,
tudo isso estimado em US$ 2,9 bilhões pelo General
Accountability Offi ce – GAO (GENERAL ACCOUNTABI-
LITY OFFICE, 2011). Essa movimentação pode indicar
que, passada a fase mais aguda da crise, foi-se também
o “hiato keynesiano”. A primavera keynesiana foi en-
terrada pelas demandas conservadoras e, mais ainda,
pela acentuação do desequilíbrio fi scal já existente
e agravado pela ajuda a vários setores da economia.
Compelida pela gritaria conservadora, que atua sob
pretextos diversos desde o seu primeiro dia de gover-
no, a administração Obama já emitiu documento ofi -
cial em que conclama as agências regulamentadoras
a dosarem e relativizarem a abrangência fi nal dos re-
gulamentos. Se não haverá uma revogação total, pelo
menos caminha-se para uma implementação branda
da lei. Uma lei incompleta que resultou de fortes dis-
putas e negociações. No contexto agora em curso da
implementação, vozes poderosas levantaram-se contra
a Lei Dodd-Frank, entre elas a do ex-presidente do Fed,
Alan Greenspan. Para ele, soando novamente a tecla
neoliberal, a adoção da norma criaria a “maior distorção
de mercado imposta legalmente nos Estados Unidos
em todos os tempos”. A alegação geral é que a imple-
mentação da lei afetaria negativamente a economia,
os empregos e toda a perspectiva econômica do país.
Performatividade e crise
O conceito de performatividade é crucial para en-
tender a crise. Trata-se de entender em que medida os
discursos dos atores sobre a realidade econômica con-
tribuem para a construção desta mesma realidade (MA-
CKENZIE et al., 2005). Neste aspecto, a noção de pres-
crição é fundamental. Ou seja, quais seriam as ações
necessárias de parte dos agentes econômicos e do go-
verno para que a realidade econômica esteja em maior
conformidade com a teoria econômica. O papel da lin-
guagem na construção das instituições econômicas e
o seu papel no entendimento da evolução destas per-
mitem ver como os perigos, o desejável e o recomen-
dável são construídos e orientam a ação dos agentes
econômicos. O discurso do fundamentalismo de mer-
cado da economia fi nanceira foi incorporado pelas es-
truturas regulatórias, pelos modelos e software de pre-
cifi cação de ativos e pelas práticas de comercialização.
O discurso da superioridade do desempenho dos
mercados com pouca regulação orientou a própria
ação dos reguladores na elaboração e implementa-
ção de medidas de incentivo à securitização de ati-
vos com maior risco. Lembrando Polanyi, a economia
de mercado não é algo espontâneo e natural, mas
um projeto político realizado por meio de mudan-
ças institucionais. Da mesma forma, a lógica de fi -
nanceirização de todas as esferas da economia e sua
legitimidade nos governos foi construída politica e
socialmente. A inovação fi nanceira foi moldada por
estruturas legais e processos políticos e culturais.
Conclusão
A noção do papel primordial das instituições, isto
é, que as instituições são relevantes (institutions mat-
ter), principalmente na formatação do meio econô-
mico, é ideia esposada pelas análises da sociologia
econômica, e por vertente da própria economia. A
sociologia econômica vai um pouco além, entretan-
to, direcionando o seu interesse para a riqueza das
determinações — e sobredeterminações — do teci-
do social e político-institucional, que é mais do que
simples pano de fundo para o mundo da economia,
engastado (embedded) que está este mesmo mun-
do no seu interior. Se o problema é institucional, en-
tão as normas e remédios a serem adotados deverão
sempre atacar os problemas de institucionalidade.
A primavera keynesiana foi enterrada
pelas demandas conservadoras e, mais
ainda, pela acentuação do desequilíbrio fi scal
já existente e agravado pela ajuda a vários
setores da economia.
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Uma questão estrutural para o capitalismo fi nan-
ceirizado é que a elevação desproporcional dos ga-
nhos fi nanceiros implica uma redistribuição da renda
à expensa das camadas subalternas, especialmente
os trabalhadores assalariados. Isso implode o com-
promisso moderado de classes nos termos do Estado
de bem-estar social (ALTVATER, 2010). Curiosamente,
os melhores fundamentos da economia por critérios
fi nanceiros foram acompanhados por juros altos, de-
sindustrialização, crescimento lento da economia e
maior vulnerabilidade em relação aos movimentos
rápidos da fi nança global (FOSTER e MAGDOFF, 2009).
As perspectivas de superação da crise estão forte-
mente ligadas a questões institucionais que se resol-
vem no âmbito dos confl itos entre atores dotados de
interesses e capazes de mobilizar recursos em favor da
sua posição. Os processos nos quais atores de merca-
do e atores políticos estão envolvidos não podem ser
explicados com um olhar exclusivo para os mercados
ou para a política. O processo de mudança institucional
necessária para a superação da crise requer um esforço
conjunto de linhas de pesquisa previamente separadas,
o que exige uma combinação das contribuições da eco-
nomia com as contribuições da sociologia e da política.
A discussão em torno de uma governança glo-
bal para a regulação fi nanceira, quando centrada no
simples aplainamento para garantir a continuida-
de de ganhos, parece uma receita para a inação ou
um longo e lento caminho para mudanças limitadas
(Campbell, 2011). Se as instituições fi nanceiras, com
seu poder de lobby, obstarem o processo de refor-
ma das regras de funcionamento do mercado fi nan-
ceiro, as reformas globais só poderão ser retóricas.
Em outros termos, é no espaço do Estado-Nação
que esse debate deverá ser tratado de forma trans-
parente com a participação dos representantes dos
trabalhadores e das organizações da sociedade civil.
Afi nal, o trabalho, como dizia Marshall, é o principal e
mais importante fator de produção. Em larga medida,
isso tem a ver com um processo de reinserção da eco-
nomia na vida real da criação de riquezas e da reprodu-
ção social com maior equilíbrio político entre os atores
econômicos e sociais. Usando a ideia de Karl Polanyi,
trata-se de buscar uma nova “grande transformação”
para outro tipo de capitalismo que se afaste do mer-
cado desarraigado da economia real e da sociedade.
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Francisco de Assis Campos da Silvachico-campos@uol.com.br
Professor no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas
(Ceppac) na UnB e membro do Grupo de Pesquisa de Estudos
Comparados em Sociologia Econômica (CNPq).
Moisés Villamil Balestromoises@unb.br
Professor no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas
(Ceppac) na UnB e membro do Grupo de Pesquisa de Estudos
Comparados em Sociologia Econômica (CNPq).
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US fi nancial crisis. Bingley, RU: Emerald Publishing.
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A crise do euro, dilemas de política econômica e o futuro da Europa
José Luis Oreiro
A moeda comum europeia, o euro, foi implantada
em 1999 como mais uma etapa no que se entendia
como um processo que deveria conduzir o Velho
Continente à tão sonhada unifi cação política, a qual,
por sua vez, era vista por muitos europeus como
condição necessária para a Europa reassumir sua
liderança histórica no mundo, suplantando os Estados
Unidos. Passados mais de 10 anos da introdução
do euro surgem dúvidas cada vez maiores sobre a
sustentabilidade da moeda comum a médio prazo.
Os países que compõem a área do euro são
bastante heterogêneos no que se refere tanto à sua
competitividade externa como à sua situação fi scal.
Nesse contexto, podemos identifi car dois grupos de
países. No primeiro grupo, composto basicamente
pela Alemanha e pela Holanda, o crescimento do PIB
é liderado pelas exportações, a taxa real de câmbio
permanece em patamares razoavelmente competitivos
e a situação fi scal permite o uso moderado da política
fi scal por vários anos como instrumento de política
anticíclica. Num contexto de forte apreciação do euro,
a competitividade externa da economia alemã foi
mantida nos últimos 10 anos graças a uma política
de “moderação salarial” adotada pelos sindicatos
alemães, que, em troca da manutenção dos empregos
industriais no país, aceitaram um crescimento do
salário real muito abaixo da produtividade do
trabalho. Essa política salarial permitiu uma queda
acentuada do custo unitário do trabalho na Alemanha
relativamente aos demais países da área do euro, o
que viabilizou a manutenção da competitividade
da economia alemã e a importância da indústria
e das exportações como motor do crescimento
de longo prazo da maior economia da Europa.
O segundo grupo de países é constituído pelos
países PIIGS: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha.
Eles sofrem de um problema crônico de competitividade
externa, que se refl ete em grandes défi cits em conta
corrente (no caso da Espanha quase 10% do PIB em
2008) somado com desequilíbrios fi scais que variam de
moderado (no caso da Espanha) a gravíssimo (o caso da
Grécia), conforme pode ser visualizado nas Figuras 1 e 2.
Fonte: International Financial Statistics, Fundo Monetário Internacional. Elaboração própria
Fonte: International Financial Statistics, Fundo Monetário Internacional. Elaboração própria
Figura 1: Saldo em conta corrente (% PIB), países selecionados
Figura 2: Défi cit público ciclicamente ajustado (%PIB ), países selecionados
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Após o colapso do banco norte-americano Lehman
Brothers em setembro de 2008, os governos dos países
europeus realizaram amplos programas de socorro ao
setor fi nanceiro e estímulo à economia em recessão,
que impediram o colapso das economias europeias
após uma forte queda em 2009, mas contribuíram para
aumentar o endividamento público na área do euro.
A expansão fi scal, no entanto, não foi sufi ciente para
garantir a volta ao crescimento sustentado nos países
do sul da Europa (Espanha, Portugal, Itália, Grécia) por
duas razões.
Em primeiro lugar, esses países se defrontaram com
uma forte apreciação cambial nos anos pré-crise em
função da ocorrência de aumentos salariais acima da
expansão da produtividade do trabalho, o que levou a
um importante aumento do custo unitário do trabalho.
Na Alemanha, ao contrário, verifi cou-se uma redução
desse custo em razão da política de moderação
salarial implementada com a chancela dos sindicatos
alemães. O resultado disso foi uma deterioração da
competitividade dos países do sul da Europa com
respeito à Alemanha, dando origem a grandes défi cits
em conta corrente nos primeiros e um crescente
superávit no último.
Em segundo lugar, o setor privado na Europa iniciou
um processo de “defl ação de dívidas” no qual o gasto
corrente e de capital é reduzido com o intuito de se
aumentar a poupança privada e assim reduzir o nível de
endividamento. Isso porque no período compreendido
entre 1999 e 2007 observou-se um notável crescimento
do endividamento do setor privado na área do euro.
A dívida das empresas não-fi nanceiras passou de
250% para 280% do PIB, o endividamento dos bancos
aumentou de 190% para 250% do PIB e as famílias
aumentaram o seu endividamento em quase 50%.
Com a eclosão da crise fi nanceira internacional, esse
elevado endividamento do setor privado tornou-
se insustentável, o que demandou um forte ajuste
patrimonial por parte de famílias, empresas e bancos
na forma de um aumento signifi cativo da propensão a
poupar do setor privado.
O efeito combinado da apreciação cambial e do
aumento da poupança privada nos países do sul da
Europa acabou por amortecer o impacto expansionista
da política fi scal anticíclica, contribuindo para manter o
desemprego a nível elevado e a atividade econômica
semiestagnada, conforme podemos visualizar na fi gura 3.
Nesse contexto, cria-se um ciclo vicioso no qual o
aumento inicial do endividamento público eleva a
percepção de risco por parte dos agentes econômicos
quanto à solvência dos países do sul da Europa. Isso
aumenta o custo de refi nanciamento das dívidas
desses países e, por conseguinte, seu défi cit nominal. A
elevação do défi cit “realiza” as expectativas pessimistas
quanto à solvência dos países PIIGS, criando assim as
pré-condições para um default soberano.
A combinação entre desequilíbrios nos balanços
do setor privado e desequilíbrios nas contas públicas
nos países PIIGS cria importantes dilemas de política
econômica. Com efeito, o retorno ao crescimento
sustentado exige um aumento da demanda doméstica,
Com a eclosão da crise fi nanceira internacional, esse
elevado endividamento do setor privado tornou-se insustentável, o que
demandou um forte ajuste patrimonial
por parte de famílias, empresas e bancos na forma de um aumento
signifi cativo da propensão a poupar do
setor privado.
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o que exigiria um forte aumento dos gastos do
governo. Mas o desequilíbrio fi scal não só torna
muito difícil o uso dessa política como parece exigir,
pelo contrário, uma contração fi scal signifi cativa para
impedir que a dívida pública como proporção do PIB
entre numa trajetória explosiva, o que levaria a um
inevitável calote nas dívidas soberanas nesses países
com consequências imprevisíveis sobre o combalido
sistema bancário europeu.
A contração fi scal pode, contudo, tornar o default
inevitável à medida que esta irá apenas aumentar a
taxa de desemprego e deprimir os lucros das empresas
fi nanceiras e não-fi nanceiras da zona do euro. A
poupança privada irá se reduzir, o que fará com que
se retarde assim o processo de defl ação de dívidas –
que, por sua vez, alongará o período de contração dos
gastos privados de consumo e de investimento. Com
isso, a semiestagnação irá se prolongar por vários
anos, o que deprimirá a receita tributária e impedirá
a recuperação das fi nanças públicas dos países do sul
da Europa. Em algum momento, o custo político desse
processo será tão grande que alguns dos países mais
afetados poderão decidir pelo default de seus débitos,
com a consequente saída da área do euro.
Uma alternativa a esse quadro sombrio seria o Banco
Central Europeu (BCE) adotar uma política monetária
altamente expansionista com o objetivo explícito de
desvalorizar o euro e assim permitir uma elevação da
competitividade de todos os países da União Monetária.
Nesse contexto, o BCE poderia monetizar uma parte
da dívida pública de forma a reduzir a relação juros/
PIB para algo como 2% em todos os países da área do
euro. Essa monetização resolveria numa só tacada dois
problemas. Em primeiro lugar, permitiria aos bancos
europeus se livrarem de uma parte dos títulos públicos
“micados” de seus balanços, e assim reduzir seu próprio
risco de insolvência. Em segundo lugar, ocorreria uma
forte depreciação do euro frente ao dólar e ao yuan,
o que aumentaria a competitividade das exportações
europeias e viabilizaria uma recuperação do nível de
atividade por intermédio das exportações. Além disso,
a infl ação certamente se elevaria como resultado dessa
medida e acabaria por transferir riqueza dos credores
para os devedores, e aliviaria parte do problema do
elevado endividamento do setor privado na Europa do
euro.
No entanto, essa alternativa esbarra em duas
difi culdades. A primeira é que uma forte expansão
monetária provavelmente resultaria em elevação dos
índices de infl ação naquele grupo de países que não
tem problemas de competitividade externa, ou seja, a
Alemanha. Dado o peso da economia alemã na área do
euro, parece pouco provável que esse tipo de solução
seja aprovado no âmbito da União Monetária.
Fonte: International Financial Statistics, Fundo Monetário Internacional. Elaboração própria
Figura 3: Crescimento do PIB (% a.a)
Uma alternativa a esse quadro sombrio seria o Banco Central Europeu (BCE) adotar
uma política monetária altamente expansionista com o objetivo explícito de desvalorizar o euro e
assim permitir uma elevação da competitivi-dade de todos os países
da União Monetária.
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A segunda difi culdade, ainda mais grave, é de
natureza “genética”. O euro é provavelmente o único
caso na história da humanidade em que uma unifi cação
monetária precedeu a uma unifi cação política.
Esse fenômeno cria um importante dilema para a
administração da política monetária. Isso porque, com
base na abordagem Cartalista¹, a moeda é uma criação
do Estado (não do Mercado), e tem o seu valor atrelado
à capacidade do Estado de impor um determinado
instrumento como unidade de conta e meio de
pagamento. Por esse raciocínio, o euro tem o “problema
genético de ser uma “moeda sem Estado”: não há uma
autoridade estatal central que imponha o uso do euro
como unidade de conta e meio de pagamento, essa
tarefa é exercida pelos governos soberanos dos países
que compõem a União Monetária, os quais podem, se
assim o desejarem, abandonar a União Monetária. Na
ausência de uma autoridade estatal supranacional, o
valor do euro tem que ser mantido com base apenas
na confi ança que o público tem no órgão emissor, ou
seja, no BCE. Essa confi ança, por sua vez, exige um alto
grau de conservadorismo por parte da autoridade
monetária europeia, ou seja, exige que o BCE mantenha
o valor da moeda por intermédio de uma forte restrição
em sua disponibilidade, e assim conduzir uma política
monetária estruturalmente apertada.
Tendo em vista o “defeito genético” do euro, a saída
para a atual crise parece ser apenas uma: a conclusão
do processo de unifi cação política, com a criação dos
Estados Unidos da Europa. Um primeiro passo nesse
sentido seria a criação de uma autoridade fi scal central,
com a capacidade de cobrar impostos e tomar recursos
emprestados em nome da União Europeia, como
defendido recentemente por Soros (2011). Essa medida
viabilizaria a realização de uma política monetária mais
expansionista por parte do BCE.
O Velho Continente é provavelmente a única região
do planeta que reúne as condições econômicas e
políticas para um projeto de tal envergadura. Se assim o
fi zer, a Europa poderá ser novamente a “Luz do Mundo”.
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1 A esse respeito ver Aggio e Rocha (2009).
José Luis Oreirojoreiro@unb.br
Professor do Departamento de Economia da Universidade de
Brasília, Pesquisador Nível I do CNPq e Diretor de Relações Institu-
cionais da Associação Keynesiana Brasileira. E-mail: joreiro@unb.br.
Página pessoal: www.joseluisoreiro.ecn.br.
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O ano de 2011 é de grande festa para os economistas.
No dia 13 de agosto a categoria comemorou os 60 anos
da sanção da Lei nº 1.411, que regulamenta a profi ssão,
pelo presidente Getúlio Vargas.
Sessão Solene em comemoração aos 60 anos da
profi ssão foi realizada no XIX Congresso Brasileiro de
Economia (CBE), que ocorreu entre os dias 07 e 09
de setembro, na cidade de Bonito, Mato Grosso do
Sul. O CBE contou com grande participação tanto de
economistas quanto de estudantes, alcançando cerca
de 700 inscritos. O evento, promovido pelo Conselho
Federal de Economia (Cofecon) em parceira com o
Conselho Regional de Economia do Mato Grosso do
Sul, teve como tema “Desenvolvimento: inovação,
tecnologia e sustentabilidade”, promoveu o intercâmbio
de experiências e a divulgação de novas possibilidades
relacionadas ao desenvolvimento sustentável.
O Conselho Regional de Economia do Distrito
Federal (Corecon-DF) participou com dez
representantes: Jusçanio de Souza (Presidente), José
Luiz Pagnussat, Ronalde Lins, Carlito Zanetti, Jucemar
Imperatori, César Augusto Bergo, Maria Cristina de
Araújo, Diones Alves Cerqueira, Maria Aparecida
Carneiro e Ronaldo Gallotti. Também por Brasília, dois
estudantes da Faculdade União Pioneira de Integração
Social (Upis), Ritchely Barbosa Souto Sousa e Alexandre
Barros dos Santos, participaram da Gincana Nacional
de Economia promovida pelo Cofecon.
Na abertura do evento, o presidente do Corecon-
MS, Volmir Meneguzzo, falou da importância de
sediar o Congresso e ainda comemorar os 60 anos
da profi ssão e também os 30 anos do Corecon-MS.
“Estamos vivendo um momento ímpar, no qual
devemos comemorar e valorizar os economistas, pois
a nossa profi ssão se valoriza a cada dia com as atuais
difi culdades econômicas que o mundo inteiro tem
passado”.
O presidente do Cofecon, Waldir Pereira Gomes,
fez um balanço de sua gestão e destacou o processo
de desindustrialização relativa no país e como ele
deve ser combatido: “Há que se atuar também e
prioritariamente sobre os altos custos de produção
no país. Isto depende exclusivamente de políticas e
medidas a serem adotadas internamente e que se
encontram sob o controle do governo nacional”.
Prêmio Brasil de Economia
Durante a abertura do evento, foi realizada
a cerimônia de entrega do XVII Prêmio Brasil de
Economia 2011. Trabalhos nas áreas de monografi a de
graduação, dissertação de mestrado, tese de doutorado,
artigo técnico ou científi co e livro de economia foram
reconhecidos. O Prêmio contou com a participação do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que
ofereceu bolsas de pesquisa para os vencedores de três
das cinco categorias.
XIX Congresso BrasSob o tema “Desenvolvimento: inovação, tecnologia e sustent
comemoração dos 60 anos da propor Camila Fiorese*
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asileiro de Economiatentabilidade”, o evento foi realizado em Bonito (MS) e marcou a profi ssão de Economista no Brasil
O economista ganhador do Prêmio Corecon-DF de
Economia de 2010, Camilo Rey Laureto, conquistou o
2º lugar no XVII Prêmio Brasil de Economia 2011, na
categoria “Monografi a ou Trabalho de Conclusão de
Curso de Graduação em Ciências Econômicas”. Como
não pôde estar presente ao evento, seu irmão recebeu
em seu nome a premiação de R$ 2.000,00.
Gincana de estudantes
Foi realizada no XIX Congresso Brasileiro de
Economia a primeira edição da Gincana Nacional
de Economia. A competição consistiu em um jogo
eletrônico, na qual cada dupla representante de vários
estados do Brasil competiu com outra dupla, testando
seus conhecimentos em economia. Pelo Corecon-DF,
competiram os estudantes da Upis, que viajaram após
terem passado por processo seletivo.
A competição teve duração de dois dias e terminou
com a vitória de Jeziel Monteiro Dourado e Tadeu
Augusto Pina Aragão, alunos da Universidade Cruzeiro
do Sul, de São Paulo. O segundo lugar fi cou com
Gabriel Vogel e Pedro Henrique de Morais Campetti,
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, do Rio
Grande do Sul. O terceiro lugar fi cou com Martina
Suzane Schuwangart e Rodrigo Augusto Vieira, da
Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná. O
prêmio para a dupla vencedora foi de R$ 1.500, R$ 1.000
para os segundos colocados e R$ 500 para os terceiros.
60 anos da profi ssão de Economista
A profi ssão de Economista foi regulamentada no
Brasil, no dia 13 de agosto de 1951, com a promulgação
da Lei 1.411.
De acordo com Nivalde José de Castro no livro O
Economista, a origem do ensino de economia e sua
regulamentação profi ssional no Brasil deve muito a José
da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, autor de Princípios de
Economia Política, de 1804.
Historicamente, a primeira norma que esboçou
um currículo de formação do economista é o Decreto
nº 20.158, de 30 de junho de 1931. Ela recebeu o título
genérico de Administração e Finanças, e foi considerada
disciplina de caráter jurídico, fi nanceiro, contábil e
administrativo. Sob esse currículo formou-se a primeira
turma da Faculdade de Ciências Econômicas do Estado de
São Paulo - e da qual 22 bacharéis participaram, em 1935,
da assembléia de fundação da Ordem dos Economistas
do Brasil (OEB).
O Decreto-Lei nº 7.988, de 1945, modifi cou totalmente
o currículo de 1931 e incorporou a Ciência Econômica ao
sistema universitário brasileiro, embora continuassem
a ter peso as matérias das áreas jurídica, contábil e
administrativa.
Para a maioria dos economistas, a Lei 1.411 foi uma
conquista que precisa ser revista a partir da aprovação
do Projeto de Lei do Senado 658/07. O PLS, cujo autor é
o senador Inácio Arruda (PCdoB/CE), tramita no Senado
Federal e busca a atualização da regulamentação da
Profi ssão.
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Segundo o idealizador do jogo, o economista Paulo
Sandroni, os alunos que participaram da Gincana
saíram da competição sabendo mais economia do
que no momento em que entraram. “Porque a Gincana
é composta de um jogo que envolve três elementos:
estratégia, conhecimento e sorte. Eu reconheço que eu
coloquei perguntas bem difíceis”, destacou.
Esta foi a primeira gincana de nível nacional
realizada pelo Cofecon. Outras nove gincanas foram
realizadas pelo Corecon-SP, a princípio apenas com os
alunos do estado, em 2003, e depois com estudantes de
outros estados e até do exterior. As gincanas regionais
são preparatórias para a Gincana Nacional. Os estados
de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais
já realizam há alguns anos suas gincanas.
O professor tem incentivado que cada estado faça
a sua gincana. “Se o estado for muito pequeno, que se
junte com outros menores por regiões e realizem o
evento”, disse. Na opinião do professor, eventos como
esse fazem com que se estimule o interesse pelo curso
de economia.
O jogo nasceu de uma ideia do professor Sandroni
chamada “Brincando de Ministro – Jogo da Economia
Brasileira”, que é a base do jogo atual. Ele consistia em
uma competição onde cada pessoa podia jogar contra
o computador. O game tornou-se um torneio, e foi
adaptado para ser jogado entre duas pessoas numa
rede de computadores. “O jogo evoluiu muito, hoje
está completamente diferente do que era em 2003. A
expectativa para a próxima Gincana Nacional é que se
incluam mais elementos, não só de política econômica
e macroeconomia, mas também de microeconomia e
fi nanças”, conta seu idealizador.
Desindustrialização foi tema bastante discutido no XIX CBE
Entre vários temas debatidos nos painéis no
CBE 2011 o que discutiu a desindustrialização ou
primarização da pauta exportadora se destacou,
tendo em vista o momento vivido pelo país. Os
debatedores foram os economistas João Paulo de
Almeida Magalhães, presidente do Corecon-RJ, Marcelo
Carcanholo (UFF), Eduardo Costa Pinto (Ipea) e Reinaldo
Gonçalves (UFRJ).
João Paulo de Almeida Magalhães afi rmou que
estudos do Ipea demonstram que efetivamente há uma
desindustrialização da economia do Brasil. Ela se deve,
principalmente, à apreciação cambial e outros fatores
que estão fora do controle da indústria (como a política
monetária e a concorrência com países que mantêm o
câmbio desvalorizado e a China foi um exemplo).
Carcanholo tratou de diferenciar reprimarização da
pauta exportadora e desindustrialização, dois conceitos
que às vezes acabam confundidos. “O grande problema
do debate é que vários autores dão signifi cados
diferentes à palavra” explicou. “A reprimarização não
representa em si a desindustrialização, mas é fato
que este processo também ocorreu”. E questionou:
“Será que a taxa de câmbio é a única causa? E será
que [a valorização do câmbio] é consequência só da
exportação de commodities primárias?”
Eduardo Costa Pinto caracterizou a indústria como
fundamental para o desenvolvimento dos outros
setores da economia. “Nenhum país se desenvolveu sem
uma forte industrialização”. Ele também apontou um
paradoxo da questão: “A indústria perde participação,
24
25
julho / setembro / 2011
mas cresce, por isso a difi culdade de se falar em
desindustrialização. A indústria de transformação teve
a produtividade reduzida em 3% entre 2000 e 2008”.
Olhando para o futuro, apontou um problema: “Os
preços relativos vão mudar. Quando isso acontecer,
estaremos à beira do abismo. Mas isso não acontecerá
hoje nem amanhã”.
O último palestrante foi Reinaldo Gonçalves, que
fez uma crítica bastante dura ao governo Lula. Para
o economista, o que aconteceu nos últimos oito
anos foi o inverso do nacional-desenvolvimentismo.
Desindustrialização, “dessubstituição” de importações,
reprimarização das exportações, maior dependência
tecnológica, desnacionalização, perda de
competitividade internacional, maior vulnerabilidade
externa, concentração de capital e dominação
fi nanceira foi o cenário dos últimos anos. “Grandes
teóricos da república falam em desenvolvimentismo,
grandes transformações e reversão de tendências
estruturais. Dados empíricos dizem o contrário”, resumiu
Gonçalves.
Opiniões
Jusçanio de Souza, presidente do Corecon-DF,
considera que a realização do XIX Congresso Brasileiro
de Economia obteve bastante sucesso, não só em
relação à programação, mas também em relação à
presença expressiva de economistas de todo o Brasil.
O evento traduziu-se numa oportunidade especial de
confraternização entre os economistas e comemoração
dos 60 anos de regulamentação da profi ssão”, disse.
Jusçanio destacou, como tema que marcou o
encontro, o da “Desindustrialização ou reprimarização
da pauta exportadora”, cuja abordagem do contexto
contemporâneo remeteu a grande refl exão sobre o
futuro do Brasil rumo à conquista de espaço entre
as grandes potências desenvolvidas. Ele também
destaca como bem sucedida a realização da primeira
edição da Gincana Nacional de Economia, evento que
contribui para a aproximação dos alunos ao sistema
Cofecon/Corecons. “A oportunidade serviu para
estimular os estudantes quanto ao valor da profi ssão
de economista; além de servir como mecanismo de
reforço na formação acadêmica”, completou.
Na opinião do presidente do Corecon-
DF, as abordagens sobre Inovação, Tecnologia
e Sustentabilidade, as preocupações com a
desindustrialização nacional, a questão da taxa de juros
e de câmbio e dos desequilíbrios regionais, entre outras,
expressam a relevante contribuição dos economistas
no processo de construção e implementação de
políticas públicas estruturantes de desenvolvimento
econômico sustentável ao nosso país.
Jucemar Imperatori, conselheiro do Corecon-
DF, que também participou do XIX CBE, destacou o
evento como bastante positivo nas abordagens sobre
inovação, tecnologia e sustentabilidade. Segundo ele, a
Carta de Bonito expressa a profundidade dos debates
e as preocupações com a desindustrialização nacional,
a questão da taxa de juros e da taxa de câmbio,
dos desequilíbrios regionais e do uso racional dos
recursos naturais, assim como os desafi os na
implementação de políticas públicas estruturantes
que proporcionem um desenvolvimento econômico
sustentável a longo prazo.
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Carta de Bonito
O vice-presidente do Cofecon, Mario Sérgio
Sallorenzo, leu a Carta de Bonito, que foi aprovada pelos
economistas. O documento expressa a preocupação
com o processo de desindustrialização no país. “Numa
perspectiva de longo prazo, o Brasil não pode continuar
com o atual processo de aumento da dependência da
importação de produtos industrializados”.
CARTA DE BONITO/MS
CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA -
07-09/09/2011
DESENVOLVIMENTO: INOVAÇÃO, TECNOLOGIA E
SUSTENTABILIDADE
Por ocasião da comemoração dos 60 anos de
regulamentação da profi ssão, os Conselhos de
Economia, como instância de representação múltipla
da categoria, visando esclarecer e promover uma
refl exão sobre o assunto central do Congresso, vêm
manifestar-se à opinião pública a respeito do debate
recente sobre desindustrialização no Brasil.
Os critérios e as circunstâncias com base nos quais
se caracteriza o que é em geral entendido como
desindustrialização são diversos. O processo não é
novo na História Econômica mas, de modo geral, pode
ocorrer em países que já alcançaram um alto grau
de desenvolvimento. Sua caracterização vai desde
a redução do nível e da capacidade de produção
em termos absolutos até a perda de participação
relativa da atividade industrial na geração de renda.
Desindustrialização também pode ser entendida como
redução da abrangência e da complementaridade
dos setores industriais entre si e com o restante da
economia. Assim, a inexistência ou fragmentação das
“Ao se falar sobre sustentabilidade, é importante
enfatizar as questões urbanas e observar que os
aspectos sociais, em especial presentes nas grandes
cidades, devem estar em sinergia com os aspectos
econômicos. É neste ponto que o olhar do economista
deve estar presente e contribuir para a implementação
dos planos de ocupação e ordenamento territorial,
planos habitacionais e planos ambientais, de forma a
reduzir e mitigar as enormes externalidades negativas
presentes notadamente na mobilidade urbana, na
segurança (principalmente no que se refere à violência
com jovens, às drogas) e na dimensão ambiental, que
inclui questões de saneamento, coleta e destinação de
lixo”, afi rmou Jucemar.
Já a fi scal do Corecon-DF, Maria Aparecida Carneiro,
destacou dois painéis em especial, pela qualidade
das abordagens dos temas. O primeiro tratou sobre
a “Desindustrialização ou primarização da pauta
exportadora: os reais impactos das políticas cambiais
e monetárias no Brasil”, em que o professor Marcelo
Carcanholo expôs o tema de forma bem didática.
O segundo painel apontado pela fi scal foi o de
tema “Economia institucional e regulação”, no qual o
professor Gilson de Lima Garófalo explicou o que são as
instituições, os agentes, os regimes políticos, o mercado,
as liberdades individuais e de como a regulação estatal
vem se colocando neste cenário. “O mercado é tudo”
disse ele.
Ao fi nal do Congresso, foi defi nida a cidade de
Manaus (AM) como sede do próximo Congresso, a ser
realizado em 2013.
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julho / setembro / 2011
* Matéria com informações Cofecon. Fotos Camila Fiorese e Wille Zampieri (Corecon-MS)ç p ( )
cadeias produtivas pode ser vista como uma limitação
ao ciclo da industrialização e como uma restrição à
alavancagem do desenvolvimento consistente.
Numa perspectiva de longo prazo, o Brasil não
pode continuar com o atual processo de aumento
da dependência da importação de produtos
industrializados. A atual substituição da produção
interna por produtos importados ocorre antes que o país
tenha alcançado o domínio dos processos tecnológicos
estratégicos para assegurar a sustentabilidade de seu
desenvolvimento soberano.
A questão se reveste de mais riscos ainda quando à
situação antes descrita se associa uma recomposição das
pautas de exportação, dependentes, crescentemente,
da demanda internacional por produtos primários
e de modesto valor agregado. Como é sabido, esses
produtos são mais facilmente substituíveis, têm baixo
conteúdo tecnológico e as cotações são muito mais
voláteis. Essa crescente especialização do padrão de
exportação é a chamada reprimarização.
Este é, presentemente, um dos grandes desafi os
da economia brasileira, ainda mais nas circunstâncias
em que o binômio câmbio sobrevalorizado e juros
elevadíssimos está fortemente associado, e pesadas
resistências e interesses internos se opõem à
desativação dessa armadilha, cujos efeitos a médio
prazo podem ser devastadores para o projeto nacional
de desenvolvimento autônomo, continuado e vigoroso,
capaz de tornar o Brasil emergente, enfi m, no País do
presente.
No entanto, o problema da desindustrialização não
se restringe à natureza das políticas macroeconômicas.
A questão central é a escolha de estratégias de
desenvolvimento que impliquem mudanças
estruturais efetivas, inclusive quanto ao deslocamento
da fronteira de produção. A simples correção do câmbio
real e do juro real não impede, necessariamente, o
redirecionamento dos investimentos na direção da
“linha de menor resistência” que, no caso brasileiro, é na
direção da produção de bens intensivos em recursos
naturais.
A correção da gestão macroeconômica deve vir
acompanhada de políticas estruturantes de novo padrão
de acumulação e alocação de recursos. Os objetivos
são impedir o viés na direção da especialização em
produtos intensivos em recursos naturais e promover
o deslocamento mais equilibrado e abrangente da
fronteira de produção. Somente estruturas de produção
mais abrangentes, robustas e competitivas permitem a
melhora permanente de renda, consumo e distribuição,
ou seja, o desenvolvimento econômico no longo prazo.
Nesta perspectiva, cabe considerar que os desafi os
das medidas macroeconômicas não sejam restritivos à
sustentabilidade do desenvolvimento econômico.
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A necessidade de uma política industrial permanente como
política de EstadoJackson De Toni
Política industrial no Brasil contemporâneo
A capacidade industrial de uma nação estabelece
o potencial e os limites do seu desenvolvimento
econômico. Historicamente, foi a industrialização que
proporcionou níveis crescentes de renda e bem estar
da população, gerando empregos mais qualifi cados
e difundindo ganhos de escala. É a indústria que
gera inovação tecnológica aplicada, por exemplo,
no melhoramento genético responsável pela
produtividade do agronegócio. Mesmo em setores de
ponta de serviços, como as tecnologias digitais e de
comunicação, é a indústria microeletrônica quem acaba
ditando o ritmo de crescimento. O desenvolvimento
de um país se mede de várias formas. Uma delas é o
crescimento relativo do Produto Interno Bruto per
capita.
Num sentido mais básico e elementar, o
desenvolvimento depende da produtividade
crescente do trabalho, que é infl uenciada diretamente
pelos avanços da indústria. Desde os anos 1960, com
Nicholas Kaldor ou mais longe ainda, com Gunnar
Myrdal, aprendemos que a industrialização é a maior
responsável por retornos crescentes de produtividade
e pelo seu transbordamento para todas as outras
dimensões do desenvolvimento econômico, inclusive
a dimensão social.¹
O Brasil tem tido uma trajetória bem marcada na
sua industrialização. Nós consolidamos um parque
industrial importante até os anos 1970, em especial
nas cadeias petroquímicas, nos complexos produtivos
do agronegócio, na metalurgia e em bens de capital,
por exemplo. Nos anos 1980 e 1990 o governo federal
empreendeu poucas iniciativas para uma abrangente
e consistente política industrial. Cabe ressalvar, talvez,
a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT) e algumas iniciativas na área de informática.
No Governo Collor, tivemos uma política industrial
“ao contrário”, iniciando um ciclo de privatizações,
fi nanceirização e desnacionalização signifi cativa
do legado deixado pelo período dos governos
militares. Exceção digna de nota neste período foi o
funcionamento das “Câmaras Setoriais”, num contexto
de realinhamento de preços. Em alguns casos foram
importantes instrumentos de negociação público-
privada, em especial a automobilística. Nos anos do
governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002) a
política industrial praticamente não se constitui uma
“agenda de governo”. Os “Fóruns de Competitividade”
implementados pelo Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio (MDIC) na tentativa de manter um
espaço de concertação com o setor industrial, sempre
tiveram a hostilidade - quando não a oposição pública
do Ministério da Fazenda.
O Governo Lula inicia-se em 2003 numa conjuntura
bem marcada: relativa estabilidade macroeconômica,
risco-país em queda, inicio de um ciclo de alta em
commodities, relação dívida interna/PIB em declínio
e altas taxas de juros. Talvez o maior avanço do
1 Mesmo nas escolas de economia atualmente é difícil encontrar alguém abertamente contrário a uma política industrial, sobretudo depois da crise fi nanceira de 2008. Aos poucos a academia está reabilitando a produção teórica de antigos e novos autores que pensaram e estudaram política industrial, entre eles: Robert Wade, Alice Amsden, Chalmers Johnson, Ha-Joo Chang, Dani Rodrik, Peter Evans, entre outros.
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governo Lula em seu primeiro mandato tenha sido
o desbloqueio do debate sobre política industrial e
a retomada, ainda que tímida, de instrumentos de
planejamento e coordenação de atores. A Política
Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE),
anunciada no início de 2004, teve como mérito maior
a retomada de uma instância de coordenação de alto
nível, o Conselho Nacional de Desenvolvimento (CNDI),
que reuniu empresários industriais e ministros. O CNDI
chegou a realizar 14 reuniões entre 2004 e 2006. Essas
reuniões geraram acordos importantes que se tornaram
marcos de uma nova política industrial: as chamadas
“Lei de Inovação”, a “Lei do Bem”, a desoneração do IPI
para bens de capital, entre outras medidas.
Outro marco deste período foi a criação de uma
organização pública não-estatal para apoiar a execução
de uma política industrial complexa e polissêmica, a
Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)
que juntamente com o BNDES – como o “braço do
fi nanciamento” – estruturam um arranjo institucional
básico pró-política industrial. No segundo mandato
de Lula, a política industrial segue a linha do foco na
inovação e na retomada das taxas de investimento,
agora como o nome de Política de Desenvolvimento
Produtivo (PDP), lançada em maio de 2008. A PDP
avançou muito em governança: instituiu instâncias de
coordenação internas no Governo Federal, protocolos
de decisão, sistemas de monitoramento e avaliação, etc.
A crise de 2008, contudo, impediu que a política
atingisse a maioria de suas macrometas. Pode-se dizer,
por outro lado, que a política industrial contribuiu para
a rápida execução de medidas anticrise, em especial na
atuação do BNDES.
Gargalos da política industrial
A conjuntura ideal para a política industrial é aquela
de juros baixos, infl ação sob controle, investimento
público e privado crescentes, superávits comerciais
e infraestrutura física e humana de padrão mundial.
Infelizmente não é nossa realidade, mas exatamente
por isso ela se torna tão necessária, ainda que tenha
sua efi cácia reduzida. A política industrial tem sido
realizada no Brasil sob conjuntura macroeconômica
adversa, com refl exos na perda de competitividade e
produtividades da manufatura. Os juros reais positivos,
entre os maiores do mundo, aumentam o custo dos
investimentos e inibem as expectativas de expansão
da economia real. A carga tributária, por vezes
desbalanceada e orientada somente sob o critério
fi scalista e arrecadatório, tem elevado o custo de
produção industrial em diversas cadeias produtivas. Por
fi m, mas não menos importante, nossa política cambial
recente aliada à competitividade de produtos asiáticos
(incluindo práticas desleais de comércio) tem resultado
numa queda brutal da exportação de manufaturados,
eram superavitárias em 2005 e serão defi citárias
em 2011, talvez em até R$ 50 bilhões. O “paradoxo
da credibilidade”, como chamou Belluzzo, obrigou o
governo Lula a manter uma política econômica de
juros altos e câmbio de mercado. O preço, segundo
alguns, é uma política industrial que “enxuga gelo”2.
Os benefícios que as linhas de crédito do BNDES ou as
2 Aqui valem as palavras de Wilson Cano: “Essa contradição entre as políticas industrial e macroeconômica refl ete, na verdade, as divisões que existem dentro do Estado brasileiro, que, em última instância, refl etem divisões dentro da sociedade acerca do projeto que se pretende para o país. A luta entre as diferentes visões para impor seu projeto materializa-se, concretamente, na disputa pelos recursos. Para o bem do país, é imprescindível que sejamos capazes, como já o fomos no passado, de construir e perseguir uma estratégia de desenvolvimento nacional de longo prazo. Uma estratégia que permita defender a estrutura produtiva existente e avançar no sentido de fortalecê-la, e assim construir uma inserção internacional que se sustente em uma pauta de exportação mais qualifi cada, com produtos de maior valor agregado e intensidade tecnológica” (Política industrial do governo Lula, Texto para Discussão. IE/UNICAMP n. 181, julho 2010).
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Num sentido mais básico e elementar, o desenvolvimento
depende da produtividade
crescente do trabalho, que é infl uenciada diretamente pelos
avanços da indústria.
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A política industrial é um complexo de
instrumentos combi-nados (creditícios,
fi scais, técnicos, comer-ciais, regulatórios etc.)
que dependem de intenso, sistemático e
metódico processo de coordenação
de governo.
desonerações de IPI proporcionam seriam anulados
instantaneamente pela desvalorização do dólar ou a
Selic que marcham a galope. A política industrial então
atua na margem, nas brechas, ocupa espaços aqui e
ali, em instrumentos de apoio à inovação, no crédito
público e em pequenas mudanças de marcos legais
para desonerar investimentos e exportações, facilitar
o acesso da indústria à academia e vice-versa, tornar
mais fácil o empreendedorismo e gerar empregos mais
qualifi cados.
Outro gargalo da política industrial, este mais
conhecido e não menos complexo, é o modo como o
Estado brasileiro produz políticas públicas. A política
industrial é um complexo de instrumentos combinados
(creditícios, fi scais, técnicos, comerciais, regulatórios
etc.) que dependem de intenso, sistemático e metódico
processo de coordenação de governo. Por sua vez, a
coordenação governamental resulta (ou não) de outros
vetores: planejamento, liderança e projeto de governo.
Nem sempre esses fatores andam juntos, com a mesma
intensidade e proporção. O processo decisório público
é truncado, com inúmeras assimetrias de poder,
informação e capacidade técnica, por exemplo, entre o
Ministério da Fazenda e o insulado Banco Central e o
restante do governo. Vencer as dissonâncias cognitivas
e políticas exige um enorme esforço de interlocução,
não raro de manejo de pequenas e grandes vaidades
pessoais e sobretudo na defi nição de prioridades e
metas supraministeriais.
Felizmente temos caminhado para níveis cada
vez melhores de maturidade institucional. O Estado
brasileiro tem recuperado alguns instrumentos de
planejamento estratégico e prospectivo, a coordenação
acontece (ainda que com efeitos colaterais pesados),
e a gestão e as burocracias são mais profi ssionais. O
ritmo, entretanto, é lento e deixa a desejar.
O Plano Brasil Maior: uma nova política e
seus desafi os
Mas apesar da baixa qualidade das instituições e dos
problemas sistêmicos de infraestrutura, o Brasil reúne
condições ímpares entre os países de renda média.
Nosso mercado interno é extremamente grande e vem
ganhando milhões de novos consumidores graças à
ampliação e profundidade dos programas de renda
mínima e inclusão social. Apesar da clara tendência
de primarização da pauta exportadora, devemos
reconhecer que o boom asiático tem garantido
superávits crescentes da balança comercial. Além
disso, a Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), feita
pelo IBGE, tem revelado a existência de um núcleo
importante de empresas espalhadas pelo tecido
industrial com alta capacidade de inovação e níveis
de competitividade e produtividade comparáveis aos
padrões desenvolvidos. A agenda nacional contempla
eventos importantes para a indústria e o ambiente
de negócios em geral, como a Copa do Mundo em
2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. Além disso, em
alguns setores, como a exploração de petróleo e gás, as
perspectivas indicam grandes oportunidades.
A primeira consideração sobre a política industrial
lançada pelo Governo Dilma é o momento, diferente
do boom exportador que iniciava em 2004 e da PDP
anunciada antes da crise de 2008. A atual política vem
num momento de mais incertezas internacionais. A
instabilidade externa só aumenta o potencial negativo
de problemas conhecidos: apreciação cambial,
infraestrutura física e humana precárias e lento
progresso tecnológico da indústria de transformação,
entre outros problemas.
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A política tem duas dimensões, como o modelo
clássico de política industrial: um corte setorial
ou vertical com medidas específi cas para setores
prioritários (competitivos acima da média ou
vulneráveis) e um corte horizontal, com medidas
transversais e pervasivas. Na dimensão horizontal,
aparecem medidas como o incremento da defesa
comercial contra práticas desleais, o reforço dos
recursos destinados à inovação (em especial da Finep),
a formação e qualifi cação profi ssional, a produção
sustentável e o reforço aos mecanismos de incentivo
ao investimento, entre outros. Já nas políticas setoriais
a proposta classifi ca as várias cadeias produtivas
conforme a natureza do impacto das medidas. Assim,
no primeiro bloco, por exemplo, temos as cadeias do
petróleo e gás e indústria naval, do complexo de saúde,
do setor automotivo, da indústria aeronáutica e espacial,
de bens de capital, das tecnologias de informação e
comunicação e do complexo de defesa. Este bloco
seria o de maior coefi ciente de arrasto sobre o tecido
econômico, produzindo mais “transbordamentos”
sobre os demais setores em cada real investido ou
incentivado. Os demais blocos são classifi cados em
“intensivos em escala” , “sistemas intensivos em
trabalho” , “agronegócio” e assim por diante.
A nova política industrial apresenta diversas
“diretrizes estruturantes”: fortalecimento das cadeias
produtivas, ampliação de competências tecnológicas
e de negócios, desenvolvimento da cadeia de
suprimentos em energia, diversifi cação exportadora e
internacionalização e crescimento sustentável. Tanto
essas medidas ditas “estruturantes” quanto aquelas de
natureza “sistêmica” ou “horizontal” devem orientar a
formulação de um sem-número de iniciativas, ações e
projetos que deverão ser monitorados e avaliados para
produzirem efeitos concretos e irem além da retórica
das boas intenções. Sobretudo porque esta edição da
política mais do que dobrou as macrometas, agora são
10 metas de longo fôlego, como por exemplo, aumentar
de 53,7% para 65% o número de trabalhadores na
indústria com, pelo menos, o ensino médio, até 2014
ou ampliar o investimento de 18% para 22% do PIB no
mesmo período.
As medidas de maior impacto no curto prazo são as
seguintes:3
• Instrumentos fi scais: redução do IPI sobre bens
de capital e materiais de construção, devolução de
créditos tributários aos exportadores e criação de
regimes fi scais especiais para diversos setores;
• Instrumentos de crédito: manutenção das li-
nhas especiais do BNDES, inclusive para capital de
giro de pequenas e médias empresas, com taxas de
juros, prazos e condições mais favoráveis com mon-
tante previsto de R$ 75 bilhões;
• Desoneração da folha de pagamento para se-
tores selecionados, incluindo software;
• Regulamentação de uma política de compras
governamentais: complexo da saúde e complexo da
defesa;
• Recursos para a área de inovação: aumento
das disponibilidades fi nanceiras da Finep (mais R$
5 bilhões) e BNDES;
• Iniciativa para capacitação de recursos huma-
nos em engenharias no exterior, integrada com a
colocação no mercado de trabalho da indústria;
• Revisão de marcos regulatórios, em especial,
dos instrumentos de interação entre universidades,
centros de pesquisa e empresas industriais.
O modelo de governança repete a PDP de 2008 com
base nos Conselhos de Competitividade coordenados
pelo MDIC, reunindo os setores público e privado,
tendo como espelho os Conselhos Gestores que
funcionam como coordenadores intragovernamentais.
A novidade é a retomada do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Industrial (CNDI), que não se
reúne desde 2007 (formado por 13 ministros e 14
representantes da sociedade civil). Essa arena é
fundamental para debater e superar as divergências
dentro do governo e costurar consensos com o setor
privado.
3 A íntegra das medidas está no site http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/
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Não podemos esquecer que salvo alguns
instrumentos regulatórios e legais, o grosso dos
impactos de uma política industrial são instrumentos
de uso voluntário e estimulado. Caberá aos empresários
e investidores industriais aderirem ou não às propostas
do governo, inclusive ao modelo de governança
proposto. O núcleo dirigente da política será
coordenado pelo MDIC e composto pelos ministérios
do Planejamento, da Ciência e Tecnologia, da Fazenda,
além da Finep (entidade fi nanciadora), pelo BNDES e
pela ABDI, que será a Secretaria Executiva.
Uma política industrial consistente só tem sentido
se fi zer parte de uma estratégia mais ampla de
desenvolvimento, ou melhor, de reconstrução de um
projeto neodesenvolvimentista para o Brasil. Neste
quadro, os grandes desafi os estruturais e estratégicos
para continuar a consolidar a política industrial como
uma política permanente de Estado são:
(a) A política industrial, como qualquer política
pública, deve rapidamente adquirir o status de nor-
malidade na agenda governamental. Uma política
industrial perene e sistemática é muito mais que
uma “caixa de ferramentas” para salvar setores ame-
açados ou um leque de linhas de crédito bancário à
disposição dos investidores. Ela deve ter instâncias
decisórias formalizadas, como a política de saúde
pública; instituições capazes de formular e executar
suas diretrizes, como a política educacional; centra-
lidade nos projetos de desenvolvimento econômi-
co articulada com outras políticas, como a política
para o agronegócio ou de infraestrutura energética
e recursos orçamentários e não-orçamentários re-
gularmente destinados aos seus projetos.
(b) A política industrial exige por excelência solu-
ções de compromisso, acordos duradouros e credí-
veis entre atores públicos e privados. Para garantir
a existência de incentivos reputacionais num jogo
difuso onde custos e benefícios nem sempre são
transparentes, a estrutura de governança é funda-
mental. Dois aspectos são básicos: uma estrutura de
direção e planejamento profi ssionalizada, ampara-
da em burocracia pública de alto nível e uma auto-
ridade política derivada diretamente do centro de
governo capaz de coordenar e construir um projeto
sólido em ambientes de alta volatilidade política.
(c) Por fi m, é preciso dizer que a política industrial
é do tipo trial and error process, ainda mais porque
o centro estruturador é a inovação. As experiências
do Japão, Coréia, China e Índia, já exaustivamente
estudadas pela literatura, são únicas. Mesmo os
países originalmente industrializados trilharam ca-
minhos únicos e o Brasil precisa consolidar o seu,
combinando instrumentos, estratégias e princípios
com a política macroeconômica e os limites fi scais e
monetários defi nidos pelas circunstâncias da atual
conjuntura nacional. As capacidades de aprendiza-
gem, de sistematizar a refl exão crítica e de manter
um ambiente sadio de refl exões sobre os erros e su-
cessos são fundamentais.
Jackcson De Tonijackson.detoni@abdi.com.br
Economista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional (UFRGS) e
doutorando em Ciência Política (UnB). Gerente de Planejamento da
Agencia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Foi assessor
especial da Presidência da República (2003 – 2006) e Diretor Geral
da Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado Rio
Grande do Sul (1999 – 2002).
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A retomada da crise mundial e os seus impactos
na economia brasileiraJosé Matias Pereira
Está fi cando evidente que nenhuma economia
está imune aos efeitos dos recentes refl uxos da crise
na economia mundial. A recaída da economia mundial
- decorrente das medidas inadequadas adotadas
pelas lideranças políticas e econômicas para conter
a crise global que eclodiu nos Estados Unidos no
fi nal de 2008 – está colocando a sociedade mundial
novamente em alerta. Verifi ca-se, nesse contexto, que
os países desenvolvidos possuem espaço menor de
manobra diante da crise de dívida que atinge a Europa.
É preciso alertar, entretanto, que além das economias
dos Estados Unidos e dos países-membros da zona
do euro (países que adotam a moeda única na União
Europeia), os efeitos da crise também estão chegando
com intensidades diferentes nas quatro maiores
economias emergentes, os países Bric, bloco que inclui
Brasil, Rússia, Índia e China, sinalizando uma redução do
crescimento econômico e o aumento da infl ação.
É oportuno recordar que a crise aprofundou-se
a partir dos desdobramentos do recente impasse
político vivido entre o governo Barack Obama
(democrata) e o partido republicano, para autorizar a
elevação do nível de endividamento dos EUA e assim
evitar que o país deixasse de honrar os compromissos
com seus credores. O frágil acordo que resultou desse
desgastante enfrentamento político culminou com o
rebaixamento da nota de crédito dos EUA pela agência
de classifi cação de risco Standard & Poor’s. A crise
ampliou-se em seguida para os países do continente
europeu e para o resto do mundo, e provocou fortes
quedas nas principais bolsas de valores mundiais nos
primeiros deste mês de agosto.
Os recentes estudos e indicadores econômicos e
sociais divulgados no segundo semestre de 2011 por
diferentes instituições multilaterais (Banco Mundial,
FMI, OCDE, IBGE e BC) revelam que, apesar dos esfor-
ços feitos pelos governos das principais economias
mundiais nos últimos dois anos, notadamente pelos
Estados Unidos e os países da zona do euro, que a crise
econômica está se agravando no mundo. Neste artigo
daremos especial atenção aos relatórios divulgados
pelo Fundo Monetário Internacional, pelo IBGE e pelo
Banco Central.
A partir desse novo cenário, temos como propósito
analisar os efeitos da retomada da crise mundial no
desempenho da economia brasileira nos próximos
dois anos, tendo como referência as projeções dos
relatórios e indicadores mais recentes divulgados pelas
instituições internacionais e nacionais que tratam
desse tema.
A partir desse quadro, torna-se possível formular a
seguinte pergunta: É necessário promover mudanças na
política econômica brasileira para enfrentar os impactos
decorrentes do agravamento da crise mundial? Para
respondê-la, é necessário analisar os relatórios e os
dados que tratam da economia mundial, e também
examinar o nível de consistência do modelo econômico
em execução no governo Dilma (2011-2014), com base
nos indicadores do Banco Central (BC, 2011) e nas
contas nacionais (IBGE, 2011).
Buscamos, dessa forma, avaliar se a política
econômica em execução pelo governo Dilma Rousseff,
que procura estimular o crescimento econômico num
contexto de crise mundial, mantendo as taxas de juros
A retomada da crise mundial
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altas, a carga tributária elevada e as despesas correntes
em crescimento, apresenta-se capaz de manter o
crescimento da economia em patamares adequados.
Este artigo é essencialmente bibliográfi co,
descritivo e qualitativo. Ressaltamos que não temos a
pretensão de esgotar o assunto em análise. Este estudo
possui diversas limitações, notadamente diante de
difi culdade de avaliar a extensão e os efeitos colaterais
da retomada da crise econômica mundial, o que refl ete
nas suas conclusões.
Referencial teórico
A literatura revela que as contribuições do
marginalismo do século XIX e do keynesianismo e do
monetarismo no século XX foram signifi cativas para a
evolução da teoria econômica. Essas ideias refl etiram
fortemente na teoria e na prática das fi nanças públicas.
Para Keynes, os Estados têm como principal objetivo
adotar medidas para evitar os dois grandes males
característicos dos ciclos econômicos: o desemprego
e a infl ação. Junto com a política monetária, atribui-
se à política fi scal, portanto, um papel primordial na
obtenção da estabilização econômica (KEYNES, 1983).
Destacamos que este artigo está apoiado,
em termos do seu referencial teórico, nas teorias
keynesiana, neoinstitucionalista e na teoria das
fi nanças públicas (KEYNES, 1983; MUSGRAVE, 1959;
NORTH, 1997). É oportuno reafi rmar que as fi nanças
públicas de um país, de forma geral, estão orientadas
para as operações relacionadas com a receita, despesa,
orçamento e o crédito público. Preocupa-se, portanto,
com a obtenção, distribuição, utilização e controle dos
recursos fi nanceiros do Estado (MUSGRAVE; MUSGRAVE,
1980; MATIAS-PEREIRA, 2010b).
Instrumentos de intervenção do estado na economia
O Estado, conforme sustentam diversos autores,
como por exemplo, Musgrave e Musgrave (1980)
e Matias-Pereira (2011)2, promove, pela política
econômica, a intervenção na economia com o objetivo
de manter o crescimento econômico e os níveis de
emprego elevados, e os preços estáveis. Destacam-se
entre esses instrumentos as políticas fi scal e monetária.
Graças a elas é possível controlar, por exemplo, preços,
salários, infl ação, impor choques na oferta ou restringir
a demanda. Esses instrumentos e recursos utilizados
pelo Estado para intervir na economia podem ser
defi nidos da seguinte forma:
• Política Fiscal – envolve a administração e
a geração de receitas, além do cumprimento de
metas e objetivos governamentais no orçamento.
É empregada para a alocação, distribuição de
recursos e estabilização da economia. É possível,
com a política fi scal, aumentar a renda e o PIB e
aquecer a economia, com uma melhor distribuição
de renda.
• Política Monetária – envolve o controle da
oferta de moeda, da taxa de juros e do crédito em
geral, para efeito de estabilização da economia e
infl uência na decisão de produtores e consumidores.
Com a política monetária, pode-se controlar a
infl ação, preços, restringir a demanda etc.
• Política Regulatória - envolve o uso de
medidas legais como decretos, leis, portarias
etc., expedidos como alternativa para se alocar,
distribuir os recursos e estabilizar a economia.
Com o uso das normas, diversas condutas podem
ser banidas, como a criação de monopólios,
cartéis, práticas abusivas, poluição etc.
Efeitos da retomada da crise econômica mundial
Verifi ca-se que as inúmeras ações dos Estados de-
senvolvidos não foram capazes de resolver os graves
problemas existentes nos países desenvolvidos. A frá-
gil recuperação da economia dos EUA e dos países da
União Europeia, agravada pela crise fi scal instalada em
Portugal, Grécia, Espanha e Itália, indicam que o mundo
está à beira de uma à recessão. A demora na adoção
de medidas consistentes por parte dos dirigentes mun-
diais está contribuindo para aumentar as desconfi an-
ças dos mercados.
2 MATIAS-PEREIRA, José. Os efeitos colaterais da crise mundial no crescimento da economia brasileira. Revista de Conjuntura, nº 44, outubro-março, p. 18-31, 2011.
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Os impactos decorrentes da retomada da crise vie-
ram confi rmar que o processo de crescimento econô-
mico no mundo continuará lento nos próximos anos,
com efeitos perversos sobre o emprego e a renda das
populações mundiais. Pesa nesse contexto de crise a
fragilidade que vem sendo demonstrada pelas lideran-
ças mundiais na condução da crise nos últimos meses.
Esse cenário pode ser mensurado com os dados mais
recentes divulgados pelas principais instituições mul-
tilaterais, em especial o Fundo Monetário Internacional
(FMI).
Perspectivas de crescimento da economia
mundial em 2011e 2012
O relatório do Fundo Monetário Internacional
(setembro de 2011) aponta para uma signifi cativa
redução das perspectivas de crescimento da economia
mundial em 2011 e 2012 (World Economic Outlook—
Update 2011), em função dos efeitos da retomada da
crise na economia global. As projeções foram revistas
pelo FMI, para baixo, em decorrência da crise na
Europa, fraco consumo e investimentos nos Estados
Unidos, terremoto no Japão, alta dos preços do
petróleo e instabilidades políticas no Oriente Médio, na
denominada Primavera Árabe.
De acordo com o panorama das projeções feitas
pelo Fundo, a economia mundial deverá continuar em
ritmo lento em função de sua considerável fragilidade.
As previsões de crescimento foram fortemente reduzidas
para os Estados Unidos, que alcançará apenas 1,6% em
2011 (ante 2,2% estimados em junho de 2011) e a 1,9%
em 2012 (ante 2,6% da projeção anterior). No caso da
Europa, as perspectivas são de 1,6% de crescimento em
2011 contra os 2% previstos anteriormente.
Observa-se que o país que teve a reavaliação mais
pessimista por parte do FMI, entre todas as economias
mundiais, foi os Estados Unidos. O relatório aponta
que a atividade econômica norte-americana (que
havia crescido 3% em 2010) perdeu o seu dinamismo
e a redução do ritmo foi mais forte do que o previsto.
O crescimento dos Estados Unidos, para o Fundo, será
inferior ao da média dos países desenvolvidos. Para
o FMI, o governo dos EUA precisa estabelecer como
prioridade absoluta um programa orçamentário que
permita ao país colocar a dívida pública em um nível
viável a médio prazo e apoiar a recuperação a curto prazo.
O Fundo também revisou suas previsões de
crescimento para a zona do euro (de 2% a 1,6% em
2011, e de 1,7% a 1,1% em 2012), o que confi rma a
desaceleração do crescimento devido à crise da dívida
soberana na região. Assim, a Europa luta contra uma
renovada volatilidade nos mercados e riscos crescentes
de instabilidade fi nanceira. O Fundo recomenda que o
Banco Central Europeu (BCE) baixe ainda mais sua taxa
básica de juros se as ameaças de calote persistirem.
Apesar de as políticas fi scais previstas nas economias
da zona do euro serem apropriadas, o Fundo prevê a
necessidade de mais reformas, visto que as turbulências
fi nanceiras atuais são um obstáculo para a atividade
econômica ao provocar uma queda na confi ança e no
fi nanciamento.
Para o FMI, caso os dirigentes ocidentais mantenham
seus compromissos, o crescimento da economia mundial
poderá alcançar 4,0% em 2011 e uma cifra similar em
2012. Previu, entretanto, que se o compromisso não for
mantido, Europa e Estados Unidos poderão voltar a entrar
em recessão.
O crescimento mundial, por sua vez, será
impulsionado principalmente pelos países asiáticos em
desenvolvimento, que poderão crescer até 8,2% este
ano e por outras economias emergentes. O FMI alerta,
entretanto, que os riscos à estabilidade fi nanceira
em todas essas economias emergentes devem ser
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De acordo com o panorama das
projeções feitas pelo Fundo, a economia
mundial deverá continuar em ritmo lento em função de
sua considerável fragilidade.
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monitorados por algum tempo, devido ao grande
volume de crescimento de crédito nos últimos cinco
anos. Assim, avalia que, no geral, a perspectiva para as
economias emergentes voltou a ser “incerta”, em parte
como refl exo de um cenário mundial menos favorável,
especialmente nos Estados Unidos e na Europa.
Registre-se que o FMI, apesar de rever para baixo
as projeções, continua a acreditar na expansão da
economia mundial nos próximos anos. Isso faz com
que se descarte, por ora, o cenário de novo mergulho
recessivo. Alerta o Fundo, entretanto, que a confi rmação
desse cenário depende de a Europa conter a crise na
sua periferia, de o Congresso dos EUA tomar as medidas
que garantam a solvência fi scal do país no longo prazo
sem prejudicar os estímulos à demanda agregada
no curto prazo e de a volatilidade nos mercados não
crescer ainda mais.
Perspectivas de crescimento da economia brasileira em 2011 e 2012
No tocante ao Brasil, o FMI (setembro de 2011) fez uma
revisão para baixo da perspectiva para este ano, que caiu
de 4,1% para 3,8%. Para 2012, a instituição manteve a pre-
visão de crescimento de 3,6% do Produto Interno Bruto
(PIB) brasileiro. Observa-se que as projeções do Fundo
estão próximas das expectativas do mercado fi nancei-
ro brasileiro, que sinaliza um crescimento de 3,52% em
2011 e de 3,7% em 2012 (BC, Relatório Focus, 19 de se-
tembro de 2011).
A projeção da infl ação brasileira, para o FMI, deverá
alcançar 6,6% em 2011, e retroceder a 5,2% em 2012. O
FMI voltou a alertar para os riscos decorrentes do rápi-
do aumento do crédito e de preços e da forte entrada
de capital estrangeiro verifi cados no Brasil e em muitas
economias da América Latina após a crise mundial de
2008. A expectativa do mercado fi nanceiro nacional é
de que a infl ação chegue a 6,46% em 2011 e a 5,5% em
2012 (BC, Relatório Focus, 19 de setembro de 2011).
O crescimento da economia brasileira, conforme
assinala o relatório do FMI, já está começando a fi car
moderado, com a atividade econômica se expandindo
4% no primeiro semestre, comparada com 7,5% em
2010. No curto prazo, estima-se que o crescimento de-
sacelere abaixo do potencial e traga a infl ação de volta
à meta, refl etindo, em parte, o cenário externo menos
favorável. O Fundo também está prevendo um aumen-
to do desemprego no país de 6,7% em 2011 para 7,5%
no próximo ano. O número, de acordo com o órgão, se
manteve estável entre 2010 e 2011, mas começará a
avançar devido à piora do cenário econômico, à queda
do consumo e à desaceleração da atividade industrial.
O Brasil, conforme descrito no Quadro 1, terá o se-
gundo menor crescimento na América do Sul neste
ano, fi cando atrás somente da Venezuela (com pre-
visão de 2,8%) e abaixo da média da região, de 4,9%.
Quadro 1. Crescimento da América do Sul em 2011 e 2012 (em %)
País 2011 2012
Brasil 3,8 3,6
Argentina 8,0 4,6
Colômbia 4,9 4,5
Venezuela 2,8 3,6
Peru 6,2 5,6
Chile 6,5 4,7
Equador 5,8 3,8
Uruguai 6,0 4,2
Bolívia 5,0 4,5
Paraguai 6,4 5,0
Registre-se que medidas para restringir a con-
cessão de crédito estão entre as ferramentas usadas
pelo governo brasileiro para tentar controlar a infl a-
ção. Desde 2010, o governo também já adotou diver-
sas medidas para tentar conter o fl uxo excessivo de
capital estrangeiro, que provoca a valorização do real
ante o dólar e acaba reduzindo a competitividade das
exportações brasileiras. Apesar de reconhecer essas
medidas adotadas pelo governo, o FMI recomenda
que o Brasil e outros países também tenham como
uma de suas prioridades a reversão do défi cit público.
É relevante destacar que no cenário atual, com a
perspectiva de redução nos preços de commodities, a
economia brasileira, ao lado da Rússia, está em posição
mais vulnerável. Nesse contexto, dentre as economias
emergentes, tanto o Brasil como a Rússia encontram-
se numa situação desfavorável no caso de ocorrer uma
elevação duradoura do dólar em relação às cotações de
matérias-primas. É previsível que uma queda nos preços
das commodities deverá causar impacto negativo na
oferta de liquidez da economia brasileira, e o efeito
dessa redução atingiria o mercado de ações e crédito.
Fonte: FMI
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É relevante destacar que no cenário atual, com a perspectiva de redução nos preços de commodities, a
economia brasileira, ao lado da Rússia, está
em posição mais vulnerável.
Discussão sobre os indicadores da economia
brasileira em 2010
Em relação a igual período de 2009, o Produto
Interno Bruto do Brasil (PIB), no acumulado no ano
de 2010, variou 7,5%, resultado do crescimento de
6,7% no valor adicionado e 12,5% nos impostos. Nessa
comparação, a agropecuária (6,5%), a indústria (10,1%)
e os serviços (5,4%) cresceram. Dessa forma, com base
nas informações das Contas Nacionais Trimestrais, em
2010 (IBGE, 2011), o PIB em valores correntes alcançou
R$ 3,675 trilhões. O PIB per capita fi cou em R$ 19.016,
apresentando uma alta de 6,5% em volume, em relação
a 2009 (R$ 16.634). Na década encerrada em 2010, o PIB
per capita registrou crescimento anual médio de 2,4%,
acima da média dos anos 1990, quando cresceu, em
média, 1,1% ao ano.
Registre-se que, benefi ciado pela baixa base de
comparação de 2009, o crescimento acumulado do
PIB em 2010 é o mais elevado desde 1986 (também de
7,5%). Entre 2001 e 2010, o crescimento anual médio foi
de 3,6%, acima do registrado na década anterior (1991-
2000), quando o PIB a preços de mercado cresceu, em
média, 2,6%. O crescimento de 7,5% do PIB em 2010
permitiu que o Brasil se tornasse a oitava economia do
mundo.
A arrecadação de tributos pelo Estado brasileiro
em 2010, no montante de R$ 1,233 trilhão, representou
33,5% do PIB. A União foi responsável pelo recolhimento
de 23,46% do PIB, os estados 8,47% e os municípios
1,63% das riquezas do país. Observa-se que o nível da
carga tributária naquele ano se mantém inalterado,
com ligeiras oscilações, desde 2005. Os tributos com
maior arrecadação como proporção do PIB em 2010
foram o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS), cobrado no âmbito estadual, num total
de R$ 256,8 bilhões (21,09% do PIB), e em seguida o
Imposto de Renda, em nível federal, num total de R$
213,4 bilhões (17,53% do PIB).
Recorde-se que a infl ação, com base no índice
nacional de preços ao consumidor amplo (IPCA), em
2010 alcançou 5,91%, ultrapassando o centro da meta
de infl ação fi xada para aquele ano que era de 4,5%.
Deve-se observar, inicialmente, que o forte
crescimento do PIB do Brasil em 2010 teve como base
de comparação um crescimento negativo da economia
em 2009. A produção brasileira em 2011, em particular
da indústria, deverá ser bastante fraca em comparação
com o desempenho de 2010. Recorde-se que em 2009,
o PIB da indústria caiu 5,5% e, em 2010, teve alta de
10,1%. Entretanto, caso ocorra uma expansão de 4,5%
do PIB em 2011, como assinalam as projeções das
instituições internacionais e nacionais, o crescimento
na demanda doméstica será de 6,7%. Esse dado é
preocupante, visto que revela que a economia não
se encontra em desaceleração. Assim, levando-se em
consideração que essa demanda é quase a mesma que
foi registrada em 2008, quando a economia ainda se
encontrava num ritmo forte, os riscos de elevação da
infl ação estarão presentes em 2011 e 2012.
O Brasil possui no seu elenco de fragilidades,
na atualidade, o baixo desempenho na balança de
pagamentos. Por isso, é essencial que o governo
adote medidas consistentes em 2011 para reduzir a
fragilidade externa de um país, com vistas a alcançar
superávits signifi cativos na balança comercial. Nesse
setor, o país vem tendo um desempenho preocupante,
conforme revelam os indicadores mais relevantes do
balanço de pagamentos de 2010. O desempenho da
balança comercial indica que o país em 2010 exportou
US$ 201,9 bilhões, e importou US$ 181,6 bilhões, o que
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resultou num superávit de apenas US$ 20,2 bilhões.
Registre-se que a conta de transações correntes do
balanço de pagamentos apresentou um resultado
negativo de US$ 47,5 bilhões em 2010.
Conclusão
Conforme evidenciam os indicadores econômicos
e sociais mais recentes divulgados por diferentes insti-
tuições multilaterais mundiais, em especial o FMI, além
dos EUA, os países da zona do euro estão sentindo, em
escalas distintas, os efeitos dos refl uxos da crise, espe-
cialmente na deterioração do mercado de trabalho e
da renda. Esse cenário é corroborado pelos analistas
que medem a percepção atual do mercado, que assina-
lam que todo o esforço feito pelo Federal Reserve (Fed,
o banco central americano) não será capaz de ativar a
economia dos EUA. A confi guração desse cenário aju-
daria a colocar o mundo em recessão.
Observa-se em relação à União Europeia que, ape-
sar dos esforços feitos pelos governos da Alemanha e
França e pelo Banco Central Europeu para resolver as
questões envolvendo a crise soberana da zona do euro,
por meio da concessão de elevados empréstimos os
países em crise, e assim amenizar a desaceleração das
economias, os resultados não são animadores. A crise,
que na sua origem era um problema de liquidez dos
bancos, transformou-se numa crise fi scal em importan-
tes países da União Europeia, como Espanha e Itália.
A existência de um sentimento de frustração dos
cidadãos na União Europeia, na medida em que a so-
ciedade verifi ca a inefi ciência de seus governantes
para enfrentar a crise de maneira adequada – fator que
vem causando desaceleração do crescimento econô-
mico, reduzindo as receitas públicas e aumentando o
nível de desemprego - é um fenômeno preocupante. A
crescente insatisfação das populações, traduzidas nas
pesquisas de opinião pública e nas manifestações de
protestos contra as medidas de austeridade que estão
sendo adotadas na Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha,
Reino Unido, Itália, França e Alemanha, são ameaças
que pairam sobre a região, pois caso se intensifi quem
podem refl etir na governança e mesmo na governabili-
dade em alguns daqueles países, o que coloca em dúvi-
da a própria sobrevivência da União Europeia.
Quanto ao Brasil, como decorrência dos efeitos da
retomada da crise mundial, haverá uma sensível redução
do crescimento da economia brasileira em 2011 e 2012,
provocada pela desaceleração na indústria e pelas
medidas adotadas pelo governo para conter a infl ação.
Argumentamos, por fi m, que o modelo econômico
executado no Brasil é contraditório, na medida em
que busca conciliar crescimento econômico, elevadas
taxas de juros reais, aumento do superávit primário e
avanços nas contas fi scais.
Diante desse cenário de turbulência na economia
mundial, pode-se argumentar que o governo
brasileiro, ao lado da sociedade, precisa preparar-se
de maneira adequada para enfrentar os complexos
problemas socioeconômicos e políticos que o Brasil
terá que enfrentar nos próximos anos. Nesse sentido,
precisa elevar o nível de consistência da política
econômica, usar com mais intensidade a política
fi scal e reduzir a importância da política monetária.
Para isso é recomendável que aprofunde os cortes
nos gastos correntes do setor público, priorize os
investimentos em setores estratégicos, diminua
tributos, em particular os impostos indiretos, reduza o
serviço da dívida, dê continuidade aos cortes na taxa
de juros e controle a infl ação, entre outras medidas.
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O Brasil possui no seu elenco de fragilidades, na
atualidade, o baixo desempenho na
balança de pagamen-tos. Por isso é essen-cial que o governo
adote medidas consis-tentes em 2011 para reduzir a fragilidade externa de um país...
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José Matias Pereira matias@unb.br
Economista, advogado, doutor em ciência política (UCM-Espanha),
pós-doutor em administração pela FEA/USP, é professor-pesqui-
sador associado do programa de pós-graduação em contabili-
dade da Universidade de Brasília. Autor, entre outros, de Curso de
Administração Pública, 3. ed. São Paulo:
Atlas, 2010; Finanças Públicas: A política orçamentária no Brasil, 5. ed.
São Paulo: Atlas, 2010; e, Curso de Administração
Estratégica, São Paulo: Atlas, 2011.
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Evolução recente e perspectivas da economia brasileira
Raul Velloso
Na virada de 2002 para 2003, a dívida pública
herdada das fases anteriores era bastante elevada.
Seu componente externo era alto, e o estoque de
reservas internacionais, baixo. Com base nas elevadas
taxas de juros reais praticadas à época e nas baixas
taxas de crescimento do PIB que resultavam, exercícios
de projeção da razão entre a dívida pública e o PIB
geravam trajetórias sempre ascendentes dessa razão,
mesmo sob taxas de câmbio estáveis e superávits
fi scais relativamente elevados.
A projeção implícita da repetição do quadro de
crises periódicas e suas consequências da fase pré-
2003 trazia às mentes dos analistas uma sequência de
efeitos desfavoráveis e interligados: temor de calote,
fuga de capitais, choques altistas nas taxas de câmbio,
fortes pressões infl acionárias, elevações das taxas
de juros, desaceleração da economia e agravamento
do quadro de insolvência pública. Isso ocorreu, por
exemplo, nos momentos fi nais da gestão Fernando
Henrique Cardoso, quando, para piorar, eram grandes
os temores de que o novo governo viesse a repudiar
os compromissos fi nanceiros herdados da fase
precedente.
No Brasil, o crescimento econômico é puxado,
basicamente, pelo consumo. Internamente, o
crescimento do consumo é induzido, por sua vez, pela
ação do setor público, que extrai uma elevada carga
tributária comparativamente ao resto do mundo,
para uso predominante em gastos correntes, por aqui
bastante rígidos – e esses gastos são concentrados em
transferências a pessoas. Daí a principal difi culdade
de gerar saldos fi scais mais elevados e capazes de
colocar nas mãos das autoridades, na altura de 2002-
2003, o controle da evolução da razão dívida-PIB. O
fato é que, por volta de 2003, apesar de ser grande o
potencial de crescimento da demanda, o país parecia
impedido de crescer a taxas mais elevadas do que
2,7% ao ano, por causa dos efeitos desfavoráveis dos
sucessivos choques a que era submetido, conforme
descrito. Estávamos diante de num círculo vicioso no
qual a trajetória futura da razão dívida-PIB apontava
para cima, os superávits fi scais pareciam ter atingido
um limite superior difícil de ultrapassar, a sensibilidade
da dívida a choques cambiais era muito elevada, e o
crescimento da economia oscilava, entre os sucessivos
choques, ao redor de uma taxa média incapaz de diluir
o impacto expansionista dos demais fatores sobre a
dívida pública.
Choque favorável e fi m do círculo vicioso
Já na fase 2003-2008, foram-se os choques
desfavoráveis anteriores. O IBGE havia divulgado
nova série do PIB com valores 10% acima dos da série
anterior, e o crescimento do país passou a ser também
impulsionado pelo forte aumento da demanda e dos
preços externos de commodities agrícolas e minerais,
confi gurando-se um inédito choque favorável para as
economias produtoras dessas commodities. Graças ao
choque de preços externos, ao cada vez maior ingresso
de capitais, e à ausência de crises como as que ocorriam
frequentemente até 2003, a disponibilidade de dólares
aumentou fortemente, as taxas de juros internas
e a taxa de câmbio passaram a cair seguidamente,
enquanto as reservas internacionais aumentavam em
ritmo elevado. Foi possível, então, reduzir rapidamente
a parcela da dívida pública em dólares, até torná-la
inferior ao estoque de reservas (isto é, a dívida pública
líquida de reservas se tornou negativa a partir de um
certo ponto). Em consequência, passamos de uma taxa
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média de crescimento do PIB um pouco abaixo de 3%
a.a. para uma expectativa de crescimento potencial ao
redor de 4,5% a.a., mesmo na ausência de reformas
estruturais capazes de aumentar os saldos fi scais de
forma sustentável. Por vários motivos, a receita pública
passou a crescer a taxas mais elevadas que as do
PIB, o que propiciou explicitar de forma mais clara a
operação do velho “modelo” de crescimento dos gastos
correntes, juntamente com alguma recuperação dos
investimentos e com a obtenção de algum aumento
dos superávits fi scais. Consequentemente, a razão
dívida-PIB, em vez de continuar subindo, passou a cair
sistematicamente, e afastou os temores relacionados
com insolvência pública no Brasil.
Pressões de demanda, gargalos, infl ação e juros altos
De 2003 a 2008, e de 2010 até há bem pouco, o
mundo testemunhou, então, um expressivo aumento
da demanda por commodities e uma forte subida dos
preços respectivos, que se somou ao forte impulso
interno derivado dos gastos públicos correntes.
Nesse quadro, o crescimento do consumo se espalha
pelos vários setores da economia e tende a gerar os
seguintes efeitos principais: redução do crescimento
das exportações de commodities, forte aumento das
importações de produtos industrializados (cujos
preços externos vêm caindo há vários anos com
a inundação dos produtos de origem asiática), e
pressões infl acionárias localizadas principalmente
no setor de serviços. Essas pressões ocorrem em que
pese a transferência de recursos da indústria local e do
exterior para os setores de serviços e/ou commodities,
cuja rentabilidade tende a aumentar em comparação à
dos demais.
Os investimentos privados tendem, assim, a se
concentrar em commodities e serviços em detrimento
da indústria. As estatísticas disponíveis têm mostrado
a grande perda de participação da indústria de
transformação no PIB gerado no país nos últimos anos,
algo que se costuma chamar de “desindustrialização”,
com dramáticas consequências para a rentabilidade
dos capitais e para o emprego industrial. Em que
pese isso, é no setor de serviços que as carências
de investimento se acumulam, porque, apesar da
atração natural de investir nessa área que é dada pelo
crescimento da demanda e pela impossibilidade de se
atender a esse aumento via importações, é nele que se
concentram as atividades de investimento nas quais
o setor público predomina e nas quais há resistência
política à entrada de capitais privados, mormente em
transportes. E como o setor público concentra seus
gastos em despesas correntes (além de haver uma forte
resistência política ao aumento da participação privada
em certos setores), verifi ca-se óbvio subinvestimento
na infraestrutura brasileira, apesar de sua atratividade
natural. (Enquanto isso, na China, com poupança
excessiva, se dá o contrário: lá os analistas destacam um
óbvio superinvestimento em infraestrutura).
Não é por outro motivo que, mesmo tendo caído
desde 2003, as taxas de juros continuam ainda tão
elevadas no Brasil. Num certo ponto, o processo de
queda empaca, exatamente quando o Banco Central é
levado a subir de novo a taxa básica de juros, a Selic,
diante de pressões infl acionárias oriundas do setor de
serviços, que projetam uma infl ação média acima do
intervalo de metas. Isso atrai capitais de curto prazo do
exterior que, em conjunto com os que vêm para comprar
ou expandir empresas, além da aquisição de ações em
bolsa, têm acentuado a tendência recente à apreciação
cambial (redução do preço do dólar expresso em reais).
A tendência à apreciação é retratada pelo aumento
‘‘
‘‘
No Brasil, o crescimen-to econômico é puxado,
basicamente, pelo consumo. Internamente,
o crescimento do consumo é induzido, por
sua vez, pela ação do setor público, que extrai uma elevada carga tribu-tária comparativamente
ao resto do mundo....
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dos preços dos setores que não comercializam com o
exterior em relação aos preços médios dos segmentos
que com ele comercializam.
Em suma, os juros ainda não caíram mais porque,
mesmo sem os choques externos ao estilo dos da
fase pré-2003, que requeriam aumento dessas taxas
para o país se contrapor aos choques cambiais, o
crescimento da demanda agregada oriundo das
fontes acima indicadas, e a partir de certo ponto, leva
a pressões de preços excessivas no setor de serviços,
onde se acumulam os conhecidos gargalos da área de
transportes. Essas pressões são atenuadas pela queda
dos preços externos da indústria e pela apreciação
cambial, mas são reforçadas pela alta dos preços
externos das commodities. O efeito líquido fi nal tem
sido o de produzir, numa certa altura, expectativas
infl acionárias acima da meta ofi cial, o que leva, em
seguida, à ação corretiva do Banco Central, ou seja,
à elevação da taxa Selic até que as expectativas se
redirecionem para o centro do intervalo de metas de
infl ação no período em que o BC considera aceitável
que isso ocorra. Assim, ciclos de subida se seguem
a ciclos de queda da taxa Selic, o que tem impedido
que as taxas de juros em vigor no Brasil se aproximem
mais das taxas médias internacionais. Nesses termos, a
estimativa da taxa de crescimento sustentável do PIB
aumentou, na fase 2003-2008, mas não tanto quanto
poderia, passando dos 2,7% médios pré-2003 para
cerca de 4,5% ao ano.
Dada a demanda externa, a saída básica do
problema dos juros altos e de o crescimento do PIB
fi car abaixo do que se desejaria é aumentar o esforço
de ajuste fi scal do país e, ao mesmo tempo, aumentar
o peso dos investimentos, especialmente em serviços
de transportes, no gasto público total, além de,
obviamente, melhorar a qualidade daqueles, e de
mudar a postura política pouco amigável em relação
à entrada de capitais privados na infraestrutura. Dessa
forma, abrir-se-ia maior espaço para os gastos privados
se expandirem e reduzir-se-iam os gargalos existentes
por insufi ciência ou baixa qualidade dos investimentos
públicos.
A crise de 2008/2009 criou a oportunidade para uma
acentuada queda nas taxas de juros internas, que não
foi aproveitada integralmente pelo governo. Ao eclodir
a crise no Brasil em fi ns de 2008, houve forte queda da
demanda externa por nossos produtos, o que levou
à derrubada instantânea da produção industrial em
vários países. Em vez de concentrar a reação à queda
de demanda na recuperação da demanda privada, via
basicamente uma forte queda da taxa Selic, o governo
decidiu combinar maiores gastos públicos e forte
desoneração tributária com alguma queda da taxa de
juros, entre outras medidas de alívio monetário. Nesses
termos, quando a crise se arrefeceu e a demanda
agregada brasileira voltou a crescer mais, em pouco
tempo retornaram as mesmas pressões infl acionárias
do período precedente, e o Banco Central teve de subir
a Selic antes que seu valor real tivesse alcançado níveis
mais próximos dos de outros países emergentes.
De 1996 a 2007, o consumo da maior economia,
os Estados Unidos, cresceu em média a 3,6% ao ano,
algo inédito na história daquele país. Isso puxou,
conjuntamente com os demais países desenvolvidos, o
forte crescimento do PIB chinês, entre 9 e 10% ao ano,
na mesma fase. Passado o auge da crise, foi divulgada
a estimativa preliminar de que o consumo americano
teria crescido à média de 2,1% ao ano do fi nal de 2009
até meados de 2011, o que demonstrou uma relevante
recuperação da queda de crescimento do consumo
observada anteriormente. (Entre o fi nal de 2007 e o
início de 2009, a taxa média estimada preliminarmente
havia sido fortemente negativa: -2,2%). Diante da
constatação que acaba de ser divulgada, de que, na
verdade, o consumo daquele país cresceu bem menos
desde 2008, o Banco Central brasileiro parece, agora,
acreditar que se abrirá outra janela semelhante. Tanto
que, ao risco de perda de reputação, mas amparado
nas declarações ofi ciais de mudança da postura fi scal
expansionista, resolveu iniciar a queda de juros, sem ter
certeza de que haverá mesmo esse cenário.
Os dois gráfi cos contêm informações recentes das
expectativas de mercado, divulgadas semanalmente
pelo Banco Central, sobre a infl ação e sobre o PIB
esperados em 2011-2015. Como se vê, diante do
agravamento do quadro infl acionário que se detecta
há alguns meses e das mudanças tanto do quadro
externo como da reação de política interna, os analistas
de mercado projetam piora da infl ação e redução da
taxa de crescimento esperada para o PIB.
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Gráfi co 1: Expectativas de mercado sobre a infl ação em 2011-15(em %)
Gráfi co 2: Expectativas de mercado sobre o PIB em 2011-15(em %)
Economista formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Uerj). Mestre pela FGV e Yale University. PhD em economia pela Yale
University (1981). Professor da Uerj (1979-1980) e Escola Nacional de
Administração Pública (Enap). No Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) foi Coordenador de Setores e de Áreas (1981-1984).
No Ministério do Planejamento foi Secretário Nacional Adjunto
(1990-1991) e Secretário para Assuntos Econômicos (1985-1989).
Foi membro do Conselho de Administração do BNDES, da Embraer
e do IBGE. Atualmente é consultor econômico de empresas, bancos,
organismos multilaterais e entidades públicas, além de colunista dos
jornais O Estado de São Paulo e O Globo.
Raul Vellosoraul_velloso@uol.com.br
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Carlos Eduardo de Freitas, José Fernando Cosentino Tavares e
José Luiz Pagnussat
Continuação da crise
Introdução
O Grupo de Conjuntura vem estudando desde
agosto o prolongamento da crise de 2008, assunto
que foi escolhido como tema desta edição da Revista.
Debateu-se, de início, sobre como tratar a questão:
se como um segundo mergulho da economia
mundial, desdobramentos da mesma crise, ou ainda,
sua continuação. Em prol do consenso entre os
participantes do grupo, fi camos com a “Continuação da
Crise” .
De qualquer forma, ainda não está descartado
o segundo mergulho, entendido como uma nova
recessão dos países ricos (caracterizada tecnicamente
por queda do Produto Interno Bruto - PIB - em
dois trimestres consecutivos), depois de uma curta
recuperação da recessão de 2008/2009. Correm esse
risco os Estados Unidos e principalmente a Europa,
mesmo que se encontre uma solução ordenada para
o problema da dívida soberana, porque os esforços
de ajustamento terão inevitavelmente resultado
recessivo. A China deverá moderar discretamente o
ritmo de expansão econômica. No Brasil, as intenções
do governo estão fi rmemente voltadas para garantir
taxa de crescimento compatível com, digamos, as
aspirações da população.
Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo
Monetário Internacional (FMI), tem-se destacado como
um dos teóricos da crise atual. Ele chamou a atenção
para o processo de “desalavancagem” que a economia
global está vivendo, rotulando de “grande contração”,
e não de recessão, o prejuízo causado pela bolha dos
ativos. Rogoff argumenta, com fundamento na análise
de crises anteriores com as mesmas características,
que a única maneira prática para encurtar o período
de desalavancagem e baixo crescimento seria uma
infl ação persistente, da ordem de 6% a.a., por vários
anos, para transferir renda de credores para devedores.
Segue-se uma síntese da análise dos principais
cenários da crise econômica mundial, debatidos
no Grupo de Conjuntura do Conselho, com foco na
situação dos países da União Europeia, EUA e China e
os refl exos para o Brasil.
Eurolândia
As principais variáveis ou preocupações
consideradas na análise do grupo foram o aumento
do risco soberano com o crescente endividamento e
défi cits públicos de países europeus e a propagação
da crise no sistema fi nanceiro internacional como um
todo, dada a exposição do sistema bancário europeu
à dívida soberana da Zona do Euro, em especial de
Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (PIIGS).
Os dados fi scais mostram que a maioria dos países
da Zona do Euro está com indicadores acima do limite
estabelecido pelo Tratado de Maastricht para o défi cit
público (3% do PIB) e dívida pública (60% do PIB).
Observa-se que esse descontrole fi scal surgiu,
principalmente, após a crise fi nanceira de 2008. Até
2007, a maioria dos países tinha défi cits basicamente
dentro do limite1, exceção à Grécia, que já apresentava
défi cit público elevado. Entretanto, a dívida pública
bruta já se encontrava alta para a maioria dos países,
com destaque para Grécia e Itália, que tinham dívida
pública acima de 100% do PIB.
1 Itália e Portugal também apresentaram défi cits fi scais acima dos 3% do PIB do Tratado de Maastricht a partir de 2001, embora não nos níveis da Grécia.
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A Grécia, que defl agrou a crise e iniciou o efeito
dominó, aparentemente não estava sendo monitorada
pelas autoridades da Zona do Euro. Constata-se a
ausência de mecanismos de coordenação fi scal e a não-
aplicação dos poucos mecanismos de controle, como
as penalidades previstas no Pacto de Estabilidade e
Crescimento, que previa limites para desencadear ações
corretivas e sanções, como depósito compulsório inicial,
convertido em multa de até 0,5% do PIB ao país que
não estivesse cumprindo, por três anos consecutivos, o
limite do défi cit fi scal2.
Pode-se dizer que havia até um conluio entre os
países ricos da região e os mais pobres. Estes países têm
défi cits gêmeos, com saldos em conta-corrente muito
negativos e garantiam os superávits dos primeiros.
O fato é que alguns países se endividaram muito
(setor público e/ou setor privado) com o advento do
euro, e isso criou uma ilusão no mercado, como se
esses países fossem parte daquela que é de fato a
potência econômica da região, a Alemanha. Resultado:
o mercado reduziu signifi cativamente os prêmios
de risco soberano desses países, o que favoreceu o
endividamento.
Após a crise de 2008, com a aceleração do
endividamento e a ampliação do desequilíbrio das
contas públicas dos países da região, há um temor de
insolvência que envolve não só os países mais pobres
(PIIGS), mas também os bancos dos países mais ricos.
O aumento do défi cit e da relação dívida/PIB, após
2008, decorre, em parte, do esforço fi scal empreendido,
no sentido de neutralizar o processo recessivo que
se instalou na maioria dos países europeus, além dos
elevados custos de socorro às instituições fi nanceiras
em difi culdades, afetadas pela crise do subprime.
A estratégia de enfrentamento da crise em 2008
e 2009 foi adotada de forma coordenada em âmbito
mundial, com grandes pacotes de ajuda fi nanceira,
para neutralizar a propagação do colapso do sistema
fi nanceiro e evitar uma crise bancária de maiores
proporções. Tinha o objetivo também de reduzir o
impacto da crise na economia real e assim evitar a
depressão econômica.
A conseqüência da estratégia de enfrentamento da
crise foi um aumento signifi cativo do endividamento
público. Os países da Zona do Euro elevaram o seu
défi cit público médio de 0,7% do PIB em 2007 para
6,0% em 2010. A dívida pública pulou de 66,2% para
85,1%, no período. Observa-se, também, a deterioração
das contas públicas de importantes países da União
Europeia, do Japão e dos EUA. O défi cit público do
Reino Unido cresceu de 2,7% do PIB em 2007 para
10,4% do PIB em 2010 e a dívida pública quase dobrou,
passando de 44,5% do PIB para 80%. O Japão teve
elevação substancial do seu défi cit (de 2,4 para 9,2%
do PIB) e dívida pública (187,7% para 220% do PIB). O
mesmo ocorreu com os EUA: o défi cit cresceu de 2,7%
para 10,3%, e a dívida de 62,3% para 94,4% do PIB no
período. As previsões para 2011 são de continuidade
do défi cit e até de crescimento para alguns países,
apesar das medidas de ajuste adotadas.
Esse crescimento explosivo da dívida pública e
as difi culdades de liquidez de algumas economias
menores da Zona do Euro (Grécia, Irlanda e Portugal),
além de economias de porte médio a grande (Itália e
Espanha) afetaram a percepção do mercado quanto
ao risco dos títulos públicos desses países, resultando
numa crise de confi ança que se prolonga desde o início
de 2010 e se agrava nos últimos meses.
Os mercados de dívida pública passam a apresentar
alta instabilidade, com o risco soberano daqueles
países se elevando substancialmente em 2010, e
assumindo uma trajetória explosiva a partir de julho de
2011, com destaque para o caso da Grécia. Os spreads
extremamente elevados determinam a ampliação
dos custos da dívida pública e difi cultam o esforço de
ajustamento fi scal.
A Grécia apresenta uma situação fi nanceira
mais complicada, o que obrigou o país, no primeiro
semestre de 2010, a recorrer no primeiro semestre,
a um pedido de ajuda ao FMI e aos demais países
2 Constatado o défi cit excessivo, o Conselho da UE impõe um limite para a tomada de ações corretivas. As sanções podem ser impostas se não forem adotadas medidas corretivas num prazo de dez meses. A sanção consiste de depósito compulsório não-remunerado, composto por parcela fi xa de 0,2% do PIB do país e uma parte variável com a dimensão do desvio do défi cit. O depósito se transforma em multa caso o défi cit excessivo não seja corrigido em dois anos.
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da Zona do Euro. Ficou claro que a Grécia não tem
condições de girar toda a sua dívida nas condições
de mercado em que está colocada e que o caminho
da austeridade não é sufi ciente, sendo necessário
um plano de reestruturação. A falta de uma solução
defi nitiva para o problema de insolvência da dívida
grega agrava os temores do mercado e amplia a crise.
O aumento do risco de crédito dos títulos soberanos
de Portugal e Irlanda segue a trajetória da Grécia, e
economias de maior porte da região, como Espanha e
Itália, são atingidas. A crise também pode alcançar as
duas principais economias regionais, dado o risco dos
bancos que têm em suas carteiras títulos soberanos
das economias em difi culdades.
O Banco Central Europeu (BCE) vem atuando no
mercado secundário para garantir liquidez aos títulos
da dívida pública desses países. Estima-se que o BCE
adquiriu 74 bilhões de euros de dívida soberana
em 2010. Há, no entanto, ressalvas no seio da União
Europeia sobre esse tipo papel do BCE3.
Estados Unidos
Os indicadores mais recentes da economia
americana são moderadamente encorajadores em
muitas áreas, mas aparentemente não têm repercutido
nas previsões dos analistas econômicos porque a
situação ainda incerta da crise da dívida soberana
europeia domina as atenções.
Foi somente no começo de agosto que se
resolveu o impasse entre Executivo e Congresso
americanos a respeito do aumento do teto da
dívida federal, que foi de US$ 2,1 trilhões, seguindo-
se o rebaixamento da nota de crédito do governo.
As soluções para conter o endividamento ainda
estão por ser especifi camente defi nidas, mas um corte
de despesas – US$ 2,4 trilhões ao longo da próxima
década – fez parte do acordo. Participantes das
reuniões de conjuntura consideraram positivo o fato de
o governo americano ter tido que, por fi m, enfrentar os
problemas de suas fi nanças públicas, e avaliaram como
fi scalmente responsável a vinculação de meta para o
gasto à ampliação do limite da dívida, embora talvez na
hora errada. A combinação de impostos mais elevados e
de menor oferta de serviços públicos contrai a demanda
agregada, quando seria o momento de ampliá-la.
Em reunião do grupo de conjuntura em setembro,
lembrou-se que a recessão americana foi mais
profunda do que se imaginava e a recuperação, de
certa forma, decepcionante. A divulgação mensal
pelo Bureau of Economic Analysis do Departamento
de Comércio em 29 de julho último, de dados revistos
das contas nacionais desde 2006, revelou que a
recessão implicou queda do PIB em 2008 de 0,3%, e
não pequeno crescimento como se havia calculado a
princípio. Em 2009, o PIB americano caiu 3,5%, e não
2,9%. Tudo somado, do quarto trimestre de 2007 ao
segundo de 2009, quando a recessão acabou, o PIB
caiu 5,1%, e não 3,7% conforme os primeiros cálculos.
Por outro lado, agora em 29 de setembro de 2011 a
estimativa é de que o PIB americano tenha crescido 3%
em 2010, melhor que a aferição anterior. Já os dados
do segundo trimestre de 2011 apontam alta de apenas
1,3% em relação ao primeiro, abaixo das expectativas,
de 1,8% a 2%. No primeiro tinha crescido só 0,4%,
contra o último trimestre de 2010. O crescimento
no primeiro semestre de 2011 foi contido por uma
combinação de desastres climáticos, combustível
caro e interrupções no fornecimento de matérias-
primas, depois do terremoto japonês. O consumo
dos indivíduos nos EUA responde por 70% do PIB,
e desacelerou drasticamente no segundo trimestre.
3 Restrições estatutárias de fi nanciamentos a governos.
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A Grécia, que defl agrou a crise e
iniciou o efeito dominó, aparentemente
não estava sendo monitorada pelas
autoridades da Zona do Euro.
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Os novos estímulos para a retomada são incertos,
baseados predominantemente em medidas de política
monetária que mesmo o Federal Reserve (Fed) reconhece
como pouco efi cazes. Os instrumentos dessa política,
de acordo com a teoria, afetam a disponibilidade e o
custo do dinheiro e do crédito - que o americano não
está tomando. Segundo o comunicado para a Imprensa
de 21 de setembro passado, o Fed decidiu, em lugar
do terceiro afrouxamento monetário (QE3), alongar o
prazo de vencimento médio dos papéis de sua carteira,
trocando, mediante compra e venda, até junho de
2012, US$ 400 bilhões de títulos do Tesouro em poder
do público maturando de 6 a 30 anos, pelo mesmo
montante com vencimento em 3 anos ou menos, para
pressionar para baixo taxas de juros de mais longo
prazo. Em 3 de outubro, com a primeira compra pelo
Fed, de US$ 2,5 bilhões, o rendimento dos títulos de 30
anos caiu para 2,73%, o menor desde janeiro de 2009.
Uma atitude controversa do banco central
americano foi a de, na mesma ocasião, anunciar que
manteria a meta da taxa básica de juros entre zero e
0,25%, e que provavelmente asseguraria esses níveis
excepcionalmente baixos de juros ao menos até
meados de 2013, porque antevia baixo uso de crédito
e infl ação controlada no médio prazo. O objetivo dessa
medida foi de assegurar aos empresários que não iria
elevar os juros básicos imediatamente se a economia
entrasse num ritmo mais vigoroso em 2012 e 2013.
Os elementos da crise americana foram trazidos
à discussão no grupo, e a conclusão foi de que
a economia continua esbarrando nos mesmos
obstáculos de demorada superação que enfrentava
em 2008. O principal deles é o endividamento
excessivo das famílias. A crise destruiu riqueza que não
tinha sido realizada. Na etapa de acumulação dessa
riqueza, no mesmo passo da bolha, os indivíduos se
endividaram, comprometendo a renda futura, e o grau
de alavancagem atingiu 130% da renda disponível em
2007. A crise de 2008 fez a riqueza das famílias voltar,
na melhor das hipóteses, ao nível em que estava antes
da formação da bolha dos ativos, o que passou a exigir
pesados sacrifícios de consumo para servir dívidas
agora muito mais altas.
Os preços dos imóveis residenciais estão nos níveis
de 2002, e a queda de preços foi da ordem de 50% em
regiões da Flórida, Califórnia, Nevada e Arizona. Detroit
também sofreu. Estimava-se até agosto de 2011 que
havia 11 milhões de casas cujo saldo devedor era mais
alto que o preço de mercado (underwater mortgages), e
que o estoque de hipotecas executadas pelos bancos
corresponde a 2 milhões de imóveis que não foram
relançadas à venda no mercado. A persistir a tendência
atual, o preço das casas pode cair mais.
Segundo um relatório de pesquisa de janeiro de
2011 do New York Federal Reserve (Household Debt and
Saving During the 2007 Recession), temos que (tradução
nossa) “quando o preço das residências começou a cair
no outono de 2007, o patrimônio em propriedades
imobiliárias começou a decrescer rapidamente de
quase US$ 13,5 trilhões no primeiro trimestre de 2006,
para pouco menos de US$ 5,3 trilhões no primeiro
trimestre de 2009, declínio de mais de 60%. Ao fi m de
2009, o patrimônio era estimado em US$ 6,3 trilhões,
mais de 50% abaixo do pico de 2006.”
A casa era forma de poupança usada para a
aposentadoria, universidade dos fi lhos e compras caras.
Essa alavancagem contribuiu para a crise do crédito na
medida em que os indivíduos não conseguiriam cobrir
os custos dos fi nanciamentos imobiliários quando os
preços das propriedades entraram em colapso.
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Os elementos da crise americana foram
trazidos à discussão no grupo, e a conclusão foi de que a economia continua esbarrando
nos mesmos obstáculos de demorada
superação que enfrentava em 2008.
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O desemprego, elemento fundamental da política
econômica norte-americana e decisivo nos embates
eleitorais, continua elevado, reduzindo a massa salarial
e o consumo das famílias. Em dezembro de 2007, o
desemprego representou 5% dos trabalhadores de 16
anos ou mais. Em outubro de 2009, no seu mais alto
nível, era de 10,1%. Durante 2010, oscilou mensalmente
entre 9,5% e 9,8%. Em 2011, a tendência foi de queda
moderada, chegando a 8,8% em março, e em agosto
atingia 9,1% dos indivíduos economicamente ativos.
Indivíduos com mais de 65 anos continuam a
trabalhar porque seus ativos perderam valor, inclusive
seus fundos de pensão. Também temem cortes em
programas assistenciais. Trabalhadores mais novos têm
que aceitar baixos salários para entrar no mercado.
Grosso modo, estima-se que 5 milhões de americanos
fi caram sem emprego por mais de um ano, perdendo
o seguro desemprego e onerando suas famílias. O
desemprego aumenta as despesas de governo para
assistir os necessitados.
O défi cit federal e o acordo sobre o limite da dívida
reduziram a possibilidade de um novo pacote de
estímulo fi scal. As medidas de austeridade nos EUA
não estão restritas ao governo federal. Estima-se que
estados e governos locais cortarão 450.000 postos de
trabalho este ano e no próximo. Em diversos estados
americanos, governadores e sindicatos de servidores
públicos litigam a respeito de salários e de benefícios
trabalhistas. Califórnia e Nova Iorque incorrem em
défi cits elevados e pagam juros altos na colocação de
títulos.
China
A China se constituiu na locomotiva da economia
mundial nos últimos anos e deverá se manter com taxas
de crescimento mais elevadas que os Estados Unidos
e a União Europeia. O FMI reduziu em apenas 1/10 de
ponto de percentagem o prognóstico de crescimento
da China para 2011, que se mantém elevado: 9,5% em
2011 e 9,0% em 2012. Observa-se, entretanto, a redução
de crescimento de alguns setores da indústria chinesa,
e certamente haverá uma redução das exportações,
considerando que os três principais mercados (EUA, UE
e Japão) vão crescer menos.
A evolução do comércio externo da China mostra
uma trajetória de crescimento acelerado na última
década. As exportações subiram de US$ 249 bilhões em
2000 para US$ 1,58 trilhões em 2010 e as importações
seguiram o mesmo ritmo, passando de US$ 225 bilhões
para US$ 1,4 trilhões. A participação da China na
corrente de comércio mundial passou de 3,7% para
quase 10% no período.
Neste ano de 2011 o comércio chinês vinha
batendo recordes até julho, mas reduziu o crescimento
a partir do fi nal de agosto. No primeiro semestre, as
exportações chinesas registraram crescimento de 24%
em relação ao mesmo período de 2010, totalizando US$
874,3 bilhões; as importações cresceram 28%, para US$
829,4 bilhões, resultando em um superávit comercial
de US$ 44,9 bilhões, que representa queda de 18,2%
em relação ao mesmo período do ano passado.
O crescimento das exportações em agosto foi de
24,5% e em setembro 17,1% sobre os mesmos meses
de 2010. As importações aumentaram 30,2% em
agosto e 20,9% em setembro. Não obstante a crise do
subprime seguida da crise do euro, o comércio externo
da China tem se mantido elevado. Não se dispõe de
elementos de convicção para interpretar a redução das
taxas de crescimento do comércio exterior chinês no
mês de setembro último como indicativos de perda
de dinamismo. Aliás, os mais recentes prognósticos de
expansão do PIB divulgados pelo FMI, de setembro de
2011, sugerem maior dinamismo dos principais centros
econômicos do planeta no biênio 2011/2012 quando
comparados com os números do triênio 2008/2010,
como segue:
PIB acumulado
triênio 2008/2010
PIB acumulado
biênio 2011/2012
Estados Unidos -0,9% 3,3%Eurolândia -2,2% 2,7%Japão -3,7% 1,8%
Fonte: IMF, World Economic Outlook, September 2011.
Isto signifi ca que em 2012 a economia americana
deve apresentar um PIB 2,4% maior que o PIB de 2007;
a Eurolândia fi caria basicamente no mesmo lugar, com
um crescimento de 0,5%; apenas o Japão teria um PIB
2% menor em 2012 do que o de 2007.
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Em 2008 e 2009 a China impulsionou a absorção
interna e puxou a economia mundial, contribuindo de
forma decisiva para a reação à crise global. Hoje a China
está ainda numa posição forte, mas aparentemente
tem menos munição do que tinha em 2008-2009,
dada a grande expansão da base monetária chinesa
(estima-se em 50%) nos últimos dois anos e as pressões
infl acionárias (o FMI estima em 5,5% a infl ação chinesa
em 2011). Mas a dívida pública é baixa, menos de 30%
do PIB (26,9%, segundo a previsão do FMI para 2011).
Uma valorização do renminbi ajudaria a conter as
pressões infl acionárias na China, ao mesmo tempo
em que abriria espaço para estimular as exportações
norte-americanas e europeias, de forma a contribuir
para o equilíbrio da economia mundial.
Desdobramentos e perspectivas
A crise atual é continuação da crise fi nanceira cujos
primeiros sinais mais claros apareceram no verão de
2007 (Hemisfério Norte), ligados a inadimplências
nos empréstimos hipotecários de risco mais elevado
(fi nanciamentos subprime) e quedas nos preços dos
imóveis. Os desdobramentos da quebra de confi ança
que se seguiu nos mercados fi nanceiros internacionais
foram gradualmente desnudando a fragilidade
sistêmica das instituições, até que a quebra do
banco de investimento americano Lehman Brothers
desencadeou o colapso de crédito que levou à forte
contração econômica mundial em 2008-2009.
Segundo o World Economic Outlook do FMI, de
setembro de 2011, de fato não se podia esperar que
a recuperação de 2010 nos países avançados se
prolongasse no mesmo diapasão, até porque ela se
seguiu a um biênio de contração.
Contudo, ainda de acordo com aquele documento,
quatro fatores determinaram desaceleração maior que
a prevista:
a) Europa: agravamento dos problemas das dívidas
soberanas, em função de difi culdades políticas e
técnicas para o encaminhamento de soluções, bem
maiores do que se esperava.
b) Estados Unidos: a demanda do setor privado
não reagiu no ritmo esperado. Ao mesmo tempo, a
demanda do governo está inibida pelo aumento da
dívida pública e do défi cit, e pelas pressões da Direita
norte-americana, que é politicamente forte.
a) Japão: adversidades climáticas seguidas de grave
acidente nuclear.
b) Petróleo: movimentos pró-democracia no
Oriente Médio colocaram em xeque ditaduras pró e
contra o Ocidente. Isso quebrou o equilíbrio de poder
preexistente, criando novas tensões políticas que
determinaram evolução altista no preço do petróleo
acima das expectativas.
O próprio FMI reconhece que esses dois últimos
fatores tiveram efeitos temporários, já praticamente
esgotados.
Os impasses nos Estados Unidos devem evoluir
para uma recuperação econômica lenta e gradual. A
economia norte-americana conta com a vantagem da
fl exibilidade e do domínio da técnica e da ciência nas
fronteiras do conhecimento.
Na China, as pressões infl acionárias, ainda tímidas,
mas renitentes e crescentes, podem estar sugerindo
que a política cambial de manter o renminbi
subvalorizado esteja se tornando contraproducente:
a poupança chinesa, embora elevadíssima, pode estar
se tornando insufi ciente para continuar a bancar
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Uma valorização do renminbi ajudaria a conter as pressões
infl acionárias na China ao mesmo
tempo em que abriria espaço para estimular
as exportações norte-americanas e
europeias...
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o grande volume de investimentos no exterior, em
virtude da expansão dos investimentos domésticos.
Tudo no mundo das hipóteses, mas se isso
for verdade, um eventual movimento chinês de
depreciação do renminbi pode ajudar sobremaneira na
recuperação da economia mundial, e principalmente
a própria China a consolidar sua posição de grande
potência econômica e política do século XXI.
O problema mais complicado é a Europa, e o
grande ponto de interrogação é se a União Europeia
conseguirá equacionar a sua crise fi nanceira.
O problema pode se colocar basicamente da
seguinte maneira: Portugal, Irlanda e principalmente
Grécia não têm como servir integralmente suas dívidas
públicas nos termos em que estão colocadas. São
necessários descontos (hair cuts, no jargão do mercado
fi nanceiro), que podem tomar diferentes formatos:
reduções de principal, refi nanciamentos de juros,
redução de encargos, alongamentos de prazos, etc.4.
Itália e Espanha talvez consigam manter o giro
comercial de suas dívidas públicas se tiverem apoio do
Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (European
Financial Stability Facility - EFSF, na sigla em inglês) para
garantir suas necessidades de dinheiro novo, agora, e por
mais um ou dois anos, isto é, até 2012 ou 2013, sempre
e quando conseguirem reduzir seus défi cits fi scais.
O BCE também poderia paralelamente assegurar
liquidez aos papéis daqueles dois países, lembrando-se,
no entanto, que, embora absurdas nas circunstâncias,
existem restrições a movimentos desse tipo sob a
alegação de que o Banco estaria a fi nanciar governos.
A dúvida maior seria a Itália, com uma dívida pública
da ordem de US$ 2,5 trilhões projetada para o fi nal de
2011, equivalente a algo próximo de 130% de seu PIB.
Martim Wolf (editor e principal comentarista
econômico do Financial Times) 5 sublinha o fato de que
o défi cit estrutural previsto para a Itália em 2012 seria
de somente 1,1% do PIB (2,6% é a previsão do défi cit
efetivo, conforme a Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico - OCDE, também um
número baixo).
Um exercício singelo, sem ambicionar exatidão,
para tão somente dar uma idéia mais objetiva das
ordens de grandeza envolvidas, sugere que uma
solução abrangente, entendida como sufi ciente para
tranqüilizar o mercado fi nanceiro internacional, não
parece ser viável no momento. Supôs-se que:
a) Se retirassem do mercado 50% da dívida pública
grega e 25% das dívidas públicas da Irlanda e de
Portugal.
b) Além disso, fossem oferecidas garantias ou o
próprio funding para assegurar as captações novas
necessárias da Itália e da Espanha, para 2011 e 2012.
Essa alternativa demandaria recursos de
aproximadamente US$ 660 bilhões. Ora, a EFSF dispõe
de uma capacidade de crédito de € 440 bilhões,
equivalentes a US$ 610 bilhões, portanto insufi cientes
para enfrentar o desafi o colocado por este cenário.
Ainda mais porque € 8 bilhões (US$ 11 bilhões) foram
comprometidos com apoio já oferecido a Portugal.
Haveria, portanto, um défi cit da ordem de US$ 60
bilhões.
E mais ainda, não seria possível esgotar os recursos
do Fundo Europeu de Estabilização Financeira de uma
só vez. Seria necessário manter um colchão de recursos
4 O Plano Brady é um bom exemplo. Permite, inclusive, o estudo de diferentes menus tendo como base a receita fundamental: redução das dívidas que, reconhecidamente, haviam se tornado impagáveis.5 Wolf, M. “Não há futuro ensolarado para o euro”, Valor, p. A13, 19/out/2011.
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julho / setembro / 2011
para a eventualidade de que mesmo um movimento
abrangente como o que aqui se sugeriu se mostrasse
insufi ciente para restabelecer a normalidade do
mercado fi nanceiro internacional.
Se este colchão fosse, digamos, de € 220 bilhões
(US$ 305 bilhões) seria necessária nova chamada de
recursos, que não seria pequena. Lembremos que
a capacidade de crédito da EFSF de € 440 bilhões
implicou um suporte de garantias dos países da
área do euro de € 780 bilhões (US$ 1,084 bilhões).
Assim, o esforço adicional de uma realimentação de
capital da EFSF de € 220 bilhões exigiria empenho de
mais € 390 bilhões (US$ 542 bilhões) em termos de
dívidas contingentes dos países do euro. Este valor
corresponde a 11,5% das dívidas de França e Alemanha
somadas em 2010. Esses dois países, economias
centrais do euro, estavam com suas dívidas públicas
já elevadas em 2010 – 94% do PIB no caso da França
e 87% no caso da Alemanha. Os passivos fi nanceiros
devem ter aumentado na sua relação com o PIB ao
longo de 2011. Daí a visível hesitação de ambos os
governos nos movimentos de equacionamento das
dívidas das economias menos dinâmicas da Zona do
Euro, considerando as inevitáveis tergiversações dos
países menores.
O cenário que se vislumbra seria o de uma
contemporização (muddling through), estratégia que
deu certo na crise da dívida da América Ibérica e de
outros países de renda média no início da década de
1980.
A chave do sucesso da estratégia residiu na
posição fi nanceira confortável dos Estados Unidos
e demais centros fi nanceiros internacionais – Reino
Unido, Alemanha, Suíça, Japão e França. Havia
absoluta confi ança de que o problema não sairia de
controle. Apesar de impasses transitórios, os países
devedores foram cooperativos e o FMI avalizou
acordos de ajuste fi scal e de balanço de pagamentos
que eram sucessivamente assinados, descumpridos,
reformulados, novamente celebrados e descumpridos.
Mas essa coreografi a era importante para adiar a
necessidade de que os supervisores bancários dos
países credores exigissem provisões dos bancos.
Isto foi mantido até basicamente a moratória
brasileira de fevereiro de 1987, quando o Citibank
anunciou a constituição de provisões para a dívida do
Brasil. Dois anos depois, em março de 1989, foi anunciado
o Plano Brady. Os descontos das dívidas abriram caminho
à solução defi nitiva do problema, consolidada com o
retorno dos fl uxos internacionais de capitais àqueles
países e a redução das taxas de juros internacionais.
Agora, entretanto, a confi ança de que o problema
europeu não sairá de controle é menor do que na
crise de 1982. Saiu de controle na crise argentina em
2001, que acabou numa reestruturação unilateral
com signifi cativa redução da dívida e muita
reclamação dos credores. Mas, nesse caso, não houve
contaminação, e o default fi cou encapsulado, não
evoluindo para nenhuma crise bancária. Além disso,
a robustez fi nanceira das potências econômicas
permitiria neutralizar quaisquer ameaças sistêmicas.
Isto tudo nada obstante, a evolução da
crise europeia sugere que algo do tipo de uma
contemporização deverá ser o cenário esperado. A
Zona do Euro sob a liderança de França e Alemanha
provavelmente gerenciará a crise dia-a-dia; evitará
falências bancárias (vide o caso do grupo fi nanceiro
belga Dexia); propiciará liquidez às dívidas se e quando
necessário; integrará o FMI no processo, apesar das
ressalvas norte-americanas; negociará os ônus de
cada parte: países devedores, bancos credores e
países credores; oferecerá eventualmente garantias
para dinheiro novo via EFSF, e assim por diante.
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O cenário que se vislumbra seria o de
uma contemporização (muddling through), estratégia que deu
certo na crise da dívida da América Ibérica e de outros países de renda
média no início da década de 1980.
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Será um processo desgastante, com dias melhores
e dias piores. Embora isto seja característica das crises
fi nanceiras, na situação específi ca os temores são
maiores dada a fragilidade dos centros fi nanceiros
mundiais, que afi nal foram o epicentro da crise.
Paulatinamente, os ajustes nas economias mais frágeis
produzirão efeitos, a produtividade poderá ir se
recuperando e o problema irá sendo resolvido.
O que é fundamental é que se evite um colapso
bancário sistêmico, que pode advir da falência de um
banco no meio do caminho (exemplo do Lehman
Brothers), ou de uma hipotética moratória unilateral
intempestiva por parte de um devedor relevante,
com ou sem abandono do euro. As conseqüências,
aliás, seriam basicamente as mesmas, numa ou noutra
hipótese. Com abandono do euro e retorno à antiga
moeda, a desvalorização cambial, inevitável, levaria:
a) À insolvência dos bancos residentes;
b) À insolvência dos bancos não-residentes. Antes o
governo não tinha os euros. Depois do retorno à moeda
de origem, recuperaria o poder de emissão, mas não de
assegurar o poder aquisitivo da moeda em termos de
euros;
c) De “a” e “b” acima resultaria a inadimplência com
os bancos não-residentes.
A vantagem do abandono do euro seria possibilitar
a desvalorização real “por fora”, mais fácil de gerenciar
que a sofrida desvalorização cambial por “dentro”,
que exige fl exibilidade de salários e preços. O câmbio
fl utuante, ao contrário do fi xo, permite que os salários e
preços nominais permaneçam constantes, mas percam
poder aquisitivo externo (desvalorização da taxa de
câmbio) e interno (infl ação induzida pelo câmbio).
Note-se que essa desvalorização é fundamental
para restabelecer o equilíbrio macroeconômico
quebrado pelo excesso de endividamento. Ela tem que
ocorrer de uma forma ou de outra.
A contraindicação do abandono do euro é que
tal curso de ação precipitaria um colapso bancário
de conseqüências imprevisíveis, consideradas as
possibilidades de contágio. Medidas de sustentação
formidáveis seriam requeridas, e os centros fi nanceiros
não parecem preparados para isso, ou o fariam à custa
de pressões infl acionárias fortes.
A situação praticamente caótica advinda do
abandono da moeda comum implicaria prejuízo maior
para o devedor do que negociar termos menos leoninos
com os credores e enfrentar as reações da sociedade às
medidas de redução nominal de salários e preços. E isso
parece compreendido por eles: não há notícia de que
haja qualquer intenção de caminhar nesse sentido.
Impactos no Brasil
Abandonando-se o cenário de catástrofe induzida
por um colapso bancário em cadeia, o impacto sobre
a economia brasileira provavelmente não será agudo
como o que ocorreu no último trimestre de 2008,
porém será mais prolongado.
O Copom antecipa refl exos em nossa economia
via comércio, preços das importações e volatilidade
externa. Um impacto negativo no crescimento
equivalente a 1,25 ponto de percentagem do PIB.
O BC já baixou os juros em 100 pontos básicos até
agora, confi ando em que as políticas fi scal e de crédito
público em 2012 não serão expansionistas, apesar do
quadro orçamentário já prejudicado pelo aumento do
salário mínimo.
A hipótese que parece mais plausível é que, por um
período mais ou menos longo, o Brasil se verá diante
de uma economia mundial de baixo crescimento, ainda
que sem recessão.
Isso signifi ca um interregno na corrente de
enriquecimento condicionada pelos ganhos nas
relações de troca no comércio internacional. Pode-se
esperar um período de relações de troca basicamente
estáveis e mercados relativamente voláteis para as
exportações.
Possivelmente haverá disponibilidade de liquidez
internacional para investimentos no país, não obstante
o sistema bancário internacional deva continuar avesso
ao risco.
Um canal de transmissão da crise poderá, portanto,
ser a contração internacional de crédito. Em 2008, alguns
bancos brasileiros de pequeno e médio portes tiveram
difi culdades em renovar suas linhas de fi nanciamento.
Muito pode ser lido sobre os instrumentos usados
então para “desempoçar” a liquidez externa e interna.
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Carlos Eduardo de Freitascarlos.freitas@corecondf.org.br
Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1966) com mestrado em Economia pela EPGE/FGV (1970). Foi
Diretor do Banco Central (Área Externa - 1985 a 1988 / Área de
Liquidações e Desestatização - 1999 a 2003) e
Secretário de Política Econômica (1993).
Conselheiro do Corecon-DF
José Luiz Pagnussatjose.pagnussat@enap.gov.br
Mestre em economia pela Universidade de Brasília. Conselheiro do
Conselho Regional de Economia do DF. Professor da Enap – Escola
Nacional de Administração Pública e da UDF – Centro Universitário
do Distrito Federal. Ex-presidente do Corecon-DF (1990, 1994 e
2009/10), do Cofecon 1996) e da ANGE (1999/2001).
José Fernando Cosentino TavaresWjose.tavares@camara.gov.br
Economista e consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados.
Na visão oficial, a nova oportunidade de redução
dos juros sem colocar em risco o controle inflacionário
é benigna para a economia brasileira. A Selic ficou
inalterada no último trimestre de 2008, quando a
atividade econômica entrou em colapso, e a queda
da taxa parou em 8,75% a.a. Críticos da orientação
recente da política monetária lembram que o preço
internacional das commodities caiu pouco e que o real
se depreciou em mais de 60% entre agosto e dezembro
de 2008, alimentando a inflação.
O corolário é que, nesse novo contexto, a capacidade
de crescimento da economia brasileira deve reduzir-se
para algo na faixa de 3 a 3,5% a.a. Medidas de reforço
da poupança, maiormente na área estatal, seriam
bem-vindas para ampliar o potencial de expansão
do PIB. Contudo, isto atrapalharia o aprofundamento
das políticas de redistribuição de renda, que já
estariam sendo prejudicadas pela ausência de ganhos
cumulativos nas relações de troca.
O governo vem anunciando que pode superar
essa nova conjuntura que se anuncia adversa, com
mais absorção (consumo e investimento), ou seja,
estimulando o mercado interno. Entretanto, ao
contrário da China, este curso de ação afigura-se
arriscado no caso brasileiro: o mais provável é que
traga mais inflação e desequilíbrios de balanço de
pagamentos.
Parafraseando Martin Wolf, o horizonte à frente não
parece tempestuoso, mas também não é ensolarado.
Referências bibliográficas
IMF - International Monetary Fund. Fiscal monitor -
Addressing Fiscal Challenges to Reduce Economic
Risks. Washington, D.C.: International Monetary Fund,
September 2011
IMF - International Monetary Fund. World Economic
Outlook - a survey by the staff of the International
Monetary Fund. Washington, DC: International
Monetary Fund, September 2011
Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DFSCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202
CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429
3964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364
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