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Benjamin, Livro das Passagens
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Passageo•
A massa em Baudelaire. Ela se coloca como um véu diante do flåneur: é o mais novoalucinógeno do solitário. — Ela apaga, em segundo lugar, todos os rastros do indivíduo: é omais novo refúgio do proscrito. — Ela é, finalmente, o mais novo e mais insondável labirinto
no labirinto da cidade. Através dela, traços cónicos até então desconhecidos imprimem-se
na imagem da cidade.IM 16, 31
A base social daflånerie é o jornalismo. Como flâneur, o literato dirige-se ao mercado
pôr-se à venda. Isto é certo, mas não esgota de maneira alguma o aspecto social da/ånerie
"Sabemos", diz Marx, "que o valor de cada mercadoria é determinado pela quantidade de
trabalho materializado em seu valor de uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário
à sua produção." (Marx, Das Kapital, ed. org. por K. Korsch, Berlim, 1932, p. 188). O
jornalista comporta-se como um flâneur, como se ele fosse consciente disso. O tempo de
trabalho socialmente necessário à produção de sua força de trabalho específica é, de fato,
relativamente elevado; mas, ao cuidar de fazer com que suas horas de ócio no boulevard
apareçam como uma parte desse tempo, ele o multiplica, aumentando assim o valor de seu
próprio trabalho. A seus olhos, e muitas vezes também aos olhos de seus patrões, este valor
adquire qualquer coisa de fantástico. Na verdade, isto não aconteceria se ele não se encontrasse
na situação privilegiada de submeter à avaliação pública e geral o tempo de trabalho necessário
para a produção de seu valor de uso, sendo que ele passa e, por assim dizer, exibe esse
tempo no boulevard.[M 16, 41
A imprensa gera uma profusão de informações, cujo efeito estimulante é tanto maior quanto
menor for o seu valor de uso. (Apenas a ubiqüidade do leitor possibilitaria a sua utilização;
e essa ilusão também é, de fato, produzida.) A relação real dessas informações com a existência
social é determinada pela dependência dessa indústria da informação dos interesses dabolsa de valores, com os quais ela se alinha. — Com o desenvolvimento da indústria dainformação, o trabalho intelectual se assenta de forma parasitária sobre todo trabalho material,
assim como o capital cada vez mais coloca todo trabalho material sob sua dependência.[M 16a, 11
A observação pertinente de Simmel sobre a inquietude do habitante da cidade grandeprovocada pela proximidade dos outros, que ele, na maioria dos casos, vê sem ouvir <Cf. M8a, mostra que na origem das fisiognomonias <leia-se: fisiologias> havia, entre outros,o desejo de dissipar e minimizar esta inquietude. De outra forma, a fantástica pretensãodaqueles pequenos livros dificilmente teria sido aceita.
[M 16a, 2)
Tenta-se dominar as novas experiências da cidade dentro do quadro das antigas experiênciasda natureza transmitidas pela tradição. Daí os esquemas da floresta e do mar (Meryon ePonson du Terrail).
(M 16x 31
Rastro e aura. O rastro é a aparição de uma proximidade, por mais longínquo esteja aquiloque o deixou. A aura é a aparição de algo longínquo, por mais próximo esteja aquilo que aevoca. No rastro, apoderamo-nos da coisa; na aura, ela se apodera de nós.
IM 16a,
10 491
"Sobretudo eu que, fiel ao meu velho hábito,Faço muitas vezes da rua gabinete de estudo,Quantas vezes, levando ao acaso meus passos sonhadores,Caio de imprevisto no meio dos pavimentadores!"
Barthélemy, Paris: Revue Satirique à M. G. Delessert, Paris, 1838, p. 8.[M 16a, 5)
"O Sr. Le Breton diz que os agiotas, os advogados e os banqueiros de Balzac às vezes separecem mais com implacáveis moicanos do que com parisienses, e ele acha que a influênciade Fenimore Cooper não foi muito favorável ao autor de Gobseck. Isto é possível, masdifícil de provar." Rémy de Gourmond, Promenades Littéraires, segunda série, Paris, 1906,pp. 117-118 ("Les maîtres de Balzac").
[M 17, 11
"O aglomerado de pessoas acotovelando-se umas contra as outras e a confusão do trânsitonas grandes cidades seriam insuportáveis sem ... um distanciamento psicológico. O fato deestarmos fisicamente tão próximos de um número tão grande de pessoas, como acontecena atual cultura urbana, faria com que o homem mergulhasse no mais profundo desespero,se aquela objetivaçáo das relações sociais não acarretasse um limite e uma reserva interiores.A monetarização das relações, manifesta ou disfarçada de mil formas, coloca uma distância
funcional entre os homens, que é uma proteçâo interior . . contra a proximidadeexcessivamente estreita." Georg Simmel, Philosophie des Geldes, Leipzig, 1900, p. 514.
[M 17, 21
Prólogo para Le Flåneur, jornal popular, publicação do escritório dos pregoeiros, Ruede Ia Harpe, 45 ... (primeiro e provavelmente único número, de 3 de maio de 1848):"Em nosso tempo, flanar entre baforadas de tabaco..., sonhando com os prazeres da
noite, parece-nos algo atrasado de um século. Não somos gente incapaz de compreender
os hábitos de uma outra época, mas afirmamos que, flanando, pode-se e deve-se pensar
nos seus direitos e deveres de cidadão. Os dias são de penúria e requerem todos os
nossos pensamentos, todas as nossas horas; flanemos, pois, mas flanemos como
patriotas." (J. Montaigu). Um exemplo precoce do deslocamento da palavra e do sentido
que faz parte dos artifícios do jornalismo.[M 17, 31
Anedota envolvendo Balzac: "Um dia em que ele e um de seus amigos se depararam com
um esfarrapado no bouhard, o amigo, estupefato, viu Balzac tocar com a mão sua própria
manga: ele acabava de sentir o rasgão que se abria no cotovelo do mendigo." Anatole
Cerfberr e Jules Christophe, Répertoire de Ia Comédie Humaine de H. de Balzac, Paris, 1887,
p. VIII (Introdução de Paul Bourget). [M 17, 41
Sobre a frase de Flaubert de que "a observação procede, sobretudo, através da imaginação", a
capacidade visionária de Balzac: "É importante ressaltar, antes de tudo, que esse poder de
visionário mal pôde ser exercido diretamente. Balzac não teve tempo de viver ... nunca dedicou
seu tempo para estudar os homens, como o fizeram Molière e Saint-Simon, através do
contato cotidiano e familiar. Dividia sua edstência em duas, escrevendo à noite, dormindo de
492 Passagens
dia." (p. X). Balzac fala de uma "perscrutação retrospectiva". "Ele se apoderava dos dados da
experiência de maneira verosímil e os jogava num cadinho de devaneios." A Cerfberr e J.
Chrßtophe, Répertoire de 1a Comédie Humaine, Paris, 1887 (introdução de Bourget,
(M p.
17a, XI).
11
Basicamente, a empatia pela mercadoria é empatia pelo próprio valor de troca. O flâneur é o
virtuose desta empatia. Ele leva para passear o próprio conceito de venalidade. Assim como
sua última passarela é a loja de departamentos, sua última encarnação é o homem-sanduíche.[M 17a, 21
Em uma cervejaria nas proximidades da Gare Saint-Lazare, Des Esseintes já se sente na
Inglaterra. [M 17a, 31
Sobre a embriaguez da empatia no flâneur, pode-se lançar mão de uma passagem magnífica
de Flaubert. Ela se origina provavelmente da época da elaboração de Madame Bovary.
"Hoje, por exemplo, homem e mulher ao mesmo tempo, amante e amada, eu passeei a
cavalo numa floresta, durante uma tarde de outono, sob folhas amareladas, e eu era os
cavalos, as folhas, o vento, as palavras que foram ditas, e o sol vermelho que fazia se
entrefecharem as pálpebras inundadas de amor..." Cit. em Henri Grappin, "Le mysticisme
poétique et l'imagination de Gustave Flaubert", Revue de Paris, 15 dez. 1912, p. [M 856.
17a,
Sobre a embriaguez da empatia no flâneur, tal como aparece também em Baudelaire, esta
passagem de Flaubert: "Vejo-me com muita nitidez em diferentes épocas da história... Fui
barqueiro no Nilo, cáften em Roma no tempo das guerras púnicas, depois orador grego em
Subura, onde fui devorado pelas pulgas. Morri durante uma cruzada, por ter comido uvas
em excesso nas praias da Síria. Fui pirata e monge, saltimbanco e cocheiro, talvez também
imperador do Oriente..." Grappin, op. cit., p. 624.17a, 51[M
1.
O inferno é uma cidade muito semelhante a Londres —
Uma cidade populosa e fumacenta;
Lá há todo tipo de pessoas arruinadas
E pouca ou nenhuma diversão
Pouca justiça e ainda menos compaixão.
11.
Lá há um palácio e uma canalização
Um Cobbett e um Castlereagh
Todo tipo de corporações que roubam
Com todo tipo de artifícios contra
Corporações menos corruptas que elas,
to 493
IIL
Lá há um que perdeu o juízo
Ou o vendeu, ninguém sabe qual
Ele vagueia como um fantasma encurvado
E quase tão magro quanto a fraude
Sempre mais rico e mais resmungão.
Lá há urna chancelaria; um rei;
Uma ralé de comerciantes; uma gangue
De ladrões, eleita por si mesma
Para representar ladrões iguais;
Um exército; e uma dívida pública.
A qual é um astucioso papel-moeda
Que simplesmente significa:
'Abelhas, guardai vossa cera — dai-nos o mel
E no verão plantaremos flores
Para o inverno.
Vl.
Lá há muitas falas sobre revolução
E grandes perspectivas para o despotismo
Soldados alemães — campos — confusão
Tumultos — loterias — fúria ilusão
Gim — suicídio e metodismo.
E também impostos, sobre vinho e pão
E carne e cerveja e queijo e chá
Com os quais são mantidos nossos patriotas
Que antes de cair na cama
Devoram dez vezes mais que os outros.
494 passagens
Há também advogados, juízes, velhos beberrões
Meirinhos, conselheiros
Bispos, pequenos e grandes caloteiros
Maus poetas, panfletários, especuladores
Soldados gloriosos
Homens cuja profissão é apoiar-se nas damas
Flertar e endeusar e sorrir
Até que tudo o que é divino numa mulher
Se torne atroz, fútil, vão e desumano
Crucificado entre um sorriso e um pranto.
Shelley, "Peter Bell the Third" ("Parte Terceira: Do manuscrito de Brecht.[M 181
Passagens esclarecedoras sobre a multidão: no conto "Des Vetters Eckfenster" [A janela de
esquina do primo], o visitante pensa que o primo só observa a agitação do mercado para
apreciar o jogo cambiante das cores. E pensa que, com o passar do tempo, isto deveria ser
cansativo. De maneira semelhante e mais ou menos na mesma época, Gogol escreve em
"O documento perdido" a respeito da feira de Konotopa: "Era tanta gente a caminho, que
tudo dançava diante dos olhos." Russische Gespenster-Geschichten, Munique, 1921, p. 69.(M 18a, 11
Tissot, para justificar sua sugestão de taxar os cavalos de luxo: "O barulho insuportável que
fazem dia e noite as vinte mil carruagens particulares circulando nas ruas de Paris, a trepidação
contínua das casas, e o desconforto e a insónia que daí resultam para a maior parte dos
habitantes de Paris merecem uma compensação. " Amédée de TISS0t, Paris et Londres Comparés,
Paris, 1830, pp. 172-173.[M 18a, 21
O flâneur e as vitrines: "Primeiro, há os flâneurs do boulevard, cuja existência toda se passaentre a igreja da Madeleine e o Théâtre du Gymnase. Cada dia é possível vê-los voltar a esse
estreito espaço que não ultrapassam nunca, examinando as vitrines, contando os consumidoresinstalados na entrada dos cafés... Eles saberão dizer se Goupil ou Deforge estão expondouma nova gravura, um novo quadro; se Barbedienne mudou de lugar um vaso ou umarranjo; conhecem de cor todos as tomadas dos fotógrafos e recitariam sem erro a seqüènciadas tabuletas comerciais." Pierre Larousse, Grand Dictionnaire Universel, Paris, 1872'vol. VIII, p. 436.
20 Cf. Percy Bysshe Shelley, Poetical Works, ed. org. por Thomas Hutchinson e G. M, Matthewsreimpressåo 1970), Londres, Oxford University Press, pp. 350-351, (UM)
provinciano de Vettets Eckfenster": "Desde aquele de
sobßdOO inimigo insolente e atrevido invadiu o pais", os costumes dos berlinenses se
urn
"Veja, caro primo, como hoje, ao contrário, o mercado oferece aestar e da tranqüilidade moral." E. T. A. Hoffmann,
Schrifien,do bern-XIV,
Stuttgart, 1839, pp. 238 e 240.
IM 19,
O homem-sanduíche é a última encarnação do flaneur.
ocaráter provinciano de "Des Vetters Eckfenster": o primo quer ensinar a seu visitanteSobre da arte de olhar".
os "princípios
(M 19.31
Em 7 de julho de 1838, G. E. Guhrauer escreve a Varnhagen a respeito de Heine: "Ele
sofria muito, na primavera, com problemas nos olhos. Da última vez, acompanhei-o em
echo dos boulevards. O esplendor e a vida desta via única em seu género provocavam
em mim uma admiração incansável, à qual Heine desta vez contrapôs enfaticamente o que
havia de horrível neste centro do mundo." Cf. Engels sobre a multidão. Heinrich Heine,
Gespräche, ed. org. por Hugo Bieber, Berlim, 1926, p. 183.[M 19, 41
"Esta cidade, onde reina uma vida, uma circulação, uma atividade sem igual, é também,
por um singular contraste, aquela onde se encontra o maior número de ociosos, preguiçosos
e vagabundos." Pierre Larousse, Grand Dictionnaire Universel, Paris, 1872, vol. VIII,
p. 436 (verbete: "Flâneur").[M 19, 51
Hegel à sua mulher, em 3 de setembro de 1827, de Paris: "Quando ando pelas ruas, as
pessoas se parecem com as de Berlim — vestidas da mesma maneira, praticamente os mesmos
rostos -, o mesmo aspecto, mas em meio a uma massa populosa." Briefe von und an Hegel,
ed. org. por Karl Hegel, Leipzig, 1887, Parte II, p. 257 (Werke, vol. XIX, tomo 2).IM 19, 61
Londres
"É um espaço imenso, de uma tal extensão
Que é preciso um dia de hirondelle para atravessá-lo,
E nada se vê, ao longe, senão o acúmulo
De casas, palácios, altos monumentos,
Plantados ali pelo tempo, sem muita simetria;
Negros e longos tubos, campanários da indústria,
De ventre quente e goela sempre escancarada
Exalando nos ares a fumaça em grandes baforadas;
Vastas cúpulas brancas e flechas góticas
Flutuando no vapor sobre pilhas de tijolos;
496 • passagens
Um rio inabordável, um rio revolto
Derramando seu lodo negro por desvios sinuosos,
Lembrando o terror das ondas infernais;
Gigantescas pontes de pilares descomunais
Como o Colosso de Rodes, através de seus arcos,
Deixando passar milhares de barcos;
Um mar infecto e sempre ondulante
Trazendo e levando as riquezas do mundo;
Canteiros em movimento, lojas abertas,
Capazes de guardar em seus flancos o universo;
Além, um céu atormentado, nuvem sobre nuvem;
O sol, como um morto, com um lençol sobre o rosto,
Ou, por vezes, nas vagas de um ar envenenado
Mostrando como um mineiro sua fronte escurecida,
Enfim, num amontoado de coisas, sombrio, imenso,
Um povo negro, vivendo e morrendo em silêncio,
Seres aos milhares seguindo o instinto fatal,
E correndo atrás do ouro para o bem e o mal."
Confrontar com a resenha escrita por Baudelaire sobre Barbier, sua descrição de Meryon,
poemas dos Tableaux Parisiens. Na poesia de Barbier, distinguem-se claramente dois elementos
— a "descrição" da cidade grande e a reivindicação social. Destes encontram-se apenas
vestígios em Baudelaire; em sua obra eles se uniram em um terceiro elemento totalmente
heterogêneo. Auguste Barbier, Jambes et Poèmes, Paris, 1841, pp. 193-194. O poema
pertence ao ciclo "Lazare", que data de 1837.[M 11
Se comparamos o texto de Baudelaire sobre Meryon com "Londres", de Barbier, surge a
pergunta se a imagem lúgubre da "mais inquietante das capitais", ou seja, a imagem de
Paris não foi fortemente determinada pelos escritos de Barbier e de Poe. Certamente Londres
estava à frente de Paris, quanto ao desenvolvimento industrial.IM 19a. 21
Início da "Seconde Promenade" de Rousseau: "Tendo, pois, formado o projeto de descrever
o estado habitual de minha alma na mais estranha condição em que se possa jamais encontrar
um mortal, não vi maneira mais simples e mais segura de executar tal empreendimentoque manter um registro fiel de meus passeios solitários e dos devaneios que os preenchem,quando deixo minha cabeça inteiramente livre e minhas idéias seguirem sua inclinaçãosem resistência nem constrangimento. Essas horas de solidão e meditação são as únicas dodia em que sou plenamente eu mesmo, senhor de mim, sem distraçóes, sem obstáculos, e
em que posso verdadeiramente dizer que sou o que a natureza quis." Jean-Jacques Rousseau'Les Rêveries du Promeneur Solitaire, precedido de Dix Jours à Ermenonville, de Jacques deLacretelle, Paris, 1926, p. 15. Esta passagem representa o elo entre a contemplaéo e o
Ê significativo
que
e
Rousseau — em seu ócio já frui a si mesmo, mas aindadança
01110(M 20. 1)
Bridge. Passei há algum tempo sobre a Ponte de LondresLondon 0 espetáculo de uma água rica, pesada e compleca, ornada de lençóis de nácar
o querbada por manchas de lama, confusamente carregada de tantos navios... Apoiei-me.„
ta, cuja riqueza eu não podia esgotar. Mas sentia atrás de mim 0 trotar e 0de todo um povo invisível, de cegos eternamente impelidos ao objeto imediato
inc—nvidas. Parecia-me que essa multidão não se compunha de seres individuais, cada
de suassua história, seu deus único, seus tesouros e suas taras, um monólogo e umcom
eufazia deles, sem o saber, à sombra de meu corpo, ao abrigo de meus olhos, umdestino; identicamente aspirados por não sei qual vazio, e cuja correntedegr,ios todos idênticos,
122-124.1930,
pp.[M 20, 2)
se baseia, entre outras coisas, no pressuposto de que o fruto do ócio é maisque 0 do trabalho. Como se sabe, 0 flâneur realiza "estudos". O do
secul XIX diz a esse respeito o seguinte: "Seu olho aberto e seu ouvido atento procuram
coisa diferente daquilo que a multidão vem ver. Uma palavra lançada ao acaso lhe revela um
desses traços de caráter que não podem ser inventados e que é preciso captar ao vivo; essas
fisionomias táo ingenuamente atentas vão fornecer ao pintor uma expressão com a qual ele
sonhava; um ruído, insignificante para qualquer outro ouvido, vai tocar o do músico e lhe
dar a idéia de uma combinação harmónica; mesmo ao pensador, ao filósofo perdido em seu
döaneio, essa agitação exterior é proveitosa: ela mistura e sacode suas idéias, como a
tempestade mistura as ondas do mar... Os homens de gênio, em sua maioria, foram grandes
flåneurs; mas flâneurs laboriosos e fecundos... Muitas vezes, é na hora em que o artista e o
poeta parecem menos ocupados com sua obra que eles estão mais profundamente imersos
nela. Nos primeiros anos deste século, via-se todo dia um homem dar a volta nas fortificações
da cidade de Viena, não importando o tempo que fizesse, neve ou sol: era Beethoven que,
flanando, repetia em sua cabeça suas admiráveis sinfonias antes de lançá-las no papel; para
ele, o mundo não existia mais; em vão o cumprimentavam respeitosamente em sua
caminhada - ele não percebia; seu espírito estava em outro lugar. Pierre Larousse, Grand
D:ctwnnaire Universel, Paris, 1872, vol. VIII, p. 436 (verbete: "Flåneur").IM 20a, 11
Sob os tetos de Paris: "Essas savanas de Paris eram formadas por telhados nivelados como uma
planície, mas que cobriam abismos povoados." Balzac, La Peau de Chagrin, Ed. Flammarion,p. 95. O fim de uma longa descrição da paisagen dos telhados de Paris.
(M 20a, 21
Descrição da multidão em Proust: "Todas essas pessoas que andavam sobre o dique„
ançando o corpo como se estivessem no convés de um navio (porque não sabiam ergueruma perna sem ao mesmo tempo mover o braço, virar os olhos, levantar os ombros,
498 Passagens
com um movimento balanceado 0 movimento que acabavam de do ladose
congestionar o rosto), e que, fingindo não ver as outras pessoas para mostrar que naosepreocupavam com elas, espiavam, porém, aquelas que andavam ao seu lado ou vinham
sentido inverso para não correrem o risco de se chocarem, batiam contra elas,
nelas, porque tinham sido reciprocamente o objeto da mesma atençãO secreta, disfarçada
sob o mesmo desdém aparente; o amor — e conseqüentemente o temor -- da multidão
sendo um dos mais poderosos estímulos em todos os homens seja porque PrOCuram
aos outros ou impressioná-los, seja para lhes mostrar que os desprezam." Marcel pr
À I'Ombre desJeunes Filles en Fleurs, vol. III, Paris, p. 36.21
[M 21.11
A crítica das Nouvelles histoires extraordinaims, publicada por Armand de Pontmartin em
Spectateur, de 29 de setembro de 1857, contém uma frase que, embora se referindo ao
caråter geral do livro, teria seu verdadeiro lugar em uma análise do "Homem da multidão",
"Estava bem ali, sob uma forma cativante, essa implacável dureza democrática e
não considerando mais os homens senão como números e, no fim, atribuindo aos números
alguma coisa da vida, da alma e do poder do homem." Mas será que esta frase não se refere
mais especificamente às Histoires Extraordinaires, publicadas anteriormente? (E onde se
encontra o "Homem da multidão"?) Baudelaire, (Euvres Complètes, Traduções: Nouvelles
Histoires Extraordinaires, Paris, ed. Crépet, 1933, p. 315. — A crítica no fundo é maldosa[M 21,21
O espírito do sonambulismo encontra seu lugar em Proust (não sob este nome): "Este
espírito de fantasia que faz tão bem às damas que dizem para si mesmas: 'como será divertido!'
e as faz terminar a noite de maneira deveras fatigante, buscando forças para acordar alguém
a quem finalmente não se sabe o que dizer, permanecer ao lado de sua cama por ummomento em seu casaco de soirée, para, ao constatar que é muito tarde, terminar indo para
casa deitar-se." Marcel Proust, Le Temps Retrouvé, vol. II, Paris, p. 185.22
[M 11
Os projetos arquitetônicos mais específicos do século XIX — estações ferroviárias, pavilhõesde exposição, lojas de departamentos (segundo Giedion) — têm todos por objeto um interessecoletivo. O flâneur sente-se atraído por estas construções "desacreditadas e cotidianas",como diz Giedion. Nelas já está prevista a aparição de grandes massas no palco da história.Elas constituem a moldura excêntrica na qual as últimas pessoas privadas gostavam tantode se exibir. (Cf. K 1a, 5)
[M 21a, 21
21 M. Proust, À Ia Recherche du Temps Perdu, l, pp. 788-789. (J.L.)22 op. cit., III, p. 994.0.1.)
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