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A CONSTITUIÇÃO DE GRUPOS DE ESTUDO COMO ESTRATÉGIA
DE FORMAÇÃO CONTINUADA CENTRADA NO PROTAGONISMO
DOS DOCENTES DO ENSINO SUPERIOR
Inge Renate Fröse Suhr
Ingesuhr2011@gmail.com
Centro Universitário Internacional – Uninter
Eixo Temático: Aprendizagem em serviço e desenvolvimento profissional
docente
Tipo de Apresentação: Pôster com relato de experiência
Resumo Este trabalho relata uma experiência de formação continuada de professores desenvolvida numa IES privada. Toma por base a pesquisa-ação, compreendendo que a percepção da pesquisadora e as informações destacadas pelos interlocutores se completam e favorecem o avanço na compreensão de ambos os lados da pesquisa em relação ao objeto em questão. O objetivo da pesquisa foi refletir sobre o potencial da constituição de grupos de estudos, com adesão voluntária, na mobilização da reflexão dos docentes sobre sua prática, buscando referencial teórico para compreendê-la de maneira mais ampliada. Como resultados é possível relatar que para os participantes do grupo a aprendizagem foi extremamente significativa, tanto nos aspectos teórico-práticos quanto na constituição de uma rede de apoio. Palavras-chave: formação continuada, docência no ensino superior, grupo de estudos
O nível de titulação dos professores do ensino superior vem evoluindo
significativamente no Brasil, indicando a melhoria de sua formação no que ser refere
ao domínio e ao aprofundamento do conhecimento na área específica. Por outro
lado, Pimenta e Anastasiou (2002), Severino (2003), Fernandes (1988) Isaia (2006),
Suhr (2008) apontam que grande parte dos professores se vê na situação de
assumir uma turma de ensino superior sem preparação para isso nos programas de
pós-graduação. Comumente estes docentes repetem o que vivenciaram como
alunos e tendem a idealizar a figura do aluno, tendo dificuldades para lidar com o
“novo” público que hoje busca o ensino superior: o aluno trabalhador, oriundo de
classes que até pouco tempo não tinham acesso a este nível de ensino. Soma-se a
isso o fato que a realidade do século XXI demanda cidadãos e profissionais com
maior autonomia ética e intelectual, capazes de aprenderem no decorrer de toda a
vida, preparados para a incerteza, indicando que o paradigma de ensino no qual os
“iniciados” transmitem a alguns poucos aprendizes o conhecimento considerado
válido, já não se sustenta.
Os argumentos acima justificam a necessidade de formação continuada dos
professores de ensino superior abordando os aspectos do fazer docente.
Defendemos que, para além dos processos formativos individuais, é necessário
instituir, sob responsabilidade da Instituição de Ensino Superior (IES), processos
coletivos, tomando a realidade vivenciada como ponto de partida para as reflexões,
que serão fundamentadas teoricamente.
A formação continuada precisa ser processual porque a construção do saber
docente na interface entre teoria e prática, que não se dá de modo imediato. Nóvoa
(1997) nos lembra que o diálogo entre os professores é fundamental para consolidar
os saberes oriundos da prática, da vivência e que estes devem ser tomados como
ponto de partida para a reflexão teoricamente fundamentada.
A defesa do próprio local de trabalho como espaço de formação tem apoio em
Candau (1996) e Vasconcellos (2007), e se coloca porque as características do
espaço físico, a cultura organizacional, o perfil do aluno atendido, dentre outros, são
fatores que influem diretamente no trabalho docente e que precisam ser ponto de
partida para o que Libâneo, Oliveira e Toschi (2003) denominam reflexão crítico-
reflexiva do professor sobre sua práxis e reconstrução de sua identidade pessoal.
Do mesmo modo, tomar as dúvidas, anseios, inquietações, bem como
práticas exitosas dos participantes como ponto de partida favorece que a busca de
referencial teórico adquira significado, contribua para elucidar aspectos que o grupo
deseja compreender melhor, aspecto também descrito por Vasconcelos (2007).
Nesta forma de organizar a formação, abre-se espaço para a formação mútua,
baseada nos saberes da experiência, à luz dos referenciais teóricos.
A defesa da fundamentação teórica como elemento essencial objetiva superar
o que Moraes (2003) denomina epistemologia da prática. Este termo se refere à
ênfase na prática na formação docente, desvalorizando a busca de referenciais
teóricos. Concordamos com a autora que somente a “prática iluminada pela prática
(práxis) é que garante uma ação pedagógica mais consciente, crítica, e não alienada
e alienadora”. (Suhr, 2011, p.193) A teoria, que em última instância, sempre tem
origem na prática, cumpre o papel de permitir a compreensão ampliada dos
problemas vivenciados e ajudar no planejamento de ações mais acertadas na
direção da qualidade do processo ensino-aprendizagem.
Relatando a vivência no grupo de estudos
Com base nos elementos indicados – formação no local de trabalho; vivencias
dos docentes como ponto de partida; fundamentação teórica como elemento
necessário à compreensão ampliada do fenômeno educativo – a Coordenação
Pedagógica da IES pesquisada propôs a criação de um grupo de estudos. A
divulgação do grupo ocorreu por meio de cartazes, e-flyers, e-mails e a adesão por
parte dos professores, voluntária. A contrapartida da IES para a participação foi a
oferta dos livros sugeridos pelo grupo para estudo, além um certificado para os que
tivessem, no mínimo, 75% de frequência aos encontros – que poderia ser
aproveitado para o avanço no plano de cargos e salários. O grupo de estudos iniciou
suas atividades em fevereiro de 2014 e manteve, no decorrer deste ano, encontros
quinzenais com duas horas de duração.
Num primeiro encontro a Coordenação Pedagógica expôs a proposta e os
presentes definiram como objetivos para o grupo: a) refletir acerca das
características do aluno na atualidade a partir da realidade da IES; b) favorecer a
constante melhoria da ação docente na IES; c) propiciar a construção coletiva de
conhecimento e sua divulgação (artigos, eventos). A metodologia de trabalho,
apresentada pela coordenação e aprovada pelos participantes é a discussão, mas
sempre fundamentada em leituras prévias. Como parte desta estratégia maior, em
alguns momentos houve divisão de tarefas de estudo entre os participantes e
posterior apresentação aos colegas de textos ou capítulos de livros. Outras
estratégias, tais como cine-debate e convite a professores ou consultores externos
também foram previstas, mas no decorrer do ano, a opção do grupo foi mais na
direção de discutir, com base nas leituras realizadas, as vivências em sala.
Ficou acordado também, que a cada encontro um dos participantes
assumisse o papel de escriba, registrando as discussões do grupo. A memória de
cada reunião era disponibilizada num ambiente virtual criado para o grupo, de modo
que todos tivessem acesso e pudessem, inclusive, ampliar, complementar,
questionar o relato. Neste mesmo ambiente virtual cada um dos participantes
poderia também postar vídeos, filmes, músicas, textos, links, que contribuíssem para
as reflexões.
As discussões partiram da análise dos dados coletados pela Comissão
Própria de Avaliação (CPA) com os alunos ingressantes nos últimos 3 anos. O
objetivo disso era conhecer melhor e desmistificar a visão idealizada em relação a
quem é o aluno com o qual estes docentes estão trabalhando. O aporte teórico para
esta reflexão veio de duas obras: uma, tomando como foco o olhar docente sobre o
aluno (Pimenta & Anastasiou, 2003) e a aprendizagem do adulto (Nogueira, 2009).
No decorrer do processo os participantes foram se sentindo mais à vontade,
constituindo realmente um grupo, para o qual traziam suas angústias e descobertas,
sentindo-se apoiados nos colegas. Como a constituição de uma rede de apoio
também era um objetivo do grupo de estudos, em vários momentos a coordenação
do mesmo permitiu que as discussões “saíssem” do que havia sido previsto,
direcionando-as no sentido das demandas trazidas. Mas, era forte seu papel de
levar à reflexão à luz da teoria, tentando evitar a leitura rasa das situações relatadas,
bem como o tom de reclamação.
Ao final do primeiro semestre foi realizada uma reunião específica para
registrar, segundo a visão dos participantes, quais as situações relativas ao trabalho
docente na IES lhes causavam incômodo e que poderiam orientar as discussões no
segundo semestre. Apesar de serem temas específicos à IES, consideramos
relevantes citá-los, pois podem contribuir para que outros professores percebam
que, em outros lugares e tempos, colegas seus vivem e refletem sobre coisas
semelhantes.
O primeiro ponto se refere a dificuldades em lidar com alunos que tem
dificuldades específicas (leitura, cálculo, dislexia, TDAH, etc.) ou mesmo, que são
alunos com necessidades educativas especiais (cegos, surdos, portadores de
síndromes do espectro autista). Questionou-se o papel do professor e da IES em
relação a estes alunos e, em contrapartida, com a sociedade: temos o compromisso
de formar profissionais capacitados? É o mercado que seleciona os profissionais? O
avanço de alguns alunos, mesmo que não suficientes para considerá-los
competentes, é mais importante do que o resultado final de aprendizagem?
Outro aspecto citado se refere a como lidar com a questão da imaturidade dos
alunos, o uso intensivo de celulares e outros equipamentos similares em sala
distraindo a atenção, bem como o imediatismo, o utilitarismo, o que dificulta o
aprofundamento do estudo quando este implica em mais tempo, em leitura e
reflexão. Isso remete também ao fato de parte dos alunos assumem postura passiva
em sala e com o curso, esperando que o professor ensine, cobre, exija, e abrindo
mão da autonomia intelectual e ética que já deveriam ter no ensino superior.
O terceiro ponto se refere a como potencializar o uso da tecnologia de modo a
favorecer uma aprendizagem significativa. Os docentes consideram que os alunos
se acostumaram a um ensino “zipado”, superficial e utilitário e desejam refletir sobre
como criar a necessidade, o desejo de aprender no aluno, e, ao mesmo tempo,
ensina a disciplina mental necessária para o estudo e a aprendizagem. Ainda nesta
direção, desejam aprender a usar a linguagem dos meios tecnológicos mais
baseados na imagem, mas não para substituir os textos científicos e sim, para
suscitar discussões, comparações, análises...
Merece reflexão também, segundo os docentes, a questão de como lidar o
conflito entre atender as necessidades de alunos que tiveram trajetórias escolares
truncadas e, por isso mesmo, têm menos base no que se refere aos conhecimentos
demandados pelo ensino superior e as exigências de resultados no ENADE, provas
de proficiência, etc.
Os quatro pontos acima citados organizaram o planejamento das ações para
o segundo semestre. Ficou acordado que o grupo intercalaria um encontro de
discussão teórica e um de apresentação e debate acerca de situações vivenciadas
em sala de aula.
As reuniões de estudo do segundo semestre tiveram como base o livro de
Celso Vasconcellos intitulado Construção do Conhecimento em sala de aula, que
também foi disponibilizado aos docentes pela IES. Para as reuniões cujo foco era a
discussão de vivências, alguns componentes se ofereceram para relatar casos,
apresentar estratégias usadas em sala com sucesso, trazer algum estudo ou filme
que disparasse as discussões, etc. O referencial para as discussões sobre a prática
se encontra nas obras lidas e nos dados da CPA analisados no semestre anterior.
À guisa de conclusão: indicativos para o futuro, limites e possibilidades
Ao final de um ano do grupo de estudos, é possível apresentar algumas
reflexões, que, embora embebidas pela parcialidade de quem participou
efetivamente do trabalho, podem orientar outros grupos que desejam trilhar este
caminho. Temos claro que a experiência aqui relatada não pode ser meramente
replicada para outras IES, sob o risco de descumprirmos o princípio norteador da
proposta: pensar a formação continuada a partir do contexto de cada realidade.
Mesmo assim, consideramos que este relato pode suscitar debates, concordâncias e
discordâncias e, com isso, impulsionar o avanço da reflexão acerca da necessária
formação dos professores que atuam em cursos da área de gestão.
Inicialmente importa reconhecer que a IES ofereceu as condições necessárias
para a realização deste processo formativo, inclusive disponibilizando as obras de
referência para os participantes e incluindo a participação no grupo como uma das
atividades que podem ser consideradas para avanço na carreira docente segundo o
Plano de Cargos e Salários. Aos que participaram em pelo menos 75% dos
encontros foi conferido um certificado de participação que pode ser apresentado
para esta finalidade.
Infelizmente alguns docentes não puderam continuar com o grupo até o final,
devido à grande quantidade de atividades que cada um tem. Como a maioria dos
participantes em 2014 eram professores horistas e não com dedicação exclusiva,
esta atividade não fazia parte de suas atividades remuneradas e, à medida em que
recebiam convites para realizarem outros trabalhos, alguns foram deixando o grupo.
Este fato nos aponta o limite do tipo de contrato de trabalho nas IES privadas, em
que o docente é horista e, por isso mesmo, tem mais dificuldades para se envolver
na dinâmica de trabalho como um todo.
Por outro lado, mesmo que alguns professores tenham deixado o grupo,
outros foram se agregando no decorrer do processo e suas inquietações serviram
para oxigenar o grupo. A chegada de “calouros” foi importante para que o grupo não
se fechasse em si mesmo e assumisse, mesmo que indiretamente, a tarefa de pôr
os novatos a par das discussões anteriores.
Como a ideia do grupo era exatamente a participação voluntária, entendendo
que os envolvidos servirão como multiplicadores das ideias e farão, indiretamente, a
divulgação do trabalho realizado, não consideramos um ponto negativo o fato de só
termos tido, em média, 15 participantes. Mas, vale refletir sobre a necessidade de
ampliar este grupo – ou criar outros – de modo que a formação em serviço
realmente se dê.
Não estamos com isso negando o valor de atividades formais, oferecidas
pelas IES a seus professores, tais como palestras ou cursos, mas defendendo as
ricas possibilidades trazidas pela organização de grupos de estudo, principalmente
se seguidos os princípios apresentados desde o início deste texto: formação no local
de trabalho e partir da realidade concreta, relação teórico-prática e protagonismo do
professor.
É possível apontar também alguns aspectos que, ao nosso ver, são
extremamente positivos. Ficou muito claro que, na medida em que as pessoas se
conheciam melhor, foi se estabelecendo um clima de acolhimento e parceria entre
os participantes. Os vínculos criados permitiram que eles relatassem suas
dificuldades e anseios sem medo do julgamento e sim, como forma de buscar apoio
para o crescimento pessoal e profissional. Tais vínculos se estenderam para além do
grupo de estudos, de modo que estas pessoas se reconheciam como “parceiras” e
passaram a conversar mais em momentos informais como por exemplo nos
intervalos, em salas de professores.
Num ambiente acadêmico, em que o trabalho dos professores costuma ser
muito solitário (lecionam disciplinas diferentes, encontram-se pouco) e altamente
exigente, a possiblidade de pertencimento a um grupo de iguais, que ofereça apoio
e, ao mesmo tempo contribua para ampliar a compreensão dos fenômenos
vivenciados por meio da fundamentação teórica, é de grande relevância. Vários
foram os relatos de participantes no sentido de ansiarem pelo dia da reunião para
poderem trocar ideias com os colegas, contar uma experiência bem sucedida, trazer
um texto que complementasse o que estava sendo discutido.
Obviamente o grupo de estudos, por si só, não basta como estratégia de
formação continuada dos professores da área de gestão, mas consideramos, após a
experiência de um ano, que ele pode vir a desempenhar um papel importante
inclusive na sedimentação de outros momentos tais como palestras, cursos ou
oficinas.
REFERÊNCIAS
Candau, V. M. (1996) Formação Continuada de Professores: tendências atuais. In: Mizukami, M., Reali, A. (org.) Formação de Professores: tendências atuais. (p. 95-105) São Carlos: EdUFSCar.
Fernandes, C. M. (1998) Formação do professor universitário: tarefa de quem? In: MASETTO, M. (Org.). Docência na universidade. (p. 95-112) Campinas: Papirus.
Isaia, S.M. (2006) Desafios à docência superior: pressupostos a considerar. In: Ristoff, D., Severgnani, P. Docência na educação superior: Brasília: Inep.
Libaneo, J.C., Oliveira, J.F., Toschi, M. (2003) Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez.
Moraes. M. C. (Org.). (2003) Iluminismo às avessas: produção de conhecimento e políticas de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A.
Nogueira, M. (2009) Aprendizagem do aluno adulto: implicações para a prática docente. Curitiba, IBPEX.
Nóvoa, A. (org.). (1997) Os professores e sua formação. Lisboa, Portugal: Dom Quixote.
Pimenta, S., Anastasiou, L. (2002) Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez.
Severino, A. J. (2003) Preparação técnica e formação ético-política dos professores. In: Barbosa, R. (org) Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, Recuperado em 15 outubro, 2014, de http://www.sema.edu.br/editor/fama/livros/educacao/FORMA%C3%87%C3%83O%20INICIAL%20E%20CONTINUADA%20DE%20EDUCADORES/FORMA%C3%87%C3%83O%20DE%20EDUCADORES%20DESAFIOS%20E%20PERSPECTIVAS.pdf#page=256.
Suhr, I. (2008) Formação continuada para a docência no ensino superior: concepções norteadoras e encaminhamento metodológico. Anais do VIII Congresso Nacional de Educação – EDUCERE e III Congresso Ibero-Americano sobre violências nas escolas – CIAVE. Curitiba, PUC-PR. Recuperado em 12 setembro, 2014, http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/239_121.pdf
Vasconcellos, C. (2005) Construção do conhecimento em sala de aula. 17ed. São Paulo: Libertad.
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