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Abordagem Centrada na Pessoa: Método, Influências, visão de Ciência e aplicações da teoria de Carl Rogers Introdução Este trabalho tem como objetivo "fazer uma viagem" através de três aspectos fundamentais no pensamento de qualquer grande cientista, a saber, o método, as influencias de outros pensadores no pensamento deste cientista e o conceito de ciência. O cientista a ser estudado aqui é Carl Rogers (1902- 1987) psicólogo americano de intensa produção e de grandes raízes deixadas no Brasil, fundador da Abordagem Centrada na Pessoa. A parte do método foi divida em duas: o da clínica e do trabalho com grupos, áreas onde Rogers desenvolveu vasta produção. Os estudos pedagógicos de Rogers foram deixados de lado, pelo fato de não haver tempo para maiores estudos e estarmos em um curso de Psicologia. Espero fazer com que se perceba a relevância desta abordagem psicológica, não só como técnica Psicoterápica (apesar de, como veremos no decorrer do trabalho, haver este aspecto também), mas como uma teoria psicológica. Tenho, também, o intuito de, a partir das análises que aqui serão feitas, produzir questionamentos que me levem a pensar cada vez mais, construtivamente, acerca da Abordagem Centrada na Pessoa e da Psicologia como um todo.

Abordagem Centrada na Pessoa

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Abordagem Centrada na Pessoa: Método, Influências, visão de Ciência e aplicações da teoria de Carl Rogers

Introdução

Este trabalho tem como objetivo "fazer uma viagem" através de três aspectos fundamentais no pensamento de qualquer grande cientista, a saber, o método, as influencias de outros pensadores no pensamento deste cientista e o conceito de ciência.

O cientista a ser estudado aqui é Carl Rogers (1902-1987) psicólogo americano de intensa produção e de grandes raízes deixadas no Brasil, fundador da Abordagem Centrada na Pessoa.

A parte do método foi divida em duas: o da clínica e do trabalho com grupos, áreas onde Rogers desenvolveu vasta produção. Os estudos pedagógicos de Rogers foram deixados de lado, pelo fato de não haver tempo para maiores estudos e estarmos em um curso de Psicologia.

Espero fazer com que se perceba a relevância desta abordagem psicológica, não só como técnica Psicoterápica (apesar de, como veremos no decorrer do trabalho, haver este aspecto também), mas como uma teoria psicológica.

Tenho, também, o intuito de, a partir das análises que aqui serão feitas, produzir questionamentos que me levem a pensar cada vez mais, construtivamente, acerca da Abordagem Centrada na Pessoa e da Psicologia como um todo.

 

 

A Questão do método em Rogers

1.1 O método Clínico

Rogers desenvolveu sua Terapia Centrada no Cliente a partir de observações tiradas diretamente da clínica, não sendo uma mera especulação para ser aplicado na prática. Pelo contrário, a partir de fatos observados na clínica Rogers desenvolveu suas teorias, tanto a

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de intervenção clínica, quanto a de personalidade (apesar de esta última ter tido menos ênfase do que a primeira).

Segundo Rogers(1970a,p.221)

"a partir de um ponto de vista limitado largamente apoiado na prática, sem verificação empírica, chegou-se a uma teoria da personalidade e das relações interpessoais bem como da terapia, que coordena à sua volta um notável corpo de conhecimentos experimentalmente conhecidos".

Portanto, pode-se inferir que a Abordagem Centrada na Pessoa não é teorizante (no sentido de não produzir teoria antes da prática), mas ela não prescinde de uma teoria, pois, afinal, a preocupação de Rogers era a de fundar uma abordagem psicológica; para isso, logicamente, era necessário que se elaborassem teorias.

Rogers foi pioneiro na psicologia em coleta de dados através de sessões gravadas, tanto em vídeo quanto em áudio. Em seu momento mais experimental (Rogers oscilava entre a objetividade e a subjetividade do cientista), Rogers chegou a medir a precisão de determinadas palavras no decorrer de uma sessão terapêutica*.

Epistemologicamente, Rogers vivia o conflito da objetividade de uma ciência Psicológica-principalmente em um meio eminentemente empirista como o americano (com uma predominância do comportamentismo e da Psicanálise- daí o nome de terceira força dado às teorias "humanistas"), e a sua subjetividade colocada na relação terapêutica. É visível, em seus textos, que o citado Psicólogo norte-americano se questionava, não raro, sobre a neutralidade científica, principalmente na ciência Psicológica, que, diferente das ciências físicas, lidam com pessoas e estas respondem ao que é dito a respeito delas (daí, por exemplo, tantas psicologias). Ou seja, este objeto da Psicologia não é algo estático, pois, por se tratar de um ser humano, responde ao que é dito a seu respeito.

Rogers(1970a, p.177) diz a respeito do seu conflito objetividade versus subjetividade que trata-se de uma "oposição entre o positivismo lógico em que eu fora educado e pelo qual tinha profundo respeito e um pensamento existencial orientado subjetivamente que crescia em mim, porque me parecia adequar-se perfeitamente à minha experiência terapêutica".

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Sobre seu objeto de estudos, Rogers não o parece centrar no cliente nem no terapeuta, mas no entre. De acordo com as leituras feitas para este trabalho, o objeto de estudos de uma Abordagem Centrada na Pessoa não é exatamente o sujeito em terapia (ou os sujeitos), mas a relação terapêutica. Daí, porque, toda a querela a respeito do termo técnica na abordagem. Rogers o contestava, dizendo tratarem-se de atitudes, e não técnicas. Contudo, a confusão parece de ordem semântica.

Se entendermos técnica como um meio de que se utiliza para chegar a um determinado fim (no caso de Rogers, a "pessoa em funcionamento pleno"), toda teoria que se produza a respeito de como se chegou a este fim tem as suas técnicas, ou seja, o seu meio de como se chegou a este fim.

Contudo, se técnica for entendido como um apertar ininterrupto de botões como se o cliente fosse uma máquina (por exemplo: se o cliente chorar, deve-se usar tal comportamento para fazer com que ele cesse seu mal-estar), não podemos falar de técnicas em Abordagem Centrada na Pessoa e, muito provavelmente, em pouquíssimas Psicologias.

Parece que, para Rogers, essa segunda definição de técnica era a que lhe convinha, por isso, talvez, utilizava a palavra atitude para se referir ao comportamento humano, e não técnica. Segundo Kinget (1977b, p.9)

"A afirmação de que não existem técnicas rogerianas, por mais paradoxal que seja, não deixa de exprimir uma característica primordial desta prática terapêutica tal como Rogers a concebe. Para ele, o terapeuta deve se esforçar, tão plenamente quanto possível, em se conduzir como pessoa- não como especialista. Seu papel consiste em pôr em prática atitudes e concepções fundamentais relativas ao ser humano".

Portanto, depois desta tentativa de elucidar esta confusão semântica, parece ser possível se falar em técnica na terapia centrada no cliente, como um meio para se chegar a um fim, pois Rogers mostra de forma muito clara os meios para se chegar a um sucesso em terapia, através do que ele chama de três atitudes facilitadoras. Vale ressaltar o que já dissemos, de que estas três atitudes não se centram nem somente no terapeuta, nem somente no cliente, mas, principalmente, na relação dos dois.

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Explanemos de forma breve quais são e como são concebidas as três atitudes facilitadoras. Estas atitudes são: a consideração positiva incondicional, a empatia e a autenticidade. Vejamos um pouco de cada uma delas:

Consideração positiva incondicional: Consiste em considerar o cliente como um todo, sem submetê-lo a qualquer tipo de julgamento de valores sociais, para que este possa experimentar-se livremente, sem qualquer empecilho ou bloqueio de sua consciência aos seus sentimentos ou atitudes. Segundo Rogers (1992, p.564) "[...] o comportamento do orientador minimiza influências prejudiciais sobre as atitudes expressas. A pessoa, normalmente, sente-se motivada a comunicar seu próprio mundo especial e os procedimentos utilizados encorajam-na a isso [...]".

Empatia: é a capacidade de colocar-se no lugar do outro como se fosse o outro, fazer este outro saiba que está sendo compreendido e respeitado, mesmo que, na relação, haja uma gama de diferenças entre este o terapeuta. Aliás, a diferença, para uma Abordagem Centrada na Pessoa, é algo de fundamental, pois implica em saúde, em "ser você mesmo", num sentido de não se deixar guiar por um outro referencial, que não o da sua própria avaliação enquanto sujeito livre.

Autenticidade: Trata-se da capacidade do terapeuta de ter abertura para a alteridade do cliente, sem precisar se esconder por trás de uma máscara de profissionalismo, tendo acessível, à sua consciência, os dados do momento em que se desenvolve a relação e expressar o que sente ou pensa a qualquer momento em que achar conveniente.

Convém lembrar que Rogers utilizava o termo atitudes para designar o fato de não era algo que poderia ser praticado sem qualquer sinceridade e fora do contexto de uma relação terapêutica específica com cada indivíduo. Portanto, não se trata ações pré-fabricadas para determinadas situações, mas de atitudes vividas e experienciadas no momento de uma específica relação, tendo estas atitudes um total imbricamento entre si, sendo uma totalmente dependente uma da outra.

Já que Rogers elaborou sua terapia, qual seria seu conceito de normalidade? Rogers não se ateve a uma rotulação, uma psicopatologia, pois, para o mesmo (Evans, 1979, p.110),"o uso de testes diagnósticos é pior do que perda de tempo[...] relega o indivíduo

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para a categoria de objeto, de modo que você possa pensar nele , confortavelmente, sem considera-lo como uma pessoa real com quem você se relaciona".

Apesar de sua resistência a conceitos como normalidade e patologia, Rogers (1992, p.577) consegue dar a sua definição de neurose, pois, segundo o mesmo "na neurose típica, o organismo satisfaz uma necessidade não reconhecida pela consciência através de meios comportamentais coerentes com o conceito de self e que, portanto, podem ser conscientemente aceitos".

Para que se compreenda de forma mais clara o que foi explicitado acima, faz-se necessário que falemos acerca da teoria de personalidade de Rogers, pois foi usado o termo self, o que exige uma explanação um pouco mais detalhada.

Para Rogers, o indivíduo cria uma imagem de si, chamada de self, que pode ou não reagir a uma experiência de maneira realista; ou seja, se o indivíduo se percebe como alguém "bonzinho" e que as exigências do meio social onde convive definem que ter atitudes agressivas é algo ruim, quando uma reação de raiva for desencadeada pelo organismo, esta poderá até nem ser experimentada, ou, na melhor das hipóteses, negada, pois, segundo a imagem que o indivíduo tem de si mesmo, ele não é alguém que experimente este tipo de sentimento. Para Rogers (1978b, p.197), as religiões e a família vêm a ser as grandes causadoras de distúrbios psicológicos, com noções como pecado ou o filho ideal. Segundo Rogers (1992, p.566)

"como resultado da interação com o ambiente, e particularmente, como resultado da interação avaliatória como os outros, é formada a estrutura do self- um padrão conceitual organizado, fluido e coerente de percepções de características do eu e do mim, juntamente com valores ligados a este conceito".

Quando se tem uma situação como a citada acima (a do filho ideal), causa-se um desequilíbrio entre a experiência vivida pelo cliente e a percebida pelo organismo. Esse desequilíbrio ocorre, para Rogers, a partir de uma introjeção de valores que não são propriamente do indivíduo, mas de uma série de exigências feitas por sua sociedade. O grande mérito da terapia, portanto, é o de deixar com que o indivíduo seja livre para experimentar todo e qualquer sentimento sem qualquer medo de repressões sociais, uma vez que o terapeuta mantém uma atitude de consideração positiva incondicional, empatia e autenticidade.

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Uma vez em terapia, o sujeito pode ser quem ele é, sem medo de sofrer qualquer exigência de valores por parte do terapeuta. Para Rogers (1974, p.47) o terapeuta "estimula a livre expressão de sentimentos em relação com o problema. Em certa medida essa liberdade é provocada pela atitude amigável, interessada e receptiva do conselheiro".

Poderia-se, talvez, suscitar a seguinte questão: a atitude do terapeuta pode ser considerada uma "amizade comprada"? A resposta para esta questão é negativa, uma vez que se tratam de atitudes e, como tal, é um modo de concepção de ser humano. Portanto, o terapeuta não age de forma artificial, com o mero uso de suas atitudes na clinica, mas na vida de um modo geral, em todas as relações interpessoais.

Por que se dar uma liberdade tão grande de expressão para o cliente? Será que esta pessoa não poderia, por exemplo, ter reações agressivas, ou coisa parecida, para com o terapeuta? A resposta para esta pergunta encontra-se no que Rogers (1978b, p.194) considerava o único postulado básico da ACP: a Tendência Atualizante. Mas que tendência é essa?

Seria uma tendência para a manutenção, crescimento e reprodução do organismo. Além destas características, a tendência atualizante é uma abertura para o novo, para a criatividade. Parte daí a crença de que é o próprio cliente quem vai encontrara a saída para os seus problemas, desde que lhe sejam dadas as condições básicas para que estes problemas sejam superadas.

Esta tendência atualizante pode, eventualmente, segundo Rogers (1983, p.40) "ser frustrada ou desvirtuada, mas não pode ser destruída sem que se destrua o organismo". O comportamento neurótico, segundo Rogers (1978b, p.198) "é o produto dessa dissociação dessa tendência à realização".

Uma questão levantada para a elaboração deste trabalho (e que agora faz mais sentido ainda faze-la, depois de realizadas as leituras) foi a de se a Tendência Atualizante de Rogers pode ser considerada como que fazendo parte da Matriz Funcionalista e Organicista de que fala Luís Cláudio Figueiredo.

A matriz funcionalista e organicista vê o homem através de tre processos básicos: manutenção, reprodução e crescimento do organismo. Rogers (1983, p.40) afirma textualmente que "os comportamentos de um organismo estão voltados para sua manutenção, seu crescimento e sua reprodução".

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Qual era a função da consciência (agida) para os funcionalistas? A de adaptação do organismo a uma determinada situação. Para Rogers, como veremos quando abordarmos a questão da pessoa em funcionamento pleno, é exatamente esta uma característica patente numa pessoa psicologicamente saudável: a fácil adaptação, por ser aberta a novas experiências.

Segundo Figueiredo (1996, p.75) a imagem de organismo para a Matriz Funcionalista e Organicista é a de "um ser vivo plástico, adaptativo, participando ativamente do processo de equilibração em suas interações com o meio".

Portanto, pensando por esse viés, a resposta a pergunta de se podemos ver a tendência atualizante em uma Matriz Funcionalista e Organicista parece ser positiva, mas apenas em parte, pois, como já foi dito, Rogers viveu de forma muito nítida o conflito entre objetividade e subjetividade, e os funcionalistas buscavam ser o mais objetivos e pragmáticos quanto fosse possível.

Na verdade, atribui-se* muito mais a tendência atualizante a um fisiológo norte-americano chamado Kurt Goldstein, que desenvolveu para a psicologia um conceito muito parecido com o da Biologia, o de homeostase. Aliás, não raro, vê-se a citação de The Organism (livro de autoria de Kurt Goldstein) nas bibliografias das obras de Carl Rogers. Contudo, não podemos dizer que Rogers não escapou de influencias de seu contexto sócio-cultural e, no caso dos Estados Unidos, o rastro deixado pela matriz funcionalista deixou pegadas que levaram a caminhos muito bem aceitos naquele meio.

Voltemos à questão do self. Como desenvolver um self saudável? Isso se daria dentro de uma relação que não fosse ameaçadora para a estrutura do self, onde a pessoa fosse considerada de forma integral e um ser múltiplo de possibilidades, podendo apresentar comportamentos variados- socializados ou não. Rogers (1992, p.571) diz que

"o pai ou a mãe capaz de aceitar sinceramente esses sentimentos de satisfação [em bater no irmãozinho] experimentado pela criança, aceitar integralmente a criança que os experimenta, e aceitar, ao mesmo tempo, seus próprios sentimentos de que tal comportamento é inadmissível na família, cria para a criança uma situação muito diferente da habitual".

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É notável, portanto, que a terapia centrada no cliente vem reproduzir este ambiente propício para a experimentação, para a interpretação (num sentido de ação, como no teatro) de si mesmo, onde as possibilidades de existência são respeitadas a partir das condições facilitadoras.

Como seria a "Pessoa em Funcionamento Pleno" descrita por Rogers? Esta pessoa teria algumas características básicas, tais como: maior abertura para o novo, percepção de si, não como uma estrutura rígida e imutável, mas como um ser humano pleno de possibilidades e que pode se reconhecer em sua experiência, porque ele "é" a sua experiência. Para Rogers (1970b, p.263) o cliente

"descobre-se a experimentar [...] sentimentos de modo amplo, completo, no relacionamento, de modo que, em um dado instante, ele "é" o seu medo, a sua ira, a sua ternura, a sua força. E quando vive estes sentimentos amplamente diversos, em todos os graus de intensidade, descobre que teve uma experiência de si próprio, que ele é tudo o que sente".

É preciso que se defina essa abertura para a experiência para que fique claro o que significa este termo para esta Abordagem de Psicologia, pois segundo Rogers (1970, p.266), isso não quer "dizer que o indivíduo se capacitaria, autoconscientemente, de tudo o que se passa no seu íntimo, como a centopéia se tornaria consciente de todas as suas pernas". Uma avaliação organísmica da experiência não se daria em um patamar intelectual, não seria exatamente fazer escolhas a partir de deliberações, mas ser este próprio processo de escolhas, de ser um eterno devir.

A compreensão de si, como esse devir, essa multiplicidade de possibilidades não é, segundo Kinget (1977a , p.70) "refletida ou articulada. É um tipo de conhecimento essencialmente implícito, existindo na experiência[...] Este tipo de compreensão de si é menos um conhecimento do que um modo de funcionamento".

A Pessoa em Funcionamento Pleno seria, mais plenamente, ela mesma. Vale ressaltar, contudo, que este ser ela mesma não é fundado em uma mesmidade. Pelo contrário; ser você mesmo significa não introjetar valores e desejos que não são os experimentados na experiência pontual do momento. Portanto, é ser um fluido, um devir, e não algo estático que consistiria na "essência" da pessoa. Para Rogers, a pessoa hipotética aqui descrita é um processo. Ainda

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segundo Rogers (1970b, p.267) "o eu e a personalidade emergiriam da experiência, em vez de ser esta traslada ou distorcida para adaptar-se a uma auto-estrutura pré-concebida".

É lógico que não podemos nos livrar de valores sociais e jogá-los na lata do lixo, "sendo nós mesmos" o tempo todo; portanto, a pessoa plena de Rogers é hipotética. Esse ser você mesmo implica uma situação ética, pois, a partir da aceitação de sentimentos de si mesmo, por parte do individuo, ele considera a diferença do outro, porque ele quer ser o diferente.

Quais seriam as vantagens de uma Terapia Centrada no Cliente? Para Rogers (1992, p.564)

"a situação [de terapia] minimiza a necessidade de atitudes defensivas [...] a pessoa normalmente sente-se motivada a comunicar seu próprio mundo especial, e os procedimentos utilizadas encorajam-na a isso. A comunicação cada vez maior traz, gradualmente, mais experiências para o âmbito da consciência, e assim, obtém-se um quadro cada vez mais completo e acurado do mundo de experiências do individuo. Dessa forma, emerge um quadro de comportamento muito mais compreensível"

E quais seriam as limitações do que Rogers chamava de observação fenomenológica? Segundo Rogers (1992, p.563)

"Em primeiro lugar, estamos limitados, em grande medida, a obter um contato com o campo fenomenológico da forma como este é experimentado na consciência. [...] quanto mais tentamos inferir o que está presente no campo fenomenológico não consciente [...] mais complexas ficam as inferências, até que a interpretação das projeções do cliente pode tornar-se meramente uma ilustração dos projeções do clínico[...] Além disso, [...] a comunicação é sempre falha e imperfeita. Assim, só de maneira vaga podemos ver o mundo da experiência da forma como ele parece ser para o individuo".

Vale lembrar que, em se tratando de método, Rogers tinha plena convicção de que ciência é um sistema aberto e, portanto, nunca responde de forma completa a pergunta alguma. É fato, por exemplo, que, em todo o decorrer do desenvolvimento da ACP até a sua morte (em 1987), vários foram os métodos e as formas de se abordar o sujeito em sua Psicologia. Portanto, portanto, provavelmente, se ainda

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estivesse vivo, sua abordagem poderia, possivelmente, ter outro nome e, até, abordar o ser humano de forma diferente da que é praticada ainda hoje pelos que clinicam na Abordagem Centrada na Pessoa.

 

 

1.2. O Modelo de Trabalho com Grupos

Assim como na clínica, as teorias acerca do modelo de trabalho com grupos da Abordagem Centrada na Pessoa partiram de observações diretas das realizações do que Rogers convencionou chamar de Grupos de Encontro.

Na segunda metade da década de quarenta, Rogers, juntamente com seus colaboradores, em Chicago, estavam empenhados em um treinamento de conselheiros para administradores dos veteranos, que lidariam com os soldados regressados, contudo, segundo Rogers (1978, p.13)

"Nenhum treino intelectual poderia prepará-los, por isso tentamos uma experiência de grupo intensiva na qual os participantes se reuniam várias horas por dia, a fim de [...] se relacionarem uns com os outros, por formas que pudessem vir a ser de ajuda e que se pudesse transpor para o trabalho de aconselhamento".

Contudo, é somente a partir do final da década de sessenta que o trabalho com grupos vem a fazer parte mais constantemente do trabalho de Carl Rogers. É tanto, que, a partir deste período, encerra o atendimento individual e se dedica exclusivamente ao trabalho com grupos, a partir dos workshops.

Antes de Rogers, Kurt Lewin já desenvolvia idéias de trabalhos com grupos, que se chamavam grupos "T" (de training, em inglês, devido ao treino de capacidades humanas). Os primeiros trabalhos, contudo, só foram realizados, na prática, após a morte de Lewin.

Rogers (1978, p. 13) relata que seu trabalho com grupos era algo paralelo à aplicação práticas das idéias de Kurt Lewin, em 1947. Não podemos, contudo, esquecer-nos de que um pensador não pode fugir das influências que culturais presentes em seu meio. No caso de

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Rogers, como americano que era, e conhecedor do trabalho de Lewin, parece bastante coerente se falar em uma ressonância do trabalho de Kurt Lewin no do criador da ACP, pois, segundo Rogers (1978, p.14) "os alicerces conceptuais de todo este movimento [dos grupos] foram, por um lado, inicialmente, o pensamento lewiniano e a psicologia gestaltista e, por outro, a terapia centrada no cliente".

Rogers (1978, p.14) estabelece uma diferença inicial entre seu estilo de trabalho com grupos e o dos grupos de Bethel (como eram conhecidos os grupos de Kurt Lewin e seus colaboradores), afirmando que os grupos de encontro que desenvolveu "tinham [...] uma orientação experiencial e terapêutica maior do que a dos grupos originados em Bethel".Contudo, segundo o mesmo Rogers (1978, p.14) "esta orientação para o crescimento pessoal e terapêutico fundiu-se com o processo do treino de capacidades em relações humanas e ambas em conjunto formam o núcleo do movimento que se espalha hoje rapidamente [...]".

Feito este pequeno apanhado históricos, podemos nos perguntar a respeito dos grupos: com eles se caracterizam? Os grupos começaram de forma pequena (constando de oito a doze pessoas), mas, numa fase já final do trabalho de Rogers, em Recife, chegou-se a ser registrado um workshop com oitocentas pessoas*. Entre essas pessoas, há a figura do facilitador, que tem como "tarefa" facilitar a expressão dos membros do grupo.

O facilitador, contudo, não exerce, exatamente, um papel de liderança, nem se encontra em um lugar privilegiado ou diferente do dos outros membros. Wood (1983b, p.27) afirma que "[...] o grupo usualmente não tolerará ninguém, nem mesmo o facilitador (como o profissional de ajuda é chamado agora) mantendo-se, com um líder, separado, ou diferente dos outros membros do grupo [...]".

Qual seria a diferença entre o trabalho diádico e o de grupos? Será que é apenas uma ampliação? Wood (1983b, p.28) esclarece que

"[...] Na situação de um para um é possível para o profissional de ajuda manter o drama da outra pessoa sempre em mente. No grupo de encontro, quando se transforma num membro do grupo, o facilitador, sendo agora mais ‘humano’ e vulnerável, tem mais dificuldade de seguir e lembrar-se do drama de cada pessoa. Ele tem de renunciar, a mais ainda, abrir mão do papel de especialista, curador, ou de terapeuta, ou mesmo de profissional de ajuda [...]".

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Muitas vezes, críticas infundadas colocam que o facilitador utiliza um laissez-faire, sem ter um papel atuante dentro do grupo. Isso é uma incompreensão do processo, pois, segundo Fonseca (1998, p.222), "o facilitador assume e respeita na alteridade dos participantes o vigor de uma atitude ativa [pois a ele] não interessa programar ou liderar o grupo, mas privilegiar a espontaneidade dialógica [...] no processo de constituição e desdobramento da realidade grupal".

A atmosfera que caracteriza o grupo é muito parecida com a experimentada na Psicoterapia Centrada na Pessoa, onde as pessoas têm toda uma liberdade para se experimentarem, expressando aquilo que sentem, inclusive sentimentos hostis com relação a outros membros do grupo, sem que isso venha a prejudicar os seus relacionamentos. Na verdade, há uma confiança no auto-direcionamento do grupo, como há na relação terapeuta-cliente (tendência atualizante presente também nos grupos). Segundo Wood (1983b, p.37) "[...] Existe uma ‘sabedoria’ no grupo. Emerge sutilmente e faz-se sentir quando o promotor e outros no grupo se entregam a uma resposta que ninguém espera [...]".

Ainda a respeito da confiança no grupo, Rogers (1978, p.17) afirma que "há um maior feedback de uma pessoa para a outra, de tal modo que cada indivíduo aprende de que maneira é visto pelos outros e que efeito tem nas relações interpessoais". Além do que, se os indivíduos do grupo estão mais abertos para o novo (característica de saúde apontada por Rogers em sua "Pessoa em funcionamento pleno"), o respeito ao outro vai existir.

Os grupos de encontro poderiam, então, ser considerados como um modo de amenizar características existentes em relações, ou seja, fazer com que as pessoas gratuitamente passem a se relacionar melhor? A resposta para Rogers não parece ser positiva, pois segundo o mesmo (1978a, p.136)

"se esse fosse o resultado, poderia ser muito prejudicial, a longo prazo. Pelo contrário, a profunda compreensão que tenho visto aparecer nestes grupos culmina muitas vezes em medidas de ação, positivas [...] que fornecem uma base de ações construtivas comunitárias para remover os piores obstáculos à igualdade racial".

Rogers via como importante o trabalho com grupos, pois, segundo mesmo (1978a, p. 158) "numa cultura atingida por explosões raciais, violência dos estudantes, tensões internacionais insolúveis e todo tipo

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de conflito, instrumento para a melhoria da comunicação profunda é da maior importância".

O modelo de trabalho com grupos, após a morte de Rogers, se esgotou? Será que Rogers desenvolveu tudo que havia para sê-lo? Fonseca (1998, p.225) não pensa assim, pois afirma que

"o modelo de trabalho com grupos[...] está longe de esgotar suas possibilidades, demandando uma compreensão de seus fundamentos fenomenomelogico-existenciais-organismicos, e a ousadia pragmática da experimentação e do intercambio de nossa aprendizagem, para que possa ser utilizado em suas potencialidades próprias, e desenvolvido em sua proposta e aplicações".

Portanto, assim como o trabalho clínico diádico da ACP, o trabalho de grupo ainda tem que ser bastante explorado e experimentado por nós, dentro de nosso próprio contexto e levando este contexto em consideração, pois não podemos considerar as obras de Carl Rogers como livros sagrados onde todas as verdades estão contidas. Antes, faz-se necessário que vejamos Rogers apenas como o iniciador da Abordagem Centrada e que cabe a nós o desenvolvimento infinito do modelo iniciado por este psicólogo americano, pois a ciência nunca pode deixar de ser compreendida como um sistema aberto, sempre com teses prontas para serem refutadas por outras teses que, provavelmente, também o serão.

 

 

As principais influências da ACP

Feitas explanações a respeito do método do trabalho clínico (diádico) e dos métodos do trabalho com grupos da Abordagem Centrada na Pessoa, faz-se necessária uma reflexão acerca das influências de outros pensadores no desenvolvimento da ACP e no pensamento de Carl Rogers.

Falar de influências para a Abordagem Centrada é percorrer um caminho tortuoso, pois Rogers não parece ter deixado muitas pistas sobre os lugares teóricos por onde passou. Logicamente, que Rogers chega a comentar, como será visto no decorrer deste tópico, algumas de suas influências; contudo, é a partir de estudos posteriores (onde muitos brasileiros estão envolvidos) que o trabalho de Rogers vem

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ganhar uma nova cara, saindo do que se poderia chamar de humanismo (possivelmente, no sentido mais ingênuo do termo) para o que os pesquisadores da abordagem aqui estudada vão chamar de Psicologia fenomenológica-existencial, alegando que os pensadores da fenomenologia e do existencialismo influenciaram o pensamento de Carl Rogers, além de uma teorização mais rica do que a presente no trabalho original do fundador da ACP.

A influência a que por repetidas vezes Rogers se refere é a de Otto Rank, a partir de seu modelo de relação terapêutica. Rogers chegou a ver seminários de dois dias com Otto Rank e contratou uma assistente social de orientação "rankiana", com quem, segundo o mesmo (1978, p.202), aprendeu bastante. Rogers (1978, p.202) enfatiza, contudo, que não foi a teoria, mas a terapia de Otto Rank que o atraiu. Rogers (1973, p.39) afirma que, apesar da dificuldade de enumeração das influências recebidas por sua abordagem psicológica, ela tem como "ponto de partida importante" (Rogers, 1973, p.39) a relação terapêutica de Otto Rank, além de críticas feitas por dissidentes da Psicanálise. Pois Rogers (1973, p.40) afirma que "a actual* análise freudiana que ganhou suficiente confiança para criticar os modos terapêuticos de Freud e aperfeiçoá-los é outra fonte".

A respeito da influencia de Otto Rank na prática da Abordagem Centrada na Pessoa, Fonseca (no prelo, p.11) diz que

"[...] Otto Rank imigrou para os Estados Unidos e lá teve forte influência, a partir de suas perspectivas - que valorizavam a relação espontânea entre o terapeuta e o cliente e a potencialização da criatividade - sobre o meio do qual emergiria a Psicologia humanista norte-americana, em particular sobre Rogers[...]".

Esta "relação espontânea" a que se refere Fonseca pode ser bastante percebida no modo como o psicoterapeuta "centrado na pessoa" lida com o seu cliente. A palavra espontânea nos remete ao conceito de autenticidade usado por Rogers (uma de suas condições facilitadoras).

Uma outra influência que Rogers dizia ter recebido é a da Psicologia da Gestalt, a partir de noções do tipo análise do todo, relação figura-fundo e trabalho com a percepção do cliente. Detenhamo-nos um pouco em como podemos perceber estes conceitos no modo de aplicação da Abordagem centrada na pessoa.

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A partir do momento em que a preocupação da Abordagem Centrada na Pessoa não é elementarista, uma vez que se preocupa com o como e não com o porquê do desajuste psicológico, podemos ver a noção de todo presente no modo de concepção teórico-prática da ACP, pois é o modo como o mundo fenomenal se apresenta para o cliente que é enfatizado, e não os elementos que o levaram a percebem uma determinada situação de uma maneira "distorcida" da "realidade".

A relação figura-fundo está presente nos destinos que Rogers dizia existirem para as experiências, pois, segundo o mesmo (1992, p. 550) "[...]a maior parte das experiências do indivíduo constitui o plano de fundo do campo de percepções, mas podem facilmente tornar-se figura, enquanto outras experiências retornam ao plano de fundo".

Para Rogers, a realidade é aquilo que o indivíduo percebe como sendo real, é uma verdade fenomenal, pois segundo o mesmo (1992, p.551) "[...] o campo perceptivo é, para o indivíduo, a realidade". Portanto, é de acordo com a percepção do cliente que a ACP trabalha.

De acordo com algumas afirmações de Rogers (1992, p.559), quando diz que "[...] é fácil perceber como essa necessidade [de afeto] e todas as outras, é elaborada e canalizada [...] em necessidades que se baseiam remotamente na tensão fisiológica subjacente" questionamo-nos se haveria alguma influência da biologia no modo com Rogers concebia o Homem.

Leitão (1986, p.77-8) afirma que "[...] Rogers tem raízes camponesas e seu interesse inicial foi para a biologia e a agronomia, havendo na sua teoria uma forte tendência para explicar o processo da vida e seus conceitos teóricos[...]". Rogers relatava ter vivido em uma fazenda boa parte de sua infância e juventude*, sendo estas as raízes camponesas a que Leitão se refere.

Influência posterior, que algumas pessoas confundem com as anteriores, foi a dos pensamentos de Buber e Kierkegaard, com suas noções de encontro e afirmação do valor da subjetividade, respectivamente.

Rogers afirma que estes pensadores não foram uma influência originária, e que só os leu porque alguns alunos o alertaram a respeito da similaridade de concepção do humano destes pensadores e a sua. Sua sensação foi a de que "[...] era muito agradável descobrir, aí, amigos que nunca pensei que tivesse [...]"(Evans, 1979, p.90).

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Apesar de não ter uma leitura prévia de Kierkegaard e de Buber ao elaborar sua teoria, Rogers admitia uma influencia posterior. Até porque leu o que estes pensadores produziram na década de 50 e produziu até a década de sua morte (80). Rogers fala de uma "[...] influência posterior* de homens como Kierkegaard e Buber, que foi realmente grande[...]"(Evans, 1979, p.118).

Mesmo sendo influências posteriores, Kierkegaard e, principalmente, Buber têm sido estudados por psicólogos que trabalham dentro da Abordagem Centrada na Pessoa, como uma possibilidade de diálogo entre o pensamento de Rogers e destes dois grandes pensadores. Rogers, inclusive, chegou a ter um encontro com Buber.

Mesmo tentando fazer da terapia um lugar para ocorrer o que Buber chamava de encontro, não o era possível acontecer por completo, visto que, se pensarmos com Buber, veremos que o encontro não tem hora nem local para acontecer (pode ser no âmbito da terapia, como também não) e, quando nos apercebemos desse encontro através da relação Eu-Tu, ele já é passado. Além do que, é uma relação em que, por mais que o psicoterapeuta se esquive do poder sobre ele colocado, existe uma relação de poder através dos papéis que são atribuídos a cada pessoa, sendo impossível a ocorrência de uma mutualidade, um pré-requisito para a relação horizontal que caracteriza a relação Eu-Tu.

Amatuzzi (1994, p.58) coloca que

"[...]Rogers gostaria de pensar que um dos exemplos mais eminentes da relação Eu-TU é o da relação terapêutica, coisa que Buber nega, exatamente pela restrição da mutualidade que aí se verifica, pela própria definição da natureza da relação, definição que não depende nem de Rogers nem de Buber, mas está assim socialmente definida ou institucionalizada, faz parte da expectativa de papéis com as quais as pessoas chegam à situação. A relação terapêutica é também uma relação específica e não uma relação totalmente aberta, como seria o contexto para o melhor exemplo de concretização da relação Eu-Tu

Outras influências são relatadas por grandes estudiosos da Abordagem Centrada na Pessoa, mas não citadas por Carl Rogers em sua obra. Na verdade, não podemos dizer que, mesmo não citando estas influências, Rogers não tenha sido tocado por algumas idéias que fizeram parte do contexto cultural onde viveu.

Estas influências relatadas por outras pessoas que estudam Rogers tratam da Fenomenologia e do Existencialismo. Como já dissemos, apesar da pouca leitura de Rogers tanto na Fenomenologia quanto no Existencialismo (havendo, inclusive, má interpretação*, em alguns

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momentos), o contexto cultural pode ter trazido estas influências para seu trabalho.

A partir da década de 80, quando os estudos fenomenológicos-existenciais se iniciaram em torno da ACP, a abordagem saiu de uma matriz romântica e humanista (na concepção mais ingênua do termo) para um corpo teórico mais sólido, recebendo então o rótulo de uma abordagem fenomenológica-existencial, juntamente com a Gestalt-terapia, de Fritz Perls.

"[...] Falar da vertente européia de constituição da ACP e da psicologia humanista é remontar, inevitavelmente, à contribuição de F. Nietzsche ao processo de constituição da cultura da civilização ocidental [...]" (Fonseca no prelo, p.5). Nietzsche afirmava (diferentemente de Sócrates) o valor dos sentidos, do corpo, a afirmação da vida e do vivido, indo contra o azedume da vida e o conceito de culpa pregados pela religião de sua época.

Rogers vem exatamente trabalhar a questão dos valores como algo que impede o crescimento e o desenvolvimento do organismo. Centra na confiança no indivíduo, no organismo, a base para o "sucesso" do processo terapêutico, aproximando seu conceito de "tendência atualizante" do de "vontade de potência", de Nietzsche.

Assim como para Nietzsche, para Rogers a existência também é inocente; não há uma procura no que está por trás de um discurso ou uma descrença nos instintos desprovidos de razão, algo que se expressa no que Rogers chamava de tendência atualizante. Se forem dadas as condições básicas para o organismo crescer, e lhe for proporcionado um clima de liberdade, este vai saber se desenvolver rumo ao melhor caminho possível.

Além do que, Otto Rank, segundo Fonseca (no prelo, p.10), "[...] foi profundamente influenciado pelas perspectivas de F. Nietzsche e buscou integrar estas perspectivas como fundamento de seu sistema de psicoterapia[...]" e, como sabemos, Rogers teve, na relação terapêutica de Otto Rank uma grande influência no inicio de seu trabalho. Portanto, mesmo que "por tabela", Rogers possivelmente recebeu a influência do pensamento nietzscheano em seu trabalho, através de Otto Rank.

Dissidentes do movimento psicanalista também exerceram influência no pensamento rogeriano. Assim como Rogers, Jung, por exemplo, se centra na saúde para o seu conceito de individuação, vendo

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benignidade na existência humana, ao contrário de uma perspectiva psicanalítica.

Reich também teve uma contribuição, quando trouxe o corpo para psicologia e, segundo Fonseca (no prelo, p.10), foi "[...] um dos primeiros a sustentar a perspectiva de uma auto-regulação organísmica [...]". Reich, inclusive, segundo Fonseca (no prelo, p.9) influenciou Kurt Goldstein, que, por isso, "valorizou fundamentalmente estas capacidades de auto-regulação e de auto-atualização do organismo humano como fundamentos [...] de sua psicologia organísmica [...]".

Kurt Goldstein, médico que estudou psicologia, foi uma outra grande influência ao trabalho de Rogers. Segundo Fonseca (no prelo, p.8) "[...] de um eminente neuropsiquiatra e pesquisador, Goldstein morreu estudando fenomenologia e existencialismo [...]". Goldstein é um grande alicerce para a psicologia organísmica, e teve seu trabalho baseado na Psicologia da Gestalt, pois segundo Fonseca (no prelo, p.9)

"[...] contrapôs os seus estudos a uma psicologia fundamentada na distinção corpo-mente e na compartimentalização do corpo e do psiquismo humano em funções independentes, sem uma consideração adequada para com os importantes aspectos de seu funcionamento sistêmico[...]".

 

A noção de organismo como um todo organizado é bastante visível em Rogers, quando este afirma que "[...] o organismo reage ao seu campo fenomenológico como um todo organizado [...]" (Rogers, 1992, p.553). Rogers (1992, p.554) complementa esta frase, afirmando que "[...] o organismo, em todos os momentos, é um sistema organizado total, no qual a alteração de uma das partes pode produzir modificações em qualquer outra [...]". Diante do exposto, podemos perceber que, tanto a visão de Kurt Goldstein quanto a de Rogers são holísticas.

James também influenciou o pensamento de Carl Rogers, principalmente em seus primórdios, quando a coleta de dados estatísticos e a tentativa de tornar a Abordagem Centrada na Pessoa eram preocupações constantes (preocupações estas que foram cada vez mais diminuindo na obra de Rogers). Segundo Leitão (1986, p.80) "[...] um aspecto a ser salientado na história da vida de Rogers é sua formação experimentalista, que o levou a pesquisar longamente

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seus pressupostos teóricos [...]". Talvez, isso responda um pouco acerca da questão sobre o enquadramento da Tendência Atualizante em uma matriz Funcionalista e Organicista.

Segundo Fonseca (no prelo, p.15) o encontro

"[...] da vertente européia com a vertente norte-americana de psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial estas perspectivas da filosofia pragmática de W. James serviram como um poderoso gancho de integração entre a mentalidade da psicologia pragmática norte-americana e as influências fenomenológico existenciais que lhe chegavam, então, da Europa[...]".

Contudo, como já foi salientado, a influência do pragmatismo de James se deu para o nascimento da ACP, pois, já no final de sua vida, Rogers não mais acreditava neste tipo de ciência empirista, propunha uma nova filosofia da ciência para a Psicologia. Dizia Rogers:

"[...] O empirismo permanecerá como parte de nossa ciência, mas para vastas áreas do conhecimento psicológico, precisamos de uma ciência muito mais humana. Não sei que forma poderá tomar, mas sei que não estará longe da fenomenológica[...] Acho que a Psicologia se preocupou tanto em tornar-se ciência para se comparar com a física, que, sob muitos aspectos, virou cientismo. Não creio que estejamos enfrentando os problemas mais fundamentais da

condição humana [...]" (Evans, 1979, p.79)

Há, ainda, a influência de dos psicólogos fenomenológico-existenciais europeus, como Ludwig Binswanger, M. Boss e E. Minkovski, que foram impulsionados pela idéias de Heidegger* e romperam com a Psicanálise.

Além destes psicólogos europeus, houve, evidentemente, a influência óbvia de psicólogos humanistas americanos, como Maslow, Angyal e Rollo May, que, segundo Fonseca (no prelo, p.16) [...] foi um dos organizadores do livro Existência, que pela primeira vez trazia aos Estados Unidos as concepções de psicoterapeutas existenciais europeus,como Binswanger, Minkovski, Stauss e outros [...]". Aliás, segundo o próprio Fonseca (idem) Rogers foi o revisor do livro organizado por May.

A influência de Kurt Lewin é visível no trabalho com grupos e já foi comentada anteriormente.

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Vê-se, portanto, a partir do que foi dito neste tópico, que muitas são as influências recebidas pela Abordagem Centrada na Pessoa, fato que abre espaço para bastantes pesquisas e uma verdadeira arqueologia acerca da história desta abordagem Psicológica. Aliás, Rogers (1974, p.39) já apontava para este fato ao afirmar que a Abordagem Centrada na Pessoa "[...] tem suas raízes em fontes muito diversas. Seria muito difícil indicá-las todas [...]".

 

 

As visões que Rogers tinha de Ciência

Depois de fazer uma visita pelo método de Rogers, tanto na clínica quanto no trabalho com grupos, e observar as influências recebidas por este psicólogo americano, chegamos agora à última parte do trabalho: as visões que Rogers tinha de ciência como e da Psicologia em particular, com posições manifestadas, textualmente, acerca da Teoria Comportamental e da Psicanálise.

Como Rogers via ciência? Será que ele a concebia como um sistema aberto, ou imaginava produzir uma verdade e que todas as outras abordagens de Psicologia não tinham nada a contribuir? Tentemos responder estas questões.

Em se tratando de Psicologia, Rogers via o grande número de Teorias como algo benéfico e rico para esta ciência. Segundo ele (1992, p.14) "[...] a atitude um tanto crítica geralmente empregada com relação a tudo que possa ser definido como uma ‘escola de pensamento’ origina-se de uma falta de apreciação do modo como a ciência se desenvolve [...]". Rogers parecia saber, portanto, que cada método tinha os seus méritos e só vinham enriquecer o desenvolvimento da ciência Psicológica.

Fica claro, então, que, para Rogers, a ciência nada mais é do que um grande número de hipóteses testáveis, e não uma produção de dogmas, de verdades absolutas, onde um grande guru carrega consigo a verdade. Aliás, Rogers se esquivava de uma posição de Guru. Em Evans (1979, p. 118) Rogers diz que "[...] quando se encontra a pessoa que é a chave de tudo, a ‘resposta’, ‘esse é meu guru’, etc., essa é a hora de afastá-lo desta posição [...]".

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Trabalhos como os que são realizados no Brasil acerca de uma maior teorização para a Abordagem Centrada na Pessoa e o percurso por caminhos por onde Rogers não passou, através da Filosofia (tentativa feita principalmente por Fonseca) são vistas como benéficas pelo cientista americano. Rogers dizia sentir "[...] pena das pessoas que trabalharam comigo e se sentiram inclinadas a me destacar como a principal influência em seu trabalho [...]" (Evans, 1979, p.118). Continua, afirmando que "[...] os estudantes que mais me alegraria ter influenciado são os que se dispuseram a ir além, que não hesitam em discordar de mim, que são pessoas independentes [...]" (Evans, 1979, p.118).

Como exemplo vivo do tipo de influência que Rogers gostaria de ter exercido, temos o americano, residente no Brasil, John Wood, que foi colaborador de Rogers no Centro de Estudos da Pessoa, em La Jolla, Califórnia. Wood, segundo Gobbi e al (1998, p. 152) a maior personalidade da ACP, não chega a negar Rogers, mas, assim com Fonseca, propõe uma revisão teórico-prática da abordagem criada por Carl Rogers.

A posição de ciência como um sistema aberto foi imutável no pensamento de Carl Rogers, mas o modo como sua ciência devia ser organizada mudou muito durante a obra do criador da Abordagem Centrada na Pessoa.

Como já foi dito anteriormente, Rogers viveu de forma intensa o conflito entre objetividade e subjetividade. No início de sua produção, Rogers via a psicoterapia como uma técnica, uma tecnologia a ser aplicada sobre o ser humano. Dizia em seu livro (1992, p.23) "Terapia Centrada no Cliente", publicado em 1951, que "[...] no campo da terapia, o primeiro requisito é uma técnica que produza um resultado efetivo [...]".

Portanto, dependendo do período do pensamento rogeriano a ser estudado, há uma preocupação técnica. "Terapia Centrada no Cliente", por exemplo, é, segundo Belém (no prelo, p.15) uma obra clássica do período da "Psicoterapia Reflexiva", quando ainda tinha uma preocupação técnica, neste caso, a técnica da reflexão de sentimentos. A função do terapeuta era comparável a um espelho.

Na última fase de sua carreira, Rogers parecia já ter se decidido a respeito do dilema entre a objetividade e subjetividade, optando pela última. Sabia, inclusive, das críticas que lhe eram feitas pelas outras pessoas, como a de ser um ingênuo. Sobre estas críticas, Rogers (1977c, p.32) dizia: "[...] Para a maioria dos autores, a melhor maneira

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de lidar comigo é me considerar, em um parágrafo, como o autor de uma técnica - a ‘técnica não diretiva’. Definitivamente, não pertenço ao grupo fechado da academia psicológica [...]".

Rogers passou a não crer mais numa ciência empírica e dentro de todo o padrão de ciência concebido em nossa civilização. Na verdade, houve como que um desencantamento com as questões suscitadas pela Psicologia e por todas as ciências em geral. Para Rogers, as ciências estavam longe de estudar algo que realmente interessasse e contribuísse para um progresso humanitário.

O criador da ACP cria em uma ciência autêntica, mais criadora. A este respeito, Rogers dizia: "[...] Ver cientistas autênticos, se me permite a expressão, cientistas imaginativos, curiosos e, prontos a sonhar, cheios de convicção e prontos a testar suas hipóteses e constatar que se enganaram - e comparar com eles os cientistas do comportamento, é muito deprimente [...]" (Evans, 1979, p.89).

Os cientistas do comportamento a que Rogers se refere acima são cientistas presos em um academicismo e uma visão rígida do que é ciência, academicismo este que, segundo o mesmo Rogers "[...] é um dos motivos que impedem a psicologia de ser socialmente importante [...]" (Evans, 1979, p.88).

Rogers achava que o saber psicológico poderia prestar grandes serviços a uma ditadura com planos para a manipulação de indivíduos. Segundo ele, os psicólogos "[...] poderiam ensinar o ditador a manipular a opinião pública e moldar o comportamento [...]". Estas críticas de Rogers, evidentemente, dirigiam-se ao Behaviorismo radical de Skinner, seu contemporâneo e compatriota e cuja perspectiva de Rogers a seu respeito será em breve abordada neste trabalho.

Ainda a respeito da manipulação, podemos pensar: onde entra a ACP na questão relativa ao controle do comportamento humano? Será que ela também não direciona, não controla? A resposta de Rogers a este respeito é que a sua abordagem direciona, sim, mas no sentido de uma autonomia. Diz ele (1970a, p.319): "[...] Estabelecemos, através de um controle exterior, condições que, segundo as nossas previsões, serão acompanhadas por um controle interior do indivíduo sobre si próprio nos seus esforços para atingir os objetivos que interiormente escolheu [...]". Rogers (1970a, p.319) continua, afirmando, mais adiante, que "[...] essas condições estabelecidas por nós [psicólogos que trabalhamos com a ACP] prevêem um comportamento que é essencialmente ‘livre’ [...]".

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Parece haver uma contradição no discurso de Rogers. Como pode ele criticar a manipulação do comportamento, se, de acordo com o que se pode concluir de suas palavras, é "dada" ao indivíduo a sua liberdade? Parece que há uma modelação do individuo para ser a "pessoa em pleno funcionamento" que Rogers nos descreve. Seria o próprio Rogers esta "pessoa em funcionamento pleno"? Esta questão merece um maior aprofundamento e este não é, neste trabalho, o nosso intuito.

Passemos, agora, para a visão de Rogers sobre outras abordagens de Psicologia. Qual era sua opinião acerca do Behaviorismo? E da Psicanálise? São questões que tentaremos elucidar nos próximos parágrafos. Comecemos com o Behaviorismo.

Rogers, como já foi dito aqui, foi contemporâneo e patrício de Skinner. Segundo o modelo de Psicologia eminentemente empirista americano, Skinner tinha um maior respeito e foi, nos anos 70, considerado pela revista Times como o maior psicólogo americano de todos os tempos. Era constante o debate de ambos.

A posição de Rogers era, claramente em oposição ao Behaviorismo. Que fique claro que se tratava de uma questão científica, ou melhor, filosófica, segundo Rogers (1977c, p.36), que acabou "[...] percebendo que a diferença básica entre as posições comportamental e humanística em relação aos seres humanos reside numa opção filosófica* [...]".

A opção filosófica residiria na questão do livre arbítrio, negada pelos behavioristas. Rogers (1977c, p.36) "[…] impossível negar a realidade e a significância do livre arbítrio humano [...]". Quanto à questão de ser a abordagem comportamental a preferida da "psicologia acadêmica" norte-americana, Rogers achava que isso se devia ao seu contexto cultural eminentemente tecnologicamente orientada.

Além disso, a questão não parece ser apenas filosófica, mas de método. Acerca do condicionamento operante, Rogers afirmava que foi "[...] uma verdadeira contribuição, mas acho que o tempo mostrará que foi uma contribuição acanhada, no sentido de que precisamos de algo que inclua muito mais da totalidade da pessoa na ciência da Psicologia [...]" (Evans, 1979, p.122).

Outra abordagem a quem Rogers se opunha era a Psicanálise*, o que é bastante óbvio pelo fato de que ele próprio afirmara receber influências de dissidentes do movimento psicanalítico, como Otto Rank.

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Sobre a Psicanálise, de onde, curiosamente, Rogers veio (mesmo que não fosse um psicanalista ortodoxo), Rogers achava que se tratava de uma abordagem ortodoxa. Dizia ele que "[...] na prática o ponto de vista freudiano o degenerou numa ortodoxia muito estreita que poderia realmente ser comparada ao fundamentalismo. Os freudianos têm que aceitar esse credo, ou não são freudianos [...]" (Evans, 1979, p.103).

Rogers comparava, portanto, a psicanálise a uma religião. Ou melhor, os psicanalistas como religiosos, pois acusar a psicanálise em se tratando de seu criador de ortodoxa pode ter, a meu ver (e não sou um grande estudioso de psicanálise, admito), no mínimo, duas respostas.

Assim como Rogers, Freud tinha na sua teoria um organismo vivo e, de acordo com o que se verificava na clínica, modificava-a sem o menor constrangimento por fazê-lo. Contudo, Freud rompia com aqueles que tivessem um ponto de vista diferente do seu. Assim foi, por exemplo, com Carl Gustav Jung, que era considerado por Freud o príncipe coroado, mas que, ao falar que nem toda pulsão é sexual, foi expurgado do círculo psicanalítico.

Rogers afirmava a respeito dos psicanalistas que eles "[...] se uniram mais firmemente entre si e se organizaram em atitudes cada vez mais defensivas, o que, no final das contas, deixa-os frustrados [...]" (Evans, 1979, p.105). Ainda acerca da teoria psicanalítica Rogers afirmava que esta "[...] repousa, de fato, em dogmas essencialmente não comprovados e acho que, depois de algum tempo, o mundo começa a ficar um pouco cansado disso [...]" (Evans, 1979, p.104).

Outra divergência que podemos encontrar entre Freud e Rogers diz respeito à questão da natureza humana. Enquanto Freud via-a de forma predominantemente pessimista, Rogers era otimista (e, às vezes, até ingênuo demais). Segundo Gusmão (texto da internet, p.2)

"[...]Quando apreciamos a obra freudiana, observamos que toda ela é marcada por um certo ceticismo em relação ao homem. Sendo a natureza humana, na sua visão, determinada, sobretudo, pelas pulsões e forças irracionais, oriundas do inconsciente; pela busca de um equilíbrio homeostático; e pelas experiências vividas na primeira infância [...]"

Para Rogers, a confiança no Homem era a base para o desenvolvimento de sua abordagem, uma vez que, como já dissemos, é a tendência atualizante, que leva a uma crença na benignidade

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humana, pois se for proporcionado um clima de liberdade, o ser humano saberá reagir de forma sábia, sem instintos destrutivos ou algo do tipo (pelo menos, esta é a proposta da ACP).

Em se tratando de críticas à sua abordagem psicológica, Rogers se irritava muito com as pessoas que o consideravam superficial. Afirmava ele que "[...] isso simplesmente não é verdade. Essa crítica, que me lembre, me perturbou mais do que qualquer outra, porque não me considero superficial. Não se pode levar a sério muitas críticas porque se baseiam na mais completa falta de compreensão do que eu e meus colegas temos feito [...]" (Evans, 1979, p.121).

Como Rogers tinha conhecimento de que saber é poder, tinha muito medo de o que poderia ser feito de seu trabalho com relação ao futuro. Portanto, quero encerrar este tópico, citando um longo trecho do prefácio de seu terceiro livro: Terapia Centrada no Cliente, de 1951, onde já temia os rumos que sua abordagem poderia vir a seguir:

"[...] De boa vontade, eu eliminaria todas as palavras deste original, se pudesse, de alguma forma, apontar com eficácia a experiência que é a terapia. A terapia é um processo, uma coisa em si, uma experiência, uma relação, uma dinâmica. Não é o que este livro diz a seu respeito, não mais do que uma flor é a descrição de um botânico ou o êxtase do poeta diante dela. Se este livro servir como um grande indicador apontando para uma experiência que está aberta aos nossos sentidos da audição e da visão e a nossa capacidade de experiência emocional, e se despertar o interesse de alguns e estimulá-los a explorar a coisa-em-si, ele terá cumprido seu propósito. Se, por outro lado, este livro for se juntar à massa já avassaladora de palavras escritas sobre palavras, se incutir nos leitores a idéia de que a pagina impressa é tudo, então terá fracassado lamentavelmente. E, se sofrer a degradação definitiva de tornar-se conhecimento de sala de aula- no qual as palavras mortas de um autor são dissecadas e despejadas na mente de estudantes passivos, de tal maneira que indivíduos vivos carreguem consigo as partes mortas e dissecadas do que já foram pensamentos e experiências vivas, sem ao menos a consciência de que algum dia já foram vivas- melhor seria que este livro jamais houvesse sido escrito [...]".

 

Que Fenômenos são Contemplados pelo Método da ACP?

Basicamente, onde houver relações humanas, podem ser aplicados os conceitos da Abordagem Centrada na Pessoa. Portanto, não há uma restrição ao campo da Psicoterapia, até pelo trabalho de grupos desenvolvido por Carl Rogers.

Não raro, podem ser encontrados chefes de recursos humanos de empresas com uma orientação "rogeriana". Segundo Gobbi et al (1998, p.23) a aplicação da ACP em uma organização seria no sentido de "[...] ‘liderança e administração centradas no grupo’, seja no treinamento de pessoal, ou mesmo no acompanhamento de atividades desenvolvidas em organizações [...]".

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A pedagogia é uma outra área onde as teorias de Rogers podem ser aplicadas*, pois Rogers dedicou duas obras suas à pedagogia, propondo o que chamou de "Ensino Centrado no Aluno", que, segundo Gobbi et al (1998, p.23), "[...] consiste numa grande discussão de Rogers a respeito de educação e escolas, que se desenvolve em uma nova perspectiva pedagógica, bem como numa formulação própria do sentido de aprendizagem [...]".

Os trabalhos da Psicologia Comunitária usam recursos desenvolvidos nos de Grupos de Encontro, juntamente com os Círculos de Cultura de Paulo Freire, o que os profissionais de Psicologia comunitária chamam de "Círculos de Encontro".

Rogers tentou explicar fenômenos sociais a partir de sua abordagem, mas pecou pela ingenuidade presente em sua proposta, pois acreditava que, a partir de uma revolução pessoal, poderia haver uma revolução social. Este tipo de visão por parte do citado psicólogo americano deu margem a uma série de produções na década de 80 criticando sua visão não-dialética dos processos sociais*.

Mesmo assim, é possível uma aplicação da ACP para a Psicologia social a partir de "[...] especificações para a psicoterapia de grupo, condução de grupos de trabalho, aplicações pedagógicas, aplicações à pesquisa não social (prática da entrevista ‘não-diretiva’), aplicações ao aconselhamento e á intervenção psicossocial [...]".

Como se percebe, os fenômenos cujo método da Abordagem Centrada na Pessoa são eminentemente práticos (daí, talvez, a razão de se dizer que a preocupação da abordagem é técnica), não possuindo explicação para fenômenos sociais ou subjetivos, não se caracterizando, portanto, como uma super-teoria, diferente do que acontece com a Psicanálise (que leva seu conceito de Inconsciente até às últimas conseqüências) e com o Comportamentismo (que tudo explica a partir do conceito de Condicionamento Operante); com isso, conclui-se que a Abordagem Centrada na Pessoa não é, ao contrário das outras duas abordagens citadas, um sistema, configurando-se como uma teoria aplicável a relações humanas.

 

 

Conclusão

Espero com este trabalho ter conseguido mostrar um pouco do que pode ser estudado na obra de Carl Rogers no que diz respeito ao método, influências, sua visão de ciência e aplicações de sua teoria.

Tenho a expectativa, também, de ter mostrado que, além das técnicas desenvolvidas por Rogers, há, também, a sua teoria de personalidade e sua preocupação epistemológica, além de uma visão muito clara, por parte deste cientista, de que ciência é um sistema aberto e composto hipóteses, jamais por certezas.

Sei que este tipo de estudo exige anos a fio de leitura (tenho paciência e posso esperar, lendo), mas espero que tenha servido (pelo menos para mim) como o início de uma série de estudos a serem feitos acerca da abordagem no que tange tanto às questões aqui abordadas quanto a outras que (espero) venham a surgir durante todo o decorrer do curso de Psicologia.

 

 

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[1] Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (Brasil) e Professor da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Pará (Brasil)

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