Psicoterapia Centrada Pessoa Processo Reintegracao Personalidade

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  • Faculdade de Cincias da Educao e Sade FACESCurso de Psicologia

    Psicoterapia Centrada na Pessoa:evidncias empricas do processo de reintegrao da

    personalidade, observadas em estudo de caso

    Luciano Gomes de Carvalho Pereira

    Braslia DFjulho / 2009

  • Luciano Gomes de Carvalho Pereira

    Psicoterapia Centrada na Pessoa:evidncias empricas do processo de reintegrao da

    personalidade, observadas em estudo de caso

    Monografia apresentada Faculdade deCincias da Educao e Sade doCentro Universitrio de Braslia UniCEUB como requisito parcial obteno do ttulo de PsiclogoOrientador: Prof. M.Sc. FredericoGuilherme Ocampo Abreu

    Braslia DFjulho / 2009

  • Faculdade de Cincias da Educao e Sade FACESCurso de Psicologia

    Esta monografia foi aprovada pela comisso examinadora composta por:

    _________________________________________________

    Prof. Frederico Guilherme Ocampo Abreu

    _________________________________________________

    Prof. Otvio Abreu Leite

    _________________________________________________

    Prof. Carlene Maria Dias Tenrio

    A Meno Final obtida foi:

    _______________

    Braslia, julho / 2009

  • Agradecimentos

    Nesta oportunidade em que, ao cabo de rduos anos de estudosacadmicos, tenho o privilgio de apresentar banca examinadora monografia deconcluso do curso de graduao em Psicologia, manifesto minha gratido:

    Primeiramente a Deus Aquele que Era, que , e eternamente Ser ,pelo dom da vida; pela faculdade, a ns concedida, de aprender e discernir, crescere caminhar no sentido da plenitude humana. Como preceituam as SagradasEscrituras:

    O corao do entendido adquire o conhecimento, e o ouvidodos sbios procura o saber (Pv. 18:15).

    minha esposa, Rosyonne, e a meus filhos, Igor e Thas, pelo constanteapoio, considerao positiva e emptica compreenso.

    A meus amigos e colegas, companheiros de jornada nesta longaperegrinao.

    Ao professor Otvio Abreu Leite, pelos preciosos ensinamentos ministradosno campo da Abordagem Centrada na Pessoa, e dedicada superviso de meutrabalho no CENFOR, como psicoterapeuta estagirio.

    Ao professor Frederico Guilherme Ocampo Abreu, meu orientador nestetrabalho de concluso de curso, pela pacincia, apoio e valiosa orientao.

    Aos demais professores do UniCEUB, que contribuem com esforo ededicao para a boa formao de psiclogos.

    A Joana, pela confiana depositada, bravura e determinao.

    E a todos que, de forma direta ou indireta, contriburam para esta realizao.

  • No a linguagem que se encontra no homem,mas o homem que se encontra na linguageme fala do seio da linguagem assim tambm

    acontece com toda palavra e com todo esprito.O esprito no est no Eu, mas entre o Eu e o Tu.

    Martin Buber.

  • vResumo

    A Psicoterapia Centrada na Pessoa foi criada por Carl Rogers como resposta aodesafio de desenvolver uma cincia humana autntica, no mbito da Psicologia,segundo uma nova concepo. Com o passar dos anos, firmou-se como uma dasprincipais abordagens humanistas em Psicologia, tendo como premissa bsica atendncia ou impulso, inerentes ao ser humano, de concretizar, manter e aperfeioaro organismo que experimenta. Postula que o desajustamento psicolgico decorre desituaes ameaadoras, que ativam na pessoa mecanismos de defesa capazes deevitar ou distorcer a simbolizao da experincia. A Psicoterapia Centrada naPessoa tem por finalidade estabelecer um contexto de relaes humanas positivas,condio necessria liberao da experincia bloqueada, ensejando a mudanada percepo. Como fruto da maior congruncia entre a imagem de si e aexperincia em que consiste o processo de reintegrao da personalidade , ocomportamento do indivduo pode modificar-se. O processo teraputico desenvolve-se a partir de atitudes de autenticidade, compreenso emptica e consideraopositiva incondicional, manifestadas pelo psicoterapeuta em relao ao cliente; destaforma, o primeiro se torna, para o segundo, um outro significativo. Estabelecidas taiscondies, o processo tende a evoluir gradativamente, ao longo de sete estgios,definidos por Rogers, com caractersticas prprias. Mediante a adoo de mtodoqualitativo de pesquisa, procedeu-se ao estudo de um caso, relativo a trabalhopsicoteraputico, segundo a Abordagem Centrada na Pessoa, em clnica voltadapara a formao de psiclogos, mantida pelo UniCEUB. A cliente, do sexo feminino,com 30 anos de idade, foi atendida em dois semestres consecutivos, no ano de2007, por dois diferentes estagirios, alunos de graduao em Psicologia.Apresentava um quadro severo de depresso, ansiedade, comportamentosobsessivo-compulsivos, tendo manifestado ideao suicida. Embora viesse aospoucos, a partir de evento traumtico, adquirindo conscincia acerca dos gravesabusos fsicos e emocionais e da explorao material de que era vtima, revelava-seimpotente para modificar tal situao. Estabelecida a aliana teraputica, apsicoterapia evoluiu de forma satisfatria, constatando-se progressiva mudana defases, desde a terceira at a quinta, no decurso das dez ltimas sesses.Identificaram-se evidncias empricas do processo de reintegrao da personalidadee de outros aspectos da teoria da personalidade preconizada por Carl Rogers. Umaeventual contribuio que o presente estudo de caso possa oferecer Cinciapoder ser confirmada ou, qui, contraditada mediante a realizao detrabalhos congneres.

    Palavras-chave: psicoterapia, centrada, personalidade, processo, reintegrao.

  • vi

    Abstract

    Client-Centered Therapy (CCT) was founded by Carl Rogers as a response to thechallenge of developing an authentically human science according to a newPsychology conception. As years went by, CCT has become one of the mainhumanistic approaches to Psychology. CCTs basic premise is humans naturaltendency (or impulse) towards achieving, maintaining, and improving theexperiencing organism. CCT assumes that psychological maladjustment arises fromthreatening conditions, which engender a defensive process. This process consists ofthe selective perception or distortion of the experience and/or denial to awareness ofthe experience or some portion thereof. CCTs goal is to establish a context ofpositive human relationships, a necessary condition for the release of the blockedexperience and for changes of perception. As congruence between self andexperience increases the process of reintegration ones behavior may change.The Client-Centered Therapy process is born from attitudes of authenticity, empathicunderstanding and unconditional positive regard shown by the therapist to the clientin such a way that the former becomes a significant other to the latter. Given theseconditions, the reintegration process tends to develop gradually. Rogers has definedseven phases of the therapeutic process, each one with its own peculiar features.Following a qualitative research method, a case study was undertaken. The casepertains to a Client-Centered Therapy performed at a clinic maintained by UniCEUBdevoted to training Psychology students. The client, a thirty years old woman, hadbeen under therapy for two consecutive semesters, in 2007. Two Psychologytrainees had worked in sequence as her therapists. When she came to therapy, shewas diagnosed with severe depression and anxiety; obsessive-compulsive behaviorand suicide ideas. A traumatic event somehow induced the client to acquire somedegree of consciousness about the serious physical and emotional abuses andmaterial exploration to which she had been inflicted. Nevertheless, she had no powerto modify her condition. Once the therapeutic alliance was established, the therapyevolved positively. Phase changes have been observed, from third to fourth and laterfrom fourth to fifth steps, along the last ten sessions. Empirical evidence of thepersonality reintegration process has been observed, as well as evidence related toother aspects of Carl Rogers personality theory. Similar studies with other patientsmust be performed in order to either confirm or refute the findings of the presentcase.

    Key words: client-centered, therapy, personality, reintegration, process.

  • SUMRIO

    Resumo .............................................................................................................. v

    Abstract .............................................................................................................. vi

    1. INTRODUO ............................................................................................... 091.1. Contextualizao do tema ........................................................................... 09

    1.2. Problema de pesquisa ................................................................................. 10

    1.3. Objetivos ...................................................................................................... 121.3.1. Objetivo geral ............................................................................................ 121.3.2. Objetivos especficos ................................................................................ 121.4. Justificativa e relevncia .............................................................................. 13

    2. FUNDAMENTAO TERICA ...................................................................... 142.1. Histria e Bases Filosficas da Abordagem Centrada na Pessoa .............. 14

    2.2. Principais conceitos da Psicoterapia Centrada na Pessoa ......................... 19

    2.2.1. O conceito de self ..................................................................................... 20

    2.2.2. O complexo de considerao ................................................................... 21

    2.3. Teoria da Personalidade proposta por Carl Rogers .................................... 22

    2.4. Premissas bsicas da Psicoterapia Centrada na Pessoa ........................... 32

    2.5. O funcionamento psquico do indivduo ...................................................... 33

    2.6. Condies do processo teraputico proposto por Carl Rogers .................. 34

    2.7. O processo da terapia ................................................................................. 35

    2.8. As fases do processo psicoteraputico proposto por Rogers ..................... 37

    3. MTODO ........................................................................................................ 413.1. Pesquisa qualitativa ..................................................................................... 41

    3.2. Estudo de caso ............................................................................................ 42

    3.3. Procedimentos metodolgicos ..................................................................... 44

    3.3.1. Aprovao do projeto de pesquisa pelo Comit de tica em Pesquisa .... 44

  • 3.3.2. Participante ............................................................................................... 44

    3.3.3. Coleta de dados ........................................................................................ 45

    3.3.4. Anlise de dados ...................................................................................... 46

    4. RESULTADOS E DISCUSSO ...................................................................... 474.1. Sntese da histria de vida da cliente .......................................................... 47

    4.2. Primeiro semestre de psicoterapia: maro a junho de 2007 ........................ 484.3. Segundo semestre de psicoterapia: agosto a novembro de 2007 ............... 50

    5. CONSIDERAES FINAIS ............................................................................ 59Referncias ......................................................................................................... 62

    ANEXOS ............................................................................................................. 64

    Anexo 1 Comit de tica em Pesquisa UniCEUB Parecer ConsubstanciadoAnexo 2 Termo de Consentimento

  • 91. INTRODUO1.1. Contextualizao do tema

    As abordagens humanistas em Psicologia e, entre elas, a AbordagemCentrada na Pessoa, de Carl Rogers surgiram em meados do sculo XX comouma terceira fora, um movimento que se oferecia como alternativa s duastendncias dominantes, quais sejam: a Psicanlise e o Behaviorismo.

    Carl Rogers, nascido em Oak Park, Estados Unidos da Amrica, em 1902 (efalecido em 1987), comeou a praticar a Psicologia em 1927. Aps vrios anos deprtica psicolgica em um centro de orientao infantil em Rochester, Nova York,insatisfeito com o modelo tradicional, passou a desenvolver uma nova propostateraputica. Em 1942, publicou seu primeiro livro: Counseling and Psychotherapy(Psicoterapia e Consulta Psicolgica). Entre 1945 e 1950, trabalhou vinculado aoCentro de Aconselhamento da Universidade de Chicago, perodo em queaprofundou a elaborao terica de suas ideias.

    Bem sucedida, a proposta de Carl Rogers consolidou-se como prticapsicoteraputica. Desta, originou-se uma teoria de personalidade, que ensejou aabertura de um novo campo de pesquisa, em Psicologia. A Abordagem Centrada naPessoa transcendeu as fronteiras da psicoterapia, alcanando outras esferas,relativas s relaes interpessoais e educao.

    Entre 1945 e 1976, a Psicoterapia Centrada na Pessoa chegou ao Brasil deforma episdica, por meio de psicoterapeutas que tiveram a oportunidade de realizarcursos no exterior. Em 1977, Carl Rogers veio pela primeira vez ao Brasil,retornando em 1978 e em 1985, tendo realizado conferncias, grupos de encontro econcedido entrevistas. Tassinari (1994) denomina de pr-histria a primeira fase ede fertilizao a segunda, que se estende de 1977 a 1986; nesse segundo perodo,verificou-se o entrosamento entre profissionais, a organizao de eventos e acriao de ncleos de formao e desenvolvimento profissional.

    Ainda segundo Tassinari (op. cit.), entre 1987 e 1989 teria ocorrido, noBrasil, um declnio da importncia da Abordagem Centrada na Pessoa, decorrentedo luto pelo falecimento de Carl Rogers (EUA, janeiro de 1987) e de RachelRosenberg (So Paulo, junho de 1987), bem assim em razo do afastamento deprecursores expressivos. Verificou-se significativa reduo na publicao de artigos,

  • 10

    livros e teses. Entretanto, a partir de 1990, segundo a mesma autora, ter-se-iainiciado um perodo de ascenso/renascimento da Abordagem, constatando-se umaumento significativo de formao de ncleos; elevao da oferta de eventosvivenciais ou de aprimoramento profissional e da produo escrita, com a publicaode artigos e a apresentao de trabalhos nos referidos eventos.

    Em 1994, realizou-se em Maragogi, Alagoas, o VII Encontro Latino-Americano da Abordagem Centrada na Pessoa. Dois dos trabalhos ali apresentados(HOLANDA, 1994 e TASSINARI, 1994) so referidos nesta monografia.

    No presente, embora se tenha consolidado o lugar da Abordagem Centradana Pessoa no mbito da Psicologia, surgem novos desafios. Muitos outros modelostericos e prticos oferecem-se como alternativas aos tradicionais Behaviorismo,Psicanlise, Anlise Junguiana e Humanismo, com suas mltiplas vertentes.Proliferam na sociedade contempornea novas formas de psicoterapia, sejam elasde enfoque corporal, originrias ou derivadas do trabalho de Wilhelm Reich;abordagens ps-modernas como a Teoria da Subjetividade, de Fernando G. Rey,ou o Construcionismo, de Seymour Papert ; propostas teraputicas baseadas nasneurocincias, com destaque para EMDR - Eye Movement Desensitization andReprocessing1, de Francine Shapiro e Somatic Experiencing2, de Peter Levine; aPsicologia Cognitiva, que se destaca como a abordagem que mais publica, naatualidade e, assim, mais se difunde e consolida no meio acadmico; entre outras.

    1.2. Problema de pesquisa

    Assim como as demais psicoterapias de base humanista, a proposta de CarlRogers enfrentou fortes resistncias por parte dos defensores de uma metodologiasupostamente mais cientfica, com base nos pressupostos dominantes no meioacadmico. Ainda no sculo XIX, o filsofo francs Auguste Comte j negara Psicologia a possibilidade de ser abrangida no sistema cientfico que preconizava,observando que seu objeto de estudo a "psique", entendida como "mente" nose apresenta como objeto observvel, no se enquadrando, portanto, nas exignciasdo positivismo (FIGUEIREDO; SANTI, 2000).

    1 EMDR em portugus: dessensibilizao e reprocessamento por meio de movimentos oculares.

    2 Somatic Experiencing em portugus: experincia somtica.

  • 11

    Em diversas oportunidades artigos, livros, palestras, entrevistas Rogers defendeu sua proposta, afirmando haver exaustivas evidncias empricas daeficcia da Psicoterapia Centrada na Pessoa, bem assim da validade de suafundamentao terica.

    Rogers prope, para a Psicologia, o desafio de desenvolver uma cinciahumana autntica, segundo uma nova concepo, necessria a uma verdadeiracincia psicolgica. Ele afirma que, ao insistir em adotar um conceito newtoniano e ultrapassado de cincia, "a Psicologia, no obstante seus milhares deexperimentos, suas multitudes de ratos brancos, seus vastos experimentos comlaboratrios, computadores, medidas estatsticas extremamente requintadas e todo oresto, em minha opinio est resvalando para trs enquanto cincia significante"(ROGERS; ROSENBERG, 1977, p. 166).

    O ncleo da mudana proposta por Rogers encontra-se sistematizado emum pargrafo de autoria de Michael Polanyi, que transcreve em sua obra:

    Afirmar que a descoberta da verdade objetiva em cincia consiste naapreenso de uma racionalidade que inspira nosso respeito e despertanossa admirao contemplativa; que tal descoberta, embora fazendo uso daexperincia de nossos sentidos como pistas, transcende essa experinciaao abranger a viso de uma realidade maior que nossa impresso sensorial,viso que fala por si ao nos levar a uma compreenso sempre maisprofunda da realidade tal descrio do procedimento cientfico seriausualmente desdenhada como um platonismo obsoleto: um comrcio demistrios indigno de uma era esclarecida. No entanto, exatamente nestaconcepo de objetividade que me proponho a insistir [...] (POLANYI, 1958,p. 5, apud ROGERS; ROSENBERG, 1977, p. 167).

    Rogers prope uma viso mais ampla de cincia, de tal forma que:

    A considerao pessoal e grupal do que plausvel assume tantaimportncia quanto a significncia estatstica. [...] A abertura s experinciaspode ser considerada uma caracterstica to absolutamente importante nocientista quanto o conhecimento de planejamentos de pesquisa. [...]Abranger a explorao de significados pessoais ntimos, carregados deemoo, campo em que eu e meus colegas fomos pioneiros. Ser baseadana compreenso do mundo fenomenolgico do Homem tanto quanto deseus comportamentos e reaes exteriores. (ROGERS; ROSENBERG,1977, p. 167-168).

  • 12

    Enfatizando a importncia da mudana de paradigma que prope, noscursos de graduao e ps-graduao em Psicologia, Rogers conclui de formadramtica: "Se essa mudana no ocorrer, a Psicologia se tornar cada vez maisirrelevante busca pela verdade do homem" (id, ibid, p. 169).

    Em que pesem os muitos anos decorridos desde que Rogers formulou taldesafio, ainda h um intenso debate, no meio acadmico, acerca da questo relativa definio de um paradigma humano e autntico para a Psicologia, entendida comocincia.

    1.3. Objetivos1.3.1. Objetivo geral

    O presente trabalho tem por finalidade verificar, em um estudo de caso, aeficcia da Psicoterapia Centrada na Pessoa, de Carl Rogers, no sentido depromover a reintegrao da personalidade de cliente atendida em centro clnicomantido por instituio de ensino de Psicologia.

    1.3.2. Objetivos especficos pesquisar as bases epistemolgicas da Abordagem Centrada na

    Pessoa;

    verificar a efetividade das atitudes facilitadoras propostas por CarlRogers, compreendidas como tcnicas inerentes modalidadeteraputica em questo;

    verificar a eficcia do trabalho psicoteraputico realizado de formadescontnua, em dois semestres consecutivos, por diferentesestagirios, com a mesma cliente;

    acompanhar a evoluo do processo psicoteraputico, segundo asetapas propostas por Carl Rogers;

    identificar evidncias empricas do processo de reintegrao dapersonalidade da cliente;

    cotejar os dados coletados em relatrios de atendimento com aformulao terica da Abordagem Centrada na Pessoa, verificando

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    em que medida correspondem ou no s expectativas e sesustentam ou contrariam as bases epistemolgicas consideradas.

    1.4. Justificativa e relevncia

    A presente pesquisa tem por finalidade complementar os estudos tericos ea prtica clnica, em Psicoterapia Centrada na Pessoa, realizados pelo estudante aolongo do curso de graduao em Psicologia. Os resultados, aparentementepositivos, alcanados no atendimento de alguns clientes, no Centro de Formao doPsiclogo CENFOR, do Centro Universitrio de Braslia - UniCEUB, motivaram ointeresse pessoal e acadmico do atual graduando em aprimorar o estudo damatria, visando consolidar a base de conhecimentos necessrios sua futuraatuao em Psicologia Clnica e qui contribuir, ainda que minimamente, para odesenvolvimento da cincia.

    A pesquisa proposta demonstra-se relevante, eis que tem por finalidadeexpandir os conhecimentos no mbito da Abordagem Centrada na Pessoa,agregando novos elementos ao acervo ainda relativamente pouco numeroso de trabalhos cientficos realizados no Brasil, enfocando a temtica proposta.

    A presente monografia apresenta-se organizada em cinco captulos, sendo oprimeiro introdutrio; o segundo destinado a reunir a fundamentao terica em quese baseia o trabalho; o terceiro em que se apresenta o mtodo qualitativo, naforma de estudo de caso em que se desenvolveu a pesquisa; o quarto, aquele emque se apresentam os resultados observados no atendimento clnico do sujeito dapesquisa e a discusso dos dados coletados, em face da teoria considerada; e oquinto e ltimo, aquele em que se apresentam as consideraes finais, guisa deconcluso. Seguem-se as referncias bibliografia e textos de livre acesso na redemundial de computadores , encontrando-se anexos o parecer consubstanciado doComit de tica em Pesquisa e modelo do Termo de Consentimento, pelo qual seassegura a concordncia do sujeito, relativa participao em pesquisa.

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    2. FUNDAMENTAO TERICA2.1. Histria e Bases Filosficas da Abordagem Centrada na Pessoa

    A Psicologia uma cincia multifacetada e complexa, cujas origens seencontram, de forma difusa, no mbito da Filosofia e das Cincias Naturais.Figueiredo (1989) afirma que a idade moderna inaugura-se com um fenmeno deamplas e penetrantes repercusses no surgimento da Psicologia contempornea,observando-se, a partir do sculo XVII, uma redefinio das relaes sujeito/objetonos planos da ao e do conhecimento. Nesse cenrio, a ao contemplativa cedelugar progressivamente razo e ao instrumental.

    O mesmo autor, propondo-se a investigar o significado das doutrinas nocontexto dos conjuntos culturais de que fazem parte e nas suas relaes com oprojeto de constituio da Psicologia como cincia independente, identifica, numprimeiro momento, dois grandes grupos de matrizes do pensamento psicolgico,posteriormente subdivididos. De um lado, tm-se escolas e movimentos gerados pormatrizes cientificistas que seguem o modelo das cincias naturais, tendendo afazer da Psicologia uma disciplina biolgica ; e, de outro, as escolas e movimentosgerados por matrizes romnticas e ps-romnticas, em que se reconhece esublinha a especificidade do objeto atos e vivncias de um sujeito, dotados devalor e significado para ele , reivindicando a total independncia da Psicologia dasdemais cincias.

    A Abordagem Centrada na Pessoa, estabelecida no sculo XX por CarlRogers, tem como base filosfica a matriz fenomenolgica e existencialista, quederiva do segundo grupo referido por Figueiredo. O pensamento fenomenolgico,por sua vez, deriva da filosofia de Descartes, que, recorrendo ao exerccio da dvidametdica, alcanou o sujeito pensante como sendo a nica evidncia de que no setem o direito de duvidar (FIGUEIREDO, 1989).

    Emanuel Kant, importante filsofo iluminista do sculo XVIII, trouxeimportante contribuio matriz fenomenolgica. Afirmava ele que o homem s temacesso s coisas tais como estas se lhe apresentam o fenmeno e que a nicaforma de se produzir conhecimento vlido consistiria na restrio ao campo dosfenmenos, posto que as coisas em si seriam incognoscveis (FIGUEIREDO;SANTI, 2000).

  • 15

    Edmund Husserl (1859-1938), filsofo reconhecido como fundador dafenomenologia, contrariou as tendncias dominantes no mundo intelectual de suapoca, propondo que a filosofia tivesse as bases e condies de uma cinciarigorosa. Considerando que o mtodo cientfico produzia verdades provisrias,props, para evitar que a verdade filosfica tambm fosse provisria, que ela deveriareferir-se s coisas como se apresentam na experincia de conscincia, estudadasem suas essncias, em seus verdadeiros significados, de um modo livre de teorias epressuposies, despidas dos acidentes prprios do mundo real, do mundo empricoobjeto da cincia. Assim, a fenomenologia o estudo da conscincia e dos objetosda conscincia. A reduo fenomenolgica o processo pelo qual tudo que informado pelos sentidos transformado em uma experincia de conscincia, emum fenmeno que consiste em se estar consciente de algo (COBRA, 2001).

    Segundo Figueiredo (1989), Husserl critica Descartes por no teraprofundado suficientemente sua investigao epistemolgica, restabelecendo deforma prematura a confiana nos dados da experincia, e tambm no reconheceem Kant a realizao consequente e completa do projeto de crtica epistemolgica.Husserl prope uma filosofia que tem como tema apenas o que se constitui comoobjeto da experincia possvel os fenmenos , atendo-se aos atos deconscincia intencional e seus respectivos objetos imanentes, consideradosevidncias apodticas.

    Struchiner (2003) revela que o naturalismo e o objetivismo so as maioresfalhas apontadas por Husserl na Psicologia emprica experimental do final do sculoXIX e incio do sculo XX, poca em que a Psicologia, influenciada pelo positivismo,consistia basicamente em pesquisas experimentais para medir quantitativamente asrelaes entre estmulos objetivos e respostas subjetivas. Wilhelm Wundt,considerado o pai da Psicologia moderna, foi um expoente nesse campo doconhecimento, tendo fundado na Universidade de Leipzig, Alemanha, em 1879, oprimeiro laboratrio de Psicologia experimental. Muitos autores consideram que, apartir desse marco histrico, a Psicologia tornou-se uma cincia independente daFilosofia.

    No processo de desenvolvimento da Psicologia como cincia, surgiram emseu mbito diversas escolas tericas. Duas grandes foras destacaram-se desdecedo: a Psicanlise e o Behaviorismo. Em meados do sculo XX, surge o

  • 16

    Humanismo como uma terceira fora da Psicologia, cujos autores advogampressupostos divergentes daqueles adotados por aquelas duas grandes escolas. OHumanismo adota uma atitude existencialista e fenomenolgica, em que o homem visto em seu existir no mundo, enfatizando a experincia do outro e admitindo quecada pessoa tem sua maneira nica de dar significado prpria experincia.

    Segundo Rey (2003), a viso de mundo estabelecida pelo existencialismo epela fenomenologia enfatiza o indivduo como centro de suas preocupaes e donode suas decises; um ser soberano, capaz de exercer o direito autodeterminado deliberdade. Nessa perspectiva, resgata-se o indivduo como sujeito ativo e criativo,capaz de assumir posies ante as diferentes situaes que enfrenta, o que nem aPsicanlise nem o Behaviorismo haviam conseguido. Esse mesmo autor ressaltaque o Humanismo apresenta um sujeito capaz de autodeterminar-se, autorrealizar-se ou autoatualizar-se, diferindo da concepo psicanaltica em um aspectoessencial: a capacidade humana de atuar seguindo convices e princpiospessoais, que, em si mesmos, so geradores de subjetivao, e no a meraexpresso de foras ocultas.

    A Abordagem Centrada na Pessoa uma das principais correnteshumanistas, pressupondo uma essncia de natureza racional, positiva, ordeira esocial inerente a todo ser humano. Por conseguinte, cabe ao psicoterapeutahumanista o papel de facilitador do processo do cliente, que se admite possuir em simesmo o potencial para resolver seus problemas e caminhar no rumo daautorrealizao, maturidade, autonomia e independncia (ROGERS, 2001).

    Baseado em larga experincia clnica, Carl Rogers compara sua propostateraputica com a tendncia objetiva, baseada no Behaviorismo, ento dominantenos Estados Unidos da Amrica, e declara:

    Em minha opinio, o clido, subjetivo e humano encontro de duas pessoas mais eficaz para facilitar mudanas do que a mais precisa combinao detcnicas provenientes da teoria do aprendizado ou do condicionamentooperante (ROGERS, 1976, p. 106).

    Segundo Rey (2003), Rogers enfatiza fortemente a dimenso processual dosujeito no curso de sua ao, no se preocupando diferentemente de Allport em desenvolver um modelo terico para compreender a organizao da psique.Esse autor tambm destaca o fato de o Humanismo atribuir significado psicolgico a

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    um conjunto de questes praticamente omitidas por outros enfoques, tais como: osentido da vida, a concepo de mundo e a organizao psicolgica complexa dosvalores.

    Scheeffer (1978) observa que, embora Rogers s viesse a se familiarizarcom o pensamento filosfico de Kierkegaard e Buber posteriormente aodesenvolvimento dos fundamentos da sua teoria, ele admite significativa similaridadeentre o seu ponto de vista e os daqueles filsofos. Referindo-se a Kierkegaard,declara: Ao ler alguns dos seus escritos eu quase acredito que ele devia ter ouvidoas declaraes feitas pelos nossos clientes quando eles procuram e exploram arealidade do seu prprio eu uma busca muitas vezes dolorosa e perturbadora.(ROGERS, 1961, apud SCHEEFFER, 1978, p. 43)

    Holanda (1998) observa que, no pensamento de Martin Buber, afundamentao da existncia humana repousa basicamente sobre a palavra:

    O homem a palavra, ele a expresso da linguagem. a linguagem queintroduz o ser do homem na existncia. A linguagem o pressuposto darelao. A palavra a portadora do ser. [...] A palavra , pois, ato, visto seratravs das palavras que o homem se torna homem e se coloca face aomundo e aos outros. [...] pelo dilogo que o ser se pe em relao com omundo. No se pode separar o sujeito que fala da relao que eleestabelece com esse ato de falar; porque nesta relao que ele (sujeito)se constitui a si-mesmo e ao outro. O sujeito s existe quando inseridonuma relao. Eis a essncia do ser humano: ser-com o mundo.(HOLANDA, 1998, p. 156-157).

    Scheeffer (1978) identifica diversas influncias no pensamento de Rogers.Sua nfase na busca da autenticidade como objetivo final da vida plena seria umaevidncia de identidade com o pensamento de Kierkegaard. Simultaneamente, asideias de Martin Buber relativas importncia atribuda ao coexperienciar e aoverdadeiro sentido de relao na comunicao eu-tu, estariam presentes comovivncia fundamental no aconselhamento rogeriano. O ponto de vistafenomenolgico e de prevalncia do subjetivo e do campo perceptual de Snygg eCombs estaria presente nas origens da teoria de Rogers, mormente no que se refere teoria da personalidade, bem assim a teoria da motivao de Maslow com ahierarquizao das necessidades humanas , em cujo pice se encontra atendncia autorrealizao ou atualizao das potencialidades.

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    Ainda segundo essa autora, o no-dogmatismo, a ausncia de posiesrgidas e a abertura s evidncias empricas tm caracterizado o desenvolvimentoda teoria centrada no cliente atravs dos tempos. Como resultado dessa flexibilidadee fluidez, observam-se algumas mudanas significativas na teoria rogeriana, destesua origem at o presente. A autora acentua a importncia dessas mudanas, emrazo de representarem novos insights, obtidos por meio de considervel nmerode sesses de aconselhamento e psicoterapia, como tambm de pesquisasrealizadas.

    Holanda (1994) afirma que o pensamento de Carl Rogers acompanhou suaprpria teoria, no sentido de atualizar-se continuamente, sempre buscando um maiordesenvolvimento na sua prxis, evoluindo at constituir certas fases bem distintasque servem de parmetro para a compreenso de sua teoria como um todo.Diversos autores divergem quanto esquematizao dessas fases. Segundo Puente(1970, apud HOLANDA, 1994), antes de 1940 Rogers teria seguido uma orientaoecltica. A partir daquele ano, segundo Hart e Tomlinson (1970, apud HOLANDA,1994) e Wood (1983, apud HOLANDA, 1994), haveria trs fases, a saber: 1)psicoterapia no-diretiva (1940 a 1950); 2) terapia centrada no cliente (1950 a 1957);e 3) terapia experiencial (1957 a 1970).

    Com base em algumas posies explcitas de Rogers e em algumasconstataes prprias, Holanda (1994) prope a existncia de uma quarta fase.Moreira (1993, apud HOLANDA, 1994) assinala uma considervel mudana doposicionamento de Rogers em direo a uma terapia fenomenolgica, ainda que noalcanasse realizar tal mudana a contento. Uma preocupao maior com ainterao com o cliente teria substitudo uma postura mais intelectualizada ecentrada na pessoa-indivduo. Dessa forma, a ltima fase meramenteespeculativa, segundo o autor compreenderia os ltimos anos de sua vida (1970a 1987), perodo em que Rogers, abandonando a terapia individual, dedicou-seintegralmente s atividades de grupo e s questes que se acercavam dorelacionamento humano na coletividade.

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    2.2. Principais conceitos da Psicoterapia Centrada na Pessoa

    Nos muitos livros publicados, trabalhos escritos e apresentaes orais deRogers, uma srie de conceitos especficos se destacam (ROGERS, 1959, 1974,2001, 2005; ROGERS; KINGET, 1977; RUDIO, 2003). Segue-se a definio dealguns desses conceitos, necessria compreenso da teoria de personalidade:

    ameaa ocorre quando o indivduo se d conta, de modoplenamente consciente ou de modo subliminar (por meio dasubcepo), de que certos elementos de sua experincia noconcordam com a ideia que faz de si mesmo;

    ansiedade 3 fenomenologicamente, trata-se de um estado demal-estar ou tenso, cuja causa o indivduo no conhece; vista doexterior, corresponde a uma tomada de conscincia latente, peloindivduo, do conflito que existe entre o seu eu e a totalidade desua experincia;

    empatia ou compreenso emptica consiste na percepocorreta do quadro de referncia de outra pessoa, com as nuancessubjetivas e os valores pessoais que lhe so inerentes; perceber omundo subjetivo do outro como se fssemos essa pessoa;

    experincia de si expresso, cunhada por Standal4, queabrange todos os fatos e acontecimentos do campofenomenolgico que o indivduo reconhece como sendorelacionados com o eu;

    percepo significado prprio, pessoal, que cada indivduo d scoisas, pessoas e acontecimentos;

    processo de avaliao do organismo refere-se ao modo comoo indivduo avalia a experincia, empregando critrios que jamaisso rigidamente determinados; os critrios se modificam emfuno da simbolizao da experincia vivida e das necessidadesde conservao e de valorizao do organismo e do self;

    3 Anxiety (ROGERS, 1959) ou angstia (ROGERS; KINGET, 1977).

    4 STANDAL, 1954, apud ROGERS, 1959.

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    quadro interno de referncia 5 conjunto de experincias sensaes, percepes, significaes, lembranas disponveis conscincia do indivduo, num dado momento; representa o mundosubjetivo do indivduo;

    tendncia atualizao tendncia inerente que move todoorganismo no sentido de desenvolver todas as suaspotencialidades, de maneira a favorecer sua conservao e seuenriquecimento;

    vulnerabilidade estado de desacordo que pode existir entre o eue a experincia, implicando risco de desorganizao psquica.

    2.2.1. O conceito de self

    Self um conceito central na Psicologia de Carl Rogers, sendo til examin-lo parte. Rudio (2003) no encontra traduo adequada em portugus para essetermo, que afirma designar o sentido que o indivduo atribui a si mesmo, ou suapercepo como ser-no-mundo. Para esse autor, os termos que mais se aproximamdo conceito originam seriam imagem de si, conceito de si ou autoimagem,prevalecendo em sua obra a primeira expresso. Alguns autores preservam ovocbulo original, em lngua inglesa, enquanto outros o traduzem por eu ou ego.Rogers (1959, p. 200) reuniu em um nico tpico trs conceitos interrelacionados, asaber: self, concept of self e self-structure. Ao traduzir esses termos para oportugus, Maria Lusa Bizotto empregou, respectivamente: eu, ideia ou imagemdo eu (ou de si) e estrutura do eu (ROGERS; KINGET, 1977). Rachel L.Rosenberg, no livro escrito em parceria com Rogers, adota o termo autoconceito,equivalente a concept of self (ROGERS; ROSENBERG, 1977).

    Os termos self, concept of self e self-structure servem para designar aconfigurao experiencial composta de percepes relativas ao eu, as relaes doeu com o outro, com o meio e com a vida, em geral, assim como os valores que oindivduo atribui a essas diversas percepes. Essa configurao se encontra numestado de fluxo contnuo em constante mudana, embora organizada e coerente

    5 Internal frame of reference (ROGERS, 1959), ou ponto de referncia interno (ROGERS; KINGET,

    1977).

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    , sendo disponvel conscincia, ainda que no seja necessria ou plenamenteconsciente (ROGERS; KINGET, 1977).

    Rudio (2003) enfatiza que, no indivduo ajustado, a imagem de si (ou self)constitui expresso adequada das necessidades e sentimentos do organismo. Logo,nessa condio, a imagem de si e o organismo encontram-se em harmonia. Odesajustamento psicolgico decorre de falha na comunicao interna do indivduo,que passa a utilizar critrios alheios para avaliar suas experincias, estabelecendo-se um desacordo entre estas e sua representao na conscincia.

    2.2.2. O complexo de considerao

    Trata-se de uma configurao de experincias relativas ao eu que oindivduo reconhece como tendo para ele o valor da considerao (positiva ounegativa) de determinada pessoa ou prpria (de si mesmo).

    Considerao de si ou autoconsiderao (self-regard, no ingls original)designa o sentimento de considerao que o prprio indivduo experimenta em facede certas experincias relativas ao eu, independentemente da considerao queoutras pessoas lhe atribuam.

    A considerao positiva incondicional e a autoconsiderao positivaincondicional constituem noes-chaves do sistema rogeriano. O aspecto positivorefere-se forma como uma determinada experincia afeta a pessoa que dela tomaconscincia, envolvendo sentimentos e atitudes de calor, acolhida, simpatia, respeitoe aceitao. O aspecto incondicional consiste em se considerarem igualmentedignas de considerao positiva todas as experincias vivenciadas pela pessoa.

    A avaliao condicional ou seletiva (conditions of worth, no ingls original) um conceito, desenvolvido por Standal, que substitui a noo (originria daPsicanlise) de introjeo de valores, sendo decorrente da atitude de pessoas-critrio frente ao comportamento do indivduo. Ocorre avaliao condicionalquando o indivduo procura (ou evita) certas experincias, em razo de lheparecerem (ou no) dignas de considerao positiva.

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    2.3. Teoria da Personalidade proposta por Carl Rogers

    Diferentemente de outros grandes expoentes da Psicologia, quedesenvolveram teoricamente suas abordagens e posteriormente procuraramimplement-las na prtica, Carl Rogers realizou, ao longo de muitos anos, um vastoe fecundo trabalho clnico e, a partir da experincia acumulada e das constataesrepetidamente confirmadas, props uma teoria de personalidade.

    Rogers e Rosenberg (1977) apresentam a pessoa e o pensamento docriador da Abordagem Centrada na Pessoa em uma viso retrospectiva. Ao avaliarseu trabalho ao longo de quarenta e seis anos, Carl Rogers procura identificar osmotivos que fizeram com que sua obra causasse um impacto to generalizado. Eleatribui tal fenmeno ao fato de haver expressado, no momento propcio, a hiptese,gradualmente formada e testada, de que a pessoa tem dentro de si vastos recursospara a autocompreenso, para modificar seu autoconceito, suas atitudes e seucomportamento autodirigido; e que, para mobilizar tais recursos, basta proporcionarum clima de atitudes psicolgicas facilitadoras, passvel de definio. Essa hiptese ao mesmo tempo to nova e to antiga no resultou de uma teoria degabinete, mas desenvolveu-se a partir de passos bastante concretos, quais sejam:

    1. ele aprendeu, por meio de experincias difceis e frustradoras, queapenas ouvir de maneira compreensiva a um cliente e tentar transmitiressa compreenso, eram foras poderosas na mudana teraputica dapessoa;

    2. Rogers e seus colaboradores compreenderam que a ateno empticaconstitua uma das janelas menos nubladas de acesso ao funcionamentodo psiquismo humano, em todo o seu complexo mistrio;

    3. a partir de suas observaes, Rogers e colaboradores fizeram infernciassimples e formularam hipteses testveis;

    4. ao testarem-se as referidas hipteses, fizeram-se descobertas sobrepessoas e relaes interpessoais; esses dados e a teoria que osabrangeu mudavam continuamente, medida em que surgiam novasdescobertas;

    5. considerando que os dados em questo referem-se a aspectos bsicosrelativos maneira pela qual as capacidades para a mudana, inerentess pessoas, podem ser liberadas; e ao modo pelo qual as relaes

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    interpessoais podem promover ou destruir essa mudana autodirigida;evidenciou-se sua ampla aplicabilidade;

    6. considerando que situaes que abrangem pessoas, mudanas em seucomportamento e efeitos de diferentes tipos de relaes interpessoaisesto presentes em quase todos os empreendimentos humanos, outrospesquisadores passaram a considerar a possibilidade de as hipteses daAbordagem Centrada na Pessoa serem quase universalmente aplicveis,ou serem retestadas ou reformuladas, a fim de serem usadas em umavariedade de situaes humanas.

    Publicado originalmente em 1951, em lngua inglesa, o livro TerapiaCentrada no Paciente, de Carl Rogers, encerra um captulo intitulado Uma Teoriada Personalidade e da Conduta, em que esta apresentada na forma de dezenoveproposies tericas, iniciando-se com o seguinte esclarecimento do autor:

    medida que se vo acumulando os resultados da investigao e daexperincia clnica, inevitvel que os interessados pela terapia centradano paciente procurem formular teorias que incluam e expliquem os fatosobservados e que indiquem direes para novas e positivas investigaes.Este captulo pretende apresentar a nossa forma de pensar atual sobre oproblema e estabelecer uma formulao de mbito mais geral da dinmicada personalidade e da conduta. O nosso trabalho , em grande parte, reunirsimplesmente as formulaes tericas contidas, explcita ou implicitamente,em todas as exposies acerca da terapia e das suas consequncias para apersonalidade. (ROGERS, 1974, p. 465).

    A traduo para o portugus da obra original, por Manuel do Carmo Ferreirapara a Moraes Editores 6, de Lisboa, Portugal, resultou numa linguagem pouco clarapara o leitor brasileiro. Adriano F. Holanda reapresenta essas mesmas proposiestraduzidas numa linguagem mais adequada ao jargo da Psicologia e ao idiomafalado no Brasil. Esse autor destaca que:

    A teoria da personalidade de Rogers reflete sua prpria experinciaclnica, bem como sua preocupao de psicoterapeuta com a mudana dapersonalidade do cliente, fundamentando-se na observao do fenmeno apartir da prxis clnica. [...] Seu esforo de esboar uma teoria dapersonalidade fruto de uma tentativa de manter uma postura crtica

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    cientfica, sendo comprometida com uma ordem de fatores, comuns scircunstncias nas quais se encontrava inserido, como o meio acadmicoem que vivia (HOLANDA, 1998, p. 71).

    Todavia, esse autor entende que o esforo de Rogers revela-seexcessivamente subjetivista; suas proposies centram-se na funcionalidade dapersonalidade, no em sua estrutura. No conseguindo estabelecer claramente umateoria da personalidade esquematizada, Rogers teria, na realidade, apresentadouma teoria relativa mudana da personalidade.

    So as seguintes as dezenove proposies de Rogers relativas personalidade, segundo a traduo de Holanda (1998, p. 84-89):

    1. todo indivduo existe num mundo de experincia em constante mutao,do qual ele o centro;

    2. o organismo reage ao campo da maneira como este experimentado epercebido; o campo perceptivo , para o indivduo, realidade; a reao doindivduo uma reao a sua realidade percebida, sendo correto afirmarque vivemos de acordo com um mapa perceptual particular;

    3. o organismo reage ao seu campo fenomenolgico como um todoorganizado;

    4. o organismo tem uma tendncia e um impulso bsicos: concretizar,manter e aperfeioar o organismo que experimenta;

    5. o comportamento , basicamente, a tentativa dirigida para uma meta queo organismo utiliza para satisfazer as necessidades que ele experimenta, nocampo que ele percebe;

    6.a emoo acompanha e, em geral, facilita o comportamento dirigido parauma meta, sendo que o tipo de emoo relaciona-se com os aspectos debusca versus consumao de comportamento; e a intensidade da emoorelaciona-se com a importncia percebida do comportamento para apreservao e o aperfeioamento do organismo;

    7. o melhor ponto de observao para compreender o comportamento aestrutura de referncia interna do prprio indivduo;

    8. uma parte do campo da percepo total torna-se gradualmentediferenciada como self;

    9. como resultado da interao com o ambiente, e particularmente comoresultado da interao avaliatria com os outros, formada a estrutura do

    6 Essa mesma traduo portuguesa de Client Centered Therapy foi publicado no Brasil pela Livraria

    Martins Fontes Editora Ltda.

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    self um padro conceitual organizado, fluido e coerente de percepesde caractersticas e relaes do eu ou de mim, juntamente com valoresligados a esses conceitos;

    10. os valores ligados a experincias e os valores que fazem parte daestrutura do self so, em alguns casos, valores experimentados diretamentepelo organismo e, em outros casos, valores introjetados ou tomados deoutras pessoas que, percebidos de forma distorcida, parecem ter sidoexperimentados diretamente;

    11. medida que ocorrem na vida do indivduo, as experincias podem: a)ser simbolizadas, percebidas e organizadas em alguma relao com o self;b) ser ignoradas porque no h relao percebida com a estrutura do self;ou c) ter uma simbolizao negada ou distorcida porque a experincia incoerente com a estrutura do self;

    12. a maior parte dos modos de comportamento adotados pelo organismoso os que apresentam coerncia com o conceito de self;

    13. a conduta pode surgir em alguns casos de experincias orgnicas e denecessidades que no foram simbolizadas; essa conduta pode serincoerente com a estrutura do self, mas nesses casos a conduta no apropriada pelo indivduo;

    14. o desajustamento psicolgico existe quando o organismo nega conscincia experincias sensoriais e viscerais significativas que,consequentemente, no so simbolizadas e organizadas na gestalt daestrutura do self; quando esta situao ocorre, h uma tenso psicolgicabsica ou potencial;

    15. o ajustamento psicolgico existe quando o conceito de self tal quetodas as experincias sensoriais e viscerais do organismo so, ou podemser, simbolicamente assimiladas para formar uma relao coerente com oconceito de self;

    16. qualquer experincia incoerente com a organizao ou estrutura do selfpode ser percebida como uma ameaa e, quanto mais numerosas foremessas percepes, mais rigidamente a estrutura do self organizada parapreservar-se;

    17. sob certas condies, principalmente na ausncia completa de qualquerameaa estrutura do self, experincias incoerentes com essa estruturapodem ser percebidas ou examinadas, e a estrutura do self pode ser revistapara assimilar e incluir tais experincias;

    18. quando o indivduo percebe e aceita, num nico sistema coerente eintegrado, todas as suas experincias sensoriais e viscerais, ele adquire

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    necessariamente uma compreenso e uma aceitao maior dos outroscomo indivduos diferenciados;

    19. medida que percebe e aceita em sua estrutura de self uma parcelamaior de experincias orgnicas, o indivduo descobre que est substituindoseu sistema de valores atual baseado em grande parte em introjeessimbolizadas de forma distorcida por um processo contnuo deapreciao organsmica.

    Uma segunda sntese terica foi redigida por Rogers, na dcada de 1950, apedido de Sigmund Koch, que ento organizava uma srie de volumes sobre acincia psicolgica, integrantes da obra intitulada Psychology: a study of a science.Rogers trabalhou com afinco por trs ou quatro anos naquele que viria a ser ocaptulo intitulado Uma teoria de terapia, personalidade e relaes interpessoaisnum enfoque centrado no cliente da obra de Koch, tendo formulado, segundo suaprpria opinio, a mais rigorosa teoria sobre o processo de mudana dapersonalidade e do comportamento j escrita at ento. Paradoxalmente, noentanto, aquele teria sido o captulo mais desconhecido de toda a produo escritade Rogers. Embora perplexo, o autor declarou que tal fato no o aborreciaparticularmente, por acreditar que as teorias muitas vezes se transformam emdogmas (ROGERS; ROSENBERG, 1977, p. 38-39).

    Todavia, grande parte dessa obra pouco conhecida de Rogers seria maistarde incorporada ao livro Psicoterapia e Relaes Humanas, escrito em parceriacom G. Marian Kinget (ROGERS; KINGET, 1977).

    Eis, portanto, a segunda srie de proposies relativas personalidade, soba perspectiva da Abordagem Centrada no Cliente (ROGERS, 1959; ROGERS;KINGET, 1977):

    1. Caractersticas da criana: postula-se que o indivduo, durante ainfncia, tenha pelo menos os seguintes atributos:

    1.1. ele percebe sua experincia como realidade; sua experincia constituisua realidade; em consequncia, ele possui maior conscincia potencial do que sejaa sua realidade que qualquer outra pessoa, posto que ningum poderia assumircompletamente seu quadro interno de referncia;

    1.2. ele possui uma tendncia inerente no sentido da atualizao de seuorganismo;

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    1.3. ele interage com sua realidade em termos de sua tendncia bsica atualizao; portanto, seu comportamento uma tentativa direcionada de seuorganismo no sentido de satisfazer necessidade experimentada para aatualizao, no contexto da realidade, como esta percebida;

    1.4. nessa interao, ele se comporta como um todo organizado, como umagestalt;

    1.5. ele se engaja em um processo de avaliao do organismo, tendo comocritrio a avaliao da experincia, com referncia tendncia atualizao;experincias percebidas como capazes de manter ou aprimorar o organismo sovalorizadas positivamente, enquanto aquelas que se percebem no sentido inversoso valorizadas negativamente;

    1.6. ele se comporta de modo aderente s experincias valorizadaspositivamente e de modo esquivo em relao quelas valorizadas negativamente.

    2. O desenvolvimento do self:

    2.1. a tendncia diferenciao constitui uma parte da tendncia atualizao; por esse mecanismo, uma poro da experincia individual sediferencia e simbolizada em conscincia de existir e de agir, o que pode serdescrito como experincia de si;

    2.2. em consequncia da interao entre o organismo e o ambiente,particularmente o ambiente composto por outros significativos, a conscincia deexistir se elabora e organiza para formar um autoconceito, que constitui um objetoperceptual em seu campo experiencial;

    3. A necessidade de considerao positiva:

    3.1. medida que a conscincia de si emerge, o indivduo desenvolve umanecessidade de considerao positiva; essa necessidade universal nos sereshumanos, sendo penetrante e persistente no indivduo; sendo irrelevante, para ateoria, se tal necessidade inata ou aprendida; segue-se que:

    3.1.1. a satisfao dessa necessidade baseia-se em inferncias relativas aocampo experiencial de outra pessoa; consequentemente, sempre ambgua;

    3.1.2. ela se associa a uma vasta gama de experincias individuais;

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    3.1.3. ela recproca: ao mesmo tempo em que um indivduo satisfaz anecessidade de considerao positiva de algum, ele necessariamente experimentaa satisfao de sua prpria necessidade; logo, essas duas situaes sogratificantes;

    3.1.4. h, portanto, evidncias de que a considerao positiva de umapessoa qualquer se comunica ao complexo de considerao total que o indivduoassocia quela pessoa; consequentemente, a expresso de considerao positivapor parte de um outro significativo se torna mais instigante, para o indivduo, que oprocesso de avaliao do organismo; assim, ele se torna mais aderente considerao positiva de tais outros que s experincias de valor positivo no sentidoda atualizao do organismo.

    4. O desenvolvimento da necessidade de autoconsiderao:

    4.1. as satisfaes ou frustraes de considerao positiva, associadas aqualquer experincia de si ou grupo de experincias de si, so vivenciadas peloindivduo de forma independente de transaes de considerao positiva com outrossignificativos; denomina-se autoconsiderao a considerao positiva experienciadadesta forma;

    4.2. uma necessidade de autoconsiderao se desenvolve comonecessidade aprendida a partir da associao de experincias de si com asatisfao ou a frustrao da necessidade de considerao positiva;

    4.3. em consequncia, o indivduo experiencia considerao positiva ou asua falta, independentemente de transaes com quaisquer outros sociais; de algummodo, ele se torna o seu prprio outro significativo;

    4.4. assim como a considerao positiva, a autoconsiderao experienciada em relao a alguma experincia de si particular, ou grupo deexperincias de si, sendo comunicada ao complexo de autoconsiderao total;

    5. O desenvolvimento de um modo de avaliao condicional:

    5.1. quando experincias de si do indivduo so discriminadas por outrossignificativos como sendo mais ou menos merecedoras de considerao positiva, aautoconsiderao torna-se similarmente seletiva;

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    5.2. pode-se afirmar que o indivduo adquire um modo de avaliaocondicional quando ele evita (ou busca) uma experincia de si exatamente por sermenos (ou mais) merecedora de autoconsiderao;

    5.3. se um indivduo apenas experimentasse considerao positivaincondicional, no se desenvolveriam tais modos condicionais de avaliao; suaautoconsiderao seria incondicional; as necessidades de considerao positiva ede autoconsiderao nunca seriam divergentes da avaliao do organismo; e oindivduo permaneceria psicologicamente ajustado e plenamente funcional; emborahipoteticamente possvel e teoricamente importante, esta cadeia de eventos noparece ocorrer na realidade;

    6. O desenvolvimento da incongruncia7 entre o self e a experincia:

    6.1. em razo da necessidade de autoconsiderao, o indivduo percebeseletivamente sua experincia, em termos das condies s quais veio a submeter-se; assim:

    6.1.1. experincias que esto de acordo com as referidas condies sopercebidas e simbolizadas corretamente na conscincia;

    6.1.2. experincias que conflitam com as mesmas condies so percebidasde maneira seletiva e so distorcidas, como se estivessem de acordo com ascondies, ou so parcial ou integralmente negadas conscincia;

    6.2. consequentemente, algumas experincias que agora ocorrem noorganismo no so reconhecidas como experincias de si, no so corretamentesimbolizadas e no so organizadas na estrutura do self de forma adequada;

    6.3. logo, a partir da primeira percepo seletiva em termos condicionais,passam a existir, em algum grau, estados de incongruncia entre o self e aexperincia, de desajustamento psicolgico e de vulnerabilidade.

    7. O desenvolvimento de comportamentos discrepantes:

    7.1. em consequncia da incongruncia entre o self e a experincia,anteriormente descrita, uma similar incongruncia surge no comportamento doindivduo:

    7 Incongruncia: do original (em ingls) incongruence, tambm traduzido por desacordo ou

    distanciamento (ROGERS e KINGET, 1977).

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    7.1.1. alguns comportamentos so consistentes com o conceito de si,contribuindo para mant-lo, atualiz-lo e desenvolv-lo; tais comportamentos socorretamente simbolizados na conscincia;

    7.1.2. alguns comportamentos tendem a manter, desenvolver e atualizaraspectos da experincia do organismo que no so assimilados pela estrutura doself; esses comportamentos no so reconhecidos como experincias de si, oupercebidos distorcida ou seletivamente, de modo a parecerem congruentes com oself;

    8. A experincia de ameaa e o processo de defesa:

    8.1. medida que o organismo continua a ter experincias, qualquer umaque esteja em desacordo com a estrutura do self e com as condies quedominam o processo de avaliao percebida como ameaa;

    8.2. a natureza essencial da ameaa consiste em que, se a experinciafosse corretamente simbolizada na conscincia, o autoconceito no mais seria umagestalt consistente, as condies de avaliao seriam violadas, e a necessidade deautoconsiderao se frustraria; seguir-se-ia, ento, um estado de ansiedade;

    8.3. o processo de defesa a reao que previne a ocorrncia de taiseventos e consiste de percepo seletiva ou distorcida da experincia e/ou negao conscincia da experincia ou de alguma parte dela, assim preservando aconsistncia de sua percepo em relao estrutura do self e s condiesimpostas avaliao;

    8.4. as consequncias gerais do processo de defesa, paralelamente preservao das consistncias acima referidas, so: rigidez de percepo, devida necessidade de se distorcerem as percepes; uma percepo inadequada darealidade, devida distoro e omisso de dados; e a intencionalidade;

    Nesse ponto, Rogers (1959, p. 228) observa que os comportamentosdefensivos no apenas incluem aqueles costumeiramente denominados neurticos racionalizao, compensao, fantasia, projeo, compulses, fobias e afins ,mas tambm alguns tidos como psicticos, como comportamentos paranoicos e,talvez, estados catatnicos.

  • 31

    9. O processo de quebra e desorganizao. Rogers observa que suateoria de personalidade deixa de ser universalmente aplicvel a partir deste nonoitem, passando a depender da presena de determinadas condies.

    9.1. se o indivduo possui um grande ou significativo grau de incongrunciaentre o self e a experincia, e se lhe ocorre subitamente uma experinciasignificativa, demonstrando tal incongruncia, ou um elevado grau de evidncia, oprocesso de defesa do organismo mostra-se incapaz de operar com sucesso;

    9.2. medida em que a incongruncia se revela, o indivduo vivenciaansiedade, cujo grau depende da extenso em que o autoconceito ameaado;

    9.3. tendo falhado o processo de defesa, a experincia simbolizadacorretamente na conscincia, quebrando-se a gestalt da estrutura do self; apercepo da incongruncia produz um estado de desorganizao;

    9.4. nesse estado de desorganizao, o organismo por vezes se comportade forma consistente com experincias que, at ento, haviam sido distorcidas ounegadas conscincia; outras vezes, o autoconceito (ou self) pode readquirirtemporariamente o controle, fazendo com que o organismo se comporte de maneiracompatvel com sua autoimagem; assim, nesse estado de desorganizao, a tensoentre o autoconceito (com suas percepes distorcidas) e as experincias seexpressa por meio da prevalncia alternada de um ou outro, fornecendo o feedbackpelo qual o organismo regula seu comportamento.

    10. O processo de reintegrao. Rogers observa que, nas situaesdescritas nos tpicos 7 e 8 desta teoria de personalidade e provavelmentetambm na situao de quebra e desorganizao referida no tpico 9, embora nestecaso haja menores evidncias , possvel um processo de reintegrao, que semove na direo de aumentar a congruncia entre o self e a experincia, descrito aseguir:

    10.1. certas condies so necessrias para que o processo de defesa sejarevertido e para permitir que uma experincia percebida como ameaadora sejacorretamente simbolizada na conscincia e assimilada na estrutura do self, quaissejam:

    a) deve ocorrer um decrscimo no modo condicional de avaliao;

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    b) deve ocorrer um aumento na autoconsiderao incondicional; 10.2. a considerao positiva incondicional, comunicada por um outro

    significativo, constitui uma forma de se alcanarem tais condies;

    a) um contexto de compreenso emptica deve necessariamente existir paraque a considerao positiva incondicional seja comunicada;

    b) a percepo, pelo indivduo, de tal considerao positiva incondicionalresulta em reduo, ou mesmo na abolio, das condies que afetam sua funoavaliativa;

    c) outra consequncia o aumento de sua prpria autoconsiderao positivaincondicional;

    d) alcanadas as condies (10.2.a) e (10.2.b) acima, a ameaa se reduz, oprocesso de defesa se reverte e as experincias que se consideravam ameaadoraspassam a ser corretamente simbolizadas e integradas no conceito de self;

    10.3. dos itens 10.1 e 10.2 acima, segue-se que: o indivduo se torna menospropenso a encontrar experincias ameaadoras; o processo de defesa torna-semenos frequente e suas consequncias se reduzem; h maior congruncia entre oself e as experincias; incrementa-se a autoconsiderao, bem assim aconsiderao positiva por outras pessoas; incrementa-se o ajustamento psicolgico;o processo de avaliao do organismo torna-se, de forma crescente, a base deregulao do comportamento; e o indivduo tende a um estado de plenafuncionalidade.

    2.4. Premissas bsicas da Psicoterapia Centrada na Pessoa

    Rogers e Kinget (1977, p. 39-40), registram duas premissas bsicas em quese fundamenta a Psicoterapia Centrada na Pessoa, quais sejam:

    O ser humano tem a capacidade, latente ou manifesta, de compreender-sea si mesmo e de resolver seus problemas de modo suficiente para alcanara satisfao e eficcia necessrias ao funcionamento adequado.

    O exerccio desta capacidade requer um contexto de relaes humanaspositivas, favorveis conservao e valorizao do eu, isto , requerrelaes desprovidas de ameaa ou de desafio concepo que o sujeitofaz de si.

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    2.5. O funcionamento psquico do indivduo

    De acordo com Rogers e Kinget (1977), condio essencial para o bomfuncionamento psquico do indivduo a representao completa na conscincia dasexperincias significativas passveis de simbolizao:

    Com efeito, se a representao completa, ela englobar os mveisprofundos postos em jogo a cada momento da existncia. [...] Se o indivduo capaz de descobrir seus mveis profundos, potencialmente capaz demodific-los ou, no caso de fatores irreversveis, de se adaptar a eles(ROGERS; KINGET, 1977, p. 66).

    Segundo esses autores, se determinadas experincias so significativas,so tambm potencialmente simbolizveis. Se o indivduo deixa de faz-lo, porqueas condies ambientais so demasiadamente ameaadoras: o indivduo as percebecomo potencialmente perigosas para a conservao de sua autoimagem.Modificadas as condies, no sentido de maior segurana, viabiliza-se asimbolizao.

    O auxlio psicoteraputico visa, portanto, criar condies excepcionais quepossibilitem a liberao da experincia bloqueada, pondo-se por conseguinte aservio do comportamento.

    Rogers e Kinget (1977, p. 66) enumeram uma srie de proposies relativasao processo de ajustamento, quais sejam:

    1. quanto menos goza o indivduo de liberdade experiencial, mais tender ajulgar-se e orientar-se em funo de critrios externos;2. quanto mais se julga e se orienta em funo de critrios externos, taiscomo opinies de outras pessoas, mais est sujeito angstia;3. quanto mais est sujeito angstia, mais tender a negar ou a deformarcertos elementos de sua experincia, de modo a torn-los de acordo com asexigncias, reais ou percebidas, de seu ambiente;

    4. quanto menos ele funciona de maneira autnoma, menos autntica sera apreenso dos dados de sua experincia;

    5. quanto menos autntica a apreenso dos dados da experincia, menosadequado ser o comportamento j que este se articula sobre os dadosda experincia, particularmente aqueles que se referem ao eu;

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    6. quanto mais o indivduo se sente ao abrigo de qualquer ameaa, isto ,ao abrigo de qualquer juzo alheio, mais completa ser sua apreenso desua experincia do eu;

    7. quanto mais completa a apreenso de sua experincia real, vivida, maisseu funcionamento ser fcil, eficaz e satisfatrio. (ROGERS; KINGET,1977, p. 66).

    Ainda segundo esses autores, se o indivduo encontra liberdade para viversua experincia, em especial aquelas que se referem ao eu, se pode tomar plenaconscincia de seus sentimentos, pensamentos e desejos, sem precisar recorrer amanobras defensivas, haver correspondncia entre sua experincia real, vivida, esuas percepes. Segue-se da que o comportamento ser adequadamente dirigidopela percepo sobretudo a percepo do eu.

    A Psicoterapia Centrada na Pessoa, estabelece condies facilitadoras aodesenvolvimento do cliente. medida em que o indivduo se desenvolve, modifica-se sua estrutura experiencial, mediante transformaes que tanto ocorrem no mundointerior (das necessidades do cliente), quanto no mundo exterior (no que concerneaos meios para se satisfazerem tais necessidades).

    Essas transformaes se fazem, geralmente, no sentido de uma apreensomais realista dos dados da experincia. Sendo melhor compreendida, ela melhor avaliada e, portanto, se adapta ao conjunto das necessidades. [...]Em ltima anlise , pois, a capacidade do ser humano de tomarconscincia de sua experincia, de avali-la, verific-la, corrigi-la, queexprime sua tendncia inerente ao desenvolvimento em direo maturidade e, portanto, em direo autonomia e responsabilidade. [...] Odesenvolvimento favorvel do indivduo e os processos de autoavaliaoe autodireo que pressupe dependem, antes de tudo, da medida naqual a experincia est disponvel conscincia. Se faltam dadosexperienciais importantes, o equilbrio ser falseado e as escolhas seroinadequadas. (ROGERS; KINGET, 1977, p. 54-55).

    2.6. Condies do processo teraputico proposto por Carl Rogers

    Rogers e Kinget (1977) apresentam um sistema teraputico cujas razes seencontram em sua experincia de terapeutas. Declaram tratar-se de uma teoria deordem condicional, enunciada segundo a seguinte frmula:

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    Se so dadas certas condies (variveis independentes), ento umprocesso determinado (varivel dependente) se produzir. Se este processo(transformado em varivel independente) se produz, ento certasmodificaes de personalidade e do comportamento (variveisdependentes) se seguiro. (ROGERS; KINGET, 1977, p. 182).

    Segundo esses autores, so as seguintes as condies do processoteraputico:

    1. que duas pessoas estejam em contato;2. que a primeira pessoa, que designaremos o cliente, se encontre numestado de desacordo interno, de vulnerabilidade, ou de angstia;

    3. que a segunda pessoa, que designaremos terapeuta, se encontre numestado de acordo interno pelo menos durante o decorrer da entrevista eno que se relaciona ao objeto de sua relao com o cliente;4. que o terapeuta experimente sentimentos de experincia positivaincondicional a respeito do indivduo;

    5. que o terapeuta experimente uma compreenso emptica do ponto dereferncia interno do cliente;

    6. que o cliente perceba mesmo que numa proporo mnima apresena de 4 e de 5, isto , da considerao positiva incondicional e dacompreenso emptica que o terapeuta lhe testemunha. (ROGERS;KINGET, 1977, p. 182).

    2.7. O processo da terapia

    Rogers e Kinget (1977) afirmam que quando as condies referidas notpico 2.5 esto presentes e se mantm, um certo processo se pe em andamento.Suas caractersticas so a seguir apresentadas:

    1. o cliente se sente cada vez mais capaz de exprimir seus sentimentos demaneira verbal ou no-verbal;

    2. os sentimentos que exprime se relacionam cada vez mais ao eu poroposio ao no-eu (isto , ao seu ambiente);3. torna-se cada vez mais capaz de distinguir os objetos de seussentimentos e de suas percepes; esta maior capacidade de discriminaoaplica-se tanto noo do eu e s suas experincias, quanto ao mundoexterior, a outras pessoas e s relaes que mantm com estas; suapercepo de todos estes objetos torna-se menos rgida e menos global; emoutras palavras, a simbolizao de suas experincias torna-se mais correta,mais diferenciada;

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    4. os sentimentos que exprime se relacionam, cada vez mais, com o estadode desacordo existente entre certos elementos de sua experincia e suanoo do eu;

    5. chega a sentir conscientemente a ameaa que este estado de desacordointerno comporta;

    a) a experincia (isto , a tomada de conscincia de um estado) de ameaatorna-se possvel graas considerao positiva incondicional que oterapeuta no cessa de lhe testemunhar, quer o cliente d provas de acordoou desacordo interno, de angstia ou de qualquer outro sentimento;

    6. o cliente chega a experimentar plenamente certos sentimentos que atento havia deformado ou negado;

    7. a imagem do eu muda de maneira a permitir a integrao de elementosde experincia que haviam sido deformados ou negados;

    8. medida que a reorganizao da estrutura do eu prossegue, o acordoentre esta estrutura e a experincia total aumenta constantemente; o eutorna-se, ento, capaz de assimilar elementos da experincia que eram,anteriormente, demasiado ameaadores para serem admitidos conscincia;

    a) corolrio: medida que o nmero de experincias ameaadoras diminui,o nmero das deformaes e intercepes de experincias diminuiigualmente; em outras palavras, o comportamento se torna menosdefensivo;

    9. o cliente se torna cada vez mais capaz de experimentar a consideraopositiva incondicional que o terapeuta lhe demonstra, sem se sentirameaado por esta experincia;

    10. experimenta cada vez mais uma atitude de considerao positivaincondicional com relao a si mesmo;

    11. ele se d conta, cada vez mais, de que (ele mesmo) o centro deavaliao de sua experincia;

    12. a avaliao de sua experincia torna-se cada vez menos condicional;efetua-se cada vez mais sobre a base de dados organsmicos, isto , deexperincias vividas. (ROGERS; KINGET, 1977, p. 186-187).

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    2.8. As fases do processo psicoteraputico proposto por Rogers

    Rogers (2001) afirma que a psicoterapia, nos moldes por ele preconizados,enseja nos indivduos um processo contnuo de mudana, indo da fixidez para afluidez; da imobilidade para o movimento; de um estado de estabilidade para umarealidade processual. Tendo desenvolvido progressivamente esse conceito, o autoridentifica sete fases ou estgios, cujas caractersticas so sintetizadas a seguir:

    1 fase: fixidez e distanciamento da experincia; recusa de comunicaopessoal; comunicao apenas sobre assuntos exteriores; os sentimentos esignificados pessoais no so apreendidos nem reconhecidos como tais; osconstrutos pessoais so extremamente rgidos; as relaes ntimas e comunicativasso encaradas como perigosas; nenhum problema pessoal reconhecido oucaptado; no existe desejo de mudana; existem muitos bloqueios na comunicaointerna;

    2 fase: a expresso em relao aos tpicos referentes ao no-eu comea aser mais fluente; os problemas so captados como exteriores ao eu; no existe osentimento de responsabilidade pessoal em relao aos problemas; os sentimentosso descritos como no prprios ou, s vezes, como objetos passados; ossentimentos podem ser exteriorizados, mas no so reconhecidos como tais, nempertencentes ao prprio indivduo; a experincia est determinada pela estrutura dopassado; os construtos pessoais so rgidos, no reconhecidos como construtos,mas concebidos como fatos; a diferenciao das significaes pessoais e dossentimentos muito limitada e global; as contradies podem ser expressas, mascom um pequeno reconhecimento delas enquanto contradies;

    3 fase: h um fluir mais livre da expresso do eu como um objeto; htambm uma expresso das experincias pessoais como se tratasse de objetos; higualmente expresso sobre o eu como um objeto refletido, que existisseprimariamente nos outros; o cliente exprime e descreve os sentimentos e ossignificados pessoais que no esto presentes; h uma aceitao muito reduzidados sentimentos; a maior parte dos sentimentos revelada como algo vergonhoso,mau, anormal, ou inaceitvel de outras maneiras; manifestam-se sentimentos e,nesse caso, algumas vezes so reconhecidos como tais; a experincia descritacomo passada, ou como algo afastado do eu; os construtos pessoais so rgidos,mas podem ser reconhecidos como construtos e no como fatos exteriores; a

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    diferenciao dos sentimentos e dos significados mais ntida, menos global do quenas fases precedentes; h um reconhecimento das contradies da experincia; asopes pessoais so muitas vezes vistas como ineficazes;

    4 fase: o cliente descreve sentimentos mais intensos do tipo no-presentes-agora; os sentimentos so descritos como objetos no presente; ossentimentos so por vezes expressos no presente, outras vezes surgem como quecontra os desejos do cliente; h uma tendncia para experimentar sentimentos nopresente imediato, mas que acompanhada de desconfiana e de medo peranteessa possibilidade; h pouca aceitao dos sentimentos, embora j se manifestealguma aceitao; a experincia est menos determinada pela estrutura do passado, menos longnqua e surge mesmo, por vezes, com um ligeiro atraso; surge umamaleabilidade na forma como a experincia construda; ocorrem algumasdescobertas de construtos pessoais; d-se um reconhecimento definitivo do seucarter de construes; comea a pr-se em questo a sua validade; h maiordiferenciao dos sentimentos, dos construtos, das significaes pessoais, comcerta tendncia para procurar uma simbolizao exata; d-se uma preocupaodiante das contradies e incongruncias entre a experincia e o eu; o indivduotoma conscincia da sua responsabilidade perante os seus problemas pessoais,mas com alguma hesitao; embora uma relao estreita ainda lhe parea perigosa,o cliente aceita o risco at um certo grau de afetividade;

    5 fase: os sentimentos so expressos livremente como se fossemexperimentados no presente; os sentimentos esto prestes a ser plenamenteexperimentados; comeam a vir tona, brotar, apesar do receio e dadesconfiana que o cliente experimenta em viv-los de um modo pleno e imediato;principia a despontar uma tendncia para perceber que vivenciar um sentimentoenvolve uma referncia direta; h surpresa e receio, raramente prazer, quando ossentimentos vm tona; h cada vez mais uma chamada a si dos prpriossentimentos e o desejo de viv-los, de ser o verdadeiro eu; a vivncia desconstruda, j no distante e ocorre frequentemente com um ligeiro atraso; osmodos segundo os quais se constroi a experincia so muito mais maleveis; hmuitas descobertas novas dos construtos pessoais como construtos e uma anlise ediscusso crtica destes; h uma tendncia forte e evidente para a exatido nadiferenciao dos sentimentos e das significaes; o indivduo aceita cada vez mais

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    enfrentar as suas prprias contradies e incongruncias na experincia; o indivduoaceita cada vez com maior facilidade a sua prpria responsabilidade perante osproblemas que tem de enfrentar e preocupa-se mais em determinar como contribuipara eles; o dilogo interior torna-se mais livre, melhora a comunicao interna ereduz-se o seu bloqueio;

    6 fase: um sentimento que antes estava bloqueado, inibido na suaevoluo, experimentado agora de um modo imediato; um sentimento flui para oseu fim pleno; um sentimento presente diretamente experimentado com toda a suariqueza num plano imediato da experincia; esse carter imediato da experincia e osentimento que constitui seu contedo so aceitos; isto algo real e no uma coisapara ser negada, temida ou combatida; a experincia vivida subjetivamente e nocomo objeto de um sentimento; o eu como objeto tende a desaparecer; a vivncia,nesse estgio, assume a qualidade de um processo real; uma outra caractersticadesse estgio do processo a maleabilidade fisiolgica que o acompanha; nessafase, a comunicao interior livre e relativamente pouco bloqueada; aincongruncia entre a experincia e a conscincia vivamente experimentada nomomento mesmo em que desaparece no interior da congruncia; o construtopessoal correspondente dissolve-se no momento dessa experincia e o clientesente-se separado do seu quadro de referncia anterior estvel; o momento davivncia integral torna-se uma referncia clara e definida; a diferenciao da vivncia clara e fundamental; nessa fase, j no h problemas exteriores ou interiores; ocliente est vivendo subjetivamente uma fase do seu problema; este no umobjeto;

    7 fase: so experimentados novos sentimentos de modo imediato e comuma riqueza de detalhes tanto na relao teraputica como fora dela; a experinciade tais sentimentos utilizada como um claro ponto de referncia; h um sentidocrescente e continuado de aceitao pessoal desses sentimentos em mudana euma confiana slida na sua prpria evoluo; a vivncia imediata perdeu quasecompletamente os seus aspectos determinados e torna-se a vivncia de umprocesso ou seja, a situao vivenciada e interpretada na sua novidade e nocomo passado; o eu torna-se cada vez mais simplesmente a conscincia subjetiva ereflexiva da experincia; o eu surge cada vez menos frequentemente como umobjeto percebido e muito mais frequentemente como alguma coisa sentida em

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    processo e na qual se confia; os construtos pessoais so provisoriamentereformulados, a fim de serem revalidados pela experincia em curso, mas, mesmoento, se mantm maleveis; a comunicao interior clara, com sentimentos esmbolos bem combinados e com termos novos para sentimentos novos; h aexperincia de uma efetiva escolha de novas maneiras de ser.

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    3. MTODO3.1. Pesquisa qualitativa

    Bodgan e Birklen (1982, apud LDKE; ANDR, 1999) discutem o conceitode pesquisa qualitativa e afirmam serem cinco as suas caractersticas bsicas: 1) tero ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como principalinstrumento; 2) a natureza predominantemente descritiva dos dados coletados; 3) amaior preocupao com o processo do que com o produto; 4) a ateno aosignificado dado pelas pessoas s coisas e sua vida; e 5) o processo indutivo quetende a prevalecer na anlise dos dados.

    Em sntese, segundo esses autores, a pesquisa qualitativa envolve aobteno de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com asituao estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa emretratar a perspectiva dos participantes (p. 13). Ou, ainda, o estudo qualitativo oque se desenvolve numa situao natural, rico em dados descritivos, tem um planoaberto e flexvel e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada (p. 18).

    Rey (2002) afirma que os processos implicados na construo doconhecimento e no a natureza dos dados constitui o principal aspecto quedefine o carter qualitativo na pesquisa psicolgica. Preconiza, por conseguinte, aimportncia da reflexo epistemolgica, capaz de ensejar a descoberta de novasdimenses do objeto de estudo da Psicologia e de novas concepes do processodo conhecimento, propondo um modelo de pesquisa qualitativa comprometido comuma epistemologia e uma representao terica do objeto pesquisado.

    A epistemologia qualitativa um esforo na busca de formas diferentes deproduo de conhecimento em psicologia que permitam a criao tericaacerca da realidade plurideterminada, diferenciada, irregular, interativa ehistrica, que representa a subjetividade humana. (REY, 2002, p. 29)

    Rey (2002, p. 31) afirma que o conhecimento uma produo construtiva-interpretativa, cujo carter interpretativo decorre da necessidade de se dar sentidoa expresses do sujeito estudado, cuja significao para o problema objeto deestudo s indireta e implcita. A interpretao definida como um processo emque o pesquisador integra, reconstroi e apresenta em construes interpretativas

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    diversos indicadores obtidos durante a pesquisa, os quais no teriam nenhumsentido se fossem tomados de forma isolada, como constataes empricas.

    3.2. Estudo de caso

    Segundo Ldke e Andr (1999), entre as vrias formas que a pesquisaqualitativa pode assumir, destaca-se o estudo de caso, embora nem todos osestudos de caso sejam qualitativos. Esses autores afirmam que:

    O estudo de caso o estudo de um caso, seja ele simples ou especfico. [...]O caso sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos claramentedefinidos no desenrolar do estudo. O caso pode ser similar a outros, mas ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse prprio, singular. SegundoGoode e Hatt (1968), o caso se destaca por se constituir numa unidadedentro de um sistema mais amplo. O interesse, portanto, incide naquilo queele tem de nico, de particular, mesmo que posteriormente venham a ficarevidentes certas semelhanas com outros casos ou situaes. Quandoqueremos estudar algo singular, que tenha um valor em si mesmo, devemosescolher o estudo de caso. (p. 17).

    Stake (2000) observa que os estudos de caso tornaram-se um dos modosmais comuns de se realizarem pesquisas qualitativas, embora no constituamnovidade, nem tampouco sejam essencialmente qualitativos. No se trata de umaopo metodolgica, mas sim a opo de se estudar determinado caso, quedesperta interesse por sua singularidade. O autor enfatiza a importncia de seprogramar o estudo no sentido de se otimizar a compreenso do caso, ao invs dese buscar alguma generalizao, registrando que o propsito do relatrio a serelaborado o de representar o caso estudado, e no de representar o mundo. Naextenso da experincia encontra-se a utilidade dos estudos de caso, tanto para osprofissionais da rea, quanto para os formuladores de polticas.

    Ainda de acordo com esse autor, as maiores responsabilidades conceituaisdo pesquisador, ao desenvolver um estudo de caso, so: 1) delimitar o caso,conceituando o objeto de estudo; 2) selecionar fenmenos, temas ou assuntos aserem enfatizados como questes de pesquisa; 3) buscar padres de dados paradesenvolver os assuntos; 4) proceder triangulao de observaes-chave e basespara a interpretao; 5) selecionar interpretaes alternativas a serem consideradas;e 6) desenvolver assertivas ou generalizaes relativas ao caso.

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    Ldke e Andr (1999) enumeram sete caractersticas fundamentais doestudo de caso, quais sejam: 1) visar descoberta; 2) enfatizar a interpretao emcontexto; 3) buscar retratar a realidade de forma completa e profunda; usar umavariedade de fontes de informao; 5) revelar experincia vicria e permitirgeneralizaes naturalsticas; 6) procurar representar os diferentes e s vezesconflitantes pontos de vista presentes numa situao social; e 7) utilizar umalinguagem e uma forma mais acessvel que aquelas empregadas em outrosrelatrios de pesquisa.

    Nisbet e Watt (1978, apud LDKE; ANDR, 1999) caracterizam asseguintes fases do estudo de caso, que se superpem em diversos momentos:

    a) fase exploratria, em que se especificam as questes ou pontos crticos,estabelecem-se os contatos iniciais, localizam-se os informantes e as fontes dedados, etc.;

    b) delimitao do estudo, em que o pesquisador procede coletasistemtica de informaes; a seleo dos aspectos mais relevantes e adeterminao do recorte so fundamentais para que se alcancem os objetivos doestudo de caso e para que se chegue a uma compreenso mais completa dasituao estudada;

    c) anlise e interpretao sistemtica dos dados e elaborao de relatrio.Robson (1996, p.147) define estudo de caso como uma estratgia para a

    realizao de pesquisa que envolve a investigao emprica de um fenmenocontemporneo particular, no contexto de sua vida real, utilizando-se mltiplas fontesde evidncia. Ainda segundo esse autor, o planejamento de um estudo de casoexige que se prepare uma estrutura conceitual, bem assim um conjunto de questesde pesquisa e uma estratgia de amostragem, e tambm que se decida quanto amtodos e instrumentos para a coleta de dados.

    Uma srie de habilidades so exigidas do pesquisador que realiza umestudo de caso. Destacam-se, entre elas, possuir uma mente investigadora, nosentido de formular questes relativas a eventos passados ou presentes; ser umbom ouvinte, no sentido de captar informaes, sejam elas verbais, escritas oulinguagem corporal, considerando seus componentes afetivos e o contexto; possuircapacidade de adaptao e flexibilidade, considerando a possibilidade de modificar

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    o planejamento inicial; esforar-se no sentido de agarrar as questes, interpretandoas informaes medida em que aparecem; e apresentar-se isento de tendnciasou preconceitos, estando aberto a descobertas contraditrias (ROBSON, 1996).

    3.3. Procedimentos metodolgicos

    3.3.1. Aprovao do projeto de pesquisa pelo Comit de tica em PesquisaO Comit de tica em Pesquisa CEP do UniCEUB procedeu apreciao

    do projeto de pesquisa intitulado Psicoterapia Centrada na Pessoa: evidnciasempricas da teoria de personalidade proposta por Carl Rogers observadas emestudo de caso, proposto pelo autor do presente trabalho e endossado peloprofessor orientador da Monografia.

    Mediante parecer consubstanciado (Anexo 1), o referido projeto foi aprovadoem reunio daquele Colegiado realizada em 20 de maro de 2009, recomendandoseja observado o disposto nos incisos IX.1 e IX.2 da Resoluo n 196/1996, doConselho Nacional de Sade (BRASIL, 1996), concernentes s responsabilidadesdo pesquisador no desenvolvimento do projeto. Nos trabalhos tambm se darateno aos preceitos da Resoluo CFP n 16/2000, que dispe sobre a realizaode pesquisa em Psicologia com seres humanos (CONSELHO FEDERAL DEPSICOLOGIA CFP, 2000).

    Como parte da flexibilidade que, segundo Robson (1996), deve acompanharo pesquisador que se dedica a um estudo de caso, decidiu-se modificar o objetivocentral desta pesquisa e, por via de consequncia, seu ttulo , em virtude dosdados que se destacaram ao longo de sua realizao. O aspecto mais relevanteidentificado neste estudo , portanto, o processo de reintegrao da personalidade.

    3.3.2. Participante

    Participa desta pesquisa um sujeito do sexo feminino doravantedenominado Joana (nome fictcio) , que tinha 30 anos de idade em 2007, ano emque foi atendida no Centro de Formao do Psiclogo CENFOR do CentroUniversitrio de Braslia UniCEUB.

    Ao aderir ao trabalho em psicoterapia no CENFOR, o sujeito da pesquisarecebeu informao escrita e verbal e assinou termo de consentimento livre e

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    esclarecido (Anexo 2), em que declara estar ciente de que, entre outros aspectos,os dados obtidos por meio dos atendimentos podero ser divulgados publicamente,seja como relatrio, artigo, monografia ou simpsios, congressos, etc., mantendo-seo sigilo e o anonimato do cliente.

    3.3.3. Coleta de dados

    Joana foi atendida em psicoterapia individual no CENFOR no perodo de 29de maro a 22 de novembro de 2007, em um total de vinte sesses. Em cadasemestre de 2007, foi atendida em dez sesses, por um diferente estagirio do cursode Psicologia do UniCEUB, no projeto de Psicoterapia Centrada na Pessoa, sob asuperviso do professor Otvio Abreu Leite, psiclogo inscrito no Conselho Regionalde Psicologia, 1 Regio, sob o nmero 163.

    Nesses atendimentos, os estagirios procederam escuta atenta da fala dapaciente, adotando as atitudes facilitadoras preceituadas por Carl Rogers compreenso emptica, considerao positiva incondicional, congruncia eautenticidade e procurando oferecer-lhe respostas compreensivas, segundo osformatos denominados reiterao, reflexo de sentimentos e atitudes e clarificaode vivncias emocionais, alm de outras expresses verbais sem importnciateraputica, destinadas manuteno do dilogo.

    De cada atendimento realizado, um relatrio sucinto da sesso foi lavradopelo estagirio, registrando-se informaes organizadas em trs itens, a saber:

    a) sntese do relato apresentado pelo(a) cliente: o que ele(a) contou naquelasesso; a sequncia de sua histria, conflitos, dificuldades, etc.;

    b) principais sentimentos ou atitudes expressos pelo(a) cliente;c) observaes sobre a condio do(a) cliente e a evoluo ou dificuldades que

    apresenta, relacionadas aos sete estgios do processo psicoteraputico(ROGERS, 2001, p. 149-181).

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    3.3.4. Anlise de dados

    Considerando-se o fato de que as sesses de psicoterapia a que sesubmeteu a cliente considerada neste estudo de caso j se realizaram, no hpossibilidade de se proceder anlise de contedo de suas falas, ou das dopsicoterapeuta.

    Segundo a metodologia definida para o estudo de caso, observaram-se osrelatrios de atendimento psicolgico, constantes do pronturio da cliente, arquivadoem carter confidencial pelo CENFOR/UniCEUB, sendo anotados os dadosrelevantes ali registrados pelos estagirios que atenderam a cliente ao longo devinte sesses de psicoterapia, no ano de 2007.

    Com base nessas informaes, avaliou-se a evoluo do processopsicoteraputico, com base na sequncia de fases definidas por Rogers (2001). Deforma semelhante, identificaram-se parmetros qualitativos que, cotejados com aformulao terica da Abordagem Centrada na Pessoa, podem constituir evidnciascapazes de confirmar ou contestar a teoria de personalidade proposta por CarlRogers.

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    4. RESULTADOS E DISCUSSOA profisso de psiclogo regulamentada pela Lei n 4.119, de 27 de agosto

    de 1962, que tambm dispe sobre os cursos de