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Testes de personalidade em seleção de pessoas:
benéficos ou danosos? Flavio Farah*
Introdução – O uso de testes de personalidade em processos seletivos
Os testes de personalidade parecem ser cada vez mais usados em processos de seleção de pessoas.
Uma pesquisa da Catho realizada em 2014 com 3.385 recrutadores revelou que aproximadamente
70% das respectivas empresas costumam aplicar algum tipo de teste nos processos seletivos. Dentre
essas, cerca de 77% aplicam testes de personalidade, que se revelaram os mais frequentes. Quando
se consideram apenas as empresas que aplicam esse tipo de teste, o estudo revelou que 44% delas
o ministram para todos os cargos.1 Conclui-se, pois, que cerca de 54% de todas as empresas pesqui-
sadas aplicam testes de personalidade.
Por outro lado, os psicólogos parecem defender enfaticamente o uso de testes de personalidade nos
processos seletivos das empresas. Almeida, por exemplo, afirma que a avaliação psicológica resulta
da necessidade do psicólogo em compreender os fenômenos internos e externos do comportamento
do indivíduo e que, no mundo dos negócios, traduz-se no desejo e demanda de encontrar o profis-
sional mais adequado a determinada função. Segundo a autora, as ferramentas de avaliação psicoló-
gica por ela apresentadas identificam e levantam aspectos individuais e coletivos, bem como o po-
tencial do indivíduo para colocar em prática seus conhecimentos e suas habilidades. Na sequência,
Almeida apresenta cinco testes de personalidade: Escalas de Personalidade de Comrey (CPS), Esca-
la Fatorial de Ajustamento Emocional/Neuroticismo (EFN), Inventário Fatorial de Personalidade
(IFP), Inventário de Habilidades Sociais (IHS) e Questionário de Avaliação Tipológica (QUATI).2
Rovinski analisa o emprego do sistema compreensivo do Rorschach nas organizações, defendendo
seu uso “em casos onde se faz necessário um estudo mais aprofundado da personalidade, como na
seleção e ingresso de profissionais de escalões mais altos da organização, ...”.3 A autora cita o tra-
balho de Villemor-Amaral, que buscou avaliar se certas características esperadas de personalidade
eram realmente encontradas em 20 executivos que competiam por cargos de direção em empresas
internacionais e multinacionais.4 Segundo Rovinski, “os resultados encontrados surpreenderam pelo
distanciamento em relação às características de personalidade esperadas”, tendo Villemor-Amaral
concluido que “esses achados seriam pouco compatíveis com aqueles previstos pelos estudiosos e
necessitariam de uma justificativa.” Nem Villemor-Amaral nem Rovinski, contudo, ofereceram
qualquer explicação para essa discrepância.
Rovinski afirma ter encontrado essa incompatibilidade em sua própria prática profissional, citando
o caso de uma avaliação de candidatos ao cargo de juiz de direito: “Da mesma forma que no estudo
anterior, todos esses profissionais tinham histórico psicossocial adaptativo e com alto padrão de de-
sempenho nos estudos. No entanto, como grupo, apresentaram nível elevado de dependência para
tomada de decisão, dificuldades para o relacionamento interpessoal e dificuldades para o enfrenta-
mento de situações de tensão e conflito, com vivências atuais de depressão.”5
Para a autora, “esses achados exigem, no mínimo, uma reflexão sobre o uso atual de indicadores
dos instrumentos de avaliação de personalidade em processos seletivos.” Na falta de uma explica-
ção para os problemas encontrados, ela recomenda que esses indicadores não sejam usados de for-
ma isolada como “ponto de corte” para estabelecer perfis profissiográficos.6
Audibert e outros defendem o uso da técnica de Zulliger pelo fato de esta técnica possuir estudos
de validade aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia bem como “utilidade comprovada para
o estabelecimento de definições sobre as características de personalidade do sujeito ...” As autoras
afirmam que o Z-teste possui estudos que atestam sua validade para aplicabilidade no contexto or-
ganizacional.7
Levenfus advoga o emprego do teste Palográfico, validado pelo Conselho Federal de Psicologia, em
virtude de uma série de vantagens do instrumento:
Fácil aplicação;
Baixo custo de material;
Curto tempo de aplicação;
Aplicação individual ou coletiva;
Não exige escolaridade mínima;
Aplicável desde a infância até a idade adulta;
O sujeito não consegue controlar sua resposta.8
Alves e outros sustentam que a investigação de aspectos psicológicos dos indivíduos é realizada em
diversos contextos, sendo de muita utilidade na área organizacional. Os autores apresentam diversos
instrumentos comumente utilizados no Brasil, especificamente no contexto organizacional, dentre
os quais aqueles têm por objetivo otimizar futuras contratações por meio da avaliação de traços de
personalidade que podem estar relacionados a características desejáveis em um líder. Eles apresen-
tam a Bateria Fatorial de Personalidade (BFP), o Método de Rorschach, o Teste de Zulliger e o Tes-
te das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC).9
Franco analisa o uso de instrumentos de personalidade em seleção de pessoas.10 A autora apresenta
o estudo de Ferreira e Villemor-Amaral11 como evidência da validade preditiva do Zulliger-SC, de-
clarando que “os resultados demonstraram altas e positivas correlações, principalmente para os pro-
fissionais da área de exatas.”12 O maior coeficiente de correlação encontrado pelas autoras do estu-
do, no entanto, foi 0,346, que não pode ser considerado alto.
Mais adiante, Franco cita duas pesquisas que tentaram provar empiricamente o potencial preditivo
do Rorschach. Os resultados, no entanto, contrariaram as expectativas, pois “demonstraram que o
sucesso profissional nem sempre é sinônimo de equilíbrio, maturidade, controle e organização psí-
quica.”13
Franco14 também menciona o relato de Rovinski15 que, em sua prática profissional, registrou incom-
patibilidade entre traços de personalidade e desempenho profissional quando realizou avaliações pa-
ra o cargo de juiz de direito.
Concluindo, Franco reconhece que “Os testes que não apresentam validade preditiva para o contex-
to de seleção podem trazer sérios problemas éticos, como, por exemplo, erros na contratação, injus-
tiças com o candidato e a banalização do uso dos testes.”16 Não obstante, a autora defende a utiliza-
ção de tais instrumentos, argumentando que “apesar da maioria das técnicas projetivas não serem
preditivas por natureza, elas podem oferecer predições longitudinais precisas do estilo de personali-
dade e, consequentemente, de condutas que são essencialmente determinadas por essas característi-
cas de personalidade.” Em seguida, advoga o uso do Zulliger-SC.17 Franco também defende que,
para impedir equívocos nos processos de seleção, deve-se utilizar “uma bateria projetiva que combi-
na diferentes instrumentos.”18 Ela não explica, porém, se e como tal combinação pode produzir um
índice de validade preditiva aceitável.
Ética da seleção de pessoas e validade de instrumentos de seleção
Ao examinarem os aspectos éticos da avaliação psicológica, Ambiel e Frigatto afirmam existirem
três princípios éticos básicos a serem observados em processos de avaliação psicológica: 1º) benefi-
cência e não maleficência; 2º) respeito à pessoa avaliada; 3º) justiça, entendida como igualdade de
condições entre os avaliados. Os autores também comentam a respeito da questão do acesso a infor-
mações psicológicas por não psicológos.19
Existe, porém, um aspecto ético anterior e mais amplo que diz respeito à escolha dos métodos e téc-
nicas de seleção de pessoas.
A decisão de contratação de um candidato por parte de uma empresa envolve a formulação de um
julgamento a respeito dos vários pretendentes, o que levanta de imediato a questão da Justiça desse
julgamento. Dado que a Justiça é um valor moral, não será ético o processo seletivo que não for jus-
to. O que seria um processo seletivo justo? Se definirmos Justiça como o ato de dar a cada um o
que lhe é devido,20 será justo o processo de seleção que apontar como melhores os candidatos que,
de fato, são melhores, e como piores os candidatos que realmente o são.21
Uma das características que mais influencia o grau de Justiça do processo seletivo é a validade dos
métodos de seleção escolhidos. Para que um processo de seleção seja justo, um requisito fundamen-
tal é que os métodos seletivos que o integram sejam válidos. É preciso, pois, examinar a validade
dos métodos de seleção de pessoas.
Existem diversos tipos de validade mas, para os fins do presente estudo, as modalidades que interes-
sam são duas: validade de construto e validade em relação ao critério.
Validade de construto. Em termos gerais, validade de construto é o grau em que um instrumento
de medida mede de fato a grandeza que pretende medir. Em outras palavras, um instrumento é váli-
do na medida em que realmente mede aquilo que se propõe a mensurar. No caso de testes psicológi-
cos, validade de construto é a capacidade do teste em medir efetivamente o construto psicológico
para o qual foi projetado.
Validade em relação ao critério. Validade de um instrumento em relação ao critério é o grau em
que os resultados fornecidos pelo instrumento se correlacionam com medidas de um certo critério
feitas de forma direta e independente. Em outras palavras, a validade em relação ao critério compa-
ra os dados do instrumento com uma medida julgada válida do mesmo ou de outro construto. Por
exemplo, em seleção de pessoas, se o resultado de um teste de amostra de trabalho for comparado
com o próprio desempenho no trabalho, ter-se-á uma comparação entre duas medidas do mesmo
construto, enquanto que, se o desempenho no trabalho for comparado com os resultados de um tes-
te de inteligência, a comparação será entre as medidas de dois construtos diferentes. Existem dois
tipos de validade em relação ao critério: validade concorrente e validade preditiva.
Validade concorrente. Na validade concorrente, os dados do instrumento e os do critério são cole-
tados simultaneamente. A validade concorrente indica o grau em que os resultados do instrumento
representam a situação atual de um indivíduo em relação ao critério. Este tipo de validade é impor-
tante para instrumentos diagnósticos. Por exemplo, no caso de seleção de pessoas isto significaria
administrar um certo teste a um grupo de empregados e correlacionar os respectivos resultados aos
dados de avaliação de desempenho desses empregados.
Validade preditiva. Na validade preditiva, o instrumento é aplicado primeiro e os dados do crité-
rio são coletados certo tempo depois. Este tipo de validade é adequado para instrumentos destinados
a avaliar o desempenho futuro de um indivíduo segundo um certo critério. Em seleção de pessoas,
isto significaria administrar um certo teste aos candidatos, contratá-los todos, avaliar seu desempe-
nho algum tempo depois e então correlacionar os resultados obtidos em ambos os instrumentos.
De todo o exposto, conclui-se que as ferramentas de seleção de pessoas não podem ser escolhidas
aleatoriamente. As organizações estão moralmente obrigadas a escolher os métodos de seleção que
apresentem os mais altos coeficientes de validade preditiva. A Justiça do processo seletivo o exige.
De fato, seleção de pessoas justa é a que resulta na escolha do candidato mais qualificado, enten-
dendo-se este como o pretendente que tende a apresentar o melhor desempenho futuro dentre todos.
Na medida em que o desempenho futuro é representado pelo resultado presente obtido em um pro-
cesso seletivo, a Justiça exige que o desempenho futuro seja estimado do modo mais fiel possível
pelo processo de seleção. A fidelidade dessa estimativa é representada pelo coeficiente de validade
preditiva da(s) ferramenta(s) usada(s) para selecionar os candidatos. Em conseqüência, não se pode
admitir que ferramentas de seleção de maior validade sejam preteridas em favor de instrumentos
pouco válidos. Pelas mesmas razões, é questionável o uso de ferramentas cuja validade preditiva
seja desconhecida. O uso de instrumentos de seleção pouco válidos, em primeiro lugar representa
um ato de injustiça para com os candidatos, sendo, portanto, antiético em relação a estes; em segun-
do lugar, é prejudicial às organizações pelo fato de reduzir a eficácia do processo seletivo, ou seja,
por reduzir a probabilidade de a empresa contratar o pretendente que seja realmente o melhor.
O fracasso dos instrumentos de personalidade tradicionais em seleção de pessoas
As pesquisas sempre indicaram que as medidas de personalidade são inadequadas para prever o
desempenho no trabalho em virtude de sua baixa validade preditiva.
Em 1965, Guion e Gottier publicaram um estudo no qual relatavam, de forma resumida, a natureza
e os resultados de estudos de validação de medidas de personalidade publicados no período de 1952
a 1963 nos periódicos Journal of Applied Psychology e Personnel Psychology. Segundo os autores,
o resultado foi decepcionante. Sua constatação foi que nenhuma das medidas convencionais de per-
sonalidade demonstrou utilidade como ferramenta de seleção de pessoal. Como exemplo, citavam
que somente 10% dos inventários de personalidade exibiram coeficientes de validade significativa-
mente diferentes de zero.22 Concluiram afirmando ser difícil defender o uso de testes de personali-
dade como base para a tomada de decisões de pessoal.
Posteriormente, em 1973, Ghiselli publicou um resumo de estudos de validação de testes psicológi-
cos realizados no período de 1920 a 1971, abrangendo 21 tipos de funções, agrupadas em oito gran-
des categorias profissionais: gerencial; burocrática; vendas; segurança; serviços; operação de veícu-
los (motoristas); manutenção e operação de máquinas; e ocupações industriais. No tocante aos testes
de personalidade, os coeficientes de validade encontrados variaram de 0,16 a 0,32.23
Sobre esses resultados, Wanderley (1985) assim se expressava: “De modo geral, os mais considera-
dos estudos feitos com testes de personalidade criticam de forma eloquente, no mínimo, as fracas
qualidades psicométricas desses testes, particularmente daqueles classificados como projetivos ou
expressivos, contra-indicando-os para uso em seleção de pessoal (...)”.24
Pesquisas recentes, porém, têm evidenciado que a personalidade pode ser representada e medida por
meio de cinco grandes fatores ou dimensões (em inglês FFM – Five Factor Model). Esses “Cinco
Grandes” fatores são: extroversão (extraversion), amabilidade (agreeableness), conscienciosidade
(conscientiousness), neuroticismo (neuroticism) e abertura à experiência (openness to experience).25
Assentada a nova teoria, Barrick e Mount conduziram em 1991 um estudo para examinar a relação
entre os cinco fatores de personalidade e o desempenho no trabalho, relativamente a cinco grupos
ocupacionais: profissionais de nível superior, policiais, gerentes, profissionais de vendas e trabalha-
dores qualificados e semiqualificados.26 Foram encontrados os seguintes coeficientes de validade:
Extroversão: +0,10
Estabilidade emocional (oposto de neuroticismo): +0,07
Amabilidade: +0,06
Conscienciosidade: +0,23
Abertura à experiência: –0,03
Na mesma época, Tett e outros publicaram um estudo sobre a relação entre personalidade e desem-
penho no trabalho, no qual se encontrou, para todas as amostras consolidadas, um coeficiente de va-
lidade médio de 0,24. Mesmo quando se consideraram somente os estudos em que havia emprego
explícito da análise de cargo na seleção de traços de personalidade que deveriam servir como previ-
sores de desempenho, a validade média não passou de 0,38.27
Após examinar os resultados de 15 estudos meta-analíticos realizados nos dez anos anteriores, os
quais investigaram a relação entre o Modelo de Cinco Fatores de Personalidade (FFM) e o desem-
penho no trabalho, Barrick e outros (2001) reconheceram que “...apesar da adoção do FFM na déca-
da passada por muitos pesquisadores e praticantes, a magnitude dos coeficientes de validade das di-
mensões individuais do FFM é modesta (ou seja, geralmente inferior a 0,30) na melhor das hipóte-
ses”.28
Na conferência de 2004 da SIOP (Society for Industrial and Organizational Psychology), realizou-
se um painel de discussão do qual participaram cinco ex-editores dos periódicos Personnel Psycho-
logy e Journal of Applied Psychology, os quais não tinham interesse pessoal em testes de personali-
dade e que, em conjunto, durante o período em que exerceram a função editorial, examinaram cerca
de 7 mil manuscritos enviados para publicação. Eles chegaram a várias conclusões, a primeira das
quais foi que a falsificação de respostas em inventários de personalidade não pode ser evitada e pro-
vavelmente não é o principal problema; o problema principal é a validade extremamente baixa dos
testes de personalidade como previsores de desempenho.29
Em resumo, o que todos os estudos demonstram é que os testes de personalidade tradicionais sem-
pre foram e continuam a ser inadequados como ferramentas de seleção de pessoas, por sua baixa ca-
pacidade de previsão de desempenho no trabalho.
GMA: Lugar de honra em seleção de pessoas
Uma das mais recentes descobertas é que os testes que medem a inteligência geral – também conhe-
cidos como testes de aptidão cognitiva geral (em inglês GMA – General Mental Ability Tests) e
identificados pelo símbolo g – parecem ser previsores válidos para o desempenho em um grande
número de funções. As pessoas que alcançam boa pontuação em testes de aptidão cognitiva geral
tendem a apresentar melhor desempenho no trabalho.
As pesquisas indicam que quanto maiores as exigências mentais da função, maior a correlação entre
aptidão cognitiva e desempenho. Isto quer dizer que aptidões cognitivas são mais importantes para
funções mentalmente mais complexas. Vejamos os dados de dois estudos.
Em 1990, McHenry e outros realizaram um estudo de validação com uma amostra de 4.039 solda-
dos alistados em 9 diferentes funções do exército norte-americano. Os dados de aptidão cognitiva
foram coletados por meio da aplicação do ASVAB – Armed Services Vocational Aptitude Battery.
Os coeficientes de validade encontrados pelos pesquisadores, relativos ao desempenho, foram, res-
pectivamente, de 0,63 para proficiência técnica e de 0,65 para proficiência profissional geral.30
Ree e outros (1994) conduziram um estudo com 1.036 recrutas da Força Aérea dos Estados Unidos.
O dispositivo de seleção utilizado para medir a aptidão cognitiva também foi o ASVAB e foram
coletados dados de desempenho em 7 funções diferentes. Os coeficientes de validade encontrados
entre g e o desempenho geral dos soldados variaram de 0,255 a 0,713. Os maiores coeficientes fo-
ram obtidos para as funções mais complexas: especialista de pessoal, 0,529; especialista de labora-
tório, 0,713; e especialista em aviônica, 0,713.31
Schmidt e Hunter (1998) citam um terceiro estudo, este conduzido pelo Departamento do Trabalho
norte-americano. A base de dados desse estudo incluiu cerca de 32 mil empregados em 515 funções
altamente diversificadas. O estudo indicou que a validade do GMA como previsor de desempenho
no trabalho é de 0,58 para funções gerenciais, 0,56 para as de nível superior, 0,51 para funções de
nível médio, 0,40 para as semi-qualificadas e 0,23 para funções não qualificadas.32
Os dados indicam, portanto, que os testes de inteligência demonstram ser bons previsores de desem-
penho para as funções que apresentam maior complexidade cognitiva.
Schmidt e Hunter também afirmam que o GMA é um excelente previsor da aprendizagem profissio-
nal. Descobriu-se que o GMA também tem alta validade preditiva em relação à aprendizagem em
programas de treinamento. Em outras palavras, candidatos que se dão bem nos testes GMA tendem
a atingir altos níveis de aprendizagem em programas de treinamento. Assim, quando uma empresa
usa o GMA na seleção de candidatos para prever os que terão alto nível de desempenho no trabalho,
também está selecionando os que terão o maior aproveitamento nos programas de treinamento e que
aprenderão mais rápido na prática, ao realizarem as respectivas atividades profissionais.33
Ainda segundo Schmidt e Hunter, o GMA ocupa um lugar de honra na galeria das ferramentas de
seleção, por vários motivos. Em primeiro lugar, dentre todos os métodos de seleção que podem ser
usados para todas as posições de uma empresa, é o que apresenta a mais alta validade preditiva mé-
dia (0,51) e o menor custo de aplicação. Em segundo lugar, o GMA é o melhor previsor da aprendi-
zagem formal e informal no trabalho, ou seja, o GMA é o melhor previsor tanto da aprendizagem
pela experiência como da aprendizagem em programas de treinamento. Em terceiro lugar, a funda-
mentação teórica do GMA é mais forte do que a de qualquer outra ferramenta de seleção, pois as
teorias de inteligência vêm sendo desenvolvidas e testadas há mais de um século. Assim, em razão
de seu status especial, o GMA pode ser considerado o método fundamental de seleção de pessoas.34
Segundo Schmidt e Hunter, apenas um dos Cinco Grandes Fatores de personalidade – a conscien-
ciosidade – demonstrou possuir uma validade preditiva significativamente diferente de zero em to-
das as famílias de ocupações estudadas. Constatou-se também que a conscienciosidade é capaz de
prever o desempenho em programas de treinamento. Um dos estudos realizados sugere que a cons-
cienciosidade influi no desempenho porque afeta os estados motivacionais do indivíduo, estimulan-
do seu compromisso com metas.35
Schmidt e Hunter indicam que o conjunto GMA + teste de conscienciosidade tem validade preditiva
conjunta de 0,60.36 Conclui-se, portanto, que o melhor conjunto de ferramentas de seleção é o GMA
agregado a outros instrumentos. O estudo da Catho, contudo, indica que apenas 39% das empresas
aplicam o teste de inteligência geral a seus candidatos e dessas, apenas 15% o aplicam para todos os
cargos.37
Por que as empresas e os psicólogos insistem nos testes de personalidade
A relativamente alta validade preditiva do GMA suscita a seguinte questão: por que as empresas in-
sistem em usar, e os psicólogos, em defender, os testes de personalidade tradicionais mesmo quando
dispõem de um instrumento melhor?
A resposta pode estar em um estudo conduzido nos Estados Unidos por Rynes e outros. Eles entre-
vistaram 959 gerentes, diretores e vice-presidentes de recursos humanos – todos eles membros da
SHRM (Society for Human Resource Management) – com experiência média de cerca de 14 anos
na área, para saber se as crenças desses profissionais eram consistentes com as descobertas dos pes-
quisadores a respeito de práticas eficazes de gestão de pessoas. A pesquisa revelou que a área de
maior discrepância era precisamente a de seleção. Em relação à concordância com a afirmativa:
a conscienciosidade é um previsor de desempenho melhor do que a inteligência, nada menos que
82% dos entrevistados com ela concordaram, erradamente, ou não souberam responder. Por outro
lado, em relação à concordância com a afirmativa: as empresas que testam candidatos em relação a
seus valores apresentam desempenho melhor do que aquelas que aplicam testes de inteligência,
84% dos respondentes com ela concordaram, também erradamente, ou não souberam responder.38
Além de testar as crenças dos entrevistados, também se perguntou onde eles adquiriam informação.
As respostas revelaram que o único periódico que os respondentes liam com frequência era o HR
Magazine. Em contraste, os principais periódicos orientados para a pesquisa – Journal of Applied
Psychology e Personnel Psychology – nunca eram lidos.39
No Brasil, a situação não parece ser melhor. Um dos principais equívocos em gestão de pessoas está
relacionado às razões pelas quais os profissionais talentosos deixam as empresas. Parece existir uma
crença generalizada, inclusive no Brasil, de que o motivo que prevalece na maioria dos casos de de-
missão voluntária é a busca de uma maior remuneração.40 O estudo da Catho revelou que, em 2014,
essa crença persistia, pois cerca de 77% dos recrutadores declararam que, em uma oferta de empre-
go, os candidatos valorizam salário e remuneração atrativa, ao passo que um índice significativa-
mente menor, de 58% dos candidatos, concordaram com essa afirmação. Os recrutadores também
incorrem em outro equívoco: apenas 18% deles acreditam que os candidatos valorizam a possibili-
dade de fazer o que gostam em um emprego, ao passo que 49% dos pretendentes mencionaram esse
fator como atrativo.41 Para Farah, a falta de conhecimento na área mostra-se tão grave que ele publi-
cou um manifesto em favor da sabedoria em gestão de pessoas.42
Um estudo de 2014 realizado pela empresa de consultoria Carreira Muller com 435 profissionais de
RH de 277 empresas brasileiras revelou as fontes onde esses profissionais buscam conhecimento
(Gráfico 1). Verifica-se que os periódicos científicos não constam da relação de fontes consultadas
pelos profissionais de RH.43
Gráfico 1 – Onde os profissionais de RH brasileiros buscam conhecimento
Rádios 4%
Blogs 12%
Jornais 25%
Sites de notícias 40%
Sites de consultorias 57%
Google 61%
Revistas 65%
Mídias sociais 67%
Se não é boa a situação dos profissionais e gestores de pessoas no tocante à posse de conhecimentos
sólidos na respectiva área, o que dizer dos psicólogos? A resposta também é desanimadora. Um es-
tudo de autoria de Pereira, Primi e Cobêro feito com psicólogos da área de recrutamento e seleção
de pessoas de 33 empresas do Estado de São Paulo sobre testes psicológicos e outros métodos utili-
zados em processos seletivos revelou uma contradição no modo pelo qual os recrutadores entendem
validade, pois muitos afirmam utilizar determinados testes em virtude de sua validade, mesmo não
existindo estudos empíricos sobre a validade dos testes citados.43 De acordo com os autores, “(...) a
análise geral dos resultados indicou que a maioria dos testes escolhidos pelos recrutadores, apesar
de não possuir estudos sobre validade no contexto brasileiro, muito menos parâmetros de validade
preditiva, é largamente utilizada no contexto de seleção.”44 (...) “Os resultados denotam uma contra-
dição entre a noção que os recrutadores têm de validade e o conceito técnico proposto pela Psicolo-
gia (...)”45 Em outras palavras, embora validade seja um conceito técnico preciso, e um conceito bá-
sico em processos seletivos, existem indícios de que esse conceito é desconhecido pelos psicólogos-
selecionadores, que são profissionais-chave em matéria de recrutamento e seleção de pessoas.
A razão desse desconhecimento pode ser a formação dos profissionais. O autor deste trabalho pes-
quisou a grade curricular de dez cursos brasileiros de graduação em Psicologia: destes, apenas dois
oferecem a disciplina de Psicometria. Embora a amostra não seja estatisticamente representativa, o
padrão que emerge dessa rápida pesquisa fornece indícios a respeito das práticas curriculares das
instituições nacionais de educação superior no tocante ao estudo de testes psicológicos em cursos de
formação de psicólogos.
Conclusão
Os testes de personalidade tornaram-se frequentes em seleção de pessoas, tendo um estudo indicado
que mais da metade das empresas pesquisadas o ministram a seus candidatos. A frequência com que
vários psicólogos defendem sua utilização e demonstram suas supostas vantagens parece ser conse-
quência da falta de conhecimento desses profissionais em relação ao conceito de validade preditiva.
O uso de testes de personalidade tradicionais em processos seletivos reduz a eficácia de tais proces-
sos, com prejuizo para candidatos e empresas.
Notas 1 CATHO. “Pesquisa dos profissionais brasileiros”. Disp. em: http://img.catho.com.br/site/landing/pesquisa-
profissionais/images/pdf/pesquisa-profissionais-catho-2014.pdf
2 ALMEIDA, Flávia Aragones. “Perspectivas e desafios da avaliação psicológica nas organizações”, em PEREIRA,
Daniela Forgiarini e Denise Ruschel Bandeira. Aspectos práticos da avaliação psicológica nas organizações. São
Paulo: Vetor, 2009.
3 ROVINSKI, Sonia Liane Reichert. “O sistema compreensivo do Rorschach e sua utilização nas organizações”, em
PEREIRA, Daniela Forgiarini e Denise Ruschel Bandeira. Ob. cit.
4 VILLEMOR-AMARAL, Anna Elisa de. “Executive performance on the Rorschach Comprehensive System”,
Rorschachiana, 2006, 28(1): 119-133. Abstract disp. em: http://psycnet.apa.org/index.cfm?fa=buy.optionToBuy&id=2008-17774-008
5 ROVINSKI, Sonia Liane Reichert. Ob. cit.
6 Idem.
7 AUDIBERT, Alyane e outros. “O uso da técnica de Zulliger na seleção de pessoas”, em PEREIRA, Daniela
Forgiarini e Denise Ruschel Bandeira. Ob. cit.
8 LEVENFUS, Rosane Schotgues. “O teste de personalidade Palográfico nas organizações”, em PEREIRA, Daniela
Forgiarini e Denise Ruschel Bandeira. Ob. cit.
9 ALVES, Gisele Aparecida da Silva e outros. “Avanços e dilemas da seleção de cargos de gestão: emprego de ferra-
mentas para avaliação”, em FRANCO, Renata da Rocha Campos e Lucila Moraes Cardoso (orgs.). Teorias e práti-
cas psicológicas aplicadas no contexto de seleção de executivos. São Paulo: Casa do psicólogo, 2013.
10 FRANCO, Renata da Rocha Campos. “O uso de testes psicológicos em seleção profissional”, em FRANCO, Renata
da Rocha Campos e Lucila Moraes Cardoso (orgs.). Ob. cit.
11 FERREIRA, Marcia Eloisa Avona e VILLEMOR-AMARAL, Anna Elisa de. “O teste de Zulliger e avaliação de de-
sempenho”. Paidéia, 2005, 15(32): 367-376. Disp. em: http://www.scielo.br/pdf/paideia/v15n32/06.pdf.
12 FRANCO, Renata da Rocha Campos. Ob. cit. p. 61.
13 FRANCO, Renata da Rocha Campos. Ob. cit. p. 63.
14 FRANCO, Renata da Rocha Campos. Ob. cit. p. 64.
15 ROVINSKI, Sonia Liane Reichert. Ob. cit.
16 FRANCO, Renata da Rocha Campos. Ob. cit. p. 66.
17 FRANCO, Renata da Rocha Campos. Ob. cit. p. 67.
18 FRANCO, Renata da Rocha Campos. Ob. cit. p. 65.
19 AMBIEL, Rodolfo A. M. e Vanessa Frigatto. “Avaliação psicológica nas organizações: uma conversa necessária
sobre ética com gestores não psicólogos”, em FRANCO, Renata da Rocha Campos e Lucila Moraes Cardoso (orgs.).
Ob. cit.
20 MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 129.
21 FARAH, Flavio. “Ética da Seleção de Pessoas: Validade de Ferramentas de Seleção”. pp. 12-13. Disp. em:
http://pt.slideshare.net/flaviofarah/tica-da-seleo-de-pessoas-validade-de-ferramentas-de-seleo-31836988
22 GUION, Robert M. e Richard F. Gottier. “Validity of personality measures in personnel selection”, Personnel Psy-
chology, 1965, 18: 135-164. p. 140.
23 GHISELLI, Edwin E. “The validity of aptitude tests in personnel selection”, Personnel Psychology, December 1973,
26(4): 461-477.
24 WANDERLEY, Wedher Modenezi. “Os testes psicológicos em seleção de pessoal: análise crítica dos conceitos e
procedimentos utilizados”, Arquivos Brasileiros de Psicologia, 1985, 37 (2): 16-31. p. 20.
25 McCRAE, Robert R. e Oliver P. John. “An introduction to the five-factor model and its applications”, Journal of
Personality, Jun 1992, 60(2): 175-215.
26 BARRICK, Murray R. e Michael K. Mount. “The big five personality dimensions and job performance: a meta-ana-
lysis”, Personnel Psychology, 1991, 44: 1-26.
27 TETT, Robert P., Douglas N. Jackson e Mitchell Rothstein. “Personality measures as predictors of job performance: a
meta-analytic review”, Personnel Psychology, 1991, 44: 703-742.
28 BARRICK, Murray R., Michael K. Mount e Timothy A. Judge. “Personality and Performance at the Beginning of the
New Millenium: What Do We Know and Where Do We Go Next?”, International Journal of Selection and Assess-
ment, Volume 9, Numbers 1/2, March/June 2001: 9-30. p. 23.
29 MORGESON, Frederick P., Michael A. Campion, Robert L. Dipboye, John R. Hollenbeck, Kevin Murphy e Neal
Schmitt. “Reconsidering the use of personality tests in personnel selection contexts”, Personnel Psychology, 2007,
60(3): 683-729.
30 McHENRY, Jeffrey J., Laetta M. Hough, Jody L. Toquam, Mary A. Hanson e Steven Ashworth. “Project A validity
results: The relationship between predictor and criterion domains”, Personnel Psychology, 1990, 43: 335-354.
31 REE, Malcolm James, James A. Earles, e Mark S. Teachout. “Predicting Job Performance: Not Much More Than g”,
Journal of Applied Psychology, 1994, 79(4): 518-524.
32 SCHMIDT, F. L. e J. E. Hunter. “The validity and utility of selection methods in personnel psychology: Practical and
theoretical implications of 85 years of research findings”, Psychological Bulletin, 1998, 124: 262-274.
33 SCHMIDT, F. L. e J. E. Hunter. Idem.
34 SCHMIDT, F. L. e J. E. Hunter. Idem.
35 SCHMIDT, F. L. e J. E. Hunter. “General Mental Ability in the World of Work: Occupational Attainment and Job
Performance”, Journal of Personality and Social Psychology, 2004, 86(1): 162-173.
36 SCHMIDT, F. L. e J. E. Hunter. 1998. Ob. cit.
37 CATHO. “Pesquisa dos profissionais brasileiros”. Ob. cit.
38 RYNES, Sara L., Amy E. Colbert e Kenneth G. Brown. “HR professionals’ beliefs about effective human resource
practices: correspondence between research and practice”, Human Resource Management, Summer 2002, 41(2):
149-174. Disp. em: http://homepages.se.edu/cvonbergen/files/2013/01/HR-Professionals-Beliefs-About-Effective-
Human-Resource-Practices_Correspondence-Between-Research-and-Practice.pdf
39 RYNES, Sara L., Amy E. Colbert e Kenneth G. Brown. Ob. cit.
40 FARAH, Flavio. “Retenção de talentos”. Disp. em: http://pt.slideshare.net/flaviofarah/reteno-de-talentos-36328359
41 CATHO. “Pesquisa dos profissionais brasileiros”. Ob. cit.
42 FARAH, Flavio. “Manifesto pela sabedoria em gestão de pessoas”. Disp. em:
http://pt.slideshare.net/flaviofarah/manifesto-pela-sabedoria-em-gesto-de-pessoas
43 CARREIRA MULLER. “Perfil e comportamento do profissional de RH no Brasil”, Você RH, ed. 36, fev/mar 2015.
p. 7.
44 PEREIRA, Fabiana Marques, Ricardo Primi e Claudia Cobêro. “Validade de testes utilizados em seleção de pessoal
segundo recrutadores”, Psicologia: Teoria e Prática, 2003, 5(2):83-98. Disp. em:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v5n2/v5n2a08.pdf
45 Idem.
46 Idem.
*Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário, especialista em Ética e autor do livro “Ética na gestão de pessoas”. Contato: [email protected]