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72 | 2015 | COMPORTAMENTO O futuro é feminino O mundo está percebendo que a bipolaridade homem x mulher impede o progresso no século 21. Na tecnologia, elas estão prontas para assumir seu papel na evolução dos negócios Thalita Matta Machado As mulheres representam 49,5% da po- pulação mundial. Porém, dos 195 paí- ses independentes do planeta, apenas 9% são comandados por elas. Entre as equipes diretoras das 500 empresas de maior faturamento dos Estados Unidos, 4% são compostas por mulheres. Na América Latina, 1,8% das empresas têm uma diretora-executiva. E na tecno- logia, o cenário é o mesmo. Há somente 24% de presença feminina nos quadros da Microsoft; 30%, nos da Apple e da Google; e 31%, nos do Facebook. Mas não se iluda. O mindset responsável pelo progresso no século 21 é feminino. Publicado por John Gerzema e Michael D´Antônio, o livro The Athena Doctrine: How Women (and the Men Who Think Like Them) Will Rule the Future apresenta os resultados de mais de dois anos de pesquisa em 13 países, incluindo o Brasil, e conclui: os valores femininos estão em ascensão. Ao todo, 64 mil pessoas foram entrevistadas e participaram de pesquisas sobre o tema. Os dados apontaram que a maioria está insatisfeita com a conduta dos homens em seus países, especialmente a Geração Y, e consideraram que o pensamento bipolarizado de homem x mulher limita o potencial de progresso no futuro. Também mostraram que dois terços dos entrevistados sentem que o mundo seria um lugar melhor se os homens pensassem mais como as mulheres. A Wevolve, agência de pesquisa e design da Finlândia, em parceria com o evento Women in Tech, apon- tou quatro cenários para a evolução do setor de TI, e adivinhem: em to- dos há predominância feminina. Ao identificar as oportunidades futuras de desenvolvimento das empresas de tecnologia, os resultados previram a direção dos negócios sendo feita por organizações com perfil feminino e, consequentemente, mais mulheres na liderança. “Homens e mulheres lideram de formas diferentes. Temos mais empatia pelo outro e atuamos de maneira holística, mais integra- da”, afirma Cláudia de Melo, CTO da ThoughtWorks (TW) no Brasil. Apesar de as mulheres somarem apenas um quarto do contingente de funcionários em todo o planeta, na TW, 50% das lideranças são delas. Para Cláudia, ter mais mulheres na equipe e nas lideranças das grandes corporações simplesmente faz bem para os negócios. Ela prevê que mui- to em breve viveremos a era da eco- nomia digital, em que não será mais possível distinguir se uma empresa é ou não da área de TI, porque a tecno- logia estará no core de todos os negó- cios. “Na economia, as mulheres são as grandes consumidoras, por atuarem como tomadoras de decisão do que é ou não adquirido na rotina da casa e por garantirem a qualidade de vida da família. Nada mais natural do que entendê-las e, mais do que isso, trazê- -las para perto dos negócios, formando equipes que realmente saibam como chegar até elas”, explica. Mas, para isso acontecer, as mulhe- res precisam estar mais presentes. O curioso é que, nos primórdios da computação, havia uma forte presen- ça feminina. A primeira programadora da história foi Ada Lovelace, no século 19. E o termo computador foi criado a partir das “computadoras”, como eram chamadas as mulheres respon- sáveis pela programação do primeiro computador digital eletrônico de gran- de escala, o ENIAC. Também foram precursoras do Wireless e da lingua- gem COBOL. Estiveram presentes no time que desenvolveu o primeiro Ma- chintosh, atuando ativamente na cria- ção da famosa interface amigável que colocou a Apple no topo do mundo. Contudo, uma pesquisa de gênero re- alizada pela universidade de Stanford, nos Estados Unidos, identificou que, a partir da década de 80, as mulhe- res simplesmente deixaram de ver a área de exatas como alternativa pro- fissional. Em 2009, somente 18% dos diplomas em Ciência da Computação nos EUA foram conquistados por mu- lheres. Aparentemente, a programa- ção era vista como uma tarefa menor, que deveria ser executada por elas, enquanto a construção de hardwares era um trabalho mais valorizado por ser mais difícil – como o próprio nome diz – e, portanto, deveria ser realizado pelos homens. À medida que a TI evoluiu e se tornou um negócio cada vez mais rentável, começou a atrair, cada vez mais, o interesse masculino para o desenvol- vimento de softwares. Aos poucos, o ambiente foi se masculinizando e, consequentemente, tornando-se mais hostil para as mulheres. O artigo What Silicon Valley thinks of women, publi- cado pela Newsweek em janeiro deste ano, causou polêmica ao destacar a cultura machista do setor, passando por situações de discriminação de gê- nero e assédio moral e sexual. “O Vale do Silício nunca produziu uma versão feminina de Gates, Zuckerberg ou Ka- lanick”, alfineta a publicação. Por mais mulheres na tecnologia Nos últimos anos, diversas iniciativas têm surgido pelo planeta com o intuito de criar um ambiente favorável para discutir o assunto, impulsionar a car- reira das mulheres na área de tecno- logia, aprender novas linguagens de programação e desenvolver projetos inovadores. É o caso do Rails Girls, evento de origem finlandesa que no Brasil, especialmente em Belo Hori- zonte e Porto Alegre, é promovido em parceria com a ThoughtWorks. “A im- portância do Girls no nome é porque ele traduz um ambiente seguro. Que- remos dizer às participantes que, se o A Cosmopolitan registrou, na década de 60, que a programação era profissão para mulheres Fotos: Arquivo da internet | 2015 | 73

O Futuro é Feminino - Revista Inforuso | Sucesu Minas

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comportamENto

O futuro é femininoO mundo está percebendo que a bipolaridade homem x mulher impede o progresso no século 21. Na tecnologia, elas estão prontas para assumir seu papel na evolução dos negócios

thalita matta machado

As mulheres representam 49,5% da po-pulação mundial. Porém, dos 195 paí-ses independentes do planeta, apenas 9% são comandados por elas. Entre as equipes diretoras das 500 empresas de maior faturamento dos Estados Unidos, 4% são compostas por mulheres. Na América Latina, 1,8% das empresas têm uma diretora-executiva. E na tecno-logia, o cenário é o mesmo. Há somente 24% de presença feminina nos quadros da Microsoft; 30%, nos da Apple e da Google; e 31%, nos do Facebook. Mas não se iluda. O mindset responsável pelo progresso no século 21 é feminino.

Publicado por John Gerzema e Michael D´Antônio, o livro The Athena Doctrine: How Women (and the Men Who Think Like Them) Will Rule the Future apresenta os resultados de mais de dois anos de pesquisa em 13 países, incluindo o Brasil, e conclui: os valores femininos estão em ascensão. Ao todo, 64 mil pessoas foram entrevistadas e participaram de pesquisas sobre o tema. Os dados apontaram que a maioria está insatisfeita com a conduta dos homens em seus países, especialmente a Geração Y, e consideraram que o pensamento bipolarizado de homem x mulher limita o potencial de progresso

no futuro. Também mostraram que dois terços dos entrevistados sentem que o mundo seria um lugar melhor se os homens pensassem mais como as mulheres.

A Wevolve, agência de pesquisa e design da Finlândia, em parceria com o evento Women in Tech, apon-tou quatro cenários para a evolução do setor de TI, e adivinhem: em to-dos há predominância feminina. Ao identificar as oportunidades futuras de desenvolvimento das empresas de

tecnologia, os resultados previram a direção dos negócios sendo feita por organizações com perfil feminino e, consequentemente, mais mulheres na liderança. “Homens e mulheres lideram de formas diferentes. Temos mais empatia pelo outro e atuamos de maneira holística, mais integra-da”, afirma Cláudia de Melo, CTO da ThoughtWorks (TW) no Brasil. Apesar de as mulheres somarem apenas um quarto do contingente de funcionários em todo o planeta, na TW, 50% das lideranças são delas.

Para Cláudia, ter mais mulheres na equipe e nas lideranças das grandes corporações simplesmente faz bem para os negócios. Ela prevê que mui-to em breve viveremos a era da eco-nomia digital, em que não será mais possível distinguir se uma empresa é ou não da área de TI, porque a tecno-logia estará no core de todos os negó-

cios. “Na economia, as mulheres são as grandes consumidoras, por atuarem como tomadoras de decisão do que é ou não adquirido na rotina da casa e por garantirem a qualidade de vida da família. Nada mais natural do que entendê-las e, mais do que isso, trazê--las para perto dos negócios, formando equipes que realmente saibam como chegar até elas”, explica.

Mas, para isso acontecer, as mulhe-res precisam estar mais presentes. O curioso é que, nos primórdios da computação, havia uma forte presen-ça feminina. A primeira programadora da história foi Ada Lovelace, no século 19. E o termo computador foi criado a partir das “computadoras”, como eram chamadas as mulheres respon-sáveis pela programação do primeiro computador digital eletrônico de gran-de escala, o ENIAC. Também foram precursoras do Wireless e da lingua-gem COBOL. Estiveram presentes no time que desenvolveu o primeiro Ma-chintosh, atuando ativamente na cria-ção da famosa interface amigável que colocou a Apple no topo do mundo.

Contudo, uma pesquisa de gênero re-alizada pela universidade de Stanford, nos Estados Unidos, identificou que, a partir da década de 80, as mulhe-res simplesmente deixaram de ver a área de exatas como alternativa pro-fissional. Em 2009, somente 18% dos diplomas em Ciência da Computação nos EUA foram conquistados por mu-lheres. Aparentemente, a programa-ção era vista como uma tarefa menor,

que deveria ser executada por elas, enquanto a construção de hardwares era um trabalho mais valorizado por ser mais difícil – como o próprio nome diz – e, portanto, deveria ser realizado pelos homens.

À medida que a TI evoluiu e se tornou um negócio cada vez mais rentável, começou a atrair, cada vez mais, o interesse masculino para o desenvol-vimento de softwares. Aos poucos, o ambiente foi se masculinizando e, consequentemente, tornando-se mais hostil para as mulheres. O artigo What Silicon Valley thinks of women, publi-cado pela Newsweek em janeiro deste ano, causou polêmica ao destacar a cultura machista do setor, passando por situações de discriminação de gê-nero e assédio moral e sexual. “O Vale do Silício nunca produziu uma versão feminina de Gates, Zuckerberg ou Ka-lanick”, alfineta a publicação.

Por mais mulheres na tecnologiaNos últimos anos, diversas iniciativas têm surgido pelo planeta com o intuito de criar um ambiente favorável para discutir o assunto, impulsionar a car-reira das mulheres na área de tecno-logia, aprender novas linguagens de programação e desenvolver projetos inovadores. É o caso do Rails Girls, evento de origem finlandesa que no Brasil, especialmente em Belo Hori-zonte e Porto Alegre, é promovido em parceria com a ThoughtWorks. “A im-portância do Girls no nome é porque ele traduz um ambiente seguro. Que-remos dizer às participantes que, se o A Cosmopolitan registrou, na década de 60, que a programação era profissão para mulheres

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mundo lá fora não é acolhedor, aqui elas podem chegar sem medo de errar, perguntar e aprender”, explica Juliana Dor-neles, gerente-geral da TW em Belo Horizonte. Coincidência ou não, quando perguntadas quem compareceria ao evento caso ele se chamasse apenas Rails, apenas 10% da plateia ergueu o braço.

A reação é justificada. Sarah Pantaleão, engenheira ambien-tal e participante do evento, foi uma das que não levantou a mão. Mulher e negra, ela enfrentou o preconceito em mais de uma ocasião no seu ambiente de trabalho. “Já pergunta-ram se eu era filha da faxineira e já me pediram para cha-mar o responsável pela área de engenharia, que no caso era eu mesma. Depois de contratada, minha chefe confidenciou

que, antes de me conhecer, imaginava que eu fosse loira e alta, porque meu currículo era muito bom, com cursos no exterior e fluência em várias línguas”, conta. Apesar de não ser da área, é uma apaixonada por tecnologia e pela cultura organizacional da ThoughtWorks. “É uma comunidade que me respeita e me faz querer fazer parte”, diz.

Ana Paula Gomes é organizadora do Google Developer Group (GDG) e do Women Techmakers, em Belo Horizonte. Que-ria fazer Direito, mas acabou iniciando sua formação num curso técnico em informática. Apaixonou-se pela tecnologia e não a largou mais. Ana conta que a primeira situação pre-conceituosa que viveu foi quando assumiu a coordenação de um pequeno setor de manutenção de computadores. Iria liderar dois técnicos homens, mas um deles disse clara-

mente que não faria o que ela pedisse porque ele não “obedecia” mulheres. O técnico foi demitido, porém o caso não foi esquecido. “Existe um estudo que pontua que uma mulher em com-putação precisa ser 2,5 vezes melhor do que um homem para ser conside-rada igual. Tento ser muito mais vezes do que isso, para que ninguém tenha o direito de não me respeitar porque sou mulher. Faço isso não só por mim, mas para defender e estimular outras mulheres e mostrar que elas têm total capacidade sim”, ressalta.

Em 2009, Márcia Santos Almeida, Lu-ciana Silva e Narrira Lemos fundaram

a organização sem fins lucrativos Mu-lheres na Tecnologia, que atua sob três pilares: conscientização da sociedade, empoderamento das mulheres e amplia-ção da participação feminina no univer-so da tecnologia. O MTI é regido por um conselho gestor composto por mulheres e, hoje, tem mais de 370 membros no grupo de discussão, com uma participa-ção ainda maior nas redes sociais.

Márcia coordenou o 3° Encontro Nacio-nal de Mulheres na Tecnologia, realiza-do em Goiânia, no mês de setembro, e que, surpreendentemente, registrou 47% de presença masculina. De acordo com ela, o baixo interesse das mulhe-

res em relação aos cursos de TI ainda é preocupante, mas também é um in-centivo para que seja dada uma respos-ta à sociedade. “Grandes empresas de tecnologia começaram a se preocupar em ter mulheres em seus quadros e já possuem programas de retenção de talentos femininos e de incentivo à en-trada de novas mulheres, como a TW, Google, IBM, Microsoft e HP. O maior desafio, agora, é demonstrar para as meninas que a área de TI não precisa ser majoritariamente masculina e que existem grandes oportunidades para elas. Somos otimistas sobre o futuro das mulheres no setor, mesmo entendendo que ainda há muito para se trilhar.”

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Cláudia Melo, CTO da ThoughtWorks no Brasil

Sarah Pantaleão durante o Rails Girls, em Belo Horizonte

Márcia Santos, do MTI, acredita que a internet e as redes sociais aproximam as mulheres da tecnologia

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crescimento profissional das mulheres no mercado de tecnologia:Confira cinco iniciativas que estimulam a participação e oConfira cinco iniciativas que estimulam a participação e o

Elas desenvolveram o futuro

Code Girlwww.codegirl.com.brA comunidade brasileira surgiu no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Gran-de do Norte, para ajudar meninas estudantes do ensino médio a se-guirem carreira em tecnologia. O Code Girl faz parte do projeto Pro-gramar meu Futuro e versa sobre o mundo da programação e do em-preendedorismo.

PyLadieshttp://brasil.pyladies.comCriado por desenvolve-doras apaixonadas pela linguagem de programa-ção Python. No Brasil, é possível encontrar líderes da comunidade em Natal (RN), Recife (PE), Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ) e São Carlos (SP).

Mulheres na Tecnologiawww.mulheresnatecnologia.orgA organização sem fins lucra-tivos surgiu no Brasil para au-mentar a participação feminina na área de TI. Homens e mulhe-res podem compartilhar experi-ências, capacitar e disseminar a tecnologia em suas comuni-dades, por meio de encontros e workshops.

Rails Girlswww.railsgirls.com Fundado pelas programadoras finlandesas Linda Liukas e Kar-ri Saarinen, o grupo promove workshops sobre o framework Ruby on Rails em diversos luga-res do planeta, incluindo as cida-des de São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre.

Women Techmakerswww.developers.google.com/women-techmakersApesar de ainda não mostrar um relatório de diver-sidade tão justo para mulheres e minorias, a Goo-gle está engajada em incluir o público feminino no mundo da tecnologia. Esse projeto é global e conta com eventos, workshops, encontros e comunidades virtuais para troca de experiências e encorajamento das mulheres a seguirem carreira na tecnologia.

Fonte: Info.abril.com.br

comportamENto

1842 - Ada LovelaceMatemática e escritora in-glesa, filha do poeta bri-tânico Lorde Byron, escre-veu o primeiro algoritmo a ser processado por uma máquina. É considerada a primeira programadora de toda a história.

1942 - Hedy LamarrAtriz e engenheira de te-lecomunicações, inventou o precursor da comuni-cação Wireless durante a Segunda Guerra Mundial.

1946 - Kathleen McNulty Mauchly Antonelli, Jean Jen-nings Bartik, Frances Snyder Holberton, Marlyn Wescoff Meltzer, Frances Bilas Spen-ce, Ruth Lichterman Teitel-baum e Adele GoldstineProgramadoras do ENIAC, o primeiro computador digital eletrônico de grande escala.

1952 - Grace HopperPioneira da computação, foi analista de sistemas da mari-nha e criadora da linguagem Flow-Matic, base para a cria-ção do COBOL.

1983 - Susan Kare e Joanna Hoffman Susan é designer, ilustradora e pintora. Concebeu parte da interface gráfica das primeiras versões do Mac OS. Joanna atuou como único membro da equipe de marketing da Ma-cintosh e participou da elabo-ração do primeiro esboço da Human Interface Guidelines.

1953 - Evelyn BerezinEra funcionária da Un-derwood Company quando criou o primeiro computador a ser usado em escritórios.

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