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v ARCO CAUTELA E REAVALIA AO Num ambiente típico de feira comercial, a Arco tomou conta de Madrid na sua versão anos 90. O espírito - artístico, esse, foi o de cautela e reavaliação, daí a sólida presença dos artistas mais cotados das gerações anteriores.

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vARCO

CAUTELA E~

REAVALIA AONum ambiente típico de feira comercial, a Arco tomouconta de Madrid na sua versão anos 90. O espírito ­artístico, esse, foi o de cautela e reavaliação, daí asólida presença dos artistas mais cotados dasgerações anteriores.

ruthrosengarten
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O Independente, 23 Fevereiro, 1990. página III-20
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ARCO, Madrid, 8-13 Fevereiro1990.MIGUEL BARCELÓ, GaleriaSoledad Lorenzo, CalleOrfllla, Madrid, até 26 Março.BEUY5 VOR BEUY5, Casa deiMonte, plaza de san Martin 1,Madrid, até 4 Março.ODILON REDON, Fundaclón

: Juan March, calle de Castelló: n, Madrid, até 1 de Abril.: DOMENICO GNOL/,: Fundaclón Cala de: Pensiones, calle de serrano,: Madrid, até 5 de Março.

dos artistas mais cotados das penoso verificar a rapidez com Igerações anteriores - desde Pi- que os Neus Wilden alemãescasso, Miró, Leger e Gris, (galeria Raab, Berlim e Lon­passando por Warhol, Carl An- dres), celebrados ainda há me­dré, Roy Lichtenstein, Tom nos de 10 anos como os gran­Wesselman, Josef Beuys, Jan- des libertadores da pintura, têmnis Kounnelis e Marcel Broo- hoje um ar datado. Em desta­dhaers, até Mario Merz, Fran- que estão agora as obras tridi­cesco Clemente, Alighiero e mensionais - não tanto escul­Boetti, Tony Cragg e José turas no sentido clássico daMaria Sicilia. palavra, mas antes peças que

Neste contexto, há ainda a esbatem as margens entre adestacar a presença de um escultura, o objecto e a instala­stand com pinturas de Francis ção (Mauro Folei, Jon Kessler,Picabia (galeria Neuendorf, Michael Landy, Jan Vercruys-

: MUITO melhor que Frankfurt) e nada menos que se, Klingelhõller, Tony Carter: no ano passado», dois com obras da artista surre- entre outros). Entre os Portu-: foi o veredicto alista Meret Oppenheim (gale- gueses, esta tendência era evi-:« geral que andava ria Ziegler, Genebra e galeria dente nas peças poéticas de: de boca em boca sobre a Feira José Barrias (galeria EMI-: Internacional de Arte Contem- -Valentim de Carvalho), assim: porânea de Madrid. Não tendo Este ano há uma como nas duas obras de estafe: estado presente no ano passado de Pedro Cabrita Reis (Cómi-: (por razões que se prendem menor aposta na cos, Roma e Pavia) ou no: com uma certa «feirofobia»), trabalho de Gerardo Burmestre: tenho, porém, de admitir que o pintura como tal, ea (Roma e Pavia).: nível geral desta edição de feira As construções de Sol le Wit: foi melhor do que se costuma (galerias Rhona Hoffman, Chi-: esperar deste tipo de pot-pourri apropriação ecitação cago e John Weber. Nova lor-: artístico. Tal se deve, com toda que) sugerem uma nova avalia-: a probabilidade, a uma inter- de imagens da ção da sua estética minimalista: venção mais rigorosa e selec- da década de 60. Susan Solano: tiva por parte do comité execu- sociedade de (galeria Donald Young, Chi-: tivo e da direcção do Arco, cago) apresenta um trabalho: preocupados como estão em perturbante e misterioso - um: preparar a celebração no ano consumo está menos dos seus melhores de sempre-,: que vem do lO.· aniversário da em que uma mesa de bilhar: feira. Estavam presentes 217 em destaque. preta e profunda é transfor-: galerias de 20 países, represen- mada em «piscina». Nam June~ tando não só os mais importan- Paik trouxe várias peças recen-: tes centros europeus, como Levy, Hamburg). Encontrámos tes onde a nostalgia e a ficção: ainda muitas e distintas galerias trabalhos de várias fases da científica se combinam em au­: dos EUA. Mais uma vez se obra de Picabia; infelizmente, tómatos com caras que são: demonstra como a Espanha tem porém, a fase mais interessante televisões a cores, mas cujos: vindo ultimamente a aumentar - o interlúdio mecanicista dadá corpos aão as caixas vazias de: em credibilidade e legitimidade do segundo decénio deste sé- rádios das décadas de 30 e 40.: no meio artístico internacional. culo - não está representada. A instalação compásita de

A despeito da intenção de- Quanto a Oppenheim, tal como Marie Jo Lafontaine (galeria: clarada pelos organizadores de já era patente na mini- Walter Storms, Munique), com: criar um «centro interdiscipli- -retrospectiva organizada no o seu persistente recurso à foto­: nar de serviço às artes», o Institute of Contemporan Art, grafia, também é uma presença: ambiente era típico de uma de Londres (1989), ela revela- forte e marcante, assim como a: feira comercial: a atmosfera era -se como uma artista possuída imponente mesa de vidro em: eléctrica; voavam contactos, de uma sensibilidade rica mas forma de crescente de Mário: negócios e comentários entre frágil. Resistindo à tirania dos Merz (galeria Annemarie: galeristas, compradores e críti- seus colegas surrealistas, assim Verna, Zurique). No stand da: cos de arte. Há que sublinhar, como à hegemonia de um estilo Lisson Gallery de Londres - o: no entanto, que o espírito artís- individual, ela progride por cadinho da nova escultura bri­: tico dominante neste Arco, que meio de uma busca constante, tânica -, Anish Kapoor apre­: inaugura os anos 90, é de experimental e, por vezes até, senta alguns dos trabalhos com: cautela e reavaliação, e não penosa da sua própria identi- que quebrou, no ano passado,: propriamente de lançamento de dade. Nas obras recentes, o um longo período de silêncio.: novas pistas ou de apostas radi- espírito dominante é, sem dú- Para além de vários desenhos,: cais. Em primeiro lugar, en- vida, uma estética cool. com estão expostas esculturas feitas: contramos uma sólida presença um certo teor conceptualista. É de rocha crua coberta com o.........................................................................................................II1-20 o INDEPENDENTE. 23 DE FEVEREIRO DE 1990

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Domenlco Gnoll,Relógio de Pulso, 1969,

acrílico e areia sobre tela

A Instalação de Anlsh Kapoor.No primeiro plano, Angele ao fundo Void Field, obrasde 1989.(Cortesia da Lisson Gallery,de Londres)

pigmento azul ultramarino queé característico do artista ­criando uma justaposição instá­vel entre a permanência dapedra e a evanescência do pig­mento em pó. Estas obras estãoimbuídas de uma estranheza emonumentalidade que lhesconfere uma presença quasemística. Esperamos com ex-pectativa as mostras que serãoabertas em breve na Tate Galle- Brun, Antón Patino - também atelier, Barceló abandona asry de Londres e no Centro Júlio Sarmento as vezes recorre perspectivas vertigino as queReina Sofia em Madrid. a este tipo de aplicação de caracterizavam os seus traba-

Este ano, as galerias pare- tinta). lhos anteriores, em favor de umcem ter apostado menos na Miguel Barceló - cuja obra espaço. pictórico menos estru­pintura propriamente dita. En- está patente em três stands no turado. Baseadas nos desenhostre as apresentadas nota-se que Arco (galeria Dau ai Set, feitos em África. as imagensa apropriação e citação de ima- Palma de Mallorca; galerias estão submersas numa tintagens da sociedade de consumo Thomas SegaI e Leo Castelli. grossa e empastada. que é.está menos em destaque. ce- Nova Iorque) - inaugurou ao afinal. o seu verdadeiro tema.dendo lugar a um idioma que mesmo tempo uma exposição O afastamento do anterior idio­demonstra um interesse reno- na galeria Soledad Lorenzo. ma do artista - mais tosco. masvado pela matéria da pintura. Este pintor tem vindo a con- também mais pessoal - é possi­Recorrendo a tinta espessa ou solidar a sua posição como um velmente uma perda.combinando-a com todo o gé- dos grandes nomes da pintura Mas nem só a arte contem­nero de outras substâncias _ contemporânea. A exposição é porânea dá brilho a Madrid esteareia, cera. resinas e colas _. os fruto de uma estadia em Gao. Inverno. Para além da deslum­pintores criam superfícies den- no Mali. Os desenhos de via- brante exposição de Veláz­sas que tanto atraem como gem têm toda a frescura e quez. outras mostras merecemrepelem (José Maria Sicilia. fluência de apontamentos feitos a nossa atenção: a exposiçãoJean-Charles Blais. Chris le in situ. Nas pinturas, feitas no um pouco idiossincrática de.......................................................................................................

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v v E R...............................................................................................................................................................................................................arte latino-americana no Palá- campo de experimentação Amostra paralela que óleo da década de 1870. pas- assustadora cabeça humana Pelo contrário, a utilização de:cio Velázquez, os desenhos de como uma forma de comunica- sando pelos ramos de flores sem cabelo. areia fina misturada com tinta, •Josef Beuys no novo espaço da ção própria. Recorrendo a todo jin-de-siécle até aos últimos Mas, de entre toda esta vari- assim como a drástica desloca-Casa dei Monte. os trabalhos o tipo de materiais - desde o mais surpreende éa trabalhos simbolistas. En- edade. a mostra que mais sur- ção de escala concedem a estasde Odilon Redon na Fundação lápis e a caneta de tinta. até ao quanto as pinturas não são preende é a das últimas obras imagens monumentais e estáti-Juan March e as pinturas de mordente ou a purpurina -, os todas do mesmo nível - algu- do artista italiano Domenico cas uma realidade indepen-Domenico Gnoli na Fundação frágeis contornos das figuras de Domenico Gnoli, mas perdem o seu impacte Gnoli, tragicamente falecido dente, séria e irónica ao mesmoCaja de Pensiones. exploram fisionomias e movi- devido a um certo preciosismo aos 37 anos em 1970. Reu- tempo. A madeixa de cabelo

A exposição de Beuys con- mentos, imbutindo-as com mi- no desenho e na gama cromá- nindo 44 pinturas, quatro es- que assenta sobre a lapelasiste em 216 desenhos. execu- tologias e obsessões pessoais. mais afim da pintura tica -, é nos desenhos a pastel e culturas e 17 desenhos, a expo- acaba por tornar-se algo detados entre 1948 e 1968, cons- Estes trabalhos reflectem o sur- carvão que Odilon Redon mos- sição na Fundación Caja de estranhamente sinistro; o in-tituindo um documento subs- gimento de um Homo univer- tra a sua grandeza, emergindo Pensiones revela-nos um artista terior de um sapato mal étancial do pensamento do ar- sale numa versão século XX, metafísica italiana do como um visionário. Parti- de consideráel maturidade e reconhecível; e um soutien bor-tista durante estes anos. Os pois integram os vastos interes- cularmente perturbante é o fas- constância que recusa as várias dado parece mais uma arma-trabalhos estão divididos em ses de Beuys, que vão da cínio pela decapitação, tanto no formas de abstracção então na dura medieval que um artigo detrês grandes grupos: «Ao acon- alquimia ao amanismo, da arte início do século do sentido literal (Cabeça do S. moda. As pinturas que Gnoli lingerie. Não é de estranhartecer da natureza - animal e romanesca a Leonardo, de João Batista. Cabeça de realiza entre 1963 and 1970 que estas obras fascinantes te-movimento»; «Figura e Fisio- Galileo a James Joyce e Rudolf Goliat). como num disfarce insistem sobre fragmentos da nham uma maior afinidade comnomia»; e «Escultura e Es- Steiner, da teologia à ciência. mítico (Pequena Cabeça Ala- realidade - frequentemente pe- a pintura metafísica italiana dospaço». Para Beuys, um dese- Os 109 trabalhos de Odilon que dos seus da). A cabeça de Orfeu é ças de roupa ou partes vestidas princípios deste século do quenho era definido como qual- Redon originam numa única e transportada por uma lira que é do corpo humano, mas também com os seus contemporâneosquer anotação relativamente espectacular colecção privada - também um barco; a tocha colchas de cama bordadas e da arte Pop americana - tais'pequena em papel, indepen- do americano lan Woodner. Há contemporâneos da ardente de Diógenes tem a peças de mobiliário. Apesar da como as roupagens de Jim Dinedentemente do estilo. Produziu obras representando várias dé- imagem de uma cabeça de atenção minuciosa dedicada a ou as deslocações de escala deliteralmente milhares durante a cadas da carreira do artista - homem; e a flor emergente do detalhes ínfimos, o efeito geral Claes OIdenberg.sua vida - pois eram tanto um desde os estudos naturalistas a Pop americana. Homem Cacto é, afinal, uma está longe do fotorealismo. Ruth Rosengarten

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