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ANO III | NÚMERO 27 |Setembro/Outubro 2006 Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura BRASIL ® CONTAG Jornal da Página 5 Página 8 Página 7 Decreto muda o valor do Progama de Aquisição de Alimentos. Teto de comercialização passa a ser de R$ 3.500 por família. Conversa de Pé de Ouvido Política Agrícola O professor da UnB Roberto Aguiar analisa problemas no campo, êxodo e segurança pública nas grandes cidades. Agricultura familiar é prioridade de Lula Candidato à reeleição apresenta programa de governo em Caruaru, em comício com a presença de 30 mil pessoas.

CONTAG · Conversa de Pé de Ouvido Política Agrícola O professor da UnB Roberto Aguiar ... êxodo e segurança pública nas grandes ... agrária e meio ambiente,

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ANO I I I | NÚMERO 27 | Se tembro /Ou tub ro 2006

Con fede ração Nac i ona l do s Traba lhado re s na Ag r i cu l t u ra

BRASIL

® CONTAGJornal da

Página 5

Página 8 Página 7

Decreto muda o valor do Progama de Aquisição de Alimentos. Teto de comercialização passa a ser de R$ 3.500 por família.

Conversa de Pé de Ouvido Política AgrícolaO professor da UnB Roberto Aguiar analisa problemas no campo, êxodo e segurança pública nas grandes cidades.

Agricultura familiaré prioridade de Lula

Candidato à reeleição apresenta programa de governo em Caruaru, em comício com a presença de 30 mil pessoas.

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E D I TO R I A L

P E L O B R A S I L A F O R A

Rumo à aconsolidação da agricultura familiar

O crescimento econô-mico e a distribui-ção de renda são os eixos principais do

programa de governo do presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva para os próximos quatro anos. O programa do candidato à reeleição reafirma também o compromisso de mudanças na estrutura fundiária brasileira e no fortalecimento da agricul-tura familiar.

Sem dúvida, podemos dizer que a reforma agrária esteve entre as prioridades do governo federal, mas ainda falta muito para a consolidação do modelo agrícola baseado na agricultu-ra familiar. Porém, temos a ex-pectativa de que, continuadas as ações iniciadas neste gover-no, mais 1 milhão de trabalha-dores e trabalhadoras conquis-

tem o seu pedaço de terra até 2010. Além disso, vamos lutar para garantir outras reivindica-ções como ampliação do crédi-to e assistência técnica, entre outras. Na página 5, o Jornal da Contag apresenta os principais pontos do programa Lula aos nossos leitores e leitoras.

Entre os avanços do gover-no federal nos últimos quatro anos, podemos enfatizar a importância da Lei Orgânica de Segurança Alimentar, que oferece garantias legais para acesso a programas como o Fome Zero, o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Con-tinuada. Leia na página7 o que significa essa iniciativa, que servirá como instrumento de controle das políticas públicas voltadas para a redução das desigualdades sociais.

Outro assunto relevante para o campo é a atualiza-ção do valor do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que também divulgamos na página 7. Essa é uma reivin-dicação do Grito da Terra, atendida para melhorar as condições de comercialização da agricultura familiar, o que representa um estímulo para ampliação da produção.

O desenvolvimento rural sus-tentável, entretanto, não depen-de apenas de decisões internas no país. São necessárias alianças internacionais, neste mundo hoje globalizado. Como os Tratados de Livre Comércio não beneficiam trabalhadores e trabalhadoras em geral, é preciso que se for-taleçam os mecanismos de inte-gração das comunidades rurais do Mercosul e do mundo.

É por isso que a Contag participou do seminário da Coordenação de Produtores Familiares do Mercosul (Copo-fram), que reúne sete países da América do Sul. Realizado no Chile, entre agosto e se-tembro, os detalhes desse en-contro estão na página 4.

Estamos convictos de que com essas alianças, os agri-cultores e agricultoras fami-liares alcançarão um maior nível de representatividade política e social, melhor ca-pacidade de negociação com os governos e a ampliação da rede de organização dos tra-balhadores e trabalhadoras de todo o Mercosul.

Manoel dos SantosPresidente da Contag

Margaridas da FetraeceAs mulheres novamente bri-

lharam na 11ª edição do Grito da Terra Ceará, realizado em 3 de agosto. Durante o evento, cerca de 3 mil trabalhadoras lo-taram a Praça do Ferreira, em Fortaleza. Em preparação para 2007, o projeto “Margaridas em Marcha por uma Participação Social Democrática e pelo Aces-so às Políticas de Crédito e Com-bate à Violência no Campo” tem como meta a realização de nove seminários em cada uma das re-gionais da Fetraece.

Condições de trabalhoAgricultores e agricultoras pa-

ranaenses reclamam que estão vi-vendo dias difíceis. “Muitas vezes são submetidos a trabalho degra-dante”, afirma o vice-presidente e diretor de Políticas Sociais de As-salariados Rurais, Antonio Zaranto-nello. Para discutir esse assunto, a Fetaep promoveu, em 19 e 20 de setembro, o 1º Encontro Estadu-al de Assalariados e Assalariadas Rurais. O evento foi realizado na

sede da Federação, em Curitiba, com a participação de 60 traba-lhadores de lavouras de cana-de-açúcar, café, frutas, entre outras. A entidade representa cerca de 1,2 milhão de pessoas, das quais 420 mil são assalariados e as de-mais, agricultores familiares.

DRT interdita usinas em GOA exploração de assalariados e

assalariadas provocou a interdi-ção de usinas do pólo de produção de álcool e açúcar da região dos municípios de Santa Helena de Goiás, Maurilândia e Quirinópo-lis. As atividades foram suspensas

por ordem da Delegacia Regional do Trabalho. Diante da pressão, as empresas cederam. Firmaram acordo em reunião entre DRT, Fe-tag de Goiás e Sindicato de Fa-bricação de Álcool e Açúcar, que representa os usineiros. A situa-ção foi regularizada, em cumpri-mento à Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Traba-lho na Agricultura, Pecuária, Sil-vicultura, Exploração Florestal e Aqüicultura (NR 31).

Saber tradicionalTrabalhadores e trabalhado-

ras rurais do Piauí querem ga-rantir assento da Fetag no Fó-rum de Educação do Campo e firmar parceria com a Secreta-ria de Educação do estado. Eles defendem a criação de um gru-po de trabalho para discussão de metodologias e formulação de proposta de grade curricular adaptada às suas necessidades. A proposta tem, entre seus ob-jetivos, a valorização do conhe-cimento popular, em harmonia com o saber técnico-científico.

Sucesso no campoA Expointer, maior feira agropecuária da América Latina, teve 91

expositores familiares da Fetag e da Emater, em setembro, na cidade gaúcha de Esteio. Nos últimos cinco anos, quando o Parque de Expo-sições Assis Brasil foi aberto para agricultores e agricultoras familia-res, a cada nova edição eles estão mais organizados. Em cinco dias, foram arrecadados R$ 189.971 – valor 69% acima do comercializado na edição de 2005. Trabalhadores e trabalhadoras rurais visitantes receberam mais de 6 mil kits com boné, jornal e folders.

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P E L O B R A S I L A F O R A

DIVAN R. DO NASCIMENTODIRIGENTE DA FETAG-RJ

Área rural do Rio debate educação

A Federação dos Traba-lhadores na Agricultura no Estado do Rio de Ja-neiro (Fetag—RJ) reali-

zou o 2° Curso de Capacitação de Professores em Educação do Campo, de 28 de agosto a 1° de setembro, em Conceição de Ma-cabu (RJ). O objetivo foi debater formas eficazes de implementar uma educação de qualidade no meio rural.

O encontro foi organizado por meio de convênio entre a Contag, o Ministério da Educa-ção (MEC) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Entre os participantes, estavam professores das esco-las agrícolas dos municípios de São Fidélis e Conceição de Ma-cabu, o presidente da Fetag-RJ,

Manoel Oscar Jotta Barbosa, diri-gentes sindicais, representantes da Delegacia Federal de Desen-volvimento Agrário e da Secreta-ria Estadual de Educação.

Reivindicações — Discuti-mos o fato de não termos uma educação específica para a área rural. Além de o MEC preparar

cartilhas iguais aos de alunos da cidade, no campo o ensino só vai até a 4ª série. Os prefei-tos preferem pagar transpor-te para as crianças estudarem na cidade a disponibilizar o en-sino completo.

Um dos pontos altos do 2° Curso de Capacitação foi o depoi-mento de dois jovens alunos da

Escola Agrícola de Cabo Frio. Eles mesmos tomaram a iniciativa de se matricular na instituição.

A principal ação proposta no encontro foi a criação de um Fó-rum de Educação no Campo para discutir a questão. Pretendemos convidar movimentos sociais, universidades e ONGs que tra-balham na área. Todas as idéias serão levadas aos 19 acampa-mentos de trabalhadores rurais do estado do Rio de Janeiro, que têm aproximadamente 3 mil pessoas.

Esperamos que, quando os acampamentos se tornarem assentamentos, as pessoas já tenham uma visão de desen-volvimento construída após os debates do Fórum. Estamos plan-tando uma sementinha. Espera-mos que, a partir das discussões, possamos melhorar a educação no campo.

Fetape: maior encontro da década

O 7º Congresso da Fetape reuniu 951 delegados sindicais, entre 4 e 6 de agos-

to, no Centro de Convenções da Universidade Federal de Per-nambuco, decidindo os rumos da política da federação para os próximos quatro anos.

A abertura do evento con-tou com a presença de vários representantes do cenário po-lítico estadual e nacional, dos candidatos ao governo estadual Humberto Costa (PT) e Eduardo Campos (PSB) e dos candidatos a deputado estadual, representan-tes do movimento sindical rural, Bruno Ribeiro (PT) e José Patrio-ta (PSB), além do presidente da Contag, Manoel Santos, dos re-presentantes do governo federal Humberto Oliveira e Espedito Rufino e de diversos represen-tantes da sociedade civil e de instituições.

Durante o evento foram lan-çadas as revistas 4 Décadas de Luta e Gestão 2002–2006, ambas registros históricos do trabalho da federação. Na ocasião, as agricultoras também lançaram a Marcha das Margaridas 2007.

“Há 10 anos a federação não realizava um evento dessa pro-porção. Foram quase mil de-legados e delegadas sindicais, que vieram de todas as regiões do estado”, comemora Aristides Santos, reeleito presidente da Fetape, em chapa única, para os próximos quatro anos.

Pauta — Temas como reforma agrária e meio ambiente, polí-ticas diferenciadas para a agri-cultura familiar, relações de tra-balho assalariado no meio rural, políticas públicas sociais, orga-nização, formação, estrutura e comunicação sindical, relações de gênero, raça e etnia no meio rural, auto-sustentação, gestão e finanças sindicais foram deba-tidos durante o encontro.

O encerramento do 7° Con-gresso da Fetape proclamou a chapa única que reelegeu o pre-sidente da federação, Aristides Santos, dando continuidade a resoluções de luta pela terra e incentivo à agricultura fami-liar, marcas do mandato que se encerra no próximo dia 6 de setembro. Dois dias depois, foi empossada a nova diretoria da Fetape, constituída ainda por Doriel Saturnino (vice-presiden-te), Maria de Lourdes da Silva (secretária de Formação), Anto-nio Francisco da Silva – Ferrinho

(secretário de Finanças), José Rodrigues (secretário de Políti-ca Salarial), Adelson Freitas (se-cretário de Política Agrícola), Paulo Roberto Rodrigues Santos (secretário de Política Agrária), Maria Aparecida de Melo – Mu-lica (secretária de Mulheres) e Cícera Nunes da Cruz (secretá-ria de Jovens).

O Congresso da Fetape é re-alizado a cada quatro anos, e a federação representa cerca de 1,5 milhão de trabalhado-res rurais dos 178 sindicatos de Pernambuco.

MARIA DO CARMO LIMACORRESPONDENTE EM PE

Contag, MEC e FNDE reuniram professores em Macabu

Política, organização e comunicação em debate

Divan Rodrigues Nascimento

Arquivo Fetape

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R E L A Ç Õ E S I N T E R N A C I O N A I S

POR DENTRO DO CONGRESSO

Comissão aprova convenção de saúde e segurança na agricultura

Depois de dois anos de tramitação, finalmente a convenção que trata sobre saúde e segu-

rança no meio rural foi aprova-da pela Comissão de Defesa e Relações Exteriores da Câmara Federal. Os deputados votaram a favor, no início de agosto, da Men-sagem Presidencial 76/2004, que ratifica a Convenção 184 e a Re-comendação 192 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

As regras foram discutidas na 89ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em 2001, tendo como base as nor-mas da Organização Internacio-nal do Trabalho para o assunto. Nos últimos anos, a Contag vem trabalhando para acelerar a tramitação da mensagem presi-dencial no Congresso Nacional. O primeiro relator na comissão, deputado Átila Lins (PMDB-AM), passou dois anos sem apresentar qualquer parecer. Depois, foi a vez do deputado André de Paula

(PFL-PE), que ficou um ano com a matéria.

Neste ano, durante o Grito da Terra Brasil, a Contag mobilizou sua base parlamentar e conseguiu um novo relator. Em apenas dois meses, o deputado Francisco Tur-ra (PP-RS) deu parecer favorável à mensagem, que foi aprovada por unanimidade na Comissão de Defesa e Relações Exteriores.

Ações de capacitação — O secretário de Assalariados e As-salariadas Rurais da Contag, An-tônio Lucas, explica que o pró-ximo passo é garantir a rápida aprovação da matéria nas de-mais comissões da Câmara dos Deputados. A Contag já está se articulando com Fetags e STRs para fazer esse trabalho.

“A Convenção 184 e a Reco-mendação 192 são de extrema importância porque serviram de base para a construção da Nor-ma Regulamentadora (NR) 31. Elas formam uma política de se-

gurança e saúde para os traba-lhadores rurais que o Brasil não pode deixar de assumir”, afirma Antônio Lucas. A NR 31 está vigo-rando desde junho de 2005 e é uma das conquistas do Grito da Terra Brasil daquele ano.

O secretário esclarece que a Contag planeja ações de capa-citação em todo o País, assim que a mensagem for sancionada pelo Executivo. “A idéia é habi-

litar nossos dirigentes a exigir o cumprimento dessas regras. So-mente assim o setor patronal vai garantir condições adequadas de segurança aos trabalhadores”. Na Câmara, a proposta ainda tem de passar nas comissões de Agricultura e Política Rural; Tra-balho; Administração e Serviço Público e Constituição, Justiça e de Redação. Caso seja aprovada, vai ao Senado Federal.

União no campo na América LatinaF

ortalecer as comunida-des rurais do Mercosul. Essa foi a principal dis-cussão do Seminário so-

bre Integração Latinoamericana e Facilitação de Comércio para a Agricultura Familiar, Campesina e Indígena, que ocorreu em San-tiago, no Chile, de 30 de agosto a 1° de setembro.

O evento foi organizado pela Coordenadora de Produtores Fa-miliares do Mercosul (Coprofam) e reuniu cerca de 120 dirigentes e lideranças sindicais do Cone Sul. O objetivo foi debater políticas de integração regional, comércio internacional e desenvolvimento rural sustentável para a região.

“Este foi um dos maiores eventos já realizados pela Co-profam. Pela primeira vez, con-seguimos trazer os governos da Argentina, do Chile e do Brasil,

além de embaixadores, especia-listas, técnicos, ONGs, organiza-ções multilaterais como a FAO”, afirma o secretário de Relações Internacionais da Contag e se-cretário-executivo da Coprofam, Alberto Broch.

Outro ponto abordado foram os impactos sofridos pela popula-ção do campo a partir dos acor-

dos de comércio internacional. Para Broch, os Tratados de Livre Comércio (TLCs) não beneficiam os trabalhadores em geral e mui-to menos os agricultores familia-res, campesinos e indígenas “A livre concorrência e os grandes subsídios dos países ricos têm trazido a pobreza aos países do Mercosul”, opina.

A “Carta de Santiago do Chi-le” marcou o fim do seminário. Ela apresenta as conclusões e a posição política da Coprofam sobre os temas tratados na reu-nião. Segundo o documento, a redução das desigualdades entre os países do Mercosul só será possível caso o meio ru-ral tenha políticas específicas dos governos que integram o bloco econômico. “As políticas públicas que indicamos para o desenvolvimento rural susten-tável devem contemplar tecno-logia adequada, subsídios pro-dutivos, financiamento, seguro agrícola, entre outras medidas que permitam a expansão e o fortalecimento da agricultura familiar, campesina e indíge-na”, afirma a Carta.

Antônio Lucas: Contag, Fetags e STRs vão acompanhar tramitação na Câmara dos Deputados

Saiba mais: www.coprofam.org

Coprofan promoveu encontro de trabalhadores e trabalhadoras rurais no Chile

Cesar Ramos

Cesar Ramos

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E S P E C I A L

Lula reafirma compromisso com o campoPresidente lança programa de governo para eventual segundo mandato. De acordo com documento, desenvolvimento rural sustentável será uma das prioridades.

O programa de governo para os próximos qua-tro anos (2007–2010) do atual presidente da

República, Luiz Inácio Lula da Sil-va, tem como eixos o crescimen-to econômico e a distribuição de renda. No documento divulgado pelo Partido dos Trabalhadores, no fim de agosto, Lula reafirma o compromisso com a mudança na estrutura fundiária brasileira e com o fortalecimento da pro-dução e da comercialização da agricultura familiar.

O documento faz um balan-ço da gestão Lula no meio rural. Cerca de 23 milhões de hecta-res foram destinados à reforma agrária, o que beneficiou 280 mil famílias. O programa de governo avalia que os assentamentos re-ceberam qualificação e suporte técnico adequados e que a polí-tica de crédito fundiário, um dos “braços” do Plano Nacional de Reforma Agrária de Lula, deverá ser intensificada em eventual re-eleição. Por essa modalidade, 24 mil famílias receberam terras no período 2003/2005.

Na avaliação do secretário de Política Agrária e Meio Am-biente da Contag, Paulo Caralo, a reforma agrária teve avanços significativos durante o governo Lula. “O acesso à terra tornou-se prioridade, principalmente se compararmos com os resultados

dos últimos 20 anos. O mais im-portante é que a reforma agrária cresceu também em qualidade; os recursos para infra-estrutura, assistência técnica e educação dos agricultores foram funda-mentais”, afirma.

Novos Assentamentos — Se-gundo Caralo, a expectativa é que, caso Lula seja reeleito, 1 milhão de agricultores e agri-cultoras tenham seu pedaço de chão nos próximos quatro anos. “Esse número é possível. Basta o governo ter mais agilidade nas desapropriações e continuar com a reestruturação dos postos do Incra. Esperamos que o futuro

presidente não perca de vista a importância de investimentos na organização da produção”, disse. Caralo ressaltou ainda outro as-pecto positivo do atual governo: o crescimento do debate em torno da proteção do meio ambiente.

Nos últimos quatro anos, a área de crédito para a agricul-tura familiar foi uma das que mais avançaram. Os recursos cresceram 250%, chegando a R$ 10 bilhões para o Pronaf no atual Plano Safra. Cerca de 900 mil famílias foram incluídas no sistema de crédito. O secretário de Política Agrícola da Contag, Antônio Rovaris, destaca ainda a criação do Seguro Agrícola e a intervenção do Estado na co-mercialização dos produtos, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que bene-ficiou 239 mil famílias de agri-cultores e aproximadamente 7,5 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.

Perspectivas — Rovaris espe-ra que, a partir do próximo ano, o Executivo implemente uma política concreta de garantia de preços para a agricultura fami-liar. “Precisamos de estabilida-de. Tivemos sérios problemas com preços nos últimos anos e esta é uma situação emergen-cial, que demanda políticas for-tes e permanentes por parte do

governo”, diz. Ele lista também pesquisa, assistência técnica e diminuição da carga tributária sobre produtos da agricultura fa-miliar como prioridades para os próximos anos.

Além de colocar políticas para mulheres, jovens e idosos como ações futuras de um próximo man-dato, o programa de governo de Lula trata do diálogo: será dada atenção especial a uma partici-pação crescente da sociedade nas decisões de governo, bem como na avaliação e na implantação de po-líticas públicas. Para o presidente da Contag, Manoel dos Santos, a orientação está no caminho certo. “É importante que o presidente não se distancie do povo, não se perca na rotina do cargo e esque-ça as pessoas que o colocaram lá com a força do voto”, alerta.

Segundo Manoel, a vitória de Lula nas últimas eleições signi-ficou um novo olhar do Estado para a população mais carente do meio rural. “É claro que há problemas urgentes a serem re-solvidos, mas a melhoria é evi-dente, diversas reivindicações da agricultura familiar foram atendidas”, confirma. “Em um próximo mandato, é preciso que caminhemos juntos, em um mes-mo projeto, sem divergências políticas. Só assim vamos fazer um futuro melhor para o campo, com rapidez”, afirma.

No último dia 6 de setembro, 30 mil pessoas estiveram em Ca-ruaru (PE), no maior ato públi-co de apoio à reeleição de Lula desde o início da campanha. A Contag e a Fetape organizaram o evento, que contou com traba-lhadores e trabalhadoras rurais de todo o País.

De acordo com Manoel dos Santos, Lula se comprometeu em trabalhar as propostas do movimento sindical do campo, caso seja eleito para um segun-do mandato. “Nós ajudamos a construir o programa de governo

ATO PÚBLICO DE APOIO REÚNE 30 MIL EM PERNAMBUCO

e declaramos nosso apoio à can-didatura de Lula, sempre com independência, autonomia e res-ponsabilidade”, afirmou.

Lula agradeceu o voto de con-fiança dos dirigentes do movimen-to sindical e destacou os avanços de seu governo em benefício das famílias do meio rural. Segundo as pesquisas de opinião mais re-centes, Lula tem mais de 50% das intenções de voto, seguido por Geraldo Alckmin, do PSDB. Com esse percentual, o atual presi-dente venceria as eleições ainda no primeiro turno.

Comício em Caruaru (PE) foi organizado pela Contag e pela Fetape

Ricardo Stuckert PR

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P O L Í T I C A A G R Á R I A E M E I O A M B I E N T E

P O L Í T I C A S S O C I A I S

Ações conjuntas pelo cerradoO

cerrado está ameaça-do. Com cerca de 2 milhões de km² e mais de 10 mil espécies ve-

getais, o segundo maior bioma do Brasil conserva apenas 20% de sua cobertura original. Para preservar o que resta, foi dado um importante passo. No dia 2 de agosto, uma comissão espe-cial da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 115, que ele-va o cerrado e a caatinga à con-dição de patrimônio nacional.

Em tramitação há 11 anos no Congresso, a PEC ainda precisa ser aprovada pelo plenário da Câmara em dois turnos. Atual-mente são reconhecidos como patrimônio brasileiro a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar e o Pantanal.

“A Contag vê com bons olhos essa aprovação porque ainda exis-tem no País muitas belezas que devem ser preservadas, como o cerrado, em que nascem os prin-cipais rios brasileiros”, observa o secretário de Política Agrária

e Meio Ambiente, Paulo Caralo. “Esperamos que o projeto de fato tramite em todas as instâncias no Congresso, seja aprovado, e que haja um processo de fiscalização para o cerrado ser conservado.”

Proteção — A Confederação tem sensibilizado e mobilizado dirigentes sindicais e entidades parceiras no sentido de conser-var o bioma e auxiliar na fiscali-zação, principalmente nas regi-ões em que há forte presença da agricultura familiar. “Também articulamos com deputados e senadores para elaborar leis que garantam a preservação”, res-salta o secretário.

Em novembro do ano passado, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) criou a Comissão Nacional do Programa Cerrado Sustentá-vel, a Conacer, com diretrizes para a formulação de ações de governos estaduais e municipais voltadas ao cerrado. “Efetiva-mente, a Conacer tem o papel de implementar o programa para que ele não seja apenas do

MMA”, comenta o secretário da comissão, Mauro Pires.

Parcerias — O programa para o cerrado tem a participação de órgãos de governo e de institui-ções da sociedade civil, entre elas a Contag. A Comissão criada para implementá-lo é do Minis-tério do Meio Ambiente. Mau-ro Pires explica que o objetivo desse grupo de trabalho é dar “transversalidade” à iniciativa — a palavra é muito usada pela

ministra Marina Silva e significa a ação de vários ministérios para o desenvolvimento sustentável.

Segundo Mauro Pires, os inte-grantes da Conacer monitoram os parlamentares envolvidos com a PEC e os orientam sobre a impor-tância da elaboração de políticas públicas. “A Contag precisa estar vigilante para que a gente possa dar esse presente à sociedade bra-sileira, que é transformar o cerra-do e a caatinga em partes da nossa identidade nacional”, acredita.

Proteção infanto-juvenil é prioridade

Contag discute papel da criança e do adolescente nos empreendimentos familiares rurais

A proteção infanto-ju-venil está no centro das discussões do Mo-vimento Sindical dos

Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR). No último Con-gresso do MSTTR, lideranças de todo o País elegeram o tema como prioridade nas ações da confederação. Em julho deste ano, durante o Conselho Delibe-rativo da entidade, Fetags e STRs debateram sobre a inserção e o papel de crianças e adolescentes na sociedade e as formas de ga-rantir o seu desenvolvimento.

O encontro resultou em um documento com reflexões e dire-trizes sobre o tema. O texto res-salta que, desde 1992, o MSTTR formula políticas que abordam a proteção a crianças e adolescen-tes trabalhadores.

“Com relação ao trabalho in-fantil, não temos dúvida de que

ele tem de ser erradicado, prin-cipalmente o assalariado. A con-cepção do que precisamos defi-nir é em relação à proteção dos que estão no meio rural, tendo em vista o processo de aprendi-zagem, que é fundamental para a agricultura familiar”, explica a secretária de Políticas Sociais da Contag, Alessandra Lunas.

Iniciativas — As proposições presentes no documento foram levantadas no 9° Congresso Na-cional da Contag, ocorrido em março de 2005, e também na 1ª Oficina Temática, em julho des-te ano. Essa oficina contou com a participação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do Fórum Nacional de Preven-

ção e Erradicação do Trabalho Infantil, do Movimento de Orga-nização Comunitária (MOC) e do Serviço de Tecnologia Alternati-va (SERTA).

De acordo com Alessandra Lunas, uma das próximas ações da Contag será realizar oficinas e encontros regionais, além de produzir cartilhas para subsidiar as lideranças sindicais a respeito da temática de proteção infan-to-juvenil.

Além disso, a secretaria pre-para, ainda para este ano, um encontro nacional de avaliação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o Peti. “Vamos debater como está a inserção da população rural no Peti, que é uma proposta que nasceu dos sindicatos, e qual será o espa-ço de discussão que teremos em relação à proteção infanto-juve-nil”, adianta Alessandra.

Ipê amarelo, um dos símbolos do bioma, está ameaçado pela degradação do meio-ambiente

Cesar Ramos

Ana Mendes

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S E G U R A N Ç A A L I M E N TA R

P O L Í T I C A A G R Í C O L A

Os cidadãos têm a partir de agora direito legal de acessar benefícios

Um importante passo foi dado para melho-rar a vida dos brasi-leiros. O presidente

Luiz Inácio Lula da Silva san-cionou, em 15 de setembro, a Lei Orgânica de Segurança Ali-mentar (Losan). Com a norma, iniciativas como o Fome Zero, o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada tornam-se garantias legais.

A Losan institui o Sistema Na-cional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), que tem como objetivo executar e acom-panhar os programas por meio

de ações realizadas em parceria com a União, os estados, municí-pios e a sociedade civil.

O Sistema prevê monitora-mento da situação alimentar e nutricional das populações ur-bana e rural, adoção de medidas que garantam o acesso à alimen-tação adequada e estímulo ao desenvolvimento de pesquisa e de recursos humanos.

Avanço — “Nós entendemos que esse é um fato político muito importante. Daqui para a frente, teremos uma lei que protege to-dos os programas da segurança

alimentar do Brasil”, acredita o vice-presidente da Contag, Alber-to Broch. O dirigente é membro do Conselho Nacional de Seguran-ça Alimentar e Nutricional, o Con-sea, que passa a ser instrumento de controle social das políticas públicas voltadas para essa área.

O Consea foi instalado em ja-neiro de 2003 como ferramenta de articulação entre governo e sociedade civil na formulação de diretrizes. Atualmente, é formado por 59 conselheiros:

42 representantes da sociedade civil organizada, 17 ministros de Estado e representantes do governo federal, além de 16 ob-servadores convidados.

As proposições da Losan sur-giram da sociedade civil durante a II Conferência Nacional de Se-gurança Alimentar, realizada em março de 2004. O terceiro en-contro será em maio do próximo ano. Em pauta, estarão o novo formato do Consea e as maneiras mais eficazes de aplicação.

O termo “Segurança Alimentar” foi introduzido no Brasil na dé-cada de 90 e segue orientações da Organização das Nações Unidas (ONU) para o combate à pobreza por meio de políticas alimen-tares. Outras ações recomendadas pela entidade são voltadas à educação e à transferência de renda.

ORIGEM

Cresce teto de comercializaçãoO

s agricultores fami-liares receberam uma boa notícia no dia 16 de agosto. O Diário

Oficial da União atualizou o va-lor de aquisição do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Agora, trabalhadores e trabalha-doras podem comercializar com cooperativas e associações a um preço anual de até R$ 3.500. An-tes, cada família podia acessar, no máximo, R$ 2.500 por ano.

O aumento foi estabelecido pelo Decreto n° 5.873. “Essa mudança é importante porque o valor anterior limitava muito os agricultores familiares”, comen-ta o secretário de Política Agrí-cola da Contag, Antoninho Rova-ris. Segundo ele, a ampliação foi uma das reivindicações do Grito da Terra deste ano. A decisão, contudo, não alterou o teto das organizações de produtores, que é de R$ 1,5 milhão anuais.

A nova frente do PAA foi insti-tuída com a finalidade de garantir

aos agricultores familiares instru-mentos que apóiem a comerciali-zação de seus produtos e a agre-gação de valor ao seu trabalho.

Normas — Os alimentos são es-tocados nas associações e, poste-riormente, vendidos a um preço melhor. Dessa forma, os traba-lhadores são beneficiados porque podem ampliar a produção. Para ter acesso à nova modalidade, os produtores têm de fazer parte de

uma organização de agricultores familiares. O grupo, por sua vez, deve ter 80% de seus associados enquadrados no Programa Nacio-nal de Fortalecimento da Agricul-tura Familiar (Pronaf). O acesso aos recursos se dá pela Compa-nhia Nacional de Abastecimento (Conab). O pagamento é efetua-do em até doze meses, com en-cargos de 3% ao ano.

No caso do Programa de Aqui-sição de Alimentos – Apoio à Pro-

dução para o Consumo do Leite, o valor máximo de R$ 3.500 será considerado por semestre. A mo-dalidade visa a contribuir para o fortalecimento do setor produti-vo, com a geração de renda, por meio da aquisição de leite do produtor familiar. “O PAA leite no Nordeste é muito significativo. É mais abrangente agora, com ver-ba do MDA”, ressalta Rovaris.

O secretário se refere à in-jeção de recursos do Ministério do Desenvolvimento Agrário no PAA a partir deste ano. De 2003, quando foi criado, a 2005, ele foi operado exclusivamente com recursos do Ministério do Desen-volvimento Social e Combate à Fome. Agora, o MDA conta com orçamento de R$ 130 milhões. O PAA tem o objetivo de incentivar a agricultura familiar, por meio de ações vinculadas à distribui-ção de produtos agropecuários para pessoas em situação de in-segurança alimentar e à forma-ção de estoques estratégicos.

Nova medida assegura mais alimentos para a população

Decreto estabelece mudança no valor de compra

Bruno Spada

Divulgação

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Expediente

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C O N V E R S A D E P É D E O U V I D O

O professor de Filosofia do Direito da Universidade de Brasília, Roberto Aguiar, diz que a desigualdade social gera a possibilidade de atitudes violentas, mas que não existe relação direta entre pobreza e violência. “Isso é uma visão burguesa”. Ele foi secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro em 2002 e do Distrito Federal, entre 1995 e 1998. Autor de mais de 40 obras sobre Direito e Filosofia, é conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Nesta entrevista, analisa problemas sociais.

Quais são as causas estruturais da violência no Brasil?

A primeira é o enfraqueci-mento das instituições, que são lentas, nas respostas enquanto as demandas e os problemas do mundo funcionam on-line. Você pode perceber isso observan-do a lentidão do Legislativo em criar novos crimes. Eles só pen-sam em criar crimes hediondos, diminuição da imputabilidade dos jovens. Mas o problema mais grave é como enfrentar a nova criminalidade, como os delitos eletrônicos. No Brasil, não há nenhum tipo penal para isso. Lavagem de dinheiro, colarinho branco, todos esses crimes não são tipificados pela seguinte ra-zão: a cabeça do nosso legislador, como também de outros poderes está voltada para a primeira Re-volução Industrial, enquanto nós estamos na terceira.

Qual é a relação entre a vio-lência urbana e os problemas sociais na área rural?

Nas cidades pobres, o índi-ce de criminalidade é ínfimo. Se você for ao sertão do Cariri, verá como é a criminalidade. Claro que existem aquelas histó-rias de ciúmes, algumas disputas de terra, mas não há criminali-dade no cotidiano. É nas grandes cidades, onde há pobres e ricos sofrendo os mesmos chamamen-

tos de consumo, uns tendo com o que comprar e outros não tendo, que a tensão aumenta. Quando o campo não tem estrutura de ab-sorção do seu povo, possibilida-de de produção e trabalho para os seus moradores, eles migram para as cidades.

O modelo do agronegócio, que gera poucos empregos, seria uma das causas desse êxodo?

O agronegócio exacerba. Ele necessita de mão-de-obra quali-ficadíssima. Mas o êxodo ocorre não apenas por causa do agrone-gócio. É que também não existe uma política para a zona rural. Assim, os camponeses vêm para a cidade. E aqui eles sofrem um problema de progressiva expulsão. Se a gente observar, eles vêm morar na periferia e o bolo urbano começa a cres-cer. A não-fixação do homem do campo leva à migração e a mi-gração leva a tensões, que não necessariamente são violência. O fato é que a desigualdade social gera a possibilidade de haver atitudes violentas. Mas não existe relação direta entre pobreza e violência. Isso é uma visão burguesa. Se você somar o dano material, financeiramente colocado, de todos os presos do Bangu, no Rio, e comparar com um delito de colarinho branco, não dá 10%.

Qual é a origem do PCC?O PCC surge de formas de do-

minação dentro das penitenciá-rias do interior de São Paulo. Mas o estado contribuiu. Quando os presos começaram a apresentar força, fazendo motim, exigên-cias, traficando no interior das prisões, o que fez São Paulo? Pe-gou os cabeças e os mandou para todo o Brasil. Dessa forma, capi-larizou o sistema para o País. De-pois, os sujeitos retornaram para São Paulo. E, o pior, foram reuni-dos na mesma penitenciária. Quer dizer, foi o próprio estado, por falta de estratégia e tática, que possibilitou maior organização do PCC. Além disso, esse grupo tem gestão moderna e meios tecnoló-gicos avançados. Eles funcionam com células, algumas comuni-cantes e outras não, apenas re-cebendo ordens. Agora está todo mundo correndo para bloquear celulares e eles trabalham com computador. Hoje a questão da segurança é um problema de ameaça à democracia.

Como uma facção criminosa como o PCC pode ser combatida?

Celular, computador, tóxico não têm pernas. Por que as coi-sas entram nos presídios? Por-que, pura e simplesmente, tem gente permitindo que isso acon-teça. Há dois tipos de permis-são: os funcionários que são co-

niventes de um lado e os que são coniventes por ameaça. Segunda coisa importante: parar de fazer grandes cidades prisionais, como Bangu, Carandiru. As prisões têm de ser pequenas, regionalizadas, para facilitar a administração. Terceiro: mudar toda a execução penal e fazer que a maioria dos crimes não seja punida com pri-vação de liberdade. Só aqueles que efetivamente são perigosos para a sociedade devem estar presos. O resto é melhor recupe-rar de outra forma.

A Secretaria de Segurança Pú-blica de São Paulo abriu inqué-rito para investigar hipotéticas relações entre o PCC e o PT. O PSDB estaria tentando reedi-tar o episódio do seqüestro de Abílio Diniz?

A questão de São Paulo está sendo politizada no sentido mais baixo da palavra. Primeiro, por meio das disputas com relação ao deslocamento da Força Na-cional para o estado. Segundo, pelas ilações sem base, mentiras e golpes. O secretário disse: “se o governo me mandar o dinheiro, eu me demito”. O dinheiro veio e ele continua lá. Quer dizer, é uma mentira atrás da outra. Cada bobagem dessa é gente que morre, povo que sofre, cidada-nia destruída. Será que eles não percebem isso?

Migração gera violência nas cidades Daiane Souza