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PENTAGRAMA LECTORIUM ROSICRUCIANUM Ano vinte e dois - Número 6 Revista bimestral do NO PRINCÍPIO ERA A PALAVRA (O VERBO) A PALAVRA INSIGNIFICANTE QUAL É A REDE QUE DETERMINA A NOSSA VIDA? O MILAGRE DA FALA BACH, O QUINTO EVANGELISTAA MÍDIA, A GRANDE FARSA A DOUTRINA UNIVERSAL OU A BÍBLIA? “QUE SE FAÇA A LUZ! E A LUZ SE FEZ”.

PENTAGRAMA · gia ao qual a criatura pertence. ssim: o sol fala sua própria lingua- ... Assim como o mineral, ... um reino que já não está em har-

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PENTAGRAMAL E C T O R I U M R O S I C R U C I A N U M

A n o v i n t e e d o i s - N ú m e r o 6

R e v i s t a b i m e s t r a l d o

NO PRINCÍPIO ERA A

PALAVRA (O VERBO)

A PALAVRA

INSIGNIFICANTE

QUAL É A REDE QUE

DETERMINA A NOSSA

VIDA?

O MILAGRE DA

FALA

BACH, O “QUINTO

EVANGELISTA”

A MÍDIA, A GRANDE

FARSA

A DOUTRINA

UNIVERSAL OU A

BÍBLIA?

“QUE SE FAÇA A LUZ!E A LUZ SE FEZ”.

ÍNDICE

2 NO PRINCÍPIO ERA A

PALAVRA (O VERBO)

5 A PALAVRA

INSIGNIFICANTE

10 QUAL É A REDE QUE

DETERMINA A NOSSA VIDA

15 O MILAGRE DA FALA

21 BACH, “O QUINTO

EVANGELISTA”

35 A MÍDIA, A GRANDE

FARSA

38 A DOUTRINA UNIVERSAL

OU A BÍBLIA?

46 “QUE SE FAÇA A LUZ! E A LUZ SE FEZ.”

2000 ANO VINTE E DOIS

NÚMERO 6

NO PRINCÍPIO ERA

A PALAVRA (O VERBO)

“É por isso que se diz que o sol, seus

planetas e todos os seus habitantes formam o corpo

solar, um ser vivo; e que todas as células deste

corpo se comunicam entre elas.”

PENTAGRAMA

No princípio era a Palavra (o Verbo)

Cada criatura se expressa por meiode uma linguagem que lhe é pró-pria. Esta comunicação vai ganhan-do cor em função das circunstâncias,do local e da época, mas dependeprincipalmente do campo de ener-gia ao qual a criatura pertence.

ssim: o sol fala sua própria lingua-gem; as plantas emitem, cada uma, umsom que é próprio delas; uma pedravibra; uma árvore manifesta sua majes-tade por meio de seu crescimento e daagitação de seus ramos; o canto clarode um passarinho anuncia o nascer dosol; o homem conversa, ri, geme. Cadacriatura tem sua própria característicaque faz com que seja reconhecida.Uma pesquisa realizada na universida-de de Austin, no Texas, mostrou quetodos os bebês tinham a mesma lin-guagem: e isto seria devido a umacerta inércia.

Será que o homem original foi umser universal? Desde sua primeira res-piração ele assimilou a atmosfera mag-nética do lugar onde nasceu. Ora, aprimeira respiração é determinantepara o desenvolvimento posterior dacriança, que por meio dela está direta-mente ligada ao campo de energia desua família, de seu meio e do povo aoqual ela pertence. Por esta assimilação,ela se põe a falar a linguagem dessepovo por meio da fala e do gesto, dassonoridades próprias a este povo, demovimentos corporais que provêm datradição e da evolução. É por isso quenão se pode dizer que a linguagem éapenas uma questão de modo de se ex-pressar e de escrita. Cada gesto, cadasom, cada movimento é linguagem e

comunicação. Esses tipos de comuni-cação vão mudando constantementesob a influência de processos de de-senvolvimentos cósmicos e terrestres.Eles têm limites, mas também ofere-cem novas possibilidades.

UMA UNIDADE VIVA

Neste número da revista Pentagra-ma gostaríamos de dar uma visão maisampla do conceito de linguagem: noque diz respeito não somente à pala-vra, à escrita, à música, ao gesto, aosmovimentos, mas também ao modopelo qual as criaturas de nosso univer-so podem se comunicar umas com asoutras, e principalmente com seu Cri-ador. Todos os mundos e seus habitan-tes estão em contato mútuo. Eles for-mam uma unidade viva. É por isso quese diz que o sol, seus planetas e todosos seus habitantes formam o corposolar, um ser vivo; e que todas as célu-las deste corpo se comunicam entreelas, abertamente ou de forma secreta,por meio de palavras, gestos ou forças.O sol alimenta a terra com suas cor-rentes de energia recebidas pelo PóloNorte. Portanto, trata-se de comuni-cação, de linguagem. O ser humano échamado interiormente para respon-der a seu Criador. Isso também écomunicação. Ele deseja um bom diaao seu próximo pela Internet: issotambém é comunicação. Mas ele seesquece facilmente de que as flores, asárvores, os animais, as montanhas, asnuvens também têm algo a lhe dizer!Eles também se comunicam e se com-preendem entre si. No entanto, oshumanos geralmente não cuidam bemde sua «linguagem» e acham que são osúnicos a falar e a ter a última palavra.

HermesTrismegisto, deacordo com ummosaico do sécu-lo XV da catedralde Siena, Itália.

A

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A DETERMINAÇÃO DE SEU

LUGAR NA CRIAÇÃO

A consciência se desenvolve graçasao jogo da palavra e da compreensão.É assim que ela descobre as caracterís-ticas das outras criaturas e aprende adeterminar o seu lugar na Criação.Assim como o mineral, o vegetal e oanimal ouvem e compreendem in-conscientemente seu Criador, tambémo homem deverá um dia poder perce-ber isto conscientemente e «caminharcom Deus», de acordo com uma ex-pressão bíblica (que já aparece no Li-vro Gênesis, referindo-se a Enoque eNoé, por exemplo: Gen. 5:22 e 6:9). Oser humano deverá chegar a descobrira Palavra de seu Criador no mais pro-fundo de seu ser, aprender a escutá-la,e, finalmente, a compreender esta Pa-lavra que renova a vida, pois esta Pa-lavra é criação, crescimento, desenvol-vimento e Amor eterno. É esta Palavraque impulsiona a criatura a seguir oseu verdadeiro destino. Enquanto oser humano for surdo a esta Palavra,ele irá rodar em círculos em seu pró-prio mundo, este mundo que ele mes-

mo delimitou. Quando ele aprende acompreender esta Palavra, então eletem a possibilidade de dizer adeus aomundo e ir ao encontro da Vida uni-versal.

O homem terrestre fala sua próprialinguagem em milhares de variantes.Ele tenta comunicar-se com os outrospor meio de seus poderes limitados –o que provoca decepções, desgostos,lutas, derramamentos de sangue. Umdia o eu bate de frente com seus pró-prios limites. Então, ele precisa apren-der a comunicar-se a partir do lugarque lhe é designado na terra, e com ocorpo que ele recebeu. Ele usa um sis-tema de sons e de palavras mantidopor tudo o que chega até ele, do inte-rior e do exterior. Graças a esta lin-guagem, ele se mantém na sociedade,mas ele também pode ir se afastandocada vez mais de sua origem e de seuCriador, que lhe oferece sua Palavra, oVerbo. Mas ele também aprende a li-bertar sua própria linguagem dasidéias pré-estabelecidas e adquiridasquando ele começa a reconhecer umpouco (e, se possível, a compreender)a Palavra original, santificadora e sal-vadora. No percurso de um caminhocomo este, ele tem a capacidade devoltar à única Verdade que transcendede longe a pretensa «realidade» de suatriste existência.

A linguagem – seja a linguagem daspalavras, das imagens, dos gestos e damúsica – é, portanto, um grande mila-gre, que oferece à criatura a ocasião deexplorar seus próprios limites, e dedescobrir, enfim, a linguagem da Dou-trina Universal, que jorra da Fonte daVida. Esta Doutrina, este Ensina-mento, é a mão estendida do Criadorao homem, que já a esqueceu.

A Redação

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À luz de uma vela,Rembrandt, 1635.Kunnstsammlungen,Weimar,Alemanha.

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A palavra insignificante

A linguagem, em todas as suasformas, é um meio indispensávelpara fazer nosso caminho na vida;mas a palavra humana é imperfei-ta. É difícil descrever um fato co-mum de um jeito que a imagemseja clara para todos. Se isto já édifícil, então, como expressar va-lores eternos?

a mesma medida em que o homemé imperfeito, suas palavras tambémsão. Elas são determinadas por suapersonalidade e por seus impulsos in-teriores e exteriores. São reflexos en-fraquecidos e deformados da Palavraoriginal. É por isso que podemos afir-mar tranqüilamente que a verdade ge-ralmente é o inverso do que estamosdizendo. Ela está oculta no mais pro-fundo da alma. E, geralmente, o silên-cio a expressa mais claramente do queum mar de palavras. O silêncio permi-te que nos voltemos para nós mesmospara descobrir algo da Verdade que oCriador gravou em nosso ser.

A Criação é feita de sons e de vibra-ções. É por isso que falamos de «har-monia das esferas». O homem criou,neste campo de vida, seu próprio rei-no: um reino que já não está em har-monia com a Criação original. Estereino, no decorrer da evolução da hu-manidade egocêntrica e teimosa, foi-se tornando mais denso e cristalizadoaté se tornar no que vemos hoje. E de-vemos ressaltar que nossos sentidosforam se endurecendo e se limitandoao mesmo tempo, enquanto as ima-gens percebidas foram se tornandosubjetivas e falseadas.

A VOZ DA ALMA

A Palavra, a Força original eterna,ocultou-se dentro do homem comouma semente que está pronta para ger-minar, pois ela tem o poder de reviver,um dia. Para que isso aconteça, o serhumano tem uma tarefa importante acumprir. Tanto ele tem o poder de li-berar esta Palavra para que ela se ma-nifeste, como ele tem o poder de rejei-tá-la e de deixa-la morrer – e este fe-nômeno é lembrado em muitos con-tos. Portanto, sempre chega uma horaem que a voz da Alma se faz ouvir. Se-rá que o eu irá reconhecê-la, reagir aela, voltar-se para seu Amor? Ou seráque ele vai opor-se a ela, fechar suaporta? Nesse caso, um novo chamadose fará ouvir, durante muito tempo.Ora, se ele se harmonizar interior-mente com o chamado da alma imor-tal, então irá manifestar-se uma forçade atração mútua: a alma irá percebera Palavra cada vez mais claramente; iráintegrá-la e espalhá-la.

Quando alguém fala, expressa o queele é. Dá testemunho dos princípios evalores que tenta realizar. Se muitaspessoas falam ao mesmo tempo, preen-chem o espaço com seus sentimentos eseus pensamentos. E é assim que se for-ma uma atmosfera que é alimentadapela continuidade da conversa. Essaspalavras podem semear confusão, con-solar, apaixonar, informar. Seus efeitosdependem das intenções de quem estáfalando. Pode ser uma pessoa de boaou de má fé. Os sonhos, tendências eansiedades de um eu que vive intensa-mente a partir do subconsciente é ca-paz de obumbrar e contaminar umaoutra pessoa: ele irá influenciar facil-mente todos aqueles que ainda nãoestão dirigindo sua própria vida.

N

Uma atmosfera de calma interiordeve ser obtida a partir de uma lutaprofunda contra a agitação e o ego-centrismo. Logo que essa atmosferade calma interior for atingida, ela podenos fazer descobrir a Verdade e o ver-dadeiro objetivo da vida. Então, a Pa-lavra oculta e esquecida jorra nova-mente. Ela ressoa, ela se espalha, ela

mostra novas perspectivas e devolve aesperança a todos os que estão depri-midos. O silêncio interior é uma portaque se abre para a vida original. Gra-ças a esta ligação, que deverá se tornarduradoura, as palavras pronunciadasrecebem e transmitem uma nova ener-gia criadora que, no entanto, é muitoantiga.

6

«Jornal mural»,1835, A LondonStreet Scene,Orlando Parry.

«Jornal Mural»moderno, Picca-dily Circus,Londres.

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O VERDADEIRO SILÊNCIO, UM TRABALHO

Antes de falar, fazemos silêncio. Eeste silêncio pode ser uma preparaçãopara a fala, pois esta é uma atividadepuramente motora. Para muita gentetrata-se de um trabalho de se calar e devoltar-se para si mesmo antes de falar.Nas formas estabelecidas pela socie-dade materialista, muitos estão habi-tuados a voltar-se para o exterior, aativar-se – e assim se dispersam. Nessemomento, sua consciência está volta-da para seus próprios interesses. Porque essa consciência básica da vidacotidiana não está sintonizada com avida interior? E no entanto isso é pos-sível! E neste caminho cada um podeentrever sua vocação original e, prin-cipalmente, observar e vivenciar osobstáculos que desviam do verdadeiroobjetivo da vida, como por exemplo, atagarelice irrefletida, ou até mesmomecânica e incontrolável, que vem dosubconsciente. Este tipo de palavrasdesperdiça a força que poderia se ele-var bem acima do subconsciente; elasreforçam o instinto de conservação doeu e o alimentam. Assim, alguns sãoescravos da linguagem. Empregamseus poderes para se defender, afir-mar-se e ferir outras pessoas. Afinal,não é para isso que receberam seuspoderes?

Há três graus de «silenciar-se»: pri-meiro, é a boca que se cala; depois, opensamento; depois a vontade. As pa-lavras comuns expressam os pensa-mentos e as vanglórias interiores, comas quais o eu exteriormente calmo,silencioso e aparentemente senhor desi mantém sua atenção voltada para simesmo. Quanto à vontade, ela querdominar a situação.

O verdadeiro silêncio demonstraque, por nossas próprias forças e for-çando nossa vontade, é impossívelcriar o silêncio. O silêncio é entrega. Éa libertação de tudo o que nos assedia,de tudo o que faz pressão, ao mesmotempo em que vai nascendo um gran-de poder de atenção, de vigilância. Obuscador assim direcionado vai apren-dendo por si mesmo, e também defora, a perceber e descobrir as mil fa-cetas de seu eu cheio de malícia e mol-dado por séculos de cultura. Ele vê as

Fragmento deargila babilônica,por volta de2000 anos a. C.O texto emescrita cuneifor-me faz prediçõesde acordo comos movimentosde Ishtar (Vê-nus), British Mu-seum, Londres.

forças que o pressionam e o impulsio-nam a atos deploráveis. Ele começa acompreender como a auto-suficiência,o poder, o egoísmo e a ausência de au-todomínio exercem uma ação destrui-dora. Mas ele continua calmo. Ele vai-se calando dentro dele. Ele não permi-te que seus sentimentos tomem parti-do. Interiormente ele permanece lon-ge da agitação, apesar de realmente terpena de si mesmo! Neste estado, eleaprende, ao mesmo tempo, a não rea-gir. Ele se esforça por se ver em pro-fundidade e por tornar-se conscientede suas imperfeições.

RUPTURA DO CIRCUITO DOS

PENSAMENTOS

No momento em que o coração seabre, desta maneira, ao Espírito da

Verdade, é possível ao ser humanovoltar-se para a Luz, ligar-se a ela, eassim cortar o circuito dos pensamen-tos egocêntricos. E se estes pensamen-tos voltarem – e eles fazem isto, pois osubconsciente demora muito paradesaparecer – ele os ignora. Agora elejá sente, por experiência própria, queuma mente silenciosa e uma consciên-cia pura são condições que permitemperceber um pouco da Verdade.

O silêncio efetivo permite ouvir ochamado da eternidade. Uma vez ad-quirida, esta orientação interior lhe dáa capacidade de receber impulsos queprovém do campo de vida original dahumanidade, e um pouco da harmoniae da unidade das quais a humanidadeparticipava em sua origem. Se o busca-dor mantiver esta ligação da maneiracorreta - e portanto sem desejar ne-nhuma vantagem para sua personali-dade - o eu se extinguirá gradualmen-

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Uma gráfica doséculo XVI. Gra-vura de Filips Galle, MuseumPlantijn-Moretus,Antuérpia,Bélgica.

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te e dará lugar à Nova Alma. Então, aNova Alma recebe as forças do campode vida original e faz com que elas cir-culem na personalidade em quem apurificação interior está sendo realiza-da.

A alma – a Nova Alma, que temorigem divina – tem o poder de conti-nuar a quebrar a couraça do eu e –conseguirá que este se torne inofensi-vo, reduzindo-o ao mínimo. Ela seliberta da matéria dura, que a oprimedesde tempos imemoriais. Ele se tornao instrumento por meio do qual oEspírito da Verdade pode se expressar,de tal forma que muitos de seus seme-lhantes serão tocados e receberão, porsua vez, esta força criadora. A Verdadese torna Realidade. A pessoa que tema capacidade de viver, desta maneira,na Verdade e pela Verdade, emite pala-vras que têm um significado e umvalor verdadeiros. Ela renuncia à lin-guagem que nada significa, que manti-nha sua personalidade em estadoimperfeito e perecível, e aprende a lin-guagem perfeita e construtiva que oCriador gravou em seu coração: apalavra da alma renovada peloEspírito Santo.

OS MÉTODOS QUE MATAM A FORÇA

DO ESPÍRITO

Nesse processo de renovação inte-rior, somente o Espírito divino podeestabelecer o verdadeiro silêncio inte-rior. Somente a força do que é incor-ruptível tem o poder de fazer desapa-recer o que é corruptível. A consciên-cia que parou de ser o instrumento doinstinto de conservação e do egocen-trismo cede seu lugar à alma divinaoriginal alimentada pelo Espírito divi-

no. Enquanto continuamos falandopor meio das forças da natureza quenos impulsionam a nos comunicarcom nossos semelhantes, o que ex-pressamos é uma deformação daPalavra original que se torna um obs-táculo para o ‘voltar-se’ para o verda-deiro objetivo da vida. É o que acon-tece sempre que nossas palavras estãovoltadas – muitas vezes inconsciente-mente – para a satisfação do eu (donosso eu ou dos outros). Quem chegaa refletir sobre isso – isto é, quem vi-vencia a Palavra original em sua alma– também compreende que esta ilumi-nação interior não pode ser obtida pormeio de exercícios da voz, da maneirade se expressar, do corpo ou das glân-dulas de secreção interna. Métodoscomo estes atraem forças da naturezaque podem matar o Espírito daVerdade.

Cada um de nós tem o poder dedescobrir o caminho da Verdade pormeio de seu livre-arbítrio. E, por meiode uma mudança fundamental do es-tado comum de sua personalidade,também tem o poder de tornar-se uminstrumento da Realidade superior.Cheio da alegria de que a Verdadepossa expressar-se nele, ele a expressaà sua volta.

Qual é a rede que determina a

nossa vida?

Todo aquele que se põe em buscade um caminho espiritual para se-guir o processo da transfiguraçãodeve satisfazer a duas exigências:primeiro, compreender o ensina-mento que diz respeito à reminis-cência e, segundo, harmonizar ascaracterísticas e qualidades de suapersonalidade ao desenvolvimentoda Nova Alma.

m primeiro lugar, portanto, ele deveter uma reminiscência, um sentimentode que existe um mundo em que nãohá sofrimento nem morte. A reminis-cência faz com que ele pressinta que,em sua origem, o ser humano dispu-nha das propriedades e faculdades su-periores do Homem divino. Esta idéiatorna-se, então, um desejo de volta aoestado em que essas faculdades aindaestavam intactas. Quando a reminis-cência age, os conceitos de bem e demal terrestres já não aparecem mais namesma proporção. Normalmente, omal age como reação ao bem, e o bemage em reação ao mal: são tentativas deassegurar um equilíbrio que infeliz-mente não é possível de ser obtido,como quando uma depressão atmos-férica é preenchida por um anticiclonepara depois voltar a ser uma depres-são. Cada uma das forças mantém aoutra em movimento, mas jamais ha-verá um equilíbrio perfeito.

As características de uma personali-dade que se prepara para seguir umcaminho espiritual são, por exemplo, aclemência, o discernimento, a noçãodo que é verdadeiro e do que não é, e,principalmente, um profundo senti-mento de responsabilidade em relação

a cada ser vivo. Estas qualidades nãosão adquiridas por estudo ou porqualquer tipo de formação: elas são oresultado de um número incalculávelde ciclos de vida na matéria. O ensina-mento da Rosacruz áurea diz que asoma dessas vidas forma a nossa cons-ciência racional e moral.

O BEM ABSOLUTO

A reminiscência permite ao ser hu-mano que ele localize mais ou menosa origem do mal. O “mal” é mantidoporque o ser humano coloca seu eu nocentro de sua vida cotidiana. Por suaorigem e por sua educação, o eu acabaadquirindo um valor, um interesse se-guro e ele tenta manter-se nesse nível.O instinto de conservação correspon-de a uma lei natural para todos os se-res vivos. O mesmo acontece com apassagem do bem para o mal e vice-versa: isto também é uma questão deautoconservação. Hermes Trismegis-to, o três vezes grande, diz a esse res-peito, que o bem é “um mal menor”.Em relação ao Bem divino, a vida ego-cêntrica é o mal. O mal moral e o bemmoral são frutos da mesma árvore e osdois pólos do eixo da vida humana.

DESLOCAMENTO PROGRESSIVO DAS

PRIORIDADES DA VIDA

A pessoa que aprende a reagir posi-tivamente à reminiscência, já não es-pera ser libertada do bem e do mal ter-renos. Ela está pronta para abandonarsua vida egocêntrica para permitir queo princípio divino oculto dentro delase liberte. Então, ela age de acordo

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E

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com o Bem absoluto que se manifestapor meio do átomo-centelha-do-Es-pírito de seu coração. Ela já não sedeixa levar pelas forças contrárias davida. Ela se esforça para ganhar discer-nimento e se deixa cair com menosfreqüência nas armadilhas do bem edo mal terrestres. Assim, ela pode iraos poucos deslocando as prioridadesde sua vida de acordo com as exigên-cias do mundo divino, do qual ela re-cebe as forças, e aceitar a existênciaterrena como um tempo de aprendiza-gem. E, graças às experiências pelasquais ela vai passando, ela vai cons-truindo as bases de uma vida comple-tamente nova, que irá conduzi-la àlibertação.

Infelizmente, pode acontecer deforma diferente, pois ela também tema possibilidade de reagir negativamen-te. Ela vê bem a fonte do bem e do malrelativos, os aspectos opostos da vidaterrestres, a relatividade de tudo e oque a impulsiona à autoconservação,mas falta alguma coisa para que ela dêo passo decisivo e rejeite a ilusão. Ela

hesita, ela não tem coragem de olhar,de encarar as conseqüências, ela pro-cura evasivas, consigo mesma e comoutras pessoas, ela não sabe se deve ounão entregar-se a um empreendimentocomo esse. Ela é incapaz de agir real-mente: assim, vai mantendo suas ilu-sões e vai aos poucos afundando na fa-cilidade, sem se ocupar com nada maisalém do que seu próprio bem-estar.

A reminiscência incompreendidagera uma miragem: um mundo apa-rente que obriga o ser humano a se de-fender para se conservar. Atualmente,ele pensa que pode sair desse mundoapertando botões ou editando leis,mas isso não passa de uma «realidadevirtual» na qual ele intervém com ma-estria. Como se fosse por uma janelamágica, ele vê o mundo que ele mes-mo criou, e se deixa guiar por desco-bertas de uma ciência cujas manipula-ções ultrapassam - em muito! - as ma-nipulações de certas religiões. Ele tem,por exemplo, a ilusão da onipresença:a possibilidade de ver, de ouvir e defalar, onde quer que esteja; e também

Marconi (1895) e o primeiroemissor de rádio.

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de construir e de criar com materiaisirreais. Tudo isto limita a consciência ea reduz a uma tela sobre a qual elaprojeta a sua imagem – imagem quepara ela é «a realidade». «Não, issonão é assim tão perigoso: eu sei o queestou fazendo, e posso girar o botão

para o outro lado...» diz a consciência– mas ela não faz isso!

O VAGUEAR IMEMORIAL DA

HUMANIDADE

No espaço virtual, somos onipre-sentes. Mas a consciência não se am-plia. Apenas passamos daquilo que te-mos o hábito de chamar de «realida-de» para uma imitação dessa «realida-de». Assim, imaginamos e criamos i-númeras situações por meio das quaistentamos satisfazer ao máximo nossaprofunda aspiração interior projetan-do-a no sistema binário do computa-dor! Mas que relação existe entre issoe a Grande Realidade de onde provéma vida? Será que os fabulosos desen-volvimentos técnicos e eletrônicos dosdez últimos anos trouxeram uma mu-dança fundamental no que diz respei-to a nós, dentro de nós mesmos? Ouna verdade eles representam um novoepisódio da história do homem quevagueia sem rumo nesta terra, há milê-nios?

O ser humano sempre esteve embusca de sua salvação: à luz de velas,ou graças às técnicas modernas. «Es-pero impacientemente a hora de im-

«Como o computador regulou a força da gravidade, estou sentin-do um pouco o peso de meu braçorobótico. Agora, eu estou deslocan-do minha mão bem suavementepara o alto e sinto uma leve resis-tência e inclino a cabeça para ver oque está me impedindo de fazerisso. Então surge algo: um ser tri-dimensional. Como eu o estouvendo e me mexo ao mesmotempo, penso que na verdade éminha mão que está me dando umsinal. Mas então vejo uma garrade aço a uns dez centímetros deminha cabeça. É a mão de umrobô que está à minha direita, auns quatro metros de mim. Eu oestou vendo: eu estou captando omundo através de seu olho-câmerae estou me sentindo o própriorobô.»(Zeitmagazin, 6 de março de 1992).

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plantar o primeiro «polegar» em mi-nha mão... A longo prazo, este acessodireto ao sistema nervoso será o únicomodo de ver realizadas as promessasdos mundos virtuais. Somente por umcontrole total das informações quepenetram no cérebro é que poderemoscriar uma realidade que será impossí-vel de ser diferenciada da realidade«comum». A abertura deste acessodireto ao sistema nervoso e ao cérebroé um dos objetivos a serem atingidospara que possamos explorar os mundosvirtuais|». (Manfred Waffender, Cy-berspace, Hamburgo, 1991).

Estas situações mostram que, para ohomem desiludido, a vida biológicavai tendo cada vez menor valor. Ouele vai reduzindo ao silêncio os impul-sos de amor, de liberdade e de paz, ouvai imitando os efeitos desses impul-sos. Ele se esforça para escapar ao cha-mado, ao impulso do Homem divinodentro dele. Ele não quer reconhecer arealidade e constrói para si um mundoilusório para enganar-se e aos outros.

Assim, o mundo interior e o mundoexterior viram telas sobre as quais eleprojeta seus sonhos. O verdadeiro sig-nificado das palavras e das imagensvai-se perdendo. O espaço e o tempo,que são as bases dos ciclos dos nasci-mentos e das mortes, vão desapare-

cendo. A humanidade está prisioneirade uma profusão de imagens e deinformações a partir das quais se criauma «identidade», uma vida paralela.E tenta, muitas vezes inconsciente-mente, encarnar personagens comquem gostaria de se parecer interior-mente. Na realidade, nada muda –continua muito difícil chegar ao auto-conhecimento e também se dar contade sua impotência e de seu desejo devoltar à Vida original.

O PENSAMENTO ÚNICO

As ilusões projetadas sobre omundo inteiro estão danificando se-riamente o que o homem tem de maisprecioso. Seu entendimento, seu jul-gamento e suas aspirações estão con-dicionados pelo pensamento únicoveiculado pela mídia. A primeira coisaque um novo dirigente faz quandochega ao poder é colocar a mídia deseu lado para utilizá-la de acordo comos seus objetivos. Assim, ele já conse-gue de início um domínio sólido sobreas massas. O homem é feito dessa for-ma! Na realidade, o homem é o seupróprio juiz e, entregando-se à ilusãoprogramada, ele perde sua faculdade

À direita: o escocês Alexan-dre Graham Bellconstruiu o primeiro telefoneem 1876, na esperança depoder aprender afalar com surdos.À esquerda:J. L. Baird no primeiro estúdiode televisão construído porele.A cabeça deum velho bonecofazia as vezes deapresentador.

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de se relacionar com os outros, suadignidade, seu senso de responsabili-dade e sua visão do verdadeiro objeti-vo da vida.

A mídia é um assunto muito impor-tante, sem o qual o homem atual jánão saberia como existir! A tendênciado ser humano foi sendo transforma-da nestes dez últimos anos: as infor-mações e as diversões são misturadas eimpostas ao espectador. Ninguémmais tem tempo para observar e julgarpor si mesmo. Quem é que ainda podeencontrar a si mesmo nesta confusamistura de slogans, de sons agressivos,de imagens de guerra, de sexo, de pu-blicidade e principalmente de fatostruncados? A violência e a publicidadeviraram diversões: o resultado é umrebaixamento da moral como nunca seviu antes. Os seres humanos precisamde informações e de distrações: elesconsomem tudo isso como fast-foodse devoram tudo com avidez; mas elesprecisam principalmente de calor paraesconder o frio que estão sentindodentro de si mesmos.

As informações já não são divulga-das para informar, mas para manter amultidão ocupada. Sempre estão sen-do buscados novos estimulantes. Fil-mes produzidos há dez anos são con-tos de fadas em comparação com osque são feitos agora. E as pessoas es-tão cada vez mais pedindo isso. É pre-ciso que os filmes sejam cada vez maisintensos, mais tocantes, mais chocan-tes, mais agressivos. Por isso, a facul-dade de julgamento pessoal ficou detal forma alterada que chegamos auma verdadeira «escravidão eletrôni-ca». Os indivíduos – e a humanidadeem geral – foram dessa forma arranca-dos da realidade da vida e estão total-mente anestesiados. As imagens e aspalavras que antigamente ligavam os

seres à sua origem divina foram total-mente varridas por verdadeiros pro-fissionais nesta matéria.

Quanto tempo isso vai durar? Atéque o ser humano fique farto disso!Não o seu eu, pois o eu é um produtode sua própria criação; mas a sua alma,que ainda tem, lá no fundo de si mes-ma, uma leve ligação com sua origemdivina, o que pode retardar o declínioe permitir que ela expulse os hóspedesindesejáveis que a perseguem e a sufo-cam. Até que a alma sinta com forçasuficiente o desejo de restabelecer a u-nidade original; que ela tenha sede deliberdade e lute para sacudir e jogarfora as correntes da ilusão.

Mas será que ela vai conseguir ras-gar a teia que a prende, a rede onde elaestá enroscada?

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O milagre da fala

«O Espírito de Deus se movia aci-ma das águas. Deus disse: Que sefaça a Luz! E a Luz se fez» (Gê-nesis 1:2-3) Quando a inteligênciacriadora que penetra o universo in-teiro «fala», este ato desencadeia amanifestação ativa e indiscutívelde todas as suas propriedades sem oauxílio de órgãos ou meios espe-ciais. O pensamento do Espírito di-vino criador imprime linhas de for-ça na substância primordial: as «á-guas». E foi assim que surgiu omundo original não decaído e ascriaturas que o povoaram. Essaimagem encontra-se nas narrativasa respeito da criação de todos os po-vos, talvez em outras palavras.

comunicação entre as criaturaspuras e originais era feita por radiação.Mas o homem atual, que segue seupróprio caminho, precisa de uma bocapara falar e de ouvidos para ouvir. Eleemite vibrações no ar, e essas vibra-ções são transmitidas para os ouvidosdos outros. Ele se expressa por meiode sons. Mas, como os sons se propa-gam para o exterior e permanecem noexterior, eles são facilmente deforma-dos. O poder de emitir e de recebe-losé um grande milagre sem o qual osseres humanos seriam mudos e nãopoderiam nem se expressar nem ad-quirir uma consciência.

Na verdade, é um grande milagrepoder captar e compreender as pala-vras produzidas por tantas séries desons! Assim os valores astrais do am-biente são assimilados, reforçados ealimentados. O orador dá de presente

seus pensamentos e seus sentimentosenvolvidos em palavras, e o ouvinterecebe este presente sob a forma deenergias transmitidas por essas pala-vras. É por isso, sem dúvida, que Budadiz que é preferível recusar um pre-sente indesejável: em outras palavras,é preferível não ouvir histórias de so-frimento de alguém que não quer ounão pode ser auxiliado.

O que acontece quando o ouvidopercebe os sons quando, por exemplo,as pessoas estão falando? A fala é car-regada de força, pensamentos e emo-ções e também da energia que vem daspessoas que estão falando. Essa energiaprocura encontrar uma ressonância,um eco. As ondas sonoras que foramassim empregadas vão entrando noconduto auditivo animadas por 15 a

Ilustração bem su-cinta do verdadei-ro e natural A.B.C. hebraico,de F.M. vanHelmont,1697, Bibliotecada Universidadede Amsterdã.

A

15000 vibrações por segundo. Elasbatem no tímpano, que enfraqueceligeiramente as vibrações e as transmi-te ao ouvido médio. Então, os ossi-nhos do ouvido (martelo e bigorna)amplificam o som cerca de três vezes.Depois, ele passa pelo órgão de Corti eo labirinto se enche de líquido. Ascélulas receptivas, que são providas decílios do labirinto, propagam os im-pulsos sonoros até os nervos auditivos,que os transmitem ao cérebro. Aí eles

são «reconhecidos» e classificados.Assim, ouvimos com os ouvidos ecompreendemos graças ao cérebro, oumelhor dizendo, com a consciência.

A PROJEÇÃO DE PENSAMENTOS

SOBRE OUTRA PESSOA

É assim que percebemos o que onosso próximo quer nos dizer. Trata-

Quadro compa-rativo de 22 alfabetos, OeraLinda Boek, J. FOverwijn, 1951.

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se de uma comunicação limitada. Emsentido mais amplo, é possível comu-nicar-se pela linguagem do corpo, epela transmissão direta dos pensamen-tos e dos sentimentos, projetando suaindividualidade, seu caráter pessoal eo que dele emana sobre outra pessoapara provocar suas reações. Quandofalamos, a respiração desempenha umpapel importante. Na laringe, reú-nem-se todas as influências do sistemanervoso, do fogo serpentino, do san-gue, do fluido hormonal, dos diferen-tes órgãos, dos membros, e, principal-mente, do cérebro. No chacra da la-ringe estas influências se misturamcom o ar encaminhado pelo nariz epela boca. Pela expiração, o ar dospulmões toca levemente as cordas vo-cais, faz com que estas vibrem e assimproduz sons que tomam a forma depalavras passando pela garganta, pelopalato, pela cavidade bucal, pela lín-gua e pelos lábios. Portanto, estas pa-lavras carregam consigo todas as in-tenções, humores e pensamentos dequem fala. E essas palavras podem ele-var ou envenenar o interlocutor, estarcheias de amor ou de ódio mortal!

Os órgãos da fala são feitos de talmodo que transmitem exatamenteaquilo que a pessoa que fala está pen-sando. Ela vê uma imagem diante de simesma e descreve a essência dessaimagem tal como ela a percebe com oauxílio das palavras. Entretanto, comocada orador tem uma consciência dife-rente, cada um faz uma descrição dife-rente da mesma imagem. Portanto, fa-lar é um processo pelo qual um com-plexo sistema traduz valores e concei-tos interiores e exteriores. As palavrasque são transmitidas desta forma paraos ouvidos do ouvinte são compreen-didas e integradas por seu cérebro epodem provocar nele pensamentos,

emoções ou atos – três elementos quedependem uns dos outros. Assim, ocorpo inteiro reage: sangue, fluidonervoso, fluido hormonal, fogo ser-pentino etc.. Essas reações se suce-dem, tanto de um lado como de outro,resultam em respostas e assim fazemnascer novamente pensamentos, senti-mentos, ou ações. Quando estes pro-cessos não concordam exatamente,surgem perturbações: ferimentos or-gânicos e psíquicos criam bloqueioscujos resultados podem ser, por exem-plo, a gagueira, a afasia ou um retarda-mento da fala.

«PÕE UM GUARDIÃO DIANTE DE

TEUS PENSAMENTOS!»

Muitos se servem da fala e da escu-ta para satisfazer suas ambiçõessociais, ou treinam esses órgãos paraadquirir o máximo de conhecimento.Ora, assim procedendo, eles estãoprejudicando sua vida, pensando queestão realmente se educando. Quando

Gramática ucraniana, 1643,composta porIvan Oejevitsj, naSorbonne, Paris.

este fenômeno atinge seu ponto máxi-mo, o ser humano se torna um apren-diz de feiticeiro, escravo de suas pró-prias criações. Ele já não pode recuar,a não ser que se torne consciente deseu aprisionamento e quebre suas cor-rentes. Se ele se deixar influenciar ouseduzir pelas palavras de outras pes-soas até fazer coisas que vão lhe fazermal, vai se tornar uma presa cada vezmais fácil. Ele se deixará aprisionar nateia da natureza material. É por issoque Pitágoras dizia a seus discípulos:«Não te deixe jamais arrastar pelaspalavras ou atos de alguém para fazercoisas que te seriam prejudiciais.» E assagradas escrituras nos advertem:«Põe um guardião diante de teus pen-samentos!»

Qualquer um que tenha consciênciade que faz passar seus pensamentos esuas emoções através do que diz podecultivar sua linguagem a tal ponto queuma pessoa desavisada não percebesuas verdadeiras intenções. Um men-tiroso treinado há muito tempo podefalar com tanto sentimento que oouvinte inocente se deixa enganar. Umorador qualquer pode, dessa forma, seesforçar para dar uma excelente ima-gem de si próprio. Mas, com um

detector de mentiras, é possível reve-lar os pensamentos e emoções repri-midos.

A ILUMINAÇÃO INTERIOR DA

PALAVRA

A palavra não iluminada interior-mente pelo Espírito continua tenebro-sa e espalha a impostura. É por issoque o ser humano dispõe de um outrosistema que lhe permite ouvir e falar: aalma. Há muitas definições sobre almahumana e alma animal. Quando osrosa-cruzes falam de alma, eles nãoestão pensando na alma animal, masna alma imortal, na alma que dispõede seus poderes originais, na alma quefoi colocada no homem pelo Criador,aquela alma que agora está reduzida auma centelha da alma original. Estaalma deve despertar para servir deintermediária entre o campo de vidaoriginal e a personalidade terrestre,para ouvir a voz de seu Criador e po-der expressar sua Sabedoria.

Então, é preciso que esta almaadquira a liberdade de escutar e de fa-lar. Ela se situa como antípoda do egoque está mergulhado na matéria: esteego que impede a consciência de ouvira voz da alma. Esta é a razão pela qualos seres humanos centrados no eu nãocompreendem as sagradas escrituras.Entretanto, liberando a alma divina,eles ultrapassam o abismo que os se-para de Deus. A Palavra do Criadornão somente retoma seu sentido, mastambém tem a possibilidade de fazerseu trabalho libertador e regenerador.Fazendo com que o ego se cale, rejei-tando sistematicamente suas influên-cias, rompendo os laços que somentereforçam o ego, a alma divina reen-

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Sons transforma-dos em imagens.Na gravura, osom “O”.

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contra sua glória de outrora. Por seuintermédio, os pensamentos, senti-mentos e atos se harmonizam com aSabedoria original. Já não é possívelexistir mentira e hipocrisia.

Símbolos alquímicos.

Jan van Rijckenborgh escreve emseu livro Arquignosis Egípcia e seuchamado no eterno presente: «A pala-vra de Deus é sabedoria e amor. Pelassagradas escrituras, ela penetra comoforça e linguagem compreensível nocoração do homem, na rosa-do-cora-ção. Assim, ela estimula a nova alma,ou seja: todos os fluidos sutis e o eupurificado. Então, a alma utiliza ocorpo, o órgão da palavra, para des-crever suas experiências.»

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Bach, “o quinto evangelista” A linguagem universal da música

Johann Sebastian Bach morreu háduzentos e cinqüenta anos. Masnão é preciso comemorar este acon-tecimento para chamar a atençãopara sua obra, pois ela faz parte davida musical de hoje, em larga es-cala. O Oratório de Natal, a Pai-xão segundo São Mateus e a Missaem si menor estão todos os anos noprograma. Mas quem é este ho-mem que um dia foi qualificadocomo “o quinto evangelista”?

traço dominante de Bach é a soli-dão. «Na qualidade de servidor daigreja, ele compôs apenas para a igreja,e no entanto não podemos qualificarsua obra de religiosa. Seu estilo émuito pessoal, como tudo o que dizrespeito a ele. É essencialmente um so-litário...» escreve Carl Friedrich Zel-ter, músico, amigo e admirador deGoethe em uma carta a este último.

Johann Sebastian Bach nasceu emuma família de onde saíram muitas ge-rações de músicos, principalmentemúsicos sacros influenciados pelo lu-teranismo. Portanto, ele nasceu emum meio em que reinavam condiçõeshereditárias favoráveis a seu gênio. Opróprio nome de Bach é melodioso.Uma consoante suave, B, abre para osom A que, na série de sons, se situaentre o agudo das vogais «femininas»I e E, e a gravidade dos sons «mascu-linos» O e U: é uma seqüência de so-noridades discretas que evoca o fluxode uma pequena onda (o «ch» em ale-mão é pronunciado como um R gutu-ral). De fato, sua música pode ser

comparada a uma onda contínua: é suacaracterística principal. Um outrotraço marcante é sua profunda serie-dade. O nome «Sebastian» vem dogrego e significa «cheio de reverên-cia». Quem conhece um pouco o sig-nificado dos nomes e reconhece a ver-dade da máxima «Nomen est omen» (onome é um presságio) sabe que ele-mentos como estes podem ter umagrande influência sobre o portador donome.

“NADA ALÉM DE BALIDOS E

ARENGAS DIABÓLICOS”

É claro que alguém como Bach,com uma alma e uma força criativavoltadas para a perfeição, deve ter le-vado uma existência solitária. Poucaspessoas puderam sondar e avaliar noseu justo valor seus estados de alma. Aprofundidade e a seriedade de seussentimentos religiosos são insepará-veis de sua música que, segundo ele,deveria servir para honrar a Deus e a-paziguar a alma e o espírito. «Quandoisso não acontece, o que existe não pas-sa de arengas e balidos diabólicos», dizele em um de seus prefácios. Umaconcepção tão rigorosa com certezaleva à solidão, pois ela liga ao mundoda alma e a seus sofrimentos. A cor-respondência de Bach mostra que eleconsiderava sua vida como um pacien-te caminho de cruz. Ele andava «demãos dadas com Deus», qualquer quefosse a forma pela qual ele represen-tasse esse Deus. A fórmula de sua es-perança era «Christus coronabit cruci-geros»: Cristo coroará aqueles quecarregam suas cruzes. Trata-se aqui dasolidão que todos os que buscam aDeus conhecem: é nessa solidão que o

Retrato deJohann SebastianBach.

O

A igreja de São Tomás, emLeipzig. Bachmorava no edifício ao fundo.

Espírito divino mora e tenta se fazerconhecer. Desde a sua mocidade, ele jásentia que vivia em um mundo quesempre frustaria seu profundo desejode harmonia e de elevação. O que étrágico para esse tipo de pessoa é quea vida «inferior» não pode integrar avida «superior». Na prática, isto querdizer que Bach compreendia bem aspessoas que se esforçavam para alcan-çar uma perfeição menor, mas o con-trário não acontecia. Portanto, paraessas pessoas ele continuava a ser umenigma e ele também foi um enigmapara si mesmo, sob muitos aspectos.

SUA CASA ESTAVA SEMPRE ABERTA

Um sentimento de solidão interiorpode também tocar fortemente as pes-soas que parecem ser relativamentefelizes. Bach deve ter sentido isto in-tuitivamente. Em relação aos outrosmúsicos, ele sempre foi muito modes-to. Sua casa, em Leipzig, sempre esta-va aberta para eles. E freqüentementeele deixava que seus hóspedes fruís-sem sua arte da improvisação, tantono cravo como no órgão, sem qual-quer ar de superioridade. Desprovido

de qualquer orgulho, ele afirmavamuito modestamente que cada um po-deria fazer o mesmo se tivesse a con-dição de praticar muito, e que ele mes-mo tinha praticado desde a infância.

Está gravado na natureza que mui-tas vezes é preciso colaborar com pes-soas que vivem e pensam de um jeitocompletamente diferente do nosso.Bach também teve que contar comesse tipo de dificuldade. Entretanto,ele vivenciou decepções e golpes dodestino como aprofundamentos e pu-rificações de sentimentos religiososque sua educação protestante lhehavia inculcado.

À LUZ DA LUA OU DE UMA VELA

Depois da morte prematura de seuspais, ele foi acolhido por um tio, queera um músico ambicioso, e que proi-biu que o jovem Johann Sebastian fos-se se abastecer em sua biblioteca musi-cal, que era considerável. Mas este nãose deixou intimidar. À noite, ele seesgueirava com papel pautado e copia-va muitas partituras à luz da lua ou deuma vela! Foi assim que ele prejudi-cou tanto sua visão que ficou muito

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míope e depois completamente cego,em idade avançada. Seu tio descobriuseu trabalho noturno, tomou todas assuas cópias, colocou-as de lado e Bachjamais pôde revê-las.

Quando foi nomeado Mestre deCapela1 em Cöthen (um emprego bemremunerado e gratificante) o destino ogolpeou com uma prova ainda maiordo que a da morte de seus pais.Voltando de uma viagem, ele soubeque Maria Bárbara, sua primeira espo-sa, havia morrido de repente. Este fatoreforçou seu desejo de servir a Deusatravés de sua música. Entretanto, istosomente poderia ser realizado se ele setornasse músico sacro, por mais que ostatus de «Cantor»2 fosse menos ele-vado do que o de «Mestre de Capela».

Como Mestre de Capela em Cö-then, ele compôs apenas música profa-na, porque este pequeno principadoseguia a doutrina de Calvino e estehavia condenado a música sacra. Ape-sar de seu grande talento ele foi rejei-tado para exercer as funções de orga-nista em Hamburgo, em 1720. O mu-nicípio não negava as qualidades destecandidato, mas considerava principal-mente as doações que os candidatosestavam dispostos a fazer! A partir domomento em que Bach começou suacarreira de «Cantor» em Leipzig, eleserviu constantemente de alvo para al-guns membros invejosos e bitoladosdo conselho paroquial. Um conselhei-ro observou: «Não temos a felicidadede ter o melhor (G. Ph. Telemann),mas devemos nos contentar com ummúsico médio.» E o reitor que dirigia aescola de música quando Bach estavaexercendo a função, zombou de umestudante que queria cantar com Bachno coro: «Ah, você também quer virarum músico de taverna?!» Este tipo deobservações sistemáticas e revoltantesacabaram fazendo com que Bach deci-disse deixar o coral trabalhar com su-bstitutos moderadamente dotados.Então, ele se confinou na música maiselevada. A composição das Paixões se-gundo São Mateus e São João, por

exemplo, lhe pareciam ser um «fardopesado», de acordo com seus própriostermos.

UMA SAÚDE MAL CUIDADA

É preciso dizer que ele foi cruel-mente atingido pela morte de seisfilhos dos treze que sobreviveram deseus dois casamentos, da mesma for-ma foi atingido pelo destino de um deseus filhos – que era especialmentedotado para a música e que teria semdúvida ultrapassado seu pai, se não ti-vesse sido um deficiente mental. Nofinal da vida, Bach estava cego. Duasdolorosas operações, realizadas porum médico inglês pouco hábil (que fa-zia questão de cobrar bem por suaarte), não deram nenhum resultado. Eos remédios que ele teve de tomar aca-baram arruinando sua saúde, que erarobusta, em um ano. Depois de umataque ocorrido uns dez dias antes desua morte, ele recobrou a visão.

A experiência da morte e da fugaci-dade das coisas havia se tornado fami-liar para ele. Um dia ele se queixou: seo número de enterros em que ele de-veria tocar diminuísse, e portanto sesua fonte de ganho diminuísse, eraporque o ar de Leipzig era realmente«exageradamente bom»! Em umacantata que ele compôs para sua se-

O sinete e a assinatura de J. S.Bach.

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gunda esposa, ele mistura amor emorte:

Fica perto de mim,Para que eu morra na alegriaE encontre repouso.Oh, como seria maravilhoso o meu fimSe tua bela mãoFechasse meus olhos fiéis.

Em uma outra cantata em tom me-nor ele compara a vida humana à fra-gilidade de uma flauta rústica de bar-ro: flautas de cano longo que apare-cem em muitos quadros dessa época.

MAS DE ONDE VEM ESSA

INSPIRAÇÃO?

Em sua herança se encontra parti-cularmente as «Conversas de mesa» deMartinho Lutero e os «Sermões» domístico Tauler: um conjunto edifican-te de oitenta escritos que mostram queo assunto «religião» ocupava intensa-mente a mente de Bach. De acordocom as anotações em sua Bíblia, pare-ce que ele a lia com freqüência, e quequeria dar valor à sua tarefa de músicosacro por meio de textos bíblicos quese referiam à música executada notempo do rei Davi.

É preciso saber que o pietismo con-testava a função da música sacra. Deacordo com os pietistas, os represen-

tantes da autoridade religiosa dividi-am-se em um grupo ortodoxo e umgrupo pietista. Este era o caso, porexemplo da cidade de Arnstadt, ondeBach havia sido organista. Os pietistasachavam que o quadro musical das ce-rimônias religiosas apresentava todasas características de uma festa pompo-sa que não passava de um desvio, deuma exteriorização e de um distancia-mento da religião. Por isso, eles proi-biam as grandes composições instru-mentais e os coros. No entanto, Bachachava que sua música contribuía paraa vida religiosa. «Em honra ao DeusAltíssimo» escreve ele sobre uma par-titura de um coral para órgão, e no iní-cio de muitas de suas outras obras:«Para a glória do único Deus».

Como Bach partia das mesmas idé-ias, não é de se espantar que ele tenhaentrado em contato com os pietistas.Seu destino o conduziu a Leipzig, queera um dos pontos mais importantesda vida protestante da Europa central.Em Leipzig, ele atraía, todos os do-mingos, cerca de 2000 ouvintes nas

Prelúdio número7 da segundaparte do Cravobem temperadode Bach.

O pietismo, que surgiu no século XVII com o pregador alemão Philipp, queria dar maisimportância, no protestantismo, àvida da alma e a uma devoçãoefetiva (=piedade).

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Cânone «trí-plice» que constado retrato deBach feito porocasião de suaentrada naSociedade deMizler.

duas igrejas principais: São Tomás eSão Nicolau. Nos círculos musicais,ele era muito apreciado, mas somenteum pequeno grupo de músicos era ca-paz de avaliar o alcance profundo desuas composições.

«AOS INOCENTES, TUDO SERÁ DADO»

No final de sua vida, as tendênciasda época haviam mudado e todo mun-do gostava da música leve da ópera. Amúsica evangélica de Bach, verdadeirobaluarte, se opunha a este rebaixamen-to. Ele lamentava que muitos de seuscoristas, que ele havia formado comtanta dificuldade, preferiam empregarna vida mundana seu talento e as qua-lidades que haviam adquirido – ouseja, na ópera.

A música de Bach estava passandoda moda e seus filhos o chamavam, àsvezes, de «peruca velha». O próprioBach ria-se da música de seus filhos.De Carl Emmanuel, ele dizia: «É umazul da Prússia que descorou» e deChristian: «Meu Christian é bobo,mas aos inocentes, tudo será dado!»Este último tornou-se célebre como o«Bach milanês» e como o «Bach lon-drino», porque sua música, que quasesempre era leve e superficial pareciacom o estilo rococó.

UMA MÚSICA «ERUDITA»

A profunda religiosidade das com-posições do «velho Bach» – à qual, ali-ás, se dava o nome respeitoso de «mú-sica erudita» – era compreendida ape-nas por poucas pessoas. Os críticosachavam que ela era pesada e entedi-ante. Até mesmo Zelter e Goethezombavam de suas obras «de onde a fése elevava como uma fumaça espessa».Falando tecnicamente, outros compo-sitores ultrapassavam certos aspectosde sua música. Assim, as cantatas com

muitas vozes dos compositores da Re-nascença têm muitas vezes uma estru-tura mais complexa e mais hábil.

Mas o que torna a sua música tãocativante não é precisamente a brumapersistente de melancolia que encobretoda a obra de Bach? Não acontece omesmo com esta seriedade, este res-peito, este quê de religioso que a ins-pira? Mesmo quando Bach compõeuma música puramente profana e seesforça para ser alegre, ele não alcançaeste frescor e esta alegria de viver damúsica de Vivaldi ou de Albinoni, porexemplo – e ele apreciava muito osdois – ou de seu amigo Telemann, queera bem mais famoso do que ele.

Bach era avesso a qualquer exterio-ridade e teatralidade: esta é a razão pe-la qual ele não compôs óperas, comoHaendel. Também não é de se estra-nhar que ele tenha substituído as le-tras de suas cantatas profanas por tex-tos espirituais, pois a inspiração musi-cal dessas cantatas também era de na-

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Escala de sonsconstituída porsinos ou porvidros com umacerta quantidadede água, emmanuscrito daIdade Média.

tureza religiosa. Ele remanejou partesde concertos para fazer com que setransformassem em árias, como porexemplo a ária «Morre em mim, ómundo, assim como o teu amor» dacantata 169 (Meu coração só deve per-tencer a Deus), que faz parte de umconcerto para cravo. Graças a algumasmodificações geniais, este se tornouum dos cantos mais tocantes que já fo-ram escritos.

Das trezentas cantatas que ele com-pôs, cerca de um terço se perdeu. Aspessoas atribuíam pouco valor a elas e,depois de sua morte, as folhas que tra-ziam anotações de seu próprio punhoforam utilizadas para fins banais. Suaviúva foi tratada de forma muito mes-quinha pelas autoridades locais; o sa-lário de seu esposo não foi pago a elainteiramente. Mas subtraíram deste osdois meses que ele havia recebidoquando iniciou sua função. Assim,dez anos depois, ela foi parar numhospício e depois foi enterrada comoindigente.

PARA OS CORISTAS NÃO HAVIA

NENHUM PROBLEMA

Aparentemente, Bach achava quenão era muito importante passar alimpo suas obras e com isso, negligen-ciava a escrita. Suas folhas mostrammétricas mal indicadas e raramentecorrigidas. Entretanto, isso não eraproblema para os coristas.

Somente no século XIX, na épocado Romantismo, foi despertado o in-teresse para sua música, pelo fato dehaver uma renovação da devoção e daconsciência. Não foi por acaso que umcompositor tão inspirado quanto ele,Mendelssohn, compreendeu a profun-didade da música de Bach e organizouuma execução da Paixão segundo SãoMateus. Depois disso, Bach foi sendocada vez mais considerado e reveren-ciado como o pai da música. O com-positor francês Hector Berlioz espan-tava-se com o fato de que na Ale-manha os ouvintes da Paixão segundoSão Mateus ficavam tão atentos: elesseguiam o texto nas partituras «comose estivessem lendo a Bíblia». Gera-ções de músicos e de especialistas damúsica procuraram o segredo da mú-sica de Bach. Albert Schweitzer mos-tra o cuidado com o qual ele acompa-nhava o texto de suas cantatas com so-noridades expressivas. Por exemplo:escuta-se a água do Jordão correndono momento em que se dá o encontroentre João e Jesus, em suas margens. Eem um coral sobre os dez mandamen-tos, o severo contraponto de um câno-ne simboliza a intransigência destesmandamentos.

O QUE É RETÓRICA?

Bach criava suas composições co-mo discursos sonoros, como conver-sas entre diferentes vozes que têm,cada uma, algo de sensato a dizer. J. A.Birnbaum (1702-1748), professor de

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retórica na universidade de Leipzig,revelou que Bach conhecia os princí-pios desta ciência e os aplicava cons-cientemente. Ele gostava de ouvir falarsobre este assunto e também gostavade explicar suas composições.

O que é retórica? Atualmente ela setransformou em um método de defesapor meio do qual tentamos desarmaro adversário mascarando nossa pró-

pria duplicidade por baixo de palavrasocas. Esta é uma técnica empregadapor especialistas, os homens de negó-cios e os políticos, para exercer o seupoder. Mas fazendo isso, eles fazemmal a eles próprios, pois vão perdendode vista o que é verdade e o que émentira. Em contrapartida, a retóricaclássica dos antigos gregos visava aelaboração de um raciocínio filosóficoque satisfizesse a lógica.

Nesse sentido, um bom raciocíniocompreende, no mínimo, os seguinteselementos:• A exposição ou introdução do

assunto.• A elaboração ou tratamento desse

assunto.• A discussão ou argumentação.• A refutação ou exposição das

objeções.• A confirmação das proposições

apresentadas.• E a conclusão.

Uma representação da ordem cós-mica Bach serviu-se destes elementosde modo mais ou menos conseqüente.Um dos exemplos mais surpreenden-tes é a grande Fantasia em Sol Menorpara órgão, BWV 542. O ouvinte temverdadeiramente a impressão de quealgo está lhe sendo dito, que um temalhe está sendo exposto de diversoslados. Os compositores como Mozarte Beethoven trabalharam nesse senti-do de modo puramente intuitivo, su-perficial, sob a forma de ornamentos.Bach acariciava um outro ideal: o queera importante para ele não era tantodesenvolver o tema, mas elaborar umarepresentação da ordem cósmica.

Por outro lado, sua música temprincipalmente um aspecto mágico.Em muitas de suas obras, e especial-mente na Paixão segundo São Ma-theus, encontram-se estruturas nume-ricamente simbólicas e cabalísticasque pertencem àquilo que chamamosde «guematria». Trata-se de uma ciên-cia filosófica mágica que utiliza a nu-merologia. Estas estruturas não apare-

O número 10 não foi mencionadoainda. É que em guematria, o 1 e o 10 representam Deus, a unidade suprema. Os judeus e os muçulmanos não pronunciam o nome de Deus, nem falam de seus atributos. Exemplo deguematria: «emeth» em hebraicoquer dizer verdade e o valordesta palavra é 441=9. A palavraDeus, a verdade suprema, érepresentada pelo número 10. Na palavra «emeth», o número 1é colocado no final e representa a última letra do alfabeto hebraico, que é th. Colocando um1 (começo do alfabeto) no iníciodesta palavra, temos: 1441=10,que é a verdade absoluta, o quepode ser interpretado da seguintemaneira: sem Deus não hánenhuma verdade absoluta!Pitágoras foi o especialista danumerologia. Foi no Egito que ele foi iniciado nessa arte e foialuno dos discípulos de Zoroastro.Estudou cabala na Judéia. É elequem declara: «O desenvolvi-mento é a lei da vida. O nome é a lei do universo. A unidade é a lei de Deus.» Para ele, os números são mais do que simplescifras que apenas indicam quantidades, pois os númerosrepresentam propriedades e simbolizam processos espirituais.

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cem somente em sua música no planoda métrica, mas também graças ao có-digo de certas palavras, que pode serobtido a partir dos números atribuí-dos às letras do alfabeto. As letras sãonumeradas de acordo com o seu lugarno alfabeto latino e a partir de um sis-tema tradicional secreto. Muitos po-vos da antiguidade desenvolveram seupróprio sistema desse modo. O valornumérico das 22 letras do alfabeto he-braico, por exemplo, permite que con-sideremos a Bíblia como um conjuntode números mágicos que foram tradu-zidos em palavras.

Do ponto de vista cabalístico, cadaletra indica, por seu valor numérico, ocaminho entre Deus e o mundo. Em re-lação a isso, existem 10 Sephirots ou fa-

tores da Criação. Dizem que esses códi-gos permitem que alguém fale a respei-to da vocação de uma pessoa, ou a res-peito dos ciclos de sua vida, e sobre ostraços de caráter, partindo da data deseu nascimento e de seu nome comple-to. Para isso, são utilizados habitual-mente os algarismos de 1 a 9, assimcomo os algarismos 11e 20. Segundo oscabalistas, o significado desses númerostem relação com tudo o que se passouno mundo. É preciso acrescentar que –desde a queda – o homem não pôdeultrapassar o algarismo 9.

DITADO DE SUA ÚLTIMA

COMPOSIÇÃO

Parece que Bach empregou apenaso simples alfabeto latino de 24 letras(onde o I e o J são confundidos, assimcomo o U e o V), numerando as letrasde 1 até 24. O nome «Bach» compõe,assim, o número 14: B=2, A=1, C-3,H=8. Acrescentando as iniciais de se-us primeiros nomes, o valor do nomeinteiro é 41, pois J é a nona letra e o Sé a décima oitava (9+18+14=41). Foicom 41 anos que Bach começou a edi-tar suas obras. A Arte da Fuga, seutestamento musical baseado sobre ocontraponto, compreende 14 partes.Aparentemente, foi deliberadamenteque ele não terminou a 14ª. Nessa o-bra, ele usou apenas uma vez como te-ma o seu nome numericamente codifi-cado.

Em 1747, Johann Sebastian Bach foiadmitido como o décimo quartomembro da «Sociedade dos MúsicosEruditos» de Lorenz Christoph Miz-ler (1711-1778). Dizem que isso acon-teceu porque este milésimo (1747)continha o número 14. Pouco antes de

Análise de umacomposição musical por umcomputador indica todas asvariações possíveis.

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sua morte, quando ele estava cego edoente, ele ditou sua última composi-ção: um prelúdio para órgão para ocoro Vor deinem Thron tret ich hier-mit (Aqui estou diante de Teu trono).A última linha compreende 14 notas ea melodia 41. Seria por acaso?

Nestes últimos anos, um grupo deespecialistas fez pesquisas intensivassobre a obra de Bach, na esperança deencontrar estruturas baseadas na gue-matria. Assim, descobriram coisas es-pantosas. Os autores de Bach en hetgetal (Bach e os números)3 descobri-ram que ele havia codificado o nomede Christian Rosenkreuz e axiomas daFama Fraternitatis R. C. (O Chamadoda Fraternidade Rosa-Cruz do séculoXVII). Os autores supõem até que elesabia a data de sua morte muitos anosantes e que ele a codificou em A Arteda Fuga.

De acordo com as mais recentespesquisas, obras puramente profa-nas, como as seis Partitas e Sonataspara violino parecem ter sido basea-das em elementos espirituais pormeio de códigos obtidos pela guema-tria e em parte também pelas melo-dias para coro não cantadas mas queserviam de acompanhamento ao solode violino. Ele teria até mesmo intro-duzido deste modo a fórmula trípli-ce: «Ex Deo nascimur. In Jesu mori-mur. Per Spiritum Sanctum revivisci-mus»!4

Diversos pesquisadores mostramque ele incluiu conscientemente algu-mas datas em suas composições. Mas,em última instância, não é possívelprovar estas conjeturas (ou pelo me-nos não é possível ainda).

Algumas dessas descobertas sãosurpreendentes e merecem destaque;no entanto, não é raro um pesquisadorencontrar o que ele quer encontrar, e abiblioteca deixada por Bach não con-tinha nenhum texto dos rosa-cruzes.Em si, isto não quer dizer que ele nun-ca tenha tido contato com eles, e nãosabemos exatamente se todos os livrosde sua biblioteca chegaram até seusdescendentes.

ESCRITA CONSCIENTE OU NÃO?

É espantoso que todas essas nume-rações cabalísticas tenham podidoproduzir uma música tão fluida, tãomaravilhosa. Podemos nos perguntarse Bach começava fazendo rascunhosdesajeitados de suas idéias e determi-nar o número da métrica de uma peçapara seguir certos valores numéricosda guematria; se ele escolhia, consci-entemente ou não, as relações harmô-nicas que correspondiam a seu ideal(ou seja, por inspiração e por intuiçãoda harmonia das esferas) e que relaçãoestes dois fatores tinham entre eles.Questionamos, da mesma forma, cer-tos quadros: até que ponto artistas co-mo Leonardo da Vinci, Dürer e mui-tos de seus contemporâneos aplicaramconscientemente «o número áureo»ou «a medida áurea»?

Está comprovado que Bach podiadeterminar em um piscar de olhosquais eram as possibilidades de elabo-ração de um contraponto em um de-terminado tema. Esta inteligência es-pantosa permitia que ele ornasse suascomposições com algumas particulari-

Em uma divisão assimétrica, o número áureo corresponde à relação entre a parte menor e aparte maior, que é igual à relaçãoentre a parte maior e o todo:(a/b=b/a+b).

O número perfeito é um númerointeiro igual à soma de seus divisores: como 6 é a soma de 1, 2 e 3; 28 é soma de 1, 2, 4, 7 e 14; 96 é a soma de 1, 2, 4, 8, 16, 31, 62, 124 e 248.

dades cabalísticas. No retrato que eleencomendou por ocasião de sua entra-da na «Sociedade dos Músicos Eru-ditos» de L. C. Mizler, ele está segu-rando uma folha de papel pautado emque aparece um cânone em forma deadivinhação: um cânone tríplice a 6vozes. A voz do barítono é de J. J.Froberger e a voz do baixo é de G. F.Haendel. Este canône oferece a possi-

bilidade de 480 variantes quanto à en-trada das vozes e suas diversas combi-nações! Além disso, ele contém sím-bolos bíblicos. Mas, afinal de contas,essa «adivinhação» era complicada de-mais para os membros da sociedadeem questão; e foi somente no séculovinte que descobriram o «código» e asdiferentes combinações possíveis.5

Bach limitava-se a codificar deter-minados nomes, mas também utiliza-va números importantes que retiravada Bíblia, como o «numerus electo-rum» (o número dos eleitos): 153; etambém os «numeri perfecti» (núme-ros perfeitos): 6, 28 e 496. As palavrasem exergo e os motivos e vinhetas de-senhados nas linhas e na margem de AArte da Fuga podem ter também umsignificado especial.

Por que Bach se deu ao trabalho deincluir códigos em sua música? Seráque sem toda esta numerologia suascomposições teriam tido o mesmo im-pacto sobre os ouvintes? Para respon-der a esta pergunta, é importante saberque ele seguia a tradição de Leibniz,que havia seguido a tradição de Pi-tágoras. Para Leibniz, a música era «avida inconsciente da alma. Esta nãotem consciência daquilo que está per-cebendo, mas no entanto percebe demodo inconsciente.»

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Ao alto:Textosdo túmulo deChristian Rosen-kreuz, traduzidosem música porBach.Abaixo: Estruturasimétrica dasobras de Bach.

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PROPORÇÕES FUNDAMENTAIS DA

NATUREZA

Quando está escutando música, aalma penetra em uma «forma que écolocada em movimento pelos sons»,uma seqüência de estruturas sonorascomplicadas e simples que, por suavez, provocam tensão e relaxamento,como se nós nos movimentássemoscom elas no espaço. As relações pro-porcionais entre os sons correspon-dem às proporções fundamentais danatureza, e portanto também ao corpohumano. Pontvik, o psicólogo suecoespecialista em música, renova estaligação com esta antiga ciência em seulivro «O homem que ressoa», em queele escreve que os órgãos do corpo es-tão em relação mútua, como acontececom as proporções estabelecidas nouniverso. Quando sentimos felicidadeou dor escutando uma música, istocorresponde a «tensões ou relaxamen-tos musculares» pensa o médico e eru-dito Mizler.

Bach, Haendel e Telemann real-mente eram homens práticos demaispara se consagrarem seriamente à filo-sofia ou às idéias científicas da socie-dade fundada por Mizler. Carl PhilippEmmanuel escreveu, mais tarde, sobreseu pai: «Ele não se misturava comconsiderações teóricas profundas sobremúsica e não era amante dos alimentosressecados dos matemáticos.» No en-tanto, Bach parece ter mantido os es-forços de Mizler para fazer da músicauma ciência exata como a aritmética, aastronomia e a geometria, coisa que os«filósofos da natureza» (ou seja, os ci-entistas «esclarecidos» da época) recu-savam a fazer.

OS CRITÉRIOS ABANDONADOS

No começo da era de Aquário, amúsica de Bach ainda é olhada comoum monumento de perfeição na ex-

pressão artística, de acordo com oscritérios habituais da era de Peixes,que está desaparecendo. Entretanto, ainfluência de Aquário está destruindoas estruturas estabelecidas em todas asáreas da vida social. Isso explica tam-bém a razão pela qual a arte já não res-ponde a nenhum critério. Tocar a mú-sica de Bach significa, de uma certamaneira, estar voltado para o passado;e representa um olhar para trás, cominveja, para um de seus mais belos fru-tos. Uma época que, no meio de umadesintegração rápida e radical dos va-lores, vai desaparecendo na bruma, eestá ficando inacessível para muitos.Na sociedade materialista «moderna»,as pessoas estão se distanciando rapi-damente da música clássica. Ela chegaaté a incomodar as pessoas em umcerto estado psíquico: há quem as uti-

Pictagoras musiceinventor, gravuraem madeira deJörg Syrlin (1469-1474), no coroda catedral deUlm,Alemanha.

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lize, por exemplo, para expulsar osdrogados e os traficantes de drogasdas estações e dos centros comerciais:eles não suportam a música clássicaque os alto-falantes derramam sobreeles!

Nos tempos de Bach, realmente,sua música já havia envelhecido. Seusmodelos vinham do passado, assimcomo sua atitude séria em relação àsua arte. Suas composições são tão

harmoniosas e perfeitas que elas já nãoemocionam. Cada som e cada acordeocupam seu lugar no conjunto de mo-do perfeito, inigualável. «Como se aharmonia eterna conversasse consigomesma, exatamente como deve teracontecido no coração de Deus, umpouco antes da criação do mundo. Elame perturbou interiormente também,e eu me encontrei como se já não esti-vesse possuído, nem tivesse necessida-

Durante algum tempo, Mizler foialuno de Bach. Ele tentou aprofun-dar-se cientificamente nos segredosda música, mas por fim não conse-guiu. Além disso, ele tinha muitostalentos e com certeza não desco-nhecia as idéias herméticas. Comomédico, ele exercia sua atividade nacorte polonesa. Sabemos muitopouco sobre ele, pois depois de suamorte, sua família, que morava naAlemanha, recusou-se a dar infor-mações. Também parece que seusinúmeros escritos e papéis nãoforam conservados. Mizler foi umdiscípulo de Christian Wolff (1679-1754), que era aluno de Leibnitz.Wolff tinha estudado em Halle ereviveu a tradição pitagórica comproposições como a seguinte: “Nãohá nada no mundo que não possa-mos resolver pela matemática e quenão permita que se chegue a umacompreensão mais profunda”.Mizler fundou a “Sociedade dosMúsicos Eruditos”. Ao lado dealguns membros honorários comoHaendel, essa sociedade tinhamembros ativos como Telemann eGraun, e também alguns ricos pro-tetores da música. Ela tinha comosímbolo um círculo em volta de umtriângulo, no qual estavam registra-dos, de cima para baixo os algaris-

mos 1, 2, 3, 4, 5 e 6, o que indicavasua base pitagórica e dava a ima-gem do mundo: o mundo e a músi-ca harmoniosamente estabelecidossobre o número e a métrica. Masesta música estava passando demoda com o século das “Luzes”.Em sua correspondência, os mem-bros dessa sociedade davam-senomes gregos antigos, famosos porsua erudição. O próprio Mizlerescolheu o nome de Pitágoras. Elestinham formado uma comissão quedeveria fazer pesquisas a respeitoda “música a partir de suas origensmais remotas para assim contribuirpara dar uma imagem universal domundo”. Este belo ideal não alcan-çou sua meta, em razão de lutasinternas e externas. Em 1755, asociedade foi dissolvida, depois deter tentado em vão convencerLeopold Mozart a fazer parte dela.Dizem que Mizler superestimouseus talentos, o que o fez parecerridículo aos olhos de muitos. Logoele perdeu o interesse por esta socie-dade, também porque dificilmentepoderia manter contato com aPolônia. Ele teve o mérito de fazercom que tocassem música naUniversidade de Leipzig. Enquantociência, a Música já não era estuda-da há um século e meio.

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de de ouvidos, somente de olhos e de-pois de nenhum sentido», escreveGoethe em uma carta a Zelter.

Para escrever uma música comoessa, a alma tem de estar em sintoniacom as regiões mais elevadas e man-ter-se em perfeito equilíbrio. Do con-trário, é inevitável: a qualidade dessamúsica será muito desigual, como nasobras de Haendel, por exemplo. Paramedir os efeitos da utilização cons-ciente de certas leis da harmonia, épreciso que nos perguntemos quaissão os limites da experiência sensorialconsciente. Segundo pesquisa científi-ca, cerca de 2 bilhões de sinais porsegundo são trocados entre os doishemisférios cerebrais. Quais são osefeitos disso? O número de dados

transmitidos conscientemente é extre-mamente frágil, em cada caso. O cére-bro registra muito mais sinais (e sinaismuito diferentes dos sinais sensoriais)do que já foi demonstrado cientifica-mente até agora.

ASSIMILAÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS

DA VIDA

Em pessoas idosas, parece que aslembranças mais remotas têm maisforça do que as mais recentes. Geral-mente elas são capazes de descrever a-contecimentos de sua mocidade comuma exatidão incrível: por exemplo, omodelo do tapete em que brincavam

Muzika, LucienSimon, 1895,GaleriaRogalinskaEdwardaRaczynskiego,Poznan, Polônia.

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em sua primeira infância. Por outrolado, elas se esquecem rapidamentedas impressões recentes e já não con-seguem lembrar-se delas. Uma câmeraregistra de forma extremamente rápi-da detalhes que somente podem servistos quando são aumentados; domesmo modo, alguém pode perceberem um instante muito mais do quetem consciência. Por exemplo, as im-pressões «inconscientes» de seu am-biente, de suas interações com outrosseres vivos. Estas informações deta-lhadas estarão disponíveis, mais tarde,depois da assimilação das experiênciasda vida.

O mesmo fenômeno acontecequando ouvimos música. A harmoniaentre as combinações sonoras é emparte percebida conscientemente, eem parte, assimilada inconsciente-mente. É por isso que a música deBach é imperecível. As relações entreos diversos temas e estruturas sonorassão perfeitos. Até mesmo as peças ani-madas dão a impressão de uma com-pleta serenidade interior.

Não é verdade que a música espiri-tual de Bach (e em primeiro lugar adas Paixões) contribuiu para fixar naconsciência de seus contemporâneosas idéias teológicas e dogmáticas deseu tempo? Não é verdade que eleapresenta uma narrativa alterada davida de Cristo, que faz deste um per-sonagem histórico que passou por umhorrível martírio? Em certo sentido,sim. Mas devemos observar que quemdespertou na consciência humana aesperança de uma vida melhor e supe-rior foi o puro simbolismo crístico – enão a imagem deformada e falsificadaque os teólogos transmitem a respeitodele. Neste sentido, este puro simbo-lismo crístico assume um trabalhopreparatório, pois, quando a humani-dade puder ultrapassar os secos racio-cínios teológicos, ela irá reencontrar opuro cristianismo interior, que a colo-cará no caminho da libertação interior,que é um atributo da humanidade dasalmas imortais.

As passagens da Bíblia sobre asquais Bach trabalhou em suas compo-sições atestam a possibilidade desta li-bertação interior. Elas ligam as pesso-as à vida interior e ao impulso crísticoque toca a humanidade.

O estilo que Bach utiliza para tra-duzir as cenas bíblicas (e até mesmo oestilo dos coros nas Paixões, em queressoa a excitação da multidão) é tãopouco teatral que o ouvinte pode es-cutar estas passagens com uma com-pleta serenidade interior.

1 N.d.t.: diretor musical de uma igreja ou da capela de um príncipe.

2 N.d.t.: diretor musical. Também ensinamúsica, latim, catecismo e executa uma cantata cada domingo.

3 K. van Houten e M. Kasbergen, Bach en het getal, 1985, De Walburg Pers, Zutphen.

4 Cöthener Bach-Hefte, vol 7 e Die Violin-Sonate g moll, BWV 1001 Der verschlüsselteLobsesang, Helga Thoene.

5 Fr. Smend, Bach bei seinem Namen gerufen,Cassel, 1950.

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A mídia, a Grande Farsa

A mídia se apoderou da palavra e daimagem. Os governos vendem seusdireitos por bilhões de dólares paraaqueles que produzem a informação,para aqueles que têm o poder sobre apalavra e a imagem. São eles que deci-dem o que o planeta inteiro tem de ler,ouvir e ver. E geralmente são as mes-mas palavras que se repetem, as mes-mas imagens. O resultado é que elesditam ao mundo inteiro os mesmosdesejos, as mesmas idéias, os mesmosatos; e o mundo inteiro está voltadopara a manutenção da existência mate-rial.

A mídia governa a vida cotidiana.Informa, diverte, ensina, educa, desviae engana. Satélites e internet, e-mails eCD-Roms, celulares e fax, computa-dores e televisões se tornaram objetospraticamente indispensáveis. Um dosprimeiros sinais da civilização moder-na é a televisão; seja na selva ou nodeserto. Na Holanda, se alguém faliu,ninguém tem o direito de lhe tirar atelevisão. Do berço ao túmulo, ohomem atual está mergulhado emdiversões superficiais, em informaçõesdiluídas, deformadas, repetidas até

cansar. Ninguém escapa a isso. Asociedade moderna está baseada emuma tecnologia mundial que mantémcada um de nós sob seu controle.

As palavras e imagens penetram naconsciência, o que é reconhecido éaceito, o que é estranho é jogado fora.A resistência mostra a consciência. Apurificação do cérebro é um processolento.

A alma é enterrada e se apaga, ediante de seus frágeis protestos, nós aempanturramos com palavras conso-ladoras e belas imagens: de vazio, sema mínima luz.

O rádio e a TV estão sempre jogan-do sobre nós um mar de informações.A atmosfera fica cheia de impulsoselétricos, captados por aparelhos quevão traduzindo estes impulsos para anossa consciência. Além disso, mesmosem aparelhos, eles influenciam bas-tante as nossas vidas! Pelo subcons-ciente, eles tocam os humanos, os ani-mais e as plantas. Não seriam tambémum tipo de poluição ambiental?

Os livros e jornais falam de maqui-nações que não suportariam ser reve-ladas. Achamos que o progresso cien-tífico vai esclarecer tudo e melhorar

No princípio era a Palavra(o Verbo)E a Palavra estava com Deus,e a Palavra era Deus.No princípio ela estava com Deus

Tudo foi feito por meio dela (aPalavra, o Verbo)E sem ela nada foi feito.

Na Palavra estava a VidaE a vida era a luz dos homens.

E a luz brilha nas trevas, E as trevas não a receberam.

tudo. Novas teorias sobre a origem douniverso ameaçam destronar a ciênciatradicional. Mas o que o homem pensanão pode continuar nos limites de suaconsciência. Além disso tudo, ele éincapaz de ver, ouvir, tocar, perceber.Se estes limites recuassem ou desapa-recessem, novas idéias poderiam sur-gir; por enquanto, só a mídia semeia,profusamente, os pensamentos e ossentimentos que todos devem ter, emtoda a superfície do globo. É rápido,eficaz, totalitário. Estas influênciasvão formando, com o tempo, podero-sos campos de energia que sustentamo príncipe oculto deste mundo e tam-bém mantêm a consciência humanaem uma ignorância fatal. Fazem comque o ser humano acredite que estávivendo na luz e até mesmo que ele éluz! Nestas condições, quem podeaceitar a idéia de que, na realidade, suaexistência se passa nas trevas, que ele étrevas, mesmo quando, na melhor dashipóteses, ele carrega dentro de si umacentelha da Luz original?

A alma humana está se rebaixando ese vendendo a um preço vil às potesta-des das trevas; e, na sua ignorância, oser humano está até contente com seudestino.

Geralmente, as pessoas são influen-ciadas pelas estrelas da televisão, doesporte e até mesmo da política, entreoutras. Surgem ídolos, homens bemsucedidos, perfeitos. No entanto, suaspalavras não são fluentes, suas atitudessão forçadas nos mínimos detalhes,seu caráter, seu talento, e as circuns-tâncias de sua vida cotidiana são intei-ramente inventadas por assessoresdesconhecidos. Sua vida é completa-mente artificial: muitos se afogam to-talmente na ilusão e ficam completa-mente obcecados por sua aparência.Nada deles é autêntico, e na sua inti-midade eles são uma terrível caricatu-ra da imagem exemplar que a lei domarketing ou o seu partido político osobrigam a representar. Com músicas,palavras, atitudes e uma linguagempopular, eles conquistam os coraçõesde seus fãs e lhes oferecem uma cente-lha de luz para a triste vida do dia-a-dia deles. Mas esta falsa luz é dirigidaao eu e não à alma aprisionada. Se suasvidas ou suas palavras são falsas ounão, isto não muda nada: sim, eles po-dem mentir para o público, e geral-mente suas mentiras são mais aprecia-das quando eles as representam commais habilidade! No entanto, percebe-mos a realidade desses ídolos princi-palmente quando eles já deixaram opalco e quando uma nova estrela estábrilhando no céu da impostura.

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Houve um homem enviado por Deus.Seu nome era João.Este veio como testemunha,Para dar testemunho da luzA fim de que todos cressem por meio dele.Ele não era a luz,Mas veio para dar testemunho da Luz.

Esta luz era a luz verdadeiraQue, vinda ao mundo,ilumina todo homem.Ela estava no mundoE o mundo foi feito por meio delaE o mundo não a conheceu.

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O homem verdadeiro está vivo. Eleé luz. O homem verdadeiro é livre.Ele é uno com Deus e vive em unida-de com a humanidade das almas des-pertas. Ele ouve e compreende aPalavra, o Verbo que ressoa desde ocomeço da Criação.

Quem é como ele? Quem ouve aPalavra de Deus? Quem compreendeo seu significado? Muitos buscam aPalavra, impulsionados por uma forçainterior, e desejam ouvi-la novamente.Mas quando eles não a encontram,logo vem uma imitação e a farsa tomao lugar dela!

Quem passa por tudo isto e rejeitaas imitações mostra um profundoamor pela Palavra de Deus. Ele nuncadeixa de anelar, de aspirar, de buscar;ele cava dentro de si até encontrar afonte da verdadeira Vida: a fonte daVida que está em todos, em cada um,desconhecida, quase seca, morta.

O homem biológico vive no lugardo verdadeiro homem, em um mundoque se formou de acordo com as ne-cessidades terrestres. Sua linguagem jánão é a mesma de outrora, «a Palavrado início».

Ele já não pode ouvir, e muito me-nos compreender. Ao longo de suaperegrinação pela matéria, ele criouuma linguagem para ajuda-lo a aceitarseu destino. E cada palavra faz comque ele se distancie mais e mais daPALAVRA.

Em meio aos campos de tensão queenvolvem a terra e são formados pelaspaixões, pelo medo e pelos desejosque aprisionam a humanidade, a Pala-vra original não pára de ressoar. Invi-olável. Eterna. Imutável.

Atualmente, os tempos são propí-cios e permitem ouvir a Palavra. EstaPalavra que não vem nem do sangue,nem da vontade da carne, nem da von-tade do homem – esta Palavra quenasce de Deus.

Ela pode ser ouvida, reconhecida ecompreendida por todos os que têmconsciência de terem feito mau uso daPalavra; por todos os que têm consciên-cia de que a Palavra religa ao Pai,enquanto as palavras terrestres levamao vazio; que têm consciência das for-ças novas que a Palavra oferece enquan-to as palavras terrestres nos deixam semforça; consciência de que a PALAVRA é aVONTADE DE DEUS.

Todos os que assim estão conscien-tes de que estão separados da PALA-VRA original e que aceitam recebê-la,um dia poderão expressá-la.

A luz veio para o que era seuE os seus não a receberam.

Mas a todos quantos a receberamA todos os que crêem em seu nome,Deu o poder de se tornarem filhos de Deus:Os quais não foram gerados Nem do sangueNem da vontade da carne, Nem da vontade do homem, Mas de Deus

Ele, que não foi gerado nem do sangue,nem da vontade da carne,nem da vontade do homem, mas de Deus.

(João 1:1-1:13)

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Muitos jovens pesquisadores daverdade deixam a Bíblia de lado.Eles se tornaram passivos sob osgolpes de sentenças bíblicas desferi-dos por velhas gerações cristãs fir-memente convencidas. Para eles, averdade não está nos dogmas, masem uma visão ampla da criação.Apesar disso, não estão livres deerrar.

onceitos como o de Doutrina Uni-versal, Palavra Sagrada e Bíblia sãofreqüentemente confundidos. Estestermos se aplicam aos ensinamentossobre a origem, a evolução e a finali-dade do homem. No entanto, a Bíblianão passa de uma parte da Palavra Sa-grada (sagradas escrituras e tradiçõesespirituais do mundo inteiro), e esta éapenas um dos aspectos da DoutrinaUniversal. Em outras palavras: aDoutrina Universal contém a históriada evolução humana como um todo etambém a história do futuro da huma-nidade. Não é um livro escrito por umgrande sábio: é o plano de desenvolvi-mento do mundo e da humanidadeinscrito no éter. O buscador que setornou digno pode seguir uma com-pleta «inspiração e expiração» do Cri-ador, processo que cobre milhões deanos. Mas ele também pode ver aí odesenvolvimento de uma alma, emparticular, até os nossos dias.

A Palavra Sagrada inclui elementosda Doutrina Universal que são acessí-veis a diferentes raças, povos e cultu-ras. Muitos desses elementos foramtransmitidos oralmente; outros foramcolocados por escrito, ao gosto daépoca. A Bíblia, a Sagrada Escritura, éuma compilação de acontecimentos

do passado: o Antigo Testamento; oNovo Testamento é o testemunho docaminho que a alma deve e pode cum-prir. Descobertas, escavações e pes-quisas mostraram, nestes últimos tem-pos, que as bíblias poderiam ser muitodiscordantes. Em algumas, os livrosforam reunidos ou suprimidos por ra-zões políticas. Outras contêm as notasmarginais dos tradutores que mudamcompletamente o sentido. Em uma e-dição antiga, todas as obscuridades datradução oficial do Evangelho deMarcos, ilustrada por gravuras sobremadeira, são deixadas em branco ouimpressas em itálico. Em uma ediçãoposterior, os espaços brancos simples-mente desapareceram, as palavras emitálico integradas ao texto, enquantoas hesitações e indagações dos tradu-tores foram simplesmente suprimidas.

A PALAVRA SANTIFICADORA

ADAPTADA À CONSCIÊNCIA DOS

BUSCADORES

Como a Palavra deve se adaptar àconsciência humana limitada, ela utili-za formas, imagens e expressões cor-respondentes, senão sua mensagemnão teria nenhum sentido. Portanto,ela perde o alto nível da Doutrina U-niversal. Freqüentemente, certas par-tes são deformadas ou desviadas a fimde servir diversos objetivos. No paísem que a religião desempenha um pa-pel importante, a política sempre é umpouco influenciada por ela. Mas, ape-sar das corrupções e correções àsquais ela foi submetida pela ignorân-cia humana, ela ainda conserva até ho-je este elemento santificador pelo qualela foi concebida. E o buscador sério areconhece sempre, porque ela é uni-

A Doutrina Universal ou a Bíblia?

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versal. Este princípio é sempre o mes-mo em todas as parte do mundo: aPalavra sempre mostra a origem divi-na do homem. Na maior parte dos ca-sos ela também indica o caminho dire-to de volta para o campo de vida divi-no. Portanto, ela sempre trata domundo de Deus e religa a humanidadeà sua fonte divina. Simbolicamente,ela estabelece que existe uma Sabedo-ria original, um Amor original e uma

Atividade original. A Fonte originalde toda vida jamais pode ser profana-da ou desaparecer, por mais que o eufortemente desenvolvido do homematual tente usurpar o papel do Cria-dor. Os enviados do campo de vida o-riginal se servem não somente de pa-lavras, imagens e símbolos para fa-lar sobre ele, mas também de uma for-ça, de uma força salvadora, santifican-te. E é com esta força que eles tentam

Uma sólida baliza à qualpodemos nosligar firmementeem meio à violência.

tocar o coração humano endurecidopara nele despertar o princípio divinode seu sono mortal. Assim, a Sabedo-ria universal é oferecida à humanidadeinteira.

A VERDADE SOB NOVAS FORMAS, SEMPRE

Sua mensagem está presente namaior parte dos livros santos dos po-vos do mundo inteiro. Freqüentemen-te, no entanto, as imagens utilizadassão complicadas demais para a menta-lidade ocidental, por exemplo, e esseslivros são, portanto, inúteis ou falsa-mente interpretados. Mas podemosdizer também que eles foram escritospara civilizações que desapareceramhá muito tempo. Nesse caso, seu con-teúdo continua sendo muito interes-sante, mas já não está voltado para ohomem de hoje. É por essa razão quea Doutrina universal sempre aparecesob uma nova forma, adaptada aos ho-mens a quem ela se dirige. Ela lhes falaa respeito do mundo tal como eles oconsideram, ela mostra-lhes a realida-de e o modo de ultrapassar os limitesque eles mesmos estabeleceram.

Com relação ao mundo divino a vi-da terrestre é muito inferior. Ela per-tence a uma região que está submetidaaos aspectos contrários da vida e damorte, da luz e das trevas, do frio e doquente, do seco e do úmido. Geral-mente ele é qualificado como sendo«o mundo da queda», concepção me-dieval que gostaríamos de fazer desa-parecer, pois é de uma maneira total-mente livre que o homem entrou nes-se caminho que o levou até a situaçãopresente. Ele é senhor de seu própriodomínio. Infelizmente, a existêncianesse domínio não está de acordo coma Vida original, onde todas as criaturastomam parte dessa vida original e coe-xistem em harmonia. No mundo ter-restre reina a lei do mais forte, os ho-mens estão em luta uns com os outros

e o resultado é pobreza, doença emorte. Nesse sentido, podemos dizerque o homem realmente «caiu» domundo original, mas foi ele mesmoquem deu o mergulho – não indivi-dualmente, sem dúvida – mas enquan-to um conjunto maior. Como o eu dohomem quer se manter à força, o abis-mo que separa sua existência do mun-do original vai-se ampliando cada diamais.

A INTUIÇÃO TRADUZIDA EM

PALAVRAS CONSOLADORAS

O assunto da queda do homem po-de trazer duas reações. Ou o leitorabandona o livro em questão porquenão quer mais ouvir falar a respeitodesse assunto, ou ele sente com issouma grande inquietude, pois aquiloque ele suspeitava há tanto tempo pas-sou a ficar claro para ele: a existênciade uma outra vida, de uma vida supe-rior, que ele pode até mesmo atingir, apartir de certas condições!

Apesar de estar sem rumo, perdido,«decaído», o ser humano ainda tem al-go de importante a fazer: no mundoda vida e da morte, em que ele deve semanter cotidianamente, ele tem a pos-sibilidade de encontrar uma porta quese abre para a liberdade. Dentro deleexiste um princípio, uma semente domundo divino, que pode religá-lo ànatureza original. Entretanto, sua per-sonalidade terrestre, o conjunto doscorpos que sua vida cotidiana foiconstituindo para ele pouco a pouco,opõe-se a isto. Esta personalidade édirigida pelo eu: sua consciência. Ora,o eu e o princípio divino devem se a-proximar um do outro. O princípiodivino se oferece totalmente ao eu epede que o eu se ofereça totalmente aele, pois é este processo de oferendamútua que faz ressuscitar o NovoHomem.

A Sabedoria Universal qualificaeste princípio divino de «jóia no ló-

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tus» ou de «rosa-do-coração», ou ain-da de «centelha do Espírito»., desig-nação da semente de onde deve nascero verdadeiro Homem, que espera de-senvolver-se no coração de todos osseres humanos. A Sabedoria faz alusãomais precisa quando fala do «tálamo»,da «sala de núpcias», do «esterno» ou«irradiante», do «plexo sacro ou sa-grado» como órgãos que desempe-nham um papel nesse processo de vol-ta, de restabelecimento, de cura. Tam-bém se trata de um caminho fora dotempo e do espaço. Essas descriçõesdo processo às vezes são sucintas, àsvezes exaustivas, de acordo com aconjuntura e com as possibilidades. Ocaminho indicado leva, por exemplo,ao «Reino de Deus», ao «Nirvana»,ou ao «Tao», todos símbolos da reali-dade divina.

OS SÍMBOLOS DA REALIDADE DIVINA

Estes símbolos são associados aosmensageiros iluminados que intervie-

ram em certos períodos: Lao-Tsé, Bu-da, Jesus, Mani, Pitágoras, e muitosoutros. Eles mostram que estes men-sageiros indicavam o caminho de vol-ta, no qual eles iam à frente de seusalunos. É por isso, por exemplo, queBuda era chamado de «bendito» ou«iluminado»; Jesus, de «o salvador»; eLao-Tsé, de «o ancião». Assim, elesilustram o desenvolvimento do princí-pio divino no homem.

As condições locais determinavamo modo de falar a respeito deste cami-nho para que os homens o reconhe-cessem e o seguissem. Todas as fases,todos os problemas e suas soluções aíestavam detalhados. Vemos isso noSermão da Montanha (Mateus, 5), nosVersos áureos de Pitágoras, no Tao TeKing de Lao-Tsé, e nas obras de JacobBoehme, Spinoza, Paracelso. E há tes-temunhos daqueles que seguiram ocaminho que leva a Deus: não somen-te os Salmos da Bíblia testemunhamtanto de modo concreto como simbo-licamente das experiências profundaspelas quais passamos nesse caminho,mas também a literatura mundial dá

O alquimista Heinrich Kunrath,em 1609, repre-senta, gravado em uma rocha,o texto da TabulaSmaragdina noAmphitheatrumsapientiae aeter-nae, como uma mensagem para aposteridade.

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exemplos disso, como O Anjo da ja-nela do ocidente de Gustave Meyrink,a Vida de Simplicius Simplicissimus(1669), de Grimmelhausen, Fausto deGoethe (1808-1832), A Divina Comé-dia, de Dante (1304-1321), A viagemdo peregrino (por volta de 1650) deBunyan , e As Núpcias Alquímicas deChristian Rosenkreuz (1616).

Assim, a Sabedoria Universal sem-pre se adapta à consciência e às condi-ções de vida de uma certa cultura. Elanão fala ao eu, mas à alma que está pri-sioneira e desfalece. Nos Mistériosgregos, as forças que agiam e seus sím-bolos eram representados de formadiferente em relação ao que ocorrianos Mistérios persas e, entre os judeus,de forma diferente do que na Índia.

ADAPTAÇÃO AO TEMPO E À

CONSCIÊNCIA

Não importa em quais circunstân-cias, a mensagem divina, a «Boa No-va», se expressa em todas as línguas,sempre pronta a guiar no caminho dabusca e sempre atraindo a atenção pa-ra a necessidade de nos elevarmos aum plano superior. Todas as reaçõespossíveis a esta mensagem são mostra-das geralmente de modo simbólico,mas também muitas vezes abertamen-te. O verdadeiro ensinamento da psi-cologia da alma humana e da almadivina continua sendo transmiti-do pela palavra e pela imagem e o serásempre!

A filosofia daRosacruz áureaeditada pelaRosekruis Pers,em Haarlem,Holanda.

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Todos os que o desejam podem en-contrar na Doutrina Universal o pon-to de partida do caminho de retorno etodas as informações que dizem res-peito a ele. É evidente que as versõesmais recentes de um ensinamento co-mo este são mais adaptadas e oferecemas maiores possibilidades para avançarna direção certa. Todos os que estãobuscando interiormente uma saída esão receptivos aos impulsos da Ver-dade também podem encontrar ocampo de desenvolvimento corres-pondente. O campo de força em quese expressa a Sabedoria Universal éajustado ao espírito da época e à cons-ciência de cada um.

«JESUS FEZ DE TUDO UM SÍMBOLO»

A Sabedoria Universal se dirige es-sencialmente à alma prisioneira, masna linguagem particular de cada um,com símbolos e conceitos compreen-síveis para cada um. Em certas situa-ções os mesmos símbolos são utiliza-dos. Assim, em quase todas as culturasfala-se em água viva para representara energia divina incorruptível; ou emfogo do Espírito para designar a forçacriadora divina que consome tudo oque se opõe ao plano de Deus. Umoutro conceito universal é o de Luz,imagem da Fonte primordial da vidadivina, assim como o de trevas: o cam-po de existência das criaturas que sedesviaram da Luz. E depois há a árvo-re, símbolo de crescimento e a serpen-te, símbolo utilizado no mundo intei-ro para representar a consciência. Osdiferentes corpos do homem geral-mente são chamados de vestes, e ocorpo da alma imortal de veste denúpcias.

Em um texto gnóstico, é dito: «Je-sus fez de tudo um símbolo». A criaçãointeira carrega a assinatura do «pensa-mento divino» e da mensagem deDeus para os olhos dos buscadores.Os símbolos são também expressõesde linhas de força do Plano divino, enão têm nada a ver com as imagens en-ganosas que os homens atuais empre-gam para representar suas empresas.As características e figuras utilizadaspelos verdadeiros alquimistas refletemsimbolicamente a senda da libertaçãointerior. Mas, ao lado disso, são esco-lhidos alguns símbolos para represen-tar apenas os objetivos terrestres. Umexemplo disso é a estrela de cinco bra-ços, originalmente símbolo da almavivente. Hoje, a estrela está presentenos brasões de inúmeros países; ela é osímbolo dos Estados Unidos da Amé-rica; há a estrela do Exército Verme-lho, e ao mesmo tempo as empresasdisputam o direito de utilizá-la comologotipo.

«VOCÊ É O QUE VOCÊ DIZ.»

A Palavra Sagrada, pura e inviolá-vel, é o instrumento da fraternidade davida, que quer arrancar os homens desua miséria para reconduzi-los à suaorigem. As palavras da linguagem ter-restre provêm de expressões e imagensdesta linguagem espiritual; elas nosajudam a perceber os limites do mun-do. Quando os humanos não com-

Na tradição judaica, sabe-se queos cinco livros de Moisés seriamcompletamente desvalorizados sese trocasse um só traço de letra.

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preendem a Doutrina Universal, fa-zem dela uma caricatura e se servemdessa caricatura para reforçar sua po-sição na matéria. Sua evolução terres-tre manifesta-se, portanto, em sua lin-guagem. Um provérbio afirma: «Vocêé o que você diz».

A linguagem terrestre compreendeum vasto conjunto de palavras e con-ceitos, que vão dos mais concretos aosmais abstratos, paralelamente aos sen-timentos e aos pensamentos daquelesque a utilizam. Assim, a linguagemvai-se transformando ao mesmo tem-po que a consciência de uma popula-ção. Em outras palavras: o campoenergético a partir do qual uma popu-lação vive e trabalha vai mudando e alinguagem vai acompanhando estamudança. Palavras que antigamentetinham apenas uma interpretação po-dem ter dezenas de outros sentidoshoje, e até mesmo sentidos completa-mente inversos.

«Pegamos» (apreendemos) com asmãos, «pegamos» (compreendemos)com o coração, mas alguns querem«pegar» tudo para eles (apropriar-se).«Retificar» quer dizer «tornar retoalgo que é curvo»; esta palavra se en-contra no conceito de «retidão» de«comportamento correto». Muitaspalavras, por mais concretas que se-jam, tomaram um sentido abstrato eseu significado concreto foi esqueci-do. Pela palavra, emitimos pensamen-tos, forças, energias; a palavra podequeimar outra pessoa ou elevá-la aci-ma da miséria.

A Palavra santificadora sustenta oanelo, o desejo de libertação. Ela cha-ma e adverte, por um lado; mas tam-bém dá a força para vencermos osobstáculos. A palavra divina toca a ca-beça e o coração da pessoa receptiva elhe comunica compreensão e dinamis-

mo. Ela ativa uma nova força, umaforça superior a todas as energias ter-restres. Jan van Rijckenborgh, em seulivro Arquignosis Egípcia e seu chama-do no eterno presente 1 mostra como épossível, para o buscador, reagir a estetoque. Ele pode, por exemplo, tentarcaptar esta linguagem superior comseu intelecto comum. Ele define, en-tão, o que ouve ou lê, e organiza tudoisso a partir de suas próprias experiên-cias. E, como cada pesquisador temexperiências diferentes, o significadodo que foi lido ou ouvido pode pro-vocar discussões veementes, pois cadapessoa pensa que está com a verdade efará tudo para obrigar os outros apensar e a compreender como ela. Janvan Rijckenborgh qualifica isto de cri-me contra o próximo, de crime comrelação à Doutrina Universal. Pois,sustentar que sua maneira de compre-ender é a melhor aniquila a força daPalavra libertadora. A compreensãoegocêntrica nega o que ela não captaou compreende. Por exemplo, ela seopõe a uma nova visão da alma im-pondo sua própria visão ultrapassada.Mas se o eu finalmente se cala, um diao chamado libertador começa a res-soar em seu coração. E, a partir do co-ração, pode começar sua obra triunfal.

SE O EU FINALMENTE SE CALAR...

Uma reação como esta, positiva,pode levar o buscador da Verdade a selibertar de toda autoridade exterior, acompreender a própria essência daDoutrina Universal e, na medida dopossível, a transmitir algo dela para osoutros. No livro Fama Fraternitatis(O Chamado da Fraternidade da Ro-sa-Cruz)2, Jan van Rijckenborgh des-

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creve as cinco fases deste processo derenovação. Ele identifica cada fase auma aptidão ou linguagem diferente,visando compreender e seguir a Pala-vra Sagrada.

A primeira fase consiste em com-preender e captar a primeira lingua-gem com a rosa-do-coração e uma in-teligência purificada. A segunda faseenraíza a Palavra no coração, e depoisela se impregna na consciência e atransforma. Na terceira fase, trata-sede aprender a pensar de acordo comos conceitos e imagens da Palavra. Naquarta fase, a personalidade deve har-monizar-se com as leis do mundo di-vino e o comportamento deve tornar-se uma expressão, uma manifestaçãoda Palavra. E, quando o Templo bran-co tiver sido assim edificado, em quin-to lugar, a Palavra pode ser transmiti-da a outrem.

Até hoje, muitos cristãos se deixa-ram levar por disputas, pela cupidez epelas efusões de sangue, pela incom-preensão. Mas, se a humanidade reco-nhecer as cinco fases da renovação in-terior e começar a palmilhar esta sen-da, nascerá um cristianismo gnóstico;ou seja, um cristianismo completa-mente novo, interior e libertador. En-tão, será uma linguagem e uma forçaque arrancarão a humanidade de suaincompreensão e de suas lutas.

1 Jan van Ricjkenborgh, Arquignosis Egípcia, tomo 4, Lectorium Rosicrucianum,São Paulo, Brasil, 1991.

2 Jan van Rijckenborgh, Fama Fraternitatis,Rozekruis Pers, Haarlem, Holanda, 1967.

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«No princípio era a Palavra (o Ver-bo) e a Palavra estava com Deus, ea Palavra era Deus. Tudo foi feitopor meio dela e sem ela nada foifeito».

Palavra (o Verbo) e o Criador sãoum só. A Palavra é a força que emanado Criador e que põe em movimentoa substância original. Surgem estrutu-ras. A imagem, o pensamento divino,se inscreve na substância original etoma forma. Se fizermos vibrar comum arco uma fina placa recoberta comlimalha de ferro, a massa desordenadase organiza e surgem figuras. Então osom se expressa em uma estruturaformal.

A vibração é, portanto, criadora deestrutura. Assim, cada estrutura tra-duz um som e por isso recebe um no-me, quer seja um átomo, uma galáxia,uma pedra, um animal, ou um homem.O universo inteiro é composto porsons que emanam da Fonte Original.Cada pensamento pessoal, cada senti-mento e cada ação também produz umsom e tem seu próprio «nome».

E o homem de hoje? Mesmo quealguns pais se esforcem por encontrarum nome original para seu filho, esteé o nome que lhe convém. Algumasmães até dizem que antes de seu nas-cimento seu filho já havia comunica-do seu nome, como expressão daconsciência desta nova vida. Mas seráeste o nome que lhe foi dado porDeus? Alguns são mais belos e subli-mes do que outros e a maioria expres-sa ideais e qualidades magníficas, masque geralmente não chegam a lugarnenhum!

Quando o Criador pronunciou aPalavra criadora «Fiat», ele depositoua semente da criação inteira e assimnasceu a corrente de vida humana.Centelhas do fogo do Espírito centraljorraram como germes de vidas huma-nas: os microcosmos. Cada centelhaera uma semente que continha o planoda futura geração. Deus «criou o ho-mem à sua imagem». Ele depositousua semente dentro dele e lhe confioua missão de dar nascimento a seu serdivino. «Sede perfeitos como vossoPai celeste é perfeito.»( Mateus, 5:48).Cada germe tem a possibilidade de semanifestar de acordo com o plano re-

«Que se faça a Luz! E a Luz se fez.»

Podemos fazer a experiênciaseguinte: esticar sobre uma cordade violino um pedaÿo de papelque cobrimos com areia. Se tocarmos um som nesta corda,a areia toma então uma formamuito precisa. Aparece nela como uma borda ondulada.Portanto, a vibraÿão da músicaage diretamente sobre a matéria.Podemos demonstrá-lo de outramaneira pela eletrônica, por meioda qual é possível transformardiretamente um som em umaimagem. Se pronunciarmos umavogal, aparece então na tela umaespécie de figura em forma deflor. Inversamente, é possíveltransformar uma forma em umsom, e não é de forma algumaexagerado dizer que todo omundo visível é somente umaespécie de música materializada.

(J.D. Toussaint, Ankh-Hermès, 1972)

A

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cebido e as centelhas possuem um po-der imenso, que permite ao ser huma-no tornar-se perfeito. À imagem deseu Pai celeste.

LINGUAGENS DE SOCORRO

No princípio de um novo dia decriação, a Vontade divina se manifestapor novas formas. A Unidade divinase manifesta voltando-se para o exte-rior: uni-vers. E as entidades que vi-vem nessa Unidade tomam parte destanova manifestação. Mas quando oshumanos deram as costas à Unidadedivina, eles entraram em plena confu-são, e, como eles já não podiam falar alinguagem do Amor divino, comuni-caram-se por meio de uma linguagemde socorro, conforme à missão especí-fica a cada raça ou povo e às condiçõesde vida que lhe permitissem cumpriresta missão.

Hoje as línguas se repartem em de-zenas de grupos lingüísticos, mas aspesquisas demonstram que suas raízessão próximas e que, em um passadomuito remoto, uma só língua originaldeve realmente ter existido. Esta lin-guagem universal se diferenciou por

A misteriosa mensagem do espectro solar,gravada e coloridapor JosephFraunhofer, noDeutsche Muse-um, Munique,Alemanha.

A linguagem utilizada por umgrupo humano é a expressão do campo astral, ou campo magnético, do qual ele faz parte.A linguagem do recém-nascido é quase idêntica no mundo inteiro. Quando ele cresce, aatmosfera na qual ele evolui vai-se gravando dentro delepouco a pouco; ele vai tomando a forma do campo astral do povoe do país de seu nascimento, e elese põe a falar na linguagem que é a manifestação desse povo.A Doutrina Universal tem como assunto a Manifestação original, que é um ensinamentotransmitido em parte oralmente,em parte por escrito. As divisõesraciais, étnicas e nacionais jamaisconseguiram prejudicar esteEnsinamento, cuja linguagemuniversal pode ser compreendidapor todos os que buscam a fonte da Verdade movidos pelo impulso de um desejo fundamental. No decorrer destabusca, a diferença entre as linguagens vai-se apagando e a essência da verdadeira Vida semanifesta.

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causa da dispersão da humanidade nomundo inteiro e pela divisão em raçase povos.

AFASTAMENTO DA FONTE

O capítulo 11 da Gênese começaassim: «Toda a terra se servia de umamesma língua e das mesmas palavras.Como os homens partiram do oriente,encontraram um vale na terra deSchinear e aí se estabeleceram. (...)Disseram: ‘Vinde! Construamos umacidade e uma torre cujo ápice penetrenos céus! Façamo-nos um nome e nãosejamos dispersos sobre toda a terra!.Ora, o Senhor desceu para ver a cida-de e a torre que os homens tinhamconstruído. E o Senhor disse: ‘Eis quetodos constituem um só povo e falamuma só língua. Isto é o começo de suasiniciativas. Agora nada os impedirá defazer tudo o que eles intentarem fa-zer.»

«O orgulho é a causa da queda»:esta é a reflexão mais comum a respei-to da história da Torre de Babel e daconfusão das línguas. Mas será que elanão poderia ter um outro sentido? OOriente é, geralmente, o símbolo doSol do Espírito que se levanta, da Pá-

tria espiritual onde os homens falam amesma língua. A palavra schinearquer dizer: luz sem amor, trevas, bri-lho falso. É aí que os homens escolhe-ram viver de acordo com a Bíblia.Neste caso, trata-se realmente de umaqueda, de um afastamento da Fonteoriginal. O homem reveste sua formaterrestre e se torna consciente de suaidentidade.

A partir de um certo tempo, a exis-tência desse homem errante foi sendocada vez mais limitada em razão deseu comportamento. Seu instinto deconservação, sua presunção e seu de-sejo de elevação não cessaram de cres-cer. E, tanto antigamente como hojeem dia, o resultado é sempre umaconstrução que não está de acordocom o plano de Deus.

NEM TODOS OS DESEJOS VÊM

DO EGO

Mas é preciso se dar conta de que apresunção oculta também um profun-do desejo da alma de ter uma vida su-perior; este desejo é corrompido atéficar irreconhecível: «Construamosuma cidade e uma torre cujo ápicepenetre nos céus! Façamo-nos um no-me e não sejamos dispersos sobre todaa terra!» Realmente, os seres humanosforam mesmo chamados a erigir umaconstrução que «toca o céu». Mas istoé impossível de ser feito com o eu ecom a matéria do mundo perecível.Uma construção como essa exige ma-teriais provenientes da origem divina,e a possibilidade de realizá-la procededo anelo profundo de retornar e deunir-se à Fonte Original de todas ascoisas.

Ora, este desejo de unidade nãovem do eu. A aspiração à união como Criador emana da centelha do Es-pírito, o próprio princípio da Vidaimaterial e chave do processo rege-nerador que a humanidade foi cha-mada a seguir. O homem «à imagem

Os axiomas dosfundadores daEscola espiritualda Rosacruzáurea, pedra co-memorativa co-locada no dia 24de agosto de1999 na parededos fundos doTemplo de Haar-lem, Holanda.

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de Deus» carrega o «nome» querecebeu de Deus. E, como o Criadorengloba e carrega a criação inteira,esta não é uma imagem abstrata, masa pura realidade. Uma construção«que toca o céu»: a alma que dá vidaà imagem do Criador, que está ocul-ta dentro dela!

A integração desta imagem à vidacotidiana nos protege de um enraiza-mento mais profundo na matéria emantém aberto o caminho de retornoà Fonte Original. Assim a humanida-de já não ficará dispersa pelo mundointeiro, mas retornará à unidade.

Entretanto, impulsionada por seusdesejos terrestres, ela cava cada vezmais profundamente a matéria, e aí seenterra. O homem espiritual está a-correntado ao homem animal. Assim,ele tem de seguir os desejos do animal,seu instinto de conservação, seu inte-lecto limitado. E ele se perde.

O DESPERTAR, A SUBSTÂNCIA E A

PROTEÇÃO DA CENTELHA DO

ESPÍRITO

Acreditar que pode se igualar aDeus é uma ilusão humana que danifi-cou de modo grotesco a força criado-ra original. Assim, um limite acabasendo ultrapassado e uma volta paratrás já não é possível, pois a alma estámuito danificada. Uma «contra-natu-reza» se desenvolve quando algo nãocorresponde ao plano do Criador: elase auto-destrói. Esta destruição é o«Chega!» que o Criador grita para ohomem para lhe dar uma chance devoltar. A alma se liberta, então, de suaprisão temporária e se prepara paratentar mais uma vez ultrapassar os li-mites da matéria, mas desta vez domodo correto.

No caminho do mergulho na maté-

Os seis axiomasda Fama Frater-nitatis R.C., Cassel,1614,Alemanha.

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ria, a alma esquece cada vez mais a lin-guagem que a vivificava interiormen-te. É por isso que sempre surgem es-colas de Mistérios ou escolas espiri-tuais, que explicam para os seres hu-manos a sua inquietude interior e lhesmostram o caminho da elevação, noqual elas vão à frente! Escolas comoestas têm a tarefa de despertar, de pro-teger, de alimentar, de desenvolver ede reconduzir à sua pátria a centelhado Espírito que sempre está presente.

E é por meio da linguagem que a al-ma torturada tem a possibilidade deser tocada. A palavra animada pelo es-pírito divino é uma vibração que podeencontrar uma certa ressonância noouvinte. Lemos isto no prólogo do E-vangelho da Verdade: «O Evangelhoda Verdade é uma alegria para aquelesque receberam do Pai verdadeiro agraça de conhecê-Lo por meio dopoder do Logos (a Palavra)»

RESGUARDO E APLICAÇÃO DA

FORÇA RECEBIDA

Os textos sagrados de todos os po-vos testemunham esta possibilidadede tocar a alma e de despertá-la pelapalavra se esta for inspirada pela Pa-lavra divina.

Então, ela não pronunciará simples-mente clichês e conceitos insignifican-tes, mas será carregada de uma forçasantificante, força capaz de despertarum elemento tão profundamente o-culto no ser humano que escapa aoseu poder sensorial. Esta força tem acapacidade de religar o átomo–cente-lha do Espírito à Fonte da qual eleprocede.

Portanto, a linguagem pode trans-mitir forças terrenas, mas também for-ças do domínio original divino. Nesteúltimo caso, ela age de tal modo sobrea alma, que esta recebe uma sensaçãoprévia de sua libertação e começa aanelar por ela. Esta reação permiteuma troca que pode reforçar o chama-do que emana da Fonte, assim como aresposta a este chamado. Este proces-so é descrito em todas as escrituras sa-gradas. São principalmente os místi-cos e os gnósticos que dão testemu-nho dele. Mas não é suficiente ficar-mos detidos neste fato: é preciso que aforça seja empregada visando atingir ameta, que é a regeneração fundamen-tal do ser humano decaído, por meioda libertação de sua alma.

Quando a alma não faz mais do queveicular as energias da natureza mor-tal por meio da palavra insignificante ede textos comuns, ela emprega forçasque ela certamente evitaria se tivesse

O mais antigoescrito, segundoOera Linda Boek;“Wr.alda” únicoDeus eterno. Quefez o princípio.Que fez vir otempo.O tempoque fez a terramaterial. A terraque faz crescer as plantas.

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conhecimento delas. Pois o campomagnético da natureza mortal estácarregado de energias incapazes deelevar a humanidade acima de si mes-ma. A literatura mundial descreve lar-gamente esse fenômeno e seus efeitos.Em seu livro Aprendiz de Feiticeiro,Goethe mostra os perigos que asexperiências com magia verbal com-portam. Em sua ignorância e em suafalta de rumo, o discípulo de um magoevoca espíritos sobre os quais ele per-de o controle. Somente o mestre tem opoder de socorrê-lo pronunciandouma palavra mágica completamentediferente.

UM TÚNEL RUMO À LUZ

Se acreditamos que as palavras má-gicas são privilégios dos feiticeiros, es-tamos enganados. Cada palavra, escri-ta ou pronunciada, é mágica. Explica-ções, preces, súplicas, persuasões, crí-ticas, todas são formas de magia ver-bal. Quando alguém ora por qualquermotivo e assim mobiliza seu pensa-mento, vontade e sentimento, está di-rigindo todo o seu potencial mágicopara um poder superior para obterseus favores. Segundo a lei que diz que«a toda ação corresponde uma rea-ção», a resposta vem em seguida. Istosignifica que, por pura ignorância, de-sencadeia-se um fluxo de reações, tal-vez não desejadas. E o aprendiz de fei-ticeiro continua ligado aos espíritosque invocou deste modo, que o levamao desespero ou até mesmo à auto-destruição. No entanto, uma precesem nenhum traço de egocentrismonos permite abrir passagem ramo àLuz que emana da Fonte Original.Então, a resposta já não reforçará oeu, mas irá acelerar o desenvolvimen-to dos poderes da alma imortal.

Papiro sobre o qual se encon-tram os versícu-los 4:14 da Epístola aosFilipenses e 1:12da Epístola aosColossenses.

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TRECHO DO LIVRO DEMIRDAD, PÁGINA 94:

Quando sois capazes de equipar vosso sangue com um únicodesejo-mestre que silencia e ultrapassa todos os desejos, e entregais a um pensamento-mestrea disciplina; e encarregais uma vontade-mestra do treinamento edo comando, então por certo vereisrealizado esse desejo. Como um santo atinge a santidade,senão eliminando de sua correntesanguínea todo o desejo e todo opensamento incompatíveis com asantidade e depois dirigindo-os,com vontade determinadora, a nada mais buscar senão a santidade? Em verdade vos digo que todos os desejos santos e todos os pensamentos santos, de Adão atéhoje, correrão a ajudar o homemassim inclinado a atingir a santidade, pois sempre foi assim que em toda parte as águas procuram o mar, e os raios de luzprocuram o sol.Como é que o assassino executaseus planos, senão chicoteando seusangue, até que este adquira umasede insana de assassínio e reunindo as células deste sangue,em fileiras cerradas, sob o látego deum pensamento-mestre assassino ecomandado com uma vontadeincansável de desferir o golpe mortal?Em verdade vos digo que todoassassino, desde Caim até hoje, correrá, sem que seja chamado,para dar força e firmeza ao braçodo homem que está embriagadocom o assassínio, pois sempre

foi assim que os corvos se associamaos corvos, e as hienas se juntam àshienas.Orar, pois, é infundir no sangue um desejo-mestre, uma vontade--mestra. É, pois, afinar o eu paraque fique em perfeita harmoniacomo o objetivo da prece.A atmosfera deste planeta, refletida, com todos os seus pormenores, dentro de vosso coração, está fervendo com asmemórias de todas as coisas quetestemunhou desde seu nascimento.Nenhuma palavra ou ação;nenhum desejo ou suspiro; nenhumpensamento passageiro ou sonhotransitório; nenhuma respiração de homem ou animal; nenhumasombra, nenhuma ilusão há, quenela não tenha registrado até hojeseu curso místico e assim farão pelos séculos dos séculos. Afinai ocoração a qualquer um deles, e ele certamente correrá a tocar nascordas assim afinadas.Para orardes não precisais de línguanem de lábios. Mas antes necessitaisde um coração silencioso e desperto;de um desejo-mestre e, acima detudo, de uma vontade-mestra quenão duvide nem hesite, pois aspalavras de nada valem, se o coração não estiver presente e desperto em cada sílaba; e quandoo coração está presente e desperto,melhor é que a língua durma ou se esconda atrás dos lábios fechados.

Mikhaïl Naimy, O Livro de Mirdad,Lectorium Rosicrucianum, São Paulo,Brasil, 1999.

«É por isso que se diz que o sol, seus planetas e

todos os seus habitantes formam o corpo solar, um ser

vivo; e que todas as células deste corpo se

comunicam entre elas.»

No princípio era a Palavra (o Verbo) p. 2