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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ISABELA SOUZA DE BORBA CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: Limites e possibilidades de implementação São José 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

ISABELA SOUZA DE BORBA

CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: Limites e possibilidades de implementação

São José

2008

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ISABELA SOUZA DE BORBA

CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: Limites e possibilidades de implementação

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Henrique Urquhart Cademartori

São José 2008

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ISABELA SOUZA DE BORBA

CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: Limites e possibilidades de implementação

Esta Monogragia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração:

Direito Público

São José, 10 de novembro de 2008.

Prof. PhD. Luiz Henrique Urquhart Cademartori UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Junior Instituição Membro

Prof. MSc. Daniel Lena Marchiori Neto Instituição Membro

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Dedico este trabalho à minha mãe, pelo apoio de todos

os dias, pela coragem, pelo amor incondicional, enfim,

por fazer parte da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus por ter me amparado durante toda a

minha trajetória, pelas conquistas e superações.

À minha mãe, que, apesar dos mil quilômetros que nos separam,

sempre esteve ao meu lado, me guiando, me apoiando em todas as batalhas e

comemorando, por telefone, as minhas conquistas.

Aos meus avós, Amantino e Elza, sem palavras, me ensinaram a

simplicidade e a humildade, me ensinaram saber levantar quando sucumbimos

nos obstáculos da vida, me ensinaram o verdadeiro significado de família.

Ao meu tio Feliciano, que abriu as portas e me mostrou a vida por outra

perspectiva.

Pai, avô João e avó Lizete, obrigado pelo carinho e pelas rezas.

Ao Desembargador Anselmo Cerello e aos amigos do gabinete, pela

oportunidade, pelos fundamentais ensinamentos e pela convivência.

Ao Professor Luiz Magno, pelo estímulo inicial à pesquisa, e ao

Professor Luiz Henrique, que despertou meu interesse por este trabalho.

À amiga Carolina, que muito me apoiou e me apoia em cada trabalho

realizado. Aos demais amigos, em especial, Teresinha, Nelson e Rafael, que,

com todo carinho, me acolheram nessa cidade maravilhosa.

Lembro de todos, porém, os que aqui não elenquei, fica o meu

agradecimento, de todo coração.

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“Bom mesmo é ir a luta com determinação, abraçar

a vida e viver com paixão. Perder com classe e

vencer com ousadia, pois o triunfo pertence a quem

mais se atreve e a vida é muito boa para ser

insignificante. Eu faço e abuso da felicidade e não

desisto dos meus sonhos. O mundo está nas mãos

daqueles que tem coragem de sonhar e correr o

risco de viver seus sonhos".

Charles Chaplin

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho,

isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito,

a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

São José, 10 novembro de 2008.

Isabela Souza de Borba

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RESUMO

O presente trabalho acadêmico de conclusão de curso buscou analisar o controle judicial de políticas públicas, isto é, de que maneira o Poder Judiciário pode interferir no âmbito do Poder Executivo, enquanto Administração Pública em sentido estrito, para determinar a implementação de políticas públicas destinadas à realização dos direitos fundamentais previstos na Constituição. O método empregado foi o indutivo, uma vez que o objetivo cingiu-se na verificação da possibilidade de realização do controle judicial de políticas públicas, o que foi alcançado a partir de certos conceitos, como a caracterização do Estado Constitucional e do neoconstitucionalismo, a releitura da teoria da Separação dos Poderes e o ativismo judicial. A abordagem ocorreu em três pontos específicos: I) A superação do Estado Legislativo e o advento do Estado Constitucional; II) A releitura da teoria da Separação dos Poderes e o papel do Judiciário hoje; III) Métodos de implementação de políticas públicas e os limites que permeiam o ativismo judicial nessa seara. Após isso, os resultados foram sumariados nas Considerações Finais, nas quais se assinalou que o controle judicial de políticas públicas deve ser encarado como medida necessária à concretização dos valores jusfundamentais e à afirmação dos postulados do Estado Constitucional. O estudo sobre o princípio da Separação dos Poderes, instituído no art. 2º da Constituição, permitiu verificar os argumentos sob os quais o Judiciário pode interferir legitimamente no âmbito de outro Poder para determinar a execução de políticas públicas de relevância e interesse social. Logo, com respaldo na leitura das obras citadas nas referências bibliográficas, o problema proposto logrou êxito à medida que a pesquisa possibilitou uma resposta clara e consistente, fundada no contexto político-jurídico atual e no respeito aos direitos fundamentais.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais – Políticas Públicas – Controle

Jurisdicional.

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ABSTRACT

Este trabajo académico de conclusión del curso de Derecho trató de analizar el control judicial de las políticas públicas, es decir, de que forma el Poder Judicial puede interferir en el Poder Ejecutivo, mientras administración pública en el sentido estricto, a fin de determinar la aplicación de las políticas públicas destinadas a realización de los derechos fundamentales previstos en la Constitución. El método empleado fue el inctivo, ya que el objetivo limitarse a verificar la posibilidad de realizar el control judicial de las políticas públicas, que se logró a partir de ciertos conceptos, tales como la caracterización del Estado Constitucional y del neoconstitucionalismo, la relectura de la separación de los Poderes y el activismo judicial. El planteamiento se produjo en tres puntos específicos: i) La superación del Estado Decimonônico y el advenimiento del Estado Constitucional; II) Relectura de la teoría de la separación de los Poderes y el papel actuale del Poder Judicial; III) los métodos de aplicación de las políticas públicas y los límites que permean el activismo judicial nesta seara. Después de esto, los resultados se resumen en las consideraciones finales, que señaló que el control judicial de las políticas públicas debe considerarse como una medida necesaria para alcanzar los valores jusfundamentais y la afirmación de los postulados del Estado Constitucional. El estudio sobre el principio de la separación de los Poderes, establecido en el art. 2º de la Constitución da República Federativa del Brasil, ha puesto de manifiesto los argumentos en virtud de la cual el Poder Judicial puede intervenir legítimamente en el contexto de otro Poder para determinar la aplicación de las políticas públicas de relevancia e interés. Por lo tanto, con el apoyo en la lectura de las obras citadas en las referencias, el problema propuesto logrado éxito, puesto que proponerse una clara y coherente respuesta, construida sobre la base del actual contexto jurídico-político y sobre el respecto a los derechos fundamentales.

Palabras-clave: Derechos Fundamentales – Políticas Publicas – Revisión Judicial.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12

1 A SUPERAÇÃO DO ESTADO LEGISLATIVO E O ADVENTO DO ESTADO CONSTITUCIONAL .......................................................................................... 14

1.1 O ESTADO LEGISLATIVO ................................................................................ 15

1.1.1 A formação do Estado Legislativo ............................................................... 15

1.1.2 A crise do Estado Legislativo ...................................................................... 20

1.2 O ESTADO CONSTITUCIONAL ....................................................................... 23

1.2.1 O advento do Estado Constitucional ........................................................... 23

1.2.2 O sentido de “supremacia da Constituição” no Estado Constitucional ......... 26

1.2.2 A intervenção do Estado nas relações sociais ............................................ 30

1.2.3 A consolidação do Estado Constitucional ................................................... 33

2 RELEITURA DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E O PAPEL DO JUDICIÁRIO NO ESTADO CONSTITUCIONAL .............................................. 36

2.1 A RELEITURA DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES .................. 36

2.1.1 A evolução da teoria da separação dos Poderes ........................................ 37

2.1.2 A interpretação neoconstitucionalista do princípio da separação dos Poderes ............................................................................................................................ 43

2.2 A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NO BRASIL ............................................... 47

2. 2. 1 Procedimentalismo ................................................................................... 48

2. 2. 2 Substancialismo ........................................................................................ 53

2. 2. 3 O ativismo judicial no Brasil ...................................................................... 56

3 POLÍTICAS PÚBLICAS: POSSIBILIDADES DE IMPLEMENTAÇÃO PELO JUDICIÁRIO E OS LIMITES QUE PERMEIAM O ATIVISMO JUDICIAL NESSA SEARA ............................................................................................................. 62

3.1 DEFINIÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ........................................................... 62

3.2 POSSIBILIDADES DE IMPLEMENTAÇÃO JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: ANÁLISE TEÓRICA E JURISPRUDENCIAL ........................................ 64

3.2.1 Análise teórica ............................................................................................ 64

3.2.2 Análise jurisprudencial ................................................................................ 71

3.3 LIMITES IMPOSTOS AO CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS.. 75

3.3.1 A interferência do Judiciário no mérito do ato administrativo ....................... 75

3.3.2 Teoria da reserva do possível ..................................................................... 78

3.3.3 Questão orçamentária ................................................................................ 80

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CONCLUSÃO ................................................................................................... 85

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 87

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão do Curso de Direito pretende

analisar, sob a óptica do Direito Constitucional, os limites e possibilidades do

controle judicial de políticas públicas quando estiver em xeque lesão ou

ameaça a direitos fundamentais.

Cumpre estabelecer que a pesquisa pretende realizar uma abordagem

geral acerca do controle judicial de políticas públicas a partir, não apenas de

uma única teoria, mas das principais concepções teóricas que fundamentam ou

criticam este controle. A opção foi esta em virtude de que um dos objetivos é

mostrar não apenas para a comunidade acadêmica, mas para quem tiver

interesse pelo assunto, que o controle judicial de políticas públicas decorre de

uma crise política estrutural desencadeada pela falta de comprometimento dos

órgãos públicos para com o verdadeiro interesse público e social.

A pesquisa é relevante em virtude de que a atual conjuntura político-

jurídica – Estado Constitucional de Direito – erigiu-se sobre duas bases

inarredáveis: direitos fundamentais e democracia. Desse modo, tem-se

questionado muito a respeito da possibilidade de interferência do Poder

Judiciário no âmbito da Administração Pública em sentido estrito (Poder

Executivo) para determinar a implementação de políticas públicas que visem à

efetivação dos direitos fundamentais. Surgem, então, os argumentos contrários

e os favoráveis, que levam à configuração das possibilidades e dos limites

impostos a esse controle. Para que seja possível essa análise, deve-se sempre

ter em mente que os direitos fundamentais constituem postulados do Estado

Democrático de Direito e toda a atuação estatal deve estar, de alguma forma,

voltada à sua concretização.

As hipóteses que norteiam este trabalho partem da estrutura do Estado

Constitucional, cuja formação decorreu da superação do Estado Liberal e

afirmou os objetivos do Estado Social, tendo como um de seus pressupostos a

efetivação dos direitos fundamentais. Neste contexto, uma segunda hipótese é

levantada: a releitura da teoria da Separação dos Poderes, proposta, na sua

versão tradicional que se estende até hoje, por Montesquieu; releitura, pois se

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verifica necessário atribuir uma nova interpretação a essa teoria, que se

encontra defasada frente à realidade política e social atual. A terceira hipótese

diz respeito à distinção das correntes procedimentalista e substancialista, esta

que, em contraposição àquela, defende uma postura mais atuante por parte

dos juízes no sentido de fazer valer as disposições constitucionais substanciais

e atribuir força normativa à Constituição. A quarta hipótese é relativa aos

mecanismos de interpretação disponibilizados aos juízes em casos que

envolva o controle de políticas públicas. A quinta relaciona-se ao

posicionamento que vem sendo constantemente aprimorado na jurisprudência

em relação ao tema. A sexta hipótese está ligada às limitações que, em tese,

derrubam os argumentos favoráveis ao controle judicial de políticas públicas: a

interferência no mérito do ato administrativo, a reserva do possível e a limitação

orçamentária.

A identificação e o estudo das hipóteses acima mencionadas

configuram os objetivos específicos da pesquisa, que, sintetizados, devem

levar à conquista do objetivo geral, o qual se cinge em identificar se é ou não

possível que o Judiciário interfira na esfera da Administração Pública para

sanar lesão ou ameaça a direito fundamental quando houver omissão relativa à

implementação de políticas públicas.

Para tanto, deve ser empregado o método indutivo e análise será

dividida em três capítulos: I) A superação do Estado Legislativo e o advento do

Estado Constitucional; II) A releitura da teoria da Separação dos Poderes e o

papel do Judiciário no Estado Constitucional; III) Políticas Públicas:

possibilidades de implementação pelo Judiciário e os limites que permeiam o

ativismo judicial nessa seara.

O estudo deverá partir de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial e os

resultados obtidos serão compilados na base lógico-dedutiva.

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1 A SUPERAÇÃO DO ESTADO LEGISLATIVO E O ADVENTO DO

ESTADO CONSTITUCIONAL

Neste capítulo, o objetivo cinge-se na análise do Estado de Direito

enquanto Estado Legislativo, Legal, Liberal ou Decimonônico1, típico do início

do século XIX, passando pelo Estado Social, consolidado no segundo pós-

guerra2, de modo que a abordagem cessa com apontamentos sobre o Estado

Constitucional, fruto das constituições modernas e do atual movimento

neoconstitucionalista, que servirá de fundamento ao controle judicial de

políticas públicas.

Como esclarecimento para o leitor, assinala-se que tanto o Estado

Legal, quanto o Estado Social e o Constitucional são caracterizados como

Estados de Direito, à medida que todo o poder deve ser conferido pela lei e

exercido de acordo com as formas e procedimentos nela previstos (estrutura

formal). Por outro lado, é possível considerar o Estado de Direito como o

modelo de organização política-estatal em que todo o poder encontra-se

limitado pela lei, que, por sua vez, condiciona as formas e os procedimentos

pelos quais deve manifestar-se, assim como o conteúdo que deve respaldar as

decisões políticas (estrutura formal e substancial, que leva em consideração o

conteúdo da atuação do Estado).3

Essas duas concepções são tratadas por Paulo COMANDUCCI4 como

constitucionalismo débil e constitucionalismo forte.

1 Aqui, toma-se a liberdade de empregar termo original da língua espanhola para designar “típico do Século XIX”. Portanto, Estado Decimonônico significa o Estado típico do Século XIX, em sua concepção liberal. 2 A rigor, as principais experiências históricas de implementação de um Estado Social deram-se através das Constituições do México, em 1917, e de Weimar, em 1919. Entretanto, tais experiências fracassaram, dando lugar a um hiato histórico preenchido pelas experiências do nazismo e do fascismo, como deformações ideológicas do que deveria ser um Estado interventor. 3 FERRAJOLI, Luigi. Derecho e razón: teoria del galantismo penal. Tradução de Perfecto Andrés Ibáñez. 7. ed. Madrid: Trotta, 2005. 4 COMANDUCCI, Paolo. Formas de (Neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. In: CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). 2. Ed. Madrid: Trotta, 2005 p. 77.

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A primeira concepção – estrutura formal – relaciona-se ao

constitucionalismo débil, à medida que o Texto Constitucional funciona apenas

para limitar o poder existente, sem se ater à específica tutela dos direitos

fundamentais; assim, é possível dizer que esta concepção não está vinculada

ao conteúdo material, sua natureza é apenas formal, o que a caracteriza como

típica dos estados que não atendem uma democracia substancial.5

Já a segunda forma – estrutura substancial – familiariza-se com o

constitucionalismo forte, em virtude de que requer uma Constituição que

garanta os direitos e as liberdades fundamentais frente à atuação do poder

estatal. Neste contexto, esta concepção de Estado de Direito revela-se mais

atenta aos critérios de justiça, pois, além de limitar toda e qualquer forma de

manifestação de poder, firma e afirma a preocupação com a defesa dos

interesses dos cidadãos e com a necessidade de estabelecer direitos e

obrigações no intuito de proteger a sociedade da atuação arbitrária do Poder

Público – esses últimos apontamentos estão atrelados ao Estado Social e,

principalmente, ao Estado Constitucional.

A partir deste estudo, acerca das mudanças de paradigmas que

ocorreram ao longo da história, pretende-se fortalecer a idéia de que, hoje,

diante do atual contexto social, os holofotes estatais devem voltar-se,

sobretudo, à garantia dos direitos individuais e à efetividade dos direitos

sociais, a fim de viabilizar a estruturação de uma sociedade igualitária.

1.1 O ESTADO LEGISLATIVO

1.1.1 A formação do Estado Legislativo

5 Por democracia substancial, entende-se a democracia que leva em consideração não apenas os aspectos formais estabelecidos pela lei, mas, sobretudo, o conteúdo das normas, o valor que cada uma transmite. No contexto democrático substancial há uma maior preocupação com a efetivação dos direitos fundamentais, cuja implementação deve ser encarada como obrigação do Estado.

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O século XIX, marcado pelas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, foi

palco de profundas mudanças nos aspectos político, jurídico e social. Nesta

época, o direito aparece como preocupação dos governantes, idéia que,

influenciada pela evolução histórica, posteriormente, levou à criação dos

ordenamentos jurídicos contemporâneos, típicos do Estado Constitucional, o

que será estudado em tópico oportuno.

Mesmo com traços tão distintos, tanto o Estado Legislativo quanto o

Constitucional são considerados Estados de Direito, à medida que esta

expressão designa todo e qualquer ordenamento jurídico em que os poderes

públicos são conferidos pela lei e exercidos nas formas e com os

procedimentos legalmente estabelecidos.6

A Constituição, embora relegada à supremacia da legislação ordinária,

como ocorreu no Estado Legislativo, apareceu em todos os paradigmas

políticos estatais.

Neste sentido, afirma LASSALE:

[...] todos os países possuem, possuíram sempre, em todos os momentos de sua história, uma Constituição real e efetiva [...]. A diferença, nos tempos modernos – e isto não deve ficar esquecido, pois tem muitíssima importância – não são as constituições reais e efetivas, mas sim as constituições escritas nas folhas de papel [...].7

A relação entre Direito e Estado, é fruto da adequação do exercício do

poder público e das liberdades conferidas aos cidadãos com as normas

jurídicas que regem o papel político do Estado, enquanto governante dos

interesses da sociedade.

Essa relação é formulada por Hans KELSEN, em sua célebre obra

intitulada Teoria Pura do Direito:

O Estado deve ser representado como uma pessoa diferente do direito para que o Direito possa justificar o Estado – que cria este Direito e se lhe submete. E o Direito só pode justificar o Estado quando é pressuposto como uma ordem essencialmente diferente do Estado, oposta à sua originária natureza, o poder, e, por isso mesmo, reta ou justa em

6 FERRAJOLI, Luigi. Passado y futuro del Estado de Derecho. In: CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). 2. Ed. Madrid: Trotta, 2005. 14. 7 LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1985. p. 49.

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qualquer sentido. Assim o Estado é transformado, de um simples fato de poder, em Estado de Direito que se justifica pelo fato de fazer direito.8

Neste contexto, o Estado Legislativo – considerado Estado de Direito

em virtude do reconhecimento da legislação ordinária como norma jurídica

reguladora da atividade estatal –, também conhecido como Decimonônico ou

Liberal por ter sido edificado sobre as bases da política liberal9, de caráter

abstencionista, e, por ter sido sustentado pelo princípio da legalidade, instalou-

se no início do século XIX, assinalando a segregação do Absolutismo.

Paulo BONAVIDES bem elucida a criação do Estado Liberal em

oposição ao Estado Absolutista:

Durante a época do Estado Liberal, Estado e Sociedade estavam separados como se fossem duas entidades distintas: o Estado, sujeito da ordem jurídica ou normativa; a Sociedade, esfera das livres relações econômicas [...]. O homem do liberalismo era o homem da burguesia, e a burguesia a expressão e o símbolo da Sociedade, que ela mesmo representava.

Nasceram os parlamentos com a burguesia. Foram seu instrumento inicial de ascenção e tomada do poder político contra as realezas ou monarquias absolutas.10

Com respaldo na política liberal, uma das inovações deste paradigma

consistiu, segundo ZAGREBELSKY11, na limitação da autoridade do Estado

frente à liberdade dos indivíduos, ou seja, no marco do equilíbrio recíproco

estabelecido pela lei, que passa a ser o parâmetro e o limite de toda a atividade

social e política.

Esta foi a principal medida adotada no intuito de levar a efeito a quebra

do absolutismo e a afirmação do Estado Legislativo como novo modelo de

política governamental. Para Paulo BONAVIDES12, começa, então, o capítulo

8 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Maheiros, 1998. p. 316.

9 Para conceituar a política liberal da época, utiliza-se o seguinte conceito: “[...] liberalismo é uma determinada concepção de Estado, na qual o Estado tem poderes e funções limitadas, e como tal se contrapõe tanto ao Estado absoluto quanto ao Estado que hoje chamamos de Estado Social [...]”. BOBBIO, Norberto, 1988, p. 17. 10 BONAVIDES, Paulo. Política e Constituição: os caminhos da democracia. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 374. 11 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. 4. ed. Madrid: Trotta, 2002. p. 23. 12 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 35.

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da limitação do poder; do Homem-povo, do Homem-cidadão, do Homem-

político, do Homem que faz lei, que governa, ou se deixa governar, que cria a

representação, que toma consciência da legitimidade, que é poder constituinte

e poder constituído.

A limitação do poder estatal foi inspirada em um ideal democrático, pois

visava impedir a prática de atos arbitrários pelo Poder Público e atribuía aos

cidadãos maior participação nos governos. Essa mudança de princípios foi

necessária para afirmar o Estado Legislativo e torná-lo legítimo perante a

sociedade, rompendo o Absolutismo que o antecedeu. Neste período de

transição, do Estado Absolutista para o Estado Liberal, a democracia foi

tomada como fundamento de todo o tipo de exercício do Poder.

No Estado Decimonônico, a intervenção do Estado somente era

permitida em caráter excepcional e desde que expressamente prevista na

legislação, sob pena de ser considerada arbitrária. Neste sentido, é oportuna a

reflexão de ZAGREBELSKY:

[...] para los órganos del estado, a los que no se les reconocía ninguna autonomía originaria, todo lo que no estaba permitido estaba prohibido; para los particulares, cuya autonomía, por el contrario, era reconocida como regla, todo lo que no estaba prohibido estaba premitido. La ausencia de leyes era un impedimento para la acción de los órganos del estado que afectara a los derechos de los particulares. 13

Esta subordinação da atividade estatal à legislação ordinária, ou seja, a

desvinculação do conceito de autonomia em relação ao poder do Estado

contribuiu sobremaneira para o fortalecimento do princípio da legalidade.

Assim, a legislação ordinária, geral e abstrata, adquiriu caráter de

norma suprema e passou a regular o exercício do poder; reconheceu-se o

princípio da legalidade como critério de validade do direito. A soberania não era

mais atribuída ao governante, mas, sim, à legislação ordinária, que exercia

autoridade sobre as demais esferas do poder.

Daí decorreu o monopólio da produção jurídica pelo Estado, o

legalismo foi erguido como pilar de toda a organização estatal. Por outro lado, o

13 Op. cit., p. 28.

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direito válido e vigente passou a ser apenas o direito positivo14, ou seja: quando

observadas todas as formalidades exigidas para a elaboração da norma

jurídica, tinha-se um comando válido e vigente, mesmo que incoerente com os

critérios de justiça provenientes do jusnaturalismo.

A distância existente entre o direito positivo – válido e vigente, portanto

– e os critérios de justiça é elucidada por Luigi FERRAJOLI no seguinte trecho:

El Estado de Derecho moderno nace, con la forma del Estado Legislativo de Derecho, en el momento en que esta instancia alcanza realización histórica, precisamente, con la afirmación del principio de legalidad como criterio exclusivo de identificación del derecho válido y antes aún existente, con independencia de su valoración como justo. Gracias a este principio y a las codificaciones que son su actuación, una norma jurídica es válida no por ser justa, sino exclusivamente por haber sido puesta por una autoridad dotada de competencia normativa.15

Diante dessa condição de validade e vigência do direito, a legislação

ordinária, como norma suprema, pressupôs a redução do direito à lei e a

exclusão ou, ao menos, a submissão à lei de todas as demais fontes do

direito.16 Com isso, restou assinalado, com mais ênfase, o monopólio da

produção jurídica pelo Estado.

Ao passo que a legislação infraconstitucional adquiriu força de norma

suprema, houve um enfraquecimento dos postulados do Estado Liberal devido

à aniquilação das demais fontes do direito e à concentração do Poder nas

mãos de uma minoria parlamentar, que registrava nos diplomas legais

interesses particulares dos grupos de poder econômico e político a que

pertenciam, garantindo-lhes as condições de validade e vigência. Apesar de

conferir liberdades individuais aos cidadãos, o Estado, ao mesmo tempo,

limitava o direito de voto e, consequentemente, afirmava a homogeneidade da

legislação, em caráter predominantemente formal.

14 Acerca da relação entre o Estado Legislativo e o positivismo jurídico, Luigi Ferrajoli comenta: “[...] con la afirmación del principio de legalidad como norma de reconocimiento del Derecho existente, la ciencia jurídica deja de ser una ciencia inmediatamente normativa para convertirse en una disciplina tendencialmente cognoscitiva, es decir, explicativa de un objeto – el Derecho positivo – autónomo y separado de ella”. Op. cit, p. 16. 15 Op. cit., p. 16. 16 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. 4. ed. Madrid: Trotta, 2002, p. 24.

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20

Neste diapasão, afirma Valeriano MARTÍN:

[...] a aspiração da burguesia triunfante foi dominar o poder judicial, convertê-lo em simples instrumento de aplicação das leis de liberdade burguesas. O juiz submetido estritamente à lei, sem possibilidades de interpretá-la livremente ou estendê-la por analogia e, menos ainda, de ser criador do direito, era um dos desejos dos velhos poderosos do liberalismo, que pretendiam com isso assegurar a supremacia dos objetivos das classes sociais representadas no Parlamento, e garantir, também, a segurança jurídica frete à arbitrariedade reinante no antigo regime [...].17

Embora por muito tempo tenham sido sufocadas as irresignações das

classes sociais alheias à burguesia, com o surgimento de novas fontes do

direito – jurisprudência, costumes, princípios do direito, etc. – a luta por uma

sociedade mais justa tomou maiores proporções e, com isso, o Estado de

Direito Legislativo entrou em crise, ensejando a criação de um paradigma que

oferecesse solução às lacunas deixadas pela política liberal.

Os fatores que propiciaram esta crise devem ser analisados no tópico

seguinte e abordados com objetivo de esclarecer a transição do Estado

Legislativo para o Estado Constitucional de Direito, principalmente com relação

à atividade estatal, à norma suprema, vale dizer a Constituição – considerada,

hoje, ponto de partida de todo ordenamento jurídico e, ao mesmo tempo, limite

ao exercício do Poder Público e cartilha fundamental em da conduta dos

indivíduos –, e à garantia dos direitos fundamentais.

1.1.2 A crise do Estado Legislativo

O Estado de Direito contemporâneo assinalou, em princípio, duas

importantes quebras de paradigmas: 1) a primeira decorrente da superação do

Absolutismo pelo Estado Liberal – início do Século XIX –, com a afirmação do

princípio da legalidade como condição de validade do direito; 2) a segunda,

17 MARTÍN, Valeriano apud FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. Coleção temas fundamentais de direito. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 23

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21

proveniente da crise do princípio da legalidade e da necessidade de

intervenção do Estado como garante dos direitos fundamentais (direitos

sociais, de segunda geração) – metade do Século XX –; este último

rompimento fortaleceu o papel da Constituição como norma suprema frente ao

ordenamento jurídico infraconstitucional, bem como em relação ao exercício do

Poder, que deveria à ela estar vinculado.

Como visto, o Estado de Direito Liberal fundamentava-se no princípio

da legalidade: a legislação ordinária exercia supremacia sobre as demais

fontes do direito. Apesar de ter sido um fator determinante para a afirmação

deste modelo, este também foi um dos motivos que levou à ruptura do

paradigma, em virtude de que as outras fontes eram repelidas do sistema

jurídico. Daí, decorreu o enfraquecimento do direito enquanto expressão da

realidade social, pois as leis, além de reger toda a organização política, eram

criadas por uma minoria parlamentar, que se olvidava de colocar em pauta as

necessidades de outras parcelas da sociedade – homogeneidade da legislação

infraconstitucional.

Gustavo ZAGREBELSKY elucida, com clareza, o problema do caráter

homogêneo atribuído à legislação ordinária durante a vigência da política

burguesa-liberal:

[...] las leyes, al ocupar la posición más alta, no tenían por encima ninguna regla jurídica que sirviese para establecer límites, para poner orden. Pero no había necesidad de ello. Jurídicamente la ley, lo podía todo, porque estaba materialmente vinculada a un contexto político-social e ideal definido e homogéneo. En él se contenían las razones de los límites y del orden, sin necesidad de prever ninguna medida jurídica para asegurarlos. El derecho entra en acción para suplir la carencia de una ordenación expresada directamente por la sociedad, y no era éste el caso. Una sociedad política monista o monoclasse, como era la sociedade del siglo pasado, incorporaba en sí las reglas de su proprio orden. [...] las fuerzas antagonistas, en lo esencial, aparecían neutralizadas y no encontraban expresión en la ley. El proleariedo y sus movimientos políticos eran mantenidos alejados del Estado mediante la limitación del derecho de voto. [...] En este panorama, el monopolio político-legislativo de una clase social relativamente homogénea determinaba por sí mismo las condiciones de la unidad de la legislación.18

18 Op. cit, p. 31-32.

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22

Deflagrada esta situação, instalou-se um clima de oposição ao sistema

então vigente, fortalecido pela irresignação da sociedade. Neste sentido,

considerando a relevância das demais fontes do direito, Antonio Enrique Pérez

LUÑO19 sugere o pluralismo, que implica na derrogação das idéias do

monopólio e da hierarquia normativa, assim como na erosão imediata do

protagonismo da lei.

Com efeito, o pluralismo afirmou-se frente à fragilidade do princípio da

legalidade e desencadeou uma mudança nos critérios de validade do direito.

Antes, o critério de validade do direito não era relacionado ao conteúdo

normativo; a aferição da validade de uma norma girava em torno apenas dos

aspectos formais: era considerada válida toda norma jurídica que respeitasse

as formalidades impostas pelo processo legislativo.20

A idéia de que as normas deveriam ser coerentes, não apenas com

relação às formalidades, mas, também, em relação ao seu conteúdo material,

demonstrou a preocupação com os critérios de justiça que deveriam nortear a

atividade estatal. Neste contexto, o princípio da legalidade passou a ser

questionado como critério de reconhecimento do direito válido.

A partir de então, foi estabelecida uma relação de adequação entre as

leis e o conteúdo valorativo que servia de base a todo o ordenamento jurídico;

conteúdo este que foi impresso nas Constituições contemporâneas e revelado

através da defesa da democracia e dos direitos fundamentais como pilar da

base política, jurídica e social do Estado.

Tais fatores resultaram em uma séria discussão travada em torno do

princípio da legalidade; o Estado de Direito Liberal foi alvo de severas críticas,

que buscavam modificar a estrutura política vigente para garantir a inserção de

novos padrões, tanto no âmbito político quanto no campo social e econômico.

Na esteira do pensamento socialista, a crise foi fortalecida pelas

carências da sociedade: saúde, educação, seguridade social, etc. Com isso,

19 LUÑO, Antonio Enrique Perez. La Universidad de los derechos humanos y el Estado Constitucional. Serie de Teoría Jurídica y Filosofía del Derecho. n. 23. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2002. p. 64. 20 Daí a relação entre Estado Legislativo e Direito Positivo, que é reconhecida no momento em que apenas os critérios formais eram

levados em consideração para a aferição da validade das normas; bastava a observação de aspectos burocráticos para conferir

validade à uma lei. O direito válido era o direito positivo.

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entram em cena os direitos sociais, que proporcionaram uma atuação positiva

do Estado no sentido prestacional, desvinculado da idéia liberal.

Assim, houve o rompimento do princípio da legalidade e dos

postulados liberais, o que propiciou a transição do Estado Decimonônico ou

Liberal ao Estado Social e sua consolidação no Estado Constitucional.

1.2 O ESTADO CONSTITUCIONAL

1.2.1 O advento do Estado Constitucional

O Estado Constitucional surgiu a partir da superação do Estado

Legislativo, passando pela formação do Estado Social, este que se

caracterizou pela intervenção do Estado nas relações sociais em decorrência

da crise do princípio da legalidade e da necessidade da população em ter

assegurados os direitos sociais, tais como: saúde, educação, previdência,

direitos dos trabalhadores, etc.

Durante o Estado Social, cujo marco histórico ocorreu no segundo pós-

guerra, o Estado, enquanto administrador dos interesses da sociedade, voltou-

se à tutela dos direitos fundamentais de segunda geração (direitos sociais). A

intervenção estatal, como se verá, foi um grande salto para a consolidação do

Estado Constitucional; com ela, quebrou-se a regra do liberalismo e, ao mesmo

tempo, iniciou-se um movimento em favor da garantia dos direitos

jusfundamentais, o que, posteriormente, deu vazão ao neoconstitucionalismo,

surgido já na égide do Estado Constitucional.

O neoconstitucionalismo é uma das correntes da teoria

constitucionalista do direito; apregoa a existência de um conjunto de

mecanismos normativos e institucionais, dentro de um sistema jurídico-político

determinado, com o objetivo de impor limites aos poderes do Estado e de

estabelecer a proteção dos direitos fundamentais. O modelo de sistema jurídico

que emerge da construção do neoconstitucionalismo caracteriza-se por ter uma

Constituição “invasora”, pela positivação de uma gama de direitos

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fundamentais, pela coexistência de princípios e regras e, ainda, por algumas

peculiaridades inerentes à interpretação e à aplicação das normas

constitucionais.21

As peculiaridades relativas à interpretação e à aplicação das normas

constitucionais foram atribuídas ao Poder Judiciário, que, depois da fraca

atuação durante o Estado Decimonônico, ganhou força, ainda com certa

timidez, diante da passagem pelo Estado Social. As intervenções no âmbito

econômico, social e cultural, fizeram com que os três Poderes Constituídos –

Executivo, Legislativo e Judiciário – agissem, todos, cada um dentro de suas

competências, em uma só direção: a garantia dos direitos fundamentais.

O Estado Constitucional, então, foi idealizado a partir de uma

“sociedade aberta”22, em que o sistema jurídico e seus postulados reclamam do

intérprete da Constituição uma atitude aberta, que substitua o monopólio

metódico por um pluralismo metódico. O processo hermenêutico constitucional

aparece, portanto, como “instância crítica”, sempre aberto à inovações; deixou

de ser cristalizado em um sistema de categorias cerradas e estáticas, para

configurar um processo dinâmico baseado em alternativas práticas e em um

pensamento de possibilidades.23

Com isso, o intérprete da Constituição ganhou, em certo aspecto, uma

atribuição subjetiva, não ilegítima, à medida que as normas constitucionais

conferiram uma maior margem de interpretação, em virtude de conteúdo

valorativo que as revestem.

Nas Cartas surgidas no seio do Estado Constitucional, a intenção do

legislador constituinte é garantir, sobretudo, os direitos fundamentais, pois são

eles que sustentam a democracia e, portanto, este paradigma. Ao lado dos

direitos fundamentais, é necessário que as Constituições sejam afirmadas

21 COMANDUCCI, Paolo. Formas de (Neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. In: CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). 2. Ed. Madrid: Trotta, 2005. p. 75 e 83. 22 Ver: HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. 23 LUÑO, Antonio Enrique Perez. La Universidad de los derechos humanos y el Estado Constitucional. Serie de Teoría Jurídica y Filosofía del Derecho. n. 23. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2002. p. 67.

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25

como meio de adequação do ordenamento jurídico, ou seja, como norma

suprema.

Segundo a construção teórica de Peter Häberle24, comentada por

Paulo BONAVIDES, o grau de subjetividade atribuído aos intérpretes da

Constituição [Aberta] é revelado pela “interpretação lata”, que, ao contrário da

interpretação em sentido estrito,

[...] oferece um largo terreno ao debate e à renovação, tendo sido habitualmente ignorada ou desprezada pelos preconceitos do jurista técnico, de visão formalista, que fica assim tolhido de conhecer a verdade constitucional em sua essência e fundamento.

Essa última modalidade, considerada a mais importante, acaba absorvendo a primeira ou, segundo os críticos da teoria, dissolvendo a normatividade e eficácia jurídica da norma constitucional.

[...]

A interpretação da Constituição é ‘processo’ aberto, ou seja, operação livre que como tal deve conservar-se. Sua compreensão há de ser a mais dilatada possível, de modo que, sobre acolher aquela interpretação que se faz em âmbito mais restrito, principalmente na esfera jurídica dos tribunais, venha a abranger por igual aqueles que ativa ou passivamente participam da vida política da comunidade.25

Deste modo, levando em consideração a concepção de Estado de

Direito de Ferrajoli (estrutura substancial), exposta no início deste trabalho,

toda a forma de manifestação do Poder Público deve ser exercida em

consonância com os mandamentos constitucionais. Isso significa que devem

ser observados os princípios e regras compreendidos no Texto Constitucional –

tanto os de caráter procedimental quanto os de natureza material – e, junto a

isso, observa-se a necessidade de alcançar a vontade do legislador

constituinte, que, como visto, traduz-se na tutela dos direitos jusfundamentais e

dos postulados democráticos.

Essa teoria constitucional moderna, no Brasil, tomou forma com o

advento da Constituição da República de 1988, que deu seguimento às idéias

surgidas com o Estado Social de Direito e buscar implementá-las no intuito de

24 Necessário anotar que a construção teórica de Peter Häberle, referida no texto, “Constituição Aberta”, é um método de interpretação das normas constitucionais que tem por sustentáculo a ideologia democrática. 25 Op. cit., p. 149.

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26

efetivar os anseios até então não conquistados e que, agora, passam a

caracterizar os objetivos do Estado Constitucional.

A “Constituição Cidadã” de 1988 promoveu a reaproximação do

sistema jurídico em relação à ética e aos valores que haviam sido negados

durante a vigência do Estado Legislativo e afirmou os pilares do Estado

Constitucional – isso resta demonstrado, principalmente, pela redação do

Preâmbulo26 e dos Títulos I27 e II28. Essa circunstância enfatizou,

sobremaneira, o caráter supremo da Lei Maior, que será analisado no tópico

seguinte.

1.2.2 O sentido de “supremacia da Constituição” no Estado Constitucional

Com as críticas surgidas em torno da legitimidade da legislação

ordinária, verificou-se necessário o exame de adequação do conteúdo das leis

frente aos valores e princípios que estruturavam a política de governo. Tais

valores e princípios foram consagrados pelas Cartas Constitucionais atuais,

que assumiram a função de estabelecer limites à atuação legislativa e, assim,

passaram a ser consideradas como norma suprema de todo o ordenamento

jurídico, à qual deve estar vinculada toda e qualquer forma de manifestação de

Poder do Estado, bem como as decisões políticas tomadas em relação à

sociedade.

O Poder Legislativo, entendido até então como única fonte de produção

do direito, cedeu lugar à supremacia da Constituição.

26 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. (grifei) 27 “Título I - Dos princípios fundamentais” (arts. 1º a 3º). 28 “Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais” (arts. 5º a 17).

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27

Veja-se o sentido de supremacia da Constituição no Estado

Constitucional, por José Sérgio da Silva CRISTÓVAM:

A supremacia da Constituição é o traço marcante do Estado constitucional. A própria teoria da soberania do Estado deve ser deslocada para a idéia de soberania da Constituição. O Estado somente alcança legitimidade à medida que garante as liberdades fundamentais e implementa os direitos fundamentais sociais, numa clara redefinição do conceito de soberania. Soberana é a Constituição; o Estado é apenas um instrumento de efetivação dos ditames constitucionais.29

O Texto Constitucional, deste modo, passou a ter aptidão para dispor

acerca das demais fontes do direito. O objetivo foi efetivar as disposições

constitucionais, principalmente as relativas aos direitos fundamentais,

consideradas base sólida do Estado Constitucional, a teor do que esperava a

sociedade, depois de viver um momento de crise – rompimento do paradigma

liberal, caracterizado pela desigualdade e inexistência de atuação positiva do

Estado no sentido de promover o bem-estar social, fator que, posteriormente,

aparece como condição de liberdade dos indivíduos.

Neste vértice, Gustavo ZAGREBELSKY aponta: “La ley, por primera

vez en la época moderna, viene sometida a una relación de adecuación, y por

tanto de subordinación, a un estrato más alto de derecho establecido por la

Constitución”.30

No mesmo sentido, afirma Luigi FERRAJOLI ao identificar a quebra do

paradigma liberal:

Si este primer cambio de paradigma del Derecho se produjo con El nascimiento del Estado moderno y con La afirmación del principio de legalidad como norma de reconocimiento del Derecho positivo existente, en segundo cambio, no menos radical, es el producido en este medio siglo con La subordinación de la legalidad misma – garantizada por una específica jurisdición de legitimidad – a Constituiciones rígidas, jerárquicamente supraordenadas a las leyes como normas de reconocimiento de su validez.31

29 CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. O controle jurisdicional de políticas públicas. Revista Zênite. n. 41, 2004, p. 460. 30 Op. cit., p. 34.

31 Op. cit., p. 18.

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28

Com isso, os sistemas políticos democráticos atuais, em sua maioria,

encontram fundamento de validade no Texto Constitucional, que passou a ser

visto como norma suprema, superior hierarquicamente a todo o ordenamento

jurídico, que vincula toda a produção da norma jurídica.

Acerca do papel da Constituição, enquanto norma suprema, destaca

Hans KELSEN:

A norma fundamental é a fonte comum de validade de todas as normas pertencentes a uma mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato de a norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa.32

Conforme dispõe CANOTILHO, o princípio da supremacia da

Constituição apresenta-se em três diferentes aspectos: 1) as normas

constitucionais são hierarquicamente superiores, encontrando fundamento de

validade em si mesma; 2) são normas de normas, firmando-se como fonte de

produção jurídica; e, 3) implicam a necessidade de conformação de todos os

atos do poder político aos seus comandos.33

Desse modo, é imperioso reconhecer a estreita ligação existente entre

o princípio da supremacia e o caráter rígido das Constituições modernas. Essa

relação resulta na estabilidade das normas constitucionais, cuja alteração

somente pode ser realizada mediante processo dificultoso e solene a fim de

evitar situações vulneráveis criadas em virtude de decisões políticas não

motivadas.

Com base nisso, estabeleceram-se novos critérios de validade do

direito, resultado de um juízo de adequação do conteúdo da lei ordinária

comparado ao texto constitucional – coerência e coesão do ordenamento

jurídico. Além de vincular a atividade legislativa, a Constituição passou a

vincular as demais esferas do Poder.

Sobre o assunto, esclarece Sérgio CADEMARTORI:

32 KELSEN, Hans,1998, p. 217. 33 TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 56-57.

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29

O resultado será a afirmação do caráter plenamente normativo das Constituições como forma de assegurar a máxima vinculação de todos os poderes do Estado e da sua produção normativa. Assim, a lei ficaria vinculada a uma instância jurídica superior, tal como é a Constituição [...].34

Este novo critério de verificação do direito válido – Constituição – deu

ensejo ao controle de constitucionalidade da legislação ordinária, surgido a

partir da segunda metade do século XX.

Neste vértice, são as palavras de Alexandre Morais da ROSA:

Se a Constituição é considerada o fundamento de validade do sistema jurídico e as normas constitucionais devem guardar pertinência formal e material, necessário o estabelecimento de mecanismos de obediência. Daí surge o controle da constitucionalidade das normas. Significa, assim, a possibilidade de controle dos atos normativos expedidos pelo estado, compreendido em suas diversificadas funções (Executiva, Legislativa e Judiciária), na busca incessante da concretização e respeito à constituição.35

Se durante o Estado Liberal a atividade judiciária era limitada à

supremacia da legislação ordinária, com o Estado Constitucional, o Poder

Judiciário adquiriu maior liberdade para atuar, pois a ele foi confiada a função

de não apenas aplicar o direito, mas, principalmente, de interpretá-lo no sentido

de adequar os casos colocados ao seu crivo aos valores jusfundamentais que

compreendem o Texto Constitucional, pois passou a ser, também, guardião da

Constituição.

É tranqüilo esclarecer o objetivo revelado com aferição de supremacia

às normas constitucionais: o que se quer é garantir a proteção de direitos

indisponíveis, inerentes aos indivíduos e à coletividade como um todo, a partir

da rigidez do texto constitucional, que deve vincular toda a atividade estatal –

Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário.

Assim, a Constituição tornou-se o meio mais eficaz de proteção dos

valores jusfundamentais, que devem nortear a estruturação do Estado,

colocando, entretanto, duas espécies de restrições às fontes do direito: a)

limitação formal, ou seja, normas que direcionem a atividade legislativa; e, b) 34

CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p.

27.

35 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo jurídico e Controle de Constitucionalidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 103.

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30

limitação material: vinculação da produção da norma jurídica à gama de valores

e princípios insertos em seu bojo.36 Essas restrições enfatizaram o princípio da

supremacia da Constituição frente à atividade política estatal e condicionaram

as formas de manifestação do poder político à atenção dos critérios materiais

(de conteúdo) e formais (de procedimento) estabelecidos pela Carta Magna.

Trata-se, pois, de uma maneira de resguardar a estrutura política e

organizacional do Estado através da rigidez constitucional, que confere

estabilidade às normas constitucionais, compreendidas em uma Carta Política

limitadora da atividade estatal e garante dos direitos fundamentais.

Em virtude da afirmação do princípio da supremacia da Constituição,

quebra-se o paradigma liberal antecedente, fundamentado no princípio da

legalidade. O objetivo desta nova concepção política é concretizar os valores

expressos na Lei Maior, de modo que a intervenção do Estado nas relações

sociais, econômicas e culturais aparece como meio apto à realização dessa

pretensão, como se verá adiante.

1.2.2 A intervenção do Estado nas relações sociais

A demanda da sociedade perante o Estado para a garantia de direitos

até então não amparados pela estrutura burguesa-liberal, em virtude da

homogeneidade do parlamento, ensejou a concretização de novos direitos

fundamentais, que, seguindo os de primeira geração – liberdades –,

compuseram os direitos de segunda e terceira geração e, posteriormente, os

de quarta geração.

A primeira geração (liberdade) preocupou-se com os chamados direitos

negativos ou de defesa, que limitaram a atividade estatal em função da

liberdade concedida aos indivíduos; essa geração tem por conteúdo os direitos

políticos e civis.

36 FERRAJOLI, Luigi. O Direito como Sistema de Garantias. In: OLIVEIRA JÚNIOR, José Alcebíades de (Org.). O novo em

Direito e Política. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 93-94.

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31

A segunda geração (igualdade) surgiu com o intuito de promover a

intervenção do Estado no plano social, econômico e cultural, configurando,

assim, uma obrigação e não uma faculdade.

Da terceira geração (fraternidade), decorreu o conceito de coletividade,

que abriu espaço aos direitos coletivos, cujo objetivo é tutelar interesses

transindividuais como, por exemplo, direito do consumidor, direito ambiental,

direitos das crianças, adolescentes e idosos, etc.

Uma quarta geração de direitos fundamentais (evolução) foi resultado

do avanço tecnológico e das novas descobertas no campo científico; surgiu já

no seio das Constituições modernas, típicas do Estado Constitucional de

Direito. Como direitos de quarta geração, é possível citar aqueles relacionados

à manipulação das células-tronco, à biotecnologia, etc.

Ao estabelecer uma relação entre as primeiras gerações de direitos

fundamentais e a transição do Estado Liberal para o Estado Constitucional,

Paulo BONAVIDES esclarece:

Quando prevaleciam por única constante na caracterização do Estado Moderno os direitos de primeira geração, a lei era tudo. Quando se inaugurou, porém, a nova idade constitucional dos direitos sociais, como direitos de segunda geração, a legitimidade – e não a lei – se fez paradigma dos Estatutos Fundamentais [...] A legitimidade é o direito fundamental, o direito fundamental é o princípio, e o princípio é a Constituição na essência [...].37

Neste contexto, é possível perceber que o fortalecimento dos direitos

de segunda geração – caracterizados como direitos sociais, em que o ideal a

ser alcançado é a igualdade – contribuiu para o enfraquecimento do Estado

Legislativo, pois neles foi refletida a necessidade de intervenção do Estado na

esfera social, econômica e cultural.

A crise dos postulados liberais, neste vértice, é encarada por Dinorá

GROTTI da seguinte forma:

As imperfeições e pressões do liberalismo no âmbito econômico e social acabaram por gerar inúmeras injustiças e desigualdades sociais que, associadas à incapacidade de auto-

37 Op. cit., p. 44.

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regulação dos mercados, conduziram à atribuição de nova função ao Estado.38

A liberdade dos indivíduos, garantida quase que totalmente no Estado

Decimonônico, foi restringida durante a passagem pelo Estado Social ou de

Bem Estar Social (Welfare State) - segundo pós-guerra. As necessidades

humanas restringiram a liberdade, porquanto apenas quem detinha condições

financeiras de manter-se um padrão de vida faria jus à liberdade apregoada por

este modelo de Estado; quem não possuía condições passou a depender

diretamente da atuação estatal positiva. Assim, a igualdade surge como ideal a

ser alcançado.

Sobre o assunto, aponta Paulo Márcio CRUZ:

[...] o conceito de liberdade deixou de ser vinculado à propriedade e à individualidade a qualquer custo, e passou a estar intimamente ligado à condição social do indivíduo. Não seriam livres os homens que não tivessem as mínimas possibilidades sociais. 39

A caracterização do bem-estar como condição de liberdade dos

indivíduos legitimou a intervenção do Estado no âmbito das relações sociais.

Não obstante a intervenção ter sido prejudicial à política liberal, vale ressaltar

que este não foi um acontecimento decorrente da oposição; foi resultado do

esforço da própria burguesia, de modo que a essência do liberalismo manteve-

se inalterada, como reconhecem Lênio Luiz STRECK e José Luiz Bolzan de

MORAIS:

[...] o primado básico do Estado Liberal se mantém, a despeito do Estado ter-se transformado em Intervencionista, qual seja: a separação entre os trabalhadores e os meios de produção, gerando mais valia, de apropriação privada pelos detentores do capital.40

Embora mantida a essência liberal, a intervenção do Estado nas

relações sociais foi ponto crucial para a participação dos órgãos estatais na 38 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 63. 39 CRUZ, Paulo Márcio. Intervenção e Regulação do Estado. In: http://advocacia.pasold.adv.br/artigos/arquivos/intervencaoeregulacaodoestado.doc. Acesso em: 29/06/2008. 40 MORAIS, José Luiz Bolzan; STRECK, Lênio Luiz. Ciência política e teoria geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 65.

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33

concretização de políticas públicas destinadas à tutela dos direitos

fundamentais; políticas estas que representaram, também, um grande avanço

em relação à justiça social.

A intervenção estatal no âmbito social, econômico e cultural passou a

ser assegurada pelos textos constitucionais. Porém, a tutela dos direitos

fundamentais sociais através da positivação constitucional não logrou efeito

satisfatório, à medida que as normas que os previam, na maioria das vezes,

tinham natureza programática, ou seja, necessitavam da atuação positiva do

legislador infraconstitucional.

Com o advento do Estado Constitucional, foi superada a concepção de

que as normas constitucionais possuíam apenas conteúdo programático ou de

que eram consideradas um conjunto de recomendações ou orientações

dirigidas ao legislador, passaram, assim, a ser tratadas a partir do valor

normativo que as compreendiam como uma autêntica norma jurídica, dotada

de eficácia direta e imediata.41

Os postulados democráticos ressurgem, então, como ideal para que

fossem efetivados os direitos fundamentais; o ordenamento jurídico passa a ter

nova feição, marcadamente promocional, à medida que, em tese, a democracia

deveria propiciar a concretização da Constituição.

Para Paulo BONAVIDES, democracia é aquela forma de exercício da

função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou

indiretamente, todas as questões de governo, de tal sorte que o povo seja

sempre o titular. 42

Com o ideário democrático, a finalidade estatal volta-se à sociedade,

mediante a proteção dos direitos fundamentais.

1.2.3 A consolidação do Estado Constitucional

41 ARIZZA, Santiago Sastre. La ciencia jurídica ante el constitucionalismo. In: CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). 2. Ed. Madrid: Trotta, 2005. p. 240-241. 42 Op. cit., p. 17.

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34

Considerada a supremacia da Constituição, levada a efeito pelo

princípio da rigidez, assim como a necessidade de intervenção do Estado nas

esferas econômica, social e cultural, o Estado Constitucional toma forma,

sempre fundamentado em anseios democráticos e na garantia dos direitos

fundamentais.

Com a evolução da sociedade, o Estado de Direito sofreu, em princípio,

três grandes momentos, quais sejam: Estado Liberal, Estado Social e, agora,

Estado Constitucional, este último que surgiu para garantir a efetivação dos

direitos fundamentais, mormente no que diz respeito aos direitos difusos e

coletivos.

O Estado Constitucional foi erigido a partir de uma demanda de

anseios sociais exteriorizados através de movimentos que, ora, pugnavam pela

melhoria dos sistemas de saúde, ora, pela educação e emprego, entre outras

insurgências. A diretriz básica dessa concepção político-jurídica, linhas gerais,

é encontrar parâmetros capazes de fazer valer as irresignações da sociedade,

sobretudo às relativas aos direitos jusfundamentais.

Diante do fato de que a Constituição de 1988 contemplou princípios

fundamentais e mecanismos ou garantias processuais, é possível pensar que o

Judiciário, por possuir competência e embasamento teórico, detém a

capacidade e o dever de agir em prol da concretização dos postulados

constitucionais.

Pode-se dizer que o Estado Constitucional de Direito configura a atual

conjuntura político-jurídica, na qual é priorizada a concretização dos valores

jusfundamentais consagrados na Constituição. Com isto, as garantias

processuais e os mecanismos de interpretação e de aplicação dos princípios

constitucionais são coniderados meios de defesa dos cidadãos, para que

possam reclamar seus direitos e o Poder Judiciário, com base nisto, exercer,

com excelência, o seu papel institucional.

O Estado Constitucional tem inegável compromisso com a

implementação dos valores jusfundamentais; valores estes que já se

encontram previstos normativamente na Constituição, motivo pelo qual

assumem caráter de mandamentos vinculantes, o que possibilita a sua

interpretação e aplicação pelo Poder Judiciário, à vista das atribuições que lhes

foram conferidas.

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35

Assim, a implementação de políticas públicas deve ser encarada sob o

ponto de vista da relevância social e jurídica inerente aos direitos

fundamentais. Estes direitos, por terem estrutura normativa de princípios,

devem de alguma forma ser concretizados, sob pena de violação ao próprio

fundamento político que baseia o Estado Constitucional.

Deste modo, cada esfera do Poder Estatal deve voltar-se à

concretização dos postulados constitucionais, para que estejam assegurados

os pilares do Estado Constitucional.

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36

2 RELEITURA DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E O

PAPEL DO JUDICIÁRIO NO ESTADO CONSTITUCIONAL

Neste capítulo, o objetivo é analisar o papel exercido pelo Poder

Judiciário diante do contexto do Estado Constitucional, cuja característica

marcante é busca incessante pela efetividade dos direitos fundamentais,

através de mecanismos processuais e hermenêuticos aptos a levar a efeito a

implementação destes direitos.

Inicialmente, a abordagem será voltada ao princípio da separação dos

Poderes, porquanto sua interpretação deve ser reestruturada a fim de que

sejam concretizados os postulados do Estado Constitucional, dentre eles a

garantia dos direitos fundamentais.

O princípio da separação dos Poderes tem grande influência neste

trabalho, pois a intervenção do Poder Judiciário no âmbito da Administração

Pública em sentido estrito pressupõe certos cuidados: deve ser resguardada a

independência dos Poderes, ou seja, cada um deve realizar seu papel de

acordo com as competências que lhes foram atribuídas constitucionalmente,

sendo vedada a intervenção desmotivada de um na esfera do outro.

A partir da releitura do princípio da separação dos Poderes, abordar-

se-á a questão polêmica que envolve o papel do Judiciário nos dias atuais; um

fenômeno surgido em razão do enfraquecimento das funções políticas do

Estado – Legislativo e Executivo –, do qual decorre a chamada judicialização

da política ou politização da justiça, traduzida na tomada de decisões políticas

por parte do Poder Judiciário.

2.1 A RELEITURA DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Como visto no primeiro capítulo desse trabalho, o Estado

Constitucional caracteriza-se por contemplar, em Cartas Constitucionais

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37

rígidas, direitos fundamentais individuais e sociais e por disponibilizar

mecanismos hermenêuticos e processuais de implementação de tais garantias.

José Sérgio da Silva CRISTÓVAM ressalta, com clareza, as

características do Estado Constitucional:

A supremacia da Constituição e o caráter vinculante dos direitos fundamentais são os traços característicos do Estado constitucional, um modelo de Estado de direito pautado pela força normativa dos princípios constitucionais e pela consolidação de um modelo substancial de justiça, conforme pensado pelas teorias pós-positivistas.43

Considerando isso, não só o princípio da separação dos Poderes, mas

todas as instituições que fazem parte do Estado devem ser reestruturadas, pois

as atividades estatais devem estar voltadas à consecução das finalidades

registradas no Texto Constitucional. Sendo assim, não basta que cada órgão

exerça a sua função com independência, é necessário, sobretudo, que exista

um controle, uma fiscalização das atividades exercidas, o que é proposto pelo

sistema de freios e contrapesos, cujo objetivo é assegurar a harmonia entre as

funções do Estado e afastar qualquer possibilidade de exercício arbitrário do

Poder.

Para tanto, pretende-se, nos tópicos subseqüentes, abordar a evolução

da teoria da separação dos Poderes, desde seus primórdios, em Aristóteles,

para chegar à clássica teoria elaborada por Montesquieu, passando pelas

concepções propostas por John Locke e Hans Kelsen.

Assim, linhas gerais, o objetivo é demonstrar a necessidade de rever a

teoria da separação dos Poderes, à medida que a clássica versão de

Montesquieu surgiu no seio do Estado Liberal, que, como visto, já foi superado

em razão da afirmação do princípio da supremacia da Constituição frente à

supremacia da legislação infraconstitucional, colocando como pano de fundo a

realização dos direitos fundamentais.

2.1.1 A evolução da teoria da separação dos Poderes

43 Op. cit., p. 451.

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A teoria da separação dos Poderes foi esboçada, pela primeira vez, em

Aristóteles44, que, a partir da obra “A Política”, definiu a tripartição dos poderes

da seguinte forma: a) Poder Legislativo, cuja função é deliberar sobre os

interesses da sociedade; b) Poder Executivo, que consiste em todas as

magistraturas ou Poderes constituídos; e, c) Poder Judiciário, limitado ao

exercício da jurisdição.

Segundo Aristóteles, os poderes são estruturados pela Constituição, a

qual deve dispor acerca da “maneira como são divididos, a sede da soberania

e o fim a que se propõem na sociedade civil”.45 O filósofo grego identificou a

legitimação das três esferas do Poder Estatal em razão do exercício da

cidadania, expressado pela participação popular e pelo voto.

Em LOCKE46, séculos depois, a clássica teoria da separação dos

Poderes passou por algumas adequações.47 O Poder Estatal, antes dividido em

Executivo, Legislativo e Judiciário, foi reestruturado a partir de duas

concepções básicas48: a) Poder Federativo, que compreenderia, também, o

Executivo; e, b) Poder Legislativo. A função Executiva deveria consistir na

aplicação das leis no âmbito interno, a fim de assegurar a ordem, ao passo que

a função Federativa deveria estar relacionada à manutenção da segurança e

das relações com outros Estados, através da formação de alianças políticas. O

Legislativo apareceu como Poder supremo – ressalta-se que a concepção de

44 Filósofo grego, Aristóteles nasceu em 384 a.C. e morreu em 322 a.C. Tornou-se célebre pelas seguintes obras: a Metafísica, a Física, a Ética a Nicômaco, a Política, Da Alma, Da Geração e Da Corrupção e a Poética. Ressalta-se, ainda, a obra Constituições, que teve como objeto de estudo a história e a política de todas as formas de governo e de poder existentes na época; este trabalho serviu de fundamento à mais importante obra de Aristóteles, a Política. (MONDIN, Battista. Curso de filosofia. v. 1. São Paulo: Paulus, 1981. p. 82). 45 ARISTÓTELES. A política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 132. 46 John Locke, filósofo inglês do século XVII, nasceu em Wrington, na Inglaterra, em 1632. Suas principais obras são: O primeiro tratado sobre o governo civil, O segundo tratado sobre o governo civil, Ensaio sobre o intelecto humano e Cartas sobre a tolerância religiosa. (MONDIN, Battista. Curso de filosofia. v. 1. São Paulo: Paulus, 1981. p. 102). 47 Ver: LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos. Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis: Vozes, 1994. 48 Para Bobbio, em Locke, os dois Poderes típicos do Estado são o Legislativo e o Executivo, à medida que, quando o homem ingressa na sociedade civil, renuncia aos poderes naturais de fazer leis e de punir aqueles que se rebelam.

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Locke é típica do Estado Legislativo, consolidado no século XIX –era legitimado

pelo povo e tinha como “primeira lei natural a própria preservação da sociedade

e de todas as pessoas que nela se encontram”.49 Para Locke, o governo que

não fosse pautado em leis preestabelecidas e de caráter permanente seria

“absolutamente incompatível com as finalidades da sociedade e do governo,

aos quais os homens não se submeteriam à custa da liberdade do estado de

natureza, senão para preservar suas vidas, liberdades e bens [...]”50.

Destarte, é possível afirmar que este filósofo relacionou o princípio da

separação dos Poderes com a idéia de subordinação: subordinação do Poder

Executivo ao Poder Legislativo, uma vez que, sem leis, toda e qualquer forma

de atuação estatal deveria ser considerada arbitrária. Na concepção lockeana o

Judiciário não é visto como Poder autônomo, sua função aparece vinculada ao

Poder Legislativo, pois “a função do juiz imparcial é exercida, na sociedade

política, eminentemente pelos que fazem as leis, porque um juiz só pode ser

imparcial se existem leis genérica, formuladas de modo constante e uniforme

para todos”.51

Mais tarde, MONTESQUIEU52 deixou a sua contribuição para o

aprimoramento da teoria da separação dos Poderes, a partir de sua célebre

obra intitulada “O Espírito das Leis”53, que projetou a clássica e atual versão da

divisão e distribuição das funções dos Poderes, inscrita no art. 2º da Carta

Constitucional brasileira.54

49 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos. Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis: Vozes, 1994. parágrafo 134, p. 162. 50 Ibidem, parágrafo 137, p. 165. 51 Op. cit., p. 233. 52

O Barão de La Brède e de Montesquieu, Charles-Louis de Secondat, nasceu em Bordéus, no dia 18 de janeiro de 1689, herdou de seu tio cargo de membro do Parlament de Bordeau, que era um órgão judiciário coletivo, função que exerceu até 1726, quando vendeu o cargo por necessidade financeira, aliada ao seu desinteresse em permanecer como membro do Parlament. Foi membro da Academia Francesa. Dentre suas obras, destacam-se: Lettres Persanes, Le Temple de Gnide, Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua decadência e a sua mais célebre e última obra O espírito das leis, publicada em 1748. 53 Ver: Livro Décimo Primeiro: “Das leis que formam a liberdade política em sua relação com a Constituição”, Capítulo IV, “Da Constituição da Inglaterra”. (MONTESQUIEU. O espírito das leis. Tradução Cristina Murachco. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 167-178). 54 “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

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Montesquieu, assim como Aristóteles e Locke, defendeu que o Poder

Estatal não pode ficar nas mãos de uma só pessoa, as tarefas do governo

devem ser distribuídas entre pessoas diferentes, que tenham competência

delimitada para exercer cada função atribuída.

Deste modo, segundo essa concepção, o Poder Estatal divide-se da

seguinte maneira: a) Poder Legislativo; b) Poder Executivo das coisas,

relacionado à administração; e, c) Poder Executivo vinculado ao direito civil,

isto é, o poder de julgar. Ao propor a divisão dos poderes, o filósofo acentuou a

necessidade de manter um equilíbrio com o objetivo de impedir o abuso e a

interferência ilegítima na esfera de outro Poder.

Na visão do filósofo, o Judiciário não deve ser considerado um Poder

autônomo, devendo permanecer afastado, principalmente, da função

legislativa, pois não lhe compete criar o direito, mas, sim, aplicar o direito.

Neste sentido, teoriza MONTESQUIEU:

Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado dos Poderes Legislativo e Executivo. Se estivesse unido ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao Poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.55

E ainda:

[...] o poder de julgar, tão terrível entre os homens, como não está ligado nem a certo estado, nem a certa profissão, torna-se, por assim dizer invisível e nulo. Não se têm continuamente juízes sob os olhos; e teme-se a magistratura, e não os magistrados.56

Montesquieu considerou o Judiciário um Poder não político, ao

contrário do que ocorre com o Executivo e com o Legislativo, estes, por sua

vez, devem estar sempre equilibrados e este equilíbrio é devido a duas

faculdades: a de impedir, que consiste no direito de tornar nula ou anular uma

resolução tomada por quem quer que seja; e a de estatuir, que atribui a um

órgão constitucional controlar, limitar ou contrabalançar o poder de outro

55 MONTESQUIEU. O espírito das leis. Tradução de Cristina Murachco. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 168. 56 Ibidem, p. 169.

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órgão.57 Essas duas faculdades são atribuições do Judiciário, que assume,

assim, função controladora e harmonizadora frente aos demais Poderes.

Essa noção foi objeto de nova interpretação apresentada por Alexis de

TOCQUEVILLE58. Tocqueville não alterou a idéia clássica da tripartição dos

Poderes – Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário –, mas

demonstrou, através do estudo realizado nos Estados Unidos da América –

compilado na obra “A democracia na América” –, o sistema de freios e

contrapesos, descrevendo pormenorizadamente a estrutura norte-americana

de divisão dos Poderes.

De acordo com Tocqueville59, nos Estados Unidos da América, o Poder

Legislativo foi entregue a duas Assembléias: o Senado, que concorre na função

legiferante, atua como julgador em caso de delito político e como conselheiro

executivo da nação; e, a Câmara dos Representantes, que, eleita pelo povo,

expressa a soberania nacional e tem a precípua função de criar leis. Segundo

Tocqueville, o Poder Executivo é representado por uma única pessoa: o

Presidente da República, cargo eletivo, que, entretanto, se encontra abaixo do

interesse público, fundamento de legitimação de toda e qualquer decisão do

governo. No que tange ao Judiciário, o autor reconhece o papel de controlador

dos Poderes políticos e enfatiza a questão do controle de constitucionalidade

das leis, que, segundo ele, “[...] foi uma das barreiras mais poderosas que

jamais se elevaram contra a tirania das assembléias políticas”.60

Até aí, pode-se resumir os três Poderes e as suas características da

seguinte forma:

a) Poder Legislativo: cria e modifica o ordenamento jurídico, mediante

a elaboração de normas gerais e abstratas;

57 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional. Coimbra: Coimbra, 1989. p. 111. 58 Alexis Charles Henri Clérel de Tocqueville, aristocrata francês, nasceu em 1805, formou-se me Direito com 21 anos e, logo, ingressou na carreira de magistrado como juiz auditor no Tribunal de Versalhes. Percorreu os Estados Unidos da América, em 1831, a fim de estudar o sistema penitenciário em nome do governo francês, cujo relatório e escritos levaram à reforma do Código Penal francês e serviram de base para a obra A Democracia na América (1835-1840). Outra obra de renome que pode ser destacada é O Antigo Regime e a Revolução, publicada em 1856, três anos antes de sua morte. 59

Ver: TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Tradução de Neil Ribeiro da Silva. 2. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1977. 60 Ibidem, p. 85.

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b) Poder Judiciário: garante a incolumidade do ordenamento jurídico

através de decisões individuais e concretas, decorrentes do

processo de interpretação das normas jurídicas;

c) Poder Executivo: administra os interesses da sociedade, nos limites

impostos pela legislação.

Essa apresentação da teoria da separação dos Poderes foi refutada

por Hans KELSEN, em meados do século XX. A crítica tecida pelo jurista

relaciona-se à separação das funções legislativa, executiva e judiciária.

Neste sentido, afirma KELSEN:

[...] apenas as normas gerais criadas pelo ‘órgão’ legislativo são designadas como ‘leis’ (leges). Mesmo quando a Constituição sustenta expressamente o princípio da separação de poderes, a função legislativa – uma mesma função, e não duas funções diferentes – é distribuída entre vários órgãos, mas apenas a um deles é dado o nome de órgão ‘Legislativo’. Esse órgão nunca tem o monopólio da criação de normas gerais, mas, quando muito, uma determinada posição favorecida, tal como a previamente caracterizada.61

Diante disso, é possível observar que Kelsen defendeu que não

apenas o Legislativo está incumbido de criar normas, mas, também, o

Judiciário e o Executivo, não obstante a previsão da separação dos Poderes na

maioria das Constituições contemporâneas.

O Executivo legisla através dos decretos; o Judiciário, quando realiza o

controle de constitucionalidade das leis e dos decretos-leis e, ainda, quando

suas decisões – proferidas em casos concretos e determinados – revertem-se

em precedentes para o julgamento de casos similares. Essas normas têm

caráter geral, à semelhança das leis elaboradas pelo Poder Legislativo, razão

pela qual as funções do Estado confundem-se em certo aspecto. Por tais

argumentos Kelsen sustentou a desestabilização da teoria da diferenciação

material das funções do Estado62.

Neste contexto, surge a discussão acerca da politização do Judiciário,

emergindo o debate sobre a separação dos Poderes. A discussão tem seu

ponto de partida na busca pela concretização dos direitos fundamentais e na 61 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 266. 62 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional. Coimbra: Coimbra, 1989. p. 250.

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necessidade de manter a harmonia entre os Poderes Constituídos, argumentos

que justificam a exigência de um controle eficaz em relação à cada esfera do

Poder Estatal.

2.1.2 A interpretação neoconstitucionalista do princípio da separação dos Poderes

No atual contexto político, a teoria da separação dos Poderes deve ser

reestruturada, verifica-se a necessidade de mudar a ênfase do binômio

“harmonia e independência”: se antes era preservada, sobretudo, a

independência, hoje, o que se busca cultivar é a harmonia. A harmonia

almejada depende de mecanismos hábeis a promover o controle das diferentes

funções estatais; o sistema de freios e contrapesos deve ser reestruturado a

fim de garantir as liberdades fundamentais e os direitos sociais.

A tripartição dos Poderes, idealizada por Montesquieu, não encontra

lugar na atual conjuntura política constitucionalista. O Estado é visto, hoje,

como um poder uno e indivisível, que detém funções, as quais devem ser

desempenhadas por diferentes órgãos e, ao mesmo tempo, controladas, para

que sejam atingidas as finalidades propostas na Carta Política.

Acerca das funções e da busca pelo alcance das finalidades do Estado,

Paulo Ferreira da CUNHA, ao tratar de Jellinek63, ilustra:

Para Jellinek, na análise do Estado parte-se dos fins para as funções. Mas se aqueles são dois, estas vêm a ser três, dado que três seriam também os meios. Como fins, contar-se-iam os culturais e os jurídicos; como meios, haveria a considerar dois tipos de normação, a abstracta e a concreta. No respeitante às funções, corresponderia à normação abstracta de índole cultural ou jurídica, a função legislativa; a actividade concreta de âmbito cultural encontrar-se-ia a cargo de uma função administrativa; e idêntica concretização, agora no domínio do judicial, seria do foro de uma função judicial. Daqui decorreriam

63 Sobre Jellinek, ver: JELLINEK, George. Teoria General del Estado. Cidade do México: FCE, 2002.

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os três tipos de actos – leis, actos administrativos e decisões judiciais.64

Pode-se afirmar, então, que as funções estatais – divididas em:

executiva, legislativa e jurisdicional – devem ser dispostas de maneira a

propiciar os fins do Estado, sendo que, cada uma, atua de forma diferente,

dentro das competências que lhes foram atribuídas e através dos atos

administrativos, das leis e das decisões judiciais.

A perspectiva garantista, que envolve a consecução das finalidades do

Estado remonta o sistema de freios e contrapesos65, sugere, na linguagem de

Cappelletti66, conexões recíprocas e controles mútuos entre as três funções

que caracterizam o poder estatal.

Nesse diapasão dispõe Carolina de Freitas PALADINO:

[...] a teoria dos freios e contrapesos estabelece entre os três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) funções independentes entre si e, dentro da referida lógica as previsões diversas, as respectivas e específicas competências, conjugando-se para um modelo harmônico de consecução dos objetivos e metas do governo.67

Daí emerge a idéia de que deve existir um controle, uma fiscalização

entre os Poderes, evidenciando-se o controle exercido pelo Poder Judiciário

hoje.

A problemática proposta neste trabalho em relação à teoria da

separação dos Poderes é justamente a possibilidade do Judiciário exercer um

controle de políticas públicas, o que requer, necessariamente, a sua

intervenção na esfera de competência do Executivo. Entretanto, esta

intervenção legitima-se à medida que a pretensão, no interior do Estado

64 CUNHA, Paulo Ferreira da. Pensar o Direito: I - do realismo clássico à análise mítica. Coimbra: Livraria Almedina, 1990. p. 240. 65 O sistema de freios e contrapesos (checks and balances) foi idealizado, inicialmente, na obra “O Federalista” (1787) por Alexander Hamilton, James Madison e John Jay. Nesta primeira concepção, o Judiciário já era visto como órgão controlador. 66 CAPPELLETTI, Mauro. Repudiando Montesquieu? A expansão e a legitimidade da Justiça Constitucional. Tradução de Fernando de Sá. Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. n. 40. Porto Alegre, 2001. p. 43. 67 PALADINO, Carolina de Freitas. Políticas Públicas: considerações gerais e possibilidade de controle judicial. Revista de Direito Administrativo e Constitucional, ano 8, n. 32. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 229.

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Constitucional, é garantir a efetividade dos direitos fundamentais individuais e

sociais.

A possibilidade de realizar esse controle não coloca o Judiciário em

posição hierarquicamente superior às demais funções estatais, pois a sua

intervenção deve partir de um único pressuposto: a segurança da ordem

constitucional e de seus postulados; a supremacia da Constituição face aos

atos administrativos (função executiva) e às leis (função legislativa).

Ademais, cumpre frisar que o sistema de freios e contrapesos proposto

contempla o controle entre os Poderes no intuito de estabelecer barreiras ao

exercício arbitrário de qualquer uma das funções e, diga-se, ainda, que o

Judiciário não o faz de ofício, mas, sim, é provocado a fazer, provocações

estas que emanam das irresignações da sociedade e que apenas são levadas

à esfera jurisdicional quando não são atendidas por quem deveria atender.

Quando se fala em controle de funções, logo vem à mente o Judiciário.

Tal pensamento está intimamente ligado à possibilidade deste órgão exercer o

controle de constitucionalidade das leis.68

O controle de constitucionalidade surgiu como argumento

enfraquecedor da teoria de Montesquieu, construída sobre as bases do Estado

Liberal, em que o Poder Judiciário era considerado um órgão nulo e invisível.

Atualmente, não há Estado Democrático de Direito que não registre em sua

Constituição o controle de constitucionalidade, pois este apresenta-se como um

dos instrumentos aptos a garantir os fundamentos do Estado Constitucional,

sobretudo, os direitos fundamentais e o ideal democrático.

Sobre o controle de constitucionalidade das leis, comenta o jurista

Alexandre Morais da ROSA:

Se a Constituição é considerada o fundamento de validade do sistema jurídico e as normas infraconstitucionais devem guardar pertinência formal e material, necessário o estabelecimento de mecanismos de obediência. Daí surge o controle de constitucionalidade das normas. Significa, assim, a possibilidade do controle dos atos normativos expedidos pelo Estado, compreendido em suas diversificadas funções

68 O controle de constitucionalidade (judicial review) foi suscitado, pela primeira vez, a partir do célebre caso Marbury vs Madison, decidido por John Marshall, membro da Suprema Corte Norte-Americana, em 1803.

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46

(Executiva, Legislativa e Judiciária), na busca incessante da concretização e respeito à Constituição.69

Assim, é confiada à função jurisdicional a efetivação e tutela dos

mandamentos constitucionais, o que reflete a preocupação dos cidadãos com

os interesses políticos vazios que direcionam a atuação das funções legislativa

e executiva. Essa situação é bem ilustrada pelo fato de que ao Supremo

Tribunal Federal foi atribuída a função de exercer, em ultima instância, a

guarda da Constituição.

Diante disso, o Judiciário vê-se fortalecido em razão do princípio da

imparcialidade, que, em tese, garante decisões e soluções desvinculadas de

caráter político, diversamente do que ocorre no âmbito do Executivo e do

Legislativo, cuja essência é e deve ser política.

Fábio Konder COMPARATO menciona com parcimônia a superação da

clássica separação dos Poderes pela idéia de Poder Estatal uno, divido em

funções:

[...] a passagem da nomocracia liberal ao Estado telocrático contemporâneo tornou indispensável um reexame da classificação tradicional dos Poderes estatais. Classicamente, ela se funda na supremacia incontestável da lei sobre todas as demais manifestações da atividade estatal. Por isso mesmo, no modelo constitucional clássico, o Poder Supremo é sempre o Legislativo, ao qual compete, em sua qualidade de representante por excelência do povo, a tarefa solene de dar expressão legal à soberania popular. Aos demais Poderes – o executivo propriamente dito, na parte administrativa, e o Judiciário, em caso de conflito de interesses – cabe a mera execução das normas legais, sem nenhuma iniciativa ou impulso próprio. O constitucionalismo liberal consagrou em cheio esse paradigma de Estado Legislativo.

Quando, porém, a legitimidade do Estado passa a fundar-se, não na expressão legislativa da soberania popular, mas na realização de finalidades coletivas, a serem alcançadas programadamente, o critério classificatório das funções e, portanto, dos Poderes estatais só pode ser o das políticas públicas ou programas de ação governamental. E aí, à falta de uma conseqüente reorganização constitucional de Poderes, a qual dê preeminência à função planejadora, que ordena estrategicamente as múltiplas atividades estatais, é ao

69 Op. cit., p. 103.

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47

Governo, impropriamente chamado agora Poder executivo, que incumbe o papel hegemônico.70

É neste sentido que se pretende fazer a releitura do princípio da

separação dos Poderes afirmado na época liberal clássica. Como visto no

primeiro capítulo dessa monografia, as idéias liberais, que apontavam para a

supremacia da legislação infraconstitucional, foram abandonadas e cederam

lugar à supremacia da Constituição, que, hoje, pressupõe a existência de um

Estado uno, baseado em três funções: legislativa, executiva e jurisdicional,

sendo que, entre elas, deve haver não apenas independência, mas, sobretudo,

harmonia, papel assumido pelo Judiciário através do controle dos atos

administrativos e dos atos normativos, que, entretanto, deve ser pautado em

instrumentos legítimos e capazes de garantir a efetividade dos direitos

fundamentais individuais e sociais.

Salienta-se que, neste trabalho, interessa analisar apenas o controle da

atividade administrativa pelo Judiciário, porquanto o tema é limitado à

abordagem das políticas públicas. Neste seguimento, no próximo item,

discorrer-se-á sobre a polêmica judicialização da política ou politização da

justiça.

2.2 A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NO BRASIL

Para melhor entender a releitura da separação dos Poderes proposta

no item anterior – concepção em que o Judiciário surge como um órgão

controlador frente às demais funções estatais (Executiva e Legislativa), à

medida que se afigura como protetor, em última instância, dos mandamentos

constitucionais, observar-se-á, neste ponto, ante as demandas de caráter

social e econômico mais prementes da sociedade, o fenômeno da

judicialização da política no Brasil, sob o substrato do Estado Constitucional.

70 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Interesse público. n. 16. Porto Alegre: Notadez, 2002. p. 56.

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Para tanto, serão abordadas duas correntes de pensamento que

versam sobre a exigência ou não de um maior formalismo na atuação

jurisdicional, ou seja, o conceito procedimentalista e o substancialista, os quais

defendem, linhas gerais e respectivamente: (a) que a atuação jurisdicional deve

ater-se apenas à aplicação da lei, a qual limita o processo de interpretação da

norma jurídica; e, ao contrário, (b) que o processo de interpretação deve ser

eficiente no sentido de garantir, em primeira mão, os direitos fundamentais e os

pilares do Estado Constitucional, sem restringir a magistratura ao texto da

norma, permitindo-se, assim, uma postura incisiva do Judiciário no tocante às

omissões perpetradas pelos demais órgãos estatais.

Ressalta-se que o procedimentalismo e o substancialismo são

correntes doutrinárias, correntes de pensamento, que, embora pontuadas com

mais ênfase por alguns juristas e sociólogos, açambarcam outras teorias.

Assim, levando em consideração a análise ampla dos fundamentos que

norteiam o controle judicial de políticas públicas, o estudo não será voltado a

apenas um autor, mas a todos que, de alguma forma, contribuem para o

alcance do objetivo geral da pesquisa.

É neste cenário que emerge o debate em torno da judicialização da

política, como será exposto nos itens seguintes.

2. 2. 1 Procedimentalismo

O procedimentalismo, sustentado por Habermas71 e Garapon72, tem

sua estaca marcada no processo de formação da vontade da maioria. Para que

sejam alcançados os objetivos almejados pela corrente procedimentalista, este

processo deve percorrer todos os grupos sociais que se encontram inseridos

na sociedade de determinado Estado, haja vista a necessidade de expressão

dos anseios desses diferentes grupos para a concretização de uma democracia

consistente. Deste modo, tem-se como pressuposto para o processo de

71 Ver: HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre a factilidade e a validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1997. 72 Ver: GARAPON, Antoine. Le Gardien de Promesses. Paris: Odile Jacob, 1996, p. 25.

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formação da vontade majoritária a intervenção dos diversos grupos que

compõem a sociedade como um todo.

À luz das Constituições contemporâneas, com a positivação dos

direitos fundamentais, restou assinalada a inclusão da função jurisdicional na

esfera política, como garante da correlação entre direito e justiça. Habermas

identifica a ampliação das funções do Judiciário como originária da construção

do Welfare State (Estado de Bem-Estar Social) e coloca a jurisdição

constitucional como um palco de batalha em torno da divisão dos Poderes.

A corrente procedimentalista, como visto, não nega o fenômeno da

judicialização da política, entretanto, o repele, sob o argumento de que

depositar no Judiciário expectativas decorrentes do descontentamento com o

sistema político seria ignorar o processo de formação da vontade majoritária e,

por conseguinte, derrubar os postulados democráticos.

Neste sentido, elucidam Luiz Werneck VIANNA, Maria Alice Rezende

de CARVALHO, Manuel Palacios Cunha MELO e Marcelo Baumann BURGOS:

Desse eixo viria a compreensão de que a invasão da política pelo direito, mesmo que reclamada em nome da igualdade, levaria à perda da liberdade, ‘ao gozo passivo de direitos’, ‘à privatização da cidadania’, ao paternalismo estatal, na caracterização de Habermas, e, na de Garapon, ‘à clericalização da burocracia’, ‘a uma justiça de salvação’, com a redução dos cidadãos ao estatuto de indivíduos-clientes de um Estado providencial.73

Nessa linha de raciocínio, o Judiciário não pode ser visto como

instituição cuja função é zelar pelas demais funções do Estado – Executiva e

Legislativa –, sua competência deve restringir-se à aplicação da lei, pois, em

virtude da harmonia entre os Poderes, é vedada a sua interferência em esfera

alheia à jurisdicional. Ademais, não é de bom grado que o Judiciário assuma

caráter prestacional, visto que não lhe compete atuar positivamente no sentido

de cumprir carências da sociedade; o contrário, no pensar procedimentalista,

contribuiria para a transformação de cidadãos em indivíduos-clientes,

dependentes de um Estado providencial, dado o descrédito da população com

as instituições políticas.

73 VIANNA, Luiz Werneck [et al]. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 23-24.

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Cumpre esclarecer que Estado providencial é aquele que assume o

dever de prestar auxílio à população no âmbito social, econômico e cultural a

fim de reduzir as desigualdades sociais – típica idéia do Estado Social, surgido

no segundo pós-guerra, como já mencionado no primeiro capítulo deste

trabalho. Como anota GARAPON: “[...] em um sistema providencial, o Estado é

todo-poderoso, podendo a tudo satisfazer, remediar, atender”.74

Na concepção procedimentalista, um Estado que pretende a tudo

atender, ou melhor, comprometido com a realização das necessidades sociais,

ao inspirar confiança nos cidadãos, gera, por outro lado, cobranças da própria

população que quer ver cumpridas as promessas. Logo, um Estado

providencial deve ter, além de comprometimento, estrutura para assegurar o

cumprimento das promessas e essa função compete às instituições políticas,

representantes da vontade majoritária, consideradas o principal mecanismo de

exercício da democracia.

Com base nessa situação, de descontentamento da população em

relação às promessas não cumpridas pelas instituições políticas, o Judiciário

surge como órgão apto a concretizá-las, tanto pelas competências

constitucionais que lhe foram outorgadas, quanto pela concepção

contemporânea de Estado, que exige a realização dos direitos jusfundamentais

previstos na Constituição. Nesse contexto, o Judiciário não só cria novos

argumentos, mas aplica-os na prática como fundamento de decisões

denominadas políticas por esta corrente, em razão da interferência em

matérias que não lhes competem.75

Diante desses fatores, a corrente procedimentalista observa, nas

sociedades atuais, um movimento de migração do lugar simbólico da

democracia para o da justiça, o que leva ao enfraquecimento das instituições

políticas e, via de conseqüência, ao fortalecimento do Judiciário como instância

de salvação das promessas não cumpridas pelos demais Poderes.76

74 GARAPON, Antoine apud VIANNA, Luiz Werneck [et al]. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. 75 Como decisões de teor político, pode-se citar, aqui, as determinações do Judiciário em relação à distribuição de medicamentos ou à implementação de vagas em escolas públicas. 76 Op. cit., p. 25.

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Nesse vértice, Luiz Werneck VIANNA [et al.] referem-se a Antoine

GARAPON:

O sucesso da Justiça é inversamente proporcional ao descrédito que afeta as instituições políticas clássicas, em razão do desinteresse existente sobre elas e a perda do espírito político.77

A crítica de Garapon à tomada de decisões políticas pelo Judiciário

resta muito bem elucidada na citação supra. Percebe-se que Garapon, ao

mesmo tempo em que critica o “sucesso da justiça”, afirma o problema da falta

de interesse dos cidadãos pelo desenvolvimento e aprimoramento da política,

ou seja, a “perda do espírito político”. Este é o ponto de partida do

posicionamento procedimentalista: busca-se a conscientização da sociedade, a

participação dos diversos grupos econômicos e sociais no processo de

formação da vontade majoritária; se isso ocorresse, na visão procedimental, as

instituições políticas estariam legitimadas por uma democracia eficiente e cada

função estatal – Executivo, Legislativo e Judiciário – exerceria seu papel em

harmonia com as demais.

É oportuna, mais uma vez, a contribuição de Luiz Werneck VIANNA [et

al.], visto que a obra esclarece com precisão e didática a corrente

procedimentalista. Em um parágrafo os autores resumem como é encarado

pela corrente procedimentalista o novo papel do Judiciário:

Da perspectiva de Garapon, o redimensionamento do papel do Judiciário nas sociedades contemporâneas seria a conseqüência da ruína do edifício mental e institucional da modernidade, revestindo-se dos sombrios contornos de uma crise monumental do paradigma político da democracia e da sua expressão dogmática – a soberania popular -, construído a partir da Revolução Francesa. Assim, segundo ele, o Judicário tem avançado sobre o campo da política onde prosperam o individualismo absoluto, a dessacralização da natureza simbólica das leis e da idéia de justiça, a deslegitimação da comunidade política como palco da vontade geral, a depreciação da autonomia cidadã e a sua substituição pela emergência do cidadão-cliente e do cidadão vítima, com seus clamores por proteção e tutela, a racionalidade incriminadora e, afinal, o recrudescimento dos mecanismos pré-modernos de repressão e de manutenção da ordem. A incontida expansão do direito seria um indicador de ‘malaise’ nas sociedades

77 GARAPON, Antoine apud VIANNA, Luiz Werneck [et al]. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

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atuais, uma vez que, mais do que ameaçar a democracia representativa, poria em risco os próprios fundamentos da liberdade ao transferir a criação das leis do soberano para uma casta sacerdotal, praticante de uma justiça de salvação e usurpadora do papel e das funções que antes couberam às burocracias weberianas nas sociedades modernas.78

Nesta corrente, portanto, a Justiça não pode ser vista como instância

de salvação, mas, sim, como um órgão que detém a competência de oferecer

as melhores soluções para os conflitos surgidos no seio da sociedade. Desta

forma, a sociedade deve ser encarada como um amálgama de diferentes

ideologias, que se encontram no processo de formação da vontade da maioria

e, quando bem estruturadas, levam à uma democracia consistente, em que

cada função estatal pode atuar com autonomia, sem ensejar um controle

externo, senão aquele que provém do próprio exercício da cidadania.

Considerando isso, Habermas propôs um processo comunicativo, que

deixa de lado princípios e conteúdos substantivos, assim como os valores, para

dar lugar a procedimentos que possibilitem a formação democrática da opinião,

a qual pressupõe a participação de cidadãos capazes de criar um discurso

orientado para o entendimento, “[...] que assegure aos falantes participantes no

acto de comunicação um mundo da vida intersubjetivamente partilhado,

garantindo assim simultaneamente um horizonte no seio do qual todos se

possam referir a um só objectivo”.79

Esse argumento procedimental pode ser traduzido da seguinte forma:

enquanto a política de governo for resultado de um processo democrático, em

que a todos é assegurado o direito de participação na formação da opinião

pública, verifica-se desnecessário o controle externo dos Poderes. Assim, no

paradigma procedimentalista, o Estado não é apenas garante de direitos

subjetivos, mas, sobretudo, como garante da participação popular.

Destarte, no que interessa a esse trabalho, o procedimentalismo pode

ser compreendido como um paradigma contrário ao ativismo judicial,

porquanto, para essa corrente, a prestação jurisdicional com qualquer teor

político fere o processo democrático, ao mesmo tempo que corrobora o

definhamento das instituições políticas e a “perda do espírito político”. 78 Ibidem, p. 26. 79 HABERMAS, Jürgen. Racionalidade e Comunicação. Tradução de Paulo Rodrigues. Lisboa: Edições 70, 1996. p. 192.

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Para tanto, a proposta desse eixo é promover na sociedade um amplo

debate acerca de questões sociais, políticas, econômicas e culturais, que

proporcionem a comunicação entre diversos grupos e a conscientização dos

cidadãos para que seja alcançado o verdadeiro objetivo democrático e

preservada a independência dos Poderes.

No item seguinte, em contraposição à corrente procedimentalista,

abordar-se-á a corrente substancialista, que parte de diferentes pressupostos e

é defendida por autores como Dworkin, Cappelletti e Lênio Streck.

2. 2. 2 Substancialismo

A corrente substancialista, defendida por Ronald Dworkin80, Mauro

Cappelletti81 e, no Brasil, por Lênio Luiz Streck82, tem sido aplicada

principalmente nos países de cultura ocidental. Oposto ao procedimentalismo,

que propõe um paradigma de democracia formal, o substancialismo propõe

uma concepção material da ordem democrática.

O substancialismo é fruto da positivação, na Constituição, de valores e

princípios ligados a um ideal de justiça e da configuração do Poder Judiciário

como garante, em última instância, da efetivação dessas normas que passaram

a compor o ordenamento jurídico.

Além disso, o substancialismo preocupa-se com as minorias, devendo

ser compreendido como uma crítica construtiva à democracia representativa

(democracia formal), que, apesar de expressar a vontade da maioria, acaba,

80 Ver: DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 81 Ver: CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993. 82 “Alinho-me, pois, aos defensores das teorias materiais-substanciais da Constituição, porque trabalham com a perspectiva de que a implementação dos direitos fundamentais-sociais (substantivados no texto democrático da Constituição) afigura-se como condição de possibilidade da validade da própria Constituição, naquilo que ela representa de elo conteudístico que une política e direito.” (STRECK, Lênio Luiz. Verdade e Consenso. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 25)

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muitas vezes, suprimindo o interesse das parcelas da sociedade que não estão

inseridas no processo de formação da vontade majoritária.

Essa exclusão decorre naturalmente da democracia representativa e é

agravada pela hegemonia de certos grupos, principalmente grupos

econômicos, que buscam obter vantagens através das instituições políticas.

Assim, para Lênio STRECK “os procedimentos democráticos

constituem, por certo, uma parte importante, mas só uma parte, de um regime

democrático e têm de ser verdadeiramente democráticos no seu espírito”.83

Considerando essas falhas da democracia representativa, no que diz

respeito às desigualdades promovidas pela exclusão de certos grupos do

processo de formação da vontade, o substancialismo sugere a implementação

de políticas públicas acompanhadas de uma postura ativista do Judiciário

durante o processo de produção da norma jurídica.

Acerca da relação entre o substancialismo e o ativismo judicial, Luiz

Werneck VIANNA [et al.], comentam a posição adotada por Cappelletti:

[...] o processualista italiano entende que o Poder Judiciário pode contribuir para o aumento da capacidade de incorporação do sistema político, garantindo a ‘grupos marginais’, destituídos de meios para acessar ‘os poderes políticos’, uma oportunidade para a vocalização das suas expectativas de direito no judicial process. [...] Tais considerações encontraram reforço na constatação de que os direitos e as liberdades fundamentais não têm sido respeitados pela vontade da maioria, importando graves ameaças às liberdades e aos direitos das minorias. Para Cappelletti, portanto, ‘a noção de democracia não pode ser reduzida a uma simples idéia majoritária’, pois que, como se comprovaria na experiência contemporânea, não se pode entender a criação da lei como resultado de um procedimento substancialmente democrático.84

Como bem anotaram os autores, os direitos e as liberdades

fundamentais estão, na democracia formal, voltados tão-somente à maioria,

olvidando a situação dos que nela não estão inseridos. Diante disso, a garantia

de acesso à justiça revela um importante papel do Judiciário no que tange às

minorias, que se encontram excluídas do processo de formação da vontade. Ao

passo que a democracia representativa deixa falhas ao não permitir que todos

participem do processo de formação da vontade, o acesso à justiça aparece

83 Ibidem, p. 153. 84 Op. cit., p. 34.

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como um mecanismo de inserção dos grupos excluídos, permitindo-lhes

reivindicar seus direitos e, de alguma forma, participar da agenda política e

social.

Neste contexto, o substancialismo afirma uma nova postura do

Judiciário em relação às demais funções estatais, deixando-se de lado a

independência para permitir o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes.

Esse ponto é crucial para pontuar o procedimentalismo e o

substancialismo. À medida que no paradigma procedimental nenhum dos

Poderes deve ser colocado em posição distinta dos outros, no sentido de

exercer controle sobre as demais atividades estatais, para a corrente

substancialista, que encontra fundamento de legitimidade na primazia e

concretização das normas constitucionais, o Judiciário, pode, quando

provocado, intervir nas demais esferas do Poder Estatal para fazer valer o

conteúdo disposto na Constituição.

Nesse sentido, aduz Lênio Luiz STRECK:

[...] entendo que, o órgão encarregado de realizar a jurisdição constitucional deve ter uma nova inserção no âmbito das relações dos poderes do Estado, levando-o a transcender as funções de checks and balances, mediante uma atuação que leve em conta a perspectiva de que os direitos fundamentais-sociais, estabelecidos em regras e princípios exsurgentes do processo democrático que foi a Assembléia Constituinte de 1986-88, têm precedência mesmo contra texto legislativos produzidos por maiorias parlamentares (que, a toda evidência, também devem obediência à Constituição).85

Partindo-se da seguinte premissa: efetivação das normas

constitucionais que concentram direitos e garantias fundamentais-sociais;

verifica-se necessária a adoção de um modelo que defenda a participação

conjunta de todos os Poderes no sentido de cumprir a Constituição,

principalmente, no que tange ao seu conteúdo material. Deste modo, a corrente

substancialista propõe o ativismo judicial, ponderado e não discricionário, que

transcenda o sistema de freios e contrapesos para controlar as demais funções

estatais, principalmente em casos de omissão quanto à implementação dos

postulados jusfundamentais.

85 Op. cit., p. 31.

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Essa concepção é a mais adequada aos “países de modernidade

tardia”, como o Brasil; o problema não está no Texto Constitucional, este prevê

todas as garantias necessárias ao alcance das finalidades propostas, o

problema tem sua nascente no não cumprimento das normas constitucionais

fundamentais. Assim, ressurge o aspecto compromissório e dirigente da

Constituição, em que reside o papel transformador do Direito e do Estado.86

Considerado isso, no item seguinte será abordado, especificamente, o

ativismo judicial no Brasil, sob o ponto de vista substancialista.

2. 2. 3 O ativismo judicial no Brasil

Analisadas as teses procedimentalista e substancialista, cumpre,

agora, verificar qual tem exercido maior influência durante o processo de

produção da norma jurídica no Brasil.

Preambularmente, é possível considerar o ativismo judicial como

decisões de cunho político tomadas pelo Judiciário, que, de alguma forma,

influenciam as esferas legislativa e executiva.

O Brasil, país em desenvolvimento, segundo o jargão da teoria política,

em que a modernidade chegou tardiamente, tenta constantemente acompanhar

a evolução de outros países. Contudo, ao passo que a economia e a tecnologia

desenvolvem-se, as instituições políticas são esquecidas e a estrutura

originária, proposta vinte e um anos atrás, não mais sustenta relações sociais

complexas que surgem todos os dias em função da rápida expansão da

globalização. Nem relações sociais, nem a desigualdade gerada por posturas

que vigeram desde o liberalismo e que, agora, foram retomadas pelo

neoliberalismo são resolvidas com base no plano inicial.

Embora seja esse o cenário, a proposta é encontrar solução para os

problemas que assolam a sociedade brasileira, como, por exemplo, reparar a

falha deixada pela democracia formal: inserir minorias no processo de

formação da vontade majoritária. Aqui, o processo de formação da vontade

86 Ibidem, p. 35.

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majoritária é concebido no seu sentido mais amplo, haja vista que as minorias

têm, sim, acesso a este processo, porém, são manipuladas e, além disso, não

são consideradas destinatárias do produto final, que é a efetivação das

promessas.

Assim, é salutar encontrar mecanismos e/ou iniciativas que atenuem os

problemas de uma sociedade complexa no intuito de levar a efeito o propósito

do constituinte. No contexto do Judiciário, pode-se destacar o ativismo judicial

como uma dessas iniciativas, porquanto cabe a este órgão, em última

instância, guardar a Constituição e primar pela sua concretização.

Como visto, o ativismo judicial é característico da corrente

substancialista, cuja essência é refletida na efetivação dos direitos

fundamentais e sociais previstos no Texto Constitucional. O substancialismo

adentra nesse assunto com o objetivo de nortear a adoção de uma postura

ativa do Judiciário no que tange às omissões das demais funções estatais e,

assim, passa a considerá-la uma necessidade para a solução de problemas

como a não implementação de políticas públicas pelo Executivo.

Sobre esse novo perfil do juiz, salienta Alberto Silva FRANCO:

Uma sociedade marcada por profunda exclusão social não se compatibiliza com o perfil de um juiz apegado ao texto da lei, insensível ao social, de visão compartimentada do saber, auto-suficiente e corporativo. E, acima de tudo, com um juiz que ainda não teve a percepção de que sua legitimação não se apóia na vontade popular ou nas leis de mercado, mas substancialmente na sua função central de garantidor dos direitos, que atribuem dignidade ao ser humano, e dos valores axiológicos incorporados aos modelos sociais que têm a democracia como uma garantia irrenunciável.87

Ressalta-se que, do ponto de vista substancialista, a intervenção do

Judiciário nas esferas políticas não é arbitrária, nem discricionária, sendo

necessária ao propósito desta corrente.

Neste contexto, à medida que a corrente substancialista defende o

ativismo judicial, a procedimentalista o contesta sob o argumento de que

devem ser observados os limites da jurisdição constitucional, pois, caso

contrário, estar-se-ia promovendo o enfraquecimento da cidadania e da 87 FRANCO, Alberto Silva. O perfil do juiz na sociedade em processo de globalização. In: MESSUTI, Ana e ARRUBLA, Sampedro (org.). La administración de justicia en los albores del tercer milenio. Bueno Aires: Editorial Universidad, 2001. p. 99.

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democracia, o que não condiz com o pluralismo. Segundo Lênio Luiz STRECK,

decisões judiciais de cunho político não perpassam o filtro do

procedimentalismo habermasiano, porque estariam carentes da racionalidade

argumentativa que essa concepção exige.88

As decisões proferidas no âmbito da jurisdição constitucional são

decorrentes de uma postura incisiva e de alto teor argumentativo, deixam de

lado o formalismo da lei para enaltecer a interpretação coerente da Carta

Política, pautada nos valores – princípios – nela propostos. Tais decisões não

são todas relativas à implementação de políticas públicas, esta é apenas uma

espécie das decisões tomadas no exercício da jurisdição constitucional e

merece ser vista em tópico específico, que será abordado no capítulo seguinte.

Por ora, a atenção ficará voltada às decisões que ilustrem o ativismo judicial

promovido atualmente pelos juízes brasileiros, não apenas na jurisdição

constitucional concentrada (STF), mas, também, nas outras esferas no

Judiciário; ilustrar isso não é tarefa difícil, pois o ativismo, no Brasil, tem sido

assunto recorrente em Tribunais e até mesmo na sociedade civil, é alvo de

críticas e, por outro lado, ganha o apoio de juristas e da própria população.

Acerca da insubsistência do procedimentalismo em países como o

Brasil, STRECK comenta:

Observe-se que, mesmo que Habermas diga, em seu Pensamento Pós-Metafísico, que, embora a razão comunicativa seja uma tábua insegura e vacilante, e que esta não se afunda no mar das contingências, ainda quando tal estremecimento e, alto-mar seja o único modo de dominar as contingências, é preciso ter claro que o mundo prático – o excesso de faticidade em um país como o Brasil – produz tantas contingências que, sem dúvida, vão além desse estremecimento.89

O Brasil é um país que se torna complexo em função da larga extensão

territorial, o que enseja uma diversificação de conflitos sociais, políticos e

econômicos (excesso de faticidade90). Além disso, como já mencionado, a

desigualdade, no contexto brasileiro, toma proporções gigantes e a política

88 Op. cit., p. 123. 89 Op. cit., p. 130. 90 Esta expressão remete-se à diferenciação habermasiana entre o plano da validade do que é estabelecido pelo Direto e, de outra parte, o plano da facticidade, que compreende as relações sociais concretas.

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proposta, na qual a democracia é meramente representativa, em seu aspecto

estritamente formal, não dá conta dos problemas surgidos.

A jurisdição constitucional torna-se, assim, concretizadora da

Constituição, mesmo que para isso seja necessário intervir na esfera legislativa

ou executiva no sentindo de exigir o cumprimento das funções que lhes foram

atribuídas, como forma de garantir a efetividade dos princípios constitucionais.

A fim de complementar o raciocínio e adequar ainda mais esta

tendência à realidade brasileira, é possível mencionar um caso recente

deflagrado no âmbito da jurisdição constitucional exercida pelo Supremo

Tribunal Federal, que é uma verdadeira manifestação da “jurisprudência de

valores”91, mas, no entanto, serve de alvo a críticas fundamentadas no

pensamento procedimental.

Luiz Carlos CINTRA, em artigo publicado acerca da discussão travada

no Supremo Tribunal Federal em torno do caso “Raposa Serra do Sol”92,

utilizando-se desse caso, aproveitou para abordar o papel ativista do Supremo

Tribunal Federal, veja-se:

Centro da atenção nacional, o plenário do STF pôde exercitar mais uma vez o seu ‘novo protagonismo’, como tem sido chamada a maior exposição do tribunal na mídia, muitas vezes em decisões que esbarra, em uma zona de fronteira com os outros poderes. [...] Para os críticos os ministros têm ido além de suas atribuições. Seus defensores alegam que o STF apenas trata de ocupar o ‘vácuo’ criado, ora pelo Legislativo, ora pelo Executivo, numa evidente postura menos técnica e mais política, cuja resultante seria positiva ao fortalecer o regime democrático e adaptar a legislação brasileira aos novos tempos, em sintonia com os anseios da sociedade.93

91 Por esta expressão entende-se as correntes de direito que, a partir de diversas propostas, tentam aproximas os planos axiológicos e jurídicos. (Cf. CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade Administrativa. Curitiba: Juruá, 2001) 92 A reportagem foi publicada na revista Carta Capital, em 3 de setembro do corrente ano Este caso é fruto de um conflito entre índios e fazendeiros acerca da demarcação das terras de Makunaima, extremo norte da Roraima. Em sede de ação popular, o Ministro Ayres Britto defendeu, liminarmente, a demarcação contínua das terras em favor dos índios que lá se encontravam, fazendo uma abordagem principiológica dos mandamentos constitucionais. PET3388, em tramitação no STF. 93 CINTRA, Luiz Paulo. Paranóia rechaçada. Supremo: em voto contundente, o Ministro Ayres Britto resiste às pressões e defende a demarcação contínua da Raposa. Revista Carta Capital. n. 511, Ano XV, 3 de setembro de 2008. Rio de Janeiro. p. 24.

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Desse pequeno trecho, é possível perceber a proporção que tem

tomado o ativismo judicial no Brasil; deixou de ser assunto reservado às

funções estatais para ganhar exposição à sociedade em geral. Essa exposição

também é devida, como bem ressaltado pelo autor, à força da comunicação, da

mídia, que difunde a informação e, muitas vezes, distorce-a.

Para elucidar isso, destaca-se a seguinte passagem da referida

matéria:

Midiáticos, eloqüentes, sempre dispostos a prejulgamentos, uma parcela dos integrantes do Supremo age como ‘rei Sol’. Uma porção expressiva da sociedade e a mídia, de modo geral, não só aplaudem como estimulam esse comportamento, sem se dar conta de que excessos do Judiciário podem facilmente descambar para uma espécie de ditadura.94

Assim aparece a atual situação da jurisdição constitucional brasileira ao

menos perante a mídia; este pode ser um claro exemplo da maneira como a

sociedade enxerga a atuação positiva do Judiciário.

Ainda, nessa reportagem os juristas Ives Gandra Martins e Dalmo

Dallari comentam o fenômeno do ativismo judicial:

Diante da ausência dos demais poderes; o STF atua, mas sempre querendo acertar, assim como fazem juízes, promotores, a PF. Acredito que estamos vivendo uma sarampo institucional, algo inédito nos meus 50 anos de advocacia, decorrente do pouco tempo de vida da Constituição. E, nesse contexto, o STF tem procurado agir para coibir os excessos. (Ives Gandra Martins)

[...]

É positivo sairmos do enfoque técnico, literal, e considerarmos também o substrato social. [...] Essa postura aumenta o poder de influência, mas também suas responsabilidades. (Dalmo Dallari).95

A sociedade, por meio da mídia, está a par do novo fenômeno que está

invadindo, ainda com certa timidez, as diversas instâncias do Judiciário, desde

a primeira até a última, composta pelo Supremo.

Essa é a feição experimental do ativismo judicial proposto pelo

substancialismo. As críticas questionam a legitimidade do Judiciário para

94 Ibidem, p. 24. 95 Ibidem, p. 27.

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proceder ao controle das atividades políticas; sustentam a intervenção

arbitrária na esfera dos outros Poderes. Os posicionamentos favoráveis

defendem um novo papel dos juízes, que leve em consideração a gama de

valores estabelecidos na Constituição. Neste contexto, verifica-se necessária a

oxigenação dos entendimentos, é preciso enfrentar os problemas sociais e

oferecer alguma solução; a sociedade precisa de respostas para as promessas

não cumpridas, e esse é papel do Estado, enquanto poder uno e indivisível.

Assim, quando uma das funções omite-se, cabe à outra interferir a fim de fazer

valer as propostas da Carta Política e essa competência é atribuída ao

Judiciário, que exerce, em última análise, a jurisdição constitucional.

Diante disso, é consistente a tese procedimentalista, que prima pela

não intervenção do Judiciário nas demais funções estatais, sustentando seu

argumento na defesa da democracia representativa. Entretanto, sua aplicação

torna-se viável em países de estrutura política bem definida, em que cada

Poder exerça efetivamente a competência que lhe foi atribuída, trabalhando,

cada um a seu modo, uma forma de alcançar as finalidades propostas na

Constituição.

Infelizmente, não é o que ocorre no Brasil atualmente, país de

modernidade tardia, em que os Poderes políticos não concretizam as

promessas constitucionais e as minorias não estão inseridas no processo de

formação da vontade, onde as desigualdades sociais, econômicas e culturais

perduram. Nesse caso, busca-se uma solução imediata, mas que tenha

fundamentos consistentes. Logo, propõe-se a concepção substancialista, a

qual concentra nos direitos fundamentais-sociais a sua base ideológica.

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62

3 POLÍTICAS PÚBLICAS: POSSIBILIDADES DE

IMPLEMENTAÇÃO PELO JUDICIÁRIO E OS LIMITES QUE

PERMEIAM O ATIVISMO JUDICIAL NESSA SEARA

Nesse derradeiro capítulo, serão abordados os métodos de

interpretação utilizados pelos juízes que assumem uma postura atuante frente

às necessidades sociais. Essa abordagem partirá da análise da teórica e

jurisprudencial, agora, restrita ao ativismo judicial quando o tema for a

“implementação de políticas públicas”. As decisões judiciais colhidas para

estudo serão dissecadas com base na teoria proposta nos capítulos

antecedentes e a atenção voltar-se-á aos argumentos utilizados em cada

posicionamento.

Superado este estudo, será feito um contraponto: os limites que

permeiam a “jurisprudência de valores” no que tange à implementação de

políticas públicas pelo Judiciário. Como limite, é possível adiantar a questão

orçamentária, um dos pontos sustentados com ênfase pelos críticos do controle

judicial de políticas públicas.

Visto isso, o trabalho estará completo e os objetivos gerais e

específicos propostos, alcançados.

3.1 DEFINIÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Preambularmente, com o objetivo de situar o leitor no tema proposto, verifica-

se necessário conceituar políticas públicas, antes de adentrar propriamente na

questão do controle judicial.

Neste sentido, é oportuna a definição de Maria Paula Dallari BUCCI:

[...] a política é mais ampla que o plano e se define como o processo de escolha dos meios para a realização dos objetivos do governo, com a participação dos agentes públicos e privados. Políticas públicas são os programas de ação do

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governo, para a realização de objetivos determinados, num espaço de tempo certo.96

As políticas públicas refletem-se na coordenação dos meios postos à

disposição do Estado no intuito de realizar os objetivos socialmente relevantes

e politicamente determinados, constituindo um problema de direito público, em

sentido lato. A política é definida como processo de escolha dos meios para a

realização dos objetivos do governo.97

Oportuna, também, a conceituação de Ana Paula de BARCELLOS:

[...] compete à Administração Pública efetivar os comandos gerais contidos na ordem jurídica e, para isso, cabe-lhe implementar ações e programas dos mais diferentes tipos, garantir a prestação de determinados serviços, etc. Esse conjunto de atividades pode ser identificado como ‘políticas públicas’. É fácil perceber que apenas por meio das políticas públicas o Estado poderá, de forma sistemática e abrangente, realizar os fins previstos na Constituição (e muitas vezes detalhados pelo legislador), sobretudo no que diz respeito aos direitos fundamentais que dependam de ações para sua promoção.98

A escolha das políticas públicas e o plano que as precedem são tarefas

atribuídas às funções políticas – legislativa e executiva –, a elas cabe definir e

direcionar os recursos de que dispõem.

Neste contexto, conforme Eduardo APPIO99, o Judiciário não pode,

mesmo quando provocado, praticar atos típicos e privativos da Administração

Pública, pois isso configuraria ferimento à separação dos Poderes e

interferência na discricionariedade administrativa de escolha das políticas

públicas. Com efeito, ao Judiciário é vedada a escolha dos meios, sua tarefa

compreende tão-somente a determinação da execução dos programas já

definidos e não cumpridos no sentido de dar efetividade às garantias

constitucionais voltadas aos indivíduos.

96 BUCCI, Maria Paula Dallari. As políticas Públicas e o Direito Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público. v. 13. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 140. 97 Ibidem, p. 135-136. 98 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. In: Revista de Direito Administrativo. v. 240. Rio de Janeiro: abr./jun., 2005. p. 90. 99 APPIO, Eduardo. Controle judicial de políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2003. p. 168-169.

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BUCCI vincula o tema “políticas públicas” ao direito administrativo, sob o

argumento de que estas somente lograrão êxito e refletirão o desenvolvimento quando

o processo de planejamento, que as precede, for manejado com qualidade; e, aí,

inserem-se os servidores públicos, bem como a disciplina dos serviços públicos, o que

justifica o enfoque dado sob o aspecto administrativista.100

Por outro lado, a autora afirma que “o fundamento mediato das

políticas públicas, o que justifica o seu aparecimento, é a própria existência dos

direitos sociais – aqueles dentre o rol de direitos fundamentais do homem, que

se concretizam por meio de prestações positivas do Estado”.101

Neste contexto, tem-se que as políticas públicas são meios utilizados

pelo Poder Público para assegurar os direitos sociais: saúde, habitação,

previdência, educação. Ao Estado incumbe efetivar tais direitos; para alcançar

a finalidade proposta, poderá valer-se de políticas públicas e dos meios

necessários para implementá-las. No entanto, importante reconhecer que as

políticas públicas não são todas ligadas aos direitos fundamentais e sociais,

existem modelos que fogem a esse parâmetro, como, por exemplo, a política

econômica, muito debatida durante o período de crise financeira mundial.

Contudo, a análise aqui abrangerá apenas as políticas que versam acerca dos

direitos sociais, considerando que estes são um dos pilares do Estado

Constitucional.

Logo, partindo-se da premissa de que a implementação de políticas

públicas é um dos meios pelos quais se verifica possível a concretização dos

direitos sociais, previstos na Constituição, as políticas públicas, neste trabalho,

serão estudadas sob a óptica do direito constitucional.

3.2 POSSIBILIDADES DE IMPLEMENTAÇÃO JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: ANÁLISE TEÓRICA E JURISPRUDENCIAL

3.2.1 Análise teórica

100 BUCCI, Op. cit., p. 143. 101 Ibidem, p. 135.

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O controle judicial de políticas públicas parte da premissa inscrita no

art. 5º XXXV da Constituição da República, in verbis:

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Ademais, como já mencionado, o Judiciário detém a função de zelar

pela aplicação das normas constitucionais, o que decorre da chamada

jurisdição constitucional que lhe foi atribuída.

Partindo desses dois pressupostos, é possível afirmar que ao Judiciário

compete “controlar a legalidade e a legitimidade da atuação da Administração

Pública, anulando os atos contrários ao ordenamento jurídico”.102

Entretanto, ressalta-se que o exercício desse controle é tarefa delicada,

pois deve ocorrer numa estreita faixa de competência, sob pena de violar a

esfera de outro poder, haja vista o princípio da independência dos Poderes.

Considerando que o Judiciário é o órgão que detém a função de zelar

pela Constituição, bem como a necessidade de que todas as funções estatais

atuem harmonicamente no sentido de alcançar os objetivos propostos na Carta

Política (art. 3º), é possível exigir dos juízes, através dos meios cabíveis, que

as promessas sejam cumpridas.

Essa é a atual tendência jurisprudencial, que caminha na direção de

abandonar o conservadorismo para assumir uma posição atuante, cuja

principal característica traduz-se na realização dos direitos fundamentais e no

controle das atividades políticas, desde que haja provocação.

O Judiciário tem sido constantemente provocado a manifestar-se

acerca do controle de políticas públicas. Os casos mais recorrentes são as

discussões em torno do fornecimento gratuito de medicamentos e da instituição

de vagas na rede pública de educação.

Tais provocações são intentadas através do controle de

constitucionalidade das leis – sistema difuso e concentrado (ação direta de

inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, argüição de

descumprimento de preceito fundamental) –, assim como por meio das

102 CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: Revista Zênite. N. 41. Ano IV, Dez/2004. p. 453.

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garantias processuais previstas na Constituição: mandado de injunção,

mandado de segurança coletivo, ação popular e ação civil pública (de iniciativa

popular ou do Ministério Público). Salienta-se que o mecanismo processual

mais utilizado nessa seara é a ação civil pública intentada pelo Ministério

Público que, neste caso, atua como fiscal da lei.

As ações coletivas são verdadeiros instrumentos de garantia da

inserção das minorias; nessa medida, o Judiciário aparece como um promotor

da democracia, pois proporciona aos excluídos o acesso a serviços públicos. A

função jurisdicional deve ser compreendida como garantidora de direitos,

podendo ser acionada para fazê-los valer, para que se façam respeitados e,

assim, no tocante à condução de políticas públicas.

O Judiciário atua não apenas em relação às ações que atentem às

finalidades insculpidas na Constituição, mas, também, em relação às omissões

perpetradas pela Administração Pública (Executivo) e pelos representantes do

povo (Legislativo), haja vista que tanto uma quanto a outra acarretam prejuízos

e implicam responsabilidade civil do Estado.

Oportuno destacar o comentário de Urbano RUIZ acerca da

possibilidade de controle pelo Judiciário das omissões perpetradas pela

Administração Pública:

[...] a omissão implica responsabilidade civil do Estado, consoante o disposto no §6º do art. 37 da CF. É possível, pois, exigir do Estado que cumpra seu dever legal. Se o Judiciário pode controlar a ação, igualmente pode controlar a omissão. Estar-se-ia, através da ação coletiva, evitando a ameaça de lesão. Há apenas que verificar se a Administração estava obrigada a fazer (ato vinculado) ou se ela apenas tinha a faculdade (ato discricionário). Quando a atividade é vinculada, é plenamente possível ir a Juízo exigir o cumprimento da obrigação de fazer. O poder de polícia, o disciplinar, o regulamentar não são discricionários. A Administração pode decidir quando fazer, a melhor maneira de fazer se, contudo, deixar de fazer. É que a lei já lhe determinava que fizesse. O mesmo se diga com respeito aos serviços públicos, que não podem deixar de ser prestados pelo Estado.103

Assim que se pretende encarar o controle judicial de políticas públicas,

principalmente no que tange à omissão da atividade administrativa, uma vez 103 RUIZ, Urbano. A utilização do Judiciário para questionar e obrigar a Administração a desenvolver políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Criminais. v. 36. Ano 9. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, out.-dez. p. 251-256.

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que estão em jogo direitos fundamentais. E isso é corroborado pelo inciso

XXXV do art. 5º da Constituição, que, como visto, elenca como direito

fundamental a possibilidade de acionar o Judiciário nos casos em que houver

lesão ou ameaça a direito.

Além da leitura principiológica dada aos dispositivos constitucionais no

sentido de afirmar a possibilidade do Judiciário realizar controle sobre a

atividade administrativa, não são poucos os adeptos do neoconstitucionalismo,

que oferecem métodos de interpretação inovadores e consistentes como

respaldo para que o Judiciário possa adentrar nesse âmbito.

A despeito disso, pode-se destacar Robert Alexy104 e Klaus Günther105

como fundadores de uma nova teoria da argumentação jurídica, que

estabelece uma conexão entre direito e moral.

Na mesma linha de raciocínio, merece atenção o garantismo proposto

por Luigi Ferrajoli106, bem como as críticas tecidas por Ronald Dworkin face ao

positivismo clássico e a sua contribuição para uma nova concepção do direito

fundamentada no neoconstitucionalismo.

Agregado a isso, é possível citar como parte da corrente que sugere a

dogmática constitucional: Gustavo Zagrebelsky107, Peter Häberle108 e Friedrich

Müller109. No Brasil, um novo modelo de interpretação das normas

constitucionais, atrelado à nova crítica do direito, é proposto por Lênio Streck e,

com relação à interpretação dos direitos fundamentais, em específico, ganha

destaque a contribuição de Ingo Sarlet110.

Todos esses autores constroem suas teorias e críticas a partir de uma

interpretação do direito que leva em consideração o contexto social e histórico,

104 Ver: ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Tradução de Manuel Atienza e Isabel Espejo. 2. ed. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007. 105 Ver: GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Tradução de Claudio Molz. São Paulo: Landy, 2004. 106 Ver: FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoria del garantismo penal. Traução de Perfecto Andrés Ibáñez. 7. ed. Madrid: Trotta, 2005. 107 Ver: ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. 4. ed. Tradução de M. Gascón. Madrid: Trotta, 2002. 108 Ver: Häberle, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes: Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997. 109 Ver: MÜLLER, Friedrich. Métodos de Trabalho do Direito Constitucional. Tradução de Peter Neumann. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 110 Ver: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

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visando, sempre, o alcance dos fins estabelecidos na Constituição e a

promoção dos direitos fundamentais.

Como princípios norteadores do processo de interpretação da norma

jurídica, quando se está diante de normas constitucionais, destacam-se: a)

unidade da Constituição (interpretar a Constituição, evitando a contradição de

suas normas); b) efeito integrador (na solução de conflitos entre normas, dá-se

preferência aos que favoreçam a integração política e social, bem como o

reforço da unidade política); c) máxima efetividade ou eficiência (a

interpretação deve ser realizada de modo que se dê a ela a maior eficácia); d)

justeza ou conformidade funcional (veda a interpretação que subverta, altere ou

perturbe o esquema de organização e funcionamento da Constituição como um

todo); e) concordância prática ou harmonização (consiste na combinação e

coordenação dos bens jurídicos em conflito, de forma a evitar o sacrifício total

de uns sobre os outros); e, f) força normativa da Constituição (entre as diversas

interpretações possíveis, deve dar-se ao caso concreto o sentido de

preferência que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das

normas constitucionais).111

Além desses princípios, o controle judicial de políticas públicas deve

ater-se à máxima efetividade dos direitos fundamentais, uma vez que a

implementação de políticas públicas pelo Judiciário tem um único objetivo:

reparar ou proteger lesão a direito fundamental decorrente de ato ou omissão

da Administração Pública em sentido estrito.112

Os direitos fundamentais devem ser interpretados como fruto de um

consenso mínimo oponível a qualquer grupo político, pois constituem

elementos valorativos essenciais, sem os quais não é possível estabelecer um

funcionamento adequado de um procedimento de deliberação democrática.113

O controle deve ser realizado de maneira coerente, com argumentos

fortes, a fim de que a alteração tomada não seja eivada de arbitrariedades e

macule ainda mais o que, a princípio, deveria ser retificado.

111 GARCIA, Marcos Leite; CADEMARTORI, Luiz Henrique. Estado Constitucional ante las dimensiones de la moral y el derecho. IV Congreso Internacional de Gestión Empresarial y Administración Pública, v. 1, p. 120-135, 2008. 112 Ressalta-se que, embora alguns autores rechacem a utilização desses princípios como métodos que permitem a interpretação das normas constitucionais, muitas vezes, sob o argumento de que são contraditórios, aqui cabe apenas denunciá-los. 113 BARCELLOS, Op. cit., p. 89.

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É imprescindível que a decisão judicial nessa seara seja reflexo de

uma análise profunda acerca da proporcionalidade dos meios a serem

utilizados para sanar lesão ao direito fundamental ameaçado ou lesado, bem

como verificar se são adequados para sanar o vício.

Logo, para que seja possível a implementação de políticas públicas

pelo Judiciário, é necessário estabelecer a conduta que violou direito

fundamental, se constitui uma ação ou omissão do ente responsável, e, num

segundo momento, identificar que direito(s) estaria(m) sendo questionado(s).

Constatado isso, deve ser realizada a análise da proporcionalidade e da

adequação.

A análise da proporcionalidade e da adequação dos meios constitui um

dos métodos hermenêutico que viabilizam o controle judicial de políticas

públicas; a utilização desse método fundamenta-se nas idéias difundidas pelo

neoconstitucionalismo e pelas correntes doutrinárias que sugerem o ativismo

judicial como condição de concretização dos postulados do Estado

Democrático de Direito, que como afirma Lênio Streck, assenta-se em duas

premissas inafastáveis: a democracia e os direitos fundamentais.114

A proporcionalidade, segundo Paulo Bonavides, embora não esteja

prevista em uma norma jurídica global, encontra-se expressada em diversas

normas constitucionais e está vinculada à noção de Estado de Direito.

Suzana Toledo BARROS, sobre a origem do critério de

proporcionalidade, aduz:

O princípio da proporcionalidade, como uma das várias idéias jurídicas fundantes da Constituição, tem como assento justamente aí, nesse contexto normativo no qual estão introduzidos os direitos fundamentais e os mecanismos de respectiva proteção. Sua aparição se dá a título de garantia especial, traduzida na exigência de que toda intervenção estatal nessa esfera se dê por necessidade, de forma adequada e na justa medida, objetivando a máxima eficácia e otimização dos vários direitos fundamentais concorrentes (HESSE).115

114 Ob. cit., 2004, p. 110. 115 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003. p. 95.

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Luiz Virgílio da SILVA, por sua vez, entende que a análise da

proporcionalidade é uma decorrência lógica da sistemática de princípios que

norteia o ordenamento jurídico.116

Os princípios, considerados mandados de otimização, devem ser

comparados para que seja possível identificar a qual deles pode ser concedida

a maior efetividade. À essa comparação, pode-se chamar de verificação da

proporcionalidade, que é seguida pela verificação de três outros pressupostos:

adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A relação de adequação, necessidade e proporcionalidade decorre da

grande relevância de que são revestidos os direitos fundamentais. Diz-se,

então, que para a verificação da necessidade deve-se indagar sobre a

existência de medida igualmente eficaz, enquanto que a adequação refere-se à

possibilidade concreta de alcançar o objetivo visado e que a proporcionalidade

em sentido estrito consiste no sopesamento entre a intensidade da restrição ao

direito fundamental atingido e a importância da realização do direito

fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida

restritiva.117

Assim, considerando os pressupostos acima mencionados, o controle

judicial de políticas públicas é viável somente se for o único meio pelo qual seja

possível sanar a lesão ou ameaça configurada, se for apto à promoção do fim

pretendido e se restar comprovado que a satisfação do direito fundamental

atingido sobrepõe-se à medida tomada pela Administração Pública

(ponderação). Presente isso, tem-se configurada a proporcionalidade.

Este é um dos métodos que mais tem sido aplicado relativamente ao

controle exercido pelo Judiciário em face das demais funções estatais. Nesse

sentido, a partir da teoria proposta à hermenêutica constitucional, apresentam-

se possibilidades de implementação judicial de políticas públicas e, no tópico

seguinte, a fim de ilustrar como isso vem ocorrendo na prática, utilizar-se-á de

decisões judiciais que tenham efetivado esse controle.

116 SILVA, Luís Virgílio da. O proporcional e o razoável. In: Revista dos Tribunais. n. 798. São Paulo: Revista dos Tribunais, abril/2002. p.43. 117 Idem.

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3.2.2 Análise jurisprudencial

Inicialmente, salienta-se que a análise jurisprudencial tem o intuito de

demonstrar como o Judiciário tem se posicionado no tocante ao controle de

políticas públicas. A intenção é ilustrar através dos julgados selecionados a

evolução da jurisprudência em todas as instâncias do Poder Judiciário.

Abordar-se-á, sem exaustão, apenas entendimentos que versem acerca de

políticas que envolvam a garantia constitucional da educação.

A jurisprudência nacional ainda atua com certa timidez no campo do

controle judicial de políticas públicas, que encontra limitação, em princípio, em

quatro questões: separação dos poderes, reserva do possível, restrições

orçamentárias, interferência no mérito das decisões administrativas.

Contudo, a realidade política do Brasil revelou que garantias básicas

como educação e saúde estão sendo olvidadas pelo Poder Público em

detrimento de questões menos relevantes. Essa realidade atrelada à

construção teórica em torno do ativismo judicial tem contribuído para que os

juízes adotem posicionamento incisivo no sentido de fazer valer os

mandamentos constitucionais, pondo em prática a concepção formulada por

Hesse de força normativa da Constituição.

O Judiciário tem se mostrado preocupado com a realização dos direitos

fundamentais. Entretanto, não são maioria os magistrados que militam na área

do constitucionalismo contemporâneo, e que, por sua vez, adotam como

máxima a efetivação dos valores, princípios e regras constitucionais.

Todavia, a jurisprudência caminha constantemente em direção à

legitimação da judicialização das políticas públicas. Essa evolução tem

ganhado força a partir das diversas manifestações que o Ministério Público

provoca nessa seara.

Os juízes de primeiro grau, pertencentes a uma nova geração de

juristas, movidas pelos postulados do Estado Constitucional, têm aprofundado

as decisões, apresentando e desenvolvendo argumentos de cunho altamente

teórico e convincente; o conservadorismo tradicional está sendo deixado de

lado e abrindo portas a novos métodos hermenêuticos no processo de

produção da norma jurídica.

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As decisões judiciais mais recorrentes nesse âmbito são as voltadas à

educação e à saúde, condições imprescindíveis à realização da “dignidade da

pessoa humana”.

Neste contexto, passa-se à análise da jurisprudência consolidada no

Brasil, desde a proferida em primeira instância te a referendada no Supremo

Tribunal Federal.

Em medida liminar deferida pelo Juiz da Vara da Infância e da

Juventude da comarca de Joinville, restou determinada a abertura de 2.948

(duas mil, novecentas e quarenta e oito) vagas para crianças em escolas da

rede municipal. O magistrado argumentou que a educação é direito social

básico e que deve ser assegurado antes de outros direitos, como lazer, por

exemplo. Cumpre destacar os principais argumentos dessa decisão:

[...] a legitimidade estatal deve ser ponderada pelo Poder Judiciário, sendo absolutamente descabido assistir de camarote – impassível – às violações da Constituição, mormente em Direitos Fundamentais. Se vingar essa tese, para que serve o Poder Judiciário? No verdadeiro Estado Democrático de Direito, no qual as promessas individuais e sociais são implementadas (ou pelo menos se tenta), a tarefa pela diminuição da injustiça social e cumprimento das promessas (saúde, educação, moradia, segurança, moralidade, etc..) é de todo o Poder Público, rompendo-se com a (ultrapassada) rígida tripartição de poderes (Montesquieu), assumindo-se o Poder único e as diversas funções estatais, executiva, legislativa e judiciária. Esta é a feição do Estado Garantista (Ferrajoli). [...] Com efeito, o Poder Judiciário deve analisar a destinação de recursos públicos que desconsideram a prioridade absoluta prevista no ECA, reordenando e exigindo que os investimentos públicos sejam feitos em conformidade com a Constituição Federal. [...] No caso presente, pelos documentos enviados pelo Secretário Municipal da Educação e Cultura (f.35/46), a população carente de Joinville no montante reconhecido pelo réu de 2.948 crianças (f.36), não têm e não terá o Direito Fundamental de Educação, não obstante o orçamento geral do Município tenha numerário para tanto, porque preferiu-se gastar com outras iniciativas, dentre elas a Construção do Estádio e programas Especiais, tudo de forma inconstitucional. [...] Em sendo, portanto, o Direito à Educação Fundamental e prioridade absoluta, seu cumprimento é imediato. O discurso sobre normas programáticas é ultrapassado, não sendo mais aceito pela doutrina constitucional responsável e garantista. [...] De sorte que está evidenciada com fortes tintas a fumaça do bom direito, consistente na obrigação do réu em cumprir as disposições legais antes indicadas no sentido de proporcionar o Ensino Fundamental às crianças de Joinville, bem como o

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perigo da demora avivado pela existência de pelo menos 2.948 crianças (número reconhecido pelo réu) desprovidas de Direito (Fundamental) à Educação.118 (grifo original)

Ressalta-se que esse entendimento foi derrubado no Tribunal de

Justiça do Estado, que, à época, sustentava posicionamento contrário. No

entanto, em recente decisão, o Tribunal, ao ratificar uma sentença que

reconheceu a obrigação constitucional do Estado de assegurar vagas em

estabelecimentos públicos de ensino infantil, na região de Blumenau, para

dezessete crianças carentes, entre zero e seis anos de idade, adotou

posicionamento diverso. A decisão foi sufragada pela Segunda Câmara de

Direito Público, em votação unânime.

Neste sentido:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA TUTELA DE DIREITOS INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS RECONHECIDA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 2º DA LEI N. 8.437/92. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. ATENDIMENTO DE CRIANÇAS EM CRECHES E PRÉ-ESCOLAS. DIREITO FUNDAMENTAL ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (ART. 208, VI, DA CF). NORMA DEFINIDORA DE DIREITOS, NÃO PROGRAMÁTICA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NÃO CONFIGURADA. PRECEDENTES. RECURSO E REMESSA DESPROVIDOS.119

Ainda no que tange à educação, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CONSTITUCIONAL À CRECHE EXTENSIVO AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NO ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA DEFINIDORA DE DIREITOSNÃO PROGRAMÁTICA. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. 1- O direito constitucional à creche extensivo aos menores de zero a seis anos é consagrado em norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Violação de Lei Federal. "É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade

118 Decisão proferida pelo Juiz Alexandre Morais da Rosa nos autos do Processo n. 038.03.008229-0 em 12 de maio de 2003. 119 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Acórdão n. 2008.031.926-4. Relator: Des. Cesar Abreu, Florianópolis, 3 de setembro de 2008. Disponível em: <www.tj.sc.gov.br> Acesso em: 14 out. 2008.

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própria;II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de (zero) a 6 (seis) anos de idade.”120

Do Supremo Tribunal Federal colhe-se a seguinte decisão:

Interposto de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado: "Mandado de Segurança. Menor. Direito à educação fundamental. Matrícula em escola municipal de primeiro grau próxima à residência do menor. Sentença concedendo a segurança. Recurso apontando nulidade por incompetência absoluta do juízo. Preliminar afastada. Aplicação dos artigos 148, V, 208, I e 209 do ECA. Ensino fundamental garantido não só pelo ECA (arts. 53 e 54), como pela própria Constituição Federal (arts. 205, 208, I e 211, § 2o). questão não só de comodidade, mas de direito à vaga em escola. Função do Judiciário de fazer cumprir e respeitar as normas vigentes que não configura interferência em poder discricionário do Executivo. Ofensa ao direito que merece pronta e imediata correção pelo Poder Judiciário. Decisão mantida. Preliminar rejeitada. Recurso improvidos." Alega-se em RE violação dos artigos 2º; 30; 208, IV; e 211, § 2º, todos da Constituição Federal. O acórdão recorrido possui fundamentação infraconstitucional suficiente (Lei 8.069/90) e não houve interposição de recurso especial. Assim, subsiste o fundamento infraconstitucional, o que atrai a incidência da Súmula-STF 283. No mesmo sentido: RE 402.024, Carlos Velloso, DJ 27.10.2004; AI 431.380, Cezar Peluso, DJ 02.08.2004; AI 410.646-AgR, Nelson Jobim, 2ª T., DJ 19.9.2003, entre outros. Assim, nego seguimento ao RE (art. 557, caput, do C. Pr. Civil). Brasília, 16 de dezembro de 2004. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – Relator.121

Como bem se percebe, o entendimento no âmbito do Judiciário tem

sido aprimorado no sentido de implementar políticas públicas. Os magistrados

têm aprofundado o raciocínio nessa área e garantido, sem temores, a

efetivação dos direitos fundamentais.

A conexão entre teoria e jurisprudência está cada vez mais estreita e

isso permite um juízo fundamentado, com interpretação clara e consistente.

120 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 575-280/SP. Relator: Min. José Delgado. Brasília, DF, 2/09/2004. Diário da Justiça da União 25/10/2004. 121 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 403.609-6-SP. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 16 dez. 2004. Diário da Justiça da União 11/02/2005.

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Dessa forma, corroborada pelos entendimentos jurisprudenciais

colacionados, é possível afirmar que existe, sim, possibilidades de

implementação de políticas públicas pelo Judiciário, mas há, ainda, que se

discorrer acerca dos limites formais a ela impostos, o que será analisado no

tópico seguinte.

3.3 LIMITES IMPOSTOS AO CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

3.3.1 A interferência do Judiciário no mérito do ato administrativo

Como visto, quem define o plano que precede as políticas públicas são

os poderes políticos – Executivo e Legislativo –, ao Judiciário incumbe a tarefa

de fazê-las valer, uma vez que compreendem os meios pelos quais o Estado

deve garantir as finalidades propostas na Carta Política.

Parte da doutrina sustenta que a interferência do Judiciário no âmbito

das esferas políticas é ilegítima em razão, ora, do principio da separação dos

poderes, ora, da reserva do possível, ora, por parte das limitações

orçamentárias e, ainda, em virtude de que a função jurisdicional não teve sua

legitimidade aferida por processo de representação.

Outra parte dos doutrinadores considera falsa essa útlima afirmativa,

sob o argumento de que o controle da atividade política pelo Judiciário é

realizado justamente para reparar as falhas deixadas pela democracia

representativa. O controle judicial, assim, visa reestabelecer a ordem

democrática e assegurar o respeito aos direitos fundamentais.

Deve-se considerar que nem sempre a alteração da vontade dos

parlamentares é contrária à vontade dos cidadãos; do contrário, seria ignorar

os valores previstos na Carta Constitucional e ater-se apenas a uma visão

formal de democracia.

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É sabido que o Executivo pode, enquanto Administração Pública em

sentido estrito, dispor de diversos meios para assegurar programas que

envolvam a satisfação de direitos fundamentais. No entanto, esse “dispor” está

vinculado a uma premissa maior: a observância dos postulados constitucionais;

quanto a isso, é possível afirmar que a Constituição da República, em algumas

passagens, condiciona e limita os meios dispostos, retirando qualquer margem

de discricionariedade dos poderes políticos. É a partir dessa concepção

genérica que se tem, hoje, a idéia de um Estado uno e indivisível; nenhuma

das funções estatais é plenamente autônoma, todas têm as suas atividades

condicionadas à conquista dos fins propostos na Constituição.

A Constituição assegura, por exemplo, a destinação de um percentual

mínimo de recursos ao financiamento da educação (art. 212) e, ainda com

relação à educação, estabelece no art. 208 os meios a serem adotados nas

medidas de promoção desse direito. Ao lado disso, é possível citar os

princípios elencados no art. 37 da Carta Magna, que direcionam a atividade

administrativa, restringindo o espectro de discricionariedade e colocando a

“eficiência” como norte na escolha dos meios mais adequados para a

consecução das finalidades propostas.

Deste modo, a atividade administrativa que não está vinculada a estes

princípios, por mais que sua natureza seja discricionária, é passível de ser

controlada pelo Judiciário, à medida que a premissa maior é a concretização

dos mandamentos constitucionais e a tutela dos direitos fundamentais.

Assim, a proposta de Germana de Oliveira Moraes é uma nova

concepção de discricionariedade. Veja-se:

Urge abandonar a antiga concepção de discricionariedade, plasmada sob a égide do ‘direito por regras’, em função do princípio de legalidade administrativa, e redefini-la, de acordo com os postulados do constitucionalismo da fase pós-positivista, a partir da nova noção do princípio da juridicidade e à luz da compreensão filosófica contemporânea do ‘direito por princípios’.122

122 MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da administração pública. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 43.

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No mesmo sentido, Luiz Henrique Urquhart CADEMARTORI

estabelece uma conexão entre o que deve ser entendido como

discricionariedade e o garantismo jurídico proposto por Luigi Ferrajoli:

Com respeito a como deva ser concebida a discricionariedade num enfoque garantista, esta deve ser observada em dois níveis diferentes dentro do ordenamento jurídico. No primeiro nível, considera-se a discricionariedade em abstrato, a qual não pode deixar de ser plenamente aceita no ordenamento. Isto porque, dentro do sistema normativo, a lei em tese faculta muitas vezes ao agente público a adoção de medidas em uma ou outra direção, ou de uma ou de outra forma, transferindo-lhe a competência para interpretar o sentido da lei que ordena a adoção da providência de medida extrativa mais adequada ao interesse social conforme a situação apresentada. Justifica-se tal âmbito de discricionariedade, em função de que se encontra superado o antigo modelo burocrático-administrativo descrito por Weber, no qual o agente público era concebido como simples autômato, executor de regulamentos detalhistas e precisos, caracterizando a função administrativa como simples execução direta da lei. [...] Agora, considerando um segundo nível da discricionariedade, ou seja, no campo de aplicação concreta, entende-se que, implementada medida, caso o destinatário alegue lesão a direitos, o ato administrativo será levado à via judicial devendo ser aqui amplamente analisada pelo julgador. Portanto, o juiz não somente pode como deve apreciar - não se confunda com a substituição de decisões - na sua inteireza, quaisquer atos oriundos do poder público, tendo como parâmetros as garantias constitucionais e os direitos fundamentais cuja diretriz política estará referida à primazia do administrado frente à administração. Para efetuar tal controle, deverá o órgão judiciário considerar os pressupostos de validade do ato em questão (motivo, a finalidade e causa), verificando se foi observada uma relação de adequação axiológico-constitucional, do ato administrativo, com aquilo que, no caso concreto possa ser o razoável, proporcional, moral, de interesses do cidadão e demais exigências principiológicas. Portanto, sob o parâmetro garantista de validade, deverão ser observados todos os aspectos substanciais dados medidas do poder público, discricionários ou não, em consonância com os direitos fundamentais do ponto de vista axiológico.123

Diante desse novo significado de discricionariedade administrativa em

meio ao Estado Constitucional e às perspectivas garantistas, a interferência do

Judiciário, mesmo em questões em que a conveniência e a oportunidade sejam

critérios afetos à Administração Pública em sentido estrito, é viável, pois como

123 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade Administrativa. Curitiba: Juruá, 2001. p. 180.

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bem ressaltou o autor as garantias constitucionais e os direitos fundamentais

direcionam à primazia do administrado frente ao administrador.

A pretensão é coibir decisões e omissões que atentem direitos

fundamentais e, para tanto, é necessário demonstrar, sob todos os aspectos,

as deficiências do Poder Público em priorizar o que deve ser priorizado e a

possibilidade de interferência do Judiciário nessa seara para fazer valer as

garantias, dada a força normativa da Constituição, o paradigma substancialista

e a idéia de Estado Democrático de Direito.

Superado isso, cabe analisar outras duas limitações impostas ao

controle judicial de políticas públicas: a reserva do possível e a limitação

orçamentária.

3.3.2 Teoria da reserva do possível

Embora a atual conjuntura político-jurídica estatal esteja voltada à

concretização dos valores jusfundamentais estabelecidos na Constituição e

exija uma postura atuante dos juízes, dada a preocupação com os problemas

sociais que assolam o Brasil, há uma tendência, doutrinária e jurisprudencial,

de reduzir a feição prestacional atribuída ao Estado e, por conseqüência, as

políticas públicas que visam à prestação dos serviços públicos.124

É neste contexto que o controle judicial de políticas públicas encontra

limites, conforme as críticas tecidas em torno dessa discussão.

A teoria da reserva do possível está diretamente ligada aos direitos

sociais e, ao mesmo tempo, é considerada

[...] um dos principais argumentos suscitados em desfavor dos direitos prestacionais [...] Aqui, o obstáculo não mais diz respeito no dispositivo positivador do direito prestacional, mas sim ai dado concreto de que tais situações jurídicas demandam

124 PALADINO, Op. cit., p. 224.

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para sua efetivação o dispêndio de recursos financeiros que o Estado, sabidamente detém de forma limitada.125

De acordo com a teoria da reserva do possível, a implementação de

políticas públicas pelo Judiciário invade a questão orçamentária, em que os

recursos financeiros disponíveis são limitados e previamente estabelecidos.

Segundo Vicente de Paulo BARRETO126, a reserva do possível limita o

ativismo judicial na seara da implementação de políticas públicas por três

motivos: a) os direitos sociais caracterizam-se como elementos subsidiários do

Estado e não como elemento fundador; b) a exigibilidade dos direitos sociais

está condicionada a uma economia forte; e, c) é necessário abordar os custos

dos direitos sociais – reserva do possível propriamente dita.

A reserva do possível não significa a inexigibilidade dos direitos

prestacionais, por este argumento o que se pretende é a realização de uma

ponderação destes direitos em relação às questões fundadoras do Estado.

Conforme essa teoria, os direitos sociais não estão em primeiro plano de

atendimento, veja-se: “a reserva do possível é no sentido daquilo que o

indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, não tem como

conseqüências a ineficácia do direito. Esta cláusula expressa simplesmente a

necessidade de ponderação [...]”127.

Como já salientado, os direitos sociais são garantidos pela Constituição

e constituem um dos pilares do Estado Constitucional. Assim, o Estado não

pode eximir-se de assegurar ações prestacionais no sentido de promover tais

direitos. Apesar da consistência da teoria da reserva do possível, é

inconcebível, na conjuntura político-jurídica atual, o descumprimento ou a não

observância dos postulados constitucionais basilares, caso contrário, estar-se-

ia declarando morta a letra da Constituição.

Essa teoria está, também, vinculada ao estabelecimento do “mínimo

existencial”, que, conforme Marcos Maselli GOUVÊA é

[...] um complexo de interesses ligados à preservação da vida, à fruição concreta da liberdade e à dignidade da pessoa

125 GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas: novas perspectivas de implementação dos direitos prestacionais. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 19. 126 BARRETO, Vicente de Paulo apud idem. 127 Ibidem, p. 225.

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humana. Tais direitos assumem, intuitivamente, um status axiológico superior, e isto por serem essenciais à fruição dos direitos de liberdade. Sem direitos sociais mínimos, os direitos de liberdade permanecem um mero esquema formal.128

Há quem afirme que o “mínimo existencial” reflete apenas os direitos

sociais considerados mais relevantes. Afirmar isso seria distinguir em

diferentes categorias os direitos sociais. Os mais relevantes, que estariam em

primeiro plano de atendimento, seriam os direitos sociais relativos à dignidade

da pessoa humana, considerados, também, pressupostos para o exercício do

direito de liberdade.

Tem-se, assim, que os direitos sociais, em alguma dimensão, se é que

podem ser divididos em categorias, são de implementação obrigatória, à

medida que a dignidade da pessoa humana e o direito de liberdade são

necessários ao exercício da cidadania, e isso compreende a oferta de boas

condições de educação e de cultura cívica, consideradas condições sine qua

non para a participação popular no processo decisório. Neste contexto, o

“mínimo existencial” é argumento capaz de refrear a aplicação da reserva do

possível em face dos direitos fundamentais, a partir das relações existentes

entre o Estado Democrático de Direito e o comprometimento com o Texto

Constitucional.129

Sob este prisma, enquanto guardião da Constituição, o Judiciário tem o

dever de primar pelo “mínimo existencial”, pois trata-se de garantia

constitucional. A partir disso, acirra-se o debate em torno do controle judicial de

políticas públicas e das limitações orçamentárias.

3.3.3 Questão orçamentária

Ao lado da reserva do possível e do já mencionado princípio da

separação dos Poderes acha-se um segundo obstáculo: as limitações

orçamentárias.

128 Op. cit., p. 257. 129 PALADINO, Op. cit., p. 227.

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A Constituição da República estabelece as metas a serem alcançadas

pelo Estado, as quais não podem ser objeto de deliberação, mas têm de ser

satisfeitas por meios que viabilizem a sua máxima efetividade; assim, é

permitido às funções estatais que elejam os meios pelos quais os objetivos

devam ser conquistados.

Neste contexto, o orçamento130, previsto na Constituição (arts. 165 a

169), deve ser compreendido como um meio através do qual seja possível

realizar os objetivos da República. Em virtude disso, os planos orçamentários

somente podem ser considerados válidos se estiverem de acordo com as

metas estabelecidas na Carta Magna.

Sobre o assunto, José Sérgio da Silva CRISTÓVAM afirma:

O orçamento deve ser entendido como um instrumento de implementação das disposições constitucionais, a expressão do planejamento das políticas públicas a serem realizadas pela Administração Pública. Nele estão contidas a destinação das verbas, a estimativa das receitas e a fixação das despesas de determinado exercício financeiro. Trata-se de um conjunto de atos normativos pelos quais são elaborados, avaliados e executados os programas governamentais, em todos os planos de atuação do Poder Público.131

A questão é que a implementação de políticas públicas depende de

disponibilidade orçamentária e aí encontra-se mais uma limitação às decisões

judiciais que determinem condutas prestacionais à Administração. A

problemática que envolve o orçamento está ligada à verificação da

proporcionalidade dos meios a serem adotados para a promoção de políticas

que visem a concretização dos direitos fundamentais, ou seja, os meios

130 Para explicar o orçamento, adota-se o entendimento de Sérgio José Cristovam: “Conforme dispõem os art. 165 e seguintes da Constituição de 1988, o orçamento é composto por três leis orçamentárias, todas de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, quais sejam: o plano plurianual, que estabelece as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública federal para as despesas de capital, outras delas decorrentes e para os programas de duração continuada; a lei de diretrizes orçamentária, que compreende as metas e prioridades da Administração Pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício subseqüente, bem como orienta a elaboração da lei orçamentária anual, dispõe acerca das agências financeiras oficiais de fomento; e, a lei orçamentária anual, que trata da previsão de receita e fixação de despesa, do orçamento fiscal dos poderes da União, do orçamento de investimento das empresas em que a União detenha a maioria do capital social com direito a voto e do orçamento da seguridade social”. (Ob. cit., p. 460). 131 Ob. cit., p. 460.

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utilizados para a implementação de tais políticas devem estar em consonância

com o plano orçamentário.

Em países como o Brasil, o fato da limitação orçamentária impede que

sejam efetivados todos os direitos sociais previstos na Constituição, ensejando

a realização de uma ponderação acerca da necessidade de cada fim a ser

alcançado, bem como da possibilidade de exigir a prestação ao Poder Público.

Esse método é proposto por Robert ALEXY132 e visa estabelecer um limite às

exigências da sociedade, pois, já que o orçamento é restrito, não podendo

satisfazer toda à demanda prestacional, é razoável que os cidadãos exijam

apenas o que não podem prover com seus próprios recursos, ressalvado a isso

os direitos sociais vitais como a educação e a saúde, de implementação

obrigatória pelo Estado.

Sob essa óptica, o objetivo que jamais poderá ser negado pelo Estado

é a dignidade da pessoa humana, pois todos os demais direitos que se

afigurem como meio à consecução desse fim devem ser assegurados, não

obstante as limitações orçamentárias; não há Estado Democrático de Direito

que subsista sem a garantia de tal condição.

Tal afirmação é corroborada pelo disposto no art. 212 da Constituição

Federal133, que determina que a União aplique, anualmente, no mínimo, dezoito

por cento da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento

do ensino, bem assim os Estados, Distrito Federal e Municípios, os quais

devem destinar nunca menos do que vinte e cinco por cento à mesma

finalidade.

Além dessa diretriz, relacionada à educação, a Constituição estabelece

outras ligadas ao custeio da saúde (art. 198, §2º134) e da seguridade social (art.

195).

Embora a Constituição tenha estabelecido isso, muitas vezes esgota-

se o mínimo destinado e as necessidades persistem. Nesse caso, apesar do

132 Ver: Ob. cit. 133 “Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”. 134 “Art. 198 [...] §2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais [...]”.

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Texto Constitucional vedar expressamente em seu art. 167, inciso VI135, a

transferência de recursos de uma categoria de programação para a outra sem

prévia autorização legislativa, verifica-se necessário sopesar este comando em

relação ao que preceitua o direito fundamental social.

A partir dessa negativa, é necessária uma argumentação jurídica

consistente que demonstre a primazia da norma material sobre a norma de

ordem formal; e isso é possível à medida que os direitos fundamentais são

considerados pilares do Estado Democrático de Direito. Mesmo com

argumentos fortes, é inarredável a abordagem acerca dos critérios de

proporcionalidade, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido

estrito.

Nesse vértice, aduz Marcos Juruena Villela SOUTO:

Não menos polêmica é a utilização de ação civil pública para obter, pela via judicial, mudança de dotação orçamentária de uma categoria para outra, sob o argumento de assegurar recursos para contratos na área da saúde e educação. O argumento para tanto se fundaria no princípio da razoabilidade, que seria o autorizador de uma ponderação judicial mediante anulação de uma dotação para viabilizar a transferência do crédito para outra dotação, proposta pelo autor e/ou pelo julgador [...].136

Apesar de poucos, alguns juízes têm levado a cabo essa teoria,

permitindo a transferência de recursos de uma categoria para outra, dada a

necessidade de efetivação de direitos fundamentais, muitas vezes agravadas

pela urgência e extrema necessidade. Veja-se:

O administrador público pode escolher suas prioridades discricionariamente somente depois de cumprir com o básico; enquanto não fizer, vedada se mostra a destinação de recursos para finalidades fomentadoras da iniciativa privada. E isso não precisava nem ser dito!

[...]

Nesse pensar, está comprovado documentalmente que o réu favorece o futebol de Joinville com 1.750.000,00 enquanto para os CEIs, com reconhecidas 2.948 (no mínimo) sem aulas, com

135 “Art. 167. São vedados: [...] VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa.” 136 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das parcerias. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005. p. 162.

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seus direitos vilipendiados, na rua, sem o cumprimento da Constituição Federal (CF, 208 e 227) e Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (art. 4o), prevê apenas R$680.000,00 (seiscentos e oitenta mil reais). Logo, o problema não é de falta de recursos, mas de direcionamento e, reitere-se, o Poder Judiciário tem absoluta legitimidade para determinar o cumprimento da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.137

Assim é que a limitação orçamentária e a transferência de recursos

devem ser pensadas, nunca como óbice aos direitos fundamentais, mas como

instrumento de viabilizar, em primeiro lugar, a sua concretização.

No mesmo sentido é o posicionamento adotado por José Sérgio da

Silva CRISTÓVAM:

A escassez orçamentária não é argumento sólido o bastante para afastar o imperativo de implementação dos direitos fundamentais sociais. Ainda que os recursos públicos sejam limitados, não é vedado ao Judiciário determinar ao Estado a alocação de verbas orçamentárias específicas para o cumprimento de direitos sociais. Quando provocado, o Judiciário pode e deve garantir o cumprimento dos direitos fundamentais sociais, sem que isso possa configurar afronta ao princípio da separação dos poderes ou trazer desequilíbrio ao orçamento do Estado. Levando em conta as circunstâncias do caso concreto, cabe ao juiz assinalar ao Poder Público um prazo razoável para o cumprimento da obrigação constitucional, sem que restem afetados os programas governamentais traçados nas leis orçamentárias.138

Destarte, não é plausível obstar a implementação judicial de políticas

públicas quando estão em xeque direitos fundamentais que consubstanciam o

Estado Democrático de Direito; há prioridades e essas prioridades devem ser

levadas em consideração no momento da ponderação dos meios. Argumento

mais forte e consistente do que a limitação orçamentária e a reserva do

possível é o que confere a máxima efetividade dos valores jusfundamentais,

pois sobre eles são erguidos os pilares da atual conjuntura jurídico-política,

sem eles não se teria sequer democracia.

137 Decisão proferida pelo Juiz Alexandre Morais da Rosa nos autos do Processo n. 038.03.008229-0. 138 CRISTÓVAM, Ob. cit., p. 461.

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CONCLUSÃO

A pesquisa cumpriu os objetivos propostos.

Em cada capítulo, as hipóteses restaram bem delineadas através do

método indutivo utilizado.

O estudo acerca da formação do Estado Constitucional contribuiu para

que fosse possível identificar, a partir da abordagem acerca da superação do

estado Liberal e do Estado Social, a atual conjuntura política-jurídica do Brasil,

em que é colocada em primeiro lugar a observância dos direitos fundamentais

e do princípio democrático.

No segundo capítulo, a releitura da teoria da Separação dos Poderes

permitiu o entendimento no sentido de que é extremamente necessário que

todas as funções estatais atuem harmonicamente no sentido de conquistar as

finalidades propostas na Constituição. E a abordagem do ativismo judicial e das

correntes procedimentalista e substancialista oportunizaram a compreensão do

papel que o Judiciário tem exercido atualmente.

O terceiro e último capítulo cingiu-se na abordagem acerca das

possibilidades e das limitações que permeiam o ativismo judicial na seara da

implementação de políticas públicas. Tal estudo foi imprescindível à

compreensão de que nem mesmo a limitação orçamentária ou a reserva do

possível são capazes de impedir a implementação de políticas públicas pelo

Judiciário, uma vez que o objetivo maior é a concretização dos direitos

fundamentais, que não podem ser olvidados em função de questões nem

sempre prioritárias.

Assim, foi possível perceber que as políticas públicas são meios

através dos quais podem ser efetivados os direitos fundamentais sociais, como,

por exemplo, a saúde e a educação. Considerado isso, assim como o papel

relevante dos direitos fundamentais na conjuntura do Estado Constitucional,

tem-se que as políticas públicas devem ser implementadas por quem detém a

atribuição de fazê-las, no caso, o Poder Executivo. No entanto, quando esse se

omite em relação à implementação de políticas públicas, é possível que o

Judiciário, dentro das atribuições que lhe foram conferidas pela Constituição,

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como a função de concretizar, em última instância, os mandamentos

constitucionais, atue no sentido, principal, de efetivação dos direitos

fundamentais, que, por conseqüência, açambarca o controle de políticas

públicas, já que estas constituem verdadeiros artifícios de concretização de tais

direitos.

Entretanto, ressalta-se que este controle deve ser realizado dentro de

uma esfera de competência, a fim de que não haja intervenção arbitrária na

esfera de outra função estatal e de que seja, portanto, legítimo. Neste

compasso, mesmo que os limites sejam tênues, verifica-se que a efetivação

dos direitos fundamentais torna-se tão importante, diante da atual conjuntura

político-jurídica estabelecida no Estado Constitucional, que essas devem ser

flexibilizadas, razão pela qual foi proposta uma releitura da teoria da Separação

dos Poderes, tudo em função do alcance dos objetivos propostos na Carta

Constitucional.

Nessa esteira, com respaldo, principalmente, no pensamento

substancialista, sem deixar de lado os limites impostos pela corrente

procedimentalista, entendo que é perfeitamente possível o controle judicial de

políticas públicas, haja vista que se torna um mecanismo apto a rever as falhas

deixadas pela representação democrática, um mecanismo de inserção das

minorias, de acesso aos serviços públicos e, principalmente, de concretização

dos direitos fundamentais sociais.

Diante disso, o trabalho está concluído e através de uma ponderação

entre as possibilidades e as limitações e de uma análise teórica e

jurisprudencial, foi possível responder a problemática proposta.

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REFERÊNCIAS

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