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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL Marcelo Scherer Gonçalves NBR 15.575/2013: A QUALIDADE DAS HABITAÇÕES SOCIAIS FRENTE À NOVA NORMA DE DESEMPENHO Porto Alegre junho 2014

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE ENGENHARIA

    DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL

    Marcelo Scherer Gonalves

    NBR 15.575/2013: A QUALIDADE DAS HABITAES SOCIAIS FRENTE NOVA NORMA DE DESEMPENHO

    Porto Alegre junho 2014

  • MARCELO SCHERER GONALVES

    NBR 15.575/2013: A QUALIDADE DAS HABITAES SOCIAIS FRENTE NOVA NORMA DE DESEMPENHO

    Trabalho de Diplomao a ser apresentado ao Departamento de Engenharia Civil da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como parte dos requisitos para obteno do

    ttulo de Engenheiro Civil

    Orientador: Luis Carlos Bonin

    Porto Alegre junho 2014

  • MARCELO SCHERER GONALVES

    NBR 15.575/2013: A QUALIDADE DAS HABITAES SOCIAIS FRENTE NOVA NORMA DE DESEMPENHO

    Este Trabalho de Diplomao foi julgado adequado como pr-requisito para a obteno do ttulo de ENGENHEIRO CIVIL e aprovado em sua forma final pelo Professor Orientador e

    pela Coordenadora da disciplina Trabalho de Diplomao Engenharia Civil II (ENG01040) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    Porto Alegre, junho de 2014

    Prof. Luis Carlos Bonin M. Eng. pelo PPGEC/UFRGS

    Orientador

    Profa. Carin Maria Schmitt Dra. pelo PPGA/UFRGS

    Coordenadora

    BANCA EXAMINADORA

    Luciani Somensi Lorenzi Dra. pelo PPGEC/UFRGS

    Guilherme Von Der Heyde Fernandes M. Eng. pelo PPGEC/UFRGS

    Luis Carlos Bonin M. Eng. pelo PPGEC/UFRGS

  • Dedico este trabalho aos meus pais, Edson e Animri, que, com erros e acertos, moldaram meu carter e sempre me

    estimularam a seguir em frente.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo ao Prof. Bonin, orientador deste trabalho, pela pacincia na exposio de novas ideias, estmulo criatividade, emprstimos de bom grado e conhecimento incorporado ao texto. Sem nossas conversas esse trabalho no teria sido realizado.

    Agradeo Profa. Carin, coordenadora da disciplina, pelas correes pontuais, sempre relevantes em termos de contedo e esttica. Devido aos seus mtodos, que no nos permitem tirar uma folga do texto e das apresentaes, tenho certeza que ela contribui, de forma extremamente positiva, com a qualidade de todos os trabalhos de concluso da Escola de Engenharia.

    Agradeo aos professores desta universidade, principalmente aos que tive a felicidade de ter como tutores, que pensam e ensinam a pensar, convidando os alunos curiosidade e negando a reproduo mecnica de contedo, sem questionamentos. A dvida o combustvel do intelecto. Destes, no cito nomes, com receio de cometer alguma injustia.

    Agradeo ao Everton e Maria Anglica pela simpatia e disponibilidade com que me atenderam, demonstrando propriedade e agregando relevncia ao trabalho.

    Agradeo aos meus pais pela educao, carinho, amizade e conforto que sempre me deram. Por mais que tente, eu nunca serei capaz de retribuir o que vocs me proporcionaram. Nunca.

    Agradeo aos amigos, sempre presentes. Presentes at quando no devem, desviando o foco com convites tentadores nos dias antecedentes aos prazos da vida acadmica, mas sempre na torcida. Gurizada, muito obrigado.

    Agradeo equipe da Lautec pelos anos de convivncia, pelo apoio, segurana e pelo conhecimento adquirido dentro da empresa. No fosse a flexibilidade e compreenso de vocs, o fardo destes anos de graduao teria sido maior.

    Por fim, agradeo quela que mudou minha vida e mudou o meu ser. Pequena, tu sabes que quem chegou at aqui no fui eu, mas fomos ns. O nosso caminho comea agora.

  • A Qualidade no algo que se deposita sobre a superfcie dos sujeitos e objetos, como a purpurina sobre uma rvore

    de Natal. A Qualidade verdadeira tem de ser a prpria origem dos sujeitos e objetos, a pinha da qual a rvore

    nasce. Robert M. Pirsig

  • RESUMO

    O primeiro programa habitacional brasileiro, lanado na dcada de 40, tinha como principal rgo a Fundao da Casa Popular. Posteriormente, nas dcadas de 1960, 70 e 80, com a atuao do Banco Nacional da Habitao como ferramenta poltica do governo militar, o setor da construo civil experimentou um grande aumento na produo de habitaes sociais. Esse vis populista acabou por deixar o aspecto tcnico da construo em segundo plano, com o anncio de um grande nmero de edificaes importando mais que sua qualidade. Esta poltica tinha oposio dentro de rgos como o Instituto de Pesquisas Tecnolgicas do Estado de So Paulo (IPT) com a publicao de estudos, ensaios e artigos tcnicos tratando da qualidade das habitaes. Inspirados em documentos tcnicos internacionais, nesse contexto surgiram os primeiros textos que abordaram o tema do desempenho das edificaes. Estas ideias viriam a influenciar diretamente, dcadas depois, o texto da NBR 15.575 Edificaes Habitacionais Desempenho. Disposta em seis partes, cada uma contm: requisitos subjetivos dos usurios; critrios objetivos, que permitem a mensurao quantitativa do sistema construtivo sob anlise e mtodos de avaliao destes critrios. Alm disso, a Norma adota parmetros com limites mnimos, intermedirios e superiores de atendimento, possibilitando aos envolvidos com a construo determinar em quais faixas de desempenho a edificao est adequada. Resta saber se o setor da construo civil, como um todo, est preparado para atender s disposies da Norma de Desempenho. Para que seja possvel compreender o panorama atual da habitao social e sua relao com a publicao da Norma, o presente trabalho realizou entrevistas com figuras conhecedoras do cenrio atual da construo civil. As entrevistas abordaram seis temas envolvendo a Norma e as habitaes sociais, quais sejam: impacto; quantidade versus qualidade; abrangncia; nvel de exigncia; mudanas e adoo. Realizada esta etapa, concluiu-se que, alm de agregar positivamente na qualidade das habitaes sociais, a Norma de Desempenho vai impactar o setor da construo civil como um todo, permitindo novas formas de avaliao de elementos, reforando o cumprimento de outras normas, incentivando a inovao e aproximando o Brasil de outros pases, no que diz respeito ao que est sendo aplicado em termos de normatizao.

    Palavras-chave: NBR 15.575. Norma de Desempenho. Habitaes Sociais. Fundao da Casa Popular. Banco Nacional da Habitao.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Fluxograma das etapas de pesquisa................................................................. 16Figura 2 Quantidades de unidades habitacionais financiadas pela Caixa...................... 28Figura 3 Cronologia da NBR 15.575............................................................................. 30Figura 4 Durabilidade e manuteno peridica da edificao....................................... 35Figura 5 Check-list de critrios...................................................................................... 41

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Evoluo da taxa de inadimplentes do SFH no perodo 1980-1984 (em porcentagem dos financiamentos) ...................................................................... 26

    Tabela 2 Faixa de pontuao dos custos de manuteno............................................... 33

  • LISTA DE SIGLAS

    ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas

    BNH Banco Nacional da Habitao

    CEF Caixa Econmica Federal

    CIB International Council for Building Research and Information

    COHAB Companhia Habitacional

    FCP Fundao da Casa Popular

    FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio

    IAPI Instituto de Aposentadoria e Penso dos Industririos

    IPT Instituto de Pesquisas Tecnolgicas

    ISO International Organization for Standardization

    NBR Norma Brasileira

    PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida

    SBPE Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo

    SFH Servio Federal de Habitao e Urbanismo

    VUP Vida til de Projeto

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ........................................................................................................... 122 DIRETRIZES DA PESQUISA................................................................................... 142.1 QUESTO DA PESQUISA....................................................................................... 142.2 OBJETIVOS DA PESQUISA .................................................................................... 142.2.1 Objetivo Principal ................................................................................................. 142.2.2 Objetivos Secundrios ........................................................................................... 142.3 DELIMITAES ...................................................................................................... 152.4 LIMITAES............................................................................................................. 152.5 DELINEAMENTO .................................................................................................... 153 CONTEXTO HISTRICO......................................................................................... 183.1 POPULISMO, PROPAGANDA POLTICA E SATISFAO POPULAR............. 183.2 FUNDAO DA CASA POPULAR......................................................................... 203.2.1 Criao da FCP...................................................................................................... 203.2.2 O Plano de Assistncia Habitacional e a Extino da FCP................................ 213.3 O BANCO NACIONAL DA HABITAO.............................................................. 223.3.1 A Criao do BNH.................................................................................................. 223.3.2 Os Recursos do FGTS e SBPE.............................................................................. 223.3.3 A Qualidade das Habitaes e as Transformaes do BNH............................... 233.3.4 Novas Abordagens ao Problema da Habitao................................................... 243.3.5 O Fim da Ditadura e do BNH............................................................................... 253.4 A CAIXA ECONMICA FEDERAL E O FUTURO DA HABITAO................ 264 A NORMA DE DESEMPENHO................................................................................ 294.1 CRONOLOGIA.......................................................................................................... 294.2 ABRANGNCIA E LIMITAES........................................................................... 314.3 INOVAES.............................................................................................................. 324.3.1 O Conceito de Desempenho................................................................................... 324.3.1.1 Definio e origem................................................................................................ 324.3.1.2 Norma de desempenho versus normas prescritivas.............................................. 324.3.1.3 Nveis de desempenho........................................................................................... 334.3.2 Incumbncias dos Intervenientes.......................................................................... 344.3.3 Vida til de Projeto................................................................................................ 354.4 ESTRUTURA............................................................................................................. 354.5 REQUISITOS, CRITRIOS E MTODOS DE AVALIAO................................ 37

  • 4.5.1 Requisitos................................................................................................................ 374.5.2 Critrios................................................................................................................... 384.5.3 Mtodos de Avaliao............................................................................................ 385 A NORMA E A QUALIDADE DAS HABITAES SOCIAIS ............................ 395.1 ENTREVISTAS.......................................................................................................... 405.1.1 Preparao.............................................................................................................. 405.1.2 Desenvolvimento..................................................................................................... 425.1.2.1 Impacto.................................................................................................................. 425.1.2.2 Quantidade versus qualidade................................................................................. 435.1.2.3 Abrangncia.......................................................................................................... 445.1.2.4 Nvel de exigncia................................................................................................. 455.1.2.5 Mudanas.............................................................................................................. 455.1.2.6 Adoo.................................................................................................................. 465.2 SNTESE..................................................................................................................... 476 CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................... 50REFERNCIAS................................................................................................................ 51APNDICE A................................................................................................................... 54APNDICE B................................................................................................................... 58

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    1 INTRODUO

    O governo brasileiro possui um histrico de planos habitacionais que tm por objetivo anunciado a reduo do dficit de moradias no pas. O histrico destes planos tambm aponta para um objetivo velado: utilizando-se da propaganda poltica, obter ganho de popularidade junto as camadas mais carentes da populao. Esse histrico remonta ao tempo da chamada Fundao da Casa Popular (FCP), criada no governo Dutra, em 1946, no nterim dos perodos em que Getlio Vargas ocupou a presidncia.

    Aps 1964, com a introduo da ditadura militar no Brasil, o setor da construo civil experimentou um aumento na produo de moradias populares, devido, em grande parte, atuao do Banco Nacional da Habitao (BNH) como ferramenta poltica nos governos de Castelo Branco, Costa e Silva e Mdici, ao controlar o crdito imobilirio nacional e, portanto, o acesso da populao de baixa renda casa prpria. Esse vis populista adotado pelo governo militar, atravs do BNH, acabou por deixar o aspecto tcnico da construo em segundo plano, ao mesmo tempo que no pas a inexistncia de uma legislao regulamentadora no setor permitia a construo de moradias populares de qualidade duvidosa. Esta poltica tinha oposio dentro de rgos como o Instituto de Pesquisas Tecnolgicas (IPT) e a Escola Politcnica da Universidade de So Paulo com a publicao de estudos, ensaios e artigos tcnicos inovadores.

    Nesse contexto surgiram os primeiros textos e ideias que, aps modificaes, realizadas por diversos autores dos mais variados ramos ligados construo civil, viriam a se tornar a Norma de Desempenho. Essa norma conceitualmente diferente das outras pois, ao contrrio das normas prescritivas publicadas at ento, ela versa sobre os efeitos da edificao em uso, e no sobre seus materiais constituintes. Um embrio dessa forma de avaliao das caractersticas da edificao, na forma de desempenho, pode ser visto nos artigos do IPT do incio da dcada de 1980, em subsequentes revises e nos documentos da Caixa Econmica Federal (CEF), sucessora do BNH no papel de principal rgo financiador de crdito imobilirio para moradias populares, distribudas a partir da dcada de 1990.

    De certa forma, pelo fato de no ser uma norma prescritiva, a Norma de Desempenho apresentada em uma linguagem que aproxima mais o leitor de seu contedo. Disposta em seis

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    13partes, cada uma delas contm: requisitos subjetivos dos usurios; critrios objetivos, que proporcionam a qualquer indivduo mensurar quantitativamente o sistema construtivo sob anlise e mtodos de avaliao destes critrios. Alm disso, a Norma especifica nveis mnimos, intermedirios e superiores de atendimento ao disposto nas seis partes, possibilitando aos envolvidos com a construo determinar em quais faixas de desempenho a edificao est atuando.

    consenso na literatura que a Norma de Desempenho, ao utilizar conceitos novos no Brasil para avaliar o comportamento da edificao frente as condies de exposio ela impostas, e ao criar padres que permitem aos usurios a comparao de seu desempenho, trar benefcios ao ramo da construo civil e sociedade como um todo. Entretanto, ainda preciso entender qual ser o impacto da Norma nas edificaes, principalmente nas habitaes com fins sociais, mais suscetveis s alteraes no estado vigente. Acima de tudo, deseja-se compreender como est a preparao do setor no que diz respeito s novas exigncias.

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    2 DIRETRIZES DA PESQUISA

    As diretrizes para desenvolvimento do trabalho so descritas nos prximos itens.

    2.1 QUESTO DE PESQUISA A questo de pesquisa do trabalho : como a qualidade das habitaes sociais ser impactada devido publicao, em 19 de fevereiro de 2013, da NBR 15.575/2013, a Norma de Desempenho?

    2.2 OBJETIVOS DA PESQUISA Os objetivos da pesquisa esto classificados em principal e secundrios e so descritos s a seguir.

    2.2.1 Objetivo principal O objetivo principal do presente trabalho a identificao da forma como a qualidade das habitaes sociais ser impactada devido publicao, em 19 de fevereiro de 2013, da NBR 15.575/2013, a Norma de Desempenho.

    2.2.2 Objetivos secundrios Os objetivos secundrios do trabalho so:

    a) contextualizao histrica das habitaes sociais no Brasil e do surgimento da Norma de Desempenho;

    b) elaborao de um check-list que contemple todos os requisitos e critrios contidos na Norma, demonstrando assim sua abrangncia, para fins de auxlio realizao das entrevistas;

    c) identificao de temas que ilustram o impacto da Norma de Desempenho nas habitaes sociais.

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    2.3 DELIMITAES O presente trabalho se prope a analisar o impacto da Norma de Desempenho em edificaes habitacionais populares, com finalidade social. Esto fora de escopo, portanto, edificaes comerciais, galpes, indstrias e edificaes residenciais com padro construtivo elevado.

    2.4 LIMITAES O trabalho limitado em sua abrangncia pois apenas foram analisados aspectos relacionados ao contedo da Norma de Desempenho, excluindo-se, portanto, outras normas por ela citadas.

    2.5 DELINEAMENTO O trabalho foi realizado atravs das etapas apresentadas a seguir, que esto representadas na figura 1, e so descritas nos prximos pargrafos:

    a) pesquisa bibliogrfica; b) contextualizao histrica; c) anlise do contedo da Norma; d) estruturao do check-list; e) entrevistas; f) anlise dos resultados; g) consideraes finais.

    A pesquisa bibliogrfica trata-se de uma etapa fundamental na execuo do trabalho, pois teve em seu objetivo dar o embasamento terico e orientao sobre o histrico, a origem, a evoluo, os conceitos e as expectativas que envolvem a nova Norma de Desempenho, bem como esclarecer o desenvolvimento e o panorama atual das habitaes sociais no Brasil. Auxiliou ainda na compreenso dos novos conceitos e das inovaes que a Norma apresentou, e na estruturao e elaborao da ferramenta que foi utilizada durante as entrevistas. Essa etapa chave serviu de apoio durante todo o desenvolvimento da pesquisa.

    Posteriormente passou-se a uma anlise da contextualizao histrica no desenvolvimento das habitaes sociais no pas e da Norma de Desempenho, ou seja, como os programas e medidas tomados pelos diferentes agentes que moldaram a histria da habitao no Brasil influenciaram,

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    16de forma indireta, o seu contedo, e como eles impactaram na questo da qualidade construtiva das residncias populares.

    Figura 1 Fluxograma das etapas da pesquisa

    (fonte: elaborada pelo autor)

    Aps a contextualizao histrica, passou-se a anlise do contedo da Norma. Essa etapa do trabalho objetivou compreender as suas partes, divises e subdivises, quais so os sistemas construtivos por ela abordados, quais as novidades que sua publicao implica para o setor da construo civil e a sociedade como um todo, e, enfim, entender por qu a Norma de Desempenho diferente das normas vigentes at ento.

    Absorvido o contedo, foi necessrio realizar a identificao e organizao dos requisitos e critrios, que esto dispostos nas seis partes da Norma, para a posterior estruturao do Check-list, ferramenta que foi utilizada para auxiliar a realizao das entrevistas.

    Concludo o check-list passou-se s entrevistas com pessoas ligadas ao setor da construo. Nessa etapa, foram realizadas duas entrevistas, visando compreender como a qualidade da construo das habitaes sociais ser, no longo prazo, impactada pela publicao da Norma de Desempenho, e como o setor se v quanto ao atendimento, no curto prazo, s exigncias da Norma.

    Aps a realizao das entrevistas, passou-se anlise dos resultados, ou seja, avaliao e conciliao das diferentes respostas obtidas dos entrevistados com o objetivo principal do

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    17trabalho. A ltima etapa trata-se das consideraes finais, quando foram identificados os erros e acertos, dificuldades e expectativas para o futuro da habitao social no Brasil.

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    3 CONTEXTO HISTRICO

    O presente captulo trata de apresentar, sinteticamente, a histria poltica e social que moldou o perfil habitacional brasileiro, e que serviu de plano de fundo para a evoluo de diversos trabalhos, estudos e artigos cientficos que resultaram no texto encontrado hoje na Norma de Desempenho.

    O tringulo formado por populismo, propaganda poltica e satisfao popular a base ideolgica por trs de alguns dos programas habitacionais desenvolvidos pelo governo, que proclamavam a resoluo, ou ao menos a diminuio, do problema de dficit de moradias crnico que o pas enfrenta at os dias atuais.

    O primeiro programa a possuir, abertamente, o objetivo de resolver a questo, ainda na dcada de 50, girava em torno da Fundao da Casa Popular, que foi extinta posteriormente, sem chegar perto de lograr sucesso. Modificado em alguns aspectos, mas com muita carga hereditria do programa que o antecedeu, foi criado, pelo Governo Militar ento recm institudo, em 1964, o Sistema Financeiro da Habitao e, com ele, o Banco Nacional da Habitao. Nessa poca surgiram as Companhias Habitacionais e o Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS) como recurso de crdito voltado para a habitao. Mais recentemente, abordada a transformao da Caixa Econmica Federal em agente financiador do sistema habitacional, atuando em programas como o Programa Minha Casa Minha Vida.

    3.1 POPULISMO, PROPAGANDA POLTICA E SATISFAO POPULAR A ideia de propaganda poltica remonta aos tempos tribais, quando a figura de liderana ordenava seus sditos por meio de encorajamento ou sanes, no caso de descumprimento. , entretanto, na Revoluo Francesa que ocorre a exploso da agitao e propaganda, principalmente no uso de simbolismos visuais, orais e auditivos, como a bandeira tricolor e a Marselhesa, hino dos revolucionrios franceses (TCHAKHOTINE, 1967).

    No Brasil, durante os anos de Getlio Vargas como representante mximo do poder no pas, observou-se uma onda de ode figura de lder semelhante, mas relativamente menos intensa,

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    19ao que pde ser visto em pases como a Alemanha de Adolf Hitler, a Itlia de Benito Mussolini e a Unio Sovitica de Joseph Stalin (LIRA NETO, 2013).

    Fruto de forte propaganda, controle dos meios de comunicao e da sociedade como um todo, o populismo, como ideologia poltica mundial, teve seu auge no perodo compreendido entre 1930 e 1960. Para Debert (2008, p. 6), [...] o populismo constitui uma relao pessoal entre um lder e um conglomerado de indivduos, relao essa explicada atravs do recurso ideia de demagogia, nem sempre claramente definida. [...].

    Francisco Campos, homem encarregado por Getlio Vargas de elaborar, quase que exclusivamente, o texto da Constituio de 1937, apelidada de Polaca, em conferncia no salo da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ainda em 1935, argumentou que (CAMPOS, 1939, p. 23-35):

    As massas encontram-se sob a fascinao da personalidade carismtica. Esta o centro da integrao poltica. Quanto mais volumosas e ativas as massas, tanto mais a integrao poltica s se torna possvel mediante o ditado de uma vontade pessoal. O regime poltico das massas o da ditadura. [...] Quem quiser saber qual o processo pelo qual se formam efetivamente, hoje em dia, as decises polticas, contemple a massa alem, medusada sob a ao carismtica do Fuehrer, e em cuja mscara os traos de tenso, de ansiedade e de angstia traem o estado de fascinao e de hipnose.

    Essas ferramentas viriam a ser exploradas ao mximo no sculo XX, em decorrncia direta da difuso de novos meios de comunicao como o rdio e a televiso. Dentre os utilizadores da nova tecnologia, Hitler e Joseph Goebbels, Lder de Propaganda do Partido Nazista, com talento e inteligncia, foram pioneiros. Segundo Kershaw (2010, p. 113, grifo do autor):

    Foi como propagandista, e no como idelogo com um conjunto peculiar ou especial de ideias polticas, que ele se destacou nos primeiros anos. [...] O que Hitler fazia era propagandear ideias no originais de um modo original. [...] O que contava no era o que dizia, mas sim como dizia. Da mesma forma que aconteceria durante toda sua carreira, a apresentao era o que importava. [...] Em outras palavras, [Hitler] aprendeu que era capaz de mobilizar as massas.

    A mobilizao das massas, tendo como meio a propaganda poltica, encontra seu fim na satisfao das aspiraes das classes populares. Na dcada de 40, no de surpreender, portanto, que frente grave crise habitacional vivenciada no Brasil, a questo da moradia tenha sido pauta de destaque. Pela primeira vez na histria o assunto atingiu a esfera dos programas eleitorais de rdio da poca. De acordo com Melo (1990, p. 43), nos debates que antecederam

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    20a eleio presidencial de 1945, [...] Dutra, o candidato vencedor, afirmou que o problema era grave e que precisava ser resolvido com toda a urgncia, [...].

    De fato, o Governo Dutra, em seu primeiro ano no poder, respondeu ao surgimento e crescimento de favelas, mocambos e cortios, devido ao movimento recente de migrao da populao rural para reas urbanas, com a criao de um plano habitacional que girava em torno da Fundao da Casa Popular (FCP).

    3.2 A FUNDAO DA CASA POPULAR

    3.2.1 A Criao da FCP No interim dos dois perodos de Vargas no poder, de 1930 at 1945 e de 1951 at 1954, mais especificamente no dia 1 de maio de 1946, foi instituda, pelo Decreto-lei n. 9.218, a Fundao da Casa Popular (FCP). Propositalmente criada no dia do trabalho, segundo Azevedo e Andrade (1982, p. 20), a data [...] reveladora do alcance poltico que se pretendeu dar a tal inciativa.. Conforme a justificativa deste novo plano habitacional expe (FUNDAO DA CASA POPULAR1, 1953, p. 49 apud AZEVEDO; ANDRADE, 1982, p.45):

    O status de proprietrio d ao trabalhador um senso mais elevado de responsabilidade, levando-o a fazer todos os sacrifcios e empenhar seus esforos para mant-lo. De revoltado contra a ordem social, o beneficirio passar a ser um sustentculo dela, um homem que acredita na ascenso social. H que contar com a mudana da mentalidade que opera no trabalhador, desejoso de, egresso do inferno, nunca mais a ele retornar.

    Inspirada em um dos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Penses2 que logrou mais sucesso na construo de conjuntos habitacionais para seus associados, o Instituto de Aposentadoria e Penso dos Industririos (IAPI), a FCP foi criada com o intuito inicial de solucionar os problemas de habitao da populao de baixa renda, mas logo viu seu leque de responsabilidades aumentado, no dia 6 de setembro do mesmo ano, pelo Decreto-lei n. 9.777, para enfrentar tambm, dentre outros, os problemas de ausncia de saneamento bsico e infraestrutura fsica, alm de financiar as indstrias de material de construo, estudar e

    1 FUNDAO DA CASA POPULAR (Rio de Janeiro). Anais do Conselho Central. Rio de Janeiro, 1953. 2 Segundo Ferreira (2009, p. 16), Os Institutos de Aposentadoria e Penso foram criados para cada categoria

    profissional em 1930, mas foi em 1937 com o decreto 1.749 que as IAP passaram a atuar no campo habitacional. [...].

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    21pesquisar mtodos de baratear a construo, dentre outras atribuies (AZEVEDO; ANDRADE, 1982). Porm, devido aos recursos escassos corrodos pela crescente inflao, disputados com outros rgos da Unio, a FCP no era sustentvel.

    3.2.2 O Plano de Assistncia Habitacional e a Extino da FCP No perodo de Juscelino Kubitschek na presidncia, foi realizada uma tentativa de fortalec-la com recursos dos IAPs. Segundo Melo (1990, p. 56), Cogitou-se, no final do mandato [de Juscelino], de se assegurar uma fonte permanente de recursos para a FCP, tendo sido apresentados ao Congresso dois projetos nesse sentido.. A estratgia de Juscelino Kubitschek de fortalecer a FCP foi abandonada aps o seu governo.

    No incio da dcada de 1960, entretanto, a Fundao da Casa Popular ainda estava em sobrevida. No tendo correspondido ao tamanho das expectativas que lhe foram impostas, o Governo Jnio Quadros props uma soluo que contemplava medidas de curto e longo prazo. O chamado Plano de Assistncia Habitacional, segundo Azevedo e Andrade (1982), preconizava a revitalizao da FCP, que posteriormente deveria ser substituda pelo Instituto Brasileiro da Habitao (IBH).

    Tal era o dficit habitacional brasileiro que, no Plano, estudou-se a obteno de um emprstimo de 80 milhes de dlares junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que somado a um aporte da prpria FCP, serviria para uma medida emergencial: a construo de 100 mil residncias entre julho de 1961 e dezembro de 1962. Entretanto, na gangorra entre urgncia e qualidade empregada, pesava mais a primeira. De acordo com Azevedo e Andrade (1982, p. 47):

    As casas a serem edificadas tinham custo estimado em 200 mil cruzeiros, ou 800 dlares norte-americanos. Seriam dotadas apenas dos elementos essenciais, com o cho de concreto, sem revestimento (interno ou externo) nem portas internas, vidros e outros acabamentos, que ficariam conta dos beneficirios. [...]

    O Plano nem chegou a sair do papel: a inflao descontrolada inviabilizava o financiamento dos conjuntos habitacionais. Depois disso a FCP passa a ser vista como um rgo ultrapassado, que no mais condiz com as necessidades da populao. No oramento do governo para 1964 no foi previsto nenhum recurso para o rgo, com a prpria Cmara vetando emendas nesse sentido tal o seu desprestgio. (MELO, 1990, p. 57).

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    22De acordo com Ferreira (2009), a gama muito extensa de incumbncias e a falta de recursos financeiros por parte do governo, mesmo tendo direito sobre o montante de 1% sobre as transaes imobilirias, uma espcie de imposto que no vingou, acabaram por sufocar as pretenses da FCP.

    O fim da lenta agonia da poltica habitacional e da Fundao da Casa Popular deu-se com a queda de Joo Goulart do poder, com o golpe de 31 de maro de 1964 (AZEVEDO; ANDRADE, 1982, p. 55).

    3.3 O BANCO NACIONAL DA HABITAO

    3.3.1 A Criao do BNH O primeiro passo do novo regime para uma nova poltica habitacional foi dado com a instituio do Plano Nacional de Habitao, atravs da Lei n. 4.380, de 21 de agosto de 1964. Com ele foi criado o Banco Nacional da Habitao (BNH) e o Servio Federal de Habitao e Urbanismo (AZEVEDO; ANDRADE, 1982, p. 57).

    Anlogo aos motivos da criao da FCP, o BNH tinha como propsito, alm de alavancar o setor da construo civil atravs de uma poltica de financiamentos, buscar o apoio da populao ao governo recm institudo, neste caso, aos militares que expulsaram Jango do poder e do pas (GASPARI, 2014).

    De acordo com Azevedo e Andrade (1982, p. 57), Por trs das novas medidas est a inteno de demonstrar a sensibilidade do novo regime s necessidades das massas despertadas politicamente no Governo Goulart. [...]. Junto com a reforma agrria, com a criao do Instituto Brasileiro de Reforma Agrria (IBRA), o plano habitacional teve destaque nos primeiros anos dos militares no poder. Com o fim do populismo carismtico e de liderana, dada a queda de Jango, o governo quis ser visto como capaz de solucionar os problemas sociais.

    3.3.2 Os Recursos do FGTS e SBPE Entretanto, at 1966, dois anos aps sua criao, o BNH ainda padecia com a falta de recursos. A soluo foi utilizar fundos do recm criado Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS),

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    23que direcionava 8% dos salrios pagos mensalmente aos cofres do governo (AZEVEDO; ANDRADE, 1982, p. 66). De acordo com Ferreira (2009, p. 20), O FGTS foi criado devido aos problemas das relaes trabalhistas. [...]. Aps dez anos de servio no mesmo emprego, salvo algumas excees, o empregado no podia ser demitido sem o pagamento de indenizaes por parte do empregador. Este regime de estabilidade decenal existia, entretanto, apenas no papel, pois os funcionrios eram demitidos pouco antes de completarem os dez anos de servio, para que os empregadores evitassem o pagamento das indenizaes.

    Somada aos fundos de poupana voluntria do Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo (SBPE), a poupana compulsria do FGTS tornou o BNH, ao final da dcada de 1960, [...] o segundo maior banco do Brasil atrs apenas do Banco do Brasil e a maior instituio mundial voltada especificamente para o problema da habitao. (FERREIRA, 2009, p. 20).

    Os financiamentos oriundos do FGTS destinavam-se s famlias com renda mensal de at trs salrios mnimos e eram agenciados pelas Companhias Habitacionais (COHABs) estaduais ou municipais. Para as famlias como renda mensal de mais de seis salrios mnimos os agentes atuantes eram os privados, atravs do SBPE. J na faixa intermediria de renda, entre trs e seis salrios mnimos, os interlocutores eram cooperativas habitacionais, que normalmente se dissolviam aps a concluso das obras (AZEVEDO; ANDRADE, 1982, p. 65).

    3.3.3 A Qualidade das Habitaes e as Transformaes do BNH No comeo da dcada de 1970 o alto ndice de inadimplncia forou o sistema a reduzir os investimentos em moradias para a populao de baixa renda. A consequncia direta foi a queda no padro construtivo das moradias populares. Nessa conjuntura, a populao brasileira acabou por ficar sem referncias de qualidade habitacional. O dficit habitacional acarretou na ausncia de critrios mnimos de conforto, tanto ambiental quanto arquitetnico, que a disputa pela habitao to desejada no permitia ponderar (MARICATO, 1987). poca, importava o fato de possuir uma moradia, no seu desempenho. Alm disso, afirma Ferreira (2009, p. 21) que:

    As unidades habitacionais produzidas pelo BNH para a populao de baixa renda deixavam muito a desejar, principalmente se falarmos de qualidade de vida. A produo se resumiu a grandes conjuntos nas periferias das cidades, a poltica urbana no chegava a estes conjuntos, assim a populao no tinha servios essenciais como transporte pblico. No havia preocupao com as diferenas regionais existentes, no levando em conta aspectos culturais, ambientais.

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    24Ao deixar de lado a poltica social, em favor de uma poltica econmica, o BNH ganhou sustentao financeira, mas perdeu sua base ideolgica. A partir de 1975 at mesmo as Companhias Habitacionais (Cohabs) passaram a focar na parcela da populao que possua renda mais elevada. Alm disso, a crescente valorizao dos terrenos forava a construo de moradias de qualidade mnima, em geral muito distantes dos centros urbanos, com uma inadimplncia beirando os 90%, com casos de moradores advindos de favelas, cortios e reas rurais que nunca pagaram uma prestao sequer (MARICATO, 1987, p. 43-44).

    A habitao passou a segundo plano nos investimentos do Banco, que nesse momento tinha nas obras de infraestrutura urbana o seu foco principal. Apesar de investimentos em saneamento j estarem previstos na Lei n. 4.380, o BNH, no incio, no estava estruturado para tanto. Maricato (1987, p. 33) afirma que Essa tendncia crescente, do financiamento ao desenvolvimento urbano, que atingiu seu auge em 1976, foi preparada paulatinamente atravs de resoluo e decretos que adaptaram a estrutura do BNH para esse fim..

    3.3.4 Novas Abordagens ao Problema da Habitao A partir dos anos 70, a problema da construo civil comeou a ser visto de outra perspectiva. At ento, o estilo tradicional de construo mantivera-se intocado, impermevel penetrao de novas tecnologias e mtodos de avaliao, principalmente os elaborados na Europa do ps-guerra. A ideia era manter os empregos formais para os novos trabalhadores que migravam para as cidades e no possuam qualificao, servindo o setor da construo civil como bode expiatrio (BOLAFFI, 1983).

    Nesse perodo, com crdito abundante proveniente do BNH, ocorreu a importao de diversos sistemas construtivos que lograram sucesso, principalmente nos Estados Unidos e Europa. Ceotto (2005, p. 86) expe que:

    A adaptao se limitou a desastrosas redues de consumo de materiais atravs de redues de espessuras de paredes e lajes, tudo para baratear sua aplicao, muitas vezes dissociando-se dos princpios aos quais foram baseados seu desenvolvimento, nos seus pases de origem. O resultado foi, em sua grande maioria, edificaes com problemas crnicos de desempenho, tais como: fissuras generalizadas, deformaes excessivas, infiltraes, vazamentos, baixo desempenho trmico e acstico, entre muitos outros problemas.

    Acontece que a importao dos sistemas foi feita sem os devidos estudos de viabilidade. No havia conhecimento tcnico suficiente para avaliar o desempenho desses sistemas sob o clima,

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    25a qualidade da mo-de-obra e outros fatores diferentes no Brasil. Segundo Gonalves et al. (2003, p. 43), aps experincias negativas, o setor [...] tornou-se menos receptivo a inovaes tecnolgicas, com progressiva desatualizao tecnolgica em relao aos demais setores produtivos..

    Dada a continuidade dos problemas relacionados ao prprio ato de construir, segundo Bolaffi (1983, p. 63), [...] os tcnicos do BNH, em proporo significativa, comearam a vislumbrar um novo enfoque para o problema, do qual resultou o Simpsio sobre o Barateamento da Construo Habitacional, realizado na Bahia em 1978.. O objetivo do simpsio era buscar tcnicas de construo mais produtivas do que as tcnicas tradicionais vigentes.

    Ao passo que, no Brasil, o desempenho das edificaes apenas comeava a ser discutido pelos agentes que atuavam no ramo da construo, na Europa, em decorrncia do uso de novos materiais e mtodos construtivos, j eram publicados os primeiros trabalhos que tratavam do tema. Em 1980 a International Organization for Standardization publicou a ISO 6240: Performance Standards in Building e logo em seguida a ISO 6241: Performance Standards in Building principles for their preparation and factor to be considered. As duas normatizaes publicadas foram elaboradas na metodologia de avaliao de desempenho das edificaes, desenvolvida alguns anos antes pelo International Council for Building Research and Information (CIB).

    A pedido do BNH, a Diviso de Edificaes do Instituto de Pesquisas Tecnolgicas (IPT) elaborou, em 1981, o trabalho intitulado Formulao de Critrios para Avaliao de Desempenho de Habitaes. Os critrios serviriam para avaliar sistemas construtivos inovadores. Gonalves et al. (2003, p. 44) afirmam que O documento elaborado pelo IPT para o BNH foi um dos primeiros no Brasil a se basear no conceito de desempenho para avaliao de sistemas construtivos inovadores para habitao..

    3.3.5 O Fim da Ditadura e do BNH Na dcada de 1980, com a gradual abertura do regime, os militares passaram a sofrer contestaes constantes, e o BNH, fortemente associado ao governo, passou a ser alvo de crticas. A poltica econmica no funcionava, e o incio da distenso ocorria em um momento no qual a inflao anual era de aproximadamente 100%, chegando a 1770% ao fim da dcada (BOTEGA, 2008, p. 10).

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    26A inadimplncia, que era forte nas camadas de baixa renda, comeou a afetar a populao que dispunha de mais recursos. A tabela 1 mostra a evoluo da taxa de inadimplentes do Sistema Financeiro da Habitao no incio dos anos 80.

    Tabela 1 Evoluo da taxa de inadimplentes do SFH no perodo 1980-1984 (em porcentagem dos financiamentos)

    Ano At Trs Prestaes em Atraso

    Mais de Trs Prestaes em Atraso

    Total

    1980 21,8 4,3 26,1 1981 24,1 3,7 27,8 1982 28,7 4,8 33,5 1983 34,1 12,3 46,4 1984 31,5 23,1 54,6

    (fonte: adaptado de SANTOS3, 1999 apud BOTEGA, 2008, p. 10)

    Com o fim da ditadura, somado a todos os problemas j citados, o sistema no foi capaz de suportar seu desequilbrio financeiro. Segundo a Caixa Econmica Federal (2011, p. 9), A crise econmica iniciada no final dos anos 70 provocou inflao, desemprego, queda dos nveis salariais, o que gerou um forte desequilbrio no SFH em decorrncia das seguidas alteraes nas regras de correo monetria, [...]. No foi uma surpresa, portanto, quando, atravs do Decreto n. 2.291, de 21 de novembro de 1986, assinado pelo ento presidente da repblica recm eleito, Jos Sarney, o Banco Nacional da Habitao deixou de existir.

    3.4 A CAIXA ECONMICA FEDERAL E O FUTURO DA HABITAO O que veio a seguir foi um caos organizacional e institucional, derivado da mudana de regime. De acordo com Santos4 (1999, p. 19 apud BOTEGA, 2008, p. 11):

    Em um perodo de apenas quatro anos, o Ministrio do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), criado em 1985, transformou-se em Ministrio da Habitao, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MHU), em Ministrio da Habitao e Bem-Estar Social (MBES) e, finalmente, foi extinto em 1989, quando a questo urbana voltou a ser atribuio do Ministrio do Interior (ao qual o BNH era formalmente ligado). As atribuies na rea habitacional do governo, antes

    3 SANTOS, C. H. M. Polticas federais de habitao no Brasil: 1964-1998. Braslia: IPEA, 1999. 4 SANTOS, C. H. M. Polticas federais de habitao no Brasil: 1964-1998. Braslia: IPEA, 1999.

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    27praticamente concentradas no BNH, foram pulverizadas por vrios rgos federais, como o Banco Central (que passou a ser o rgo normativo e fiscalizador do SBPE), a Caixa Econmica Federal (gestora do FGTS e agente financeiro do SFH), o ministrio urbano do momento (formalmente responsvel pela poltica habitacional) e a ento Secretaria Especial de Ao Comunitria, a responsvel pela gesto dos programas habitacionais alternativos.

    A Caixa Econmica Federal tornou-se a sucessora do BNH no que tange os financiamentos e gesto dos investimentos em habitaes sociais. Ela herdou [...] a administrao do passivo, do ativo, do pessoal e dos bens do BNH, bem como a operao do FGTS, assumindo, desde ento a condio de maior executor das polticas habitacionais do Governo Federal. (CAIXA ECONMICA FEDERAL, 2011, p. 9).

    Na dcada de 90 iniciou-se uma aproximao entre as empresas de construo e as universidades na rea que diz respeito avaliao e aprimoramento de tcnicas que at ento tinham evoludo de forma emprica. Nesse perodo, a racionalizao introduziu no setor da construo civil tcnicas de engenharia de produo, afetando principalmente as pequenas empresas, que no possuam uma escala de produo compatvel com as novas tcnicas. Ceotto (2005, p. 89) cita inovaes que foram desenvolvidas nessa poca:

    a) argamassas pr-misturadas e ensacadas em usinas; b) concreto usinado; c) blocos de concreto com dimenses e propriedades mais precisas; d) formas de madeira pr-confeccionadas; e) armaduras cortadas e dobradas em centrais; f) uso de gabaritos metlicos para portas e janelas; g) peas pr-moldadas mais leves; h) lajes planas, sem vigas; i) centralizao da rea de marcenaria; j) ramais hidrossanitrios montados em centrais.

    Em 2000 a CEF elaborou um Manual de Avaliao, baseado nas metodologias elaboradas pelo CIB, nos estudos do IPT, de 1981, bem como a reviso que o prprio Instituto realizou no documento em 1998, alm de outros documentos. Parte do Programa de Apoio Utilizao de Material ou Sistema de Construo Alternativo, o Manual apresentava os critrios para a avaliao de propostas de inovao tecnolgica para a aceitao tcnica do Fundo de Desenvolvimento Social.

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    28Desde 2009 a CEF a operadora do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), elaborado pelo Governo Federal como uma medida para reduzir os impactos da crise econmica que atingiu o mundo naquele ano, quando foram contratadas mais de um milho de unidades habitacionais entre abril de 2009 e o incio de 2010. Alm disso, ela dispe de recursos do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC) para a construo de habitaes populares. Segundo a prpria CEF (CAIXA ECONMICA FEDERAL, 2011, p. 10), dos R$ 41,8 bilhes disponibilizados pelo PAC, cerca de 83,9% foram destinados s moradias. A figura 2 apresenta a evoluo da quantidade anual de unidades habitacionais financiadas pela Caixa no perodo compreendido entre 2001 e 2009.

    Figura 2 Quantidades de unidades habitacionais financiadas pela Caixa

    (fonte: CAIXA ECONMICA FEDERAL, 2011, p. 11)

    O futuro dir se as medidas tomadas pela Caixa Econmica Federal para suprir o dficit habitacional ainda existente no pas sero suficientes, no apenas em quantidade mas tambm em qualidade construtiva, algo que o BNH e as Cohabs no foram capazes de fazer. Cabe aos intervenientes do setor a adoo de solues prticas, eficientes e de baixo custo, para que o desempenho das novas edificaes no fique aqum do aceitvel, e que os usurios possam desfrutar, no apenas de uma moradia, mas de qualidade de vida.

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    4 A NORMA DE DESEMPENHO

    Para o completo entendimento da Norma de Desempenho, e sua importncia no contexto das habitaes sociais, necessrio que alguns aspectos que a fundamentaram sejam apresentados. Para tanto, nas pginas a seguir:

    a) feita uma pequena retomada da cronologia da elaborao da Norma; b) sua abrangncia e limitaes so identificadas, ou seja, quais edificaes e

    sistemas ela pretende padronizar e o que est fora de escopo; c) so abordadas as inovaes que vieram na esteira da Norma, como:

    - o conceito de desempenho: quando ele surgiu, sua evoluo, do que se trata e a razo de ser utilizado;

    - as incumbncias dos intervenientes: deveres a serem cumpridos pelos envolvidos;

    - a vida til de projeto (VUP); d) apresentada sua estrutura, suas partes, divises e subdivises; e) explica-se o que so os requisitos, critrios e mtodos de avaliao contidos

    na Norma.

    4.1 CRONOLOGIA A Norma de Desempenho, incialmente pensada para atender aos requisitos de desempenho dos usurios em edificaes habitacionais de at cinco pavimentos, comeou a ser efetivamente elaborada no ano 2000, atravs de uma iniciativa da CEF, financiando o projeto de pesquisa denominado Normas Tcnicas para Avaliao de Sistemas Construtivos Inovadores para Habitaes, com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), uma empresa vinculada ao Ministrio da Cincia e Tecnologia.

    Tomando como princpio os textos de trabalhos anteriormente publicados, como os estudos do IPT de 1981 e 1998, bem como o Manual de Avaliao da CEF de 2000, a formulao da Norma contou com a participao de mais de cem especialistas, de vrias reas, contratados para participarem das discusses pblicas de elaborao dos textos-base, destacando-se agentes e entidades ligadas s construtoras, incorporadoras, setores do ao e cimento e peritos tcnicos.

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    30A ento denominada Norma Brasileira de Desempenho de Edifcios Habitacionais de at Cinco Pavimentos (NBR 15.575/2008) foi publicada em 12 de maio de 2008, com previso de entrar em vigor aps dois anos, em 12 de maio de 2010, e ter sua exigibilidade vlida seis meses depois, em 12 de novembro do mesmo ano.

    No entanto, a Norma no chegou a entrar em vigor. Sob presso de diversas reas do setor da construo, teve sua exigibilidade suspensa, com todos os textos-base devendo ser revisados para nova publicao. De acordo com Paulo Safady Simo, presidente da Cmara Brasileira da Indstria da Construo, [...] o texto original de excelente qualidade no todo apresentava algumas exigncias aqum das expectativas da sociedade, e outras com certa dissonncia em relao atual capacidade econmica do pas. (CMARA BRASILEIRA DA INDSTRIA DA CONSTRUO, 2013, p. 6).

    Aps as devidas retificaes, sem limitar-se mais aos cinco pavimentos anteriores, veio a ser publicada, em 19 de fevereiro de 2013, a NBR 15.575/2013 Edificaes Habitacionais Desempenho, a qual passou a valer seis meses aps sua publicao, em junho de 2013. No processo de reviso alguns itens foram suprimidos, como o coeficiente de atrito dinmico para pisos e a questo do sombreamento externo das janelas. A figura 3 demonstra, na forma de uma linha do tempo, mais clara e visualmente objetiva, a cronologia dos fatos.

    Figura 3 Cronologia da NBR 15.575

    (fonte: elaborada pelo autor)

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    4.2 ABRANGNCIA E LIMITAES A Norma se aplica apenas a edificaes habitacionais, portanto, esto excludas de seu escopo outras tipologias, como edificaes comerciais, indstrias e galpes. Da mesma forma, ela no abrange:

    a) edificaes j concludas; b) obras em execuo no dia 19 de junho de 2013, quando da entrada em vigncia

    da Norma; c) projetos protocolados nos rgos competentes at a mesma data; d) reformas de edificaes; e) retrofit de edificaes, ou seja, sua remodelao ou atualizao com novas

    tecnologias e conceitos; f) edificaes provisrias.

    Algumas partes da Norma de Desempenho, devidamente identificadas em seu texto, so aplicveis apenas a edifcios habitacionais de at cinco pavimentos. Quanto aos sistemas contemplados na Norma, ainda em 2003, Gonalves et al. (2003, p. 48) propuseram a seguinte diviso da edificao:

    a) de fundaes; b) estruturais; c) de pisos internos; d) de fachadas e paredes internas; e) de cobertura; f) hidrossanitrios; g) de condicionamento ambiental; h) de gs combustvel; i) de telecomunicao; j) eltricos; k) de elevao e transporte; l) de proteo contra incndios; m) de segurana e automao predial.

    A maioria dos sistemas por eles citados no se faz presente no contedo da Norma de Desempenho. Alguns efetivamente foram adotados pela ABNT, enquanto outros foram

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    32modificados, como o sistema de pisos internos, que na verso da Norma no possui mais essa limitao. Os sistemas que entraram no texto so os estruturais, de pisos, de vedaes verticais, de coberturas e hidrossanitrios.

    4.3 INOVAES

    4.3.1 O Conceito de Desempenho

    4.3.1.1 Definio e origem Desempenho significa comportamento em uso. O desempenho da edificao pode ser bom ou ruim, dependendo das suas condies de exposio, uso e ocupao. De acordo com Gross (1996, p. [2], traduo nossa), o documento mais antigo, de conhecimento geral, que trata do conceito de desempenho o Cdigo de Hamurabi, rei da Babilnia.

    Talhado h aproximadamente 4.000 anos atrs em pedra, hoje exposta no Museu do Louvre, em Paris, remetendo segurana estrutural em seu artigo de n. 229, dizia que se um construtor erigisse uma casa e ela viesse a cair, matando seu proprietrio, o construtor deveria ser morto. Apesar da simplicidade, o conceito de desempenho est presente, visto que em momento algum foram citados os materiais de composio da moradia, apenas seu comportamento mediante s condies de exposio.

    4.3.1.2 Norma de desempenho versus normas prescritivas Uma maneira simples de expor as diferenas entre as normas prescritivas e as normas que tratam de desempenho atravs do uso de analogia. As primeiras equivalem s receitas, especificando ingredientes e mtodos para a obteno de um produto, enquanto a segunda caracteriza o produto, sem determinar ingredientes.

    A ttulo de exemplo, contrariamente s disposies que se referem espessura de blocos e de argamassas de revestimento, contempladas pelas normas prescritivas, a Norma de Desempenho estabelece critrios de conforto acstico e trmico, independentemente dos materiais constituintes.

    Diferentemente das normas prescritivas, que focam nas especificaes, o uso do conceito de desempenho para avaliar sistemas, elementos e componentes, permite que sejam desenvolvidos

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    33novos materiais e mtodos na construo das edificaes. Tratando dos resultados ao invs dos meios abre-se o caminho para a evoluo e inovao.

    4.3.1.3 Nveis de desempenho Um dos primeiros trabalhos brasileiros a definir nveis de desempenho para sistemas de edificaes habitacionais foi o Manual de Avaliao da Caixa (trabalho no publicado)5, de 2000. Nele, em alguns de seus requisitos, o desempenho poderia ser classificado como eliminatrio ou classificatrio. Quando do segundo, ganhava uma nota que poderia variar entre zero e um, como, por exemplo, os nveis de desempenho do critrio que tratava dos custos de manuteno da edificao, demonstrados na tabela 2.

    Tabela 2 Faixa de pontuao dos custos de manuteno Critrio Descrio Nota

    Eliminatrio O custo de manuteno acumulado superior a 15% do custo inicial nos dez primeiros anos

    No atende

    Classificatrio O custo de manuteno acumulado nos dez primeiros anos inferior a 15% e superior a 11,25%

    0,0

    O custo de manuteno acumulado nos dez primeiros anos inferior a 11,25% e superior a 7,5%

    0,5

    O custo de manuteno acumulado nos dez primeiros anos inferior a 7,5%

    1,0

    (fonte: adaptado do Manual de Avaliao da CEF, de 2000)

    Em semelhana a este manual, e influenciada por normas internacionais, a Norma de Desempenho define trs nveis de desempenho nos quais a edificao poder atuar: nvel mnimo (M), intermedirio (I) e superior (S). Os nveis intermedirio e superior nem sempre so determinados pela Norma, mas qualquer que seja o sistema analisado, seu desempenho nunca poder ser menor que os padres mnimos estabelecidos. Alm disso, a diferenciao por nveis d ao usurio mais informaes no momento da compra do imvel, permitindo-o avaliar com mais propriedade a relao custo-benefcio.

    5 Informao obtida diretamente na p. 26 do material. Os coordenadores responsveis pelo Manual de Avaliao,

    de divulgao restrita SEPURB e CEF, so: Maria Angela Braga; Flvio Augusto Picchi; Luis Carlos Bonin; Vanderley M. John.

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    4.3.2 Incumbncias dos Intervenientes Para que sejam cumpridos os requisitos de desempenho a Norma de Desempenho define alguns deveres por parte dos agentes envolvidos (ASSOCIAO BRASILEIRA DE NORMAS TCNICAS, 2013a, p. 12). Cabe ao:

    a) fornecedor de insumo, material, componente e/ou sistema a caracterizao de seu desempenho de acordo com a Norma;

    b) projetista, alm de estabelecer a vida til de projeto (VUP) das habitaes, o papel de especificar materiais, produtos e processos que atendam ao desempenho mnimo estabelecido pela Norma. Tambm cabe ao projetista a definio de nveis de desempenho intermedirios ou superiores, conforme o caso;

    c) incorporador, seus prepostos e/ou projetistas envolvidos exceto se acordado previamente a identificao de riscos previsveis na poca do projeto;

    d) construtor ou incorporador a elaborao de um manual de uso e manuteno, ou documento similar, que deve ser entregue ao proprietrio da edificao, quando do seu uso. Similarmente, o manual das reas comuns deve ser entregue ao condomnio;

    e) usurio o atendimento ao disposto no manual do usurio, com relao ao uso e manuteno da edificao habitacional.

    Cabe ao construtor, alm da elaborao dos manuais, a soluo de quaisquer problemas, oriundos de falhas do processo construtivo, que venham a ser identificados durante a vigncia dos prazos de garantia do imvel, exceto no caso de descumprimento, por parte dos usurios, da devida manuteno, seja ela rotineira ou preventiva.

    Quanto obrigatoriedade no cumprimento das incumbncias, o Dr. Carlos Pinto del Mar, consultor da CBIC e consultor jurdico do Secovi-SP, explica que (CMARA BRASILEIRA DA INDSTRIA DA CONSTRUO, 2013, p. 224, grifo do autor):

    As leis do fora obrigatria s Normas Tcnicas ou estabelecem consequncias para o seu descumprimento. Assim, a observncia da Norma de Desempenho, bem como das demais Normas Tcnicas, decorre de determinaes contidas no Cdigo Civil, no Cdigo de Defesa do Consumidor, em Cdigos de Obras, em leis especiais, Cdigos de tica Profissional etc.

    De certa forma a determinao de obrigaes aos usurios reflete uma evoluo da mentalidade da sociedade brasileira. Os usurios no so mais considerados desprovidos de capacitao no atendimento a simples tarefas, como o caso da correta manuteno e cumprimento dos prazos dispostos nos manuais de uso e operao a ele entregues.

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    4.3.4 Vida til de Projeto (VUP) A Vida til de Projeto (VUP) o tempo de vida til estimado para determinado sistema, com o objetivo de atingir os requisitos dos usurios, identificados na Norma. Segundo ela, a determinao da VUP deve ser determinada pelo projetista e no deve ser confundido com a vida til, ou seja, o tempo que determinado edifcio, ou sistema que o compe, efetivamente se prestou s atividades estipuladas.

    A figura 4 demonstra a importncia que a manuteno peridica tem na durabilidade da edificao. Na figura, a vida til com manuteno equivale VUP, visto que a manuteno faz parte do manual de uso e operao entregue pelo construtor ao usurio, sendo sua frequncia determinada pelo projetista quando da concepo da edificao.

    Figura 4 Durabilidade e manuteno peridica da edificao

    (fonte: CMARA BRASILEIRA DA INDSTRIA DA CONSTRUO, 2013, p. 33)

    4.4 ESTRUTURA O conjunto normativo da Norma de Desempenho estruturado nas seguintes partes, cada uma composta por requisitos dos usurios, critrios e mtodos de avaliao:

    a) Parte 1: Requisitos gerais; b) Parte 2: Requisitos para os sistemas estruturais; c) Parte 3: Requisitos para os sistemas de pisos; d) Parte 4: Requisitos para os sistemas de vedaes verticais internas e externas;

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    36e) Parte 5: Requisitos para os sistemas de coberturas; f) Parte 6: Requisitos para os sistemas hidrossanitrios.

    A primeira parte versa sobre os requisitos de desempenho quando estes impactam sobre mais de um sistema simultaneamente, como o caso de requisitos de segurana na utilizao do imvel, segurana em caso de incndio ou desempenho trmico (ASSOCIAO BRASILEIRA DE NORMAS TCNICAS, 2013a).

    Os requisitos dos sistemas estruturais, abordados na segunda parte da Norma, so analisados do ponto de vista dos estados-limites ltimos e de servio. Os estados-limites ltimos consideram situaes de runa dos materiais por esgotamento da capacidade de resistncia ou por instabilidade do equilbrio, enquanto os estados-limites de servio devem assegurar a funcionalidade e utilizao, evitando a formao de fissuras ou magnitude de deformaes e deslocamentos, de forma que o desempenho previsto seja assegurado (ASSOCIAO BRASILEIRA DE NORMAS TCNICAS, 2013b).

    A terceira parte contempla sistemas de pisos destinados para reas de uso privativo ou comum, sendo excludos alguns aspectos, como requisitos de limpeza e manchamento, devidos ausncia de embasamento tcnico (ASSOCIAO BRASILEIRA DE NORMAS TCNICAS, 2013c).

    A quarta parte da Norma versa sobre os sistemas de vedaes verticais internas e externas, que interagem fortemente com outros componentes, elementos e sistemas que compem a edificao. Devido variedade de funes, so diversos os requisitos a serem cumpridos por esses sistemas, como os requisitos estruturais, de estanqueidade, isolao trmica e acstica, dentre outros (ASSOCIAO BRASILEIRA DE NORMAS TCNICAS, 2013d).

    Requisitos referentes aos sistemas de coberturas, so abordados na quinta parte. Aspectos como durabilidade e isolamento so contemplados pois os sistemas de coberturas esto relacionados proteo, tanto da edificao quanto do usurio, das intempries. Exigncias quanto capacidade de suporte tambm so citadas, devido s atividades de manuteno que necessitam de acesso s coberturas (ASSOCIAO BRASILEIRA DE NORMAS TCNICAS, 2013e).

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    37Por fim, o sistema hidrossanitrio como um todo, responsvel direto pela manuteno das condies de sade e higiene da habitao, tratado na sexta parte (ASSOCIAO BRASILEIRA DE NORMAS TCNICAS, 2013f).

    4.5 REQUISITOS, CRITRIOS E MTODOS DE AVALIAO Os requisitos, critrios e mtodos de avaliao esto presentes em cada uma das partes da Norma, e so eles que permitem a qualquer um dos intervenientes analisarem, de forma correta e padronizada, o cumprimento dos nveis de desempenho projetados para o imvel.

    4.5.1 Requisitos Existe uma relao direta entre os requisitos e a qualidade da construo. A tentativa de definio do termo qualidade um exerccio complexo, pois ela est ligada diretamente s experincias dos indivduos ao longo da vida, e , portanto, nica para cada pessoa. Segundo Pirsig (2007, p. 343)

    [...] A Qualidade no uma substncia, e tampouco um mtodo. Est fora de ambos. Se algum constri uma casa usando o prumo e o nvel, esse algum o faz porque a parede reta e vertical tem menos probabilidade de cair e, portanto, tem mais Qualidade que uma parede torta. A Qualidade no um mtodo. o objetivo em vista do qual se usa o mtodo.

    Pois os requisitos dos usurios nada mais so que as exigncias subjetivas, ou qualitativas, que os usurios possuem com relao ao desempenho da habitao e qualidade construtiva empregada. Para fins de avaliao, a Associao Brasileira de Normas Tcnicas (2013a, p. 11) identificou os seguintes requisitos de desempenho, separados em exigncias relativas segurana, habitabilidade e sustentabilidade, que os moradores desejam que sua residncia atenda:

    a) segurana, - estrutural; - contra fogo; - no uso e na operao;

    b) habitabilidade, - estanqueidade; - desempenho trmico;

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    38- desempenho acstico; - desempenho lumnico; - sade, higiene e qualidade do ar; - funcionalidade e acessibilidade; - conforto ttil e antropodinmico;

    c) sustentabilidade, - durabilidade; - manutenibilidade; - impacto ambiental.

    Os requisitos mencionados fazem parte do plano de fundo qualitativo que fundamentou toda a elaborao da Norma de Desempenho. Ao suprir os padres mnimos de segurana, habitabilidade e sustentabilidade exigidos, pode-se dizer que a edificao atende ao desempenho desejado.

    4.5.2 Critrios Os critrios tratados na Norma de Desempenho so a releitura dos requisitos qualitativos em um formato quantitativo, capaz de ser mensurado e comparado. Trata-se da padronizao do desempenho, pois no uso dos nmeros elimina-se a subjetividade intrnseca caracterstica das diferenas existentes de indivduo para indivduo.

    Os critrios, caso atendidos, enquadram-se no nvel mnimo de desempenho, exceto nos casos onde existem padres definidos para os nveis intermedirios e superiores. Sua determinao objetiva feita atravs de mtodos de avaliao, apresentados na prpria Norma de Desempenho ou, quando for o caso, em outras referncias normativas devidamente explicitadas.

    4.5.3 Mtodos de Avaliao Os mtodos de avaliao nada mais so que os recursos utilizados para determinar, numericamente, qual o desempenho da edificao ou sistema. Segundo a Norma de Desempenho (ASSOCIAO BRASILEIRA DE NORMAS TCNICAS, 2013a, p. 14), os mtodos utilizados podem ser [...] ensaios laboratoriais, ensaios de tipo, ensaios em campo, inspees em prottipos ou em campo, simulaes e anlise de projetos. [...].

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    5 A NORMA E A QUALIDADE DAS HABITAES SOCIAIS

    Como j visto, apesar da Norma possuir uma linguagem menos especfica e mais objetiva do que as normas prescritivas, ela ainda pouco familiar ao pblico leigo, ao usurio comum. Alm disso, ao referenciar mais de 200 outras normatizaes, dentre Normas Brasileiras (NBRs), normas ISO, normas ASTM, cdigos internacionais e outros, a Norma de Desempenho acaba por se tornar muito abrangente e extensa. Entretanto, de acordo com Pedro Buzatto Costa, Presidente da ABNT, To importante quanto oferecer uma Norma Brasileira sociedade, promover a sua disseminao, de forma que a sua utilizao seja a mais ampla possvel (CMARA BRASILEIRA DA INDSTRIA DA CONSTRUO, 2013, p. 9).

    Publicados h aproximadamente um ano, os conceitos apresentados na Norma deveriam, hoje, j serem de conhecimento geral, e os requisitos dos usurios deveriam estar sendo atendidos, entretanto, a informalidade domina a construo civil brasileira, representando, de acordo com Borges e Sabbatini (2008, p. 14), aproximadamente 65% de toda a atividade do setor.

    Atingir essa grande parcela um desafio que a Norma de Desempenho deve enfrentar para que a qualidade das moradias melhore, principalmente as de cunho social, voltadas para a populao de baixa renda, onde as pequenas construtoras possuem uma maior representatividade. As construtoras de mdio e grande porte tambm se inserem nesse contexto atravs dos programas do governo que visam suprir o dficit habitacional brasileiro, como o caso do PMCMV.

    Resta saber se o setor da construo civil, como um todo, est preparado para atender s disposies da Norma de Desempenho e os requisitos dos usurios, ou o que ocorreu no perodo BNH se repetir, ou seja, uma grande preocupao com a quantidade e a relegao da qualidade a objetivo secundrio. Para entender melhor a situao atual, no que diz respeito publicao da Norma, e projetar cenrios futuros, o presente trabalho prope a realizao de entrevistas com pessoas conhecedoras do cenrio atual da construo civil brasileira.

    As escolhas recaram sobre o arquiteto Everton Eltz, que trabalhou no BNH, Cohab e mais recentemente com sistemas construtivos inovadores na Caixa Econmica Federal (CEF), e a engenheira civil Maria Anglica Covelo Silva, consultora, que participou da elaborao e

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    40reviso da Norma de Desempenho e est trabalhando em uma adaptao do Programa Minha Casa Minha Vida ao seu contedo.

    5.1 ENTREVISTAS

    5.1.1 Preparao Para a realizao das entrevistas um roteiro foi elaborado com seis tpicos pertinentes ligados s habitaes sociais e Norma de Desempenho. So eles:

    a) impacto; b) quantidade versus qualidade; c) abrangncia; d) nvel de exigncia; e) mudanas; f) adoo.

    A questo do impacto refere-se influncia que a publicao da Norma de Desempenho ter nas habitaes sociais, visto que trabalhar-se- com conceitos novos na construo civil. Quantidade versus qualidade remete ao dficit habitacional brasileiro e aos programas habitacionais j mencionados nos captulos anteriores, que serviam propaganda poltica governamental e relegavam a qualidade das edificaes a um segundo plano, se importando mais com nmeros expressivos para a obteno do apoio da populao.

    O terceiro tpico busca uma reflexo sobre a abrangncia da Norma, ou seja, se a sua extenso no acaba por ser prejudicial, dificultando seu cumprimento. No sentido de facilitar a compreenso da abrangncia da Norma, no que tange a quantidade de requisitos e critrios nela contidos, foi criada uma ferramenta, denominada check-list de critrios, com a identificao de todos os requisitos de desempenho e critrios, dispostos nas seis partes.

    O check-list de critrios foi elaborado de tal forma que permite que seu uso seja ampliado aos usurios que queiram verificar se esto cumprindo os requisitos da Norma ou no. Na figura 5 pode-se observar as primeiras linhas da lista. A primeira coluna representa o nmero do requisito e a segunda coluna sua descrio. A terceira coluna representa o nmero do critrio como ele se encontra na Norma, sendo que o primeiro nmero do item representa a parte da

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    41Norma onde o critrio pode ser encontrado. No exemplo da figura 5, todos os critrios listados encontram-se na parte 2, a qual versa sobre os sistemas estruturais. A quarta coluna apresenta a descrio de cada critrio, e as trs ltimas podem ser utilizadas como uma marcao quanto ao atendimento ou no de determinado critrio, e qual seu nvel de desempenho.

    Figura 5 Check-list de critrios

    (fonte: elaborado pelo autor)

    Os nmeros levantados totalizaram 112 requisitos e 167 critrios, j que alguns requisitos possuem mais de um critrio a ser cumprido. Devido a sua extenso, a ferramenta encontra-se no apndice A deste trabalho.

    O nvel de exigncia aborda a capacidade de cumprimento da Norma pelas empresas construtoras, aps o processo de reviso, visto que agora so exigidos certos deveres dos agentes envolvidos na cadeia produtiva da construo e que todo o setor dever se adaptar. Em decorrncia disso, tambm so questionadas quais as mudanas para quem projeta, trabalha com mtodos tradicionais e mtodos inovadores de construo.

    Por fim, questiona-se como est o processo de adoo da norma pelos intervenientes, visto que no Brasil existem normas que acabam relegadas ao esquecimento, como se o seu cumprimento no fosse compulsrio, mas sim facultativo.

    Considerando os tpicos levantados, as seguintes perguntas foram formuladas:

    1. O conceito de desempenho, apesar de no ser assunto novo, pela primeira vez est presente em uma norma brasileira. Dada a nova maneira de pensar as edificaes, como a Norma de Desempenho ir impactar na qualidade das habitaes sociais?

    M I S

    1 Estabilidade e resistncia do sistema estrutural e demais elementos com funo estrutural 2.7.2.1 Estado-limite ltimo2 Deformaes ou estados de fissura do sistema estrutural 2.7.3.1 Estados-limites de servio

    2.7.4.1.3Critrios e nveis de desempenho para elementos estruturais localizados na

    fachada da edificao, em exteriores acessveis ao pblico - Impacto de corpo mole na face externa, ou seja, de fora pra dentro

    2.7.4.1.4Critrios e nveis de desempenho para elementos estruturais localizados no

    interior da edificao e na fachada - Impacto de corpo mole na face interna, ou seja, de dentro pra fora

    2.7.4.1.5 Critrios e nveis de desempenho para impacto de corpo mole em pisos

    2.7.4.2.6Critrios e nveis de desempenho para impacto de corpo duro na face externa de

    elementos estruturais localizados na fachada da edificao e nas faces externas acessveis ao pblico

    2.7.4.2.7 Critrios e nveis de desempenho para elementos estruturais localizados no interior da edificao e na fachada2.7.4.2.8 Critrios e nveis de desempenho para impacto de corpo duro em pisos

    CHECK-LIST DE CRITRIOS

    7 Desempenho estruturalN. CRITRIO NVELREQUISITO ITEM

    Impactos de corpo mole e corpo duro3

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    422. Os programas habitacionais brasileiros, desde os tempos da Fundao da Casa

    Popular, sempre priorizaram quantidade em prejuzo qualidade. Qual o cenrio atual e o que pode ser feito para mud-lo?

    3. Com tantos critrios a serem cumpridos, voc enxerga a abrangncia da Norma como algo positivo ou negativo, no contexto brasileiro atual?

    4. A Norma apresenta nveis mnimos de desempenho a serem cumpridos pelas empresas construtoras. O nvel de exigncia est adequado ou as empresas tero dificuldades de adaptao?

    5. A Norma j foi citada como um divisor de guas para a construo civil brasileira. O que muda para os projetistas/quem constri com mtodos tradicionais/quem constri com mtodos inovadores?

    6. No Brasil existem normas que pegam e outras no. Como voc v o processo de adoo da Norma, com um ano de vigncia?

    5.1.2 Desenvolvimento As respostas das entrevistas, que foram realizadas em junho do presente ano, no sero apresentadas na ntegra, mas sim na forma de destaques dos trechos mais pertinentes, a fim de sintetizar e esclarecer, da melhor forma possvel, as opinies dos entrevistados quanto aos temas propostos.

    5.1.2.1 Impacto QUESTO O conceito de desempenho, apesar de no ser assunto novo, pela primeira vez est presente em uma norma brasileira. Dada a nova maneira de pensar as edificaes, como a Norma de Desempenho ir impactar na qualidade das habitaes sociais?

    EVERTON Certamente que vai impactar positivamente. [...] Essa questo da qualidade das habitaes vem em um crescendo, e com a Norma de Desempenho, evidentemente, tende a melhorar por conta de que o desempenho est associado diretamente com a qualidade. Uma parede que tem um desempenho trmico e acstico vai ter uma melhor qualidade do que uma habitao que no levar em conta esses critrios, ou que for feita com sistemas ou revestimentos bastante simplificados. Ento, a resposta sim, vai melhorar a qualidade das habitaes, porque desempenho e qualidade esto normalmente atrelados.

    MARIA ANGLICA Na minha viso, tem duas linhas que fazem com que essa alterao seja possvel, ou seja, que a gente tenha uma melhoria, efetivamente, na qualidade. A primeira delas

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    43 que a Norma de Desempenho, apesar do conceito novo, refora o atendimento s exigncias em relao ao cumprimento de outras normas que j existiam e que so importantes para o desempenho final, e as quais no eram, s vezes, nem sequer conhecidas. Um dos problemas que a gente est vivendo o desconhecimento de normas anteriores, ento, no momento que ela refora que o desempenho final depende, tambm, do atendimento destas outras normas, ela est empurrando para um despertar no atendimento elas. A segunda que quando ela fora que os sistemas e subsistemas construtivos e seus componentes tenham um desempenho X, definido pelos critrios, ela est forando que esses subsistemas e componentes, que j so, muitas vezes, prtica antiga no mercado, sejam efetivamente avaliados.

    5.1.2.2 Quantidade versus qualidade QUESTO Os programas habitacionais brasileiros, desde os tempos da Fundao da Casa Popular, sempre priorizaram quantidade em prejuzo qualidade. Qual o cenrio atual e o que pode ser feito para mud-lo?

    EVERTON Essa questo da quantidade tem um pouco a ver com o dficit habitacional, que muito grande no Brasil [...]. Por outro lado tem o aspecto que desagradvel, no elogivel, que a questo dos nmeros quando se trata de campanha eleitoral, quando naturalmente vem aquelas frases de j fizemos um milho de habitaes. Sim, mas esse um milho foi com que qualidade? [...] O ideal, realmente, do ponto de vista de qualidade, fazer conjuntos habitacionais com menor nmero de unidades e pulveriz-las, embora, no global, ainda seja um nmero grande. Essa seria a maneira mais saudvel de produzir habitao e no com mega canteiros de difcil administrao e controle.

    MARIA ANGLICA O cenrio atual tem duas vertentes. A primeira vertente a vertente do governo e a segunda a do mercado de empresas que participam dos programas. No prprio governo eu acho que faltam condies [...] de saber exatamente como qualificar essas empresas que produzem para os programas. Para que em paralelo quantidade acontea tambm a qualidade, seria necessrio que o governo tivesse critrios muito objetivos e rigorosos de qualificar todos que participam, desde o projetista, construtoras, materiais, componentes e tudo o mais. [...] Se voc fosse fazer o levantamento, hoje, de quem participa do programa veria que tem empresas muito deficientes em termos de engenharia. [...] O lado das empresas que o mercado da construo civil um mercado com baixa barreira entrada, com empresas variando de A at Z em termos de capacitao, onde qualquer um sai construindo. [...] Quando

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    44o governo no sabe quais so os critrios para capacitao ele acaba afastando as boas empresas do programa. [...] Agora ns estamos com a sensao de que, no momento que voc comea a exigir que para construir para o governo necessrio ter determinada capacitao a gente espera que a mdio prazo comece a mudar o panorama.

    5.1.2.3 Abrangncia QUESTO Com tantos critrios a serem cumpridos, voc enxerga a abrangncia da Norma como algo positivo ou negativo, no contexto brasileiro atual?

    EVERTON A Norma extremamente positiva. Ns, inclusive, criamos o Conselho Gacho de Desempenho de Edificaes, que funciona junto ao ITT Performance da Unisinos exatamente para divulgar a Norma e ajudar os projetistas, as construtoras, incorporadoras e o prprio pblico, mas principalmente a comunidade tcnica do Rio Grande do Sul a administrar a chegada e entrada em vigor da Norma. O contexto, hoje, de uma falta de informao muito grande. [...] Hoje ns estamos com dificuldade de implementar a Norma por conta dessa desestruturao da cadeia produtiva da construo civil, que comea com a falta de informao do fabricante, com a falta de conhecimento da prpria Norma pelos profissionais envolvidos, e isso um problema porque existe uma presso do consumidor de que a Norma seja atendida. Certamente, dentro de pouco tempo, haver profissionais da rea jurdica, onde j existem algumas demandas, cobrando que a Norma seja atendida.

    MARIA ANGLICA Pelo fato de ter participado dela e sair pelo Brasil afora treinando as pessoas, eu s posso enxergar como positivo. Ela eleva o patamar da engenharia incorporada aos vrios entendimentos das empresas de governo com a iniciativa privada. Ns estamos vivendo, no s nos programas habitacionais, um problema muito srio de queda do conhecimento tecnolgico e de boas prticas, at porque a gente sente uma dificuldade de entendimento da Norma no por ela ser inacessvel, mas por ser uma dificuldade do conhecimento tecnolgico, ento ela est forando que seja retomado um grau de conhecimento que foi meio que perdido ao longo do tempo. O pior disso tudo a dificuldade de entendimento de conceitos. Isso vem revelando que esse mercado foi crescendo em funo de toda uma mudana de gerao. Hoje, os engenheiros que esto nos canteiros de obras e na produo so engenheiros formados do ano 2000 para a frente, e que no tm essa base de que estamos falando. [...] Quando um projetista pe na proposta dele para o meu cliente uma nota dizendo que se a sua empresa quiser atender Norma de Desempenho dever contratar um especialista

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    45em normas, quer dizer, ele no tem a menor noo, seja qual for a especialidade dele, que existe uma norma que ele deve atender. O pessoal no se d conta que, independentemente at do Cdigo de Defesa do Consumidor, isso faz parte da legislao profissional, tanto do CAU quanto do CREA. assustador o quanto os profissionais desconhecem sua prpria responsabilidade.

    5.1.2.4 Nvel de exigncia QUESTO A Norma apresenta nveis mnimos de desempenho a serem cumpridos pelas empresas construtoras. O nvel de exigncia est adequado ou as empresas tero dificuldades de adaptao?

    EVERTON Na verdade saiu uma verso inicial da Norma e quando ela iria entrar em vigor a CBIC pediu uma prorrogao. Houve uma grita geral de que a Norma estava extremamente exigente e foi feita uma reviso da Norma. Essa reviso, ento, alterou alguns aspectos mas de uma maneira geral no mudou fundamentalmente as exigncias. [...] Afora isso acho que ela vem bem porque no Brasil ns estvamos precisando de parmetros de desempenho. Esses parmetros estavam soltos em vrias normas e essa Norma tem o mrito de aglutinar todas essas informaes, ento no uma Norma que seja, digamos, impertinente. Ela pertinente.

    MARIA ANGLICA Posso dizer que o nvel mnimo est bastante adequado. Ele foi objeto de muita discusso justamente porque o mnimo deveria ser vivel no segmento econmico tambm. Isso levou, inclusive, com que alguns itens fossem retirados at de uma forma equivocada.

    5.1.2.5 Mudanas QUESTO A Norma j foi citada como um divisor de guas para a construo civil brasileira. O que muda para os projetistas/quem constri com mtodos tradicionais/quem constri com mtodos inovadores?

    EVERTON Na verdade os sistemas construtivos inovadores j vm cumprindo essa regra h vrios anos. A Caixa encomendou essa Norma, originalmente, para sistemas construtivos inovadores e depois ela adquiriu essa abrangncia global, para todo tipo de edificao. [...] Hoje a realidade que os sistemas inovadores que esto no mercado j atendem ao menos verso anterior da Norma, em sua grande maioria, e agora tero de ser reanalisados para verificar se

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    46atendem verso atual. [...] Os sistemas convencionais em algumas coisas atendem, a gente sabe, e outras no. Essa aferio, inclusive, est fazendo falta para a comunidade tcnica brasileira nesse momento.

    MARIA ANGLICA O que muda, para mim, o conhecimento tecnolgico. Nos mtodos tradicionais voc conta com essa improvisao. Se voc for olhar o quanto dos mtodos tradicionais se usa para dar um jeito no canteiro muito grande. Nos sistemas inovadores, que so, em geral, industrializados, voc precisa solucionar tudo. No faz sentido ir com um sistema industrializado para o canteiro deixando improvisos. Essa mudana no conhecimento tecnolgico tanto no sentido de no entregar nada sem conhecer seu desempenho como do ponto de vista de se ter um projeto com uma capacitao maior, sendo esse o grande gargalo, hoje, no Brasil. No nosso nvel de projeto, mesmo se tratando dos grandes escritrios, bons tecnicamente, temos uma cultura de projeto que no de produo, no um projeto que deixa o canteiro efetivamente sem ter que tomar decises in loco.

    5.1.2.6 Adoo QUESTO No Brasil existem normas que pegam e outras no. Como voc v o processo de adoo da Norma, com um ano de vigncia?

    EVERTON O lanamento da ltima verso da Norma foi muito interessante. A CBIC chamou si a divulgao da Norma, chamou os Sinduscons do Brasil inteiro, fez um evento em Braslia [...]. O tema de casa que foi dado naquela poca que cada Sinduscon faria um evento na sua regio e continuaria disseminando a Norma. De certa maneira isso vem sendo feito, sistematicamente, pelos Sinduscons, mas certamente ainda falta um trabalho de divulgao. [...] Evidentemente que a questo da norma tcnica no Brasil complicada porque, primeiro, o pessoal no tem acesso ABNT, tem que pagar para ter a Norma, ento a informao no est acessvel e por no estar acessvel acaba fazendo com que os profissionais no levem com seriedade que deveriam levar as normas tcnicas brasileiras. Evidentemente que as normas so amplas, mas medida que cada um tem uma especializao ele tem que conhecer as normas pertinentes sua rea de atuao e interesse. Essa questo de que a norma no considerada no Brasil j histrica, um absurdo, uma distoro, e certamente essa Norma, por ser mais abrangente, talvez seja at a Norma Me, como chamada, e que possa reverter um pouco essa questo e trazer uma valorizao s normas brasileiras no contexto tcnico da engenharia e da arquitetura.

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    47MARIA ANGLICA O primeiro ponto a se destacar que nunca, no pas, se teve uma norma com tanta recepo quanto essa chegando ao consumidor final. Isso fez com que se abrisse caminho para outras normas, como, por exemplo, a norma de reforma, que foi publicada recentemente e que teve uma recepo muito maior do que imaginvamos. [...] Isso levou a uma reao de toda a cadeia produtiva, principalmente das construtoras e incorporadoras, que eu nunca havia visto antes. Muita norma saiu anteriormente e todo mun