Upload
julianaorf
View
218
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
7
Concluses
Historicamente, o advento do design de notcias est dire-
tamente relacionado srie de mudanas econmicas e sociais
ocorridas a partir dos ltimos 25 anos do sculo XX, como um
de seus reflexos no campo comunicacional e simblico da soci-
edade. Os marcos histricos mais relevantes desse surgimento
foram a criao da Society of Newspapers Designers (SND) nos
Estados Unidos entre 1978 e 1979, e o lanamento do dirio
norte-americano USA Today, em 1982. Com o desenvolvimento
de novas tecnologias de comunicao e informao a partir dos
anos 1980, as prticas comunicacionais se modificaram ao ponto
de surgirem novas mdias e novos protocolos para o consumo de
produtos jornalsticos.
Paralelamente, a concentrao de empresas de comunica-
o inserida no processo de mundializao da economia modifi-
cou o mercado jornalstico provocando o acirramento do carter
comercial das publicaes, que prevalecia desde o fim do pero-
do identificado como publicismo1 ainda em meados do sculo
XIX. Nesse cenrio, as empresas de comunicao adotaram mo-
delos de gerenciamento industrial, com o objetivo de organizar a
produo e racionalizar seus resultados. Entre as medidas adota-
das, destacou-se a valorizao do design empregado na organi-
zao da produo; na renovao, atualizao ou criao de pro-
dutos editoriais jornalsticos para as diversas mdias; e na produ-
o dos discursos veiculados por tais mdias.
Nesse contexto, tal design recebeu a qualificao de not-cias, denominao que direciona sua atuao para a atividade jornalstica, concentrando-se no planejamento da produo e na
elaborao da forma da notcia em qualquer mdia. Assim, dis-
tinguia-se do design anteriormente presente no meio, cujo foco
estava na organizao visual da informao jornalstica nos ve-
culos impressos. Formalmente, a denominao foi adotada a
partir de 1997, quando a SND, j transformada uma organizao
profissional internacional, modificou seu nome para Society for
News Design.
O presente estudo teve por objetivo conceituar e caracteri-
zar esse novo tipo de design, qual seja o design de notcias. Para
tanto, atravs de pesquisa desenvolvida a partir da metodologia
de Yin (2005) para o estudo de casos, apontou as caractersticas
desse design, distinguiu-o de manifestaes de design anteriores
1 Ver SODR, 2009: 25.
DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0610642/CA
177
no mbito da pgina de notcias, sistematizou sua metodologia
de trabalho e discutiu sua insero no campo do Design ao con-
textualiz-lo no perodo identificado por Margolin (1994) como
Idade da Comunicao.
O design de notcias se caracteriza fundamentalmente pela
insero do designer nas etapas decisrias do sistema de produ-
o de jornais, respondendo pelo planejamento e produo de
discursos elaborados a partir da combinao de linguagem ver-
bal e no-verbal. Assim, difere das manifestaes de design an-
teriores aos anos 1980 no mbito da pgina de notcias por essas
restringirem-se distribuio e organizao do material jornals-
tico (ttulos, textos, ilustraes etc.) na pgina, expressando gra-
ficamente a hierarquizao editorial dos assuntos, o que as apro-
ximava mais da diagramao do que do design, e as subordinava
linguagem verbal, onde o discurso se concentrava at ento.
Nos termos de Margolin (1994: 13), essas manifestaes estari-
am inseridas na produo do que chama formas visuais, uma espcie de traduo visual dos textos a partir da utilizao da
linguagem grfica corrente no meio (o jornal).
O design de notcias por outro lado, expressaria o rompi-
mento com a forma verbal estabelecida e enfatizaria a combina-
o da linguagem verbal com a no-verbal para fazer a media-
o entre o pblico e a notcia. Tais indcios tm a ver com a
condio do design de notcias como discurso e ratificam sua
insero no contexto construdo a partir dos anos 1980. Nele, a
sociedade se viu, segundo Kopp (2002: 126), (...) permeada pelo efmero, instantneo, transitrio, flexvel, plural, sincrtico,
superficial, mutvel, cambiante, fluido. Supostamente estimu-lada pelas transformaes que edificaram a sociedade em rede
(CASTELLS, 1999), tal sociedade desacreditou as grandes solu-
es estabelecidas na qual se inclui o tradicional design dos jornais, sua forma estabelecida e abriu-se para um nmero maior de vozes (KOPP, 2002: 126), assimilando-as. O design de
notcias corresponde a uma dessas vozes.
Parte daquilo que Castells (1999) e Kopp (2002) percebem
nas transformaes em andamento na sociedade, Margolin
(1994) identifica com o que chama idade da comunicao. Na dinmica inerente a tal perodo, o design de notcias corresponde
ao esforo de produo de discursos por parte do designer no
mbito da produo editorial jornalstica, esforo este que cor-
responde a uma das formas de manifestao do Design no refe-
rido contexto histrico. Tais manifestaes no se limitam a
formulao visual de discursos produzidos por outros, mas ex-
pressam a condio do Design como produtor de discursos.
Com efeito, se o produto do trabalho do designer enten-
dido como um produto cultural legtimo afirmar que o desig-
ner produz textos na concepo da Anlise do Discurso, o produto cultural, formas empricas do uso da linguagem verbal
DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0610642/CA
178
ou de outros sistemas semiticos (ver captulo 4, p. 83) , que podem ser tomados como discursos na medida em que revelam
seu contexto, ou seja, os processos scio-histricos de produo
de sentidos nos quais se desenvolvem. Assim, o que afirma
Margolin (1994) em relao ao designer como produtor de dis-
cursos ganha relevo se considerado que a suposta preferncia da
Anlise do Discurso em se deter sobre os textos verbais em de-
trimento dos outros sistemas semiticos (PINTO, 2002: 20) ex-
pressa uma relao de poder, na qual a linguagem verbal se so-
brepe s demais.
O que Margolin antecipa que a referida idade da comu-
nicao impe outra relao de poderes entre a linguagem verbal
e as de outros sistemas semiticos, que eram usados para ex-
pressar tal linguagem. Com o novo contexto comunicacional,
tais sistemas ganharam importncia. Assim, o design de notcias
como discurso corresponderia ao uso da linguagem grfica da
pgina de notcias (a lngua) num contexto particular (a notcia).
Nesse sentido, se distinguiria de suas manifestaes ocorridas
antes dos anos 1980 por serem estas a expresso de um modelo,
de uma forma padro de jornal que seria a mesma em qualquer
contexto. Ao criar um design para a notcia, que leve em conta
suas peculiaridades e seu contexto, o designer produz um dis-
curso, uma vez que tais peculiaridades e tal contexto podem ser
identificados em sua produo atravs das marcas deixadas em
sua superfcie, como demonstrou a pesquisa sobre o obiturio
dos papas Paulo VI e Joo Paulo II.
Assim, so indcios da presena do design de notcias, se-
gundo a pesquisa, o design de pgina que enfatiza um determi-
nado contedo pela combinao de linguagem verbal e no-
verbal sem prejuzo do projeto grfico do veculo; a presena de
infogrficos, por natureza expresso de discursos multimodais; e
a utilizao de ASF, cuja essncia corresponde exatamente ao
rompimento com a referida forma estabelecida dos jornais, ex-
presso de sua subordinao linguagem verbal. Tais elementos
constituem-se em marcas do contexto scio-histrico em que se
desenvolvem e circulam, contexto este no qual as diversas vozes
apontadas por Kopp (2002: 126) expressam-se atravs da com-
binao de distintos sistemas semiticos.
Com efeito, o que Margolin (1994) aponta em relao ao
devir do Design no novo contexto comunicacional est ligado a
sua capacidade de se relacionar com tal variedade de linguagens
e vozes. Cada vez mais responsvel pela mediao nesse contex-
to scio-histrico, o designer tornou-se um sujeito ativo desse
processo, ora facilitando a produo e circulao de sentidos,
ora produzindo os discursos que os veiculam. Portanto, o design
de notcias mais a manifestao do Design inserido em tal con-
texto comunicacional, que uma ocorrncia pontual na dinmica
interna do Jornalismo.
DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0610642/CA
179
7.1
Desdobramentos
O presente estudo contribui para a discusso acerca das
modificaes no campo do Design provocadas pela dinmica do
desenvolvimento de novas tecnologias de comunicao e seus
reflexos na economia e na sociedade. Tal contribuio segue em
linhas gerais a discusso promovida por Margolin em 1994 do qual o presente estudo se oferece como desdobramento , quan-do as alteraes tanto no trabalho quanto no perfil do profissio-
nal de design j se faziam notar.
Tomando por base o que Heskett (2008) prope acerca da
evoluo histrica do Design, legtimo considerar a referida
dinmica como responsvel pelo estabelecimento de uma nova
camada nessa histria. O estudo contribui para sua discusso ao
abordar uma face especfica dessa transformao no campo. Um
desdobramento possvel seria discutir, enfim, o que pode ser
considerada uma atualizao no campo do Design. Nesse senti-
do, o estudo imps trs reas a serem consideradas em pesquisas
futuras: o discurso do design no mbito do jornalismo em si; os
aspectos tcnicos e metodolgicos ligados sua produo; e sua
adaptao ao sistema de mdia em mutao e em expanso.
As duas primeiras reas foram contempladas no presente
estudo, embora este no as tenha esgotado. A forma do referido
discurso do Design e, em especial, o uso de formas narrativas
no-convencionais, se oferecem como um campo em potencial.
Nesse sentido, ao contemplar tais aspectos, se estaria ampliando
a contribuio do Design para o debate em torno de novas for-
mas discursivas, debate este que ganha importncia na medida
em que o uso dos novos aparelhos favorece o desenvolvimento
de sistemas comunicacionais baseados em metforas visuais,
como o e-moticon2, por exemplo.
O impacto das mdias oriundas do desenvolvimento de
novas tecnologias de comunicao na metodologia de trabalho
do designer inserido nesse campo tambm merece ser discutido.
A terceira rea, que escapou aos limites da pesquisa, aquela
que demanda maiores esforos, mas tambm a que se apresen-
ta como mais urgente e promissora. Em um cenrio tecnolgico
e comunicacional em expanso por causa do advento de novas
mdias, discutir o desenvolvimento do design voltado a cada
uma dessas mdias ou a elaborao de um design que possa ser
aplicado a todas elas tornou-se fundamental para a compreenso
do papel que o design ter na sociedade a partir do estabeleci-
mento da sociedade em rede.
2 Sistema baseado no uso de sinais grficos como aspas, parnteses, traves-
ses etc., compondo signos para expressar sentimentos e emoes (surpre-sa, alegria etc.). Esse sistema foi disseminado pelo uso dos correios eletrni-cos, SMS, torpedos e outras formas de comunicao digital.
DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0610642/CA
180
Verificar se um design pode ser veiculado em qualquer
mdia sem perdas quanto funo, legibilidade etc., ou se os
projetos devem ser alterados em funo dessas mdias uma
discusso que ganha vulto no setor de comunicao e entreteni-
mento. Isso porque tanto um como outro procedimento envolve
alteraes no modelo econmico das empresas, o que pode de-
terminar rumos ou direcionar investimentos. Essa discusso,
iniciada pelo uso de telefones mveis capazes de veicular ima-
gens e conectar-se internet, ganhou fora a partir do lanamen-
to do Kindle, mas foi o advento do iPad, que ampliou-lhe o es-
copo. Isso porque este aparelho oferece visualizao de pginas
em cores, similares s impressas, e a possibilidade de alterar
layouts ou as dimenses dos elementos por conta da tecnologia
empregada.
Todos esses fatores destacam o papel da formao do de-
signer para atuar nesse novo contexto, discusso j presente nos
trabalhos de Margolin (1994), Lima (1996), Moraes (1998), en-
tre outros. Para atuar em um ambiente de comunicao no qual
as tecnologias permitem a todos produzir discursos facilmente
veiculados por essas mesmas tecnologias, que se ligam numa
rede flexvel e em constante expanso, o designer necessita tran-
sitar por campos distintos. Redao, lingustica, arte sequencial,
msica, engenharia de som, enfim, reas que contribuem para a
produo dos discursos multimodais cada vez mais usuais. O
presente trabalho contribui para esse debate ao descrever a atua-
o do designer num contexto originalmente associado lingua-
gem verbal, s formas verbais e aos saberes ligados a elas. A
discusso pode se desdobrar no levantamento dos campos ne-
cessrios construo dos discursos multimodais nos limites
que as novas tecnologias estabelecem.
Se um design reflete o contexto onde produzido, poss-
vel que a educao formal esteja sendo atingida tambm pelos
mesmos fenmenos que modificaram o campo do Design. Um
desdobramento possvel deste estudo seria a discusso de como
esse (novo) Design pode contribuir para a educao formal das
pessoas. Avaliar tambm sua responsabilidade pela mediao no
ambiente escolar, por exemplo, seria no s oportuno como ne-
cessrio. Estudar os discursos produzidos pelo Design para o
mercado editorial jornalstico pode contribuir para a sistematiza-
o de discursos voltados para a educao, tambm ela em trans-
formao por conta das novas tecnologias.
DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0610642/CA