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Técnicas áudios visuais para concursos

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  • Governo Federal

    Presidente da Repblica Luiz Incio Lula da Silva

    Ministro da EducaoFernando Haddad

    Secretrio ExecutivoJos Henrique Paim Fernandes

    Secretrio de Educao Bsica Francisco das Chagas Fernandes

    Diretor do Departamento de Articulao e Desenvolvimento dos Sistemas de EnsinoHorcio Francisco dos Reis Filho

    Coordenadora Geral do Programa Nacional de Valorizao dos Trabalhadores em EducaoJosete Maria Canguss Ribeiro

    Coordenao Tcnica do ProfuncionrioEva Socorro da Silva e Ndia Mara Silva Leito

    Apoio TcnicoAdriana Cardozo Lopes

    Universidade de Braslia UnB

    ReitorTimothy Martin Mulholland

    Vice-ReitorEdgar Nobuo Mamiya

    Coordenao Pedaggica do ProfuncionrioBernardo Kipnis - CEAD/FE/UnBFrancisco das Chagas Firmino do Nascimento - FE/UnBJoo Antnio Cabral de Monlevade - FE/UnBMaria Abdia da Silva - FE/UnBTnia Mara Piccinini Soares - MEC

    Centro de Educao a Distncia - CEAD/UnBDiretor Bernardo KipnisCoordenao Executiva Jandira Wagner CostaCoordenao Pedaggica Maria de Ftima Guerra de Souza

    Unidade de ProduoGesto da Unidade Bruno Silveira DuarteDesigner Educacional Flvia CarrijoReviso Daniele SantosCapa e Editorao Evaldo Gomes e Tlyo NunesIlustrao Nestablo Ramos Neto Foto capa Raquel Aviani

    Unidade de PedagogiaGesto da Unidade Maria Clia Cardoso Lima

    Unidade de Apoio Acadmico e LogsticoGesto da Unidade Silvnia Nogueira de SouzaGestora Operacional Diva Peres Gomes Portela

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Brasil. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Bsica.

    C871a Coutinho, Laura Maria. Audiovisuais: arte, tcnica e linguagem. 60 horas /

    Laura Maria Coutinho.Braslia : Universidade de Braslia, 2006.

    92 p.:il.(Profuncionrio - Curso tcnico de formao para os funcionrios da educao)

    ISBN 85-86290-79-3

    I. Ttulo II. Srie

    CDU: 371.3

  • ApresentaoA temtica que vamos tratar neste mdulo, como voc

    ir observar na ementa, bastante ampla. Audiovisual pode ser muitas coisas e, por isso, pode ser abordado de mui-

    tas maneiras.

    Proponho que entremos nesse texto, com o que vou chamar de chave de leitura, ou seja, que percorramos as reflexes que apre-

    sento, tendo como referencial a experincia que cada um tem com os audiovisuais. Essa experincia a nossa chave de leitura e a chave de

    leitura de cada um. Somos uma civilizao que j nasceu percebendo o mundo audiovisualmente e, para o bem ou para o mal, as implicaes disso

    so enormes.

    Fao aqui algumas perguntas, sei que as respostas so muitas e variadas e jus-tamente nessa multiplicidade de indagaes que podemos encontrar maneiras

    de refletir a prpria experincia de vida, neste caso, a nossa experincia com a linguagem audiovisual. Voc se lembra de qual foi a imagem que primeiro o tocou e por qu? Qual foi primeiro filme que voc assistiu? Que impresso lhe causou? E quanto televiso, voc se lembra da primeira coisa que viu na tev? Ou ainda, o que primeiro chamou a sua ateno na televiso? Fao essa ltima pergunta assim, pois a televiso, entre ns, tornou-se to corriqueira que muita gente fica diante dela todos os dias, por muitas horas, e se esquece de prestar ateno em como a televiso nos mostra as coisas, como pode direcionar nossa viso e nossos pensa-mentos e, com isso, nos seduzir.

    Seduo um conceito complexo e, talvez por isso, pode ser encarado com aquele certo desprezo que temos quando alguma coisa nos incomoda, mas no sabemos lidar muito bem com ela. Quebra qualquer possibilidade de uma viso maniquesta das coisas. A idia de seduo est relacionada a certa ambigidade, com coisas que oscilam entre o bem e o mal, o certo e errado, o claro e o escuro, o silncio e o som. A seduo atua no universo das nossas dvidas mais profundas, aquelas que muitas vezes nem sabemos que so nossas. A seduo questiona nossas cer-tezas e pode transformar nossa percepo do mundo criando maneiras que nos fascinam, encantam, deslumbram, atraem. A linguagem audiovisual do cinema e da televiso so linguagens sedutoras, sugerem muito mais do que afirmam e, em sons e silncios, claros e escuros, cores cambiantes, criam um universo de magia e encantamento, at mesmo quando quer ser objetiva, afirmativa, certa, como em alguns filmes educativos e programas de televiso como os jornais. A linguagem audiovisual carregada, com maior ou menor intensidade, de seduo.

  • O que voc j aprendeu com os audiovisuais, seja para a sua profisso, seja para a sua vida pessoal? Como v esse aprendizado ou conhecimento? E ainda uma ltima pergunta, daquelas assim esquisitas, que podem ter uma resposta simples e curta ou render uma longa explanao: como seria a nos-sa vida sem a televiso? Ou, que a nossa vida com a televiso?

    Gosto imensamente do cinema porque com ele aprendo sempre, seja ven-do novos filmes, seja revendo os mais queridos, seja apenas me lembrando deles. A minha filmografia de espectadora no to grande assim. Alguns filmes eu me dou o direito de no assistir, por muitos motivos. Mas outros entram em minha vida da mesma forma que entro nos filmes quando os vejo, principalmente quando isso se d numa sala de cinema. Sobre esse aspecto, existe um texto maravilhoso, intitulado Ns estamos no filme, de um autor que escreveu nos anos 20 do sculo passado, Bela Balz. nesse texto que Balz trata de uma maneira muito delicada e sutil da natureza dessa relao do espectador com o filme. (XAVIER, 1983).

    Digo isso para mostrar como alguns filmes deixaram de ser de dentro da lata ou seja, um enlatado, como pejorativamente nomeamos os filmes estrangeiros ou de pertencer somente ao DVD ou, ainda, ao VHS, para entrar na minha vida, nas lembranas, nas emoes mais profundas que comigo carrego.

    O filme que, para mim, melhor retrata a televiso e parece querer responder, com imagens e sons, as duas ltimas perguntas que fao acima Ginger e Fred, de Frederico Fellini. Nele, o cineasta, maneira de um conto de natal, trata com muito humor e fina ironia a televiso e seus maneirismos. Em um dos captulos de minha tese de doutorado, que depois foi publicada em forma de livro, intitulado O estdio de televiso e a educao da memria, analiso

    as narrativas dos programas de auditrio. O fio que me conduz nessa anlise o referido filme de Fellini (COUTINHO, 2003).

    Ginger e Fred, Itlia, um filme de 1986, um dos ltimos que o autor fez. No livro Eu Fellini, que trs uma longa entrevista com Charlotte Chandler, Fellini diz que No filme, ataco com certa ironia a televiso superficial e onipresente, mas o lado cmico tambm me era importante. Eu fiz o filme porque a idia me agradou, no como um ata-que televiso. O filme deveria ser, antes de mais nada, uma histria de amor.

    Mesmo que tenhamos ido pouco ao cinema, por alguma razo e sobre isso vamos refletir um pouco ao longo desse mdulo ainda vivemos

    em uma sociedade em que as imagens e sons da televiso esto em toda parte, principalmente, na maioria dos lares.

  • Gosto de pensar na televiso como uma chama que se acende e em torno dela as pessoas se renem. Lembro aqui que a palavra lar vem de o lugar onde se guarda o fogo; desse sentido decorre tambm lareira, larada. Sob esse aspec-to, a televiso vista, quase sempre, na intimidade, nas casas das pessoas. O cinema pblico, samos de casa para assistir a filmes. Vamos para casa ver televiso. Embora, claro que os aparelhos de VHS e, atualmente, o DVD permitem timas sesses de cinema em casa. O home theater, sonho de consumo de muita gente, j uma realidade entre ns.

    Estamos falando de audiovisual, a qual se de-fine como uma linguagem de sntese. Pode tambm ser caracterizado como um amlgama que rene com a mesma inteno de expres-sar idias, juzos, pensamentos, as imagens e os sons captados pelas cmeras, as cores, a palavra escrita, o movimento.

    Objetivo

    Proporcionar uma reflexo sobre a linguagem audiovisual. Fazer um passeio pelas experincias que se utilizaram dessa modalidade de comunicao para o desenvolvimento da educao. Permitir que educadores e profissionais que trabalham nos sistemas escolares possam construir uma viso mais aprofun-dada e crtica dos audiovisuais dentro e fora da escola.

    Ementa

    A importncia do desenho e da pintura no processo civilizatrio. As grandes escolas de artes plsticas. O rdio e a massificao informativa. Fotografia: teoria e prtica. Cinema: produo e consumo. O vdeo: produo e uso edu-cativo. Rdios e televises educativas. A interao entre a escola e a mdia: leitura crtica das mensagens.

  • Mensagem da Autora

    Meu nome Laura Maria Coutinho, sou mineira e moro em Braslia h muitos anos. Fiz o doutorado em Educao, Conhecimento, Linguagem e Arte, na Faculdade de Educao da UNICAMP, defendido em maro de 2001. O meu mestrado foi em Educao, com a dissertao inti-tulada Videoteipe: ver e rever a educao pela Faculdade de Educao da UnB, 1988. Sou especialista em Sade Pblica pela Escola Nacional de Sade Pblica da FioCruz, curso que fiz em 1978. Em 1976 conclu minha graduao em Comunicao Social: audiovisual, televiso, cinema e rdio, pela Faculdade de Comunicao da UnB.

    Trabalho como Professora Adjunta no Departamento de Mtodos e Tcnicas da Faculdade de Educao da Universidade de Braslia, na rea de Tecnologia Educacional, na graduao e na ps. Atualmente, atuo como vice-dire-tora dessa Faculdade. J fui Coordenadora Geral do Curso de Pedagogia para Professores em Incio de Escolarizao (PIE); Diretora do Centro de Recursos Tecnolgicos (CRT), da Secretaria de Educao do Distrito Federal, unidade res-ponsvel pelas aes de informtica educativa, audiovisu-al, incluindo a implantao da TV a cabo da rede pblica de educao do DF, acompanhamento da TV Escola, bibliote-cas escolares e comunitrias, e livros didticos.

    Realizei trabalhos de coordenao de programas televisi-vos para o Salto Para o Futuro da TVE do Rio de Janeiro e participei como convidada de vrios outros programas na rea de tecnologias e audiovisual na TVE, desde 1997.

    Desenvolvi trabalhos de comunicao social e educa-o na Diviso Nacional de Educao para a Sade e na Coordenadoria de Comunicao Social do Ministrio da Sade. Participei da realizao de campanhas educativas em mdia impressa e eletrnica para o combate raiva, para a preveno de paralisia infantil, AIDS e de incentivo ao aleitamento materno, entre outras.

    Tenho alguns trabalhos com vdeo, mas confesso que gostaria de ter feito mais. Desenvolvo projetos de pesqui-sa com a linguagem cinematogrfica, cinema, televiso e videoteipe como instrumentos de pesquisa e documen-tao da realidade. Escrevi o livro O estdio de televiso

  • e a educao da memria, publicado pela editora Plano, de Braslia, em 2003. Escrevi, ainda, captulos em livros como Imagens sem fronteiras: a gnese da TV Escola no Brasil, in: Tecnologias na Educao e formao de professores. Braslia: Plano, 2003, entre outros.

    Gosto muito de trabalhar com a linguagem audiovisual, so-bretudo a partir do meu curso de graduao. Gosto de ver filmes e pensar sobre eles. Da televiso gosto menos e, s vezes, fico pensando no quanto essa mquina de veicular imagens poderia ser melhor. Espero que voc goste do m-dulo Audiovisuais e que juntos possamos encontrar mltiplos usos dessa linguagem na educao e na vida.

    Laura Maria Coutinho

  • Sumrio

  • UNiDADE 1 Introduo linguagem audiovisual 13

    UNiDADE 2 Audiovisual e educao 25

    UNiDADE 3 Linguagem audiovisual 43

    UNiDADE 4 Fotografia, cinema e televiso 53

    UNiDADE 5 O audiovisual e sua reproduo 63

    UNiDADE 6 Audiovisuais na escola 71

    REFERNCiAS 88

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    Neste curso, vamos trazer para a discusso os audiovisuais, ou os principais elementos constitutivos da linguagem au-diovisual. So muitas as linguagens que o homem lana mo para se expressar. Podemos compreender linguagem como todo e qualquer meio sistematizado que usamos para comu-nicar, transmitir, receber e repassar idias, informaes, co-nhecimentos.

    1.1 Tempos modernos

    A linguagem audiovisual, como a prpria palavra expressa, feita da juno de elementos de duas naturezas: os sonoros e os visuais. Portanto, estamos falando de artefatos da cul-tura que afetam esses dois sentidos do homem, a viso e a audio. Estes so os sentidos mais privilegiados no mundo moderno, pois uma das caractersticas da modernidade o fato de permitir certo afastamento das pessoas do chamado mundo natural ou natureza. Hoje, voc j deve ter ouvido ou lido em algum lugar que estamos vivendo j na ps-moderni-dade. Assim, para Fredric Jameson:

    no modernismo ainda subsistem algumas zonas residu-ais da natureza, ou do ser, do velho, do mais velho, do arcaico; a cultura ainda pode fazer alguma coisa com tal natureza e trabalhar para reformar esse referente. O ps-modernismo o que se tem quando o processo de mo-dernizao est completo e a natureza se foi para sem-pre. um mundo mais completamente humano do que o anterior, mas um mundo no qual a cultura se tornou uma segunda natureza. (JAMESON, 1987, p. 13).

    Uma das reflexes mais contundentes sobre a modernidade, inscrita em linguagem audiovisual, est

    no filme de Charles Chaplim Tempos modernos. Um outro filme que tambm trata da relao entre o trabalho, os homens e as maquinas Metrpolis, de Fritz Lang, um

    filme de 1926.

    Chama-se de Ps-Modernidade a condio sociocultural e esttica do estgio do capitalismo ps-industrial, que o contemporneo

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    Gostaria de convidar voc a olhar para esta imagem, um fotograma do filme Tempos Modernos. Nela, vemos um homem em meio s engrenagens de uma mquina. Podemos ver tambm a pujana das mquinas, sua fora e estabilidade, mesmo em movimento. O homem se agarra alavanca e faz movimentos pouco naturais, como se desafiasse at mesmo a gravidade. As mquinas propem uma nova ordem para tudo e, principalmente, para o homem. Alm do que j foi dito, o que mais podemos depreender dessa imagem dos tempos modernos? Que outra imagem podemos sugerir? Registre suas idias em seu memorial.

    Vivemos em tempos modernos e, at mesmo, ps-modernos como querem alguns autores. Penso que o homem vive, hoje, vrios estgios de desenvolvimento. Nada do que existiu se foi para sempre. Portanto, modernidade e ps-modernidade so estgios; ainda temos o velho, o antigo e o arcaico ao mesmo tempo e, em algumas situaes no mesmo espao. No penso que haja sequer uma hierarquia, que devemos sair de um estgio para alcanar outro a qualquer custo, como se o progresso fosse inexorvel.

    Temos de aprender muito com os filmes e audiovisuais que tratam desse assunto. Se quisermos pensar em linguagem, em linguagem audiovisual, linguagem informtica, talvez fos-se bom refletirmos que alguma forma de linguagem sempre existiu, a qual constitutiva dessa nossa espcie. Sobre isso vocs j iniciaram uma discusso no mdulo Homem, pensa-mento e cultura: abordagem filosfica e antropolgica, com o professor Dante Diniz Bessa.

    Grande parte do uso que fazemos da linguagem, essa que usamos para expressar por meio da fala e de uma lngua, no nosso caso o portugus, para relatar fatos, contar histrias, narrar desde os acontecimentos mais corriqueiros hoje eu vi Maria chegar aos mais complexos: discursos e conferncias muito elaboradas.

    Cena do filme Tempos modernos, Estados Unidos, 1936. Direo de Charles Chaplin.Com Charles Chaplin, Paulette Goddard, 87 minutos, preto e branco, Continental.

    O fotograma a unidade mnima do filme. Para que possamos perceber visualmente o movimento so necessrios 24 quadros ou fotogramas por segundo. Nos filmes de Charles Chaplin e em outros do cinema mudo, temos a impresso de que as pessoas pulam. Isso acontece porque esses filmes foram captados na velocidade 16 quadros e, como os projetores de hoje no projetam nessa velocidade, acontece o salto.

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    O escritor e roteirista francs, Jean-Claude Carrire (1995), no seu livro O crculo dos mentirosos: contos filosficos do mun-do inteiro, diz que no somos apenas relatos. Mas sem um relato, e sem a possibilidade de contar esse relato, ns no somos ou somos muito pouco (p. 10).

    E como uma histria , antes de mais nada, um movimento de um ponto a outro, que nunca deixa as coisas no seu esta-do inicial, vivemos nesse fluxo, nesse movimento. So assim tanto as histrias que contamos como testemunhas oculares de fatos, as documentais, como as histrias que inventamos, as ficcionais. Carrire (1995) lembra que o verdadeiro perigo, na arte de inventar histrias, que podemos acabar por prefe-rir aquele mundo a este. Podemos nos esconder quem no conhece dezenas de exemplos na companhia de anjos ou de fadas, acolher fantasmas todas as noites, conversar com plantas (p. 18).

    Conhecemos muitas pessoas que se sentem acolhidas nesse mundo de fico, convivem

    cotidianamente com os personagens das novelas e alguns fazem da sala de cinema o seu refgio. Poderamos pensar que se aproximam mais desse universo da fico, da fantasia. Por outro lado temos pessoas que tambm resumem a sua realidade ou a

    realidade de mundo que compreende como verdadeiro, s histrias contadas pelos telejornais dirios.

    Esses relatos, ainda que tendo re-ferncias extradas da vida real, so captados por um ponto de vista e so selecionados, editados. O pro-duto final, apresentado aos teles-pectadores dos jornais televisivos, apenas uma parte que foi recortada da realidade, uma realidade ficcio-nada.

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    Quando olhamos para esta imagem, uma fotografia de uma sala de cinema, o que vemos? As tcnicas da perspectiva conduzem nosso olhar a um ponto de fuga (veja desenho abaixo). Por este ponto de fuga que conduz para a tela branca, entramos no filme quando as luzes da platia se apagam. Uma sala de cinema moderna no tem janela, a nica janela que vemos a prpria tela. a tela que se abre nossa frente, descortinando paisagens impossveis e tornadas absolutamente reais pelas tcnicas cinematogrficas. Nisso a linguagem audiovisual primorosa. Podemos pensar que as telas do cinema e tambm da televiso so janelas abertas para o mundo. As salas de cinema tm os soalhos forrados de carpetes, eles amortecem o barulho eventual de espectadores. O som que sobressai vem das caixas. Cada espectador v o seu prprio filme, est ao lado de outro espectador, mas no deve falar com ele. Interromperia o som que vem do filme. preciso refletir sobre isso: o que acontece numa sala cinema? Elas parecem impor um tipo de comportamento que, guardando da devidas propores, aproximam-se do comportamento do operrio de Charles Chaplin em Tempos Modernos? Ou no? Registre suas reflexes no memorial.

    Estamos tratando neste texto do audiovisual, das linguagens audiovisuais. Portanto, voltemos tecnologia que, nas suas mais diversas manifestaes e interferncias que faz na vida de todos, uma das expresses dessa segunda natureza, ou seja, uma natureza transformada.

    Assim, mudam-se as percepes e alteram-se os sentidos a partir da construo de uma outra viso artificial. As imagens que vemos esto em um plano s, seja o papel, seja a tela de cinema ou a de tev, mas as percebemos em terceira dimen-so: altura, largura e profundidade.

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    O mundo j no mais percebido s diretamente. Por meio das tcnicas audiovisuais do cinema e da

    televiso, por exemplo, podemos passear pela chuva sem nos molharmos, percorrer caminhos sem sair de casa, conhecer as paisagens mais inusitadas na poltrona de uma sala de cinema ou no sof da prpria casa.

    Talvez o nico gesto requerido seja o de apertar o boto ou os botes, quantos forem necessrios.

    Vivemos em um tempo no qual, praticamen-te, todas as pessoas so alfabetizadas au-diovisualmente. Vivemos imersos em um mundo de imagens, sobretudo os habitantes das cidades. A linguagem audiovisual nos familiar, corriqueira, comum.

    Encontramos diversas salas de cinema, prin-cipalmente nas grandes e mdias cidades. Infinitamente maior o nmero de apare-lhos de televiso que esto em todos os lu-gares onde existe energia eltrica. Claro que a energia eltrica um dos componentes

    fundamentais do universo tecnolgico que conhecemos, mas existem outros.

    Sempre associadas s questes que emergem da modernida-de, muitos autores j se ocuparam da tecnologia ao relacion-la s prticas atuais da comunicao e da educao, apon-tando, muitas vezes, para um desenvolvimento inexorvel de meios e procedimentos.

    O professor da UNICAMP, Laymert Garcia dos Santos (1981), ao analisar o projeto SACI, de que falaremos mais adiante, lembra que preciso reco-nhecer que o determinismo tecnolgi-co no apangio dos pensadores da tecnocracia, que ele reina tanto direi-ta, como esquerda. O comunismo os sovietes mais eletricidade, excla-mava Lnin (p. 18).

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    quase impossvel pensar o mundo moderno sem a eletricidade. As grandes transformaes que resultaram no modo de vida que temos hoje, entre elas a revoluo audiovisual que inicia com o cinema e se consolida com a televiso, so, em grande medida, decorrentes da eletricidade.

    Se a produo audiovisual ainda res-trita a um nmero pequeno de produ-tores, realizadores, atores, a sua leitu-ra muito mais acessvel, ainda que muitas vezes carea de uma viso e de uma escuta mais crtica. Essa crtica deixa de ser realizada, muitas vezes, porque pensamos as coisas de forma determinista: as coisas so o que so, porque so.

    Para construir um pensamento mais crtico das coisas e, principalmente, dos audiovisuais, objeto primeiro dessa nossa reflexo, seria necessrio construir e propor muitas perguntas simples de serem feitas, mas que traro respostas, certamente, complexas: os audiovisuais so assim, do jeito que so? Por que so assim? Onde? Quando? Com que propsitos foram feitos? E podemos ainda construir muitas outras perguntas. s vezes, construir uma boa pergunta j identificar um pouco a resposta. Anote suas perguntas no memorial.

    Quero, neste momento, propor uma reflexo, talvez at uma pequena digresso. Pensar um dos exerccios fundamentais para que possamos conhecer. No existe conhecimento fora do homem, da pessoa que conhece, ainda que os dados e as informaes estejam nos livros, nos filmes, nos programas de tev, nas fotos, nos computadores. Conhecimento mesmo s existe se pudermos nos relacionar; aprendemos com outras pessoas sempre, o filme que vemos, o livro que lemos, o computador que teclamos, lemos, assistimos, foram feitos ou propostos por outras pessoas.

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    Ns mesmos, algumas vezes, por gosto ou profisso, realiza-mos escritos, filmes, fotos, em vrios suportes. Esse o prin-cpio do conceito de mdia. Toda mdia pressupe informao e um suporte, ou seja, aquilo suporta a informao e que , ao mesmo tempo, um condutor.

    Encontramos no dicionrio Houaiss eletrnico (2001) que o significado para o termo mdia :

    todo suporte de difuso da informao que constitui um meio intermedirio de expresso capaz de transmi-tir mensagens; meios de comunicao social de massas no diretamente interpessoais (como por exemplo as conversas, dilogos pblicos ou privados). [Abrangem esses meios o rdio, o cinema, a televiso, a escrita im-pressa (manuscrita, no passado) em livros, revistas, bo-letins, jornais, o computador, o videocassete, os satlites de comunicaes e, de um modo geral, os meios eletr-nicos e telemticos de comunicao em que se incluem tambm as diversas telefonias].

    1.2 A tecnologia e nossa percepo

    A idia de audiovisual se confunde, muitas vezes, com a idia de mdia que os inclui. Mundo moderno tambm um mundo miditico e midiatizado. Lembremos de que a modernidade se constitui, em grande parte, de certo distanciamento da natu-reza e do surgimento de uma segunda natureza, transformada pela tecnologia.

    Aprendemos muito em contanto com a mdia e em seus inmeros suportes, mas aprendemos tambm observando o mundo que nos cerca, a realidade. Observamos o mundo e gostamos de contar histrias sobre ele; falar, ver e ouvir sobre o mundo que nos cerca pode ser muito proveitoso, divertido e prazeroso, e mais ainda quando se trata de outros mundos mais distantes. A linguagem audiovisual tem a capacidade de nos aproximar. Penso que ainda no compreendemos muito bem esse fenmeno de aproximao, mas de alguma forma ele acontece.

    Os audiovisuais, filmes de todos os gneros e inmeros pro-gramas de televiso, existem porque somos uma espcie de animais que necessitam de histrias. As narrativas podem ser de muitas formas e, se quisermos, podemos pens-las a par-tir de uma taxionomia: comdia, drama, fico, documentrio

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    (alguns autores afirmam que o documentrio um gnero, penso que mais uma forma de abordagem e convido vo-cs a pensarem sobre isso tambm), policial, suspense, terror, western, romance.

    Por similitude de alguns elementos, podemos pensar os fil-mes e podemos tambm refletir por que eles nos so apre-sentados dessa maneira, pois quase todos eles tratam de ele-mentos que extrapolam a classificao.

    Tristo e isolda (Drama Romance)

    Classificao: 14 anos

    Durao: 125 minutos

    Na Idade Mdia, jovem guerreiro que planeja unificar a Inglaterra ferido e resgatado por uma bela mulher por quem se apaixona. Mais tarde, ele descobre que ela filha do rei da Irlanda, seu principal inimigo. Direo de Kevin Reynolds. Com James Franco, Sophia Myles e Rufus Sewell no elenco.

    Constitumos-nos como pessoas por meio do que ouvimos e vemos ao longo da vida, do que lembramos e, igualmente do que esquecemos. As linguagens realizam-se devido a esse processo de esquecer e lembrar, os quais so elementos cons-titutivos da nossa memria pessoal e coletiva. Nossa memria povoada das muitas histrias, personagens e situaes que vivemos, daquelas que nos so contadas de boca em boca e, principalmente, para efeito das reflexes deste texto, das his-trias que assistimos no cinema e na televiso.

    Cinema e televiso so produtos da tcnica e da eletricidade, como j dissemos anteriormente. So tambm, na forma que temos hoje, produtos da sociedade capitalista. O cinema e a

    Pster do filme Tristo & Isolda, 2006.

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    televiso, cada um a seu modo, fazem parte de uma socieda-de industrial capitalista, centralizadora de recursos, processos e produtos.

    importante lembrar que o cinema uma das principais in-dstrias do maior pas capitalista do planeta. Portanto, o cine-ma sim um meio maravilhoso para se contar histrias ainda mais maravilhosas, mas , tambm, uma indstria movida a dinheiro, muito dinheiro. Da mesma forma a televiso que em nosso pas uma indstria muito poderosa.

    Os audiovisuais participam desse grande motor que a inds-tria cultural. E, em esttica, poltica e magia, vo povoando o mundo de histrias. Em esttica porque os audiovisuais atu-am fortemente naquilo que, no homem, sensvel, constituin-te do fenmeno artstico, falando mais aos sentidos do que razo. Poltico, porque diz respeito aos negcios pblicos, vida em sociedade.

    O cinema j nasceu envolvido em certa magia, todos se encan-tavam em experimentar novas formas de ver e de perceber, sobretudo, o movimento, a velocidade. Coisas que hoje nos parecem to simples e corriqueiras fazem parte de uma grande evoluo: o desenvolvimento da linguagem audiovisual.

    Os audiovisuais constituem uma forma peculiar de se con-tar histrias que se revelam e se escondem nas narrativas que cada filme, cada programa de televiso, a seu gosto e a seu modo. Mas, no foi sempre assim. Para compreender as linguagens audiovisuais, sobretudo o cinema, importante pensar na narrativa. Flvia Cesarino Costa (1995), no seu livro O primeiro cinema: espetculo, narrao, domesticao, afirma que ao se assistir hoje os primeiros filmes, verifica-se que para o nosso olhar contemporneo, a narratividade de-les precria, fugidia. Precisa ser retomada a todo momento, pois se desfaz em cada erro na manuteno dos eleitos ilus-rios da fico. Ao contrrio do cinema narrativo posterior, em que o espectador sabe-se protegido pelo muro invisvel dessa fico, o primeiro exibe numerosas descontinuidades (p. 7).

    A terminologia indstria cultural surge no mbito dos estudos crticos da Escola de Frankfurt. Chamamos de indstria cultural os frutos e os processos de comunicao de veiculao de massa. Nesse sentido, estabelecia-se uma oposio entre a cultura popular, de massa e a erudita. Os que criticam negativamente a indstria cultural afirmam que ela fabrica produtos para a venda, promove a deturpao e a degradao do gosto popular, simplifica tudo e visa a formar atitudes passivas no consumidor. Alm de tudo desenvolve atitudes paternalistas e, portanto, tambm conformistas.

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    A continuidade vai ser muito considerada na narrativa cinematogrfica. ela que vai puxar o fio dos acontecimentos e permitir que os espectadores no se percam na histria. O continuista o profissional que trabalha de forma a manter a histria no seu rumo. Observa a cada filmagem se as coisas fazem sentido com a filmagem anterior. Por exemplo, se a roupa da personagem est correta, se as flores de cima da mesa de jantar so as mesmas rosas brancas da filmagem anterior. Esse cuidado com a continuidade no era observado nos primeiros filmes. Havia, portanto, muitos pulos e a histria que se contava, nem sempre, era bem compreendida. Menos compreendida quando transportada aos dias de hoje.

    Apreender o que os filmes dizem e o que cada espectador, ao ver o filme, quer dizer, talvez seja a experincia educativa mais profunda que o cinema e as linguagens audiovisuais possam proporcionar.

    O cinema, para o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, a lngua escrita da re-alidade, a linguagem viva das coisas. Essas coisas, da realidade, esto, desde h muito, na vida de todos. Talvez seja por isso que o cinema, sendo imagem e som, tambm movimento, o movi-mento da vida. Cinema e vida podem coincidir perfeitamente nas imagens que construmos de um e de outra. No en-

    tanto, existe uma distino profunda no tempo: cinema e vida no podem prescindir do tempo, nem do ritmo.

    No livro Cmera Clara, que rene os estudos de Michel Lahud (1993) sobre as idias de Pasolini, principalmente sobre a relao entre cinema e vida, podemos perceber que: no filme o tempo finito, nem que seja por uma fico. Temos ento de aceitar for-osamente a lenda. O tempo no o da vida quando se vive, mas da vida depois da morte: como tal real, no uma iluso e pode perfeitamente ser o da histria de um filme (p. 47).

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    A linguagem audiovisual a que mais diretamente emerge da realidade e, portanto, dela se origina. Podemos dizer que a linguagem audiovisual expressa a realidade na sua dimenso espao-temporal, ou seja, naquilo que a realidade tempo e espao, juntos e separados. Muitas questes se colocam quando pensamos nesses dois aspectos da realidade.

    Ao pensar no tempo como precedncia e na linguagem au-diovisual como um construto e um legado, gosto de recorrer a Luis Buuel (1982, p. 96) seu livro autobiogrfico, O ltimo suspiro. Este grande cineasta espanhol, refere-se a Eugnio dOrs como autor de uma frase que costumava citar freqen-temente contra aqueles que buscam a originalidade, no senti-do do diferente, a qualquer preo: Tudo o que no tradio plgio. E completa, afirmando que algo sempre lhe pareceu profundamente verdadeiro nesse paradoxo.

    Paradoxal ou no, tradio, no seu sentido etimolgico, o ato de transmitir ou entregar herana cultural, legado de crena, razes, fundamentos e original, ainda princpio, precedncia, primitivo, primordial. Assim, histrias e narrativas, contedo e forma, originalidade e tradio, parecem fundir-se em um mesmo e nico processo da experincia humana que o cine-ma e as linguagens audiovisuais to bem retratam.

    Vivemos imersos em um mundo de imagens. Se as salas de cinema esto cada vez mais reduzidas aos shoppings centers, ainda que a tendncia desses seja a de aumentar, a televiso popularizou o cinema e muitos filmes deixaram as grandes telas para apresentar-se nas telas menores dos inmeros apa-relhos de televiso que esto por toda parte. Por isso mesmo, todas as pessoas que vivem nas cidades tm sua prpria ex-perincia com a linguagem audiovisual para relatar. Em algum momento da nossa vida, a linguagem audiovisual nos toca, nos sensibiliza, nos educa.

    Luis Buuel cineasta espanhol. Realizou inmeros filmes que marcaram a histria do cinema, como Um chien andalous. Junto com o pintor, tambm espanhol, Salvador Dali, realizou O estranho caminho de So Tiago, A bela da tarde, entre outros. A filmografia desse cineasta nos ajuda a compreender o cinema como manifestao artstica e a importncia do audiovisual para a cultura dos povos.

    Pster do filme Un Chien Andalous, 1929.

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    Audiovisuais, cinema, televiso e educao, de certa forma, sempre estiveram prximos. Mesmo que muitas vezes o audio-visual, na educao, tenha sido pensado apenas como ilustra-o de contedos curriculares. Esse talvez seja a primeira apro-ximao do audiovisual com a educao, mais existem outras.

    Milton Jos de Almeida (1994), em seu livro Imagens e sons a nova cultura oral, afirma que

    a transmisso eletrnica de informaes em imagem-som prope uma maneira diferente de inteligibilidade, sabedo-ria e conhecimento, como se devssemos acordar algo adormecido em nosso crebro para entendermos o mun-do atual, no s pelo conhecimento fontico-silbico das nossas lnguas, mas pelas imagens-sons tambm.

    Se assim compreendemos essa etapa do desenvolvimento humano, vemos que a linguagem audiovisual precisa ser com-preendida para alm dos produtos audiovisuais construdos a partir dessa sintaxe, ou seja, dessa justaposio de imagens e sons (ALMEIDA, 1994).

    Mais do que aprender por meio dos produtos audiovisuais, importa ainda entender essa linguagem para que a educao, por meio de professores e alunos, passe construir um entendi-mento do mundo. Muitas foram as ex-perincias que buscaram associar a lin-guagem audiovisual com a educao. Vamos, doravante, fazer um percurso diferente do que vnhamos fazendo. Proponho que faamos um passeio por algumas das experincias ocorridas ou

    ainda em curso no Brasil. Digo experincias porque muitas delas foram tentativas, tiveram comeo e fim, no persistiram.

    Quero lembrar que o livro didtico, impresso e distribudo pe-los governos, no se constitui mais numa experincia. par-te integrante das polticas pblicas em educao j h vrios anos. semelhana das escolas pblicas, as escolas particula-res tambm concentram grande parte do que ensinado aos alunos nos livros didticos. Mas, voltando ao nosso passeio pelas experincias de utilizao do audiovisual na educao, possvel dizer que a tecnologia dos audiovisuais sempre an-daram prximas da educao.

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    TEA educao, como prtica social, e a escola, como o lugar

    onde a educao acontece de maneira sistematizada, sem-pre buscaram nas tecnologias disponveis recursos que pu-dessem dar educao certa qualidade e consistncia, seja na utilizao da lousa ao computador,. O uso de audiovisuais, como cmeras, projetores, telas, faz que se configure a rea tecnologia educacional em nosso pas, a qual ocorre a partir dos anos de 1970, quando surgem inmeras iniciativas em diferentes acepes.

    Nessa direo, propalado por uns e criticado por outros, se-jam especialistas em educao, pesquisadores, professores e alunos, configurou-se o que se chamou de tecnicismo educa-cional. As tcnicas audiovisuais concorreram para isso, mas no s elas, outros procedimentos e outros fatores contribu-ram igualmente.

    Embora reconhecendo que o tecnicismo educacional tangen-cia o tema abordado neste texto, no tenho a pretenso de aprofundar esse aspecto que, certamente, ser examinado e discutido em outros mdulos que trabalham mais diretamente com a histria da educao.

    Isso posto, convido voc para um percurso onde passaremos por algumas iniciativas educacionais que recorreram tecnolo-gia e que, por isso, podem revelar, pelas lies que produziram, situaes significativas da pedagogia e da poltica educacional brasileira. Voc, com certeza, j ouviu falar de algumas delas.

    2.1 O instituto Nacional do Cinema Educativo (iNCE)

    Para a pesquisadora Rosana Elisa Catelli (2003), desde a dca-da de 1910, os anarquistas desenvolveram uma intensa refle-xo sobre os usos do cinema como um instrumento a servio da educao do homem, do povo e da transformao social, devendo este se converter em arte revolucionria.

    O pensamento catlico tambm se dedicou questo do ci-nema educativo, preocupado com a questo moral dos filmes exibidos. A Igreja criou os Cineacs, salas de cinema nas par-quias e associaes catlicas, que tinham por objetivo apre-ciar os filmes segundo as normas traadas pela Igreja.

    Os educadores, por sua vez, combatiam o que eles chama-vam de cinema mercantil e propunham a criao do cinema educativo que, segundo eles, poderia trazer benefcios peda-

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    ggicos aos alunos ao mostrar de forma mais real diversos aspectos da natureza e da geografia do Brasil. Para eles, o ci-nema educativo representava a luta contra o cinema desedu-cador e portador de elementos nocivos e desagregadores da nacionalidade.

    Aqui quero chamar a ateno para o fato de que o nosso texto e a forma como vnhamos desenvolvendo

    as idias se transformam. Veja como a introduo do tempo cronolgico altera significativamente a nossa maneira de pensar e de construir a nossa narrativa. como se, dessa forma, o texto buscasse explicar a gnese do audiovisual educativo, da tecnologia educacional no pas, demarcando lugares, datas, locais, personagens. Essa uma forma de contar a histria, de apresentar uma histria. Certamente no a nica, mas a

    preponderante.

    Assim, o Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE), cria-do em 1936, h mais de sessenta anos, por Edgard Roquette Pinto, surge no momento em que o debate em torno das re-laes entre cinema e educao emergia e se consolidava em aes, em diferentes segmentos da sociedade, no pas e fora dele.

    Edgard Roquete Pinto considerado o precursor da radiodifu-so no Brasil. Antes de fundar o Instituto Nacional do Cinema Educativo, j havia criado, em 1923, a primeira estao de r-dio brasileira: a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro. As rdios sociedade ou rdios clube eram assim chamadas porque os ouvintes precisavam se associar e contribuam com mensali-dades para a manuteno da emissora. Havia, portanto, uma participao direta dos ouvintes. Isso era possvel tambm porque o nmero de aparelhos de recepo no era muito grande e, por conseqncia, o de ouvintes tambm no.

    As publicidades, ou os comerciais, s viriam a sustentar as emissoras de rdio um pouco mais tarde. Em 1933, o governo de Getlio Vargas autoriza a publicidade em rdio. A partir de ento o nome dos patrocinadores ficam de tal forma marca-dos que se confundem com o prprio programa, como, por exemplo, o Reprter Esso, um dos programas de radiojorna-lismo mais famosos do pas.

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    Voltemos ao INCE. O Instituto funcionava em um edifcio na Praa da Repblica, no Rio de Janeiro, onde tambm passou a funcionar a Rdio Ministrio da Educao. No vi, at hoje, nenhum texto sobre o Instituto Nacional do Cinema Educativo que no falasse tambm de Roquete Pinto. Mas, outros personagens, com maior ou menor ex-presso, tambm participaram dessa histria. importan-te lembrar que o INCE surgiu em pleno Estado Novo, cria-do pelo Ministro da Educao de Getlio Vargas, Gustavo Capanema.

    No Catlogo da Mostra Humberto Mauro, patrocinada pela Embrafilme, Secretaria de Cultura, Ministrio da Educao e Banco Nacional, em junho de 1984, encontramos o se-guinte texto:

    em 1936, o antroplogo, cientista e professor, Edgard Roquete Pinto, estava organizando o INCE [...] quan-do se aproximou Humberto Mauro, que j o conhe-cia pessoalmente, do seu tempo de diretor do Museu Nacional. Desde o incio, houve entre os dois uma identificao quanto valorizao da cultura brasi-leira, considerada por ambos a manifestao de uma civilizao nova que se autodesconhecia. Humberto tinha idias sobre filmes educativos e isso lhe valeu um convite de Roque Pinto para que o ajudasse a fa-zer o cinema no Brasil, a escola dos que no tinham escola.

    O que vem a ser essa afirmao ou esse desejo de que o ci-nema se transformasse nessa escola, talvez no possamos saber. Podemos, no entanto, pensar que desde h muito que o cinema e depois a televiso e os computadores em rede, esto relacionados com a educao e com a escola. No chamado Estado Novo, o cinema educativo foi utilizado como um meio de propaganda poltica com o intuito de cola-

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    borar na construo da identidade nacional, na legitimao do governo e na formao do patriotismo. O cinema para Getlio Vargas era como o livro de imagens luminosas.

    Pode parecer estranho que um governo se preocupasse tanto com o cinema para educar o povo, ao ponto de criar um rgo governamental para cuidar disso. Mas o cinema, talvez devido a essa forte relao com a realidade, seja ele ficcional ou documentrio, de alguma forma, expressa a poltica, a sociedade, as maneiras de um povo. A produ-o cinematogrfica americana um exemplo disso. Alm de divulgar o american way of life (o modo americano de viver) traz, em quase todos os seus filmes, uma cena em que tremulam, ainda que por poucos instantes, as listras brancas e vermelhas da bandeira americana. Esse um exerccio de observao dos filmes que pode ser feito facil-mente. Que tal passar, doravante, a observar em que cena e por quanto tempo vemos a bandeira nos filmes america-nos? A esses detalhes sem muita importncia ou quase despercebidos, dado o nome de propaganda subliminar. Acontece tambm de haver imagens curtas, um fotograma ou um frame que inseridas na mensagem, passam des-percebida ao olho humano, mas podem ficar retidas no subconsciente, estas so as mensagens subliminares.

    Voltando ao nosso cinema educativo dos anos de 1930, nes-se perodo, um decreto presidencial criou todas as facilida-des para a produo cinematogrfica como, por exemplo, a importao de negativos virgens. Um dos filmes impor-tantes desse perodo do Instituto Nacional do Cinema Edu-cativo O Descobrimento do Brasil, dirigido por Humberto Mauro, com msica de Heitor Villa-Lobos. A partir desse filme so criadas as condies que permitiram a Mauro ro-dar, nos anos seguintes, cerca de 300 documentrios em curta-metragem, de carter cientfico, histrico e da potica popular. Quase todos sob a orientao de Roquette Pinto, que tambm escreveu o roteiro e narrou muitos deles. So inmeros os ttulos que traduzem uma associao primoro-sa da linguagem cinematogrfica, dominada com perfeio por Humberto Mauro, e a inteno de educar o povo brasi-leiro com o que de mais moderno havia: o cinema.

    Mensagem subliminar aquela que se utiliza da chamada arte da persuaso inconsciente. Propaganda subliminar sempre transmitida em um baixo nvel de percepo, tanto auditiva quanto visual. Nesse exemplo que damos da bandeira nos filmes, ela, quase sempre compe o pano de fundo dos cenrios, enquanto os outros personagens desempenham seus papeis em primeiro plano. A absoro desse tipo de informao acontece no nosso subconsciente, ela captada e assimilada sem a barreira do consciente.

    Pster do filme O Descobrimento do Brasil, 1937.

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    Um dos filmes de Humberto Mauro chama-se A velha a fiar. Filme sonoro, de 35mm, 6min, com temtica do folclore, msica de Aldo Taranto e cantada pelo trio Irakitan. A fotografia e a montagem de Jos Mauro e interpretao, de Matheus Colao. O filme ilustra a temtica trazida do cancioneiro popular brasileiro por meio dos fragmentos: estava a velha no seu lugar, veio a mosca lhe fazer mal.... A velha, no filme, na realidade um homem. Vendo alguns desses filmes, sempre me vem certa nostalgia de algo que nunca se realizou. Filmes so para serem vistos, o espectador parte da historia do prprio filme e, muitas vezes, da histria que o filme conta. Penso que esses filmes sempre foram pouco vistos, menos agora. So vistos em um circuito de filmes cult. O que vocs pensam disso? Como podemos ampliar o pblico de obras to encantadoras? Anote suas respostas em seu memorial.

    O cinema educativo do INCE passou a estimular o sentimen-to de amor ptria atravs de filmes biogrficos onde os heris nacionais apareciam imbudos de qualidades que o Estado Novo procurava inspirar nos jovens brasileiros. Esses heris eram trabalhadores, honestos, generosos e, acima de tudo, amavam o Brasil. Com isso, o governo procurava es-tabelecer uma relao entre ele e os heris, apresentando o seu governo como uma continuidade da obra dos grandes vultos nacionais, fazendo assim a propaganda do governo junto ao povo.

    As informaes disponveis sobre o trabalho do Instituto Nacional do Cinema Educativo sugerem que esse projeto re-sultou em um trabalho que ficou mais centrado na produo, carecendo de uma estratgia de veiculao dos filmes nos espaos culturais e educacionais do pas.

    Se isso de fato ocorreu, nos leva a pensar na falta de sintonia entre os projetos e a capacidade real da sociedade brasileira de absorv-los, o que de certa forma ainda persiste. Muitos projetos sequer saem do papel, ficam apenas na inteno, no se viabilizam completamente.

    No sou literato. Sou poeta do cinema. E o cinema nada mais do que cachoeira. Deve terdinamismo, beleza, continuidade eterna.Humberto Mauro para o Jornal do Brasil, RJ, abril de 1973.

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    2.2 O Projeto SACi

    Ainda pensando em tempos e dcadas, a primeira tentativa de integrar o sistema de educao nacional com o sistema de comu-nicao de massa via televiso com o uso de satlite foi o Projeto SACI Sistema Avanado de Comunicaes Interdisciplinares. Um dos motes do projeto de segurana nacional era a integra-o, na dcada de 1970. Muitos projetos de integrao estavam em curso. S para podermos nos localizar um pouco melhor, nesse perodo que os militares desencadearam a corrida Amaznia com o slogan integrar para no entregar.

    Hoje, segundo o jornalista Lcio Flvio Pinto, a frase verda-deira soa como destruir para no entregar. Pois, de fato, a Amaznia continua plenamente nacional. Mas cada vez menos Amaznia. Esta condio pode lhe servir de epitfio glorioso, mas nunca de salvao (2006). Mesmo no compartilhando com o pessimismo do jornalista, embora reconhea que tem suas razes, muitos projetos feitos sempre para o bem, nem sempre alcanam suas intenes.

    O que cito acima expressa o contexto em que surge o pro-jeto SACI. Antes dele j havia sido criado o Ministrio das Comunicaes e a Empresa Brasileira de Telecomunicaes, a Embratel. No mbito de um projeto poltico grandioso e bastante conturbado, e, ainda, sustentado pelo regime militar que governava o pas, o Satlite Avanado de Comunicaes Interdisciplinares tinha propsitos igualmente grandiosos, ou seja, visava integrar em escala nacional o ensino bsico. No mago de uma ditadura militar, esse projeto foi forjado a partir da concepo de que comeava a emergir, no sistema educa-cional brasileiro, o desenvolvimento, em estreita sintonia com a doutrina de segurana nacional.

    Isso se realizou por meio de uma complexidade enorme de fatores envolvendo polticas internacionais e nacionais, de-senvolvimento estratgico, pesquisas aeroespaciais, propaga-o de sinais de televiso, por antena e cabo. Muitos dados, nomes, datas, envolvem esse projeto de televiso educativa, portanto, de audiovisual educativo. Destaco a compra do sa-tlite da srie Intelsat, que possibilitava as comunicaes te-lefnicas internacionais e permitiam a comunicao com o mundo simultaneamente por meio da televiso.

    A Doutrina de Segurana Nacional e Desenvolvimento tinha como meta criar condies para, por meio do fortalecimento do Estado, construir um modelo de desenvolvimento econmico favorvel consolidao do capitalismo, criando toda uma infra-estrutura capaz de transformar o pas em uma potncia econmica.

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    TEO projeto de educao justificou, pela funo social de que se

    reveste, a compra do satlite. Muitas coisas relativas a esse pro-jeto ocorreram nos bastidores da poltica, como resultado dos tempos sombrios que vivamos. Mas, de alguma forma, poda-mos cantar, no muito, mais ainda se conseguia. Assim, lembro aqui o refro da msica Eu quero voltar para a Bahia, cantada pelo cearense Raimundo Fagner: Via Intelsat eu mando not-cias minhas para o Pasquim. Beijos pr minha amada que tem saudades e pensa em mim. A entrada do Brasil no sistema Intel de comunicao por satlite estava na ordem do dia e era discu-tida, enaltecida, depreciada, ironizada, cantada em versos.

    Mas, lembremos que estvamos em um regime poltico au-toritrio e todo autoriatarismo unilateral. Assim, em 1965, o Brasil entra na era espacial com a compra do satlite de comunicao que ampliou consideravelmente a capaciade de transmisso de sinais de televiso e de telefonia.

    O estudo de Laymert Garcia dos Santos (1981), sua tese de doutorado, publicada com o ttulo Desregulagens educa-o, planejamento e tecnologia como ferramenta social, revela que, gera-do no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), com sede em So Jos dos Campos, o projeto SACI da mesma forma que o moleque travesso e esper-to da tradio brasileira, com uma per-na s, foi claudicante e o sonho tecno-lgico de alcance nacional ficou restrito e, ainda assim, com graves problemas. Em relao aos objetivos educacionais, os resultados desse projeto seriam um fracasso retumbante se no fossem as lies que dele puderam ser depreendidas.

    Para esse autor, o Projeto SACI seria apenas uma comdia tecno-lgica, mas foi tambm um exemplo de como as polticas formu-ladas sem o conhecimento profundo da realidade e das pessoas que, na prtica, sero as responsveis diretas pelas aes nes-se caso os professores das escolas pblicas brasileiras e mais especificamente os professores das escolas pblicas do ensino bsico do Rio Grande do Norte no podem dar certo.

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    Coerente com as ideologias que o geraram, o projeto SACI trabalhava segundo a lgica da racionalidade e propalavam uma modelizao onde os meios de comunicao ocupa-vam um lugar de honra, na medida em que o emprego da televiso, do rdio e dos fascculos elaborados, segundo os princpios da instruo programada, ser o trao determinan-te para distinguir a tecnologia educativa do ensino tradicional (SANTOS, 1981, p. 216).

    Essa forma de educao passou a ser disseminada no pas. No que se refere ao ensino a distncia, houve um grande de-senvolvimento da teleeducao no Brasil, a partir de 1969. So desse perodo a TV Educativa de So Paulo, da Fundao Padre Anchieta; o Projeto Teleescola no Maranho; o Instituto de Radiodifuso Educativa da Bahia (IRDEB); a Fundao Centro Brasileiro de TV Educativa no Rio de Janeiro, entre ou-tros projetos.

    importante mencionar a elaborao do ASCEND Repor (SANTOS, 1981) em 1966, por pesquisadores

    da Comisso Nacional de Atividades Espaciais (CNAE), fundada trs anos antes do CNPq. Esse relatrio culminou na aprovao do Projeto SACI, em 1969, que propunha resolver o problema da educao popular pela tele e radiodifuso. Tambm importante o registro do INPE, que elaborou programas, materiais e treinamento de pessoal para o projeto SACI; o Manual de Engenharia de Sistemas que o INPE (1972) editou atingiu mais de 14.000 exemplares, sendo utilizado largamente por

    entidades pblicas e privadas (IDEM, 1982).

    Iniciativa conjunta do Ministrio da Educao, do Centro Na-cional de Pesquisas e Desenvolvimento Tecnolgico (CNPq) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o projeto Saci utilizava o formato de telenovela. Inicialmente, fornecia aulas pr-gravadas, transmitidas via satlite, com suporte em material impresso, para alunos das sries iniciais e professo-res leigos, do ento ensino primrio no Estado do Rio Grande do Norte onde foi implantado um projeto piloto. Em 1976, registrou um total de 1.241 programas de rdio e TV, realiza-dos com recepo em 510 escolas de 71 municpios.

    A instruo programada, um tipo de ensino centrado no aluno, estava muito em moda nessa poca. Trata-se da aplicao dos estudos do psiclogo americano Burrhus Frederic Skinner, que propalava a eficincia do reforo positivo e de mquinas de ensinar, suas mais conhecidas aplicaes educacionais. So muitas as espcies de mquinas de ensinar e embora seu custo e sua complexidade possam variar muito, a maioria das mquinas executa funes semelhantes. Skinner pregou a eficincia do reforo positivo, sendo, em princpio, contrrio a punies e esquemas repressivos.

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    TE2.3 As televises educativas do Cear e do Maranho

    As televises educativas dos Estados do Maranho e do Cear surgiram nos anos de 1960 e 1970, respectivamente, instalan-do-se em regies que tradicionalmente apresentavam os mais baixos ndices de escolarizao do pas. O audiovisual em rede, ou seja, a televiso com sinal distribudo para locais distantes, permitiu que surgissem as redes de televiso educativas. Estas possibilitavam, com aulas ministradas pela televiso e com a presena de orientadores de aprendizagem no lugar dos pro-fessores nas salas de aula, transformadas em postos de recep-o organizada, atender a um nmero significativo de alunos em locais onde a carncia de professores era crnica.

    As tevs educativas surgiram como soluo alternativa para re-solver, simultaneamente, os problemas relativos falta de aten-dimento escolar nas quatro ltimas sries do 1o grau, ausn-cia de qualidade no ensino e insuficincia de professores.

    Tive a oportunidade de visitar a TVE do Maranho e pude per-ceber que, mesmo se utilizando da linguagem audiovisual, as teleaulas, no incio dos anos 80, eram cpias da sala de aula convencional. Um professor, diante da cmera, dava sua aula como se estivesse diante dos seus alunos. Talvez mais por fal-ta de recursos financeiros, as mltiplas possibilidades da lin-guagem audiovisual eram pouco utilizadas. primeira vista, nas escolas, os alunos se mantinham como em uma sala de aula tradicional, praticamente com a mesma disposio das carteiras, mas havia o aparelho de televiso e um monitor que os ajudava na compreenso da matria da aula e com exerc-cios propostos.

    No Maranho, essa experincia iniciada apenas na capital, So Lus, em 1969, logo atinge grande parte do Estado, em 32 municpios, 96 escolas, 1104 salas e 41 573 alunos. Esses da-dos esto no documento de divulgao da televiso educativa do Maranho em comemorao a seus 27 anos. Penso que as estatsticas sempre encobrem, ou no conseguem revelar muito, as qualidades boas ou ms de um projeto. Mas, certa-mente nos ajudam a pensar sobre sua grandeza. E projetos de educao a distncia, seja por que meios forem, so sempre pensados para grande escala.

    Nessa mesma direo, temos o documento de divulgao da Funtelc, a televiso educativa do Cear, em seus 27 anos. As-

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    sim, encontramos que, naquele momento, o Estado do Cear atingia aproximadamente 70% de sua populao era forma-da por estudantes de 5o a 8o srie, vinculados ao teleensi-no, alcanando 150 municpios, 1432 escolas, 6322 turmas e 181.193 telealunos.

    Para muitos estudiosos desse perodo, a Televiso Educativa do Cear se constitui na nica maneira vivel de se constituir sries terminais do primeiro grau, vrias unidades escolares, municipais e estaduais, daquele estado. Sem sua presena, os jovens teriam que emigrar para a capital ou cidades maiores. No sendo assim, estariam condenados a permanecer com uma escolaridade incompleta que no lhes possibilitaria um trabalho e um servio necessrio comunidade, com todo o vigor e competncia que deles se esperava.

    Talvez, neste momento, fosse bom refletir que as televises educativas representaram a utilizao

    da linguagem audiovisual muito prxima da sala de aula. O modelo de sala de aula e o que acontece dentro dela so, de certa foram, reproduzidos em audiovisual. As experincias do Cear e do Maranho so apenas

    exemplos dessa forma de televiso educativa, existem outros, mas que na essncia conservam esse modelo.

    A experincia dessas televises educativas nos leva a pensar em muitos outros fatos, mas quero

    destacar apenas dois aspectos. O primeiro deles o de que, se por um lado h o argumento da oferta

    do ensino, por outro parece ficar mais claramente configurada a diviso entre a escola dos ricos e a escola dos pobres. O que voc pensa sobre isso? A segunda reflexo trata sobre qual maneira de fazer educao pode suprir uma carncia de professores, substituindo-os por orientadores de aprendizagem, sem desobrigar o Estado de investimentos na formao de professores. Isso pode ser visualizado em uma reportagem na Folha de So Paulo, de 25 de maio de 1996, a reprter Elvira Lobato afirma que as televises educativas, vividas no Cear, demonstram que se no houve demisses de

    professores, tampouco aconteceram contrataes ou investimentos na formao de novos docentes.

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    TE2.4 Programa Salto para o Futuro

    O programa Salto para o Futuro foi criado em 1991 pela Se-cretaria de Educao Bsica do Ministrio da Educao e pela Fundao Roquette Pinto, Televiso Educativa do Rio de Ja-neiro, hoje denominada Associao de Comunicao Educa-tiva Roquette Pinto. Era desejo do governo federal naquele momento promover programas de educao a distncia. Esse programa teve incio com financiamento do FNDE, inicialmen-te como Jornal do professor. Havia toda uma poltica gover-namental sustentando a criao e manuteno de programas dessa natureza.

    Em 1992, j com abrangncia nacional, passou a chamar-se Um Salto para o Futuro. Em 1995, foi incorporado grade da TV Es-cola (canal educativo da Secretaria de Educao a Distncia do Ministrio da Educao), ocupando uma das faixas da progra-mao do canal. Sobre a TV Escola, falaremos um pouco mais a seguir. O Salto para o Futuro foi pioneiro no uso de interati-vidade em educao no Brasil. H 15 anos, ininterruptamente, vem realizando semanalmente um trabalho de educao que rene televiso, fax, telefone e computadores em rede.

    O Salto para o Futuro levado ao ar, de segunda a sexta-feira. Inicialmente, era transmitido em canal aberto, mas hoje pode ser captado por satlite-parablica, devido sua incor-porao grade de programao da TV Escola. Esse trabalho tem como objetivo possibilitar que professores de todo o pas possam adquirir novos conhecimentos, rever e construir seus princpios e prticas pedaggicas, mediante o estudo e o in-tercmbio com especialistas de todo o pas, utilizando para tanto, diferentes mdias como telefone, fax, TV.

    Cada srie proposta tem um boletim impresso que previa-mente distribudo aos professores inscritos na srie. Com uma dinmica interativa, o Salto para o Futuro atinge, por ano, mais de 250 mil profissionais docentes em todo o Brasil, integrando professores por meio de um computador em rede e articulan-do a educao presencial que acontece nas teles salas.

    O Salto para o Futuro, nos seus 15 anos de existncia, vem se constituindo em um marco na experincia brasileira de uso da televiso para fins educativos. No entanto, a televiso apenas a face mais visvel desse programa de educao a dis-tncia que, integrando todas as tecnologias de comunicao e educao disponveis, segue sendo a experincia mais im-

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    portante que, a meu ver, o Estado brasileiro, governo aps governo, tem sustentado. E mesmo com todos os avanos e potencialidades que o Salto para o Futuro indica e prope, penso que ainda se ressente de uma articulao mais efetiva nos nveis locais, que precisam pensar os cursos e treinamen-tos que realizam no como episdicos e desconectados da experincia terica e prtica do cotidiano das escolas em to-dos os nveis do sistema educacional.

    Para alm do interesse desse programa, centrado nos profes-sores que esto nos postos de recepo, creio que a educao brasileira, que acontece em muitos lugares e no s na esco-la, perdeu muito quando o Salto para o Futuro deixou de ser transmitido em canal aberto. Nossa televiso carece muito de espaos para debates e conversas inteligentes, que vo muito alm do interesse das escolas e dos professores. Convido vo-cs a assistirem esse programa e a pensarem se tenho ou no razo ao defender que o Salto para o Futuro seja veiculado, pelo menos, nas tevs abertas educativas.

    2.5 Sistema Nacional de Educao a Distncia

    No incio da dcada de 1990, foram muitas as iniciativas para incrementar aes de educao a distncia. Nessa poca o Ministrio da Educao lanou as bases para a constituio de um Sistema Nacional de Educao a Distncia (SINEAD). Por meio dele buscava estabelecer parcerias com outros rgos visando a incorporar novas tecnologias de telecomunicao ao processo educativo.

    A tentativa de configurao desse sistema se expressa a par-tir de algumas iniciativas, como o Decreto Presidencial n. 1237/1994, que criou, no mbito da administrao federal, sob a coordenao do Ministrio da Educao, o SINEAD, e, ainda, o Protocolo de Cooperao n. 003/1993, a fim de implantar e expandir a infra-estrutura de informaes do SINEAD entre o Ministrio da Educao, o Ministrio das Comunicaes, o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, o Conse-lho de Secretarias Estaduais de Educao e a Unio de Diri-gentes Municipais de Educao.

    No contexto do SINED, foi formulado um protocolo de inten-es, com o objetivo de criar condies institucionais para o desenvolvimento de atividades de educao a distncia no mbito das universidades brasileiras. Nesse momento, foi

    Mais informaes inclusive os boletins com os textos base de cada srie sobre o Salto para o Futuro possvel encontrar no site: www.tvebrasil.com.br/SALTO/

    Estas informaes esto apresentadas e discutidas no documento Educao a distncia no contexto da Educao fundamental para todos no Brasil: anlise de necessidades e estratgias. Braslia, 1994 . (Documento elaborado pelo Grupo Nuclear ED 9. FE/UnB-UNESCO).

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    TEconstitudo o Consrcio Interuniversitrio de Educao a Dis-

    tncia, visando integrar todas as faculdades de educao das universidades pblicas na realizao de aes voltadas para a criao de mecanismos que propiciassem atividades coope-rativas de educao a distncia no pas, por todos os meios, televiso, rdio, computador, telefone, fax.

    2.6 A TV Escola

    O projeto da TV Escola , talvez, o maior e mais ambicioso projeto de educao a distncia j proposto pelo Ministrio da Educao. Surgiu com o objetivo de planejar a educao necessria para o sculo XXI, na qual certamente as novas tecnologias desempenharo papel decisivo. Essas palavras so da Secretria de Desenvolvimento, Inovao e Avaliao Educacional do MEC, e as encontramos na revista Nova Esco-la, que muitos de vocs devem conhecer, no nmero de junho de 1995. Portanto, logo no incio da TV Escola.

    Projetos que integrem todo o nosso pas so, por isso mes-mo, muito grandiosos, os quais surgem como resposta a uma educao para um sculo ou ainda mais tempo. Vejam que as nossas polticas e os nossos projetos, por mais objetivos que possam parecer, buscam construir tambm suas estratgias de seduo, uma das dimenses mais importantes e enco-bertas da linguagem audiovisual que estamos tratando. Todo projeto precisa lanar centelhas de esperana para que possa se concretizar em aes. Parece que a seduo est em toda parte, no tem um compromisso a priori com o engano e o erro, como denotam algumas de suas acepes.

    A TV Escola se estabeleceu como uma forma de superar as grandes lacunas da educao brasileira, mais uma vez a lin-guagem audiovisual ganha uma expresso educativa. Em seus programas, tanto nos que produz quanto nos que adquiriu, no pas e no exterior, existe a preocupao com a equidade na educao. A televiso disponibiliza seu sinal para que todos tenham acesso a informaes, conhecimento, saberes e bens culturais que a humanidade tem construdo. Nesse sentido, segundo o MEC, configura-se uma educao como uma jane-la aberta para o mundo.

    A programao do canal foi montada a partir de uma seleo da produo nacional e estrangeira, e passou pela aprovao de um conselho consultivo de programao, criado especifi-

    Este tema foi divulgado e discutido mais amplamente na Teleconferncia, por meio da TV Executiva da Embratel, com o ttulo: Regime de Colaborao e TV Escola, realizada em agosto de 1995.

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    camente para essa finalidade e constitudo por representantes da Secretaria de Comunicao da Presidncia da Repblica, do Conselho Nacional de Dirigentes das Universidades Brasi-leiras e do prprio Ministrio da Educao. Buscava-se, ento, garantir a qualidade dos programas a serem veiculados e, ao mesmo tempo, a presena de um olhar mais plural que as transmisses para um pas de dimenses continentais como o Brasil exigiam.

    No primeiro workshop de educao a distncia, ocorrido no Rio de Janeiro, no bito das polticas que viabilizariam a TV Escola, foi apresentado um projeto de EaD, com nfase na te-leviso, e direcionado, prioritariamente, para o ensino funda-mental, a representantes de todos os Estados da federao. Naquele momento, foram feitas algumas alteraes importan-tes na poltica de audiovisual de educao a distncia: a Fun-dao Roquette Pinto sai da alada do Ministrio da Educao e passa a integrar a Secretaria de Comunicao Social da Pre-sidncia da Repblica.

    O projeto da TV Escola compreendia a veiculao de progra-mas educativos, por satlite e por antena parablica. No pri-meiro momento, todas as escolas com mais de 200 alunos recebiam um kit com televiso, um aparelho de gravao e reproduo em VHS, uma antena parablica e 12 fitas para iniciar as gravaes. Os programas deveriam ser transmitidos em horrios previamente divulgados e as escolas gravariam as fitas, criando assim um acervo de programas que ficavam disponveis para os professores em suas aulas.

    As aes que envolvem esse projeto de televiso educativa tm se consolidado e ampliado no mbito das aes de edu-cao a distncia do governo. Por meio de programa de ao da Secretaria de Educao a Distncia, escolas que no tinham outros meios receberam um kit contendo aparelho de repro-duo de DVD, caixa com 50 mdias, com aproximadamente 150 horas de programao produzida pela TV Escola.

    Mais informaes podem ser obtidas no site: http//portal.mec.gov.br Nesse portal possvel encontrar informaes sobre os projetos, principalmente aqueles de interesse das escolas.

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    Os projetos mencionados so apenas alguns exemplos de uso do audiovisual na educao.

    Tratamos aqui da dimenso mais poltica e administrativa do uso do audiovisual educativo. O

    que vemos nas telas no diz s o que vemos, mas tambm porque vemos e porque devemos ver. A

    linguagem audiovisual sempre seletiva, decidir que programa devemos ver tambm . O uso do audiovisual na educao principalmente um ato poltico de muitas faces. A tela apenas uma delas. As coisas tm suas origens e, para efeito desta reflexo que empreendemos, precisamos pensar que na origem do que vemos est, quase sempre, a concepo que as pessoas que esto nos governos tm interesses, no s no audiovisual, mas tambm em sua utilizao ou no na educao. Particularmente, gosto muito do programa Salto para o Futuro, vejo nele inmeras possibilidades no apenas de discusso por reunir professores de todo o pas, mas tambm pelas muitas faces do audiovisual que congrega. Abre janelas para a televiso, cinema, artes plsticas, msica, em um mesmo programa, se quisermos. Sou simptica TV Escola que, ao meu ver, tem aperfeioado seu processo e corrigido

    percursos e alguns exageros. Penso que, com ela, a educao tem muito a ganhar.

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    3.1 Origem

    Podemos pensar que as linguagens audiovisuais tm muitas origens, ou melhor, s podemos pensar assim, pois mui-to difcil estabelecer seu incio, onde tudo comeou. Muitas nvoas encobrem esses primrdios. E, ainda, muitos fatores concorreram para que a linguagem audiovisual se tornasse o que .

    A linguagem de que estamos falando udio e visual. Se qui-sermos pensar no que de visual tem essa expresso humana, as suas origens esto perdidas num tempo quase infinito e muitos autores, entre eles o historiador da arte Ernst Gombri-ch (1999), dizem que ignoramos como a arte comeou, tanto quanto desconhecemos como teve incio a linguagem.

    Talvez no possamos dizer h quanto tempo as artes visuais fazem parte da vida humana, mas podemos ver ainda hoje sinais claros de que arte acompanha a humanidade desde h muitas eras; intrigantes pinturas rupestres so encontradas em muitas partes do planeta. Gombrich (1999) afirma que

    a explicao mais provvel para essas pinturas rupestres ainda a de que trata das mais antigas relquias da crena universal no poder produzido pelas imagens; dito em ou-tras palavras, parece que esses caadores primitivos imagi-navam que, se fizessem uma imagem da sua presa e at a espicaassem com suas lanas e machados de pedra , os animais verdadeiros tambm sucumbiriam ao seu poder. Tudo isso, claro, no passa de conjecturas [...].

    Imagens rupestres instigam a imaginao humana desde sempre. Da caverna de Lascaux, na Frana, com seus impres-sionantes bises e cavalos s pedras escritas do rio So Joa-quim na Chapada dos Veadeiros, no planalto central do Brasil, a inscrio de imagens parece querer dizer algo. O que elas querem dizer, no sabemos, mas sensibilizados pelas ima-

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    gens que vemos nos locais onde foram inscritas ou em suas reprodues, nos resta a imaginao. Podemos fazer conjec-turas quando as evidncias existem, mas no esto comple-tas, precisamos ainda imaginar. Assim, linguagem audiovisu-al ainda hoje, como todas as demais linguagens, requer uma forte dose de imaginao. por meio dela que completamos o sentido, no o da coisa em si que vemos e/ou ouvimos, mas do sentido que construmos para nosso prprio entendimento do mundo e das coisas que vemos e ouvimos.

    Por isso, sempre bom lembrar que as linguagens da pintura, das artes visuais e audiovisuais nos ensinam algo de muito importante: o sentido, o significado das coisas no est s nelas, mas na relao que estabelecemos com elas. Assim, o que cada expresso artstica quer dizer no tem tanta im-portncia, pois j est dito pelo autor da obra. Importa o que, cada um de ns, ao nos depararmos com uma obra de arte, queremos dizer.

    Essa forma de relao cognitiva do homem com as coisas pode, se quisermos, transcender as artes e, de certa forma, centrar o conhecimento mais no homem e menos nas teorias ou conceitos. Ver e ouvir o que nos dito por meios audio-visuais pode se constituir em um mtodo de se conhecer o prprio homem e a sua humanidade, para alm dos filmes, programas de tev, fotografias, pinturas, msicas.

    3.2 Arte visual

    O cinema tem muitas origens. Milton Jos de Almeida (1999), no seu livro Cinema arte da memria, foi busc-las na Capela do Scrovegni, em Padova na Itlia. Esta capela, construda pe-los filhos de um rico comerciante italiano, tem o seu interior pintado em afresco por Giotto. O afresco um tipo de pintu-ra mural assim chamado porque a pintura precisa ser feita a fresco, antes que a massa da parede seque. um tipo de pin-tura ligeira e sem retoque, por isso mesmo exata, no pode haver erros, do contrrio toda a parede precisaria ser refeita. Portanto, Milton Almeida (1999) fala de um cinema muito ante-rior inveno do cinematgrafo dos irmos Lumire de que falamos em outro momento.

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    Afresco uma tcnica de pintura feita em paredes ou tetos rebocados enquanto a massa ainda est

    mida. As tintas ou pigmentos usados que devem ser misturados com gua so modos ou granulados,

    para facilitar a penetrao na superfcie. Duas so as dificuldades encontradas nesse tipo de pintura: secagem rpida, pois a tinta no se fixa no reboco seco, e a dificuldade em fazer correes. O processo do afresco descora muito os tons, sendo assim os melhores resultados so obtidos com cores suaves e foscas. A pintura de afresco atingiu seu maior desenvolvimento entre os sculos XIII e XVI, tendo a Itlia como seu

    grande centro. Entre os pintores destacam-se Giotto, Michelangelo, Lorenzetti.

    Quando entramos na Capela do Scrovegni como se mergu-lhssemos no azul. Existem outras cores em muitos lugares, mas a predominncia do azul fortemente percebida. O espao pe-queno aumentado pela sensao de amplido do azul e pelas tcnicas da perspectiva que j se insinua na pintura de Giotto.

    Percebemos ali imagens em seqncia. A seqncia tem-poral, numa justaposio cronolgica vamos acompanhando a vida de Jesus Cristo, da anunciao de sua vinda, seu nas-cimento, vida, morte e glria. O que vemos so imagens da narrativa fundante do mundo ocidental. Nascemos j imersos nessa histria de mais de dois mil anos, ainda que no pro-paguemos religies dela decorrentes. O cinema tem suas ori-gens na pintura, tem ainda uma origem crist, religioso, em certa medida, na sua forma laica de ser.

    Ao encontrarmos uma das origens do cinema na Capela do Scrovegni, encontramos a perspectiva como a tcnica de pin-tura que permitiu a reproduo da realidade. Concebida em muitas manifestaes culturais no sculo XIII e seguintes, a perspectiva ganhou forte expresso na renascena italiana e a realidade tal como se apresenta passou a ser retratada por muitos artistas que eram valorizados por sua maestria nas tc-nicas da perspectiva.

    Para Gombrich (1999) o pblico que via as obras do artista co-meou a julg-las pela percia com que a natureza era retratada

    Capela do Scrovegni, em Padova na itlia.

    Acesse o endereo eletrnico http://www.cappelladegliscrovegni.it/galleria.htm e veja o trabalho do pintor Giotto na Cappella degli Scrovegni, em Pdua, Itlia.

    A Adorao dos Magos, um exemplo de como Giotto criava a noo de perspectiva em seus quadros

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    e pela riqueza e profuso de pormenores atraentes que o artista conseguia incluir em suas pinturas. Os artistas, entretanto, que-riam ir ainda mais alm em seus aperfeioamentos (p. 221).

    A arte visual com a introduo da perspectiva, da luz e som-bra, aproxima-se cada vez mais da realidade das coisas como elas so. Mais que uma interpretao do real esta arte quer imit-lo, represent-lo em suas obras, ainda que seja muito difcil fugir da interpretao que sempre existe. Estamos sim-plificando muito ao tratar dessas questes que emergem de uma complexidade enorme de fatores

    Tempo e histria representam e so representados em obras, e o que temos so os registros que muitas dessas obras so, de fatos, personagens e acontecimentos. Obras e os contextos em que so urdidos fundem-se e confundem-se nesse enorme turbilho de registros que, fixados em muitos suportes, chegam at os nossos dias.

    As tcnicas da pintura mudaram no somente as artes visu-ais, mudaram tambm a maneira de se olhar para mundo. O mestre genovs, nascido em 1404, Leon Battista Alberti (1999) afirma que

    divide-se a pintura em trs partes; essa diviso ns a tiramos da prpria natureza. Como a pintura se dedica a representar as coisas vistas, procuremos notar como so vistas as coisas. Em primeiro lugar, ao se ver uma coisa, dizemos que ela ocupa um lugar. Neste ponto o pintor, descrevendo um espao, dir que percorrer uma orla com linha uma circunscrio. Logo em seguida, olhando esse espao, fica sabendo que muitas superf-cies desse corpo visto convm entre si, e ento o artista, marcando-as em seus lugares, dir que est fazendo uma composio. Por ltimo, discernimos mais distintamente as cores e as qualidades das superfcies e, como toda diferena se origina da luz, com propriedade podemos chamar sua representao de recepo de luzes. Portan-to, a pintura resulta da circunscrio, composio e re-cepo de luz (p. 78).

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    Milton Jos de Almeida (1999) afirma que aquele aparato intelectual e tcnico, pensado como

    cincia, objetivamente produzido par aprisionar o real, reproduzi-lo e afirmar-se como sua nica

    e competente representao a Perspectiva. Suas linhas tecero uma malha firme sobre a realidade visual, religiosa e poltica e oferecero aos poderes uma caixa de iluso geomtrica para a construo de suas genealogias e mitos. Uma caixa que encerrar em linhas, luzes e sombras artificiais e estveis, as linhas, luzes e sombras da realidade natural e cambiante. Constituir em pintura, mais tarde em fotografia e cinema, LOCAIS e IMAGENS inesquecveis para serem lembrados. Ser uma estrutura que representar a vida efmera e transitria em formas estveis e permanentes. Como cincia produzir os instrumentos para o enquadramento do real e tornar locais republicanos, burgueses, nobre, tirnico em LOCAIS e IMAGENS inesquecveis de riqueza, pobreza, felicidade e tragdia. Como a Cincia, constituir a forma dominante de representao do real e, ao longo

    do tempo, serva constante da Poltica, ser O real (p. 123-124).

    Leonardo da Vinci, em seus escritos organizados e traduzidos por Eduardo Carreira, faz uma distino entre a perspectiva natu-ral e a perspectiva artificial. Na primeira, quando olhamos para as coisas vemos aquelas que esto mais perto parecendo maiores e as mais distantes menores. A perspectiva artificial, no entanto, dispe de coisas desiguais a diversas distncias, cuidando para que a menor fique mais prxima do olho do que a maior, e a tal distncia que essa maior possa parecer menor do que todas as outras. A causa disso o plano vertical no qual essa demons-trao representada, cujas partes todas e em toda a extenso de sua altura, guardam desiguais distncias em relao ao olho. Essa diminuio do plano natural, mas a perspectiva nele re-presentada artificial (CARREIRA, 2000, p. 127).

    Existe a perspectiva dada pelas cores, pela luz e pela localizao dos objetos e corpos. Pode parecer um pouco confusa essa ex-planao de Leonardo da Vinci, mas importante lembrar que para chegar at ns os escritos desse pintor passaram, segura-mente, por muitas tradues. Assim as idias podem parecer um pouco vagas, mas no so, pelo menos inteiramente.

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    Podemos pensar em muitas experincias para compreen-dermos a perspectiva, muitos lugares podem proporcionar a nossa observao. Em uma combinao de duas pers-pectivas podemos ver a Catedral de Braslia, a famosa obra de Oscar Niemayer. Em seu interior vemos pendidos por cabos de ao trs anjos fundidos em bronze. O primeiro deles, mais prximo do cho grande, muito maior que os outros dois que vo diminuindo de tamanho, sendo o ltimo o menor deles. Temos ali uma experincia muito in-teressante de perspectiva e de como uma iluso de tica traduzida em espao relativamente pequeno, a Catedral tem apenas 40 metros de altura, pensado e construdo para ser percebido como muito maior. Penso que os maravilho-sos anjos de Ceschiatti esto l tambm para isso.

    Na pintura, a perspectiva que no era sequer considerada pelos primeiros pintores, consolida-se na Idade Mdia, mas ser rompida com os pintores modernistas. Aqui a reali-dade deixa de ser retratada e passa, de certa forma, a ser considerada como um espao novo para alm dos aspec-tos que sugerem a pintura e a arte visual. A representao deixa de ser mimtica e passa a ser um espao criado pelo ato de pintar e no ato de ver do observador. A modernidade sugere, sempre, certo afastamento da natureza e isso se manifesta tambm nas artes visuais.

    3.3 A fotografia

    Realizando um grande corte no tempo, vamos aos primrdios do sculo XIX, quando as artes visuais so fortemente afetadas pela fotografia. Novamente podemos perceber que as tcnicas da fotografia tambm tm muitas origens. Grande parte dos princpios constituintes da qumica e da tica, que vo permitir a fixao de imagens em papel, j era conhecida bem antes de acontecer a primeira imagem fotogrfica, em torno de 1826.

    No sei se voc j teve a oportunidade de olhar com cuidado velhos l-buns de fotografia. Por eles passamos as mos, os olhos e nesse proces-so de ver, passa tambm o tempo que parece es-correr das imagens, mas

    Anjos de Ceschiatti na Catedral de Braslia

    Acesse o endereo eletrnico http://www.pbase.com/alexuchoa/image/31952122 e veja os anjos de Ceschiatti da catedral de Braslia

    Edgar Allan Poe (1809 -1849) retratado ao lado, pelo daguerrotipo, foi escritor, poeta, romancista, crtico literrio e editor estado-unidense. Poe considerado, um dos precursores da literatura de fico cientfica.

    LORICHON. Daguerrotipo, 1850.

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    que ainda est aprisionado nelas. Penso que a fotografia uma das experincias mais instigantes da vida humana, desde que a George Eastman comeou a fabricar, no final do sculo XIX, incio do XX as suas cmera portteis com a seguinte propaganda: you press the botton, we do the rest, (voc aperta o boto, ns faze-mos o resto) em muitos cartazes e folhetos. Com isso, a Kodak, fundada por Eastman em 1892, veio a se transformar em uma das mais poderosas indstrias de material fotogrfico do mundo. Kodak foi, em muitos momentos, sinnimo de fotografia.

    A fotografia, talvez mais que os outros mecanismos de capta-o de imagens, parece revestida de substncia etrea. Walter Benjamim (1987) afirma que j se pressentia, no caso da foto-grafia, que a hora de sua inveno chegara e vrios pesquisa-dores, trabalhando independentemente, visavam ao mesmo objetivo: fixar as imagens da cmera obscura, que eram co-nhecidas desde Leonardo (p. 91).

    A primeira descrio conhecida de uma cmera escura atri-buda a Cesare Cesariano, discpulo de Leonardo da Vinci. Cmera escura, do latim camera obscura, considerada o pri-meiro passo para o desenvolvimento da fotografia. Ela se ba-seia em um fenmeno da luz descoberto pelo filsofo grego Aristteles (384-322) e muito utilizada pelo cientista e pintor italiano Leonardo da Vinci (1452-1519) para pintar alguns de seus quadros, dando os primeiros passos para a produo de imagens com o auxlio de um mecanismo tico.

    Outros dizem que o desenho mais antigo de uma cmera es-cura ou obscura, como o representado pela figura aci-ma, foi construdo em 1544 pelo mdico e matemtico holands Reinerus Gemma-Frisius. A ilustrao acima mostra como esse engenho tinha por objetivo a viso de eclipses solares sem riscos para os olhos. S com o tempo a cmera escura iria se transformar numa pe-quena caixa porttil usada pelos pintores como auxi-liar de seu trabalho.

    A cmera escura est na origem da fotografia. Quem primeiro a utilizou algo em que podemos apenas imaginar e acreditar. A origem tem muitas ramificaes, vem de muitos lugares e tempos. Quando falamos em origem nem sempre podemos dar nomes aos personagens, localizar ou datar os acontecimento. Podemos tentar estabelecer uma gnese da fotografia, considerando que ela comece quando cientistas e curiosos buscavam fixar imagens em papel.

    Leonardo da Vinci

    Cmera Escura, Reinerus Gemma-Frisius, 1544

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    Em 1826, o inventor e litgrafo francs Joseph Nicphore Ni-pce, pesquisando tcnicas para copiar desenho a trao (he-liogravure), foi convidado para trabalhar com Luis Daguerre. Tornando-se scios, esses dois pesquisadores trocaram mui-tas informaes e, em 1839, Daguerre (Nipse j havia morri-do) anuncia seu novo processo fotogrfico Academia Fran-cesa de Cincias, realizado por meio do material sensvel luz, produzido a partir do iodeto de prata. Muitas outras experin-cias, com mais ou menos sucesso, aconteceram para que as modernas tcnicas da fotografia se consolidassem.

    Nossas cmeras fotogrficas digitais no se parecem nem um pouco com os velhos daguerrotipos, nem em processos, nem em resultados. No entanto, guardam entre si a possibilidade de captar instantes no espao e no tempo.

    3.4 A reprodubilidade

    A fotografia evoluiu muito depois de sua inveno no incio do sculo XIX. Mas, alm do processo de registro de imagens, estava inaugurado o processo de reproduo das imagens a partir de um original. A fotografia pode ter muitas cpias com a mesma qualidade, a partir de um negativo. Dos filmes, tam-bm, a partir de um original, so extradas inmeras cpias absolutamente iguais.

    Portanto, o acesso que temos hoje a muitas obras da humani-dade possvel graas s tcnicas de reproduo de que to bem nos fala Walter Benjamin (1982) em seu estudo A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica. Este autor afirma que no momento em que so feitas cpias pelo processo foto-grfico, a arte, as reprodues de pintura a que temos acesso justamente por esse processo, perde a aura.

    A sua existncia nica passa a ser uma existncia serial. Essa perda se relaciona com os movimentos de comunicao de massa e pela primeira vez no processo de reproduo da imagem, a mo foi liberada das responsabilidades artsticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho. [...] Mesmo na reproduo mais perfeita, um