13. O Amor Proibido Do Sheik

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13. O amor proibido do sheik

A CASA REAL DE KAREDES Muitos anos atrs houve duas ilhas governadas com um s reino, o reino de Adamas. Se m embargo, as terrveis disputas e rivalidades familiares fizeram que o reino acab asse dividido. A partir de ento as ilhas, Aristo e Calista, se governaram separad as, dividiram o diamante da coroa, chamado Sfefani, em lembrana da contenda famil iar, e se colocou cada metade em uma coroa. Quando o rei dividiu o reino, dando uma ilha a seu filho e a outra a sua filha, pronunciou estas palavras: "Governareis a ilha que os corresponda para velar por vossos sditos e dar-lhe o m elhor ao reino, porm meu desejo que com o tempo estas duas jias, assim como as ilh as, voltem a unir-se. Aristo e Calista so mais belas e poderosas formando uma s nao: Adamas. Agora o rei Aegeus Karedes de Aristo acaba de morrer e o diamante de coroao da ilh a desapareceu. Os aristianos no se detero ante nada para conseguir recuper-lo, porm o desapiedado rei xeique de Calista lhes pisa os calcanhares. H de encontrar a joia, seja mediante a seduo, a chantagem ou ao matrimonio. medida que se desenrolem as historias, sairo a luz os segredos e pecados do passado e o desejo, o amor e a paixo entraro em conflito com o dever real. Quem descobrir a tem po que o nico que pode voltar a unir o reino de Adamas a inocncia e pureza de corp o e corao?

Um Aquele sonho voltou a invadi-lo. Era um verdadeiro ataque dos sentidos e da memri a, uma confuso de imagens, mos cobiosas e um mar asfixiante. Aarif Al'Farisi dormia com os olhos bem cerrados, apertando os lenis com as mos e empapado de suor. Ajude-me ajude-me Aarif! Aquele grito que pronunciava seu nome retumbou interminavelmente nos tneis do tem po e da memria. Aarif despertou sobressaltado; abriu os olhos e os ajustou a obscuridade do quar to. Uma fina lua projetava sombras no solo. Aarif tratou de tomar ar para acalma r a respirao e tirou os ps da cama. Tardou um momento em conseguir que seu corao recuperasse o ritmo normal. Com cada respirao se tranquilizava um pouco e se dissipavam as sombras. Por um momento. Pas sou a mo pelo cabelo revolto, ainda mido de suor, e se levantou da cama. Do balco do palcio real de Calista se desfrutava de uma ampla vista: a terra rida d o deserto que chegava at o rio Kordela e seus diamantes, a alma de Calista, traic oeiramente escondidos entre o lodo. Percorreu com uma olhada as ondas da areia a t a promessa do rio e do tesouro que escondia, e assim voltou a respirar com tota l normalidade enquanto o vento do deserto secava o suor de sua pele. Odiava aqueles sonhos. Odiava que seguissem alterando-lhe desse modo inclusive v inte anos depois, que lhe deixavam assustado, indefeso. Dbil. Meneou a cabea de ma neira instintiva como para negar o sonho. A realidade. Porque a verdade, por dur a que fosse, era que aquela vez havia falhado a seu irmo e a sua famlia e estava c ondenado a viver de novo aqueles momentos de agonia em seus sonhos. Levava meses sem ter um daqueles sonhos, e isso lhe havia infundido uma falsa se nsao de segurana, algo que nunca poderia ter. Como ia sentir-se seguro de si mesmo ou das consequncias de seus erros? Aarif se afastou do balco com gesto exasperado e se acercou do computador porttil que havia deixado na mesinha de cabeceira. J que no ia poder dormir, ao menos apro veitaria a noite trabalhando. Enquanto o computador ligava vestiu umas calas largas de algodo, porm seguiu desnud

o da cintura para cima. Viu sua imagem refletida no espelho e distinguiu tanto m edo ainda em seu rosto e em seus olhos que teve que afastar a olhada. Com medo depois de tantos anos. Voltou a menear a cabea e se concentrou no comput ador. Primeiro olhou seus correios eletrnicos, pois aquela semana teria varias re unies com clientes as quais deveria prestar muita ateno. Calista possua diamantes de magnfica qualidade, porm no tinha as enormes reservas da frica ou Austrlia, de modo que havia que cuidar dos clientes. No encontrou nenhum correio profissional na caixa de entrada, porm havia um de seu irmo, o rei Zakari de Calista. Aarif franziu as sobrancelhas enquanto comeou a le r as instrues que lhe dava seu irmo. Devo seguir uma pista que talvez nos conduza at o diamante. V a Zaraq e trs a Kalil a. Teu irmo, Zakari O diamante O diamante Sfefani, a jia da coroa de Adamas, que se dividiu em dois qu ando se separou o governo de ambas as ilhas. Por suposto Aarif nunca havia visto as duas peas do diamante unidas, pois a coroa de Calista s tinha uma metade. A ou tra, que se supunha devia estar na coroa de Aristo, havia desaparecido e estava resultando ser muito escorregadia. Dizia-se que a chave para voltar a unir para sempre os reinos de Aristo e Calista era reunir as duas metades do diamante. Aar if sabia que Zakari pretendia recuperar a joia desaparecida e ficar com todo o r eino. A tal ponto estava empenhado em consegui-lo que havia decidido delegar aquela re sponsabilidade a Aarif. A petio de Zakari era muito simples, porm implicava varias decises e detalhes importantes que poderiam ocasionar um verdadeiro desastre. Por que a princesa Kalila Zadar era a prometida de Zakari, com a que ia casar-se den tro de duas semanas. O traslado da prometida de um membro da famlia real era um assunto muito delicado , baseado na tradio. Aarif sabia que teria que atuar com muita precauo para no ofende r a Kalila, a seu pai o rei Bahir nem ao povo de Zaraq. A aliana com Zaraq era mu ito importante para Calista, pelo que no havia que fazer nada as pressas. Aarif apertou os lbios antes de por as mos sobre o teclado do computador. A respos ta foi muito simples: Farei o que me pedes. Sempre a teu servio, Aarif. No cabia a possibilidade de questionar as ordens de Zakari ou de negar-se a cumpr ir-las, por isso Aarif nem sequer pensou considerar tal opo. Seu sentido de obedinc ia e de responsabilidade era absoluto; o primeiro era sempre sua famlia e seu rei no. Sempre. Levantou a olhada da tela e viu que a luz do amanhecer comeava a abrir caminho no cu, uns raios plidos que iluminavam as dunas rodeadas de bruma. Voltou a ver sua imagem no espelho com aquela luz fantasmagrica e por um momento lhe sobressaltou a cicatriz que lhe percorria o rosto da testa a mandbula, a modo de recordao da vez em que no havia cumprido com seu dever com respeito a sua famlia e a seu reino. Algo que jamais voltaria a ocorrer. ? ? ? Kalila acordou de um sonho muito agitado quando o sol comeou a infiltrar-se atravs da janela de seu quarto no palcio de Zaraq; a brisa morna agitou as cortinas de gaze. Ela colocou a mo no estmago, que tinha encolhido de nervoso, como se ela pudessea acalmar os temores de que a invadiam. Naquele dia, conheceria seu marido. Desceu da cama e foi descala at a janela. O cu estava completamente azul, sem uma s nuvem e, abaixo desse cu, se estendia o deserto em seu caminho at o infinito, uma mancha verde azulada que se divisava no horizonte, precedida por una pequena fil eira de campos verdes graas a proximidade da gua. O resto do pequeno reino de Zara q era deserto, um terreno seco, ermo e improdutivo a exceo de umas poucas minas de cobre e de nquel que proporcionavam ao pas quase a totalidade de suas rendas. Kalila ingeriu saliva. Lembrou-se que essa era precisamente a razo que ele estava para se casar. Zaraq necessitava de Calista. Seu pai precisava da segurana das m inas de diamantes de Callista e Callista precisava da estabilidade de que desfru

tava Zaraq depois de mais de cem anos de independncia. Era muito simples, tanto q ue era deprimente. Ela no era mais que um prmio, uma moeda de troca. Ela sempre so ube. Apoiou a testa no marco de pedra da janela, que seguia fresco apesar de que o so l j esquentava intensamente. Que aspecto teria Zakari depois de tantos anos? Que pensaria dela? Kalila sabia que no a amava. No a havia visto desde que era una criana; gorducha, torpe, com mui to cabelo e poucos dentes. Ela apenas o recordava; tinha na memria a imagem confu sa de algum alto, poderoso, autoritrio. Carismtico. Um homem que lhe havia sorrido e acariciado a cabea, nada mais. At agora... que esse estranho iria se tornar seu marido. Finalmente iria v-lo. Estaria satisfeito com a que iria ser sua esposa? E ela? Algum bateu porta com cuidado e logo apareceu na sala Juhanah, que tinha cuidado dela desde a infncia. - timo! Voc est acordada. Eu trouxe o caf da manh, ento temos que lhe preparar. Sua Al teza poder chegar ao meio-dia, segundo me disseram. Temos muito a fazer. Kalila tentou no suspirar ao separar-se da janela e olhar sua bab. Seu pai lhe hav ia explicado no dia anterior o tipo de recepo que deveriam dar ao Sheikh Zakari. Deve encontrar uma garota tradicional, bem-educada e preparada para se tornar sua esposa. melhor no fale ou olhe para ele, seria muito "atrevido", alertou o rei B ahir, suavizando suas palavras com um sorriso que no podia amaciar seu olhar. Voc entende, Kalila? A reunio da manh com o xeique Zakari muito importante, essencial que voc d a imagem adequada. Juhanah ir ajud-la a se preparar No falar-lhe? Aquilo havia feito saltar a sensibilidade ocidental de Kalila. Por que ele no pode ver-me tal como sou? havia protestado, tratando de no parecer ir ascvel. Tinha vinte e quatro anos, uma carreira universitria e estava a ponto de c asar-se; mas, na presena de seu pai seguia sentindo-se uma criana rebelde . Pai, sem duvida tambm importante que saiba quem realmente a mulher com a que vai casar-se . Se lhe damos a impresso equivocada Eu sei muito bem qual a impresso errada lhe havia interrompido Bahir com atitude fulminante. E tambm sei qual a correta. E ter tempo para conhecer-la mais adiante, acrescentou. Voc no o que importa amanh, Kalila. Nem sequer o casamento, o que imp orta a tradio, a aliana de dois pases e de duas famlias. Sempre foi assim. Kalila havia cerrado os olhos ao sentir como lhe eram negados seus desejos e, em bora seu pai houvesse levantado a mo para dar-lhe sua beno, ela havia tido a sensao d e que era bem mais um aviso, uma reprimenda. Tambm foi assim para mi me? Bahir havia franzido os lbios. Sim, tambm para ela. Sua me era moderna, Kalila, porm no obstinada havia respondido se u pai com um suspiro . Deixei que voc passasse esses anos em Cambridge e obtivesse o ttulo universitrio. Voc realizou seu sonho e viveu como queria. Agora o que impor ta sua famlia, seu pas; tem que cumprir com seu dever. Um dever que comea amanh. Apesar da compaixo que Kalila havia sentido em sua voz, o rei no havia deixado um resqucio de dvida, pelo que ela ergueu os ombros respirou fundo, sem perder a atit ude de desafio e orgulho. Eu sei, pai. No havia mais remdio, porm no podia evitar pensar que talvez houvesse cultivado seus interesses, porm no havia realizado seus sonhos. De que serviam os interesses se teria que abandonar-lo por obrigao? Onde estavam seus sonhos? Rodeou-se a si mesma com os braos enquanto pensava que seus sonhos eram imagens i mprecisas de alegria, felicidade e realizao de uma mesma coisa. De amor. Aquela pa lavra apareceu de pronto em sua mente, uma semente que havia plantado em frtil te rreno de sua imaginao e que comeava a criar razes. Amor porm aquela unio entre dois desconhecidos no tinha nada que ver com amor. Nem s equer havia carinho entre eles, e Kalila no sabia se chegaria a haver algum dia. Zakari poderia am-la? Estaria disposto a faz-lo? E, se perguntou enquanto Juhanah ia de um lado a outro do quarto, - ela o amaria? Poderia faz-lo? Come lhe ordenou a bab levando-lhe uma bandeja em que havia um pote com Iabneh, iog urte cremoso, e uma xcara de caf . Necessita de energia para tudo que tem que fazer

hoje. Kalila se sentou a mesa e provou o iogurte. - O que exatamente que eu tenho que fazer hoje, Juhanah? Ela a ouviu respirar, antes de responder. Seu pai quer que voc se prepare como antes, segundo a tradio. Depois, ela franziu a testa e Kalila sabia que ela estava pensando sobre os cost umes ocidentais havia herdado de sua me, Inglesa, e que haviam tomado mais fora du rante os quatro anos em que viveu em Cambridge completamente independente. Ela l embrou que recentemente a bab pegou um par de jeans do cho do quarto com apenas do is dedos e afastando-os do seu corpo como se estivessem contaminados. Sua Alteza vai querer verificar se voc uma noiva adequada Juhanah disse, repetindo as palavras do pai Kalila. Quando voc acha que deveria cham-lo de Zakari? Kalila perguntou com um sorriso e um brilho nos olhos mal-intencionados. Quando voc estiver na sua cama, disse Juhanah com uma franqueza incomum para ela. No seja demasiada ousada, antes do tempo, querida. Homens no gostam de meninas in solentes. Vamos, Juhanah! Kalila balanou a cabea. Voc nunca deixou Zaraq e no sabe como so as c oisas em outros lugares. Zakari estudou na universidade, um homem do mundo ... i sso era o que havia lido nos jornais e revistas. Esperava que fosse assim. Juhanah bufou novamente. O que importa isso? O que importa o que acontece agora, a princesa. O rei Zakari quer ver uma garota que possa se comportar como deve faz-lo a noiva de um sheiqu e, no uma mulher moderna, com um diploma universitrio. Kalila sabia que Juhanah no tinha muito boa opinio sobre o tempo passado na Inglat erra, e o certo era que, sentada ali na frente da bandeja de caf da manh, a ela pa recia importante, agora, aqueles anos de independncia. Tudo o que importava era a sua linhagem, a famlia a que pertencia, Zakari estava procura de uma aliana, no um a aliada, no queria uma amante ou uma companheira. Nem uma alma gmea. Kalila fez uma careta ao pensar que, embora fosse algo que sempre soubesse, que que se recordava todos os dias desde que esperava que o casamento, o seu marido dela. Porm agora que a espera havia terminado percebeu que seu corao ansiava por al go mais. No est com fome, daanaya? lhe perguntou Juhanah, aproximando-lhe o pote de labneh. Kalila negou com a cabea e afastou o iogurte. Tinha o estmago encolhido e no podia comer nada. S vou tomar o caf disse sorrindo para tranquilizar a bab, e tomou um gole que lhe que imou at o estmago, porm o fez com a mesma intensidade com a que ardia seu corao. Os preparativos duraram toda a manh. Kalila queria ter o melhor aspecto possvel, c laro, porm entre tanto creme, pintura e loo, no podia evitar sentir-se como una gali nha que estivessem temperando para assar no forno. S Juhanah e uma das cozinheiras serviram de negaffa, as mulheres que preparavam a noiva; o palcio de Zaraq dispunha de poucas pessoas desde a morte de sua me. Primeiro se banhou em leite, um costume muito antigo que Kalila nem sabia se era de seu agrado. Diziam que o leite de cabra era muito bom para a pele, porm tambm tinha um odor muito forte. No me importaria por um pouco de gel de banho murmurou para si, pois nem Juhanah ne m a cozinheira a compreenderiam. Enquanto Juhanah a secava e lhe passava a loo, Kalila se viu invadida por uma terrv el sensao de tristeza e de saudade de sua me, que morreu quando ela tinha s dezesset e anos. Amelia, esse era o nome de sua me, havia sido uma mulher tranquila e enca ntadora. Se estivesse viva, seria ela a encarregada de prepar-la para conhecer a seu futuro esposo. Ela sim compreenderia sobre o gel de banho, pensou Kalila com profunda tristeza. Juntas ririam e passariam bem apesar daquela obrigao que se via obrigada a enfren tar. De todos os modos, poderia ser moderna mais adiante; poderia ser ela mesma quand o estivesse a ss com Zakari. A idia fez com que lhe secasse a boca e voltassem a t encionar-lhe os nervos. Naquele dia no iam estar a ss; iam celebrar o encontro formal entre um rei e sua p

rometida, uma cerimnia cuidadosamente encenada e interpretada na qual ela s era um acessrio do atrezzo, um de tantos. Nada de franzir a testa, princesa a repreendeu suavemente Juhanah . Hoje s sorrisos! Kalila se esforou por sorrir apesar de tudo. O futuro a espreitava e era uma estr ada sinuosa com um destino incerto. No havia visto a Zakari nem havia falado com ele desde que era pouco mais que uma criana. Houvera cartas, presentes de aniversrios e mensagens formais e impessoais . A tradio exigia que no houvesse nada mais que isso. Agora ia conhec-lo, duas seman as antes do casamento. Era absurdo, arcaico, porm era sua vida. Assim seria a partir de ento, pensou trag ando o amargo sabor do medo. Olha disse Juhanah virando-a para o espelho. Inclusive depois de tantas horas, Kalila no esperava aquela mudana. Parecia uma com pleta desconhecida. El caftn vermelho e dourado ocultava sua figura e levava o cabelo recolhido em um a complicada trana. As jias de ouro enchiam suas mos, seu pescoo, seu rosto No reconhecia aqueles lbios vermelhos e carnudos, nem os enormes olhos escuros del ineados com Kohl. Tinha um aspecto extico que no lhe parecia nada familiar. Estava ridcula, pensou com amargura. Uma fantasia masculina feita realidade. Linda, verdade? perguntou Juhanah com alegria, e a cozinheira assentiu de imediato . E agora, o toque final disse antes de colocar o vu sobre o rosto. A pea que simbolizava o orgulho das mulheres, o hijab, cobrindo o cabelo e a maio r parte do rosto, pois s deixava a vista seus olhos negros. Vendo aquela imagem achava impossvel crer que s oito meses atrs ela se encontrara e m Cambridge, falando de filosofia e comendo pizza com seus amigos, sentados no c ho de seu apartamento. Vestida com jeans, sem carabinas e com uma vida cheia de l iberdade, oportunidades, interesses intelectuais e alegria. Alegria. Naquele momento, ali de p, de frente a uma imagem que no reconhecia, se s entiu muito longe de tal sentimento. Quem era realmente? Era a garota de Cambrid ge, que ria, paquerava e falava de poltica, ou aquela que via no espelho, com os olhos escuros e o rosto oculto embaixo do vu? Oito meses atrs seu pai havia ido v-la na Inglaterra, havia sado para comer com ela e a havia escutado. Kalila havia acreditado, se havia enganado, que simplesment e havia ido visit-la, que sentia sua falta. Porm, por claro, aquela visita escondi a na realidade um plano, uma necessidade maior como sempre. Ainda recordava do momento em que havia visto como se escurecia o rosto de seu p ai justo antes de por uma mo sobre a sua para silenciar sua irrelevante conversao. Que ? havia sussurrado ela, com a boca repentinamente seca porque havia intudo o que ia ocorrer. Sempre havia sabido, desde os treze anos, quando haviam celebrado a festa de compromisso. Zakari e ela haviam trocado uns anis, embora Kalila apenas recordasse aquela ceri mnia. Era um acmulo de imagens e sensaes confusas; o aroma do jasmim, o peso do anel com um diamante de Calista que Zakari lhe havia posto no dedo e que era demasia do grande para ela. Depois daquilo o havia guardado em seu porta-jias e no havia v oltado a peg-lo desde ento. Talvez pudesse voltar a p-lo. Eu sei que o casamento foi adiado vrias vezes lhe disse Bahir com surpreendente am abilidade , devido a obrigaes familiares de ambos os lados, porm o rei Zakari est fin almente pronto para casar-se. Fixou uma data, 25 de maio. Kalila havia tragado saliva. Estavam no final de setembro, quando as folhas das r vores comeam a adquirir um tom dourado que enchia todo Cambridge de cor. Era o co meo do curso universitrio. Porm havia comeado a dizer, porm Bahir havia meneado a cabea de imediato. Kalila, sempre soubemos que este era seu destino, sua obrigao. Falei com o secretrio da universidade. Cancelei sua matrcula. Ela havia levantado os olhos rapidamente e havia encontrado com os olhos de seu pai, com sua implacvel insistncia. No tinha o direito de Tenho todo o direito do mundo havia respondido Bahir . Sou seu pai e seu rei. J tem a licenciatura, o curso de ps-graduao era s uma maneira de passar o tempo.

Para mim era muito mais que isso havia assegurado Kalila com um n na garganta. Pode ser havia admitido seu pai . Porm sabia o que lhe esperava no futuro. Sua me e eu nunca lhe ocultamos. Isso era certo. Haviam falado com ela antes daquela espantosa festa e lhe haviam explicado o que significava ser princesa, a satisfao que lhe reportaria cumprir c om sua obrigao. E Kalila havia acreditado neles com todo seu inocente corao. Ela hav ia ficado fascinada pelo prncipe de Calista, mas agora no recordara quase nada de Zakari afora de seu paciente sorriso ou seria condescendente? Depois de tudo, iss o lhe havia ocorrido aos doze anos. Vai voltar para casa comigo havia concludo Bahir ao mesmo tempo que fazia um gesto ao garom, para que retirasse os pratos . Tem um dia para despedir-se de seus amigo s e fazer sua mala. Um dia? havia repetido Kalila, sem dar crdito. Seu pai seu um giro em sua vida num instante, como se no tivesse a menor importnci a. Isso devia de ser o que havia pensado ele, que era algo trivial. Quero que venha para casa havia insistido Bahir . Que onde deve estar. Porm no vou casar-me em maio O pas necessita de sua presena, Kalila havia resolvido com voz aguda . O povo necessit a v-la. Est fora quase quatro anos, hora de voltar. Aquela noite, enquanto guardava seus escassos pertences, Kalila havia chegado a pensar no impensvel. Havia considerado a possibilidade de desafiar a seu pai e fu gir de seu suposto destino, ficar em Cambridge, viver sua prpria vida, ter um mar ido ou um amante Porm enquanto havia aparecido em sua mente aquelas idias desesperadas e traioeiras, as havia descartado. Para onde ia fugir, com que dinheiro? O que faria? Alm disso, teria que admitir que quase toda sua vida, seu prprio sangue, estava li gado a aquele pas, a seu mundo. O futuro de Zaraq estava unido ao de Calista; hav ia sido depreciativo por em perigo o bem-estar de seu pas s para cumprir seus egost as desejos. Jamais poderia trair a seu pai e a seu pas, seria trair a si mesma. Assim pois, havia regressado a casa com seu pai e havia retomado sua vida no palc io com seu reduzido pessoal. Iam se passando os dias, a principio tratando de ma nter em dia seus estudos e logo se sumindo na tristeza. Havia cumprido com suas tarefas visitando a crianas enfermas, novos negcios, apert ando mos, cortando laos, sorrindo e assentindo. Gostava de relacionar-se com as pe ssoas de Zaraq, porm as vezes lhe parecia que s era trabalho, una vida dedicada ao trabalho. Esse era seu destino. Agora, enquanto se mirava no espelho, desejou que seu destino estivesse em outro lugar, que esperara algo mais que isso. Queria ser algo mais. Princesa? disse Juhanah . Est muito linda. Kalila sentiu a desesperada necessidade de arrancar o vu. Nunca antes o havia usa do; sua me se havia negado a p-lo. Sempre havia se vestido com roupa ocidental, co brindo o cabelo somente em ocasies muito especiais, algo que a seu pai nunca havi a importado. Bahir se havia casado com uma inglesa para tentar ocidentalizar um pouco seu pas. Sem dvida, agora ela parecia uma personagem de As mil e uma noites, a integrante de um harm. Juhanah estava colocando-lhe o caftn quando chamaram da porta do dormitrio e teve que ir falar enquanto Kalila seguia com a vista fixa no espelho. Que pensaria Zakari dela quando a visse assim? Seria isso o que queria? Era isso o que lhe deparava o futuro? Em qualquer caso, j era demasiado tarde. Tinha que fazer frente a sua obrigao. O problema era que nunca havia imaginado como se sentiria ao faz-lo. Juhanah voltou a seu lado para seguir retocando-lhe o traje. Ests radiante lhe disse. Kalila sorriu debaixo do vu. Juhanah estava cega, ou cega por sua prpria felicidad e? Sua bab estava emocionada com a idia de que ia converter-se na esposa de um rei . a hora avisou , o xeique acaba de chegar. Veio diretamente de avio. Por fim est aqui c ncluiu, por acaso Kalila no houvesse compreendido.

Aarif estava cansado e morto de calor. O curto trajeto de jipe da pista de aterr izagem at o palcio havia servido para que, adems, acabasse coberto de poeira. Havia sido recebido por um oficial do palcio que o levaria a sala do trono, de onde tr ansmitiria a jovem e a seu pai os respeitos de Zakari. Tragou saliva e a poeira lhe arranhou a garganta. O oficial j havia olhado vrias v ezes essa maldita cicatriz que lhe recordava e ao resto do mundo seus defeitos, seu fracasso. O palcio se elevava na metade do deserto e, a certa distancia, se viam uns edifcio s de barro e pedra: era Makaris, a capital do pas. Lhe levarei para que possa refrescar-se um pouco, Alteza anunciou o oficial com um a reverencia . O rei Bahir o espera no salo do trono. Aarif assentiu e seguiu ao oficial ao interior do palcio, a uma sala onde encontr ou uma jarra de limonada que bebeu quase inteira antes de tirar a roupa que usav a e por o bisht, a tnica larga que utilizava em cerimnias como aquela. Lavou as mos e o rosto fugindo da imagem que lhe devolvia o espelho, at que, por fim, como fa zia sempre, se olhou fixamente. Chamaram a porta. Aarif saiu do banho e se disps a cumprir a misso que lhe havia e ncomendado seu irmo. O oficial lhe conduziu at as enormes portas do salo do trono, dentro havia um sile ncio ensurdecedor. Majestade disse o oficial em francs, idioma oficial de Zaraq , lhe rogo receba a Sua Majestade o rei Zakari. Aarif tossiu ao ouvir aquilo, porm o rudo se perdeu entre os murmrios do pessoal do palcio que se havia reunido para presenciar a cerimnia. Enquanto o rei Bahir o mi rara, se daria conta de que no era o rei ele que visitava o trono, seno seu irmo, u m humilde prncipe. Seguramente algum havia cometido um erro na correspondncia, porm a responsabilidade era s sua, pois havia sido ele o que havia encarregado da tarefa a um de seus aj udantes em lugar de faz-lo pessoalmente explicar que iria em nome de seu irmo. Agora teria que explicar-lo diante de todo o mundo, de todos os empregados de Ba hir, e muito temia que ia a supor um grande insulto. Majestade disse ele, tambm em francs, e avanou pela sala para inclinar-se ante Bahir, no por obedincia e sim por respeito , temo que a meu irmo, o rei Zakari, foi impossve l vir devido a um assunto real urgente. Ser uma honra para mim acompanhar em seu lugar a sua prometida, a princesa Kalila, at Calista. Bahir no dizia nada, assim sendo Aarif se ergueu tratando de no deixar-se levar pe la raiva e o temor. Sentia a mirada do rei cravada sobre sua pele, seu gesto dec epcionado e molesto. Porm inclusive antes que Bahir dissesse algo, antes inclusive de acabar com as fo rmalidades, Aarif sentiu o impulso de mirar a figura silenciosa situada a direit a do rei. Era sua filha, Kalila, com certeza. Aarif recordava uma criana linda e precoce co m a que havia cruzado algumas palavras na festa de compromisso que se havia cele brado h mais de dez anos. A mulher que tinha agora frente a ele era preciosa, mas teve que reconhecer que no lhe via demasiado. Tinha a cabea inclinada e o corpo coberto por um caftn, porm de pronto levantou os olhos como se houvesse sentido o magnetismo do de Aarif o os olhos de ambos se e ncontraram. Era o nico que podia ver dela, seus olhos; uns enormes olhos marrons, quase doura dos, nos quais se podia adivinhar-se qualquer emoo, incluindo a que cruzou fugazme nte por eles quando se centraram inevitavelmente no rosto de Aarif, em sua cicat riz. Acreditou ver o asco refletido na profundidade daqueles olhos e sentiu uma punha lada no estomago, uma punhalada de decepo e dio at de si mesmo. Dois Ele no havia ido. Kalila mirou ao desconhecido que tinha a frente, escutou suas p alavras, as explicaes, as bajulaes e as desculpas de rigor, porm no compreendia nada. No podia deixar de pensar que seu futuro esposo nem sequer havia se preocupado em

ir a busc-la. Se apresentaria ao menos no casamento? Acaso no teria parado para p ensar que ela estaria esperando, perguntando-se ? Ou ser que nem sequer se dera ao trabalho em pensar nela? Prendeu o riso histrico e ameaava escapar-lhe. Seu pai estava falando, estava conv idando aquele homem quem era? Kalila tratou de recordar o que havia dito. O prncip e Aarif, o irmo caula de Zakari Esboou um sorriso irnico que ningum podia ver graas aq ele maldito vu. Apertou os punhos e voltou a desejar arrancar o vu e acabar com aquela farsa, por que no era mais que isso. Uma farsa, uma piada. Uma representao teatral na que j no queria seguir interpretando seu papel. Queria sair correndo e no parar at encontrar-se em um lugar seguro, um lugar onde pudesse ser ela mesma, fosse quem fosse, e onde as pessoas se alegrassem de v-la. Onde estava esse lugar? O certo era que ainda no o havia encontrado. Seu pai hav ia se levantado, o que queria dizer que ela devia retirar-se elegantemente, assi m era como estava combinado, era o que dizia a etiqueta. Fez uma reverencia e sa iu da sala com os olhos cravados no solo, tentando no tropear com o caftn. Estava i mpaciente para sair dali e ser livre. Retirou o vu assim que saiu pela porta e levantou o caftn para poder caminhar com comodidade. Juhanah a seguiu. Cuidado com o tecido muito delicado! protestou enquanto tratava de agarrar o vu que Kalila apertava em sua mo. No me importa - replicou. Est decepcionada, lgico. Tem que pensar que o rei Zakari um homem muito ocupado, co m muitas obrigaes. bom que se acostume a tudo isso, ya daanaya. Inclusive antes de conhecer-nos? perguntou Kalila com um sarcasmo que lhe fez sent ir-se melhor. Necessitava dar corda solta a seus sentimentos, a sua frustrao. Juha nah tinha razo, estava muito decepcionada. Decepcionada e ferida. Porm no tinha motivos para estar, porque nunca havia pensado que Zakari a amava. Como ia am-la se no a conhecia? O que era que havia esperado ento? No sabia, porm tin ha a sensao de que aquele dia havia perdido algo irremediavelmente. Porm no sabia de que se tratava. De volta ao refgio que lhe proporcionava seu quarto, se deteve e respirou fundo. No tinha nenhum sentido comportar-se como uma criana caprichosa; era uma mulher, c om obrigaes e cargas prprias de uma mulher. Voltou a recordar aquela noite a oito meses, sozinha em seu apartamento de Cambr idge, quando poderia ter fugido. Poderia separar-se de seu pai, de sua famlia, de seu pas e de sua cultura. Porm no o havia feito e, no fundo, sabia que nunca o far ia. Apesar da incerteza e arrependimento que sentia, tinha que cumprir com seu d ever. Por sua famlia e por si mesma. No entanto, no esperava aquilo. No havia esperado sentir tanta dor e tanta decepo. Sem perceber, havia fantasiado sobre seu futuro. Acabava de dar-se conta de que, no fundo, havia desejado que aparecesse Zakari, que estivesse ansioso por conhe c-la e que ficasse sem palavras ao v-la. Havia querido que tivesse cado fascinado, apaixonado. E nem conhec-la sequer! Realmente estava louca. S uma louca podia albergar sonhos to infantis, como de conto de fadas, e permitir-se esperar algo semelhante quando acreditava que estava sendo realista e responsvel. Havia enganado a si mesma. Olhou seu rosto maquilado no espelho. O ventilador girava sem parar no teto, porm fazia um calor sufocante que o peso daquelas roupas s intensificava. Ajuda-me, por favor, Juhanah disse. Quero tirar isto. claro se apressou a responder a velha bab . Tem que descansar um pouco para estar fre sca para esta noite. Kalila franziu a testa. Por qu? O que vai acontecer essa noite? No escutou? Seu pai convidou o prncipe Aarif para a ceia. Una ceia informal, disse - Juhanah esboou um sorriso de cumplicidade . Sem caftn nem hiyab. Bem - disse, aliviada. Sabe que este era de sua me? perguntou Juhanah enquanto lhe tirava o caftn. Verdade? estava surpreendida . Nunca a vi com este tipo de roupa. No o usava costumeiramente, porm este caftn ela usou para sua festa de compromisso Se

u pai a deu como presente de casamento. Estava muito linda com ele. Kalila tentou imaginar sua me, alta, rubra e delgada, com aquela clssica vestiment a. Carregada pelo peso e por tudo que se esperava dela. Se pergunto que havia pe nsado ao coloc-lo, talvez se havia sentido to oprimida e asfixiada como ela. Ou ta lvez simplesmente o havia visto como um disfarce, um bonito disfarce. Sua me se havia casado com Bahir livremente, por deciso prpria. Contra todo o espe rado, havia sido um matrimonio por amor. Por que com ela no podia ser o mesmo? Pensou Kalila, j sozinha no quarto, enquanto se deitava na cama. Conseguiu dormir apesar do nervoso e da ansiedade, porm foi um sonho cheio de inq uietude e uma certa tristeza. Quando despertou, o sol estava j muito baixo e se h avia levantado una brisa fresca que se colava pela janela do quarto. Kalila afastou o cabelo do rosto e se aproximou da janela. O sol era una bola de fogo alaranjada que coloria o cu com seus raios, uma imagem muito bonita que nun ca se cansava de olhar. Havia perdido aqueles entardeceres na Inglaterra, havia perdido a pureza do ar e da luz, a intensidade das cores. Tinha que arrumar-se para o jantar. A mulher que ia ver Aarif essa noite no se pa receria em nada moa tradicional que tinha visto pela tarde, Kalila ia assegurar-s e disso. Acabou-se a farsa; j no tinha que impressionar a ningum, pensou ao mesmo t empo em que se metia na ducha. Zakari nem sequer estava ali. Tirou o Kohl e o batom vermelho, o aroma de jasmim e sndalo. Esfregou o rosto at q ue estivesse completamente limpa e a pele s cheirasse a sabonete. Colocou um vestido de noite curto bastante discreto para os padres ocidentais, ma s completamente diferente do traje que tinha levado pela tarde. Era um singelo t raje de seda cor lavanda claro que se ajustava a seu corpo e lhe chegava pela pa nturrilha, combinando com uns sapatos de noite. Prendeu o cabelo em um rpido coqu e e a nica concesso que fez maquiagem foi um pouco de brilho nos lbios. Saiu da habitao depois de respirar fundo e perguntando-se por que estava nervosa d e novo. O prncipe Aarif se encontrava j no salo menor e informal do palcio, com uma taa na mo. Kalila se deteve na porta, fixou-se na mesa, preparada para trs, e no prncipe, de p junto janela, lhe dando as costas. Seu pai no estava. No tinha pensado nem um segundo naquele inesperado convidado desde que o tinha vi sto no salo do trono; quo nico tinha ocupado seus pensamentos tinha sido a imprevis ta ausncia de Zakari. Entretanto, nesse momento o observou atentamente e com curiosidade. Levava um tr aje ocidental cinza escuro que lhe caia como uma luva. O certo era que tinha um aspecto muito elegante com aquela roupa, muito mais humano e acessvel que com o b isht. Kalila se perguntou se tambm ela daria essa imagem. Ento, como se houvesse sentido sua presena, Aarif se deu a volta e Kalila ficou se m respirao durante um segundo ao ver seu rosto. No havia expresso alguma em seus olh os, apesar de que estava sorrindo, e tinha uma cicatriz na bochecha. At com o sor riso nos lbios, seu gesto resultava formal, severo, quase de aborrecimento. Kalila fez um esforo por sorrir tambm. Boa noite, prncipe Aarif. Ele inclinou a cabea levemente. Princesa. Kalila entrou na sala, consciente de que estavam sozinhos embora relativamente, p orque os membros do servio se achavam perto e seu pai no demoraria para aparecer. Passou bem a tarde? perguntou ela, e percebeu a falsidade de sua prpria voz. Muito instrutiva - disse, e tomou um gole. Deseja uma taa? Justo nesse momento apareceu uma criada e Kalila lhe pediu um copo de suco. Quer ia manter a cabea limpa. Creio que no me lembro de voc - admitiu Kalila com certo arrependimento . Sei que o i rmo caula de Zakari, mas tem tantos irmos e irms Sim, somos sete - respondeu Aarif com o olhar cravado nela . Eu sim me lembro de vo c. Era muito jovem quando se celebrou a festa de compromisso, verdade? Levava um vestido branco e um lao no cabelo. Tinha doze anos disse Kalila com um fio de voz. Surpreendia-lhe e a comovia que r ecordasse que vestido e que penteado tinha levado.

Parecia que estava em uma festa de aniversrio seguiu dizendo ele . E possivelmente e ssa era a sensao que tinha nesse momento. Kalila assentiu, de novo surpreendida e comovida de que a compreendesse to bem. Assim era. E recebi o melhor presente. Ele deve ter percebido a amargura de sua voz porque a olhou com um gesto ligeira mente censor. O matrimnio uma honra e uma bno. Falava como seu pai, pensou Kalila. Como todos esses homens que davam lies sobre a s obrigaes das mulheres. Voc est casado, prncipe Aarif? perguntou com atitude desafiante. No se limitou a dizer justo antes da chegada de que o rei Bahir pusesse fim conver sao. J comentei com o prncipe Aarif que aqui no andamos com formalidades disse o pai da K alila depois de saud-los . Especialmente entre familiares e amigos. Ela teria querido lhe perguntar a que se devia ento o espetculo daquela tarde, mas na realidade sabia a resposta; a tradio, a cerimnia. Viu como seu pai os olhava co m gesto especulativo e, de maneira instintiva, afastou-se do prncipe. Incomodavaa pensar que a breve conversao que tinha mantido com o Aarif poderia considerar-se inapropriada. Sim, obvio disse com um sorriso mecnico . uma honra dar a boa-vinda ao Zaraq, prnci e Aarif. Para mim uma honra estar aqui respondeu com voz suave, mas carente de verdadeira expresso. Kalila o olhou nos olhos e teve a sensao de que levava uma mscara, um vu como o que ela tinha levado essa tarde. Perguntou-se o que tratava de esconder. Aarif me esteve explicando antes por que o rei Zakari no pde vir disse Bahir quando os trs estavam sentados mesa . Obviamente um homem muito ocupado, com muitas obrigaes . De fato nestes momentos nem sequer est em Calista deixou de falar. Kalila olhou Aarif com certo interesse. No? perguntou . E onde est prncipe Aarif? Chame-me Aarif, por favor sua voz transmitia uma ligeira tenso. Ento ter que me chamar Kalila respondeu por cortesia, mas isso fez que ele a olhass e fixamente e sentiu de repente um estranho formigamento no estmago. Pensou que no era um homem de beleza clssica, em parte por culpa da cicatriz, mas inclusive sem ela seu rosto seria duro; carecia de doura, de senso de humor e de compaixo. A nica emoo que se adivinhava em seus olhos escuros e em sua boca de lbios finos era a determinao. Perguntou-se o que era que ele pretendia fazer com essa determinao. Ouvi certos rumores sobre diamantes comentou Bahir quando j tinham comeado a degust ar o primeiro prato, frango com coentro e pprica. Aarif ficou imvel s um dcimo de segundo antes de sorrir e encolher-se de ombros. Sempre h rumores. Este em particular seguiu dizendo Bahir com uma voz um pouco mais dura afirma que d esapareceu a metade do diamante Stefani. Perguntava-me se ser isso o que tem to oc upado a seu irmo, Aarif. O prncipe tomou um gole de vinho. Podia apalpar-se a tenso que havia no ambiente. Kalila olhou a ambos, os dois tinham um sorriso nos lbios mas seus olhares diziam algo muito diferente. O que estava ocorrendo? obvio que a meu irmo preocupa o diamante Stefani disse Aarif depois de uma pausa . F az muito tempo que deseja voltar a unir o diamante e, logicamente, tambm os reino s de Calista e Aristo olhou de novo a Kalila e esta voltou a sentir esse estranh o formigamento no estmago . Sem dvida alguma, seria muito benfico para a princesa, p ois a converteria em rainha de Aristo, no s da Calista. Kalila tentou sorrir, embora nunca se havia considerado rainha de nada. S tinha p ensado em si mesma como esposa de algum, no como rainha de um pas, e muito menos de dois. Rainha. Tentou sentir a emoo que se supunha deveria lhe provocar a idia, mas o nico que sentia era decepo e temor. No ansiava ttulos, s amor. Desejo que seu irmo tenha todo o xito do mundo disse por fim.

Ter afirmou Aarif . Quando se tem determinao, consegue-se o xito. Houve uma breve pausa durante a qual a criada retirou os pratos. Uma mxima excelente opinou Bahir enquanto voltava a encher as taas de vinho. Kalila apenas tocou o segundo prato, pois tinha perdido o apetite e voltava nota r-se inquieta e incmoda apesar de que levava uma roupa com a que se sentia ela me sma. No sabia o que lhe provocava essa sensao de inquietao, essa espcie de insatisfao eria a ausncia de Zakari, ou a presena de Aarif? Observou os duros traos do prncipe, a cicatriz que percorria sua bochecha, e voltou a sentir o formigamento que sub ia por seu interior, como se dentro dela tivesse nascido algo que crescesse em b usca de luz e alimento. De repente se deu conta, com grande surpresa, que sentia interesse por aquele homem. Fascinava-a. Teria acontecido o mesmo com Zakari? A figura que recordava daquela festa lhe de spertava muito pouco interesse em comparao com a enigmtica presena do homem que tinh a adiante , um homem que no era nem seria nunca seu marido. Aarif a olhou, os olhos de ambos se encontraram e Kalila teve que apartar a vist a rapidamente porque se sentiu descoberta, como se de algum modo ele pudesse adi vinhar o que pensava. Kalila? a voz de seu pai a devolveu conversa . Aarif estava falando de sua viagem a Calista. Ele tinha inteno de sair amanh mesmo e eu estava lhe contando quais so noss os costumes Bahir sorriu a Aarif a modo de desculpa . Ver, Aarif, no Zaraq se d muit a importncia tradio. As pessoas querem muito bem famlia real, sempre foi assim fez ma pausa e bebeu um pouco de vinho . Possivelmente seja por isso que levamos mais de cem anos governando em paz uma maneira muito sutil de lhe recordar o prestgio e o poder que contribuiria com Zaraq aquele matrimnio . Os habitantes do Makaris, no ssa capital, sonham celebrar uma grande festa quando vai se casar algum membro d a famlia real levantou a mo, antecipando-se resposta de Aarif, apesar de que o prnci pe nem sequer se moveu . Sei que o lgico seria que essa festa se celebrasse depois das bodas, mas ento Kalila estar em Calista. Para o povo muito importante ver o fe liz casal , ou ao menos noiva. No havia nenhum tipo de recriminao na voz do Bahir, mas Aarif deve t-lo visto de out ro modo porque voltou a apertar os lbios. Estou seguro de que se meu irmo estivesse a par de dita tradio, faria todo o possvel por vir assegurou Aarif depois de uma pausa. obvio se apressou a dizer Bahir . Mas bom, o caso que ele no est e voc sim. A festa ve celebrar-se conforme o planejado, por nosso querido povo e pela paz de nosso pas. um acontecimento singelo: comida, msica, baile. Tinha pensado que poderamos faz er uma parada em Makaris caminho do aeroporto e desfrutar da festa durante uma h ora ou duas, no mais que isso. De caminho ao aeroporto? perguntou Aarif com cautela . Tinha entendido que poderamos sair da pista do palcio. Sim, sim, j imagino respondeu Bahir . Mas j digo que ao povo de Zaraq gosta de muito ver a famlia real e o certo que a princesa Kalila, sendo minha nica herdeira, muit o querida. O povo ir querer lhe desejar muita felicidade e despedir-se dela, supo nho que o compreende acrescentou sorrindo com grande astcia. Aarif sorriu tambm, mas Kalila viu que seu olhar seguia sendo muito duro e to ardi loso como o de seu pai. Sim, obvio. Ter que contentar ao povo. Faremos o que prefira. Majestade. Bahir sorriu com satisfao e Kalila sentiu uma repentina fadiga ante a idia de passa r vrias horas conversando, sorrindo e saudando uns e outros. Satisfazendo a neces sidade que tinha todo mundo de ver um conto de fadas. Mas tinha que faz-lo e o faria, pois formava parte de suas obrigaes como princesa. E mais tarde como rainha. Sinto muito lhe afastar de sua casa com tanta pressa disse Aarif . Mas, como bem sa be, as bodas ter lugar dentro de duas semanas e h coisas que fazer em Calista fez u ma pausa antes de acrescentar algo no que no parecia ter pensado at esse momento . E , obvio, o rei Zakari estar desejando ver sua prometida. obvio murmurou Kalila com o olhar fixo no prato que no havia tocado. Naquele momen to, custava-lhe muito acreditar que Zakari estivesse desejando nada que no tivess e que ver acrescentando outro diamante a sua coroa. O resto da noitada transcorreu mais fcil e Bahir se encarregou de que no faltasse

vinho nem conversao. Ouvi que muitos dos prncipes Al'Farisi se educaram em Oxford comentou o rei enquant o comiam a sobremesa . Eu estudei no Sandhurst, que onde conheci minha falecida es posa, a rainha Amelia, que em paz descanse. Seu irmo era um de meus melhores amig os. Voc estudou em Oxford, Aarif? Sim, e depois voltei para Calista para fiscalizar a indstria dos diamantes. Ento um homem de negcios. Sem dvida. E lhe parecia, pensou Kalila. Um homem centrado em dados, cifras, detalhes e preo s. At seus olhos tinham a dureza dos diamantes. Kalila estudou em Cambridge continuou dizendo Bahir . Embora suponha que voc, ou ao menos seu irmo, j sabe. Estudou Histria e desfrutou muito do tempo que viveu ali, no certo, preciosa? Sim, muito respondeu Kalila, molesta com o modo em que seu pai enumerava seus fei tos como se fosse um cavalo que estivesse tentando vender. Uma gua de cria. A educao muito importante para qualquer governante, no cr? perguntou Bahir. Aarif trocou de postura para centrar seu duro olhar de novo em Kalila, e esta se ntiu que lhe ardiam as bochechas. Tinha a sensao de que esse olhar podia acabar co m ela, mas no foi assim, mas sim se sentiu florescer. Queria mais, porm mais o que? Que mais poderia lhe dar um homem como Aarif? Sim se limitou a responder ele e logo apartou a vista. Por fim acabou o jantar e Bahir convidou Aarif a tomar uma taa de porto e fumar u m charuto em seu estdio. Era uma tradio masculina da que Kalila ficou excluda com um simples gesto de seu pai. Normalmente lhe teria incomodado que a exclussem por s er mulher, mas essa noite se alegrou. Queria estar sozinha. Precisava pensar. Esperou que seu pai e Aarif estivessem no estdio para sair ao jardim, um osis de c alma. Adorava aqueles jardins nos que os atalhos flanqueados por dezenas de espci es de rvores e flores conduziam a uma fonte ou a uma esttua, a algo formoso e agra dvel. Tomou ar para sentir o aroma de lavanda e de rosa, umas rosas que Bahir tinha im portado da Inglaterra para dar de presente a sua esposa. No queria casar-se com Zakari, admitiu para desprender-se de todas aquelas mentir as e falsas esperanas e ficar to somente com a verdade. No queria partir para um pas estrangeiro, por mais perto que estivesse para converter-se em rainha. No queria viver a vida que tinham escolhido para ela fazia anos. No queria cumprir com seu dever. Tinha sua graa que se dera conta quando j era muito tarde, quando as bodas era imi nente e inclusive j haviam enviado os convites. Ou possivelmente no. Tambm tinha gr aa que no soubesse absolutamente nenhum detalhe de suas prprias bodas, nem de seu p rprio marido. Suspirou. Sentou-se em um banco junto fonte, agarrou umas pedrinhas do cho e jogo u com elas. At esse dia no se deu conta da situao em que se encontrava, certamente p orque no a tinha analisado margem de si mesma. Desde os doze anos, a metade de su a vida, tinha sabido que se casaria com o rei Zakari. Tinha guardado uma foto de ste na gaveta de sua roupa interior e frequentemente a tinha tirado para olh-la q uando estava a ss, e se tinha perguntado como seria aquele homem, o homem que se converteria em seu marido, em pai de seus filhos, em seu companheiro por toda a vida. Esses primeiros anos tinha fantasiado muito sobre ele, sobre sua beleza, sua val entia, sua inteligncia e seu senso de humor. Tinha-o convertido em rei inclusive antes de que o coroassem. Mas, obvio aquela ingenuidade infantil no tinha durado muito; tinha acabado dando-se conta de que Zakari no podia ser como imaginava em suas fantasias. Nenhum homem poderia s-lo. Mas inclusive quando convenceu a si mesma de estar sendo realista e de aceitar s ua obrigao para servir a seu pas, o certo era que tinha seguido aferrando-se a aque les sonhos romnticos que no havia se quebrado por completo at que essa tarde, quand o tinha aparecido Aarif em lugar do Zakari. Seguia acreditando. Seguia desejando. Desejava que esse homem impossvel, maravilho so fosse real. Porque esse homem, fosse quem fosse, amava-a.

Por um instante apareceram em sua mente os rasgos implacveis de Aarif. Kalila men eou a cabea para negar o que tratava de lhe dizer uma parte de seu crebro. O nico m otivo pelo qual pensava no Aarif era porque Zakari no estava ali. Entretanto, no conseguia desprender-se de todo do efeito de sua presena, daquele m isterioso sorriso. Levava um vestido branco e um lao no cabelo. Uma frase to singela que, no obstante, tinha conseguido criar uma estranha sensao de intimidade entre eles. Desculpa. A voz fez que Kalila se sobressaltasse. Ali estava Aarif, de p junto fonte, no era mais que uma sombra em meio da escurido. Olharam-se um ao outro, rodeados por um silncio perturbado to somente pelo canto dos grilos. No me tinha dado conta de que havia algum disse Aarif depois de um momento, e sua v oz soou rgida e formal. Kalila tragou saliva. Pensei que estava com meu pai. No, j terminamos. Queria deitar-se. Devia ter passado mais tempo do que ela acreditava. Deixarei voc sozinha disse Aarif, dando-se meia volta. No, por favor, no v respondeu ela imediatamente, surpreendendo-se a si mesma. No sabia o que queria daquele homem duro e misterioso, o nico que sabia era que no queria que partisse; no queria seguir sozinha. Queria saber algo mais dele, embor a no tivesse nenhum sentido. Aarif titubeou, mas ento, enquanto ela continha a respirao, voltou a girar-se. Posso lhe ajudar em algo? Sente-se, por favor respondeu, convidando-o a sentar-se a seu lado. Depois de outra larga pausa, Aarif ocupou a contra gosto o lugar que lhe tinha a ssinalado, mas mantendo-se a uma distncia mais que prudente. Resultava revelador que se comportasse com tanto comedimento, pensou Kalila. Aca so percebia sua tenso, esse formigamento que nunca antes havia sentido? Acaso ele sentia tambm? No podia ser, decidiu imediatamente. Se era assim, certamente no parecia, porque s e sentou com as costas rgidas e as mos sobre as pernas, imvel, com um controle sobr e si mesmo que Kalila no teve mais remdio que admirar. Estes jardins so muito formosos comentou depois de um momento. Kalila se alegrou de que falasse por fim. Sim, sempre gostei deles muito respondeu ela . Meu pai o desenhou para minha me para que recordasse a seu pas. Como os jardins suspensos da Babilnia, que Nabucodonosor mandou construir para sua esposa Amytis. Sim sorriu Kalila ao ver que conhecia a histria . Meu pai chamava carinhosamente Amy tis a minha me ouviu a nostalgia de sua prpria voz e mordeu o lbio inferior. Sinto muito que tenha morrido disse Aarif em tom formal e, de certo modo, distant e . muito duro perder a uma me ou a um pai. Sim. Quando morreu? Quando eu tinha dezessete anos. Por culpa do cncer teve que respirar fundo para co ntrolar a tristeza. Tinha sido to inesperado e to rpido S havia passado umas semanas entre o diagnstico e sua morte, um tempo precioso e cheio de dor depois do qual tinha chegado um terrv el vazio. Para ela tinha sido um alvio ir-se a Cambridge, como comear de novo, emb ora soubesse que nunca superaria de todo a perda de sua me. Era algo que levaria sempre consigo toda a vida. Sinto-o repetiu Aarif. E Kalila soube que o dizia sinceramente. Sei que voc perdeu a seu pai e a sua madrasta faz uns anos disse ela, hesitante . S into muito recordava ter escrito uma carta a Zakari para lhe fazer chegar suas c ondolncias, tinha recebido uma resposta formal que agora se perguntava se teria e scrito ele sequer. Obrigado. Foi difcil.

Ele no disse nada mais e Kalila no se atreveu a perguntar. A escurido que os rodeav a transmitia uma curiosa sensao de intimidade, mas Kalila no pde evitar perguntar-se se ele estaria incmodo. Lhe teria gostado muito poder ver a expresso de seu rosto , mas as nuvens tinham ocultado a lua e no podia distinguir mais que o contorno d e seu ombro, sua mandbula e sua bochecha. Fale-me de Calista lhe disse por fim . Nunca estive l. Aarif se manteve em silncio tanto tempo que Kalila chegou a duvidar se a teria ou vido. muito bonito respondeu finalmente . Parecido a isto. Nem todo mundo v a beleza do de serto porque uma beleza dura. Sua me achava difcil viver aqui? s vezes admitiu Kalila , embora viajasse de vez em quando a Inglaterra Eu passei minh as primeiras frias no Bournemouth. A lua saiu de detrs da nuvem e Kalila viu de repente o brilho de seus dentes. Est ava sorrindo abertamente, algo que a surpreendeu porque era a primeira vez que l he via faz-lo, e desejou que o fizesse mais freqentemente. Desejava saber se o sor riso conseguiria suavizar seu olhar e seus traos. E tinha o jardim acrescentou depois de um momento . Adorava estar aqui. E voc? perguntou Aarif . Vai sentir falta de sua terra? Sim , suponho que sim ele no disse nada, mas Kalila sentiu sua censura como se fosse algo fsico que perturbasse a paz que reinava entre eles. Mas claro, como no ia surpreender-se? Acabava de ouvi-la admitir que no sabia se s entiria falta de seu prprio pas. Abriu a boca para tratar de explicar o amontoado de sensaes e de sonhos quebrados que tinha, mas no foi capaz de dizer uma palavra. Como poderia explic-lo e o que iria querer escutar aquele homem? Entretanto, e por estranho que parecesse, tinha a sensao de que ele a teria compre endido. Ou possivelmente s fora o desejo de uma mulher com muitos sonhos quebrados. Claro que sentirei falta de Zaraq disse depois de um momento, impulsionada pelo d esejo e a necessidade de explicar-lhe. De meu pai e de meus amigos deixou a frase sem terminar, incapaz de expressar com palavras sua saudade de algo mais, um po uco mais profundo que era uma parte intrnseca de si mesma algo sem nome. Algo que nem sequer estava segura de ter tido nunca. um momento estranho murmuro Aarif. Sua voz seguia sendo neutra, mas Kalila lhe vi u levantar uma mo e logo voltar a baix-la como se tivesse estado a ponto de toc-la . Q uando estiver em Calista tudo lhe resultar mais fcil. O povo lhe receber com os brao s abertos fez uma pausa antes de acrescentar com a mesma frieza : Estou seguro de q ue logo lhe querero muito. O povo. No Zakari. E Aarif? Era uma pergunta absurda, to ridcula que Kalila se rubo rizou. Obrigado respondeu em um sussurro . Suponho que pareo uma tonta, mas espero , sei que s r melhor com o tempo. O tempo cura tudo, ou quase tudo assentiu Aarif. Kalila teve a sensao de que estava dizendo algo mais. Curava- quase tudo, mas no tu do Moveu-se no banco e Kalila se deu conta de que queria ir-se. O silncio era absolu to e sua conversao muito ntima. Entretanto, a idia de que partisse a alarmou. Fale-me de seu irmo. As palavras caram no silncio como as pedrinhas de sua mo, rompendo a quietude do am biente. Kalila desejou no ter falado. Por que tinha perguntado por Zakari? No quer ia saber nada dele, nem sequer queria pensar nele. Mas tem que saber. Vai ser seu marido. Como ? perguntou, e se envergonhou de ter que faz-lo. Sentiu-se como se tivesse reve lado algo a Aarif sem dar-se conta, quase como se lhe tivesse mostrado aquela fo tografia que guardava na gaveta da roupa interior. um bom homem respondeu Aarif depois de um comprido silencio . Muito melhor que eu a crescentou olhando para outro lado . E um bom rei. Kalila se surpreendeu ao ouvir aquela confisso. muito melhor que eu. Por que? Que c lasse de homem era Aarif para considerar-se pior? Queria perguntar, mas foi ele quem falou: Saber cumprir com seu dever.

Seu dever. Sem dvida era uma grande adulao para um homem como Aarif, mas para Kalil a soava quase como uma condenao, porque ela desejava algo mais, muito mais que uma obrigao. Entretanto fez um esforo por mostrar um pouco de senso de humor. No pode me contar algo mais? perguntou com tom superficial e alegre. Aarif se voltou para olh-la, mas seus olhos e seu rosto no mostravam expresso algum a. Temo que no possa lhe contar o tipo de coisas que uma noiva quer saber sobre seu f uturo esposo. Mas as saber muito em breve. Pensei que viria. A ver-me Kalila mordeu o lbio inferior, arrependendo-se de novo do que havia dito, mas depois se encolheu de ombros e se mostrou desafiante . Deve ria hav-lo feito. Aarif se esticou, ou ao menos essa foi a sensao que deu a Kalila. Possivelmente ne m sequer se moveu, mas ela soube que se excedeu; virtualmente tinha insultado ao rei Zakari. Ao seu prometido. Fechou os olhos, mas voltou a abri-los quando Aar if falou de novo. Foi culpa minha que esperasse ver o rei Zakari se desculpou . Deveria haver lhes co municado isso pessoalmente antes de vir. Kalila o olhou com curiosidade. Permanecia rgido, em tenso. No parecia o tipo de ho mem que pudesse cometer semelhante erro. O que teria ocorrido? Por que assumia t oda a responsabilidade? No importa disse ela depois de um momento. No podia lhe explicar at que ponto lhe ti nha importado, nem por que . O rei Zakari me espera em Calista. As bodas j se atra saram vrias vezes, o que importam uns dias mais? Parece que sim lhe importa. Kalila apartou o olhar. Essa tarde lhe tinha importado; havia se sentido decepci onada e ferida como a menina da festa de aniversrio, como a havia descrito Aarif, essa menina que esperava um presente e s tinha encontrado o vazio. Mas naquele m omento sentia algo ainda pior; indiferena. Por fim se deu conta de que nunca have ria presente, s uma caixa vazia. E no havia nada que pudesse fazer a respeito. Princesa, deveria ir-me anunciou ao mesmo tempo em que se levantava do banco . No me parece correto que estejamos aqui. Por qu? Dentro de um par de semanas seremos como irmos respondeu ela a modo de desa fio. certo, mas sabe to bem como eu que, em pases como os nossos um homem e uma mulher s em compromisso no devem estar a ss. No tem nenhum compromisso? perguntou sem sequer parar para pensar mas o certo era q ue queria saber a resposta. No estava casado, mas havia alguma mulher em sua vida ? Uma noiva, uma amante? Sabia que no deveria ter perguntado, mas havia algo naquele frio olhar que desper tava sua curiosidade. No respondeu Aarif . E agora devo partir. Suponho que poder voltar sozinha ao palcio. Sim Kalila seguiu olhando-o, iluminado pela luz da lua e em sua mente surgiu outr a pergunta . Como conseguiu essa cicatriz? Aarif a olhou com evidente surpresa e se girou completamente para ela. Pela expr esso de seu rosto soube que no deveria lhe haver feito tal pergunta, que era algo ao que ele no desejava responder. Entretanto, esperou contendo a respirao, com a ca bea cheia de perguntas. Em um estpido acidente disse por fim, com uma tenso que dava a entender que no estav a acostumado a dar esse tipo de explicaes. Kalila o observou solenemente enquanto procurava a maneira de distender um pouco a situao, de fazer que voltasse a sorrir. Parece que lhe atacaram com uma cimitarra disse a modo de brincadeira . Espero que tenha sado vencedor. Conteve a respirao de novo, espera de sua resposta. Finalmente Aarif esboou um tnue, reticente sorriso que conseguiu encolher o corao de Kalila porque, de repente, j no lhe pareceu o mesmo homem que tinha visto aquela tarde. Pareceu-lhe algum comple tamente distinto, algum a quem desejava conhecer, o homem que se escondia detrs de um frio olhar. Acreditaria se dissesse que enfrentei a trs ladres de camelos sozinho? perguntou ele

sem apartar o olhar de seus olhos, ainda sorrindo. Kalila sorriu tambm e assentiu. Sim, acreditaria. Desapareceu de repente a ligeireza do momento e surgiu algo profundo e inquietan te, algo que os uniu, embora nenhum dos dois se movesse. Aarif tinha o olhar cravado em seus olhos e ela no olhou para outro lado. Levanto u uma mo para despedir-se, mas ele a surpreendeu agarrando-lhe. Seus dedos frios se entrelaaram com os dela e um calafrio lhe percorreu lodo o corpo. O momento se prolongou, sem que nenhum dos dois se separasse um do outro. Deveri a ter afastado a mo e ele deveria hav-la soltado. Mas no o fizeram e assim seguiram durante uma eternidade; agarrados pela mo, olhando-se aos olhos com silencioso d esejo. Kalila sentiu que surgiam dentro dela distintas emoes: necessitava que a compreend essem, que a cuidassem. Que a amassem. Por sua cabea passou a idia, estranha e imp ossvel, de que aquele homem pudesse faz-lo. Ento, como se despertasse de um sonho, Aarif meneou a cabea e a luz de seus olhos deixou passo a uma inquietante tristeza, sua boca voltou a ser uma fina linha. D eixou cair a mo to bruscamente que a dela aterrissou em seu regao de repente. Dobro u os dedos, que ardiam com a lembrana do roce dos dele. Boa noite, princesa disse Aarif antes de desaparecer na escurido do jardim.

Trs Quando Kalila despertou manh seguinte, a cidade bulia de atividade e o rudo chegav a atravs da janela de seu closet, que dava ao este, para o Makaris. Sentia no ar os aromas procedentes da cidade, o aroma de especiarias e de carne. Tambm ela sentia certa agitao, mas no se deteve pensar o que lhe provocava. No estava impaciente por casar-se e, entretanto, sim desejava iniciar o quanto antes a v iagem para a Calista. Com Aarif. No. No devia pensar nisso, no devia desej-lo. Os desejos que sentia eram indefinidos , sem forma, e sem dvida era melhor que se mantivessem assim. Era menos arriscado . Dentro de duas semanas se casaria com Zakari. No havia maneira de escapar a ess e destino, porm at ento podia permitir-se alguns breves momentos de prazer inofensi vo No. Kalila! hora de se vestir Juhanah apareceu no quarto com o rosto resplandecente. A velha bab ia acompanh-la a Calista e ficaria com ela todo o tempo que fosse nece ssrio, at que estivesse instalada. Quanto tempo necessitaria? Perguntou-se ela, i nvadida de novo pelo desespero. Dias, meses, anos? Toda a vida? Kalila, minha princesa Juhanah se ajoelhou junto a ela enquanto Kalila se sentava no batente da janela . a hora. O prncipe Aarif quer carregar sua bagagem. J est tudo preparado. J? Saiu da janela e olhou o quarto, cheio de caixas que continham seus pertences; m uitas delas nem as tinha aberto depois de chegar de Cambridge. Juhanah, no quero ir aquelas palavras saram de seus lbios trementes. Franziu-os para no chorar, pois de nada lhe serviria. Mas sim tinha que falar, dar voz aos medos que a invadiam . No quero me casar com ele sussurrou. Juhanah guardou silncio um momento. Kalila nem sequer podia olh-la, estava muito e nvergonhada. Ai, j daanaya disse por fim, e ficou em p para abra-la. Kalila apoiou a cabea em seu ofo colo e se deixou consolar como uma menina . normal que tenha medo. Certamente teria sido diferente se tivesse vindo o rei Zakari. Sei que difcil ter que viajar a um pas que no conhece com um completo estranho. No acredito que tivesse sido diferente murmurou Kalila . Ontem noite me dava conta d e que no quero faz-lo, Juhanah. No me importa como seja, o que importa que no me ama . Mas com o tempo

O tempo traz o afeto, a compreenso, amabilidade a interrompeu Kalila . E nem sequer seguro. Levo anos me repetindo isso, mas por que tenho que me conformar s com iss o? Meu pai pde casar-se com a pessoa a que amava. E o pai e a madrasta do Aarif, Ashraf e Anya, tambm se casaram por amor. Por que no posso faz-lo ento? Juhanah a apartou para olh-la cara. O pai do Aarif? repetiu. Kalila se ruborizou. O pai do Zakari. Por que eu tenho que me conformar com menos? Est fazendo algo muito importante para seu pas lhe recordou Juhanah com o mesmo tom de advertncia com o que lhe tinha falado quando criana, quando a descobria rouban do bolos de mel da cozinha . Tem que se comportar como o que , uma princesa. E cump rir com seu dever. Sim, eu sei j havia dito a si mesma milhares de vezes, mas tudo isso que tinha ace ito anos atrs tinha comeado a desmoronar ao enfrentar a dura realidade . Sei repetiu e, se Juhanah percebeu a insegurana de sua voz, no o demonstrou. Vamos, tem que se vestir. No vou disfarar-me avisou Kalila . No penso me vestir como se fosse parte de um harm s ara que os habitantes do Makaris fiquem satisfeitos. Claro que no a tranqilizou Juhanah . Alm do que no seria cmodo para viajar. Kalila ps-se a rir brandamente e a velha bab sorriu. Apesar do desespero que senti a aquela risada lhe tinha recordado quem era ela em realidade, ou quem tinha sid o. Era uma mulher que gostava de rir, desfrutar da vida e aproveitar ao mximo tod as as oportunidades que tinha. No era uma criatura assustada e no ia voltar a s-lo. Enquanto colocava umas calas largas de algodo e uma tnica da mesma cor verde clara, Juhanah foi comprovar que guardavam a bagagem adequadamente. Kalila olhou seu q uarto de infncia e se deu conta de que em poucos minutos teria que se despedir do palcio, do servio e logo depois de seu pai. Bahir assistiria s bodas, mas j no seria o mesmo. Quando sasse do palcio, abandonaria essa vida para sempre. A idia a entristeceu profundamente. Tinha crescido naquele lugar; tinha passado a li toda sua vida, pois a primeira vez que se afastou do palcio durante um tempo t inha sido ao partir a Cambridge. Que vida to diferente tinha tido ali! Compartilh ando o apartamento com outras garotas, saindo ao pub ou a comer uma pizza; toda diverso sem nenhum tipo de formalidade. Tinha a sensao de ser duas pessoas: a princesa e a mulher. A futura rainha e a gar ota moderna que s queria que a amassem. Nunca poderia ser feliz sendo duas pessoa s, nunca poderia ser ela mesma. Como ia sobreviver quando, alm disso, tivesse que confrontar um papel que lhe era to alheio como o de rainha e esposa? Como poderi a ser feliz? A imagem do Aarif apareceu de novo em sua mente, tentadora e traioeira. Tinha sid o feliz estando com ele. Meneou a cabea para negar aquela verdade proibida e saiu do quarto rapidamente. Da janela do corredor viu os cinco carros que aguardavam a porta do palcio para conduzi-la ao aeroporto, a ela e aos que foram despedir-s e dela. Era um verdadeiro desfile e ela era o elemento central. Kalila fechou os olhos e se agarrou com fora ao marco da janela. No posso faz-lo sussurrou, embora ali no houvesse ningum que a escutasse. Escutou-a s eu corao, que respondeu imediatamente. No vou faz-lo. O sol caa sobre o Aarif enquanto esperava no ptio do palcio a que chegasse Kalila. Uma brisa procedente do deserto aliviava ligeiramente o calor. Tinha levantado a o amanhecer, encarregando-se de todos os preparativos; no queria mais enganos. Tinha sido suficiente com o primeiro. Recordou a entrevista que tinha mantido com Bahir a noite anterior depois do jan tar. O rei tinha sido muito diplomtico, mas tinha deixado claramente a decepo que t inha provocado a ausncia de Zakari. Aarif lhe havia oferecido suas desculpas sem mostrar-se fraco, nem enfraquecer tampouco a posio de seu irmo. Perguntava-se se Ba hir no teria exagerado sua decepo para possivelmente utiliz-la mais adiante em uma p ossvel negociao. E Kalila? Sua mente voltou para jardim, ao aroma das rosas misturado com outro q ue havia sentido imediatamente e tinha adivinhado, e temido, que fosse o aroma d a princesa. Tinha-a visto ali sentada no banco, banhada pela luz da lua, e no tin

ha podido evitar que seus olhos se posassem naquele elegante pescoo. Havia sentido os delicados dedos entre os seus e no tinha querido deixar de toc-la . Era como um blsamo para ele; havia sentido que Kalila o compreendia. Que queria entend-lo. Mas o que tinha causado um maior efeito nele no tinha sido sua imagem nem seu toq ue, a no ser suas palavras, seu sorriso. Parece que lhe atacaram com uma cimitarra. Ningum falava nunca de sua cicatriz, ningum lhe pedia que recordasse. Ningum o faz ia sorrir. Exceto ela. Inexplicavelmente, Kalila tinha conseguido vencer suas de fesas sem sequer propor-se e isso fazia que ele se sentisse inquieto e contente. No. Sua mente deteve em seco aqueles pensamentos. O pescoo da Kalila no era assunto dele, nem seu aroma, nem o tato de seus dedos. No tinha que pensar nela, absolut amente. Era a futura esposa de seu irmo. Ele estava ali em representao de Zakari, para cump rir com a misso que este lhe tinha encomendado. E no ia falhar-lhe. Sentiu movimento na entrada do palcio e ato seguido viu sair Kalila. Seu pai ia d etrs, vestido com a mesma simplicidade que Aarif, com camisa de algodo branco e ca las pantalonas cor beje. Fazia muito calor para trajes mais formais e, por isso l he tinham contado, a celebrao que ia ter lugar no Makaris era um ato festivo e sem muita cerimnia. Kalila se aproximou dele com um sorriso nos lbios, mas Aarif no demorou em ver as sombras que tinha sob os olhos e em dar-se conta de que seu sorriso era possivel mente muito esttico. Era lgico que estivesse nervosa e, certamente, tambm um pouco insegura. Bom dia, Alteza. Prncipe Aarif respondeu ela com uma leve inclinao de cabea . Obrigada por ajudar com o preparativos. uma honra e um prazer. Depois das saudaes de rigor, ela baixou a voz. Obrigada pela conversa de ontem noite. Foi de grande ajuda. Aarif ficou frio, rgido. Possivelmente porque sabia que a conversa da noite anter ior no tinha sido uma conversa inocente Certamente seus pensamentos no o tinham sid o, nem tampouco o impulso de lhe agarrar a mo. Optou por assentir bruscamente e viu um brilho de decepo nos olhos de Kalila antes que assentisse tambm. Me diga disse ela uns segundos depois , o rei Zakari estar em Calista quando chegarm os? Cr que me estar esperando no aeroporto com um ramo de rosas? acrescentou em um tom evidentemente zombador. Acaso esperava um matrimnio por amor? Perguntou-se Aarif ao perceber a raiva que empapava suas palavras. Acaso era to ingnua? No merecia algo mais que um matrimnio arrumado? Estou seguro de que o rei Zakari estar encantado de voltar a v-la respondeu sem com prometer-se. Se o chamar, lhe diga que eu no gosto das rosas disse ela, quase rindo, mas sem po der ocultar sua tristeza . Prefiro os lrios. Aarif no respondeu e ela se apartou dignamente. Quo ltimo necessitava naqueles mome ntos era ter que fazer frente aos sentimentos feridos de uma princesa. Sem dvida ela sabia que aquilo era uma aliana entre dois pases e no um grande romance! Entret anto, era bvio que tinha albergado outro tipo de esperanas e estava defraudada, ti nha-o notado em sua voz a noite anterior... Apartou a mente do acontecido no jardim, da intimidade proibida que tinham compa rtilhado. Deveramos partir j disse aos criados em um tom mais brusco do necessrio. Queria acabar o quanto antes com aquele espetculo. Queria voltar para Calista, ao seu escritrio, e afastar-se das distraes e da tentao Voltou a pr freio a seus pensamentos. No ia pensar nisso. Nela. Ainda no tinham chegado ao centro de Makaris e a estrada j estava cheia de gente q ue queria saudar e felicitar princesa. Aarif viu o brao de Kalila aparecer pela j anela do carro no que viajava. Aceitava os ramos de flores e os cartes que lhe da va a multido, que sorria e lhe desejava o melhor.

A comitiva se deteve ao chegar a uma praa de edifcios de tijolo cru avermelhado, a li o rei Bahir desembarcou do primeiro carro acompanhado por vrios homens. Aarif olhou a seu redor com inquietao; a praa estava abarrotada e suja, era impossvel cont rolar a Kalila. Qualquer um poderia abord-la, poderia acontecer algo. Aarif sabia bem como rapidamente poderiam complicar as coisas. E ele seria o responsvel. Out ra vez. Abriu a porta de seu carro e se dirigiu a seu me ajudante. No se separe da Princesa. No a perca de vista em nenhum momento. Aarif se situou no centro da praa, enquanto as pessoas andavam para poder ver a f amlia real e conseguir saudar a princesa. Deixou-se um espao vazio para que algumas mulheres danassem ao ritmo da msica que i nterpretava um grupo de homens enfeitados com coloridas tnicas e turbantes. Era u ma melodia agradvel, mas unida ao bulcio do povo e dos postos de comida, provocou em Aarif uma incmoda sensao de alarme, de tenso. Havia muito em jogo e muitos perigos possveis. Comeavam a lhe suar as mos, e despre zou a si mesmo por ter medo. Procurou Kalila entre a multido e a encontrou observando o baile como se realment e captasse por completo sua ateno. Levava o cabelo recolhido em uma trana que lhe c aa pelas costas e a brisa fazia que a roupa lhe pegasse ao corpo, o que permitia adivinhar a suave curva de seu seio e de seus quadris. Aarif respirou fundo e ap artou o olhar dela. Agradeceu a distrao que lhe ofereceu um menino ao lhe puxar a manga da camisa para lhe pedir uma moeda. Aarif a deu e lhe sorriu. O baile chegou a seu fim e se encontrou de novo com os olhos cravados na princes a, que aplaudia e sorria. Falou uma com uma com todas as mulheres que tinham dana do, passava-lhes o brao pelos ombros como se fossem iguais. Amigas. Muito a seu pesar, Aarif admirou sua desenvoltura, seu aprumo. Sabia que estava nervosa e, entretanto, atuava com uma elegncia inata, como a princesa que era e a rainha em que muito em breve se converteria. A esposa de seu irmo. Deu-se meia volta para estudar multido em busca de algum perigo. O Rei quer que se rena com ele e com a Princesa lhe disse ao ouvido um dos homens de Bahir. Aarif no teve mais remdio que abrir espao entre o povo para chegar junto ao rei Bah ir e junto Kalila. Ela sorriu ao v-lo aproximar-se, mas tinha os olhos tristes e A arif sentiu que algo lhe encolhia por dentro. Queria faz-la sorrir. Em seguida ti rou a idia da cabea e optou por concentrar-se no seguinte baile, igual a ela. Finalmente acabaram as atuaes e se serviu a comida. Possivelmente depois disso pud essem dirigir-se ao aeroporto e, dali, a Calista, onde estariam a salvo. Aarif comeu um pouco de cada coisa para no ofender a ningum, embora estivesse muit o tenso para desfrutar de uns manjares surpreendentemente saborosos e variados. Assim que retiraram os pratos se reiniciaram os bailes; nada fazia pensar que a celebrao fosse a chegar logo a seu fim. Aarif tratou de controlar sua impacincia. E stava cansado, irritado e morto de calor. J levavam ali muito tempo, tinha chegad o o momento de fazer algo. Olhou a Bahir, que observava um enrgico baile executado por um grupo de homens. I nstintivamente, procurou a Kalila, mas no viu sua esbelta figura por nenhuma part e. Percorreu a praa inteira com o olhar em busca de sua brilhante trana, com a certez a de que se estava ali, v-la-ia. No estava. Soube imediatamente e foi como uma des carga que lhe percorreu o corpo inteiro. Foi-se. Sentiu uma pontada de medo e de raiva no estmago. Apertou a mandbula e fez caso omisso do olhar de Bahir porque no era a ele a quem queria ver, a no ser a Kalila. Precisava saber que estava a sal vo. Apartou-se e comeou a caminhar entre o povo procurando o rosto formoso e inocente que tinha visto no jardim a noite anterior. Onde estava? De repente distinguiu ao homem ao que tinha encarregado que no a perdesse de vist a. Onde est a Princesa? perguntou bruscamente. Entrou na igreja para se refugiar do calor e do sol. Pensei que no haveria nenhum

problema Aarif amaldioou entre dentes. Olhou a seu redor at divisar o templo, uma antiga ig reja de estilo bizantino, para onde ps-se a correr imediatamente. A porta estava entreaberta. O ar era fresco e tranquilo no interior. Encontrou Kalila sentada em um dos bancos, de costas para a porta. Havia algo em sua posio, a rigidez das costas e a triste inclinao da cabea, que fez que Aarif se detivesse. Respirou fundo e esperou a que amainasse a fria que se deu conta dele sem motivo. De forma exagerada. que por um momento tinha pensado tinha recordado Ele limpou garganta para advertir a Kalila de sua presena. Veio me buscar? perguntou-lhe com voz suave. Aarif deu um passo para ela. Queria saber onde estava. Necessitava um pouco de ar fez uma pausa . Sempre gostei muito deste lugar. Meus pa is se casaram aqui. Este templo tem mais de mil anos olhou a seu redor e suspiro u . Sobreviveu s invases dos berebers, dos turcos, dos otomanos No cr que tem mrito ma r a identidade prpria em meio de tantas mudanas? Como o tem feito seu pas, sim reconheceu ele, levando a conversao para um terreno me nos pessoal . Conheo bem a histria do Zaraq; nosso vizinho. Quando todos os reinos s ucumbiam s invases, s este sobrevivia. Sim, porque no tnhamos nada que algum quisesse disse ela rindo com cinismo . pouco ma s que um pedao de deserto habitado por um povo disposto a morrer por sua triste t erra. lgico que sobrevivssemos, ao menos at que chegaram os franceses e se deram co nta de que baixo destas ridas terras havia nquel e cobre. A independncia do Zaraq algo do que devem estar orgulhosos assegurou Aarif e viu c omo ela apertava os punhos. Assim respondeu com firmeza e segurana . Alegro-me de que saiba apreci-lo. Aarif titubeou. Percebia sua tenso e algo mais, um pouco mais intenso que no sabia identificar. Recordou a si mesmo que ao cabo de menos de uma hora estariam a bordo de um avio, a caminho da Calista, onde Kalila se afastaria dele para sempre. A idia deveria lhe haver servido de consolo; entretanto, o que lhe provocou foi uma dolorosa se nsao de perda. A celebrao esteve muito boa. Princesa lhe disse , mas agora deveramos ir. tarde e par ce que se aproxima uma tormenta. J sabe quo perigosas podem chegar a resultar no d eserto. Cr que ter que atrasar o vo? perguntou ela com aparente interesse. No se partimos logo. Viu-a duvidar e sentiu o impulso de estreit-la em seus braos. Queria repreend-la, l he dizer que deixasse de sentir lstima de si mesma, mas tambm desejava consol-la e aspirar o aroma de seu cabelo Lamento ter perturbado sua tranquilidade se apressou a dizer bruscamente, irritad o consigo mesmo , mas devemos cumprir com nossa obrigao - isso era algo que sempre teriam que fazer, por difcil que resultasse s vezes. De acordo disse ela por fim, com repentina determinao e cravou seu olhar nele . Aarif comeou a dizer ao tempo que ficava em p , sinto muito qualquer molstia que lhe tenha causado. Ps-lhe a mo no brao, tinha os dedos frios e, entretanto, Aarif sentiu que seu toque lhe queimava a pele. Resistiu a tentao de pr a mo em cima da dela, de entrelaar os d edos com os seus uma vez mais. No me causou nenhuma molstia assegurou uma vez superadas a surpresa e a tentao, e dep ois se apartou brandamente. Ela sorriu como se no lhe acreditasse e inclusive meneou a cabea ligeiramente ante s de dirigir-se porta para abandonar o frescor da igreja. Na praa, a celebrao parecia estar concluindo, mas Aarif se alegrou de que ningum par ecesse haver-se precavido de sua ausncia e da de Kalila, embora Bahir os olhasse rapidamente antes de despedir-se de sua filha diante da multido. Enquanto eles se dirigiam ao aeroporto ele voltaria para palcio. Kalila recebeu os dois beijos de despedida de seu pai com dignidade e logo se me teu no carro. Aarif respirou fundo quando viu que se fechavam as portas do veculo e que por fim podiam por-se a caminho. J nada podia sair mal.

Os carros saram lentamente do centro da cidade e se incorporaram estrada que cond uzia ao aeroporto, situado a s dez quilmetros de distncia, mas Aarif se fixou em um a mancha escura que havia no horizonte. Pouco depois se confirmaram seus temores quando os carros se detiveram em seco. Aarif baixou a janela e olhou ao exterio r, mas a nuvem de p no lhe permitia ver nada. Depois de um minuto, Aarif desceu do carro e foi at o da princesa. Chamou a uma janela e esperou at que apareceu depois do vidro a velha criada que acompanhava Kalila. Est bem a princesa? perguntou . Sabe por que nos detivemos? Encontrava-se mal disse a mulher . Necessitava um momento de privacidade Um escuro pressentimento se apoderou da mente do Aarif. Recordou a conversa que tinha mantido com Kalila na igreja; tinha falado de independncia e lhe tinha pedi do desculpas por qualquer molstia O mau pressentimento no fez a no ser intensificarse. Onde est? perguntou, e tratou de ter pacincia ao ver o gesto ofendido da criada . Es te lugar no seguro. A princesa no est a salvo aqui. Levantou o olhar e comprovou que a mancha do horizonte se fazia cada vez mais es curo e maior. Estavam j a menos de cinco quilmetros de Makaris, no meio do deserto ; no havia nada em quilmetros ao redor exceto pedras e alguma palmeira. A criada titubeou enquanto a impacincia do Aarif aumentava. Est por a respondeu por fim, assinalando um grupo de rochas situado a uns vinte met ros do carro. Um lugar perfeito para esconder-se. Aarif foi para ali com o corpo em tenso. No compreendia por que estava to zangado e to assustado. Possivelmente fora certo que Kalila precisava estar em privado um momento, possivelmente se encontrava mal. Possivelmente tinha sido tudo produto de sua imaginao, de suas paranias. De suas lembranas. Mas o instinto lhe dizia algo muito diferente; sentia um estranho palpitar na ca bea, no corao. Algo ia mal. Sempre saa algo mal. Claro que se realmente no se encontrava bem, no seria adequado interromp-la. Mas se estava em perigo, ou algo pior O que podia ser pior que o perigo? Soube ao rodear a rocha maior. Compreendeu ento esse estranho temor que tinha sur gido dentro dele quando Kalila lhe tinha pedido desculpas na igreja, ou possivel mente inclusive antes disso, quando a tinha ouvido suspirar com tanta tristeza n o jardim. Porque detrs das rochas no havia nada, ela no estava. Em troca, ao longe, cavalgand o para a tormenta, divisou uma figura a cavalo. Kalila tinha fugido.

Quatro Kalila sabia bem aonde ia. Isso foi o que a impulsionou a seguir enquanto o vent o lhe golpeava o rosto e a areia do deserto lhe entrava nos olhos. Imaginou o qu e estaria acontecendo, o caos que estalaria quando se dessem conta de que partiu , e se sentiu culpada. O que faria Aarif ao descobrir que no estava? Apesar do pouco que o conhecia, Kal

ila sabia instintivamente o que faria o prncipe do deserto. Iria atrs dela. Apertou as rdeas com fora ao pensar em tal possibilidade. No tinha sido nada fcil or ganizar aquela fuga, o plano lhe tinha ocorrido essa mesma manh ao olhar ao ptio e ver toda sua vida metida em caixas. Deu-se conta ento de que no podia faz-lo. No po deria viajar a Calista para casar-se com um homem ao qual no amava, ao qual nem s equer conhecia. Mas enquanto cavalgava para o escuro horizonte, para um futuro incerto, soube qu e aquela liberdade no poderia durar sempre. No podia viver no deserto como um nmade ; Aarif a encontraria e, se no o fizesse ele, f-lo-ia outro. Entretanto seguiu cavalgando, certamente por medo. O medo fazia que se sentisse infeliz, aturdida e se desesperava. Estava disposta a qualquer coisa por arrisca da, estpida, desconsiderada ou egosta que fosse. Assim seguiu adiante, rumo ao nico lugar no qual sabia que estaria a salvo , ao men os durante um tempo. A dois quilmetros de distncia, Aarif cobriu a cabea com um turbante para proteger-s e do p. Como demnio lhe ocorria cavalgar com aquele tempo? Tinha-a avisado de que se aproximava uma tormenta e sem dvida ela conhecia os perigos que isso implicava , pois tinha nascido no deserto. Isso queria dizer que ou era estpida ou estava desesperada. No importava, o caso era que tinha que encontr-la. J tinha ordenado que lhe levasse m um cavalo e provises. Devemos avisar ao rei Bahir! disse um dos ajudantes do rei . Ele organizar uma equipe de busca No h tempo para isso respondeu Aarif com o olhar fixo no cu . Ter que encontrar Prin a o mais cedo possvel. Vou eu sozinho viu o olhar daquele homem, lhe advertindo de que no era correto que fizesse tal coisa . Estamos em circunstncias extremas explic ou . Se no encontramos princesa, todos tero que enfrentar as conseqncias includo ele ensou em Zakari, em Bahir, nos pases e nas famlias que dependiam de que ele levass e Kalila a Calista. Alteza! gritou outro homem . Aqui est o cavalo, com gua, po e um pouco de carne. No pud mos conseguir nada mais em to pouco tempo Muito bem disse enquanto colocava a tnica thobe para proteger sua roupa do sol e d a areia. Depois calou umas botas e subiu ao cavalo . Vo ao aeroporto e refugiem-se a li at que passe a tormenta. No avisem ao Rei esboou um tenso sorriso . melhor no pre cup-lo sem motivo. O homem assentiu com visvel reticncia. Aarif fez girar ao cavalo e comeou a galopar abaixo da tormenta; o vento golpeava a fina pele que no tinha ficado coberta pelo turbante. Aarif sabia que a situao po dia piorar e certamente o faria. Dentro de uma ou duas horas no teria nenhuma vis ibilidade e os ventos de mais de cento e cinquenta quilmetros por hora poderiam r esultar mortais. Para Kalila e para ele, mas o que lhe preocupava era a princesa ; j fazia muito tempo que sua prpria vida carecia de valor para ele, mas se no cons eguisse levar a princesa a Calista, se ela morria estando sob sua responsabilida de Apertou a vista, desterrando essa idia, esse temor, de sua mente para que no lhe n ublasse a razo. Precisava ter a cabea limpa e alerta. O cavalo no se movia bem naquele terreno desconhecido; era um animal de cidade e lhe dava medo o vento. Aarif, que sempre era amvel com os animais, tirou o chapu a pertando as rdeas entre as mos e a ponto de gritar ao pobre cavalo, como se pudess e compreend-lo, como se isso fosse servir de algo. Onde estava Kalila? Obrigou a si mesmo a raciocinar. Tinha podido escapar porque tinha um cavalo esperando-a depois das rochas, o que queria dizer que algum a ti nha ajudado. Se tinha idealizado um plano, teria tambm provises embora certamente no muitas, possivelmente o que tinha ele, um pouco de gua, um pouco de comida e um a manta. Era uma mulher muito inteligente, de modo que certamente sabia aonde ia , um lugar onde poderia refugiar-se da tormenta, a tormenta da que ele a tinha a visado. Mas onde? Deteve o cavalo para olhar bem ao horizonte uma vez mais. Apenas podia ver o per fil das rochas e das dunas, as formas cambiantes do deserto. No divisava nenhum l

ugar que pudesse servir de refgio, mas teria que investigar at a ltima rocha e a lti ma duna. Era seu dever. Seu dever. No ia faltar a seu dever; levava anos repetindo-lhe, mas de repente se perguntou quando no tinha falhado. Meneou a cabea com frustrao, odiando a si mesmo po r ser to fraco e, entretanto, no pde deixar de pensar, de recordar. Se no tivesse ido se no houvesse dito que Zafir podia lhe acompanhar se no tivesse esc orregado . Se, se, se. Malditas hipteses que nunca se cumpririam e que, mesmo assim, seguiam atormentando-o. seu irmo seguiria com vida. Aarif amaldioou com fria, as palavras saram de sua garganta e se perderam no vento. O cavalo relinchou lastimosamente, encontrava-se j ao limite de suas foras. E ento o viu. Um ponto cinza no horizonte, mais escuro que a areia e as nuvens. E ram rochas, vrias rochas juntas que sem dvida proporcionariam um bom refgio. Teve a certeza de que Kalila se dirigia para aquelas rochas. Possivelmente j estivesse ali; devia conhecer de antemo aquele lugar. Imaginou preparando o pequeno acampamento, acreditando-se a salvo, satisfeita po r hav-los enganado a todos, includo ele, por ter jogado com suas vidas, com o cdigo de honra de Aarif Amaldioou de novo e galopou para o horizonte to rpido como lhe permitia o cavalo. Fazia meses, possivelmente anos, que no cavalgava to depressa e com tanta fria. Doalhe todo o corpo, mas tambm a cabea e o corao, que pulsava com desespero e com uma t risteza que fez que Kalila se perguntasse por que tinha feito semelhante estupid ez. Apartou aquele pensamento de sua mente, no podia permitir-se ter dvidas. No pod ia permitir-se sentir pena de si mesma. Aarif estava certo quando a tinha avisado do perigo da tormenta. O siroco soprav a com fora, assim dispunha de apenas meia hora para ficar a coberto, salvar a si mesma e a seu cavalo. Animou gua. As Sabr, para que continuasse avanando para aque la enorme rocha saliente sob a qual havia o espao suficiente para uma tenda de ca mpanha e um cavalo. Seu pai a tinha levado a acampar ali quando era criana; estava a uns doze quilmetr os do palcio e at mais perto de Makaris, mas com aquele vento parecia bem mais qu e cem quilmetros. Uma vez ali, Kalila colocou mos obra rapidamente. Tinha que montar a tenda; era p equena, mas suficiente para duas pessoas. Duas pessoas. Kalila ficou gelada ao pens-lo. Se Aarif fosse atrs dela se a encontr asse No, era impossvel. Ele no tinha a menor idia para onde se dirigia, nem conhecia aque le deserto; possivelmente nem sequer tivesse ido em sua busca. Se o tivesse feit o, certamente teria dado meia volta ao encontrar-se com a tormenta e esperaria q ue o tempo melhorasse. Qualquer homem sensato teria feito isso, mas Aarif no parecia um homem sensato. Recordou de novo seu olhar e lhe acelerou o co rao ao pensar que, mais que sensatez, o que caracterizava Aarif era sua determinao. O que faria ela se a encontrava? E ele? Deixou de pensar nisso e se concentrou na tarefa que tinha em mos. No havia tempo para hiptese, devia atuar. O vento soprava cada vez com mais fora, por isso demorou mais do que o de costume em montar a tenda. Ficou furiosa consigo mesma por sua prpria estupidez e seu ne rvosismo. Tinha montado aquela tenda mais de uma dzia de vezes e, entretanto, tin ha a sensao de que era a primeira; lhe escorriam as mos, doam-lhe os msculos e os oss os, picavam-lhe os olhos e tinha a boca seca. E o corao acelerado. Por fim conseguiu montar a tenda e pde colocar dentro os alforjes com comida, man tas e gua. Cobriu gua com uma manta e a aproximou o mais possvel rocha para que est ivesse mais protegida. Depois se deu a volta para meter-se na tenda e ficou gelada. Ali, a s dez metros de distncia, havia um homem. Ia coberto com um turbante e uma tnica, s lhe viam os olhos. Parecia um heri, ou possivelmente um vilo, sado de um conto de fadas rabe. Kalila soube imediatamente que era Aarif. Tinha-a encontrado. Ficou ali imvel, petrificada, perguntando-se o que ocorreria a seguir. De repente se deu conta de vrias coisas. Aarif parecia furioso, ela tambm estava , mas havia a lgo mais, sentia algo mais. Uma estranha sensao de alvio.

Tinha ido em sua busca. Dava-lhe vergonha admiti-lo inclusive a si mesma, mas tinha desejado que a encon trasse. Tirou de sua mente aquela idia traioeira assim que o viu descer do cavalo. S podia lhe ver os olhos, aqueles olhos escuros, brilhantes e furiosos. Deixou o cavalo junto ao dela. Ela no se moveu. Aonde ia? J tinha tratado de fugir e ele a tinha encontrado. Observou-o enquan