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urbnistico

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  • Vazi os urbanos e

    funo social da propriedade

    Adauto L. Cardoso*

    IPPUR/UFRJ

    * Arquiteto, doutor em arquitetura e urbanismo pela FAU-USP, professor e diretor do IPPUR/UFRJ,

    pesquisador do Observatrio das Metrpoles.

    4

  • avaliava que haveria um conflito entre os proprietrios

    fundirios (especuladores) interessados em maximizar a

    valorizao de suas terras e o setor da construo civil

    que, tendo seu lucro baseado na atividade produtiva,

    necessitaria da ampliao da oferta de terra para

    viabilizar a sua produo. No entanto, como mostraram

    pesquisas desenvolvidas nos anos 80, os capitais

    envolvidos na produo de moradias tinham o lucro

    sobre as operaes fundirias (e no sobre a atividade

    construtiva) como o componente central do lucro

    imobilirio. Assim, no havia interesse, pelo lado do

    capital, no controle sobre os processos especulativos que,

    como ficou claro durante os anos em que o BNH foi o

    responsvel pela conduo da poltica habitacional,

    foram alimentados pelas atividades de produo

    habitacional capitalista e pelo financiamento pblico.

    Segundo SILVA (1999:2):

    As hipteses sobre a relao entre um controle dos vazios

    e a maior oferta habitacional no esto apoiadas em

    anlises suficientemente comprovadas. Pelo contrrio,

    sabe-se que, no perodo marcado pelos financiamentos

    do SFH, a atividade imobiliria obteve lucros

    extraordinrios, possibilitados pela especulao com os

    terrenos utilizados e o descontrole dos valores

    financiados. No havia controle sobre os valores de

    repasse dos terrenos vinculados aos financiamentos

    habitacionais e sobre a percentagem por eles

    representada no custo dos empreendimentos.

    Histrico

    O debate sobre os vazios urbanos aparece no Brasil na

    dcada de 70, quando anlises sobre o processo de 1

    urbanizao capitalista mostravam como as cidades

    cresciam em direo s suas periferias, deixando nos

    interstcios desse crescimento terrenos vagos, mantidos

    fora de mercado espera da valorizao imobiliria.

    Documentos de planejamento da poca mostravam que

    cerca de 40% da mancha urbana da Grande So Paulo 2

    seria composto de reas vazias . Essa forma de

    especulao estava associada s formas de interveno do

    Estado no urbano, que seguiam (e no precediam) o

    parcelamento e a ocupao do solo. Ao instalar as infra-

    estruturas necessrias s reas mais perifricas, j

    ocupadas, o poder pblico acabava por valorizar

    indiscriminadamente as terras vazias que haviam

    permanecido entre as reas mais centrais e a fronteira da

    expanso urbana. Esse processo era apontado como

    disfuncional ou perverso, a partir de 3 argumentos:

    porque mantinha artificialmente grandes extenses

    de terra fora do mercado, pressionando para cima o preo

    dos terrenos em oferta;

    porque implicava em um maior custo de investimento 3

    para a instalao das infra-estruturas nas reas

    efetivamente ocupadas;

    porque o investimento pblico em infra-estrutura

    resultava na valorizao de reas privadas.

    Na dcada de 70, como tentativa de resposta a essa

    avaliao, o Conselho Nacional de Desenvolvimento

    Urbano (CNDU) incluiu, entre os novos instrumentos

    propostos no projeto de lei de desenvolvimento urbano, o

    IPTU progressivo, a ser aplicado sobre os terrenos vazios.

    importante, no entanto, recordar que, na poca, o CNDU

    1

    Conforme, entre outros, SINGER (1977).2

    SILVA (1999)3

    J que as terras efetivamente ocupadas ficavam mais distantes das

    reas centrais e infra-estruturadas.

    5

    Proposta n 116-

  • apresentava 25% de lotes vazios, em relao ao total de

    rea de quadras. Esse percentual se reduz, em 1997, para

    17%. Os nmeros analisados mostram, ainda, uma

    utilizao mais intensa das grandes glebas para a

    realizao de empreendimentos de maior porte, em

    substituio s prticas mais tradicionais de

    remembramento de terrenos menores (construdos ou

    no). Analisando as prticas da incorporao imobiliria

    em So Paulo na dcada de 90, SILVA (1999) mostra que

    A ocupao dos vazios urbanos pelo mercado formal

    mesmo os situados nos anis intermedirio e perifrico

    no tem significado uma ampliao do atendimento s

    faixas de menor renda. Como regra geral, o

    preenchimento de vazios pelo mercado se faz com

    construes de padro (e preo) superior ao dos bairros,

    influindo na valorizao geral. A soluo habitacional

    para a populao mais pobre se d cada vez mais por

    superocupao de lotes j existentes e das favelas.

    Por outro lado, a ocupao de vazios com novos

    conjuntos para classe mdia ocorre paralelamente ao

    esvaziamento de edifcios em bom estado nas reas mais

    bem dotadas de infra-estrutura e servios.

    Pode-se concluir, da leitura das observaes acima, que o

    mercado, pelo menos no caso de So Paulo, a partir de

    um certo patamar de expanso perifrica, passou a

    ocupar os vazios, aproveitando-se das glebas maiores

    para viabilizar empreendimentos de maior porte, em

    operaes imobilirias estruturadas sobre estratgias de

    sobrevalorizao a partir da transformao social 4

    (elitizao) das reas em que atua . Isso pode significar,

    por um lado, que eventuais prticas especulativas de

    reteno de terras pelos proprietrios foram bem

    sucedidas, mas pode significar tambm que parcela dessa

    valorizao foi apropriada pelos capitais imobilirios.

    Outra conseqncia importante que, com isso,

    reduziram-se os vazios passveis de ocupao para

    viabilizar polticas de ampliao do acesso terra para as

    camadas de baixa renda.

    Como j anuncia a citao acima, alm da ocupao de

    terrenos vazios, o processo de desenvolvimento urbano

    na maioria das grandes cidades brasileiras nas ltimas

    dcadas foi marcado pelo deslocamento dos centros

    tradicionais e pelo surgimento de novas centralidades.

    Com isso o mercado imobilirio abriu novas fronteiras de

    valorizao, principalmente nos setores de escritrio e de

    Paralelamente, a prpria demanda causada pela

    abundncia de financiamento habitacional determinou

    fortemente a alta de preos fundirios. Mas nada indica

    que a produo com recursos do SFH poderia ter sido

    maior ou de menor preo, se tivesse contado com

    instrumentos para aumentar a oferta de terrenos vazios.

    Por outro lado, o setor imobilirio, amplamente favorecido

    pela poltica do BNH, no utilizou seu poder para fazer

    aprovar instrumentos contra a reteno de terrenos,

    demonstrando no necessitar deles.

    A partir do debate instaurado pela proposta formulada

    pelo CNDU, o tema chegou at Constituio de 1988,

    que reconheceu formalmente a funo social da

    propriedade. Esse tema foi ampliado pelo Estatuto das

    Cidades (2001) que definiu as diretrizes gerais para a

    poltica urbana, incluindo, entre outros, a

    garantia do direito a cidades sustentveis, entendido

    como o direito terra urbana, moradia, ao saneamento

    ambiental, infra-estrutura urbana, ao transporte e aos

    servios pblicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes

    e futuras geraes;

    a ordenao e controle do uso do solo, de forma a evitar

    (...) a reteno especulativa de imvel urbano, que resulte

    na sua subutilizao ou no utilizao; (...) a justa

    distribuio dos benefcios e nus decorrentes do processo

    de urbanizao; (...) a recuperao dos investimentos do

    Poder Pblico de que tenha resultado a valorizao de

    imveis urbanos.

    Existe, portanto, reconhecimento legal da condenao s

    prticas especulativas, que mantm margem do

    desenvolvimento urbano reas espera de valorizao. O

    texto da Constituio, no entanto, vai alm das

    consideraes vigentes na poca do CNDU ao articular

    explicitamente a utilizao da terra ao benefcio social, ou

    seja, afirmando que no se trata apenas de ocupar a terra

    vazia, ou de buscar alternativas para viabilizar o mercado,

    mas sim de dar substncia sua funo social atravs da

    oferta de moradias populares ou de servios e

    equipamentos a elas destinados, garantindo assim o

    direito moradia e s cidades sustentveis.

    Todavia, durante o longo perodo de maturao deste

    debate, desde a proposta do CNDU at a promulgao do

    Estatuto das Cidades, muita coisa mudou nas cidades

    brasileiras. Uma dessas mudanas foi o progressivo

    adensamento da malha, com ocupao dos lotes vazios,

    ao mesmo tempo em que o ritmo acelerado que a

    ocupao perifrica havia apresentado nos anos 60 e 70

    arrefeceu. SILVA mostra que, em 1989, So Paulo 4

    Para uma discusso mais aprofundada sobre as estratgias de buscas

    de sobrelucros praticadas pelo capital imobilirio, ver RIBEIRO (1997).

    6

    Revista Trimestral de Debate da FASE

  • lojas, mas tambm no setor de empreendimentos 5

    residenciais para as classes alta e mdia . A produo

    desses novos espaos, muitas vezes amparada em

    intervenes do Estado, deixou para trs um conjunto de

    territrios sub-ocupados, ou que passam a ser

    predominantemente ocupados por populaes de baixa

    renda, seja atravs de atividades econmicas de cunho

    popular, seja atravs de processos de encortiamento dos

    prdios existentes. Esses territrios logo vm a ser

    denominados como degradados, o que corresponde, em

    parte, ao abandono a que so relegados os prdios

    desocupados, que passam a no contar mais com

    investimentos de manuteno pelos seus proprietrios,

    mas que tambm corresponde a uma viso negativa sobre

    a populao que comea a usar preferencialmente este

    territrio. A resposta do poder pblico a esse processo, se

    d atravs de um conjunto de intervenes que passaram

    a ser denominadas como revitalizao, regenerao,

    reabilitao ou requalificao urbanas. importante

    refletir um pouco sobre essas denominaes.

    6

    Revitalizao, segundo o dicionrio , significa dar nova

    vida a; revigorar; vitalizar. Ou seja, trata-se de levar vida

    (ou vigor) a algo morto ou sem fora. Requalificar significa

    trazer de volta qualidades perdidas. Qualidade

    propriedade, atributo ou condio das coisas ou das

    pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes

    determinar a natureza, ou seja, algo que define a

    peculiaridade de cada coisa. Ou ainda, dote, dom,

    virtude. Tratar-se-ia, nesse caso, portanto, de recuperar a

    peculiaridade de cada territrio ou de recuperar as suas

    caractersticas mais positivas (dotes, dons ou virtudes).

    Reabilitao significa recobramento de crdito, de

    estima, ou do bom conceito perante a sociedade, ou

    restaurao normalidade, ou ao mais prximo possvel

    dela, de forma e de funo alteradas por algum tipo de

    leso ou ainda, j incorporando o seu sentido

    urbanstico, o conjunto de medidas que visam a restituir a

    um imvel ou a um complexo urbanstico a capacidade de

    utilizao. Capacidade de utilizao que pressuporia uma

    restaurao de um bom conceito perante a sociedade ou a

    recuperao da normalidade do que foi lesionado.

    Todas essas definies trazem implicaes simblicas que

    no devem ser desconsideradas. Os espaos objeto de

    interveno so vistos como mortos, sem vigor, sem

    identidade, sem virtudes, mal vistos pela sociedade,

    anormais ou subnormais. No por acaso, essas reas so

    tratadas como degradadas ou abandonadas. Cabe,

    nesse sentido, uma reflexo sobre o que eram essas reas

    renovadas, revitalizadas, requalificadas ou reabilitadas,

    antes da sua interveno e qual o resultado desse

    processo.

    Reabilitao urbana em reas centrais

    o debate internacional

    O debate sobre a experincia internacional de

    reabilitao urbana das reas centrais marcado pela 7

    questo do enobrecimento (gentrification) . Trata-se da

    substituio da populao residente ou que utilizava uma

    determinada rea da cidade, a partir de intervenes do

    mercado ou do poder pblico. Ressalta-se que, nos pases

    centrais, com a nova atratividade exercida pelas

    edificaes antigas existentes nas reas centrais e que

    eram, em muitos casos, moradia de camadas sociais mais

    pobres, as novas camadas superiores passaram a procurar

    e valorizar estes espaos, provocando a expulso dos mais

    pobres.

    A transformao da rea central de Nova Iorque 8

    paradigmtica . Ela tem incio nos anos 60, com a

    ocupao de reas industriais decadentes na regio do

    Soho - os lofts - por artistas em busca de espao, baixos

    aluguis, moradia junto ao trabalho etc. Conforme

    cresceu o nmero de artistas, cresceu tambm

    proporcionalmente o de bares e cafs, gerando um

    processo que acentuou a expulso da pequena indstria,

    distribuidores e atacadistas remanescentes. Esse processo

    gera ainda um progressivo aumento nos preos de

    aluguis e uma revalorizao simblica da rea, levando

    a que seja objeto de uma nova demanda nos anos 80: a

    dos yuppies.

    Outra rea, ainda em Nova Iorque, objeto de renovao,

    o Upper West Side. Espao ocupado por imigrantes

    porto-riquenhos aps a segunda Guerra Mundial,

    objeto de investimentos pblicos nos anos 60, para

    ocupao por famlias de baixa e mdia renda. Nos anos

    80, a rea demandada pelos novos profissionais,

    tambm atrados pela revalorizao simblica do espao

    construdo - brownhouses e rowhouses - e pela

    proximidade ao local de trabalho.

    O caso do Lower East Side tambm significativo.

    Habitado por hippies e esquerdistas nos anos 60 e por

    traficantes na dcada seguinte, incorporado na grande

    estratgia de transformao de Manhattan orquestrada

    pelos grupos imobilirios e financiada pela prefeitura da

    7

    Ver SMITH (2006).

    8

    WALLOCK (1993).

    7

    Proposta n 116-

  • Uma avaliao mostra que, em 2000, havia 14 prdios

    ocupados na rea central de So Paulo, abrigando cerca

    de 2.000 famlias. Esse nmero sempre mutvel, j que

    muitas das ocupaes so desalojadas por despejos 11

    judiciais. Existem casos de resistncia mais duradoura e

    de ocupaes que conseguiram conquistar a

    regularizao e financiamento para obras de adequao

    dos prdios ocupados s necessidades das famlias

    residentes.

    O movimento comeou em So Paulo, a partir da

    ocupao de prdios e da luta da populao residente em

    cortios nas reas centrais contra a remoo. Segundo

    BARBOSA e PITA (s/ data) a primeira ocupao da

    Alameda Nothman (Casaro dos Santos Dumont) foi em

    1983 e em 1986, ainda na administrao Jnio Quadros,

    centenas de famlias encortiadas foram removidas do

    Monumento dos Arcos na Avenida 23 de Maio de So

    Paulo, apesar da resistncia. A partir da, segundo

    BARBOSA e PITA (s/ data):

    Em 15 de junho de 1991 a Arquidiocese de So Paulo

    organizou o primeiro encontro de Cortios da Pastoral da

    Moradia, deste Encontro surge o MUC - Movimento

    Unificado de Cortios com apoio do Centro Gaspar

    Garcia de Direitos Humanos. Este movimento se

    transforma na ULC - Unificao das Lutas de Cortios

    matriz de todos os movimentos de moradia da regio

    central: Movimento de Moradia do Centro - MMC

    Frum de Cortios e Sem teto de So Paulo Movimento

    Sem Teto do Centro - MSTC.

    A luta pela habitao popular no centro de So Paulo

    ganhou fora com os projetos desenvolvidos durante a

    gesto de Luiza Erundina na Prefeitura. Estes projetos

    instauraram uma nova maneira de pensar o cortio, a

    9

    cidade, nos anos 80 . Transformada em East Village, a

    rea concentrou alto nmero de galerias de arte, clubes

    noturnos e restaurantes, atraindo assim uma demanda de

    outro tipo.

    Os exemplos acima citados, que poderiam ser

    reproduzidos tambm para outras cidades, denotam

    algumas tendncias bsicas. A renovao de reas centrais

    se d pela substituio de reas industriais, afetadas pela 10

    reestruturao econmica , por moradias, atravs de uma

    transformao de uso e de uma converso espacial que

    gera uma requalificao simblica de toda a rea. Este

    mesmo processo pode se dar com a remoo induzida ou

    espontnea de populaes empobrecidas, moradoras de

    reas residenciais antigas. Essa transformao, todavia,

    tem dois pressupostos: uma interveno pblica e uma

    requalificao simblica destes espaos. A renovao das

    docklands, em Londres, ou de Battery Park, em Nova

    Iorque, sintetiza estes dois pressupostos.

    Alm das reas centrais, outros bairros passam tambm

    por importantes modificaes a partir das mudanas que

    se operam na estruturao econmica das cidades, com o

    deslocamento ou a perda de funes industriais e o

    conseqente abandono de galpes e outras construes

    de mesmo tipo. Tambm a essas reas so aplicadas as

    denominaes acima descritas.

    A nomeao desses espaos de moradia popular ou de

    atividades que envolvem trabalho manual ou de baixa

    qualificao como degradadas, mortas, sem

    vigor, sem identidade, sem virtudes, mal vistas pela

    sociedade, anormais ou subnormais, contm um trao

    de preconceito contra o que popular e traduz, na

    verdade com preciso, o projeto de enobrecimento que

    implica a expulso dos antigos moradores e sua

    substituio pelas novas elites ou pelas atividades de

    consumo por elas valorizadas galerias de arte, cafs,

    livrarias, etc. exemplo sintomtico desse processo, no

    caso brasileiro, a renovao da rea do Pelourinho, em

    Salvador (GOMES, 19950).

    As ocupaes e luta pela moradia

    No entanto, outra mudana importante ocorre tambm

    nas cidades brasileiras, principalmente a partir da dcada

    de 90, que veio requalificar o debate sobre vazios e sobre

    a degradao dos centros. Trata-se do movimento de

    ocupao de prdios em reas centrais, que trouxe para o

    centro o debate sobre a ausncia de moradia e sobre os

    problemas recorrentes da habitao perifrica.

    9

    Sobre a estratgia de transformao de Nova Iorque em uma cidade

    global, a partir da transformao da rea central pela produo de

    novos espaos de escritrios e habitao de luxo, ver tambm Ficht, R.

    (1993).

    10

    FITCH (1993) sugere que a decadncia industrial no apenas fruto

    da reestruturao econmica, mas tambm resultado da falta de apoio

    institucional e governamental a processos de modernizao desse parque

    industrial, como sinal da opo pelo modelo de desenvolvimento

    imobilirio ancorado em lanamentos comerciais e residenciais de alta

    renda.

    11

    No Rio, um dos exemplos mais bem sucedidos o da ocupao

    Chiquinha Gonzaga, na Central do Brasil, que completou dois anos no

    ltimo dia 23. No local, no endereo de um prdio pertencente ao

    Incra, esto abrigadas 68 famlias, lutando para obter legalmente a

    cesso do imvel. Outro exemplo a ocupao Zumbi dos Palmares, na

    Praa Mau, ocorrida em 2005.

    8

    Revista Trimestral de Debate da FASE

  • partir do princpio da manuteno daquela populao na

    rea central, com garantia, por outro lado, de melhoria

    significativa das condies de habitabilidade dos prdios.

    O programa de regularizao e melhoramentos de cortios

    desenvolvido em So Paulo virou modelo para o Brasil.

    Uma iniciativa semelhante, porm de menor escala, foi 12

    desenvolvida no Rio de Janeiro .

    A partir da criao dos movimentos e seu fortalecimento

    durante a gesto Erundina, as prticas de ocupao de

    prdios ganham fora, trazendo para a agenda pblica a

    questo da carncia de moradia e do enorme desperdcio

    social representado pelo parque imobilirio sem utilizao

    na rea central. O movimento, nascido em So Paulo, logo

    se expande para outras cidades do pas:

    A ocupao do prdio do INSS em 2001 em Recife, a

    ocupao do prdio do Hospital Crdio - Minas em Belo

    Horizonte em 2003, a ocupao do prdio do INSS em

    Porto Alegre em 2005, as ocupaes dos Sem Teto do Rio

    de Janeiro, as aes de resistncia dos moradores na

    restaurao do Pelourinho em Salvador, e a luta contra os

    despejos em Alcntara e So Luis, so alguns exemplos de

    como esta luta no apenas local, pode at sob alguns

    aspectos ter sua matriz organizativa na cidade de So Paulo, 13

    mas hoje, sem dvida, tem alcance nacional.

    Essa realidade, tematizada politicamente pelos

    movimentos de moradia, veio a se fortalecer com a

    divulgao dos dados do dficit habitacional pela

    Fundao Joo Pinheiro, que, utilizando dados sobre

    imveis vagos disponibilizados pelo IBGE, mostrou que o

    estoque imobilirio sem utilizao seria suficiente para

    abrigar a populao em situao de dficit habitacional.

    Anlises especficas sobre a rea central de So Paulo

    mostram que os imveis residenciais vazios chegam a 12%

    do parque residencial existente na rea central, enquanto

    os comerciais chegam a 20% (BONFIM, 2005). A mesma

    pesquisa, interrogando os proprietrios destes imveis,

    mostrou que a expectativa de recuperao dos valores

    imobilirios anteriores permanece, fortalecida pelos

    anncios sobre a interveno do poder pblico na

    recuperao, regenerao ou requalificao destes

    bairros. Essa expectativa se traduz em aumento de preo

    para venda ou aluguel e em manuteno do imvel fora

    do mercado, espera da valorizao. Ou seja,

    independentemente da existncia ou no de mercados

    solvveis para esta oferta, os preos mantm-se acima das

    possibilidades das camadas mais desfavorecidas da

    populao, para quem a moradia no centro se revestiria

    de vantagens de acessibilidade e de ganhos de qualidade

    de vida indubitveis.

    Concluses

    A questo da ocupao socialmente responsvel dos

    vazios urbanos entrou fortemente na agenda poltica da

    administrao das cidades brasileiras com a Constituio

    de 1988 e, mais importante, com o Estatuto da Cidade,

    em 2001. No entanto, muita coisa mudou nas cidades

    brasileiras entre as primeiras propostas, na dcada de 70,

    e as possibilidades concretas de interveno que se

    desenham hoje. Nesse sentido, cabem algumas reflexes,

    mais como propostas para uma agenda de pesquisa e

    reflexo que possa orientar os atores sociais nas suas

    aes.

    Em primeiro lugar, em muitas cidades j no parece ser

    realidade a idia, vigente nos anos 70, de vastas

    extenses de terra infra-estruturada e desocupada

    espera da valorizao. Nossas cidades so hoje mais

    densas e compactas do que eram nos anos 70, com a

    reduo do ritmo da expanso perifrica e com o

    aproveitamento de oportunidades de valorizao que

    abertas pelo deslocamento das fronteiras da atuao do

    capital imobilirio em relao aos mercados de comrcio,

    servios e residncias de mdia e alta renda.

    Nesse sentido, hoje mais importante do que nunca que

    se qualifiquem os terrenos vazios, em funo da sua

    situao real de disponibilidade jurdica e de

    possibilidades fsicas para ocupao. Uma boa parte

    destes vazios, por exemplo, pode ser formada por lotes

    de pequenas dimenses, de pequenos proprietrios (de

    renda baixa ou mdia baixa) que, alm de serem pouco

    adequados para pensarmos uma ampliao efetiva da

    oferta de moradias, no se constituem exatamente como

    imveis para especulao, mas como patrimnio de

    camadas populares ou de camadas mdias

    empobrecidas. Existem ainda muitas reas com

    problemas de titularidade jurdica ou submetidas a

    regimes institucionais especficos e, portanto,

    inadequadas para ocupao.

    H que se considerar ainda, nas propostas de ocupao

    de vazios, que muitos bairros j esto com nveis de

    densidade muito altos, o que d aos vazios existentes um

    papel importante na manuteno de uma certa

    qualidade de vida local. Nesse sentido, estas reas

    12

    Trata-se do programa Novas Alternativas, responsvel pela reforma

    de dois casares tombados na rea central da cidade do Rio de Janeiro.

    13

    BARBOSA e PITA (s/ data).

    9

    Proposta n 116-

  • Referncias Bibliogrficas

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    cumpririam muito melhor a sua funo social se fossem

    destinadas a espaos livres e reas de uso pblico, do que

    se utilizadas para moradia.

    Outra mudana sobre a qual cabe refletir que todo o

    debate sobre vazios tinha como horizonte terrenos livres

    de construo, e no exatamente prdios inteiros

    desocupados. Assim, no muito claro ainda se os

    instrumentos disponibilizados pelo Estatuto da Cidade nos

    permitem atuar com eficincia na ocupao destes

    prdios. Uma situao peculiar, nesse sentido, diz respeito

    aos galpes abandonados que j esto sendo ocupados,

    por iniciativa da populao, para fins de moradia,

    configurando alarmantes situaes de risco e 14

    insalubridade . Trata-se de reas extensas e que poderiam

    ser efetivamente aproveitadas, dentro de um projeto de

    recuperao adequado.

    A elaborao recente dos planos diretores na grande

    maioria das cidades brasileiras certamente trouxe novas

    informaes sobre o tema dos vazios e a possibilidade de

    que se comece a montar um painel mais amplo sobre o

    assunto, ao invs de ficarmos ainda em torno de estudos

    de caso e de informaes de natureza e grau de

    profundidade diferenciados para cada realidade. Trata-se

    de um desafio que envolve no apenas os pesquisadores

    da rea, mas todos aqueles interessados em reconstruir

    nossas cidades segundo os valores da igualdade, da

    democracia e da justia social.

    14

    Essa situao aparece com clareza na cidade do Rio de Janeiro,

    principalmente na regio do entorno da Av. Brasil, que passou por

    intenso processo de desindustrializao.

    10

    Revista Trimestral de Debate da FASE

  • www.ippur.ufrj.br

    ippur

    ufrj11

    Proposta n 116-

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