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DIREITOS DOS ANIMAIS EM PERSPECTIVA

4 Direitos dos animais em perspectiva

Foto da Capa: http://www.94fm.com.br//wp-content/uploads/2016/08/cachorro-abandonado-zeedaily.jpg

ANDRYELLE VANESSA CAMILO POMIN WESLEY MACEDO DE SOUSA

(Organizadores)

AUTORES: Camilo Henrique Silva

Cynthia Akina Yoshii Uchida José Lafaieti Barbosa Tourinho

Marília Ferruzzi Costa Pedro Henrique Sanches Stela Cavalcanti da Silva Tereza Rodrigues Vieira Thayara Garcia Bassegio

Valéria Silva Galdino Cardin

DIREITOS DOS ANIMAIS EM PERSPECTIVA

Primeira Edição E-book

Editora Vivens O conhecimento a serviço da Vida!

Maringá – PR

2016

6 Direitos dos animais em perspectiva

Copyright 2016 by

Andryelle Vanessa Camilo Pomin Wesley Macedo de Sousa

EDITOR:

Daniela Valentini CONSELHO EDITORIAL:

Dr. Celso Hiroshi Iocohama - UNIPAR Dr. ª Lorella Congiunti – PUU - Roma

Dr. ª Daniela Menengoti Ribeiro - UNICESUMAR REVISÃO ORTOGRÁFICA:

Prof. Antonio Eduardo Gabriel CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:

Editora Vivens Ltda. - ME

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados com exclusividade para o território na-cional. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmi-tida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qual-quer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!

Rua Pedro Lodi, nº 566, Jardim Coopagro, Toledo-PR CEP: 85903-510; Fone: (45) 3056-5596; 9995-9031

http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]

Direito dos animais em perspectiva / organizadores

D598 Andryelle Vanessa Camilo Pomin, Wesley Macedo

de Sousa; autores, Camilo Henrique Silva ...

[et al]. – 1. ed. e-book – Maringá, PR:

Vivens, 2016. 128 p.

Modo de Acesso: World Wide Web:

<http://www.vivens.com.br>

ISBN: 978-85-92670-21-4

1. Animais – proteção - legislação. 2. Direito

dos animais - filosofia. 3. Animais – aspectos

jurídicos. 4. Direito dos animais (não humanos).

I. Título.

CDD 22. ed. 344.049

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.............................................................. PREFÁCIO........................................................................ I O HOMEM, A NATUREZA E OS ANIMAIS Camilo Henrique Silva Tereza Rodrigues Vieira................................................... II CRIME DE MAUS-TRATOS A ANIMAIS E EXPERIMENTOS CIENTÍFICOS José Lafaieti Barbosa Tourinho........................................... III ANIMAIS COMO SUJEITO DE DIREITO: CONSEQUÊNCIAS DO USO CIENTÍFICO E DO ENTRETENIMENTO À LUZ DO DIREITO DA PERSONALIDADE Pedro Henrique Sanches Thayara Garcia Bassegio.................................................... IV DOS MEIOS JURISDICIONAIS PARA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS ANIMAIS Cynthia Akina Yoshii Uchida............................................... V DIREITO ANIMAL E ANTROPOCENTRISMO: UMA BREVE ANÁLISE CRÍTICA DO TRATAMENTO DADO PELO DIREITO BRASILEIRO AOS ANIMAIS NÃO HUMANOS Marília Ferruzzi Costa......................................................... VI DA DEFESA DOS ANIMAIS ENQUANTO RESPONSABILIDADE DE TODOS Valéria Silva Galdino Cardin Stela Cavalcanti da Silva....................................................

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APRESENTAÇÃO Animais, animais, somos nós, humanos, também

animais! Ouvir, ler e proferir em voz alta essa pequena sentença nos soa incômodo. Muitos passam pela existência sem perceber essa sua própria realidade e muitos dos que o percebem, o negam, por vezes ofendidos. Mal se lembram de terem lido no livro de Ciências de seus primeiros anos escolares que o homem é um animal racional. E aqueles poucos que aceitam tal condição não tardam a apontar nossos traços distintivos, notadamente a razão e a percepção de si, que não só nos distinguem, mas também, ou principalmente, nos elevam em relação aos demais animais, reconfortando-nos.

Uma postura assim resulta em que dispomos inculpados e sem remorso de outros viventes em proporção muito além de nossas necessidades em contínuo avanço para satisfazer nossos infindáveis anseios, ainda mais se estamos legitimados pelo nosso estatuto espiritual por sermos a coroa da Criação e estarmos autorizados a subjugar todos os peixes, aves e animais que se movem sobre a terra (Gênesis 1.26-28).

Mas e ainda que fosse para atender apenas às nossas necessidades, estaríamos livres de espiar nossa culpa de deles assim dispor? Bastaria trata-los dignamente em seu sacrifício por elas? Tal tratamento digno é em função deles ou de nos proporcionar conforto? Ou, por outro lado, estamos diante de um dever de respeita-los como sujeitos de direito e tutela-los ante este sistema linguístico, uma vez que não podem fazê-lo por si mesmos, ainda que isto nos custe a mudar nosso modo de vida? É este um relevante debate posto em pauta, com várias posições sustentáveis em diversos sentidos.

Não obstante, raro mesmo é percebermo-nos como parte de um todo e antevermos as repercussões de nossos atos para o futuro de todos, homens-animais e animais.

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Parece um tanto alarmista, mas assim como a desilusão é benéfica para o iludido, ainda que dolorosa, o alarme é benéfico para quem está a aguardar a concretização de uma ameaça. E não se trata somente de autopreservação e sim de verdadeira exigência ética para respaldar e guiar uma honrosa conduta, qualquer que seja ela, sendo verdadeiramente inaceitável o automatismo.

Organizadores

PREFÁCIO A exemplo das obras que anunciam temas muito

falados e pouco parametrizados, a obra que aqui se apresenta guarda similaridade com diversas coletâneas de textos que gravitam sobre um tema comum, porém, com visões particulares e próprias de cada escritor. A similitude para por aí, pois ao contrário de uma pura coletânea, os textos postados nesta brochura, interpolam-se para formação de um corpo seguro e didático. Muito mais que uma versão autoral sobre os Diretos dos Animais de cada autor, os textos foram selecionados e postados de modo que, ao fim, parece que um só imaginou: início, meio e fim; ao ponto de o leitor refletir sobre o texto de maneira una.

A sutileza que envolvia os textos sobre os animais no contexto jurídico se desfez; e, em pouco tempo, o tema recebeu impulsão social que exigiu uma resposta mais firme dos juristas, muitas vezes em contexto de frequentes notícias de maus tratos. Nesse passo, o que há pouco não era “relevante juridicamente” passou a sê-lo, não porque não era, mas porque não se expunha.

Tomando como início a afirmativa de DEL VECCHIO de que não existe atividade que não seja “juridicamente qualificada”, a matéria iniciou um caminho ao complexo sistema de valores – Direito. Passou-se a contextualizar a discussão sobre os animais no sistema jurídico; e, por consequência óbvia, iniciou-se o exercício de exercer uma conciliação também anunciada por DEL VECCHIO entre “os valores da ordem e os valores da liberdade”.

O texto que inaugura o livro – Homem, a natureza e os animais – investiga de forma histórica o tratamento dos animais, contextualizando cronológica e sociologicamente. Como anteriormente prenotei - a precisão da escolha e organização dos textos - reafirmo aqui a ideia, visto que, a partida do livro não poderia ser de porto melhor: uma análise histórica e sociológica no tema.

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Os textos que vêm depois, já se apresentam ao leitor contextualizado, efeito da leitura anterior.

Nesse toar, os textos que se seguem apresentam a matéria sobre um olhar um tanto mais positivista, dispondo sobre o texto de lei, anunciando consequências penais e, até mesmo, vertendo o olhar para casuísticas importantes, como no texto Crime de maus-tratos a animais e experimentos científicos.

Ao passar das páginas, embora os textos apertem a análise para uma ótica mais positiva, anunciando letras da Constituição e legislação própria, o que não se perde é a reflexão crítica sobre celeumas políticas e sociais. Um exemplo é o próprio título Animais como sujeito de direito: consequências do uso científico e do entretenimento à luz do direito da personalidade, que retorna o leitor a uma visão mais jurisfilosófica do tema.

Para o leitor voltado à proficiência, o texto Dos meios jurisdicionais para proteção dos direitos dos animais faz frisante análise dos instrumentos disponíveis para os operadores do Direito na instrumentalização dos direitos anteriormente denotados. Não só dispõe os meios, pormenoriza peculiaridades, adianta problemas, enfatiza pontos processuais, assegurando a obra utilidade técnica na condução de processos.

No fim, o texto Direito animal e antropocentrismo: uma breve análise do tratamento dado pelo direito brasileiro aos animais não humanos, revolve toda crítica já contextualizada com a dimensão constitucional, analisando a contribuição efetivamente prestada pela legislação brasileira disposta aos direitos dos animais. Encerrando, assim, a obra com pitadas para conciliação entre “valores da ordem e valores da liberdade”.

JONNATHAS R. M. TOFANETO

Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Advocacia - IEDA

Capítulo I

O HOMEM, A NATUREZA E OS ANIMAIS

Camilo Henrique Silva* Tereza Rodrigues Vieira**

1.1 INTRODUÇÃO

O trabalho, por meio da metodologia da pesquisa

bibliográfica, tem por escopo trazer ao leitor algumas considerações importantes para o debate sobre a relação homem e natureza e a relação do homem com os demais animais.

Sem a intenção de esgotar o tema, o texto trará algumas reflexões sobre a teoria antropocentrista, a especista e a biocentrista, como também, suas respectivas críticas.

A intenção do trabalho é chamar o leitor para refletir sobre o posicionamento adotado pelo homem frente a natureza e os animais, que, queira ou não, traz consequências graves para a existência e manutenção da própria vida humana no planeta.

* Doutorando em Educação pela PUC-Rio. Mestre em Direito Processual e Cidadania pela UNIPAR. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela FMP. Professor Assistente na UFMS. Coordenador do Projeto de Pesquisa “Animais não humanos domésticos e o Direito”. E-mail: [email protected]. ** Pós-Doutora em Direito pela Université de Montreal, Canadá; Mestre e Doutora em Direito pela PUC-SP; Especialista em Bioética Faculdade de Medicina da USP; Professora/Pesquisadora no Mestrado em Direito Processual e Cidadania na Universidade Paranaense, UNIPAR onde desenvolve o Projeto de Pesquisa “Tutela Jurídica dos Animais”. Advogada em São Paulo. E-mail: [email protected].

14 Direitos dos animais em perspectiva

1.2 O HOMEM, A NATUREZA E OS ANIMAIS

Os tópicos abaixo tratarão de algumas teorias a

explicar a relação do homem com a natureza e os animais. A discussão foi dividida apenas para uma melhor

compreensão e localização dos assuntos, contudo, os temas são inter-relacionados, conversam constantemente, estando atrelados e a depender um do outro para seu entendimento e reflexões.

1.2.1 Antropocentrismo

A ética antropocêntrica ou o antropocentrismo, de

maneira simples, é a ideia filosófica fundamentada na ideia de o homem ser o centro de tudo, a finalidade da existência do mundo e de todas as coisas, como os demais seres vivos, por exemplo. Tal pensamento foi se amoldando durante os séculos.

Na antiguidade, época dos filósofos pré-socráticos, havia a prevalência da

concepção de que alma e matéria eram unas e indivisíveis, parte integrante da natureza, a qual, por sua vez, era formada por todos os seres vivos, constituindo-se em uma só coisa, consequentemente, o homem, ao cuidar de si, cuidava da natureza. (CARVALHO; SANTANA, 2012, p. 110)

A ideia do homem como o centro do universo

ganhou destaque a partir dos filósofos gregos, proclamando a superioridade humana sobre todas as coisas. A partir desse marco teórico, pensadores como Sócrates (469-399 a.C.), Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) passaram a estudar o homem e suas relações com a natureza, mas reafirmando o interesse humano acima de tudo (LEVAI, 2004, p. 18).

Segundo Gray (2011, p. 77), “Platão acreditava que a realidade última é espiritual e que os humanos são

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únicos entre os animais por serem pelo menos vagamente conscientes disso”.

Sócrates e Platão

diferindo do pensamento de Homero e Hesíodo, passaram a estudar o homem como um ser dissociado da natureza, por entenderem que esta não merecia tanta atenção no que tange ao seu conhecimento e à sua compreensão. (CARVALHO; SANTANA, 2012, p. 110) Para Aristóteles

o homem está no vértice de uma pirâmide natural, em que os minerais (na base) servem aos vegetais, os vegetais servem aos animais que, por sua vez, e em conjunto com os demais seres, servem ao homem. (MILARÉ; COIMBRA, 2004, p. 11)

Carvalho e Santana (2012, p. 120) acreditam que a

negação da razão aos animais instaurou uma crise, e de tal forma que ela se disseminou tanto no campo da filosofia da mente, quanto no campo da filosofia moral, e se estende até os dias de hoje.

Contudo, mesmo para Aristóteles,

maltratar animais não-racionais não faz o menor sentido, não porque os animais sofram ou sejam conscientes da dor, mas por serem propriedade (patrimônio) do homem livre. (FELIPE, 2009, p. 6)

Portanto,

a partir de Aristóteles, a razão passa a ser empregada como critério para excluir a grande maioria dos seres humanos e os demais animais da esfera de consideração moral. (BAHIA, 2006, p. 89)

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Posteriormente, com a chegada do cristianismo, o

pensamento da dominação do ser humano sobre o cosmo, a natureza e, por consequência, sobre os animais não humanos foi reforçado, valorados de forma hierárquica (RODRIGUES, 2012, p. 40). Tal fato ocorre, em verdade, segundo Carvalho e Santana (2012, p. 113), pois os cristãos careciam de desenvolver sua doutrina e agregar seguidores, assim, a oposição à fé cristã passou a ser derrotada com a patrística, com os dogmas divinos, como por exemplo, a criação do mundo, o pecado original, a encarnação, a morte de Deus, desconhecidos dos filósofos gregos e romanos.

Não sem motivos, a religião judaico-cristã é responsável pela visão antropocêntrica de mundo, ao sedimentar no homem o sentimento de superioridade sobre todas as demais espécies animais e a natureza, autorizando, sem limites, sua exploração (BAHIA, 2006, p. 84).

Apoiada por esta ideia, a “tradição judaico-cristã reforçou esta posição de suposta supremacia absoluta e incontestável do ser humano sobre todos os demais seres” (MILARÉ, 2009, p. 100). A influência desta tradição judaico-cristã é sobremaneira imperiosa sobre a filosofia. Mesmo tendo se libertado da fé cristã, não abriu “mão do erro capital do cristianismo – a crença em que os humanos são radicalmente diferentes de todos os outros animais” (GRAY, 2011, p. 53).

Posteriormente, as posições racionalistas de Thomas Hobbes (1588-1679), Baruch Spinoza (1632-1677) e John Locke (1632-1704) se propagaram no Ocidente, “partindo-se do pressuposto de que a razão (ratio) é atributo exclusivo do Homem e se constitui no valor maior e determinante da finalidade das coisas” (MILARÉ, 2009, p. 100). Francis Bacon (1561-1626) também instituiu novo modelo de estudo sobre os fenômenos naturais, por meio do raciocínio indutivo. Para este filósofo, aponta Bosquê (2012, p. 26),

O homem, a natureza e os animais 17

a natureza era exterior à humanidade, o que pressupunha verdadeira desagregação entre natureza e sociedade, pois a relação que entre elas se estabelecia era puramente mecânica.

René Descartes (1596-1650), considerado o

fundador da filosofia moderna, adota a tradição judaico-cristã em seus estudos e experimentos. Sua obra chave é o Discurso do método; e, para muitos, “revolucionou a filosofia, inaugurando uma nova fase metódica em que a razão passa a ser o tema central e guia único na procura de verdade das coisas” (SANTANNA; HUPFFER, 2010, p. 48).

Descartes estabelece o dualismo entre o corpo e o espírito, afastando qualquer possibilidade desta nos animais não humanos. Para comprovar sua tese, afirma ter os animais algumas habilidades melhores do que os homens, contudo, se tivessem espírito procederiam melhor em tudo. Se isso não ocorre, prova a falta de existência de espírito nos animais, que apenas agem à sua maneira pela força da natureza, em razão da composição de cada um. Por fim, Descartes iguala o agir dos animais ao de um relógio, que com suas molas e rodas, sabe contar as horas e o tempo melhor do que os seres humanos (DESCARTES, 2006, p. 58).

Para Descartes, ao fundamentar seu método na ideia de os sentimentos habitarem o espírito, e por faltá-lo aos animais, estes não eram capazes de sofrer, de ter dor; legitima, assim, todo o tipo e forma de uso destes seres, sem limites.

Lovelock (1989, p. 147) desconfia do pensamento de Descartes, de suas afirmações sobre os animais serem como máquinas, pois, por ser um filósofo de extrema inteligência, é improvável não ter percebido, em suas observações, a dor sentida conscientemente pelos animais, como nos homens. Ademais, parece ser imponderável de não ter se atentado ao fato de a crueldade com os animais ser relevante, ao contrário dos

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feitos aos objetos, como uma mesa. Todavia, o pensamento de Descartes, de os animais não terem qualquer valor em si mesmo era predominante na época.

O antropocentrismo foi adotado pela sociedade para o fim da prosperidade econômica, do desenvolvimento sem limites da sociedade, à custa da natureza, sem qualquer ressentimento ou sentimento de culpa, ancorada sob o fundamento judaico-cristão e pela filosofia, no método cartesiano-newtoniano.

Seguindo o passar dos séculos, com a ampliação colonial europeia, o aumento populacional, o avanço dos meios de produção, do comércio e dos bancos, houve a divisão do trabalho e a chegada da era industrial. A partir de então, lembra Bosquê (2012, p. 29), a humanidade, como um todo, passou a agir ativamente sobre a natureza, e, posteriormente, com a Revolução industrial, foi possível sua total manipulação em benefício exclusivo dos homens.

Dessa forma, “sob os ditames da deusa-razão, o mundo se tornaria o mundo dos homens – usufrutuários da natureza e dos animais” (LEVAI, 2004, p. 21). A teoria dominante no planeta é a antropocentrista, embasada por concepções religiosas, onde todas as coisas existem ou foram criadas pela vontade divina para o bem-estar do homem, o único detentor do poder da razão, criado à imagem e semelhança de Deus.

Diante deste quadro antropocêntrico, “o racionalismo moderno e o desvendamento dos segredos da natureza ensejaram ao homem a posição de arrogância e de ambição desmedidas que caracterizam o mundo ocidental contemporâneo” (MILARÉ, 2009, p. 100), com vistas à satisfação imediata dos desejos humanos, cada vez mais sofisticados e complexos.

A ciência, dentro dessa perspectiva, tem contribuído para fortalecer ainda mais a visão antropocentrista de mundo, pois, como bem sugere Gray (2011, p. 39), “nos encoraja a crer que, diferentemente de

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qualquer outro animal, podemos entender o mundo natural e, assim, curvá-lo à nossa vontade”.

As necessidades humanas têm-se apoiado nas ciências, no progresso tecnológico, criando em toda a sociedade a falsa percepção de que a solução dos problemas vindouros, inclusive os relativos à natureza, serão resolvidos pelas inovações tecnológicas (NOGUEIRA, 2012, p. 35). Apesar de todo o avanço tecnológico, as “necessidades fundamentais de muitas comunidades são obliteradas, ao passo que necessidades artificiais e dispensáveis de uma minoria são mais e mais atendidas” (MILARÉ, 2009, p. 132).

A sociedade busca de maneira desenfreada a obtenção do lucro acima de todos os valores inerentes ao ser humano, impedindo-o de abandonar a visão antropocêntrica, mecanicista e de exploração de tudo e de todos, inclusive, do próprio homem. Nessa seara, a natureza, como um todo, sofre os impactos da ambição humana, com sua deterioração aumentada a cada dia, num futuro nada animador. 1.2.2 Crítica ao antropocentrismo

Desde os tempos antigos, apesar de poucas vozes

em favor de uma relação harmônica entre o homem e a natureza. Pitágoras defendia a existência de alma nos homens e nos animais, sendo contrário ao sacrifício destes. Pregava uma dieta vegetariana e, ao acreditar na reencarnação, o espírito do homem renasceria após a morte em outros corpos, inclusive, no dos animais (CARVALHO; SANTANA, 2012, p. 124-125).

Mesmo dentro da igreja católica, houve críticas à visão dogmática da supremacia humana sobre todas as coisas. Religiosos como São Basílio, São Francisco de Assis, São Boaventura e São Crisóstomo pregavam aos homens o amor a todos os animais; e também

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questionavam a posição destes seres nas teses de Aristóteles e Tomás Aquino (FELIPE, 2003, p. 50-51).

Para Lovelock (2010, p. 33), o grande erro das religiões monoteístas, incluído o Islã, é a crença de os homens serem feitos à imagem de Deus. Acreditar nesse dogma implica na impossibilidade da evolução do ser humano por meio da seleção natural, por sermos perfeitos. Entretanto, está demonstrada cientificamente a evolução, não só dos homens, mas de toda a natureza, seja da flora ou da fauna. Pensar na perfeição do homem, como modelo da vida senciente é absurdo, até porque, nada no universo é perfeito; e a raça humana precisa prosseguir no caminho da evolução, para se aproximar da perfeição e ter um futuro promissor.

Nos séculos XV e XVI, com o aquecimento da Europa pelo Renascimento, movido pelas descobertas da ciência, como a bússola, a imprensa e o florescimento cultural, o antropocentrismo enraizava-se no mundo. Mas, alguns de seus pensadores, como Leonardo da Vinci, Giordano Bruno e Montaigne, manifestam-se contra a crueldade imposta aos animais não humanos pelo homem (FELIPE, 2003, p. 51-53).

A oposição ao pensamento antropocêntrico sempre existiu, apesar de ser minoritário, na defesa de uma relação harmônica do homem com a natureza. Nessa esperança da mudança de paradigma, vários campos da ciência apontam para uma nova ética, uma nova perspectiva de vida, agregada ao todo, e não somente do ponto de vista exploratório, onde tudo e todos estão no planeta para deleite e dominação do homem.

Como aponta Lovelock (2010, p. 22), a “genialidade grandiosa de Descartes, pai do reducionismo, ainda dificulta a emergência da ciência holística da Terra, na qual a ciência da Terra e da vida formam uma única disciplina”. Conforme Milaré (2009, p. 133), o

antropocentrismo reforçado pelo método científico de Descartes está na raiz desse mal-estar generalizado que

O homem, a natureza e os animais 21

coloca em xeque as civilizações e o seu corpo de valores não somente morais, mas, até mesmo, científicos.

Inegavelmente a “concepção de ascendência da

raça humana sobre os Animais advém de percepções deturpadas” (RODRIGUES, 2012, p. 43), transmudando valores éticos e morais, em busca, pura e simplesmente, do ganho econômico, valor indiscutivelmente menor do que a vida, integridade física, psíquica e liberdade dos animais não humanos.

A influência judaico-cristã aliada à soberba, a busca pelo enriquecimento e o espírito exploratório humano, fazem a ciência ser “usada para respaldar a idéia fantasiosa de que os humanos são diferentes de todos os outros animais em sua habilidade para entender o mundo” (GRAY, 2011, p. 40).

Não restam dúvidas quanto à imponderável permanência da visão antropocêntrica frente ao direito legalmente taxado de todos viverem em um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Caso continue a exploração permanente e incessante da natureza, na busca pelo desenvolvimento econômico dos Estados e das corporações, estaremos cada dia mais perto do risco para a sobrevivência de toda a forma de vida na Terra, inclusive a humana (CARVALHO; SANTANA, 2012, p. 116).

Milaré (2009, p. 133), em sua crítica ao antropocentrismo, aponta para uma Ética Ambiental, em uma visão moderna, de coalizão entre a espécie humana e as espécies não humanas. Pensa nas atividades de utilização dos recursos ambientais com a preocupação de manter e recuperar o ecossistema planetário, retomando o equilíbrio natural do planeta.

Para Gray (2011, p. 21),

embora o conhecimento humano muito provavelmente continue a crescer e com ele o poder humano, o animal humano permanecerá o mesmo: uma espécie altamente

22 Direitos dos animais em perspectiva

inventiva que também é uma das mais predadoras e destrutivas.

A crise ambiental instalada em nosso planeta exige

medidas enérgicas de todos, iniciando pela mudança de paradigma, deixando de lado o antropocentrismo para galgar a uma ética de respeito com a natureza. Para tanto, aponta Bosquê (2012, p. 32) a necessidade de

reavaliar e reestruturar as bases em que se funda a sociedade contemporânea, a forma como tem sido explorada a natureza, os meios de produção e consumo, as ciências e as novas tecnologias, com a finalidade de tornar mais próxima a relação homem-natureza.

Os críticos do antropocentrismo, e com razão,

clamam para um novo olhar e modo de vida da sociedade, a fim de equilibrar os interesses sociais e econômicos com o meio-ambiente. Devemos preservar os ecossistemas, proteger as demais espécies habitantes de nosso planeta, a fim de conquistarmos uma vida plena, com valores que ultrapassam a simples ideia de exploração, de dominação e soberba. 1.2.3 Especismo

Criado na década de 1970 pelo cientista e filósofo

Richard D. Ryder, de maneira simples, o especismo para Singer (2010, p. 11) “é o preconceito ou a atitude tendenciosa de alguém a favor dos interesses de membros da própria espécie, contra os de outras”.

O especismo ou a ideologia especista é tido como uma vertente radical do antropocentrismo. Nesta, considera o homem o centro de tudo, o senhor de todas as coisas existentes no globo. Naquela, temos o elemento formador da inexistência total de respeito ou dever de cuidado com os demais habitantes planetários, sejam eles da fauna ou da flora.

O homem, a natureza e os animais 23

Para os defensores do especismo, o meio

ambiente, incluído os animais não humanos, é regulado pelo Direito, com vistas a normatizar, instituir regras para a exploração pelo homem. Estabelecer instrumentos para a exploração de todas as demais formas de vida, sem responsabilidade direta ou indireta, impedindo, inclusive, qualquer mensuração quanto a preservação da vida das espécies animais (FELIPE, 2008, p. 61).

Nesse ponto, os especistas levam às últimas consequências o antropocentrismo, por entender que as demais espécies habitantes de nosso planeta não possuem qualquer valor em si mesmas, destituídas de outra função a não ser servir ao homem, aos seus caprichos e desejos, pelo simples fato de pertencerem a outro grupo.

Nogueira (2012, p. 121-122) percebe que os especistas têm como forma de pensar a subestimação das semelhanças entre os homens e os animais, ignorando por completo a capacidade de estes seres sofrerem, sentirem dor e prazer. Descartam qualquer importância aos animais no mundo, como se apenas existissem pela boa vontade humana, demonstrando desprezo pela vida dos distintos da espécie humana e, às vezes, pelos da sua própria condição.

Segundo a teoria, sempre haverá a atribuição de maior peso aos interesses da espécie humana em relação a todas as demais espécies habitantes de nosso planeta, não levando em consideração sequer o fato, cientificamente provado, de algumas espécies, como os mamíferos e as aves, sentirem dor. Para eles, a dor desses animais não se compara com as dores sentidas em humanos, logo, não há interesses a serem preservados (SINGER, 2002, p. 68).

Para os especistas, o simples fato de ser humano é o indicativo básico e absoluto para não reconhecer qualquer prioridade ou dever direto ou indireto para com as criaturas de outras espécies. Mesmo tratando-se de

24 Direitos dos animais em perspectiva

animais não humanos sencientes, sua sensibilidade, autonomia de vida e níveis de autoconsciência são insuficientes para permitir o reconhecimento de quaisquer direitos ou interesses (RODRIGUES, 2012, p. 47).

Na linha da dominação antropocêntrica de visão de mundo, os humanos, em sua maioria são especistas, ao concordarem e permitirem, por exemplo,

que seus impostos paguem práticas que exigem o sacrifício dos interesses mais importantes de membros de outras espécies a fim de promover os interesses mais triviais da própria espécie. (SINGER, 2010, p. 15)

Um exemplo corroborador da concordância

humana com a prática especista é o seu financiamento por meio de impostos. Singer (2010, p. 62) descreve fato ocorrido em 1986, nos Estados Unidos, onde o National Institute of Mental Health (NIMH), por meio de recursos federais, custeou mais de 350 experimentos com animais não humanos, num gasto total de mais de 30 milhões de dólares no ano. Os experimentos foram realizados na área da psicologia, para o estudo de pesquisas envolvendo manipulação direta do cérebro, efeitos de drogas no comportamento, privação de sono, ansiedade, estresse e medo. Nesses casos, os testes mais comuns são a aplicação de choques nos animais.

O especismo como prática humana, ultrapassa a visão antropocêntrica de mundo, onde o homem passa a explorar e dominar as demais espécies sem levar em conta seus legítimos interesses, sem quaisquer deveres diretos ou indiretos, pelo simples fato de não pertencerem à raça humana. 1.2.4 Crítica ao especismo

A ideologia especista, por sua radicalidade em

relação ao próprio antropocentrismo, não foge às fortes

O homem, a natureza e os animais 25

críticas de seus opositores, em especial, aos ligados à ética, à bioética e à proteção ao meio ambiente.

Araújo (2003, p. 42), um de seus críticos, advoga a ideia de uma universalização ética, de maneira racional e consistente, a fim de identificarmos e superarmos a visão arrogante de supremacia da espécie humana sobre as demais; e, assim, tratarmos com respeito à diversidade do planeta, traçando uma estratégia de convivência e adaptação, para então, mantermos viva sua biodiversidade.

Ser especista é estar diante da “incapacidade do reconhecimento da realidade da evolução da vida, em que o homem não aceita ser colocado no mesmo patamar dos Animais” (RODRIGUES, 2012, p. 44). Porém, com a consolidação da teoria da evolução biológica das espécies, não há como manter a doutrina da singularidade humana.

O homem reluta em reconhecer valores e a conceder respeito e direitos às espécies de animais não humanos, pelo simples fato de poder explorá-los, obtendo proveito econômico, sob a falsa alegação da irrelevância moral.

Devemos respeitar as características de cada espécie, até porque humanos e animais não humanos possuem diversas características em comum, contudo, desenvolvidas de maneiras diferentes. Ambos “são portadores de instintos e de certas finalidades como a sobrevivência e a procriação; possuem noção de autoridade, bem como interação e comunicação” (RODRIGUES, 2012, p. 37). Os animais, como nós,

vivem em grupo e conhecem o meio em que vivem, porque sem isso não poderiam sobreviver [...], optam (eles e nós) por lugares agradáveis aos desagradáveis e gostam, a seu tempo, de colo e afago. (BUGLIONE, 2009, p. 68)

26 Direitos dos animais em perspectiva

Por questões óbvias, os animais e os seres

humanos são distintos, porém, “como nós, são sujeitos singulares com sua própria psicologia e têm preferências muito próximas às nossas, como, por exemplo, desejam evitar a dor, o sofrimento, a solidão” (BUGLIONE, 2009, p. 68). Dessa forma, para “evitar o especismo, temos de admitir que seres semelhantes, em todos os aspectos relevantes, tenham direito semelhante à vida” (SINGER, 2010, p. 30).

Para Araújo (2003 p. 24),

não se humaniza a espécie humana reduzindo as demais espécies à irrelevância moral, tornando-as ornamentos de uma mundivisão auto-complacente ou «consoladora», e ignorando-as em tudo o resto.

Mas ao contrário, como baliza Singer (2010, p. 31-

32), devemos “trazer os animais para a esfera das nossas preocupações morais e parar de tratar a vida deles como descartável, utilizando-a para propósitos vulgares”.

A ideologia especista está distante dos valores éticos e morais pregados e defendidos pela sociedade, pelos humanos, sendo inconcebível a manutenção de pensamento tão mesquinho e vil. Simplesmente ignorar os interesses das demais espécies existentes no planeta pelo simples fato de não pertencerem à raça humana, apenas para explorá-las e satisfazer desejos supérfluos, consumistas, não demonstra o melhor caminho a seguir.

Indiscutivelmente, o “ser humano precisa ser humilde e conceber a existência de outra linguagem, sensibilidade e expressão, bem como se forçar a compreender os códigos de diferença entre o homem e o Animal” (RODRIGUES, 2012, p. 59). Até porque, como aponta Gray (2011, p. 48), a “teoria de Darwin mostra a verdade do naturalismo: somos animais como quaisquer outros; nosso destino e o do resto da vida na Terra são o mesmo”.

O homem, a natureza e os animais 27

É necessária uma reflexão sobre a prática

especista. A espécie humana

é contingente como todas as criaturas, e tem-se por certo que – enquanto ecossistema anterior à presença do homem – a Terra pode continuar seu caminho sem ela. (MILARÉ; COIMBRA, 2004, p. 22)

Além do mais, como assinala Gray (2011, p. 33),

por “muito de sua história e por toda a pré-história, os humanos não se viam em nada diferente dos outros animais entre os quais viviam”.

Destarte, o

senso humanista da existência de um abismo entre nós e outros animais é uma aberração. O normal é o sentimento animista de ser parte da natureza, assim como tudo o mais. (GRAY, 2011, p. 33)

Lovelock (2010, p. 22) discorda sobre a atitude

humana de se intitular o ser supremo sobre a Terra. Até porque o planeta não evolui apenas para o benefício da raça humana. Portanto, os humanos não têm o direito de pensar em privilégios terrestres, pois são apenas mais uma espécie no mundo, em Gaia. Ademais, os seres humanos não são criações divinas, mas sim criaturas evoluídas e transitórias, como todas as demais espécies. Mas, por serem animais inteligentes e sociais, terá na evolução a probabilidade de se tornar ainda mais inteligentes e sensatos, firmando uma real e efetiva parceira com a Terra.

No entanto, como assinala Buglione (2009, p. 33), o grande desafio para o fim do especismo é a sofisticação moral dos seres humanos. Apenas para citar os temas envolvidos com os direitos dos animais, temos as pesquisas científicas, o agronegócio (pecuária, suinocultura e avicultura), além dos atos de crueldade e abandono. Para reconhecer valor e direito para as demais

28 Direitos dos animais em perspectiva

espécies é necessário transcender a semelhança, o DNA, o que não tem se mostrado tarefa fácil.

Diante de todos os argumentos apresentados, o especismo deve ser abolido, extirpado de qualquer fundamento legal, moral ou ético, por tratar-se apenas de um preconceito, a fim de dar razão a tratamentos degradantes e desiguais em situações semelhantes, “agravando distinções morais desfavoráveis aos animais em razão de sua condição biológica” (FELIPE, 2008, p. 78-79).

Para ocorrer o fim do especismo, é necessária a mudança de hábito, de convicções, de atitudes, conclamando, todas as ciências, o reconhecimento às espécies não humanas de terem interesses, como a vida, a liberdade, a integridade física e psíquica, enfim, a uma existência livre de perseguição, exploração e dominação. 1.2.5 Biocentrismo

Contrapondo-se à visão antropocêntrica, o

biocentrismo é uma ideia filosófica, tendo por princípio, basicamente, tratar todas as formas de vida igualmente. O biocentrismo reconhece a diferença existente entre os homens e a natureza, contudo, não coloca aquele como o centro do universo, o único a ter estatuto moral e mérito inerente. Na visão biocêntrica, todos os seres vivos, sencientes ou não, humanos ou não, possuem estatuto moral e mérito inerente (CARVALHO; SANTANA, 2012, p. 117).

O biocentrismo, como aponta Milaré e Coimbra (2004, p. 16), possui “foco voltado para a vida e todos os aspectos nela inerentes [...]. O valor vida passou a ser um referencial inovador para as intervenções do homem no mundo natural”.

Os biocentristas, em geral, por buscarem a proteção de toda a vida, sem exceção, criticam as posições filosóficas capitaneadas por Peter Singer e Tom

O homem, a natureza e os animais 29

Regan, ao adotarem a senciência e o sujeito de uma vida, respectivamente. Para eles, o erro desses filósofos encontra-se no fato de se preocuparem mais com os animais do que com a natureza. Suas ideias deveriam ser o contrário, ou seja, a inquietação com os animais ser derivada da maior preocupação com a natureza (JAMIESON, 2010, p. 225).

Independente das críticas acima, as linhas de proteção aos animais não humanos e as teorias biocêntricas e ecocêntricas, atualmente, e com autoridade questionam o paradigma antropocêntrico, fundado, desde a antiguidade, na superioridade da raça humana sobre toda a natureza. As ideias filosóficas de proteção à natureza e aos animais possuem a difícil missão

de criticar os padrões do desenvolvimento e de consumo atuais que priorizam o crescimento econômico e ignoram a interdependência dos fenômenos humanos e naturais e desprezam o sofrimento animal. (BAHIA, 2006, p. 103)

Os movimentos ecológicos, como o biocentrismo,

nasceram nos idos de 1960, após reiteradas catástrofes naturais. Diante dos problemas ambientais, a opinião pública passou a tomar parte das discussões, ocupando espaço entre os especialistas, com a formação de grupos ecológicos e partidos verdes ao redor do mundo (BAHIA, 2006, p. 94). Ao contrário do imaginado, a cosmovisão ecocêntrica é sustentada por fortes posições filosóficas e teorias científicas, não sendo amparadas por visionários, românticos ou “economaníacos” (MILARÉ; COIMBRA, 2004, p. 17).

As ideias do biocentrismo precisam chegar a toda a sociedade, pois, conforme observa Lovelock (2006, p. 136), atualmente mais da metade dos habitantes da Terra vivem nas cidades, nos centros urbanos, sem qualquer contato com a natureza. Imensa parcela da população precisa ser conscientizada da existência da Terra viva, de

30 Direitos dos animais em perspectiva

que este é o mundo real, pertencente à vida urbana, e suas vidas dependerem de um meio ambiente sadio e equilibrado.

Sobre o descaso e a pouca importância dada pela sociedade à natureza, hoje em dia, poucas pessoas sabem listar as espécies ou animais nativos de sua região. Também não fazem ideia de como são plantados os alimentos adequados para as características do lugar onde vivem. Para Buglione (2009, p. 33), tal constatação mostra a urgência de a população conhecer tais informações, pois somente assim serão possíveis a preservação e o respeito à natureza, com vistas a abolir práticas tradicionais e adotar outras menos agressivas ao meio ambiente.

O biocentrismo tem por ideologia a tutela de toda a vida, seja vegetal, humana ou de animais, sencientes ou não. Para essa teoria, a natureza precisa ser preservada, e os esforços do homem devem ser nesse sentido, de proteção, de harmonia, e não de simples exploração e destruição do nosso planeta. 1.2.6 Crítica ao biocentrismo

O biocentrismo sofre críticas, em especial, em suas

vertentes radicais. Para Carvalho e Santana (2012, p. 119-124), os ambientalistas trazem verdadeiras fontes de humanização do homem, a fim de haver uma harmonização com o mundo, com a natureza e seus elementos. Porém, apenas sonhos, romantismo e poesia serão insuficientes para o abandono do paradigma antropocentrista. Os biocentristas radicais pregam para além de uma harmonização com a natureza, propondo o vegetarianismo aos seres humanos, evitando, assim, o abate de qualquer animal.

Segundo Lovelock (2006, p. 134), os pensamentos dos verdes são sobremaneira distintos e competem entre si, variando em tons vermelhos a tons de azuis. Os verdes totalitários ou ecofascistas pretendem um mundo menos

O homem, a natureza e os animais 31

populoso, num verdadeiro genocídio, onde a Terra seria perfeita, porém, apenas eles a habitariam. Em outra ponta, estão os verdes a aguardar um mundo onde prevaleça o bem-estar e os direitos humanos, contudo, esperam Gaia ou o desenvolvimento sustentável tornar esse sonho em realidade.

Como se vê, os críticos do biocentrismo focam no radicalismo de seus seguidores, ao propor ao homem se igualar às demais espécies da natureza, sem qualquer tipo de privilégio, a fim de fazer cessar toda e qualquer exploração e destruição do meio ambiente. Tal pensamento parece mesmo ser um sonho, pois a humanidade não abrirá mão do espaço e benesses conquistados, a fim de uma volta ao tempo das cavernas. Por óbvio, deve o ser humano encontrar limites no uso dos recursos naturais, dentro de uma ética de respeito e preservação da natureza, para o bem da sua própria sobrevivência neste planeta. 1.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao homem cabe escolher qual caminho seguir em

sua essencial relação com a natureza e os animais. Infelizmente, o adotado tem sido o antropocentrismo e o especismo, a fim de subjugar tudo e a todos aos seus interesses, muitas vezes pautados apenas pelo viés econômico, em benefício de poucos.

Cabe ao homem, diante de tantas barbáries cometidas contra a natureza e os animais, refletir o seu papel neste planeta, rompendo esse inventado paradigma de centro do universo, de medida de todas as coisas, e enxergar-se como mais uma espécie, como parte da natureza.

A natureza e os animais clamam e aguardam a mudança do homem, necessária para o estabelecimento de uma relação sem sofrimento, de respeito e cuidado para com o planeta e com todos os seus habitantes.

32 Direitos dos animais em perspectiva

REFERÊNCIAS:

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BAHIA, C. M. Princípio da proporcionalidade nas manifestações culturais e na proteção da fauna. Curitiba: Juruá, 2006.

BOSQUÊ, A. F. S. Biopirataria e biotecnologia: a tutela penal da biodiversidade amazônica. Curitiba: Juruá, 2012.

BUGLIONE, S. Direito, ética e bioética: fragmentos do cotidiano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

CARVALHO, A. C. L.; SANTANA, J. L. Direito ambiental brasileiro em perspectiva: aspectos legais, críticas e atuação prática. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2012.

DESCARTES, R. Discurso do método: regras para a direção do espírito. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2006.

FELIPE, S. T. Antropocentrismo, sencientismo e biocentrismo: perspectivas éticas abolicionistas, bem-estaristas e conservadoras e o estatuto de animais não-humanos. Revista Páginas de Filosofia, v. 1, n. 1, p. 2-30, jan./jul. 2009.

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O homem, a natureza e os animais 33

______. Por uma questão de princípios: alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003.

GRAY, J. Cachorros de palha: reflexões sobre humanos e outros animais. Tradução Maria Lucia de Oliveira. 7. ed. Rio de Janeiro: Record, 2011.

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LOVELOCK, J. E. A vingança de Gaia. Tradução Ivo Korytowki. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2006.

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______. Gaia: um novo olhar sobre a vida na Terra. Tradução Maria Georgina Segurado. Rio de Janeiro: Edições 70, 1989.

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NOGUEIRA, V. M. D. Direitos fundamentais dos animais: a construção jurídica de uma titularidade para além dos seres humanos. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012.

34 Direitos dos animais em perspectiva

RODRIGUES, D. T. O direito & os animais: uma abordagem ética, filosófica e normativa. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2012.

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SINGER, P. Libertação Animal. Tradução Marly Winckler; Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF M. Fontes, 2010.

_____. Ética prática. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Capítulo II

CRIME DE MAUS-TRATOS A ANIMAIS E EXPERIMENTOS CIENTÍFICOS

José Lafaieti Barbosa Tourinho*

2.1 INTRODUÇÃO

Objetiva-se com o presente trabalho apresentar a

discussão acerca da efetividade (e dos limites) da tutela penal da fauna, notadamente com relação à sua proteção contra qualquer ato de crueldade.

Nesse contexto, pretende-se fazer a correlação entre o tratamento constitucional ao meio ambiente e o crime de maus-tratos a animais, tipificado no artigo 32 da Lei 9.605/98.

Os elementos constitutivos da infração penal em apreço serão apresentados, não se olvidando de uma abordagem da jurisprudência relativa ao tema, destacando-se os precedentes do Supremo Tribunal Federal.

A problemática atinente às experiências com a utilização de animais vivos (vivissecção) será enfrentada, dado que o parágrafo 1º do aludido artigo 32 pune, por igual, a conduta de quem submete tais seres a experimento doloroso ou cruel, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando houver métodos alternativos. A análise do tipo penal passa pela necessária incursão crítica à Lei 11.794/2008, que versa sobre o uso

* Promotor de Justiça (Titular da 13ª Promotoria de Justiça da Comarca de Maringá-PR, com atribuições na área de proteção ao meio ambiente, fundações e terceiro setor), Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá-UEM, Professor de Direito Penal (Leis Penais Especiais) na Faculdade Maringá.

36 Direitos dos animais em perspectiva

de animais em atividades científicas. Procurar-se-á, à luz desse bloco normativo, a linha divisora entre o lícito e o ilícito penal.

2.2 DIREITO DOS ANIMAIS

A legislação pátria tem avançado na proteção dos

animais, mas há a necessidade de que, de forma clara, expressa, eles venham a ser reconhecidos como sujeitos de direitos.

Com efeito, a nossa legislação em boa medida ainda se prende a uma visão antropocentrista, enxergando os animais como bens que estão à disposição do homem, coisas que se prestam a uma utilidade humana. Aliás, o meio ambiente como um todo, não raro, é tratado como bem indispensável às necessidades do homem.

A lei tem procurado proteger tais seres, mas a tutela a eles dada, no plano constitucional, insere-se no contexto da genérica proteção ao meio ambiente, notadamente procurando-se preservar a denominada função ecológica da fauna (especialmente quando se tem vista os animais silvestres).

Outrossim, a Lex Mater proibiu atos de crueldade contra animais. Mas, até mesmo sob este prisma, Celso Antônio Pacheco Fiorillo não deixou de registrar a conotação antropocêntrica do texto constitucional:

O termo crueldade é a qualidade do que é cruel, que, por sua vez, segundo o dicionário Aurélio Buarque de Holanda, significa aquilo que se satisfaz em fazer mal, duro, insensível, desumano, severo, rigoroso, tirano. Diante dessa denotação, o art. 225, 1º, VII, da Constituição Federal, busca proteger a pessoa humana e não o animal. Isso porque a saúde psíquica da pessoa humana não lhe permite ver, em decorrência de práticas cruéis, um animal sofrendo. Com isso, a tutela da crueldade contra os animais fundamenta-se no

Crime de maus-tratos... 37

sentimento humano, sendo esta – a pessoa humana – o sujeito de direitos. Essa interpretação tem por fundamento a visão antropocêntrica do direito ambiental, de modo que todo o ato realizado com propósito de garantir-se o bem-estar humano não caracterizará a crueldade prevista no Texto Constitucional.1

Discorda-se, todavia, desta interpretação.

Conquanto possa se reconhecer uma preocupação do legislador com o homem na sua interação com o ambiente e também não se olvidando o mal-estar que a pessoa experimenta ao presenciar crueldade, os animais são, sem dúvida, destinatários diretos da proteção. Há um imperativo ético tornando írrita qualquer ideia de aceitação de submissão deles a atos injustificados que venham causar-lhes dor e sofrimento, ficando a garantia constitucional esvaziada caso se procurasse identificar se foi tocada ou não a sensibilidade humana em cada situação concreta que se apresentasse. É dizer, há atos que objetivamente se revelam cruéis.

Entende-se oportuna a advertência de Édis Milaré:

A importância da fauna – particularmente das espécies ameaçadas de extinção, liga-se estreitamente à biodiversidade com os seus múltiplos valores. Mas recentemente vem impondo-se uma outra visão, que procura modificar radicalmente o comportamento da espécie humana em face das demais espécies vivas, notadamente algumas espécies animais. Trata-se de um posicionamento ético, inspirado pela assim chamada 'Ecologia Profunda', que pretende inculcar uma revisão das atitudes pragmáticas, da ambição sem medidas e da crueldade para com o mundo natural. São anúncios

1 Curso de direito ambiental brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Saraiva,

2011, p. 273.

38 Direitos dos animais em perspectiva

auspiciosos, que muito contribuirão para o regime jurídico e, mais, para a vida no planeta Terra.2

Sob outro ângulo, vislumbra-se frequente

descompasso entre ética e ciência, quando se trata do tema cobaias, isto é, da utilização, muitas vezes injustificável, de animais vivos em experimentos científicos (vivissecção).

Há, portanto, a necessidade de reconhecimento da importância dos animais, colocando-os como sujeitos de determinados direitos. Mister deferir a eles tutela garantidora de respeito e dignidade. Imprescindível enxergar-se os animais não humanos como seres sencientes (que sofrem, sentem frio, fome, medo, stress; mas que também têm emoções e prazer). Fundamental ainda a percepção de como interagem com os seres de sua espécie e também com os humanos.

Daí que, para sustentar-se a existência dos chamados direitos dos animais, parte da doutrina faz o necessário recurso a uma visão mais arejada do texto constitucional, buscando-se fundamento para a tutela através de interpretações as mais diversas (e invariavelmente polêmicas), invocando-se inclusive o princípio da igualdade.

Confira-se a orientação de Edna Cardozo Dias3:

Um dos parâmetros da justiça é a relação de igualdade. A igualdade qualitativa atribui a cada um segundo suas características ou segundo as suas necessidades. Esta visão de igualdade se aplica tanto aos homens quanto aos outros animais. É a biologia que nos demonstra a

2 Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 156. 3 DIAS, Edna Cardozo. Biodireito e isonomia jurídica para a natureza não humana. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 63, abr 2009.

Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5919>. Acesso em jun 2016.

Crime de maus-tratos... 39

unidade entre o homem e o animal. As mesmas necessidades fundamentais são encontradas no homem e no animal, principalmente a de se alimentar, a de se reproduzir, a de ter um habitat e de ser livre. A cada necessidade fundamental corresponde um direito fundamental ao conjunto de seres vivos.

Partindo dessa lógica, de lege ferenda alguns

direitos deveriam ser reconhecidos aos animais, atrelados sobretudo aos valores dignidade e integridade física, preservando-lhes de forma mais efetiva de todo ato revestido de crueldade, agressão, abandono ou comprometimento de seu bem-estar.

2.3 TUTELA CONSTITUCIONAL DA FAUNA

A Constituição Federal de 1988 dispensou especial

atenção ao meio ambiente, destinando um capítulo específico para sua proteção, reputando-o bem jurídico indispensável para a vida das presentes e futuras gerações.

A Carta Magna assegura a todos o

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (Art. 225, caput)

Destarte, a tutela ao meio ambiente é

imprescindível à sadia qualidade de vida e à própria preservação do planeta e da raça humana.

Conforme Luiz Régis Prado

a intenção do legislador constituinte brasileiro foi dar uma resposta ampla à grave e complexa questão

40 Direitos dos animais em perspectiva

ambiental, como requisito indispensável para garantir a todos uma qualidade de vida digna.4

O parágrafo 3.º, do citado artigo 225, estabelece

que

as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A proteção específica da fauna (silvestre,

doméstica ou domesticada), enquanto um dos elementos integrantes da natureza, foi prevista no Texto Magno, tal qual se vê no inciso VII do § 1º do artigo 225:

Para assegurar a efetividade desse direito [meio ambiente], incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Parte-se da premissa de que qualquer conduta que

ponha em risco a função ecológica da fauna ou que implique crueldade aos animais é repelida pela Constituição Federal, cabendo ao legislador ordinário o detalhamento.

Deve-se dar o mais amplo alcance à expressão fauna, consoante se extrai da lição de Helita Barreira Custódio:

torna-se patente que todos os animais, de todas as espécies, correspondendo à genérica palavra fauna conceituada como "toda vida animal" (terrestre e

4 PRADO, Luiz Regis. Crimes ambientais. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 1998, p. 71.

Crime de maus-tratos... 41

aquática) de uma área, de uma região ou de um país, em suas categorias de fauna silvestre (o conjunto de animais selvagens e livres em seu ambiente natural), fauna doméstica (o conjunto de animais domesticados ou cultivados pelos seres humanos), fauna exótica (o conjunto de animais alienígenas ou originários de outros países) e fauna migratória (o conjunto de animais, especialmente aves migratórias, que atravessam, em qualquer estação do ano, as fronteiras dos países), além dos microorganismos, todos fazem parte, científica e legalmente, do meio ambiente, uma vez que integram, de forma indispensável, seus recursos ambientais vivos.5

Tem-se que há uma clara diretriz constitucional

criminalizadora que foi seguida pelo legislador ordinário, a fim de se reforçar a tutela aos animais. 2.4 CRIME DE MAUS-TRATOS A ANIMAIS

Buscando dar efetividade ao comando

constitucional inserto no parágrafo 3.º do artigo 225, promulgou-se a Lei 9.605 de 1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, reservando-se os artigos 29 a 37 para a proteção penal da fauna. Pode-se afirmar que o Diploma se preocupou com a tutela de todos os animais silvestres, domésticos, domesticados e exóticos.

A Lei de Regência, em seu artigo 32, previu o crime de maus tratos a animais:

Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

5 Crueldade contra animais e proteção destes como relevante questão jurídico-ambiental e constitucional. In: MILARÉ, Edis e MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental: conservação e degradação do meio ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. (Coleção doutrinas essenciais, v.2). p. 254

42 Direitos dos animais em perspectiva

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Entende-se que o referido dispositivo operou

revogação do artigo 64 do Dec. Lei 3688/41 (Lei de Contravenções Penais)6.

Com efeito, na lição de Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel

são quatro as condutas previstas: praticar ato de abuso (ex.: submeter o animal a trabalhos excessivos; transportar o animal de maneira inadequada); maus-tratos (causar sofrimento ao animal, colocando em perigo a sua integridade física); ferir (machucar) ou mutilar (cortar membros ou partes do corpo do animal).7

Só se admite a forma dolosa. É rotina a demanda de termos circunstanciados de

atribuição na 13ª Promotoria de Justiça de Maringá (com atribuições na área de proteção ao meio ambiente), versando sobre hipóteses tanto de agressão aos animais,

6 Cf. GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio. Crimes ambientais: comentários à Lei 9.605/98 (arts.1º a 69-A e 77 a 82). São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.154. Para eles “o art.32 e §1º revogaram, tacitamente, o art.64, caput e §§1º e 2º da Lei de Contravenções Penais.”. Há, todavia, entendimento (minoritário) em sentido contrário. Assim, por exemplo NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais especiais e processuais penais comentadas. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 916. Para ele o foco da proteção do art.32 é o animal silvestre, o qual poderia ser “doméstico

ou domesticado” (no caso daquele animal selvagem criado como doméstico ou amansado, por exemplo), “nativo ou exótico”. Para a crueldade contra os demais, aplicar-se-ia, a seu juízo, ainda a contravenção. 7 Ibidem, p. 155.

Crime de maus-tratos... 43

quanto de abandono deles à própria sorte (inclusive de filhotes); falta de alimentos, de água e de cuidados com a saúde; utilização de cordas ou correntes curtas, de modo inclusive a causar graves ferimentos no pescoço; limitação à liberdade de locomoção, dentre outras.

Não se pode deixar de mencionar as chamadas rinhas de galo, ainda insistentemente praticadas, a despeito da inequívoca crueldade a que são submetidas as aves. Incompreensivelmente surgem leis estaduais regulamentando tais práticas em algumas localidades, mas o Supremo Tribunal Federal tem se posicionado contra elas8.

Também merecem censura, por revestir-se de crueldade contra os animais, “festas populares” tais quais vaquejada, farra do boi e até rodeios. Quanto a estes, há que se reconhecer que se trata de questão polêmica, dado que a matéria está regulamentada na Lei Federal 10.519/2002, a qual faz exigências e proibições com o escopo de salvaguardar a integridade física dos animais9.

Alguns procuram defender tais práticas ao argumento de que revelam valores culturais/populares que devem ser preservados. Inadmissível tal postura. Tradições, folclore, costumes, lazer, nada disso justifica maus-tratos contra animais. A Carta Magna foi por demais explícita no sentido de proibir condutas lesivas ao meio ambiente e a crueldade contra animais. Não há direito absoluto, muito menos um pretenso direito à diversão às custas do sofrimento de outras espécies.

8 Cf. ADIN 3776/RN, Rel. Min. Cezar Peluso, DJU 29.06.2007. No mesmo sentido, ADIN1856/RJ, j. 26.05.2011, Rel. Min. Celso de Mello, DJ.14.10.2011 9 Observe-se, no entanto, a crítica consistente formulada por Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel: “ A nosso ver a Lei de Rodeios é materialmente inconstitucional, por violar o mencionado art. 225, § 1º, VII da CF que proíbe quaisquer práticas que submetam os animais a crueldades. A propósito, em dezenas de cidades do interior de São Paulo, foi declarada incidentalmente a inconstitucionalidade da Lei 10.519/2002, com a consequente proibição da realização do rodeio”. Ob. Cit, p. 877.

44 Direitos dos animais em perspectiva

Neste sentido, merece especial destaque

precedente do Egrégio Supremo Tribunal Federal, proibindo a farra do boi.

O respectivo acórdão assim restou ementado:

COSTUME - MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE - PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado "farra do boi”.10

Tal decisum constitui verdadeiro marco na proteção

dos animais, prestando-se como ponto de partida para outras decisões que venham a rechaçar o argumento impróprio (e fraco) de que práticas culturais, tradicionais e folclóricas justificariam o sofrimento da fauna. 2.5 UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS EM EXPERIMENTOS DIDÁTICOS E CIENTÍFICOS

A propósito do crime de maus-tratos, dispõe o

parágrafo 1º do artigo 32 da Lei 9.605/98 que

incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

Trata-se da denominada vivissecção, a utilização

de animais vivos em experiências. O tipo penal incrimina

10 RE153.531-8/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ13.03.1998, p. 13.

Crime de maus-tratos... 45

tal conduta, ainda que levada a efeito a pretexto de ensino ou pesquisa, quando existirem métodos alternativos.

Os defensores do abolicionismo animal sustentam a desnecessidade, a inutilidade de se usar os animais nas pesquisas, seja por sempre haver à disposição métodos alternativos, seja pelo argumento de que o animal não-humano não serve como paradigma para o desenvolvimento de técnicas que visam atender necessidades do homem11.

Não obstante, o marco legislativo no Brasil em matéria de experiências com animais é a Lei 11.794/2008 (e seu decreto regulamentador sob nº 6899/2009), conhecida como Lei Arouca. E ela segue outro paradigma, o chamado modelo dos 3Rs - replacement, reduction and refinement (substituição do uso animais por métodos alternativos que existam à disposição, redução do número de cobaias ao mínimo indispensável e minimização do sofrimento caso imprescindível a utilização delas).

A lei de regência disciplina procedimentos para uso científico dos animais12.

11 Cf. LEVAI, Laerte Fernando e DARÓ, Vânia Rall. Experimentação animal: histórico, implicações éticas e caracterização como crime ambiental; Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 36, p. 138-150,

out-dez. 2004. 12 - Em linhas gerais, podem ser destacados os seguintes pontos da legislação de regência: 1.Limita as atividades educacionais (de ensino) fica restrita: - a estabelecimentos de ensino superior - estabelecimentos de educação profissional técnica de nível médio da área biomédica 2. Restringe aos vertebrados. (art. 2º) 3. Define experimentos (art. 3º, III) 4. Alude à morte por meios humanitários (art. 3º, IV) 5. Cria o CONCEA (Conselho Nacional de Controle e Experimentação Animal (art. 4º) e define as suas competências (art.5º) e sua constituição (arts.6º e 7º) 6. Cria as CEUAS: Comissões de Ética no Uso de Animais (art.8º), sua composição (art.9º) e competências (art.10). 7. Discorre sobre eutanásia (art. 14, §1º)

46 Direitos dos animais em perspectiva

Poder-se-ia alegar que a lei é eivada de

inconstitucionalidade, dado que a Carta Magna proíbe atos de crueldade contra animais. Ao se trilhar tal linha argumentativa, jamais se admitiriam experimentos científicos, vez que ensejam invariavelmente sofrimento, dor e sacrifício dos animais. Parece-nos, todavia, que a jurisprudência não acolheria a tese da absoluta vedação de uso de cobaias em pesquisas.

Entende-se, todavia, que interpretação sistemática da Lei 9.605/98 com a Lei 11794/2008, e com o tratamento constitucional dispensado à fauna, levaria, quando menos, à inarredável conclusão de que o uso de animais vivos em experimentos científicos deve ser absolutamente excepcional. E, em último caso, quando comprovadamente imprescindível a sua utilização, com o máximo controle para a minimização do sofrimento.

Com base em tudo isso, conclui-se que em atividades de ensino raramente seria justificável a utilização de animal vivo.

Neste quadrante, interessante o tema objeção de consciência. Com efeito, tal arguição decorre em especial do artigo 5º VIII, da Constituição Federal (“ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”).

A objeção foi alegada, por exemplo, por aluno de biologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRG, que se sentia constrangido com a utilização dos animais em aulas e pretendia delas não participar,

9. Prevê que sempre que possível, as práticas de ensino devem ser fotografadas, filmada ou gravadas, evitando-se repetições desnecessárias (art. 14, § 3º) 10. O número de animais usados deve ser o “mínimo indispensável” (art. 14,4º). 11. Aduz a procedimentos que envolvem dor ou angústia (art.14, §§4º e 5º) 12. Prevê penalidades (arts.17 a 20) e fiscalização (art.21).

Crime de maus-tratos... 47

postulando outros meios de avaliação. Chegou a obter decisão judicial favorável em primeiro grau, a qual foi, no entanto, reformada13.

Quanto às atividades de pesquisa a questão é mais complexa. A Lei autoriza a utilização de animais vivos, mas sob certos critérios e sob fiscalização e autorização das Comissões de Ética no Uso de Animais-CEUAS. Isso é muito pouco para a proteção animal.

No concernente à composição das CEUAS prevista em lei é, a nosso juízo, falha. Deveria haver previsão de mais representantes indicados pela sociedade civil, especialmente engajados nas questões de preservação do meio ambiente (e particularmente atentos à proteção dos animais), para gerar maior equilíbrio nas discussões. Normalmente prevalece a vontade do meio acadêmico (dos pesquisadores).

Neste sentido, lúcida crítica de Paulo Affonso Leme Machado:

[...] a composição [das CEUAs] foi prevista de forma astuciosa: os médicos veterinários, os biólogos, os docentes e os pesquisadores não têm número previsto em lei, mas para a representação de uma parcela da sociedade civil – a sociedade protetora dos animais – já se previu apenas um voto nas CEUAS. Assim, essa sociedade protetora dos animais será sempre minoria perante os que forem integrantes da entidade interessada. Não bastasse essa ausência de paridade de setores dentro da Comissão de Ética – dado importante na ciência da Administração –, fere-se de morte a gestão democrática da CEUA, pois “os membros da CEUA estão obrigados a resguardar o segredo industrial, sob pena de responsabilidade (art. 10, § 5º). Facilmente tudo

13 Cf. GOMES, Luiz Flávio Gomes e MACIEL, Silvio. Legislação criminal especial, 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2010, p.879-880.

48 Direitos dos animais em perspectiva

será carimbado como segredo. Uma audácia acintosa desfigurar uma Comissão que poderia tentar funcionar adequadamente se tivesse a possibilidade de ser imparcial e de se comunicar com a sociedade.14

A forma de escolha dos integrantes das CEUAS

deveria estar prevista de forma mais clara no texto legal, dando-se ampla publicidade ao certame.

Percebe-se, com clareza hialina, que Lei que institui a CEUA beira as raias da inconstitucionalidade, quando menos por ofensa aos valores democráticos, por violação aos princípios da publicidade e da impessoalidade (vez que, malgrado a alegada autonomia da CEUA, faz-se de verdadeira longa manus de instituições de ensino públicas – Administração Pública) e, principalmente, por atentar contra a proteção constitucional conferida aos animais.

Feitas tais considerações, tem-se que

apenas quando for inevitável a utilização de animais (não houver recurso alternativo) e quando o objetivo da experiência revelar um interesse socialmente mais relevante que a proteção da integridade física do animal é que será lícita a vivissecção. Assim, a experiência para a descoberta de uma vacina, pode justificar o emprego da técnica cruel; já a experiência, v.g., para a descoberta de um cosmético qualquer não nos parece afastar a ilicitude da conduta [...].15

Questão crucial é que hodiernamente há tantos

recursos para se fazer pesquisa, que se torna difícil sustentar-se a inexistência de métodos alternativos ao uso de animais, como bem observam Laerte Levai e Vânia Rall Daró:

14 Direito ambiental brasileiro. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

891. 15 GOMES, Luiz Flávio e MACIEL, Silvio. Crimes ambientais, p. 159.

Crime de maus-tratos... 49

1) Sistemas biológicos in vitro (cultura de células, tecidos e órgãos passíveis de utilização em genética, microbiologia, bioquímica, imunologia, farmacologia, radiação, toxicologia, produção de vacinas, pesquisas sobre vírus e sobre câncer); 2) Cromatografia e espectrometria de massa (técnica que permite a identificação de compostos químicos e sua possível atuação no organismo, de modo não-invasivo); 3) Farmacologia e mecânica quânticas (avaliam o metabolismo das drogas no corpo); 4) Estudos epidemiológicos (permitem desenvolver a medicina preventiva com base em dados comparativos e na própria observação do processo das doenças); 5) Estudos clínicos (análise estatística da incidência de moléstias em populações diversas); 6) Necropsias e biópsias (métodos que permitem mostrar a ação das doenças no organismo humano); 7) Simulações computadorizadas (sistemas virtuais que podem ser usados no ensino das ciências biomédicas, substituindo o animal); 8) Modelos matemáticos (traduzem analiticamente os processos que ocorrem nos organismos vivos); 9) Culturas de bactérias e protozoários (alternativas para testes cancerígenos e preparo de antibióticos); 10) Uso da placenta e do cordão umbilical (para treinamento de técnica cirúrgica e testes toxicológicos); 11) Membrana corialantóide (teste CAME, que se utiliza da membrana dos ovos de galinha para avaliar a toxicidade de determinada substância); 12) Pesquisas genéticas (estudos com DNA humano, como se verifica no Projeto Genoma), etc.16

Destarte, mister que o exegeta da norma insculpida

no parágrafo 1º, do artigo 32, da Lei 9.605/98, enfrente o tema com a necessária profundidade, a fim de investigar a existência não apenas dos tantos meios alternativos de pesquisa, mas também buscando saber se há trabalhos

16 Op. Cit.

50 Direitos dos animais em perspectiva

similares desenvolvidos com êxito sem a necessidade de vivissecção.

Não se pode olvidar a importância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, mormente porque, para além de excepcional o uso de animais em pesquisa, esta deve se revestir de real interesse público e vir ao encontro da proteção de bens de especial grandeza, como a vida humana.

2.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Extrai-se de todo o exposto que, conquanto se

tenha observado avanços na proteção à fauna, a legislação carece de aprimoramento no sentido de garantir respeito a certos direitos dos animais, relacionados à sua dignidade, à sua integridade e ao seu bem-estar, sem prejuízo do reconhecimento da importância de suas funções ecológicas.

O atual estado civilizatório não permite tolerância com atos de crueldade com animais, não servindo como justificativa tampouco valores de tradição, costumes e folclore. Neste sentido tem caminhado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, clara em rechaçar tais práticas. Há um compromisso ético do ser humano em preservar os animais não humanos contra condutas reveladoras de maus-tratos.

A previsão do crime do artigo 32 da Lei 9.605/98 veio a reforçar a proteção à fauna, aplicando-se em hipóteses de abuso, mutilação, lesão ou maus-tratos a qualquer animal (silvestre, doméstico ou domesticado), revogando-se tacitamente a contravenção penal do art. 64 do Dec. Lei 3688/41.

É criminosa a conduta de realizar experiência dolorosa ou cruel com animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem métodos alternativos.

Crime de maus-tratos... 51

Interpretação sistemática da legislação, partindo da

proteção constitucional à fauna (com expressa proibição da crueldade contra animais), passando pela exegese da figura delitiva do parágrafo 1º do artigo 32 da Lei 9.605/98 e, por fim, chegando-se à leitura crítica da Lei 11.794/2008, leva à conclusão de que o uso de animais em experimentos, ainda que para fins didáticos e científicos, é excepcional; implicando o esgotamento de todas as possibilidades de utilização de todos os outros métodos alternativos.

É necessário que se atente para trabalhos científicos similares em que não tenham sido utilizados animais, posto que servirão também de paradigma para o enquadramento típico do fato.

As Comissões de Ética no Uso de Animais-CEUAS, da forma em que previstas na Lei 11.794/2008, não garantem uma participação efetiva da sociedade civil protetora dos animais nos projetos de pesquisa que envolvam a utilização de animais vivos. Propõe-se reforma legislativa de modo a permitir o ingresso de mais participantes, representando os setores sociais e bem assim maior publicidade no processo de escolha destes representantes.

REFERÊNCIAS

CUSTÓDIO, Helita Barreira Crueldade contra animais e proteção destes como relevante questão jurídico-ambiental e constitucional. In: MILARÉ, Edis e MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental: conservação e degradação do meio ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. (Coleção doutrinas essenciais, v.2).

DIAS, Edna Cardozo. Biodireito e isonomia jurídica para a natureza não humana. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 63, abr 2009. Disponível em:

52 Direitos dos animais em perspectiva

<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5919

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro - 12ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2011

GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio. Crimes ambientais: comentários à Lei 9.605/98 (arts.1º a 69-A e 77 a 82). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

______. Legislação criminal especial, 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

LEVAI, Laerte Fernando e DARÓ, Vânia Rall. Experimentação animal: histórico, implicações éticas e caracterização como crime ambiental; Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 36, p. 138-150, out-dez. 2004.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. -19ª Ed.- São Paulo: Malheiros, 2011.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

PRADO, Luiz Regis. Crimes ambientais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

Capítulo III

ANIMAIS COMO SUJEITO DE DIREITO: CONSEQUÊNCIAS DO USO CIENTÍFICO E DO

ENTRETENIMENTO À LUZ DO DIREITO DA PERSONALIDADE

Pedro Henrique Sanches*

Thayara Garcia Bassegio**

3.1 INTRODUÇÃO

Desde os primórdios, a relação do homem com a

natureza existente é de utilização de recursos; e o mesmo ocorre em relação à utilização de animais. Seja em necessidade de sobrevivência ou de atividades esparsas, animais sempre foram e continuam sendo mero objeto para seres humanos. Inclusive, constantemente é possível encontrar notícias, em nossa sociedade, envolvendo alguma prática humana contra os animais.

Atualmente, a lei 11.794, de 2008, é a legislação mais utilizada e eficaz, embora de conteúdo genérico, que trata de direitos dos animais em práticas laboratoriais de experimentos científicos. Ademais, qualquer outra prática envolvendo animais é descabida de legislação federal, sendo necessário, em muitos casos leis estaduais e

* Mestrando em Ciência Jurídica pelo Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. Sob orientação de Cleide Aparecida Gomes Fermentão. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós-Graduando em Direito Empresarial pelo centro Universitário de Maringá – UniCesumar. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Maringá. Advogado em Maringá-PR. Endereço eletrônico: [email protected] ** Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Graduada em Direito Empresarial pelo Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. Advogada em Maringá-PR. Endereço eletrônico: [email protected]

54 Direitos dos animais em perspectiva

municipais a tratar do tema. A ausência de legislação a respeito de direito dos animais, oriunda em uma diminuição na eficácia de aplicação de normas a seres não humanos, o que torna fatalmente pouco difundido o entendimento de animais como sujeitos de direito, embora já seja aplicado tal entendimento.

A legislação atual se funda em tratar da prática envolvendo os animais, bem como quais os limites a serem obedecidos pelos praticantes. Além disso, coube à lei criar órgãos de fiscalização de tais práticas. Ademais, em casos de violação de direitos, pertinente observar a aplicação do entendimento de animais como sujeito de direitos, em razão de terem direitos garantidos violados.

De fato, não há como um animal ter a legitimidade ad causam para se apresentar em juízo, mas deve ser observado que há sim o direito garantido do animal integrar como sujeito de direito obtendo o instrumento processual da representatividade, a capacidade jurídica.

Cumpre observar que a introdução dos direitos dos animais, assim como outras matérias, está gradativamente trazendo mudanças para o direito. Para um estudo mais minucioso, importante esclarecer que ser sujeito de direito é ser titular de um direito, não exige necessariamente outros requisitos para a efetivação de um direito em decorrência de uma violação legislativa.

3.2 ABUSO NA UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS E VIOLAÇÃO DE DIREITOS

Desde os primórdios, o ser humano utilizou-se de

animais como meio de sobrevivência, por intermédio de sua carne, pele, gordura, dentre outras necessidades. Entretanto, com a evolução da humanidade, deixou-se de usar o animal como fonte de sobrevivência e passou a inseri-lo lentamente de diversas formas, principalmente no ramo de entretenimento. Posteriormente com a evolução tecnológica, os animais foram vistos como fonte de matéria

Animais como sujeito de direito... 55

prima para a fabricação de diversos produtos. Assim, é fácil a percepção que o animal nem sempre é utilizado de maneira virtuosa, tendo muitas vezes a existência de práticas abusivas e desnecessárias. Em diversos setores verificados o tratamento inadequado que é dado ao animal, seja utilizando-o como atração, objeto ou qualquer outra forma, sendo que essa a atual temática é cada vez mais crescente.

Necessário se faz uma análise minuciosa acerca da utilização dos animais em diversos segmentos e maneiras, afim de poderem ser analisados os direitos que devem ser invocados, bem como a garantia que deve prevalecer sobre esses seres não humanos, posto que um direito surge em razão de infundadas práticas abusivas.

A lei 9.605/98, em seu artigo 32, prevê como crime atos de maus tratos, sendo este todo e qualquer ato que gere abuso, ferimentos ou mutilações em animais silvestres, domésticos, domesticados, nativos ou exóticos. Intencionalmente buscou o legislador abranger a proteção conferida da norma, tentando abarcar o Máximo de condutas que gerem o mal-estar, desconforto, dores e angústias aos animais.1

Como diversas são as situações que se utilizam de animais como objeto para a prática de diferentes atos, vamos nos ater àqueles mais comum e mais comentados em nível nacional.

1 MARTINS, Natalia Luiza Alves. A proteção jurídica dos animais no direito brasileiro: por uma nova percepção do antropocentrismo.

2011, 134 f. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade de Fortaleza, 2012, p. 87. Disponível em: < http://www2.unifor.br/tede//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=885681>

56 Direitos dos animais em perspectiva

3.2.1 Animais utilizados como objeto de entretenimento

Há muitos séculos que os animais são utilizados

como objeto de entretenimento pelos seres humanos, tanto em apresentações circenses como em zoológicos, muitas vezes esses seres são a atração principal de estabelecimentos do segmento. Em razão da inclusão de animais em diversos ramos de entretenimento, muito se discute a respeito do tratamento recebido por tais animais, pois não raras são as denúncias existentes neste sentido.

Em relação aos animais circenses e aos de zoológicos deve-se considerar uma polêmica afirmação dada por empresários do segmento, que utilizam-se do artigo 82 do Código Civil para justificar a devida utilização de animais em espetáculos, pois afirmar que animais se enquadram como bens móveis, ou seja, são considerados coisas e, portanto, podem ser livremente dispostos por seus donos.2 O que almeja em diversas discussões pois há uma conduta de que evitando mutilações e ferimentos, significaria que tais animais estão sendo bem tratados, e devemos considerar o fato de que há diversos fatos envolvidos, como por exemplo a saúde mental de um animal, em que saindo de seu habitat natural, pode apresentar inclusive riscos para as pessoas que o permeiam, com comportamento agressivo ou inclusive, portanto, algumas doenças.

O Brasil gradativamente está se adaptando aos atuais parâmetros de espetáculos circenses e zoológicos com a implementação de leis estaduais e municipais, proibindo instalação de circos que possuem animais como

2 MARTINS, Natalia Luiza Alves. A proteção jurídica dos animais no direito brasileiro: por uma nova percepção do antropocentrismo.

2011, 134 f. Dissertação (Mestrado em Direito), Universidade de Fortaleza, 2012. p. 88. Disponível em: < http://www2.unifor.br/tede//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=885681>

Animais como sujeito de direito... 57

espetáculo, mas frise-se que ainda não há lei federal nesse sentido.

Entre a utilização de animais para o ramo do entretenimento, não se pode deixar de mencionar as rinhas de galo, pois por mais incomum que gradativamente passou a ser, ainda existe; e um dos motivos é a rotatividade de dinheiro que há nesse ramo. Logo que começou a se disseminar, a rinha de galo foi considerada ilegal a partir do Decreto Federal nº 24.645, de 10 de julho de 19343.

Outra prática que frequentemente aparece em discussões são os rodeios, ato que envolve as montarias, principalmente em razão dos maus tratos que geralmente envolvem esses animais. A jurisprudência é bastante conflitante quanto ao tema, e atualmente o rodeio segue como prática liberada pela legislação brasileira.

Há, ainda, outras práticas de entretenimento que envolvem os animais, e sempre tal assunto tem bastante conflitos e decisões, pois há que se falar em conflito de direitos e até mesmo da cultura popular brasileira que acaba influenciando nas decisões.

3.2.2 Animais utilizados em experimentos científicos

A pesquisa cientifica é de suma importância para o

desenvolvimento da sociedade e é inegável a necessidade de uso de animais em experimentos para a satisfação do resultado.

A lei 11.794, de 2008, também conhecida como lei arouca é a legislação mais recente a tratar do tema de uso de animais em experimentos científicos. Dentre os assuntos tratados dessa lei, pode-se encontrar a determinação de quais atividades são consideradas de pesquisa cientifica, quais são os animais autorizados a serem utilizados em pesquisas cientificas, bem como a criação do CONCEA - Conselho Nacional de Controle de

3 Ibidem, p. 96.

58 Direitos dos animais em perspectiva

Experimentação Animal, dentre outros assuntos tratados, que têm suas atribuições definidas no artigo 5º da referida lei4.

Primeiramente devemos entender que a lei arouca, assim como ocorreu com a lei 6.638, então revogada pela atual lei, foi criada com o intuito de regulamentar o uso de animais para garantir o bem-estar e dignidade dos mesmos, liberando uso de animais em estabelecimentos de ensino técnico e de segundo grau da área biomédica.

A lei arouca, por se tratar de uma lei em que trata de forma superficial do direito dos animais, diversas são as críticas existentes por profissionais defensores dos direitos dos animais em cima da lei em pauta. De modo geral, a maioria cita a lei 11.794, como sendo um retrocesso tanto científico como legislativo, pois afirma-se que houve um desprezo quanto à luta pelos direitos dos animais, bem como aos métodos alternativos de menor malefício, afirmando alguns profissionais da área, inclusive, que a legislação buscou legitimar a prática da utilização de animais, afrontando a Constituição Federal5.

Por fim, devemos entender que a utilização de animais como objetos de experimento é necessária, pois deve haver a constante busca de avanços científicos, entretanto, pautado em uma razoabilidade, em que deve haver um equilíbrio entre a necessidade extrema de utilização de animais, como experimentos científicos e erradicar práticas desnecessárias para o avanço tecnológico.

4 BRASIL, Presidencia da República, Casa Civil, Lei 11.74 de 08 de outubro de 2008. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11794.htm> Acesso em: 12 abr. 2016. 5 DALBEN, Djeisa; EMMEL, JOÃO Luís. A lei Arouca e os direitos dos animais utilizados em experimentos científicos. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.4, p. 280-291, 4º Trimestre de 2013. p. 284. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044.

Animais como sujeito de direito... 59

É fato que, além do que foi citado, há outras formas

inadequadas de utilização de animais, como a utilização de animais para comércio, a típica situação de tráfico de animais silvestres ou, ainda, a utilização de animais em rituais religiosos. Embora todas sejam condutas que merecem estudos por serem de prática duvidosa, nesse primeiro momento cumpre centralizar em práticas mais corriqueiras e de proporções gigantescas em patamar nacional.

3.3 ANIMAIS COMO SUJEITO DE DIREITO, REFLEXO DO DIREITO DA PERSONALIDADE

A grande parte da doutrina já classifica os animais

como sujeito de direitos, em um de seus argumentos, a justificativa está na analogia do reconhecimento do direito da personalidade para as pessoas jurídicas, isto é, as pessoas jurídicas possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento em que registram seus atos constitutivos em órgão competente. Como consequência, as pessoas jurídicas podem adentrar em Juízo com a finalidade de pleitear esses direitos.

É evidente que os animais não têm capacidade de comparecer ao poder legislativo, executivo ou judiciário para tutelar seus direitos, cabe ao Poder Público e à coletividade que receberam a incumbência constitucional de sua proteção. O Ministério Público possui a competência legal para representá-los em Juízo, quando as leis que os protegem forem violadas.

Desta forma, pode-se acatar com clareza que os animais são sujeitos de direitos, ainda que esses tenham que ser pleiteados por representatividade, da mesma forma que ocorre com os seres relativamente incapazes ou os incapazes, que, entretanto, são reconhecidos como pessoas.

60 Direitos dos animais em perspectiva

Como bem explica Silvo Romero Beltrão6,

trabalhando o conceito de personalidade, como a principal diferença do ser humano com os animais, senão vejamos o que expõem o autor:

Pelos direitos da personalidade, o ser humano é diferente do ser animal, pois pode contestar as situações mundanas, não se confunde com os elementos integrantes da natureza, possui os seus próprios fins independentemente de seus instintos, busca o domínio de suas funções vitais e psíquicas, e até, ultrapassa o seu condicionamento biológico.

Enraizando-se no tema Direito da personalidade,

impõem-se algumas considerações preliminares a respeito do conceito de personalidade – apenas alguns apontamentos básicos sem, contudo, adentrar no âmbito da filosofia, psicologia, sociologia ou antropologia.

O termo “personalidade” (do latim personalitate) é definido como “Qualidade pessoal. Caráter essencial e exclusivo de uma pessoa”.7

Opõe-se à acepção de generalidade e expressão a singularidade, a independência, a vida autônoma do ente em questão8. No sentido jurídico, é a aptidão que tem todo homem, por força da lei, de exercer direitos e contrair obrigações.9

É de se reconhecer que personalidade não se confunde com o direito da personalidade, posto que, enquanto a primeira se refere à própria característica de

6 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos de Personalidade de acordo com o Código Civil. São Paulo: Atlas, 2005, p. 16. 7 DICIONÁRIO BRASILEIRO DA LÍNGUA PORTUGUESA. São Paulo: Encyclopaedia brittannica do Brasil, V. 3. 1987. p. 1321 8 SILVA, Joseph de Plácido e. Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo:

Rideal, 1995, p. 437. 9 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (Org.). Dicionário Técnico Jurídico. São Paulo: Rideal, 1995, p. 437.

Animais como sujeito de direito... 61

ser de uma pessoa, o último quer significar a proteção jurídica desta característica.

Neste sentido: A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.10

E, ainda: Dessa forma, a personalidade se apresenta como um bem que serve ao sujeito de direito para o pleno gozo e exercício dos demais bens. O conjunto desses primeiros bens é tutelável juridicamente, e essa proteção constitui os denominados direitos da personalidade.11

De fato, os animais não possuem personalidade,

posto que esta se refere aos próprios elementos que compõem o indivíduo. Todavia, realizando uma compreensão jurídica, filosófica e moral pode-se entender que os animais possuem tutela do direito da personalidade.

Ao debater sobre personalidade em seu sentido jurídico, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de Sousa12 destaca que, mesmo para efeitos jurídicos, não é unívoco o conceito de personalidade e questiona:

10 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo:

Saraiva, v. 1, 1993, p. 83. 11 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua tutela. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 35. 12 SOUSA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de. O direito geral de personalidade. Coimbra Editora, 1995, p. 14.

62 Direitos dos animais em perspectiva

Que é, pois, personalidade para o direito? Que elementos da individualidade física e moral do homem são protegidos pelo direito? Que expressões da personalidade de cada homem são juridicamente tutelados? [...].

Muitas são as respostas a serem apresentadas, de

modo que definir personalidade como a aptidão para ser sujeito de direito, ou seja, sujeito de atribuição de direitos e obrigações (art. 1º, do Código Civil brasileiro) é bastante limitado.

Em se tratando de direitos da personalidade, deve-se considerar a personalidade como objeto de direito, como um bem jurídico.

Bem jurídico, por sua vez, configura um valor cultural; tem cunho axiológico. Trata-se de um interesse do homem e, como tal, deve ser garantido pelo Direito. Neste sentido, o ordenamento jurídico não cria o bem jurídico, ele é um interesse humano vital erigido a condição de bem jurídico pela proteção do Direito.

Em síntese, o significado de bem jurídico, valiosos são os ensinamentos de Luiz Régis Prado.13 Para ele, o bem jurídico é uma realidade válida em si mesma, cujo conteúdo axiológico independe do juízo valorativo do legislador. A norma não cria o bem jurídico, apenas a encontra, pois, o fim do Direito é proteger os interesses do homem e estes preexistem à intervenção normativa.

A personalidade é um bem, e o mais importante dentre os bens jurídicos, pois dele depende o pleno gozo e o exercício dos outros bens jurídicos. Neste sentido, aduz SZANIAWSKI14:

Personalidade se resume no conjunto de caracteres do próprio indivíduo; consiste na parte intrínseca da pessoa

13 PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e Constituição. 2. Ed. São

Paulo: RT, 1997, p. 32. 14 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua tutela. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 40.

Animais como sujeito de direito... 63

humana. Trata-se de um bem, no sentido jurídico, sendo o primeiro bem pertencente à pessoa, sua primeira utilidade. Através da personalidade, a pessoa poderá adquirir e defender os demais bens [...]. Os bens que aqui nos interessam são aqueles inerentes à pessoa humana, a saber: A vida, a liberdade e a honra, entre outros. A proteção que se dá a esses bens primeiros dos indivíduos denomina-se direitos da personalidade.

Assim, na condição de bem jurídico, a

personalidade é protegida juridicamente, está tutelada pelo Estado de Direito democrático, por intermédio dos denominados “direitos da personalidade”. Desta forma, os animais estariam protegidos pelo direito da personalidade.

3.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise, acima descrita, constata-se que

a análise do animal como sujeito de direito é um forte aliado para auxiliar na concretização da harmonia e equilíbrio deste ser não humano na sociedade brasileira. Advirta-se que para utilizar tais organismos, pautar-se nos princípios norteadores, a proteção jurídica dos animais, do Direito ambiental, considerado cláusula geral dos direitos da personalidade.

Somente por meio do respeito aos princípios supramencionados são possíveis a concretização e a realização a vida digna dos animais, tendo em vista que são estes os paramentos para que o Estado de assistência a estes seres vivos.

Assim, a prestação de normas positivadas inertes no ordenamento jurídico brasileiro em sua essência não desencadeia a completa asserção da vida digna para os animais, podendo montar apenas a tutela abstrata, não fundamentando e resguardando o direito deste ser não humano.

Destarte, a existência de normas em defesa dos animais. Como na Constituição Federal, a implantação de

64 Direitos dos animais em perspectiva

políticas nacional de proteção aos animais, por força da Lei 9.605/98, a qual prevê crime atos de maus tratos, sendo qualquer ato que gere abuso, ferimentos ou mutilações em animais silvestres, domésticos, domesticados, nativos ou exóticos.

E ainda, o que se refere ao experimento científico, com o advindo da lei arouca, através da Lei 11.794 de 2008 o qual perfilhou-se os direitos presentes aos animais, preservando a sua integridade física e psíquica, frente ao experimento cientifico.

Por fim, observou-se que, infelizmente, para uma melhor análise e concretização deste direito positivado é imprescindível a atuação estatal, através de políticas públicas para resguardar os animais na sociedade, determinar a fiscalização deste no entretenimento e no uso para fins científicos, na medida em que dissemina a importância da efetividade de normas e do afastamento do simples entendimento como mercadoria.

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_______, Presidencia da República, Casa Civil, Lei 11.74 de 08 de outubro de 2008. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11794.htm> Acesso em: 12 abr. 2016.

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Capítulo IV

DOS MEIOS JURISDICIONAIS PARA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS ANIMAIS

Cynthia Akina Yoshii Uchida*

4.1 INTRODUÇÃO

Hodierna e mundialmente, vislumbra-se uma

crescente conscientização acerca do bem-estar dos animais em geral, desde a fauna silvestre até os animais domésticos. De acordo com a circunstância, a proteção deste bem-estar animal pelos seres humanos pode ser revelada de diversas maneiras.

Exemplificativamente, no caso dos animais silvestres, esta proteção pode ocorrer com a preservação do habitat natural e a mínima intervenção humana; nos casos dos animais para consumo humano, o amparo pode se relacionar com a oferta de modos dignos de criação e abate; em se tratando de animais domésticos, o bem-estar animal pode se resumir à presença de afetividade e cuidados na saúde do pet. Inúmeras outras hipóteses como a restrição do uso de animais em experimentos científicos; e a proibição do uso de animais em espetáculos circenses são exemplos de artifícios criados pelo homem no intuito de preservar o direito dos animais.

Apesar do aumento da atividade legiferante, objetivando tutelar o bem-estar dos animais, por vezes se demonstra necessária a atuação do Poder Judiciário em razão da transgressão de dispositivos legais, da omissão legislativa e do conflito de direitos.

* Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR.

68 Direitos dos animais em perspectiva

Assim, para melhor tutelar o bem jurídico meio

ambiente – encontrando-se nesta esfera os animais –, introduziu o legislador, no texto constitucional, certos instrumentos processuais aptos a salvaguardar os direitos dos animais. É neste ponto que se enfoca o presente estudo, o qual pretende demonstrar quais institutos processuais civis são cabíveis na defesa dos animais, bem como suas peculiaridades.

4.2 DESENVOLVIMENTO

A Constituição Federal de 1988, diferentemente

das constituições anteriores, inovou ao elevar o meio ambiente à categoria de garantia constitucional, trazendo ainda um capítulo específico sobre este bem jurídico. Apesar dessa importante inovação, o legislador acabou mencionando o direito dos animais de modo tangencial, mais especificamente no inciso VII, § 1º, art. 225 da CF:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: […] VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

A razão da falta de especificidade da proteção do

direito dos animais no texto constitucional está lastreada no fato de que o ordenamento jurídico brasileiro, conforme defende Frederico Amado (2014), baseia-se principalmente na teoria do antropocentrismo, ou seja, baseia-se na ideia de que a preservação ambiental serve

Dos meios jurisdicionais... 69

e beneficia unicamente o homem, para proveito de seus próprios interesses.

Tanto é assim que alguns doutrinadores, como Paulo de Bessa Antunes (2010), defendem que o direito dos animais não está abrangido dentro da disciplina do direito ambiental, justificando tal tese pela impossibilidade de equiparação do direito à vida de todos os seres vivos.

De fato, não há como equiparar o direito à vida de um ser humano com a vida de um animal, pois, se assim fosse, estaria o ordenamento jurídico obrigado a, por exemplo, proibir o abate de animais para consumo humano, ação que é permitida pela legislação pátria quando observadas determinadas formalidades e exigências legais (FIORILLO, 2013).

Contudo, e de acordo com Amado (2014), impende ressaltar que, mesmo não sendo sujeitos de direito, os animais não deixam de representar uma forma de vida e que, pelo simples fato de estarem vivos, já merecem uma determinada proteção, mesmo que limitada, recebendo ainda um regime jurídico especial, “sendo defeso qualquer ato cruel contra os animais irracionais”.

Nesta linha de pensamento, deve ser incluído dentro do conceito de fauna qualquer animal em geral, dos animais silvestres aos domésticos. Sobre o assunto preleciona o ilustre autor Celso Antonio Pacheco Filho (2013) que,

Aceitar que a única fauna a ser tutelada é a silvestre é distanciar-se do comando constitucional, porque, se assim fosse, os animais domésticos não seriam objeto de tutela. Deve-se observar em relação a estes que, embora não possuam função ecológica e não corram risco de extinção (porquanto são domesticados), na condição de integrantes do coletivo fauna, devem ser protegidos contra as práticas que lhes sejam cruéis, de acordo com o senso da coletividade.

70 Direitos dos animais em perspectiva

A reputação do termo “fauna” como gênero de

todos os tipos de animais (e que, portanto, até os animais domésticos, os silvestres, os de trabalho, os de abate, dentre outros, estariam agasalhados sob a proteção da Carta Magna) trouxe a tese, defendida por parte da doutrina, de que a Constituição Federal de 1988, nas palavras de Amado (2014), “adotou o antropocentrismo, mitigado por doses de biocentrismo e de ecocentrismo, o que acentua o dialeticismo constitucional”. Segundo este mesmo autor, o biocentrismo, apenas a título de curiosidade, defende que cada vida é única, com valor intrínseco, sendo vedado o abate de animais para consumo, sendo defeso ainda qualquer imposição de sofrimento ou maus tratos; já para o ecocentrismo, o consumo de carne de animais pelos humanos é possível, pois decorre de uma necessidade natural, inerente à própria biologia humana.

Em uma outra visão, parte da doutrina tem considerado que o texto constitucional segue uma linha de antropocentrismo alargado, o qual, conforme ditam Pilati e Dantas (2011), denota o bem jurídico meio ambiente como um “direito subjetivo do indivíduo e da coletividade, já que constitui pressuposto da vida humana; e, também, como bem autônomo, que merece proteção por si só, independentemente do interesse humano”. Esta linha enfatiza que a dupla dimensão da proteção do bem ambiental passa a incluir o meio ambiente também como um bem autônomo, merecendo proteção independentemente do interesse humano.

Tenha a Constituição cidadã adotado a teoria antropocêntrica com doses de biocentrismo e ecocentrismo, ou adotado a teoria do antropocentrismo alargado, o fato é que os animais não podem ser excluídos da tutela constitucional, porquanto a fauna, de um modo geral, deve ser respeitada tanto em razão de sua função ecológica – como para a preservação de espécies nativas, aptas a manter um equilíbrio de um ecossistema saudável

Dos meios jurisdicionais... 71

– , como em razão do próprio “bem-estar psíquico do homem” (FIORILLO, 2013) – demonstrada, por exemplo, pela manifestação de solidariedade e compaixão aos animais.

E é nesta esteira que segue a jurisprudência nacional, a qual vem proferindo decisões protetivas do direito dos animais com respaldo no art. 225, § 1º, VII, CF e, incluindo, desta forma, o direito dos animais dentro do direito ambiental. Ao prosseguir desta forma, a proteção à fauna e a proibição de crueldade animal acabam gozando do mesmo status de direito difuso que possui o bem jurídico meio ambiente, em razão de seu caráter transindividual. Deste modo, o direito dos animais passa a ser visto como um direito do indivíduo e também da coletividade, podendo restringir direitos de particulares e do próprio Estado em prol ao direito fundamental a um meio ambiente equilibrado, sem submissão dos animais a atos de crueldade.

E é neste contexto de inserção do direito dos animais dentro do direito ambiental em geral é que serão analisados alguns dos meios judicias aptos a tutelar o direito dos animais, tanto na seara prática, com menções de precedentes judiciais, como na seara hipotética. Dentre os meios analisados estão o mandado de injunção, o mandado de segurança coletivo, a ação popular e também a ação civil pública. 4.2.1. Da ação civil pública

Um dos meios processuais civis mais utilizados

para a proteção do direito dos animais é a Ação Civil Pública, mormente pela previsão expressa de dever de defesa do meio ambiente e de outros interesses coletivos e difusos pelo Ministério Público, in verbis:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: […]

72 Direitos dos animais em perspectiva

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

A ação civil pública, inclusive quanto à proteção

ambiental, está disciplinada na Lei 7.347/85, a qual foi recepcionada pela Constituição 1988, tendo recebido ao longo dos anos uma ampliação da matéria abrangida, principalmente em face do inciso III, do art. 129, da CF, que atribuiu a esta lei também o dever de proteção de interesses difusos e coletivos (ANTUNES, 2010).

Apenas como observação, mesmo se não estivesse abrangida pelo bem jurídico meio ambiente, a defesa da fauna poderia ser enquadrada como um direito difuso, tendo em vista que inexiste “determinação subjetiva de sua titularidade” (FARIAS et al, 2015). Como direitos difusos, a defesa do meio ambiente e da fauna representam “interesse supraindividual/transindividual ou metaindividual, já que pertence a um número indeterminado e indeterminável de pessoas ligadas por meras circunstâncias de fato” (OLIVEIRA, 2012), ensejando, assim, a propositura da ação civil pública.

Importante frisar que o Ministério Público não é o único ente competente para propositura da ação civil pública, encontrando-se também legitimados os entes arrolados no art. 5º da Lei 7.347/85, quais sejam, a defensoria pública; a União, Estados, Distrito Federal e Municípios; a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; e as associações que estejam constituídas a pelo menos um ano e que incluam entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Quando a ação não for proposta pelo Ministério Público, caberá a este atuar no feito como fiscal da lei,

Dos meios jurisdicionais... 73

conforme parágrafo 1º, art. 5º da Lei 7.347/85, devendo ainda assumir o polo ativo quando a associação autora desiste infundadamente ou abandona a causa (parágrafo 3º, art. 5º da Lei 7.347/85).

Embora a ação civil pública possua uma ampla gama de hipóteses de cabimento, de acordo com a Lei 7.347/85, como bem diz Paulo de Bessa Antunes (2010), “dentre os bens jurídicos tutelados pela presente lei, o meio ambiente é um dos que merecem maior destaque”. Neste ponto, cabe expor o conceito de “meio ambiente” que, segundo o inciso I do art. 3º da Lei 6.938/81 – Lei que dispõe acerca da Política Nacional do Meio Ambiente –, é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Pontua-se ainda que a ação civil pública tem como finalidade a “indenização pelo dano causado destinada à reconstituição dos bens lesados. Pode também ter por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer” (FERREIRA FILHO, 2007). Como bem se visualiza da jurisprudência pátria, a maior parte das ações civis públicas relativas à proteção aos direitos dos animais baseia-se no pedido do cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, como é o caso do seguinte julgado que decidiu sobre a proibição da caça no estado do Rio Grande do Sul:

ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. FALTA DE INTERESSE DE AGIR E SENTENÇA ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. IRREGULARIDADES NA PERMISSÃO PARA CAÇA AMADORÍSTICA NO RIO GRANDE DO SUL NA TEMPORADA DE 2005. ESTUDOS NÃO CONCLUSIVOS. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. INCIDÊNCIA DO ART. 333, II DO CPC. VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DE PODERES. INOCORRÊNCIA. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 18 DA LEI Nº 7.347/85. DISPOSITIVO QUE NÃO SE

74 Direitos dos animais em perspectiva

APLICA AO RÉU NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Incide, aqui, o princípio da precaução. […]. Ora, consoante exaustivamente demonstrado pela r. sentença e no parecer do douto MPF, a Instrução Normativa IBAMA nº 99/05 foi editada ao arrepio do art. 225, § 1º, I e VII, da CF/88, eis que sequer a legislação ordinária serviria de amparo à sua edição. 2. Provimento da apelação da autora e improvimento das apelações dos réus e da remessa oficial. (TRF4, AC 2005.71.00.017196-9, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 07/05/2008) (Sem grifo no original)

A ação civil pública em comento foi proposta pelo

Movimento Gaúcho de Defesa do Animal – MGDA, que contestou as pesquisas que autorizavam a caça no estado do Rio Grande do Sul. A tese esposada pelo douto magistrado levou em consideração o parecer do Ministério Público Federal, que verificou que o IBAMA havia autorizado a caça no estado gaúcho mesmo havendo insuficiência de estudos quanto às potencialidades da caça ao ecossistema.

Cita-se ainda outro exemplo de ação civil pública interposta para a proteção da fauna silvestre:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 225, VII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXPEDIÇÃO DE INSTRUÇÃO NORMATIVA PARA APROVAR O COMÉRCIO DE JIBÓIAS, IGUANAS E JABUTIS COMO ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO (PETS). IMPOSSIBILIDADE. PROTEÇÃO AO MEIO-AMBIENTE E À FAUNA COMO GARANTIA CONSTITUICIONAL. 1. O art. 225 e VII da Constituição Federal expressamente determina a necessidade de proteção da fauna e assegura a todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado, consistente em garantir a sadia qualidade de vida do povo, promover saúde o bem-estar e segurança. Veda o dispositivo as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,

Dos meios jurisdicionais... 75

provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade." 2. Ao permitir que animais da fauna silvestre convivam em ambiente doméstico na qualidade de animais de estimação, coloca-se em risco a persecução ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, diante da exposição da sociedade aos riscos provenientes em casos de fuga, doenças e abandono, entre outros. Igualmente, ao retirá-los de seu habitat compromete-se a fauna e o equilíbrio ecológico advindo da atividade de degradação. 3. Diante da elevação em nível constitucional do meio ambiente, à categoria de bem de uso comum do povo, o interesse público impõe, diante da grande probabilidade de ocorrência de prejuízos, inclusive físicos, seja inviabilizada a possibilidade de criação de jibóias, iguanas e jabutis como animais de estimação, pela via de Instrução Normativa, ato infra-legal. (TRF-3 - AC: 29547 SP 2002.61.00.029547-2, Relator: JUIZ CONVOCADO EM AUXÍLIO MIGUEL DI PIERRO, Data de Julgamento: 09/10/2008, SEXTA TURMA)

Abaixo seguem julgados que coibiram a prática de

maus-tratos e atos cruéis de animais para entretenimento humano:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMBIENTAL (PROTEÇÃO DA FAUNA EXÓTICA - ANIMAIS SUBMETIDOS A MAUS TRATOS POR UM CIRCO). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA COM CONDENAÇÃO DO IBAMA EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ELOGIÁVEL O TRABALHO DO AUTOR (ALIANÇA INTERNACIONAL DO ANIMAL), EM CONTRASTE COM A INÉPCIA DA AUTARQUIA (IBAMA) QUE EXISTE TAMBÉM PARA PROTEGER OS ANIMAIS, CRIATURAS DE DEUS, INOCENTES, SUBMETIDAS À CRUELDADE HUMANA. REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO DESPROVIDOS. 1. Apelação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/IBAMA contra a sua condenação em honorários advocatícios e despesas antecipadas pela autora, a associação civil sem fins lucrativos Aliança

76 Direitos dos animais em perspectiva

Internacional do Animal, feita na ação civil pública julgada procedente, que objetivava a apreensão de animais silvestres exóticos, adquiridos e mantidos em desacordo com a legislação vigente pela segunda requerida, a empresa paulista Beto Pinheiro Comércio, Promoções e Eventos Ltda - Circo di Nápoli. 2. Essa ação civil pública, nascida a partir da análise - efetuada pela autora - do procedimento administrativo acerca dos referidos animais, protocolizado pelo circo corréu junto ao IBAMA, só tomou corpo em razão da inércia e da inépcia do ente federal em desempenhar a tempo e modo adequados a fiscalização que deveria exercer por meio de sua estrutura executiva, e, especialmente, por iniciativa própria. Animais exóticos mortos ou maltratados, outros desaparecidos pelos rincões deste Brasil, mas muitos salvos graças a altaneira atitude da autora ALIANÇA INTERNACIONAL DO ANIMAL. 3. A presente demanda escancara o desrespeito que os humanos devotam aos inocentes animais, também eles criaturas de Deus, e o desastre ecológico mencionado na inicial só não foi pior graças a atuação sumamente elogiável da ALIANÇA INTERNACIONAL DO ANIMAL, em contraste com a inépcia e o despreparo da União Federal, que deveria atuar - e não o faz - por meio de sua autarquia criada e mantida com dinheiro público justamente para, também, defender a fauna, mesmo que alienígena e exótica. 4. Sem reparo a condenação do IBAMA em honorários, tal como posto na sentença, salientando-se que o valor foi fixado no mínimo previsto na tabela da Ordem dos Advogados do Brasil/OAB e é módico frente ao excelente trabalho realizado pela ALIANÇA INTERNACIONAL DO ANIMAL, que não mediu esforços para localizar os espécimes colecionados pelo circo corréu. 4. Reexame necessário e apelação desprovidos. (TRF-3 - APELREEX: 4114 SP 0004114-88.2003.4.03.6100, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, Data de Julgamento: 24/04/2014, SEXTA TURMA)

Dos meios jurisdicionais... 77

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CRIAÇÃO E REALIZAÇÃO DE "BRIGAS" OU "RINHAS" DE GALO. MAUS TRATOS A ANIMAIS. DANO AMBIENTAL CARACTERIZADO. A criação de galos e a promoção das denominadas "brigas" ou "rinhas" entre esses animais é prática que afronta a proteção que a Constituição Federal confere à fauna e à flora no inciso VII do § 1º do seu art. 225, quando veda atos de crueldade contra animais, no que se incluem tanto os silvestres quanto os domesticados ou domésticos, configurando dano ao meio ambiente, cuja responsabilidade é objetiva, nos termos do 225, § 3º, da Carta Magna, e 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81. Hipótese em que no estabelecimento de propriedade do demandado foram encontrados pela patrulha ambiental criação de galos finos, em lugar estreito, sem ventilação, não atendendo a condições necessárias de tratamento, além de diversos materiais usualmente utilizados em rinhas, como tambor, luvas, biqueiras, esporas de metal e plásticas, vidros com anabolizantes, antibióticos e seringas, que são utilizados nos animais para lhes conferir mais força e resistência em combate. Precedentes do TJRGS e STF. Apelação com seguimento negado. (Apelação Cível Nº 70062570692, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 24/11/2014). (TJ-RS - AC: 70062570692 RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Data de Julgamento: 24/11/2014, Vigésima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/11/2014)

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REALIZAÇÃO DE VAQUEJADAS. OCORRÊNCIA DE MAUS-TRATOS E CRUELDADE A ANIMAIS. DETERMINAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. I - O Ministério Público possui interesse de agir ao propor

78 Direitos dos animais em perspectiva

ação civil pública visando à defesa de interesses ou direitos difusos, como a proteção ao meio ambiente, consoante assegura a Constituição Federal de 1988 e a legislação infraconstitucional. II - A CF/88 outorgou ao Ministério Público a tarefa de promover a defesa do meio ambiente, em razão de um interesse maior, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública. O Ministério Público visa, assim, a realização de um interesse público fundamental, qual seja, a proteção do meio ambiente, a fim de possibilitar a recomposição das lesões eventualmente apuradas e evitar que novos danos ocorram. III - A tutela ao meio ambiente, diante da magnitude desse bem jurídico, foi alçada pela Constituição Federal de 1988 à categoria de garantia constitucional. A preocupação do constituinte com o meio ambiente foi tamanha que decidiu reservar-lhe todo um capítulo na Carta Magna para disciplinar a matéria, traçando todas as diretrizes em seu art. 225, parágrafos. IV - O parágrafo 1º do art. 225 da Constituição Federal impõe a incumbência do poder público em proteger a fauna, vedando qualquer atividade que submeta os animais a crueldade. Nesse sentido, o art. 32 da Lei nº 9.605/98 criminalizou a utilização de meios cruéis contra animais. V - O Supremo Tribunal Federal, no famoso caso do evento denominado "Farra do Boi", realizado no Estado de Santa Catarina, entendeu ser inviável a compatibilização dessa manifestação cultural com a ocorrência de maus-tratos e crueldade a animais. VI - "A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade" (RE 153531, Relator p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 03/06/1997, DJ 13-03-1998 PP-00013 EMENT VOL-01902-02 PP-00388). VII - Remessa desprovida. (TJ-MA - REEX: 0429322013 MA 0000278-38.2011.8.10.0106, Relator: MARCELO CARVALHO SILVA, Data de

Dos meios jurisdicionais... 79

Julgamento: 22/10/2013, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/10/2013) APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. "CARREIRAS DE BOI CANGADO". PROIBIÇÃO. PRÁTICA QUE IMPINGE MAUS TRATOS AOS ANIMAIS. Conforme art. 225 da Constituição Federal, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Não se nega que as "Carreiras de Boi Cangado" integram a cultura popular do Vale do Jacuí e como tal mereceriam do poder público incentivo. Todavia, encontram pelo menos dois óbices à sua manutenção, nos moldes até então praticadas: o primeiro reside nos maus tratos e crueldade impostos aos bois participantes da "carreira"; o segundo, no jogo, nas apostas que envolvem e até, de certo modo, estimulam a realização dos eventos. Nítida a presença de maus tratos, de rigor excessivo imposto ao animal que assume ares de crueldade impingida ao indefeso animal, em que pese não se duvide que seja preparado para a disputa. Preparo este, porém, que não tem outra finalidade senão o de torná-lo vencedor da "carreira", rendendo frutos ao seu dono/treinador. O direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado pressupõe a proteção geral à fauna, com a vedação de práticas cruéis contra os animais. APELO DESPROVIDO. (TJ-RS - AC: 70049939663 RS, Relator: Francisco José Moesch, Data de Julgamento: 24/04/2013, Vigésima Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/05/2013)

O caso das vaquejadas e das “Carreiras de Boi

Cangado” são exemplos de ações que tinham em seu cerne a discussão entre mais de uma garantia fundamental constitucional. Nos casos expostos, os eventos que utilizavam os animais traziam, de um lado, a violação do preceito constitucional do dever de proteção do meio

80 Direitos dos animais em perspectiva

ambiente, incluído neste bem jurídico os animais, e, por outro lado, levantava-se o argumento de que tais eventos seriam manifestações culturais de determinada região. Alguns doutrinadores como Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2013) defendem que tais práticas culturais com submissão de animais a maus tratos são plenamente permitidas em “localidades em que constitui exercício tradicional da cultura da região”, não constituindo violação do dispositivo constitucional que veda a crueldade aos animais.

Felizmente, a jurisprudência pátria tem se alinhado no sentido de vedar a prática de tais eventos, como se vislumbra dos precedentes do STF, como a ADI 1.856/RJ e a ADI 2.514/SC, que coibiram a briga de galos; e a RE 153.531/SC, que discutia acerca da “farra do boi”. As decisões proferidas em sede de tribunais superiores defendendo os direitos dos animais possuem elevada importância em face da valorização dos precedentes judiciais (VIANA, 2015), principalmente diante do Código de Processo Civil de 2015, que trouxe a norma fundamental processual do dever de respeito aos precedentes obrigatórios (DIDIER, 2015).

4.2.1 Da ação popular

A ação popular é outro meio eficaz para a proteção

do direito da fauna, estando regrada pela Lei 4.717/65, e prevista na Constituição Federal, através do inciso LXXIII, art. 5º:

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

Dos meios jurisdicionais... 81

Como visa anular ato lesivo ao meio ambiente, a

ação popular apresenta uma natureza predominantemente desconstitutiva, podendo, no entanto, apresentar-se também como uma forma de prevenir futuras lesões ou ameaças de lesões ao meio ambiente, como a edição de texto legal potencialmente lesivo aos recursos ambientais pelo Poder Público (AMADO, 2014). Não é demais lembrar também que o ato lesivo pode ocorrer por ação ou omissão do Poder Público, conforme já decidiu o STJ no REsp 889.766:

4. A ação popular é o instrumento jurídico que deve ser utilizado para impugnar atos administrativos omissivos ou comissivos que possam causar danos ao meio ambiente. 5. Pode ser proposta ação popular ante a omissão do Estado em promover condições de melhoria na coleta do esgoto da Penitenciária Presidente Bernardes, de modo a que cesse o despejo de elementos poluentes no Córrego Guarucaia (obrigação de não fazer), a fim de evitar danos ao meio ambiente.

Apesar da previsão de possibilidade de propositura

de ação popular por qualquer cidadão – entendido aqui como o eleitor, de acordo com o art. 1º, § 3º, da Lei 4.717/65 – para combate de ato lesivo ao meio ambiente – incluindo nesta categoria os animais em geral – tem-se que o uso de tal ação se dá de forma secundária e subsidiária, haja vista que o bem jurídico meio ambiente deve ser primordialmente tratado pelos regramentos da ação civil pública em razão de sua natureza de bem difuso. Neste sentido leciona Fiorillo (2013):

A defesa do meio ambiente, em razão da natureza do bem tutelado, que, como sabemos é difuso, e conforme determina o art. 19 da Lei da Ação Civil Pública, receberá tratamento direto e primário das normas procedimentais previstas na jurisdição coletiva (CDC + LACP) e somente de forma secundária (subsidiariamente) deverão ser aplicados o Código de

82 Direitos dos animais em perspectiva

Processo Civil e os demais diplomas. Como exemplo, tratando-se de ação popular ambiental, apenas de modo subsidiário e naquilo que não contrariar o procedimento da jurisdição civil coletiva, é que a Lei n. 4.717/65 deverá ser aplicada. Conclui-se, dessarte, que, quando se tratar de ação coletiva para defesa do meio ambiente, deverão ser utilizadas as regras previstas no Título III do Código de Defesa do Consumidor, combinado com o que dispõe a Lei da Ação Civil Pública.

Em que pese seu caráter secundário, deve ser

ressaltado o cabimento da ação popular para defesa da fauna e do meio ambiente “toda vez em que um determinado ato administrativo cause ou esteja em vias de causar danos ambientais” (PILATI; DANTAS, 2011).

Sublinha-se que nesta ação “o autor não se apresenta como o titular exclusivo do interesse em lide, mesmo porque sua legitimação é comum a um número indeterminado de pessoas que também poderiam ter ajuizado aquela mesma ação” (FARIAS et al, 2015).

4.2.3. Do mandado de segurança coletivo

Fabiano Melo de Oliveira e Telma Bartholomeu

Silva (2012) aduzem que

O mandado de segurança coletivo ingressa no nosso ordenamento a partir da publicação da CF/88, com o intuito de evitar a multiplicidade de demandas iguais e a demora da prestação jurisdicional. Deste modo, o instrumento serve para a defesa dos mesmos direitos que podem ser defendidos pelo mandado de segurança individual, só que voltados à defesa dos interesses coletivos.

Neste mesmo raciocínio elucida Fiorillo (2013), ao

mencionar que o mandado de segurança coletivo é “uma forma de se impetrar o mandado de segurança tradicional”, sendo que a principal diferença entre o mandado de

Dos meios jurisdicionais... 83

segurança coletivo e o individual é a legitimação ativa. Fiorillo (2013), citando Nelson Nery Junior acrescenta que:

Esse writ presta-se à tutela de direito individual, coletivo ou difuso, não amparado por habeas corpus ou habeas data, ameaçado ou lesado por ato ilegal ou abusivo de autoridade. […]. Não foi criada outra figura ao lado do mandado de segurança tradicional, mas apenas hipótese de legitimação para a causa. Os requisitos de direito material para a concessão do mandado de segurança coletivo continuam a ser os da CF, art. 5º, inc. LXIX: proteção contra ameaça ou lesão de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, por ato ilegal ou abusivo de autoridade.

Em razão da expressão “pode”, utilizado no caput

do inciso LXX, do art. 5º, da CF, parte da doutrina entende que as alíneas “a” e “b” só se referem a alguns dos legitimados para a impetração do mandado de segurança coletivo:

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

Esta conclusão emerge da interpretação de que o

direito da fauna é uma espécie de direito difuso, pois insere-se dentro do bem jurídico meio ambiente tutelado constitucionalmente. Tratando-se de direito transindividual, o direito dos animais poderá também ser amparado em mandado de segurança coletivo através da atuação do Ministério Público, que possui a função institucional de tutelar direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis, além do meio ambiente

84 Direitos dos animais em perspectiva

propriamente dito (FIORILLO, 2013). Apesar de ausente uma previsão legal neste sentido, este é o posicionamento da maior parte da doutrina, que se baseia no art. 129, III, CF (PILATI; DANTAS, 2011).

Fora o Ministério Público, os outros entes legitimados a integrar o polo ativo do mandado de segurança coletivo constituem-se de representantes do povo, portando poderes para utilizar este writ para proteger direito líquido e certo relacionado a um meio ambiente equilibrado e, por consequência, de um direito líquido e certo também relacionado com a proteção da fauna nacional, sempre que a ilegalidade ou o abuso de direito for proveniente de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, conforme condições prescritas no inciso LXIX, do art. 5º, da CF.

No que tange às associações, Paulo de Bessa Antunes (2010) adota o entendimento de que a interposição de mandado de segurança coletivo só ocorrerá quando houver a anuência expressa de todos os associados, conforme disposição do inciso XXI, do art. 5º, da CF.

A dificuldade de utilização desta ação para resguardar os direitos da fauna está em um dos requisitos do inciso LXIX: a exigência de prova pré-constituída de direito líquido e certo. Como a maior parte dos casos de proteção animal ou dano ambiental com reflexos nos direitos da fauna exigem uma dilação probatória para a comprovação do dano, o mandado de segurança coletivo dificilmente se encontra apto ou adequado para tutelar tais direitos (FIORELLO, 2013).

Ainda assim, permanece este instituto capaz de tutelar os direitos dos animais, quando presentes os requisitos para interposição da ação em comento, conforme disposições legais.

Dos meios jurisdicionais... 85

4.2.4 Do mandado de injunção

O mandado de injunção possui previsão no texto

da Carta Magna, mais precisamente no inciso LXXI, art. 5º:

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

Para Pilati e Dantas (2011), esta ação será cabível

quando “faltar norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais”. Assim, se houver a ausência de norma regulamentadora que aborde a proteção de certo direito da fauna, e “essa omissão normativa tornar inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania ou cidadania, poderá ser impetrado mandado de injunção” (OLIVEIRA; SILVA, 2012), obrigando que o Poder Público proceda à regulamentação, sob pena de ofensa à Constituição Federal por omissão.

O legitimado ativo, de acordo com Marcelo Novelino (2012) poderá ser qualquer pessoa física ou jurídica, cujo direito constitucionalmente assegurado esteja inviabilizado pela ausência de norma regulamentadora. Entretanto, este mesmo autor demonstra a inviabilidade de interposição da referida ação por entes federativos, pessoas jurídicas de direito público ou órgãos públicos, pois tais entes não são titulares de direitos fundamentais. Ainda poderia impetrar tal mandamus o Ministério Público, pelas mesmas razões explanadas sobre o mandado de segurança coletivo. Quanto ao polo passivo, já se posicionou o STF acerca da admissibilidade apenas de pessoas estatais, porquanto estas possuem o dever jurídico de emanar provimentos normativos.

86 Direitos dos animais em perspectiva

O objetivo da ação é evitar que a omissão

normativa impeça o exercício de direito constitucional, sendo neste caso o direito de um meio ambiente equilibrado, incluindo nesta categoria a proteção dos animais contra maus tratos e atos de crueldade.

Um dos grandes óbices ao uso do mandado de injunção está na possibilidade de que a providência tomada pelo Poder Judiciário, ao julgar a ação, seja apenas de informar o Legislativo da existência de omissão de norma regulamentadora, sem que haja a aplicação de meios mais eficazes e rápidos na solução da problemática (FIORILLO, 2013).

4.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proteção do meio ambiente tem ganhado

relevância principalmente no último século, quando o homem se tornou mais consciente acerca da relevância de um ecossistema equilibrado para uma qualidade de vida satisfatória.

O direito da fauna, assim considerado como parte integrante do bem jurídico meio ambiente, também foi objeto de legislação constitucional através da inovação do texto constitucional de 1988, que passou a tutelar o direito dos animais ao impor o dever de proteção da fauna e ao proibir atos de crueldade voltados aos animais.

A efetivação da proteção dos direitos dos animais passou a ter previsão na própria constituição, através de institutos específicos que objetivam resguardar os direitos difusos e o meio ambiente propriamente dito. Apesar das peculiaridades de cada meio judicial cabível, denota-se que o instituto da ação civil pública se demonstra como um dos mais importantes e eficazes meios para proteção do direito da fauna, principalmente ao conferir ao Ministério Público o dever de zelar pelo meio ambiente em geral.

E por representar um direito difuso, sem que haja uma titularidade subjetiva específica é que o direito dos

Dos meios jurisdicionais... 87

animais ganhou relevância. Passando a se caracterizar como um direito de toda a coletividade, a defesa dos animais passou também ser dever da coletividade em geral, podendo atuar como legitimado na defesa de tais direitos diretamente, como no caso da ação civil pública.

A criação destes institutos que representam novos meios de defesa dos animais só vem a ressaltar a crescente força da ideia dos direitos dos animais, como um direito coletivo, capazes de gerar uma vida sadia e harmônica ao homem, tanto no aspecto ecológico quanto psíquico-mental.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, André Henrique de. Instrumentos processuais de proteção ambiental. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 98, mar 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11332>. Acesso em: 14 abr. 2016.

AMADO, Frederico. Direito Ambiental Esquematizado. 5ª ed. São Paulo: Método, 2014, 1040 p.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, 498 p.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Normas Fundamentais do Processo Civil: curso de pós-graduação lato sensu em Direito Processual Civil, Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, 26 de fev. 2015. Notas de aula.

FARIAS, Talden; SERÁPHICO DA NÓBREGA COUTINHO, Francisco; KARÊNIA R. M. M. MELO, Geórgia. Direito ambiental: Coleção Sinopses para concursos. 3. ed. Salvador: Jus Podium, 2015. 318 p.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, 398 p.

88 Direitos dos animais em perspectiva

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, 922 p.

MELO GONÇALVES DE OLIVEIRA, Fabiano; BARTHOLOMEU SILVA, Telma. Direitos Difusos e Coletivos VI: Ambiental. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 70 p.

NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 6ª ed. São Paulo: Método, 2012, 1134 p.

PILATI, Luciana Cardoso; DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito Ambiental Simplificado. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, 114 p.

SILVA, Thomas de Carvalho. O meio ambiente na Constituição Federal de 1988. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/4873/O-meio-ambiente-na-Constituicao-Federal-de-1988>. Acesso em: 14 abr. 2016.

TOLOMEI, Lucas Britto. A Constituição Federal e o meio ambiente. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2092/A-Constituicao-Federal-e-o-meio-ambie nte>. Acesso em: 14 abr. 2016.

VIANA, Salomão. Intervenção de terceiros: curso de pós-graduação lato sensu em Direito Processual Civil, Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, 12 de mar. de 2015. Notas de aula.

Capítulo V

DIREITO ANIMAL E ANTROPOCENTRISMO: UMA BREVE ANÁLISE CRÍTICA DO TRATAMENTO

DADO PELO DIREITO BRASILEIRO AOS ANIMAIS NÃO HUMANOS

Marília Ferruzzi Costa*

5.1 INTRODUÇÃO

Não há dúvidas de que vivemos em uma sociedade

antropocêntrica, isto é, uma sociedade onde vigora um sistema filosófico que situa o ser humano em posição superior a todos os outros seres. Baseados em uma ideia de supremacia da racionalidade, seres humanos acreditam ter o direito natural de que todos os demais seres vivos existam para servi-los. No tocante à relação entre animais humanos e não humanos no mundo atual, os primeiros utilizam e exploram economicamente os segundos a seu bel prazer, seja matando-os, seja manipulando-os cirurgicamente, seja forçando-os ao trabalho. Por considerarem que estão fora e acima da natureza, animais humanos tendem a negar sua responsabilidade em relação aos danos e sofrimentos causados aos animais não humanos (LEVAI, 2006; RODRIGUES, 2010). No entanto, contrários a essa ordem antropocêntrica, surgem movimentos e teorias animalistas, que defendem a igualdade a todos os animais sencientes, sejam eles humanos ou não humanos.

Um marco importante para a discussão filosófica acerca dos interesses dos animais foi a obra “Animal Liberation”, de Peter Singer, originalmente publicada em

* Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected].

90 Direitos dos animais em perspectiva

1977, que inaugurou uma corrente bem-estarista ou utilitarista do animalismo. Pautado pelo princípio da igual consideração de interesses, Singer (2004) afirma que as diferenças existentes entre animais humanos e não humanos não pode se constituir como obstáculo à aplicação do princípio básico da igualdade aos últimos. Afinal, tampouco pode-se afirmar que todos os humanos são iguais. Singer (2004) sugere, ainda, que os mesmos argumentos utilizados para as conquistas de direitos por parte de pessoas negras e mulheres podem ser aplicados aos animais não humanos. De acordo com as características específicas de cada ser, pode haver uma exigência diferente em relação à nossa preocupação com os interesses desse ser. Porém, o elemento básico, que é o de considerar os interesses desse ser, deve ser aplicado a todos os seres, independentemente, inclusive, de sua espécie. Para a corrente bem-estarista, portanto, a preocupação com os interesses de outros seres não deve depender dos aspectos e da capacidade que estes carreguem, mas sim da capacidade que estes possuam de sofrer. Segundo Singer (2004), “a capacidade de sofrer e de sentir alegria e um pre-requisito para se ter sequer interesses, uma condição que tem de ser observada antes de podermos falar de interesses de um modo significativo”. Assim sendo, para que possa ser sujeito de direito, um ser não precisaria necessariamente ter autonomia, ou capacidade de respeitar direitos, ou mesmo possuir algum senso de justiça. Se esse ser sofre, não há justificação moral que possa recusar que tal sofrimento seja levado em conta. Os seres humanos possuem a obrigação de levar em conta o interesse de não sofrer que todos os animais possuem.

Por outro lado, há também a ideia do abolicionismo animal, para a qual a obra “A Case for Animal Rights”, de Tom Reagan, representa um importante marco teórico. Abolicionistas acreditam ser inútil a tentativa de atender aos interesses dos animais se estes continuam sendo

Direito animal e antropocentrismo... 91

submetidos à escravidão. Para Reagan (1985, p. 2), o real injusto não está nas crueldades cometidas contra os animais não humanos de caso para caso, mas sim no próprio sistema que nos permite usar esses animais, como se estes fossem recursos que nos pertencem. Nessa linha, tentativas de diminuir o sofrimento dos animais não humanos teriam como fim contribuir para que as explorações continuem com uma maior aprovação e legitimidade. Outra diferença fundamental entre as correntes bem-estarista e abolicionista seria a de que esta acredita que preocupação com os animais não humanos deve se basear no valor inerente que cada ser possui, e não na sua capacidade de sentir dor ou prazer.

Independentemente da corrente adotada, diversos teóricos e teóricas abolicionistas têm lutado por direitos animais no Brasil. Para Edna Cardoso Dias (2006), os animais não humanos também possuem o direito à vida e se constituem como indivíduos que possuem direitos inatos, que se encontram acima de qualquer condição legislativa, razão pela qual também fariam jus a direitos positivados pela lei.

Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo elucidar, de forma breve e crítica, como a legislação brasileira tem tratado a questão dos direitos dos animais, procurando analisar se ela contribui para um maior reconhecimento dos animais não humanos, ou se, por outro lado, apenas reforça uma visão antropocêntrica de mundo. 5.2 DIREITO ANIMAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A tutela jurídica dos animais é preocupação recente

no ordenamento jurídico brasileiro. Apenas nas últimas décadas começou a surgir a preocupação ética em relação aos interesses de animais não humanos (LEITE, 2015, p. 392). O primeiro dispositivo legal a representar significativa

92 Direitos dos animais em perspectiva

mudança nesse cenário foi o Decreto Federal n. 24.645, de 1934, que estabeleceu medidas de proteção a animais não humanos, como, por exemplo, a possibilidade de proteção destes em juízo, mediante a representação do Ministério Público e dos membros de Sociedades Protetoras de Animais. Além disso, tal dispositivo elencou, taxativamente, trinta e uma formas de maus-tratos aos animais não-humanos e estabelecia pena de multa e de prisão para quem cometesse qualquer uma dessas condutas. Em 1941, os maus-tratos contra animais não humanos passa ao status de contravenção penal, tipificada no art. 64, do Decreto-Lei n. 3.688 (Lei de Contravenções Penais), que atribuía prisão simples ou multa a quem tratasse animal com crueldade, submetesse-o ao trabalho excessivo ou a experiência dolorosa ou cruel, mesmo que para fins didáticos. Na década de 1980, surgem duas importantes leis no que tange à instituição de instrumentos processuais para a tutela do meio ambiente e dos animais não humanos: a Lei n. 6.938 (Política Nacional do Meio Ambiente) e a Lei n. 7.347 (Ação Civil Pública) (LEITE, 2015, p. 394).

Com o advento da Constituição Federal de 1988, finalmente é elevada a status constitucional a proteção animal (LEITE, 2015, p. 394). Em seu art. 225, a Carta Magna consagra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, classificando-o como bem de uso comum do povo. O mesmo art. 225, em seu § 1o, inc. VII, estabelece que incumbe ao poder público, para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente,

proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Em 1998, já com respaldo na Constituição Federal

de 1988, surge a lei 9.605, denominada Lei de Crimes Ambientais que, em seu art. 32, torna crime “praticar ato

Direito animal e antropocentrismo... 93

de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”, sob pena de três meses a um ano de detenção e multa. O § 1o do referido artigo diz ainda que

incorre nas mesmas penas quem realizar experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

Apesar da grande inovação trazida pela CF/88 em

relação à proteção dos animais não humanos, é possível que se faça uma discussão a respeito dos destinatários de tal garantia constitucional. Observa-se que a visão que prevalece, entre os teóricos do tema, é a de que a proteção aos animais (assim como ao meio ambiente, de maneira geral) nada mais é do que um direito constitucionalmente garantido para resguardar a dignidade dos seres humanos. Dessa forma, a proteção aos animais contida no art. 225, da CF/88, não se justificaria pela existência de um direito de titularidade destes, mas sim, e tão somente, pelo direito fundamental que seres humanos possuem de conviver em um ambiente ecologicamente digno (LEVAI, 2006, p. 178). A título de exemplo, torna-se interessante observar o trecho abaixo transcrito, retirado da obra “Direito ambiental”, de Paulo de Bessa Antunes:

(...) “Todos”, tal como presente no artigo 225, tem o sentido de qualquer indivíduo que se encontre em território nacional, independentemente de sua condição jurídica perante o nosso ordenamento jurídico. (...) A Leitura irracional e apressada do vocábulo tem levado à interpretação de que “todos” teria como destinatário todo e qualquer ser vivo. A hipótese não se justifica. A Constituição tem como um de seus princípios reitores a dignidade da pessoa humana e, portanto, a ordem jurídica nacional tem como seu centro o indivíduo humano. A proteção aos animais e ao meio ambiente é estabelecida como uma consequência de tal princípio e

94 Direitos dos animais em perspectiva

se justifica na medida em que é necessária para que o indivíduo humano possa ter uma existência digna em toda plenitude. (ANTUNES, 2010, p. 65)

Dessa forma, a fauna ainda é predominantemente

trabalhada pelos manuais de direito constitucional e ambiental sob uma mera perspectiva de sua função ao ecossistema, de tal modo que sua proteção só se justificaria para resguardar os interesses dos seres humanos.

Conclui-se que, embora a Constituição Federal de 1988 tenha mostrado preocupação com o meio ambiente e com os animais não humanos, tal proteção ainda é vista, interpretada e estudada através das lentes do antropocentrismo, o qual mostra-se como ponto de vista ainda dominante em nossa sociedade e também em nosso sistema normativo.

De maneira semelhante, doutrinas na área de direito penal que se propõem a analisar a Lei 9.605.98 apontam que o crime previsto no art. 32 tem como sujeito passivo a coletividade, enquanto o animal alvo de maus-tratos, ferimentos, mutilações ou alvo de experiência dolorosa ou cruel se constitui apenas como o objeto material do delito.

Para além da esfera penal, a legislação infraconstitucional civil considera animais não humanos como bens semoventes, passíveis de direitos reais, e que podem ser de propriedade de seres humanos. Portanto, é possível notar que, além de estar ainda contaminada por uma visão antropocêntrica, a legislação brasileira encontra-se longe de conferir aos animais não humanos a condição de sujeitos de direito. E tal tratamento conferido aos animais não humanos, por parte da esfera legislativa, acaba por representar um obstáculo às discussões que pretendem mudar a ideia de senso comum que se cria a respeito desses seres, qual seja, a de que todos os demais animais vivem para servir ao animal humano (DIAS, 2006).

Direito animal e antropocentrismo... 95

Levai (2006) observa, porém, que apesar de nossa

legislação se utilizar de uma visão antropocêntrica, atribuindo aos animais a natureza jurídica ora de coisa semovente, ora de objeto material, ora de recurso natural, é possível que a Constituição da República seja interpretada através de uma visão biocêntrica, isto é, através de uma visão que entenda que todos os animais, humanos ou não, estão em condição de igualdade perante a natureza. Isto porque a Carta maior traz um preceito ético importante ao reconhecer que animais não humanos podem sofrer. De acordo com o autor:

Ao dispor expressamente sobre a vedação a crueldade, o legislador pátrio erigiu um dispositivo de cunho moral que se volta, antes de tudo, ao bem-estar do próprio animal e, secundariamente, da coletividade. Apesar de sua acentuada feição antropocêntrica, a Constituição da Republica reconhece que os animais podem sofrer, abrindo margem para a interpretação biocenótica do preceito que veda a crueldade. (LEVAI, 2006, p. 178)

Com efeito, ao elencar a expressão “evitar extinção

das espécies” como um dever do Poder Público, a Constituição Federal aparenta expressar a preocupação de evitar um desequilíbrio do ecossistema, com o fim de proporcionar uma digna qualidade de vida aos humanos, seguindo a ideia do próprio caput do art. 225. No entanto, quando se analisa o mandamento constitucional de “evitar a crueldade contra animais”, presente no mesmo inciso, é possível notar uma preocupação inovadora por parte do mesmo dispositivo constitucional, que é a de proteger a integridade dos próprios animais, como sujeitos em si mesmos (LEVAI, 2006, p. 178).

Sustentar uma visão antropocêntrica do direito constitucional, isto é, elencar os seres humanos como os únicos destinatários de direitos e definir a natureza como instrumento de recreação para si, significa negar os

96 Direitos dos animais em perspectiva

preceitos de proteção ao meio ambiente trazidos pela Constituição de 1988.

Nessa linha, quando se discute direitos dos animais não humanos, é preciso destacar que, para além do âmbito legislativo, existe um grande obstáculo em relação à interpretação das diretrizes fundamentais expressas pela Constituição Federal, bem como ao cumprimento efetivo de tais diretrizes por parte dos legisladores e da população em geral. É necessário chamar atenção para o fato de que, apesar da vedação contra a crueldade para com os animais estar prevista em nossa legislação, a situação da fauna doméstica ou domesticada é desoladora (LEVAI, 2006, p. 176). Afinal, todos os dias, animais não humanos são objetos de cruéis experimentações científicas, ou são obrigados a viver uma vida de exploração nas fazendas de criação, até serem submetidos ao abate.

Basta um olhar crítico sobre o que acontece nas fazendas de criação, nos laboratorios cientificos, nos centros de controle de zoonoses e nas companhias de diversoes publicas para concluir que a crueldade, quando justificada pelo uso do animal, acaba obtendo respaldo legal. Nao seria exagero dizer que, no Brasil, em diversos setores (agronegocio, cientifico e sanitario) a crueldade se torna consentida, isto e, aceita pelo Poder Público como mal necessario. Isso para nao falar daquela perfazida em eventos supostamente culturais e recreativos (rodeios, vaquejadas, circos, zoologicos, caca e pesca esportiva, etc), que nao raras vezes contam com o beneplacito do proprio Poder Publico. (LEVAI, 2006, p. 176)

Uma esmagadora quantidade de animais ainda

vive uma vida de sofrimento, com o encargo de servir aos caprichos dos animais humanos. O problema se mostra ainda maior quando nos damos conta de que, apesar de contrariarem claramente princípios éticos e morais, as práticas cruéis, anteriormente citadas, possuem, inclusive, respaldo legal. Levai (2006, p. 177) cita, a título de

Direito animal e antropocentrismo... 97

exemplo, a Instrução Normativa sobre abate humanitário (Instrução normativa N. 3/200), a lei dos Zoológicos (Lei 7.173/83), o Código de Caça e de Pesca (Lei 5.197/67), a lei da Jugulação Cruenta (Decreto federal nº 2.244/97) e a lei dos Rodeios (10.519/02). Cita-se também como exemplo a Lei 11.794/08, também chamada de Lei Arouca, que, apesar de ter restringido as hipóteses de utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica, ainda desempenha o papel de tornar possível a execução, de forma regulamentada, de tais práticas em instituições de ensino superior.

De fato, observa-se uma seletividade no que tange à atuação do poder público em relação às proibições e regulamentações de atos de crueldade contra animais. Enquanto o STF decidiu proibir a festa denominada “farra do boi” (LEITE, 2015, p. 398), com o fundamento de que esta é um espetáculo cruel, o abate em massa de animais para consumo continua sendo aceito e permitido, com o fundamento de que tal prática seria “indispensável” à subsistência humana.1 Da mesma forma, a legislação penal, juntamente com a Lei 11.794/08, ainda permite que animais não humanos sejam objetos de experimentações científicas cruéis, com fundamento no direito à pesquisa e na ideia de que bem estar humano deve se sobrepor até mesmo à vida dos demais seres não humanos.

O tratamento degradante e extremamente cruel da pecuária, que trata animais como meros objetos de produção, está longe de ser um mero meio de subsistência aos humanos. Pelo contrário, constitui-se como um mercado extremamente lucrativo, que se sustenta através da objetificação e sofrimento dos animais não humanos. Seres humanos podem não só subsistir, como também ter uma boa qualidade de vida através do consumo da grande variedade de alimentos de origem vegetal disponíveis,

1 O art. Art. 37, inc I da Lei 9.605/98 determina que não é crime o abate de animal, quando realizado em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família.

98 Direitos dos animais em perspectiva

assim como também já se mostra viável o emprego de recursos alternativos que substituam o uso de animais não humanos nos laboratórios (LEVAI, 2006, p. 183-187).

Os animais humanos parecem ter se esquecido que a Constituição Federal, bem como suas disposições presentes no artigo 225, § 1o, estão acima de leis ordinárias, de forma que o Poder Público se encontra, sem qualquer escusa, obrigado a coibir a submissão de animais a atos cruéis e degradantes.

Ao regulamentar e permitir práticas de crueldade contra animais não humanos, o Poder Público não só se abstém da responsabilidade de zelar pela vida de animais, como também acaba por legitimar tais práticas, tornando-se, portanto, corresponsável por elas. 5.3 ABOLICIONISMO PRAGMÁTICO COMO POSSÍVEL RECURSO

Diante do que foi exposto no capítulo anterior,

voltamos à ideia abolicionista de Regan (1985), a qual faz surgir o seguinte questionamento: não seria ainda mais prejudicial aos animais a busca pela regulamentação de seu sofrimento, para o simples fim egoísta e antropocêntrico de viabilizarmos nossos interesses? Afinal, de que adiantaria uma legislação que amenizasse a dor dos animais não humanos, mas que não os libertasse?

De fato, a teoria abolicionista torna-se tentadora se sobreposta à realidade jurídica brasileira. É possível observar, a título de ilustração, o fato de a legislação penal limitar as hipóteses de vivissecção de animais não humanos a casos em que tal prática seja necessária e não haja outra alternativa. A legislação concorda, portanto, que utilizar animais de forma desnecessária para experimentação científica é antiético e cruel. Porém, se seres humanos tiverem necessidade de que tal experimento seja feito e não existirem outras alternativas,

Direito animal e antropocentrismo... 99

a mesma legislação entende que o direito à integridade física e à vida dos animais devem ser sacrificados. Nesse caso, observa-se que a legislação acaba por confirmar uma primazia dos interesses humanos sobre os interesses dos animais.

No entanto, Naconecy (2009) observa que, apesar de haver a necessidade de adotarmos sempre a concepção de abolicionismo animal como um ideal regulador, não devemos esperar que tal ideal se concretize tão cedo. Nesse sentido, é importante destacar o surgimento de uma corrente abolicionista pragmática. Tal corrente não nega que a abolição da escravidão animal deve ser a principal meta a ser alcançada no que diz respeito à justiça para com os animais não humanos. Porém, devemos buscar medidas que proporcionem o melhor possível para os animais não humanos para o momento atual. De nada adianta pensar o Direito Animal como um ideal abstrato e não se lembrar que, neste exato momento, há um animal real e concreto que sofre e que está à mercê da exploração humana. Significa dizer que o melhor para os animais não humanos depende do contexto histórico e social no qual estamos inseridos. Portanto, medidas que visem regulamentar e diminuir o sofrimento dos animais são válidas para trazer o melhor possível para os animais não humanos, ainda que a curto prazo.

Nossa sociedade está longe de compreender o especismo, já que se habituou a encará-lo com indiferença. Uma mudança no pensamento social é importante para que a sociedade chegue a uma regulamentação legal abolicionista em relação aos animais, mas, para tanto, é necessária uma motivação pública e um apoio democrático de seus representantes. O que se mostra mais provável e acessível é que tal motivação pública seja alcançada através do incentivo a uma cultura de empatia e amor pelos animais, através de uma mudança cultural.

100 Direitos dos animais em perspectiva

Segundo Naconecy (2009, p. 259),

somente quando alcancarmos um consenso publico contra o especismo, do qual ainda estamos muito longe, ai, sim, sera a hora apropriada para falar do direito do animal de nao ser propriedade humana.”

5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que o Brasil tem dado seus primeiros

passos na busca de um Direito que contemple os interesses de animais não humanos. A Constituição Federal de 1988 trouxe a importante vedação de atos cruéis praticados contra todos os animais, conferindo aos interesses destes uma preocupação constitucional. Não obstante, a maioria da legislação brasileira, constitucional e infraconstitucional, encontra-se ainda imergida em preceitos antropocêntricos e insiste em negar aos animais não humanos o status oficial de sujeitos de direitos. De igual forma, há um recorrente descumprimento, por parte do poder público, aos mandamentos constitucionais relativos ao meio ambiente.

Conclui-se ainda que, como possível solução, deve-se ter sempre em pauta o ideal de libertar os animais da exploração humana, mas, para tanto, devemos também lançar nossos esforços para proporcionar uma vida digna aos animais não humanos que sofrem atualmente. Por fim, sugere-se que a busca pelos direitos dos animais não humanos deve ultrapassar os recursos legais e tomar como ponto de partida uma reestruturação cultural, que difunda o respeito e a empatia para com os animais não humanos.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 12a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

Direito animal e antropocentrismo... 101

DIAS, Edna Cardoso. Os animais como sujeitos de direito. Revista Brasileira de Direito Animal, n. 1, pág. 171-190, jan/dez. 2006.

LEITE, José Rubens Morato (Coord). Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015.

LEVAI, Laerte Fernando. Crueldade consentida – Crítica à razão antropocêntrica. Revista Brasileira de Direito Animal, n. 1, p. 171-190, jan/dez, 2006.

LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos animais: Fundamentação e novas perspectivas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008. 566p.

MARCÃO, Renato. Crimes ambientais (Anotações e interpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei n. 9.605, de 12-2-1998). 3a ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

NACONECY, Carlos. Bem-estar animal ou libertação animal? Uma análise crítica da argumentação antibem-estarista de Gary Fracione. Revista Brasileira de Direito Animal, n. 5, p. 235-267, jan/dez. 2009.

REGAN, Tom. The Case for Animal Rights. In: SINGER, Peter. Defense of Animals, New York: Basil Blackwell, 1985, pp. 13-26.

RODRIGUES, Danielle Tetü. O direito & os animais: Uma abordagem ética, filosófica e normativa. 2a ed. Curitiba: Jaruá, 2010. 246p.

SINGER, Peter. Libertacao Animal. Trad. de Marly Winckler. Porto Alegre: Lugano, 2004.

102 Direitos dos animais em perspectiva

Capítulo VI

DA DEFESA DOS ANIMAIS ENQUANTO RESPONSABILIDADE DE TODOS

Valéria Silva Galdino Cardin*

Stela Cavalcanti da Silva**

6.1 INTRODUÇÃO

A legislação brasileira trata os animais como seres

vulneráveis e os classificam como integrantes da fauna, garantindo assim, a proteção jurídica dos mesmos, tanto em leis esparsas, quanto na própria Constituição Federal.

Devido ao antropocentrismo, a figura humana prepondera sobre os animais e a legislação ainda que de cunho protecionista é omissa, quando permite a prática de atos que desrespeitem a dignidade daqueles.

Para isso perquire-se quanto à proteção jurídica garantida aos animais em nosso ordenamento, assim como acerca dos métodos para a efetivação daquela.

Logo, esta pesquisa terá por objetivo demonstrar por meio de método teórico a importância do diálogo das fontes para a proteção dos animais, sendo necessária a criação de políticas públicas em prol destes, bem como

* Pós-doutora em Direito pela Universidade de Lisboa; Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professora da Universidade Estadual de Maringá e da Unicesumar – Centro Universitário Cesumar; Advogada no Paraná. Endereço eletrônico: [email protected]. ** Graduanda em Direito pela Unicesumar – Centro Universitário de Maringá. Dedicou-se como monitora da disciplina de Direito Constitucional e a iniciação científica (2015), é integrante do grupo de pesquisa “Internacionalização do direito: dilemas constitucionais e internacionais contemporâneos” e realiza estágio em escritório de advocacia localizado na cidade de Maringá. Endereço eletrônico: [email protected].

104 Direitos dos animais em perspectiva

que todos sejam responsabilizados pela prática de maus tratos e atos cruéis, já que o ecossistema é único.

6.2 DA PROTEÇÃO JURÍDICA BRASILEIRA AOS ANIMAIS

Percorrendo a história, nota-se que os animais

sempre foram subordinados ao ser humano, principalmente como objeto de trabalho, como por exemplo: o boi e o cavalo, utilizados para a força de tração, ou até mesmo no uso rotineiro da casa, onde cachorros e gatos são domesticados pelo ser humano.1

Diante dessa realidade, faz-se necessário estabelecer normas que regulamentem o tratamento dos humanos com os animais.

Cada país possui uma legislação específica, conforme a sua cultura e tradição, a exemplo da Índia, onde a vaca é considerada como um animal sagrado2 e a Espanha onde tradicionalmente ocorrem as touradas,3 entretanto neste capítulo tratar-se-á estritamente das leis do nosso país.

A primeira regulamentação ocorreu em nosso país em 1924, onde o Decreto 16.590, proibiu a briga de galos e corridas de touros em casa de diversões públicas.4

1 Os Animais Domésticos. Disponível em:

<http://www.fascinioegito.sh06.com/anidomes.htm>. Acesso em: 13 ago. 2016. 2 Por que a vaca é sagrada na Índia? Disponível em:

<http://mundoestranho.abril.com.br/materia/por-que-a-vaca-e-sagrada-na-india-mundoanimal>. Acesso em: 13 ago. 2016. 3 As touradas, uma grande tradição espanhola. Disponível em:

<http://www.spanishintour.com/blog/pt-br/cultura-espanhola/as-touradas-uma-grande-tradicao-espanhola.html>. Acesso em: 13 ago. 2016. 4 BRASIL. Decreto nº 16.590, de 10 de setembro de 1924. Aprova o regulamento das casas de diversões públicas. Diário Oficial da União,

Brasília, DF, 10 set. 1924.

Da defesa dos animais... 105

Na sequência, o Decreto Lei nº 24.645/1934,

instituído por Getúlio Vargas,5 que posteriormente foi ab-rogado pelo Decreto n. º 11/1991, estabeleceu medidas de proteção aos animais, determinando em seu art. 1º que estes fossem tutelados pelo Estado para que não ocorresse a prática de maus tratos.6 Acrescenta-se que neste decreto também foi prevista a punição de multa para aqueles que praticassem atos de crueldade contra os animais.

Em 1941, entrou em vigência a Lei das Contravenções penais (Decreto 3.688), que tipificou os comportamentos considerados como atos cruéis para com os animais, determinando ainda as penas para tais práticas.7

Posteriormente, foi instituído o Decreto n.º 221/1966 que regulamentou as atividades de pesca8, seguido da Lei 5.197, sancionada em 03 de janeiro de 1967, pelo presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, que normatizou a proteção da fauna, da caça e do comércio de espécies pertencentes a fauna silvestre, determinando inclusive que a referida lei fosse trabalhada em plano escolar, bem como divulgada por programas de rádio e de televisão.9

Derrogando a Lei 5.197, o presidente José Sarney instituiu a Lei 7.653, de 1988, onde o art. 34 excluiu a

5 BRASIL. Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934. Estabelece medidas de proteção aos animais. Diário Oficial da União, Brasília,

DF, 10 jul. 1934. 6 Art. 1º: Todos os animais existentes no País são tutelados do Estado. 7 BRASIL. Decreto nº 3.688, de 03 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 03 out.

1941. 8 BRASIL. Decreto nº 221, de 28 de fevereiro de 1967. Dispõe sôbre a proteção e estímulos à pesca e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 fev. 1967. 9 BRASIL. Lei nº 5.197, de 03 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências. Diário Oficial da União,

Brasília, DF, 03 jan. 1967.

106 Direitos dos animais em perspectiva

possibilidade do pagamento de fiança para os crimes contra os animais.10

Já a Lei 6.638/1979, disciplinou a prática didática científica da vivissecção de animais11, sendo ab-rogada pela Lei n.º 11.794, de 08 de outubro de 2008, que estabeleceu os procedimentos considerados corretos para o emprego de experiências científicas em animais.12

Enquanto a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, no ano de 1981, definiu o conceito de meio ambiente, de degradação e poluição, onde disciplinou a pena de reclusão ao poluidor que colocasse o animal em risco com a sua conduta.13 A Lei 7.347/1985 estabeleceu ainda a possibilidade de ingresso de ação civil pública em relação aos danos causados ao meio ambiente.14 Acrescenta-se que somente em 1987, foi proibida a pesca

10 BRASIL. Lei nº 7.653, de 12 de fevereiro de 1988. Altera a redação dos arts. 18, 27, 33 e 34 da Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, que dispõe sobre a proteção à fauna, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 fev. 1988. 11 BRASIL. Lei nº 6.638, DE 08 de maio de 1979. Estabelece normas para a prática didático-científica da vivissecção de animais e determina outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 08 de maio

de 1979. 12 BRASIL. Lei nº 11.794, de 08 de outubro de 2008. Regulamenta o inciso VII do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 08 out. 2008. 13 BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 ago. 1981. 14 BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 jul. 1985.

Da defesa dos animais... 107

de cetáceos no território marinho brasileiro, pela Lei 7.643.15

Em 1988, a Lei 7.679 alterou o Código de Pesca (Decreto Lei 221/1967),16 que foi novamente modificado pela Lei n.º 11.959 de 2009, que atualmente encontra-se em vigor.17

O presidente Fernando Henrique Cardoso, em 12 de fevereiro de 1988, promulgou a Lei de n.º 9.605, denominada Lei de Crimes Ambientais, que dispôs acerca das penalidades para quem praticasse condutas lesivas ao meio ambiente, incluindo a punição para a pessoa jurídica, garantindo assim direitos aos animais.18 E pela portaria 93, de 07 de julho de 1998, o IBAMA definiu os conceitos de fauna silvestre brasileira, exótica e doméstica.19

No entanto, foi por meio da Constituição Federal de 1998, que o protecionismo animal obteve maior visibilidade e garantia,20 uma vez que o art. 225, § 1º, inc. VII,21

15 BRASIL. Lei nº 7.643, de 18 de dezembro de 1987. Proíbe a pesca de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 dez. 1987. 16 BRASIL. Lei nº 7.679, de 23 de novembro de 1988. Dispõe sobre a proibição da pesca de espécies em períodos de reprodução e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 nov. 1988. 17 BRASIL. Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009. Dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras, revoga a Lei no 7.679, de 23 de novembro de 1988, e dispositivos do Decreto-Lei n.º 221, de 28 de fevereiro de 1967, e dá outras providências. Diário Oficial da União,

Brasília, DF, 29 jun. 2009. 18 BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 fev. 1998. 19 BRASIL. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Portaria nº 93, de 07 de julho de 1998. Importação e Exportação Fauna Silvestre. Diário Oficial da União,

Brasília, DF, 07 jul. 1998. 20 Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 21 Art. 225, § 1º, inc. VII: Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma

da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,

108 Direitos dos animais em perspectiva

considerou a proteção da fauna e flora dever do Estado, demonstrando ainda uma maior garantia jurídica.

6.3 DO ANTROPOCENTRISMO E DA NORMA AMBIENTAL

A etimologia antropocentrismo, de origem grega, é

composta em sua formação pelas palavras anthropos e kentron, as quais significam humano e centro respectivamente.22 De acordo com o dicionário, a palavra traduz o homem como centro do cosmos.23

Sistematicamente, entende-se por antropocentrismo a figura humana como centro do universo, onde a vontade daqueles rege o universo, sendo essa corrente contrária à teoria do teocentrismo, onde é a religião que ocupa o centro.24

Constata-se que esse paradigma antropocêntrico, acaba sendo adotado indiretamente na formação das leis protetoras dos animais, visto que a cada norma instituída, ainda que com o intuito protecionista, prevalece sobre esta, a satisfação das necessidades humanas.

O art. 225, da Constituição Federal, disciplinou o meio ambiente e dispôs regras a fim de preservar o equilíbrio ecológico para o uso comum de todos, observando notoriamente a premissa antropocêntrica do texto, uma vez que o intuito de o manter ecologicamente equilibrado é justificado pelo fato de todos poderem dispor

provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. 22 Antropocentrismo. Disponível em:

<https://www.todamateria.com.br/antropocentrismo/>. Acesso em: 14 ago. 2016. 23 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda; FERREIRA, Marina Baird; ANJOS, Margarida dos. Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 5

ed. Curitiba: Positivo, 2010. 24 FABER, Marcos Emílio Ekman. O Pensamento Humanista: Teocentrismo X Antropocentrismo. Disponível em:

<http://www.historialivre.com/moderna/humanismo1.htm>. Acesso em: 14 ago. 2016.

Da defesa dos animais... 109

dos benefícios, bem como conservá-lo para as futuras gerações e não pelo direito de tratamento digno e de respeito por este e pelos seres que o compõem.

Ademais, nota-se que a legislação ao instituir leis mesmo de cunho protecionista ao meio ambiente, optou por deixar que alguns atos pudessem ser praticados, quando não deixou evidente o objetivo antropocêntrico.

A título de exemplo, menciona-se a Lei 6.938 de 1981, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, a qual preceitua em seu art. 2º, que a preservação e a recuperação ambiental prevista na referida norma visa proporcionar condições de desenvolvimento sócio-econômico para o país, bem como proteger a dignidade da vida humana25 ou a Lei n.º 11.959 de 2009, que regulamenta a respeito do desenvolvimento sustentável da pesca, com o propósito de alimentação, emprego, renda e lazer.26

Ainda que esteja presente os resquícios da ideologia antropocêntrica na redação da nossa legislação que trata a respeito dos animais, constata-se que a vontade do legislador de instituir normas de caráter protecionista a esses, foi concretizada, posto que no Brasil é evidente a atenção dada a essa matéria no que diz respeito à defesa do animal, como observa-se nos seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO PENAL. DESEMBARGADOR DO TRE/MT. CRIME DO ART. 32, C.C. O § 2.º, DA LEI N.º 9.605/98.

25 Art 2º: A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a

preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios. 26 Art 1º, inc. I: O desenvolvimento sustentável da pesca e da

aquicultura como fonte de alimentação, emprego, renda e lazer, garantindo-se o uso sustentável dos recursos pesqueiros, bem como a otimização dos benefícios econômicos decorrentes, em harmonia com a preservação e a conservação do meio ambiente e da biodiversidade.

110 Direitos dos animais em perspectiva

"RINHAS DE GALO". EFETIVO MAUS-TRATOS A ANIMAIS CONFIGURADO. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS DE PROVA DE AUTORIA. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. DENÚNCIA RECEBIDA. 1. A materialidade delitiva está fartamente comprovada no laudo técnico, elaborado pela Polícia Federal, e na perícia, realizada por técnicos do IBAMA, que corroboraram a narrativa da autoridade policial federal que conduziu a diligência no local em que ocorriam as chamadas "rinhas de galo", onde foi confirmada a ocorrência de maus-tratos a animais, conduta inserta no art. 32, c.c. o § 2.º, da Lei n.º 9.605/98. 2. Considerando-se o histórico envolvimento do acusado com as atividades desenvolvidas pela sociedade promotora do evento, mormente o fato de figurar como sócio-fundador e "superintendente jurídico" da entidade e ter sido flagrado na ocasião de sua realização, constata-se a existência de elementos de prova, os quais, em juízo prelibatório, consubstanciam justa causa para a deflagração da persecução penal em juízo. 3. Denúncia recebida. (STJ - APn: 680 MT 2010/0192075-8, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 16/10/2013, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 29/10/2013)

PROCESSUAL PENAL. CAÇA E MAUS TRATOS DE ANIMAIS SILVESTRES. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. NULIDADE DO INQUÉRITO E DA QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO DO RECORRENTE. TESE DE QUE TERIAM SIDO ARRIMADAS EM INVASÃO A UMA FAZENDA PELA POLÍCIA MILITAR AMBIENTAL. DESCABIMENTO. NOTITIA CRIMINIS DE AUTORIA DE BIÓLOGO QUE FAZIA TRABALHO CONSERVACIONISTA NA REGIÃO. DILIGÊNCIA DA POLÍCIA MILITAR QUE APENAS CONSTATOU O QUE JÁ TINHA SIDO PRESENCIADO PELO PROFISSIONAL QUE LÁ TRABALHAVA. CONDUÇÃO DO INQUÉRITO PELA POLÍCIA FEDERAL QUE TEM ATRIBUIÇÕES PARA OS FATOS. DENÚNCIA E AÇÃO PENAL INCÓLUMES.

Da defesa dos animais... 111

1 - Se a gênese de toda a investigação é notitia criminis de autoria de biólogo que fazia trabalho conservacionista na região dos fatos e não da diligência da Polícia Militar Ambiental que apenas constatou o que já tinha sido testemunhado pelo autor da notícia, é dizer, que em uma fazenda próxima encontrava-se pessoa conhecida (ora recorrente) por ser caçador profissional de animais silvestres, munido de cachorros de caça, não há razão para acolher a tese de que toda a investigação da Polícia Federal, bem assim a denúncia e a ação penal são nulas. 2 - A assertiva da defesa de que teria havido invasão ilegal a domicílio (a fazenda) realizada pela Polícia Militar Ambiental e que esta seria a origem maculadora de tudo o que foi realizado depois não prospera, pois denotado no caso concreto tratar-se de diligência realizada cinco meses antes de a Polícia Federal iniciar inquérito para apuração dos fatos, sendo essa apuração o mote da denúncia e da persecução penal. 3 - A interceptação telefônica, por sua vez, também não deriva daquela diligência policial militar, mas dos fortes indícios e provas colhidos no alentado inquérito da Polícia Federal, dando conta da possível existência de sofisticado grupo criminoso destinado à prática de caça de animais silvestres e do porte ilegal de armas de fogo. 4 - Recurso ordinário não provido. (STJ - RHC: 54215 MT 2014/0321906-0, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 26/05/2015, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/06/2015)

Conclui-se que há inúmeras leis que protegem os

animais, todavia os interesses dos humanos prevalecem em detrimento dos direitos dos animais, não havendo uma efetividade daquelas.

112 Direitos dos animais em perspectiva

6.4 DA RESPONSABILIDADE COM OS ANIMAIS E DA EFETIVAÇÃO DAS NORMAS

Em 1995, foi criada uma teoria por Erik Jayme, na

Academia de Haia,27 denominada de Diálogo das fontes, que tratava da comunicação entre as diversas vertentes do direito, como forma de solucionar conflitos, teoria que foi apresentada no Brasil por Claudia Lima Marques.

Diante da possibilidade de existir leis distintas, que regulamentem acerca do mesmo tema, emerge a necessidade de uma utilização conjunta, coordenada e coerente das mesmas, na aplicação ao caso concreto, de modo que elas venham a se completar, solucionando o conflito entre as normas.

Nas palavras de Laura Rodrigues Louzada da Silva, é possível resumir a tese na seguinte frase: “O diálogo das fontes permite a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas [...] sem que se mitiguem as potências de nenhuma delas”.28

A respeito desta corrente doutrinária, Claudia Lima Marques assevera que:

[...] A pluralidade de leis é o primeiro desafio do aplicador da lei contemporânea. A expressão usada comumente era a de conflito de leis no tempo, a significar que haveria uma colisão ou conflito entre os campos de aplicação destas leis. (...) A solução sistemática pós-moderna deve ser mais fluída, mais flexível a permitir maior mobilidade e firmeza de distinções. Nestes tempos, a superação de paradigmas é substituída pela convivência dos paradigmas (...) há por fim a conivência de leis com campos de aplicação diferentes, campos por

27 AMARAL JÚNIOR, Alberto. O “Diálogo” das Fontes: Fragmentação e Coerência no Direito Internacional Contemporâneo. Anuário Brasileiro de Direito Internacional. Belo Horizonte, v. 2, n. 3, p. 11 – 33, 2008. 28 SILVA, Laura Rodrigues Louzada. Diálogo das Fontes na Resolução de Conflitos Judiciais Sobre Planos de Saúde. Direito em diálogo de fontes. Fernando Rodrigues Martins (org). Uberlândia: EDITORA D

PLACIDO, 2014.

Da defesa dos animais... 113

vezes convergentes e, em geral diferentes, em um mesmo sistema jurídico que parece ser agora um sistema (para sempre) plural, fluído, mutável e complexo.29

Essa teoria é uma alternativa para a efetiva

proteção dos animais, uma vez que permite o preenchimento de lacunas existentes no que se refere à proteção dos mesmos, quando são utilizadas normas de direito civil, penal, constitucional e ambiental.

Intenta-se com esta teoria, que os princípios jurídicos já existentes sejam aplicados para a defesa dos animais, a fim de que seja realizada uma interpretação apropriada e efetiva, garantindo assim para estes um tratamento digno, de respeito e zelo na medida de sua vulnerabilidade.

Devem ser considerados os princípios da isonomia,30 da proibição do retrocesso social,31 da efetividade,32 da moralidade,33 da eficiência,34 da intervenção estatal obrigatória na defesa do meio

29 MARQUES, Claudia Lima. Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil: do diálogo das fontes no combate às cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor, v.

45, jan.-mar. 2003. 30 Princípio constitucional que visa trata igualmente todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, onde os méritos iguais devem ser tratados de modo igual, e as situações desiguais, na medida de sua desigualdade. 31 Princípio constitucional que veda o retrocedimento dos direitos sociais conquistados. 32 Princípio penal, ao qual determina que o direito penal deve agir de modo preventivo ou repressivo, quando necessário. 33 Princípio administrativo que determina que o agente público, bem como a administração pública, deve agir de acordo com os preceitos éticos. 34 Princípio administrativo ao qual se estabelece que a ação administrativa deve ser concretizada e efetivada conforme o disposto na lei.

114 Direitos dos animais em perspectiva

ambiente,35 da participação popular na proteção do meio ambiente36 e da eticidade37, como princípios basilares para a interpretação e formação de leis em prol dos animais.

A possibilidade de junção dos princípios, acima citados, ainda que pertencentes a áreas do direito distintas, deve-se aplicar o diálogo das fontes, uma vez que de acordo com esta teoria, elas se complementam.

O próprio Supremo Tribunal Federal utilizou o diálogo das fontes em algumas decisões, como demonstrado a seguir no item nº 5 do Recurso Especial 1.216.673/SP e item n.º 1 do Agravo Regimental 1.217.747/SP.

PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TÍTULOS DECAPITALIZAÇÃO. CLÁUSULA INSTITUIDORA DE PRAZO DE CARÊNCIA PARA DEVOLUÇÃO DE VALORES APLICADOS. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A manifestação do Ministério Público após a sustentação oral realizada pela parte não importa em violação do art. 554 do CPC se sua presença no processo se dá na condição de fiscal da lei. 2. Não pode ser considerada abusiva cláusula contratual que apenas repercute norma legal em vigor, sem fugir aos parâmetros estabelecidos para sua incidência. 3. Nos contratos de capitalização, é válida a convenção que prevê, para o caso de resgate antecipado, o prazo de carência de até 24 (vinte e quatro) meses para a devolução do montante da provisão matemática. 4. Não pode o juiz, com base no CDC, determinar a anulação de cláusula contratual expressamente admitida pelo ordenamento jurídico pátrio se não houver evidência de que o consumidor

35 Princípio ambiental que determina que o Estado é responsável pela defesa do meio ambiente. 36 Princípio ambiental onde permite a participação da população na defesa e preservação do meio ambiente, no entanto a Constituição Federal determina como dever em seu art. 225, caput. 37 Princípio civil que os indivíduos devem agir de boa-fé em suas relações.

Da defesa dos animais... 115

tenha sido levado a erro quanto ao seu conteúdo. No caso concreto, não há nenhuma alegação de que a recorrente tenha omitido informações aos aplicadores ou agido de maneira a neles incutir falsas expectativas. 5. Deve ser utilizada a técnica do "diálogo das fontes" para harmonizar a aplicação concomitante de dois diplomas legais ao mesmo negócio jurídico; no caso, as normas específicas que regulam os títulos de capitalização e o CDC, que assegura aos investidores a transparência e as informações necessárias ao perfeito conhecimento do produto. 6. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - REsp: 1216673 SP 2010/0184273-9, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 02/06/2011, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/06/2011)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO ADUANEIRO. AUTOMÓVEL FABRICADO NO EXTERIOR E ADQUIRIDO NO MERCADO INTERNO, COM NOTA FISCAL DA EMPRESA IMPORTADORA, DESEMBARAÇO ADUANEIRO E REGISTRO NO DETRAN. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DO CONSUMIDOR QUE NÃO FOI AFASTADA. ILEGITIMIDADE DA PENA DE PERDIMENTO DO BEM. AGRAVO REGIMENTAL DA FAZENDA NACIONAL DESPROVIDO. 1. O Direito deve ser compreendido, em metáfora às ciências da natureza, como um sistema de vasos comunicantes, ou de diálogo das fontes (Erik Jayme), que permita a sua interpretação de forma holística. Deve-se buscar, sempre, evitar antinomias, ofensivas que são aos princípios da isonomia e da segurança jurídica, bem como ao próprio ideal humano de Justiça. 2. A pena de perdimento, fundada em importação supostamente irregular de bem de consumo usado, não pode ser aplicada quando não se afasta categoricamente a presunção de boa-fé do consumidor, que adquiriu o bem de empresa brasileira, no mercado interno. Precedentes: AGRG NO AG. 1.217.747/SP, REL. MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJE 8.10.2010; AGRG NO AG.

116 Direitos dos animais em perspectiva

1.169.855/SP, REL. MIN. BENEDITO GONÇALVES, DJE 1o.12.2009 E ERESP. 535.536/PR, REL. MIN. HUMBERTO MARTINS, DJ 25.9.2006. 3. Agravo Regimental da FAZENDA NACIONAL desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 1483780 PE 2014/0246478-3, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 23/06/2015, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/08/2015)

Ao ser humano é delegado, portanto, o dever de

cuidado para com os animais, como preceitua o direito ambiental, sem usar de maus tratos ou crueldade.

Ressalta-se, que a criação de políticas públicas também é fundamental para melhorar a qualidade de vida dos animais e conscientizar a população acerca de seus direitos e interesses. Destaca-se que o dever de cuidado dos animais, cabe ao Estado, já que estão sob sua tutela. Contudo, a população não pode ser eximida da responsabilidade em relação aos animais.

Conclui-se que embora haja uma proteção em relação aos animais, a sociedade e o próprio ordenamento jurídico é omisso quanto à prática de maus tratos e atos cruéis, como ocorre no agronegócio, rodeios, na caça esportiva, na pesca, em zoológicos, dentre outras situações. Assim é fundamental também que haja a criação, bem como a efetivação de políticas públicas em prol dos animais, sob pena da falência do ecossistema.

6.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que inúmeras leis foram criadas desde

a década de 20, com o intuito de proteger os animais, contudo estes até hoje são enquadrados como semoventes em nosso Código Civil, sendo que muitos são considerados passíveis de comercialização.

Embora o art. 225 da Constituição Federal tenha defendido o equilíbrio ecológico enquanto uso comum de todos, observa-se que o nosso ordenamento jurídico é

Da defesa dos animais... 117

antropocêntrico, porque permite que prevaleça a satisfação das necessidades humanas em detrimento da dignidade dos animais.

Ressalta-se que a ideia de coisificação dos animais, está ultrapassada e que a prática de maus tratos e atos de crueldade contribuem para o desequilíbrio do meio ambiente.

Assim, é fundamental não só uma legislação apropriada à condição do animal, mas que haja um diálogo das fontes para a efetiva proteção dos animais, bem como a criação de políticas públicas que conscientizem a sociedade acerca da dignidade dos animais, de seus direitos, sob pena da falência do ecossistema. REFERÊNCIAS AMARAL JÚNIOR, Alberto. O “Diálogo” das Fontes: Fragmentação e Coerência no Direito Internacional Contemporâneo. Anuário Brasileiro de Direito Internacional. Belo Horizonte, v. 2, n. 3, p. 11 – 33, 2008.

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118 Direitos dos animais em perspectiva

BRASIL. Decreto nº 221, de 28 de fevereiro de 1967. Dispõe sôbre a proteção e estímulos à pesca e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 fev. 1967.

BRASIL. Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934. Estabelece medidas de proteção aos animais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jul. 1934.

BRASIL. Decreto nº 3.688, de 03 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 03 out. 1941.

BRASIL. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Portaria nº 93, de 07 de julho de 1998. Importação e Exportação Fauna Silvestre. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 07 jul. 1998.

BRASIL. Lei nº 11.794, de 08 de outubro de 2008. Regulamenta o inciso VII do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 08 out. 2008.

BRASIL. Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009. Dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras, revoga a Lei no 7.679, de 23 de novembro de 1988, e dispositivos do Decreto-Lei n.º 221, de 28 de fevereiro de 1967, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 jun. 2009.

BRASIL. Lei nº 5.197, de 03 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 03 jan. 1967.

Da defesa dos animais... 119

BRASIL. Lei nº 6.638, DE 08 de maio de 1979. Estabelece normas para a prática didático-científica da vivissecção de animais e determina outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 08 maio 1979.

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 ago. 1981.

BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 jul. 1985.

BRASIL. Lei nº 7.643, de 18 de dezembro de 1987. Proíbe a pesca de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 dez. 1987.

BRASIL. Lei nº 7.653, de 12 de fevereiro de 1988. Altera a redação dos arts. 18, 27, 33 e 34 da Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, que dispõe sobre a proteção à fauna, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 fev. 1988.

BRASIL. Lei nº 7.679, de 23 de novembro de 1988. Dispõe sobre a proibição da pesca de espécies em períodos de reprodução e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 nov. 1988.

BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 fev. 1998.

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122 Direitos dos animais em perspectiva

OS ORGANIZADORES:

ANDRYELLE VANESSA CAMILO POMIN Mestre em Ciências Jurídicas. Professora do curso de graduação em Direito da UniCesumar. Pesquisadora do CNPQ em Novos Direitos e Direitos Especiais. Advogada militante. Endereço Eletrônico: <[email protected]>.

WESLEY MACEDO DE SOUSA Mestre em Ciências Jurídicas. Professor do curso de graduação em Direito da UniCesumar. Sócio do escritório Barank Macedo Advogados Associados. Endereço Eletrônico: <[email protected]>.

124 Direitos dos animais em perspectiva

OS AUTORES:

CAMILO HENRIQUE SILVA Doutorando em Educação pela PUC-Rio. Mestre em Direito Processual e Cidadania pela UNIPAR. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela FMP. Professor Assistente na UFMS. Coordenador do Projeto de Pesquisa “Animais não humanos domésticos e o Direito”. E-mail: [email protected].

CYNTHIA AKINA YOSHII UCHIDA Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR. JOSÉ LAFAIETI BARBOSA TOURINHO Promotor de Justiça (Titular da 13ª Promotoria de Justiça da Comarca de Maringá-PR, com atribuições na área de proteção ao meio ambiente, fundações e terceiro setor), Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá-UEM, Professor de Direito Penal (Leis Penais Especiais) na Faculdade Maringá. MARÍLIA FERRUZZI COSTA Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected].

Da defesa dos animais... 125

PEDRO HENRIQUE SANCHES Mestrando em Ciência Jurídica pelo Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. Sob orientação de Cleide Aparecida Gomes Fermendão. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Pós-Graduando em Direito Empresarial pelo centro Universitário de Maringá – UniCesumar. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Maringá. Advogado em Maringá-PR. Endereço eletrônico: [email protected]. STELA CAVALCANTI DA SILVA Graduanda em Direito pela Unicesumar – Centro Universitário de Maringá. Dedicou-se como monitora da disciplina de Direito Constitucional e a iniciação científica (2015), é integrante do grupo de pesquisa “Internacionalização do direito: dilemas constitucionais e internacionais contemporâneos” e realiza estágio em escritório de advocacia localizado na cidade de Maringá. Endereço eletrônico: [email protected]. TEREZA RODRIGUES VIEIRA Pós-Doutora em Direito pela Université de Montreal, Canadá; Mestre e Doutora em Direito pela PUC-SP; Especialista em Bioética Faculdade de Medicina da USP; Professora/Pesquisadora no Mestrado em Direito Processual e Cidadania na Universidade Paranaense, UNIPAR onde desenvolve o Projeto de Pesquisa “Tutela Jurídica dos Animais”. Advogada em São Paulo. E-mail: [email protected].

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THAYARA GARCIA BASSEGIO Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Graduada em Direito Empresarial pelo Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. Advogada em Maringá-PR. Endereço eletrônico: [email protected]. VALÉRIA SILVA GALDINO CARDIN Pós-doutora em Direito pela Universidade de Lisboa; Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professora da Universidade Estadual de Maringá e do Centro Universitário de Maringá-PR - UNICESUMAR; Advogada no Paraná. Endereço eletrônico: [email protected].

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