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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS Rosane Teresinha Carvalho Porto A JUSTIÇA RESTAURATIVA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENDIMENTO A CRIANÇA E AO ADOLESCENTE NO BRASIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DA 3ª VARA DO JUIZADO REGIONAL DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DE PORTO ALEGRE Santa Cruz do Sul, fevereiro de 2008

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM

DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

Rosane Teresinha Carvalho Porto

A JUSTIÇA RESTAURATIVA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE A TENDIMENTO A

CRIANÇA E AO ADOLESCENTE NO BRASIL: UMA ANÁLISE A P ARTIR DA

EXPERIÊNCIA DA 3ª VARA DO JUIZADO REGIONAL DA INFÂN CIA E DA

JUVENTUDE DE PORTO ALEGRE

Santa Cruz do Sul, fevereiro de 2008

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Rosane Teresinha Carvalho Porto

A JUSTIÇA RESTAURATIVA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE A TENDIMENTO A

CRIANÇA E AO ADOLESCENTE NO BRASIL: UMA ANÁLISE A P ARTIR DA

EXPERIÊNCIA DA 3ª VARA DO JUIZADO REGIONAL DA INFÂN CIA E DA

JUVENTUDE DE PORTO ALEGRE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado, Área de Concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas, Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientadora: Profª. Pós-Drª. Marli Marlene Moraes da Costa

Santa Cruz do Sul, fevereiro de 2008

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Rosane Teresinha Carvalho Porto A JUSTIÇA RESTAURATIVA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE A TENDIMENTO A

CRIANÇA E AO ADOLESCENTE NO BRASIL: UMA ANÁLISE A P ARTIR DA

EXPERIÊNCIA DA 3ª VARA DO JUIZADO REGIONAL DA INFÂN CIA E DA

JUVENTUDE DE PORTO ALEGRE

Esta Dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado, Área de Concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas, Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Prof.ª Pós - Dr.ª Marli Marlene Moraes da Costa Professora Orientadora

Prof.ª Pós - Dr.ª Mônia Clarissa Hennig Leal

Prof. Doutor André Viana Custódio

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Dedico este estudo à minha família, àqueles que acreditam na solidariedade enquanto justiça e possibilidade de mobilização social em prol dos direitos das crianças e dos adolescentes.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Luiz Carlos Porto e Teresa Porto, e aos meus irmãos,

Edson, Carlos e Carla , pelos laços de amor e de sangue que nos unem.

Agradeço ao meu marido, José Francisco Lima Nunes, pelo apoio e amor

incondicional nessa caminhada acadêmica.

Agradeço, especialmente, à Professora orientadora Pós-Dra. Marli Marlene Moraes

da Costa, pelos ensinamentos de docência e pesquisas, além da incondicional

dedicação e estímulo para a realização deste trabalho acadêmico.

Agradeço as integrantes do Grupo de pesquisa Direito, Cidadania e Políticas

Públicas pelo carinho em compartilhar conhecimentos e experiências na área do

Direito da Criança e do Adolescente.

Agradeço aos colegas e amigos de profissão, em especial a Marle Medianei

Hermes.

Agradeço aos profissionais da 3ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude de

Porto Alegre, em especial ao Dr. Leoberto Brancher, coordenador do “Projeto Justiça

para o Século 21”, a Drª Beatriz Aguinsky e as assistentes sociais: Lenice, Viviane,

Tânia e Cláudia, pela confiabilidade e possibilidade de desenvolver essa pesquisa.

Agradeço aos colegas e amigos, Janriê Rodrigues Reck e Jeferson Capellari, pelo

apoio, paciência e auxílio para a realização desse trabalho.

Agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito –Mestrado –

da Universidade de Santa Cruz do Sul.

Agradeço a CAPES – Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior – pelo incentivo desta pesquisa, por meio da concessão da bolsa de

estudos.

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RESUMO

Esta pesquisa propõe um estudo sociojurídico e transdisciplinar sobre o recepcionamento da Justiça Restaurativa ao Direito da Criança e do Adolescente enquanto proposta de políticas públicas socioeducativas a partir da Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas e de uma reflexão sobre o poder do discurso com Michel Foucault. Trata-se de uma investigação sobre a Justiça Restaurativa como forma alternativa de solução de conflitos que possa prevenir e mitigar os problemas decorrentes da violência estrutural e institucional, das quais são vítimas os adolescentes autores de ato infracional. Para tanto, parte das premissas e considerações essenciais sobre a Justiça Restaurativa, abordando sobre os conceitos e origem histórica. Além disso, apresenta a Comunicação Não-Violenta e a mediação como seus procedimentos nos processos restaurativos e inter-relaciona a teoria da ação comunicativa. Ademais, contextualiza sobre o locus das práticas restaurativas nas políticas públicas de atendimento da criança e do adolescente no Brasil, tendo como ponto de partida a retomada histórica da institucionalização dos infantes, além da reflexão sobre os fatores potencializadores do ato infracional. E por fim, aborda a experiência da 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre com a Justiça Restaurativa sob o viés da reconstrução da solidariedade a partir do espaço local.

Palavras-chave: Criança e adolescente, violência, políticas públicas, Justiça Restaurativa

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RESUMEN Esa investigación propone un estudio sociojuridico y transdisciplinar acerca de la recepción de la Justicia Restaurativa al derecho de los niños, mientras una proposición de políticas socioeducativas desde la Teoria de la Acción Comunicativa de Jürgen Habermas y una reflexión acerca del poder del discurso con Michel Foulcault. Es una investigación acerca de la Justicia Restaurativa como forma alternativa de solución de conflictos que puedan prevenir y amortiguar los problemas que transcuren de la violencia estructural y institucional, de las quales son victimas los niños autores del acto infracional. Para tal, empeza por las premisas y consideraciones esenciales acerca de la Justicia Restaurativa, tomando sus conceptos y origen histórico. Además, presenta la Comunicación no-violenta y la mediación como sus precedimientos en los procesos restaurativos y interrelaciona a la Teoria de la Ación Comunicativa. Asi que contextualiza acerca del locus das practicas restaurativas de las politicas publicas del atendimiento de los niños en Brasil, y también de la reflexión acerca de los fatores potencializadores del acto infracional. Finalmente, contempla la experiência de la 3ª Vara del Juzgado Regional de la Infancia y e de la Juventud de Porto Alegre con la Justicia Restaurativa bajo el perspectiva de la reconstrucción de la solidariedad desde el espacio local.

Palabras-clave : niños, violencia, políticas públicas, Justicia Restaurativa.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................. 09 1.JUSTIÇA RESTAURATIVA: PREMISSAS E CONSIDERAÇÕES ESSENCIAIS....................................................................................................

14

1.1 Considerações gerais sobre a Justiça Restaurativa a partir de uma abordagem conceitual e histórica.....................................................................

16

1.2 A Comunicação Não-Violenta como procedimento da Justiça Restaurativa.....................................................................................................

39

1.3 A Teoria da Ação Comunicativa em debate.............................................. 47 2. O LOCUS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NAS POLÍTICAS PÚBLI CAS DE ATENDIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL............................................. ................................................................

60

2.1 A retomada histórica do direito da Criança e do Adolescente no Brasil.................................................................................................................

62

2.2 Adolescente: sujeito em construção........................................................... 69 2.3 Fatores potencializadores do ato infracional.............................................. 76 2.3.1 Violência estrutural.................................................................................. 80 2.3.2 A delinqüência juvenil.............................................................................. 85 2.4 O caráter instrumental do discurso dominante........................................... 88 2.5 A gestão local de rede de atendimento e as políticas públicas socioeducativas................................................................................................

97

3. A RECONSTRUÇÃO DA SOLIDARIEDADE DOS ATORES SOCIAIS A PARTIR DO ESPAÇO LOCAL............................. ...........................................

109

3.1 A experiência da Justiça Restaurativa em Porto Alegre............................ 110 3.2 A Central de Práticas Restaurativas como espaço dialógico..................... 113 3.3 O resgate da comunidade como desafio da Justiça Restaurativa.............. 132 CONCLUSÃO................................................................................................... 155 REFERÊNCIAS................................................................................................ 163 ANEXOS........................................................................................................... 174 ANEXO A - Projeto-de-lei n. 7006, de 2006..................................................... 175 ANEXO B - Resolução 2002/12....................................................................... 180 ANEXO C -Guia de procedimento restaurativo................................................ 183

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INTRODUÇÃO

Ao abordar a Justiça Restaurativa na área do Direito da Criança e do

Adolescente, deve-se refletir sobre o adolescente e o papel social dos demais atores

sociais na reconstrução e gestão da rede do Sistema de Garantias e Atendimento

aos infantes. Frise-se que todos os interlocutores envolvidos e ligados pelo conflito

também são atores e responsáveis pela reconstrução da solidariedade social e,

conseqüentemente da diminuição dos danos ocasionados pela violência estrutural.

Por conta disso, esta pesquisa na área do Direito da Criança e do Adolescente

tem como tema a Justiça Restaurativa como política pública de inclusão social para

adolescentes a partir da Teoria Ação Comunicativa: um estudo sobre sua

experiência aplicada pela 3ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto

Alegre nos anos de 2005 e 2006.

A 3ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre é

responsável pela execução das medidas socioeducativas privativas da liberdade,

aplicadas aos adolescentes residentes na região metropolitana, e também das

medidas socioeducativas de meio aberto aplicadas a adolescentes que praticam

atos infracionais médios e leves residentes em Porto Alegre. Leoberto Narciso

Brancher é também responsável pela implementação e coordenação do “Projeto

Justiça para o Século 21”, que visa à aplicabilidade do modelo da Justiça

Restaurativa no atendimento dos adolescentes.

Observe-se que a região metropolitana de Porto Alegre, ou grande Porto

Alegre, é constituída de 31 municípios no Estado do Rio Grande do Sul e, segundo

estimativas do IBGE de 2006, compreende 9.889,6 km² e tem 4.101.042 habitantes.

O interesse pelo tema surgiu após várias discussões e leituras que sinalizaram

a participação no grupo de estudos de Práticas Restaurativas da AJURIS

(Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul), a partir de junho de 2005. Ademais,

o interesse pelo objeto de pesquisa também está vinculado ao grupo de estudos

Direito, Cidadania e Políticas Públicas, ligado a linha de pesquisa Políticas Públicas

de Inclusão Social do Mestrado em Direito da UNISC (Universidade de Santa Cruz

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do Sul) e registrado junto ao CNPQ, coordenado pela Pós-Drª Marli Marlene Moraes

da Costa, orientadora deste estudo.

A delimitação do tema reflete o compromisso e a co-responsabilidade social

com as crianças e adolescentes que, na maioria das vezes, têm a sua condição de

cidadania exacerbada e denegada. Conhecer o adolescente enquanto sujeito em

construção é um dos desafios para avançar no tema que trata da Justiça

Restaurativa como um dos procedimentos de resolução de conflitos. Além disso,

note-se que há relação com a linha de pesquisa Políticas Públicas de Inclusão

Social, assim como o estudo é pertinente ao direito, por ter o mesmo a função social

de integração e cooperação mútua na resolução de conflitos.

Com esta preocupação estabeleceu-se como problema de investigação: As

práticas da Justiça Restaurativa no Sistema de Justiça e de Atendimento à Infância

e da Juventude, aplicadas pela 3ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude de

Porto Alegre, podem ser empregadas como estratégia de enfrentamento e

prevenção à violência envolvendo adolescentes? E como questionamentos

secundários: A Justiça Restaurativa é um espaço dialógico emancipatório ou emerge

em seu centro o poder punitivo mascarado? E a Justiça Restaurativa é uma política

pública de inclusão social a adolescentes autores de ato infracional garantidora da

cidadania plena?

As hipóteses que orientam este trabalho: A noção de ação comunicativa de

Habermas é útil para entender a funcionalidade da Justiça Restaurativa,

vislumbrando perceber a distinção das ações sociais predominantes nas políticas

públicas voltadas ao atendimento dos adolescentes; a Justiça Restaurativa ao valer-

se da comunicação não-violenta e da ação comunicativa provoca a emancipação

dos sujeitos envolvidos nas práticas restaurativas; as práticas restaurativas rompem

com os paradigmas do tratamento anterior, sem violar, contudo, o ordenamento

jurídico, pois é plenamente compatível com este; a sociedade brasileira enfrenta um

grande desafio, qual seja, criar um sistema de real eficácia e integração, que, ao

acolher as práticas restaurativas, seja capaz de garantir às crianças e aos

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adolescentes o pleno exercício da cidadania, por meio de políticas públicas que

enfatizem a união entre família, comunidade, Estado e sociedade civil.

A Justiça Restaurativa também pode ser considerada uma política pública de

inclusão social garantidora de cidadania na execução das medidas socioeducativas,

por estar em consonância com as diretrizes de políticas públicas versadas pela

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e pelo Estatuto da Criança e

do Adolescente.

Como objetivo geral da pesquisa, analisou-se as práticas da Justiça

Restaurativa no Sistema de Justiça e de Atendimento à Infância e da Juventude

desenvolvida no período de 2005 até o final de 2006 aplicadas pela 3ª Vara do

Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre como estratégia de

enfrentamento e prevenção à violência estrutural e institucional envolvendo

adolescentes.

Pelas características do objeto, a investigação privilegia a transdiciplinariedade

que se refere àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das

diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. 1 O que se busca com tal

premissa é a compreensão contextual da Justiça Restaurativa e de inter-relação

entre os campos de conhecimento do direito relacionado à história, à sociologia e à

política. O método de abordagem foi o hipotético-dedutivo. O método de

procedimento foi o monográfico. Embora esta pesquisa tenha natureza aplicada,

uma vez que foram feitas visitas e levantou-se dados através de aplicação de

questionário, os mesmos foram fornecidos pela própria 3ª Vara, o que restringiu este

estudo a um trabalho bibliográfico documental.

A teoria de base do presente trabalho foi a de Habermas, com a teoria da Ação

Comunicativa e Michel Foucault, que propõe em suas obras uma reflexão sobre o

discurso como estratégia do poder dominante, focalizando as instituições, em

1 NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinariedade. Tradução de Lucia Pereira de Souza. São Paulo: Triom, 2001,p.50-51.

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especial instituições prisionais e judiciárias, que refutam e despersonalizam o

sujeito. Além desses dois autores, procurou-se estabelecer uma relação de

dialogicidade com outros autores contemporâneos, que trabalham com a área da

infância e da juventude.

A dissertação está estruturada em três capítulos, inter-relacionados e

interdependentes, que visam a indicar um novo patamar de percepção teórica da

Justiça Restaurativa sob o viés da Teoria da Proteção Integral.

O primeiro capítulo, denominado “Justiça Restaurativa: Premissas e

Considerações Essenciais”, aborda as considerações gerais sobre a Justiça

Restaurativa a partir de uma abordagem conceitual e histórica, dispõe, como um de

seus principais procedimentos, de uma técnica da comunicação não-violenta e traz

esclarecimentos centrais sobre a teoria da ação comunicativa de Habermas de

maneira a encontrar a sua inter-relação com as práticas restaurativas. A construção

conceitual e histórica da Justiça Restaurativa foi realizada com base no

levantamento histórico de diversos autores estrangeiros, alguns com textos

traduzidos no Brasil.

O segundo capítulo, denominado “O Locus da Justiça Restaurativa nas

Políticas Públicas de Atendimento da Criança e do Adolescente no Brasil”, apresenta

a realidade da criança, do adolescente e seus reflexos na institucionalização, a partir

de uma retomada histórica, que perpassa a Doutrina do Menor, Doutrina da Situação

Irregular e Doutrina da Proteção Integral. Sob essa premissa procura-se abordar o

adolescente enquanto sujeito em construção, além das várias realidades sociais,

que interferem e fazem de cada adolescente um sujeito uno e peculiar. Na

construção e compreensão da adolescência e o agir comunicativo do adolescente

está o ato infracional como um sintoma e um avanço aos limites sociais.

Nesse sentido, indicam-se como critério de sugestão alguns fatores

potencializadores do ato infracional como: a pobreza, a exclusão, as desigualdades

sociais, a violência estrutural e a delinqüência juvenil propriamente dita. Em meio a

tudo isso, a maior reflexão passa pelo desvelamento do discurso assistencialista

que, mesmo diante da Proteção Integral, tanto na Constituição Federal quanto no

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Estatuto, vige nas práticas de atendimento a adolescentes. Resta, assim, dialogar

com a legislação dominante pautada nas legislações internacionais e nos direitos

humanos e reconstruir a gestão local e a rede de atendimento aos adolescentes,

localizando no seu tecido a Justiça Restaurativa como política pública

socioeducativa.

O terceiro capítulo, denominado “A Reconstrução da Solidariedade dos Atores

Sociais a partir do Espaço Local”, apresenta a experiência da Justiça Restaurativa

em Porto Alegre, realizada na 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da

Juventude, elucida a Central de Práticas Restaurativas como espaço dialógico,

como base em levantamento de dados estatísticos sobre as práticas que estão

sendo desenvolvidas, de maneira a dar-se maior visibilidade a tal modelo. A partir da

discussão dos dados, fornecidos pela 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e

Juventude, busca-se o resgate da comunidade para concretude das práticas

restaurativas, além da reconstrução do conceito de solidariedade enquanto vínculo

ou sinônimo de justiça e comprometimento dos atores sociais no espaço público

democrático.

Na Conclusão são apresentados tópicos fundamentais alcançados com a

investigação realizada, propondo alternativas ao espaço local, a partir da

reconstrução do princípio da solidariedade enquanto vínculo de justiça para o

resgate da comunidade e a gestão local em rede das políticas públicas de

atendimento a adolescentes autores de ato infracional, como a Justiça Restaurativa.

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1 JUSTIÇA RESTAURATIVA: PREMISSAS E CONSIDERAÇÕES E SSENCIAIS

Se afasto do meu jardim os obstáculos que impedem o sol e a água de fertilizar a terra, logo surgirão plantas de cuja existência eu sequer suspeitava. Da mesma forma, o desaparecimento do sistema penal punitivo estatal abrirá, num convívio mais sadio e mais dinâmico, os caminhos de uma nova justiça2.

À medida que nossos desejos são os mesmos que os dos outros, gerando

rivalidade e disputa pelo domínio de um território, nasce o conflito, que provém da

incapacidade do sujeito de perceber que há “lugar para dois”3.

O direito existe também para mediar esses conflitos; logo, quando o Judiciário

se propõe a aplicar outras alternativas de resolução de conflitos, como a Justiça

Restaurativa é possível notar a inter-relação com a teoria da Ação comunicativa de

Habermas, mais especificadamente o que ela quer ensinar. Porém, aplicar uma

outra modalidade na área do Direito da Criança e do Adolescente representa

enfrentar discursos decadentes como os puramente assistencialistas e romper com

paradigmas antigos como o do Menor e o da Situação Irregular, abrindo espaço para

o paradigma restaurativo enquanto afirmação da teoria da Proteção Integral.

A Justiça Restaurativa pode ser considerada como um paradigma se o falar e o

agir transformarem a cultura. Significa dizer que é possível pensar em novos

paradigmas se essas mudanças se derem na linguagem e no comportamento, em

atitudes e valores. Ocorre que o projeto de Habermas torna-se relevante no contexto

no qual se encontram inseridas as práticas restaurativas voltadas aos adolescentes 2 HULSMAN, L. C.; BERNAT de J. Penas Perdidas. O sistema penal em questão. Tradução de Maria Lúcia Karan. Paris: Editions du Centurion, 1993. 3 MULLER, Jean - Marie. Não-violência na educação. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athenas, 2006, p.22-23: “O aparecimento de um outro ao meu lado é perigoso, ou ao menos pode vir a ser. Não tenho idéia se será ou não e, justamente por isso, sinto que a situação encerra perigo. Os outros desejam necessariamente me fazer mal, mas nunca se sabe. Por isso os outros, os estranhos, encerram o meu futuro; eles me provocam um estado de insegurança. Os outros me preocupam, me assustam. Mesmo que não pretendam me fazer mal, eles me inquietam. Já de saída sinto-me oprimido pela proximidade do outro. Ele pode não me ameaçar, talvez queira apenas pedir ajuda. Mesmo assim, isto também significa problema. Meu medo dos outros é duas vezes maior quando não se parecem comigo, quando não falam a mesma linguagem, não têm a mesma cor de pele, não acreditam no mesmo Deus. Estes são os que mais me perturbam. Por que não ficam na casa deles, onde é o seu lugar? É perturbador quando os outros entram no meu território. Estão invadindo minha área de tranqüilidade, arrancando minha paz de espírito. Os outros, por sua própria existência, estão forçando entrada num espaço que conquistei para mim, como se ameaçassem minha própria existência. Não tenho escolha senão ceder lugar, talvez até ceder o meu lugar”.

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por representar uma teoria crítica da sociedade e que, principalmente, propõe a

ruptura de antigos princípios baseados no conhecimento de objetos em prol do

paradigma do entendimento que se dá entre os sujeitos capazes de falar e agir.

Além disso, ele “descobre que o interesse em emancipação está inserido na própria

estrutura da linguagem, em especial nos atos de fala voltados ao entendimento e ao

consenso”4.

Logo, relacionar a Justiça Restaurativa com os preceitos da Ação Comunicativa

implica o pressuposto de que o espaço público ocupado pelos atores sociais é

constituído de uma rede comunicacional5, pois cada um desses sujeitos tentará

externar os atos de fala, o que está no ímpeto dos seus “mundos”: o subjetivo, o

social e o objetivo6. Cada participante tem seu momento de verbalização ou

externalização dos seus sentimentos e principalmente oportunidade de relatar sua

versão sobre os fatos presentes. Essa passagem implica, portanto, uma

reapropriação ou empoderamento do conflito pelos principais envolvidos. Em

síntese, a relação centra-se no agir comunicativo dos atores sociais.

Dentro de tal contexto, a teoria da Ação Comunicativa abre possibilidades de se

construir novas percepções e compreender a sociedade, que tem características

distintas, inclusive desiguais com relação ao ser humano. Evidencia-se aqui, num

primeiro momento, a importância dos atos comunicativos entre os homens no sub-

estabelecimento das relações interpessoais e sociais, que também envolvem o

direito como elo de conexão e interação na sociedade. Em outros termos, a ação

comunicativa diz respeito aos atos comunicativos, que podem ser expressos tanto

pela linguagem falada, escrita como a corporal. Tudo leva a crer que as relações

entre os homens são movidas por ações que têm por finalidade precípua a

4 SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989, p. 87. 5 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factcidade e validade. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v.2, p. 90. 6 GUIMARÃES, Marcelo Rezende. Educação para a paz: sentidos e dilemas. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2005, p. 261: “As competências comunicativas podem se vincular ao mundo objetivo (pretensão de verdade), ao mundo social (pretensão de justiça), ao mundo subjetivo (pretensão de veracidade). Enquanto as pretensões de veracidade são estabelecidas apenas numa seqüência comportamental, as pretensões de verdade e justiça são estabelecidas através do discurso, teórico e prático respectivamente. Dessa forma, o jogo argumentativo adquire força e vigor, onde a linguagem ganha capacidade de gerar o entendimento”.

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comunicação, ou seja, o entendimento mútuo. Desse modo entende-se também que

“a linguagem é o meio da ação comunicativa”7.

Por conseguinte, os dois tipos de ações sociais desenvolvidos por Habermas

são: a ação não-social instrumental e a ação social comunicativa. A primeira diz

respeito ao agir estratégico do sujeito e a segunda refere-se ao agir comunicativo

direcionado ao interesse mútuo8.

No entanto, pelo que se pode observar, quando o tema envolve os

adolescentes e o modelo de sistema de Justiça, percebem-se as distorções sociais

oriundas da falta de entendimento na comunicação entre os atores sociais, que

integram e constituem a sociedade compartilhada. Do mesmo modo, percebe-se que

as distorções nos atos comunicativos entre esses sujeitos prejudicam o processo

emancipatório individual e também social9. Assim, tornam-se imprescindíveis as

considerações gerais sobre a Justiça Restaurativa a partir de uma abordagem

conceitual e histórica, perpassando sobre sua origem e existência em vários países,

incluindo o Brasil, e após seus valores fundamentais, princípios e procedimentos,

adotando como referencial teórico autores como Jürgen Habermas e Michel

Foucault.

1.1 Considerações gerais sobre a Justiça Restaurati va a partir de uma

abordagem conceitual e histórica

Abordar um sistema de justiça que atenda satisfatoriamente com seus serviços

os interesses da sociedade é tarefa desafiadora, quando se verifica a dicotomia

existente entre o modelo retributivo e o restaurativo. Observe que esse está sendo

incorporado em algumas práticas jurídicas brasileiras, com a finalidade de melhorar

7 SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989 p. 79. 8HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa, I: racionalidad de la acción y racionalización social. Madrid: Taurus, 1987. 9 GUIMARÃES, Marcelo Rezende. Educação para a paz: sentidos e dilemas. Caxias do Sul: EDUCS, 2005, p.303.

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o atendimento e construir um espaço propício que possibilite o diálogo pacífico entre

as partes envolvidas no conflito10.

A Justiça Restaurativa tem origem nos modelos de organização social das

comunidades pré-estatais, européias e nas coletividades nativas, que privilegiavam

as práticas de regulamentação social voltadas aos interesses coletivos sobre os

interesses individuais11. Dito de outra maneira, a Justiça Restaurativa é

implementada nas sociedades ocidentais, baseando-se nas tradições indígenas do

Canadá, dos Estados Unidos e da Nova Zelândia, além disso, destaca-se que a

Irlanda é um país pioneiro no emprego dos procedimentos restaurativos,

especificadamente no que versa a resolução de conflitos juvenis. De igual maneira

está sendo implementada em outros países como os Estados Unidos, Canadá,

Alemanha, Peru, Austrália, Kuwait, Omán, Chile, Argentina, África do Sul, Costa

Rica, Colômbia, Nova Zelândia Brasil12 e outros13.

A implementação das práticas restaurativas na Nova Zelândia deu-se pela

reivindicação da população maori, pois seus membros eram discriminados em

relação aos brancos de origem européia. O índice de adolescentes nativos em

regime de internamento era maior que os de origem européia. Entre tantos

problemas que envolviam essa comunidade, o Sistema de Justiça da Infância e da

Juventude editou em 1989, o Children, Young Persons and Their Families Act, com

o objetivo de melhor se compatibilizar com as tradições do povo maori14.

10 HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. 11JACCOUD, Mylène. Princípios, tendências e procedimentos que cercam a Justiça Restaurativa In: SLAKMON , C., De VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 163. 12 Projeto-de-lei nº 7006/2006, que propõe facultativamente o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais. (vide ANEXO A). 13 LONDOÑO, Maria Catalina Echeverri; URBANO, Deidi Yolima Maca. Justicia Restaurativa, contextos marginales y Representaciones Sociales: algunas ideas sobre la implementación y la aplicación de este tipo de justicia. Disponível em: <http://www.justiciarestaurativa.org/news/Articulo%JUSTICIA%20RESTAURATIVA%20Colombia.pdf> Acesso em: 29 nov.2007. 14 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal. O novo modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p.83.

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18

A proposta reconhecia a família como co-responsável para tomada de decisões

sobre os seus jovens, que se envolviam em ato infracional. Além disso, os objetivos

priorizavam estimular a utilização de outras alternativas ao procedimento criminal,

que não comprometessem os vínculos familiares e comunitários do infante, aplicar

em última instância as medidas privativas de liberdade e observar os interesses da

vítima 15.

Conforme o Children, Young Persons and Their Families Act, a autoridade

policial pode escolher quatro alternativas de encaminhamento quando apreende um

jovem a quem é atribuído o ato infracional. Primeiramente, pode se valer

simplesmente da advertência, seja oral ou escrita. Na segunda alternativa,

denominado “encaminhamento alternativo”, após o recebimento do relatório de

investigação sobre o ato infracional, um policial do Youth Aid (Departamento de

Auxílio à Juventude) reúne-se com o jovem e sua família para a elaboração de um

plano de trabalho16.

Nesse plano poderá ser inserido um pedido de desculpas, a reparação do

dano, doações a instituições de caridade, prestações de serviços à comunidade,

inclusão escolar ou treinamento profissional, entre outras, de acordo com o caso

concreto. A terceira alternativa diz respeito a realização de uma Family group

conferences- (FGC), que é organizada por um Youth Justice Coordinator, funcionário

do Departamento de Bem-Estar Social do Child, Youth and Family Services (CYFS),

que atua como facilitador 17.

Participam do encontro, o adolescente, a vítima e seus familiares além de seus

apoiadores, e um representante da polícia. E a quarta alternativa é o

encaminhamento do caso ao Tribunal de Jovens, que tem como atribuição decidir

pelo julgamento do caso ou a realização Family group conferences. Caso necessário

poderão ser nomeados um advogado e assistentes sociais para participarem do

encontro do adolescente, a família e a vítima mais os seus apoiadores. Do mesmo

modo, quando os acordos não são cumpridos pelo adolescente, o caso é

15 SICA, op. cit. , p.83. 16 SICA, loc. cit. 17 SICA, loc. cit.

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encaminhado para a Corte Juvenil e os crimes contra a vida são julgados pelo

Tribunal de Jovens. Baseadas nas experiências juvenis, também foram adotadas

práticas restaurativas para o sistema de justiça adulto18.

Nas sociedades contemporâneas ocidentais, o ressurgimento da Justiça

Restaurativa e dos processos que a ela estão ligados como a mediação19 sofreu

influência dos movimentos de contestação das instituições repressivas, da

vitimologia e o papel da comunidade. No que trata ao primeiro movimento, o mesmo

surgiu nas universidades americanas, destacando a escola de Chicago e a

criminologia radical20. O segundo movimento caracterizou a descoberta da vítima, na

abordagem pela criminologia, sobre os fatores que contribuíam para o sujeito tornar-

se vítima. Entretanto, a sensibilização dos críticos teóricos do modelo retributivo

voltou-se para as necessidades e, principalmente, para a ausência da vítima no

processo penal21. Por isso, no início do século XX, a participação da vítima em cada

um dos passos do processo judicial tornou-se fundamental para a recuperação e a

responsabilização do infrator22.

18 SICA, loc. cit. 19 MULLER, Jean-Marie. (2006): Não-Violência na Educação. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, p.56: “A mediação é a intervenção de um terceiro que se coloca entre os protagonistas de um conflito, entre dois adversários (do latim adversus : alguém que se virou contra, que está em oposição), que podem ser dois indivíduos, duas comunidades ou duas nações que se enfrentam e se opõem uma à outra. O objetivo da mediação é trazer os protagonistas da adversidade à conversação (do latim conversari: voltar-se em direção a, convergir); ou seja, levá-los a se voltarem um para o outro a fim de dialogar, entender-se mutuamente e, se possível, encontrar um acordo capaz de abrir caminho para a reconciliação”. 20 JACCOUD, Mylène. Princípios, tendências e procedimentos que cercam a Justiça Restaurativa In: SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 166: “Este movimento inicia uma crítica profunda das instituições repressivas, destacando principalmente seu papel no processo de definição do criminoso. Ele retoma, entre outras, a idéia durkheimiana, segundo a qual o conflito não é uma divergência da ordem social, mas uma característica normal e universal das sociedades. Nos Estados Unidos, alguns movimentos confessionais (sobretudo os Quakers e o Mennonites) se unem à corrente da esquerda radical americana para contestar o papel e os efeitos das instituições repressivas. O movimento crítico americano encontra eco na Europa onde os trabalhos de Michel Foucault (Surveiller et punir: naissance de la prison, 1975), Françoise Castel, Robert Castel e Anne Lovell (La société psychiatrique avancée: le modèle américain,1979), Nils Christie (Limits to Pain, 1981) e Louk Hulsman (Peines perdues: le système pénal en question, 1982) nutrem a reflexão e o desenvolvimento de um movimento que recomenda o recurso para uma justiça diferente, humanista e não punitiva”. 21 Id., ib., p. 163. 22 Tradução livre. In: FUNES, Jaume i Artiaga (Org.). Mediación y justicia juvenil. Centre d’ Estudis i Formació Especialitzada de la Generalitat de Catalunya.Fundació Jaume Callís, Diagonal, 415, 1r. 08008. Barcelona, Espanha: Fotocomposición fotoletra, S.A. Impresión: T.G. Hostench, S.A, 1995, p. 28.

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20

No entanto, destaca Jaccoud:

O movimento vitimista inspirou a formalização dos princípios da justiça restaurativa, mas não endossou seus princípios nem participou diretamente de seu advento. É necessário, então, manter prudência na análise das relações que o movimento vitimista mantém com a justiça restaurativa23.

O terceiro movimento ressalta a comunidade como o lugar que deve ser

valorizado, pois nela que os conflitos são menos numerosos e podem ser mais bem

administrados, assim como era nas sociedades tradicionais24.

Diferentes sistemas e formas de mediação como técnicas próximas das

restaurativas expandiram-se pela Europa nos anos 70 e 80, mas foi, em especial, no

âmbito do Direito Juvenil que se encontraram as condições mais favoráveis e

propícias para a aplicação dos planos de conciliação infrator e vítima, devido ao

caráter especial das normas aplicáveis à população juvenil. Ademais, o

desenvolvimento desses programas deu-se tanto pela possibilidade de ser

recepcionado pela legislação especial, que tem um caráter amplo, como pelo caráter

inovador característico dos profissionais vinculados ao campo da justiça juvenil25.

Na Itália, destacando o trabalho realizado no Tribunal de Milão e Turim a

mediação tem ocupado seu espaço na Justiça de Menores. Note-se que todos os

países que implementaram a mediação iniciaram por esta área, pelo maior

reconhecimento e vigor26.

As diversas noções e técnicas de natureza inter-relacional pela proximidade

comum com a Justiça Restaurativa também se desenvolveram na Alemanha, no

início da década de 80, quando do surgimento e incorporação de métodos de

conciliação entre vítima e ofensor na resolução de conflitos penais, na justiça

criminal de adultos e na Justiça da Infância e da Juventude27.

23 JACCOUD, op.cit., p. 163. 24 JACCOUD, op.cit., p.163. 25 FUNES, op.cit., p. 29. 26 SICA, op.cit., p.84. 27 SICA, op. cit., p.87.

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Por outro lado, na França a origem das experiências atualmente identificadas

como restaurativas não teve por base uma fase de aprofundamento teórico, optando

pelo caminho pragmático. Desde a década de 80, a mediação era utilizada para

resolução de conflitos, porém, mais tarde, as técnicas de mediação foram reunidas e

denominadas de “justiça de proximidade”, com a finalidade de romper com o

distanciamento do sistema de justiça dos locais considerados problemáticos. Dos

programas desenvolvidos nesse país, destacam-se as Casas de Justiça e do Direito

( Maisons de Justice et du Droit), surgidas da iniciativa da Procuradoria de Pontoise,

na região de Paris, em 1990, e regulamentadas pela lei 98-1163 de 1998. Eram

instaladas em bairros carentes, onde em um espaço físico diversos serviços de

acesso à justiça eram oferecidos à comunidade, aliás, empregavam a mediação

penal para pequenos delitos, principalmente contra o patrimônio28.

De acordo com a experiência da Nova Zelândia, a Austrália escolheu a Justiça

da Infância e da Juventude como instância privilegiada para a implementação de

mecanismos restaurativos de justiça. Há programas de justiça restaurativa, no

âmbito juvenil, dispersos em todas as regiões do país, a citar a região de Novas

Gales do Sul, que se vale das conferências restaurativas 29.

28SICA, op.cit., p.93-94. “Na região de Novas Gales do Sul, inspirados no chamado modelo Wagga Wagga de justiça, membros da polícia local implementaram, em 1991, Community Youth Conferences, criando um programa gerido conjuntamente pela polícia, pelo Department of Juvenile Justice, pela New South Wales Childrens´s Court e pelos Community Justice Centres. Como produto dessa experiência, foi promulgado, com validade para todo o Estado de Nova Gales do Sul, o Young Offenders Act, de 1997, pelo qual regulamentaram as sanções aplicáveis a jovens infratores, dispondo-as em uma hierarquia de opções que passou a incluir conferências restaurativas. Podem participar das conferências, além do jovem, a família, o advogado, policiais, a vítima e seus apoiadores. Se optar por não participar, a vítima pode enviar representantes e, uma vez presente, tem poder de veto sobre solução deliberada. Eventualmente, podem participar também membros mais velhos de comunidades indígenas, oficiais de probation e assistentes sociais. O encaminhamento dos casos é feito pela polícia e, mais raramente, pela corte, quando o magistrado inclui entre as disposições constantes da sentença a realização de uma conferência. É preciso, para que haja encaminhamento, que se cuide de (sic) do jovem entre 10 e 17 anos que tenha cometido infração sujeita ao procedimento sumário, entre as quais estão o roubo, o furto, o dano e as chamadas condutas desordeiras. São excluídas de plano ofensas sexuais, ofensas que tenham resultado em morte e algumas ofensas relacionadas a drogas. Uma vez indicado pela polícia, o caso é encaminhado ao Departament of Juvenile Justice (DJ J), no qual ele é recebido por um administrador de conferências, que nomeia um facilitador (chamado de conference convenor). Se houver conflito sobre a conveniência ou não de realização da conferência entre o DJJ e o órgão que houver encaminhado o caso, a decisão cabe ao Director of Public Prosecutions (DPP)”. 29 STRANG, Heather. Restorative Justice Programs in Austrália. Research School of Social Sciences, Australian National University, 2001. Disponível em: <http://www.aic.gov.au/crc/reports/strang/report.pdf.> Acesso em: 21 dez.2007.

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22

Nesse contexto, várias normativas internacionais como a Recomendação

número 87 do Conselho da Europa sobre as reações sociais ante a delinqüência

juvenil, as Regras mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de

menores (regras de Beijing), inclusive a Convenção sobre os direitos das crianças

estabelece procedimentos judiciais e apropriados para o tratamento das crianças e

dos adolescentes, chamando a comunidade para a participação na atenção aos

seus adolescentes, propondo medidas e procedimentos de reconciliação entre os

adolescentes autores de ato infracional e suas vítimas, como a desjudicialização ou

mediação, e sempre respeitando os direitos humanos e as garantias legais30.

Nos últimos anos na América Latina, as práticas alternativas de resolução de

conflitos têm sido implementadas e regulamentadas nos respectivos ordenamentos

jurídicos. Isso pode ser, devido ao descrédito que as pessoas têm com relação ao

Poder Judiciário para o enfrentamento e solução eficaz de conflitos. Traz à baila as

legislações específicas da Argentina sobre mediação (Lei 24.573) e conciliação (Lei

24.635), como leis sobre arbitragem31, conforme a matéria abordada. Além disso,

desde 1998 está sendo desenvolvido um projeto-piloto de Justiça Restaurativa

denominado Proyecto RAC, uma parceria entre a Faculdade de Direito de Buenos

Aires e o Ministério Nacional de Justiça32.

No Brasil estão sendo desenvolvidos três projetos sobre a Justiça Restaurativa,

em Brasília (DF), outro em São Cateano (SP) e em Porto Alegre (RS), no Rio

Grande do Sul. Inclusive, o projeto da 3ª Vara do Juizado da Infância e Juventude de

Porto Alegre é referência mundial, citado no livro publicado pelas Nações Unidas de

Viena, no ano de 2006, assim:

30 Tradução livre. FUNES, op.cit., p. 34-37. 31 Ver também no Brasil. ARSÊNIO, Julieta. A mediação como facilitador dos processos judiciais. Ciência & vida Psique Edição especial. Ano I nº 5. Psicologia Jurídica, 2007, p.39: “ A Lei 9307/96, que instituiu a Arbitragem no Brasil, em momento algum se refere à mediação e uma única vez a conciliação. Desde que essa lei foi sancionada, criaram-se tribunais, centros, câmaras, instituições de mediação e arbitragem. Segundo o Conselho Nacional de Mediação e Arbitragem - CONIMA - há registro de aproximadamente cem cadastros junto à entidade, atuando em diferentes estados nas mais diversificadas áreas. Em contraposição, o Poder Judiciário togado, em sua maioria, ainda encontra-se resistente a Lei de Arbitragem, ocorrendo conciliações em Algumas Varas Especiais. [...]” 32 SICA, op.cit., p.99.

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This system is experimenting with conferencing for young offenders. TheChildren and Adolescent Act of 1990 allows the presiding youth court judge to suspend the legal proceedings for first-time offenders involved in less serious crimes and for the use of sanctions such as community service and reparation. The Porto Alegre youth justice system is piloting the use of câmaras restaurativas for these offenders33.

Poder-se-iam citar outras experiências de países como Chile, Guatemala,

Nicarágua, Uruguai, Peru e a Colômbia; no entanto, cabe ressaltar, novamente, que

em cada país, está se disseminando aos poucos políticas de resolução de conflitos,

como conciliação, mediação, arbitragem e práticas restaurativas34. Pode-se

considerar uma inter-relação entre as mesmas, principalmente no aspecto de se

propor alternativas não punitivas e sim consensuais, que dissociem o castigo da

Justiça.

A terminologia Justiça Restaurativa é atribuída a Albert Eglash que, em 1977,

escreveu um artigo intitulado Beyond Restitution: Creative Restitution. No referido

trabalho, denotou três respostas ao crime, que são: a retributiva baseada na

punição; a distributiva voltada para a reeducação; e a restaurativa, tendo como

fundamento a reparação35.

Essa expressão, a saber, a Justiça Restaurativa, foi impulsionada pelo

Congresso Internacional de Criminologia de Budapeste de 1993, e conquistou novos

33 Tradução livre: “Este projeto está sendo apresentado em uma conferência para jovens infratores. O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 permite que o juiz da Vara da Infância e Juventude suspenda os processos legais para a primeira vez em que o delinqüente se envolva em crimes de menor gravidade, fazendo o uso de sanções como serviços comunitários e reabilitação. O sistema de justiça da Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre realiza testes piloto com o uso de câmaras restaurativas para estes delinqüentes”. In: AERTSEN,I; HAZEM, A; CARRANZA,E. et. al Handbook on Restorative Justice Programmes. Criminal Justice Handbook Series. United Nations Publication Sales N. E. 06.V15 , New York,2006, p.27. 34 Ver a distinção em: VEZZULA, Juan Carlos. A mediação de conflitos com Adolescentes Autores de Ato infracional. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, do Centro sócio-Econômico da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. 137p. p.63. [...] temos apontado as características diferenciais da mediação de conflitos a respeito do processo judicial (formal, adversarial e impositivo), da negociação cooperativa (diálogo com objetivo resolutivo, autocompositivo), da conciliação (procedimento rápido que inclui um terceiro que orienta e até pressiona na obtenção de um acordo que, ainda que não satisfaça totalmente, consegue encerrar o assunto) e da arbitragem (procedimento privado e misto: negocial e impositivo, que parte da escolha livre de um terceiro para decidir sobre uma questão de sua competência). 35 GALLI, Marcelo. Um novo modo de olhar o Direito. Revista Visão Jurídica, São Paulo, n.4,p.14-16, jan.2007.

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24

adeptos mediante as Conferências internacionais de Vitimologia de Adelaide

(Austrália), em 1994, Amsterdã em 1997, e Montreal em 2000 36.

Nas palavras de Martín:

El grupo de expertos de la Comisión de Prevención del Delito y Justicia Penal de las Naciones Unidas lleva desde 2002 trabajando para intentar definir unas bases generales de la justicia restaurativa. Por Justicia restaurativa entienden todo proceso en que la víctima, el delincuente y, cuando proceda, cualquier otra persona o miembro de la comunidad afectados por el delito, participen conjuntamente y de forma activa en la resolución de cuestiones derivadas del delito, con la ayuda de un mediador o facilitador37.

A Comissão de Prevenção do Delito e Justiça Penal das Nações Unidas ao

definir de maneira geral a Justiça Restaurativa reconhece a sua importância para a

resolução dos conflitos38, (em anexo) a Resolução nº 2002/12 que aborda a

definição da Justiça Restaurativa. Portanto, define-se a Justiça Restaurativa como:

[…] un nuevo movimiento en el campo de la victimología y criminología. Reconociendo que el crimen causa daños a las personas y comunidades, se insiste en que la justicia repara esos daños y que a las partes se les permita participar en ese proceso. Los programas de justicia restaurativa, por consiguiente, habilitan a la víctima, al infractor y a los miembros afectados de la comunidad para que estén directamente involucrados en dar una respuesta al crimen. Ellos llegan a ser el centro del proceso de justicia penal, con profesionales del Gobierno y del Derecho que sirven como facilitadores de un sistema que apunta a la responsabilidad del infractor, la

36 Tradução livre. MARTÍN, Nuria Belloso. (Org.). Mediación Penal de Menores. In:____. Estúdios sobre mediación: la ley de mediación familiar de Castilla y León. Espanha: Junta de Castilla y León, 2006, p. 302. 37 MARTÍN, Nuria Belloso. (Org.). Mediación Penal de Menores. In:____. Estúdios sobre mediación: la ley de mediación familiar de Castilla y León. Espanha: Junta de Castilla y León, 2006, p. 301. 38 MADRIGAL, Arias. Reflexiones Teóricas y Prácticas sobre la reparación del daño y la justicia restaurativa. Disponível em:” <http://www.justiciarestaurativa.org/aroundla/costaricareflexiones/view> Acesso em: 12 dez. 2007. En foros internacionales nuestro país ha promovido una posición de compromiso con la reparación del daño, muy cercana a la Justicia restaurativa, así, merecen destacarse las discusiones en el seno de la II Cumbre Iberoamericana de Presidentes de Cortes y Tribunales Supremos de Justicia, celebrada en Caracas en 1999, en la que el Magistrado Orlando Aguirre Gómez efectúa una referencia a la justicia, que potencia el diálogo y que “produzca resultados más satisfactorios para la víctima, para el infractor mismo y para la sociedad”. Igualmente relevantes son las aportaciones del representante costarricense en las Naciones Unidas, así, en la Reunión de la Comisión de Prevención del Delito y Justicia Penal, de celebrada en Viena, en el 2002, sugirió se utilizara la expresión “Justicia restaurativa”, en lugar de Justicia restitutiva, para la traducción del término inglés “restorative justice”. Sin embargo, el aporte más significativo de esta representación, fue la propuesta de incluir en el texto final, el principio de no discriminación y de aplicación imparcial. Con el fin de evitar las distinciones por motivos de raza, color, sexo, idioma, religión, opiniones políticas o toda otra distinción basada en el origen nacional o social, el patrimonio, la cuna o cualquier otra condición, con el objetivo de lograr la paridad entre las partes”.

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reparación a la víctima, y la total participación de esta, el infractor y la comunidad39.

A partir da Convenção das Nações Unidas, pode-se mensurar alguns

benefícios sobre os procedimentos restaurativos:

-Permite la optimización de la cohesión social. Permite que la comunidad cambie su mirada frente al ofensor y de esta manera lo conciba como parte integrante de ella. - Permite una participación activa de la víctima, el ofensor y la comunidad, en la que éstos pueden expresar sus emociones e ideas frente al daño causado.- Facilita un proceso de identificación entre la víctima y el ofensor.- Permite que el ofensor repare el daño, en lugar de recibir un castigo. - Permite que tanto la víctima como el ofensor sean vistos como personas y no exclusivamente como alguien que recibe un daño y alguien que lo comete.- Permite que tanto la víctima, el ofensor y la comunidad recobren el control que fue perdido por la comisión del delito.- Facilita el proceso de construcción de comunidades más pacíficas.- Permite la resignificación de la situación para cada una de las partes.- Logra que exista una menor reincidencia en los actos delictivos40.

Diversas são as construções apresentadas ao conceito de Justiça Restaurativa;

porém, pode-se afirmar inicialmente que a proposta é inacabada, pois para Sica é

“mais que uma teoria em formação, é um conjunto de práticas em busca de uma

teoria”41.

Para os autores Mccold e Wachtel, a proposta de teoria de Justiça Restaurativa

é composta de três estruturas conceituais distintas e que se relacionam: a janela de

Disciplina Social, o papel das partes interessadas e a tipologia das práticas

restaurativas 42.

39CENTRO PARA LA JUSTICIA Y LA RECONCILIACIÓN - CONFRATERNIDAD CARCELARIA INTERNACIONAL¿Que es la Justicia Restaurativa? MAYO 2005 Disponível em: <http://www.pficjr.org/spanish/quees/>.Acesso em 06 out. 2007. 40 LONDOÑO, Maria Catalina Echeverri; URBANO, Deidi Yolima Maca. Justicia Restaurativa, contextos marginales y Representaciones Sociales: algunas ideas sobre la implementación y la aplicación de este tipo de justicia. Disponível em: <http://www.justiciarestaurativa.org/news/Articulo%JUSTICIA%20RESTAURATIVA%20Colombia.pdf> Acesso em: 29 nov.2007. 41 SICA, op.cit. , p.10. 42 MCCOLD, Paul; WACHTEL, Ted. Em busca de um paradigma: uma teoria de Justiça Restaurativa. Trabalho apresentado no XIII Congresso Mundial de Criminologia, 10-15 Agosto de 2003, Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.realjustice.org/library/paradim_port.html-21k>. Acesso em: 12 dez. 2007.

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A ‘janela de Disciplina Social’ que combina um “nível alto ou baixo de controle

com um nível baixo de apoio”43 define quatro abordagens de regulação do

comportamento: punitiva, permissiva, negligente e restaurativa. Com relação a

abordagem punitiva também denominada de retributiva, as pessoas são rotuladas e

estigmatizadas. Na permissiva ou reabilitadora há proteção aos indivíduos das

conseqüências e das ações erradas. Decorre o baixo controle e o baixo apoio, que

caracteriza ações negligentes, indiferentes e passivas. E na perspectiva restaurativa

prevalece o alto controle e o alto apoio social, que possibilita ao transgressor, à

vítima e à comunidade a elaboração de um acordo mútuo para melhor viabilizar a

reparação do dano.

Importante destacar na segunda estrutura denominada ‘o papel das partes

interessadas’, que a mesma relaciona o dano causado pela transgressão às

necessidades peculiares de cada parte envolvida e às respostas necessárias para o

devido atendimento dessas. Conseqüente a isso, faz uma distinção dos interesses

das partes interessadas principais e das partes interessadas secundárias. Nas

principais, envolve as vítimas e os transgressores que mais diretamente foram

afetados pelo dano. Considera-se também os familiares ou os que têm relação

direta, por estarem ligadas emocionalmente com a vítima ou o transgressor.

Observe-se que essas partes constituem as comunidades de assistência a vítimas e

ofensores. A comunidade tem um papel de destaque para se alcançar a reparação

máxima entre os seus envolvidos44.

De sorte, as partes interessadas secundárias ou indiretas incluem “os vizinhos

e aqueles que pertencem a organizações religiosas, educacionais, sociais ou

empresas cujas áreas de responsabilidade se inserem os lugares ou as pessoas

afetadas pela transgressão”. Ademais, a sociedade representada pelo Poder Público

é considerada parte secundária e as necessidades que deverão ser atendidas são

de interesse coletivo, e não específicas. Portanto, a resposta máxima é apoiar e

43 MCCOLD; WACHTEL, In: <http://www.realjustice.org/library/paradim_port.html-21k>.Acesso em: 12 dez. 2007. 44MCCOLD ; WACHTEL, In: <http://www.realjustice.org/library/paradim_port.html-21k>.Acesso em: 12 dez. 2007.

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facilitar os processos restaurativos, de maneira imparcial, cabendo as partes

principais estipular o que deve ser feito45.

Resta, assim, a última estrutura, a intitulada ‘tipologia das práticas

restaurativas’. Reafirma-se que o processo restaurativo envolve as partes

interessadas principais para decidir sobre a reparação do dano. Nesse espaço de

interlocuções, reconhecem-se, as vítimas, os transgressores e as suas

comunidades, cujas necessidades são: “obter a reparação, assumir a

responsabilidade e conseguir a reconciliação”46.

É importante salientar, que o envolvimento desses três atores sociais é que

determina o grau de restauratividade. Em outras palavras, se somente a vítima e o

ofensor participarem de um círculo restaurativo, o processo é considerado “na maior

parte restaurativo”. Se por exemplo, “no caso de compensação financeira do

governo às vítimas”, o processo é “parcialmente restaurativo”. Ademais, se todos os

atores sociais participarem ativamente do processo restaurativo, ele é “totalmente

restaurativo”. Portanto, conforme o envolvimento e o compartilhamento de

experiências no círculo ou em conferências restaurativas, maior o grau de

empoderamento e restauratividade47.

Entre os conceitos mais relevantes de Justiça Restaurativa no mundo está o do

advogado norte-americano Howard Zher, considerado um dos fundadores e

principais teóricos sobre Justiça Restaurativa, tendo como destaque a obra

Changing Lenses (Trocando as lentes). Desenvolveu uma concepção detalhada das

concepções fundamentais da Justiça Restaurativa, merecendo ênfase os seguintes

pontos: o crime é fundamentalmente uma violação de pessoas e relações

interpessoais; as violações criam obrigações e responsabilidades; e a Justiça

Restaurativa busca corrigir injustiças48.

45 MCCOLD; WACHTEL, In: <http://www.realjustice.org/library/paradim_port.html-21k>.Acesso em: 12 dez. 2007. 46 MCCOLD; WACHTEL, In: <http://www.realjustice.org/library/paradim_port.html-21k>.Acesso em: 12 dez. 2007. 47 MCCOLD; WACHTEL, In: <http://www.realjustice.org/library/paradim_port.html-21k>.Acesso em: 12 dez. 2007. 48 ZEHR, Haward; MIKA, Harry. Conceitos fundamentais da justiça restaurativa. Michigan: Michigan University, [s.d.] Mimeo.

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Segundo Londoño e Urbano afirmam que:

La justicia restaurativa es un tipo de justicia que procura, por medio de un proceso de encuentro y diálogo en el que participan activa y voluntariamente víctima, ofensor y comunidad, la reparación del daño a la víctima, la restauración del lazo social y junto con ello la rehabilitación del ofensor49.

Em outros termos, toda e qualquer ação realizada pelos protagonistas

envolvidos com o conflito, que tenham por finalidade a justiça por meio da reparação

do dano causado pelo ato criminoso, pode ser compreendida como prática

restaurativa. Desse modo, quanto mais se buscar a solução dos conflitos pelas

práticas restaurativas mais se aproxima da elaboração e construção da teoria e do

conceito da Justiça Restaurativa50.

Em outros termos:

La justicia restaurativa es diferente de la justicia penal contemporánea en muchas maneras. Primero, ve los actos criminales en forma más amplia – en vez de defender el crimen como simple transgresión de las leyes, reconoce que los infractores dañan a las víctimas, comunidades y aun a ellos mismos. Segundo, involucra más partes en repuesta al crimen – en vez de dar papeles clave solamente al gobierno y al infractor, incluye también víctimas y comunidades. Finalmente, mide en forma diferente el éxito – en vez de medir cuanto castigo fue infringido, mide cuánto daño es reparado o prevenido51.

Para Lade Walgrave, “a Justiça Restaurativa caracteriza-se pela tentativa de

fazer justiça por meio da reparação do dano”52. Nas palavras de Madrigal:

La Justicia restaurativa propone en el marco del debate de la reparación del daño un programa que cuenta con una “vis atractiva” muy apreciable debido

49LONDOÑO, Maria Catalina Echeverri; URBANO, Deidi Yolima Maca. Justicia Restaurativa, contextos marginales y Representaciones Sociales: algunas ideas sobre la implementación y la aplicación de este tipo de justicia. Disponível em: <http://www.justiciarestaurativa.org/news/Articulo%JUSTICIA%20RESTAURATIVA%20Colombia.pdf> Acesso em: 29 nov.2007. 50 SICA, op.cit., p.10. 51 CENTRO PARA LA JUSTICIA Y LA RECONCILIACIÓN - CONFRATERNIDAD CARCELARIA INTERNACIONAL¿Que es la Justicia Restaurativa? MAYO 2005 Disponível em:<http://www.pficjr.org/spanish/quees/> .Acesso em 06 out. 2007. 52 WALGRAVE, Lade. Imposição da restauração no lugar da dor: reflexões sobre a reação judicial ao crime. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.443.

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al influjo de ideas centradas en el realismo, es decir, en la búsqueda de una justicia más humana, más comunicativa y pro activa53.

Nesse cenário, a Justiça Restaurativa baseia-se num procedimento de

consenso, em que a vítima e o infrator e, quando apropriado, outras pessoas ou

membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam

coletiva e ativamente na construção de soluções aos traumas causados pelo crime54.

No mesmo sentido, Ademais Jaccoud define como sendo uma aproximação

que privilegia toda a forma de ação, individual ou coletiva, visando a corrigir as

conseqüências vivenciadas por ocasião de uma infração, a resolução de um conflito

ou a reconciliação das partes ligadas a um conflito55.

Com relação à natureza conceitual do significado e alcance de comunidade

(accountability) e o alcance de potencialização do papel da vítima, em que pese em

um primeiro momento, para os programas de Justiça Restaurativa mais antigos,

entende-se por comunidade a de relação (community of concern) da vítima e do

autor, como também o lugar em que se deu o crime56.

Nesse aspecto, o valor e a retomada do papel social da comunidade tem por

premissa maior preencher a lacuna deixada pelo Estado57. Além disso, como

esclarece Sica, a comunidade pode ser destinatária das políticas de reparação e

fortalecimento do sentimento de segurança coletiva, como também pode ser ator

social sobre ações reparadoras concretas das conseqüências do ato criminoso58.

Para Marshall, Boyack e Bowen,

53 MADRIGAL, Arias. Reflexiones Teóricas y Prácticas sobre la reparación del daño y la justicia restaurativa. Disponível em: <http://www.justiciarestaurativa.org/aroundla/costaricareflexiones/view> . Acesso em: 12 dez. 2007. 54 PINTO, Renato Sócrates, et. al., Justiça Restaurativa é possível no Brasil ? In:SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 20-21. 55 JACCOUD, Myène. Princípios, tendências e procedimentos que cercam a Justiça Restaurativa In:SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 169.

56 SICA, op.cit., p.14. 57 JACCOUD, op. cit., p. 170.

58 SICA, op.cit., p.13.

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[...] A justiça restaurativa é uma abordagem colaborativa e pacificadora para a resolução de conflitos e pode ser empregada em uma variedade de situações ( familiar, profissional, escolar, no sistema judicial, etc.) Ela pode também usar diferentes formatos para alcançar suas metas, incluindo diálogos entre a vítima e o infrator, “conferências” de grupo de comunidades e familiares, círculos de sentenças, painéis comunitários, e assim por diante59.

Ademais, considera-se a Justiça Restaurativa como o procedimento adotado

entre os interlocutores ou partes envolvidas e unidas pelo conflito ocasionado em

decorrência da infração, que ao exporem seus sentimentos, emoções e

principalmente suas necessidades básicas humanas se predispõem a legitimarem

um acordo e validarem entre si.

A esse respeito, Brancher:

Se a lei é pai e limite, a justiça deveria ser mãe, acolhimento e escuta. Os olhos vendados da deusa lembram a importância do ouvir, antes de pensar, pesar, julgar. Antes: que os ouvidos sintam antes que os olhos concluam. Ouvir antes: antes que os pré-conceitos julguem. Uma justiça isenta, acolhedora e dialógica - equivalente a uma justiça que não parta dos pressupostos da imputação, investigação, culpa e castigo – haveria de ser capaz de escutar a cada um e dar voz e vazão a suas dores, dramas e tragédias. Andar sete dias e sete noites nas sandálias do pecador. Nem tanto: sete minutos para ouvir cada pessoa na inteireza da sua humanidade, respeitado o limite das próprias circunstâncias, talvez bastassem. Meninos de rua, policiais, taxistas, vítimas de assaltos, viúvas do latrocínio, adolescentes infratores ou suas mães: que qualquer um enfim pudesse comparecer a uma sala de audiências – ou a qualquer outro espaço mais adequado, mas não menos simbólico, dedicado à escuta do conflito - para expressar a turbilhão de sentimentos e emoções subjacentes às causas e aos efeitos da infração. Livres para não ter de proteger-se das terríveis ameaças da deusa enfurecida e livres para transparecer aquilo que, pelas vias tormentosas da violência, fizeram ouvir sob a forma de uma impronunciada demanda: a demanda pela satisfação de suas necessidades - as quais, por se reduzirem em regra à satisfação de valores, quando não de direitos, no mais das vezes ecoarão um grito universal, quase sempre trazendo um fundo humano legítimo por mais que inadmissível seja sua estratégia de reivindicação60.

59 MARSHALL, C; Boyack, J; BOWEN, H. Como a Justiça Restaurativa assegura a boa prática Uma abordagem baseada em valores In: SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 270. 60BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. . In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.671.

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Melo define a Justiça Restaurativa, partindo do pressuposto que este modelo

apresenta soluções alternativas ou complementares ao sistema tradicional de

justiça, especialmente ao retributivo. Portanto:

sua ênfase volta-se, de um lado, à procura por amparo às vítimas e ao atendimento suas necessidades, dando-lhe um papel ativo na condução das negociações em torno do conflito. De outro lado, busca não apenas a responsabilização do causador do dano, valendo-se de recursos outros à punição e à sua estigmatização, mas também, pelo encontro que se dá entre um envolvido e outro no conflito, dar ocasião para o confronto de todas as questões que, a ver de cada qual, o determinaram e para o encaminhamento de possibilidades de sua superação ou transfiguração61.

Além da responsabilização do causador do dano, esse modelo disponibiliza um

espaço de discussões entre os interlocutores envolvidos e ligados pelo ato

infracional, que neutraliza estigmas e rotulações. Logo, o que se espera é uma

mínima possibilidade de restauração nas relações.

Do mesmo modo, De Vitto afirma que a aplicação prática desse modelo é o que

mais se aproxima do que se deve esperar da intervenção do Estado em reação ao

fenômeno delitivo: uma tentativa de conciliar as justas expectativas da vítima, do

infrator e da sociedade62.

Por outro lado, Morris diz que, por definição, não se sabe ao certo o que se

pode precisar ou esperar que a Justiça Restaurativa “restaure” efetivamente, embora

afirme que a restauração significa, para as vítimas, a recomposição da segurança,

da dignidade, do auto-respeito e do senso de controle63.

Mesmo que não se tenha a exatidão do que seja restaurar, uma interessante

pesquisa sinaliza e otimiza a implementação da Justiça Restaurativa:

61MELO, Eduardo Rezende. Justiça Restaurativa e seus desafios histórico-culturais. Um ensaio crítico sobre os fundamentos ético-filosóficos da justiça restaurativa e, contraposição à justiça retributiva. In:SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R.(Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 53-77. 62DE VITTO, Renato Campos Pinto. Justiça Criminal, Justiça Restaurativa e Direitos Humanos:SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R.(Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 41-50. 63 MORRIS, Alisson. Criticando os críticos Uma breve resposta aos críticos da Justiça Restaurativa In:SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005, p. 449-450.

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Dados mais recentes (Maxwell et al. 2001), sobre 300 jovens que participaram dessas reuniões restaurativas em 1998 na Nova Zelândia, mostram, após uma análise preliminar, que mais da metade deles disseram que se sentiam envolvidos no processo decisório; mais de dois terços, que tiveram oportunidade de dizer o que queriam; mais de 80%, que entendiam a decisão; e mais de dois terços disseram que concordavam com a decisão. Da mesma forma, pesquisas recentes na Austrália mostram que os jovens infratores vêem as reuniões restaurativas como justas e estão satisfeitos com seus processos e resultados (Palk et al. 1998; Cant e Downie 1998; Strang et al. 1999; Trimboli, 2000; Daly 2001). No entanto, eu também entendo que “restaurar” significa a compensação dos males causados tanto pela vítima como aqueles por ela sofridos. Isto significa que nossas atitudes devem não somente ter como objeto as conseqüências do crime, mas também os fatores que a ela estão subjacentes. Nenhum processo, não importa o quão inclusivo, e nenhum resultado, não importa o quão reparador, poderão magicamente desfazer os anos de marginalização e exclusão social experimentados por tantos infratores (ver também Polk 2001), muito menos poderão suprir a necessidade que têm as vítimas de ajuda e aconselhamento terapêutico no longo prazo. [...]64.

Logo, o autor não tem precisão do que se entenda por restaurar danos

ocasionados pelo ato infracional, pois é notório no atual cenário de desigualdades

sociais, que certos atos violentos ocasionam feridas traumáticas, podendo ser

irrestauráveis65. Contudo, o espaço dialógico e intersubjetivo criado pela Justiça

Restaurativa é a possibilidade de os sujeitos externarem suas emoções e razões a

respeito do fato e, diante disso, aprenderem a conviver com o trauma, de tal forma

que possam seguir adiante suas vidas.

De acordo com a rede de procedimentos restaurativos da Nova Zelândia, a

visão e a prática da Justiça Restaurativa são formadas por vários valores

fundamentais que a distinguem de outras abordagens e estratégias de justiça para

se resolver os conflitos. Os valores das práticas restaurativas são aqueles

considerados essenciais aos relacionamentos saudáveis, eqüitativos e justos, que

são: participação, respeito, honestidade, humildade, interconexão, responsabilidade,

empoderamento e esperança66. Seguem, na seqüência, breves apontamentos sobre

cada um deles.

64 MORRIS, op.cit., p. 449-450. 65 MORRIS, op. cit, p. 449-450. 66 MARSHALL, C; Boyack, J; BOWEN, H. MARSHALL, C; Boyack, J; BOWEN, H. Como a Justiça Restaurativa assegura a boa prática Uma abordagem baseada em valores In: SLAKMON, C., De VITTO, R., PINTO, R. (Org.), Justiça Restaurativa, Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento- PUND, 2005.

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A participação diz respeito aos mais afetados pela transgressão (vítimas,

ofensores e suas comunidades de interesses). Os atores sociais devem erguer seus

atos de fala e serem responsáveis pela coordenação das respectivas ações,

cabendo somente a eles a tomada de decisões, o que contribuirá para o acordo.

Quanto ao respeito, este deve ser mútuo e gerador de confiança e boa-fé entre os

atores sociais envolvidos no processo restaurativo. Por sua vez, nos atos de fala faz-

se necessária a honestidade, pois a verdade esclarece melhor os fatos e a culpa

dentro dos parâmetros legais.

Note-se, também, a relevância de os participantes do processo restaurativo

(que poderá se dar nos círculos restaurativos, nos encontros, nas conferências.)

terem humildade, pois esta é uma condição humana que capacita a todos

descobrirem o que há em comum. Além disso, a empatia e os cuidados mútuos são

manifestações de humildade.

Com isso, reforça-se ainda mais a interconexão entre os atores sociais, bem

como a Justiça Restaurativa reconhece que todos, independente de serem vítimas

ou infratores estão interligados e fazem parte de uma sociedade compartilhada.

Portanto, os crimes ocorridos no meio social também são de responsabilidade da

sociedade, pois a mesma pode contribuir na restauração da vítima e na inclusão do

ofensor. Não raro, constata-se que a própria sociedade, pela estrutura que a

constitui, exerce um papel infelizmente excludente; conseqüentemente, as

desigualdades sociais, os estereótipos e a forma de normatização das suas

instituições contribuem para o desenvolvimento de seres humanos evasivos e sem

sentimento de pertencimento, o que pode levar à violência e, principalmente, ao

cometimento de crimes.

Ao abordar a responsabilidade, o ofensor, se desejar participar das práticas

restaurativas, precisa admitir a autoria do ato infracional cometido. Por isso, quando

um adolescente a quem é atribuído o ato infracional aceita participar de um círculo

restaurativo, o mesmo precisa ter assumido a autoria do ato. Aliás, esta é uma das

condições exigidas pela 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e Juventude de

Porto Alegre, que será elucidada mais adiante. No círculo, o autor do ato infracional

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pode demonstrar a aceitação dessa obrigação, buscando a reparação do dano

causado. Sob essa ótica, o caminho torna-se viabilizador para a reconciliação.

Como bem explica Brancher:

No que interessa à gestão do processo político em que se insere a garantia de direitos através da prestação jurisdicional: no campo dos interesses individuais, responsabilidade é o atributo indispensável ao exercício do valor máximo representado pela liberdade: não se pode exercer liberdade sem limite, sem respeito: responsabilidade perante o outro. No campo dos interesses coletivos, responsabilidade é o atributo indispensável ao exercício do valor máximo representado pela democracia. Não se pode exercer democracia sem que cada cidadão tenha presente as conseqüências de suas escolhas e o peso da sua participação: responsabilidade perante todos. Somente relações pautadas pela responsabilidade perante o outro e pela responsabilidade para com todos pode instalar um ambiente de confiança. A confiança, pressuposto da coesão, é a contrapartida (perante o outro) e o dividendo (para todos) da responsabilidade. A responsabilidade é o tributo da confiança. E assim como sem responsabilidade não há confiança, sem confiança não há restauração, nem justiça, e sem justiça não há coesão social. Em cada fissura da sociedade que esquecida dessa fórmula se desagrega, o gérmen oportunista da violência instala a dor e a destruição. Sendo as instituições da justiça investidas da função de garantidoras, em última instância, dos princípios regentes do Estado representados pela liberdade e pela democracia, a proposta de promover responsabilização não se justifica apenas como foco central da administração da justiça, mas passa a constituir-se numa contribuição à efetividade do próprio Estado Democrático de Direito. Uma justiça que promova autonomia e responsabilidade promove coesão, garante direitos e estabiliza relações sociais, fundamentando a constituição de um “Estado de Responsabilidade Social”67.

Sobre a reparação, Pedro Scuro Neto dispõe seus quatro elementos: as

desculpas, a mudança de comportamento, a restituição e a generosidade. Dentro

desse enfoque, destaca-se que a reparação deve ser decidida pelo próprio infrator e

pela própria vítima, e não por terceiros, como o juiz ou a sociedade68.

Não importa o tipo de crime com o qual a pessoa se depare; o fato é que este

rouba a autonomia do sujeito, pois no exercício desse ato de violência um indivíduo

exerce o controle sobre o outro sem o seu consentimento. Porém, quando esses

67 BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. . In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.673. 68SCURO, Pedro Neto. Fazer justiça restaurativa – padrões e práticas. Disponível em: <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.home>. Acesso em: 30 out. 2006.

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indivíduos, na condição de vítima e ofensor, participam do processo restaurativo são

devolvidos à vítima os seus poderes. A vítima retoma seu papel ativo para

determinar quais são as suas necessidades humanas e como devem ser

satisfeitas69. Por conta disso, também dá poder aos ofensores de responsabilizarem-

se por seus atos e fazerem o possível para remediarem o dano causado, buscando

a reabilitação e a integração. Em outras palavras, o que ocorre nesse

compartilhamento de mundos distintos, mas aproximados pela dor da violência, é

uma espécie de empoderamento70.

Sica define o empowerment como: “a recuperação do poder de diálogo e entre

as partes, suprimido pelo processo penal, assim como o poder de evitar o processo

e definir outras formas de regulação social distintas daquela única oferecida pelas

agências judiciais tradicionais”71.

Ademais, a esperança deve nortear sempre as relações dos atores sociais,

sobremaneira no restabelecimento das vítimas, principalmente no aspecto

emocional e na mudança do ofensor de não delinqüir novamente. As abordagens

restaurativas visarão às necessidades presentes e futuras; por isso, a esperança é

prioridade para aqueles que acreditam na possibilidade de construir uma sociedade

melhor.

A Justiça Restaurativa recepciona inúmeras práticas, dentre elas, como

mencionado anteriormente, está a mediação, mas por ser um modelo em construção

e em transformação, não é possível delimitá-la a um tipo específico de procedimento

ou considerar que seja sinônimo de mediação72. Entende-se que a mediação:

[…] es un proceso que provee una oportunidad a la víctima interesada de reunirse con el infractor en un escenario seguro y estructurado, enfrentándose en una discusión del delito con la asistencia de un mediador entrenado. Los objetivos de la mediación de víctima y infractor incluyen: permitir a la víctima reunirse con el infractor sobre la base de propia voluntad, animando al infractor a comprender sobre el impacto del crimen y

69 MARSHALL, op.cit., p. 273.

70 SICA, op. cit., p.19. 71 SICA, loc.cit.

72SICA, op.cit., p.72.

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tomar responsabilidad del daño resultante, y proporcionando a la víctima y al infractor la oportunidad de desarrollar un plan para tratar el daño73.

A mediação e as práticas restaurativas se inter-relacionam, mas mesmo as

fronteiras demarcadas entre as áreas, existe a distinção. Na Justiça Restaurativa, os

atores sociais (autor, vítima e comunidade) ao se reunirem em um espaço para

dialogarem não deverão levar seus papéis sociais para dentro do círculo, ou seja, a

identificação dos integrantes é de apenas de ordem didática, pois, na realidade, o

poder de autoridade, a disputa por um bem e a presença de um mediador não

existe. Significa dizer que não há um único responsável pelo conflito, todos são co-

responsáveis e a presença dos coordenadores no processo é preliminar, pois o

empoderamento no local deve-se dar exclusivamente pelos interlocutores envolvidos

no fato, em especial, pela comunidade. Em linhas gerais, a mediação pode ser

considerada um dos processos restaurativos.

Decorre que o programa de Justiça Restaurativa será aquele que utiliza

processos restaurativos e busca resultados restaurativos. Para compreender esse

conceito, e notar a tênue distinção com a mediação, convém realizar algumas

distinções terminológicas, entre processo e resultados restaurativos74.

El “proceso restaurativo” es todo proceso en que la víctima, el delincuente y cuando proceda, cualesquiera otras personas o miembros de la comunidad afectados por un delito, participan conjuntamente de forma activa en la resolución de cuestiones derivadas del delito, por lo general con la ayuda de un facilitador. Entre los procesos restaurativos se puede incluir la mediación, la conciliación, la celebración de conversaciones y las reuniones para decidir sentencias. El “resultado restaurativo” será un acuerdo logrado como consecuencia de un proceso restaurativo. Entre los resultados restaurativos se pueden incluir respuestas y programas como la reparación, la restitución y el servivio a la comunidad, encaminados a atender las necesidades y responsabilidades individuales y colectivas de las partes y a lograr la reintegración de la víctima y del delincuente. Las “partes” serán la víctima, el delincuente y cualesquiera otras personas o miembros de la comunidad afectados por un delito que participen en un proceso restaurativo. El “facilitador” será una persona cuya función es promover, de manera justa e imparcial, la participación de las partes en un proceso restaurativo75.

73 CENTRO PARA LA JUSTICIA Y LA RECONCILIACIÓN - CONFRATERNIDAD CARCELARIA INTERNACIONAL, op.cit. 74 Tradução livre. MARTÍN, Nuria Belloso. (Org.). Mediación Penal de Menores. In:____. Estúdios sobre mediación: la ley de mediación familiar de Castilla y León. Espanha: Junta de Castilla y León, 2006, p. 309. 75 MARTÍN, op.cit., p. 309.

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Uma das questões que permeia o tema é quando se podem utilizar os

programas de Justiça Restaurativa. Para Martín, poderá ser utilizado em qualquer

etapa do sistema de justiça penal da Espanha76, por exemplo, desde que respeitada

a legislação nacional. Os processos restaurativos poderão ser utilizados sempre que

existirem provas suficientes de autoria do delito contra o ofensor e o livre

consentimento da vítima em qualquer momento do processo. Os acordos deverão

ser construídos de forma voluntária, os envolvidos (ofensor e vítima) participam

voluntariamente. Quando os processos restaurativos não são um recurso apropriado

e possível, o caso deverá ser remetido para a justiça penal, que decidirá como atuar

sobre o mesmo77. Ressalte-se que:

Para que los programas de justicia restaurativa puedan funcionar, los Estados deben considerar la posibilidad de establecer directrices y normas, com base legislativa cuando sea precisa, que rijan su utilización. Esas directrices y normas versarán, entre otras cosas, sobre: a) Las condiciones para la remisión de casos a los programas de justicia restaurativa; b) La gestión de los casos después de un proceso restaurativo; c) Las calificaciones, la capacitación y la evaluación de los facilitadores; d) La administración de los programas de justicia restaurativa; e) Las normas de competencia y las reglas de conducta que regirán el funcionamiento de los programas de justicia restaurativa. Asimismo, en los programas de justicia restaurativa, y en particular en los procesos restaurativos, deben aplicarse salvaguardas básicas en materia de procedimiento que garanticen la equidad con el delincuente y la víctima: a) A reserva de lo dispuesto en la legislación nacional, la víctima y el delincuente deben tener derecho a consultar a un asesor letrado en relación ao proceso restaurativo, y en caso necesario a servicios de traducción e interpretación. Los menores además tendrán derecho a la asistencia de los padres e del tutor; b) Antes de dar su acuerdo para participar en procesos restaurativos, las partes deben ser plenamente informadas de sus derechos, de la natureza del proceso y de las posibles consecuencias de su decisión; c) No se debe coaccionar a la víctima ni al delincuente para que participen en procesos restaurativos o acepten resultados restaurativos, ni se les debe inducir a hacerlo por tales medios.78

Embora as práticas restaurativas sejam incipientes e o seu emprego em

alguns lugares do mundo não apresente resultados quantitativos de grande monta,

que demonstrem a sua efetividade como mudança de atitude com relação às

práticas atuais do sistema de justiça, a sua implementação é necessária e requer

uma jornada de trabalho gradativa. Alguns insucessos ocorreram e poderão ocorrer,

76 Em 13 de Janeiro de 2001 entrou em vigor na Espanha a Lei orgânica 5/2000, que regula a responsabilidade penal do menor de idade. 77 MARTÍN, Nuria Belloso. Justicia y mediación penal: la responsabilidad de las políticas públicas. In: COSTA, Marli M.M. Direito, cidadania e políticas públicas. Porto Alegre: Imprensa livre, 2006, p. 158. 78MARTÍN, Nuria Belloso. Justicia y mediación penal: la responsabilidad de las políticas públicas. In: COSTA, Marli M.M. Direito, cidadania e políticas públicas. Porto Alegre: Imprensa livre, 2006, p. 158.

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mas existem mais aspectos positivos que reafirmam a sua instauração que o

contrário. Vale mencionar que a justiça restaurativa não é um mero instrumento de

desafogamento de trabalho dos tribunais, pois entre os seus objetivos está a

qualidade na prestação dos serviços institucionais. É importante salientar que como

se tratam de experiências recentes, torna-se difícil obter conclusões seguras em

relação à diminuição da reincidência e do número de crimes praticados. No entanto,

há pesquisas que indicam bons resultados 79.

Na Nova Zelândia, pesquisa sobre os resultados do Rotorua Second Chance Community -Managed Restorative Justice Program e do Wanganui Community-Ma aged Restorative Justice Program indicaram, no mesmo sentido, duas conclusões importantes, uma objetiva: os programas restaurativos não aumentaram as taxas de reincidência; e outra subjetiva: os níveis de satisfação dos participantes com o resultado dos programas é muito alto, aumentando a percepção de justiça naquelas comunidades ( no programa Rotorua, 83% das vítimas ficaram satisfeitas com o acordo e 95% satisfeitas com a oportunidade do encontro e 90% dos ofensores cumpriram o acordo satisfatoriamente; no programa Wanganui, 90% das vítimas ficaram satisfeitas com sua participação no encontro restaurativo) 80.

Em relação ao impacto da Justiça Restaurativa na reincidência criminal, o

estudo elaborado na Austrália, denominado RISE (Recidivism patterns in the

Canberra Reintegrative) apresenta dados interessantes:

Jovens envolvidos apenas em crimes violentos, e cujos casos foram encaminhados ao projeto RISE, reincidiram 38% menos que o grupo de controle que praticou os mesmos crimes e foi submetido à justiça penal. O dado mais interessante da pesquisa foi que essa alta queda de reincidência só ocorreu especificadamente nos crimes violentos, não sendo auferida, por exemplo crimes de trânsito e outros 81.

Todavia a observação sobre a importância das práticas restaurativas não

devem estar centrada na reincidência. No capítulo 3 deste trabalho serão

apresentados alguns dados de caráter ilustrativo da experiência da 3ª Vara do

Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre.

De acordo com pesquisadores da Inglaterra não há qualquer evidência de que

a Justiça Restaurativa aumente a reincidência. Nessa dimensão também se inserem

os resultados positivos proporcionados pelas práticas restaurativas aos

79SICA, op. cit., p.141.

80SICA, loc.cit. 81 SICA, loc. cit.

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interlocutores envolvidos no ato infracional, pois se sentem escutados e co-

responsáveis pela solução do conflito 82.

1.2 A Comunicação Não-Violenta como procedimento da Justiça Restaurativa

À medida que o homem começa a relacionar-se com o outro e deseja o poder

como um instrumento de domínio nessa relação, ele também começa a

conscientizar-se da violência e também descobre que para contrapô-la deve recusar

a reconhecer a sua legitimidade. Quando consegue isso, funda-se, então, o conceito

da não-violência 83.

Para Muller:

A ação não-violenta é exatamente aquilo que está dizendo: ação que é não violenta, e não inércia. Essa técnica consiste não apenas em palavras, mas em protesto, não-cooperação e intervenção ativos. É mais do que claro que se trata de uma ação a nível de grupo ou de massa. Certas formas de ação não-violenta podem ser consideradas como tentativas de convencer mediante ação; outras, tendo participação suficientes, podem conter elementos de coerção 84.

De outro modo, o que também se quer dizer, que quando o homem sofre a

violência e a ocasiona no outro descobre o requisito da não-violência no seu eu, pois

a sua conclusão sobre a não-violência decorre depois de esbarrar na realidade

violenta a sua volta. Assim sendo, pode-se concordar com Muller quando ele

enfatiza: “A não-violência não é conclusão de um raciocínio, não é uma dedução,

mas, sim, uma opção da razão” 85. Com efeito, a Comunicação Não-Violenta é um

processo de linguagem que vem ao encontro do despertar do homem sobre suas

necessidades humanas no mundo compartilhado, que pode ser acolhido pela matriz

habermasiana, como dito anteriormente, isto é, pautada no agir comunicativo.

Ao tratar das necessidades humanas básicas também é necessário

compreender os conflitos. A esse respeito, Galtung explica:

82 SICA, loc.cit. 83 MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.53. 84 Id., ib., p.12-13. 85 MULLER, Jean- Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995 MULLER, Jean- Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.58.

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Conflitos não são de nível superior ou inferior. Todos os conflitos são iguais ao nascer e têm o mesmo direito de ser processados, com transcendência (“o ato de ultrapassar”) e transformação, para que as partes possam viver com eles. O fato de estadistas e políticos desfrutarem de uma classificação social mais elevada, não significa que conflitos geopolíticos estejam em um “plano mais elevado”. Todos os conflitos são iguais: são profundamente sérios para todos os envolvidos. Conflitos não são um jogo, que se ganha ou se perde, mas sim, freqüentemente, combates para sobreviver – pelo bem-estar, pela liberdade, por identidade; pelas necessidades humanas básicas 86.

Os conflitos são inerentes a natureza humana; no entanto, há de se refletir

sobre sua existência e aprender a lidar com eles. Observe-se que os conflitos são

disputas pelas necessidades humanas básicas. Dentro dessa perspectiva, o

conceito de necessidades humanas constitui um campo de batalhas entre os

especialistas que debatem sobre esse ponto.

Para Pisón:

Las necesidades no son uma subclase de los deseos, sino que informan sobre estados reales en los que viven los seres humanos, sobre situaciones, peores o mejores, en las que los hombres tienen que realizar sus planes de vida, tienen que tomar importantes decisiones, si es que pueden realmente 87.

Muito embora existam divergências e ponderações diferentes sobre a valoração

e tipo de necessidade básica, as mesmas também são consideradas universais, pois

estão presentes em todos os seres humanos independente do tempo e do lugar

onde os seres humanos vivam. Todos os homens têm as mesmas necessidades

humanas básicas, pois necessitam de certos bens, como alimento, saúde, moradia

para garantirem o seu mínimo existencial. Vale lembrar que, independente dos seres

humanos terem cultura, tradições e estarem inseridos em sociedades complexas,

apresentam algo em comum: são espécies humanas 88.

86 GALTUNG, Johan. Transcender e transformar: uma introdução ao trabalho de conflitos. Tradução Antonio Carlos da Silva Rosa. São Paulo: Palas Athena, 2006, p.05. 87 Tradução livre. PISÓN, José Martinez de. Políticas de bienestar: un estúdio sobre los derechos sociales. Tradução de Manuel Calvo García. Madrid: Tecnos, 1998, p. 163. 88 PISÓN, Id., ib., p.177.

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Conforme Galtung:

Algumas metas têm prioridade sobre outras porque constituem condições absolutamente necessárias para a continuação da vida dos organismos individuais. Se elas não forem satisfeitas, a vida e a dignidade humana não mais serão possíveis. Sobrevivência – bem-estar – liberdade – identidade – são necessidades básicas. São mais profundas que valores. Estão acima dos valores. Os valores podem ser escolhidos por nós e a escolha de valores faz parte de nossa liberdade. Os valores tornam-se parte das nossas identidades; possuir exatamente esses valores é, em si mesmo, valorizado. Porém, as necessidades básicas são diferentes. Você não escolhe suas necessidades básicas; as necessidades básicas escolhem você. É a satisfação delas que torna você possível. Se você descarta suas próprias necessidades básicas, ou de outros, está se condenando, ou a outros, a uma vida não digna dos seres humanos. Está praticando a violência. A negociação é possível quando se trata de objetivos e valores, mas não quando se trata de necessidades básicas. Necessidades básicas têm de ser respeitadas. Elas não são negociáveis 89.

Ademais, o elemento polêmico, que parece chocar o critério da universalidade,

é o reconhecimento do caráter histórico das necessidades. Significa dizer que as

necessidades surgem em um momento determinado e em uma época delimitada,

conforme o espaço em que se situa a sociedade90. Por conseguinte, o problema

maior que enfrentam os defensores das necessidades humanas básicas, como

critério relevante moral é o de fundamentar seu caráter normativo, de tal forma que

obrigue o Estado a cumpri-las. Alguns críticos entendem que as necessidades não

têm força normativa, que a provisão do bem-estar social é uma maneira própria da

caridade, da benevolência, da generosidade e humanidade. Já para outros é uma

obrigação dos poderes públicos que devem promover a melhora da sociedade e de

seus cidadãos91.

Como assevera Galtung:

Outros “interesses” como poder e tamanho não são, necessariamente, meios de satisfazer necessidades básicas. O que podemos requerer deles, entretanto, é que não insultem as necessidades básicas, pois se o fizerem, então as coisas começam a tornar-se sérias. Insultar necessidades básicas, isto é violência 92.

89 GALTUNG, op.cit., p.11. 90 Tradução livre. PISÓN, op.cit., p. 177. 91 Tradução livre. PISÓN, op.cit., p. 178-179. 92 GALTUNG, op.cit., p.11-12.

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Nesse aspecto, considera-se que o Poder Público tem obrigação com seus

cidadãos, no atendimento às necessidades humanas básicas, que lhes assegurem

um mínimo existencial, pois estas fazem parte do núcleo central dos direitos

fundamentais. Assim, reconhece-se que o seu atendimento possibilitará que as

pessoas se entendam pela linguagem de maneira não-violenta.

Entende-se por Comunicação Não-violenta (CNV) como um processo de

linguagem que capacita o sujeito a ouvir e a conectar-se com os sentimentos e as

necessidades ante os próprios julgamentos e também com relação ao outro. Nada

mais que falar e ouvir com compaixão, utilizando da linguagem não-violenta para se

comunicar com o outro. Nas palavras de Rosenberg: “uma forma de comunicação

que nos leva a nos entregarmos de coração” 93. Em outros termos, auxilia na

conexão do sujeito com os outros e consigo mesmo, possibilitando o florescimento

natural da compaixão. Por conseguinte, guia os participantes do diálogo no processo

de reformulação sobre a forma utilizada para a expressão e a escuta, mediante a

concentração em quatro componentes: observação, sentimento, necessidade e

pedido 94 .

Logo, o processo da Comunicação Não-Violenta, ao se valer da observação,

deixa claro que o participante do ato da fala coordena seu plano de ação, de forma a

verificar se o que o outro está dizendo ou fazendo é enriquecedor ou não para sua

vida. Por conta disso, o sujeito tem de ser capaz de articular essa observação sem

fazer nenhum julgamento ou avaliação, ou seja, dizer apenas o que agrada ou não

em relação ao que o outro ator do diálogo está fazendo. Em ato contínuo, o segundo

componente do processo é o sentimento, que diz respeito ao sentimento do

participante ao observar a referida ação, podendo estar magoado, assustado,

alegre, irritado, etc. Após a identificação do sentimento é possível reconhecer o

terceiro componente, que sinaliza a qual das suas necessidades estão ligados os

sentimentos apontados. E por último, o pedido que deve ser bem específico95.

93 ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não – violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. Tradução de Mário Vilela. São Paulo: Agora, 2006, p.21. 94 Id., ib., p.25. 95 ROSENBERG, op.cit., p.25.

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Em geral, as pessoas não expressam claramente seus sentimentos quando se

comunicam, na maioria das vezes, pelo simples fato de não terem uma educação

emocional e os sentimentos não serem considerados importantes no sistema

imposto pela sociedade, isto é, deixados de lado em detrimento do uso da razão e

da lógica. Aprende-se mais palavras de rotulação, etiquetamento, estigmatização e

maneiras corretas de pensar definidas pelos que detêm poder de autoridade. Em

outros termos, as instituições do Estado, por sua vez, que fazem parte da sociedade,

exercem um poder disciplinador, como diria Michel Foucault96, preparando os

indivíduos para a relação poder-dever. Conseqüentemente, não interessa e, por isso

os sujeitos não conseguem expressar claramente seus sentimentos. Devido a isso,

fica-se sempre imaginando o que os outros pensam ou acham que é certo dizer ou

fazer; por sua vez, há um esquecimento de se olhar para dentro do “eu”97.

Sabe-se que o poder exerce uma atração sobre os seres humanos; por isso, é

denotado como uma das mais legítimas emoções, suas motivações são os

resultados, pois sempre se age para ser mais98. A terminologia poder deriva do latim

potere, “ser capaz” (é energia). Portanto, sem poder não há ação ou movimento.

Logo, ele pode ser utilizado como um instrumento negativo para a satisfação do ego

ou a serviço da vida, como energia de compartilhamento e não de imposição. Assim,

também pode-se entender por poder: “a capacidade e habilidade de mudar nossas

vidas.” “É a habilidade de definir as necessidades humanas e resolvê-las”. “Poder é

energia”99.

96 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 29. ed. Petrópoles: Vozes, 2004. 97 ROSENBERG, op.cit., p.70-71. “Sobre como achamos que os outros estão se comportando do que realmente estamos sentindo: A. “Sinto-me insignificante para as pessoas com quem trabalho”. A palavra insignificante descreve como acho que os outros estão me avaliando, e não um sentimento real, que, nessa situação, poderia ser “Sinto-me triste” ou “Sinto-me desestimulado.” B. “Sinto-me incompreendido.” Aqui, a palavra incompreendido indica minha avaliação do nível de compreensão de outra pessoa, em vez de um sentimento real. Nessa situação, posso estar me sentindo ansioso, ou aborrecido, ou estar sentindo alguma outra emoção. C. “Sinto-me ignorado”. Mais uma vez, isso é mais uma interpretação das ações dos outros do que uma descrição clara de como estou me sentindo. Sem dúvida, terá havido momentos em que pensamos estar sendo ignorados e nosso sentimento terá sido de alívio, porque queríamos ser deixados sozinhos. Da mesma forma, terá havido outros momentos em que nos sentimos magoados por estar sendo ignorados, porque queríamos participar”. 98 CLARET, Martin. O poder da não-violência: o estado de não-violência é o mais poderoso instrumento de transformação humana. São Paulo: Martin Claret,1996, p.06. 99 CLARET, Id.,ib., p.06.

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Sobre as necessidades humanas básicas, as mesmas são compartilhadas por

todos os sujeitos, independente da condição e da posição social. Para a CNV, as

pessoas geralmente confundem estratégias com necessidades100. Um exemplo bem

simples e claro é quando afirmam “ter necessidade do dinheiro”. O dinheiro não é

uma necessidade, é uma estratégia de que se vale o ser humano, e que precisa

para satisfazer uma necessidade, podendo ser a autonomia, a auto-afirmação, o

amor, o calor humano, a comunhão espiritual (beleza, harmonia, ordem, paz), as

necessidades físicas (abrigo, água, alimento, expressão sexual),entre outras101.

Além do dinheiro, tem-se que o poder também não é uma necessidade básica do ser

humano, embora ele seja empregado como instrumento negativo para alimentar o

ego, ele pode ser utilizado como estratégia representando um ato a serviço da vida,

não como mecanismo de manipulação e, sim, como compartilhamento sem

imposição. De certo, o poder (latim potere, « ser capaz » ) pode ser compreendido

como a habilidade de definir as necessidades humanas e resolvê-las, isto é, como

energia vital102.

No exemplo trazido por Marshall, é possível visualizar os quatro componentes

do processo da CNV. Trata-se de uma mãe dialogando com o seu filho adolescente.

“Roberto, quando eu vejo duas bolas de meias sujas debaixo da mesinha e mais três

perto da TV, fico irritada, porque preciso de mais ordem no espaço usado em

comum”. De imediato, a mãe continuaria o diálogo, utilizando do quarto componente,

ou seja, fazendo um pedido específico ao filho, desta forma: “Você poderia colocar

suas meias no seu quarto ou na lavadora?” 103.

100 MASLOW, Abraham H. Introdução à Psicologia do ser. Tradução de Álvaro Cabral. [s.d] Eldorado, p. 27-28. “As necessidades básicas (de vida, de segurança, de filiação e de afeição, de respeito e de dignidade pessoal, e de individuação ou autonomia), as emoções humanas básicas e as capacidades humanas básicas ao que parece, neutras, pré-morais ou positivamente “boas”. A destrutividade, o sadismo, a crueldade, a premeditação malévola etc. parecem não ser intrínsecos, mas, antes, constituiriam reações violentas contra a frustração das nossas necessidades, emoções e capacidades intrínsecas. A cólera, em si mesma, não é má, nem o medo, a indolência ou até a ignorância. É claro, podem levar (e levam) a um comportamento maligno, mas não forçosamente. Esse resultado não é intrinsecamente necessário. A natureza humana está muito longe de ser tão má quanto se pensava. De fato, pode-se dizer que as possibilidades da natureza humana têm sido, habitualmente, depreciadas”. 101 ROSENBERG, op.cit., p,86-87. 102 MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.06. 103 MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.25.

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De outro modo, com esses quatro componentes do processo da CNV, os

sujeitos do diálogo, à medida que tiverem suas atenções voltadas para o processo,

estabelecerão um fluxo de comunicação que venha resultar na compaixão. Por sua

vez, a utilização da expressão “Não-Violenta” é a mesma atribuição dada por

Gandhi, referindo-se à compaixão que o ser humano expressa naturalmente quando

abdica da violência104. Embora algumas pessoas possam não se considerar

violentas, não são raras as ocasiões em que as palavras induzem à mágoa e à dor

de si próprio ou do outro.

Nesse contexto é que a não-violência torna-se, então, o fundamento e o

objetivo da filosofia105. Ademais:

A origem do termo não-violência é o termo sânscrito abimsa empregue nos textos da literatura búdica e hinduísta e de que é a tradução literal. É formado pelo prefixo negativo a e por bimsa é, assim, a ausência de qualquer desejo de violência, isto é, o respeito, em pensamento, palavra e acção, da vida de qualquer ser vivo. Se nos cingíssemos à etimologia, uma tradução possível de a-bimsa seria i-nocência. As etimologias destas duas palavras são com efeito análogas: i-nocente vem do latim in-nocens e o verbo nocere (fazer mal, prejudicar) provém de nex, necis, que significa morte violenta, homicídio. Assim, a inocência é a virtude daquele que não é culpado de nenhuma violência homicida para com o outrem. Contudo, nos nossos dias, a palavra inocência evoca antes a pureza suspeita daquele que não comete o mal, mais por ignorância e por incapacidade do que por virtude. A não-violência não poderia ser confundida com essa inocência, mas esta distorção do sentido da palavra é significativa: como se o facto de não cometer o mal revelasse uma espécie de impotência... A não-violência reabilita a inocência como a virtude do homem forte e como a sabedoria do homem justo106.

Nessa perspectiva é que as ações sociais do Estado, da sociedade e dos

atores sociais que se preocupam com o interesse público devem voltar-se, propondo

um redirecionamento das energias como sinônimo de poder compartilhado para a

consolidação do princípio da não-violência. A aplicabilidade desse princípio pelos

atores sociais nas demandas sociais ligadas à área da infância e juventude é um ato

comunicativo, pois revidar as práticas violentas com um modelo de justiça não

retributivo, que representa a Justiça Restaurativa é agir pela não-violência107. Quanto

a esse aspecto esse princípio também resume-se no procedimento da Comunicação

104 MULLER, Id., ib., p.21. 105 MULLER, Id., ib., p.54. 106 MULLER, Id., Ib., p.57. 107 MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.12-13.

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Não-Violenta (CNV) adotada pelos atores sociais, que ao se disporem a estabelecer

um diálogo para o melhor enfrentamento da violência ou daquilo que ela possa

gerar, procurarão observar as necessidades básicas e humanas do outro108.

Da mesma maneira que a compaixão significa colocar-se no lugar do outro,

sentimento que retoma o grau de pertencimento do sujeito com relação ao grupo e

principalmente ao outro, em especial nos momentos de dor e desgraça, leva a

abordar o mais puro sentimento que está presente nas relações sociais: o amor109.

Portanto, a Comunicação Não-Violenta também facilita nas interações sociais

e possibilita a conservação do amor nas relações sociais. Além disso, ao se

pretender a socialização de pessoas, por exemplo, adolescentes, é preciso praticar

a compaixão conforme o processo da CNV e acima de tudo, o amor. Sem o amor,

não ocorre a socialização110.

De outro modo, ao aplicar os quatro componentes da CNV, resta prestar

atenção no que os outros estão observando, sentindo, precisando e pedindo; aliás,

essa parte da comunicação denomina-se “receber com empatia”. Como bem

demonstra Marshall: “a empatia é a compreensão respeitosa do que os outros estão

vivendo.” Para tanto, ela perpassa os sentidos, para que se consiga efetivamente

escutar com o coração, de forma a agir com compaixão e amor111.

108 ROSENBERG, op.cit., p.86-87. 109 MATURANA, R., Humberto. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: UFMG, 1997, p.184. [...] “o amor é a condição dinâmica espontânea de aceitação, por um sistema vivo, de sua coexistência com outro (ou outros) sistema(s) vivo(s), e que tal amor é um fenômeno biológico que não requer justificação: o amor é um encaixe dinâmico recíproco espontâneo, um acontecimento que acontece ou não acontece. Como um encaixe dinâmico recíproco espontâneo, o amor ocorre ou não ocorre. Se o amor ocorre, há socialização; se não ocorre, não há socialização. Além disso, eu também estou dizendo que como tal, o amor é a expressão de uma congruência estrutural espontânea que constitui um começo que pode ser expandido ou restringido, ou pode mesmo desaparecer na deriva estrutural co-ontogênica que começa a acontecer quando ele acontece. E, uma vez que eu digo que os fenômenos sociais são fenômenos que se dão na deriva estrutural espontânea co-ontogênica, eu também estou dizendo que o amor é o fundamento do fenômeno social e não uma conseqüência dele, e que os fenômenos sociais, em um domínio qualquer de interações, duram somente enquanto o amor persistir nesse domínio”. 110 MATURANA, Id., ib., p.184. 111 MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.133.

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Para Galtung:

As emoções são as forças motoras e a intelectualidade é o instrumento. Esta aparente contradição é transcendida, em trabalho de conflito, por um arraigamento apaixonado a valores como a empatia, para conhecer realmente as partes, a criatividade, para poder ser de alguma ajuda real, e a não-violência, que promove - nunca insulta - as necessidades básicas112.

O sujeito que se interessa em trabalhar com adolescentes no processo

restaurativo precisa desenvolver sua empatia, bem como a capacidade de externar o

amor; caso contrário, sem sentir tais sentimentos, não terá condições de estar inteiro

com o outro. Ademais, quando o adolescente, que aceita participar de um círculo

restaurativo, ficando frente a frente com a sua vítima e a comunidade que convive,

ele (não esquecendo também a vítima) necessita ser ouvido e escutado113 .

Aliás, a escuta é o ponto de partida de todo processo restaurativo, pois requer

ouvir de modo ativo e sem a disponibilidade de julgar. Por isso, tanto juízes,

coordenadores dos círculos restaurativos ou qualquer pessoa que esteja na

condição de ouvinte e tenha a pretensão de se comunicar de maneira não-violenta,

valendo-se do poder da empatia, precisa observar alguns aspectos: ouvir com

atenção e receptividade, antes de expressar seu posicionamento mesmo que

contrário; explicar que tipo de conversa pretende ter, com o objetivo de ajudar o

interlocutor a cooperar, bem como evitar desentendimentos; procurar apresentar os

fatos, expressando-se com clareza, falando devagar, passando ao outro todas as

informações acerca do que está sentindo e pensando; traduzir e explicar as críticas

e reclamações (e a dos outros) em termos de reivindicação; elaborar perguntas

abertas e criativas; expressar consideração, gratidão e encorajamento114.

1.3 A teoria da Ação Comunicativa em debate

A Justiça Restaurativa pauta-se na promoção de um espaço propício para o

diálogo entre os atores sociais dispostos a cooperarem e entenderem-se

112 GALTUNG, op.cit., p.209. 113 MULLER, op.cit., 1995, p.159. 114 SCURO NETO, Pedro. Justiça Restaurativa: desafios políticos e o papel dos juízes. Revista da AJURIS/Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: V.33, n.103 p.231-251, set.2006.

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mutuamente sobre o conflito. Nesse aspecto a Teoria de Ação Comunicativa de

Habermas demonstra relação com os seus princípios e valores, por assentar-se

também no diálogo e por sua vez, a disposição dos sujeitos em desenvolverem

propostas de entendimento pela comunicação. Como também se pode assinalar

aqui, que o direito também existe para resolução de conflitos, meio pelo qual se

valem os interlocutores na construção de um acordo.

A condição primordial do diálogo é a abertura:

Se não existe esta mútua abertura, tampouco existe este verdadeiro vínculo humano. Pertencer-se uns aos outros. Quando dois se compreendem, isto não quer dizer que um compreenda o outro, isto é, que o olhe de cima para baixo. E igualmente, escutar o outro não significa simplesmente realizar às cegas o que o outro quer. A que é assim se chama submisso. A abertura para o outro implica, pois o reconhecimento de que devo estar disposto a deixar valer em mim algo contra mim, ainda que não haja nenhum outro que o vá fazer valer contra mim 115.

Reconhece-se ainda que o direito seja um paradigma procedimentalista, pois

as práticas restaurativas representam uma alternativa de resolução de conflitos que

se valem do procedimento do discurso inter-relacionados com o princípio da

democracia e da solidariedade sob a perspectiva de Habermas. Em síntese os

atores sociais, ou as partes interessadas no conflito reúnem-se e abordam de

maneira argumentativa sobre as necessidades e conseqüências ocasionadas pelo

dano. Cada sujeito tem seu momento de fala e exposição de seus sentimentos e

argumentos sobre o fato116.

Ocorre que, com a guinada lingüística, o discurso é o eixo central, de maneira

que seus participantes ao argumentarem, por exemplo, sobre alternativas de

reparação do dano como: trabalhos voluntários em uma creche do município,

precisam seguir regras no discurso, de tal forma que valide e legitime as pretensões

de verdade na própria linguagem, por meio do plano de trabalho acordado. Segundo

Ludwig, devem ser observadas as seguintes regras: todos os participantes do

discurso em princípio são iguais e não devem ser excluídos de qualquer argumento.

115 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997, p.532. 116 HABERMAS, op.cit., 2003,p. 55.

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Além disso, a obrigação de argumentar é sem violência, pois pode eliminar o

falante117.

Logo, o discurso nada mais representa que o direito ao consenso. A procura

pelo consenso não afasta a existência de conflitos; pelo contrário, os conflitos são

importantes para a instauração do consenso.

Nesse contexto o Estado democrático de direito deve ser compreendido como

uma associação de cidadãos livres e iguais, e que o sentimento de pertença a um

Estado esteja ligada ao princípio da voluntariedade118. Do mesmo modo, não há de

se falar em Estado democrático de direito, sem relacioná-lo ou identificá-lo como um

espaço público constituído por cidadãos que tem condições de exercer tal pleito por

estarem vivendo em uma democracia. Não basta para um determinado Estado o

sentimento de pertença entre os atores sociais, os mesmos precisam ter condições

de exercerem sua cidadania caracterizada pela busca incessante de

reconhecimento de direitos e também de responsabilidades em um espaço

democrático. Além disso, também na rede comunicacional que esses atores sociais

formam, precisam do direito para mediar suas relações interpessoais e de interesse

coletivo.

Entende-se que, na esfera pública os atores sociais se predispõem a agirem

orientados para o entendimento, de forma que os conflitos emanados e discutidos

pelos atos de fala sejam superados pelos argumentos reconhecidos e validados. Por

vezes, a institucionalização do sujeito amarrado a burocracia, ao poder, e ao

dinheiro, tem por objetivo dissolver, fragmentar e esfacelar a esfera pública119 .

Por conta disso, Habermas conceitua dois princípios básicos para a obtenção

de acordos: o princípio D (de discurso) e o princípio U (de universal). Pelo princípio

117 LUDWIG, C. L et al. Discurso e direito: o consenso e o dissenso. In: ____. Direito e discurso discursos do direito. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. p.50-51. 118 HABERMAS, op.cit., 2003, p. 285. 119 HABERMAS, Id.,ib.,p. 92. A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. [...] A esfera pública constitui principalmente uma estrutura comunicacional do agir orientado pelo entendimento, a qual tem a ver com o espaço social gerado no agir comunicativo, não com as funções nem com os conteúdos da comunicação cotidiana.

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D: “São válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam

dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais”120.

Com a prática argumentativa instaura-se uma concorrência pelos melhores

argumentos em que a orientação se dê por um acordo mútuo121.

Para o princípio U, que uma norma só é validade quando as conseqüências

presumíveis e os efeitos secundários para os interesses específicos e para as

orientações valorativas de cada um, decorrentes do cumprimento geral dessa

mesma norma, podem ser aceitas sem coação por todos os atingidos em

conjunto122.

O diálogo representa, nas práticas restaurativas, a principal ferramenta na

solução do conflito pelos interlocutores, os quais deverão restar conscientizados de

seus direitos da co-responsabilidade que os une, para que se consiga maior eficácia

do acordo.

Portanto, dirimir conflitos pressupõe a obtenção de um ambiente de

comunicação pacífica e a igualdade de condições de diálogo entre os atores sociais.

O êxito da tarefa do coordenador das práticas restaurativas está condicionado à sua

aptidão de auxiliar imparcialmente o diálogo entre os envolvidos de forma a diminuir

a hostilidade123 e conduzi-los ao encontro das suas próprias soluções de conflito.

Embora não haja uma forma predeterminada de procedimento para a Justiça

Restaurativa, a Comunicação Não-Violenta e a mediação têm sido empregadas no

Brasil como método no processo restaurativo. O que se mostra conveniente que,

desde o início dos círculos restaurativos o facilitador utilize uma linguagem simples e

direta, esclarecendo aos interessados principais e secundários que nesse espaço de

120 HABERMAS, op.cit., 1997, p.142. 121 HABERMAS, op.cit., 2002, p. 58. 122 HABERMAS, op.cit., 2002, p. 56. 123 MULLER, Jean - Marie. Não-violência na educação. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athenas, 2006, p. 28. “Os seres humanos não devem se deixar levar para um relacionamento de “hostilidade” com aqueles que encontram, em que todos sejam inimigos de todos; devem antes buscar estabelecer um relacionamento de “hospitalidade”, onde cada um é anfitrião do outro. É significativo que as palavras hostilidade e hospitalidade derivem da mesma raiz etimológica: as palavras hostes e hospes referem-se ambas ao estrangeiro ou forasteiro, que pode ser excluído como inimigo ou acolhido como hóspede”.

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agir comunicativo deverá ser realizado um trabalho cooperativo, no qual o respeito

mútuo e a escuta são fundamentais quanto ao que cada um pretende externar sobre

o conflito.

Nesse contexto, a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, constitui um

instrumento adequado para a Justiça Restaurativa, pois propõe um novo mecanismo

para a aquisição da verdade, no qual os atores sociais sejam protagonistas de um

processo comunicativo baseado na melhor argumentação racional e que tem por

objetivo obter o entendimento por meio da cooperação, com a exclusão de métodos

coercitivos e manipulatórios.

Na Teoria da Ação Comunicativa, distinguem-se a ação instrumental e a ação

comunicativa. A ação instrumental como modalidade técnica é orientada ao êxito de

fins, independente dos meios empregados. Na ação comunicativa, prevalecem a

comunicação e a interação voltadas para a promoção do entendimento entre os

membros da comunidade124.

Evidencia-se aqui que Habermas ao desenvolver essa teoria propôs ampliar o

conceito de razão, enfatizando a importância da linguagem na relação intersubjetiva.

Nesse aspecto, pode-se afirmar que, para o autor, a razão é comunicativa, devendo

ser observado o melhor argumento125. Quanto à racionalidade, em síntese, refere-se

à “disposição por parte do sujeito falante e atuante de adquirir e utilizar um saber

falível”126.

Nesse ínterim, também se distingue o agir e o falar, como ações. Quando um

adolescente, exercendo certas atividades corporais no seu cotidiano, como correr,

fazer entregas e explicita falar quando se vale de atos de fala, como ordens,

124 HABERMAS, op. cit., 1987, p. 27. 125 IAROZINSKI, Maristela Heidemann. Contribuições da teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas para a educação tecnológica. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, Curitiba, PR, 2000. p. 10. Disponível em: <www.ppgte.cefetpr.br/dissertacoes/2000/maristela.pdf. >Acesso em: 17 maio 2006, p.19. 126 HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990, p.291.

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confissões, constatações. Em ambos os casos caracterizam-se em sentido amplo:

ações127.

Relevante, ainda, a distinção do agir estratégico e do agir comunicativo. No

primeiro existe uma atuação sobre o outro que pode ensejar continuação desejada

de uma interação; já no outro, ocorre a motivação racional pelo outro para uma

adesão, por causa do efeito ilocucionário de comprometimento que a oferta de fala

suscita.

Sobre a estrutura de perspectivas do agir orientado para o entendimento

mútuo, algumas distinções devem ser observadas: tem-se a orientação para o

entendimento mútuo e a orientação para o sucesso. Ambos dizem respeito às

conseqüências do agir dos atores envolvidos, que possuem planos de ação. Na

orientação para o sucesso, os atores para alcançarem seus objetivos procuram

influenciar externamente, por meio de armas, bens, ameaças sobre a definição da

situação ou sobre as decisões ou os motivos de seus adversários, ou seja, a

coordenação de ação e relação desses sujeitos é estratégica ou egocêntrica.

Quanto ao grau de cooperação e estabilidade, dependerá das faixas de interesses

dos participantes 128.

Os atores da fala, isto é, os participantes do círculo restaurativo, denominação

dada ao espaço simbolicamente construído para as práticas restaurativas, ao

refletirem sobre uma norma ou ao expressarem sentimento, fazem uso de um

“mundo da vida” que lhes está implícito e que funciona como um pano-de-fundo,

127 HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-metafísico. Estudos filosóficos. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 1990, p. 65. [...] Ações em sentido estrito, ou seja, atividades não-lingüísticas do tipo citado como exemplo, são descritas por mim como atividades orientadas para um fim, (Zwecktätigkeiten) através das quais um ator (Aktor) intervém no mundo, a fim de realizar fins propostos, empregando meios adequados. Eu descrevo os proferimentos lingüísticos como atos através dos quais um falante gostaria de chegar a um entendimento com um outro falante sobre algo no mundo. Eu posso levar a cabo essas descrições assumindo a perspectiva do agente, portanto, da primeira pessoa. Contrastam com esta perspectiva as descrições feitas na perspectiva de uma terceira pessoa, que observa o modo como um ator atinge um objetivo através de uma atividade orientada para um fim, ou como ele, através de um ato de fala, chega a um entendimento com alguém sobre algo. Descrições na perspectiva da segunda pessoa são sempre possíveis quando se trata de ações de fala (“Você me ordena, (ele ordena) que eu deixe cair a arma”); no caso de atividades orientadas para um fim, essas mesmas descrições somente são possíveis quando introduzidas em contextos cooperativos (“Você me entrega (ele entrega) a arma”). 128 HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Tradução de Guido A. de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.p, 163-164.

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pois fornece sustentabilidade para que se chegue ao entendimento na ação

comunicativa129. Cada participante retira desse lugar suas interpretações que

possibilitarão uma ação no mundo, bem como interações sociais, em cuja relação de

indivíduos e sociedade130 ocorre um compartilhamento que está em constante

transformação.

A esse respeito, Siebeneichler explica que:

O conceito “razão comunicativa” ou “racionalidade comunicativa” pode, pois, ser tomado como sinônimo de agir comunicativo, porque ela constitui o entendimento racional a ser estabelecido entre os participantes de um processo de comunicação que se dá sempre através da linguagem, os quais podem estar voltados, de modo geral, para a compreensão de fatos do mundo objetivo, de normas e de instituições sociais ou da própria noção de subjetividade131.

Desse modo, pode-se entender que as palavras razão e racionalidade podem

ser consideradas como sinônimos de agir comunicativo, pois os participantes de um

determinado processo de comunicação exporão pela linguagem seus argumentos

sobre os fatos de maneira racional. Dito de outro modo, pode-se dizer que os seres

humanos são racionais, mas com os seus atos ou a maneira de agirem, afastando-

os do interesse mútuo e não se desprendendo de interesses que alimentam

exclusivamente os seus “egos” estarão sendo irracionais132.

Nesse contexto, pode-se perceber ainda que a razão comunicativa faz parte do

mundo da vida, o qual é constituído por símbolos que originam-se das interações e

vivências entre os sujeitos e que são transmitidos de uma geração a outra pela

comunicação. Quanto a esse aspecto note-se a possibilidade de autoconhecimento

129 IAROZINSKI, 2006, In: <www.ppgte.cefetpr.br/dissertacoes/2000/maristela.pdf. >Acesso em 17 maio 2006, p.27. 130 SOUZA, Jessé. Patologias da Modernidade: um diálogo entre Habermas e Weber. São Paulo: Annblume, 1997, p. 43. O conceito de sociedade como um todo, como uma combinação de reprodução material (sistema) e reprodução simbólica (mundo da vida), também é interpretado por Habermas como uma conquista em relação a outros reducionismos que tomam parte pelo todo, como no exemplo de Parsons -reducionismo sistêmico - ou Mead - reducio-nismo pelo aspecto de mundo vivido. Essa concepção dual implica também a adoção das perspectivas internas do sujeito-ator (mundo vivido) e externa não-participante e observacional (sistema), cada uma delas preservando sua legitimidade regional. 131 SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989,p.66. 132 IAROZINSKI, 2006, In: <www.ppgte.cefetpr.br/dissertacoes/2000/maristela.pdf. >Acesso em 17 maio 2006, p.20.

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e emancipação pela liberdade que se poderá alcançar na rede de socialização

comunicativa entre os indivíduos133.

O mundo vivido, além de criticável e instável, é um elo de conexão para

conceitos fundamentais como a cultura, a sociedade134a reprodução material, a

reprodução cultural a integração social e a socialização que tem relação com os

seus componentes estruturais. Denota-se que a cultura é o acervo de saber, em que

os participantes na comunicação se abastecem de entendimento sobre algo no

mundo135.

Quanto ao conceito de sociedade, Habermas define como sendo as

ordenações legítimas, das quais os participantes pelo processo da interação

regulam e se identificam como pertencentes a grupos sociais, ligados pelo elo da

solidariedade.136 Dentro desses grupos sociais estão localizados os sujeitos, estes

são constituídos de personalidade. Por sua vez, a personalidade é entendida como

as competências de linguagem e ação do sujeito, para tomar parte no processo de

entendimento e para afirmar sua própria identidade137.

Logo,

El campo semántico de los contenidos simbólicos, el espacio social y el tiempo histórico constituyem las dimensiones que las acciones comunicativas comprendem. El entretejimento de interacciones de que resulta la red de lá práctica comunicativa cotidiana constiuye el medio a través del que se reproducen la cultura, la sociedad y la persona. Tales procesos de reproducción sólo se refieren a las estructuras simbólicas del mundo de la vida. De ellos hemos de distinguir el mantenimiento del sustrato material del mundo de la vida. La reproducción material se cumple

133 IAROZINSKI, 2006, In: <www.ppgte.cefetpr.br/dissertacoes/2000/maristela.pdf. >Acesso em: 17 maio 2006, p.25. 134HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso. Tradução de Gilda Lopes Encarnação. Lisboa: Instituto Piaget, 1991, p. 170. Em sociedades complexas, as pretensões a uma participação justa nos casos recursos da sociedade, isto é, os direitos positivos ao bem-estar (à alimentação e à habitação, à saúde, educação e oportunidades de trabalho) só podem ser efectivamente satisfeitas através da mediação de organizações. Assim sendo, os direitos e os deveres individuais transformam-se em direitos e deveres institucionais: quem tem obrigações é a sociedade organizada como um todo – é perante ela que são defendidas os direitos positivos. 135HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa, II: crítica de la razón funcionalista. Madrid: Taurus, 1999. p. 196. Llamo cultura al acervo de saber, en que los participantes en la comunicación se abastecen de intederse sobre algo en el mundo. 136 HABERMAS, op.cit., 1999, p. 196. 137 HABERMAS, op.cit., 1999, p. 196.

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através del medio de la actividad teleológica con que los individuos socializados intervienen en el mundo para realizar sus fines.138

Percebe-se que a sociedade é complexa por ser um espaço constituído de

vários grupos sociais que são formados por pessoas que apresentam distintas

personalidades e que, por sua vez, identificam-se num determinado grupo,

caracterizando o nível de pertencimento e interação social entre os demais. Do

mesmo modo, dispõe de cultura como uma das estruturas que os aproxima. Mas o

que reza dentro dessa sociedade não se encerra por aí, pois no cenário complexo

há ainda de se falar da reprodução material (intervenção dos indivíduos socializados

no mundo para realizar seus objetivos) e a reprodução cultural139, que, pelo próprio

nome, refere-se a cultura predominante no meio que reproduzida para as demais

gerações ou pessoas que se integram nesse grupo ou na comunidade. No que

tange a socialização, refere-se em síntese, a capacidades interativas dos sujeitos

em responderem de maneira independente suas ações140.

A ação comunicativa ainda sobrevive no mundo da vida, embora esteja sendo

invadido constantemente pela ação instrumental que por sua vez, substituiu a

linguagem do sistema político pelo poder e a linguagem do sistema econômico pelo

dinheiro, transformando-o em um mundo sistêmico141.

138 HABERMAS, op.cit., 1999, p. 196-197. 139 HABERMAS, op.cit., 1999. p. 200. La integración social del mundo de la vida se encarga de que las situaciones nuevas que se presenten en la dimensión del espacio social queden conectadas con los estados del mundo ya existentes: cuida de que las acciones queden coordinadas a través de relaciones interpesonales legítimamente reguladas y da continuidad a la identidad de los grupos en un grado que baste a la práctica comunicativa cotidiana. La coordinación de las acciones y la estabilización de las identidades de grupo tienen aqui su medida en la solidariedad de los miembros, lo cual se patentiza en las perturbaciones de la integración social, que se traducen en anomía y en los correspondientes conflictos. En estos casos los actores ya no pueden cubrir la necessidad de coordinación que las situaciones nuevas plantean, recurriendo a las ordenaciones legítimas existentes. Las pertencias a grupos legítimamente reguladas ya no bastan, y el recurso “solidariedad social” se hace escaso. 140 HABERMAS, op.cit., 1999, p. 201. La socialización de los miembros de un mundo de la vida se encarga, finalmente, de que las nuevas situaciones que se producen en la dimensión del tiempo histórico queden conectadas con los estados del mundo ya existentes: assegura a las generaciones siguientes la adquisición de capacidades generalizadas de acción y se cuida de sintonizar las vidas individuales con las formas de vida colectivas. Las capacidades interactivas y los estilos personales de vida tienen su medida en la capacidad de las personas para responder autónomamente de sus acciones. Es lo que se patentiza en las perturbaciones del proceso de socialización, que se manifiestan en psicopatologias y en los correspondientes fenómenos de alienación. 141 FEITOZA, Cynara Guimarães Pimentel. Mediação e ação comunicativa de Habermas: A construção cooperativa da paz social. In: SALES, Lília Maia de Moraes (org.). Estudos sobre a

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Dito de maneira diversa considera-se a Justiça Restaurativa propícia à prática

da ação comunicativa, pois a sua essência consiste em garantir aos atores sociais, a

possibilidade do uso da linguagem na construção do momento da escuta.

Ainda dentro desse cenário, pode-se reconhecer que a colonização do mundo

da vida também decorre da incapacidade de o sujeito enxergar o outro, apenas

visualiza quando o mesmo tem utilidade ou pelo que consome. Além disso, as

pessoas agem violentamente e alimentam rancores quando aderem a uma

identidade. Nesse sentido, entende Habermas:

Tendo como ponto de referência uma comunidade comunicativa alargada de forma ideal, a teoria moral abandona também todos os conceitos pré-sociais de pessoa. A individuação é apenas o reverso da socialização. Só por meio de relações de reconhecimento recíproco é que uma pessoa pode constituir e reproduzir sua identidade. Até o âmago mais interior da pessoa está internamente ligado à periferia mais externa de uma rede extremamente ramificada de relações comunicativas. A pessoa só se torna idêntica a si própria em proporção à sua exposição comunicativa. As interações sociais que formam o Eu também o ameaçam-através das dependências em que ele se implica e das contingências a que ele se expõe. A moral actua como fonte de equilíbrio para esta susceptibilidade inerente ao próprio processo de socialização142.

Em termos gerais, “a sociedade é mundo da vida e mundo do sistema, ao

mesmo tempo”143 denotando diversas representações que constituem suas

estruturas. Assim, pode-se localizar nesse espaço de interação e de dualidade as

ações que movimentam e dão um sentido de perspectiva social aos sujeitos que

ocupam o cenário comunicacional, e que, portanto, entender-se-ão sobre algo,

quando desprenderem-se de atitudes irracionais e interagirem de maneira

intersubjetiva.

De outro modo, a conjuntura dessas ações é observada dentro da sociedade e

das pessoas, que, com mundos diferenciados - o subjetivo, o social e o objetivo

compartilham experiências, vivências, tem como pano-de-fundo a própria sociedade.

Por vezes, os conflitos demasiados, como a banalização da violência, implicarão

uma retomada urgente da significação da racionalização social, da integração e da

efetivação do direito na atualidade: a cidadania em debate. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 2005. 142 HABERMAS, Jürgen. Comentários à ética do discurso. Instituto Piaget, Lisboa, 1991, p. 96. 143 SIEBENEICHLER, op.cit., 1989,p.40.

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solidariedade144, pois sem isso os atores sociais não terão condições de se

entenderem. Por sua vez, entendimento é pressuposto de ação comunicativa.

Além disso, o individualismo desencadeado pelo capitalismo, assim como a

violência, o poder, o dinheiro, a exclusão do outro na sociedade, o descaso com as

políticas públicas socioeducativas, representam as imagens distorcidas criadas

dentro da sociedade, que, conseqüentemente, explicitam a instrumentalidade

dessas ações145.

Para que o espaço comunicativo seja construído, não significa que as políticas

de atendimento e os princípios elencados no Estatuto da Criança e do Adolescente

devam ser abandonados e em seu lugar adotado o modelo da Justiça Restaurativa,

que é contemplado por outros países, como a Nova Zelândia. Ao contrário, o que se

pretende é lançar mão de mais uma ferramenta que combinada à legislação

brasileira contribua para que se efetivem políticas públicas preventivas e executivas

na área da infância e da juventude. A adoção das práticas restaurativas, que podem

ser recepcionadas pelo Estatuto, como por exemplo o artigos 88 e 126 do

mencionado diploma legal, representa uma (re)significação e reconhecimento dos

atores sociais enquanto sujeitos de direitos plenos. Por isso,

O espaço público da palavra e da ação é fundamental porque existem assuntos que requerem um escolha que não pode encontrar seu fundamento no campo da certeza, pelo que, apenas através do debate público, é que se pode lidar com tais temas de interesse coletivo que não são e não podem ser suscetíveis de serem regidos pelos rigores do conhecimento e que não se subordinam, por isso mesmo, ao depotismo do caminho de mão única de uma só verdade. Desta forma, toda ação, palavra e liberdade não se configuram em coisas outorgadas, mas requerem para

144 HABERMAS, op.cit., 2003, p.308-309. Do ponto de vista de uma teoria da sociedade, o direito preenche as funções de integração social; com efeito, associado ao sistema político configurado através das constituições, o direito assume a garantia pelas perdas que se instalam na área da integração social. Ele funciona como uma espécie de correia de transmissão que transporta, de forma abstrata, porém, impositiva, as estruturas de reconhecimento recíproco existentes entre conhecidos e em contextos concretos do agir comunicativo, para o nível das interações anônimas entre estranhos, mediadas pelo sistema. Ao passo que a solidariedade – que é a terceira fonte da integração social, ao lado do poder administrativo e do dinheiro – surge indiretamente do direito, pois ele garante, através da estabilização de expectativas de comportamento, relações simétricas de reconhecimento recíproco entre os titulares dos direitos subjetivos. Tais semelhanças estruturais entre direito e agir comunicativo que se tornam reflexivas, desempenham papel constitutivo na produção e no emprego de normas de direito. 145 HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa: Racionalidade de la Acción y racionalización Social. Tradução de Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Taurus, 1988 a v.I, p.436.

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surgirem a construção e a manutenção do espaço público, vale dizer, a garantia de condições de possibilidade146.

Nesse quadro, o que se busca com as práticas restaurativas pela justiça é que

as partes envolvidas no processo tenham a possibilidade de ser escutadas e

principalmente que consigam escutar, bem como reconhecer as necessidades

básicas e humanas do outro. Do mesmo modo, que ao criar e possibilitar um espaço

para se exercer atos comunicativos e se buscar acordos mútuos147, espera-se que

os atos violentos ou instrumentais sejam deixados de lado, dando lugar ao

entendimento e a compreensão mútua. Por conta disso, se quer abandonar antigos

paradigmas baseados em uma educação repressora ou de uma justiça punitiva, que

têm por premissa adestrar e domesticar crianças e adolescentes148, não lhes

possibilitando a condição de sujeitos de direitos, que também se dá pelo

reconhecimento da sua efetiva cidadania. Logo, a emancipação dos atores sociais

no espaço construído pela Justiça Restaurativa somente efetivar-se-à se aliada a

essa política dialógica intersubjetiva, somarem-se outras políticas públicas de apoio

à vítima e ao adolescente.

Nesse contexto é preciso conhecer as suas circunferências, o seu ator

principal: o adolescente. Para isso, no próximo capítulo será tratada a retomada

histórica do Direito da Criança e do Adolescente e, depois o sentido da

adolescência. Além disso, abordar-se-ão os fatores potencializadores do ato

infracional, incluindo a violência estrutural, a violência intrafamiliar, a pobreza, a

exclusão e as desigualdades sociais. Por conta disso, a contextualização terá por

mote refletir sobre o discurso assistencialista, punitivo e decadente para o sujeito

nas instituições, que precisa ser desvelado, além de identificá-lo como ação não-

social instrumental de Habermas e poder de dominação sob o viés de Foucault. E,

por fim, definir as políticas públicas, em especial a política de atendimento, de

146 RAMIDOFF, Mário Luiz. Lições de Direito da Criança e do Adolescente. Ato infracional e medidas socioeducativas. Curitiba: Juruá, 2006, p.62. 147 LUDWIG, C. L et al. Discurso e direito: o consenso e o dissenso. In: ____. Direito e discurso discursos do direito. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. p.50-51. Segundo Ludwig, deve ser observada as seguintes regras: todos os participantes do discurso em princípio são iguais e não devem ser excluídos de qualquer argumento. Além disso, a obrigação de argumentar é sem violência, pois pode eliminar o falante 148 MELO, op. cit., 2006, p.646.

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maneira a verificar nos dispositivos legais do estatuto o locus para a Justiça

Restaurativa, bem como afirmar que a mesma é uma política pública socioeducativa.

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60

2 O LOCUS DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NAS POLÍTICAS DE ATENDIMEN TO

DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL

Como ponto de partida, retoma-se as transformações ocorridas sobre os

direitos da criança e do adolescente no Brasil, dando especial atenção à

adolescência. Note-se que “a sociabilidade é a marca da adolescência, pois os

jovens vivem em grupos, tribos e gangues; exercitam princípios e constroem valores,

mas também acirram disputas e buscam se impor por meio de ações transgressivas,

violentas ou delituosas”149.

No atual cenário percebe-se a dificuldade de se “adolescer”, pois a sociedade

está em um ritmo desenfreado e de consumo que torna os adolescentes vulneráveis

ao contexto sociocultural e sujeitos descartáveis150, como se fossem lixos humanos

quando não consomem. Desse modo, pode-se também considerar que a violência é

uma das formas utilizadas para se auto-afirmar e sair da invisibilidade social

produzida pela globalização com imposições acirradas de padrões sociais, que

contaminam as relações sociais, tornando a maneira de ver o outro como um

estranho, o que por sua vez, rompe com os valores e princípios de cooperação,

solidariedade e entendimento mútuo.

Nesse capítulo de dissertação objetiva-se tratar da abordagem convencional do

ato infracional sob a égide da ação não-social instrumental de Habermas e do poder

do discurso do saber, conceito construído por Foucault. Além desses autores, serão

utilizados outros que também contribuirão para verificar se mesmo com a teoria da

Proteção Integral ainda permanecem práticas sociais institucionais dos paradigmas

anteriores (do Menor e da Situação Irregular), que são dissimuladas pelo caráter

instrumental do discurso dominante. Nesse contexto, saliente-se que há distinção

entre o sentido de discurso para Habermas e para Foucault. Para o primeiro, o

discurso está relacionado ao agir comunicativo dos atores sociais, baseado no

149 PINTO, Graziela Costa. O olhar adolescente. Espelhos da sociedade. Viver Mente e Cérebro. São Paulo. n. 4, p3, nov.2007. 150 CANHONI, Vera. O olhar adolescente. Uma questão de imagem. Viver Mente e Cérebro. São Paulo, n. 4, p.39-47, nov. 2007, p.46.

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princípio da democracia e da solidariedade. E, para o segundo, o discurso tem

relação com a linguagem estratégica do poder, como mecanismo de dominação.

Nesse cenário de reflexões e de construções teóricas, parte-se de um

referencial teórico que contribui para situar, de imediato, as doutrinas anteriores ao

direito da criança e do adolescente. Em que pese está-se aqui tratando da doutrina

do Menor e da doutrina da Situação Irregular. Ambos os períodos recepcionados por

tais doutrinas deixaram evidenciada a negação de cidadania aos infantes, quando a

preocupação última central era crimininalizar atos de conduta, reduzir o sujeito à

figura de estigma, rotulação e etiquetamento dada pela institucionalização. No

avanço constitucional e estatutário alcançado pela influência das legislações

internacionais, a teoria da Proteção Integral, em substituição as demais, representa

uma forma de garantir a cidadania e efetuar o princípio da não-institucionalização.

Importa lembrar que, na Doutrina Penal do Menor e na Doutrina da Situação

Irregular, adotada pelo revogado Código de Menores (Lei n. 6.697 de 10 de outubro

de 1979), o direito de verificar a prática de um ato de delinqüência ou partia-se do

pressuposto que a declaração de situação irregular ou patologia social, somente

poderia derivar de um desvio de conduta do infante ou da própria sociedade151.

Logo, a estigmação, a exclusão e a desigualdade social, especialmente com as

crianças e os adolescentes pobres, nesses períodos, acentuam de maneira

exemplar a presença da razão instrumental, que se caracteriza nesse contexto pela

negação de reconhecimento do sujeito de direitos, bem como pela sua relevância

abarcada no objeto, ou seja, vendo-o como objeto ímpar do sistema penal

retributivo.

Por conta disso, é que, no capítulo anterior, houve a preocupação de discorrer

a Justiça Restaurativa, pois, ao que tudo indica, essa proposta de mudança de

atitude comportamental e de olhar por parte das instituições, que trabalham com

adolescentes autores de ato infracional, ao apresentar políticas de atendimento que

diminuam os danos também ocasionados pela violência institucional, deverá

151 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 14.

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repercutir nas suas práticas o princípio do melhor interesse sob o viés da teoria da

Proteção Integral.

Nesse aspecto, para entender a proposta restaurativa aplicada na 3ª Vara do

Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre, experiência que será

abordada no próximo capítulo, sob o viés da Proteção Integral, de início, o

conhecimento baseado na transdiciplinariedade volta-se para a retomada histórica

do direito da criança e do adolescente no Brasil.

2.1 Retomada histórica do direito da criança e do a dolescente no Brasil

As transformações históricas que marcaram o direito da criança e do

adolescente no Brasil são cotejadas pela doutrina do direito do Menor, doutrina da

Situação Irregular e a teoria da Proteção Integral. O que ficou evidenciado, nas

delimitações construídas historicamente, é que aos infantes era negada a condição

de sujeito de direitos, por sua vez, o reconhecimento da cidadania. Do mesmo

modo, percebe-se a forte presença de ações não-sociais instrumentais como

estratégia de controle social e/ou enfrentamento a delinqüência juvenil. Além disso,

o discurso dominante, que se iniciou no colonialismo, perpassando o imperialismo, é

pautado no aniquilamento, banimento e exclusão daqueles considerados

“problemáticos para a sociedade da época”. Em outras palavras, a negação de

direitos, deu-se no Brasil de maneira discriminatória, seletiva e excludente como, por

exemplo, o tratamento dado aos indígenas, depois o período da escravidão dos

negros até o confinamento arbitrário de meninos e meninas ruas até 1988152.

No Brasil, após a independência política, quando José Bonifácio apresentou um

projeto em prol do menor escravo, na Constituinte de 1823, notou-se sobremaneira o

remoto início de uma preocupação da sociedade com as suas crianças. Porém, a

152 VOLPI, Mário. O compromisso de todos com a proteção integral da criança e do adolescente. In: ZILOTTO, M,C GUARÁ; SPOSATTI, et. al,Caderno Prefeito Criança. Políticas Públicas Municipais de Proteção Integral a Crianças e Adolescentes. Fundação ABRINQ UNICEF, p.21-36, 1999, p.21.

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preocupação assentava-se na manutenção da mão-de-obra e não com os direitos da

criança escrava153.

Portanto,

Com a decretação, em 1871, da Lei do Ventre Livre, fruto de campanha abolicionista, os senhores de escravos delineavam dois caminhos: ou recebiam do Estado uma indenização, deixando no abandono as crianças libertas cujos pais permaneciam no cativeiro, ou as sustentariam e, em seguida, cobrariam tal generosidade através de trabalhos forçados até que completassem 21 anos154.

Quando da promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, surgiu uma mudança

de concepção de criança, pois os seus destinos tornaram-se preocupação do

Estado155. De qualquer sorte, os ingênuos (filhos de escravas) e as crianças

indígenas também povoaram os internatos, mesmo que de forma tímida156.

Nesse cenário de desigualdades sociais, note-se que o processo de

institucionalização de crianças apresentou características de natureza caritativa,

assistencialista e filantrópica. Embora no país tenham existido mobilizações, que se

preocupavam com a criança órfã, o que mais se destacou foram as políticas

repressivas com a finalidade de afastar as crianças e os adolescentes em situação

de risco, diga-se de passagem, que pudessem comprometer a segurança social.

Conforme Costa:

A criança que aparece no discurso é aquela “moralmente abandonada” pela família, ou seja, aquela oriunda de uma família julgada como indigna e inadequada para educar os seus. O dever de cuidar da infância fisicamente abandonada era do Estado. Sob o argumento de se proteger a infância do abandono moral, a família passa a ser taxada de “infratora”, perdendo para o Estado a paternidade dos filhos. A responsabilidade de zelar pelos filhos passa a ter conotação de dever patriótico, vez que o Código estabeleceu

153 VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de direito da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1997, p.10. 154 VERONESE, op.cit., 1997, p. 10. 155 BALCÃO, Irene. A produção de infâncias desiguais: uma viagem na gênese dos conceitos ‘criança’ e ‘menor’. In: MARQUES, A. E. A.; BARBOSA. S. C.; NASCIMENTO. M. L. de (Org.). Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 2002, p. 64-65. 156 RIZZINI, I; RIZZINI I . A institucionalização de crianças no Brasil. Percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004. p.22.

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processos de internação dessas crianças e de destituição do pátrio poder de forma gratuita, devendo correr em segredo de justiça157.

Portanto, a Doutrina do Menor teve um viés altamente repressivo, pois a

intervenção estatal restringia-se a coibir a criminalidade infanto-juvenil. Logo, com o

Código Criminal de 1830 passa a haver diferenciação das penas em função da faixa

etária que se dividia da seguinte forma,

a primeira estabelecia que menores de 14 anos não tinham responsabilidade penal. Porém, caso fosse estabelecido que estes agissem com discernimento, o Juiz poderia determinar que fossem recolhidos a Casas de Correção até completarem 17 anos. A segunda se referia a maiores de 14 anos e menores de 17 anos. Estando nessa faixa, o menor julgado poderia cumprir penas como cúmplice. A terceira impunha o limite mínimo de 21 anos para que pudessem ser impostas penas drásticas como as galés.(...) é somente vinte anos mais tarde que as primeiras discussões para elaborar Regulamentos para Casas de Correção surgem. Só no final do século XIX estas entraram em funcionamento. Até que estes estabelecimentos tivessem sido criados, os menores condenados cumpriam suas penas em prisões comuns. Foi a partir da segunda metade do século XIX que a legislação começou a refletir a preocupação com a educação das crianças 158.

Por conseguinte, as crianças e os adolescentes eram considerados objetos do

sistema, pois, na Doutrina do Menor, somente interessava a prática de um ato de

delinqüência. Em 1927, com a promulgação do Código de Menores, o termo “menor”

foi incorporado ao vocabulário pelos juristas, que referindo-se à criança procedente

de famílias pobres159.

157 VERONESE, Josiane Petry; COSTA, Marli M.M. da. Violência doméstica: quando a vítima é a criança ou o adolescente – uma leitura interdisciplinar. Florianópolis: OAB/SC, 2006, p. 45-46. 158BALCÃO, op.cit., p. 62-63. 159 RIZZINI; RIZZINI, op.cit., p.29-30. A movimentação em torno da elaboração de leis para proteção e assistência à infância também é intensa, culminando na criação, no Rio de Janeiro, do primeiro Código de Menores em 1927, idealizado por Mello Mattos - primeiro juiz de menores do país e de mais longa permanência, de 1924 até o ano de seu falecimento, em 1934. [...] O modelo dos tribunais para menores, criado em 1899 na cidade de Boston ( Estados Unidos) e depois aplicado em países europeus, conheceu ampla disseminação pela América Latina. [...] O Juízo de Menores, na pessoa de Mello Mattos, estruturou um modelo de atuação que se manteria ao longo da história da assistência pública no país até meados da década de 1980, funcionado como um órgão centralizador do atendimento oficial ao menor no Distrito Federal, fosse ele recolhido nas ruas ou levado pela família. O Juízo tinha diversas funções relativas à vigilância, regulamentação e intervenção direta sobre esta parcela da população, mas é a internação de menores abandonados e delinqüentes que atraiu a atenção da imprensa carioca, abrindo espaço para várias matérias em sua defesa, o que, sem dúvida, contribuiu para a disseminação e aceitação do modelo. [...] Fundamentadas pelas idéias de recuperação do chamado menor delinqüente, tais instituições passam a integrar as políticas de segurança e assistência dos Estados nacionais.

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De acordo com Silva:

[...] ao conceito de menor , é composta por crianças de famílias pobres, que perambulavam livres pela cidade, que são abandonadas e às vezes resvalam para a delinqüência, sendo vinculadas a instituições como cadeia, orfanato, asilo etc. Uma outra, associada ao conceito de criança, está ligada a instituições como família e escola e não precisa de atenção especial.160

Observe-se após um período de natureza assistencial, que se deu com a

aprovação do Código de Menores, definindo juridicamente o termo menor, sinônimo

de criança pobre. Além disso, ocorreram as desativações das casas dos expostos e

a criação do Juizado de Menores161. Conseqüentemente, diminuiu o abandono

anônimo e a mortalidade dos expostos; porém, a tutela sobre o exposto vai até os 18

anos de idade.

Como ainda explica Costa:

O mesmo Código, tentando erradicar o sistema da Roda e da Casa dos Expostos, garantiu o segredo de justiça, reservando à entidades de acolhimento de menores e aos cartórios de registro de pessoas naturais o sigilo em relação aos pais que quisessem abandonar os seus filhos, garantindo, também, o sigilo do estado civil e das condições em que a mãe gerou a criança. O Código de 1927 conferiu ao Juiz plenos poderes para solucionar o problema da criança que se enquadrasse nas situações ora definidas. Dentre elas, poderia o juiz devolvê-la aos pais, colocá-la sob a guarda de outra família, determinar sua internação até os 18 anos de idade ou determinar qualquer outra medida que considerasse conveniente. O Código procurou ainda regulamentar o trabalho de crianças e adolescentes, bem como definir, de forma taxativa, o “menor perigoso” como oriundo da pobreza. Observa-se que a infância pobre, outrora caracterizada como abandonado delinqüente passa a ser criminalizada162.

Para a doutrina da Situação Irregular adotada pelo revogado Código de

Menores de 1979, o pressuposto era a declaração de situação irregular “ou patologia

social”163. Nesse caminho, a Situação Irregular originou-se a partir da cultura da

compaixão-repressão, com fortes raízes nos Estados Unidos e na Europa no final do

século XIX e início do século XX164.

160 SILVA, Roberto da. Os filhos do governo. São Paulo:Àtica,1997, p. 69. 161 Id., ib., p. 35. 162 VERONESE; COSTA, op. cit., p. 46. 163 VOLPI, Mário. O compromisso de todos com a proteção integral da criança e do adolescente. In: ZILOTTO, M,C GUARÁ; SPOSATTI, et. al,Caderno Prefeito Criança. Políticas Públicas Municipais de Proteção Integral a Crianças e Adolescentes. Fundação ABRINQ UNICEF, p.21-36, 1999, p.21. 164 SARAIVA, op.cit. p. 41.

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No esforço de se tentar diagnosticar as causas da delinqüência, do abandono

de crianças e justificar a necessidade de intervenção estatal, as famílias e os

menores foram inseridos nas práticas discursivas das instituições. O discurso de

institucionalização materializou-se nas legislações elaboradas na época, como o

Código Penal de 1942, que elevava a idade de responsabilidade penal para 18 anos,

e na criação de instituições como a do Serviço de Assistência a Menores (SAM) e

depois a criação da FUNABEM (Fundação Nacional ao Bem-Estar do Menor)165.

O Código de Menores, aprovado em 1979, Ano Internacional da Criança, incorporou os princípios essenciais da fracassada Política Nacional do Bem-Estar do Menor, de 1964. Já na sua aprovação, representou o último suspiro dos princípios ideológicos da doutrina da segurança nacional, induzindo aos mais variados questionamentos em torno de um modelo que se demonstrou absolutamente ineficaz166.

Por influência da ditadura, essas instituições empregavam a hierarquia e a

disciplina militar para controlar os infantes. Portanto, a disciplina era utilizada como

técnica de controle social. Ademais, os “menores” eram encaminhados para prestar

serviço militar e trabalharem em órgãos públicos167. A institucionalização e o controle

da administração assistencial-repressiva, pelos Juízes de Menores, afastava-os do

real papel na prestação jurisdicional, o que ocasionou perplexidade168.

Na década de 1980, inúmeras foram as mobilizações sociais, debates,

reflexões e apresentação de propostas para o atendimento aos meninos e meninas

de rua, além da organização do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de

Rua, o Movimento Criança Constituinte, as Pastorais da Igreja Católica,

organizações comunitárias, sindicais e assistenciais que contribuíram para a

construção do Direito da Criança e do Adolescente169. Nesse aspecto pontua

Custódio:

[...]o movimento em defesa dos direitos da criança e do adolescente foi constituído na década de oitenta com perspectivas comuns, consolidadas a partir dos seguintes elementos: a crítica à doutrina do direito do menor e do menor em situação irregular; a critica ao modelo institucional fechado de atendimento; a centralização autoritária do controle das políticas públicas; a

165 RIZZINI; RIZZINI. Op. cit., p. 32-33. 166 CUSTÓDIO, André Viana. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil contemporâneo: Limites e perspectivas. Tese de Doutorado Universidade Federal de Santa Catarina, 2006. 284. p.80. 167 SILVA, op.cit., p. 35. 168 CUSTÓDIO, op.cit., p.80. 169 CUSTÓDIO, op.cit., p.81.

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judicialização de práticas políticas administrativas; a crise da reprodução da desigualdade produzida pela dicotomia menor x criança; o espanto da opinião pública, diante da maior visibilidade das condições de pobreza e desigualdade da população e a oportunidade de construção de uma nova base jurídica170.

De acordo com a Resolução n. L44, a Convenção Internacional dos Direitos da

Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em novembro de

1989, resultou aos países signatários o primeiro instrumento jurídico de garantia aos

“direitos da criança”. Emana daí a teoria da Proteção Integral, em substituição a

Doutrina da Situação Irregular, devendo os demais instrumentos jurídicos

observarem tal normativa sob a égide dos direitos humanos171.

Sobre a Convenção, Veronese afirma:

Diversamente da Declaração Universal dos Direitos da Criança, que sugere princípios de natureza moral, ainda que sem nenhuma obrigação, representando basicamente sugestões de que os Estados poderiam utilizar ou não, a Convenção tem natureza coercitiva e exige de cada Estado-Parte que a subscreve e ratifica um determinado posicionamento. Como um conjunto de deveres e obrigações ao que a ela formalmente aderiram, a Convenção tem força de lei internacional e, assim, cada Estado não poderá violar seus preceitos, como também deverá tomar as medidas positivas para promovê-las. Há que se colocar, ainda, que tal documento possui mecanismos de controle que possibilitam a verificação no que tange ao cumprimento de suas disposições e obrigações, sobre cada Estado que a subscreve e a ratifica172.

Como se observa, o Brasil país signatário do tratado, que o ratificou em 21 de

novembro de 1990, tem obrigação com as políticas públicas direcionadas às

crianças e aos adolescentes. Significa dizer que a teoria da Proteção Integral

inserida na Constituição da República Federativa de 1988, no seu artigo 227 e

também consolidada no Estatuto da Criança e do Adolescente, deve ser respeitada

e aplicada em sua plenitude173.

170 CUSTÓDIO, op.cit., p.81. 171 SALIBA, Maurício Gonçalves. O olho do poder: análise crítica da proposta educativa do Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: UNESP, 2006, p.15. 172 VERONESE, Josiane Rose Petry. Humanismmo e infância: a superação do paradigma da negação do sujeito. In: MEZZAROBA, Orides. (Org.). Humanismo latino e estado no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux; [Treviso]: Fondazione Cassamarca, 2003, p.434. 173 CUSTÓDIO, op.cit.,p.127. A teoria da Proteção Integral teve seus primeiros indícios na Declaração de Genebra, de 26 de setembro de 1924, quando a Assembléia da Sociedade das Nações adotou uma Resolução com base na proposta do Conselho da União Internacional de Proteção à Infância, a Save the Children International Union, organização não-governamental, reconhecendo pela primeira vez em um documento internacional, os direitos da criança. Neste momento, a Declaração de Genebra reconhece a proteção à criança, independentemente de qualquer discriminação de raça,

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Nesse sentido, Chaves questiona:

[...]o que significa “proteção integral”? Quer dizer amparo completo, não só da criança e do adolescente, sob o ponto de vista material e espiritual, como também a sua salvaguarda desde o momento da concepção, zelando pela assistência à saúde e bem-estar da gestante e da família, natural ou substituta da qual irá fazer parte. Mas também outro sentido do ponto de vista estritamente legal: é que toda a matéria passará a ficar subordinada aos dispositivos do seu Estatuto, como de resto se deduz do último dos seus artigos, o de n. 267174.

Portanto, a teoria da Proteção Integral representa a base de sustentabilidade

do Direito da Criança e do Adolescente, pois, acima de tudo, reconhece aos infantes

o status de sujeitos de direitos, o que implica a universalização do conceito de

direitos de cidadania na operacionalização de políticas públicas, que tenham por

mote romper com os discursos maléficos do assistencialismo e da

institucionalização175.

Em outros termos:

Proteção integral não só porque tem como prioridade o interesse de crianças e adolescentes, fornecendo todos os meios, as oportunidades e facilidades para o seu desenvolvimento pleno, mas também pelo motivo de o Estatuto se aplicar a todos os menores de dezoito anos em qualquer situação176.

Embora o Direito da Criança e do Adolescente seja reconhecido como uma

legislação especial e não pertencente a seara penal, por ocasião da própria

Constituição brasileira, em seu artigo 228, ter considerado os adolescentes

inimputáveis penalmente e com um estatuto próprio, o discurso penalista dissemina

a sua linguagem rotuladora, com estereótipos e excludente sobre àqueles que

nacionalidade ou crença. Afirma o dever de auxílio à criança com respeito à integridade da família e o oferecimento de condições de desenvolvimento de maneira normal, envolvendo as condições materiais, morais e espirituais. Além disso, recomenda que a criança deve ser alimentada, tratada, auxiliada e reeducada, refletindo a força do ideário higienista e positivista da época nos campos da educação e saúde, refletidos pelos conceitos de tratamento e normalidade. Embora apresente universalidade, na época previa tratamento diferenciado ao órfão e ao abandonado recomendando seu recolhimento, motivo para não se atribuir o caráter de instrumento fundador da Doutrina da Proteção Integral. No entanto, indícios da prioridade à criança já aparecem na declaração no momento em que afirma a garantia da primazia em receber socorros em tempos de infortúnio. 174 CHAVES, Antonio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.ed. São Paulo: LTR,1997, p. 51. 175 CUSTÓDIO, op.cit., p.131. 176 VERONESE; COSTA, op.cit; p. 55.

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deseja controlar e aniquilar, no caso, os adolescentes pobres. Por outro lado, o

sistema retributivo age instrumentalmente sobre os indivíduos, independente de

idade, condição e classe social.

Muito poder-se-ia abordar sobre o Direito da Criança e do Adolescente, por ser

um direito em construção e inacabado; no entanto, a proposta de reflexão volta-se

para a institucionalização e para as políticas públicas de atendimento (tratar-se-á

disso mais adiante), com o objetivo de desvelar os discursos punitivos favoráveis a

institucionalização do adolescente. Além disso, verificar a possibilidade da Justiça

Restaurativa ser recepcionada pelo Estatuto.

Embora atualmente se esteja diante de uma legislação estatutária moderna e

cidadã, por distinguir e respeitar o período da infância e da adolescência,

literalmente para se encetar políticas públicas na área da infância e da juventude,

como a Justiça Restaurativa (que será tratada mais especificadamente no último

capítulo), faz-se necessário conhecer mais sobre os adolescentes.

Ademais os estudos sobre a adolescência têm a peculiaridade de recepcionar

uma perspectiva interdisciplinar na tentativa de explicitar sobre esse período

evolutivo dos seres humanos, suas características e condutas transgressoras que

contribuem na compreensão dos adolescentes enquanto agentes de renovação

lingüística e cultural177. Ressalta-se que não se pode tendenciar, pois a abordagem

da realidade dos adolescentes exige a inter-conexão de todos os fatores que

intervêm na fase de maturação de cada sujeito.

2.2 Adolescente: sujeito em construção

A adolescência representa o momento do desenvolvimento social e biológico

do ser humano. No entanto, o social é o que mais descreve esse período, por estar

também vinculado a cultura de cada civilização, que tem na sua situação peculiar os

177 PINTO, Graziela Costa. O olhar adolescente. Os incríveis anos de transição para a idade adulta. Viver Mente e Cérebro. São Paulo, n. 1, p.03.- 05, ago. 2007.

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rituais distintos, que delimitam bem essa passagem na vida de cada sujeito178, o que

repercute no recebimento de uma identidade social, como símbolo de

reconhecimento pelos outros membros da sociedade.

A palavra “adolescência”, decompondo-a etmologicamente, origina-se do latim

ad (para a frente) + dolescere ( crescer, com dores), refere-se ao período de

maturação , crise ou separação vivida pelo sujeito em um determinado período da

vida. Com relação a essa transformação, pode-se dizer que essa fase da vida

abrange três níveis de maturação e desenvolvimento do ser humano em formação:

tem-se a puberdade dos 12 aos 14 anos; a adolescência propriamente dita, que se

estende dos 15 aos 17 anos, apresentando como principal característica as

mudanças psicológicas; e, por fim, a adolescência tardia dos 18 aos 21 anos que,

em especial, se caracteriza, pela busca de identidade individual, grupal e social179.

Ademais:

De forma semelhante, alguns acontecimentos sociais e culturais parecem ter propiciado a emergência da adolescência como um período distinto do desenvolvimento humano – e como campo de estudo como (sic) com legitimidade própria. Apesar das componentes psicológicas e fisiológicas fundamentais terem existido sempre em cada pessoa jovem, indiferentemente dos períodos históricos, a cultura – a sociedade adulta – nem sempre reconheceu as características específicas da adolescência180.

Em um estudo divulgado pelo Fundo das Nações Unidas, a entrada na

adolescência representa mais que um período cronológico, pois significa profundas

mudanças de uma fase da vida de grandes expectativas e diversas oportunidades,

por isso, o reconhecimento e definição dados pelo UNICEF, em 2002, da

adolescência como “uma janela de oportunidades”. Destaca, ainda, a importância do

Estatuto da Criança e do Adolescente como instrumento de garantias e

178 VEZZULA, Juan Carlos. A mediação de conflitos com adolescentes autores de ato infracional. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, do Centro sócio-Econômico da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. 137. p.19. 179 ZIMERMAN, D. E; OSORIO, L. C. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, p, 61. 180SPRINTHALL, Norman A.; COLLINS, W. Andrews. Psicologia do adolescente. uma abordagem desenvolvimentista. Tradução de Cristina Maria Coimbra Vieira. 3ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 05.

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possibilidades de se concretizar políticas públicas, que atentam para a condição

peculiar desses infantes em formação181.

Dentro desse cenário:

No Brasil, essa janela está aberta para 21.249.557 adolescentes que representam 12,5% da população brasileira. São garotos e garotas com idade entre 12 e 18 incompletos que vivem um momento especial do seu desenvolvimento. Um tempo de crises e conflitos próprios, mas também de um imenso conjunto de possibilidades de mudanças e de questionamentos fundamentais para o desenvolvimento de toda a sociedade182.

A elaboração do relatório como incitação para a concretude de políticas

públicas aos adolescentes não é uma tarefa fácil, pois a própria adolescência por ser

uma fase tão peculiar na vida do ser humano apresenta desafios, exige

disponibilidades e competências específicas já delimitadas pela Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 e o próprio Estatuto183.

Nesse sentido, um dos grandes desafios é o enfrentamento do que se define

por adolescência, pois, como bem coloca Calligaris, a adolescência também é

idealizada e dentro de uma determinada sociedade sua construção se dá pela

cultura, tornando-a ainda um enigma. Complementa ainda como sendo uma

manifestação de mudanças hormonais, um processo natural184.

Nesse caminho, a adolescência pode ser compreendida como a época de

experimentações e crítica do desenvolvimento do sujeito por pautar-se pela

vulnerabilidade emocional e exposição a situações de risco185. Ademais, o conceito

de adolescência sofre influências dos avanços científicos, as transformações de

ordem psicológicas, educacionais e socioculturais, que se deram a partir do século

XIX, pois, até então, não era reconhecida como período do desenvolvimento e nem

como categoria social.

181 SUDBRACK, M.; Fátima O.; ALCÂNTARA, P. O relatório Situação da Adolescência Brasileira. Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF - Brasil. Brasília - DF [s.d] Disponível em: < www.unicef.org/brazil/sab/sab_1.pdf> Acesso em: 09 ago. 2007, p.5-6. 182 Id., ib., p.5-6. 183 Id., ib., p.5-6. 184 CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000, p.18. 185 PINTO, op.cit., p.03.

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Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) o período da adolescência está

situado entre 10 e 19 anos. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece a

partir dos 12 aos 18 anos186.

Embora o Estatuto considere adolescente toda pessoa com idade entre 12 e 18

anos incompletos, pelas distintas realidades sociais que se apresentam no Brasil,

também não há de descartar que existam várias adolescências 187. Tal assertiva é

oriunda da perda de rituais pelo sujeito e a complexidade da sociedade que exige

um amadurecimento mais individualizado e problemático188.

Como explica ainda Ranña:

Nas sociedades modernas, o adolescer passou então a ser um processo vivenciado de forma individual, de acordo com os ideais de liberdade e singularidade reinantes. Assim, todas as dificuldades que envolvem a passagem da infância para a vida adulta terão de ser vividas pelo jovem solitariamente. Com as transformações físicas e psicológicas, o adolescente e quem compartilha de sua vida vêem-se mobilizados a criar formas de se estabelecer na vida adulta. Sem rituais, cada um vai viver esse processo de forma única 189.

Por outro lado, a adolescência jamais foi um período fácil de se

compreender190, de romper limites e de viver desregrado. Apesar de ser uma noção

construída socialmente, não pode ser definida exclusivamente por critérios

biológicos (como o adotado pela legislação brasileira ao considerar inimputáveis os

menores de dezoito anos) psicológicos, jurídicos ou sociológicos. Os seus limites

mínimos e máximos variam em cada conjuntura histórica. Por que a importância dos

limites? Como medi-los? Quando a legislação especial, o Estatuto considera que o

adolescente transcendeu tais limites?

186 CAVALCANTI, Laura Battaglia. O olhar adolescente. Retratos da adolescência. Viver Mente e Cérebro. São Paulo, n. 1. p.06, Agosto 2007. 187 SUDBRACK, M.; Fátima O.; ALCÂNTARA, P. O relatório Situação da Adolescência Brasileira. Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF - Brasil. Brasília - DF [s.d] Disponível em: < www.unicef.org/brazil/sab/sab_1.pdf> Acesso em: 09 ago. 2007. 188 RANÑA, Wagner. A travessia da adolescência. Viver Mente e Cérebro. São Paulo, Ano XIV n. 155, p.42, dez. 2005. 189 RANÑA, op.cit., p. 44. 190 GUERREIRO, Gianbruno. À procura de um eu. Viver Mente e Cérebro. São Paulo Ano XIV, n. 155. p. 50, dez. 2005.

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Preliminarmente, é possível concluir que os limites têm ligação com a

responsabilidade do adolescente em exercitar seus direitos, como, por exemplo,

liberdade de ir e vir, sem desrespeitar a liberdade do outro indivíduo, ou seja, ser um

cidadão responsável. Porém, quando, aquele ultrapassa seu limite de espaço e se

apropria do outro, ele está transgredindo e isso fica mais evidente quando furta,

rouba e mata. Então, o mesmo estará cometendo, segundo o Estatuto, um ato

infracional191.

Como se observa:

“Os homens não têm asas. Mas nós as construiremos, e então poderemos voar.” A princípio, Ícaro achou ousado o plano do pai, genial arquiteto. Mas depois, ao seu lado, começou a procurar um meio de construir as asas que os salvariam. O primeiro passo foi colecionar penas de aves e juntá-las segundo os tamanhos. Em seguida, amarraram-nas com fios de linho, e sob elas colocaram cera, para que ficassem coladas umas nas outras. Finalmente, a obra está pronta. Dois enormes pares de asas brancas esperam Dédalo, o pai, e Ícaro, o filho, para levá-los, em longa viagem, pelos céus da Grécia. Com uma tira de couro, o arquiteto amarra o belo engenho ao corpo. Ícaro segue o exemplo. E ambos saltam para o infinito. Os primeiros momentos de vôo são penosos. Os corpos não encontram o equilíbrio exato, e tremem com o vento. Preocupado, o pai recomenda carinhosamente ao filho que voe sempre numa altitude média: nem baixo demais - para não mergulhar as asas no mar - , nem alto demais - para não queimar as frágeis penas no calor do sol. Dédalo vai na frente, mostrando o caminho ao filho. O vento favorável ajuda-os na difícil empresa. Mas Ícaro, deslumbrado com a beleza do firmamento e com a música dos pássaros, deixa-se chegar próximo demais do sol. Os raios ardentes amolecem a cera que ligava umas penas às outras. As asas começam a se desfazer. E o corpo de Ícaro mergulha no mar. Quando Dédalo olha para trás, não encontra o filho. Na superfície mansa das águas, duas asas brancas flutuam perdidas, como perdido o sonho de viver em liberdade192.

Para conseguir responder às questões concernentes ao limites, observe-se a

reflexão apresentada por Losacco193. Ao analisar a medida socioeducativa, ela

utiliza-se do mito de Ícaro. Segundo a simbologia, Dédalo significa o pai, o educador,

ou melhor, o detentor do saber, advindo do poder e dos conhecimentos durante a

191 De acordo com o artigo 103 do ECA, considera-se ato infracional, toda a conduta, do adolescente, tipificada como crime ou contravenção penal. Tanto a criança como o adolescente poderão cometê-lo. Ver BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente-Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF: Senado Federal, 1990. 192 SIMÕES, Maria Isabel; ALVARENGA, José Roberto. Mitologia. Abril Cultural, 1976, p.497. 193 LOSACCO, Silvia. Medidas Socioeducativas e Justiça Restaurativa Reflexões para ações – primeiras aproximações Tese de Doutorado em Serviço Social, PUCSP: 2004, p. 03.

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vida. Mesmo com a vasta bagagem de conhecimentos e do afeto paternal, sozinho,

não conseguiu evitar a morte de seu único filho, que se chamava Ícaro194.

O jovem Ícaro representa a juventude demarcada pela impulsividade, pela

inexperiência, pela necessidade de auto-afirmação e o prazer que se sobrepõe às

regras, permitindo-se colocar a própria vida em risco. Ressalte-se, ainda, que as

asas para o seu deslocamento é o símbolo da libertação; porém, elas não são

apenas colocadas há um preço no decorrer do processo de socialização.

No entanto, o comportamento de Ícaro, símbolo da hybris significa uma

violência, descomedimento, uma ultrapassagem do métron, ou seja, da medida, pois

apesar de toda a informação paterna de Dédalo, para que guardasse um meio-

termo, “voa entre ambos”, na busca do centro entre as ondas do mar e os raios do

sol o jovem insensato ultrapassou o métron, “voando alto demais” 195.

A medida é o eixo principal contido nas regras, nas normas e nas leis196; assim,

todo o adolescente que não tenha atingido a maioridade penal 18 anos-, e que vier a

cometer um ato infracional será responsabilizado conforme o Estatuto. Nas palavras

de Rosa, “ o ato infracional pode ser o sintoma de que algo anda mal e propicia uma

intervenção capaz de promover a atribuição de sentido”197.

Para Kozen:

A medida socioeducativa não tem, assim, segundo o entendimento assentado na Convenção, propriedade tutelar ou protetora. A doutrina jurídica segundo à Convenção, que explicita e se resume em uma fórmula geral, em um dizer em duas palavras (proteção integral) , não consiste, ao contrário do que apregoava o idealismo menorista, em negar a possibilidade da responsabilização do autor de infração à lei penal, mas no instituir, como pacto entre as Nações, a obrigatoriedade da regulamentação da possibilidade de poder resistir à pretensão acusatória de que poderia resultar a aplicação de uma medida ou de resistir à injustiça da medida aplicada 198.

194 LOSACCO, op. cit., p.03. 195 Id., ib., p.04. 196 Id, ib. , p. 05. 197ROSA, Alexandre Morais da. Introdução crítica ao ato infracional: princípios e garantias constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p.3. 198 KONZEN, Afonso Armando. Justiça restaurativa e ato infracional: desvelando sentidos itinerário da alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2007, p.26-27.

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Portanto, o que deve ser preocupante é como se construirá o sentido

socioeducativo se atrelado ao seu cumprimento está o caráter negativo do estigma e

da ausência de políticas públicas preventivas, que envolvam a família, a comunidade

e o Estado.

A analogia utilizada é uma maneira de ilustrar que o Ícaro está presente em

cada adolescente, que pela sua natureza questionadora e rebelde, ao transgredir,

estará rompendo com antigos paradigmas da sociedade, questionando seus valores,

a moral e a estrutura. E alguns também utilizarão da violência para se fazer notar

pelo sistema excludente. A lei impõe limites, substituindo o papel do pai Dédalo;

porém, será na verdade uma madrasta, pois desconsidera o diferente, isola e não se

sente responsável para socializar, cabendo este papel a família, a sociedade e

também ao Estado.

Em síntese, os limites têm sua importância para estabelecer o respeito pelo

espaço e liberdade do outro, de maneira que se consiga conviver harmoniosamente

em sociedade e talvez medi-los seja complicado, contudo, cabe a lei estabelecê-lo.

Nos dizeres de Rosa: “o importante é que o adolescente envolvido em atos

infracionais deve ser considerado como sujeito em desenvolvimento e com

autonomia, munido de garantias infracionais e processuais. Caso contrário, perdura

a concepção tutelar”199.

Como afirma Vezzula:

A todo momento, o adolescente é discriminado, contrariando o Art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois desde o primeiro momento na delegacia ele é batizado com o concludente e acusatório nome de adolescente infrator, ainda que a lei não utilize nunca este nome, somente “ato infracional praticado ou ato infracional atribuído” e até “adolescente a quem se atribui autoria de ato infracional”. Não há consciência de que é o sistema judicial que lhe atribui o ato infracional. Eles são adolescentes, somente essa é sua identidade, a de infrator lhe é dada erroneamente200.

199 ROSA, op.cit., p. 7. 200 VEZZULA, op.cit. p.56.

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Nesse sentido é possível contextualizar o problema do ato infracional para

rumar ao desvelamento do discurso dominante que cerca essa questão, bem como

buscar na construção da definição de políticas públicas socioeducativas baseadas e

justificadas na restauração, nesse caso, via jurisdição, moral e social dos

adolescentes, justamente no momento que se formam seus valores. Logo, a Justiça

Restaurativa é uma proposta de reconstrução do homem, enquanto é tempo.

2.3 Fatores potencializadores do ato infracional

O cometimento de ato infracional pelo adolescente muda completamente o

cenário, ou seja, da responsabilização pelo ato cometido, associam a sua pessoa à

infração, desconsiderando a sua alteridade e levando-o a condição de

assujeitamento, alienação e coisificação. Nesse sentido vale lembrar, que todo o

adolescente que não tenha atingido a maioridade penal, ou seja, os 18 anos como

prevê o Estatuto e que vier a cometer um ato infracional será responsabilizado pelo

Juizado da Infância e da Juventude, podendo ter que cumprir alguma das medidas

socioeducativas previstas no artigo 112 concomitantemente com as medidas

protetivas do 101 do referido diploma legal.

O que está disposto no Estatuto é que quando da apreensão do adolescente

pela prática de ato infracional, o procedimento deverá ser instaurado imediatamente,

sempre acompanhado de seus responsáveis e constituído de advogado pelo direito

ao contraditório e a ampla defesa. No entanto, sabe-se que na prática não funciona

como deveria, pois são vários os entraves, entre eles: nem todas as cidades

brasileiras dispõem de delegacias especializadas (DECA) ou sistemas integrados de

atendimento para crianças e adolescentes, a exemplo de Porto Alegre201.

Nesse aspecto, mesmo que a institucionalização deva ser a última medida a

ser aplicada exclusivamente nos casos extremos, a maneira como o sistema de

atendimento funciona, na atualidade, tem no seu núcleo assentado na

funcionalidade instrumental e herdada da doutrina do Menor e da Situação Irregular.

Significa dizer, que a legislação estatutária tem uma linguagem inovadora e de amor

201 CRAIDY, Carmem Maria; GONÇALVES, Liana Lemos. Medidas sócio-educativas: da repressão à educação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005, p. 37.

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quando reconhece os seus infantes como sujeitos de direitos. No entanto, as

práticas institucionais permanecem com os vícios passados de punição, estigmação,

rotulação e controle.

Para Rosa:

Por detrás de toda a democracia de fachada, esconde-se, na maioria das vezes, uma postura que pode ser designada de Complexo de Big Brother, ou seja, o adolescente precisa sofrer até aceitar a amar o Grande Irmão que lhe oprimi. Orwell , em sua obra de ficção, relata as agruras do sujeito que é aniquilado pelo Grande Irmão, que tudo vigia, controla, indica, condiciona (uma liberdade Assistida mal compreendida pode assumir esta postura)202.

Em outros termos, a imposição de medidas mal compreendidas pelo

adolescente, como, por exemplo, a liberdade assistida, pode ocasionar o seu

aniquilamento, pois as instituições que fazem as vezes do Estado representam, no

discurso mascarado, o “Grande Irmão”, aquele que precisa ser amado e tem por

mote ser o que “tudo pode e tudo controla”. Dito isso, pode-se afirmar que, ainda

hoje, as instituições são “instituições de seqüestro”, porque retiram dos indivíduos a

sua condição cidadã203.

Por sua vez, o estigma de “infrator” aniquila o adolescente, de tal maneira que a

aplicação da medida socioeducativa sem objetivos efetivamente educativos não

possibilita o recomeçar, isto é, ir ao encontro da sua autonomia com

responsabilidade.

Assim, perdido seu objetivo, as medidas socioeducativas transformam-se em trabalhos de serviço à comunidade, que podem cumprir com o objetivo de castigo reparador da culpa, ou centro de terapia ocupacional, mas sem produzir no adolescente uma verdadeira tomada de consciência de sua situação, de sua identidade. Esta desconsideração faz com que o adolescente passe a viver as medidas socioeducativas como sanções que nada lhe acrescentam. Esta situação se agrava, e muito, nos casos de internação204.

202 ROSA, op.cit., p.228. 203 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1996. 204 VEZZULA, op.cit., p.59-60.

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Nesse cenário de desigualdades sociais, a pobreza, a exclusão social, a

violência estrutural, a violência intrafamiliar tornam-se fatores potencializadores do

ato infracional, que contribuem para o desencadeamento da violência infanto-juvenil.

Pode-se definir que a pobreza é resultado de um padrão de organização social,

fruto da produção e da acumulação de capital de caráter estruturalmente

dependente e excludente, uma vez que a concentração da riqueza e da renda está

com as classes dominantes. O crescimento da pobreza é um fenômeno mundial,

que vem se agravando com a globalização, justamente por favorecer apenas os

detentores do grande capital. Cerca de 20% da população mundial - 1,2 bilhões de

pessoas - vive com menos de um dólar por dia. A questão que deve ser observada é

se a humanidade pode usar a tecnologia de informação e de comunicação para

tentar reduzir a pobreza, gerando um crescimento mais equilibrado205.

A respeito da exclusão social, Sposati, afirma que o conceito se confronta

diretamente com a concepção de universalidade e com os direitos sociais e da

cidadania. Dito de outra maneira, “a exclusão é a negação da cidadania” 206. Além

disso, a exclusão, muito além do status da pobreza, assim o é devido a rotulagem ou

a própria “teoria do etiquetamento”207, já que é considerada “uma forma de

discriminação negativa que obedece a regras estritas de construção”208.

Nessa seara, alguns autores, como Dupas, consideram a exclusão social

como fator multidimensional, isto é, vista por vários ângulos e gerada por inúmeros

fatores, porque inclui não só a falta de acesso a bens e serviços, mas também à

segurança, à justiça, à cidadania, relacionando tudo isso às desigualdades

econômicas, políticas, culturais e étnicas. Comenta, também, o referido autor, que

ela pode ser gerada dentro do mercado de trabalho, por meio de empregos com

remuneração insuficiente, sem proteção dos direitos trabalhistas, que não é capaz

205 CARDOSO, Hélio Apoliano. Globalização dos direitos humanos e dos cidadãos. Júris Síntese IOB. São Paulo, Thomson. n. 31 - SET/OUT de 2001. CD-ROM. 206SPOSATI, Aldaíza. Exclusão social abaixo da linha do Equador. Disponível em: <http://www.dpi.inpe.br/geopro/exclusao/exclusao.pdf> Acesso em: 23 set. 2007, p.03. 207 Assim denominada em outra oportunidade. Ver COSTA, Marli M. M. Políticas Públicas de Prevenção da Delinqüência Juvenil. In:___. Direito, Cidadania e Políticas Públicas. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006, p. 9-20. 208 BELFIORE, M. et al. Desigualdade e a Questão Social. São Paulo: EDPUC, 2004. p.42.

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de garantir um padrão de vida mínimo, como o acesso aos direitos humanos e

fundamentais209.

Zaluar acrescenta que, para se utilizar o conceito de exclusão, deve-se

enfrentar e diferenciar o problema teórico e o problema prático-político, pois os

mesmos já foram confundidos inúmeras vezes, o que acabou por vulgarizar o termo.

Segundo a autora, o termo exclusão vem da Antropologia Social, e dos estudos

simbólicos desenvolvidos pelos franceses, que acabaram formando uma cadeia de

significantes, como: inclusão/exclusão; sim/não dos computadores ou da inteligência

artificial210.

Por conseguinte, a exclusão social, segundo Castel, pode ser vista como a fase

extrema do processo de “marginalização” do ser humano, em que ocorre a ruptura

do sujeito pelo mercado de trabalho211.

Dessa forma, existem evidências que tanto a pobreza como a exclusão são

condições extremas em que vive a maioria da população. É certo que muitos pobres

nunca tiveram oportunidades e assistência necessária para sair de suas condições.

Agrega-se a isso o fato de serem vítimas de discriminação e preconceito, o que

agrava ainda mais a sua situação. É bem verdade que devido as suas privações

eles acabam desenvolvendo atitudes e comportamentos que dificultam o

aproveitamento de recursos oportunidades, quando a eles oferecidos212.

Conforme Veronese:

A exclusão da infância e da adolescência do processo social é uma das formas mais perversas de marginalização, pois exclui-se, a priori, aquele que não teve sequer oportunidade e condições de escolher seu próprio caminho, de identificar-se com um determinado projeto de vida;

209DUPAS, Gilberto. A lógica da economia global e a exclusão social. <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340141998000300019&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 17 set. de 2006. 210 ZALUAR, Alba. Exclusão e Políticas Públicas: dilemas teóricos e políticas alternativas. Disponível em <http://www.scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0102-69091997000300003&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0102-6909.> Acesso em: 18 set. de 2006. 211 BELFIORE, et al., op.cit. p.42. 212SCHWARTZMAN, Simon. Pobreza, exclusão social e modernidade: uma introdução ao mundo contemporâneo. São Paulo: Augurium, 2004. p. 106.

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encontrando-se então forçado a buscar o seu espaço pelas ruas das cidades.213

Nesse sentido, a pobreza, a exclusão social e as desigualdades sociais são

exemplos de imoralidade na sociedade. Sem dúvida alguma, urge a idéia de

inclusão do outro como dever moral às pessoas. Assim sendo, pelo princípio da

universalização, todos precisam ser incluídos na sociedade, por isso, a

universalização não é uma máxima acabada e que deva recepcionar os “iguais”;

também é preciso respeitar e acolher os diferentes. 214 Do mesmo modo, se entende

que com a universalidade prevalece a vontade geral, de maneira que supere o

contexto particular e as diferenças possam ser resolvidas pela interação e o

acordo215.

2.3.1 Violência estrutural

Define-se a violência como sendo o “processo de aniquilamento", ou do desejo

de eliminar o outro216. Muller diz:

Ao mesmo tempo, devemos entender essa violência como provocativa, ou apelo (a etimologia da palavra “provocação” é a forma latina do verbo provocare, formado por pro, “antes”, e vocare “chamar”). A violência tem suas raízes na dor e sua função é a de um pedido de socorro. A violência é aquilo que não consegue falar, mas consegue ao menos dar um grito. É preciso ouvi-lo em vez de condená-lo. Se ouvíssemos de fato dificilmente teríamos tempo para condenações. O necessário, portanto, é estarmos prontos a responder a esse apelo, pois em última instância a violência é a expressão do desejo de comunicar-se, da necessidade de diálogo. Os que lançam mão da violência estão rejeitando uma sociedade que os rejeitou, e é tarefa da sociedade ouvir seu apelo. Esforçar-se para compreender não

213VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de direito da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1997,p.179. 214 HELFER, Inácio. Inclusão do outro, dever moral e direito segundo Habermas. In:LEAL, R.G. (Org.) Direitos Sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. T. 6. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006 p.1630. 215 HABERMAS, op. cit., 2002, p.7-8. O mesmo respeito para todos e cada um não se estende aqueles que são congêneres, mas à pessoa do outro ou dos outros em sua alteridade. A responsabilização solidária pelo outro como um dos nossos se refere ao “nós” flexível numa comunidade que resiste a tudo o que é substancial e que amplia constantemente suas fronteiras porosas. Essa comunidade moral se constitui exclusivamente pela idéia negativa da abolição da discriminação e do sofrimento, assim como da inclusão dos marginalizados-e de cada marginalizado em particular-, em uma relação de deferência mútua. Essa comunidade projetada de modo construtivo não é um coletivo que obriga seus membros uniformizados à afirmação da índole própria de cada um. Inclusão não significa aqui confinamento dentro do próprio e fechamento diante do alheio. Antes, a “inclusão do outro” significa que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos- também e justamente àqueles que são estranhos um ao outro - e querem continuar sendo estranhos. 216 MULLER, Jean-Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.30.

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significa que “vale tudo”. Ao contrário, entender a violência é também proibi-la. Essa violência é sinal de que aqueles que se entregaram a ela não foram capazes de encontrar limites; estão simultaneamente pedindo para que lhes sejam impostos limites217.

A violência como forma de imposição de vontade sobre o outro, também

manifesta de maneira simbólica e representativa a tentativa do adolescente de se

comunicar, de ser entendido, de ter suas necessidades humanas atendidas e de

principalmente se fazer reconhecido nem que impositivamente, pelo outro. Ocorre

que esse ato instrumental também pode ser compreendido como uma distorção de

comunicação no mundo da vida218. Significa dizer, a violência deixa claro que os

homens não estão se comunicando na sociedade. Nesse contexto, pode-se ainda

acrescentar:

Num país de direitos não incorporados, um ato de infração configura-se como recusa recíproca de integração; a condição marginal que a sociedade impõe à juventude da periferia se faz acompanhar de recusa desses jovens aos comportamentos socialmente aceitos219.

Dito de outra maneira, entende-se que a violência é uma linguagem com

caráter impositivo sobre o outro, na busca de um reconhecimento simbólico no

espaço social. Portanto, a delinqüência significa a zona vazia, atalho e necessidade

de pertencimento, de tal maneira que se possa ser notado, bem como usufruir das

prerrogativas da cidadania220.

Segundo Costa:

A palavra violência vem do termo latino vis, que significa força. Assim, violência é abuso da força, usar de violência é agir sobre alguém ou fazê-lo agir contra a vontade, empregando a força ou a intimidação. É forçar, obrigar. É também brutalidade: força brutal para submeter alguém. É sevícia e mau-trato, quando se trata de violência psíquica e moral. É cólera, fúria, irascibilidade, quando se trata de uma disposição natural à expressão brutal dos sentimentos. É furor, quando significa o caráter daquilo que produz efeitos brutais. Tem como seus contrários a calma, a doçura, a medida, a temperança e a paz221.

217 MULLER, op.cit., 1995, p.68. 218 HABERMAS, op.cit., 1988, p.461. 219 FEFFERMANN, Marisa. Vidas Arriscadas: o cotidiano dos jovens trabalhadores do tráfico. Vozes: Petrópolis, 2006, p. 189. 220 FEFFERMANN, op.cit., p. 189. 221 VERONESE ; COSTA. Op.cit., p. 101.

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Além de a violência ser identificada como a imposição de uma vontade sobre o

outro também é decorrente da reprodução cultural do próprio homem222. Em suas

mais diversas facetas, está a de despersonalização do sujeito, tornando-o excluído e

invisível.

Com efeito, observa-se que, os fatores potencializadores do ato infracional,

como já referidos anteriormente, também são desencadeados pela violência

estrutural. Por conta disso, entende-se por violência estrutural, expressão criada

pelo norueguês Galtung nos anos 60, como a violência que é ocasionada pelas

estruturas políticas, econômicas ou sociais que criam situações de opressão, de

exploração ou de alienação223.

De acordo com Boulding, a violência estrutural também decorre das instituições

como a família, a escola e os sistemas econômicos, culturais e políticos que

contribuem para a sujeição, sofrimento e denegação do cidadão, que, pelo papel

social que desempenham pelas práticas de socialização nem se percebem enquanto

sujeitos de direitos 224.

Ao abordar a violência que ocorre dentro da instituição família contra a criança

e o adolescente, mais especificadamente a violência doméstica ou intrafamiliar,

pode-se considerá-la como uma das espécies da violência estrutural. Esse

desiderato social demonstra a fragilidade da família e sua omissão na formação,

crescimento físico, moral e psíquico do infante. Relacionada a ela também está todo

o tipo de violência: a física, a sexual e a psicológica225.

Portanto, todos os seus membros inclusive as crianças e os adolescentes,

necessitam de um convívio saudável, como é tratado na Carta Política, no seu artigo

226. Reforça-se ainda mais, o direito a convivência familiar saudável, pois é o

primeiro grupo social a estabelecer limites e responsabilidades.

222 BORDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975, p.16. 223 MULLER, op.cit., 1995, p.30 224 BOULDING, E. Las mujeres Y la violência. In La Violência Y Sus Causas, p. 268. UNESCO. Paris. 1991. 225 VERONESE; COSTA, op.cit., p. 102.

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Não se pode ignorar que dentro do próprio convívio familiar também ocorram

abusos e os mais diversos problemas, sendo o bom convívio entre seus membros

apenas no imaginário.

Nas palavras de Leite,

A vida da família, contraposta pelo imaginário à vida mundana, vem significando ao longo dos tempos uma vida íntima, no interior de uma casa simbolizada como “um templo sagrado” e de felicidade doméstica. A vida mundana, a perdição, teria como símbolo as ruas, os cabarés, os bares, os largos, as esquinas e as praças públicas. Estes locais, que representam o lado público da vida, estão em oposição direta ao lado particular, privado, ao sentido do lar e, em conseqüência, ao bem familiar. Dentro do seu papel ideal, a família imaginária seria a primeira instância de refúgio das ameaças e perigos advindos do lado público, externo ao lar. Mas, por outro lado, a família real e concreta, juntamente com a proteção, muitas vezes tem representado uma instância de opressão, de dominação e de controle de seus membros226.

Desse modo, o que se percebe na atual conjuntura é que se está diante de

uma grande maioria de jovens sem referenciais positivos, vítimas da violência intra-

familiar, que tem relação com a própria violência estrutural, pois o processo de

socialização tem uma relação íntima com o controle social. Esse serve para

recolocar o comportamento humano num nível aceitável de convivência social, vindo

da família até chegar ao Estado.

Os múltiplos fatores conflitantes da vida familiar se relacionam diretamente com

o comportamento desviante da criança e do adolescente.

Nas palavras de Costa:

Devemos lembrar que a violência não é um fenômeno isolado, uniforme, que se abate sobre a sociedade como algo que lhe é exterior e pode ser explicado através de relações do tipo causa/efeito como, por exemplo, “pobreza gera violência” ou “o aumento do aparato repressivo acabará com a violência”. Assim sendo, estamos lidando apenas com os efeitos da violência e não com suas causas. A violência é multifacetada, encontrando-se diluída na sociedade sob as mais diversas formas que se interligam, interagem, (re) alimentam-se e se fortalecem. Ao postularmos a individualização máxima e a responsabilização absoluta do criminoso, estamos subsumindo todas as suas vinculações com a realidade

226 LEITE, Ligia Costa. A razão dos invencíveis: meninos de rua - o rompimento da ordem (1554-1994). Rio de Janeiro: Editora UFRJ/ IPUB, 1998, p.87.

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sociogenérica em que está inserido e, conseqüentemente, estamos ignorando a existência de outra manifestação de violência, imposta por instituições clássicas da sociedade e que expressa, sobretudo, os esquemas de dominação de classes e do Estado: a violência estrutural227.

Nesse contexto, Dagnino entende que a violência estrutural pressupõe o

reconhecimento prévio de sua complexidade, polissemia e controvérsia. Para tanto,

os papéis sociais exercidos e distribuídos de forma desigual na sociedade servem

para reproduzir a cultura da dominação228.

Portanto, a violência estrutural precisa ser compreendida no âmbito do contexto

social e cultural para que se possa reconhecer que a pobreza, a exclusão e as

desigualdades sociais, inerentes da estrutura do Estado, que, pela omissão, isso é,

uma ação não-social dissemina a reprodução cultural, proporcionando a algumas

classes sociais o acesso aos direitos sociais e fundamentais. Ademais, pode-se

dizer que a violência estrutural não é natural, e sim histórica, pois é produzida

socialmente e tem suas raízes nas relações de poder, definindo seus destinatários,

afetando a capacidade de defesa dos cidadãos, bem como fomentando

preconceitos, medicância, tráfico, delinqüência e outros crimes229.

Ademais, a violência estrutural é responsável pela seletividade dos indivíduos

que desfrutarão do bem-estar social e os que serão lançados às margens sociais.

Desse modo, agravam-se os problemas sociais e, conseqüentemente, a

criminalidade infanto-juvenil aos poucos, vai potencializando-se pelos atos violentos,

buscando reconhecimento e superação da negação de cidadania.

Do mesmo modo, pode-se ainda dizer que esse tipo de violência deixa clara, a

ausência de políticas públicas por parte do Estado para o enfrentamento das

demandas sociais. Aliás, não se quer dizer com isso que incumbe apenas a

227 COSTA, Marli M.M. Políticas públicas e violência estrutural. In: LEAL, G.; REIS J. R (Org.) Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, t.5 p. 1261-1262. 228 DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova cidadania. São Paulo: Brasiliense, 2001. 229 COSTA, Marli M.M. Políticas públicas e violência estrutural. In: LEAL, G.; REIS J. R (Org.) Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, t.5 p. 1261-1262.

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Administração Pública mobilizar e enfrentar os problemas de ordem social, político e

outros; ao contrário, o engajamento é de todos os sujeitos que, conectados e

preocupados com o coletivo, poderão encontrar soluções para as mais diversas

demandas, que também contribuem para a instauração da violência e da

criminalidade.

2.3.2 A delinqüência juvenil

Entre as várias construções conceituais sobre o termo delinqüência juvenil está

a de Winicott. A partir do julgamento de cinco meninos, com idades entre oito e 12

anos, na Inglaterra, a expressão delinqüência juvenil foi empregada pela primeira

vez e, até os dias atuais, seu emprego é de maneira indiscriminada, de acordo com

as influências da opinião da mídia ou de quem queira mobilizar negativamente a

sociedade. Ademais a utilização dessa terminologia tem ocasionado diversas

críticas pela variação de sentidos, que podem significar comportamentos anti-

sociais230 praticados por adolescentes, caráter exclusivamente jurídico ou, ainda,

comportamentos irregulares, anormais, indesejáveis, como aqueles que dizem

respeito a jovens que necessitam de proteção231.

Dentro de tal conjuntura, a expressão delinqüente é mais relacionada às

causas de natureza jurídicas, isto é, quando um adolescente pratica ato infracional.

Ademais, conforme Jacques Rassial o estudo da origem de delinquere , significa

“aquele que está fora de seu lugar”232.

De acordo com Muller:

A delinqüência provoca um colapso do tecido social, mas freqüentemente ela já é uma conseqüência de tal colapso. No momento em que um indivíduo, em especial o jovem, deixa de encontrar um lugar onde lançar

230 PAULA, Paulo Afonso Garrido de. In: CURY, Munir (Org.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentários Jurídicos e Sociais. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.540-541. Registre-se, que o Estatuto, ao definir o ato infracional, adotou “conteúdo certo e determinado, abandonando expressões como ato anti-social, desvio de conduta, etc., de significado jurídico impreciso (...) afastando-se qualquer subjetivismo do intérprete quando da análise da ação ou omissão”. 231 SOARES, Orlando. Curso de Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.95-96 232 RASSIAL, Jean Jacques. O psicanalista e o adolescente. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999.

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raízes na sociedade, quando não acha meios de estruturar sua personalidade ou dar sentido à sua existência, acontece um colapso entre a sociedade e aquele indivíduo. Se a carreira escolar for também malsucedidada (sic) mal sucedida, há grande risco de que o desemprego some-se aos outros problemas, dando-se assim uma eficaz negação da cidadania. O indivíduo se vê preso nas engrenagens e passa por uma crise de identidade. Uma conseqüência específica da privação da cidadania é o comportamento anti-social233.

Para Trindade não é possível partir de um conceito unitário, universal, válido e

aceito que aborde satisfatoriamente a delinqüência juvenil, pois são várias as

acepções que se dá a esse “fenômeno de âmbito planetário”. Segundo o autor, está-

se diante de um conceito protéico. A esse respeito assevera que muitos autores

reconhecem a limitação de tal conceito e que não pode ser restringido aos

comportamentos tipificados nas leis penais do país, por isso, a concepção mais

ampla que avança à medida que a dinâmica social exige. Em linhas gerais a

delinqüência juvenil não é um conceito psicopatológico, mas jurídico234.

Alguns autores, destacando Costa, consideram que os delinqüentes juvenis são

fracassados escolares235. Quanto a isso, Guimarães esclarece que o fracasso

escolar poderá ser compreendido como causa da delinqüência, se o ambiente

escolar foi o que impulsionou tal ato, ou ainda se ambos, delinqüência e fracasso

são manifestações de um comportamento desviante anterior236.

Nesse contexto, Costa explica a relação da escola e da delinqüência com

algumas teorias. Para a autora, a teoria da tensão e frustração de Cloward, refere-se

ao papel da escola como uma instituição de classe média, em que suas crianças e

adolescentes possuem menos oportunidades de competição. Essas crianças e

adolescentes teriam disposição para delinqüir, devido à ausência de auto-estima; já

a teoria do etiquetado de Bernfeld, diz respeito a rótulo negativo dado ao infante.

Cabe ressaltar também a teoria do desenvolvimento social, que reconhece a

233 MULLER, Jean - Marie. Não-violência na educação. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athenas, 2006, p.66. 234TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil. Uma abordagem transdisciplinar. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p.67. 235 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Infância, Juventude e política social no Brasil. Brasil criança urgente. A Lei 8.069/90. Coleção Pedagogia Social. São Paulo: Columbus Cultural, 1990, v3. 236 GUIMARÃES, Aurea Maria. Vigilância, punição e depredação escolar. Papirus, Campinas: 2003.

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importância da escola como instituição socializadora da criança e do adolescente237.

Por conta disso, para que se possa assegurar o desenvolvimento saudável do ser

humano em formação, vale também observar a teoria de Hawkins, que trata da

relevância de se desenvolver técnicas de intervenções específicas pelas políticas

públicas, juntamente a instituição (família, escola e a comunidade) que está

afetada.238

Já para Trindade, “a conduta delinqüencial é produto de um controle social

ineficiente, de socialização frustada por pais desinteressados, fracasso escolar, falta

de perspectivas profissionais e um sistema legal duvidoso”239.

Para Calligaris, a delinqüência tem relação com a adolescência, muito embora

poucos sejam os adolescentes que se tornam delinqüentes, pois pelo fato de o

adolescente não “ser reconhecido dentro do pacto social tentará ser reconhecido

fora ou contra ele”, mesmo que como um pacto alternativo do grupo240.

Em contrapartida, o resultado é que a dimensão do outro desaparece e a

perspectiva de uma vida em comunidade e de propósitos humanos se deteriora no

conjunto da vida social241.

Além de tal observação, as ações não-violentas242 também precisam estar

norteadas por ações de não-cooperação. Essa análise se assenta da seguinte

maneira:

237 COSTA, Marli M. M. Políticas Públicas de Prevenção da Delinqüência Juvenil. In:___. Direito, Cidadania e Políticas Públicas. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006, p. 10. 238 COSTA, Marli M. M. Políticas Públicas de Prevenção da Delinqüência Juvenil. In:___. Direito, Cidadania e Políticas Públicas. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006, p. 10. 239 TRINDADE, op. cit., p.103. 240 CALLIGARIS, op.cit., p.41. 241 FEFFERMANN, op.cit., p. 167. 242 CLARET, op.cit., p. 20. Os antropólogos revelaram grande diversidade cultural entre as sociedades humanas, o que inclui atitudes e comportamentos totalmente contrários em relação à violência e à não-violência. Não fosse por essa diversidade seria difícil evitar a conclusão de que a natureza humana é mais violenta do que não-violenta. Muitas pessoas aceitam essa conclusão. Essa visão influencia não somente aquilo que é feito, mas também a forma como interpretamos aquilo que acontece. A conclusão de que os seres humanos são basicamente violentos e, contudo, uma distorção da realidade, porque se supõe que a civilização ocidental esteja inclinada à violência. De fato, quando em nossa sociedade as pessoas se confrontam com situações de violência traz obviamente grandes desvantagens e onde a evidência significativa mostra que existem alternativas não-violentas, um grande de número de pessoas ainda dirá que crê ser necessária a violência –

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numa sociedade, aquilo que faz a força das injustiças da desordem estabelecida é a cumplicidade, isto é, a cooperação voluntária ou passiva da maioria dos cidadãos com as ideologias, instituições, estruturas, sistemas, regimes e leis criam e mantêm essas injustiças. A resistência não-violenta visa romper essa cumplicidade por meio da organização de acções coletivas de não-cooperação 243.

Em outros termos, é preciso não-cooperar com a violência e com isso agir de

forma não-violenta. Além disso, os atos comunicativos se concretizam quando o

esclarecimento dos homens se dá pela instauração da paz e da resolução de

conflitos. Logo, “a estratégia da acção não-violenta quer suplementar mecanismos

de regulação de conflitos susceptíveis de os neutralizar e de os fazer evoluir para

uma solução pacífica”244.

Ao se mencionar a necessidade de resolução de conflitos e de enfrentamento

da delinqüência juvenil com ações sociais já referidas por Habermas, localiza-se no

seu centro a figura de um adolescente que pelos atos agressivos ou violentos quer

ser reconhecido e construir uma identidade no cenário social245.

Então para que se possa concretizar o princípio da não-violência com relação a

delinqüência juvenil, deve-se buscar a sua inserção com a prevenção desse

fenômeno, seja na escola, na família e principalmente na comunidade. Em outras

palavras a construção sugerida por Costa para tal interface preventiva mostra ser

uma possibilidade coerente e interessante de ser observada246.

2.4 O caráter instrumental do discurso dominante

A trajetória do adolescente, que esbarra na legislação quando do cometimento

do ato infracional, apresenta um discurso em voga está um tanto distante do

paradigma emancipatório247.

recorrendo à convicção própria mais do que à evidência. Esse preconceito quanto à tendência à violência também pode contribuir ao não-reconhecimento da viabilidade da ação não-violenta. 243 MULLER, Jean- Marie. O princípio de não-violência. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p.91 244 MULLER, op. Cit.,1995, p.87. 245 FEFFERMANN, op.cit. p.184. 246 COSTA Marli M.M Direito, cidadania e políticas públicas.In: Marli M.M. da Costa (org.) Políticas Públicas de prevenção da delinqüência juvenil Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006. p.10. 247 RAMIDOFF, op.cit., p. 67.

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Entretanto, de se ter cautela, ao se tentar justificar a produção social de atos

infracionais ou violentos, frutos da delinqüência pela estrutura psíquica, pela

hereditariedade ou genética e pela família em condição de vulnerabilidade social,

pois pode se estar querendo ocultar as reais origens decorrentes de fatores

históricos, sociais e políticos. Portanto, desse modo, está se legitimando a

desigualdade social e a violência248. Do mesmo modo, para refletir sobre o discurso

de reprodução social, que paira sobre os atos violentos e infracionais, eis a seguinte

reflexão:

[...] até que ponto se pode responsabilizar um ser humano por sua constituição genética, seu desenvolvimento cerebral, sua infância traumática ou seu ambiente social com poucas oportunidades? Não teríamos de pensar assim também em relação à tendência à violência resultante de tais fatores?[...] a responsabilidade sobre os próprios atos pode ser totalmente imputada a uma pessoa? Faz sentido conjecturar que um criminoso poderia ter optado contra a violência se de fato quisesse ou se tivesse tido oportunidades diferentes? A suposição de que ele seria capaz de tal escolha, apesar de todos os condicionamentos psicobiológicos e sociais, causa grande polêmica entre psicanalistas, psicólogos, médicos, criminalistas e filósofos249.

Embora os atos violentos não sejam tolerados coletivamente, e para proteger a

coletividade seja necessária a prevenção e adoção da responsabilização com

medidas como a de privação de liberdade250, há de se considerar que ainda muito se

tem a investigar sobre os fatores potencializadores e de risco que influenciam os

atos violentos, e aqui nesse caso, o ato infracional. Contudo, o que importa de

imediato para compreender a complexidade que cerca essa seara que além do

direito, é associar-se as áreas afins para se propor um caminho de trajetória não-

delitiva. Ademais mesmo que o adolescente incorra em erro, esse deve ter

assegurada a sua condição de pessoa em desenvolvimento, logo também sujeito de

direitos.

A expressão “sujeito de direitos” significa ou realmente quer dizer o quê? Que

estratégia ou objetivo quis alcançar o legislador com o seu discurso jurídico? Veja

bem, não se quer duvidar e nem deixar de reconhecer as crianças e adolescentes

248 FEFFERMANN, op.cit., p. 185. 249 STRÜBER; LÜCK; ROTH, op.cit., p.45. 250STRÜBER; LÜCK; Gerhard. Op.cit., p.45

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como tais. Pelo contrário, se quer refletir sobre a linguagem, bem como sobre até

que ponto eles são efetivamente considerados sujeitos, e não coisas.

Para Foucault, as instituições são instituições de seqüestro, pois retiram os

indivíduos da família e do seu local de convívio e os internam durante um

determinado tempo, para moldar suas condutas, utilizando da disciplina para

docilizar seus corpos, de maneira que possam retornar a sociedade e se tornarem

produtivos. A disciplina é um instrumento de dominação e controle destinado a

suprimir e controlar os comportamentos antagônicos251. O adolescente em conflito

com a lei, ao cometer um ato infracional gravíssimo, como por exemplo, homicídio,

recebe uma medida socioeducativa de privação de liberdade, então é encaminhado

à FASE (Fundação de Atendimento Socioeducativo), que nada mais é que uma

instituição do Estado.

Rosa explica que:

Os programas de Execução de medidas socioeducativas deveriam ter propostas de atuações claras, registradas, no sentido garantista e, se houver demanda, da autonomia. Mas acabam funcionando conforme a compreensão dos dirigentes ou dos profissionais envolvidos na sua execução, na mais ampla discricionariedade, intolerável democraticamente252.

Por sua vez, o adolescente em situações problemáticas, é rotulado,

estigmatizado, etiquetado e despersonalizado, sendo visto como uma coisa

descartável, que, ao cair dentro de uma instituição para o cumprimento de uma

medida socioeducativa, ele não recebe um tratamento que vincule responsabilização

com valorização e autonomia do sujeito.

Para Foucault:

A prisão, essa região mais sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de punir, que não ousa mais se exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica e a sentença se inscrever entre os discursos do saber. Compreende-se que a justiça tenha adotado

251 FOUCAULT, op.cit., 1996. 252 ROSA, op.cit., p. 229-230.

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tão facilmente uma prisão que não fora entretanto filha de seus pensamentos. Ela lhe era agradecida por isso. 253

Segundo Brancher, dentro da instituição o adolescente percorre o trajeto da

ressignificação, que apresentam as seguintes fases: a negação, a rebeldia, a

reinstalação, a depressão e a conexão254. Na negação, o adolescente tão-logo

recolhido a instituição, tende a minimizar ou negar a realidade, desconsiderando o

ato infracional como praticado e também pelo fato de estar internado. Na rebeldia

ele tenta fugir da instituição é agressivo com os outros e contra si próprio. Na

reinstalação há a busca pela associação em grupos, com o propósito de resgatarem

as regras da rua no ambiente interno. A depressão se dá quando o adolescente

percebe que está internado na instituição devido a uma sentença condenatória e a

conexão é o momento de introspecção, em que ele admite a realidade do fato e

suas conseqüências sem evasivas ou negações255.

Caso a instituição sendo a última alternativa para tentar socializar ou integrar o

indivíduo ao meio, seja utilizada, esta deverá adotar um plano pedagógico que

passe por essas fases. Caso contrário, continuará contribuindo para a coisificação

do sujeito. Complementa Foucault:

A penalidade de detenção fabricaria - daí sem dúvida sua longevidade - uma ilegalidade fechada, separada e útil. O circuito da delinqüência não seria o subproduto de uma prisão que, ao punir, não conseguisse corrigir; seria o efeito direto de uma penalidade que, para gerir as práticas ilegais, investiria algumas delas num mecanismo de "punição-reprodução" de que o encarceramento seria uma das peças principais. Mas por que e como teria sido a prisão chamada a funcionar na fabricação de uma delinqüência que seria de seu dever combater 256?

O Estado utiliza-se do discurso como estratégia de dominação e controle social,

quando diz que vai “ressocializar” o adolescente dentro de uma instituição de

privação de liberdade, sendo que não existem efetivas políticas públicas que

253 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 29. ed. Petrópoles: Vozes, 2004, p.214. 254BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.688. 255 BRANCHER, op.cit.,2006, p.688 256 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 29. ed. Petrópoles: Vozes, 2004, p.231.

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venham a justificar o seu discurso257. Salienta-se que o Estado ou as suas

instituições violentam o infante quando não possibilitam políticas públicas de

prevenção e de execução que estejam voltadas aos fatores desencadeadores, como

pobreza, exclusão social e que principalmente os vejam como sujeitos de direitos e

não como coisas.

Nas palavras de Saliba:

[...]o olho vigilante dos poderes constituídos sobre aqueles que, em conflito com a lei, possam representar qualquer tipo de ameaça social. Esse olhar furtivo passa a ser analisado como estratégia de controle disfarçada em educação ou reeducação do menor em conflito com a lei 258.

Como se nota, as instituições responsáveis pelos programas de execução de

medidas socioeducativas também são “instituições de seqüestro”, pois adotam como

estratégia de controle disfarçada a educação ou a reeducação do adolescente.

A institucionalização do adolescente tem força negativa e carga violenta de

estigma, pois em um ambiente que cerceia a liberdade desse indivíduo sem uma

proposta pedagógica e planejamento de inserção após o término do cumprimento da

medida não consegue assegurar a sua conscientização sobre o ato cometido. Nesse

espaço de esvaziamento e de dissolução do sujeito por estigmas, rotulações ou

etiquetamentos, a convivência com outros indivíduos projeta na sua estrutura em

formação mais valores que não condizem com a realidade social. Significa dizer que

esse processo vivenciado em um sistema prisional, que, para os menores de idade,

denomina-se FASE, traz repercussões negativas, distanciando-se do viés

pedagógico previsto pelo Estatuto.

257 FOUCAULT, op. cit., 1996, p.49. O discurso nada mais é do que a reverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos;Quer seja, portanto, em uma filosofia do sujeito fundante, quer em uma filosofia da experiência originária ou em uma filosofia de mediação universal, o discurso nada mais é do que um jogo, de escritura, no primeiro caso, de leitura no segundo, de troca, no terceiro, e essa troca, essa leitura e essa escritura jamais põem em jogo senão os signos. O discurso se anula, assim, em sua realidade, inscrevendo-se na ordem do significante. 258 SALIBA, op.cit., p.11.

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Como esclarece os autores:

“[...] Em inúmeros casos, a experiência do processo e do encarceramento produz nos condenados um estigma que pode se tornar profundo. Há estudos científicos, sérios e reiterados, mostrando que as definições legais e a rejeição social por elas produzida podem determinar a percepção do eu como realmente “desviante” e, assim, levar algumas pessoas a viver conforme esta imagem, marginalmente”259.

Em média, cada adolescente internado custa para o estado R$ 4 mil mensais,

podendo chegar a R$ 7 mil. Note-se que o gasto para manter o infante na medida

socioeducativa de privação de liberdade é oneroso para os estados. Além disso, o

investimento é ineficiente, pois a média de reincidência em atos infracionais é

de 40% . Ademais, outros problemas indicados nas 190 instituições do Brasil

demonstram o quanto está distante, ainda, da proposta de o Estatuto integrar o

adolescente que cumpriu a medida. Entre os principais problemas constatou-se que:

71% dos locais não têm espaço adequado para a prática de esportes ou de convívio;

falta de higiene, escassez de água e luz natural, infiltrações, falta de dormitórios,

existindo casos de adolescentes que dormem no chão molhado e sujo, existência de

alas de isolamento como método de “castigo necessário”, precariedade na prestação

de serviços com educação. No nível fundamental, 99% das unidades oferecem aos

internos, já no ensino médio, apenas 37% fora oferecido260.

Nesse contexto, é perfeitamente visível o descaso com os infantes e a

inoperância do Estado, da família e da comunidade com a realidade desses jovens

que estão em cumprimento de uma medida. Além disso, há a fragilidade da

cidadania nos dois extremos, seja do adolescente que não a tem reconhecida,

podendo ser denominada: cidadania denegada; seja das demais pessoas na

sociedade que não participam democraticamente nas decisões que sejam de

interesse coletivo, isto é, não discutem as políticas públicas, que priorizem as suas

crianças e adolescentes.

259 HULSAMAN; BERNAT. op.cit., p.69. 260 RIO GRANDE DO SUL. Assembléia Legislativa. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Relatório Azul – garantias e violações dos direitos humanos; 2002/2003. Porto Alegre: Corag, 2003, p.39-40.

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Para tanto, mesmo que se possa acreditar na proposta de democracia

participativa, apresentada por Habermas, que conclama a necessidade de os atores

sociais debaterem sobre suas prioridades sociais na esfera pública, de modo que a

cidadania não se restrinja a um mero ato de votar, faz-se necessário, antes de

coadunar essa visão emacipatória, baseada na razão comunicativa, trazer também à

tona, o pensamento de Michel Foucault sobre o poder que se produz com os

discursos, muito embora, tais construções sejam distintas da concepção dada por

Habermas sobre os mesmos.

Portanto, para Foucault, nos enunciados dos discursos, sejam falados ou

escritos, estão no seu interior o poder, que se modifica de forma global. Além disso,

o poder não se dá exclusivamente pela repressão, pois se assim o fosse tornaria tal

noção inadequada, pois a repressão não dá conta do que existe de produtor no

poder. A esse respeito Foucault explica:

O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve−se considerá−lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir261.

Assim sendo, pode-se considerar que o discurso da modernidade se assenta

em algumas invenções, como os conceitos de sujeito, infância e adolescência na

tentativa de estabelecer liames e mecanismos de controle sobre o corpo social.

Ademais, oportuna os seguintes questionamentos postos:

[...] o poder está implicado no movimento e constituição dos sujeitos e das subjetividades – que permanecem ou que se transformam. Mas o que é o poder? Quais são os seus modos de legitimação? Que homens ele produz? Como as instituições e os códigos sociais conseguem manter e reproduzir a obediência? Como possibilitar a produção da autonomia e da emancipação262?

Ademais, a luta de Foucault assenta-se nos jogos de poder e jogos de relação

com o eu, ou seja, a subjetivação, que representam lutas de possível modificação no 261 FOUCAULT, Michel. A Microfísica do poder. Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2001, p. 08. 262 BAQUERO, Rute; KEIL, Ivete. É possível a emancipação social? Poder e empoderamento em Michel Foucault e Paulo Freire. In: BAQUERO, Marcello. (Org.). Capital social, desenvolvimento sustentável e democracia na América Latina. Porto Alegre: UFRGS, 2007, p. 195-221.

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espaço. Porém, a inversão do poder que produz “assujeitados” docilizados de

corpos dóceis e controlados, e que se mantêm porque permitem ser domesticados.

Logo, o indivíduo precisa compreender que o poder o constitui de maneira periférica;

que não há nenhuma possibilidade de exercício de poder sem que constituam

discursos de verdade universalizada, e, principalmente que ele permita -se

obedecer, deixando-se dominar263.

Embora Habermas afirme que existam dissimulações e distorções na

linguagem que o poder utiliza nas relações entre as pessoas e a sociedade, ele

considera que o poder é limitado. Nesse sentido não concorda completamente com

a visão de Foucault, pois, se assim o fosse, então tudo estaria acabado. Portanto,

por considerar a modernidade um projeto inacabado acredita que exista em meio a

tanta coisa negativa uma razão que possibilite aos homens discernimento e

entendimento para a construção de uma sociedade melhor264. Logo:

[...] ele procura apoiar seu pensamento esclarecedor numa teoria da racionalidade que abandona o purismo da razão pura, amparando-se numa razão comunicativa, situada historicamente, na praxis social, que é o lugar onde a razão poder ser mediada concretamente como seu “outro”. O esclarecimento passa a ser visto como um processo de argumentação, que tende reiteradamente à tarefa de mediação entre razão e não-razão, entre razão e a esfera do poder, da dominação265.

Enquanto os discursos sobre as políticas públicas de atendimento voltam-se na

prática para o cunho menorista e assistencialista, denegando a cidadania das

crianças e dos adolescentes, ficará evidente que o poder empregado é

eminentemente para o controle social. Portanto, as práticas assistencialistas e

excludentes, que disseminam os infantes, precisam ser desveladas e, de vez

,banidas, pois se tornam mais perversas e danosas quando estão encobertas por

falácias discursivas que buscam se valer da linguagem teórica da doutrina da

Proteção Integral. Do mesmo modo, pode-se dizer que essa estratégia de discurso

dissimulado caracteriza a ação não-social e instrumental, quando os mecanismos e

políticas são direcionados para o interesse de uma minoria, e não da coletividade.

263 BAQUERO; KEIL, op.cit., p. 208-209. 264 SIEBENEICHLER, op. cit., p. 21-22. 265 SIEBENEICHLER, op.cit.,, p. 22.

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Como ilustração dessa assertiva, as palavras de Ramidoff:

[...] Observa-se que os próprios índices de “criminalidade violenta” decorrente da conduta dos jovens sequer alcançam patamares superiores a 10% (dez por cento) da violência urbana ou mesmo da criminalidade considerada convencional. Os atos infracionais – ao que se tem denominado de ação conflitante com a lei, precisamente, para não estigmatizar o adolescente – praticados com violência contra a pessoa não alcançam o índice de 1% (um por cento), sendo certo que o índice percentual dos atos infracionais assemelhados ao tipo penal visto no art. 121, do Código Penal – homicídio – é de 0,16% daqueles referidos 1% (um por cento). Isto é, inexiste, pois, “criminalidade juvenil”,e, muito menos, “criminalidade juvenil violenta”, que justifiquem a adoção de medidas legais recrudescedoras da repressão e punição nos moldes do Direito Penal para jovens autores de ações conflitantes com a lei, as quais, na verdade, em sua grande maioria, circunscrevem-se a subtrações de reduzidos valores e bens, quando não, a atitudes – dimensão comportamental o próprias à fase de desenvolvimento da personalidade. Até porque, não é através da repressão-punição exercida pelo Direito Penal que se resolverá o problema da violência social266.

No sistema de justiça encontra-se um discurso que precisa ser desvelado, para

que a ação não-social instrumental existente em alguns procedimentos não

prevaleça e dê lugar a uma nova possibilidade de percepção de se resolver conflitos,

sem diminuir o indivíduo a res, como se a sua condição de sujeito de direitos e

cidadão, se extinguisse com o ato infracional.

2.5 A Gestão local de rede de atendimento e as Polí ticas públicas

socioeducativas

Ao se falar em política de atendimento, além da compreensão de que todas as

ações governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

bem como as não-governamentais, tenham por premissa proteger e assegurar

direitos das crianças e adolescentes, elas devem ser construídas em rede267.

Compreender uma política de atendimento também envolve definir e

estabelecer uma inter-relação com as políticas públicas em geral. Nesse aspecto,

define-se políticas públicas como a associação de respostas dadas pelo sistema

266 RAMIDOFF, op.cit., p. 190-191. 267 MARTINS, Daniele Comin. Estatuto da Criança e do Adolescente & Política de atendimento. Curitiba: Juruá, 2003, p. 51.

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político às necessidades públicas e sociais, que são apresentadas pelos diversos

atores políticos e sociais na esfera pública268. No que versa a implementação de

determinada política pública, três dimensões merecem ser observadas. A primeira

delas perpassa a necessidade e valor dado pelos atores envolvidos; a segunda

centra-se no poder do processo de decisão política, sua forma de distribuição como

fator também determinante no processo de decisão. E, por último, o grau de

pressão, a cobrança e a fiscalização, que estão sujeitos àqueles que deverão tomar

a decisão pública.

Nessa dimensão a política, é a policy: a política analisada no seu aspecto

material. Peculiarmente diz respeito aos resultados das decisões políticas sobre as

políticas públicas estabelecidas269. Além disso, a policy também tem dimensão

institucional, por referir-se ao sistema político e o politics, tem estrutura institucional

e processual, porque define e analisa a política. Nesse aspecto se torna conflituoso,

pois não é nada tranqüilo e fácil com tantas demandas sociais estabelecer quais

merecem prioridade, bem como partir de quais pressupostos para a sua

elaboração270.

Por conseguinte, “implementação” é a realização das propostas das políticas

públicas pelos mais influentes atores sociais definidas e tidas como prioritárias, pois

é necessário estabelecer prioridade diante de recursos públicos cada vez mal

utilizados271. Do mesmo modo, a formação das propostas se dá pela participação

dos cidadãos, que possuem diversos interesses e lutam pelo seu reconhecimento e

inclusão na agenda pública272.

Para as autoras, as políticas públicas são respostas criadas pelo Estado às

demandas sociais, que emergem da sociedade e do seu interior, além de

268 FREY, Klaus. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes á prática da análise de políticas públicas no Brasil. Disponível em: <http: www.ipea.gov.br/pub/ppp >. Acesso em: 10 ago. 2007. 269 Id.,ib. 270 Id.,ib. 271 Id., Ib. 272 CARVALHO, Alysson (Org.). Políticas Públicas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

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expressarem o compromisso público de atuação em uma área específica a longo

prazo273.

Seguindo a mesma linha, Dallari explica que:

As políticas públicas funcionam como instrumentos de aglutinação de interesses em torno de objetivos comuns, que passam a estruturar uma coletividade de interesses. Segundo uma definição estipulativa: toda política pública é um instrumento de planejamento, racionalização e participação popular. Os elementos das políticas públicas são o fim da ação governamental, as metas nas quais se desdobra esse fim, os meios alocados para realização das metas e, finalmente, os processos de sua realização274.

Note-se que os estudos sobre políticas públicas são bastante recentes,

existindo apenas abordagens contextualizadas e geralmente limitadas a um

determinado período, assim como carecem de embasamento teórico para se chegar

a um ponto específico e os resultados estudados e adquiridos 275. Outro aspecto,

que é perceptível no Brasil, é a falta de planejamento das políticas públicas,

acompanhado de pesquisas sérias que apontem como se deve investir os recursos

públicos. Geralmente, se fazem tais avaliações nos finais dos programas, apenas

observando as metas e os resultados atingidos. Logo, as dimensões e fases de uma

política pública precisam estar bem-organizadas ou planejadas, de tal maneira que

não deixem de incluir a responsabilidade pela aplicabilidade do recurso público

gerenciado pela Administração Pública276.

273 CUNHA, Edite da Penha; CUNHA, Eleonora Schettini. Políticas públicas sociais. In: CARVALHO, Alysson (Org.). Políticas Públicas. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003, p.12. 274 BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direitos humanos. In: BUCCI, Maria Paula Dallari et al. Direitos humanos e políticas públicas. São Paulo: Polis, 2001.(Cadernos Polis, 2). Disponível em: <www.polis.org.br >Acesso em: 23 set.2007. Assevera que se pode ‘[...] partir de uma definição provisória de políticas públicas como programas de ação governamental voltados à concretização de direitos. Considerando-se hoje a abrangência dos direitos fundamentais, que em sucessivos pactos internacionais, depois ratificados e internados nas ordens jurídicas nacionais, vêm sendo ampliados, a ponto de abranger hoje o direito síntese do desenvolvimento, deixo de separar dicotomicamente as políticas públicas das políticas públicas sociais. Para essa definição, mesmo as políticas públicas relacionadas apenas medianamente com a concretização de direitos, tais como a política industrial, a política energética etc., também carregam um componente finalístico, que é assegurar a plenitude do gozo da esfera de liberdade a todos e a cada um dos integrantes do povo. Portanto, toda política pública pode ser considerada, nesse sentido, ao mesmo tempo política social”. 275 FREY, Klaus. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes á prática da análise de políticas públicas no Brasil. Disponível em: <http: www.ipea.gov.br/pub/ppp >. Acesso em: 10 ago. 2007. 276 FREY, Klaus. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes á prática da análise de políticas públicas no Brasil. Disponível em: <http: www.ipea.gov.br/pub/ppp >. Acesso em: 10 ago. 2007.

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O somatório decorrente do princípio da Proteção Integral, relacionado a

implementação de políticas públicas, assegura a efetivação de direitos aos

adolescentes enquanto sujeitos e agentes de direitos. Significa dizer que o

reconhecimento da peculiar condição de desenvolvimento dos infantes, bem como

de que são destinatários dos direitos humanos e fundamentais, derivam e

condicionam a elaboração das políticas públicas277.

Em prol do interesse social na efetivação dos direitos dos infantes é que a

Constituição da República Federativa de 1988 impôs ao Estado, à sociedade e à

família o dever de proteção e garantia de tais direitos, por isso o seu chamamento a

participar na tutela jurisdicional como nas das políticas públicas, expressa no

parágrafo 7º do artigo 227 ao artigo 204 do mencionado diploma legal278. Saliente-se

aqui a relação imediata com o artigo 3º da Carta Política, pelo fato de se exercer a

cidadania participativa no enfrentamento das demandas sociais para que se consiga

assegurar aos infantes o princípio da dignidade da pessoa humana279.

Nas palabras de Guilló:

Y la participación esta ligada al concepto de ciudadanía, de aportación, de corresponsabilidade. Ahora bien, no es fácil dejar de ver a los jóvenes como parte del problema y pasar a verles como parte de la solución. Todavía hoy, nos fijamos más en la gracioso o curioso de las opiniones de ninõs y adolescentes, en lugar de tomar realmente en serio lo que dicen. Hay que construir un consenso social en torno a un nuevo concepto de ciudadanía que no excluya a los menores de edad. El concepto actual de ciudadanía - derivado de la revolución francesa: un hombre, un voto - debe transformarse para considerar que ser un ciudadano significa ser un miembro activo de su comunidad, participando activamente, en la medida de sus posibilidades, en la vida pública y trabajando por el bienestar comun. Ese nuevo concepto de ciudadanía permitirá asegurar que los niños y las niñas sean tenidas em cuenta, que puedan participar en su comunidad y tomar parte en los asuntos que sean importantes para ellos. Los niños, adolescentes y

277 MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os Direitos Humanos. Barueri : Manole, 2003, p. 139. 278MACHADO, op.cit., 2003, p. 140. 279 Ver também. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. , 22. ed .São Paulo: Saraiva., 2001.p.166. [...] embora a dignidade tenha um conteúdo moral, parece que a preocupação do legislador constituinte foi mais de ordem material, ou seja, a de proporcionar às pessoas condições para uma vida digna, principalmente no que tange ao fator econômico. Por outro lado, o termo “dignidade da pessoa” visa a condenar práticas como tortura, sob todas as suas modalidades, o racismo e outras humilhações tão comuns no dia-a-dia de nosso país. Este foi, sem dúvida, um acerto do constituinte, pois coloca a pessoa humana como fim último de nossa sociedade e não como simples meio para alcançar certos objetivos, como por exemplo, o econômico.

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jóvenes, aunque no voten, son ciudadanos con derechos y obligaciones, y como tales deben ser respetados280.

A sistematização das políticas públicas às crianças e os adolescentes passou

por mudanças conceituais correlatas, que descreveram e ainda descrevem o

sistema e a gestão de rede dos serviços de atendimento aos infantes. Com as

mudanças de paradigma é possível observar tais rupturas de natureza conceitual.

Na Doutrina da Situação Irregular, o caráter era filantrópico, o fundamento

Assistencialista, a centralidade local pautava-se no Judiciário, a competência

executória cabia a União e Estados, o aspecto decisório era Centralizador, o aspecto

institucional de ordem Estatal e a organização eram piramidais hierarquicamente281.

Em relação a teoria da Proteção Integral, o caráter é de política pública, o

fundamento deixa de se pautar no Assistencialista indo para o Direito Subjetivo, a

gestão local passa a ser do Município, o aspecto decisório é o Participativo; quanto

ao institucional, deixa de ser apenas Estatal em co-gestão a sociedade civil. E por

fim, a organização é em rede282.

O Estatuto da Criança e do Adolescente traz no seu bojo a preocupação e a

exigência de um atendimento inicial célere ao adolescente autor de ato infracional.

Conforme o artigo 88, inciso V, referido diploma legal, esse atendimento deve se dar

pela integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria,

Segurança Pública e Assistência Social, de preferência em um mesmo local283.

Com a Doutrina da Proteção Integral a gestão é local e em rede, o que visa a

participação popular nas políticas públicas pelos membros da comunidade. Pode-se

ainda considerar que tal posicionamento também encontra respaldo no princípio da

subsidiariedade.

280 GUILLÓ, Juan. La Convención sobre los Derechos del Niño. Derechos y Necesidades de la Infancia. In:PÉRES, Cristina Escobar; MAJADAS, Gaspar Sánchas y LÓPEZ, Teodoro Andrés (EDS.) Trabajo Social, família y mediación . Necesidades sociales en la infancia y derechos del niño. V Congreso Estatal de Estudantes de Trabajo Social. :Ediciones Universidad de Salamanca, oct. 2006, p.110. 281 BRANCHER, Leoberto Narciso. Visão sistêmica da implementação e da gestão da rede de atendimento projetada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.home>. Acessado em: 20jan2006. 282 BRANCHER, op.cit. 283 CRAIDY,op.cit., p. 37.

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Nas palavras de Custódio:

O princípio da participação popular visa estabelecer formas de participação ativa e crítica na formulação das políticas públicas garantindo instrumentos de fiscalização e controle, bem como, amparar as exigências da sociedade quanto à efetivação das políticas com qualidade e em quantidade adequadas, bem como, garantir espaços para denúncia nos casos de não oferecimento dos serviços ou oferecimento irregular. O princípio da participação popular tem suas origens no próprio processo de formulação do Direito da Criança e do Adolescente284.

No entanto, mesmo que o princípio da subsidiariedade não esteja explícito na

Carta política há quem considere o seu recepcionamento implicitamente no rol de

competências mencionados no artigo 30 do mesmo diploma legal, reconhecendo a

importância do município enquanto espaço local, assim ampliando suas

potencialidades de gestão de interesse público para aquela comunidade próxima 285.

Desse modo, poderá o município se articular adequadamente com a participação

popular direcionada ao melhor interesse da criança e do adolescente, para a

inserção de políticas públicas.

Como explica Baracho:

A subsidiariedade concretiza-se no Município, desde que o indivíduo não é um ser abstrato, mas concreto, onde aparece como cidadão, usuário, vizinho, contribuinte, consorciado e participante direto na condução e fiscalização das atividades do corpo político, administrativo e prestacional. Considerando o Município como uma forma da democracia local, convém destacar que uma das aplicações práticas e prioritárias do princípio de subsidiariedade tem como finalidade afiançar e fortalecer o regime municipal. 286

A noção de subsidiariedade serve como critério definidor das competências no

interior do próprio Estado e também serve para a ampliação das relações dos atores

284 CUSTÓDIO, op.cit., p.145. 285 HERMANY, Ricardo, et al., O princípio da subsidiariedade e o direito social de Gurvitch: a ampliação das competências municipais e a interface com a sociedade In: LEAL, G.; REIS J. R (Org.), Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005. p. 1406-1407. 286 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio de subsidiariedade. Conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.51.

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sociais no espaço local, pois os mesmos também são responsáveis pelas decisões

públicas287.

Como assevera Hermany:

Deve-se aproveitar a esfera local como estratégia capaz de manter canais permanentes e simplificados de discussão sobre políticas públicas, definindo-as e, principalmente, possibilitando o controle de sua execução. É o espaço local que permite uma discussão mais pormenorizada, com critérios factíveis para que o cidadão realmente seja inserido no processo de democratização da gestão financeira. Mas, para tanto, é preciso implementar algumas modificações no atual processo de realização de audiências públicas, inserindo regulamentos específicos capazes de aproximar de forma permanente e efetiva a sociedade do espaço público. Trata-se de uma redução de distância entre Estado e sociedade, sem que isto signifique uma cooptação dos atores sociais às políticas governamentais, razão pela qual se justifica ainda mais a construção de espaços de autonomização e manifestação espontânea da cidadania, que passa a adquirir um viés governante288.

Por isso, a implementação de políticas públicas de atendimento baseia-se na

observância ao princípio da descentralização político-administrativa, pois as mesmas

políticas devem ser controladas pela comunidade local.

Nos dizeres de Custódio:

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que: “Art. 86 - a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios”. Especificamente, em relação às políticas de assistência social, a própria Constituição Federal é clara e determina no art. 204: “I - descentralização político administrativa cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social”. A descentralização deve estar acompanhada de canais democráticos de participação popular, capazes de reivindicar a continuidade e permanência das ações neste campo289.

A organização do sistema de políticas públicas parte de três eixos. O primeiro

diz respeito às políticas básicas, que são mencionadas no artigo 227 da Carta

Política e reproduzidas pelo artigo 4 º do Estatuto. Nesse eixo, estão consolidados 287 BARACHO, op.cit., p.5. 288 HERMANY, Ricardo. (Re) discutindo o espaço local. uma abordagem a partir do direito social de Gurvitch. Santa Cruz do Sul: EDUNISC: IPR, 2007, p. 308. 289 CUSTÓDIO, op.cit., p.144.

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os Direitos Fundamentais à infância290. O segundo eixo é o das políticas públicas de

proteção especial preconizadas pelos artigos 101 c/c 129 § único e 34 do mesmo

diploma legal. E o terceiro, refere-se políticas socioeducativas conforme artigos 112

c/c 129 do referido Estatuto 291.

Nesse cenário, quando ocorre uma omissão estatal nos primeiros eixos de

políticas públicas, que são concomitantemente de proteção e prevenção, ainda resta

a tentativa de se fazer algo no terceiro eixo: o das políticas públicas socioeducativas

que são ações sociais direcionadas aos adolescentes autores de ato infracional que,

ao serem responsabilizados com alguma medida socioeducativa, deve o Poder

Público encontrar mecanismos que após o seu cumprimento, possibilite a sua

inclusão na sociedade. Para que isso se concretize, vale a seguinte frase: “O lugar

da criança e do adolescente não é na escola, nem na família. O lugar da criança e

do adolescente é no orçamento público da União, dos estados e dos municípios”292.

Para Costa:

A maior vantagem da municipalização das ações do Estado seria a adequação das políticas de atendimento preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente à realidade local. As relações entre o Estado e o cidadão, quando mantidas no âmbito municipal, são mais transparentes e permeáveis, ensejando uma mútua cooperação para a solução dos problemas.Para a implementar novas regras de proteção integral à criança, ao adolescente e à família, os setores conscientes e atuantes da sociedade em geral e das comunidades em particular precisam construir, junto ao poder público, regras e práticas objetivas que sirvam para orientar as mudanças necessárias. E quando os direitos fundamentais da família, da criança ou do adolescente estiverem ameaçados, devem movimentar o Estado para garanti-los293.

No entanto, o discurso precisa ser desvelado e as políticas públicas de

atendimento, destacando as políticas públicas socioeducativas, precisam ser

efetivamente implementadas. Para que isso ocorra, o Sistema de Garantias de

290 PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”. In:__ PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.14. 291 BRANCHER, Leoberto Narciso. Visão sistêmica da implementação e da gestão da rede de atendimento projetada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.home>. Acesso em: 20jan2006. 292 BORGIANNI, Elizabete ( Org.). Anais da V Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente: Brasília: COMANDA, 2003, p.23. 293 VERONESE; COSTA, op.cit. p. 186.

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Direitos tem de funcionar na sua plenitude. Tal enfrentamento envolve o

engajamento de todos os atores sociais e a comunicação em rede.

Portanto, a redefinição de atribuições governamentais e não-governamentais

previstas no Estatuto criou uma articulação em rede dos atores sociais para lidar

com a infância e a adolescência, seja na seara do município, do estado ou da União

denominada Sistema de Garantia de direitos294.

Em outros termos, o Sistema de Garantias diz respeito a educação, a saúde

pública, a Justiça, a Segurança Pública e a Assistência Social. Portanto, a co-gestão

dos atores sociais para que se assegure o que está previsto no sistema deve-se dar

no espaço local, ou seja, no Município. Como afirma Martins:

A municipalização do atendimento foi a principal alteração desse processo e vinculou-se à idéia de se buscar soluções dentro da própria comunidade com a participação de pessoas que participam da mesma realidade no cotidiano. Regeu-se, pois, sob os princípios da participação do cidadão e da exigibilidade pelas vias administrativas ou jurisdicionais de que as políticas públicas cumpram com o seu dever295.

Sob esse viés o Governo Federal elaborou em 2006 a política pública

socioeducativa denominada de Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

(SINASE) com o objetivo de inseri-lo como núcleo do Sistema de Garantias voltado

aos infantes. Logo:

Constitui-se de uma política pública destinada à inclusão do adolescente em conflito com a lei que correlaciona e demanda iniciativas dos diferentes campos das políticas públicas e sociais. Essa política tem interfaces com diferentes sistemas e políticas e exige a atuação diferenciada que coadune com a responsabilização (com a necessária limitação de direitos determinada por lei e aplicada por sentença) e satisfação de direitos296.

A idéia principal é que se abandonem parcialmente investimentos públicos em

construções de instituições para medida de internamento e se incentive os Estados

e os municípios com programas de medidas em meio aberto, pois além de reduzir

294 GIRADE, Halim Antonio; DIDONET,Vital (Coord.). O município e a criança de até 6 anos. Direitos cumpridos, respeitados e protegidos. Brasília, DF: UNICEF, 2005, p.12. 295 MARTINS, op.cit., p. 55. 296 BRASIL. Presidência da República. Secretaria dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos - Brasília-DF: CONANDA, 2006, p.23.

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custos são maiores as possibilidades de retorno para a sociedade, no sentido de o

adolescente estar próximo de sua família e conseguir inserção na comunidade297.

Com isso, a ideologia da institucionalização foi sabiamente abandonada e a intenção do estatuto passou a ser a manutenção do menor na família, buscando oferecer mecanismo de proteção ao indivíduo e do ambiente fundamental de seu desenvolvimento298.

Embora estejam surgindo algumas mudanças significativas, pelo menos

teoricamente, ainda há de se ter reservas quanto as propostas institucionais que se

propõem a enfrentar as situações problemáticas que envolvem adolescentes. Nos

tempos atuais, os discursos são restaurativos, de percepção do outro, de escuta; no

entanto, na prática social ainda se presenciam as idéias retributivas, de isolamento

do problema, de banimento, de aniquilamento e, conseqüentemente, castigo.

Nos dizeres dos autores:

Chamar um fato de “crime” significa excluir de antemão todas estas outras linhas; significa se limitar ao estilo punitivo – e ao estilo punitivo da linha sócio-estatal , ou seja, um estilo punitivo dominado pelo pensamento jurídico, exercido como uma distância enorme da realidade por uma rígida estrutura burocrática. Chamar um fato de “crime” significa se fechar de antemão nesta opção infecunda. Para mim, “não existem nem crimes nem delitos, mas apenas situações problemáticas . E sem a participação das pessoas diretamente envolvidas nestas situações, é impossível resolvê-las de uma forma humana299.

Sob essa ótica é que foi trazida à tona o outro modelo de justiça, a Justiça

Restaurativa, que tem sido defendida e aplicada aqui no Brasil na execução de

medidas socioeducativas. A proposta ressalta a relevância do princípio da Proteção

Integral, como também quer banir das práticas institucionais a retributividade e

diminuir os danos ocasionados também pela violência institucional e estrutural em

relação aos atores envolvidos: adolescente, vítima e a comunidade. Porém, há de se

atentar pela prática de linguagem não-punitiva, ao contrário, tal modelo será uma

falácia.

297 BRASIL. Op.cit., 2006, p.23. 298 MARTINS, op.cit., p. 53. 299 HULSAMAN,; BERNAT, op.cit., p. 99-100.

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A gestão local de rede prevê espaço para o compartilhamento de experiências

e políticas, como a política de Justiça Restaurativa aplicadas pela 3ª Vara do

Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre, responsável pela

execução das medidas socioeducativas. O Estatuto também reconhece esse tipo de

política como política pública de inclusão social, mesmo correndo o risco de ser uma

política compensatória. Significa dizer que se esse tipo de política for aplicado

isoladamente, sem conexão com as outras políticas que integram o Sistema de

Garantia de Direitos, será apenas uma política compensatória, com resultados

parciais300.

Para Veronese:

Inconteste o fato de que as políticas sociais compensatórias recaem sobre os efeitos, ou seja, sobre certos ‘desajustes’ sociais como falta de moradia, de emprego, de alimentação, de vestuário e outros, de sorte que as ações por ela realizadas desencadeiam produtos que acabam se diluindo no omento em que são acionados socialmente. Isso não significa que tais programas sociais sejam totalmente ineficazes e desnecessários. Diante da esmagadora realidade sócio-econômica em que vive a maioria da sociedade brasileira, as ações sociais são necessárias, mas é preciso admitir que tais políticas setoriais são limitadas, pois não conseguem atingir os elementos mais complexos da estrutura social que reproduzem e possibilitam o fluxo da marginalização301.

As políticas sociais compensatórias e as políticas como medidas de contenção

e controle, além dos elevados custos são limitadas ao atendimento de situações

emergenciais e os seus esforços acabam sendo concentrados nos resultados de

desigualdades302.

O locus da Justiça Restaurativa está no instituto da remissão e nas políticas

públicas socioeducativas que ensejam o desencadeamento da rede no espaço local,

pois também podem considerar as práticas restaurativas como uma reafirmação da

teoria da Proteção Integral e do princípio do melhor interesse para a criança. Além

disso, os princípios restaurativos servem para flexibilizar e humanizar as instituições

que trabalham com as crianças e os adolescentes.

300 CUSTÓDIO, op.cit., p.142. 301 VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de direito da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1997, p.185. 302CUSTÓDIO, op.cit., p.142.

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107

O Estatuto contém dispositivos que possibilitam juridicamente a recepção pelo

ordenamento jurídico, ainda que parcial303, do modelo da Justiça Restaurativa,

cabendo destacar o instituto da remissão e a criação de centros de atendimento

inicial integrado ao adolescente, previsto no seu artigo 88, inc. V, com a remissão

que em regra aplica-se a jovens primários que praticam atos infracionais

considerados leves. A tramitação do processo pode ser judicialmente dispensada

havendo acordo em que as partes, - adolescentes, vítima e familiares-, dispensem a

culpabilização formal mesmo que o infrator receba uma advertência formal,

reparação de dano ou uma das medidas socioeducativas em meio aberto, podendo

uma destas ser combinadas ainda, com medidas protetivas.

O ciclo do modelo se completa com a possibilidade dos pais e/ ou responsáveis

pelo adolescente assumirem formalmente compromissos de se submeterem a

qualquer uma das medidas do artigo 129 do Estatuto. E tal acordo pode ocorrer

antes ou durante o processo, com o Ministério Público de um lado e as partes

envolvidas em outro, devendo ser levada a homologação ou não judicial, que só

então valerá como sentença, formando título executivo para cumprimento na

execução das medidas.

Quanto às medidas socioeducativas, essas podem recepcionar as práticas

restaurativas, pois além de se propor um espaço de diálogo e escuta para os atores

sociais, tendo por premissa o distanciamento do discurso punitivo, tal procedimento

auxilia o magistrado em uma maior leitura da realidade ou do caso concreto que

envolve o adolescente, para fins, por exemplo, de progressão de medida. Pela

particularidade das medidas serem indeterminadas no tempo, o sistema carece de

interpretação não-punitiva; logo, as concepções de Justiça Restaurativa vêm

proporcionando relevantes “subsídios na depuração das convicções a respeito dos

objetivos e abordagens a serem priorizadas durante o atendimento socioeducativo”,

que anteriormente era obscuro e distanciavam-se do caráter sociopedagógico304.

303 DAMÁSIO DE JESUS. Justiça Restaurativa no Brasil . Consulex, Distrito Federal, n. 208 setembro 2005. p. 40-41. 304 BRANCHER, op.cit., 2006, p.688.

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No entanto, vale lembrar que a postura do Juiz da Vara da Infância e da

Juventude com a inserção da doutrina da Proteção Integral, deve se ater a defender

os interesses e direitos das crianças e dos adolescentes. Além disso, pode participar

de práticas que o aproximem mais da realidade do infante, porém, a sua função

social deve ser bem distinta da “figura do bom pai”.

A Justiça da Infância e da Juventude, pode ser propulsora de política de justiça

e instrumento de expansão da cidadania305como as práticas restaurativas, desde

que sob a égide da Proteção Integral, e o espaço público seja devidamente ocupado

pelos demais atores sociais, pelo fato de serem co-responsáveis pelas crianças e os

adolescentes.

No próximo capítulo será abordada a experiência da 3ª Vara do Juizado

Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre com a prática da Justiça

Restaurativa.

305 VERONESE, op.cit., 2003, p.442.

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3 A RECONSTRUÇÃO DA SOLIDARIEDADE DOS ATORES SOCIAI S A PARTIR

DO ESPAÇO LOCAL

“ Autor y víctima se han encontrado. Todos somos al mismo tiempo delincuentes y víctimas, pues el mundo es unidad. En este único munodo existen diferentes espacios de encuentro. No podríamos preguntarnos a la manera de Heidegger, ¿Cómo se puede disponer adecuadamente un espacio, para que brote de él, un lugar de encuentro?” ( Antonio Beristain)306

Para o enfrentamento de situações problemáticas ou a delinqüência juvenil no

município (diga-se aqui, espaço local) deve-se primar por políticas públicas que

envolvam a família, a comunidade e o Estado. Embora os fatores desencadeadores

da violência infanto-juvenil também sejam provenientes do cenário global é no local

que os esforços devem ser centralizados para a inserção e a proteção das crianças

e dos adolescentes no atual contexto de desigualdades e exclusões sociais.

No entanto, o espaço local não representa ser um espaço sem hostilidade e

isolado das conseqüências oriundas da globalização, por isso toda a experiência

que proponha desenvolver um trabalho sério e de mobilização social precisa estar

ciente da complexidade e da necessidade de reconstruir a solidariedade, como

também resgatar o sentido de comunidade.

Partindo dessa premissa propõe-se inicialmente a fazer uma abordagem que se

consolidou com observações e análises de dados coletados sobre as práticas

restaurativas na 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto

Alegre. Num primeiro momento relata-se o projeto “Justiça para o Século 21”,

ilustrando com dados coletados pelo Núcleo de Pesquisa da PUC (Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul) responsável pelo acompanhamento e

avaliação do programa. E por fim, analisa-se os dados utilizando-se dos conceitos

de ação não-social instrumental e ação comunicativa de Habermas. Além disso,

utiliza-se de outros conceitos como capital social e capital humano, assim como

306 Disponível em: <http://www.justiciarestaurativa.org/aroundla/chile/valparaiso> Acesso em: 29 nov. 2007.

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comunidade para deixar claro se por si só a Justiça Restaurativa configura-se como

política pública de inclusão social.

3.1 A experiência da Justiça Restaurativa em Porto Alegre

A 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre

elaborou em parceria com algumas instituições ligadas a rede de proteção e

atendimento da criança e do adolescente o projeto-piloto denominado “Justiça para

o Século 21”, que consiste na implementação do modelo da Justiça Restaurativa,

tendo como premissa maior romper com as práticas punitivas herdadas da Doutrina

da Situação Irregular e enraizadas na cultura patriarcal e assistencialista. Assim, se

propõe a mudança comportamental e de atitudes, de tal maneira que o agir

comunicativamente dos atores sociais, baseando-se na linguagem não-violenta,

ocasione transformações institucionais e estruturais para um melhor atendimento de

adolescentes.

A expressão “práticas restaurativas” é empregada para referir-se em geral às

diversas estratégias judiciais ou não que possibilitem aos envolvidos outra

abordagem como resposta à infração para a resolução do conflito. Saliente-se que o

procedimento adotado é o modelo dos círculos, baseado na experiência

neozelandesa na área da Infância e da Juventude.

O apoio ao trabalho é dado pela Associação de Juízes do Rio Grande do Sul

(AJURIS) e na Escola Superior da Magistratura é oportunizado um espaço dialógico

de discussões a respeito das práticas restaurativas para complementar as propostas

elencadas no Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069/90, sob a égide da

Doutrina da Proteção Integral ou também denominada paradigma emancipatório307.

Note-se que todo o paradigma propõe-se ao rompimento de antigos dogmas

e de visões reacionárias, que têm exclusivamente como objetivo legitimar a punição.

Mas com a Doutrina da Proteção Integral e o paradigma restaurativo, o que se

deseja é construir uma nova percepção sobre o adolescente, de tal forma que o

olhar seja focalizado para a responsabilidade e as necessidades dos atores sociais.

307BRANCHER, op.cit., 2006, p. 671.

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Desse modo, faz-se também necessária a ruptura dos discursos do poder que

encobrem a realidade social308.

Com relação a isso,

O Estado democrático, agente responsável pela promoção dos direitos humanos nas democracias modernas, tem papel importante a ser exercido na sociedade brasileira em especial, possuidora de um elevado grau de desigualdade social e de crescimento da violência. Essa realidade tende a se agravar com os efeitos da globalidade. No entanto, diante desse quadro, as instituições do Estado se eximem de sua responsabilidade na promoção dos direitos humanos e buscam a ordem social por meios que são legais, mas nem sempre legítimos309.

Embora existam discursos do poder que se voltem apenas aos interesses de

uma minoria e as instituições estatais em nome do “bom funcionamento” valem-se

do poder para legitimar a violência, a exclusão social e a estigmatização dos

transgressores sociais, não dá para generalizar e deixar de perceber as ações

sociais ousadas como as restaurativas, por parte dessas mesmas instituições que se

permitem por meio de alguns agentes transformadores, como juízes e operadores

da área da infância e juventude, rever alguns procedimentos com relação ao

adolescente autor de ato infracional, a vítima e a comunidade310.

Portanto, nesse cenário de reflexões, as diferentes atividades e os eixos de

aplicação do projeto são apoiados pelo Ministério da Justiça e pelo PNUD

(Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas), via outro projeto denominado:

“Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro”, e também

pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, a ciência e a

cultura) e pela Rede Globo, por meio do Programa “Criança Esperança”. Contam

ainda com o apoio operacional da Promotoria de Justiça e da Defensoria pública em

atuação na 3ª Vara, a FASE (Fundação de Atendimento Socioeducativo), que

executa as medidas socioeducativas privativas da liberdade; a FASC ( Fundação de

Assistência Social e Cidadania), órgão da assistência social municipal responsável

pela execução das medidas socioeducativas de meio aberto; a Secretaria Estadual

308 FEFFERMANN, op.cit., p.126. 309 FEFFERMANN, op.cit., p.127. 310FEFFERMANN, op.cit., p.127.

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de Educação; a Secretaria Municipal de Educação; e a Secretaria Municipal de

Direitos Humanos e Segurança Urbana, através da Guarda Municipal311.

Como se pode observar, vários são os órgãos envolvidos com a experiência

das práticas restaurativas em Porto Alegre, que têm seu eixo principal na 3ª Vara do

Juizado da Infância e Juventude responsável pela atribuição de execução de

medidas socioeducativas. Nessa dimensão, outras dez instituições ligadas à área da

infância e juventude também estão engajadas no projeto principal. Isso se consolida

com um protocolo formal entre as instituições, devendo oferecer recursos humanos

e, principalmente, o comprometimento para implementação das práticas da Justiça

Restaurativa na resolução de situações de violência que envolvem crianças e

adolescentes.

Dentro do contexto, o acolhimento da Justiça Restaurativa baseia-se em buscar

alternativas que contribuam à redução do dano de violência cultural, institucional,

presentes nas formas usuais de responsabilização dos adolescentes. Partindo desse

pressuposto são planejadas ações concretas que sirvam para humanizar os serviços

prestados pelo Sistema de Justiça, em conformidade com o Estatuto, como também

toda a resposta institucional não seja motivadora de outro ato de violência, ao

contrário, que contribua com seu papel social na redução da violência. Por isso, as

práticas restaurativas devem ser utilizadas como procedimento de ressignificação

das medidas socioeducativas312.

Em decorrência disso, torna-se imperativo, para a aplicação e o cumprimento

de qualquer uma das medidas dispostas no artigo 112 do Estatuto, que seja

estabelecida uma proposta socioeducativa que favoreça, através de estratégias

pedagógicas transdisciplinares, o desenvolvimento pessoal pelos valores humanos e

a constituição da dignidade da pessoa humana pelo respeito e pela solidariedade

afetiva pelo outro313.

311 BRANCHER, op.cit., p. 677. 312BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007. 313 RAMIDOFF, op.cit., p.82.

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113

3.1.1 A Central de Práticas Restaurativas como espa ço dialógico

No início de 2006, deu-se a criação da “Central de Práticas Restaurativas”

(CPR), com o propósito de desenvolver as práticas restaurativas em processos

judiciais que são oriundas do sistema de atendimento do ato infracional, junto ao

CIACA – Centro Integrado de Atendimento da Criança e do Adolescente, onde se

encontra o Projeto Justiça Instantânea-JIN, em Porto Alegre, representando a

atuação integrada entre o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Delegacia

Especializada da Criança e do Adolescente - DECA314. A esse respeito:

A maior parte dos encaminhamentos tem ocorrido nos processos de conhecimento, provindos da audiência inicial de apresentação (equivalente ao interrogatório do processo criminal). Nesse momento o juiz pode suspender a audiência e encaminhar o caso ao círculo restaurativo, cujo acordo poderá subsidiar a aplicação da medida em prosseguimento, ou desde logo ajustar genericamente a medida, encaminhando ao círculo para, já sob a competência do juízo do processo de execução, serem melhor especificados os compromissos a serem abrangidos no cumprimento da medida. Também na audiência de instrução poderá tornar-se oportuno o encaminhamento, especialmente porque este será o momento do contato do juiz com a vítima. Especialmente nos fatos de maior impacto psicológico, como por exemplo em roubos, esse momento, que em regra sucede algumas semanas após a ocorrência, pode se afigurar emocionalmente mais propício para abordagem da vítima – preferencialmente depois da sua oitiva pelo juiz, até então, nesses casos, mantendo-se os moldes do processo convencional. Também nos processos de execução de medidas sócio-educativas são originados casos para atendimento em círculos restaurativos, em regra nos casos de adolescentes privados da liberdade e em razão da identificação de peculiaridades que o tornam propício para o procedimento, o que se verifica nas audiências de revisão (semestrais) da medida. Além destes, alguns outros casos, ainda poucos é verdade, também já têm sido encaminhados para os círculos diretamente pela promotoria, mediante exclusão do processo (procedimento diversório)315.

Pelo fato de a adolescência ser a fase das transformações psicossociais e do

abandono da identidade infantil na busca pela emancipação enquanto sujeito

pertencente a uma comunidade, o diálogo como método de contato e compreensão

de tais mutações, desde as que passam pela transgressão é primordial e

significativo para a retomada de posições e a devida construção de conexões. Dito

de maneira diversa, na visão de Velluza, “o diálogo permite romper com o mundo

das ilusões e construir a estrutura simbólica necessária”316.

314 BRANCHER, op.cit., 2006, p. 677. 315 BRANCHER, op.cit., 2006, p.678. 316 VEZZULA, op.cit., p.35-36

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Dentro desse contexto, o procedimento restaurativo decorre de três etapas

distintas: pré-círculo (preparação); círculo (realização do encontro) e pós-círculo

(acompanhamento). Saliente-se que os atores sociais (vítima, ofensor e

comunidade) são relevantes para a realização dessas fases. Além disso, os

coordenadores (geralmente assistentes sociais) serão responsáveis pelo

desenvolvimento do procedimento. Portanto, no pré-círculo os coordenadores se

apropriam do caso, inteirando-se de todas as informações necessárias para se ter

clareza dos fatos317.

O procedimento restaurativo contempla todas essas etapas de maneira

vinculada e interdependente, pois a divisão em etapas é apenas de natureza

didática e operacional. Nenhuma das etapas deve ser extinta, pois tem relevância na

prática propriamente dita.

Note-se que o pré-círculo é uma fase preliminar que tem por finalidade

aproximar e preparar as partes envolvidas para o dia do círculo, procurando fixar o

encontro dos atores nos fatos e evitando uma discussão desgastante sobre o

conflito. Ademais, é apresentado aos envolvidos o resumo dos fatos e como se dará

o círculo, em data e local definidos pelos coordenadores que são técnicos da justiça.

Aliás, todo o trabalho desenvolvido por eles é devidamente documentado. (Ver

ANEXO guia de procedimentos restaurativos)318.

Diga-se de passagem que:

Além do ofensor e da vítima, e das pessoas espontaneamente indicadas por eles para participarem do círculo, o Coordenador pode estimulá-los a fazer outras indicações ou indicar ele próprio outras pessoas cuja presença considere importante. Os convidados podem ser listados como apoiadores (pessoas do relacionamento afetivo dos envolvidos, como parentes, amigos, empregadores, etc) ou como referências comunitárias (líderes comunitários ou religiosos, policiais, testemunhas, professores e outros profissionais relacionados às pessoas e/ou ao caso). Inicia pelo ofensor, o que evita a frustração da vítima que já tenha consentido, caso depois o ofensor se recuse. No que se refere ao ofensor e à vítima, o convite é feito mediante contato pessoal (reuniões pré-círculo), para o qual se recomenda a mobilização e presença dos apoiadores. São prestados esclarecimentos sobre o projeto, sobre a JR, funcionamento do círculo, participantes,

317 BRANCHER, op.cit.,2006, p. 686. 318BRANCHER, op.cit.a 2006, p. 686.

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expectativas, efeitos. Confere-se o resumo dos fatos, marca-se a data, horário e local para o círculo319.

Em síntese, o pré-círculo é a fase preparatória, em que a equipe responsável

pela prática restaurativa do Juizado realiza os contatos e os convites e fornece

orientações sobre o que será desenvolvido na próxima fase, o dia do círculo.

Pranis define o círculo como:

Un proceso que reúne a personas que desean resolver un conflicto, reconstruir vínculos, sanar, brindar apoyo, tomar decisiones o realizar otras acciones en las cuales la comunicación honesta, el desarrollo de los vínculos y el fortalecimiento comunitario son parte esencial de los resultados esperados320.

O círculo é caracterizado pela reunião, em um determinado lugar, o

coordenador, a vítima, adolescente e familiares ou amigos das partes principais que

exercerão concomitantemente o papel de comunidade. Nesse encontro, em que as

partes ficam sentadas em círculo, o principal objetivo está na proposição de acordos.

E mesmo que a vítima não compareça, admitem-se outras formas de manifestação

de sentimentos (gravação em fita, vídeo, carta etc.) Em última instância, o acordo é

consignado em termo. Essa etapa é delimitada por quatro momentos distintos. No

primeiro momento, o foco é a vítima que fala sobre os seus sentimentos e as

necessidades atuais dos fatos. Em ato contínuo, o ofensor diz o que ouviu a vítima

falar. Depois ela confirma se foi ou não compreendida pelo ofensor. Logo após, pode

se manifestar a respeito as pessoas da comunidade de apoio da vítima321.

No segundo momento, o foco é o ofensor que também manifestará seus

sentimentos e suas necessidades atuais decorrentes dos fatos. Em seguida, o

coordenador pergunta à vítima o que ela ouviu o ofensor relatar. Depois o ofensor

confirma se foi ou não compreendido pela vítima. E, por fim, podem também

319 BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007. 320 PRANIS, Kay. Justiça Restaurativa. Manual para facilitadores de círculos. San José, Costa Rica: CONAMAJ, [s.d.], p.7. 321 BRANCHER, op.cit. 2006, p. 686.

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externar os seus atos de fala a respeito dos fatos as pessoas da comunidade de

apoio ao ofensor322.

Por conseguinte, o terceiro momento é direcionado aos fatos. Nessa ocasião, o

ofensor fala sobre as necessidades que estava procurando atender no momento em

que praticou os fatos (o ato infracional). A vítima diz o que ouviu o ofensor externar

verbalmente e o mesmo confirma se foi compreendido. Em seguida, podem falar a

respeito as pessoas das comunidades de apoio. E o quarto momento diz respeito ao

acordo.

Nas palavras de Brancher e Aguinsky:

Essa etapa é introduzida fazendo um resumo das anteriores, mediante a recapitulação das necessidades não atendidas manifestadas pelos participantes. A seguir, o coordenador encorajará os participantes a fazerem propostas para um provável acordo que lide com as necessidades antes registradas, para assegurar a reparação ou compensação das conseqüências da infração, e para que o fato não se repita: o ofensor fala se existe alguma coisa que ele poderia dizer ou fazer para a vítima. A vítima fala se aceita. A vítima fala se existe alguma coisa que poderia dizer ou fazer para o ofensor. O ofensor fala se aceita. As comunidades de apoio falam se há alguma forma de contribuir e apoiar no que foi proposto pelo ofensor e vítima323.

Os resultados do círculo (notícia sobre sua realização, relatório de conteúdo e

documentação do acordo) devem ser comunicados pelo coordenador à pessoa

responsável (juiz, diretor, técnico, etc.) pelo encaminhamento do caso ao

procedimento restaurativo. Por fim, no pós-círculo, o coordenador deverá manter

contato com as partes envolvidas a fim de observar se as tarefas estipuladas

durante o acordo foram ou não cumpridas. Ademais, nos casos judiciais, quando o

acordo contemplou a aplicação de medida socioeducativa, o acompanhamento

posterior será realizado pelo técnico da medida. Portanto, a função do coordenador

é verificar se o atendimento está sendo efetivado e acionar o Sistema de Justiça,

quando constatar qualquer alteração. Salienta-se que todos os procedimentos e 322 BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007. 323 BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.

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acompanhamentos realizados pelo coordenador deverão ser informados, via

relatório complementar, e que se o acordo deixar de ser cumprido, uma nova

avaliação sobre o caso será feita pelos responsáveis pelo encaminhamento. Entre

as soluções possíveis, podem-se decidir pela realização de novo círculo

Restaurativo, pela realização de um círculo familiar e pelos encaminhamentos

convencionais324.

Como assevera Pranis:

Las diferentes funciones de los círculos les dan su nombre, círculos de diálogo, círculos de sanación, círculos de planificación, círculos de sentencia, círculos de celebración, siendo “círculos de paz” el de uso más genérico, así como el que se utiliza para denominar los círculos para la solución de conflictos. Los “Círculos” presentam una alternativa a los procesos comúnmente utilizados para resolver conflictos y relacionarse, los cuales muchas veces se fundan en la jerarquía y aplican enfoques bidimensionales, como el de ganarperder, víctima-salvador, inclusión - exclusión, blanco-negro. Aunque que los círculos tienem su origen en las tradiciones nativas y aborígenes de Nueva Zelandia y Norte América, principalmente, son comunes y han sido utilizados por gran parte de las comunidades indígenas del mundo. Los círculos congregan a las personas de manera tal que se genera confianza, respeto, intimidad, buena voluntad, sentido de pertenencia, generosidad, solidarieda y reciprocidad entre ellas. Es un proceso que no trata de cambiar a los otros, siendo más bien una invitación para cambiar una misma y su relación con la comunidad; entendiendo por comunidad, la familia, el grupo de trabajo, la junta escolar, la iglesia, o la asociación de vecinos. Los círculos tienen mecanismos para crear un espacio “sagrado” que derriba las barreras entre las personas, abriéndoles nuevas posibilidades de relacionarse, de colaborar y de comprenderse mutuamente325.

Segundo Damásio, o consenso é o pressuposto fundamental da Justiça

Restaurativa que adota o círculo restaurativo como procedimento nas suas práticas,

pois pressupõe um acordo livre e consciente entre as partes envolvidas no conflito.

Ao revés, caberão as partes recorrer aos procedimentos tradicionais da justiça. 326

Como bem esclarece Pranis:

O problema, com relação ao crime diz respeito à geração de oportunidades para entender e praticar a democracia na comunidade de uma nova maneira. Já está claro que a criação de comunidades segurar exige o

324 BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007. 325 PRANIS, op.cit., p.8. 326DAMÁSIO DE JESUS. Justiça Restaurativa no Brasil. Disponível: <http://www.mundojuridico.adv.br.> Acesso em: 04 dez. de 2007.

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envolvimento ativo dos cidadãos. Exige uma retomada do envolvimento de todos os cidadãos no processo de determinar normas compartilhadas, considerá-las como sendo da responsabilidade de todos e determinar a melhor forma de resolver violações, de um modo que não aumente o risco à comunidade. Diversos processos originados nas culturas indígenas e adotados pelo movimento da justiça restaurativa usam decisões consensuais e permitem que todos participem nas decisões. Duas características levam o nosso conceito de democracia a uma nova fronteira: 1) a inclusão de todas as partes com interesse no resultado; 2) decisões consensuais. Os processos consensuais empoderam a todos. A conquista do consenso exige que um grupo dê atenção aos interesses daqueles que normalmente não detêm o poder. As decisões precisam representar todos os envolvidos; caso contrário, não haverá consenso. Os processos consensuais têm potencial para resultados mais fundamentalmente democráticos, uma vez que todos os interesses devem ser levados em consideração.327

O consenso visado no círculo restaurativo é um exercício de cidadania ativa e

de comprometimento social com os conflitos, pois permite a possibilidade de

empoderamento e tomada de decisões.

Portanto, em pequenos espaços como esses construídos pela Justiça, através

de ações políticas, mesmo que experimentais, a conexão do diálogo intersubjetivo é

uma esperança:

Cada participante do círculo é incentivado a recorrer à sua experiência de vida para auxiliar no entendimento do problema e gerar possíveis soluções. Cada história de vida tem relevância para a descoberta de uma solução que facilite a recuperação de todos aqueles afetados pelo crime. Discussões circulares sobre crimes individuais muitas vezes transformam-se em problemas mais amplos da comunidade. O círculo oferece um fórum, que opera sobre os princípios centrais da democracia - inclusão, igualdade e respeito328.

Destaca-se, ainda, que o círculo restaurativo no âmbito dos processos judiciais

é determinado pela via judicial, normalmente em audiência, com concordância das

partes (defesa e MP), sendo a situação encaminhada para a equipe avaliar a

possibilidade de instauração dos procedimentos restaurativos, iniciando com pré-

círculo e com concordância das partes, realizando o círculo, e acompanhando o

acordo no pós-círculo. Participam do círculo, além do coordenador, representante da

equipe, um co-coordenador, também representante da equipe, o ofensor, a vítima e

327 PRANIS, Kay. Justiça restaurativa: revitalizando a democracia e ensinando a empatia. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.584-585. 328 PRANIS, op.cit.,2006, p. 585.

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119

os apoiadores que eles indicaram e gostariam de contar no momento do círculo.

Eventualmente, também participam representantes da rede de atendimento,

dependendo da particularidade da situação329.

A Central de Práticas Restaurativas representa a consolidação de um espaço

dialógico de aplicação de Justiça Restaurativa em processos judiciais junto ao

CIACA – Centro Integrado de Atendimento da Criança e do Adolescente330. Além

disso:

É um espaço destinado à aplicação prática, testagem e avaliação das práticas restaurativas, bem como à capacitação em serviço dos atuais e novos Coordenadores de Círculos Restaurativos. Os casos envolvendo infratores e vítimas e respectivos apoios são triados e encaminhados para realização de Círculo Restaurativo como etapa inicial do processo de execução da medida sócio-educativa, imediatamente após a sua aplicação, ou seja, em regra imediatamente ou poucos dias após a ocorrência da infração. Também são encaminhados para a Central de Práticas processos suspensos, sem medida ainda aplicada, para que, através das práticas restaurativas, sejam sugeridas formas pertinentes de responsabilização que serão apreciadas judicialmente331.

Ressalta-se ainda que, antes de iniciar o processo judicial, a Promotoria de

Justiça pode fazer o encaminhamento direto de casos à Central de Práticas

Restaurativas. Iniciado o processo, o encaminhamento pode ocorrer em qualquer

fase do processo de conhecimento (JIN, 1ª e 2ª Varas) ou do processo de execução

(3ª Vara)332.

Os responsáveis pela realização dos círculos restaurativos adotam algumas

providências para melhor organização do trabalho em equipe. Inicialmente registram

a origem do processo, o ato cometido pelo adolescente, as medidas socioeducativas

que ele está cumprindo, a data da primeira audiência, a data que efetivamente o

329 BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007. 330BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006. 331BRANCHER; AGUINSKY. In: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007. 332BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006.

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120

caso foi distribuído para o coordenador, o prazo estipulado pelo juiz para a entrega

do relatório do círculo e a situação em que se encontra o caso como: não iniciado

(distribuído mas não acionado), pré-círculo contatos (trabalho iniciado sem

entrevistas), pré-círculo entrevista ( na fase de visita aos envolvidos) pré-círculo

completo (quando toda a fase foi concluída, informando quem não aceitou e os

motivos da não continuidade), círculo familiar sem a presença da vítima e círculo

restaurativo com a presença da vítima, informando a data. E o pós-círculo também

lançando a data da realização333.

A seguir serão apresentados e analisados os dados fornecidos pela 3ª Vara do

Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre.

No ano de 2005, 100 casos sofreram avaliação para verificar as condições de

serem incluídos no processo restaurativo. Dessa avaliação resultaram apenas oito

círculos restaurativos e todos resultaram acordos total ou parcialmente cumpridos.

Aliás, apenas um caso com acordo não cumprido. Diversos foram os motivos que

dificultaram a realização de círculos nos demais casos, entre eles: localização das

partes, à não - aceitação das partes em participar, condições desfavoráveis de

saúde dos convidados, negativa de autoria do adolescente, sofrimento psíquico do

adolescente, e o temor da vítima em participar334.

Na figura 1 estão ilustrados os atos infracionais praticados por adolescentes

no ano de 2005 totalizando os 97 casos impulsionados para CPR foram distribuídos

da seguinte maneira: furto (22), roubo (33), latrocínio na forma tentada (01),

atentado violento ao pudor (03), estupro (01), porte ilegal de arma (05), ameaça (06),

lesões corporais (11), dano (08), perturbação ao trabalho (01), corrupção de

menores (01), condução de veículo sem habilitação (2) e não informado (3)335. Note-

se que o maior índice de ato infracional cometido está no roubo, no furto e lesões

corporais, ou seja, crimes contra o patrimônio e a pessoa. 333 BRANCHER, Leoberto. Justiça, responsabilidade e coesão social. Reflexões sobre a implementação na Justiça da Infância e da Juventude em Porto Alegre. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006. 334 BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007 335 BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.

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121

Furto

Roubo

Lesões C.

Dano

Porte ilegal deArmaAmeaça

Corrupção de m.

condução deveículos sem hab.

Figura 1. Atos infracionais cometidos por adolescentes em 2005 Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre

Na figura 2 estão ilustrados os oito círculos restaurativos que foram realizados

no início do projeto “Justiça para o Século 21”. Saliente-se que três círculos

envolviam ato infracional de roubo, dois de dano, dois de furto e um de lesões

corporais. Resultaram nesses círculos os seguintes acordos: ressarcimento em

dinheiro da metade do prejuízo da vítima, compromisso do adolescente em realizar

tratamento psiquiátrico e em conversar ao invés de agredir, compromisso do

adolescente em não cometer novos atos infracionais e manter convivência pacífica

com a vítima, pedido de desculpas a vítima e seus pais; compromisso com sua mãe

em não repetir o ato, compromisso de obedecer aos pais, não mais roubar e

compromisso em pedir desculpas à vítima não presente ao círculo336.

Quanto a informações sobre o pós-círculo, que diz respeito ao

acompanhamento dos acordos pelos técnicos responsáveis pelas práticas

restaurativas, cinco casos foram cumpridos, um não foi cumprido, um foi cumprido

parcialmente e um sem registro337.

336 BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007. 337 BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.

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122

Roubo

Dano

Furto

Lesõescorporais

Figura 2. Círculos restaurativos em 2005. Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre

Como se pode notar, no ano de 2005 não repercutiram como o desejado

práticas restaurativas, pois de vários casos que se encontravam em condições de

aplicabilidade e inserção aos círculos, apenas oito casos vingaram, o que demonstra

a dificuldade de se resolver conflitos pela não-violência e principalmente de se

distanciar do atual modelo de justiça considerado retributivo, por ter nas suas

práticas essencialmente a punição como cunho dissimulado de caráter pedagógico.

Baseado nos levantamentos desse período, a 3ª Vara do Juizado da Infância e

Juventude procurou se articular e estabelecer melhor suas metas de trabalho e

abordagem com os círculos restaurativos, que centralizaram um espaço e pessoal

qualificado para o atendimento dos casos que eram recepcionados pela Justiça

Restaurativa, assim se originou a Central de Práticas Restaurativas, como antes

mencionado.

Conforme a figura 3 abaixo, no ano de 2006 a central de práticas

restaurativas obteve um total de 133 casos distribuídos. Nesses casos, 26 círculos

(19,5%) foram realizados, destes: 20 com a participação da vítima e seis de

natureza familiar, sem a participação da vítima. Saliente-se apenas sete pós-círculos

foram realizados. Quanto aos casos em andamento, que no decorrente período

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123

eram 22 passaram para o ano de 2007 (16,5%), casos encerrados no pré-círculo

foram 73 (54,9%) e casos não iniciados e não realizados 12 (9,0%).

Círculos restaurativos

19,5%

Casos em andamento

16,5%

Casos encerrados no

pré-círculo54,9%

Casos não iniciados e não

realizados9,0%

Figura 3. Total de casos distribuídos para a CPR em 2006 Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre

De acordo com a Figura 4, um dos pontos que merece ser destacado são os

casos encerrados no pré-círculo, que apresentam os seguintes motivos: não

admissão de autoria do fato oito (11,0%), ofensor e vítima não aceitaram dois

(2,7%), vítima impossibilitada em participar um (1,4%), ofensor impossibilitado em

participar um (1,4%) ofensor aceitou, mas não compareceu um (1,4%), vítima

aceitou mas não compareceu um (1,4%), não localização do ofensor quatro (5,5%),

não localização da vítima três (4,1%), avaliação técnica cinco (6,8%), técnicos não

conseguiram realizar o círculo oito (11,0%) e por decisão judicial dois (2,7%).

Desses, salienta-se dois pela maior proporcionalidade, 21(28,8%) porque o ofensor

não aceitou participar e 16 (21,9%) demonstrando que a vítima não aceitou

participar.

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124

1,4

1,4

1,4

1,4

2,7

2,7

4,1

5,5

6,8

11,0

11,0

21,9

28,8

0,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0

Vítima impossibilitada em participar

Ofensor impossibilitado em participar

Ofensor aceitou, mas não compareceu

Vítima aceitou, mas não compareceu

Ofensor e vítima não aceitaram

Decisão judicial

Não localização da vítima

Não localização do ofensor

Sugestão técnica

Não admite a autoria do fato

Técnicos não conseguiram realizar o círculo

Vítima não aceita participar

Ofensor não aceita participar

Mot

ivos

- 2

006

%

Figura 4. Motivos de encerramento de casos no pré-círculo 2006 Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre

Foram definidos critérios para a escolha das demandas na aplicação do

âmbito judicial. No ano de 2005, os critérios definidos foram: admissão da autoria do

cometimento do ato infracional pelo adolescente; ter vítima identificada; não ser caso

de homicídio, latrocínio, estupro e de conflitos familiares. Já no ano de 2006 os

critérios de escolha das demandas foram: Levar em conta os princípios: admissão

da autoria do cometimento do ato infracional pelo adolescente; voluntariedade na

participação; círculo com foco no fato (último ato infracional); ter vítima identificada;

não ser caso de conflitos familiares e violência sexual intrafamiliar338.

Quanto ao sexo dos adolescentes que participaram dos círculos restaurativos

a maioria é de meninos, ou seja, dos 20 círculos apenas duas são meninas.

Por tudo isso, os objetivos do Projeto da Justiça para o Século 21 também

assentam-se na necessidade de ampliar a satisfação dos usuários pelos serviços

jurisdicionais; de humanizar substancial e pedagogicamente as medidas

338 BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007.

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125

socioeducativas; de democratizar a justiça por meio dos princípios da inclusão, da

co-responsabilidade e da participação dos atores sociais envolvidos no processo; de

envolver a comunidade nos processos de superação de conflitos e violências; de

prevenir violências, desjudicializar o atendimento e prevenir a reincidência .339

Portanto, mais da metade dos casos no período de 2006, como ilustrados

pelas figuras anteriormente, indicam problemas que precisam ser combatidos para

que as práticas restaurativas sirvam como programa de política pública

socioeducativa para o enfrentamento e a diminuição de cometimento de atos

infracionais pelos adolescentes.

De qualquer sorte, no ano de 2006 houve um pequeno avanço com relação

ao número de círculos realizados no período de 2005, que foram apenas oito.

Contudo, não há de se esquecer que a Justiça Restaurativa representa um projeto

em pequena proporção que está em fase de avaliação para a efetiva

implementação. Tal mudança não é simples, pois também significa romper com

paradigmas enraizados na sociedade como a cultura da violência, ao invés da

cultura da não-violência que contribui e reconhece nas práticas restaurativas uma

proposta de resolução de conflitos.

Embora, a amostragem de dados de 2007 ainda esteja em aberto, não tendo

sido finalizado ou tabulado, inclusive os pós-círculos que dela resultaram até o

período trazido para essa pesquisa, tornou-se fundamental também indicar no

trabalho alguns dados sobre os círculos restaurativos realizados.

No ano de 2007340, de acordo com a Figura 5 a Central de Práticas

Restaurativas teve 64 casos encaminhados; desses 19 círculos restaurativos

(29,7%) foram realizados e 15 (23, 4%) estavam em andamento. Quanto ao total de

casos encerrados no pré-círculo chegou-se a 30 (46,9%).

339 BRANCHER, L.; AGUINSKY, B. Projeto Justiça para o Século 21. Disponível em: < http://www.justica21.org.br/j21/webcontrol/upl/bib_241.doc> Acesso: 03 junho de 2007. 340 Dados de 01 de janeiro a 02 de agosto.

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126

Círculos restaurativos

29,7%

Casos em andamento

23,4%

Casos encerrados no

pré-círculo46,9%

Figura 5. Casos distribuídos para CPR em 2007 Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre

Note-se que, ainda no ano de 2007, o número de casos encerrados na fase do

pré-círculo é significativa e maior quando comparada a fase do círculo propriamente

dita. Destaca-se ainda que, desses 30 casos, 12 (40,0%) se deu pelo fato de a

vítima não ter aceito, quatro (13,3%) porque o adolescente não assumiu a autoria do

fato, quatro (13,3%) porque o adolescente e vítima não aceitaram, três(10,0%)

vítima aceitou mas depois desistiu, dois (6,7%) não localizada a vítima, um (3,3%)

vítima com problemas de saúde, um (3,3%) não localizado o adolescente, um (3,3%)

avaliação técnica, um (3,3%) adolescente e mãe não aceitaram e um (3,3%)

adolescente com problemas de saúde. Outra informação complementar sobre os

casos encaminhados à CPR consta na Figura 6 abaixo. Foram encaminhados casos

com nove medidas Meio Aberto, 13 medidas Meio Fechado, seis Advertência e 34

suspenso na JIN (Justiça Instantânea) e duas remissões sem Medida.

Medidas de MeioAberto

Medidas de MeioFechado

Advertência

Suspenso na JIN

Remissão sem Medida

Figura 6. Casos com encaminhamento de medidas no ano de 2007 Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre

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127

Estão elencados, na Figura 7. Mais uma vez se verifica que dos motivos que

ocasionaram o encerramento dos casos no pré-círculo a maioria se dá pela não-

aceitação da vítima em participar do círculo (40,0%) e pelo o adolescente não

assumir a autoria do fato (13,3%). Interessante que no ano de 2006 o maior índice

de encerramento do pré-círculo se dava pelo fato de o adolescente (ofensor) não

querer participar do círculo, representando (28,8%) e em segunda posição devido a

vítima não querer participar (21,9%).

40,0

13,3 13,310,0

6,73,3 3,3 3,3 3,3 3,3

0,05,0

10,015,020,0

25,030,035,0

40,045,0

Vítim

a n

ão a

ceito

u

Adole

scente

não a

ssum

iu a

auto

ria d

o fa

to

Adole

scente

e vítim

a n

ão

ace

itara

m

Vítim

a a

ceito

u, m

as desistiu

Não lo

caliz

ada a

vítim

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Vítim

a com

pro

ble

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e

Não lo

caliz

ado o

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Ava

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Adole

scente

e m

ãe

não

ace

itara

m

Adole

scen

te com

pro

ble

mas de

saúde

Motivos - 2007

%

Figura 7. Motivos de encerramento de casos no pré-círculo em 2007 Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre

Mesmo que os dados de 2007 não estejam finalizados é possível fazer uma

mera comparação e verificar-se-á que houve uma inversão de posição, no que diz

respeito a não-aceitação da vítima em participar do círculo. Esse motivo representa

no contexto demonstrado pela figura abaixo (40,0%) e o mais interessante é que a

não-aceitação por parte do adolescente se reduz significativamente (3,3%),

indicando uma maior participação e interesse do adolescente em relação a proposta

restaurativa.

Além da inserção dos dados anteriores na referida pesquisa, também se teve a

preocupação de realizar uma amostragem com os casos de 2005 e 2006 para

verificar a ocorrência ou não da reincidência de atos infracionais cometidos por

adolescentes que participaram ou tinham condições de participar das práticas

restaurativas. Essa é uma das primeiras amostras realizadas pelos especialistas e

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128

responsáveis pela avaliação da Justiça Restaurativa como experimento e alternativa

de resolução de conflitos.

De acordo com a Figura 8, a análise deu-se em 173 casos, apenas 41(23,8%)

reincidiram e 131 (76,2%) não reincidiram. Salienta-se que a pesquisa era realizada

nos processos, buscando o nome do adolescente e após inserido no sistema on-line

(sistema JIJ) para verificar se o mesmo estava respondendo a outro procedimento

na Justiça. O sistema utilizado pela CPR possibilita verificar a situação dos

adolescentes até completarem os 18 anos; depois não há como monitorar o

fenômeno da reincidência, pois esses atingiram a maioridade penal.

Sim23,8%

Não76,2%

Figura 8. Casos de reincidência em 2005-2006 I Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre

Para um estudo mais detalhado buscou-se, sobre os 133 dados fornecidos pela

3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude, verificar as seguintes

questões: Quantos casos no pré-círculo? Quantos casos no círculo? Quantos não

foram iniciados? Quantos que na fase do pré-círculo reincidiram? E por último um

comparativo de reincidência no pré-círculo com o círculo. A Figura 9 demonstra que

no pré-círculo há a maior quantidade de casos, totalizando 105 casos o que

corresponde a 61,0%. No círculo ocorreram 35 casos, o equivalente a 20,3 % e os

casos não-iniciados somaram-se 32 correspondente a 18,6%.

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129

Pré-círculo61,0%

Círculo20,3%

Não iniciado18,6%

Figura 9 Casos de reincidência em 2005-2006 II Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre

Em um outro momento, passou-se a verificar principalmente o número de

reincidências no pré-círculo e no círculo restaurativo. Note-se que os casos que não

foram iniciados apresentam uma percentagem maior de não-reincidência; no

entanto, esses dados aqui não devem ser considerados.

No pré-círculo, 27 casos (25,7%) reincidiram; no círculo apenas oito casos

(22,9%) e não iniciados seis casos (18,8%) que fecham os 41 casos e equivalem

aos 23,8 % de casos de reincidência.

No que diz respeito aos casos que não reincidiram, no pré-círculo o número

correspondente é de 78 (74,3%), no círculo totalizou 27 (77,1%) e não iniciados 26

(81,3%), totalizando os 131 casos que correspondem a 76,2 %. A reincidência no

pré-círculo foi 2,8 pontos percentuais maior do que no círculo, apresentando uma

proporção de reincidência 12,23% maior341.

Note-se que nas fases das práticas restaurativas ainda não há uma mudança

significativa de diminuição da reincidência. Contudo, comparando o pré-círculo com

o círculo, embora pequenos os indicadores, é possível considerar que a passagem

341 Dados analisados pelo NUPES (Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociais) da UNISC.

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130

do jovem pelo círculo torna-se um contributo interessante para o enfrentamento e

redução do cometimento de ato infracional.

A diferença proporcional não apresenta diferença substancial, mas sinaliza e

deixa evidente a importância de engajamento dos atores sociais e do trajeto da

escuta pelo procedimento da comunicação Não-Violenta indicando a possibilidade

de se atingir resultados positivos em maior amplitude.

25,722,9

74,377,1

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

90,0

Pré-círculo Círculo

Reincidente Não reincidente

Figura 10. Comparativo de reincidência na fase do pré-círculo e com o círculo Fonte: 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre

A reincidência é considerada como “reprodução social da criminalização”, pois

quanto maior a reação repressiva, maior a sua probabilidade. A institucionalização e

a rotulação que dela decorre são conseqüências que elevam a produção de atos

infracionais reiterados342.

Os dados demonstram alguns entraves que dificultam a efetiva concretização

do modelo da Justiça Restaurativa. Tais problemas se assentam na seara

342 SANTOS, Juarez Cirino dos. O adolescente infrator e os direitos humanos. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Verso e reverso do controle penal: (des) aprisionamento a sociedade da cultura punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 119.

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131

institucional no sentido, de profissionais que atendam à demanda de procedimentos

restaurativos que envolvam os adolescentes autores de ato infracional. A Central de

Práticas Restaurativas é constituída de quatro profissionais que atendem os casos

que são recepcionados pelo modelo restaurativo. O número pequeno de técnicos

nas abordagens restaurativas pode interferir significativamente na prestação de

serviços de qualidade.

Outra observação interessante apontada por Sica dá-se pelo fato de as

“medidas restaurativas serem propostas após a sentença, pela vara de execução de

medidas sócio-educativas, cumulando-se a estas e, ainda correndo numa distância

temporal do fato o que prejudica sensivelmente o diálogo”343. Para esse autor, a

cumulação das medidas pode representar uma revitimização e uma sobreposição da

justiça restaurativa sobre a justiça formal, entendendo que o processo restaurativo

da mediação seria o mais adequado para superar tal incompatibilidade.

As práticas restaurativas não representam uma revitimização pela sistemática

adotada pela 3ª Vara de Execução em Porto Alegre, pois as medidas restaurativas

não são impostas às partes. Entretanto, é aceitável que a distância temporal do fato

pode prejudicar o diálogo. Isso denota a necessidade de mais técnicos para

exercerem o papel de facilitadores nos os processos restaurativos.

De acordo com Rosa:

A necessidade de que a intervenção seja imediata proporciona a significação, sempre existente, das implicações de um processo infracional e da eventual medida socioeducativa. Por isso que longos períodos entre o ato e a resposta, de regra, implicam que a intervenção se dê em outro adolescente, já modificado pelo tempo. Apesar de o tempo da ‘outra cena’ não ser temporizável, o ato já foi encadeado simbolicamente e a intervenção é puro ato de poder desprovido de qualquer pretensão rumo à autonomia. Enfim, não há sentido em intervir noutro adolescente, já que as modificações são dinâmicas. Logo, salvo casos extremos, o melhor é a extinção do processo ou eventualmente da medida aplicada porque a autonomia possível já foi alcançada por outros caminhos ou, por outra parte, deixa de existir relação entre o ato e a medida socioeducativa, sendo, no fundo, um ato violento e intempestivo344.

343 SICA, op.cit., p. 226. 344 ROSA, op.cit., p. 234.

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Além disso, há a necessidade de recurso público que abarque tais propostas,

pois até então, o emprego de recursos é restringido e depende de apoio da

sociedade civil e organizações interessadas a dar continuidade ao trabalho.

3.3 O resgate da comunidade como desafio da Justiça Restaurativa

Para Bazemore, a Justiça Restaurativa tem se desenvolvido como uma

abordagem promissora no atendimento a adolescentes e os demais interlocutores

do conflito, pois o foco está na reparação do dano e na reconstrução dos

relacionamentos. Embora os resultados práticos com algumas experiências no

mundo sejam positivas, faz-se necessário reconhecer o seu potencial enquanto

instrumento de construção comunitária345.

Portanto, para o autor três princípios para a prática precisam ser observados: o

primeiro, diz respeito à reparação do dano que se pauta na colaboração do ofensor,

da vítima e da comunidade. Todos têm sua parcela de co-responsabilidade sobre o

fato que desencadeou o ato infracional. O segundo princípio versa sobre o

envolvimento das partes interessadas. Isso significa maior comprometimento,

exercício de participação e valorização das necessidades dos envolvidos no

processo. E o último princípio, aborda a transformação na comunidade, papéis do

governo e relacionamentos. Nesse se identifica a limitação do Estado na resolução

de conflitos, reconhecendo a necessidade de se fortalecer relações com a

comunidade, devido a mesma ter um papel essencial no processo de resposta à

criminalidade346.

Os dados estatísticos que ilustram a pesquisa deixam clara, a necessidade de

fortalecimento das relações entre o Estado como fomentador e responsável pela

implementação e concretude das políticas públicas. Por isso, corrobora Kliksberg 347

quando diz que o Estado é inteligente ao fomentar e solidificar no espaço local 345BAZEMORE, Gordon. Os jovens, os problemas e o crime: justiça restaurativa como teoria normativa de controle social informal e apoio social In: In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006. 346 BAZEMORE, op.cit., p.605-606. 347 KLIKSBERG, Bernardo. O desafio da exclusão social: para uma gestão social eficiente. São Paulo: Fundap,1997,p.54.

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políticas públicas conjuntamente com a família, a escola e a comunidade. Porém,

essa relação de conexão, de cooperação, não é simplória; ao contrário, os papéis

socioinstitucionais precisam ser desvelados e recepcionados também por políticas

públicas. Os conflitos aumentarão se nenhuma tentativa for feita que parta da

instituição estatal como a do Judiciário, que tenta mobilizar os demais atores sociais

para enfrentarem a violência infanto-juvenil e tornarem-se co-responsáveis no

processo de inserção restaurativa do adolescente.

A cultura é o principal desafio mais os fenômenos da pobreza, exclusão e as

desigualdades sociais. Note-se que a cultura profunda trazida nas assertivas de

Galtung é algo de maior complexidade e emblema a ser desvelado por toda e

qualquer proposta de que se valha para resolver conflitos.

Assim sendo:

Os dois gigantes na compreensão de seres humanos, Freud e Jung, tinham uma divisão de trabalho. Freud viu atitudes profundas por baixo de atitudes do indivíduo. Jung viu atitudes profundas por baixo de atitudes coletivas. Ambos viram ambas. Jung em seu trabalho com a “sombra” - as atitudes que não admitimos ter - e Freud em seu trabalho com monoteísmo. São bons exemplos. Chamemos essas atitudes profundas de subconsciente individual e subconsciente coletivo. O “coletivo” não implica nada de misterioso, apenas se refere a atitudes profundas que membros de uma certa categoria parecem partilhar. A suposição é de que impressões similares os tenham moldado mais ou menos da mesma maneira, expostos às mesmas impressões: não há nenhuma suposição acerca de uma “alma coletiva” ou algo que o valha. Usemos a expressão cultura profunda sobre o subconsciente coletivo, que a cultura muito freqüentemente não reconhece. Isso, no entanto, torna-se muito abstrato. Nosso encargo é mostrar que a cultura profunda desempenha um papel e é importante na formação de atitudes e comportamentos durante um conflito. Em outras palavras, a cultura de conflito tem de ser incluída no trabalho de conflito348.

Em linhas gerais, significa dizer que o reconhecimento de que existe a cultura

profunda para ser desvelada e enfrentada representa um avanço quando da

inserção do modelo da Justiça Restaurativa na sociedade. Faz-se necessário que

se concebam outras políticas públicas sociais básicas para a revitalização e a

consolidação das práticas restaurativas. Por isso, a construção da emancipação dos

atores sociais, tanto o ofensor, como a vítima e a comunidade necessita políticas

que venham ao encontro da possibilidade de se explorar o capital social e o humano

348 GALTUNG, Johan. Transcender e transformar: uma introdução ao trabalho de conflitos: tradução de Antonio Carlos da Silva Rosa. São Paulo: Palas Athena, 2006, p.192.

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134

que poderão servir de conexão para o estabelecimento da comunicação e

emancipação desses atores sociais, proposta por Habermas.

Por conta disso, como contribuição a essa abordagem habermasiana, interessa

a retomada do conceito de comunidade e capital social. Por saber que a

comunidade também é co-responsável pela pacificação dos conflitos, de imediato se

traz à baila a visão de alguns autores que consideram seu conceito vago e evasivo

nas ciências sociais. Logo, também a definirem é um atual desafio.

Nesse contexto:

Tornou-se uma palavra-chave usada para descrever unidades sociais que variam de aldeias, conjuntos habitacionais e vizinhanças até grupos étnicos, nações e organizações internacionais. No mínimo, comunidade geralmente indica um grupo de pessoas dentro de uma área geográfica limitada que interagem dentro de instituições comuns e que possuem um senso comum de interdependência e integração349 .

Para Bauman, a abordagem com relação a comunidade não deve ser feita

como um lugar de compreensão mútua ou na qual não existam conflitos sociais, pois

há uma ilusão de que nela as discussões são amigáveis e amenas, que os

interesses são voltados à coletividade em prol da harmonia, embora a palavra

comunidade evoque tudo aquilo de que se sente falta e de que se precise para viver

seguro, confiante no mundo contemporâneo350.

Nesse sentido, Sica traz à discussão as dificuldades de se resgatar o

significado de comunidade, principalmente nos grandes centros urbanos, onde são

rara as relações pessoais e o convívio nos espaços sociais. Contudo, enfatiza que a

proposta da Justiça Restaurativa é a de resgatar as relações comunitárias351.

349 BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 115. 350 BAUMAN, Zigmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p.09 : [...] “comunidade” é o tipo de mundo que não está lamentavelmente, a nosso alcance – mas no qual gostaríamos de viver e esperamos vir a possuir. Raymond Williams, atento analista de nossa condição comum, observou de modo cáustico que o que é notável sobre a comunidade é que “ela sempre foi”. Podemos acrescentar: que ela sempre esteve no futuro. “Comunidade” é nos dias de hoje outro nome de paraíso perdido – mas a que esperamos ansiosamente retornar, e assim buscamos febrilmente os caminhos que podem levar-nos até lá.

351 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal. O novo modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p.15.

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135

Porém:

o que se observa é que o preenchimento do conteúdo do termo “comunidade” deve ser obtido de acordo com as peculiariades (sic) peculiaridades operativas de cada progama (sic) programa. Por exemplo, em certos lugares a comunidade é compreendida no sentido de community of concern , ou seja, aquelas pessoas mais diretamente relacionadas com o ofensor e com a vítima (familiares, amigos, vizinhos) e que, de alguma forma, podem dimensionar os efeitos ou foram afetados pelo crime e colaborar para uma solução consensual. Em outros lugares, a comunidade pode ser concebida por meio da participação de entidades da sociedade civil organizada que trabalham em determinadas situações, ou seja, a regra básica é “respostas diferentes, para contextos diferentes”352.

Verifica-se, desse modo, que, para que se obtenha êxito nos programas de

Justiça Restaurativa, faz-se necessária a participação da comunidade, de maneira

cooperativa e responsável. Além disso, para que se tenham sujeitos responsáveis,

solidários, cooperativos e que se sintam pertencendo àquela respectiva comunidade,

torna-se relevante o reconhecimento do capital social e o seu fortalecimento com

políticas públicas sociais.

No entanto, essa assertiva não é simples, pois resgatar o sentido de

comunidade parece uma busca incessante de um lugar que seja aconchegante e

que acolha os seus membros, independente das divergências de pensamento. O

espaço é para ser compartilhado, mesmo que o consenso se dê de maneira

diversa353.

Pensar a atuação da rede de atendimento, da Justiça em parceria com a

comunidade implica, antes de tudo, delinear o que se considera como comunidade.

A constituição de uma comunidade, vale lembrar, define-se aqui como um espaço

constituído de pessoas interligadas, dispõe de uma rica fonte de conexão a ser

explorada, ou seja: o capital social354. Significa mencionar como coabitam as

relações pessoais a que estão sujeitas ou influenciadas pelos paradoxos

fortalecimento e fragilidade. Logo, mesmo que com interferências das desigualdades

sociais, dos fenômenos como a pobreza, a exclusão e a violência, pode-se

352 Ibidem, p.15. 353 BAUMAN, Zigmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003,09.

354 Ver mais. PUTNAM, Robert. Comunidade e Democracia – A experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,1993.

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reconhecer que o capital social é um instrumento de grande valia para a instauração

da comunicação e entendimento entre os homens, para dirimir conflitos sociais e

prezar a cooperação de seus membros no enfrentamento de tais questões.

Como pontua Franco:

As conexões em rede, constituídas a partir de valores compartilhados e objetivos comuns e que se referem à maneira como as pessoas convivem – às emoções e às razões pelas quais permanecem juntas, à forma como se relacionam e ao modo como regulam seus conflitos e se conduzem coletivamente. Estas relações são geradoras de capital social: quanto mais freqüentes e quanto mais fortes forem essas relações (“fracas”), mais capital social será produzido e reproduzido e mais capacidade terá uma sociedade de cooperar, formar redes, regular seus conflitos democraticamente e, enfim, constituir comunidade355.

Quanto a capital social, há duas posições consagradas sobre sua definição na

literatura internacional. A primeira delas considera o capital social como recurso de

que os indivíduos dispõem para acessarem fundos socialmente valorizados em

virtude de relações sociais estabelecidas com outras pessoas. Pode-se considerar o

recurso como informações, apoios, conhecimentos que constituem o capital para

viabilizar que os indivíduos, grupos ou comunidades acessem outros meios de

capital como: ascensão social e profissional, riqueza e trabalho. Dito de outra

maneira, capital é um mecanismo de interligação para possibilitar ao sujeito o

acesso a outros meios de capital que melhorem a sua condição humana. A

justificativa “social” é pelo acesso que se dá dentro de uma rede de relações356.

A outra posição considera o capital social como sendo as inúmeras formas de

interação social dos membros de uma comunidade, que podem ser as formais e

informais, mais os fatores psicossociais relacionados, como os sentimentos de

confiança e a reciprocidade357. Desse modo, o associativismo e a vida cívica são

355 FRANCO, Augusto de. Pobreza e desenvolvimento local. Brasília: Ed A e D, 2002, p.66.

356 SCHMIDT, João Pedro. Exclusão, inclusão e capital social: o capital social nas ações de inclusão. In LEAL; Rogério Gesta; REIS, Jorge Renato dos (orgs.). Direitos Sociais & Políticas Públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: Edunisc, t.6 2006, p. 1760.

357 Ibidem, p. 1760.

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destacados como fatores que favorecem o desenvolvimento econômico, a eficácia

institucional e a resolução de problemas sociais358.

Para Coleman, o capital social diz respeito a capacidade de relacionamento do

indivíduo, sua rede de contatos sociais que se baseia nas expectativas de

reciprocidade e comportamentos confiáveis, que no conjunto melhoram a eficiência

individual. Nesse contexto, valendo-se do plano coletivo, o capital social auxiliaria na

manutenção da coesão social, pela obediência às normas, como na negociação em

situações de conflitos, prevalecendo a cooperação sobre a competição, assim

resultando em uma sociedade democrática por basear-se na associação

espontânea359.

Do mesmo modo, Putnam entende que o capital social se reflete no grau de

confiança existente entre os diversos atores sociais, seu grau de associativismo e o

acatamento às normas de comportamento cívico, tais como o pagamento de

impostos e os cuidados com que são tratados os espaços públicos e os “bens

comuns”360.

Ademais distingue-se o capital humano do capital social. O primeiro é produto

de ações individuais em busca de aprendizado e aperfeiçoamento; já o segundo se

fundamenta nas relações entre os atores sociais que estabelecem obrigações e

expectativas mútuas, estimulam a confiabilidade nas relações sociais e agilizam o

fluxo de informações, internas e externas, propiciando o funcionamento de normas e

sanções consentidas, ressaltando os interesses públicos coletivos361.

Logo, o capital social diz respeito a recursos cujo uso abre caminho para o

estabelecimento de novas relações entre os habitantes de uma determinada região

e daí sua relação com o conceito de comunidade362. Para Putnam e Coleman, o

358 GROOTAERT, C. et al. Questionário integrado para medir capital social (QI-MCS), s/d. Disponível em:<htt p://poverty.worldbank.org/files>. Acesso em: 20 out. 2004.

359 COLEMAN, James S. Foundations of Social Theory Londres: The Belknap Press of Harvard University Press, 1990. 360 PUTNAM, Robert. Comunidade e Democracia – A experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,1993. 361ABRAMOVAY, Ricardo. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. Economia Aplicada – volume 4, n° 2, abril/junho 200 0. 362 PUTNAM, Robert. Op.cit., p.178-179.

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capital social é esse conjunto de recursos (boa parte dos quais simbólicos) de cuja

apropriação depende em grande parte o destino de uma certa comunidade 363.

Para Schmidt, a riqueza está associada ao capital social no sentido de

integração a redes sociais e a variadas formas de recursos, que possibilitam a

algumas pessoas a atingirem o ápice de ordem econômica. Por outro lado, os

pobres também têm uma rede, porém com menos recursos, e obviamente por

estarem integrados a outras pessoas de mesma situação econômica não

conseguem evitar a pobreza364. Apesar das duas distinções entre pobres e ricos, já

foi levantado pela literatura da educação popular e da Teologia da Libertação que há

um elevado nível de solidariedade e cooperação entre os pobres, maior inclusive

que entre os ricos365.

O capital negativo pode se dar pela desigualdade social, pelas diversas formas

de discriminação social e, portanto, a cooperação e a reciprocidade num espaço

constituído por esse tipo de capital liga indivíduos aceitos na mesma posição

hierárquica. Como bem esclarece Schmidt, de que de algum modo existe um “capital

social excludente” e um capital social includente366.

Assim, Schmidt conclui dizendo que quanto maior for a confiança, a

cooperação, o sistema de informações e de associativismo horizontal, maior será a

capacidade das instituições de apresentar políticas eficazes. Pois nas regiões em

que o capital social é fortalecido “os cidadãos participam mais, cobram mais das

autoridades e se comunicam melhor com os governantes”, já nas regiões onde o

capital social é pouco desenvolvido, “tende a prevalecer o clientelismo e o

mandonismo das elites”. O Brasil não aparece como um país, no qual o capital social

seja desenvolvido, pois a presença de seus cidadãos como atores relevantes ainda

não possuem muita expressividade 367. Somente com o fortalecimento do capital

social e da construção de uma cultura política democrática, que, apesar de ser uma

tarefa política de grande envergadura, é imprescindível para atingir qualidade e a

363ABRAMOVAY, Ricardo. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. Economia Aplicada – volume 4, n° 2, abril/junho 200 0. 364 SCHMIDT, op.cit., 2006, p. 1761-1786. 365 SCHMIDT, p. 1761-1786. 366 SCHMIDT , p. 1761-1786. 367 SCHMIDT, Ibidem, p. 2023.

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efetividade tão almejadas, em relação aos novos modelos de políticas públicas em

construção368.

É possível constatar-se que tal ideário exige uma disposição positiva a partir do

capital social do Estado e de cada comunidade. O capital social inclui características

de cooperação, reciprocidade, construção de redes, associativismo, participação,

empoderamento e uma verdadeira sinergia em Estado e sociedade para a

efetivação de toda e qualquer proposta de desenvolvimento social. Logo, o capital

social pode servir de uma condicionante de vantagens ou desvantagens de se

pertencer a uma determinada comunidade369.

Embora os discursos mais eloqüentes se primem pela comunidade, a

identificando como o espaço local e propício para o desenvolvimento de políticas

públicas de inclusão social, não se pode desconsiderar, que independente de se

sentir algo muito bom e próximo quando referenciada, ela pode ser uma construção

imaginária, e não real. A menos que, em seu bojo, existam diversidades,

hostilidades e que, para coabitá-la, o individualismo precisa ser encarado de frente e

que alcançá-la significa também perder a liberdade. Em linhas gerais, segurança e

liberdade não coabitam o mesmo espaço370.

Embora se esteja distante do que efetivamente a comunidade represente na

realidade. Reafirma-se que a noção de comunidade como redes de cidadãos

interligadas que possuam recursos, que podem ser coletivamente mobilizados na

promoção da integração e cooperação social371.

Entende-se que a diminuição dos danos ocasionados pela violência estrutural

dá-se a partir da comunidade, diga-se aqui, de uma comunidade real. E isso

368 SCHMIDT, Ibidem, p. 2024. 369 ALBAGLI, S; MACIEL, M. Capital social e desenvolvimento local. In: Pequena Empresa: cooperação e desenvolvimento local. MARTINS, H; CASSIOLATO, J; MACIEL, M. (Org.). Rio de Janeiro: Relume Dumará - UFRJ, Instituto de Economia, 2003, p.424. 370 BAUMAN, Zigmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p.10. 371 BAZEMORE, Gordon. Os jovens, os problemas e o crime: justiça restaurativa como teoria normativa de controle informal e apoio social. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.586-587.

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procede, em virtude do impulso e a valorização da função social que ela representa

na inserção do seu adolescente, que comete uma ação delituosa.

Portanto:

A energia gerada nas comunidades pela preocupação acerca do crime pode ser canalizada para processos que aumentam a participação democrática na criação de comunidades fortes, que assumam a responsabilidade pelo bem-estar de todos os membros, incluindo vítimas e ofensores. Os processos consensuais têm potencial para revigorar as democracias ocidentais, com a participação popular genuína nas decisões coletivas que moldam as vidas dos cidadãos. O próprio conceito de justiça exige a inclusão, voz igual e decisões que representam todos os interesses. Os processos consensuais cumprem esses objetivos de forma mais completa que a votação pela vontade da maioria. Nessa nova foram de responder ao crime estão as sementes para um modo de praticar todas as novas funções democráticas372.

Como bem esclarece Costa, referindo-se as idéias de Bursik, as comunidades

sofrem significativas interferências dos fatores sociais e dos ambientais, o que

acarreta uma maior ou menor distinção na proporção da natureza de crimes que a

constituem e como se distribuem em seu espaço sociodemográfico373. Desse modo,

para planejar estratégias de enfrentamento e as políticas públicas que

principalmente envolvam a sua participação no processo inclusivo de seus

adolescentes, é fundamental um mapeamento dos tipos de atos infracionais, assim

como os crimes, para tentar compreender e sinalizar em direção a concretude de

políticas públicas e as necessidades humanas que essas pessoas almejam374.

372 PRANIS, op.cit. 2006, p.609. 373COSTA, Marli M. M. Políticas Públicas de Prevenção da Delinqüência Juvenil. In: ___. Direito, Cidadania e Políticas Públicas. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006, P.18. 374 Prioridades do UNICEF para seu Programa de Cooperação com o Brasil para o período de 2007 a 2011. Disponível em: < http://www.unicef.org.br/> Acesso em: 04 nov.2007. As crianças são especialmente afetadas pela violência. Embora os sistemas de notificação e informação sobre violência contra a criança sejam fracos, os dados existentes sugerem que 96% dos casos de violência física e 64% dos casos de abuso sexual contra crianças de até 6 anos sejam cometidos por familiares. No caso dos adolescentes, a violência tem lugar fora de casa. Nas duas últimas décadas, o número de homicídios de adolescentes (15 a 19 anos) aumentou quatro vezes. Tais homicídios afetam desproporcionalmente os meninos negros das famílias pobres das áreas urbanas. Há 956 municípios, onde há casos de exploração sexual reportada. O País tem ainda o desafio de superar o uso excessivo de medidas de abrigo e de privação de liberdade para adolescentes em conflito com a lei. Em ambos os casos, cerca de dois terços dos internos são negros. Cerca de 30 mil adolescentes recebem medidas de privação de liberdade a cada ano, apesar de apenas 30% terem sido condenados por crimes violentos, para os quais a penalidade é amparada na lei.

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Embora fatores sociais e ambientais interfiram na formação de cada

comunidade, para que se possa explorar a participação na resolução de conflitos

que digam respeito aos seus membros, outras políticas públicas precisam ser

implementadas para que possam dar sustentabilidade e voz ativa no processo

restaurativo. Dito de outra forma, o que se verifica é que o Estado não pode somente

se preocupar com as políticas públicas socioeducativas, pois essas representam, na

sua grande maioria, um estágio avançado do problema, quando a prevenção deveria

ter se dado desde a infância, primando-se por educação, saúde, moradia, apoio com

programas sociais a famílias em situação de vulnerabilidade social,375 emprego,

entre outros376.

Mesmo que todas as pessoas estejam envolvidas pela globalização e em

virtude da interdependência que ela gera, não possibilitando autonomia e liberdade

na gestão de suas vidas, existem tarefas com as quais cada pessoa não pode lidar

de forma individual, mesmo que o próprio sistema tenha imposto distanciamento em

relação aos outros. Assim, para que os membros de uma comunidade consigam

controlar os desafios da vida impostos por tais tarefas, a citar mais

especificadamente: a violência infanto-juvenil e a exclusão social, precisam agir

coletivamente377.

A esse respeito, Bauman afirma que:

Aqui, na realização de tais tarefas, é que a comunidade mais faz falta; mas também aqui reside a chance de que a comunidade venha a se realizar. Se vier a existir uma comunidade no mundo dos indivíduos, só poderá ser (e precisa sê-lo) uma comunidade tecida em conjunto a partir do

375 Prioridades do UNICEF para seu Programa de Cooperação com o Brasil para o período de 2007 a 2011. Disponível em: < http://www.unicef.org.br/> Acesso em: 04 nov.2007.O Brasil possui uma população de 180 milhões de pessoas, dos quais 62 milhões têm menos de 18 anos de idade, o que equivale a quase um terço de toda a população de crianças e adolescentes da América Latina e do Caribe. As crianças são especialmente vulneráveis às violações de direitos, à pobreza e à iniqüidade no País. Por exemplo, o índice de pobreza da população brasileira é de 27,6%, quando entre as crianças chega a 44%. As crianças negras, por exemplo, têm 78% mais chance de viver na pobreza do que as brancas; e as crianças das áreas rurais estão duas vezes mais expostas à pobreza do que as das regiões urbanas. Na região do Semi-árido, onde vivem 13 milhões de crianças, 75% das crianças e dos adolescentes são classificados como pobres. Essas iniqüidades são o maior obstáculo para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) por parte do País. 376 COSTA, Marli M. M. Políticas Públicas de Prevenção da Delinqüência Juvenil. In: ___. Direito, Cidadania e Políticas Públicas. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006, p.19. 377 BAUMAN, Zigmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003,134.

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compartilhamento e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e responsabilidade em relação aos direitos iguais de sermos humanos e igual capacidade de agirmos em defesa desses direitos.378

Observe-se que a comunidade pode ser o encontro do paraíso perdido, se seus

membros forem educados e sentirem a necessidade de compartilhar e realizar

tarefas coletivamente. Logo, mesmo diante de uma sociedade de normalização e

também de consumo, as pessoas ainda podem encontrar no espaço local a

alternativa para conectarem-se e socializarem-se.

Não se quer dizer, que, na execução das medidas socioeducativas, não haja

solução para dirimir e evitar a reiteração do adolescente na criminalidade; porém, se

programas e propostas de políticas públicas como a Justiça Restaurativa poderão se

resumir a estratégias paliativas pela ausência de completude e conexão com as

demais políticas públicas sociais.

Percebe-se no conjunto de dados fornecidos pela 3ª Vara do Juizado da

Infância e da Juventude que as práticas restaurativas dispõem também de ações

não-sociais instrumentais, pois embora se queira afastar das práticas retributivas,

dando oportunidade de escuta aos atores sociais envolvidos pelo ato infracional, a

cultura da doutrina da situação irregular permanece arraigada nas estruturas

institucionais de atendimento às crianças e aos adolescentes. Além disso, mesmo

que o Estatuto represente uma ruptura das antigas práticas de estigmatização e

negação da cidadania da criança e do adolescente, a prática institucional tem

demonstrado o contrário, pois tem forte no seu ímpeto um caráter cultural de

estigma e exclusão aos marginalizados, por sua vez descartáveis e invisíveis

sociais.

Significa dizer, em linhas gerais, que a tecnicidade e o afastamento do

reconhecimento do outro, como também a negação de inserção no espaço local,

ocasionam distorções na comunicação entre os atores sociais, o que fica claro

quando os casos de reincidência não acusam mudanças significativas quando

comparadas com os adolescentes que participaram apenas do pré-círculo com o

378 BAUMAN, op.cit., p.134

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círculo. Além disso, pela burocracia e falha nos mecanismos de controle e

acompanhamento dos adolescentes que ingressam no sistema de justiça, quando

do cometimento de ato infracional, a citar a ausência de pesquisas mais precisas

nessa seara ou ainda em andamento, comprometem em partes a observação das

práticas restaurativas.

Com relação a isso, ainda vale lembrar que a amostragem levantada nos dados

da 3ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude serve como mote para

complementar e fundamentar alguns aspectos que deverão servir de desafios para

que a Justiça Restaurativa atinja seu objetivo maior, que é o de diminuir a violência

institucional. Primeiramente, reafirmar que a teoria da Proteção Integral garanta a

condição e o reconhecimento dos infantes como sujeitos e cidadãos de direitos.

Segundo a necessidade de o Estado implementar outras políticas públicas que

enfrentam a pobreza, a exclusão social e as desigualdades sociais, que tem relação

com um grande desafio enraigado na sociedade: a cultura. E também o locus da

Justiça Restaurativa na comunidade. Significa questionar: de qual comunidade está-

se falando?

Hodiernamente, percebem-se as dificuldades do atual sistema de Justiça da

área da Infância e da Juventude em dirimir os conflitos que, peculiarmente,

envolvem adolescentes. Tais demandas estão atreladas a vários motivos, em

especial a pobreza, a exclusão e a desigualdade social. Comprende-se, ainda, que a

Justiça não consegue promover sozinha a efetivação dos direitos de crianças e

adolescentes, pois essa instituição representa apenas uma parte da rede de

atendimento que deve ter agregada a si outros segmentos como o município

responsável pela implementação de programas de medidas socioeducativas em

meio aberto, assim como a concretude de políticas setoriais de saúde, educação,

assistência social.379

379 MELO, Eduardo Rezende. Justiça e educação: parceria para cidadania. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p.658.

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Como se verifica:

A justiça restaurativa exige uma resposta conjunta ao comportamento causador de danos entre a comunidade e o governo. A comunidade é responsável por: apoiar aqueles que foram prejudicados; comunicar o impacto do comportamento sobre a comunidade, oferecer oportunidades para que os causadores do dano reparem perante a vítima e a comunidade, estabelecer e comunicar expectativas de comportamento para cada membro da comunidade, de uma forma respeitosa, abordar causas subjacentes do comportamento indesejado. Essas responsabilidades comunitárias formam a base para o desenvolvimento de empatia por todos os membros da comunidade. Apoiar aqueles que foram prejudicados exige dividir a dor - um elemento crucial da empatia e, portanto, reforcem seu significado. [...] Cada membro da comunidade é responsável por executar essas funções comunitárias. Cada um deles tem seu papel no comportamento geral de nossos jovens. Cada membro da comunidade tem oportunidades para praticar pequenas ações que possam reverter o ciclo do medo dos jovens e o isolamento e afastamento resultantes experimentados por eles. Os jovens respondem ao mundo da maneira como o vêem - não foram eles que deram início a esse estado de coisas. Nossos filhos e crianças são espelhos - reflexos de nós380.

Portanto, embora a Justiça Restaurativa possa ser tida como uma política

pública de inclusão social por escutar e conclamar que os atores envolvidos se

manifestem significativamente em um determinado espaço, por si só não atende o

que se deve contemplar em uma política pública efetiva, devido a necessidade de

complementariedade de outras políticas públicas que atendam e envolvam as

famílias em situação de vulnerabilidade social dos infantes; políticas públicas que

explorem a cooperação e a confiança de uma comunidade (ou espaço local) para

resolver seus próprios conflitos.

De qualquer sorte, pode-se dizer que a Justiça Restaurativa é uma utopia,

como a educação, a comunidade e a justiça enquanto solidariedade e acesso para

todos. Mas o que é a utopia?

Para Santos:

A utopia é a exploração de novas possibilidades e vontades humanas, por via da oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de desejar e por que merece a pena lutar381.

380PRANIS, op.cit., p. 592. 381 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela Mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade. 6 ed. São Paulo: Cortez, 1999, p. 323.

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145

Portanto, a utopia é uma categoria básica para a mobilização social e busca de

alternativas, como um modelo de justiça não punitivo, humanizador, baseado no

princípio da não-violência, que possibilite o resgate das contradições entre os

espaços locais frente ao global382. Assim:

As ações nos espaços locais reconstroem comunidades de sentido, atribuindo um papel pedagógico aos movimentos sociais na medida em que os reconhece como agentes de ação coletiva, instrumentos de pressão, de interação e de construção de um novo conjunto de valores, agora, preocupados com a afirmação e efetivação dos direitos humanos383.

Embora a Justiça Restaurativa signifique uma ruptura em relação às práticas

punitivas arraigadas no atual sistema, vale frizar à relevância de se avaliar

constantemente os seus resultados, mas com o cuidado e seriedade de se empregar

vários métodos com inúmeros enfoques. Ao aplicar métodos de avaliação, o olhar

retributivo precisa ser substituído pela posição restaurativa. Isso significa um

abandono dos papéis sociais de poder de autoridade exercidos na sociedade. Uma

sugestão interessante dada por Zehr, para avaliar as práticas restaurativas “é

perguntar a todas as partes e atores envolvidos o que eles acreditam estar fazendo

e o por quê”. Nesse ponto, é possível concluir que todos não veêm as coisas da

mesma maneira384.

Além dessa peculiaridade, é importante prestar contas as vítimas e aos demais

atores sociais, inserindo-o em auditorias de fiscalização e audiências públicas. O

debate deve ser estimulado entre os vários segmentos da sociedade, que, por se

tratar de interesse público, precisam participar do processo dialógico e de escuta

para que as “práticas com princípios” sirvam como mote de transformação e

pacificação social na consolidação da cidadania385.

382 CUSTÓDIO, op.cit., p.79. 383 CUSTÓDIO, op.cit., p.79. 384 ZEHR, Howard. Avaliação e princípios da justiça restaurativa. In: SLAKMON, C.; MACHADO, M.; BOTTINI, P. (Org.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça 2006, p. 414. 385 ZEHR, op.cit., p. 415.

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Para Zehr:

A justiça restaurativa alega ser sensível às necessidades dos vários indivíduos e atores, incluindo as vítimas, os infratores e as comunidades. Em uma situação ideal, a justiça restaurativa cria uma arena onde as pessoas podem estabelecer, com limites, o que a justiça significa em seu caso específico. A justiça restaurativa é pós-moderna em sua percepção de que as nossas verdades acerca do que é justiça dependem do nosso contexto e que o conceito de justiça deve ser formado a partir da comunidade. Gostaria de concluir, portanto, com o que se tornou o meu mantra: que a justiça restaurativa é acima de tudo uma forma de alcançar o respeito por todos e que a humildade é imprescindível para atingir esse tipo de respeito. Na minha concepção de humildade, está incluído não colher louros indevidos e, mais importante, eu também incluo a consciência dos limites do que sabemos: um reconhecimento de que o que eu “sei” é apenas uma visão parcial da realidade, e o que eu “sei” é inevitavelmente influenciado pela minha formação e identidade, e o que o que eu “sei” pode não ser verdadeiro para outras pessoas. O que é fundamental para a justiça restaurativa é o compromisso de escutar outras vozes, inclusive as dissonantes. Apenas tivermos como base o respeito e a humildade, poderemos evitar que a abordagem restaurativa da justiça, que nos parece tão libertadora, torne-se um fardo ou até mesmo uma arma que pode ser usada contra as pessoas, como aconteceu em algumas reformas passadas.386.

Vale mencionar que a Justiça Restaurativa também significa a tentativa de

explorar e ocupar esse espaço vazio deixado na comunidade; no entanto, reafirma-

se novamente a necessidade de outros mecanismos e políticas que venham ao

encontro dessa proposta que não é inovadora no cenário global, mas na seara local.

Representa uma inovação, não no sentido de criação, mas de transformação e

aplicação da teoria da Proteção Integral. Nesse aspecto, como mencionado antes, a

comunicação do Sistema de Direitos e Garantias da criança e do adolescente está

com distorções o que prejudica o processo emancipatório dos atores sociais. Mas

como a modernidade e as suas legislações instituídas é uma promessa inacabada é

possível acreditar em propostas transformativas como a Justiça Restaurativa, desde

que não incorram em reproduzir sofisticadamente nas suas práticas as práticas

punitivas e seja efetivamente o que significa para Levinas: “ a justiça é um direito à

palavra”387.

386 ZEHR,op.cit., p. 416. 387 LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e Infinito. Lisboa: Edições 70, 1980, p. 278. A substituição dos homens uns pelos outros, desrespeito original, torna possível a exploração. Na história - história dos Estados - o ser humano aparece como o conjunto de suas obras - vivo, ele é sua própria herança. A justiça consiste em tornar novamente possível a expressão em que, na não-reciprocidade, a pessoa se apresenta única. A justiça é um direito à palavra.

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Como bem explica Muller:

Em termos etimológicos, a palavra “infante” significa aquele que “não fala” (do latim infans, infantis, um composto do prefixo negativo in e do particípio presente do verbo fari, “falar”). Educar uma criança pequena significa ensiná-la a falar, não tanto ensinando a língua-mãe, mas ensinando-a falar com os outros. A fala é o fundamento e a estrutura da socialização, e está caracterizada pela renúncia à violência388.

Partindo desse pressuposto, a Justiça Restaurativa tem como desafio a

transformação cultural, mas trabalhar nesse limite, além de ser um desafio e uma

utopia na concepção de Santos, representa uma outra possibilidade. Ocorre que a

atual justiça também apresenta falhas e principalmente a ausência do mecanismo da

escuta para aqueles que estão envolvidos diretamente com o conflito. Além disso, a

transformação cultural deve passar pela educação, pois educar a falar é comunicar

atitudes e valores. Portanto, os seres humanos precisam aprender que a fala é a

estrutura da socialização e renúncia à violência.

Para Maturana:

Pensamos que a tarefa da educação escolar, como um espaço artificial de convivência, é permitir e facilitar o crescimento das crianças como seres humanos que respeitem a si próprios e os outros com consciência social e ecológica, de modo que possam atuar com responsabilidade e liberdade na comunidade a que pertencem. A responsabilidade e a liberdade só são possíveis desde o respeito por si mesmo, que permite escolher a partir de si não movido por pressões externas389.

De acordo com Maturana,“toda atividade humana ocorre em conversações,

quer dizer, num entrelaçamento da linguagem (coordenações de coordenações

comportamentais consensuais) como o emocionar”390.

Para Costa, a prevenção da delinqüência juvenil e da não-violência não é só da

família enquanto primeiro elemento socializador do ser humano, mas também da

escola, que tem um papel fundamental na formação do indivíduo por ser o segundo

elemento socializador na vida do mesmo. A família e a escola são elementos de

388 MULLER, Jean - Marie. Não-violência na educação. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athenas, 2006, 20. 389MATURANA, Humberto. Formação humana e capacitação. Tradução de Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p.13. 390 MATURANA, op.cit., p.15.

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valores éticos morais e sociais que conduzem o infante ao exercício de uma

cidadania plena391.

Segundo Muller:

O verbo educar significa etimologicamente “trazer para fora” (e-ducare , de ducere , “liderar”). Na antiga Grécia, o pedagogo era um escravo que levava a criança de casa para a escola comunitária (a palavra grega paidagôgos vem de pais, paidos, “criança”, e agein, “liderar”). Esse passo educacional, essa jornada pedagógica que leva a criança para fora da família a fim de chegar a escola, é uma boa expressão para o propósito da educação: transmitir ao aluno valores morais que conduzem à boa cidadania. A escola é um espaço intermediário, um lugar de transição entre o círculo familiar e o amplo mundo lá fora. Depois que a família fez o melhor que pôde para garantir a segurança emocional da criança, é um dos deveres da escola oferecer-lhe a oportunidade de descobrir a sociedade e a convivência com eles. A escola é, portanto, um lugar especial para a socialização cívica e política. A escola não é o mundo, mas a educação deve preparar a criança para viver no mundo; e num primeiro momento deve proteger a criança do mundo. A educação deve ter como principal ambição o preparo das crianças para se tornarem filósofas e cidadãs.392

Com isso, pode-se afirmar que a educação tem um papel relevante e também

deve educar para a não-violência. Para que tal proposta seja possível, não se deve

esquecer que a violência “é a expressão de algo que não conseguiu ser dito” e que a

resposta deve ser “uma tentativa de restabelecer a comunicação”. Por conta disso, é

importante que as instituições educacionais estabeleçam redes com a comunidade e

que busquem as organizações de bairro, especialmente aqueles sujeitos que

tenham um papel social de mediação ou liderança393.

A educação também é uma ação comunicativa para a difusão da paz, portanto,

reforça-se ainda mais, a sua função social em preparar a comunidade pela

linguagem contra a cultura da violência394.

Logo, as políticas públicas preventivas e socioeducativas como a Justiça

Restaurativa devem ser trabalhadas no espaço local para cotejarem resultados 391 COSTA, Marli M. M. Políticas Públicas de Prevenção da Delinqüência Juvenil. In:___. Direito, Cidadania e Políticas Públicas. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2006, p.14. 392MULLER, Jean - Marie. Não-violência na educação. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athenas, 2006,74. 393 MULLER, op.cit.,2006, p.68-69. 394 GUIMARÃES, Marcelo Rezende. Educação para a paz: sentidos e dilemas. Caxias do Sul, RS: Educs, 2005. 364p.

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satisfatórios para a diminuição do cometimento de atos infracionais pelos

adolescentes.

Veronese e Costa complementam:

O Estado precisa cumprir plenamente suas responsabilidades como poder público, intervindo como agente interessado na defesa, na garantia e na ampliação de direitos. A implementação dessa política implica a participação da sociedade e a fixação de previsões orçamentárias concretas. Como se sabe, os Conselhos de Direitos, os Conselhos Tutelares e os Conselhos de Assistência são atores centrais da política de assistência, cabendo-lhes elaborar estratégias e programas de ação, com o apoio material dos respectivos governos estaduais e municipais e, no nível federal. Os Conselhos devem saber combinar suas ações com as do Judiciário e do Executivo. Os governadores e prefeitos precisam ser mobilizados para apoiar os Conselhos e garantir o financiamento necessário aos programas .395

A tentativa dos operadores sociais e jurídicos em meio a sociedade civil396 e

organismos governamentais e não-governamentais estarem discutindo sobre

alternativas de resoluções de conflitos dentro do direito da criança e do adolescente,

clarifica e reafirma o reconhecimento da justiça enquanto solidariedade, pois nas

palavras de Habermas:

Se interpretarmos a justiça como aquilo que é igualmente bom para todos, o “bem” contido na moral constitui uma ponte entre a justiça e a solidariedade. Pois também a justiça entendida universalisticamente exige que uma pessoa responda pela outra – e que, aliás, cada um também responda pelo estranho, que formou a sua identidade em circunstâncias de vida totalmente diferentes e entende-se a si mesmo à luz de tradições que não são as próprias. O bem na justiça lembra que a consciência moral depende de determinada autocompreensão das pessoas morais, que se sabem

395 VERONESE; COSTA, op.cit., p. 175-176. 396 HABERMAS, op.cit., 1997, p.99: [...] o atual significado da expressão “sociedade civil” não coincide com o da “sociedade burguesa”, da tradição liberal, que Hegel chegara a tematizar como “sistema das necessidades”, isto é, como sistema de trabalho social e do comércio de mercadorias numa economia de mercado. Hoje em dia, o termo “sociedade civil” não inclui mais a economia constituída através do direito privado e dirigida através do trabalho, do capital e dos mercados de bens, como ainda acontecia na época de Marx e do marxismo. O seu núcleo institucional é formado por associações e organizações livres, não estatais e não econômicas, as quais ancoram as estruturas de comunicação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida. A sociedade civil compõe-se de movimentos, organizações e associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a esfera pública política. O núcleo da sociedade civil forma uma espécie de associação que institucionaliza os discursos capazes de solucionar problemas, transformando-os em que questões de interesse geral no quadro de esferas públicas. Esses “designs”discursivos refletem, em suas formas de organização, abertas e igualitárias, certas características que compõe o tipo de comunicação em torno da qual se cristalizam, conferindo continuidade e duração.

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pertencentes à comunidade moral. A essa comunidade pertencem todos os que foram socializados numa forma de vida comunicativa qualquer. Indivíduos socializados, pelos fato de somente poderem estabilizar sua identidade em condições de reconhecimento mútuo, são especialmente vulneráveis em sua identidade e, por isso, dependentes de uma proteção especifica. Eles têm de poder apelar para uma instância além da própria comunidade...“.[...]“A partir desta perspectiva, justiça significa simultaneamente solidariedade397.

Para Habermas, a articulação da ética no discurso com o mundo da vida

sugere a solidariedade vivida, que enceta uma “ética na qual a participação

igualitária na tomada de decisões não se referisse apenas ao uso da palavra, mas

também à participação efetiva dos indivíduos e dos grupos”. Ademais, o sentido de

responsabilidade também sugere uma “uma articulação entre palavra e ação, não

podendo haver incompatibilidade entre essas duas dimensões do espaço público”398.

Nas palavras de Santos:

Eis porque, com o desenvolvimento da forças produtivas e a extensão da divisão do trabalho, o espaço é manipulado para aprofundar as diferenças de classes. Esta mesma evolução acarreta um movimento aparentemente paradoxal: o espaço que une e separa os homens 399.

É fundamental a inserção do princípio da solidariedade no espaço público, a

partir de uma redefinição do papel da sociedade e das demais instituições como: a

família, a escola, o Judiciário, do Estado e a própria sociedade civil, tendo por

objetivo maior, consolidar a gestão do social como processo de reconstrução

solidária, de mecanismos de integração e cooperação social400.

No entanto, a “globalização” como um dos mais graves e conseqüentes

problemas sociais, tem conduzido os sujeitos a agirem instrumentalmente, isto é,

seus atos de fala como condição humana, voltam-se a estratégia do sucesso

individual, e o direito acaba sendo empregado como mecanismo de controle do

Estado e do mercado, o que literalmente torna-se uma condicionante para a

397 Habermas, op.cit., 2002, p.41-42. 398 FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12> Acesso em: 20 dez.2007. 399 SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Hucitec, 1992, p.21. 400 VERONESE; COSTA, op.cit., p. 186.

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supressão da solidariedade enquanto justiça, cooperação e igualdade de

oportunidades aos sujeitos de direitos.401

A esse respeito Ladislau se refere “ao reordenamento dos espaços, na medida

em que conceitos como ‘globalização’ trazem uma visão simplificada de abertura e

unificação dos espaços da reprodução social”402. Esse fenômeno ao fragilizar o

Estado diante do mercado demanda que os espaços das metrópoles, das cidades,

de maneira que reconstitua e fortaleça os espaços comunitários, que em

transformação darão outro sentido ao indivíduo, atualmente fragmentado e

atomizado pela economia. O seu fortalecimento enquanto cidadão no espaço público

é primordial para o enfrentamento dos conflitos sociais.

Para Farias:

Na medida em que a construção do espaço público implica a existência de uma referência de solidariedade entre os atores sociais, tendo a considerar o espaço público, essencialmente, como um espaço de solidariedade. Por outro lado, devemos também procurar pensar o espaço da solidariedade como um espaço de diversidade. O espaço da solidariedade deve garantir a unidade incorporando a diversidade. Unidade e diversidade devem coexistir na lógica da solidariedade403.

A descoberta da solidariedade (que tem suas raízes nas revoluções de 1789 e

de 1848 na França), se deu no final do século XIX, na Europa, passando a designar

“uma nova maneira de pensar a relação indivíduo-sociedade, indivíduo-Estado,

enfim, a sociedade como um todo”. No entanto, a solidariedade não deve ser

confundida com o assistencialismo e filantropia, pois é pode ser compreendida

como: “uma nova maneira de pensar a sociedade e uma política concreta, não

somente de um sistema de proteção social”, também como "um fio condutor

indispensável à construção e à conceitualização das políticas sociais". Embora seja

401 FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12> Acesso em: 20 dez.2007. 402 DOWBOR. Ladislau. Da globalização ao poder local: a nova hierarquia os espaços. Disponível em: < http://dowbor.org/5espaco.asp>. Acesso em: 15 jun. 2007. 403 FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12> Acesso em: 20 dez.2007.

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uma terminologia de diversas interpretações dentro da sociedade, constitui fator

determinante na para a consolidação do espaço público404.

Apesar de o espaço público ser uno e diverso, demonstrando que existe

complexidade, pois assim como os indivíduos não são iguais, a comunidades

também são diferentes umas das outras, torna-se necessário a adoção de um

pensamento complexo que contribua para a reconstrução da solidariedade no

espaço público, assim como no resgate de comunidades que precisam ser

respeitadas pelas suas peculiaridades.

Como diz Morin:

[...] A reconstrução da solidariedade pressupõe articular o sistema com o “mundo da vida”, incorporando os aspectos espontâneos das relações interpessoais, dos laços de afetividade que constituem o "estar-junto antropológico", vistos como elementos importantes das formas de solidariedade. As relações de amor e de amizade, por exemplo, têm a capacidade de combinar o Id e o Eu, permitindo combinar o desejo e a empatia, sem identificar um ao outro. Na relação amorosa ou amigável, o sujeito se afirma porque reconhece o outro como sujeito405.

Nesse sentido, a reconstrução da solidariedade deve ser explorada e articulada

entre os atores sociais, para que, como princípio constitucional juntamente com o

principio da cidadania não continue a desempenhar uma mera função simbólica.

Associada a essa idéia está também a de reconstrução do sujeito enquanto ator

social, pois entende-se por ato social o sujeito liberto que concebe a si mesmo a

possibilidade de agir comunicativamente e, com isso, transformando o seu entorno

social. “Portanto, uma das condições da democracia é a reconstrução do sujeito

como ator social”406.

404 FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12> Acesso em: 20 dez.2007. 405 MORIN, Edgar. Meus Demônios. Tradução de Lemeide Duarte e Clarisse Meireles. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1997, p.63 406 FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12> Acesso em: 20 dez.2007.

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Como explica Ladislau:

Esta rearticulação passa por uma redefinição da cidadania, e em particular por uma redefinição das instituições para que os espaços participativos coincidam com as instâncias de decisões significativas. As hierarquizações tradicionais dos espaços já são insuficientes, ou inadequadas, precisamos de muito mais democracia, de uma visão mais horizontal e inter-conectada da estrutura social407.

O que se põe a lume, é que a redefinição da cidadania, com um viés

democrático na estrutura do espaço público, é o reconhecimento dado ao sujeito de

exercer o seu direito de cidadania, assim como poder afirmar que a cidadania são os

direitos humanos que precisam se materializar nas práticas institucionais e serem

compartilhados adequadamente 408. Por isso, há a necessidade de se refletir sobre a

reconstrução do sujeito, que identifica nesse mesmo espaço diverso a solidariedade,

como a local do agir comum.

A propósito, Farias, elucidando tal concepção, diz que:

A reconstrução da solidariedade pressupõe um mundo comum onde a formação da identidade não admite o esmagamento do outro. Ela é feita no reconhecimento da alteridade e da diferença, na convivência com o outro, com o diferente. O mundo comum não pode ser construído sem que seja levada em conta a idéia da alteridade409.

Além disso, pode-se considerar que a rede de políticas públicas sociais

constituídas por atores como a família, a escola, a comunidade, o poder público e a

sociedade civil, ao também admitirem e aplicarem a justiça como sinônimo de

solidariedade, no sentido de estabelecerem parcerias reconhecendo a co-

responsabilidade com suas crianças e adolescentes, partindo de uma cooperação e

aceitabilidade de enfrentamento de desafios arraigados na cultura profunda, estarão

avançando no entendimento mútuo e no discurso pautado pelo consenso que deve

preponderar no espaço local.

407 DOWBOR. Ladislau. Da globalização ao poder local: a nova hierarquia os espaços. Disponível em: < http://dowbor.org/5espaco.asp>. Acesso em: 15 jun. 2007. 408 CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania: reflexões histórico-políticas. Ijuí: Unijuí, 2000, p. 217. 409 FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12> Acesso em: 20 dez.2007.

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Nessa lógica, para Farias:

A reflexão sobre o espaço público e a reconstrução da solidariedade põem em evidência que, numa sociedade democrática, não há diversidade sem historicidade compartilhada, ou seja, a diversidade não exclui a idéia de um espaço comum, pois é a construção do espaço comum que garante a existência da diversidade, e, inversamente, é a existência da diversidade que garante o espaço comum. Nesse sentido, a solidariedade pressupõe a existência de atores sociais capazes de dar um novo rumo ao processo histórico, de iniciar algo de novo, de realizar o improvável e o imprevisível. A sociedade é um processo complexo, aberto, inacabado, que está em permanente desconstrução e reconstrução410.

Dito de outra maneira, a inserção do princípio da solidariedade na sociedade

também como (re)definição dos papéis socioinstitucionais dos demais atores sociais,

inclusive do Estado, é fundamental para o desenvolvimento social e a concretude de

políticas públicas de inclusão social411.

410 FARIAS, José Fernando de Castro. Espaço Público e reconstrução da solidariedade. Disponível em: < http://rolim.com.br/2006/index.php?option=com_content&task=view&id=494&Itemid=12> Acesso em: 20 dez.2007. 411 VERONESE; COSTA, op.cit., p. 186.

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CONCLUSÃO

A elaboração do presente trabalho torna possível concluir que é visível a

preocupação de diversos países do mundo entre eles o Brasil, com novas

alternativas de resolução de conflitos, que adotem o princípio da não-violência.

A Justiça Restaurativa surgiu de movimentos sociais que se preocupavam em

encontrar outras alternativas diferentes do atual sistema, que se sabe inoperante e

fracassado, pois não possibilita a escuta e a efetiva reparação do dano entre as

partes envolvidas no conflito. O que se objetiva com esse modelo, pelo menos em

tese, é oportunizar um espaço de escuta entre os atores sociais (adolescente, vítima

e a comunidade), de tal maneira que além de contribuírem na elaboração do acordo,

exerçam os seus papéis socioinstitucionais juntamente com o Estado para diminuir

as situações problemáticas e melhorar a prestação de serviço nas instituições, com

objeto de evitar a violência institucional e a violência estrutural propriamente dita.

Ao utilizar a Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas, manifesta-se a

preocupação de encontrar o seu fio condutor na Justiça Restaurativa, o que foi

perfeitamente visível, ao observar que ambas enfatizam a importância do agir

comunicativo dos atores sociais, ou seja, a necessidade de um espaço público para

o exercício do diálogo, como processo social de cooperação, integração e

solidariedade social. Nesse contexto, a ação não-social instrumental e a ação

comunicativa são estratégias fundantes da sua teoria para tentar observar se nas

práticas restaurativas, efetivamente, se concretiza o diálogo.

Embora seja difícil de medir e controlar a intersubjetividade de cada sujeito,

pois cada um representa um mundo objetivo e subjetivo a compartilhar pelas regras

do discurso, vale lembrar que, mesmo que o sujeito externe um ato dizendo ser

verdade e no seu ímpeto esteja mentindo, importa para as regras do discurso é que

o que ele externar será considerado verdadeiro, se reconhecido e aceito por todos.

Desse modo, mesmo que o adolescente dissimule estar falando a verdade, não

importará para o círculo restaurativo, o seu sentimento de arrependimento ou

veracidade e, sim, a capacidade de se responsabilizar pelo seu ato, de tal forma que

as alternativas apresentadas por ele para a elaboração conjunta de um acordo

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sejam legítimas e aceitas pelos demais atores sociais. Se assim o for, pode-se

afirmar que o atual modelo de justiça não está ocupando novos espaços para

continuar propagando e aplicando suas práticas punitivas.

Entre as funções do direito está a sua capacidade de solucionar conflitos pela

cooperação, integração e sociabilização entre os atores sociais. Sabe-se que os

atores sociais são os sujeitos livres na condição de cidadãos, que agem

comunicativamente, e por meio das articulações e mobilizações sociais transformam

o seu entorno social. Além disso, considera-se o próprio direito um paradigma

procedimentalista, quando, por exemplo, não se detém estritamente ao conteúdo da

norma, mas ao procedimento que se adotará para a solução de um conflito como as

práticas restaurativas. Observe-se mais uma vez, a sua inter-relação necessária com

a Teoria da Ação Comunicativa.

De sorte a Justiça Restaurativa como espaço de diálogos é desenvolvida no

Brasil em três localidades: São Cateano do Sul, em São Paulo, Brasília no Distrito

Federal e em Porto Alegre no Rio Grande do Sul, na 3ª Vara do Juizado Regional da

Infância e da Juventude. Salienta-se que em Porto Alegre, com a experiência, via

“Projeto Justiça para o Século 21” os facilitadores, que realizam os círculos

restaurativos ou as práticas restaurativas, adotam dois procedimentos para a sua

execução. O primeiro é a técnica da Comunicação Não-Violenta (CNV) do psicólogo

Marshall Rosenberg e a segunda é a técnica da mediação. Denota-se que a CNV

trabalha com uma linguagem limpa, sem subterfúgios e que principalmente reafirma

a importância de se conduzir o diálogo entre os interlocutores, explorando as suas

necessidades humanas e básicas. Resta assim, a mediação pode ser considerada

como sendo processo restaurativo, porém, a abordagem emprega outras técnicas ou

terminologias diferenciadas para que se resolva o conflito. Geralmente, se tem

procurado utilizá-la com a CNV nos conflitos de natureza familiar que podem estar

em torno do ato infracional do adolescente.

Depois de contextualizar a Justiça Restaurativa, seus valores e procedimentos

e a sua relação com a Teoria da Ação Comunicativa, no segundo capítulo trabalhou-

se na construção e reconstrução da parte histórica do Direito da Criança e do

Adolescente a conexão e o desvelamento do discurso assistencialista, filantrópico e

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punitivo que se dissimula pela violência estrutural e as suas mais variadas facetas

como a violência institucional e violência intrafamiliar, como um discurso necessário

e protetivo. Isso significa, que mesmo diante de uma Constituição intitulada “cidadã”

e de um Estatuto para Crianças e Adolescentes cotejado pela teoria da Proteção

Integral, as práticas punitivas permanecem latentes e servindo de estratégia de

controle social e aniquilamento, daqueles que além de serem considerados

“estranhos” (oriundos da pobreza) têm sua cidadania denegada.

Ainda nesse contexto, percebe-se a força do discurso de caráter estrutural

dominante na sociedade, que tende a reduzir o adolescente ao ato infracional que

foi-lhe atribuído. O ato infracional ou as ‘situações problemáticas’ defendidas por

alguns autores significam que o adolescente está tentando encontrar a própria

sintonia, nem que de maneira impositiva ou violenta. Significa dizer quer se fazer

notar por aqueles que os tornaram “invisíveis”, precisa sobreviver. No entanto, não

se quer encontrar aqui justificativas para os seus atos, mas compreensão para que

se possam desenvolver políticas públicas ou de atendimento que tenham nas suas

diretrizes “o agir comunicativamente”, valendo-se da linguagem do amor, do

interesse mútuo e da solidariedade enquanto justiça.

Ademais, mesmo com o Estatuto sob o viés da Doutrina da Proteção Integral,

as ações da família, da sociedade e do próprio Estado são ações não-sociais e

instrumentais, pela peculiaridade de focalizarem suas atenções, para a repressão,

punição e isolamento, não cumprindo efetivamente com o que está disposto no

artigo 227 da Constituição de 88. Nesse contexto, entende-se que a abordagem ao

ato infracional é convencional, ou seja, o nível de moralidade e de perspectiva social

desses entes é comprometida, o que distancia da razão comunicativa e compromete

as políticas públicas de atendimento, em especial, as políticas públicas

socioeducativas. Vale lembrar que as instituições são “instituições de seqüestro”

quando se preocupam apenas em elaborar estratégias de controle do

comportamento humano, nem que, para isso, utilizem disfarçadamente da

educação.

Nas instituições responsáveis pela execução das medidas socioeducativas, as

suas práticas estão distantes do que está disposto no Estatuto com a teoria da

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Proteção Integral. O que opera naquilo que denominam “ações pedagógicas” são

estratégias de controle e dominação do adolescente, que se encontra em uma

situação problemática.

No entanto, a preocupação de alguns segmentos da sociedade e do Poder

Público, a citar, o Judiciário com sua política de justiça pode indicar possibilidades

de transformações sociais, a longa data. Demonstra-se isso pelas discussões em

espaços públicos sobre o sistema de justiça, adotado pela sociedade e a

possibilidade de transformá-lo em outros modelos, como o da Justiça Restaurativa.

Pode-se afirmar que as práticas de tal modelo podem ser acolhidas pelo

ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, o próprio Estatuto, a exemplificar, os artigos

88 e 126, entretanto, o desafio maior está em consolidar o agir e o falar em

mudanças de atitudes, o que representa transformar a cultura arraigada. Dessa

maneira, o discurso se valida e o modelo não se torna evasivo.

Outro aspecto relevante é a definição de políticas públicas, em que pese não é

o maior problema; a dificuldade está na concretização de toda e qualquer política

pública. Nesse sentido, a Justiça Restaurativa é uma política pública de inclusão

social, mais especificadamente, política pública socioeducativa, porém, se for

apenas proveniente de políticas de justiça e estar desarticulada da rede, restringir-

se-à a uma mera política pública compensatória, sem força de contribuir na

autonomia e cidadania dos sujeitos ligados pelo conflito.

E, por fim, no terceiro capítulo, foram apresentados alguns dados coletados no

relatório elaborado pelos responsáveis pelo projeto das práticas restaurativas, além

da amostragem de dados como número de círculos restaurativos realizados pela 3ª

Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre. Portanto, a premissa

maior nesse capítulo da dissertação foi ilustrar e demonstrar, mesmo que

parcialmente, como está sendo realizada a Justiça Restaurativa no Brasil, em

especial em Porto Alegre, de maneira a trazer à tona a reflexão sobre a inserção dos

princípios da subsidiariedade (tratado no 2º capítulo), da solidariedade e da

cidadania no espaço local.

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O que se constatou dos dados de 2005, que foram aproveitados na pesquisa

como fonte secundária, de tal maneira a fazer uma releitura, que os atos infracionais

praticados pelos adolescentes são de natureza patrimonial, como ilustrado

anteriormente na Figura 1, o que demonstra a carência material desses jovens,

oriundos na sua maioria de população pobre.

No mesmo período, em que se deu início o modelo de Justiça Restaurativa em

Porto Alegre, apenas oito círculos foram realizados e desses cinco acordos foram

cumpridos. Embora tenham sido poucos os casos, em virtude de tais práticas

representarem uma novidade para a rede de atendimento a adolescentes e aos

próprios envolvidos pelo conflito, ela serviu de mote para os coordenadores da

experiência se reorganizarem e trabalharem melhor quanto as suas formas de

articulações e inserção dessa nova prática. Dentro dessa seara, considerou-se

importante a organização de um espaço que fosse utilizado para as práticas

restaurativas, denominado: Central de Práticas Restaurativas.

Com a Central de Práticas Restaurativas, no ano de 2006 26 círculos foram

realizados, destacando-se que 20 se deram com a participação da vítima. O que se

notou que os casos encerrados no pré-círculo eram maiores que no círculo. Isso

significa, observando-se os motivos discriminados anteriormente, entre eles, que:

não admitiu-se a autoria do fato, o ofensor e a vítima não aceitaram, os técnicos não

conseguiram realizar o círculo, que há muito a fazer para que as práticas

restaurativas tornem-se o cotidiano daqueles que buscam resolver os seus conflitos.

Até agosto de 2007, dos 64 casos encaminhados a Central de Práticas

Restaurativas realizou-se 19 círculos restaurativos e no pré-círculo 30 foram

encerrados, o que demonstra que os desafios são grandes para que os números de

círculos aumente gradativamente. Uma curiosidade que merece destaque, que dos

motivos de encerramento no pré-círculo se notou uma redução significativa de não-

aceitação do adolescente em participar nas práticas, indicando uma probabilidade

de maior interesse do adolescente em relação a proposta restaurativa, o que merece

ser investigado com maiores detalhes, antes de qualquer conclusão.

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Além desses dados houve a preocupação em verificar os índices de

reincidência, por amostragem nos casos de 2005 e 2006. Foram comparados dois

grupos da mesma natureza, ou seja, na fase do pré-círculo e na fase do círculo

restaurativo. Constatou-se que a reincidência no pré-círculo foi 2,8 % maior do que

no círculo, apresentando uma proporção de reincidência 12,23% maior. Nesse

contexto, mesmo que pequena a variante de porcentagem entre uma fase ou outra,

isto é, no pré-círculo 74,3% e no círculo 77.1% dos 131 casos, pode-se notar a

importância significativa do espaço de escuta como um contributo para o

enfrentamento e reiteração de atos infracionais pelos adolescentes.

No entanto, a reincidência não se resume ao reingresso do adolescente no

sistema de atendimento e, por sua vez, as práticas restaurativas como política

pública de inclusão social isoladas da rede não atingem seus propósitos baseados

na Comunicação Não-Violenta. Portanto, também sobre a reincidência o estudo dos

avaliadores e responsáveis pela experiência deve ser pormenorizada, sendo

necessário o acompanhamento do adolescente desde o ingresso no sistema de

atendimento até a sua inclusão em algum programa de apoio social.

Embora seja cedo para tirar algumas conclusões sobre o modelo de Justiça

Restaurativa, outros pontos merecem ser destacados para que as suas práticas

sejam efetivamente recepcionadas pela comunidade brasileira: aumento de

profissionais qualificados para atuarem como facilitadores dos círculos restaurativos,

dotação orçamentária específica para a realização de tais práticas e maior

mobilização social para que tanto as instituições quanto a sociedade civil rompam

com a cultura da punição e encarem de vez as suas crianças e os seus

adolescentes como prioridade absoluta.

Considerando o exposto retoma-se os seguintes questionamentos: As práticas

da Justiça Restaurativa no Sistema de Justiça e de Atendimento à Infância e da

Juventude aplicadas pela 3ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude de Porto

Alegre podem ser empregados como estratégia de enfrentamento e prevenção à

violência envolvendo adolescentes? E como questionamentos secundários: A

Justiça Restaurativa é um espaço dialógico emancipatório ou emerge no seu centro

o poder punitivo mascarado? E a Justiça Restaurativa é uma política pública de

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inclusão social a adolescentes autores de ato infracional garantidora da cidadania

plena?

Ademais, sobre as práticas restaurativas representarem um espaço dialógico

emancipatório ou repressivo, com os dados coletados e por ser uma experiência

nova na área da infância e juventude, não se tem subsídios suficientes para garantir

sua capacidade de autonomia ou emancipação ao sujeito de direitos. No entanto,

pode-se reafirmar que se tal proposta estiver inter-relacionada com a rede e as

demais políticas públicas significará um avanço nesse sentido.

Portanto, para que se possa consolidar uma política pública de inclusão social,

destacando as políticas públicas socioeducativas, que venha a somar com o modelo

restaurativo, a discussão não pode permanecer somente com o Estado, eis que a

comunidade precisa cooperar na resolução e enfrentamento das suas demandas

sociais. Para que isso ocorra, enfatiza-se aqui a necessidade e importância do

reconhecimento e garantia dos direitos dos sujeitos enquanto cidadãos e o

fortalecimento do capital social como ícone do sentimento de pertencimento dessa

comunidade.

Dito de maneira diferente é possível reafirmar que o modelo restaurativo como

processo dialógico envolve os atores sociais, a saber, a vítima, o ofensor e a

comunidade. É também uma possibilidade de se resgatar as relações comunitárias e

conseqüentemente a tomada de posição da comunidade com relação a co-

responsabilização no conflito, por isso, a sua importância no espaço público de

maneira cooperativa.

Analisando-se as experiências de justiça restaurativa, em especial - na 3ª Vara

do Juizado Regional da Infância e da Juventude Porto Alegre no Estado do RS,

entende-se que esta pode oferecer um locus concreto para democratizar a justiça e

construir cidadania. Também se considera que as práticas restaurativas poderão

assegurar a continuidade democrática, se o espaço oferecido para fala e a escuta

for aberto e amplo para a consolidação e exercício da cidadania plena, não dispondo

de mecanismos dissimulados de punição como estratégias de controle social.

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Resta dizer que o grande desafio dos atores sociais está na criação de um

sistema de real eficácia e integração, que ao acolher as práticas restaurativas, seja

capaz de garantir às crianças e aos adolescentes o pleno exercício da cidadania, por

meio de políticas públicas que enfatizem a inter-relação da família, da comunidade,

do Estado e da sociedade civil. Significa dizer que, como alternativa para o

fortalecimento da rede de atendimento aos infantes, se faz necessário, resgatar a

comunidade e reconstruir a solidariedade no espaço público. Assim, estar-se-ão

utilizando implicitamente os procedimentos restaurativos, pois os mesmos adotam a

linguagem da não-violência para a solução de conflitos. Observe-se que as

necessidades básicas somente são alcançadas pela comunicação, pela capacidade

de entendimento e cooperação mútua.

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ANEXOS

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ANEXO A

CÂMARA DOS DEPUTADOS

PROJETO DE LEI Nº7006 , DE 2006

(Da Comissão de Legislação Participativa)

SUG nº 099/2005

Propõe alterações no Decreto-Lei nº2848, de 7 de dezembro de 1940, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para facultar o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais.

Art. 1° - Esta lei regula o uso facultativo e compl ementar de procedimentos de justiça restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções Penais. Art. 2° - Considera-se procedimento de justiça rest aurativa o conjunto de práticas e atos conduzidos por facilitadores, compreendendo encontros entre a vítima e o autor do fato delituoso e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados, que participarão coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime ou pela contravenção, num ambiente estruturado denominado núcleo de justiça restaurativa. Art. 3° - O acordo restaurativo estabelecerá as obr igações assumidas pelas partes, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das pessoas envolvidas e afetadas pelo crime ou pela contravenção. Art. 4° - Quando presentes os requisitos do procedi mento restaurativo, o juiz, com a anuência do Ministério Público, poderá enviar peças de informação, termos circunstanciados, inquéritos policiais ou autos de ação penal ao núcleo de justiça restaurativa.

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Art. 5° - O núcleo de justiça restaurativa funciona rá em local apropriado e com estrutura adequada, contando com recursos materiais e humanos para funcionamento eficiente. Art. 6° - O núcleo de justiça restaurativa será com posto por uma coordenação administrativa, uma coordenação técnica interdisciplinar e uma equipe de facilitadores, que deverão atuar de forma cooperativa e integrada. § 1º. À coordenação administrativa compete o gerenciamento do núcleo, apoiando as atividades da coordenação técnica interdisciplinar. § 2º. - À coordenação técnica interdisciplinar, que será integrada por profissionais da área de psicologia e serviço social, compete promover a seleção, a capacitação e a avaliação dos facilitadores, bem como a supervisão dos procedimentos restaurativos. § 3º – Aos facilitadores, preferencialmente profissionais das áreas de psicologia e serviço social, especialmente capacitados para essa função, cumpre preparar e conduzir o procedimento restaurativo. Art. 7º – Os atos do procedimento restaurativo compreendem: a)consultas às partes sobre se querem, voluntariamente, participar do procedimento; b)entrevistas preparatórias com as partes, separadamente; c)encontros restaurativos objetivando a resolução dos conflitos que cercam o delito. Art. 8º – O procedimento restaurativo abrange técnicas de mediação pautadas nos princípios restaurativos. Art. 9º – Nos procedimentos restaurativos deverão ser observados os princípios da voluntariedade, da dignidade humana, da imparcialidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da cooperação, da informalidade, da confidencialidade, da interdisciplinariedade, da responsabilidade, do mútuo respeito e da boa-fé. Parágrafo Ùnico - O princípio da confidencialidade visa proteger a intimidade e a vida privada das partes. Art. 10 – Os programas e os procedimentos restaurativos deverão constituir-se com o apoio de rede social de assistência para encaminhamento das partes, sempre que for necessário, para viabilizar a reintegração social de todos os envolvidos. Art. 11 - É acrescentado ao artigo 107, do Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, o inciso X, com a seguinte redação: X – pelo cumprimento efetivo de acordo restaurativo. Art. 12 – É acrescentado ao artigo 117, do Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, o inciso VII, com a seguinte redação: VII – pela homologação do acordo restaurativo até o seu efetivo cumprimento. Art. 13 - É acrescentado ao artigo 10, do Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, o parágrafo quarto, com a seguinte redação:

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§ 4º - A autoridade policial poderá sugerir, no relatório do inquérito, o encaminhamento das partes ao procedimento restaurativo. Art. 14 - São acrescentados ao artigo 24, do Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, os parágrafos terceiro e quarto, com a seguinte redação: § 3º - Poderá o juiz, com a anuência do Ministério Público, encaminhar os autos de inquérito policial a núcleos de justiça restaurativa, quando vitima e infrator manifestarem, voluntariamente, a intenção de se submeterem ao procedimento restaurativo. § 4º – Poderá o Ministério Público deixar de propor ação penal enquanto estiver em curso procedimento restaurativo. Art. 15 - Fica introduzido o artigo 93 A no Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, com a seguinte redação: Art. 93 A - O curso da ação penal poderá ser também suspenso quando recomendável o uso de práticas restaurativas. Art. 16 - Fica introduzido o Capítulo VIII, com os artigos 556, 557, 558, 559, 560, 561 e 562, no Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941, com a seguinte redação:

CAPÍTULO VIII DOPROCESSO

RESTAURATIVO Art. 556 - Nos casos em que a personalidade e os antecedentes do agente, bem como as circunstâncias e conseqüências do crime ou da contravenção penal, recomendarem o uso de práticas restaurativas, poderá o juiz, com a anuência do Ministério Público, encaminhar os autos a núcleos de justiça restaurativa, para propiciar às partes a faculdade de optarem, voluntariamente, pelo procedimento restaurativo. Art. 557 – Os núcleos de justiça restaurativa serão integrados por facilitadores, incumbindo-Ihes avaliar os casos, informar as partes de forma clara e precisa sobre o procedimento e utilizar as técnicas de mediação que forem necessárias para a resolução do conflito. Art. 558 - O procedimento restaurativo consiste no encontro entre a vítima e o autor do fato e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados, que participarão coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime ou contravenção, com auxílio de facilitadores. Art. 559 - Havendo acordo e deliberação sobre um plano restaurativo, incumbe aos facilitadores, juntamente com os participantes, reduzi-lo a termo, fazendo dele constar as responsabilidades assumidas e os

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programas restaurativos, tais como reparação, restituição e prestação de serviços comunitários, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes, especialmente a reintegração da vítima e do autor do fato. Art. 560 – Enquanto não for homologado pelo juiz o acordo restaurativo, as partes poderão desistir do processo restaurativo. Em caso de desistência ou descumprimento do acordo, o juiz julgará insubsistente o procedimento restaurativo e o acordo dele resultante, retornando o processo ao seu curso original, na forma da lei processual. Art. 561 - O facilitador poderá determinar a imediata suspensão do procedimento restaurativo quando verificada a impossibilidade de prosseguimento. Art. 562 -O acordo estaurativo deverá necessariamente servir de base para a decisão judicial final. Parágrafo Único – Poderá o Juiz deixar de homologar acordo restaurativo firmado sem a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ou que deixe de atender às necessidades individuais ou coletivas dos envolvidos. Art. 17 - Fica alterado o artigo 62 , da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, que passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 62 - O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando-se, sempre que possível, a conciliação, a transação e o uso de práticas restaurativas. Art. 18 – É acrescentado o parágrafo segundo ao artigo 69, da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, com a seguinte redação: § 2º – A autoridade policial poderá sugerir, no termo circunstanciado, o encaminhamento dos autos para procedimento restaurativo. Art. 19 – É acrescentado o parágrafo sétimo ao artigo 76, da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, com o seguinte teor: § 7º – Em qualquer fase do procedimento de que trata esta Lei o Ministério Público poderá oficiar pelo encaminhamento das partes ao núcleo de justiça restaurativa. Art. 20 – Esta lei entrará em vigor um ano após a sua publicação. Sala das Sessões, em de de 2006. Deputado GERALDO THADEU Presidente

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ANEXO B PRINCÍPIOS BÁSICOS PARA UTILIZAÇÃO DE PROGRAMAS DE JUSTIÇA RESTAURATIVA EM MATÉRIA CRIMINAL

37ª Sessão Plenária 24 de Julho de 2002

Resolução 2002/12

O Conselho Econômico e Social, Reportando-se à sua Resolução 1999/26, de 28 de julho de 1999, intitulada “Desenvolvimento e Implementação de Medidas de Mediação e Justiça Restaurativa na Justiça Criminal”, na qual o Conselho requisitou à Comissão de Prevenção do Crime e de Justiça Criminal que considere a desejável formulação de padrões das Nações Unidas no campo da mediação e da justiça restaurativa, Reportando-se, também, à sua resolução 2000/14, de 27 de julho de 2000, intitulada “Princípios Básicos para utilização de Programas Restaurativos em Matérias Criminais”no qual se requisitou ao Secretário-Geral que buscasse pronunciamentos dos Estados-Membros e organizações intergovernamentais e não-governamentais competentes, assim como de institutos da rede das Nações Unidas de Prevenção do Crime e de Programa de Justiça Criminal, sobre a desejabilidade e os meios para se estabelecer princípios comuns na utilização de programas de justiça restaurativa em matéria criminal, incluindo-se a oportunidade de se desenvolver um novo instrumento com essa finalidade, Levando em conta a existência de compromissos internacionais a respeito das vítimas, particularmente a Declaração sobre Princípios Básicos de Justiça para Vítimas de Crimes e Abuso de Poder, Considerando as notas das discussões sobre justiça restaurativa durante o Décimo Congresso sobre Prevenção do Crime e do Tratamento de Ofensores, na agenda intitulada “Ofensores e Vítimas – Responsabilidade e Justiça no Processo Judicial, Tomando nota da Resolução da Resolução da Assembléia-Geral n. 56/261, de 31 de janeiro de 2002, intitulada “Planejamento das Ações para a Implementação da Declaração de Viena sobre Crime e Justiça – Respondendo aos Desafios do Século Vinte e um”, particularmente as ações referentes à justiça restaurativa, de modo a se cumprir os compromissos assumidos no parágrafo 28, da Declaração de Viena, Anotando, com louvor, o trabalho do Grupo de Especialistas em Justiça Restaurativa no encontro ocorrido em Ottawa, de 29 de outubro a 1º de novembro de 2001, Registrando o relatório do Secretário-Geral sobre justiça restaurativa e o relatório do Grupo de Especialistas em Justiça Restaurativa, 1. Toma nota dos princípios básicos para a utilização de programas de justiça restaurativas em matéria criminal anexados à presente resolução; 2. Encoraja os Estados Membros a inspirar-se nos princípios básicos para programas de justiça restaurativa em matéria criminal no desenvolvimento e implementação de programas de justiça restaurativa na área criminal; 3. Solicita ao Secretário-Geral que assegure a mais ampla disseminação dos princípios básicos para programas de justiça restaurativa em matéria criminal entre os Estados Membros, a rede de institutos das Nações Unidas para a prevenção do crime e programas de justiça criminal e outras organizações internacionais regionais e organizações não-governamentais; 4. Concita os Estados Membros que tenham adotado práticas de justiça restaurativa que difundam informações e sobre tais práticas e as disponibilizem aos outros Estados que o requeiram;

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5. Concita também os Estados Membros que se apóiem mutuamente no desenvolvimento e implementação de pesquisa, capacitação e outros programas, assim como em atividades para estimular a discussão e o intercâmbio de experiências 6. Concita, ainda, os Estados Membros a se disporem a prover, em caráter voluntário, assistência técnica aos países em desenvolvimento e com economias em transição, se o solicitarem, para os apoiarem no desenvolvimento de programas de justiça restaurativa. Anexo Princípios Básicos para a utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal

PREÂMBULO Considerando que tem havido um significativo aumento de iniciativas com justiça restaurativa em todo o mundo. Reconhecendo que tais iniciativas geralmente se inspiram em formas tradicionais e indígenas de justiça que vêem, fundamentalmente, o crime como danoso às pessoas, Enfatizando que a justiça restaurativa evolui como uma resposta ao crime que respeita a dignidade e a igualdade das pessoas, constrói o entendimento e promove harmonia social mediante a restauração das vítimas, ofensores e comunidades, Focando o fato de que essa abordagem permite que as pessoas afetadas pelo crime possam compartilhar abertamente seus sentimentos e experiências, bem assim seus desejos sobre como atender suas necessidades, Percebendo que essa abordagem propicia uma oportunidade para as vítimas obterem reparação, se sentirem mais seguras e poderem superar o problema, permite os ofensores compreenderem as causas e conseqüências de seu comportamento e assumir responsabilidade de forma efetiva, bem assim possibilita à comunidade a compreensão das causas subjacentes do crime, para se promover o bem estar comunitário e a prevenção da criminalidade, Observando que a justiça restaurativa enseja uma variedade de medidas flexíveis e que se adaptam aos sistemas de justiça criminal e que complementam esses sistemas, tendo em vista os contextos jurídicos, sociais e culturais respectivos, Reconhecendo que a utilização da justiça restaurativa não prejudica o direito público subjetivo dos Estados de processar presumíveis ofensores I – Terminologia 1. Programa de Justiça Restaurativa significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos 2. Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles). 3. Resultado restaurativo significa um acordo construído no processo restaurativo. Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes, bem assim promover a reintegração da vítima e do ofensor. 4. Partes significa a vítima, o ofensor e quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime que podem estar envolvidos em um processo restaurativo.

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5. Facilitador significa uma pessoa cujo papel é facilitar, de maneira justa e imparcial, a participação das pessoas afetadas e envolvidas num processo restaurativo. II. Utilização de Programas de Justiça Restaurativa 6. Os programas de justiça restaurativa podem ser usados em qualquer estágio do sistema de justiça criminal, de acordo com a legislação nacional 7. Processos restaurativos devem ser utilizados somente quando houver prova suficiente de autoria para denunciar o ofensor e com o consentimento livre e voluntário da vítima e do ofensor. A vítima e o ofensor devem poder revogar esse consentimento a qualquer momento, durante o processo. Os acordos só poderão ser pactuados voluntariamente e devem conter somente obrigações razoáveis e proporcionais. 8. A vítima e o ofensor devem normalmente concordar sobre os fatos essenciais do caso sendo isso um dos fundamentos do processo restaurativo. A participação do ofensor não deverá ser usada como prova de admissão de culpa em processo judicial ulterior. 9. As disparidades que impliquem em desequilíbrios, assim como as diferenças culturais entre as partes, devem ser levadas em consideração ao se derivar e conduzir um caso no processo restaurativo. 10. A segurança das partes deverá ser considerada ao se derivar qualquer caso ao processo restaurativo e durante sua condução. 11. Quando não for indicado ou possível o processo restaurativo, o caso deve ser encaminhado às autoridades do sistema de justiça criminal para a prestação jurisdicional sem delonga. Em tais casos, deverão ainda assim as autoridades estimular o ofensor a responsabilizar-se frente à vítima e à comunidade e apoiar a reintegração da vítima e do ofensor à comunidade. III - Operação dos Programas Restaurativos 12. Os Estados membros devem estudar o estabelecimento de diretrizes e padrões, na legislação, quando necessário, que regulem a adoção de programas de justiça restaurativa. Tais diretrizes e padrões devem observar os princípios básicos estabelecidos no presente instrumento e devem incluir, entre outros: a) As condições para encaminhamento de casos para os programas de justiça restaurativos; b) O procedimento posterior ao processo restaurativo; c) A qualificação, o treinamento e a avaliação dos facilitadores; d) O gerenciamento dos programas de justiça restaurativa; e) Padrões de competência e códigos de conduta regulamentando a operação dos programas de justiça restaurativa. 13. As garantias processuais fundamentais que assegurem tratamento justo ao ofensor e à vítima devem ser aplicadas aos programas de justiça restaurativa e particularmente aos processos restaurativos; a) Em conformidade com o Direito nacional, a vítima e o ofensor devem ter o direito à assistência jurídica sobre o processo restaurativo e, quando necessário, tradução e/ou interpretação. Menores deverão, além disso, ter a assistência dos pais ou responsáveis legais. b) Antes de concordarem em participar do processo restaurativo, as partes deverão ser plenamente informadas sobre seus direitos, a natureza do processo e as possíveis conseqüências de sua decisão; c) Nem a vítima nem o ofensor deverão ser coagidos ou induzidos por meios ilícitos a participar do processo restaurativo ou a aceitar os resultados do processo. 14. As discussões no procedimento restaurativo não conduzidas publicamente devem ser confidenciais, e não devem ser divulgadas, exceto se consentirem as partes ou se determinado pela legislação nacional. 15. Os resultados dos acordos oriundos de programas de justiça restaurativa deverão, quando apropriado, ser judicialmente supervisionados ou incorporados às decisões ou

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julgamentos, de modo a que tenham o mesmo status de qualquer decisão ou julgamento judicial, precluindo ulterior ação penal em relação aos mesmos fatos. 16. Quando não houver acordo entre as partes, o caso deverá retornar ao procedimento convencional da justiça criminal e ser decidido sem delonga. O insucesso do processo restaurativo não poderá, por si, usado no processo criminal subseqüente. 17. A não implementação do acordo feito no processo restaurativo deve ensejar o retorno do caso ao programa restaurativo, ou, se assim dispuser a lei nacional, ao sistema formal de justiça criminal para que se decida, sem demora, a respeito. A não implementação de um acordo extrajudicial não deverá ser usado como justificativa para uma pena mais severa no processo criminal subseqüente. 18. Os facilitadores devem atuar de forma imparcial, com o devido respeito à dignidade das partes. Nessa função, os facilitadores devem assegurar o respeito mútuo entre as partes e capacita-las a encontrar a solução cabível entre elas. 19. Os facilitadores devem ter uma boa compreensão das culturas regionais e das comunidades e, sempre que possível, serem capacitados antes de assumir a função. IV. Desenvolvimento Contínuo de Programas de Justiça Restaurativa 20. Os Estados Membros devem buscar a formulação de estratégias e políticas nacionais objetivando o desenvolvimento da justiça restaurativa e a promoção de uma cultura favorável ao uso da justiça restaurativa pelas autoridades de segurança e das autoridades judiciais e sociais, bem assim em nível das comunidades locais. 21. Deve haver consulta regular entre as autoridades do sistema de justiça criminal e administradores dos programas de justiça restaurativa para se desenvolver um entendimento comum e para ampliar a efetividade dos procedimentos e resultados restaurativos, de modo a aumentar a utilização dos programas restaurativos, bem assim para explorar os caminhos para a incorporação das práticas restaurativas na atuação da justiça criminal. 22. Os Estados Membros, em adequada cooperação com a sociedade civil, deve promover a pesquisa e a monitoração dos programas restaurativos para avaliar o alcance que eles tem em termos de resultados restaurativos, de como eles servem como um complemento ou uma alternativa ao processo criminal convencional, e se proporcionam resultados positivos para todas as partes. Os procedimentos restaurativos podem ser modificados na sua forma concreta periodicamente. Os Estados Membros devem porisso estimular avaliações e modificações de tais programas. Os resultados das pesquisas e avaliações devem orientar o aperfeiçoamento do gerenciamento e desenvolvimento dos programas. V. Cláusula de Ressalva 23. Nada que conste desses princípios básicos deverá afetar quaisquer direitos de um ofensor ou uma vítima que tenham sido estabelecidos no Direito Nacional e Internacional. Tradução Livre por Renato Sócrates Gomes Pinto

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