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O clientelismo do governo militar nas comunicações * Suzeley Kalil Mathias ** Introdução *** Existe a tendência, particular no Brasil, mas encontrada também em vários países que vivenciaram regimes autoritários-burocráticos ao longo das décadas de 1960 e 1970, 1 de afirmar que as Forças Armadas não apenas tomaram o poder central em 1964, mas também influencia- ram largamente a reforma da administração pública, militarizando-a. Neste artigo pretendemos discutir como se deu este processo para o sensível setor das Comunicações. Nossa hipótese é que se houve militarização no âmbito das Comunicações, esta não teve o sentido que normalmente se- lhe atribui, mas antes as Forças Armadas introduziram novas formas de atuação para realizar velhas práticas no que se refere à tomada de decisão. É verdade que toda mudança de governo, mormente quando este é basicamente formado por composições com participação majoritária * Submetido e aprovado para publicação em dezembro de 2001. ** Doutora em Ciências Sociais, Professora de Teoria Política da graduação e pós-graduação em História (UNESP-Franca), pesquisadora do GEDES (CELA-UNESP-Franca) e do NEE (UNICAMP), é autora, entre outros, de Distensão no Brasil: o projeto militar (1973-1979), Campinas, Papi- rus, 1995 e co-organizadora de Entre votos e botas: as Forças Armadas no labirinto Latino Americano do novo milênio. Franca, UNESP, 2001. *** Esse artigo se inspira no capítulo “Os militares nas comunicações” de nossa tese de doutora- mento “Forças Armadas e Administração Pública: a participação militar nas Comunicações e na Educação (1961/1990)”. Campinas, IFCH-UNICAMP, 1999. 1 O principal teórico desses regimes, e de quem tomamos o conceito, é Guillermo O’Donnell, que desenvolveu vários trabalhos a respeito, condensados principalmente em Análise do Au- toritarismo Burocrático. R. J., Paz e Terra, 1990. A melhor síntese desta definição é de Juan Linz, para quem os regimes autoritário-burocráticos “...são sistemas políticos com: pluralis- mo limitado, não responsável, sem ideologia orientadora, mas com mentalidades distintas, sem mobilização política extensiva ou intensiva, exceto em alguns pontos de seu desenvolvi- mento, e no qual um lider ou, ocasionalmente um pequeno grupo exerce o poder dentro de limites formalmente mal definidos, mas, na realidade, bem previsíveis.” Juan Linz “Regimes Autoritários”. In PINHEIRO, P.S. (org.) Estado Autoritário e movimentos populares. R.J., Paz e Terra, 1980, p. 121. Comunicação&política, n.s., v.X, n.1, p.119-129

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119 O clientelismodogovernomilitar nascomunicaesO clientelismo do governo militarnas comunicaes*Suzeley Kalil Mathias**Introduo***Existe a tendncia, particular no Brasil, mas encontrada tambmem vrios pases que vivenciaram regimes autoritrios-burocrticos aolongo das dcadas de 1960 e 1970,1 de afirmar que as Foras Armadasno apenas tomaram o poder central em 1964, mas tambm influencia-ram largamente a reforma da administrao pblica, militarizando-a. Nesteartigo pretendemos discutir como se deu este processo para o sensvelsetor das Comunicaes. Nossa hiptese que se houve militarizaonombito das Comunicaes, esta no teve o sentido que normalmente se-lhe atribui, mas antes as Foras Armadas introduziram novas formas deatuao para realizar velhas prticas no que se refere tomada de deciso. verdade que toda mudana de governo, mormente quando este basicamente formado por composies com participao majoritria*Submetido e aprovado para publicao em dezembro de 2001.**Doutora em Cincias Sociais, Professora de Teoria Poltica da graduao e ps-graduao emHistria (UNESP-Franca), pesquisadora do GEDES (CELA-UNESP-Franca) e do NEE (UNICAMP), autora, entre outros, de DistensonoBrasil: oprojetomilitar (1973-1979), Campinas, Papi-rus, 1995 e co-organizadora de Entrevotosebotas: as Foras Armadas no labirinto LatinoAmericano do novo milnio. Franca, UNESP, 2001.***Esse artigo se inspira no captulo Os militares nas comunicaes de nossa tese de doutora-mento Foras Armadas e Administrao Pblica: a participao militar nas Comunicaes ena Educao (1961/1990). Campinas, IFCH-UNICAMP, 1999.1O principal terico desses regimes, e de quem tomamos o conceito, Guillermo ODonnell,que desenvolveu vrios trabalhos a respeito, condensados principalmente em AnlisedoAu-toritarismoBurocrtico. R. J., Paz e Terra, 1990. A melhor sntese desta definio de JuanLinz, para quem os regimes autoritrio-burocrticos ...so sistemas polticos com: pluralis-mo limitado, no responsvel, sem ideologia orientadora, mas com mentalidades distintas,sem mobilizao poltica extensiva ou intensiva, exceto em alguns pontos de seu desenvolvi-mento, e no qual um lider ou, ocasionalmente um pequeno grupo exerce o poder dentro delimites formalmente mal definidos, mas, na realidade, bem previsveis. Juan Linz RegimesAutoritrios. In PINHEIRO, P.S. (org.) EstadoAutoritrioemovimentospopulares. R.J., Paz eTerra, 1980, p. 121.Comunicao&poltica, n.s., v.X, n.1, p.119-129120 Suzeley Kalil Mathiascastrense e tem como origem um golpe militar, tende a controlar o setorde comunicao e imprensa do pas. Nos regimes democrticos h sem-pre algum controle pblico. Todavia, preciso considerar que dadas ascaractersticas das Comunicaes, seu controle responde a necessidadestcnicas que pedem a normalizao do uso por vrios atores de um mes-mo espectro eletromagntico, as faixas de onda e, de outro lado, essecontrole supe a prestao de servios de utilidade pblica populaobem como sua defesa em casos extremados. No Brasil, em 1964, quandoo presidente da Repblica Joo Goulart foi deposto, no foi diferente.Justamente por essas caractersticas das Comunicaes que a es-colhemos para visualizar se houve e como se deu a militarizao do setorno Brasil. Entretanto, no vamos nos ater ao setor em sua totalidade;nosso objetivo restringiu-se ao sistema de radiodifuso, pois este tem,como caracterstica, alm das determinaes tcnicas, no s a necessi-dade econmica de cada emissora para se manter, mas tambm envolvea questo dos contedos transmitidos. Essa ltima caracterstica, quepodemos chamar de ideolgica, o particulariza frente telefonia e trans-misso de dados.Neste sentido, nossa proposta aqui discutir como a poltica dogoverno militar para as Comunicaes se reflete nas concesses de rdio eteleviso no perodo compreendido entre 1961-1992. A resposta queperseguimos diz respeito s possveis mudanas nos programas governa-mentais entre poder civil e poder militar e, mais, se possvel perceber aconstituio de uma poltica pblica conseqente para este setor que re-flita, ainda que indiretamente, as expectativas de integrao nacional,objetivo explcito de vrios governos militares.Antes de mais nada, preciso definir o que se entende aqui pormilitarizao, para que fique claro qual nossa linha de abordagem paraavaliar a hiptese colocada. Assim, aqui adotamos trs sentidos para otermo militarizao:1. militarizaodiz respeito participao fsica ou ocupao de cargosda administrao pblica civil pelos militares. Neste caso, supe-seque a administrao um meio de transmitir interesses para todo osistema poltico. A apreenso do fenmeno aqui mais fcil, pois tra-ta-se de comparar quantitativamente o peso de cada ator (civil e mili-tar) na burocracia estatal;2. militarizaopode ser ainda a realizao, por meio das polticas gover-namentais, das doutrinas defendidas ou formuladas pelos militares.Assim, quando uma poltica segue padres geopolticos ou responde121 O clientelismodogovernomilitar nascomunicaesao autoritarismo embutido na Doutrina de Segurana Nacional, pode-se dizer que ela realiza um processo de militarizao;3. a impresso ou transferncia de valores castrenses para a administra-o pblica tambm entendida como militarizao. Em outras pala-vras, o ethos poltico (ou que vigora na Polis) equivalente ao ethosmilitar.2 Neste caso, a definio profundamente subjetiva e somen-te pode ser apreendida indiretamente.No primeiro sentido, apreende-se a participao militar direta noprocesso de deciso, pois trata-se, na maioria das vezes, da presena fsicade membros das Foras Armadas em cargos que, por definio, so civis.Nos dois outros sentidos, muito mais a influncia militar sobre o pro-cesso de deciso que enfocado pela anlise, pois aqui o ator pode ser umcivil (ou um grupo de pessoas) que comungue e transmita valores e com-portamentos castrenses.Em outra oportunidade trabalhamos com a militarizaodo pro-cesso de deciso no Ministrio das Comunicaes tomando o termo noprimeiro e terceiro sentidos. Nosso objetivo aqui, considerando os limitesdisponveis, ser verificar quais os fatores que nortearam a poltica deconcesses na rea de comunicaes entre 1964 e 1989, procurando, pois,perceber se houve um processo de militarizaodo setor no sentido dasegunda definio elencada, isto , se as comunicaes foram um vetor derealizao da ideologia castrense durante o governo militar e se esta per-maneceu ao longo do primeiro governo civil subseqente, ou se, ao con-trrio, a lgica prevalecente sempre foi a mesma e, neste caso, intenta-semostrar seus contornos.As bases do setor de ComunicaesSe, por um lado, o espectro das faixas de onda responde a leis fsicasque tm validade universal, o que implica que sua administrao sigaestes critrios primrios, por outro, a destinao das faixas de onda nosegue este mesmo padro, mas sim interesses que so definidos pelospases, da cada um ter desenvolvido um sistema prprio.2Compartilhamos aqui a viso de Oliveiros Ferreira, conforme expressada por exemplo empalestra proferida no NEE-UNICAMP em 27/11/98.Comunicao&poltica, n.s., v.X, n.1, p.121-127122 Suzeley Kalil MathiasHistoricamente, desde as primeiras transmisses radiofnicas, nosanos da I Guerra Mundial, este setor foi sensvel ao controle dos milita-res. Isto porque, alm dos limitados conhecimentos sobre as ondashertzianas, o setor castrense via o desenvolvimento da radiodifuso comouma ameaa segurana nacional. Prova disso est no prprio desenvol-vimento do setor, que ganha impulso exatamente nos perodos de confli-to intenso entre os pases,3 e no tipo de linguagem que domina o setor.4A histria da radiodifuso no Brasil bastante tortuosa e seu mo-delo, apesar de nos seus primrdios assemelhar-se ao americano, foi umaconstruo semelhante da Europa.5 bom lembrar que no houve umatransposio de modelos dos pases centrais para o Brasil, pois na verdadeos dilemas colocados se apresentaram simultaneamente para ns e paraeles, mas sim um modelo que inspirou a constituio do setor de teleco-municaes que, reafirmando, no caso do Brasil foi muito mais europeudo que norte-americano.Como nos outros pases, aqui tambm as telecomunicaes sempreforam vistas como um monoplio do Estado. Isto no implicou, no en-tanto, em que as atividades do setor fossem realizadas pelo setor pblico.Ao contrrio, mesmo a regulamentao nesta rea foi tardia. Pode-sedizer, ento, que muito do atraso do setor deveu-se falta de iniciativa dosetor privado em relao aos servios de comunicao.Tambm quanto interferncia e participao dos militares, o Brasilno fugiu regra geral, mas talvez aqui a ingerncia das Foras Armadasnas telecomunicaes tenha sido maior e mais duradoura do que nos de-mais pases. O melhor exemplo desta participao est na prpria com-posio da Comisso Tcnica de Rdio (CTR), criada em 1931 e que3A disputa tcnica, especialmente durante a Primeira Guerra Mundial, permite que o rdiose desenvolva de forma acelerada e, em menos de vinte e cinco anos da primeira transmisso,ele j comea a fazer parte do cotidiano internacional. Rapidamente, os Estados Unidosentram na concorrncia, que obedece a linha da melhor performance tcnica, e levam vanta-gem. Grandes conglomerados econmicos, como a Westinghouse, comeam a exportar equi-pamentos transmissores para vrios pases, entre eles o Brasil. NUNES, M. A. M. RdiosLivres. O outro lado da voz do Brasil. Dissertao de Mestrado em Comunicao. ECA-USP, S.P., 1995, cap. 2, digitado.4Como, por exemplo, o termo ingls para radiodifuso broadcast, que originalmente designa-va a disseminao das ordens do comando para a esquadra na Marinha americana, quepassou a ser feita pelo rdio, incorporando, pois, o jargo. MACHADO, A. A artedovdeo.S.P.: Brasiliense, 1988.5ASSIS FERNANDES, F. 65 anos de radiodifuso no Brasil. Revista Brasileira deComunica-o. Ano X, n 56, jan-jun, S.P., 1987, p. 77-81.123 O clientelismodogovernomilitar nascomunicaescontrolou o setor de radiodifuso at 1962. Dos trs membros que delafaziam parte, dois eram indicados pelos ministrios militares, e o seu pre-sidente sempre foi um membro das Foras Armadas.Considerando a evoluo dos meios de comunicao no pas, pode-se dizer que por aqui se desenvolveu um sistema misto, no qual convivemempresas publicas e privadas, mas bastante diferente do sistema euro-peu, pois inexistem grandes redes pblicas nos servios de radiodifuso,embora o Estado exera controle bastante amplo sobre o setor tanto pormeio de medidas diretas como a manuteno de cesso de horriosgratuitos para o governo nos meios de comunicao quanto indiretas as verbas de propaganda dos projetos do governo em seus vrios nveisso essenciais sobrevivncia de vrias emissoras.Em contrapartida, este setor parece ser o mais sensvel aos proces-sos globais de desenvolvimento. Qui isto explique os motivos pelosquais os problemas surgem simultaneamente em pases centrais e perif-ricos. Da mesma forma que no incio do desenvolvimento dos meios decomunicao no mundo, atualmente tambm se coloca para o Brasil, anecessidade de rever os modelos de suas comunicaes. Por enquanto,seguindo os passos (fracassados) do neoliberalismo, o pas tm simplesmen-te buscado manter os nichos do Estado encravado nas empresas privadas dosetor, ao mesmo tempo em que levou a cabo a venda das estatais.Em resumo, o que mostra este breve histrico do setor que aforma de organizao dos servios de telecomunicaes de um pas nopode ser imediatamente deduzida das caractersticas assumidas pelo regi-me poltico ou pelo modo de produo dominante naquela sociedade.Isto no implica dizer que tais caractersticas no so importantes, mas oso somente quando tomadas em conjunto com uma gama de fatores,entre eles os fatores tcnicos que so especficos a esta atividade.6Do ponto de vista jurdico, a despeito de somente ser regulamen-tada em 1962, por meio da Lei 4.117, as telecomunicaes merecemateno do poder pblico, que as define, desde o II Reinado, como umaatividade do Estado, o qual poderia outorgar concesses.7 Com o adven-6OLIVEIRA, D. Estado e mercado na radiodifuso, Dissertao de Mestrado, IFCH-UNI-CAMP. Campinas, 1990, digit..7Todas as Constituies brasileiras (...) foram unnimes em determinar a competncia daUnio para a explorao, direta ou por meio de concesso, dos servios de radiodifuso, quepodem ser exercidos por empresas privadas mediante concesso ou autorizao, a prazo certoe a ttulo precrio. ORTRRIWANO, G. S. A informao no rdio: critrios de seleo denotcias. Dissertao de Mestrado. ECA-USP, S.P., 1982, mimeografado, p.107.Comunicao&poltica, n.s., v.X, n.1, p.123-125124 Suzeley Kalil Mathiasto da Repblica, adota-se uma poltica descentralizada para o setor (tele-fonia), segundo a qual os Estados da Federao adquirem o poder deregulamentar as concesses.Para os interesses deste trabalho, duas outras leis anteriores aoCdigo de 1962 precisam ser mencionadas. A primeira a Lei 2.597, de12/09/1955, que estabelece as faixas de fronteira e zonas de defesa dopas. O seu art. 6 afirma: So consideradas de interesse para a segurananacional: (...) e) os meios de comunicao, como rdio, televiso, telefonee telgrafo. Instituia-se, assim, a necessidade de ouvir-se o Conselho deSegurana Nacional nas concesses dos meios de comunicao. impor-tante mencionar, tambm, a Lei 3.654, de 04/11/1959. Por meio desta,criam-se as Armas de Comunicaes e Engenharia no Exrcito. Se antesj eram os militares que dominavam o setor, pois que suas escolas forne-ciam os especialistas para a rea, bem como dominavam legalmente oCTR, agora ganhavam maior legitimidade para interferir no processo.8Note-se que ambas as leis, como tambm o Cdigo Brasileiro de Teleco-municaes (CTB) so anteriores ao golpe militar de 1964 e, portanto, ainterferncia militar no setor j era no apenas admitida como normatizada. a partir da promulgao do CBT, no entanto, que o setor ganhauma poltica independente do arbtrio do poder constitudo. Se antes doCdigo as concesses e sua manuteno dependiam largamente do hu-mor do presidente da Repblica e de seus auxiliares, depois de 1962, como setor regulamentado, as medidas tomadas deviam seguir, ao menosformalmente, a letra da Lei.Talvez isto explique a dificuldade de regulao do setor, pois re-presentava, sob dado ponto de vista, a perda de poder por parte do Exe-cutivo Federal. Um exemplo disso que, votada a Lei, Joo Goulart aps-lhe 52 vetos,9 todos derrubados pelo Congresso por um bem montado8As primeiras escolas de engenharia de comunicao no vinculadas s Foras Armadas so-mente iro surgir no Brasil na dcada de 60. At l, so os engenheiros militares que domi-nam o saber tcnico na rea.9Entre os vetos, talvez o mais significativo porque exemplifica o desejo de manter o podersobre os meios de comunicao, tenha sido o do 3 do Art. 33, que estabelecia os prazos deconcesso: Os prazos de concesso e autorizao sero de 10 (dez) anos para o servio deradiodifuso sonora e de 15 (quinze) anos para o de televiso, podendo ser revogados porperodos sucessivos e iguais, se os concessionrios houverem cumprido todas as obrigaeslegais e contratuais, mantida a mesma idoneidade tcnica, financeira e moral e atendido ointeresse pblico (art. 29, letra x). Cf. SANTOS, R. VadeMecumda comunicao. R.J.: ed.Destaque, 1995, p.147.125 O clientelismodogovernomilitar nascomunicaeslobby que envolvia empresrios do setor, o Estado Maior das Foras Ar-madas e partidrios da UDN.10O CTB passa a funcionar de fato somente a partir de maio de 1963,quando da sua regulamentao geral (Decreto 52.026, de 20/05/1963). nesta regulamentao que se estabelece o funcionamento do ConselhoNacional de Telecomunicaes CONTEL e de seu rgo fiscalizador, oDepartamento Nacional de Telecomunicaes DENTEL (Art. 17); seclassificam os servios (Art. 4), e as competncias para explorao (Arts.7 e 8).Se do ponto de vista da legislao tudo estava feito, a estruturaodo setor atravessou o governo militar, levando 10 anos para ser constitu-da, acompanhando as contradies do regime e influenciada pelas oscila-es do crescimento econmico do perodo. A participao no uso de umsatlite internacional (1965), ao lado da constituio de um sistema detroncos de microondas (1969-1973), permitir, finalmente, a interligaode todo o pas atravs de telefone e televiso.11 A culminncia destapoltica, todavia, apresenta-se com a criao do Ministrio das Comuni-caes, em 1967; da TELEBRS, em 1972, e da RADIOBRS, em 1975.As concesses como poltica governamentalA utilizao das concesses de estaes e servios de telecomunica-es como moeda de troca no mundo da poltica encontra limites tcni-cos e tambm no prprio comportamento dos atores envolvidos nas dis-putas governamentais. Em outras palavras, alm das fronteiras tcno-jurdicas, a questo que est embutida na gesto do setor de comunicaoenvolve a disputa por prestgio a partir do controle de um setor sensvels escolhas polticas, e tambm descreve as escolhas daqueles que estono poder, sendo o resultado de uma trama que espelha a poltica destemesmo governo.Para a anlise, utilizamos duas sries de dados. O primeiro, dizrespeito s estaes de rdio e televiso existentes no pas entre 1967-85divididos por unidade da federao. A segunda descreve as outorgas de10BENEVIDES, M.V. A UDN eoUdenismo: ambigidades do liberalismo brasileiro (1945-1965).R.J: Paz e Terra, 1985, p. 104.11OLIVEIRA, D. Estado e mercado na radiodifuso, Dissertao de Mestrado, IFCH-UNI-CAMP. Campinas, 1990, digit.., p. 158.Comunicao&poltica, n.s., v.X, n.1, p.125-123126 Suzeley Kalil Mathiasestaes de rdio e televiso, por unidade da federao, no perodo de1961 a 1992.12So os dados relativos s concesses os que oferecem maiores possi-bilidades para anlise, pois a partir deles possvel inferir quais as preo-cupaes que regiam as decises governamentais na rea de telecomuni-caes, respondendo, com maior preciso, a questes relativas s preten-ses geopolticas, econmicas ou clientelsticas que envolvem o compor-tamento dos atores nesta arena. Em outras palavras, tomando os dadosde forma desagregada, isto , registrando o tipo de concesso e sua loca-lizao geogrfica (ainda que no nominal), possvel avaliar com maiorpreciso se existia uma poltica traada pelo governo, como este fazia usode um bem como as estaes de rdio e televiso, se as cassaes, porexemplo, eram fruto de um programa ditado pelos militares, etc.Geopoltica das comunicaesUma das hipteses que podem exemplificar a participao castrensenas Comunicaes diz respeito segurana territorial. Considerando odiscurso esguiado como representativo, a manuteno da integridadeterritorial e a integrao nacional so os dois primeiros objetivos nacio-nais permanentes.13 Estes so garantidos por meio do estabelecimentode vias de comunicao (estradas) e da vivificao das fronteiras, o quepoderia ser facilitado por um eficiente programa de telecomunicaes.Corrobora esta viso, o discurso geopoltico de resto, traduzidopela ESG e por seu principal expoente, Golbery do Couto e Silva 14 queprevaleceu no Brasil durante o governo autoritrio e que apregoava aconstruo do Brasil como potncia hegemnica regional,15 o que impli-12Os dados aqui discutidos podem ser consultados em nossa Tese de Doutoramento, citada.Esses dados foram conseguidos junto ao PRODASEM Processamento de Dados do Senado pelo empenho de Tota e do auxlio de Iara Beleli, a quem agradecemos.13Escola Superior de Guerra. Manual Bsico. R.J.: ESG/Depto. de Estudos, 1975, principal-mente pp.50-1. Veja tambm COMBLIN, J. A ideologia da segurana nacional: o poder militar naAmrica Latina. R.J.: Civilizao Brasileira, 1978, especialmente capitulos 1-II e 4-I.14Cf. COUTO e SILVA, G. Conjuntura poltica nacional, opoder executivo. R.J.: Jos Olympio ed.,1981. Para uma crtica, veja MELLO, L. I. A. Golbery revisitado: da abertura controlada democracia tutelada. In MOISS, J.A. & ALBUQUERQUE, J.A. (orgs.) Dilemasda consolidaodademocracia. R.J.: Paz e Terra, 1989.15MIYAMOTO, S. Geopoltica epoder noBrasil. Campinas: Papirus, 1995.127 O clientelismodogovernomilitar nascomunicaesca em uma poltica desenvolvimentista agressiva em relao aos seus vizi-nhos, em que os projetos e obras, incluindo o setor de comunicaes,perseguiam esta finalidade, ou seja, subordinar os pases limtrofes daAmrica do Sul esfera de influncia brasileira. Tambm devemos consi-derar que houve um aumento das preocupaes governamentais com afronteira norte do pas a partir dos anos 80, o que pode ser corroboradopela nomeao de um adido militar para o Suriname em 1980.16 Tudoisto, para a rea de telecomunicaes, traduzir-se-ia em um crescimentodas concesses de estaes nas faixas de fronteira, implicando em umaumento progressivo das estaes nestes locais.Conforme pode ser consultado nos Anuriosdo IBGE, h um cres-cimento do nmero de estaes no Brasil no perodo considerado. Mas,pelo menos em termos de estaes de rdio, este maior nos anos 80, jsob o governo civil. Alm disso, o nmero de estaes de rdio existentenas reas fronteirias bastante pequeno, e seu crescimento absoluto igualmente insignificante. No Acre, por exemplo, acusam-se trs esta-es em funcionamento em 1967, nmero que sobe lentamente, e chegaa apresentar queda entre 1978 e 1981, at atingir treze estaes em 1985.Somos, ento, levados a crer que no existe nenhuma relao entre apoltica de comunicaes e a participao militar nesta.Todavia, quando se atenta para o crescimento percentual entre 1967e 1985, verifica-se que os maiores crescimentos acontecem nos Estadosque esto na faixa de fronteira norte, particularmente naquelas regiescom estatuto de territrio (at 1988). Assim, o Amap apresenta umcrescimento de 400% no perodo, sendo seguido por Rondnia (333%) eRoraima (300%).Poder-se-ia, assim, afirmar que existia uma preocupao com a se-gurana nacional territorial e, portanto, o governo no perodo buscouimplementar projetos no sentido de fazer aumentar as comunicaes r-pidas no pas, estimulando a criao de estaes nas regies prximas sfronteiras. Essa afirmao corroborada, tambm, quando nota-se queno Mato Grosso o crescimento das estaes apresentado foi de 275%,maior do que do Acre e Amazonas (que apresentaram 200% de cresci-mento), o que refuta o aumento da preocupao com a fronteira norte,16MIYAMOTO, S. Do discurso triunfalista ao pragmatismo ecumnico (Geopoltica e polticaexterna no Brasil ps-64). Tese de Doutoramento em Cincia Poltica, FFLCH-USP, S.P.,1985, p. 277.Comunicao&poltica, n.s., v.X, n.1, p.127-121128 Suzeley Kalil Mathiasmas refora a viso de estabelecimento de uma relao de hegemoniasubordinao com os pases da fronteira oeste.No caso do Mato Grosso, deve-se considerar tambm que a regiofoi territrio de expanso geogrfica (populacional) no perodo pesquisado,o que influenciou o governo na expanso das telecomunicaes para l.Aqui a hiptese de integrao nacional como parmetro de poltica p-blica reforada.Contra essa anlise, pesaria o fato de o crescimento no nmero deestaes de rdio apresentado pelos Estados do Sul do pas regio defronteira historicamente considerada estratgica pelo Brasil, principal-mente pela possibilidade de conflito entre BrasilArgentina em funoda luta por hegemonia regional era bastante menor do que aquele apre-sentado pelo norte, respectivamente 95,6%; 83,6%; e 81,5% para Paran,Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Por outro lado, as anlises correntestendem a ressaltar no a preocupao castrense com a questo da segu-rana de fronteiras. Pelo contrrio, elas invariavelmente vo no sentidode afirmar que a poltica do governo militar para as comunicaes privi-legiava a integraonacional por meio da interiorizao dos meios de co-municao de massa.Uma anlise apressada tenderia a confirmar essa tese, pois, de al-guma forma, as unidades da federao que apresentaram maior cresci-mento de transmissores so tambm as mais isoladas. Entretanto, quan-do olhamos para o todo, notamos que no existe uma relao direta eimediata entre crescimento de radiotransmissores e isolamento regional.Estados como Rio Grande do Norte e Sergipe, por exemplo, apresentamcrescimento das estaes menor do que o do Brasil e no so exatamenteregies nacionalmente integradas no perodo em apreo.Assim, os dados coligidos no permitem confirmar ou refutar taisanlises. O mais provvel que prevalecia a falta de uma poltica coeren-te para o setor, seja ela determinada ou no pelos atores polticos fardados.Uma possvel explicao, que poderia apontar para o desenvolvi-mento de uma poltica pblica nesta rea, que a instalao das emisso-ras responde ao interesse comercial. O grande nmero de estaes derdio em So Paulo, seguido por Minas Gerais, aponta nesta direo.Porm, ao analisarmos o nmero de estaes no Rio de Janeiro, pioneironeste tipo de servio e importante Estado da federao em termos polti-cos e mercadolgicos, vemos que tambm esta no uma explicao v-lida, pois o volume de estaes no proporcional posio estratgicado Estado quinta posio no incio da srie, caindo para sexta ao final ,129 O clientelismodogovernomilitar nascomunicaesalm disso o crescimento do nmero de transmissores apresentado aolongo do perodo um dos menores.Em resumo, possvel afirmar que no havia uma poltica ditadapelas Foras Armadas no que se refere radiodifuso. Nesta rea, a atua-o militar era indireta e dirigida para outros objetivos: desenvolvimentoda infra-estrutura da datar do perodo a implantao da centralizaono setor de telefonia e das empresas estatais de controle das comunica-es (EMBRATEL, TELEBRS) e controle social censura imprensa.Concesso tcnica como concesso polticaSe pelos dados fornecidos pelo IBGE no possvel avaliar como seprocessou a participao militar no desenvolvimento das polticas pbli-cas, os dados coligidos pelo Senado Federal oferecem maiores possibilida-des, pois traduzem de perto como o governo se comportou ao longo doperodo. Isto porque aqui estamos trabalhando com as outorgas das con-cesses, o que era, at 1988, prerrogativa exclusiva do presidente da Re-pblica.Pela hiptese geopoltica, as concesses de estaes de telecomuni-caes deveriam responder necessidade de integrao do pas. verda-de que h outras polticas governamentais que se prestam melhor a estetipo de objetivo, sendo o caso mais forte o do setor de transportes,17 eque o poder pblico possui meios de manter a troca de informaes nasregies mais afastadas do pas fazendo uso de sistemas de comunicaono comerciais/convencionais.A hiptese geopoltica alia uma viso tcnica com uma questo desegurana, o que deveria falar mais alto aos militares. Por este caminho,as regies menos desenvolvidas e mais afastadas receberiam um volumemaior de concesses, ou pelo menos seria possvel perceber um fluxo con-tnuo de concesses para tais localidades. Assim, deveria haver uma con-centrao das concesses em estados da federao como Roraima, por17As polticas de transporte na verdade so chamadas de comunicaes, pois que respondemexatamente a este aspecto no referente integrao nacional. Como explica Miyamoto, umsistema de comunicaes [virio] eficiente torna possvel atingir qualquer ponto do pas, emum tempo relativamente curto, protegendo os locais mais sensveis, principalmente aquelessituados ao longo das fronteiras internacionais, e que possam colocar em risco a soberanianacional... MIYAMOTO, S. Geopoltica ePoder noBrasil, Campinas: Papirus, 1995, p. 147-8.Comunicao&poltica, n.s., v.X, n.1, p.129-119130 Suzeley Kalil Mathiasexemplo. Porm, os dados relativos s outorgas no parecem apontarnesta direo:As regies que menor nmero de estaes de rdio recebem, inde-pendentemente do governo, so Amap e Roraima, seguido pelo Acre epelo Distrito Federal este ltimo no pode ser considerado como regiono integrada. Em contrapartida, a nica concesso feita pelo presidenteMdici contemplou o Amazonas o que alimentaria a hiptese geopoltica.Deve-se considerar, entretanto, o significado do estabelecimento de esta-es de telecomunicaes nessas regies. sabido que os Estados amaz-nicos (Acre, Rondnia, Roraima, Amazonas) no tm populao que com-porte um elevado nmero de estaes, ainda que o critrio de integraonacional seja o regente da poltica pblica para o setor.Considerando todo o perodo de anlise, o Mato Grosso foi o Esta-do que mais recebeu outorgas de estaes de rdio. Tambm chama aateno o grande volume recebido pelo Piau. Destaque-se, entretanto,que tanto no caso do Mato Grosso quanto do Piau as concesses foramfeitas no final do governo militar, e houve uma alta concentrao de con-cesses no perodo Jos Sarney: respectivamente, do total de 71, 34, e dototal de 40, 24 se deram neste governo.Apesar de o aumento expressivo de concesses se apresentar napassagem do governo Geisel para o de Figueiredo, elevando o volume emquase 50%, Minas Gerais possui uma distribuio contnua de outorgasde estaes de rdio, no as recebendo somente sob Mdici.Assim, tomando estes dados, a hiptese geopoltica fraca, poisMinas Gerais no pode ser interpretado como um Estado no-integrado,principalmente considerando que bastante provvel que do volume to-tal de concesses para uma determinada regio, a maior parte seja desig-nada para a capital, e Belo Horizonte sempre foi de grande importnciaeconmico-poltica para a Nao.Se a preocupao for com a segurana, as faixas de fronteira recebe-riam um volume maior de concesses independentemente de fatores eco-nmicos ou de poltica de barganha.18 De fato, ao olharmos para os da-dos por governo, parece que isto pode ser verdadeiro, pois exatamentedurante os anos militares que as outorgas para as regies fronteirias somaiores, representando por volta de 38,05% das concesses feitas sob18Para efeito desta anlise, no consideramos os limites litorneos como fronteira. So toma-dos, ento, os estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran, Mato Grosso, Acre,Amap, Roraima, Rondnia e Amazonas.131 O clientelismodogovernomilitar nascomunicaesgovernos fardados, contra 29,34% na vigncia de governos civis. Reforaesta viso quando notamos que as concesses para o Rio de Janeiro (ouGuanabara antes de 1974) so menores do que, por exemplo para MatoGrosso e, sem a menor dvida, o primeiro traz maiores possibilidades deretorno econmico. possvel notar ainda que no perodo civil (aps 1985), a distribui-o das concesses equilibrada do ponto de vista da diviso poltica,pois os nove Estados da regio de fronteira (um tero do pas) receberamem torno de 30% das concesses. Este percentual, entretanto, sobe quase10 pontos sob o regime militar. Assim, os dados parecem sugerir que apoltica de comunicaes dos governos militares respondia a interesses desegurana, mas no aos geopolticos, realizando o binmio segurana edesenvolvimento do discurso militar e esguiano.As hipteses aventadas no respondem, porm a algumas indaga-es como por exemplo o que determina a mdia anual de 0,25 concessono governo Mdici contra 6 concesses no governo Costa e Silva, mdiaesta que sobe para 27,8 e 40,33 respectivamente com Geisel e Figueiredo.Quanto s outorgas de televiso, estas apresentam certo equilbrioem todo o perodo, muito embora haja uma relativa exploso no governoJos Sarney, repetindo o que aconteceu em relao s estaes de rdio, etambm repetem a queda nas concesses durante a gesto Mdici.Uma explicao para o comportamento do governo militar podeser encontrada na necessidade de diversificar a maneira pela qual o Brasildeveria responder poltica (contida nos projetos militares para o pas) deintegrao nacional. Neste aspecto, se no governo Mdici a nfase foiemprestada ao desenvolvimento de infraestrutura bsica, principalmenteem telefonia (implantao de troncos e novas tecnologias, como os cabosde microondas), no governo Geisel buscou-se aliar dever governamentalcom responsabilidade do mercado. assim que as emissoras de rdio eteleviso ganham espao concessionrio, concesses que procuram aliarintegrao nacional com fatores comerciais.Em sntese, possvel afirmar que havia uma preocupao do go-verno militar com a segurana do pas, centrada principalmente na pro-teo de nossas fronteiras. Ao mesmo tempo, pouco provvel que estamesma preocupao traduzisse a necessidade de integrao nacional pelavia das telecomunicaes. Porm, a hiptesemaisforte, principalmente quan-do avaliamos estes dados em conjunto com o discurso dos Presidentes,noa segurana comoexpressododesenvolvimento, masa segurana necessria permanncia nogoverno, a busca deestabilidadepoltica e, portanto, deadesoComunicao&poltica, n.s., v.X, n.1, p.131-117132 Suzeley Kalil Mathiasda sociedadeaoprojetodepasdesejadopelosmilitares. Neste aspecto, o con-trole sobre as concesses dava-se menos no momento da outorga e maisdepois, quando da manuteno em funcionamento das empresas de radi-odifuso. Neste segundo momento, era por meio do controle econmico(concesso de emprstimos e publicidade) que o governo militar exerciaseu poder.19Clientelismo nas comunicaesEm uma pesquisa feita em 1995, a jornalista Elvira Lobato20 traaum quadro de como se efetivam as concesses de rdio e televiso noBrasil. Embora no seja uma pesquisa exaustiva, ela consegue mostrarque oito grupos dominam o setor, contrariando abertamente o Cdigodas Comunicaes.21 Entretanto, o mais importante para os objetivosdesta pesquisa no esta violao, mas o fato de reforar uma tendnciaapontada pelos especialistas na rea: a manipulao das concesses comoforma de troca de favores no interior do governo.Segundo Rmulo Vilar Furtado, funcionrio do Ministrio das Co-municaes entre 1970 e 1990, o que o credencia como um dos maiorescaciques da histria das telecomunicaes do Brasil,22Enquanto existir o Congresso Nacional e, dentro dele, parlamen-tares desejosos de se reeleger, o critrio de distribuio de concesses serpoltico, e os governos daro rdios e TVs em troca de apoio. A utopiasocialista de que todos so iguais perante a lei no funciona na vida real.2319 esta hiptese, por exemplo, que permite explicar porque a Bloc obteve duas concesses e aAbril nenhuma na gesto de Joo Figueiredo.20LOBATO, E. Raio X das Telecominicaes. In ComunicaoeSociedade, I (3), S.P.: mai-ago,1995, p.36-41. Tambm em Oito grupos dominam as TVs no Brasil, Folha deS. Paulo, 12/06/94, p.1-17.21O CBT procura evitar a concentrao de mercado, da estabelecer limites no nmero deconcesses que uma entidade pode manter e regular a formao de cadeias e associaes(Decreto 236/67). Porm, a prpria legislao deixa brechas porque nada diz sobre o nmerode membros de uma mesma famlia que podem ser concessionrios, j o controle das conces-ses feito a partir do nmero do CPF do maior acionista e no pelo sobrenome ou filiao.22O qualificativo da prpria Elvira Lobato, citado em Poltica marca histria das telecomu-nicaes. Folha deS. Paulo, 03/09/95, p.1-13.23Palavras de Rmulo Vilar Furtado. Apud Elvira Lobato, Poltica marca histria das telecomu-nicaes. Folha deS. Paulo, 03/09/95, p.1-13.. Interessante observar como um mote essencial-mente liberal (todos so iguais perante a lei) transforma-se em ideal socialista na fala dosque estavam no poder e destaque-se que no somente durante o governo autoritrio.133 O clientelismodogovernomilitar nascomunicaes esta hiptese, que podemos chamar clientelista,24 que queremosavaliar agora, procurando mostrar as diferenas, se existem, entre gover-no militar e gesto civil. Assim, nossa questo : ser que para alm dasquestes de segurana e de competncia tcnica que deveriam nortear aoutorga de explorao de rdios e televises, o que de fato determinou aao dos presidentes da Repblica nesta rea no foi a necessidade deapoio que estes entendiam como necessrio continuidade de seus proje-tos governamentais?Os dados com os quais trabalhamos parecem apontar nesta dire-o. Ou seja, mais do que para uma poltica pblica desenvolvimentista epreocupada com a segurana (o que corroboraria com o ncleo duro dosdiscursos presidenciais do perodo), a ao governamental est voltadapara uma questo de mercado poltico ou de lobby, que influencia as esco-lhas governamentais no sentido da utilizao das concesses estatais comomoeda de apoio poltico.Assim, o nmero mdio de outorgas entre 1963 e 1990, ltimoano em que o Executivo pde centralizar as concesses, de 8,22 estaesanuais. Neste aspecto, pode-se notar que h um crescimento substancialem pocas nas quais o poder pblico parece procurar por apoio poltico, oinverso ocorrendo nos momentos de hegemonia do grupo no poder. oque sugere, por exemplo, os dados relativos ao governo Mdici: o gover-no considerado o mais autoritrio do perodo, mas o que possua maiorcoeso interna, tambm foi o que concedeu um nmero menor de esta-es de rdio e televiso (mdia de 0,25 e 1,75 respectivamente paraestaes de rdio e televiso). Nesta mesma linha, o perodo seguinteapresenta um aumento substancial tanto relativamente a Mdici quantofrente aos governos anteriores. No governo Geisel a mdia anual foi de27,8 concesses de rdio e de 7,6 de televiso, e foi nesta gesto que secolocou em prtica o projeto de distenso que, como defendemos em outromomento, no era unanime nem mesmo dentro do prprio governo.25O que chama mais a ateno, no entanto, o crescimento relativoapresentado em anos como 1977 (Pacote de Abril) e 1982 (eleies dire-tas para governos estaduais), justamente momentos em que o Executivo24Adotamos esse termo a despeito da ambigidade que o cerca, justamente porque ele repre-senta um sentido negativo que descreve a cultura poltica brasileira, no sentido de troca defavores, a utilizao de bens pblicos como bens privados, justamente o que buscamosanalisar aqui.25Trabalhamos a questo do projeto distensionista do governo Geisel em MATHIAS, S.K.DistensonoBrasil: oproejtomilitar (1973-1979). Campinas, Papirus, 1995.Comunicao&poltica, n.s., v.X, n.1, p.133-115134 Suzeley Kalil MathiasFederal encontrou maiores obstculos continuidade de seu projeto, ten-do adotado medidas que em pareciam desvi-lo do caminho traado.Porm, nenhum governo ou perodo apresentou nmeros to elevadosquanto Jos Sarney em 1988, ano no qual ultimaram-se os trabalhosconstituintes, cujo tema que dominou os debates no Congresso foi justa-mente em torno da durao do mandato do ento presidente da Repbli-ca.26 Para se ter uma idia, tomando todo o mandato, a mdia de conces-so de rdio de 62,2, volume que cai para 38,7 quando desconsidera-se1988. Esta ltima mdia de concesso menor do que a apresentada porJoo Figueiredo, ultimo general-presidente.A troca de concesses de rdio e televiso por votos nos cinco anosde mandato durante o governo Sarney, comprovada por dois outrosfatos. O primeiro, o nmero recorde de outorgas no dia 29 de setembrode 1988: 59 concesses. O segundo, foi o no cumprimento da promessade concesso de uma rdio para o deputado Fernando Bezerra Coelho(PMDB-PE) e sua reverso para Osvaldo Coelho (PFL-PE). Como infor-mou o primeiro, a concesso estava praticamente em suas mos quandofoi concedida ao seu adversrio no municpio logo depois de ele ter vota-do pelos cinco anos de mandato para Sarney, enquanto Fernando Bezerrahavia optado pelos quatro anos de mandato.27O grande nmero de concesses feitas durante 1988, fez com quea tendncia ascendente fosse interrompida imediatamente. Assim, em1989 Jos Sarney assinou o menor nmero de concesses de todo seugoverno: 16 rdios e 18 televises.28 Isto foi mantido no governo Collor,que chegou a 29 concesses de rdio e 20 televises.26Apesar do significado que carrega a adoo de uma nova Constituio, o ano de 1988 foidominado por essa questo, que pouco tinha a ver com a estrutura mesma do regime a seradotado e legitimado pela nova Carta. Isso aconteceu basicamente porque a Carta de 1967/9 determinava um mandato de 6 anos para o Presidente da Repblica, enquanto que muitosdos parlamentares, principalmente aqueles representantes da direita, entendiam que se exis-tiam possibilidades concretas de um governo de esquerda, era necessrio limitar seu manda-to de forma que este no tivesse possibilidade de fazer grandes reformas, defendendo manda-tos de 4 anos para Presidente da Repblica. Como medida intermediria, o governo Sarneypassou a defender um mandato de 5 anos para si prprio. Um acompanhamento do CongressoConstituinte nesta fase encontrado em REALE, M. DeTancredoa Collor. Ed. Siciliano, 1992.27Id., ib. Segundo um estudo do professor Paulino Motter (UnB), 91 constituintes receberam con-cesses no governo Sarney, 90% dos quais votaram pelos cinco anos de mandato para Sarney.28Lembramos que com a promulgao da Constituio de 1988, o Congresso passou a ser co-responsvel pelas concesses, pois a lei retirou das mos do presidente da Repblica esta prer-rogativa. Entretanto, segundo informaes do PRODASEN, at 1990, primeiro ano da gestoCollor de Melo, as outorgas continuaram a ser feitas sem controle real do Legislativo federal.135 O clientelismodogovernomilitar nascomunicaesPorm, o que mais espanta na poltica de telecomunicaes dogoverno Sarney a utilizao das concesses como forma de reforar opoder de seu prprio cl no Maranho, o mesmo fazendo seu ministro dasComunicaes no caso da Bahia: das 30 concesses para o Maranho apro-vadas durante seu governo, 16 so controladas por sua famlia, por meiode testas-de-ferro.29 Refora ainda mais a hiptese clientelista a maneirapela qual o ministro das Comunicaes do primeiro governo civil aps 20anos de regime militar chegou a este cargo. Segundo consta, AntnioCarlos Magalhes no foi escolhido para ocupar esta pasta. Em acordofeito entre ele e Tancredo Neves, ele teria a prerrogativa de escolher qual-quer cargo, exceto a Fazenda. Por que, ento a velha raposa decidiu-sepelas Comunicaes? Para Vilas-Boas Corra, com quem concordamos, aresposta simples.Um ministrio que tem os seus inegveis encantos, especialmentesensveis a um poltico. No h por todo o pas um lugarejo por maispobre e escondido que seja que no tenha a sua agncia de correio etelgrafo, o posto telefnico, onde no se oua rdio e que no se faa acabea com as novelas coloridas da televiso (...) Regado com verbas ra-zoveis, manipulando recursos prprios. Instigando a utilizao espertaem reas de instantneo apelo popular, como na projetada utilizao dosistema de comunicao nacional que funcione como um regulador depreos de gneros de primeira necessidade. Podendo ser til ou indispens-vel s emissoras de rdio e televiso, fazendo o mnimo que no embara-ar o caminho por onde transitem os legtimos interesses de cada um.30Em outras palavras, Antnio Carlos Magalhes no fez mais doque confirmar a suspeita de que, nas palavras de Elvira Lobato, emisso-ras de rdio e de televiso sempre exerceram grande fascnio sobre ospolticos, em particular no Norte e Nordeste, porque so a arma maispoderosa nascampanhaseleitorais.3129Como a legislao no permite que os polticos, e no s a famlia Sarney, estejam frentedas emissoras, eles fazem uso de contratos de promessa de compra e venda (os chamadoscontratos de gaveta) para controlar de fato as emissoras.30Villas-Boas Corra: Antnio Carlos Magalhes ou a arte da perfeita badalao, JB, 10/3/95, Caderno Especial, p.1.31Sarney cria imprio de comunicaes no MA, Op.Cit., grifos nossos. Ainda nessa mesmadireo, ou seja, da busca de controle de instrumentos de poder, Antonio Carlos Magalhes,enquanto investido no cargo de ministro das Comunicaes, fez com que a rede Globo rever-tesse a filiao da TV Aracatu da Bahia, que por 18 anos retransmitiu imagens globais, paraa TV Bahia, de propriedade dos Magalhes.Comunicao&poltica, n.s., v.X, n.1, p.135-113136 Suzeley Kalil MathiasConforme os dados aqui coligidos mostram, no houve uma subs-tancial mudana entre a prtica poltica dos governos civis e militares. verdade que estes ltimos adotaram uma nova diretriz para o setor, o quepermitiu tanto o avano tecnolgico quanto o social, no sentido de que acentralizao dos servios precede sua universalizao. As aes do gover-no militar nesta rea permitem falar de uma poltica desenvolvimentistapara as telecomunicaes. Em contrapartida, difcil definir essa polticacomo um processo de militarizaodo setor no sentido acima considera-do. Como acompanhamos, na questo principalmente das concesses deestaes de telecomunicaes, vigorou a mesma atitude tanto durante osgovernos civis quanto nos militares. verdade que a unificao do setorpromovida pelo governo autoritrio facilitou um controle maior e, por-tanto, uma utilizao politicamentemaiseficientedas concesses e, nestesentido, pode-se dizer que houve um processo de militarizaodo setorporque, embora mantendo-se a mesma atitude poltica (as concessescomo prtica clientelista), o setor castrense melhorou e aumentou essa mesmaprtica porque promoveram um avano tcnico no setor que se traduziu nasua unificao, o que permitiu a melhora na poltica de clientela.Em concluso, os dados disponveis permitem sugerir algumas ex-plicaes razoveis sem, entretanto, fornecer razes suficientes para aadoo individual de uma delas como aquela que melhor representa apoltica de comunicaes dos governos no perodo aqui enfocado. A hip-tese mais forte da convivncia entre as trs aqui apresentadas, compredominncia da hiptese clientelista. Se estamos certos, ento os go-vernos militares, apesar de terem na rea de comunicaes um dos seusmais importantes sucessos, no inovaram em relao aos seus congnerescivis, mas reforaram a continuidade das prticas no poder: eles utiliza-ram as telecomunicaes como um mecanismo de troca de adeso porganhos econmicos e/ou polticos e assim reforaram uma cultura polti-ca autoritria que ultrapassa as normas dos regimes polticos, permane-cendo como uma crosta na construo e desenvolvimento da cidadania.