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INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – BH/MG – 2 a 6 Set 2003 * Apresentado no III Colóquio Brasil-Ita´lia de Ciências da Comunicação, realizado em Belo Horizonte – MG nos dias 2 e 3 de setembro de 2003. Promoção: INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE À PESQUISA-AÇÃO EM COMUNICAÇÃO: pressupostos epistemológicos e metodológicos * Cicilia Maria Krohling Peruzzo Resumo: O presente texto enfatiza a pesquisa participante na área da comunicação social. Objetiva-se resgatar os principais aspectos teórico-metodológicos acerca da pesquisa participante de modo a evidenciar as suas diferentes modalidades, da observação etnográfica à pesquisa engajada ou pesquisa-ação. Trata-se de um estudo baseado em pesquisa bibliográfica. Conclui-se que as controvérsias acerca da validade ou não das pesquisas qualitativas, e especialmente da pesquisa participante, se assentam em bases epistemológicas da ciência que caracterizam todo um debate sobre o papel da ciência e da universidade na sociedade que ganhou grande expressividade no Brasil nos anos de 1980. Palavras-chave: pesquisa participante, etnografia, epistemologia, comunicação, metodologia. Introdução A pesquisa participante causou impacto nos estudos de comunicação social nos anos de 1980 e início da década de 1990, para em seguida passar a ser menos prestigiada no universo da pesquisa acadêmica na área da comunicação no Brasil. A crise dos paradigmas marxistas certamente contribuiu para tal ocorrência. Passados alguns anos, há indícios de que reacende o interesse por esta metodologia de pesquisa. A metodologia da pesquisa participante não tem sido amplamente apresentada e discutida nos manuais e em outras obras que se ocupam de métodos e técnicas de pesquisa no Brasil, o que dificulta o conhecimento sobre suas potencialidades, métodos e limitações. Quando o tema é tratado teoricamente, não é raro que o seja feito com vieses de cunho preconceituoso. Há ainda uma dificuldade no que se refere a discrepâncias conceituais e no uso dos termos “observação participante”, “pesquisa participante” e “pesquisa-ação", o que procuraremos elucidar.

2003 Coloquio Peruzzo

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  • INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao XXVI Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao BH/MG 2 a 6 Set 2003

    * Apresentado no III Colquio Brasil-Italia de Cincias da Comunicao, realizado em Belo Horizonte MG nos dias 2 e 3 desetembro de 2003. Promoo: INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao.

    DA OBSERVAO PARTICIPANTE PESQUISA-AOEM COMUNICAO: pressupostos epistemolgicos e metodolgicos*

    Cicilia Maria Krohling Peruzzo

    Resumo:

    O presente texto enfatiza a pesquisa participante na rea da comunicao social. Objetiva-se

    resgatar os principais aspectos terico-metodolgicos acerca da pesquisa participante de modo

    a evidenciar as suas diferentes modalidades, da observao etnogrfica pesquisa engajada

    ou pesquisa-ao. Trata-se de um estudo baseado em pesquisa bibliogrfica. Conclui-se que

    as controvrsias acerca da validade ou no das pesquisas qualitativas, e especialmente da

    pesquisa participante, se assentam em bases epistemolgicas da cincia que caracterizam todo

    um debate sobre o papel da cincia e da universidade na sociedade que ganhou grande

    expressividade no Brasil nos anos de 1980.

    Palavras-chave: pesquisa participante, etnografia, epistemologia, comunicao, metodologia.

    IntroduoA pesquisa participante causou impacto nos estudos de comunicao social nos anos

    de 1980 e incio da dcada de 1990, para em seguida passar a ser menos prestigiada no

    universo da pesquisa acadmica na rea da comunicao no Brasil. A crise dos paradigmas

    marxistas certamente contribuiu para tal ocorrncia. Passados alguns anos, h indcios de que

    reacende o interesse por esta metodologia de pesquisa.

    A metodologia da pesquisa participante no tem sido amplamente apresentada e

    discutida nos manuais e em outras obras que se ocupam de mtodos e tcnicas de pesquisa no

    Brasil, o que dificulta o conhecimento sobre suas potencialidades, mtodos e limitaes.

    Quando o tema tratado teoricamente, no raro que o seja feito com vieses de cunho

    preconceituoso. H ainda uma dificuldade no que se refere a discrepncias conceituais e no

    uso dos termos observao participante, pesquisa participante e pesquisa-ao", o que

    procuraremos elucidar.

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    * Apresentado no III Colquio Brasil-Italia de Cincias da Comunicao, realizado em Belo Horizonte MG nos dias 2 e 3 desetembro de 2003. Promoo: INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao.

    A pesquisa participante tem aplicao em vrias reas do conhecimento, como na

    educao, na antropologia, na sociologia, na administrao1, no servio social, e na

    comunicao social, em cujo universo delimitaremos nossa abordagem.

    O sentido, ou a razo de ser, da pesquisa participante

    A pesquisa participante consiste na insero do pesquisador no ambiente natural de

    ocorrncia do fenmeno e de sua interao com a situao investigada.

    Tomando por base as definies clssicas de pesquisa participante formuladas por

    Eduard C. Lindeman2 , Morris G.Schawrtz3, Florence Kluckholhn4 e Severyn T. Bruyn5,

    Teresa Maria Frota Haguete (1990, p.61-63), observa que cada autor indica um componente

    especfico essencial da pesquisa participante. Tomamos a liberdade de junt-los como forma

    de propiciar uma caracterizao introdutria das estratgias de insero do pesquisador no

    ambiente estudado, nesse tipo de pesquisa. A pesquisa participante consiste em:

    a) Presena constante do observador no ambiente investigado para que ele possa ver

    as coisas de dentro.

    b) O investigador compartilha de modo consistente e sistematizado das atividades do

    grupo ou do contexto que est sendo estudado. Ou seja, ele se envolve nas

    atividades, alm de compartilhar interesses e fatos.

    c) H autores, como Mead e Kluckholn, que chegam a falar na necessidade do

    pesquisador assumir o papel do outro para poder atingir o sentido de suas

    aes (Haguete, 1990, p.63).

    Estes componentes so fundamentais para compreender a pesquisa

    participante. Podem ser tomados como a base de seus procedimentos metodolgicos, no

    entanto conveniente se observar que h diferentes modalidades de pesquisa participante, as

    1 Na rea da administrao ela passa a despertar mais interessante a partir da incorporao dos estilos de gestoparticipativa na rea empresarial.2 LINDEMAN, E..C. Social Discovery: an approach to the study of functional groups. N. York: RepublicPublishing Co., 1924.3 SCHWARTZ, Morris S. & SCHWARTZ, Charlotte Green. Problems in participant observation. In:American Journal of Sociology, 60, 1955.4 KLUCKHOHN, F. The participant: observer technique in small communities. In: American Journal ofSociology, 46, 1940.5 BRYN, S.T. The human perspective in sociology. The methodology of participant observation. N. Jersey:Prentice-Hall, Inc. Inglewood Cliffs, 1966.

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    quais sero explicitadas adiante, e que os componentes acima do conta apenas de duas dessas

    modalidades, a da observao participante e da pesquisa participante propriamente dita. Se

    quisermos completar o quadro, teramos que incluir os pressupostos da pesquisa-ao, ou

    seja: o pesquisador, no s compartilha do ambiente investigado, mas possibilita que o

    investigado participe do processo de realizao da pesquisa e que os resultados se revertam

    em benefcio do prprio grupo pesquisado.

    Por outro lado, muito se avanou no debate sobre as estratgias de insero do pesquisador

    no ambiente pesquisado, resultando por exemplo numa viso, ao que parece at

    consensual, de que no h necessidade do pesquisador se confundir com os pesquisados,

    ou camuflar a sua real origem e situao no mundo, para poder captar as manifestaes

    intrnsecas ao fenmeno e o sentido das aes do outro. Alis, no h dvidas de que

    mesmo querendo passar-se por outro, o pesquisador sendo estranho ao ambiente

    pesquisado, nunca ser idntico aos observados at porque sua prpria histria e o seu

    modo de ver o mundo sero diferentes.

    O contexto da incorporao da pesquisa participantenos estudos de comunicao no Brasil

    Foi na dcada de 1980 e incio doa anos 1990 que a metodologia da pesquisa

    participante galgou expressiva presena nos estudos de comunicao no Brasil, por influncia

    de publicaes sobre essa metodologia de pesquisa provenientes da rea da sociologia6 e da

    educao.

    Tambm nestas reas, segundo Marcela Gajardo (1987, p.39), a pesquisa participante

    no estilo participao engajada de investigao social e relacionada a prtica educativa7

    6 Especialmente os livros Pesquisa participante, organizado por Carlos Rodrigues Brando (1981) eRepensando a pesquisa participante , tambm organizado pelo mesmo autor (1987). da dcada de 1980tambm a disponibilizao do livro de Michel Thiollent sobre Metodologia da pesquisa-ao (j em terceiraedio em 1988). Thiollent tambm publicou artigos sobre pesquisa ao na Revista Comunicao & Sociedade,em 1983, e no livro Teoria e pesquisa em Comunicao: panorama latino-americano, organizado por JosMarques de Melo (1983).7 J que a observao participante no estilo etnogrfico, sem dvida nenhuma, remonta a tempos anteriores.

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    * Apresentado no III Colquio Brasil-Italia de Cincias da Comunicao, realizado em Belo Horizonte MG nos dias 2 e 3 desetembro de 2003. Promoo: INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao.

    surge, conceitual e metodologicamente, no incio da dcada de oitenta, quando a realidade de

    um nmero importante de sociedades latino-americanas se caracteriza pela presena de

    regimes autoritrios e modelos de desenvolvimento manifestadamente excludentes, no

    aspecto poltico, e concentradores, no aspecto econmico.8

    Trata-se de um momento da histria do Brasil em que se vive um clima scio-poltico

    marcado por trs grandes movimentos na histria do Pas: o acirramento dos conflitos e

    crescente descontentamento com o status-quo; a efetivao da abertura poltica, em

    decorrncia do declnio da ditadura militar; e a vontade pblica de mudana (transformao)

    social. A participao poltica e o fim das desigualdades sociais eram as demandas

    explicitadas pelo conjunto da sociedade, depois de longos anos de regime poltico de

    exceo. Neste contexto, a universidade repensa o seu papel na sociedade e a discusso sobre

    a epistemologia da cincia encontra um campo frtil.

    Chega-se a admitir que a potencialidade da pesquisa participante est precisamente

    no seu deslocamento proposital das universidades para o campo concreto da realidade. Este

    tipo de pesquisa modifica basicamente a estrutura acadmica clssica na medida em que reduz

    as diferenas entre objeto e sujeito do estudo. Ela induz os eruditos a descer das torres de

    marfim e a se sujeitarem ao juzo das comunidades em que vivem e trabalham, em vez de

    fazerem avaliaes de doutores e catedrticos ( FALS BORDA, 1981, p.60).

    Na academia ganha fora a negao da pesquisa de cunho positivista, enquanto nica

    modalidade vlida de pesquisa cientfica. H todo um debate sobre os limites dos estudos

    baseados em variveis verificveis matematicamente e sobre a no neutralidade da cincia.

    Portanto, h enormes controvrsias sobre os paradigmas positivistas que buscam a

    objetividade cientfica como nico parmetro para qualificar o conhecimento como cientfico.

    Como explica Augusto N. S. Trivios (1990; 39), o positivista reconhecia apenas dois

    tipos de conhecimentos autnticos, verdadeiros, legtimos; numa palavra, cientficos: o

    emprico, representado pelos achados das cincias naturais, o mais importante de ambos; e o

    lgico, constitudo pela lgica e pela matemtica.

    Orlando Fals Borda (1981, p.43) adverte que

    no deveramos fazer da cincia um fetiche, como se fosse umaentidade com vida prpria, capaz de reger o universo e de determinar

    8 Marcela Gajardo (1987, p.17), atribuindo o dito a R. Zuica, diz que reivindica-se para Paulo Freire o ttulo decriador de um estilo alternativo de pesquisa e ao educativa.

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    * Apresentado no III Colquio Brasil-Italia de Cincias da Comunicao, realizado em Belo Horizonte MG nos dias 2 e 3 desetembro de 2003. Promoo: INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao.

    a forma e o contexto de nossa sociedade, tanto presente quanto futura.[...] A cincia apenas um produto cultural do intelecto humano queresponde a necessidades coletivas concretas inclusive aquelasconsideradas artsticas, sobrenaturais e extracientficas e tambmaos objetivos especficos determinados pelas classes sociaisdominantes em perodos histricos precisos. Todos sabem que acincia construda pela aplicao de regras, mtodos e tcnicassujeitas a certo tipo de racionalidade convencionalmente aceita poruma pequena comunidade de indivduos chamados de cientistas que,por serem humanos, esto por isso mesmo, sujeitos a motivaes,interesses, crenas e superties, emoes e interpretaes do seuenvolvimento social, cultural e individual. Conseqentemente, nopode haver valores absolutos no conhecimento cientfico porque esteir variar conforme os interesses objetivos das classes envolvidas naformao e na acumulao de conhecimento.

    Portanto, a pretendida neutralidade cientfica uma falcia. Primeiro, porque mesmo o

    conhecimento objetivo no est imune a distores como aquelas provenientes das situaes

    artificiais criadas para a pesquisa, como por exemplo nos experimentos, e dos instrumentos

    utilizados para a coleta de dados. Um questionamento pode conter perguntas

    incompreendidas, o que gera respostas duvidosas. Pode tambm forar o entrevistado a se

    posicionar sobre questes que a pessoa ainda no tem opinio formada ou informao

    suficiente para poder dar repostas fidedignas9. Segundo, porque como foi explicitado na fala

    acima, nenhum pesquisador est imune a valores, ideologias e posies polticas, que de

    algum modo perpassam suas escolhas tericas e metodolgicas e as interpretaes de dados.

    Paulo Freire j disse em 1978 que toda neutralidade proclamada sempre uma

    escolha escondida, na medida em que os temas, sendo histricos, envolvem orientaes

    valorativas dos homens na sua experincia existencial (1978, p.89).

    Em outro nvel, as crticas feitas s pesquisas de cunho positivista, apontam tratar-se

    de um tipo de pesquisa preocupada em atingir apenas a aparncia dos fenmenos sociais, o

    que se apresenta verificao e/ou a experimentao; e que no reconhece que h domnios

    qualificveis e no s domnios quantificveis (Trivios, 1990; p.129).

    Michel Thiollent, em estudo sobre a pesquisa de opinio (1987, p.16-17) sintetiza as

    crticas ao referido modelo: a) criticado o carter anti-histrico ou anti-dialtico dos

    procedimentos que pretendem captar a realidade social a partir de uma fotografia

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    * Apresentado no III Colquio Brasil-Italia de Cincias da Comunicao, realizado em Belo Horizonte MG nos dias 2 e 3 desetembro de 2003. Promoo: INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao.

    instantnea da opinio pblica sem problematizar o que opinio pblica. A sociedade chega

    a ser considerada como adio de indivduos e as ideologias e as culturas como adio de

    opinies e comportamentos individuais etc. b) A concepo empirista tambm criticada pelo

    fato de desprezar a elaborao terica e de supervalorizar a observao concebida em moldes

    positivistas. Os socilogos empiristas pretendem construir teorias no a partir de

    problemticas previas, mas sim a partir do processamento de dados de onde deveriam surgir

    os conceitos, as hipteses e as teorias entendidas como generalizaes de hipteses

    empiricamente comprovadas. Afinal, todas essas operaes sempre so alimentadas por uma

    problemtica implcita, muitas vezes ideolgica.

    Portanto, como se pode observar, o contexto em que a pesquisa participante ganha

    expressividade no Pas de efervescncia na sociedade e na academia, em que alguns dos

    pressupostos terico-metodolgicos so postos sob suspenso e ao mesmo tempo buscam-

    se novos paradigmas. Os pesquisadores se interessam em fazer algo diferente, em

    realizar pesquisas que possam contribuir com a sociedade, e especialmente para solucionar

    graves problemas provenientes das contradies de classe e, contribuir para promover a

    mudana social. Uma luz brota das possibilidades explicitadas pela pesquisa qualitativa,

    que entre suas metodologias, oferece a pesquisa participante. Nessa perspectiva, vo

    encontrar respaldo no mtodo dialtico (ou do materialismo histrico dialtico nas

    correntes de esquerda), que possibilita a captao do fenmeno em todas suas dimenses

    constitutivas, desde sua histria e dinamicidade at as mltiplas determinaes inerentes

    de qualquer fenmeno.

    Acredita-se que uma pesquisa ancorada na dialtica possa captar o fenmeno em sua

    complexidade e profundidade, ou seja, as origens do fenmeno, suas partes constitutivas, os

    significados e as transformaes sofridas. Em outras palavras, procura captar o movimento

    e nele compreender a essncia e todas as dimenses do fenmeno. Em ltima instncia,

    procura-se dizer que h mais coisas a compreender e no apenas aquilo que pode ser

    9 Ver o texto de Pierre Bourdieu A opinio pblica no existe (1987).

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    verificado estatisticamente. O que no significa que se negue a validade do dado quantitativo,

    pelo contrrio ele importante para demonstrar determinadas dimenses e propores

    impossveis de se conhecer de outro modo. A questo central, no nosso modo de ver, que

    no se pode desconsiderar os limites que lhe so inerentes, nem aceitar a idia de que somente

    a informao quantificavel ou gerada sob controles laboratoriais rigorosos possa ter valor

    cientfico no campo das cincias sociais.

    Pesquisa participante na rea da comunicaoNa rea da comunicao social, a pesquisa participante passa a ser uma das

    metodologias usadas, a partir de duas motivaes: a) Realizao de uma pesquisa inovadora

    de carter qualitativo que permitisse atingir elevado grau de profundidade. Portanto, trata-se

    de uma posio advinda de todo um debate que se trava no campo da epistemologia da

    cincia, conforme apontamos antes e ser retomado mais adiante. b) Preocupao em dar um

    passo adiante em relao aos estudos crticos do tipo pesquisa denncia - dos meios de

    comunicao, que j no satisfazem mais uma ala dos pesquisadores. Ou seja, prope-se ir

    alm da constatao crtica sobre as manipulaes da mdia e seu poder de influncia, cujos

    estudos se ancoram nos referenciais tericos da teoria crtica de tradio frankfurtiana, e ao

    mesmo tempo, contribuir para o avano da pesquisa em comunicao e para a transformao

    social. O sentido deste tipo de pesquisa, construdo informalmente, era de no s denunciar,

    mas agir, de extrapolar os muros da universidade e do debate puramente abstrato para o cho

    dos acontecimentos sociais que envolviam a criao de alternativas comunicacionais nas

    classes populares. Junta-se pois, a inteno tambm presente em outras reas de conhecimento

    de no se fazer pesquisa pela pesquisa, mas de fazer uma pesquisa que pudesse contribuir para

    no processo de mudana social.

    Nessa perspectiva, a pesquisa participante na rea da comunicao social, adquire

    quatro finalidades:

    a) Observar fenmenos importantes, especialmente os ligados a experincias populares

    de comunicao voltadas para o desenvolvimento social, que estavam at ento

    ausentes da pesquisa acadmica no Brasil.

    b) Realizar estudos de recepo de contedos da mdia que ultrapassassem os padres

    ento vigentes - como os estudos de audincia e as hipteses sobre os efeitos

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    implacveis dela das pessoas e pudessem enxergar os mecanismos de apropriao de

    mensagens ou mesmo de re-elaborao de mensagens partindo dos pressupostos da

    existncia de interferncia de outras fontes na formao da representao da realidade.

    Tal perspectiva terica se desenvolve rapidamente e passa a assumir os contornos

    atualmente delineados como mediaes no processo de recepo.

    c) Que os resultados da pesquisa ou at mesmo o seu processo de realizao

    pudessem retornar ao grupo pesquisado e serem aplicados em seu benefcio. Por

    exemplo, a pesquisa poderia se propor contribuir para resolver problemas de

    comunicao nas comunidades e/ou ajudar na melhoria das condies de existncia

    dos grupos pesquisados.

    Entre as pesquisas inovadoras na rea da comunicao que podem demonstrar as

    tendncias acima referidas, esto alguns dos estudos elaborados pelos brasileiros como

    Zaida M. C. Cavalcanti10, Regina Dalva Festa11, Carlos Eduardo Lins da Silva12, Maria Salett

    Tauk dos Santos13, Pedro Gilberto Gomes14; Luiz Fernando Santoro15, Denise Cogo16 e

    Cicilia Maria Krohling Peruzzo17; a colombiana Esmeralda Villegas Uribe18; os argentinos

    Maria Cristina Mata19 e Eduardo A. Vizer20; o uruguaio Mrio Kapln21; e a peruana Rosa

    Maria Alfaro22, entre muitos outros.

    10 CAVALCANTI, Zaida M.C. Metodologia participativa para uma pesquisa-ao: projeto Tamandar. In:MARQUES DE MELO, Jos (Coord.). Pesquisa em comunicao no Brasil: tendncias e perspectivas. SoPaulo: Cortez/CNPq/INTERCOM, 1983.11 FESTA, Regina D. Comunicao popular e alternativa. A realidade e as utopias. So Bernardo doCampo,: IMS, 1984. (Dissertao de mestrado Comunicao Social)12 SLVA, Carlos E. Lins da. Muito alm do Jardim Botnico. So Paulo: Summus, 1985.13 SANTOS, Maria Salett Tauk. Igreja e pequeno produtor rural: a comunicao participativa no programaCECAPAS/SERTA. So Paulo: ECA-USP, 1984. (Tese de Doutorado Comunicao Social)14 GOMES, Pedro G. O jornalismo alternativo no projeto popular. So Paulo: Paulinas, 1990.15 SANTORO, Luiz F. A imagem nas mos. So Paulo: Summus, 1989.16 COGO, Denise Maria. No ar... uma rdio comunitria. So Paulo: Paulinas, 1998.17 PERUZZO, Cicilia M.K. Comunicao nos movimentos populares: a participao na construo dacidadania. So Paulo: Vozes, 1998.18 VILLEGAS Uribe, Esmeralda. A rdio popular da Vila Nossa Senhora Aparecida: uma proposta decomunicao popular. So Bernardo do Campo: UMESP, 1997. (Dissertao de mestrado)19 MATA, Maria Cristina. A pesquisa-ao na construo do alternativo. In: MARQUES DE MELO, Jos.Teoria e pesquisa em comunicao: panorama latino-americano. So Paulo: Cortez/Intercom, 1983.20 VIZER, Eduardo A . La trama (in)visible de la vida social: comunicacin, sentido y realidad. Buenos Aires:La Cruja, 2003.21 KAPLN, Mario. El estudio de la recepcin: un rea prioritaria de investigacin-accin ante los nuevosdesafos. In: MARQUES DE MELO, Jos (Coord.) Comunicacin latinoamericana: desafos de lainvestigacin para el siglo XXI. So Paulo: ALAIC/ECA-USP, 1992.22 ALFARO, Rosa Maria. Comunicacin, ciudadana, espacio local. Buenos Aires: Centro Buena Tierra, 2000.

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    Esclarecendo os conceitos de pesquisa participanteAt esta altura do texto falamos de pesquisa participante de maneira genrica, cientes

    de que, como diz Marcela Gajardo (1984, p.16) no existe uma nica maneira de definir tal

    tipo de pesquisa. necessrio reconhecer que a existncia de tradies de pensamento

    distintas e de prticas de pesquisa diversas conferem alcances e significados diferenciados s

    atividades que se desenvolvem sob o mesmo rtulo: pesquisa participante ou investigao

    participativa (CAJARDO, 1987, p.16).

    Contudo, a tendncia predominante, na produo terica da dcada de 1980 sobre o

    assunto, considerar pesquisa participante como aquela baseada na interao ativa entre

    pesquisador e grupo pesquisado e, principalmente, na conjugao da investigao com os

    processos mais amplo de ao social e de apropriao coletiva do conhecimento, com a

    finalidade de transformar o povo em sujeito poltico.

    Nesta fase pouco se fala de observao participante, modalidade j tradicional nos

    campos da antropologia e da sociologia, pois os autores se centram numa nova proposta de

    pesquisa, numa alternativa de investigao, majoritariamente vinculada a setores populares e

    visando sua incluso social como atores do processo de conhecimento e beneficirios dos

    resultados encontrados.

    No entanto, mesmo dentro desta ltima perspectiva h estilos diferentes de pesquisa,

    como j ressaltamos acima. Para no deixar dvidas sobre essas diferenas, recorremos a

    Michel Thiollent (2003, p.15), que diz: toda pesquisa-ao do tipo participativo: a

    participao das pessoas implicadas nos problemas investigados absolutamente necessria.

    No entanto, tudo o que chamado pesquisa participante no pesquisa-ao23.

    A clareza da afirmao acima parece no refletir na produo bibliogrfica disponvel

    que reflete a existncia da no uniformidade nos pressupostos terico-metodolgicos e nem

    nas prticas de pesquisa. comum encontrarmos estilos e propostas diferentes sendo

    chamadas de pesquisa participante ou de pesquisa-ao, sem as devidas distines. Os

    processos metodolgicos que para alguns so tpicos da pesquisa-ao, outros os tomam como

    23 Isso porque, continua o autor: pesquisa participante em alguns casos, um tipo de pesquisa baseado numametodologia de observao participante na qual os pesquisadores estabelecem relaes comunicativas compessoas ou grupos da situao investigada com o intuito de serem melhor aceitos. Nesse caso, a participao

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    sendo pesquisa participante24. H ainda quem no diferencie pesquisa-ao de pesquisa

    participante, nem esta ltima da observao participante. Por outro lado, h tambm estudos

    empricos que, ao relatarem os procedimentos metodolgicos utilizados, dizem se tratar de

    pesquisa-ao, mas que se submetidos aos conceitos tericos, se caracterizariam melhor como

    sendo pesquisa participante.

    Visando contribuir para elucidar tais imprecises apresentamos trs grandes

    modalidades que, a nosso ver, englobam a pesquisa participante. Ressaltamos que cada

    modalidade possui traos especficos que a diferencia das demais, embora todas sejam

    pesquisa participante, visto que tem como estratgia metodolgica em comum, a insero

    do pesquisador no ambiente pesquisado e o compartilhamento deste na situao vivida pelo

    grupo ou comunidade, com propsitos investigativos. A seguir apontamos as trs modalidades

    acima referidas e suas respectivas caractersticas:

    a) Observao participante:

    ! O pesquisador se insere, participa de todas atividades do grupo25 pesquisado,

    ou seja ele acompanha e vive (com maior ou menor intensidade) a situao

    concreta que abriga o objeto de sua investigao. Porm, o investigador no

    se confunde, ou no se deixa passar por membro do grupo. Seu papel de

    observador. Exceto em situao extrema, em que o pesquisador, por opo

    metodolgica, decide deixar-se passar por membro do grupo26, acreditando ser

    a melhor forma de poder captar as reais condies e sentimentos do

    investigado27.

    sobretudo participao dos pesquisadores e consiste em aparente identificao com os valores e oscomportamentos que so necessrios para a sua aceitao pelo grupo considerado.24 Ver por exemplo: BOTERF, Guy de. Pesquisa participante: propostas e reflexes metodolgicas. In:BRANDO, Carlos Rodrigues (Org.). Repensando a pesquisa participante. 3a.ed. So Paulo: Brasiliense, 1987.p.51-8125 Referimo-nos a grupo por uma questo de facilidade de linguagem, mas deve-se entender tambmcomunidade, bairro, instituio, departamento ou qualquer outra designao que se adeque cada investigao.26 Tornar-se operrio da construo civil, por exemplo, como forma de estudar as condies de trabalho e orelacionamento entre patres e empregados. Ver A difcil vida fcil, livro publicado tendo por base umapesquisa realizada em zona de prostituio em que a pesquisadora se deixou passar por prostituta.27 Trata-se de uma proposta j no muito aceita atualmente por se acreditar que mesmo que o pesquisadorconsiga viver a situao do outro, nunca deixar de ser quem ele realmente , portanto no haveria comoeliminar diferenas ou sentir e perceber do mesmo modo que o outro. H ainda toda uma questo ticaenvolvendo o direito das pessoas saberem quando esto sendo investigadas. Por outro lado, acredita-se que como avano da cincia no preciso camuflar-se para obter informaes e dados necessrios pesquisa.

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    * Apresentado no III Colquio Brasil-Italia de Cincias da Comunicao, realizado em Belo Horizonte MG nos dias 2 e 3 desetembro de 2003. Promoo: INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao.

    ! O pesquisador autnomo. O grupo ou qualquer elemento do ambiente, no

    interfere na pesquisa, do ponto de vista da formulao dos objetivos e demais

    fases do projeto, nem sobre o tipo de informaes registradas e interpretaes

    dadas ao observado.

    ! O observador pode ser encoberto ou revelado. O que quer dizer que o

    grupo pode ter ou no conhecimento de que est sendo investigado.

    Este tipo de pesquisa tem sua origem nos estudos sobre comunidades desenvolvidas

    por

    antroplogos e que se tornou conhecida como investigao etnogrfica. Os pesquisadores

    perceberam rapidamente que muitas informaes sobre a vida dos povos no podem ser

    quantificadas e precisavam ser interpretadas de forma muito mais ampla que circunscrita ao

    simples dado objetivo. Isto no significou, de comeo, o abandono de posicionamentos

    tericos funcionalistas e positivistas (TRIVIOS, 1990, p.120).

    Ressaltamos pois, que nem toda pesquisa baseada na observao participante, que

    tambm pode ser denominada de pesquisa etnogrfica, realizada sob os parmetros do

    mtodo dialtico.

    Como est em GALINDO CCERES (1998, p.348-349), a etnografia teve origem na

    Europa do sculo XIX e nela se confluem duas perspectivas no programa positivo da cincia:

    como grande inventrio do que se configura como social, buscando identificar o que pode

    levar a certas leis universais, e o encontro entre o racionalismo e o empirismo que resulta

    numa perspectiva metodolgica tericos como guia de reconhecimento dos fenmenos

    sociais28.

    Se na rea da antropologia a investigao etnogrfica est interessada em elaborar

    mapas

    descritivos dos modos de vida dos territrios estudados, a composio familiar, suas rotinas e

    todas as demais dimenses da vida cotidiana e do mundo da cultura, na rea da comunicao

    ela tem sido usada pela analisar os fenmenos comunicacionais, principalmente dos

    processos de recepo de mensagens dos meios de comunicao de massa.

    Nos anos recentes a observao participante realizada para investigar fenmenos de

    28 Traduo da verso em espanhol feita pela autora.

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    * Apresentado no III Colquio Brasil-Italia de Cincias da Comunicao, realizado em Belo Horizonte MG nos dias 2 e 3 desetembro de 2003. Promoo: INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao.

    comunicao em comunidades ou regies tem sido chamada de etnografia de mdia,

    etnografia de audincia ou de etnografia de recepo.

    um tipo de pesquisa que consiste na observao participativa de segmentos do

    processo de comunicao de massas com a finalidade de descobrir os comportamentos, os

    usos e as interpretaes que faz o pblico dos meios de comunicao social (SAPERAS,

    1998, p.163)29.

    Segundo Erick Saperas (1998, p.164), o interesse da etnografia aplicada pesquisa de

    comunicao formar um modelo de investigao de carter no contextual destinado a

    descrever como se produzem os atos de comunicao em distintas situaes. Em geral, se

    analisa a recepo dos meios de comunicao tentando observar a situao em que se produz

    esta recepo e os usos sociais da mdia.

    A tendncia predominante de aplicao da investigao etnogrfica na rea da

    comunicao tem sido no estudo da recepo televisiva, principalmente da telenovela. Ente

    alguns trabalhos de destaque esto os de James Lull30, Ondina Fachel Leal31, Jorge

    Gonzales32, Guillermo Orozco Gomes33, Thomas Tufte34, Nilda Jacks35, Olga Guedes36, e do

    Ncleo de Telenovela37 da Universidade de So Paulo.

    A observao participante - ou investigao etnogrfica realizada com a finalidade

    de

    observar comportamentos das pessoas em relao aos meios de comunicao pressupe a

    insero do pesquisador no ambiente investigado (uma famlia, uma gangue, um grupo

    29 Traduo da verso em espanhol feita pela autora.30 LULL, James. World families watch television. Califrnia: Newbury Park, 1988; LULL, James. Insidefamily wiewing. Nova York, Routledge, 1990.31 LEAL, Ondina F. A leitura social da novela das oito. 2a.ed. Petrpolis, Vozes, 1990.32 GONZALES, J. Para um protocolo de observacin etnogrfica de los usos diferenciales y los modos de verls telenovelas. In: Estdios sobre culturas contemporneas, n.1, Colima, 1986.33 OROZCO GOMES, Guillermo. Televisin y audincias: um enfoque cualitativo. Madrid: Ediciones de LaTorre / Universidad Iberoamericana, 1996. Ver outros textos do autor.34 TUFTE, Tomas. Media ethnografhy analisis of the use and consumption of media flow in everyday life. In:Paper apresentado no GT Fico Televisiva, XVIII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao.INTERCOM. Aracaju, 1995. Ver outros textos do autor.35 JACKS, Nilda & TUFTE, Tomas. Televiso, identidade e cotidiano. In: RUBIM, Antonio AL.C.; BENTZ,Ione M.G & PINTO, Milton J. (org.) Produo e recepo dos sentidos miditicos. Petrpolis: Vozes,1998.p.99-106.36 GUEDES, Olga. Os estudos de recepo, etnografia e globalizao. In: RUBIM, Antonio AL.C.; BENTZ,Ione M.G & PINTO, Milton J. (org.) Produo e recepo dos sentidos miditicos. Petrpolis: Vozes,1998.p107-118.37 LOPES, Maria Immacolata V.de; BORELLI, Silvia H.S. & RESENDE, Vera da Rocha. Vivendo atelenovela: mediaes, recepo, teleficcionalidade. So Paulo: Summus, 2002.

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    profissional, uma comunidade etc.) e, em geral, objetiva observar como se processa a

    recepo das mensagens dos mass media, como elas so entendidas, decodificadas e

    reelaboradas. Pode tambm ter a finalidade de observar os processos comunicativos

    interpessoais, grupais ou comunitrios, envolvendo os mass media ou outros processos de

    comunicao como os grupais e meios alternativos de comunicao.

    Segundo Paulo Mancini 38 (apud (SAPERAS, 1998, p.164-165)39, as finalidades da

    anlise etnogrfica so: o estudo da recepo televisiva no marco das atividades cotidianas e

    dos grupos primrios (famlia, amigos, grupo escolar etc.) ou de segmentos homogneos de

    populao (donas de casa, jovens, aposentados, trabalhadores em greve, trabalhadores

    agrupados por segmento econmico etc); a interao que se produz entre a televiso e o

    receptor individual; a relao entre receptor e receptor; relao entre receptores e a situao

    de recepo ou de consumo; o uso do meio por parte do publico receptor; observar os efeitos

    de comunicao; a interpretao das mensagens recebidas; a anlise da interpretao;

    interpretao dos processos codificao/decodificao; anlises da capacidade de

    discriminao das hierarquias presentes nos noticirios televisivos.

    H que se dizer ainda, que toda investigao etnogrfica pressupe a observao

    participante, mas que nem toda observao participante etnogrfica. A etnografia est mais

    preocupada com os elementos constitutivos do cotidiano e que perpassam as relaes das

    pessoas com a mdia na perspectiva da construo de significados a partir da exposio aos

    contedos do meio de comunicao, no universo da cultura. A observao participante pode

    abarcar no s estudos de recepo de mensagens da televiso ou de outros meios, de carter

    massivo ou comunitrio, mas estar interessada em captar outros processos comunicacionais,

    tais como: sistema de gesto de um meio comunitrio de comunicao, mecanismos de

    participao popular na programao, bastidores dos momentos de produo de uma

    telenovela, modalidades de comunicao grupal, tipo de relaes e interferncias num

    departamento de produo jornalstica, relaes entre pares e suas idiossincrasias num

    departamento de criao em agncia de publicidade e assim por diante.

    b) Pesquisa participante:

    38 MANCINI, Paulo. Guardando il telejornale. Roma:RAI/VQPT. N.108, Nuova Eri, 1991.39 Traduo nossa.

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    * Apresentado no III Colquio Brasil-Italia de Cincias da Comunicao, realizado em Belo Horizonte MG nos dias 2 e 3 desetembro de 2003. Promoo: INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao.

    ! O pesquisador se insere, participa de todas atividades do grupo pesquisado, ou

    seja ele acompanha e vive (com maior ou menor intensidade) a situao

    concreta que abriga o objeto de sua investigao, como na observao

    participante, mas variando nos aspectos discutidos abaixo.

    ! O investigador interage como membro. Alm de observar, ele se envolve,

    assume algum papel no grupo. Trata-se de uma opo que exige muita

    maturidade intelectual; acentuada capacidade de distanciamento a fim de no

    criar vieses de percepo e interpretao o que no quer dizer neutralidade; e

    responsabilidade para com o ambiente pesquisado de modo a no interferir

    demasiadamente no grupo ou criar expectativas que no podero ser satisfeitas,

    at pela circunstncia de posio transitria do pesquisador no grupo.

    ! O grupo pesquisado conhece os propsitos e intenes do investigador, e

    normalmente concordou previamente com a realizao da pesquisa.

    ! O pesquisador pode ser membro do grupo ou se inserir apenas para realizar a

    pesquisa.

    ! O pesquisador normalmente se compromete a devolver os resultados da

    investigao ao grupo ou comunidade pesquisados.

    Nesta modalidade, a pesquisa participante40 na rea da comunicao tem se

    concretizado

    num tipo de investigao em que o pesquisador interage com o grupo pesquisado,

    acompanha as atividades relacionadas ao objeto em estudo e desempenha algum papel

    cooperativo no grupo. Em geral, esse acompanhamento ocorre apenas em parte vida do

    grupo e/ou das aes que se relacionam diretamente com o objeto investigado. Exemplo: um

    pesquisador que esteja estudando uma rdio comunitria num bairro, no precisa morar nele,

    mas sim participar de todas as reunies da equipe de comunicao, acompanhar o processo de

    produo e difuso de programas, de momentos em que a rdio est no ar e de todas as demais

    atividades relacionadas rdio, como uma eventual visita ao Ministrio da Comunicaes ou

    uma passeata. recomendvel ainda que participe de outras atividades importantes, tais como

    festas, comemoraes especiais etc.

    40 Que tambm j foi chamada de investigao militante, assim como o foi a pesquisa-ao.

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    A pesquisa participante pode se originar do interesse do investigador ou de um grupo

    que

    objetiva conhecer melhor seus processos de comunicao. Nas palavras de Maria Ozanira da

    Silva e Silva (1986, p. 153): pode o pesquisador, juntamente com os grupos elaborar e

    desenvolver, conjuntamente, uma proposta de investigao ou, ainda, a proposta pode se

    originar do investigador e contar com a participao dos grupos interessados.

    Em geral a motivao compreender de modo sistemtico e com base cientfica, os

    processos de comunicao existentes, como forma de identificar suas inovaes, virtudes e

    avanos, mas tambm as falhas, desvios de prticas comunicacionais, levantar as prticas

    participativas e de gesto, entender os mecanismos de recepo de mensagens e auscultar as

    aspiraes dos receptores de modo a aperfeioar o trabalho desenvolvido nos meios de

    comunicao grupais ou miditicos de alcance comunitrio ou local. Paralelamente poder ter

    a preocupao de documentar a histria das experincias consideradas relevantes e dignas de

    serem registradas e dadas a conhecer a outros pblicos - como o acadmico - e ao conjunto da

    sociedade.

    Trata-se de um estilo de pesquisa prximo ao da pesquisa-ao, distinguindo-se,

    essencialmente, no que diz respeito ao processo de realizao da pesquisa, que neste caso

    reserva mais autonomia ao pesquisador, tendo em vista que as decises sobre os objetivos da

    pesquisa e demais processos de coleta e interpretao dos dados no contam com a

    interferncia do grupo investigado. Os resultados da investigao so devolvidos ao grupo,

    em geral, apenas depois da concluso da pesquisa.

    c) Pesquisa-ao:

    ! Na pesquisa-ao so repetidas todas as cinco caractersticas da pesquisa

    participante acima elencadas, acrescentando:

    ! O grupo no apenas sabe que est sendo investigado como conhece os

    objetivos da pesquisa e participa do processo de realizao da mesma.

    ! Implica o envolvimento do pesquisador no ambiente investigado e tambm no

    engajamento das pessoas deste grupo no processo da pesquisa. Elas participam

    da formulao do problema e dos objetivos, ajudam no levantamento dos

    dados e se envolvem na discusso dos resultados.

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    ! A pesquisa tem o propsito de contribuir para solucionar alguma dificuldade

    ou problema real do grupo pesquisado.

    ! Os resultados e o prprio processo da pesquisa - se revertem em benefcio

    do grupo, pois servem de subsdios para o encaminhamento de solues

    demandadas in loco.

    A pesquisa-ao, na definio de Michel Thiollent (2003, p.14), um tipo de

    pesquisa social com base emprica que concebida e realizada em estreita associao com

    uma ao ou com a resoluo de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os

    participantes representativos da situao ou do problema esto envolvidos de modo

    cooperativo e participativo.

    Como esclarece Guy Le Boterf (1987, p.51-52), na pesquisa tradicional a populao

    pesquisada considerada passiva, como simples reservatrio de informaes, incapaz de

    analisar a sua prpria situao e de procurar solues para seus problemas. Nesse caso, a

    pesquisa fica exclusivamente a cargo de especialistas (socilogos, economistas etc.), pois

    somente estes possuiriam a capacidade de formular os problemas e de encontrar formas de os

    resolver. Desse modo, os resultados da pesquisa ficam reservados aos pesquisadores, e a

    populao no levada a conhecer tais resultados e menos ainda discuti-los. Enquanto, a

    pesquisa participante41 vai, ao contrrio, procurar auxiliar a populao envolvida a identificar

    por si mesma os seus problemas, a realizar a anlise crtica destes e a buscar as solues

    adequadas. Desse modo, a seleo dos problemas a serem estudados emerge da populao

    envolvida que os discute com especialistas apropriados, no emergindo apenas da simples

    deciso dos pesquisadores.

    Na rea da comunicao, a pesquisa-ao quando desenvolvida procurou contribuir

    para subsidiar a melhoria dos modos de comunicao dos grupos populares. No entanto, a

    literatura disponvel42 indica ter havido mais aplicao da metodologia da pesquisa

    participante do que da pesquisa-ao, s vezes at sob o nome de pesquisa-ao.

    Em qualquer uma das trs modalidades, paralelamente observao direta, o

    41 O autor chama de pesquisa participante, mas de fato a proposta explcita e implcita nesse tipo de pesquisa tpica da pesquisa-ao. O autor no usa a denominao de pesquisa-ao no decorrer do texto citado.42 Provavelmente muitas das pesquisas realizadas nessa perspectiva na Amrica Latina no galgaram ampladivulgao, o que limita o acesso ao conhecimento produzido.

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    pesquisador pode aplicar tcnicas complementares de coleta de dados como a entrevista

    (tanto no formato semi-estruturada, como a entrevista em profundidade - a histria oral, por

    exemplo), anlise documental e o estudo de dados secundrios (informaes j disponveis

    em rgos pblicos e privados ou de instituies vinculadas ao prprio grupo pesquisado

    etc.).

    Pressupostos metodolgicosa) Questo do mtodo

    A discusso sobre o mtodo na pesquisa qualificativa e, especialmente, na pesquisa

    participante, muito rica e sem fim previsvel. Trata-se de um grande embate entre correntes

    distintas de pensamento, como a positivista, a fenomenolgica e a dialtica, no qual no h

    vencedores, nem vencidos. H controvrsias. Cada um tem suas razes e convices. Um e

    outro no tem predisposio alguma de ceder em suas posies, j que se fundam em

    paradigmas cientficos, ou em concepes e teorias de cincia, que so antagnicos entre si.

    A discusso toca na questo da cientificidade dos resultados, ou seja na discusso

    sobre em que situao investigativa os resultados so confiveis e vlidos, do ponto de vista

    cientfico. As questes de fundo so a da objetividade cientfica, defendida por uns, e na

    pseudo neutralidade da cincia, apontada por outros, conforme explicitamos em pginas

    antecedentes. nesta perspectiva que a no neutralidade, claramente assumida pelos

    pressupostos terico-metodolgicos da pesquisa participante, apontada como

    comprometedora dos resultados da investigao.

    Falar em pressupostos metodolgicos apontar para uma questo do mbito da

    epistemologia da cincia, quer dizer, para o estudo crtico dos princpios, hipteses e

    resultados do conhecimento cientfico. Portanto, para uma compreenso da pesquisa

    participante no contexto dos estudos de comunicao social, h que se discutir os

    pressupostos metodolgicos dessa pesquisa, que indubitavelmente conduz discusso da

    relao sujeito-objeto. Na pesquisa participante nas modalidades engajadas essa relao

    modificada j que potencializa a transformao do objeto em sujeito.

    Como diz Orlando Fals Borda (1981, p.59), o propsito no formar

    um novo paradigma cientfico para substituir qualquer um j existente, atravs da

    pesquisa participante. No entanto, podemos nos aproximar de um tipo de brecha

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    metodolgica se os pesquisadores engajados seguirem os efeitos dinmicos do

    rompimento da dade sujeito-objeto que esta metodologia exige como uma de suas

    caractersticas bsicas. So muito evidentes as potencialidades de se obter um novo

    conhecimento slido a partir do estabelecimento, na pesquisa de uma relao mais

    proveitosa sujeito-objeto, isto , uma completa integrao e participao dos que

    sofrem a experincia da pesquisa.

    Paulo Freire (1981, p.35) mais enftico:

    se minha opo libertadora, se a realidade se d a mim no como algo parado,

    imobilizado, posto a, mas na relao dinmica entre objetividade e subjetividade, no

    posso reduzir os grupos populares a meros objetos de minha pesquisa. Simplesmente,

    no posso conhecer a realidade de que participam a no ser com eles como sujeitos

    tambm deste conhecimento que, sendo para eles um conhecimento anterior (o que se

    d ao nvel da sua experincia quotidiana) se torna um novo conhecimento.

    Trata-se de uma posio que se contrape cincia que se auto proclama de neutra por

    lidar com o conhecimento objetivo, aquele proveniente de procedimentos tecnicamente

    controlados em laboratrio ou atravs de outros instrumentos em clculos matemticos ou

    anlise fria de documentos, portanto tidos como imunes ao subjetivismo humano.

    Afinal, um conhecimento objetivo, atual e rigoroso no tolera a interferncia dos

    valores humanos ou religiosos. Foi nesta base que se construiu a dicotomia sujeito-objeto. No

    entanto, a distino sujeito-objeto nunca foi to pacfica nas cincias sociais quanto nas

    cincias naturais (SANTOS, 1999, p.50).

    A transformao da relao sujeito-objeto em sujeito-sujeito no implica a aceitao

    da interferncia deliberada do subjetivismo e de pr-conceitos fincados em pressupostos

    poltico-ideolgicos indubitavelmente presentes em cada pesquisador, a observao de um

    fenmeno comunicacional, to pouco a interpretao e anlise dos dados observados. Do

    pesquisador engajado espera-se maturidade intelectual suficiente para processar sua

    investigao com base em hipteses ou questes de pesquisa sustentadas em teorias e, ainda,

    que possa captar os movimentos do fenmeno tais como so, portanto distanciando-se de

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    suas idiossincrasias e de um olhar parcial, superficial ou falso da realidade, o que em absoluto

    significa acreditar na possibilidade de neutralidade na cincia.

    Concordamos com Edgar Morin ( 2001, p.311) quando ele diz:

    no condeno, ao contrrio, adiro plenamente rejeiocientfica necessria do subjetivismo, isto , da idiossincrasia afetiva,do egocentrismo, da etnocentrismo, da opinio arbitrria. Mas,importa distinguir a realidade da subjetividade e a iluso dosubjetivismo. porque esta distino no foi operada que a lutaelucidativa contra o subjetivismo tornou a cincia cega para o sujeito.Aqui, quero mostrar que o desenvolvimento da luta contra osubjetivismo exige o reconhecimento do sujeito e a integrao crticada subjetividade na busca da objetividade.

    b) Papel do pesquisador

    Se no item precedente realamos o papel do objeto, melhor dizendo, do sujeito da

    investigao. Outro aspecto importante, intrinsecamente ligado questo anterior aqui

    separada apenas com intenes didticas diz respeito ao papel do observador, ou seja do

    outro sujeito, no processo de pesquisa participante.

    importante, primeiro, porque o pesquisador pode modificar o contexto que pretende

    investigar, qualquer que seja a sua condio de insero: tanto se for algum de fora que se

    insere num grupo apenas para observ-lo, como se for algum que se envolve de modo a

    tornar-se parte ativa com a postura de interferncia proposital tendo por base o objetivo

    no s de coleta de dados, mas contribuir com o avano do grupo.

    Segundo, ao mesmo tempo que o investigador pode interferir no grupo pesquisado, ele

    se torna receptculo de influncias estando sujeito a transpor um subjetivismo que poderia

    comprometer o estudo. Apesar de todos os cuidados que se pressupe sejam tomados por

    quem faz uma pesquisa participante, at em funo da disponibilidade de tcnicas neste

    sentido esse fator dos pontos durante criticado, justamente por ser considerado

    transgressor dos princpios da neutralidade e, conseqentemente, comprometedor dos

    resultados.

    A observao depende da capacidade do pesquisador, como fala claramente Jess

    Galindo Cceres (1998, p.350): a etnografia depende menos de instrumentos de registro e

    mediao do que de outras formas tcnicas de pesquisa, aqui o investigador est no centro,

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    tudo depende de sua formao, a diferena entre um novato e um especialista enorme e

    definitiva. Por isso, esse tipo de pesquisa difcil de ser realizada. Seus pressupostos

    tericos e metodologias, bem como a confluncia de tcnicas43, podem desempenhar papel

    fundamental na obteno de resultados vlidos cientificamente.

    Terceiro, a presena do pesquisador pode ser revelada ou encoberta44, formal ou

    informal45, fazer parte integral ou perifrica46. Qualquer que seja a estratgia adotada exige-

    se do pesquisador a definio clara do problema de pesquisa e dos

    procedimentos metodolgicos corretos e delineadas as estratgias de evitar as possveis

    distores de modo a no comprometer os resultados.

    c) Tempo necessrio de permanncia no campo

    Outra questo importante quanto ao perodo de tempo necessrio para permanncia

    do investigador no ambiente estudado. No existe um tempo ideal que possa ser pr-fixado.

    Depende do tipo de objeto, de quo rpido ou demoradamente ele se revela ao investigador,

    das condies em que os mecanismos internos do objeto se do a conhecer ao pesquisador e

    da capacidade deste em captar suas manifestaes explcitas e implcitas. Mas, bvio que o

    tempo no pode ser curto demais. Podero ser meses, um ano ou mais.

    O etngrafo no pode ter pressa, ainda que a tenha. [...] Uma observao com nfase

    etnogrfica supe que o observador esteja ali, onde busca o sentido, dia aps dia, semana aps

    semana, ms a ms. O que ocorre em uma ocasio pode no ser importante ou pode ser o

    centro (GALINDO CCERES, 1998, p.353).

    d) Retorno do conhecimento

    A devoluo dos resultados do estudo cientfico queles que foram pesquisados algo

    esperado e s vezes at exigido pelos grupos. Afinal uma forma de perceberem que os

    resultados da pesquisa estaro ao seu dispor e podero subsidiar o auto-conhecimento do

    43 Fazer uso simultaneamente de outras tcnicas, alm da observao direta, como a entrevista em profundidade,o estudo de documentos e a triangulao.44 Diz-se encoberta quando o observa escamoteia a sua condio de pesquisador.Quando o grupo no sabe queest sendo investigado.45 Se a insero do pesquisador passa por algum processo de autorizao formal do grupo pesquisado.46 Insero integral quando o pesquisador passa a viver todos os momentos e realizaes do grupo. Perifricaseria quando ele s acompanha as partes os sesses de trabalho que tem relao direta co o objeto de estudo.

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    * Apresentado no III Colquio Brasil-Italia de Cincias da Comunicao, realizado em Belo Horizonte MG nos dias 2 e 3 desetembro de 2003. Promoo: INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao.

    grupo e s aes em prol da melhoria de processos organizativos e de comunicao interna e

    externa.

    No raro alguns grupos, tais como comunidades, grupos tnicos, organizaes etc., se

    sentem como servindo apenas de laboratrio para pesquisas acadmicas ou

    mercadolgicas. Respondem a entrevistas, se deixam ser observados, fotografados, filmados,

    mas no tem acesso aos resultados. No novidade para ningum que, em geral o

    conhecimento gerado atravs de pesquisas retornem exclusivamente comunidade

    cientfica, aos institutos de pesquisa ou s instituies que contrataram as pesquisas.

    Desse modo, tambm neste quesito a pesquisa participante procura romper com os

    padres vigentes.

    Consideraes finaisA pesquisa qualitativa extremamente vlida para estudos em que as evidncias de

    natureza qualitativa trazem um tipo de conhecimento que o dado quantitativo, ou a

    informao estatstica no consegue captar em sua plenitude. Por exemplo, a re-elaborao

    que a pessoa faz de uma mensagem, os valores, determinadas atitudes, pressupostos

    ideolgicos, indicadores de funcionamento de uma organizao complexa, a participao

    popular nos vrios nveis do processo de comunicao etc.

    A pesquisa participante, assim como outras modalidades de estudos qualitativos, se

    concretizam na coleta e anlise de dados primrios empricos. Ela se ancora na integrao

    entre o pesquisador e o grupo estudado e dessa relao que depende a captao adequada dos

    dados. Se eles forem escamoteados, sonegados ou mal compreendidos, toda a pesquisa pode

    ficar comprometida.

    Por no se valer de instrumentos mensurveis, ela implica em menos controle por

    parte do pesquisador. Na verdade vai depender basicamente da capacidade do investigador

    em captar, compreender, interpretar e analisar o fenmeno.

    Esse tipo de pesquisa no acredita na neutralidade da cincia enquanto pressuposto

    epistemolgico, mas se declara favorvel ao distanciamento investigativo de modo a no se

    confundir o que realmente ocorre com conceitos prvios ou intenes valorativas do

    pesquisador.

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    * Apresentado no III Colquio Brasil-Italia de Cincias da Comunicao, realizado em Belo Horizonte MG nos dias 2 e 3 desetembro de 2003. Promoo: INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao.

    A pesquisa participante tem se configurado em trs modalidades: observao

    participante, pesquisa participante e pesquisa-ao. Enquanto as duas ltimas representam um

    tipo de pesquisa engajada aos grupos investigados e voltada para o desenvolvimento social ou

    das organizaes, a primeira conserva um carter mais eqidistante no que diz respeito

    relao sujeito-objeto.

    Referncias bibliogrficas

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