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O GRUPO (DE ESQUERDA) DE OSASCO MOVIMENTO ESTUDANTIL, SINDICATO E GUERRILHA (1966-1971)Sérgio Luiz Santos de Oliveira
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UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTRIAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL
O GRUPO (DE ESQUERDA) DE OSASCOMOVIMENTO ESTUDANTIL, SINDICATO E GUERRILHA
(1966-1971)
Srgio Luiz Santos de Oliveira
So Paulo2011
UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTRIAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL
O GRUPO (DE ESQUERDA) DE OSASCOMOVIMENTO ESTUDANTIL, SINDICATO E GUERRILHA
(1966-1971)
Srgio Luiz Santos de Oliveira
Dissertao apresentada ao Programa de Ps- Graduao em Histria Social, do Departamento de Histria da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Histria.
Orientador: Prof. Dr. Ulysses Telles Guariba Netto
So Paulo2011
A todos aqueles que no se submeteram
a ditadura
A dona Maria Miguel, minha me, e a
Renata Lpia Lima, mulheres da minha
vida.
Agradecimentos
Agradeo a CNPq pela bolsa de estudos que me foi de inestimvel valia nestes dois ltimos anos. Agradeo especialmente ao professor Marcos Silva, pelas suas dicas,
orientaes e indicaes de leitura, fundamentais para o desenvolvimento do meu trabalho.
Tambm sou grato as indicaes do professor Lincoln Secco, presente em meu exame de
qualificao, e ao professor Wilson do Nascimento Barbosa, que muito me auxiliou para um
maior conhecimento sobre o terreno rido da Histria Econmica. No deixando de
mencionar meu orientador, Ullysses Telles Guariba Netto.
Foi de fundamental importncia para o desenvolvimento dessa pesquisa os depoimentos
a mim fornecidos por brasileiros que se engajaram no combate violento a ditadura civil-
militar que se imps sobre este pas durante vinte e um anos, a esses vo meus mais sinceros
agradecimentos. Primeiramente, a Antonio Roberto Espinosa, que pacientemente me
concedeu cinco entrevistas, sempre muito atencioso e prestativo. A Jos Ibrahim, tambm
muito solcito e interessado em contribuir para a historiografia brasileira. A Roque Aparecido
da Silva, Manuel Dias do Nascimento, Stanislau Zermeta e Gabriel Figueiredo, militantes
polticos at os dias de hoje. A Joo Quartim de Moraes e sua esposa Maria Lygia Quartim de
Moraes, que muito gentilmente me receberam em sua casa para uma entrevista.
Agradeo de todo corao aos amigos que acompanharam nestes anos de graduao e ps-graduao, tanto em ambiente de servio, quanto na Faculdade, alm dos bons
companheiros de CRUSP. A Ronaldo Kirilauscas, pela fora na formatao deste trabalho, e a
Ana Paula e Sandro Venturi, por sua impresso e ajustes finais. A todos os meus alunos, do
ensino fundamental, mdio, pr-vestibular e superior, que muito colaboraram para meu
amadurecimento enquanto pessoa, professor e pesquisador.
Agradeo muito a meus familiares, que estiveram comigo o tempo todo, mesmo antes de
minha vida acadmica, sobretudo a Maria Miguel, minha me, mulher que me introduziu no
mundo dos livros, e a minha irm, Daniela Santos de Oliveira, sempre disposta a dar uma mo
nos momentos difceis. Para concluir, sou eternamente grato a Renata Lipia Lima, minha
companheira nestes anos de estudo e pesquisa, sempre ao meu lado.
Resumo
A presente pesquisa tem por objetivo estudar a trajetria do Grupo de Osasco, grupo que
reunia operrios, estudantes e estudantes-operrios. Para o desenvolvimento de nosso projeto
utilizaremos fontes documentais provenientes de inquritos policiais e material produzido
pelas organizaes revolucionrias (peridicos, manifestos, programas). Estes documentos
so encontrados em arquivos como o Arquivo do Estado de So Paulo e o Centro de
Documentao e Memria da UNESP (CEDEM). Tambm trabalharemos com Histria Oral,
com base em depoimentos colhidos com personalidades que estiveram diretamente envolvidas
com os eventos analisados em minha pesquisa. O recorte cronolgico abranger o perodo que
vai de 1966, incio das atividades polticas do Grupo de Osasco, at 1971, quando
praticamente todos os seus membros estavam exilados, presos ou mortos. Em setembro de
1971 tomba a ltima grande liderana remanescente de Osasco, Jos Campos Barreto,
juntamente com Carlos Lamarca, no serto da Bahia. Ao longo da segunda metade da dcada
de sessenta, o Grupo de Osasco foi o principal movimento de esquerda nesta cidade. Em
meados de 1968 dominava o movimento estudantil local, reunido em torno do CEO;
dominava o sindicato dos metalrgicos, e expandia sua influncia a outras categorias atravs
da criao de comisses de fbrica, mecanismo de representao que articulava os
trabalhadores pela base, a margem do sindicato. Possuam um vereador e vrios
representantes seus nas secretrias municipais. Pouco antes do AI-5, este grupo estava
organizando associaes de bairro sob sua influncia, e nessas associaes ministravam
cursos de marxismo para populares. Coube ao Grupo de Osasco a organizao da greve de
julho de 1968, que se somou a onda de manifestaes anti-ditadura que sacudiram o pas. A
represso ps greve de julho jogou praticamente todos os militantes do Grupo de Osasco na
clandestinidade, e estes acabaram por se integrar a VPR e partiram para a luta armada.
Palavras ChaveOsasco, autonomia, movimento estudantil, golpe, operariado, sindicato, greve, ditadura,
guerrilha, vanguarda,
Abstract
This research aims to study the trajectory of the Group of Osasco, group bringing together workers, students and student-workers. For development of our project will use documentary sources from of police investigations and material produced by organizations revolutionary (journals, manifestos, programs). These documents are found in archives and the Archive of State of So Paulo and the Documentation Center and Memorial of UNESP (CEDEM) . Also work with oral history, based on testimonies gathered with personalities who were directly involved in the events analyzed in my research. The outline will cover the chronological period from 1966, beginning of political activities of the Group of Osasco, until 1971, when virtually all of its members were exiled, imprisoned or killed. In September 1971 falls the last great remaining leadership of Osasco, Joseph Campos Barreto, along with Carlos Lamarca, in the interior of Bahia. Throughout second half of the sixties, the Group was the main Osasco leftist movement in this city. In mid-1968 dominated the movement local student, gathered around the CEO; dominated the union metallurgical, and expanded its influence to other categories by creating workplace committees, representation mechanism which articulated the workers at the base, the margin of the union. They had a city councilman and several their representatives in the municipal secretaries. Shortly before the AI-5, this group was organizing neighborhood associations under its influence, and these ministered associations for popular courses on Marxism. It fell to Group Osasco organizing the strike in July 1968, which added to the wave anti-dictatorship protests that rocked the country. The repression of post strike July played virtually every militant group in Osasco underground, and these will eventually join the VPR and went to battle armed.
Keywords
Osasco, autonomy, student movement, strike, work force, union, coup, dictatorship, guerrilla, vanguard.
Lista de siglas e abreviaes
ACO Ao Catlica Operria
AERP Assessoria Especial de Relaes Pblicas da Presidncia da Repblica
ALN Aliana Nacional Libertadora
AP Ao Popular
CCC Comando de Caa aos Comunistas
Ceneart- Colgio e Escola Normal Antonio Raposo Tavarez
CEO Crculo Estudantil de Osasco
CGT Comando Geral dos Trabalhadores
Cobrasma Companhia Brasileira de Materiais Ferrovirios
Colina Comando de Libertao Nacional
CREBS Conselho Regional dos Estudantes da Baixa Sorocabana
CRUSP Conjunto Residencial dos Estudantes da USP
FNT Frente Nacional do Trabalho
Gepa Grupo Escolar de Presidente Altino
GO Grupo de Osasco
GR Guerra Revolucionria
GTA Grupo Ttico Armado
IMP Inqurito Policial Militar
JEC Juventude Estudantil Catlica
JOC Juventude Operria Catlica
JUC Juventude Universitria Catlica
MNR Movimento Nacionalista Revolucionrio
ME Movimento Estudantil
MIA Movimento Intersindical Anti-Arrocho
MO Movimento Operrio
Oban Operao Bandeirantes
Olas Organizao Latino-americana de Solidariedade
ORM-Polop Organizao Revolucionria Marxista Poltica Operria
OS Oposio Sindical
PAEG Programa de Ao Econmica do Governo
POC Partido Operrio Comunista
SADO Sociedade dos Amigos do Distrito de Osasco
SMO Sindicato dos Metalrgicos de Osasco
UBES Unio Brasileira dos Estudantes Secundaristas
UEE-SP - Unio Estadual dos Estudantes de So Paulo
UEO Unio dos Estudantes de Osasco
UME-RJ Unio Metropolitana dos Estudantes do Rio de Janeiro
UMO Unio da Mocidade de Osasco
UPES Unio Paulista dos Estudantes Secundaristas
USAID United States Agency for Internatinonal Development
VAR-Palmares Vanguarda armada Revolucionria Palmares
VPR Vanguarda Popular Revolucionria
Lista de Tabelas
Tabela I - Evoluo populacional do municpio de Osasco. p. 27
Tabela II - Empresas instaladas em Osasco entre 1940 e 1960, por ramo de atividade. p. 30
Tabela III - Cobrasma: nmero de funcionrios 1946-1970. p.189
Tabela IV - Evoluo do salrio mnimo (1959-1970). p. 206
Sumrio
Introduo __________________________________________________ p. 6
1. Pontos de Partida __________________________________________ p. 19
1.1. Vila ____________________________________________________ p. 20
1.2 De vila a bairro operrio ____________________________________ p. 26
1.3 Cidade __________________________________________________ p. 34
1.4. Cidade Vermelha __________________________________________ p. 43
2. Movimento Estudantil ______________________________________ p. 65
2.1 A Formao da UEO _______________________________________ p. 66
2.2 A formao do CEO ________________________________________ p. 76
2.3. A setembrada e as eleies de 1966 ___________________________ p. 87
2.4. 1968: a rebelio estudantil (no mundo, no Brasil e em Osasco) _____ p. 102
3. Movimento Operrio ______________________________________ p.161
3.1 O Sindicato dos Metalrgicos de Osasco _______________________ p. 162
3.2. Comisso de Fbrica ______________________________________ p.178
3.3 A Conquista do Sindicato _________________________________ p. 193
3.4. A Greve de Osasco de 1968 ________________________________ p. 205
4. Guerrilha _______________________________________________ p. 230
4.1. Por que a VPR ___________________________________________ p. 232
4.2. Por que a VAR-Palmares ___________________________________ p. 282
4.3. Derrocada e recomeo _____________________________________ p. 308
Consideraes Finais ________________________________________ p. 323
Referncias Bibliogrficas ____________________________________ p. 334
6Introduo
7 A presente dissertao tem por objetivo discutir a trajetria do Grupo de Osasco 1,
movimento formado por estudantes, operrios, e estudantes-operrios, a maioria na faixa dos
vinte anos de idade, organizados no municpio cujo nome vem expresso na indicao do
grupo. Tal movimento ganhou notoriedade aps a greve insurrecional de julho de 1968, ltima
paralisao de envergadura verificada na dcada de sessenta. Contudo, suas atividades no se
restringiram a esse evento. Os militantes articulados no GO se fizeram presentes no meio
poltico de sua cidade de forma abrangente entre 1966 e 1968.
Em sua breve trajetria, o grupo em anlise se pautou por ideias de cunho
revolucionrio, de matriz marxista-leninista, mescladas a correntes de pensamento em voga
no perodo, como o guevarismo-debraysmo. Por sua pouca experincia terica e organizativa,
o GO, atravs de seus representantes, no foi capaz de definir uma linha poltico-terica
slida. O que unia esses ativistas era uma oposio radical a ditadura civil-militar brasileira, o
desejo em interferir nos rumos polticos de sua realidade, e um interesse difuso pela teoria
marxista. Outro ponto que vale salientar o fato da maioria dos membros do grupo terem
adentrado o universo da esquerda nacional distantes das teses do PCB. Sua evoluo, em
sentido revolucionrio, apresentou contornos distintos, iniciou-se num momento posterior ao
golpe de 1964. Os rancores da esquerda mais jovem diante do imobilismo dos comunistas
perante o assalto ao poder esteve presente nesse agrupamento desde seus primrdios.
As atividades do GO no se restringiram a sua cidade, os mesmos estiveram presentes,
atravs dos aparelhos polticos sob seu controle, nas movimentaes estudantis do
efervescente ano de 1968, em aes conjuntas junto a entidades estaduais e federais, como a
UEE-SP e a UNE; nos debates em torno da oposio sindical ao regime militar, com destaque
para sua atuao nos trabalhos de construo (e dissoluo) do MIA (Movimento Intersindical
Anti-arrocho). Posteriormente, j em situao de clandestinidade, militantes do grupo
participaram das articulaes em torno da formao da guerrilha urbana em So Paulo, e de
suas cises posteriores.
Compreendemos o GO como um movimento social2 em construo, um organismo
1 Essa designao utilizada por Antonio Roberto Espinosa, uma das principais lideranas de esquerda do municpio no perodo em estudo. Jos Ibrahim, eleito presidente do Sindicato dos Metalrgicos de Osasco em 1967, costuma se referir ao grupo como Grupo de Esquerda, assim como o fez Francisco Weffort. Roque Aparecido da Silva, outra importante liderana local, utiliza a expresso Grupo de Esquerda de Osasco. Optei por utilizar Grupo de Osasco, pois seu carter de esquerda j vem enunciado no ttulo de meu projeto. Doravante este grupo ser indicado pela sigla GO.2 Gianfranco Pasquino, no verbete Movimentos Sociais, presente no Dicionrio de Poltica organizado por este autor em parceria com Norberto Bobbio e Nicola Mateucci, a partir das proposies de A. Melucci, prope uma distino entre movimentos reivindicatrios, movimentos polticos e movimentos de classe, baseada nos
8em sentido gramsciano, um elemento complexo da sociedade no qual j tenha tido incio a
concretizao de uma vontade coletiva reconhecida e afirmada parcialmente na ao3. Neste
excerto Gramsci se refere a formao do partido poltico, o aglutinador das vontades
coletivas. O GO no teve tempo para se estruturar enquanto partido ou movimento poltico
coeso, com diretrizes e programa definido, visto que seu perodo de atuao foi curto. Em sua
cidade, tornou-se uma das principais foras polticas na segunda metade dos anos 1960. Aps
seu ingresso na Vanguarda Popular Revolucionria, os jovens ativistas de Osasco se diluram
no intrincado jogo de poder interno a essa organizao, cerrando fileiras junto s tendncias
que possuam maiores afinidades com suas proposies de cunho obreirista, condizentes com
suas origens de estudantes-operrios.
Como dito acima, o GO se tornou conhecido aps a greve de julho de 1968, evento que
se notabilizou mais pela represso feroz com que foi contido, do que por seus efeitos
imediatos. Essa greve fez parte da vaga de oposio ao regime que tomou conta do pas no
ano do AI-5, somou-se as manifestao de massa empreendidas pelo ME nas principais
capitais brasileiras, e a efervescncia cultural galvanizada pela onda de contestao jovem
observada em nvel internacional. Somou-se tambm ao movimento paredista de Contagem e
outras paralisaes de menor monta, eclodidas em pontos distintos do territrio nacional, e ao
incio das atividades da guerrilha urbana no Brasil.
Aps a Greve de Osasco, o crescente processo de politizao orientado pelo GO em sua
regio foi bloqueado. As vsperas da paralisao da Cobrasma4, tal grupo controlava o
movimento estudantil local, o Sindicato dos Metalrgicos de Osasco e Regio, boa parte das
comisses de fbrica espalhadas pelas empresas da localidade; contava com trs vereadores
aliados, e trnsito junto ao prefeito da cidade. Organizados pelo grupo, cursos de iniciao ao
marxismo eram ministrados para trabalhadores e estudantes, alm de atividades culturais de
objetivos perseguidos. No primeiro caso, trata-se de impor mudanas nas normas, nas funes e nos processos de destinao dos recursos. No segundo, se pretende influir nas modalidades de acesso aos canais de participao poltica e de mudana nas relaes de fora. No terceiro, o que se visa subverter a ordem social e transformar o modo de produo e as relaes de classe. A passagem de um tipo a outro depende de numerosos fatores, dentre os quais no de somenos importncia o tipo de resposta que o Estado pode dar, bem como da capacidade dos movimentos em aumentar seus seguidores e em incrementar suas exigncias. Ao longo de sua trajetria, o GO flutuou entre as trs modalidades de movimentos sociais expostas acima, adotando uma postura mais radical a partir da emerso do grupo na luta armada. BOBBIO, Norberto Et alii (org). Dicionrio de Poltica. 7 Ed. Braslia-DF: Editora da Universidade de Braslia, 1995. p. 787-791.3 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Crcere. Vol. 3. Edio e traduo Carlos Nelson Coutinho Et alii. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2000. p. 164 Companhia Brasileira de Materiais Ferrovirios, maior empresa de Osasco no perodo em estudo, principal palco de atuao do GO junto ao operariado de sua cidade. Na terceira seo deste trabalho abordaremos a histria e a importncia desta empresa para o municpio de Osasco.
9vis proletrio. Em fase inicial, havia um trabalho de formao de associaes de bairro,
voltadas especialmente ao operariado local, dentro dos parmetros polticos do GO. Aps o
AI-5, tais iniciativas foram suprimidas por completo, e Osasco se tornou uma das cidades
mais vigiadas pela represso no Brasil.
Praticamente todos os trabalhos, acadmicos ou no, ao abordarem as lutas sociais no
agitado ano de 1968, fazem alguma referncia a Osasco, mais especificamente, a greve de
julho, ocorrida nessa cidade. Ainda sob o calor dos acontecimentos, uma srie de artigos
publicados pela imprensa alternativa registraram as primeiras impresses sobre o evento,
longe do comprometimento com o regime verificado na mdia corporativa. Publicaes
produzidas pelo ME, como o peridico Contato, editado pelos alunos da Faculdade de
Economia e Administrao da UFRJ, saudaram a paralisao de julho por meio do artigo
Ditadura treme... Osasco. J o tradicional Voz Operria, em sua edio de nmero 44,
publicada em outubro de 1968, apresentou um lcido balano sobre o evento em anlise,
intitulado Um soldado para cada trs grevistas.
Em 1972, desde o exlio, a organizao denominada Tendncia Leninista da ALN
(Aliana Libertadora Nacional), por meio de sua revista Unidade e Luta, nmero 2, publicou
uma longa entrevista com Jos Ibrahim, presidente cassado do SMO, exilado no Chile. Trata-
se de um precioso relato sobre as articulaes do GO junto ao operariado osasquense,
passando pela formao da comisso de fbrica de Cobrasma, pelo protesto de 1 de Maio de
1968, grande ato contra as polticas de arrocho salarial da ditadura, concluindo-se com uma
descrio sobre os trabalhos de construo da greve de julho, concludo com uma autocrtica
com relao aos rumos do movimento5.
O primeiro texto acadmico a discutir o tema foi o artigo de Francisco Weffort,
intitulado Participao e Conflito Industrial: Contagem e Osasco 1968, publicado pelos
5 De acordo com Celso Frederico, em agosto de 1968 o PCB posicionou-se sobre o movimento paredista de julho atravs do artigo A Greve de Osasco, assinado por os comunistas de Osasco tambm pelo peridico Voz Operria. No tivemos acesso a esse material. Tambm pela imprensa clandestina, o movimento de Osasco foi analisado no jornal Libertao, produzido pela Ao Popular, nos artigos A vitria poltica dos trabalhadores e A greve de Osasco e a luta contra a ditadura, em seus nmeros 6 e 7, publicados, respectivamente, em julho e agosto de 1968. O peridico sindical Combate, de Minas Gerais, dedicou um nmero especial as greves de Contagem e Osasco. O jornal Movimento Operrio, distribudo em Osasco e outros centros industriais do pas, redigido pelo POC (Partido Operrio Comunista), dedicou sua edio de nmero 15 a Greve de Osasco. O artigo citado no corpo do texto se encontra disponvel, em formato digital, no Centro de Documentao e Memria da UNESP CEDEM. Para mais informaes sobre outras publicaes clandestinas e desde o exlio a abordar o movimento de Osasco, consultar: FREDERICO, Celso (Org). A Esquerda e o Movimento Operrio, 1964-1986 (Vol.1). So Paulo: Editora Novos Rumos, 1987. p. 154
10Cadernos do Cebrap, em sua edio nmero 5, em 19726. O artigo de Weffort suscitou
crticas dos envolvidos no evento, especialmente pelo carter espontanesta imprimido ao
movimento paredista de julho pelo socilogo paulista. Na terceira seo desta pesquisa
veremos que essa greve foi cuidadosamente planejada pelos militantes do GO, organizados no
SMO e nas comisses de fbrica, sobretudo a da Cobrasma. No mesmo ano, o militante da
VPR identificado pelo pseudnimo Jaques Dias, escreveu no exlio um ensaio chamado El
Movimiento de Osasco. Sus luchas, sus actores.
Em 1978, dez anos aps os eventos de Contagem e Osasco, a revista Cadernos do
Presente dedicou seu segundo nmero as duas grandes greves de 1968. Nesta edio h uma
entrevista com Jos Ibrahim, e um artigo assinado por Antonio Roberto Espinosa, importante
liderana do GO, cujo texto narra a trajetria do grupo desde os tempos do CEO (Crculo
Estudantil de Osasco) at as paralisaes de julho. Esse artigo apresenta, pela primeira vez,
uma sistematizao do Grupo de Osasco, a partir de um de seus principais articuladores.
A expresso "grupo de Osasco" foi apenas uma forma posteriormente criada para designar o
conjunto de operrios, operrios-estudantes e estudantes que viviam em Osasco e atuavam nos
movimentos locais. As relaes que uniam o grupo eram informais, ou seja, ele no tinha carter
partidrio. Um conjunto de concepes vagas, entretanto, dava-lhe certa unidade: defesa do
socialismo, recusa das prticas conciliatrias de classe e privilegiamento da participao e ao das
bases. Ainda que com vises ligeiramente diferentes, todos os membros do grupo defendiam a criao
de comisses de empresa (legais ou no) e a participao em todos os instrumentos legais de
organizao como o Sindicato. Alm disso, tambm havia no grupo uma evidente simpatia pela
Revoluo Cubana e pela luta armada. Exceto em alguns momentos de maior mobilizao quando
eram criadas coordenaes o grupo no possua qualquer direo regular. As reunies dos seus
integrantes eram realizadas nos mais diversos lugares, mas sempre em funo do cumprimento de
tarefas ligadas mobilizao ou organizao para movimentos concretos7.
A partir de um ativista envolvido diretamente no contexto, foi publicado o livreto O
que todo cidado precisa saber sobre comisses de fbrica, em 1986, redigido por Jos
Ibrahim. Nesta obra Ibrahim faz um breve histrico sobre as comisses/comits de
6 Celso Frederico aponta que o trabalho de Weffort foi criticado na publicao contraponto (n 1, novembro de 1976), por meio do artigo Uma Tentativa de Anlise Concreta, redigido por Ronaldo Mattos L. Siqueira e Carmem Fernandes. No mesmo nmero foi publicada a resposta de Weffort. Idem, p. 153 7 ESPINOSA, Antonio Roberto. Dois relmpagos na noite do arrocho. In: CADERNOS DO PRESENTE, N 2. Greves operrias (1968-1978). Belo Horizonte: Aparte Editora, julho de 1978. p. 44
11fbrica/empresa no ocidente industrial e a formao desse tipo de organizao no Brasil ao
longo do Sculo XX. H tambm uma descrio detalhada sobre a construo da comisso de
fbrica de Cobrasma, em princpio controlada por grupos catlicos, posteriormente sob a
direo do GO. A greve de Julho analisada nesse estudo, que praticamente no toca na
experincia guerrilheira do autor e seus companheiros de movimento. Entusiasta das
comisses de fbrica, Ibrahim conclui seu livro defendendo a expanso de tais aparelhos entre
todas as categorias do operariado.
Outra publicao a abordar nosso tema Abraos que sufocam e outros ensaios sobre
a liberdade, por Antonio Roberto Espinosa, coletnea de artigos publicados em jornais e
revistas, escritos por esse autor, especialmente para jornal Primeira Hora, em circulao na
regio de Osasco. Atravs de textos curtos, Espinosa retoma vrias passagens envolvendo as
atividades do GO, dos tempos do ME a luta armada.
A primeira tese a abordar as lutas sociais na cidade de Osasco no perodo que nos toca
Campees, pequena biografia de processo social, redigida pelo socilogo Orlando
Miranda, defendida no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, em 1984. Miranda esteve envolvido
diretamente em boa parte dos fatos que analisa em sua tese, enquanto quadro de base do GO.
Em sua pesquisa, so discutidos eventos envolvendo os movimentos sociais de Osasco ao
longo dos anos 1960, at o perodo imediatamente posterior a greve de julho. Embora o GO
seja um dos elementos centrais nesse estudo, no h uma sistematizao do grupo enquanto
organismo poltico. Miranda busca caracterizar a militncia jovem atuante em seu municpio
em termos gerais, discorrendo sobre o vigoroso ME osasquense, a atuao dos estudantes-
operrios nos meios sindicais, e suas relaes junto comunidade poltica local. Em tom
memorialstico, o autor busca resgatar o clima de contestao em voga no perodo. O trabalho
acadmico em questo foi publicado em forma de livro em 1987, com o ttulo Obscuros
Heris de Capricrnio8. Do mesmo pesquisador, foi defendida a Tese de Livre Docncia
intitulada Sindicato e Classe Operria: histria do Sindicato dos Metalrgicos de Osasco,
tambm pelo Departamento de Sociologia da FFLCH-USP, no ano de 1987. Ambos os
estudos foram de fundamental importncia para nossa pesquisa.
Pela mesma instituio, Marcelo Ridenti defendeu a Tese de Doutorado O Fantasma
da Revoluo Brasileira razes sociais das esquerdas armadas, 1964-1974, em 1989,
8 MIRANDA, Orlando. Obscuros Heris de Capricrnio. So Paulo: Global Editora, 1987
12trabalho publicado em 19939. Neste estudo acerca das organizaes armadas brasileiras em
combate a ditadura, Ridenti comenta a participao de Osasco na ebulio poltica pr AI-5, e
analisa a participao dos militantes dessa cidade na guerrilha urbana. O autor dedica um sub-
item ao tema de nossa pesquisa, ao qual deu o ttulo de Revolucionrios de Osasco e Outros
Ativistas; neste h trechos de entrevistas de Jos Ibrahim, Antonio Roberto Espinosa e Joo
Quartim de Moares, comandante da VPR que recrutou boa parte dos ativistas do GO.
Em 1987, uma coletnea de textos organizada por Celso Frederico dedica um captulo
a Greve de Osasco, com a j citada entrevista de Jos Ibrahim para a revista Unidade e Luta, e
o artigo de Espinosa para os Cadernos do Presente, tambm supramencionado. Alm destes
textos, h um balano do movimento redigido por Ibrahim e Jos Campos Barreto, outra
grande liderana do GO, escrito pouco tempo aps a greve.
Estudos diversos que enfocaram as lutas sociais no ano de 1968 e a luta armada fizeram
referncia a Osasco e seus atores polticos radicais, dentre estes destacamos Combate nas
Trevas, de Jacob Gorender, e A Revoluo Faltou ao Encontro de Daniel Aaro dos Reis
Filho, ambos envolvidos diretamente no combate violento a ditadura.
Publicaes de fundo biogrfico tambm fizeram referncia a Osasco e seus ativistas,
dentre estas, destacamos as que utilizamos como fonte. Nufrago da Utopia, de Celso
Lungaretti, aborda a formao da VPR e seus rachas posteriores; Pedro e os Lobos, escrito por
Joo Roberto Laque, narra a trajetria do militante Pedro Lobo, quadro da VPR, prximo dos
ativistas de Quitana. Carlos Lamarca, outro revolucionrio radicado em Osasco, teve sua
biografia narrada por Emiliano Jos e Oldack Miranda, no livro Lamarca: o capito da
guerrilha. As relaes entre este oficial comunista e os membros do GO vieram a se estreitar
apenas na fase clandestina do grupo. Comandante da VPR em seu perodo mais duro, Herbert
Daniel descreve sua vivncia durante a luta armada no livro Passagem para o prximo sonho:
um possvel romance autocrtico. Neste conferimos a formao dos Colina (Comandos de
Libertao Nacional), organizao que se fundiria a VPR dando origem a VAR-Palmares,
sigla que teve como um de seus principais dirigentes Antonio Roberto Espinosa, quadro
central do GO. Destacamos tambm as biografias de Maria do Carmo Brito, Uma Tempestade
como sua Memria, e a de Iara Iavelberg, Iara: uma reportagem biogrfica, ambas trazem
dados sobre as movimentaes e os debates travados entre as organizaes de guerrilha
urbana, com destaque para a formao da VAR-Palmares.
9 RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revoluo Brasileira. So Paulo: Editora da UNESP, 1993
13 Pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, em colaborao com o Centro e
Documentao e Informao Cientificada (CEDIC) e seu acervo documental, foram
publicadas uma srie de teses e dissertaes relacionadas aos movimentos sociais,
privilegiando queles de matriz catlica. Diversos desses trabalhos se dedicaram a pesquisar a
cidade de Osasco, com uma boa quantidade de estudos sobre o perodo abordado em nosso
trabalho. Ainda na dcada de oitenta, Cibele Saliba Rizek defendeu a Dissertao Osasco:
1968. A experincia de um movimento, em 1988, sob orientao do professor Octvio Ianni.
Esse estudo se concentra na formao do operariado osasquense, suas formas de organizao,
e se completa com uma anlise sobre a greve de julho e suas consequncias para o MO local.
Em 2001, Ari Marcelo Macedo Couto apresentou a Dissertao Ao soar do apito a
greve comeou: Cobrasma, lutas e resistncia, pesquisa que enfoca a participao dos grupos
cristos na Greve de Osasco, com nfase nas articulaes da Frente Nacional do Trabalho
(FNT). Esta agremiao catlica disputava diretamente com o GO a liderana junto ao MO
local. O trabalho de Ari Macedo foi publicado em 2003, com o ttulo Greve na Cobrasma:
uma histria de luta e resistncia.
A Tese de Doutorado A Escola Secundria e a Cidade: Osasco, anos 1950/1960, de
Sonia Regina Martim, defendida em 2006, discute o papel do colgio Ceneart (Centro de
Ensino Antonio Raposo Tavares atualmente Escola Estadual Antonio Raposo Tavares, mais
ainda identificada pela sigla Ceneart) nas lutas polticas de Osasco, do movimento
autonomista at a formao do CEO, passando pela trajetria da UEO (Unio dos Estudantes
de Osasco) e das movimentaes inciais do GO. Esse estudo fundamental para a
compreenso da formao da categoria do estudante-operrio. Tal colgio foi fundamental
durante ciclo emancipacionista, seu ambiente altamente politizado ajudou a forjar a gerao
de ativistas que se destacaram na cidade at 1968. Pelo Ceneart passaram praticamente todas
as lideranas do GO.
Em 2007, Paulo Srgio de Jesus apresentou a Dissertao de Mestrado Osasco: JOC,
ACO e PO no Movimento Operrio (1960-1970), pesquisa que faz um apanhado geral sobre
as entidades catlicas leigas osasquenses voltadas a classe trabalhadora. Esse estudo faz
referncias greve de julho e ao papel dos grupos catlicos no evento, discutindo tambm a
rearticulao do MO na cidade, sob orientao da Patoral Operria, e a retomada do SMO
pelos trabalhadores a partir de 1978, aps quase uma dcada de interveno.
14
Metodologia e Fontes
Orientamo-nos pelos referencias metodolgicos provenientes da Histria crtica, nosso
trato com os documentos se efetivar pautado por reflexes como as de Jaques Le Goff,
historiador que afirma que o documento no qualquer coisa que fica por conta do passado,
um produto da sociedade que o fabricou segundo as relaes de foras que a detinham o
poder. Le Goff se baliza pela historiografia medieval, mais distanciada no tempo, mas suas
orientaes acerca da anlise crtica dos documentos se aplica ao contexto geral da pesquisa
historiogrfica. Tendo isso em mente, trabalharemos nossa documentao atentos ao embate
social presente durante a produo da fontes por ns utilizadas.
O historiador francs faz meno as relaes de fora relacionadas a sociedade que
fabricou o documento a ser apreciado durante a pesquisa. Em nossa dissertao,
trabalharemos com fontes provindas tanto do poder de fato, representado pela ditadura civil-
militar brasileira e seus signatrios, quanto com documentos fabricados pelo contra-poder
em atuao no perodo, representado pelas organizaes guerrilheiras. Ainda com relao a
problemtica em discusso, Le Goff tece o seguinte raciocnio:
O documento uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento () que ele trs
deve ser em primeiro lugar analisado desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento
monumento. Resulta do esforo das sociedades histricas para impor ao futuro voluntria ou
involuntariamente determinada imagem de si prprias. No limite, no existe documento verdade.
Todo o documento mentira. Cabe ao historiador no fazer papel de ingenuo10.
Em nossa pesquisa privilegiaremos documentos produzidos pelas foras em combate ao
regime militar, nossos insumos crtico-metodolgicos, a guisa do exposto acima, nos do
condies para desmistificar os contedos intencionais ou no presentes nas fontes
documentais por ns consultadas. Estamos cientes de que o perodo por ns analisado
extremamente denso, violento, repleto de tragdias, rancores e traumas subsequentes. Caber
a nossa pesquisa ir alm do significado aparente expresso nos documentos a nossa
disposio.
10 LE GOFF, Jacques. Documento Monumento. In: ENCICLOPDIA EINAUDI. (Vol.1) Memria-Histria. Portugal: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984. p. 102-103
15 Em nosso trabalho utilizaremos basicamente duas categorias de fontes historiogrficas:
as textuais (inquritos policiais, peridicos publicados pela imprensa corporativa; jornais,
revistas e informes produzidos pelas organizaes de esquerda que combatiam a ditadura;
publicaes de cunho memorialstico, alm de dissertaes, teses, e pesquisas acadmicas
referentes ao tema de nosso trabalho), e a orais (por meio de entrevistas com militantes que
estiveram envolvidos diretamente nos eventos abordados em nossa pesquisa).
Com relao s fontes textuais, necessrio uma ateno especial aos inquritos
policiais, visto que as informaes contidas nos mesmos foram obtidas, via de regra, sob
tortura. Certo disso, faz-se necessrio o cruzamento desses dados com fontes posteriores aos
inquritos, como entrevistas, biografias, artigos, etc. pblica e notria a colaborao dos
veculos da imprensa corporativa com o regime militar, no deixando de tambm levar em
conta a censura aos meios de comunicao, isto posto, informaes provenientes desse tipo e
fonte demandam uma filtragem ideolgica, ateno as omisses e aos excessos apologticos.
Por seu turno, tal filtragem se faz necessria tambm entre os materiais de origem
clandestina. Uma srie de estudos fizeram meno a mirade de organizaes revolucionrias
em atuao durante os Anos de Chumbo. Uma anlise sobre as fontes redigidas por esses
grupos requer um conhecimento amplo sobre a constelao de linhas tericas e projetos
revolucionrios em pauta durante a fase em estudo, fator que tambm demanda uma maior
ateno no trato de tais fontes.
Sobre o material de cunho biogrfico, seguiremos as orientaes de Mario Augusto
Medeiros da Silva, que destaca a ambivalncia dos relatos memorialsticos daqueles que
estiveram envolvidos diretamente na luta armada, sujeitos ao trauma da implacvel
perseguio promovida pela represso estatal. Esse autor chama as obras desse jaez de fices
polticas, considerando que
o contedo essencial dos textos seria o de objetivar uma denncia; fornecer elementos para
uma anlise e revises pblicas de um perodo, de posturas e de projetos. () Uma fico poltica no
uma mentira sobre fatos reais; mas, antes, uma narrativa com estatuto de verdade, cujo teor
testemunhal consiste no amlgama das intenes de ambas as coisas. Assim, uma fico poltica com
teor testemunhal uma construo social, cuja eficcia prtica e simblica utilizada em
determinados meios para determinados fins, quais sejam: narrar, atravs de um relato literrio
romance, depoimento autobiogrfico fatos e aes sofridos ou cometidos por sujeitos, apresentando-
16lhes os papis desempenhados na constituio daqueles fatos11 (grifos do autor).
Para a anlise de tal tipo de fonte tambm se faz necessrio o cruzamento dos dados
junto a outros documentos, sejam eles provenientes de outras obras de carter biogrfico;
inquritos, imprensa seja ela corporativa ou clandestina , entrevistas ou trabalhos
acadmicos.
No que se refere as fontes orais, trabalharemos segundo o conceito de histria oral
temtica12, em dilogo com os documentos de outra natureza por ns utilizados. As fontes
orais vem acompanhadas de uma carga de subjetividade que deve ser mediada pelo
pesquisador, visto que seu substrato a memria dos indivduos entrevistados. Com ateno
sobre esse fator, direcionamos nossa ateno as reflexes de Alessandro Portelli, pesquisador
voltado a esse gnero de fonte.
A essencialidade do indivduo salientada pelo fato de a Histria Oral dizer respeito a verses do passado, ou seja, a memria. Ainda que esta seja sempre moldada de diversas formas pelo
meio social, em ltima anlise, o ato e a arte de lembrar jamais deixam de ser profundamente pessoais.
A memria pode existir em elaboraes socialmente estruturadas, mas apenas os seres humanos so
capazes de guardar lembranas. Se considerarmos a memria um processo, e no um depsito de
dados, poderemos constatar que, a semelhana da linguagem, a memria social, tornando-se concreta
apenas quando mentalizada ou verbalizada pelas pessoas. A memria um processo individual, que
ocorre em um meio social dinmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e
compartilhados. Em vista disso, as recordaes podem ser semelhantes, contraditrias e sobrepostas.
Porm, em hiptese alguma, as lembranas de duas pessoas so assim como as impresses digitais,
ou a bem da verdade, como as vozes exatamente iguais13.
Ciente desse fator, procuraremos cruzar os depoimentos colhidos, mediar as
11 SILVA, Mrio Augusto Medeiros da. Os escritores da guerrilha urbana: literatura de testemunho, ambivalncia e transio poltica (1977-1984). So Paulo: Editora Annablume; Fapesp, 2008. p. 2612 Jos Carlos Sebe Bom Meihy contrape histria oral temtica a histria oral de vida. Na segunda, o mtodo dedutivo, o autor se debrua sobre o histrico de vida do entrevistado; no segundo, a prtica indutiva, as perguntas visam a uma passagem especfica da vida do inquirido, segundo o tema de pesquisa do entrevistador. Para mais informaes sobre o tema: MEIRY, Jos Carlos Sebe Bom. Manual de Histria Oral. (4 Ed.) So Paulo: Edies Loyola, 2002. 13 PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexes sobre a tica na histria oral. In: Projeto Histria. Revista do Programa de Estudos Ps-graduados em Histria e do Departamento de Histria da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Nmero 15. tica e Histria Oral. So Paulo, 1981. p. 16. Disponvel em formato digital no endereo eletrnico: http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/revista/PHistoria15.pdf
17contradies encontradas nos relatos, levando-se em conta os conflitos, desencontros e
rancores, tanto os superados, quanto os permanentes, considerando o tempo passado e o
tempo presente, na interao entre o jovem protagonista das experincias narradas, e o adulto
que pondera sobre temas muitas vezes traumticos. Diferenas antigas e atuais podem surgir
no cruzamento das informaes, por isso buscaremos discorrer sobre vises e impresses que
por ventura venham a se chocar, apresentando todas as informaes reunidas, com o devido
cuidado para no privilegiar determinadas verses em detrimento de outras.
Captulos
Dividimos essa pesquisa em quatro captulos, relacionados a evoluo do Grupo de
Osasco.
No primeiro, faremos uma breve descrio sobre a formao de Osasco enquanto
distrito industrial da grande So Paulo, e sua especificidade em relao a outras regies fabris
da capital paulista. Analisaremos os primrdios do movimento operrio local, a partir de
imigrantes anarquistas italianos. Concluiremos a seo com uma apreciao sobre o
movimento autonomista osasquense, evento a engendrar a notvel movimentao poltica
observada nessa cidade durante os anos 1960. O advento do GO est diretamente relacionado
ao clima de participao e mobilizao social inaugurado no ciclo emancipacionista.
No segundo captulo analisaremos a formao do ME osasquense, a partir da UEO,
criada pouco antes da emancipao da cidade, passando pelo seu fechamento aps o golpe de
1964, e sua ressurreio por meio do CEO, articulado pelo GO. Discutiremos em detalhe a
rebelio estudantil de 1968, e teceremos comparaes entre o Maio francs e as ebulies
verificadas no Brasil, com ateno sobre os trabalhos de tentativa de construo de uma frente
operrio-estudantil, a guisa do que ocorrera na Frana e na Itlia. Iniciativa esta arquitetada
por membros da UNE e UEE-SP, junto aos estudantes-operrios de Osasco. A greve de julho
de 1968 representou a grande tentativa de articulao de uma frente com essas caractersticas
no Brasil.
No terceiro captulo abordaremos a formao do MO de Osasco, a partir dos anos
1950, a criao do SMO, e a construo da comisso de fbrica de Cobrasma. Em seguida
discutiremos a atuao do GO perante o operariado de sua cidade, a conquista do sindicato, os
18debates em torno do MIA, o grande protesto do 1 de Maio de 1968, na Praa da S, e,
finalmente, a greve de julho. Sua construo, seus desdobramentos, a represso a seus
organizadores, e a partida dos mesmos rumo a clandestinidade. Tambm faremos meno ao
destaque que a cidade de Osasco ganhou entre a esquerda nacional, passando a ser vista como
um polo de concentrao de foras opositoras a ditadura.
No quarto captulo, discutiremos a emerso do GO na clandestinidade, sua opo
pela VPR, os debates internos a esta organizao e o papel dos militantes osasquenses nos
mesmos. Analisaremos a formao da VAR-Palmares, e seu racha posterior, sempre tendo
como referencial o GO. Concluiremos essa seo comentado o ocaso da luta armada
brasileira, apresentando o destino tomado pelos ativistas oriundos de Osasco, no momento
posterior a sua desmobilizao pela represso.
Concluiremos essa pesquisa com uma breve comparao entre as experincias de
Osasco e do ABCD dez anos depois.
19
1. Pontos de Partida
20A histria operria de Osasco, em sua fragmentao e descontinuidade, (...) certamente
expressa uma trama de prticas que permitiram a construo de uma identidade comum, que
muitas vezes se perdeu para, em seguida, ser reconstruda a partir de novas instncias, de
novos patamares de organizao e conscincia.
Cibele Saliba Rizek14
1.1. Vila
No ano de 1895, Antonio Giuseppe Agu15, empresrio italiano, natural de Osasco,
povoado-distrito do municpio de San Secondo di Pinerolo, na provncia de Torino, regio do
Piemonte, norte Itlia, construiu uma estao ferroviria no quilmetro dezesseis da Estrada
de Ferro Sorocabana. A nova estao foi batizada com o nome de sua cidade natal, e foi
concebida, inicialmente, para receber apenas trens de carga. A regio onde foi construda a
nova estao era repleta de stios, e apresentava populao escassa.
Os empreendimentos de Agu, nessa localidade, tiveram incio por volta de 1887,
quanto o mesmo comprou um stio que pertencia a um certo Joo Pinto Ferreira, chamado de
Ilha de So Joo, situado no atual bairro Rochdale. Nesse stio havia uma olaria, que logo
foi ampliada pelo novo proprietrio, dando origem a Companhia Cermica Industrial de
Osasco, concebida em sociedade com o Baro Sensaud de Lavaud, de origem francesa. Em
1892 foi edificada a indstria de cartonagem (papelo) Cartiera, primeira do ramo na Amrica
do Sul, em parceria com o industrial Narciso Sturlini. Em sociedade com Enrico Dell`Acqua,
Agu fundou uma sociedade de importao e exportao, e com este mesmo scio, tambm
investiu na construo de uma fbrica de tecidos, no ano de 1895.
Para o financiamento desses empreendimentos, foi fundamental a participao do
engenheiro italiano Giovanni Brccola, representante do banco de Npoles no Brasil. A
estao de Osasco teve como funo inicial escoar a produo das empresas de Antonio Agu e
seus scios16. Tanto no que se refere a ligao capital-restante do Estado (Santos-Jundia,
14 RIZEK, Cibele Saliba. Osasco: 1968. A Experincia de um Movimento. Dissertao de Mestrado. So Paulo: PUC-SP, 1988.
15 Para informaes mais detalhadas sobre Antonio Agu: OLIVEIRA, Neyde Collino de; NEGRELLI, Ana Lcia M. Rocha. Osasco e Sua Histria. So Paulo: CG Editora e Distribuidora, 1992.
16 Idem, p. 19-21
21Central do Brasil e Sorocabana), quanto a ligao Capital arredores (Cantareira e So Paulo-
Santo Amaro), as estaes ferrovirias (...) se constituram, (...) em pontos de convergncia de
produtos e pessoas das reas circunvizinhas. Isto conferia ao local das estaes a
oportunidade de assumir uma modesta funo regional17
Em pouco mais de uma dcada, o povoado de populao escassa, dedicado a atividades
agropastoris, passou a abrigar em suas cercanias quase que uma dezena de indstrias de
pequeno e mdio porte. A demografia local tambm passou por marcantes alteraes, de vila
ocupada por stios, com populao dispersa, a regio agora apresentava um ncleo urbano,
ocupado majoritariamente por italianos. O empreendedor Agu teve por prtica empregar
patrcios seus em suas fbricas, e para tanto loteou terrenos para seus empregados, dando
incio a um processo de urbanizao. A criao do ncleo urbano em Osasco no ocorreu de
maneira to desordenada e vertiginosa como ocorrera nos ncleos operrios de So Paulo e
Rio de Janeiro. (...) As tenses sociais caractersticas das formaes urbanas da poca no
foram sentidas no novo ncleo; as moradias dos operrios, juntamente com o terreno,
pertenciam a eles, o que no ocorria na maioria das vilas operrias da capital, onde as casas
pertenciam fbrica e o trabalhador pagava aluguel18.
H escassos estudos sobre a origem dos imigrantes italianos que povoaram a vila de
Osasco em seus primrdios, podemos inferir que estes trabalhadores eram oriundos, em
alguma proporo, da mesma regio de seus empregadores, com destaque para Antonio Agu,
que viera da regio do Piemonte. Paquale Petrone, em estudo sobre as origens italianas da
industrializao brasileira, indica que os empresrios italianos tinham por hbito contratar,
para suas fbricas, preferencialmente operrios naturais de suas regies de origem, quando
no de sua prpria cidade19.
Aos italianos, nos primeiros decnios do sculo XX, juntar-se-iam espanhis,
armnios, russos, judeus, srio-libaneses, ucranianos, poloneses, alemes, dentre outros
imigrantes.
Em 1909 morre Antonio Giuseppe Agu, nove anos depois, o povoado que se formara
em torno da estao que recebera o nome de sua cidade natal, foi elevado a categoria de
17 LOPES, Carmen Lcia do Evangelho. A Organizao Sindical dos Metalrgicos de So Paulo. Tese de Doutorado. So Paulo: FFLCH-USP, 1992. p.2
18 COELHO, Maria Ins Zampolim; MORETI, Helio Marcos; MESSIAS, Maria do Carmo. Osasco, Histria e Identidade. Osasco-SP: Editora da Fundao Instituto Tecnolgico de Osasco FITO, 2004. p. 42
19 PETRONE, Paquale. A influncia da imigrao italiana nas origens da industrializao brasileira. IN: DE BONI, Luis A. A Presena Italiana no Brasil. Porto Alegre-RS: Fondazione Giovanni Agnelli, 1987. p. 503.
22distrito, por fora da lei municipal N 163420.
Fonte: Site da Cmara dos Vereadores de Osasco - www.camaraosasco.sp.gov.br
No mesmo ano da morte de Antonio Agu, chega a Osasco um grupo de famlias de
origem italiana, cujos chefes haviam sido demitidos da Vidraria Santa Marina aps uma
greve. Esses imigrantes eram adeptos do movimento anarquista. Cabe aqui um parntese, pois
estes trabalhadores, at onde se tem notcia, introduziram os primeiros rudimentos de
organizao operria na vila de Osasco.
A Vidraria Santa Maria era de propriedade do Conselheiro Antonio Prado, que detinha o
monoplio sobre este setor. Para o ofcio em sua indstria, o renomado empresrio paulista
20 MARTIM, Sonia. A Escola Secundria e Cidade: Osasco, anos 1950/1960. Tese de Doutorado. So Paulo: PUC-SP, 2006. p. 18
23trouxe da Europa grupos de operrios especializados, pois em solo brasileiro no havia
profissionais com conhecimentos tcnicos na produo industrial de vidros. Boa parte desses
profissionais vinha de Marselha, outro tanto da Itlia.
A essa altura o movimento anarquista se batia com os comunistas e os socialistas pelo
comando das agitaes operrias em nvel internacional. O anarquismo era forte sobretudo na
Europa meridional, com destaque para Itlia e Espanha, e em certa medida Portugal. Tambm
possua forte incidncia em jovens naes capitalistas com diferentes nveis de atividade
industrial, como os EUA, Argentina, Uruguai, Mxico; chegando mesmo a alguns pases do
extremo oriente, com destaque para o Japo. O Brasil, que iniciava seu processo de
industrializao de forma tmida, tambm foi palco de atividades anarquistas.
Segundo John W.F.Dulles, um dos organizadores iniciais do anarquismo no Brasil foi
Oreste Ristori, ativista que estivera exilado na Argentina ao lado de Enrico Malatesta, um dos
principais tericos do movimento em discusso. Expulso da Argentina, Ristori passou um
tempo no Uruguai, seguindo para So Paulo nos primeiros anos do sculo XX. Em 1904
Ristori funda, na capital paulista, o semanrio anarquista La Battaglia, que era redigido em
italiano. A esse semanrio se juntariam O Livre Pensador, A Terra Livre, O Amigo do Povo, A
Lanterna; dentre outros, todos publicados por anarquistas. Everardo Dias, companheiro de
ideias e de priso do fundador do La Battaglia, o considerava o maior agitador aparecido no
Brasil, orador fluente e ardente, sempre pronto para ao. Realizou centenas de conferncias
por todo o interior do Estado, agitando as massas trabalhadoras das cidades, vilas e
fazendas.21. Alm de Oreste Ristori e o espanhol Everardo Dias, tambm se notabilizou na
agitao operria brasileira o italiano Gigi Damiani, o espanhol Florentino de Carvalho, o
portugus Neno Vasco, e diversos outros militantes de origem europeia que se espalharam por
todo o pas a divulgar suas ideias libertrias22. A esses imigrantes logo se reuniria toda uma
gerao de anarquistas brasileiros, tais como Edgard Leuenroth, Benjamin Mota, Jos
Oiticica, etc.
Das diversas correntes do movimento em discusso, a hegemnica no Brasil foi o
anarcossindicalismo (ou sindicalismo revolucionrio)23, tendncia que tinha nos sindicatos 21 DIAS Everardo. Histria das lutas sociais no Brasil. Apud: DULLES, John W.F. Anarquistas e Comunistas
no Brasil, 1900-1935. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. p. 20. Para a construo do movimento anarquista brasileiro e suas correntes internas, CARONE, Edgard. Movimento Operrio no Brasil (1877-1944). (2 Ed.) So Paulo: Editora Difel, 1984.
22 Idem, p. 20-21.23 Segundo Ricardo Antunes, os sindicalistas revolucionrios acreditavam que somente a greve geral
poderia levar transformao radical da sociedade. Os principais tericos dessa corrente foram o francs Georges Sorel e o italiano Arturo Labriola. Eles acreditavam que a prtica da luta exclusivamente econmica,
24sua principal ferramenta de transformao social, possuindo como premissas bsicas a
solidariedade operria, a ao direta e a auto-gesto.
A esses ativistas se devem as primeiras greves deflagradas em solo brasileiro no incio
do sculo passado. Entre 15 e 20 de abril de 1906 foi realizado o Primeiro Congresso
Operrio Brasileiro, no Rio de Janeiro, dois anos depois seria organizada a Confederao
Operria Brasileira (COB), entidade que buscava reunir sindicatos e federaes de
trabalhadores que se organizavam por todo o pas24. Tanto o Primeiro Congresso Operrio
Brasileiro, quanto a COB, deram-se sob hegemonia poltica anarquista, embora essa corrente
fosse minoritria em relao s demais que atuavam junto aos trabalhadores nacionais. Nessa
etapa, os grandes concorrentes dos anarquistas entre as classes laborais brasileiras eram os
socialistas, que jamais obtiveram a influncia alcanada por seus adversrios. O pice do
movimento anarquista no Brasil se deu entre 1917 e 1919, quando grandes paredes foram
organizadas no eixo Rio-So Paulo, tendo como ponto alto a greve geral que se deflagrou na
capital paulista em 1917. No obstante, aps a fundao do Partido Comunista Brasileiro, em
1922, o movimento anarquista brasileiro entrou em processo de refluxo, at desaparecer quase
que por completo dos meios operrios nos anos 1930.
Inseridos nesse contexto estavam os funcionrios do Conselheiro Antonio Prado, boa
parte desses sob influncia anarquista. Como era comum na Europa, e em certa medida no
Brasil, os patres tinham por prtica custear a moradia de seus operrios, e muitos
empregadores tambm arcavam com a educao dos filhos de seus subordinados. O capital
reunido para esses empreendimentos, via e regra, vinha de fundos subtrados dos ordenados
dos trabalhadores. Nesse sentido, havia uma vila operria nas cercanias da Santa Marina, no
bairro da Lapa. Para cuidar da educao dos filhos desses operrios, foi contratado Edmondo
Rossoni25, um professor anarquista que acabou por se tornar o mentor intelectual dos
trabalhadores italianos da vidraria Santa Marina.
Em 1909 houve um movimento paredista na Santa Marina, que partiu da reivindicao
por melhores salrios para uma centena de menores que trabalhavam na empresa. Esta greve
acabou sendo comandada pelos anarquistas de Rossoni. Em medida radical, Antonio Prado atravs da ao direta nas fbricas e da deflagrao da greve geral, constitua-se na nica forma de ao efetivamente revolucionria da classe operria. Para mais informaes: ANTUNES, Ricardo. O que sindicalismo. So Paulo: Editora Brasiliense, 1985. p. 23
24 Ibidem, p. 27-2825 Edmondo Rossoni prosseguiria com sua atividade anarquista, at ser expulso do Brasil em 1917. Aps
passar um tempo nos EUA, retornaria a sua terra natal, para se tornar Ministro da Agricultura de Benito Mussolini, seu amigo de longa data. Para informaes sobre Rossoni e a greve dos vidreiros da Santa Marina: WERNER, Helena Pignatari. Razes do Movimento Operrio em Osasco. So Paulo: Cortez Editora. 1981.
25demitiu dezenas de funcionrios, aqueles que estavam encabeando o movimento, e os
expulsou, junto com suas famlias, da vila operria contgua a sua indstria. Lideradas por
Rossoni, essas famlias acabam se instalando em Osasco.
Ainda sob influncia do professor anarquista, tais operrios se organizaram no intuito
de construir na vila uma cooperativa de vidreiros. Sobre projetos dessa natureza no Brasil,
Cibele Saliba Rizek comenta:
A idia da formao de cooperativas, inseridas dentro do clima de um movimento operrio
nascente, no era nova. H registros de tentativas desse tipo, que alis no tiveram xito, desde 1891
(...). Como expresses de traos distintivos de classe diante de condies de vida e trabalho bastante
precrias que marcaram esta fase da industrializao, surgem os ideais de socorro mutuo e de
solidariedade, mesclados aos apelos s associaes voluntrias que ecoavam a partir de correntes
anarquistas. As entidades de tipo mutualista podiam se destinar s atividades produtivas ou s de
consumo, assumindo contornos extremamente variados, a semelhana do quadro sindical associativo,
constitudo pelos trabalhadores antes do advento do sindicato nico por categoria imposto pelo Estado
ps-3026.
Conceitos como cooperativismo, mutualismo e auto-gesto, sempre foram caros aos
anarquistas, e perpassam o discurso de todos os seus tericos, de Proudhon a Bakunin, de
Kropotkin a Enrico Malatesta. Destarte, iniciativas como a dos vidreiros do Osasco se insere
em toda uma tradio de projetos de cunho libertrio, que se apresentavam com uma
alternativa a organizao laboral e empresarial capitalista.
Alm dos interesses utpicos que motivavam os anarquistas italianos liderados por
Edmondo Rossoni, outros desideratos se dirigiam ao projeto da cooperativa de vidreiros. Esta
iniciativa era vista com bons olhos por industriais concorrentes dos Prado, como os
Matarazzo, que se prestaram a financiar a empreitada, intentando quebrar o monoplio da
Santa Marina. Mas esse projeto caiu por terra quando um advogado de nome Dr. Morroni,
contratado pelos vidreiros para cuidar das questes burocrticas do empreendimento,
desapareceu com o dinheiro a ser empregado na futura cooperativa. Logo depois se descobriu
que o Dr. Morroni agia a servio do Conselheiro Antonio Prado, que conseguiu garantir seu
monoplio. A cooperativa inconclusa seria edificada no terreno da futura Cobrasma. Apesar
da frustrao, esses operrios permaneceram na vila, e acabaram por se integrar ao ambiente
26 RIZEK, Cibele Saliba. Op. Cit. p. 10-11
26local.
Moradia operria dos trabalhadores da empresa Cartiera, fundada por Antonio Agu em
sociedade com Enrico DellAcqua, em finais do sculo XIX. Foto datada de 1928, em Rua de Osasco
no identificada. Acervo pessoal de Walter Ramos, disponvel no Museu Municipal de Osasco.
1.2 De vila a bairro operrio
At os anos 1940, Osasco apresentou um crescimento populacional bastante tmido,
aumentando em pouco mais de trs mil habitantes entre as dcadas de trinta e quarenta.
Porm, entre 1940 e 1950, a populao desse subdistrito passou de 41.326 habitantes para
114.828, quase triplicando. Esta tendncia prosseguiu nas dcadas seguintes, e por volta de
1970, a nova cidade ter uma populao beirando os quinhentos mil habitantes (ver tabela 1).
Esse crescimento populacional foi impulsionado por um surto industrial que atingiu So
Paulo e regio. Para entendermos tal crescimento, temos que cotejar as intensas
transformaes poltico-econmicas pelas quais passou o Brasil ao longo desses anos.
27Tabela I
Evoluo populacional do municpio de Osasco.
Ano Nmero de Habitantes1934 120911940 152581950 413261960 1148281970 2830731980 4745431991 5682251994 5913701996 6229122000 6509932005 705450
Fonte: Sumrio de Dados do Municpio de Osasco (2000), IBGE (2003) e IBGE (2005).
Disponvel em: http://www.osasco.sp.gov.br/arquivos/31/pms_osasco.pdf
Em 1930 tem incio a transio da sociedade rural a sociedade urbana no Brasil, este
processo trouxe consigo o crescimento das cidades e intensos ciclos de migrao interna. De
acordo com dados histricos do IBGE27, em 1920, a populao brasileira era de 30.635.605
pessoas. Vinte anos depois (no h contagem em 1930), a populao atingia a cifra de
41.236.315. At 1970, esta soma chegaria a 93.139.037 de habitantes, sendo que nesse censo
(que abrange a dcada de 60), pela primeira vez, verifica-se a superao do conjunto
populacional urbano sobre o rural28.
O estado da federao que mais viu seu contingente populacional crescer, no perodo
em discusso, foi sem dvida So Paulo. Podemos relacionar tal crescimento a entrada de
trabalhadores, pois So Paulo foi o estado que mais atraiu mo de obra, devido a sua
concentrao industrial. No quinqunio 1946-1950, poca da grande arrancada industrial de
Osasco, o nmero de trabalhadores a entrar neste estado foi de 445.389, sendo que destes,
61.030 (13,70%) vinha de outros pases, e 384.359 (86,30%) vinha das demais regies do
27 IBGE: Dados Histricos dos Censos. Disponvel no endereo eletrnico: www.ibge.gov.br28 Idem.
28Brasil. Para efeitos de comparao, entre 1901-1905, perodo em que Osasco iniciava sua
urbanizao, vieram para So Paulo 205.297 trabalhadores, sendo 193.732 (94,39%)
estrangeiros, e 11.565 (5,31%) nacionais. A partir do lustro 1936-1940, observa-se um maior
fluxo de nacionais, grupo que passou a superar o nmero de estrangeiros a se dirigir a So
Paulo.29 O grosso dessa populao se fixou na capital paulista e regio.
No podemos deixar de relacionar o acelerado crescimento industrial paulista ao
aumento do contingente de operrios fabris. O censo de 1920 j indicava que da porcentagem
de brasileiros empregados na indstria, 29,1% estavam ocupados nas fbricas paulistas, j em
1940 este nmero chegou a 34,9. Em 1950 chegaria a 38,630. Estes nmeros tenderam a subir
de forma mais rpida no ps-guerra. Com efeito, a participao de So Paulo no produto
industrial passou de 39,6 para 45,3 por cento, entre 1945-1948.31. Do incio da Era Vargas,
em 1930, at 1939, a produo industrial brasileira mais que dobrou sua participao no valor
lquido da produo, passando de 21% em 1919, a 43,1%, enquanto a produo agrcola
passou, no mesmo perodo, de 79,0% a 56,9%32. Esta tendncia prosseguiria nas dcadas
seguintes, e j na segunda metade dos anos 1950 a produo industrial superou a agrcola.
Como visto acima, a populao de Osasco pouco crescera nas trs primeiras dcadas do sculo passado. Entretanto, ao longo de dez anos, entre 1940 e 1950, a populao desse
municpio passaria de 15.258 pessoas, a 41.326, mais que dobrando (ver grfico 1). Este
crescimento veio na esteira da grande expanso industrial que abrangeu toda a regio da
grande So Paulo. Wilson Cano, em seu estudo intitulado Razes da Concentrao Industrial
em So Paulo, elenca uma srie de fatores que contriburam para o crescimento industrial
paulista, sendo que o ponto de partida para essa expanso se encontra no desenvolvimento da
economia cafeeira, pois
(...) cabe lembrar que a economia cafeeira de So Paulo foi a que apresentou o maior
dinamismo no contexto nacional. Resolvendo pioneiramente srios problemas de infra-estrutura, como
o dos transportes ferrovirios, o do porto martimo, o de comunicaes e de urbanizao, estava ao
mesmo tempo criando um acmulo de economias externas que beneficiaram a formao industrial,
reduzindo-lhe os gastos de inverso e os custos de produo.
29 CANO, Wilson. Razes da Concentrao Industrial em So Paulo. (4 Ed.) Campinas-SP: Editora da Unicamp, 1998. p. 319.
30 FURTADO, Celso. Formao Econmica do Brasil. 6 Ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964. p. 273.31 Idem, ibidem32 NASCIMENTO, Benedito Heloiz. A Ordem Nacionalista Brasileira. So Paulo: Humanitas/FFLCH-USP,
2002. p. 127-129.
29 Alm disso, o complexo cafeeiro paulista desde cedo precipitou a gestao de algo no menos
importante: a formao e o desenvolvimento de um mercado de trabalho que, dadas as condies em
que formado, e ampliado, resulta em menores presses nos custos de produo industrial. O
satisfatrio desempenho da agricultura paulista, por outro lado, proporcionava grande parte do
suprimento alimentar sua fora de trabalho, e garantia o abastecimento local de matrias-primas
indstria nascente33
Como sub-distrito de So Paulo, cortado pela Estrada de Ferro Sorocabana, importante
via de transporte para o chamado ouro verde, Osasco tambm foi tragado pela vaga de
crescimento industrial em exposio. Vimos que a urbanizao inicial do distrito se deu em
torno dos empreendimentos de Antonio Agu, entre o final do sculo XIX e o comeo do XX.
Com o desenrolar dos anos, as empresas do municpio foram se multiplicando de forma
gradual, sempre privilegiando a mo de obra imigrante.
Em princpios da dcada de 1900, Osasco j possua algumas empresas de pequeno e
mdio porte, como a Cartiera e a Companhia de Cermica Industrial de Osasco, ambas de
fundadas por Antonio Agu e scios . No decnio seguinte, em 1912, surge a fbrica de
cermica Hervy S/A (antiga Companhia de Cermica fundada por Agu); em 1915 os
Frigorficos Continental, em 1923 o Cotonifcio Beltramo (nas dependncias da antiga fbrica
de tecidos de enrico DellAcqua); 1929 a SOMA (Companhia Sorocabana de Materiais
Ferrovirios), 1930 a Fsforos Granada, e em 1934 o Frigorfico Wilson34. At o final dos
anos 1930, o surgimento de novas fbricas no municpio se efetivou de forma lenta,
diferentemente do que seria observado na dcada seguinte, como podemos inferir pelo quadro
abaixo.
33 CANO, Wilson. Op. Cit. p. 245.34 RESUMO DOS FATOS HISTRICOS DE OSASCO (1639-1991) Editora de Prefeitura de Osasco. sd
30Tabela II
Empresas instaladas em Osasco entre 1940 e 1960,
por ramo de atividade
Empresa Ano de Instalao Ramo de atividade
Eternit do Brasil 1941 Produto de fibrocimentoCobrasma 1944 Material ferrovirioCimaf 1946 Artefatos de ferroSantista 1950 TecidosHoechst do Brasil 1951 Qumica farmacutica Benzenex 1952 Produtos qumicos Osram do Brasil 1955 Lmpadas eltricas Asea Brown Boveri 1957 Material eltrico pesado
(1 indstria do ramo na
Amrica Latina) Ford do Brasil 1957 FundioBraseixos Rockwell 1957 Eixos mecnicos White Martins 1960 Produtos qumicos
Fonte: Secretaria dos Negcios da Fazenda da Prefeitura do Municpio de Osasco. Apud:
COELHO, Maria Ins Zampolim, MORETI, Helio Marcos & MESSIAS, Maria do Carmo. Op. Cit. p.
106
O distrito de Osasco tinha uma srie vantagens que lhe propiciaram receber em suas
cercanias esse montante de empresas. A primeira delas a sua localizao, a poucos
quilmetros do centro de So Paulo. Alm da proximidade, o distrito era cortado pela Estrada
de Ferro Sorocabana, o que facilitava seu acesso da capital. J havia uma certa estrutura fabril
na localidade, o que auxiliava no recrutamento de mo de obra. Apesar dessa infra-estrutura
fabril pr-existente, Osasco no possua a concentrao industrial que outras localidades
apresentavam, como os bairros da Zona Leste, situao que propiciava terrenos a preo mais
baixo35.
Alm do material humano j existente na cidade, de origem majoritariamente
imigrante, as novas empresas acabaram por atrair grandes somas de migrantes, provindos de
diversas regies do pas. O ingresso desses novos moradores alterou a composio tnica do
municpio, que deixou de ser um povoado de imigrantes euro/asiticos, e passou,
35 SINGER, Paul. Desenvolvimento Econmico e evoluo Urbana. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968. p. 62-63
31gradualmente, a ter a mesma configurao das demais regies da grande So Paulo, com toda
sua diversidade tnica e cultural. necessrio frisar que grande parte desse montante que se
deslocou para o distrito vinha expulso de reas em valorizao na capital, sendo este
fenmeno um resultado dos mecanismos de expropriao que desenham, desde os anos 40,
os espaos perifricos de So Paulo36.
A nova concentrao humana tambm trouxe transformaes no que tange a distribuio
espacial dos moradores. Observando-se os mapas histricos do municpio (ver pgina ...),
percebe-se que desde seus primrdios Osasco foi uma cidade concntrica, com o ncleo
populacional reunido em torno da estao central. Desta estao partiam as trs principais
ruas do distrito, a rua central, que em princpio recebeu o nome de Enrico DellAcqua, e
posteriormente seria chamada de Antonio Agu. Paralela a essa via, esquerda, a rua que
receberia o nome de Primitiva Vianco; a direita, a Rua Joo Brcola, renomeada Joo Batista.
No limite das trs ruas, a Estrada de Itu, que fazia a ligao terrestre entre a cidade de So
Paulo e a regio oeste, via que aps a emancipao de Osasco recebeu o nome de Avenida dos
Autonomistas. Neste triangulo central se encontrava o comrcio do distrito; o Cartrio de Paz,
os colgios locais, os clubes recreativos, o Pronto Socorro distrital, etc. Aqui se concentrava a
elite do bairro, formada, em boa proporo, por descendentes dos primeiros moradores.
As margens desse tringulo foram se desenvolvendo os bairros operrios, o primeiro
com essas caractersticas foi o de Presidente Altino, onde se fixou a colnia armnia. Entre as
dcadas de quarenta e cinquenta, concomitante ao salto industrial, outros bairros operrios
foram surgindo, como o Quilometro Dezoito, a Vila Yolanda; Jaguaribe, Bela Vista, dentre
outros. Desses, talvez o mais caracterstico seja o Quilmetro Dezoito.
Surgido na dcada de 1920, a partir de militares de baixa patente, que serviam em
Quitana, o Dezoito como era e ainda chamado em Osasco converteu-se em bairro
operrio aps o surgimento de diversas fbricas nas cercanias da sub-regio. Ainda nos anos
1930, foram implantadas a SOMA e a Fsforos Granada, a partir da dcada seguinte vieram a
Hoeschst do Brasil, a Osram do Brasil, e a Cimaf. A Cobrasma, de 1941, ficava a pouco
menos de um quilmetro de distncia. Tal crescimento industrial fomentou a concentrao de
trabalhadores que deram ao Dezoito suas caractersticas de bairro operrio. Desse perodo
em diante, esse bairro seria palco de intensas agitaes operrias, abrigaria diversos
sindicatos, e nele seria edificada a igreja da Imaculada Conceio, inaugurada em 1954, a
36 RIZEK, Cibele Saliba. Op. Cit. p. 40
32mesma que na dcada seguinte se converteria em parquia voltada ao movimento operrio,
tema que discutiremos melhor adiante.
No ano de 1953, o 14 subdistrito do Butant era bem diferente do distrito de paz de
1918. Sua populao j ultrapassara os quarenta mil habitantes, todo um parque industrial se
formara em suas cercanias, e novos bairros surgiam e continuariam a surgir. Como
supracitado, o povoamento inicial de Osasco teve caractersticas diferentes das demais regies
da cidade de So Paulo e regio. Na vila formada a partir de Antonio Agu, formou-se um
ncleo inicial de moradores que foi se estabelecendo com um certo isolamento do centro de
So Paulo, onde aconteciam as assemblias dos sindicatos; longe do pulsar frentico da
cidade de vocao metropolitana, enfrentando as agruras e as necessidades prprias de uma
frente avanada de urbanizao, o povoado vivencia uma forma diferente de identidade37.
Osasco se desenvolve como um misto de bairro prximo a capital e cidade do interior.
Como supracitado, os descendentes dos primeiros moradores acabaram por se constituir
numa espcie de elite local, fixando-se na regio central do distrito, dominando o comrcio,
controlando o Cartrio Civil, os clubes recreativos, os primeiros colgios particulares. Eram
profissionais liberais, mdicos, advogados, professores, dentistas, farmacuticos; formavam o
escol econmico e intelectual do bairro distrito. Deste substrato social partiram as
lideranas em luta durante o ciclo emancipatrio de Osasco, tanto os partidrios da
autonomia, quanto os contrrios.
37 COELHO, Maria Ins Zampolim, MORETI, Helio Marcos & MESSIAS, Maria do Carmo. Op. Cit. p. 45
33
Fonte: COELHO, Maria Ins Zampolim, MORETI, Helio Marcos & MESSIAS, Maria do Carmo. Op.
Cit. p. 96
341.3 Cidade
Na cidade de So Paulo, no ano de 1938, tem incio a gesto do prefeito Prestes Maia,
alcaide nomeado pelo interventor estadual Adhemar de Barros. Esta gesto durou at 1945, e
representou o maior surto de renovao urbanstica que a capital paulista j tivera em sua
histria at ento. Na administrao de Prestes Maia foram construdos o novo Viaduto do
Ch, a Avenida Nove de Julho, o Estdio do Pacaembu, dentre vrias outras obras. Toda uma
srie de novos edifcios foi erguida, o centro da cidade foi expandido, ruas estreitas foram
alargadas e convertidas em avenidas38. Nesta torrente de transformaes, comea chegar ao
fim a era do bonde em So Paulo. Em 1946 foi criada a CMTC (Companhia Municipal de
Transportes Coletivos), aps a criao dessa empresa, a mesma que incorporou a estrutura e
os veculos da Light, aos poucos o sistema de bondes e trlebus movidos a eletricidade foi
sendo substitudo por nibus a diesel39.
Tais mudanas esto relacionadas ao desenvolvimento econmico brasileiro, que veio
na esteira da industrializao capitaneada por Vargas a partir do final dos anos 1930,
prolongando-se no decnio seguinte, com uma pequena retrao na fase Dutra, retornando de
forma mais incisiva na dcada de cinquenta, sobretudo em sua segunda metade. Crescimento
que trouxe consigo um maior adensamento populacional, em 1940 a populao da cidade de
So Paulo j era de 1.337.644 habitantes. Dez anos depois, chegaria a 2.198.096, atingindo
em 1970 a soma de 5.978.977 pessoas, numa taxa de crescimento de anual de 5%,
considerando apenas os moradores da capital40.
Salientei acima a modernizao do sistema de transporte pblico rodovirio paulistano,
pois aqui se encontrava uma das maiores demandas dos moradores dos bairros mais afastados
da capital, dentre eles Osasco. A nova empresa de transportes pblicos criada pela prefeitura
no atendia as reas mais perifricas do municpio, ficando restrita a regio central da cidade.
O percurso at o centro tinha que ser feito atravs de lotaes e nibus particulares, que
chegavam a cobrar trs vezes o valor cobrado por uma conduo da CMTC41.
38 PORTO, Antonio Rodrigues. Histria Urbanstica de So Paulo (1554-1988). So Paulo: Carthago & Fortes Editoras Associadas Ltda, 1992. p. 140-145.
39 Idem, p. 15340 D.J. HOOGAN. Internal migration, acces to information an the use of urban resources in So Paulo, Brazil.
A stude of population adaption in a changing. Economy Cornel University, 1972. In: MOISS, Jos lvaro. Classes Populares e Protesto Urbano. So Paulo. Tese de Doutorado. So Paulo: FFLCH-USP, 1978. p. 127
41 DANUSA, Mara.A Luta pela emancipao. Artigo disponvel no Site da Prefeitura de Osasco: www.camaraosasco.sp.gov.br
35 Mas esse era apenas mais um dos muitos problemas que assolavam o subdistrito.
Como regio perifrica da cidade de So Paulo, Osasco pouco desfrutou do desenvolvimento
coordenado a partir da gesto Prestes Maia. No principal subrbio da zona oeste paulistana
havia srios problemas de urbanizao, como falta de gua encanada; asfalto, escolas,
hospitais, iluminao, segurana pblica. Apesar de seu crescimento industrial nos anos 1940,
e de seu expressivo aumento demogrfico, fatores estes que acarretavam em uma maior
arrecadao de impostos, o 14 subdistrito permaneceu margem do desenvolvimento
econmico das reas centrais da cidade.
Tal estado de coisas comeou chamar a ateno dos locais, principalmente daqueles que
se encontravam entre as camadas sociais mdias, e tinham melhores condies de observar de
maneira mais crtica o desenvolvimento desigual de sua cidade. Observemos o desabafo de
Hirant Sanazar, que futuramente seria o primeiro prefeito do municpio autnomo de Osasco:
O espao territorial entre o Butant e Vila Yara era desprovido de habitaes frequentes, no
faltando, porm, um posto de fiscalizao fazendria, que mantinha uma rgida e infalvel barreira
aos veculos de carga, a exigir a enfadonha nota fiscal sobre toda e qualquer mercadoria destinada ao
comrcio de Osasco.
A segurana pblica se restringia a uma simplria sub-delegacia de polcia, cujo titular era
escolhido dentre o partido poltico em destaque e nomeado pelo governador.
Os professores da escola pblica pertenciam Delegacia de Ensino da Capital, e quase todos
procediam dali e no se construam, por muito tempo, novos prdios escolares.
A conservao das ruas era uma pilhria, prevalecendo o lamaal provocado pelas precipitaes
de copiosas chuvas, que se acumulavam nas partes baixas e as guas ptridas impunham ao povo um
interminvel sofrimento42.
Apesar de carregado, o relato de Hirant Sanazar nos d mostras da falta de compromisso
da prefeitura de So Paulo para com suas regies mais perifricas. Este descaso seria o
principal fator a impulsionar a formao de associaes de bairro e de alguns movimentos
autonomistas, surgidos em diversos bairros da capital a partir do final da dcada de quarenta.
Dentre esses bairros se encontrava Osasco.
A Constituio democrtica de 1946 trouxe uma srie de vantagens aos municpios,
entre elas: a posse tributria sobre licenas, impostos prediais e territoriais, impostos sobre a
42 SANAZAR, Hirant. Osasco, Sua Histria, Sua Gente. Osasco-SP: Edio do Autor, 2003. p. 74
36indstria e profisses a critrio das necessidades municipais, alm da criao do Fundo de
Participao dos Municpios. Assim, muitas obras planejadas e no executadas tornaram-se
viveis43. Tais facilidades, agora expressas na Constituio brasileira, mais os fatores
supracitados, deram impulso ao processo de emancipaes que abrangeu todo o pas no
perodo em questo.
A grande de So Paulo, at meados dos anos 1940, possua em seu permetro poucos
municpios circunvizinhos. At 1970, a regio testemunharia o surgimento de novas cidades,
tais como So Caetano do Sul, Diadema, Carapicuba, Barueri, Jandira, Ferraz de
Vasconcelos, Osasco, dentre outras. Para a construo dos movimentos que encabearam os
processos emancipatrios, que proliferaram na regio entre finais da dcada de quarenta e a
de setenta, foram fundamentais as Sociedades Amigos de Bairro, as SAB`s. As SABs foram
definidas por Jos lvaro Moiss como organismos elementares de articulao de alguns
interesses econmicos e polticos das classes populares em face do Estado. Embora haja
indcios de existncia dessas sociedades desde os anos 1920, a partir da dcada de quarenta
que elas comeam adquirir a significao que as inseriu nas lutas sociais urbanas nos decnios
seguintes44.
Em Osasco, esse fenmeno teve incio em finais dos anos 1940, com a criao da
SADO (Sociedade Amigos do Distrito e Osasco). Esta entidade foi fundada e dirigida por
membros da elite local, dentre o quais se encontravam advogados, mdicos, dentistas,
jornalistas, comerciantes, etc. Os membros da SADO eram, em sua maioria, descendentes dos
primeiros moradores de Osasco, e seu primeiro diretor foi o dentista Reinaldo de Oliveira. As
emancipaes de So Caetano do Sul, do municpio de So Bernardo do Campo, e de Barueri,
de Santana de Parnaba, respectivamente em 1948 e 1949, serviram de impulso para os
projetos autonomistas da SADO.
Em 1953 se realizou o primeiro plebiscito pela autonomia de Osasco, que resultou em
derrota para os emancipacionistas. Pela lei n 2.081/52, consultas pblicas relativas a
emancipao de municpios s poderiam ser feitas a cada cinco anos, para que o mandato dos
prefeitos das novas cidades coincidisse com o dos demais prefeitos eleitos45. Sendo assim, os
membros da SADO tiveram que esperar at 1958 para retomar sua empreitada rumo a
elevao de Osasco a categoria de municpio autnomo.
43 DANUSA, Mara. Op. Cit. s/p44 MOISS, Jos lvaro. Op. Cit. p. 171-179. 45 MARTIM, Sonia. Op. Cit. p. 69.
37 Sobre o plebiscito de 1953 vale frisar dois pontos. O primeiro diz respeito ao carter
elitista que o movimento autonomista osasquense apresentou em sua primeira verso. A
SADO, enquanto entidade dominada pelas classes mdias locais, no foi capaz de trazer as
demais camadas sociais do subdistrito para sua causa. Os adversrios da autonomia, que
ficaram conhecidos como adeptos do NO, reuniam-se em torno de Lacydes Prado, dono
do nico cartrio instalado no subdistrito. Lacydes Prado publicou no jornal O Estado de So
Paulo, em 07 de novembro de 1953, cerca de um ms antes do plebiscito, um manifesto
advertindo a populao local sobre os possveis efeitos negativos que a autonomia poderia
trazer s suas vidas. O texto apresentava os membros da SADO com um grupo que visava se
locupletar politicamente com a transformao do bairro em municpio. Nas palavras de
Lacides Prado:
Manifesto ao Povo de Osasco: Confiando nele, nesse povo de Osasco, modesto, mas sensato,
ordeiro, mas altivo, que iniciamos hoje, de maneira despretensiosa e simples mas, com veemncia, a
campanha do "No" contra a maior calamidade cvica que a demagogia de uns, a ambio de
grupelhos e o descaso de muitos podero acarretar a So Paulo, ds servindo ao Brasil. No somos
polticos e nem visamos partidos ou legendas.
Que interessa-nos, populao, dos morros e das baixadas, das vilas de Piratininga, So Jos,
Km 18, Carteira, Quitana, Yara, etc. que Osasco tenha o braso de uma prefeitura que apenas
beneficie o larguinho da Estao onde se fazem os conchavos e se alimentam as intrigas polticas,
incapazes na sua patente desagregam de ter dado at hoje, de Osasco para Osasco, na edilidade de So
Paulo, um s e modesto vereador?
com isto que vamos deixar de ser cidados paulistanos para passar categoria de
interioranos sofrendo percalos morais e materiais de uma atitude que s conseguiria beneficiar
polticos, cujas lunetas escuras no permitem que os veja dentro dos olhos, para que alvos dirigem as
baterias das suas ambies? Sero para os impostos que majoraro talvez 10 vezes mais?...
Eles so nossos amigos mas se plantaram no alto das suas importncias e resolveram, quase
que nossa revelia, assunto de to transcendental importncia que nos obrigou a sair do nosso
mutismo e gritar bem alto para que todos ouam: Ou tudo isso corre o risco de um erro de viso que
importar no sacrifcio moral e material de um povo honesto e trabalhador ou ns nada mais
entendemos. Fica a critrio, ao teu critrio, Povo de Osasco, julgar-nos.46
46 Jornal O Estado de So Paulo, 07 de novembro de 1953. Trecho citado por: DANUSA, Mara. Op. Cit. s/p
38 Este manifesto foi assinado por figuras influentes da poltica local, que se congregaram
em torno do NO. evidente que o que estava em jogo eram interesses pessoais de grupos
de poder opostos, a demagogia apontada contra os adeptos do Sim, que estariam atuando
em causa prpria, no foge aos objetivos daqueles que assinaram o manifesto contra a
emancipao. Com a a