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CADERNO CRH, Salvador, v. 24, 63, p. 461-466, Set./Dez. 2011 461 Sonia K. Guimarães DOSSIÊ INTRODUÇÃO Sonia K. Guimarães * PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO E INOVAÇÃO: desafios do novo padrão de desenvolvimento A organização deste dossiê resultou da boa receptividade da Mesa Redonda Produção do Co- nhecimento e Inovação, apresentada na ANPOCS, em 2010. A referida Mesa visava a debater ques- tões sobre o novo modo de produção científica, a relação entre ciência, tecnologia, inovação, univer- sidade e atores externos, considerando a configu- ração social definida pela chamada economia do conhecimento e suas implicações sobre a concep- ção de desenvolvimento ou crescimento econômi- co-social. Destacavam-se os desafios a serem en- frentados pela universidade na interação com o ambiente externo, assim como o papel do Estado e das políticas públicas de inovação diante do novo cenário, abordando-se principalmente o caso do Brasil e incluindo-se a comparação entre alguns países latino-americanos. Em razão da relevância da temática que tor- na, hoje, as ideias de crescimento e desenvolvimento econômicos inseparáveis das de conhecimento e inovação – conceitos que dominam não apenas as análises de estudiosos, mas também os discursos de formuladores de políticas públicas, de empresá- rios e dos demais atores sociais preocupados em intervir na nova dinâmica de desenvolvimento –, buscou-se ampliar a discussão, incluindo estudos que analisassem outras realidades, oferecendo uma perspectiva comparativa e permtindo uma visão mais completa do fenômeno em questão. Este dossiê conta, portanto, com a contri- buição de artigos que: a) analisam a realidade de outros países para que se possa avaliar a situação do Brasil tanto face a casos paradigmáticos – como o da Alemanha, analisado por Neves e Neves, e o da Finlândia, abordado por Lyytinen e Hölttä –, como o de países latino-americanos em nível simi- lar de desenvolvimento (Argentina, Brasil, Chile e México), analisados por Balbachevsky; b) avaliam os impactos de algumas políticas públicas especí- ficas, como o fazem o artigo de Sobral sobre Fun- dos Setoriais, Institutos do Milênio, Fundo Nacio- nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, o de Neves e Neves sobre Programa de expansão para * Doutora em Sociologia. Professora do Departamento de Sociologia e do PPG Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora do CNPq. Av. Bento Gonçalves 9500. Cep: 91509-000. Porto Ale- gre - Rio Grande do Sul - Brasil. [email protected]

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INTRODUÇÃO

Sonia K. Guimarães*

PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO E INOVAÇÃO:desafios do novo padrão de desenvolvimento

A organização deste dossiê resultou da boareceptividade da Mesa Redonda Produção do Co-

nhecimento e Inovação, apresentada na ANPOCS,em 2010. A referida Mesa visava a debater ques-tões sobre o novo modo de produção científica, arelação entre ciência, tecnologia, inovação, univer-sidade e atores externos, considerando a configu-ração social definida pela chamada economia doconhecimento e suas implicações sobre a concep-ção de desenvolvimento ou crescimento econômi-co-social. Destacavam-se os desafios a serem en-frentados pela universidade na interação com oambiente externo, assim como o papel do Estado edas políticas públicas de inovação diante do novocenário, abordando-se principalmente o caso doBrasil e incluindo-se a comparação entre algunspaíses latino-americanos.

Em razão da relevância da temática que tor-na, hoje, as ideias de crescimento e desenvolvimentoeconômicos inseparáveis das de conhecimento e

inovação – conceitos que dominam não apenas asanálises de estudiosos, mas também os discursosde formuladores de políticas públicas, de empresá-rios e dos demais atores sociais preocupados emintervir na nova dinâmica de desenvolvimento –,buscou-se ampliar a discussão, incluindo estudosque analisassem outras realidades, oferecendo umaperspectiva comparativa e permtindo uma visão maiscompleta do fenômeno em questão.

Este dossiê conta, portanto, com a contri-buição de artigos que: a) analisam a realidade deoutros países para que se possa avaliar a situaçãodo Brasil tanto face a casos paradigmáticos – comoo da Alemanha, analisado por Neves e Neves, e oda Finlândia, abordado por Lyytinen e Hölttä –,como o de países latino-americanos em nível simi-lar de desenvolvimento (Argentina, Brasil, Chile eMéxico), analisados por Balbachevsky; b) avaliamos impactos de algumas políticas públicas especí-ficas, como o fazem o artigo de Sobral sobre Fun-dos Setoriais, Institutos do Milênio, Fundo Nacio-nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico eInstitutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, o deNeves e Neves sobre Programa de expansão para

* Doutora em Sociologia. Professora do Departamento deSociologia e do PPG Sociologia da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul. Pesquisadora do CNPq.Av. Bento Gonçalves 9500. Cep: 91509-000. Porto Ale-gre - Rio Grande do Sul - Brasil. [email protected]

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IES federais (REUNI), Lei de Inovação, Lei do Beme Fundos Setoriais, o de Barbosa sobre os siste-mas de bolsas como o Programa Universidade paraTodos (ProUni) e financiamentos como o Fundode Financiamento ao Estudante do Ensino Supe-rior (FIES); c) apresentam resultados de experiên-cias concretas de empresas intensivas em conhe-cimento no Brasil, cujos perfis se encaixariam nastendências que emergem como características deempresas da chamada sociedade do conhecimen-to, como o de Guimarães.

Os artigos têm em comum a discussão so-bre o novo modo de conhecimento e suas implica-ções sociais, considerando-se, em especial, as no-vas demandas da sociedade e do desenvolvimen-to econômico e social. Sabemos que conhecimen-to e inovações acompanham a humanidade desdesempre: do machado às células-tronco, como bemafirmam Kubota e Salerno (2008). Entretanto, hápraticamente consenso entre os estudiosos sobreo fato de que, hoje, o conhecimento1 é a fonte prin-cipal para a criação de riqueza e, portanto, paracrescimento e competitividade econômica susten-táveis. Conhecimento substitui o capital físico,determinante para a organização da produção, noséculo XX. Paul M. Romer, o renomado economis-ta americano, explica por que conhecimento é ofator determinante do modelo sustentável de de-senvolvimento: “(it) is assumed to be an input in

production that has increasing marginal

productivity” (1986, p.1002). Romer afirma, comocitado por Guimarães em seu artigo, que a novaeconomia se baseia em ideias mais do que em ob-jetos...” (Time Magazine, abril 21,1997). “Ideias”,nesse caso, significa, entre outras coisas, a capaci-dade de alterar certas características, como modode utilização, desempenho e design, de um pro-duto ou conhecimento já disponíveis. Por exem-plo, antes do lançamento da Apple, já existia umproduto com o princípio do atual Ipod, sem que

ele tivesse sido absorvido pelo mercado. A Appleredefiniu suas características de design e de interfacecom o usuário, e o resto, já sabemos (Kubota;Salerno, 2008). Essa possibilidade constitui-se emjanela de oportunidade para os países em desen-volvimento, desde que disponham de capacidadepara utilizar o conhecimento de forma criativa.

O fenômeno acima descrito é traduzido poralguns através da expressão “desmaterialização daprodução”, ou seja, a importância econômica dosbens tangíveis se transfere para os bens intangí-veis, que passam a dinamizar a produção atravésde transmissão virtual (indústrias financeira e cul-tural, comércio, serviços administrativos), ou porcondensação e incorporação de informação (medi-camentos, sementes geneticamente modificadas).Nesse contexto, a produção de bens e serviçosdepende de permanente inovação, cujo valor édefinido pela aceitação do mercado.

Diante do novo cenário – em que conheci-mento e inovação são concebidos como fatores cen-trais para o crescimento e o desenvolvimento eco-nômicos sustentáveis –, impõe-se o argumento quesustenta a necessidade de cooperação mais estrei-ta entre ciência, tecnologia e inovação, ou seja,universidade, sociedade e sistema produtivo.

A interdependência entre ciência e tecnologiajá se verifica desde o início do século XX,2 sendoque os períodos da I e da II Guerra Mundial constitu-em casos exemplares de intensa cooperação entreciência e tecnologia, ou entre universidades e empre-sas, em especial na Inglaterra e nos Estados Unidos,respectivamente. No caso dos Estados Unidos, na IIGuerra, houve o envolvimento de grandes universi-dades como o Massachusets Institute of Technologye a Universidade de Harvard, entre outras, e de em-presas como AT&T, General Electric,Westinghouse,RCA e Raytheon (Mendonça et al., 2008). SegundoMendonça et al. (2008), na Alemanha, a mobilizaçãodos cientistas foi tardia e reduzida; no Japão, ela foiigualmente reduzida e pouco eficiente. Ainda segun-1 “Conhecimento: conjunto de afirmações organizadas

sobre fatos ou ideias, apresentando julgamento racionalou resultados experimentais, transmitidos aos demaisatravés de algum meio de comunicação, de alguma for-ma sistemática.”  Daniel Bell, The coming of post-in-dustrial society: a venture in social forecasting. 1976.New York: Basic Books; (1st ed 1973), p.173 apudCastells, 1996, p. 17). Traduzido por SKG.

2 Para uma análise detalhada do modelo e de seu significa-do para as políticas de C&T, vide STOKES, Donald E.Pasteur’s quadrant: basic science and technologicalinnovation. Washington: Brookings Institutions Press,1997 (apud Viotti, 2008) e Mendonça et al. 2008.

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do os mesmos autores, a contribuição das ciênciasfísica e eletrônica foi fundamental para a produçãode armamentos que definiram a estratégia militar naII guerra mundial.

No Brasil, a Petrobrás é um caso exemplar,mantendo milhares de contratos de pesquisa comuniversidades, que contribuem para desenvolvi-mento de seu centro de pesquisa. Há os que  di-zem que a Petrobrás não seria o que é não fossesua parceria com as universidades brasileiras.Outro exemplo é o da Embraer, que se consolidoucom o apoio do Instituto Tecnológico da Aeronáu-tica (ITA) para a formação de recursos humanos eo Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA).

Apesar da existência de colaboração, aindaque conjuntural, sustentava-se que a inovação re-sultaria do trabalho solitário ou isolado de cientis-tas em laboratório (pesquisa básica), o quecondicionaria, de forma linear, as demais etapasdo processo, transformando-se em inovaçãotecnológica a ser transferida à empresa – concebi-da como usuária no processo –, a responsável pelaprodução de bens a serem ofertados no mercado.Essa visão foi amplamente difundida pelo relató-rio de Vannevar Bush (Science, The Endless Frontier.

A Report to the President, July 1945), diretor doOffice of Scientific Research and Development, nosEstados Unidos.

No entanto, estudos sobre a relação entreprodução do conhecimento e inovação evidenci-am que, para aplicar o conhecimento científico,não basta a disponibilidade do conhecimento for-mal, pois ele deve ser “colocado em prática”, oque, na maioria das vezes, demanda adaptações esoluções difíceis, além de ser um processo regidopela imprevisibilidade. Por essa razão, o processode inovação depende de apoios institucionais quenão são apenas financeiros: necessita estar ancora-do por redes de cooperação formais e nãoformais,capazes de promover a interação entre os agentes-chave do proceso, as instituições acadêmico-cien-tíficas, as empresas e o Estado.

Por outro lado, características próprias dasnovas áreas do conhecimento também contribuempara favorecer a emergência de um novo paradigma

de aproximação entre ciência e sua aplicação, comoafirma Balbachevsky em seu artigo, neste dossiê:“o momento do conhecimento e da observação se

confunde com o design de novos artefatos [...], ou

com a modelagem de intervenções deliberadas so-

bre a realidade.”. Há ainda a potencialidade comer-cial imediata de algumas tecnologias, como ocorre,por exemplo, na engenharia genética – intervençãosobre genes de organismos vivos com o objetivo demodificá-los – e a produção de medicamentos.  

A perspectiva neo-schumpeteriana percebeuo caráter social e sistêmico-interativo do processode inovação: ao mesmo tempo em que valoriza opapel da empresa como agente principal da inova-ção, considera-a apenas uma parte de um sistemamais amplo, concebido como uma rede de rela-ções entre agentes sociais, própria de um país ouregião, incluindo relações entre empresas e entreinstituições de ensino e pesquisa, existência deinfraestrutura pública e (ou) privada, economianacional e internacional, assim como aspectos só-cio-histórico-culturais locais, em que se incluem,dentre outros, características organizacionais, le-gais e normativas (Freeman, 1991; Lundvall, 1992).A empresa deixa de ser apenas consumidora detecnologia, tornando-se também produtora, en-quanto a inovação é concebida como processo derisco, tanto no que se refere a recursos necessári-os, quanto a resultados técnicos e mercadológicos.

Essa é a chave do debate de que se ocupamos artigos incluídos neste dossiê. A preocupação éa de conhecer e avaliar de que forma os atores cen-trais dessa nova configuração do desenvolvimen-to econômico-social – ciência (universidades e ins-tituições de pesquisa), agentes públicos e empre-sas – estão se ajustando às novas demandas quese lhe apresentam e com que resultados. Comofunciona o sistema nacional de inovação no Bra-sil, se comparado com realidades da Europa e daAmérica Latina? Que desafios, que dificuldades eque perspectivas se apresentam ao país?

Considerando o modelo de interação entreuniversidades, governos e empresas, supõe-se quecada ator mantenha sua autonomia relativa. A uni-versidade, por exemplo, continuaria a ser a prin-

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cipal geradora e transmissora de conhecimento semsubmeter-se às pressões externas. O pressupostoseria de que universidade e os demais atores atu-em em conjunto, visando a atingir propósitos so-ciais mais amplos, sem comprometer seus interes-ses e missões originais, buscando alcançar o equi-líbrio entre independência e interdependência(Etzkowitz, 2009). Como afirma Sobral em seu arti-go neste dossiê, citando Nowotny (2006), “não háincompatibilidade entre ciência real e ciência exce-lente [...] a ciência responde às várias pressões pro-venientes do Estado, da indústria e da sociedade e,de forma crescente, do mundo globalizado, semdiminuir a excelência...” Esse é também o pressu-posto de que partem os argumentos dos autores deartigos apresentados neste Dossiê.

A ação conjugada dos atores referidos não é,contudo, algo simples e consensual, em especialcom relação à interação entre universidades e em-presas, cujas culturas são bastante diversas, especi-almente, no Brasil. Como afirmam Neves e Neves,

... muitas dificuldades emergem, desde incapa-cidades dos atores universitários de lidar com asempresas, alegando riscos de privatização dasinstituições públicas, até falta de iniciativa dosempresários, na medida em que o investimentoem C&T é visto por eles como responsabilidadedo governo, e se isentam de assumir compromis-sos privados com C,T&I.

Castro também chama a atenção para osdissensos internos, em especial, a percepção deque a colaboração com empresas significariaprivatização de bens públicos.

Embora reconhecida a necessidade deinteração entre universidade e empresa, hádiscordância sobre a “missão” de cada uma. Paraalguns, caberia à universidade formar profissio-nais qualificados e à empresa privilegiar a criaçãoda inovação e da riqueza. Para outros, os esforçosda pesquisa atual devem ser coletivos, em razãodos altos custos, complexidade e riscos envolvi-dos, o que justificaria plenamente a cooperaçãomais próxima entre universidades, empresas egovernos, em especial no Brasil, país onde a insta-bilidade de regras fiscais, taxas de juros elevadas,variações da política industrial, ausência de apoio

governamental efetivo à atividade de P&D (enco-mendas do governo, incentivos fiscais, apoio àinfraestrutura, proteção para a propriedade inte-lectual) e carência de recursos humanos qualifica-dos impõem dificuldades adicionais às empresas.

Aspectos da contribuição dos autores destedossiê para a discussão em pauta poderia ser bre-vemente resumida, como é feito a seguir.

O artigo de Lyytinen e Hölttä analisa o de-senvolvimento recente de uma parte do ensinosuperior na Finlândia, baseando-se no estudo decaso de quatro institutos politécnicos. O artigo temcomo objetivo avaliar a natureza e o grau deenvolvimento desses institutos com atividades quecontribuissem para o desenvolvimento econômi-co e social do país, através de colaboração comatores externos. Os resultados do estudo eviden-ciam que as parcerias com atores externos estavammenos voltadas para a captação de recursos finan-ceiros e mais para a consecução de valores simbó-licos, como garantir prestígio para a instituição,através de estímulo a atividades acadêmicas, trocade informações e transferência de conhecimento.É interessante notar que os resultados do estudode Balbachevsky indicam praticamente o oposto,em relação ao Brasil e à América Latina. Ou seja, aadesão dos pesquisadores ao novo padrão deinteração com o ambiente externo ocorreu, princi-palmente, em razão da possibilidade de obtençãode “recursos para a infraestrutura de pesquisa epara a manutenção de equipes complexas de pes-quisa.” Essas diferenças traduzem as peculiarida-des históricas, econômicas e sociais de cada reali-dade: na Finlândia, ao contrário de tradição lati-no-americana, a trajetória das instituições de ensi-no superior tem sido pautada, historicamente, tam-bém pela prestação de serviços públicos que ofere-cem benefícios à sociedade. Dessa forma, as mu-danças atuais podem ser mais facilmente abraçadas.

Por outro lado, em relação às áreas de co-nhecimento, os resultados do estudo de Lyytinene Hölttä coincidem com os de Sobral: as áreas téc-nicas têm maior facilidade de colaboração comparceiros externos e na produção de pesquisasaplicadas do que áreas como humanidades ou as

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de atendimento de saúde e assistência social, ain-da que, em ambos os artigos, os autores reconhe-çam que mudanças estejam ocorrendo tambémnesse sentido.

O segundo artigo, de autoria de Neves eNeves, traz os casos da Alemanha e do Brasil, ana-lisando as reformas do ensino superior e princi-pais políticas de fomento à pesquisa e à inovaçãoimplementadas em ambos os países, o que permi-te comparações, ainda que guardando os devidoslimites, face às peculiaridades históricas e sociaisde cada país. Mas, como advertem os autores, con-siderando-se que não há determinismos, possibi-lidades existem para que o Brasil possa vir a sur-preender positivamente. A conclusão dos autoresé de que, na Alemanha, as políticas de reforços aosistema de ciência, tecnologia e inovação alcança-ram alto grau de integração e adesão entre os ato-res envolvidos (universidades, institutos de pes-quisa, agências de fomento e setor produtivo), de-monstrando solidez do sistema de produção deconhecimento científico e tecnológico. No Brasil,ao contrário, os esforços para consolidar o sistemanacional de inovação revela limites, impostos tan-to pelo baixo grau de integração das medidasimplementadas, quanto pela visão ainda poucoamadurecida dos atores envolvidos sobre o pro-blema a ser enfrentado, o que evidencia, segundoos autores, distorções preocupantes no sistema deinovação nacional.

Também em dimensão comparativa,Balbachevsky chama a atenção para os problemasde governança nas áreas de políticas de ciência einovação, considerando que as reformas propostasvisam a direcionar a atividade acadêmico-científicaa contribuir para o aumento da competitividadeeconômica do país. A autora argumenta que, pararomper com características da cultura acadêmicatradicional, ilustrada pelo isolamento do cientista,seria também necessárias reformas nas instituiçõesacadêmicas, como a estrutura de recompensas pro-fissionais, no sentido de valorizar a cooperaçãoestratégica, privilegiando a qualidade da interaçãoa partir de critérios definidos pelo entornoinstitucional acadêmico.

O artigo de Sobral analisa resultados depesquisa sobre a produção científica e tecnológicanas engenharias e na sociologia, constatando dife-renças de ordem disciplinar, mas convergênciasno que se refere à tendência de atender a deman-das da sociedade: na sociologia, contribuindo parasubsidiar políticas públicas, enquanto que, nasengenharias, atendendo a demandas por parte dogoverno e do setor produtivo. A autora concluique os programas de apoio à ciência, tecnologia einovação começam gradativamente a influenciar aprodução científica e tecnológica nas universida-des e a percepção de pesquisadores sobre a neces-sidade de responder às demandas externas à uni-versidade. Apesar de anúncios positivos, Sobralnão deixa de apontar dificuldades: “Os ruídos dasociedade começaram a ter eco, de formas diferen-ciadas, apontando novos horizontes para a pes-quisa, mas há ainda um vasto caminho a ser tri-lhado quanto à institucionalização dessa interação.”

O artigo de Castro concentra-se na avalia-ção de resultados relativos à transição de universi-dades de pesquisa brasileiras, frente ao novo con-texto de políticas de Ciência,Tecnologia & Inova-ção (C,T&I). Castro reconhece a ocorrência de mu-danças significativas, mas argumenta que elas nãosão suficientes para caracterizar uma transição efe-tiva “do modelo centralizado, linear e focado emP&D para um modelo sistêmico capaz de articularas partes, de modo a construir um efetivo sistemade inovação para o Brasil.” Segundo a autora, per-manece, na universidade, o “viés acadêmico” quedificulta a interação com o ambiente externo. Quan-do ele ocorre, tende a ser considerado menos comoTTI (transferência de tecnologia e inovação) e maiscomo “extensão”, no sentido de community

services. Ainda que reconhecendo a existência deuma nova geração de políticas públicas focadas namobilização de redes de inovação locais e nacio-nais, afirma que elas, apesar de generosas, não têmsido capazes de sensibilizar o empresariado. Por-tanto, da mesma forma que Neves e Neves, Castrotambém avalia como frágil a articulação necessáriapara que se possa reconhecer, no Brasil, um siste-ma de inovação consistente.

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O artigo de Barbosa e Santos analisa a ex-pansão e diversificação do ensino superior no Bra-sil, com base em resultados de investigação sobrepolíticas e programas de inclusão social relativasao ensino superior e suas implicações, conside-rando oito áreas de conhecimento. O objetivo foi ode avaliar a capacidade daquelas políticas e pro-gramas públicos de inclusão social (Programa Uni-versidade para Todos, ProUni, e financiamentoscomo o Fundo de Financiamento ao Estudante doEnsino Superior, FIES) como instrumentos parareduzir a desigualdade social. As autoras conclu-em que, de forma geral, os sistemas de bolsas e definanciamentos considerados apresentam resulta-dos bastante satisfatórios; entretanto, identificamdiferenças quanto ao seu desempenho em cadacurso, associado aos tipos de bolsa e de financia-mento. Sugerem a possibilidade de que algumasdessas diferenças estejam associadas à origem soci-al dos alunos; por outro lado, identificam traços nosistema que estariam a indicar possibilidades deavanço na direção que favorece a inclusão social.

Por fim, o artigo de Guimarães apresentaresultados que, de alguma forma, indicam o anda-mento do novo modelo de produção baseado noconhecimento e na inovação. A análise é baseadaem resultados de uma pesquisa realizada entremicro, pequenas e médias empresas intensivas emconhecimento, localizadas em parques tecnológicosde campi universitários, nos estados do Rio Gran-de do Sul e de Santa Catarina. Os dados evidenci-am que, mesmo restritas, observam-se algumas mu-danças positivas na configuração do modelo empre-sarial do segmento investigado. A autora conclui queas barreiras existentes não são intransponíveis, e oaprendizado já adquirido parece indicar possibilida-des promissoras para as pequenas e médias empre-

sas inovadoras, no Brasil.Os artigos aqui apresentados contribuem

com análises substantivas que buscam levar os lei-tores a uma reflexão sobre os enormes desafios comque se depara o país. Ao mesmo tempo, parecemapontar para as perspectivas que se abrem: nuncao país esteve tão próximo de oportunidades capa-zes de contribuir para alterar sua posição de naçãoperiférica – que, no passado, foi declarada comocondição inevitável. Não há inevitabilidades, mascapacidades de os agentes sociais escolherem es-tratégias que lhes sejam favoráveis. Estamos pre-senciando uma fase de transição econômico-socialem âmbito global, extremamente desafiadora, edevemos estar preparados para desempenhar pa-pel de protagonistas, não o de de expectadores.Os ideiais democráticos e de justiça social almeja-dos não serão alcançados sem que o país seja ca-paz de construir uma economia moderna e sus-tentável, a qual hoje, mais do nunca depende deconhecimento, tecnologia e inovação.

(Recebido para publicação em 12 de setembro de 2011)(Aceito em 15 dezembro de 2011)

REFERÊNCIAS

DE NEGRI, João Alberto; KUBOTA, Luís Claudio. Políti-cas de incentivo à inovação tecnológica no Brasil. Brasília:Ipea, 2008.

MENDONÇA, Marco Aurélio A. de; LIMA, Divany Go-mes; SOUZA, Jano Moreira de. Cooperação entre o Minis-tério da Defesa e COPPE/UFRJ: uma abordagem baseadano modelo da Triple Hélix III. In. DE NEGRI, João Alberto;KUBOTA, Luis Cláudio (Org.) Políticas de incentivo à ino-vação tecnológica no Brasil. Disponível em:www.ipea.gov.br/ sites/000/2/livros/inovacaotecnologica/capitulo15.pdf

ROMER, Paul. Increasing returns and long run growth.The Journal of Political Economy, Chicago, v.94, n.5,p.1002-1037, oct. 1986.

Sonia K. Guimarães - Doutora em Sociologia. Professora Titular do Departamento de Sociologia e do Progra-ma de Pós Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora 1B CNPq.PhD em Sociologia pela London School of Economics and Political Science, Universidade de Londres, comestágio pós-doutoral na Sloan School of Management, MIT, Cambridge Ma., Estados Unidos. Coordena oGrupo de Pesquisa/UFRGS/CNPq Trabalho na Sociedade Contemporânea (www.ufrgs.br/ppgsocio). Autorade vários artigos em periódicos indexados nacionais e internacionais (a maioria sob o sobrenome Larangeira),em especial sobre transformações no trabalho na área de serviços (bancos e telecom), reestruturação produti-va e sindicatos. Suas investigações no presente estão voltadas para o estudo de pequenas e médias empresasintensivas em conhecimento.