2_A&D_Cidades Conceitos, Processos e História_2009

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Revista temática que teve seu primeiro exemplar publicado em 1991. Com uma média de quatro lançamentos anuais, a publicação aborda temas atuais, de forma contextualizada, retratando a realidade do estado. Através de artigos e entrevistas, elaborados por colaboradores externos e especialistas da SEI, a revista proporciona uma reflexão sobre questões de interesse da sociedade.

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  • ISSN 0103 8117

    BAHIA ANLISE & DADOSSalvador SEI v. 19 n. 2 p. 369-634 jul./set. 2009

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  • Governo do Estado da BahiaJaques Wagner

    Secretaria do Planejamento SeplanWalter Pinheiro

    Superintendncia de Estudos Econmicose Sociais da Bahia SEI

    Jos Geraldo dos Reis Santos

    Diretoria de Pesquisas DipeqThaiz Silveira Braga

    Diretoria de Estudos DirestEdgard Porto

    Coordenao de Pesquisas Sociais Copes/DipeqLaumar Neves de Souza

    Coordenao de Estudos Especiais Coesp/DirestThiago Reis Ges

    BAHIA ANLISE & DADOS uma publicao trimestral da SEI, autarquia vinculada Secretaria do Planejamento. Divulga a produo regular dos tcnicos da SEI e de colabo-radores externos. Disponvel para consultas e download no site http://www.sei.ba.gov.br.As opinies emitidas nos textos assinados so de total responsabilidade dos autores.Esta publicao est indexada no Ulrichs International Periodicals Directory e na Library of Congress e no sistema Qualis da Capes.

    Conselho EditorialAndr Garcez Ghirardi, ngela Borges, ngela Franco, Antnio Wilson Ferreira Menezes, Ardemirio de Barros Silva, Asher Kiperstok, Carlota Gottschall, Carmen Fontes de Souza Teixeira, Cesar Vaz de Carvalho

    Junior, Edgard Porto, Edmundo S Barreto Figueira, Eduardo L. G. Rios-Neto, Eduardo Pereira Nunes, Elsa Sousa Kraychete, Guaraci Adeodato Alves de Souza, Inai Maria Moreira de Carvalho, Jair Sampaio Soares Junior, Jos Eli da Veiga, Jos Geraldo dos Reis Santos, Jos Ribeiro

    Soares Guimares, Lino Mosquera Navarro, Luiz Antnio Pinto de Oliveira, Luiz Filgueiras, Luiz Mrio Ribeiro Vieira, Moema Jos de Carvalho Augusto, Mnica de Moura Pires, Ndia Hage Fialho, Nadya Arajo

    Guimares, Oswaldo Guerra, Renata Prosrpio, Renato Leone Miranda Lda, Ricardo Abramovay, Rita Pimentel, Tereza Lcia Muricy de Abreu,

    Vitor de Athayde Couto

    Conselho TemticoAna Clara Torres Ribeiro (IPPUR/UFRJ), Ana Fernandes (UFBA), Heloisa

    Soares de Moura Costa (UFMG), Luiz Cesar Queiroz Ribeiro (IPPUR/UFRJ), Pedro de Almeida Vasconcelos (UCSal/UFBA), Rosa Moura (Ipardes)

    EditorFrancisco Baqueiro Vidal Coordenao Editorial

    Patricia Chame Dias, Ilce CarvalhoReviso de Linguagem

    Calixto Sabatini (port.), Christiane Eide June (ing.)Coordenao de Biblioteca e Documentao Cobi

    Ana Paula SampaioNormalizao

    Raimundo Pereira Santos, Eliana Marta Gomes da Silva SouzaCoordenao de Disseminao de Informaes Codin

    Mrcia Santos Padronizao e Estilo/Editoria de Arte

    Elisabete Cristina Teixeira Barretto, Aline Santana (estag.)Produo ExecutivaAnna Luiza Sapucaia

    CapaJulio VilelaEditorao

    A Cor da Voz

    Bahia Anlise & Dados, v. 1 (1991- ) Salvador: Superintendncia de Estudos Econmicos eSociais da Bahia, 2009.

    v.19 n.2 Trimestral ISSN 0103 8117

    CDU 338 (813.8)

    Impresso: EGBATiragem: 1.200 exemplares

    Av. Luiz Viana Filho, 4 Av., n 435, 2 andar CABCEP: 41.745-002 Salvador Bahia

    Tel.: (71) 3115-4822 / Fax: (71) [email protected]

  • SUMRIO

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    Apresentao 373

    DISCUSSODE CONCEITOS

    375

    A cidade em transformao: processos, conceitos e novos contedos

    Rosa Moura

    377

    Cidades pequenas so urbanas?O urbano possvel

    Diva Maria Ferlin Lopes

    395

    PROCESSOS EDINmICAS GERAIS

    413

    Dinmica demogrfica y asuntos urbanos y metropolitanos prioritarios en Amrica Latina:

    qu aporta el procesamiento de microdatos censales?Jorge Rodrguez Vignoli

    415

    Chassi metropolitano: porte, papis e resultados espaciais de cinco

    regies brasileirasEdgard Porto

    Edmilson Carvalho

    439

    Que periferia? Estratgia e discurso do capital imobilirio na estruturao

    do espao metropolitanoPatricia Chame Dias

    Francisco Baqueiro Vidal

    455

    Problematizando a sustentabilidade urbana: as prticas de reordenamento urbano na

    Grande Vitria, no Esprito SantoCamilla Lobino

    Igor VitorinoMrcio Filgueiras

    473

    A espetacularizao das festas juninas no espao urbano como estratgia de

    turistificao de pequenas cidades da BahiaJanio Roque Barros de Castro

    487

    Urbanizao e produo de cidades na Bahia: reflexes sobre os processos de

    estruturao e reestruturao urbanaJanio Santos

    499

    Reestruturao urbana em cidades mdias e pequenas do Recncavo a partir da

    instalao da Universidade Federal do Recncavo da Bahia

    Wendel HenriqueElissandro Santana

    Hiram Fernandes

    511

    Caracterizao da rede urbana do estado da Bahia pelos fluxos do transporte rodovirio

    intermunicipal de passageirosJos Rodrigues de Souza Filho

    Sylvio Bandeira de Mello e Silva

    523

    A rede urbana da Bahia segundo o Regic 2007

    Alcides dos Santos CaldasFbio Antnio Moura Costa de Souza

    537

    HISTRIADAS CIDADES

    555

    Histria, cidade e natureza: apontamentos histricos sobre a cidade de

    Aracaju, em SergipeWaldefrankly Rolim de Almeida Santos

    557

    Ordenamento, higiene e embelezamento: as ruas da cidade da Parahyba no sculo XIX

    e incio do sculo XXDoralice Styro Maia

    577

    Das luzes de Nossa Senhora ao negrume do petrleo: a produo do espao intraurbano

    de Candeias, na BahiaAnderson Gomes da Epifania

    589

    A cidade de Salvador e a modernidade da mquina no perodo de 1935 a 1945

    Jorge Almeida Uzda

    603

    Panorama trans-histrico da relao cidade-transporte

    Fagner Dantas

    617

    O centro da cidade do Salvador:estudo de geografia urbana,

    de Milton SantosClaudemiro Ferreira da Cruz Neto

    629

  • APRESENTAO

    Com o estabelecimento do novo ciclo do capitalismo, na chamada era da globalizao e da ampliao das polticas liberalizantes, prevaleceram a alta concentrao dos capitais, a hegemonia dos mercados e a diminuio do papel do Estado como protagonista do desenvolvimento. Nesse contexto, avanaram as condies tcnicas de produo, a cincia, as possibilidades de circulao e de produo e a difuso da informao. Tais fatores provocaram novas formas de articulao e definio dos papis dos lugares, bem

    como a criao de novas redes e territrios. Disso resultou a reavaliao da compreenso das relaes entre tempo e espao, produo e consumo, centro e periferia, local e global. Igualmente, valores e normas, culturalmente aceitos, so revistos e reconstrudos. Essas novas dinmicas e elaboraes conduziram a questionamentos de conceitos apontados como absolutos, de tendncias encaradas como inexorveis e da ordem poltico-econmica tida como o ponto final da evoluo da histria.

    As cidades, ento, centros econmicos e polticos das naes, concentran-do a maior parcela da populao mundial, se redefinem em termos de formas,

    contedos, paisagens e significados. De forma direta ou indireta, mais ou me-nos intensa, os processos e tendncias globais incidem nas distintas pores do mundo. Porm, em cada cidade, conformada por sua histria e cultura, tais pro-cessos vo se expressar de formas especficas. Entende-se que os fenmenos

    globais pressionam os eventos locais para seguirem uma lgica mais ou menos singular. Todavia, em cada pas, metrpole ou cidade esses fenmenos encon-traro resistncias e formas de assimilao distintas.

    Os textos que integram esta publicao orientam-se no sentido de buscar discutir as relaes entre as mudanas e tendncias gerais da economia e da sociedade e o movimento das cidades, assim como verificar como isso se reflete

    na dinmica social e na vida dos seus moradores.Evidente que a diversidade de abordagens, caractersticas e tendncias apon-

    tadas nos distintos trabalhos desta publicao no esgotam os temas propostos, mas contribuem para a compreenso de determinadas dinmicas e suas conse-quencias na vida daqueles que moram nas cidades, constituindo-se em impor-tante subsdio para reflexo.

    A Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia agradece aos autores por sua colaborao e aos integrantes do conselho editorial temtico que muito contriburam para a qualidade desta Revista. Fo

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  • RoSa MouRa

    BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p. 377-393, jul./set. 2009 377

    BaHIaanlISE & DaDoS

    A cidade em transformao:processos, conceitos e novos contedos

    Rosa MouraA*

    Resumo

    Este texto traz para discusso conceitos de cidades e pro-cessos urbanos. Conceitos que se adjetivam a partir de novos contedos assimilados pela cidade na urbanizao contempo-rnea e que emanam de processos cada vez mais complexos e multidimensionais. Inicia com a abordagem sobre cidade, urba-no e urbanizao, introduzindo os processos que sero postos na sequncia. Entre os processos, destaca a metropolizao, como um estgio avanado da urbanizao, as relaes em re-des entre cidades, e introduz, mas no esgota, a reflexo sobre as condies e morfologias ps-metropolitanas.

    Palavras-chave: Cidade. Urbanizao. Metropolizao. Aglomerao urbana. Periferizao.

    Abstract

    This text discusses concepts of cities and urban processes. These concepts describe the new contents incorporated by the city in contemporary urbanization and which have emerged from increasingly complex and multidimensional processes. It begins with an approach to city, urban and urbanization, introducing processes that are set out sequentially. Featured amongst these processes is metropolization, which is considered an advanced stage of urbanisation, and the networks of relationships between cities. It also introduces, but does not discuss in depth, a reflec-tion on post-metropolitan situations and morphologies.

    Keywords: City. Urbanization. Metropolization. Urban ag-glomeration. Slumification.

    A Doutora em Geografia pela Universidade Federal do Paran (UFPR); especiali-zada em Programa de Estudos em Redistribuio da Populao pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); pesquisadora do Instituto Paranaense de Desen-volvimento Econmico e Social (Ipardes) e da rede Observatrio das Metrpoles. [email protected] * A autora agradece a contribuio de Olga Lucia C. de F. Firkowski, pelo debate terico-conceitual que orientou este trabalho.

    CIDADE, URBANO E URBANIZAO

    No h como falar de cidade sem falar do urba-no. E no h como tratar o urbano sem conceb-lo como o elemento estruturador do espao. Tambm no h como se discutirem conceitos e definies sem considerar o uso comum, muitas vezes impr-prio, da contraposio urbano/rural, posto que as relaes territoriais se do em totalidade. Tal con-traposio se refora nos critrios definidores do urbano e do rural para finalidades estatsticas, que

    circunscrevem o urbano aos limites do permetro le-gal definido pelo municpio arbitrrio, muitas vezes desatualizado em relao ao fato urbano em si.

    Se o conceito de cidade est muito vinculado materialidade do espao construdo como o con-creto, o lugar onde vivem os cidados, o material, o conjunto de infraestruturas, equipamentos e toda a materialidade que permite a vida coletiva de um conjunto cada vez maior de cidados coabitando (SOUZA; LINS, 1999) , est tambm relacionado civilizao (IANNI, 1999). Cidade , concomi-tantemente, um conceito descritivo, que permite apreender uma realidade material concreta, e in-terpretativo, pois evoca um conjunto de diversas funes sociais, como observa Sposito (2005). Dando suporte a esse entendimento, Rmy e Voy

  • A cidAde em trAnsformAo: processos, conceitos e novos contedos

    378 BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p. 377-393, jul./set. 2009

    (19921; 1994) conceituam cidade a partir da defini-o do lao existente entre um tipo de apropriao do espao e uma dinmica coletiva. A cidade surge como uma unidade social que desempenha um pa-pel privilegiado nas trocas materiais ou no , em todas as atividades de dire-o e de gesto, e no proces-so inovativo. Lugar onde os vrios grupos encontram en-tre si possibilidades mltiplas de coexistncia e de trocas, mediante a partilha legtima de um mesmo territrio.

    Na viso histrica domi-nante da Economia Poltica, a cidade resulta do aprofundamento e expressa a diviso socioespa-cial do trabalho em uma comunidade como afirma Monte-Mr (2006) ao salientar o domnio da cidade sobre o campo, a partir do controle poltico. A pro-duo centrada no campo, e a cidade, espao no-produtivo privilegiado do poder poltico e ideo-lgico, retira do excedente nele produzido as condi-es de reproduo da classe dominante e de seus servidores diretos. Poltica, civilizao e cidadania so conceitos que derivam da forma e da organiza-o da cidade.

    Esse mesmo autor historia que a cidade indus-trial surgiu no Brasil com a transformao dessa cidade poltica em cidade mercantil, marcada pela presena do capital exportador e/ou pela concentrao de comrcio e servios centrais de apoio s atividades produtivas rurais e centro de produo industrial. Outra hiptese a da criao e/ou captura, por grandes indstrias, de pequenas cidades como espaos de produo monoindus-trial, e do aproveitamento das mdias e grandes cidades que reuniam as condies exigidas pelo capitalismo industrial, sob apoio do Estado, que regulava as relaes entre capital e trabalho, e investia em infraestrutura, criando as condies gerais de produo para a indstria. Essas condi-es estavam restritas ao que Santos (1996) cha-mou arquiplago urbano, evidenciando o carter fragmentrio e desarticulado da sociedade urbana brasileira.

    1 RMY, J.; VOY, L. La ville: vers une nouvelle dfinition? Paris: LHarmattan, 1992 (apud SPOSITO, 2005).

    As relaes entre as cidades se adensam com a industrializao. Lefebvre (1991) descreve, meta-foricamente, que a cidade industrial sofre um duplo processo, de imploso e exploso. Imploso sobre si mesma e exploso sobre o espao circundante,

    com a extenso do tecido urbano, numa configurao socioespacial que estende ao espao regional imediato e, eventualmente, ao campo longnquo, as condies de produo antes restritas s cidades, conforme demandas da produo coletiva.

    Nas palavras de Lefebvre, mais do que um te-cido jogado sobre o territrio e diferentemente de uma morfologia, o tecido urbano corresponde ao suporte de um modo de viver, caracterstico da sociedade urbana.

    Na base econmica do tecido urbano apare-cem fenmenos de uma outra ordem, num ou-tro nvel, o da vida social e cultural. Trazidas pelo tecido urbano, a sociedade e a vida urba-na penetram nos campos. Semelhante modo de viver comporta sistemas de objetos [gua, eletricidade, carro, TV, servios etc.] e siste-mas de valores [uma racionalidade divulgada pela cidade por meio da moda, costumes, se-gurana etc.] (LEFEBVRE, 1991, p. 12).

    Sendo assim, ampliam-se no apenas as perife-rias fortemente povoadas, como tambm as redes (bancrias, comerciais, industriais) e a habitao (residncias secundrias, espaos e locais de lazer etc.), demonstrando que o fenmeno urbano atra-vessa alegremente as fronteiras nacionais (LEFE-BVRE, 1991, p. 10) e que o tecido urbano cada vez mais cerrado, porm com diferenciaes locais e ampliao da diviso do trabalho.

    Esse sentido amplo est presente no concei-to de urbanizao extensiva, desenvolvido por Monte-Mr (2006), entendido como a materializa-o sociotemporal dos processos de produo e reproduo resultantes do confronto do industrial com o urbano, estendidos para muito alm das cidades, integrando espaos rurais e regionais ao espao urbano-industrial e ao espao social como um todo. A centralidade urbana brasileira emana de

    A centralidade urbana brasileira emana de So Paulo e se

    desdobra na rede de metrpoles regionais, cidades mdias e

    ncleos urbanos afetados por grandes projetos industriais

  • RoSa MouRa

    BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p. 377-393, jul./set. 2009 379

    So Paulo e se desdobra na rede de metrpoles regionais, cidades mdias e ncleos urbanos afe-tados por grandes projetos industriais, assim como na rede de pequenas cidades nas diversas regies, em particular onde o processo de modernizao ganhou uma dinmica mais intensa e extensa. Isso se d por meio da expanso da base material requerida pela sociedade e economia con-temporneas, e das relaes de produo, que so (ou de-vem ser) reproduzidas pela prpria produo do espao.

    A urbanizao extensiva caminha assim ao longo dos eixos virios e redes de comunicao e de servios em regies novas como a Amaznia e o Centro-Oeste, mas tambm em regies ve-lhas, como o Nordeste, em espaos residuais das regies mais desenvolvidas, nas ilhas de ruralidade no interior mineiro ou paulista. Em toda parte, a lgica urbano-industrial se impe ao espao social contemporneo, no urbano dos nossos dias (MONTE-MR, 2006, p. 12).

    O prprio conceito de urbanizao traz implci-to esse carter extensivo. Conforme resgata Sposito (2005) de Beaujeu-Garnier (1980, p. 24), urbanizao

    [...] o movimento de desenvolvimento das cidades, simultaneamente em nmero e ta-manho, isto , o desenvolvimento numrico e espacial das cidades; ocupa-se de tudo que est ligado progresso directa do fenme-no urbano e transforma, pouco a pouco, as cidades ou os arredores e, freqentemente, umas e outros.

    Sob essa perspectiva, a urbanizao um pro-cesso de longa durao, que se inicia com o apa-recimento das primeiras cidades e que se revela a partir de diferentes modos de produo, sob di-versas formas; expressa e ampara a existncia de uma diviso social do trabalho (SPOSITO, 2005).

    Sintetizando a ideia, Souza e Lins (1999) defi-nem urbano como expresso espacial do modo de produo e afirmam que o mundo capitalista ur-bano. Indo mais alm, que o prprio mundo hoje urbano. Similar compreenso revelada por Ro-drigues (2007), para quem se pode conceituar o

    urbano, entendido como modo de vida que atinge praticamente toda a sociedade, mas apenas defi-nir a cidade, um objeto delimitado, e com objetivo, no mbito da ao poltica.

    A cidade a forma espacial e lugar da concen-trao da produo, circula-o, edificaes, populao, consumo de bens e servios. A cidade, que concentra e difunde o urbano, um cen-tro de deciso poltica. (RO-DRIGUES, 2007, p. 79). Mais que isso, com base em Lefe-bvre (1999, p. 56), Rodrigues afirma que as cidades podem

    ser definidas [...] como sendo a projeo da so-ciedade sobre um local, isto , no apenas o lugar sensvel, mas tambm sobre o plano especfico, percebido e concebido pelo pensamento que de-termina cidade e urbano. J o urbano, associado indstria, refere-se a um horizonte de transforma-es territoriais; um processo [...] de urbanizao, da extenso do modo de vida, da diversidade das formas e contedos do urbano e das cidades, com-plexidade e unicidade enquanto processo das ati-vidades econmicas, sociais e polticas do mundo contemporneo (LEFEBVRE, 1999, p. 80).

    A atividade urbana engendra, pois, uma dinmi-ca abrangente, que extrapola o espao que circuns-creve as cidades; a urbanizao estreita relaes indissociveis com os modos de produo, e a cidade se torna a expresso e condio das mu-danas na diviso social do trabalho. A expanso das cidades no desenvolvimento dessas atividades obedece a lgicas comuns, mesmo configurando morfologias peculiares, apoiadas na ao do Esta-do, do mercado imobilirio e financeiro e do capital industrial. Provoca a interseo dos processos pol-ticos e econmicos no espao e a ao ideolgica, compondo no cidado hbitos e desejos que res-pondem s exigncias dos distintos momentos da acumulao capitalista em sua dimenso espacial. Tais lgicas e processos resultam na desigualdade e segregao socioespacial.

    Observando os modelos francs e norte-ame-ricano de expanso das cidades, percebe-se que as lgicas indutoras da urbanizao so correspon-

    A urbanizao estreita relaes indissociveis com os modos

    de produo, e a cidade se torna a expresso e condio

    das mudanas na diviso social do trabalho

  • A cidAde em trAnsformAo: processos, conceitos e novos contedos

    380 BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p. 377-393, jul./set. 2009

    dentes. No modelo francs, Lefebvre (1991) salien-ta dois processos: um, indutor, que o processo de industrializao; outro, induzido, que so os proble-mas relativos ao crescimento, cidade e ao desen-volvimento da realidade urbana. Recomenda que o resultado desses proces-sos seja a existncia de uma sociedade urbana e no uma sociedade industrial, como se consagrou chamar. Para Castells (2000, p. 65), o processo de expanso das cidades sob a industrializa-o pr e ps-guerra compe uma espacialidade diversa e seletiva, porm numa unidade de funcionamento que se traduz [...] por uma diviso tcnica e uma diferenciao social do espao regional, tanto em termos de atividade e equipamento quanto em termos de populao.

    No modelo norte-americano, o desejo de deixar a cidade em troca de comunidades suburbanas evolui para movimentos de massa, devido oferta e possibilidade da propriedade de imvel em locais infraestruturados e dotados de servios (muito me-nos que pela tendncia antiurbana), criando for-mas estratificadas pela renda e pelo estilo de vida (GOTTDIENER, 1993). Como reflexo, as transfor-maes socioespaciais do capitalismo provocam a destruio da vida comunitria centralizada. O resultado da reestruturao scio-espacial contem-pornea foi a produo do desenvolvimento desi-gual. (GOTTDIENER, 1993, p. 33). A produo do ambiente construdo e as mudanas na forma urba-na so produtos diretos dos ciclos de acumulao do capital.

    Soja (2002) tambm enfatiza o papel da pro-moo imobiliria, apoiada no transporte pblico e no automvel, na lgica da expanso fsica da metrpole moderna, cujos principais agentes so os empreendedores privados e pblicos. Busca-das originalmente pela classe mdia, as periferias passaram a ser inicialmente dormitrios colari-nhos-brancos, com restries raciais e regulao restritiva para uso e ocupao. Posteriormente, tor-naram-se nucleaes de emprego, que sobrepas-saram tais regulamentos, misturando racialmente a populao. O esvaziamento das maiores zonas

    industriais e nucleaes do fordismo, provocado pela desindustrializao e reindustrializao ps-fordista, promoveu concentrao de indstrias de alta tecnologia em novos espaos industriais, longe dos velhos centros.

    Durante o sculo XX, o mo-noplio empresarial aumentou a centralizao e a segmen-tao da fora de trabalho em setores monopolistas e de livre concorrncia. Novas tecnologias de produo per-mitiram a separao entre funes administrativas e de

    produo, tornando os ncleos urbanos mais tercia-rizados. A indstria se espalhou pelos antigos anis residenciais e a suburbanizao transps o que an-tes eram as fronteiras administrativas da cidade.

    A multiplicao da rea de municpios se-parados incorporados substituiu a anexao como padro principal da expanso territorial urbana, criando um grau de fragmentao poltica metropolitana de que nunca se che-gara perto no passado. A paisagem urbana no apenas se estendeu por uma rea mui-to mais vasta, como tambm se rompeu em muitos mais pedaos (SOJA, 1993, p. 217).

    Nesse movimento de expanso fsica e frag-mentao poltica, atuou fortemente o circuito imo-bilirio, provocando a deteriorao e recomposio dos ncleos urbanos e a periferizao (LEFEBVRE, 1991). Os deslocamentos de massa engendraram uma dinmica abrangente que extrapolou o espao que circunscreve as cidades, com uma rapidez na mudana de locais de alta densidade para outros mais satisfatrios, fazendo emergir a cidade port-til (GOTTDIENER, 1993).

    Em lugar da forma compacta de cidade que outrora representava um processo histrico em formao h anos, existe agora uma popu-lao metropolitana distribuda e organizada em reas regionais em permanente expanso, que so amorfas na forma, macias no escopo e hierrquicas em sua escala de organizao social (GOTTDIENER, 1993, p. 14).

    Nessa perspectiva da produo do espao, os fenmenos socioespaciais so ao mesmo tempo

    O monoplio empresarial aumentou a centralizao e a segmentao da fora

    de trabalho em setores monopolistas e de livre

    concorrncia

  • RoSa MouRa

    BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p. 377-393, jul./set. 2009 381

    produtos e produtores. Assim, a desconcentrao tanto um produto de mudanas contemporneas, quanto um processo socioespacial que no se refe-re apenas ao mercado de trabalho e localizao da atividade econmica, mas ao resultado dialtico de fatores polticos, culturais e econmicos.

    mOVImENTOS DE EXPAN-SO E NOVAS FORmAS DA CIDADE

    No caso brasileiro, a ex-panso das cidades e a for-mao das aglomeraes urbanas obedecem a lgicas e processos com dife-renas essenciais na natureza. Marcadas pela ex-panso da produo industrial e pela consolidao das metrpoles como locus de seu desenvolvimen-to, ao longo das dcadas da segunda metade do sculo XX, as metrpoles brasileiras estenderam-se por reas de ocupao contnua, agregando muni-cpios vizinhos num mesmo complexo de relaes. Configuraram densas regies urbanizadas, nas quais o clere padro de crescimento populacional dos polos, que passaram a assumir seletivamente funes mais qualificadas, cedeu lugar ao cresci-mento elevado das periferias, constituindo espaos nitidamente desiguais.

    Nesses perodos, consolidaram-se as bases que deram a tnica da urbanizao brasileira, materia-lizando a forte associao do urbano no somen-te modernidade, mas pobreza, involuo da qualidade de vida (SANTOS, 1993), cuja origem, segundo Singer (1985), est na submisso da es-trutura econmica a choques muito profundos, sem a insero da grande massa da populao que se encontrava na economia de subsistncia, nos novos ramos de produo. A coexistncia, aparentemente contraditria, de indicadores de desenvolvimento com indicadores de carncia alimenta o quadro de desigualdades persistente entre metrpoles e no interior delas.

    Os municpios perifricos, embora com reduo nas taxas de crescimento populacional, mantive-ram-se em expanso, demonstrando seu papel de sustentculos da ocupao no processo de amplia-

    o fsica das metrpoles. Tendo forte associao ao valor da terra e a projetos imobilirios altamen-te especulativos, com vazios urbanos permeando as reas incorporadas ocupao nitidamente mantidos como reservas de valor , essa expanso

    das periferias criou espacia-lidades caracterizadas ma-joritariamente pela extrema pobreza e carncias diver-sas. Apresentou tambm, em alguns pontos determinados, processos de diversificao socioeconmica.

    No processo de periferiza-o urbana de extravasa-

    mento da ocupao de centros dinmicos para seu prprio interior, sobre reas menos valorizadas, em direo a seus arredores imediatos, e logo tambm para as reas mais distantes dos seus limites admi-nistrativos foram se desvanecendo as fronteiras municipais. Na maioria das vezes, essa extrapola-o incorpora municpios pouco dinmicos, que se tornam municpios-dormitrios, implicando subor-dinao e dependncia e promovendo a segrega-o socioespacial.

    At as ltimas dcadas do sculo XX, as perife-rias brasileiras caracterizaram-se tanto pela distn-cia fsica em relao ao centro, como pela distncia social revelada nas precrias condies de acesso moradia e ao direito cidade por parte de seus moradores. Enquanto algumas partes da cidade se renovaram para o capital, um movimento hori-zontal de ocupao ampliou o universo construdo, desafiando a capacidade de gesto pblica. Defla-grou-se uma gigantesca construo de cidades, carentes tanto no que se refere renda, quanto disponibilidade de infraestrutura e servios; parte delas, fora da lei (MARICATO, 2000). Verdadei-ras fronteiras urbanas, que, em situao de cri-se, naturalizaram a segregao socioespacial e a excluso, encadeando um ciclo perverso: periferia/pobreza/violncia.

    Na virada para o sculo XXI, usos e ocupaes diferenciados passaram a disputar as mesmas re-as perifricas, nas quais se mesclam desde favelas at condomnios fechados de luxo; desde inds-trias de fundo de quintal at servios expressi-

    A coexistncia, aparentemente contraditria, de indicadores

    de desenvolvimento com indicadores de carncia alimenta

    o quadro de desigualdades persistente entre metrpoles e

    no interior delas

  • A cidAde em trAnsformAo: processos, conceitos e novos contedos

    382 BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p. 377-393, jul./set. 2009

    vos da economia mundializada; desde ocupaes vulnerveis at shopping centers etc. De fato, uma sucesso de eventos em simultaneidade, sob tem-poralidades diversas, passa a conviver em proximi-dade (SANTOS, 1999) e se torna a principal marca das aglomeraes urbanas brasileiras.

    Relacionada com a rees-truturao econmica que atua na escala global, a ocu-pao de novas superfcies nos limites fsicos da cidade em seu constante avano e dinamismo esvaece a fron-teira entre os mbitos urbano e no-urbano e des-constri a noo de cidade tradicional, compacta, densa, delimitvel, caracterizada pela diversidade de usos e mescla de atividades. Resulta no que Moncls (1998) chama de cidade dispersa, e que Dematteis (1998) decompe em vrias categorias que se sucedem a partir do ciclo de vida urbano, envolvendo: (I) a concentrao de populao nas pores centrais da cidade (urbanizao); (II) sua expanso pelos arredores, a suburbanizao, com reduo do crescimento e mudanas de usos nes-sas pores; (III) desurbanizao, seguida por uma hipottica recuperao demogrfica do ncleo cen-tral (reurbanizao); e (IV) desconcentrao urbana e contraurbanizao.

    Esses processos regem duas dinmicas dife-rentes: a periurbanizao, ou recuperao da polarizao urbana, que se manifesta como uma dilatao progressiva das coroas externas e das ramificaes radiais dos sistemas urbanos; e as formas de expanso urbana independentes dos campos de polarizao dos grandes centros, que na Itlia se denominam cidade difusa abordadas na sequncia.

    Ascher (1995) tambm se refere aos ciclos urba-nos e contraurbanizao, e s teses europeias do declnio urbano, nos anos 1970, com base nos trabalhos de Berry (1976). Alega que no h um exemplo histrico de sociedade ou de civilizao que sobreviveu a uma desurbanizao. Mostra que o deslocamento de atividades para a periferia (cor-porate exodus) tem uma dimenso seletiva quanto natureza: as funes mais qualificadas, que impli-

    cam contatos frequentes e tarefas no-rotineiras, e os servios de alto nvel das empresas continuam muito fortemente concentrados nas partes centrais, tradicionais, das cidades. A suburbanizao de sedes sociais e de outras atividades de escritrio

    no elimina o papel do centro histrico como centro de cor-porate service, pelas tarefas qualificadas e estratgicas. Refere-se ainda rurbani-zao, como o crescimento mais perifrico, notadamente com a construo de casas individuais nas comunidades

    rurais circunvizinhas (certos analistas acreditaram que essa rurbanizao prefigurava a transposio, na Frana, de um modelo de suburbanizao norte-americano), e periferizao, como a dinmica se-gregativa dos menos abastados para as periferias, no descartando, todavia, a periferizao das cate-gorias dos trabalhos tcnicos.

    Periurbanizao, ou a primeira dinmica da cidade dispersa, segundo Dematteis (1998), cor-responde ao processo de criao de novos assen-tamentos urbanos prximos s grandes cidades, em seus limites, como uma fronteira entre o urbano e o rural; ou prximas a grandes vias de comuni-cao, com uma morfologia difusa, seletiva, como uma desconcentrao concentrada (DEMATTEIS, 1998). Para Gottmann (1970), deu-se, nos Estados Unidos, como um novo processo de colonizao e conquista de territrios virgens, a uma escala jamais vista, como a suburbanizao da socieda-de, marcando o incio da crise da cidade e do meio natural tal como eram conhecidos. Tal observao sugere, como aponta Ruf (2003), que periurbani-zao seria algo mais que um novo modelo de ur-banizao, tratando-se mesmo de uma ideologia periurbana ou suburbana, associada chegada, ao menos na Frana, do modelo de suburbia norte-americano. Esse o termo que, a partir dos anos 1960, passa a denominar os subrbios de classe mdia no entorno de grandes cidades norte-ameri-canas, como fase de um processo de suburbaniza-o que, nos Estados Unidos, tem incio nos anos 1920/1930, mas que se intensifica a partir do ps-guerra, quando a maioria das cidades industriais

    Periurbanizao seria algo mais que um novo modelo de

    urbanizao, tratando-se mesmo de uma ideologia periurbana

    ou suburbana

  • RoSa MouRa

    BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p. 377-393, jul./set. 2009 383

    tradicionais comea a perder populao absoluta. Dito modelo entra em crise nos anos 1970, dan-do origem ao movimento da contraurbanizao (BERRY, 1976), associado s mazelas da cidade e do modo de vida urbano. Nesse contexto, emerge a expresso pos-suburbia, em reflexo de Teaford (1997)2 sobre as origens e formas de governo do subrbio ps II Guerra Mundial, como uma superao dos agravos do subrbio tradicional e sua converso em uma nova cidade progressivamente complexa em sua funcionalidade, que no se limita a ser s residencial, sintetizando-se na edge city.

    Garreau (1991) define edge city como a cidade do limite ou das bordas, resultante da localizao e relocalizao, fora da grande cidade, das inds-trias mais competitivas e dos centros direcionais, seguindo a dinmica da suburbanizao iniciada nos anos 1950. So comuns nos Estados Unidos, compondo grandes projetos urbanos, com shop-ping centers, escritrios e residncias, conduzidos sob forte apelo da mdia na conformao de um imaginrio social peculiar. As edge cities e seus ha-bitantes significam uma vanguarda, o pioneirismo de um novo modelo social, econmico e territorial. Garreau (1991) diferencia edge cities e suburbia, demonstrando que as primeiras so cidades, no subrbios ou cidades satlite, como as segundas. Elas contm os elementos definidores de uma ci-dade: indstria, governo, seguridade, cultura, so-ciedade e religio, centros de consumo e criao cultural, at o ponto de tornarem-se independentes dos centros metropolitanos. O apelo do capital imo-bilirio para sua promoo as define como novas cidades, melhores que as cidades precedentes, pois capazes de satisfazer seus residentes com um produto de classe.

    Ascher (1995) critica as edge cities, advertindo que essas e outras outer-cities, quaisquer que se-jam os seus megacentros ou seus minidowntowns, esto ainda longe de formar novas cidades aut-nomas. Ruf (2003) tambm questiona as edge ci-ties enquanto uma categoria de ocupao urbana,

    2 TEAFORD, J. Post-suburbia: government and politics in the edge cities. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1997, (apud HARRIS, 1997).

    afirmando que so majoritariamente um fenmeno econmico, cujos idelogos so os agentes imobi-lirios.

    No Brasil, a promoo dos grandes condom-nios horizontais, que concorrem com as ocupaes

    de baixa renda nas periferias das cidades, muitas vezes tem apelado para a noo de edge city. Embora esses con-domnios constituam verda-deiras apartaes urbanas, procurando oferecer servios

    de consumo, educao, lazer e, em alguns casos, at empresariais em seu prprio interior, no dei-xam de estar inseridos e se relacionando com o territrio do entorno, servindo-se da mo-de-obra pobre da vizinhana e constituindo um difcil dilo-go com as administraes municipais e os demais segmentos da sociedade.

    A segunda dinmica sugerida por Dematteis (1998) a da cidade difusa definida por In-dovina (1990) que tem como referencial a disper-so urbana da regio do Vneto nos anos 1970 e 1980 como uma organizao reticular associada proliferao de pequenas e mdias empresas e consolidao de distritos industriais. A cidade difu-sa organiza-se em uma rede de pequenos e mdios centros urbanos, incorporando os espaos agrrios intersticiais. Apresenta baixa densidade edilcia, baixa especializao funcional do territrio, usos predominantemente urbanos, um sistema comple-xo e difuso de prestao de servios urbanos, vida aparentemente autnoma dos fragmentos, porm com forte integrao entre si e elevada mobilidade da populao. Mesmo com essa disperso que a caracteriza, no deixa de ser cidade ou de apresen-tar a tendncia a reconstruir uma estrutura e uma lgica de cidade. Significa, assim, uma transio a uma nova forma de cidade.

    A morfologia dessa cidade resultante de uma disperso e transformao nas prticas sociais e nas relaes socioespaciais anlogas periurba-nizao. Diferentemente de uma forma autnoma e independente de organizao, a cidade difusa constitui-se da transformao ou evoluo de um modelo distinto de ocupao do territrio, como uma forma evolutiva de um determinado modo de

    A cidade difusa organiza-se em uma rede de pequenos e mdios centros urbanos, incorporando

    os espaos agrrios intersticiais

  • A cidAde em trAnsformAo: processos, conceitos e novos contedos

    384 BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p. 377-393, jul./set. 2009

    produo. Segundo Indovina (1990), esse processo evolutivo d-se a partir da transformao da econo-mia familiar agrria em regies de pequenas pro-priedades, com excesso de mo-de-obra e sem ter vivido a migrao, como ocorreu em outras pocas, mas sim a busca de trabalho em outros setores da econo-mia, em cidades prximas ou no prprio meio, dando incio urbanizao. Mais tarde, a industrializao endgena desses espaos agrrios, com pequenas empresas dependentes do entorno social e territorial onde surgem, contribui na formatao de um modelo de urbanizao difusa.

    A cidade difusa interpretada no como resulta-do da difuso, do urban sprawl3 ou da dissoluo da cidade compacta, mas de um duplo processo de desdensificao dessa cidade e, em maior escala, da densificao do espao agrrio e a partir dele. Para Indovina (1990), esses elementos guardam relao com a cidade concentrada, ao menos no que se refere contempornea multicentralidade, autonomia de fragmentos, embora ligados a uma mesma lgica de funcionamento na cidade, e ao uso da cidade por no-moradores, portanto carac-terizando elevada mobilidade. A despeito de uma estrutura organizativa antagnica do territrio, o autor avana, inclusive, na hiptese de integrao funcional entre cidades difusas e cidades concen-tradas.

    No Brasil, a trajetria da acumulao do capital induziu lgicas e processos que expressam simi-laridades aos conceitos apresentados. A configura-o estendida, aglutinando aglomeraes urbanas, centros no-aglomerados e reas de produo ru-ral, com intensa mobilidade de populao e merca-dorias, numa primeira leitura, pode remeter noo de periurbanizao ou da cidade difusa. Mas, no caso brasileiro, ela tem, seja na origem, seja na forma de expanso, o sistema virio como susten-tculo, sem guardar relao essencial a um modo de produo que se transforma, se desenvolve e se consolida endogenamente.

    3 Fenmeno de espraiamento do crescimento urbano por sobre reas rurais e urba-nas adjacentes.

    A relao com a cidade dispersa tambm che-ga a ser sugerida pelo aspecto fsico caoticamente expandido de muitas cidades brasileiras. No entan-to, essa aparncia de desorganizao, de caos na ocupao urbana, relaciona-se lgica do merca-

    do imobilirio, que atua com-pulsivamente no intuito de valorizao e revalorizao de espaos, criao de reser-vas de valor, seletividade na ocupao, deixando s po-pulaes mais pobres a difcil tarefa de desbravar, avanar

    fronteiras, criar a urbanidade apropriada, depois pelo mesmo mercado no jogo contnuo da acumu-lao do capital. Embora o aspecto disperso seja aparentemente similar, a lgica da expanso distin-gue-se dos padres europeus ou estadunidenses de criao de assentamentos perifricos para po-pulaes de renda mdia ou alta, como nas edge cities, entre outras formas de expanso nos pases centrais. A produo imobiliria no Brasil muito se vale do discurso e do marketing usados nesses modelos de urbanizao, mas no processo de ex-panso das aglomeraes brasileiras prevalece a periferizao da pobreza.

    Assim, h que se ter claro que os conceitos internacionais, embora muitas vezes descreven-do processos e lgicas semelhantes, resultam de motivaes histricas distintas e da presena de infraestruturas quase sempre inexistentes no caso brasileiro. Enquanto no Brasil as periferias constitu-ram-se a partir de verdadeiras ocupaes pionei-ras da classe trabalhadora pobre, desenvolvendo um enorme esforo de lutas para conquistar os be-nefcios da urbanizao, em outros pases, resulta-ram da formao de ncleos urbanos servidos por sistemas de transportes e de servios, habitados por trabalhadores de melhor rendimento. A sntese de conceitos internacionais recorrentes ilustra essa diferena. Da mesma forma, teorias sobre os efei-tos dos avanos da tecnologia de comunicaes e informaes na organizao do espao urbano e do estreitamento das relaes em rede entre cidades tambm podem no se ajustar adequadamente realidade brasileira, onde o novo pontua partes das cidades e no o espao urbano em sua totalidade.

    No Brasil as periferias constituram-se a partir

    de verdadeiras ocupaes pioneiras da classe trabalhadora pobre

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    BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p. 377-393, jul./set. 2009 385

    Transformaes recentes na natureza das aglo-meraes urbanas e a ampliao da complexidade de suas dinmicas surgem como efeitos desses avanos. De acordo com a teoria internacional, o desenho de expanso centro-periferia cede lugar a processos mais complexos e a formas mais diversificadas, sempre associados ao modo de produo e acumulao do capital, que nos ltimos decnios do sculo XX pro-moveu mudanas de valores e acentuou heterogeneidades e diferenas.

    Caravaca Barroso (1998) faz uma sntese das mudanas metropolitanas no mbito das estrutu-ras econmicas, sociotrabalhistas, institucionais e territoriais, frutos de uma verdadeira mutao da realidade at ento dominante, associadas transi-o do regime de acumulao para uma nova fase, chamada, entre outras denominaes, de ps-for-dista. A autora mostra que a incorporao de ino-vaes altera no s os produtos como a produo em si, as formas de organizao das empresas, as relaes de produo e os fatores de localizao, fazendo crescer o peso do capital intangvel em re-lao ao fixo, antes dominante.

    Tal tendncia se contrape progressiva con-centrao e centralizao, que j no se submete a modos de regulao que freiem sua livre circu-lao. O desenvolvimento dos transportes e das comunicaes muda significativamente a relao espao/tempo, densificando os fluxos de produtos, pessoas, capital, tecnologias e informao entre estabelecimentos de uma mesma firma, empresas, setores e espaos, dando origem a redes crescen-temente complexas em uma economia cada vez mais mundializada. Os impactos territoriais deriva-dos desses processos so muito distintos, dado que respondem a diversas formas de articulao das sociedades em um sistema global, levando a novas formas de organizao do territrio. Organizao que se define num espao de fluxos em constante evoluo, afetando as mais distintas escalas e os mais diversos mbitos territoriais.

    Tambm se referindo aos efeitos urbanos e territoriais do estgio recente do capitalismo, sob reestruturao socioeconmica e de difuso e

    adoo de novas tecnologias de informao e co-municao, De Mattos (2002) aponta a recupera-o da importncia das grandes cidades, de seu crescimento e consequente desencadeamento de novas modalidades de expanso metropolitana.

    Inclui entre essas a suburba-nizao, a policentralizao, a segregao residencial, a fragmentao da estrutura urbana, entre outras. Admite que todos os pases latino-americanos, em maior ou

    menor medida, esto vivendo esse processo, pau-tado em polticas de liberalizao e desregulao. Tais polticas significaram uma diminuio tanto da interveno como da inverso pblica, colocando o capital privado como protagonista do desenvol-vimento urbano e mudando radicalmente as regras da gesto das cidades.

    Para esse autor, nas cidades latino-americanas, as mudanas emanam de condies subjacentes a fases anteriores globalizao, ligadas a fatores endgenos, especficos das formaes metropolita-nas, afetando apenas marginalmente a identidade essencial dessas metrpoles. Agrega que [] en virtud de estos procesos cada ciudad se transfor-ma, pero preservando muchos de los rasgos esta-blecidos y consolidados a lo largo de su historia, que son los que la distinguen de otras ciudades de su mismo mbito geogrfico (DE MATTOS, 2002, p. 6).

    Quanto ao crescimento das Aglomeraes Me-tropolitanas Principais (AMP) na Amrica Latina, De Mattos (2005) questiona se obedeceria a um padro anlogo ao urban sprawl, com crescente expanso da metropolizao, observando que o modelo que se impe o de Los Angeles. Esse modelo representa [...] a expresso culminante da cidade norte-americana, onde o automvel e as no-vas tecnologias da informao desempenham papel fundamental na dinmica expansionista. (DE MAT-TOS, 2005, p. 351). A imagem da mancha de leo j no traduz o fenmeno urbano que caracteriza a aglomerao emergente, muito mais complexa e difcil de delimitar que a cidade que a precedeu, portanto mais propensa imagem de um arquipla-go urbano, como definida por Veltz (1996). Empres-

    O desenvolvimento dos transportes e das comunicaes

    muda significativamente a relao espao/tempo

  • A cidAde em trAnsformAo: processos, conceitos e novos contedos

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    ta de Sarlo (1994, p. 360)4 o termo angelinizao (ou los-angelinizao), dado que [...] adquire sua mais ampla perspectiva, situando-se como um ine-xorvel destino.

    Na reflexo de Lencioni (2006, p. 72), tais trans-formaes, que incluem a re-novao das reas urbanas e a extenso da rea territorial com incorporao de cidades e mudanas nas centralida-des, configuram um novo aglomerado metropolitano, [...] que se constitui num ver-dadeiro epicentro de fluxos de capitais, onde a densidade das redes territoriais encontra maior densidade e complexidade. Assim, as transformaes na metrpole contempornea no se espelham apenas em mudanas interiores e na sua expanso fsica, mas em sua articulao em redes. Ocorre, assim, um aumento dos fluxos e uma sobreposio de escalas de decises e de materializao dos vetores de produo e de ocu-pao do espao.

    extensa a literatura que trata de como e por que as relaes em rede se densificam na contem-poraneidade e sobre seus efeitos no territrio, de-sencadeando novas dinmicas territoriais. Redes constituem-se em foras produtivas da economia globalizada e expressam fundamentalmente as dinmicas da circulao do capital. Tal sua impor-tncia na contemporaneidade que, indevidamente, houve afirmaes de que o espao perdia o senti-do diante desse novo universo reticular. O espao, pelo contrrio, torna-se um meio, fazendo, conforme Lencioni (2006, p. 66), [...] a mediao necessria reproduo do capital em escala globalizada.

    DA mETRPOLE TRANSFORmADA PS-mETRPOLE

    Como um estgio avanado da urbanizao no modelo de acumulao e diviso internacional do trabalho, a metropolizao a forma espacial do crescimento urbano devido ao rpido e concentra-do crescimento econmico, elevada imigrao

    4 SARLO, B. Escenas de la vida posmoderna. Intelectuales, arte y videocultura en la Argentina. Buenos Aires: Ariel, 1994 (apud DE MATTOS, 2005).

    sobre centros urbanos j constitudos, existncia de meios de deslocamento e ao papel do pas na economia mundial (CASTELLS, 2000).

    Alm de decorrer da concentrao de popula-o e urbanizao massiva, a metropolizao re-

    sulta do reforo de funes econmicas superiores em matria de deciso, direo e gesto de sistemas econ-micos (LEROY, 2000). Mais que um simples fenmeno de grandes aglomeraes, mas um processo que penetra no seu funcionamento cotidiano,

    assim como de cidades e pequenos centros, e que engendra novos tipos de morfologias urbanas (AS-CHER, 1998)5.. Dada sua caracterstica de inverso da relao estrutura-dinmica da hierarquia urba-na, a metropolizao revela-se mais importante que sua configurao espacial (LERESCHE, 1995).6

    Assim, a metropolizao se daria sob ordem de prticas espaciais originais, constituio de novos tipos de territrio ou emergncia e difuso de uma nova espcie de territorialidade. Qualificando o pro-cesso, afirma Lencioni (2006, p. 72) que a metropo-lizao [...] nada mais do que uma metamorfose do processo de urbanizao [...], correspondendo a um momento mais avanado dele e [...] expri-mindo uma ps-urbanizao, anunciando uma nova poca. E a metrpole contempornea, [...] uma espcie de traduo urbana da manifestao socioespacial da globalizao (LENCIONI, 2006, p. 71).

    A metrpole expressa um novo tipo de civiliza-o, repleto de subjetividades que interagem aos processos estruturadores do espao urbano e que tornam indissociveis o material, o simblico, o concreto e o abstrato, numa mesma dinmica ur-bana. Engendra um contexto favorvel, seno um verdadeiro dispositivo de produo, como afirma Bourdin (2007), pois nesse espao o maior, o mais intenso, o mais aberto onde se cria a civili-

    5 ASCHER, F. La Republique contre la ville. Essai sur lavenir de la France urbaine. La Tour dAigues, d. De lAube, coll. Monde em cours, srie Socit, 1998 (apud LEROY, 2000).

    6 LERESCHE, J.-P. Mythes et ralits de la mtropole lmanique. In: LERESCHE, J. P.; JOYE, D.; BASSAND, M. Mtropolization. Interdpendences mondiales et im-plications lmaniques. Genve: Georg-Institut Universitaire Kurt Bosch, 1995 (apud LEROY, 2000).

    As transformaes na metrpole contempornea no se

    espelham apenas em mudanas interiores e na sua expanso

    fsica, mas em sua articulao em redes

  • RoSa MouRa

    BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p. 377-393, jul./set. 2009 387

    zao dos indivduos, num movimento permanente, sem fronteiras precisas.

    Si nos distanciamos del dualismo afirmaremos que la metrpoli no es solamente la fuente, ni la imagen o el smbolo de la civilizacin de los individuos, sino que es su forma, es decir, un conjunto indisociable conti-nente-contenido. En su totalidad contra-dictoria, material, in-material, social, en su funcionamiento cotidiano y sus evoluciones permanentes, la metrpoli organiza esta civilizacin, la vuelve perceptible y comprensible (BOURDIN, 2007, p. 20).

    Castells (2000, p. 53) afirma que a dimenso metropolitana [...] trata-se de qualquer coisa a mais do que um aumento de dimenso e de den-sidade dos aglomerados urbanos existentes [...], anotando que [...] as definies mais difundidas, assim como os critrios de delimitao estatstica no guardam esta mudana qualitativa e poderiam aplicar-se, de fato, a qualquer grande cidade pr-metropolitana. O que distingue esta nova forma das precedentes no s seu tamanho, mas a [...] difuso no espao das atividades, das funes e dos grupos, e sua interdependncia segundo uma dinmica social amplamente independente da liga-o geogrfica (CASTELLS, 2000, p. 53).

    As metrpoles justificam, portanto, ser chama-das por Ascher (1995) como as mais dinmicas, multifuncionais, as mais importantes das grandes aglomeraes de um pas, e que estabelecem re-laes econmicas com vrias outras. Definem-se mais pelo relacionamento internacional de suas empresas, de seus capitais, de suas universidades, que pelas funes tradicionalmente regionais e por um interior de onde retira recursos e poder. Os es-paos engendrados por essas dinmicas urbanas contemporneas no so simplesmente aglomera-es ou morfologias concentradoras. Mais que isso, as metrpoles no so somente territrios, elas so tambm os modos de vida e de produo.

    Resultam de/em um fenmeno complexo e multi-dimensional; adquirem alta densidade demogrfica, porte e adensamento de funes urbanas, integra-o de infraestruturas fsica e econmica, papis

    e atividades urbanas exercidas atravs de meios de consumo coletivo. Tais elementos induzem cer-to padro de ocupao e uso do solo, de desloca-mentos e assentamentos humanos especficos, em determinado espao social e historicamente

    construdo. Metrpoles so tambm locus da gerao de demandas, campos simbli-cos e espaos de lutas polti-cas dos estratos sociais para consumo coletivo e insero

    no mercado de trabalho. Elas so o campo da di-versificao produtiva coletiva, marcada por fortes nexos de complementaridade intersetorial, potn-cia aglomerativa multifuncional, fora de polariza-o sobre ampla regio de influncia, concentrando variadas funes pblicas e privadas e exercendo centralidade dos equipamentos urbanos e de servi-os tercirios, conforme Brando (2006).

    Para esse autor, a densidade e a expanso do tecido urbano metropolitano desempenham o pa-pel de verdadeira fora coletiva de produo, como demonstrado pela literatura marxista. Nesses espa-os se consolidam uma dinmica e uma lgica de funcionamento da economia tipicamente metropoli-tanas. Consolida-se tambm um padro de consu-mo e um modo de vida tpicos. Assim, a metrpole centraliza o dinamismo socioeconmico e a fora expansiva da riqueza material, mas tambm a di-ferenciao e segmentao social, a periferizao, marginalizao e outras formas de segregao so-cioespacial.

    Soja (2002) descreve a metrpole moderna, dual, como a configurao de um mundo urbano monocntrico, circundado de uma periferia disper-sa, expresso da produo fordista e do consumo de massa. A metrpole regional adquire forma re-presentativa de um mundo urbano concentrado num core ou numa cidade central, onde pulsa a economia, a cultura e a poltica, dominando e ge-rando movimentos centrpetos e centrfugos.

    A condio metropolitana supera, pois, formas espaciais, embrenhando-se nas relaes sociais, polticas e econmicas. Prepondera-se em centra-lidades principais sobre a totalidade do pas, e seu hinterland, compondo uma espacialidade diversa, cuja unidade de funcionamento se traduz por uma

    As metrpoles no so somente territrios, elas so tambm os modos de vida e de produo

  • A cidAde em trAnsformAo: processos, conceitos e novos contedos

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    diviso tcnica e uma diferenciao social do espa-o regional, tanto em termos de atividade e equipa-mento quanto em populao (CASTELLS, 2000).

    Acionadas pela internacionalizao, as metrpo-les no importa onde se situem passaram a fun-cionar e evoluir segundo parmetros globais. Mas elas tm especificidades, que se devem histria do pas onde se encontram e sua prpria histria local (SANTOS, 1990, p. 9). Tais especificidades podem levar ao que Santos chama de metrpole corporativa: a configurao resultante da enorme expanso dos limites territoriais da rea metropoli-tana construda, associada presena na aglome-rao de uma numerosa populao pobre e [...] presena e a forma como o Estado utiliza seus re-cursos para a animao das atividades econmicas hegemnicas em lugar de responder s demandas sociais (SANTOS, 1990, p. 95).

    Essa metrpole, fruto da produo corporativa do espao, est voltada essencialmente soluo dos problemas das grandes firmas, considerando os demais como questes meramente residuais. Ela est muito mais preocupada com a eliminao das deseconomias urbanas do que com a produ-o de servios sociais e com o bem-estar coletivo. Nela, o essencial do esforo de equipamentao est primordialmente a servio das empresas he-gemnicas, da modernizao urbana, suprimindo as deseconomias externas e criando atratividades para novas empresas. O que resta relegado aos parcos oramentos pblicos.

    Nas aglomeraes, as relaes em redes levam a que, quase sempre, os contatos entre centros criem laos mais estreitos que os contatos com as proximi-dades e as regies do entorno, desfavorecendo-as, por vezes excluindo-as. A dinmica que privilegia os principais centros urbanos est subordinada a estra-tgias de implantao de empresas, essencialmente as que produzem e vendem servios, e contraria a previso do declnio das grandes cidades. O espao requalificado e a natureza das relaes entre as cidades se modifica, ressaltando a importncia da conectividade, sem relegar a proximidade e a mobi-lidade no estreitamento dos laos entre os lugares, mesmo que resultem num espao desigual.

    Tratando dos pases centrais, Leroy (2000) refe-re-se passagem de um espao unipolar para um

    de natureza multipolar ou de uma metrpole intensi-va um hipercentro funcional, um n ou juno de diferentes redes e funes raras , para extensiva que faz de um cacho de cidades uma metrpole coletiva, neste caso, usufruindo das funes da pro-ximidade. Nesse novo modelo, de hubs (metrpoles) e spokes (meios de transportes materiais e imate-riais), estaria ocorrendo o efeito tnel, que corres-ponde ao desaparecimento dos efeitos da travessia entre duas paradas, ou seja, a posio de meia dis-tncia, que outrora se beneficiou do dinamismo das pontas, com as novas tecnologias de transporte r-pido e comunicaes, torna-se a localizao menos adequada (ASCHER, 1995). Engendram-se espa-os ps-urbanos, sob a deslocalizao da cidade pelos efeitos descentralizadores e deslocalizadores dessas novas tecnologias muitas das quais, indis-ponveis nos pases perifricos.

    Veltz (1996) chama territrio-rede o espao faci-litado pelas redes de comunicaes e transportes, sob efeitos de novas conexes tnel e teleativi-dade, caracterizados pela linearizao do cresci-mento, organizado geograficamente em filamentos, em redes lineares, em polmeros que se contrastam com o modelo aureolar da geografia tradicional, em completa ruptura com o modelo christalleriano, fa-zendo com que predominem as relaes horizon-tais, no-piramidais, sobre as verticais.7

    O territrio das redes cede lugar a um verda-deiro territrio em rede, onde cada plo se define como um ponto de entrecruzamento e comutao de redes mltiplas, n de densi-dade numa gigantesca confluncia de fluxos que so a nica realidade concreta mas que so, assim, um desafio representao e imaginao (VELTZ, 1996, p. 65).

    Para Veltz (1996), a economia territorial em rede no nova. O que novo so os sistemas de fluxos mundializados, provocados pela acelera-da transformao no modo de competio entre fir-mas e mudanas na estrutura territorial, que fazem com que a metropolizao da economia se afirme como uma tendncia. A expresso territorial deixa de corresponder ao velho territrio hierarquizado,

    7 Inversamente conceituao de Milton Santos, aqui as relaes verticais so as de proximidade, no mbito hierrquico do territrio, enquanto as horizontais expres-sam aquelas entre pontos distantes, sob conexes em rede.

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    BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p. 377-393, jul./set. 2009 389

    mosaico de zonas embutidas como bonecas rus-sas, onde as atividades e funes se do em cas-catas da cidade capital aos ncleos rurais. Emerge um territrio de redes onde o local e o global se interpenetram , organizado em malhas horizontais complexas de atividades e de lugares. Veltz (1996) se refere economia de arquiplago, com zonas, polos e redes, em movimentos que desenham uma geografia complexa e paradoxal, na qual a prpria noo de centro e periferia torna-se menos perti-nente. Refere-se ainda a um espao onde as rela-es em rede de polo a polo o descrevem melhor que as hierarquias verticais tradicionais.

    A consolidao das cidades como centros no-dais em torno dos quais se articulam as novas din-micas da acumulao, sob impulso das polticas de liberalizao econmica, desregulao e das novas tecnologias, configurou o que Sassen (2007) de-nomina uma grande rede global de cidades trans-fronteirias, funcionando como pontos estratgicos para as operaes econmicas globais. Ressalta-se que a expanso dos fluxos transfronteirios co-necta no s as cidades globais e aglomeraes, como as cidades dos diversos nveis da hierarquia urbana. Tais fluxos operam em circuitos altamen-te especializados e diferenciados, multidirecionais, alimentando a [...] geografa inter-ciudades con no-dos estratgicos esperados e inesperados (SAS-SEN, 2007, p. 26). As cidades estariam, assim, conectando-se a circuitos distintos, especializados; redes particulares conectando grupos particulares de cidades, conforme seus diferentes papis na di-nmica internacional da economia.

    Enquanto o novo modelo provoca cada vez mais a diviso e a excluso, percebe-se nas aglomeraes latino-americanas o que Santos (1996) chama de um jogo dialtico entre foras de concentrao e disperso na organizao do espao, no qual, neste perodo, as primeiras so poderosas, mas as segundas perma-necem igualmente importantes. Com a restrio das tecnologias existentes, mesmo que se estreitem rela-es entre as metrpoles, seguem imprescindveis as relaes entre o ncleo e as periferias.

    Determinados pelas lgicas, dinmicas e pro-cessos analisados, inmeros conceitos so atribu-dos ao que se consideram novas formas ou novos contedos da cidade e da aglomerao (Quadro 1).

    Desde o consagrado conceito de metrpole, formas complexas endeream a uma nova noo, a da me-trpole transformada, ou at mesmo a do fim da era da metrpole. Entre os conceitos, alguns se contra-pem ideia de aglomerao, dentro da natureza de formaes em descontinuidade, porm com forte articulao; outros adjetivam as cidades pelos seus novos contedos. Todos documentam esforos na identificao de tendncias e na apreenso de tra-os e conformao morfolgica, e ilustram a preo-cupao com as transformaes na forma espacial das metrpoles em sua diversidade e especificidade pertinente a cada lugar e momento histrico. Uma sntese desse conjunto e suas principais referncias ilustram a anlise e podem instigar futuros debates.

    A noo de metrpole, que, na viso de San-tos (1990, p. 9), [...] so os maiores objetos cultu-rais jamais construdos pelo homem [...], embasa a maioria das definies que qualificam as princi-pais cidades e aglomeraes urbanas de um pas. Aproxima-se e distingue-se do que se pode chamar grande cidade, dado que a condio do exerccio do comando se manifesta nos espaos efetivamen-te metropolitanos. Mas [...] onde termina a civitas e onde comea a metropolis?, pergunta Leroy (2000, p. 81). Para ele, a [...] metrpole evoca e continuar a evocar uma grande cidade, com todas as significaes e representaes que a qualificam (LERROY, 2000, p. 82). um territrio de geometria varivel, com grandes limites, mono ou pluricentra-do, que permite que a espacialidade decorrente se livre da cidade (legal) para engendrar a cidade real, conforme Leresche e outos (1995)8. A definio de sua organizao espacial e funcionalidade men-survel, mas a capacidade de uma cidade tornar-se metrpole difcil de se apreender.

    Alguns conceitos de ordem programtica foram construdos associando-se noo de metrpole, como os referentes s regies metropolitanas brasileiras,9 s megacidades, amplamente citadas

    8 LERESCHE, J.P.; JOYE, D.; BASSAND, M. Mtropolization. Interdpendences mon-diales et implications lmaniques. Genve: Georg-Institut Universitaire Kurt Bosch, 1995, apud Leroy (2000).

    9 Cabe enfatizar que a compreenso acerca de metrpole e de regio metropolitana da literatura internacional difere do entendimento recorrente no Brasil, onde a institu-cionalizao das regies metropolitanas apropriou-se do conceito, porm limitando-o a um recorte institucional. Criada a partir da base da concepo dos polos de desen-volvimento, nos anos 1970, desde ento, Regio Metropolitana passou a corres-ponder a uma poro definida institucionalmente, independentemente de ser ou no polarizada por uma metrpole.

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    390 BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p. 377-393, jul./set. 2009

    morfologias Referncia

    Arquiplago urbano VELTZ (1996)

    Cidade arquiplago VIARD (1994)***

    Cibercities BOYER (1996)*

    Cidade difusa INDOVINA (1990)

    Cidade dispersa MONCLS (1998)

    Cidade dos bytes ou soft city MITCHELL (1996)*

    Cidade flexvel LEHRER (1994)*

    Cidade global SASSEN (1991, 1998)

    Cidade informacional CASTELLS (1999)

    Cidade mundial HALL (1966), FRIEDMANN (1986), FRIEDMANN e WOLFF (1982)

    Cidade ps-moderna AMENDOLA (1997)**

    Cidade reticular DEMATTEIS (1998)

    Cidade-regio global SCOTT et al. (2001)

    Edge city GARREAU (1991)

    Expole SOJA (1994, 2002)

    Hipercidade CORBOZ (1994)*

    Megacidade BORJA e CASTELLS (1997)

    Megalpole GOTTMAN (1970)

    Megarregio SASSEN (2007)

    Metpole ASCHER (1995)

    Megalpole GOTTMAN (1970)

    Megarregio SASSEN (2007)

    Metpole ASCHER (1995)

    Metroplex North Texas Commission (1972)****

    Metrpole sem bordas GEDDES (2002)

    New burb DAVIS et al. (1994)*

    Outer city SOJA (1994, 2002)

    Pentrbia LESSINGER (1991)*

    Ps-metrpole SOJA (2002)

    Post-suburbia TEAFORD (1997)*

    Privatopia MCKENZIE (1994)*

    Rurbano BAUER e ROUX (1976)*

    Suburbia BAUER (1993)*

    Quadro 1morfologias urbanas e urbano-regionais e respectivas referncias principais

    Fonte: Organizado pela autora.

    * Referncias extradas de Ruf (2003).BAUER, G.; ROUX, J. M. La rurbanisation, ou la ville parpill, Pars : Ed. du Seuil, 1976; BAUER, I. Le suburbia, sommes-nous concerns?, Urbanisme, 1, 67-88, 1993; BOYER, M. C. Cibercities: visual perception in the age of the electronic communications. Nova York: Princeton Architectural Press, 1996; CASTELLS, M.; HALL, P. Technopoles of the world: the making of 21st century industrial complexes. Londres: Routledge, 1994; CORBOZ, A. Hyperville. Cahier 8, Givors, Institut pour lArt et la Vie, Maison du Rhne, 112-129, 1994; CORBOZ, A. Le territoire comme palimpseste et autres essais. Besanon: Les ditions de limprimeur, 2001; DAVIS, J.; NELSON, A.; DJEKER, K., The new burb. The exurb and their implications for the planning policy. Journal of the American Planning Association, vol. 60, 1, invierno, 45-59, 1994; ECHEVARRA, J. Telpolis. Barcelona: Destino, 1994; FISHMAN, R. Bourgeois utopias: the rise and fall of suburbia. Nova York: Basic Books, 1989; LEHRER, V. A. Images of the periphery: the architecture of flexispace. Environment and Planning, Space and Society. Edge cities in Western Europe, vol. 12, 2, 187-205, 1994; LESSINGER, J. Penturbia. When real state will boom after the crash of suburbia, Seattle: Socio-economics Inc., 1991; MCKENZIE, E. Privatopia: homeowner associations and the rise of residential private government. New Haven: Yale University Press, 1994; MITCHELL, W. J. City of bits. Cambridge: MIT Press, 1996; TEAFORD, J. Post-suburbia: government and politics in the edge cities. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1997 todas (apud RUF, 2003).

    ** Referncias extradas de De Mattos (2001).AMENDOLA, G. La citt postmoderna. Magie e paure della metropoli contempornea. Roma: Laterza, 1997 (apud DE MATTOS, 2001).

    *** Referncia extrada de Lencioni (2006).VIARD, J. La societ drchipel ou les territoires du village global. Paris: Ed. de lAube, 1994 (apud LENCIONI, 2006).

    ****

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    pelo projeto multilateral do mesmo nome. Outros tentaram avanar em direo a fenmenos super-lativos, como megalpole (GOTTMAN, 1970), novas megacidades e hipercidades (DAVIS, 2004). Entre os conceitos difundidos nas ltimas dcadas do sculo XX, o de cidade mundial de Hall (1966) e Frie-dmann (1986) e o de cidade global de Sassen (1991) vm sendo os mais discutidos, particularmente pela sua ver-tente paradigmtica. Intrinse-camente associados a eles, outros conceitos referem-se a morfologias que transcendem espacialmente o mbito urbano compacto ou disperso: cidade-regio global (SCOTT et al, 2001) e megarregio (SASSEN, 2007).

    Sob perspectiva da forma, tanto a noo de cidade-regio global quanto a de megarregio res-gatam ideias acerca da megalpole dos anos 1970, que, por sua vez, inscreve a noo de metpole, ou metametrpole: termo proposto por Ascher (1995) para uma ps-polis, ou algo que ultrapassa e engloba a polis.

    Esse autor postula que a metpole profunda-mente heterognea e no necessariamente cons-tituda por contiguidade. Contm uma ou vrias metrpoles ou como mnimo uma cidade de mi-lhares de habitantes, com crescimento radiocon-cntrico, linear ou em metstase. Tem origem num processo de metropolizao metastsica, ou apa-rio de elementos de natureza metropolitana em territrios no contguos e no-metropolitanos; de espaos metropolizados cujo conjunto ultrapassa e engloba as zonas metropolitanas stricto sensu; arquiplagos em metstase, desenvolvendo-se de maneira anrquica, no hierarquizada. A metpo-le emerge como uma etapa ou uma fase nes-se processo de urbanizao supra-histrico, como uma forma urbana coestruturada pelo uso das no-vas tcnicas de comunicao, de conservao e de deslocamento dos bens, pessoas e informaes. Metropolizao e metapolizao constituem, as-sim, um quadro no qual atuam foras econmicas, sociais, polticas e culturais, influenciando suas di-nmicas e evoluo.

    Tambm rompendo com as estruturas hierr-quicas de lgica christalleriana, outras concepes morfolgicas acentuam as caractersticas de gran-des espaos sem centro, sem unidade, ps-polis, como se verifica nas noes de expole (ou ex-p-

    lis, o que j no mais cida-de) e ps-metrpole (SOJA, 1996; 2002). So designa-es voltadas para o fen-meno urbano dos anos 1970, decorrentes de anlises em torno de Los Angeles, consi-derando a evoluo da for-ma e contedo da metrpole

    agindo no comportamento da sociedade sob crises e reformulaes do sistema capitalista, confor-mando novas estruturas metropolitanas. Para Soja (1996, p. 238), expole, ou a cidade sem cidade, sintetiza toda uma ordem de conceitos anteriores pertinentes a amorfas imploses, como os arcaicos subrbios, as outer city ou edge city, as technopo-les, technoburbs, silicon landscapes, ps-suburbia, metroplex, entre outras.

    A ps-metrpole surge como metfora da me-trpole, ou expole, que emerge do novo proces-so de urbanizao, decorrente da globalizao e reestruturao da economia. Transformada nos ltimos anos com mudanas na organizao espa-cial e na condio urbana, essa metrpole traz no novo e diferente um amplo espectro de termos e representaes. A cidade tornada inside-out, pela urbanizao perifrica e expanso dos entornos; ou out-side in, pois todas as periferias do mundo esto no centro, em sua prpria zona simblica. Ou seja, o processo de internacionalizao cria conjun-tos de paradoxos, pois implica se estender para fora, do urbano para o global, e para dentro, do global para o local-urbano.

    Essas noes dividem, implcita ou explicita-mente, a ideia de que a era da metrpole moder-na acabou. Para Ascher (1995), a colocao em perspectiva histrica confirma a tendncia de que a metropolizao, longe de assistir a um recuo das metrpoles, e hoje a formao das metpoles, no aparece como fenmeno contingente, mas como forma avanada de um processo de urbanizao que comeou muito cedo na histria da humanida-

    metropolizao e metapolizao constituem, assim, um

    quadro no qual atuam foras econmicas, sociais, polticas e culturais, influenciando suas

    dinmicas e evoluo

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    Conceitos e postulaes so muitos, para os tantos significados que as cidades vm adquirindo ao longo do tempo. Apesar das mudanas nos cur-sos dos processos, a cidade e o urbano no per-dem sua centralidade na vida cotidiana. E assim, novos conceitos viro, sem que se tenha esgotado sequer a compreenso quanto sua essncia.

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    BaHIaanlISE & DaDoS

    Cidades pequenas so urbanas? O urbano possvel

    Diva Maria Ferlin LopesA

    Resumo

    Com o interesse voltado para a problemtica das pequenas cidades, este artigo busca compreender o conceito de cidade e o processo de urbanizao. Para tanto, se fez um amplo levantamento dos estudos realizados em reas como a Geografia, Sociologia, Economia e outras cujo objeto fosse a cidade, os processos urbanos, sua histria, suas caractersticas e funes. Apresenta-se uma sntese histrica, alm da discusso sobre o conceito de cidade. Expem-se ainda questes acerca de cidade, urbano e urbanizao e reas urbanas, porte, centralidade e mercado. Apresentam-se a seguir alguns aspectos do urbano de trs pequenas cidades e as reflexes finais.

    Palavras-chave: Conceito de cidade. Cidades. reas urbanas. Processo de urbanizao.

    Abstract

    This article seeks to comprehend the concept of city and the process of urbanization by focusing on the problems found in small cities. It therefore considers a wide survey of studies undertaken in areas such as Geography, Sociology, Economics and others, whose focus was the city, urban processes, their history, characteristics and functions. It presents a historical summary, as well as a discussion about the concept of the city. It also considers matters regarding the city, urban and urbanization and urban areas, transport, centrality and the market. It then discusses certain aspects of the urban in three small cities and offers some final reflections.

    Keywords: The concept of the city. Cities. Urban areas. The urbanization process.

    A Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); graduada em Cincias Sociais pela Universidade de So Paulo (USP); analista tcnica da Superin-tendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia (SEI). [email protected]; [email protected]

    INTRODUO

    Cidade e urbano so termos, de modo ge-ral, usados indistintamente em referncia a uma mesma realidade. Todavia, h alguns anos, di-versos estudiosos a exemplo de Veiga (2001, 2002) e Mendona (2009) vm desfazendo os nexos existentes entre esses termos, sugerindo que nem toda cidade ou pode ser considerada urbana, inclusive afirmando a possibilidade de uma cidade rural.

    Frente a esse fato, tornou-se interessante veri-ficar e esse o objetivo mais geral deste traba-lho como surgiram historicamente as cidades e como se entende o conceito de cidade a partir dos trabalhos de diversos autores referidos a seguir. Pretende-se, assim, participar desse debate sobre o que ou no cidade e urbano, ainda que mo-destamente, dado um interesse especial pela pro-blemtica das pequenas cidades, sobre as quais muito poucos so os estudos existentes. Por esse motivo, a partir do estabelecimento de um conceito operacional, apresentam-se, resumidamente, os resultados de sua aplicao na anlise do espa-o de trs pequenas cidades do semirido baiano, abordadas em Lopes (2005).

  • cidAdes pequenAs so urbAnAs? o urbAno possvel

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    DE COmO SURGIRAm AS CIDADES

    Cidades existem desde a Antiguidade e, embora com variaes quanto s datas de seu surgimen-to 8.000 ou 3.500 a.C. , a Revoluo Agrcola considerada como o marco a partir do qual emergiram as condies que levaram a seu surgimento. Souza (2003) identificou Jeric, em 8000 a.C., como a pri-meira delas. Para Sjoberg (1972), foi h aproximadamente 5.500 anos que o homem comeou a viver em ncleos, tendo as pri-meiras cidades se formado por volta do ano 3.500 aC, na regio situada entre os rios Tigre e Eufrates. Ali, a existncia de solo frtil, grande oferta de gua e um cruzamento de estradas permitiram o desen-volvimento e a comunicao entre povos de dife-rentes culturas, contribuindo para o crescimento e a transformao de povoados em cidades.

    Nesse seu trabalho, Sjoberg (1972, p. 38) define cidade como [...] uma comunidade de dimenses e densidade populacional considerveis, abrangen-do uma variedade de especialistas no agrcolas, nela includa a elite culta. De forma didtica, o au-tor distingue trs perodos na evoluo das cidades, relacionados respectivamente a trs nveis de orga-nizao social, com padres tecnolgicos, econmi-cos, sociais e polticos especficos.

    O primeiro desses perodos que Sjoberg qualifica como pr-urbano e chama de sociedade de gente, situando-o em fase anterior alfabetizao seria constitudo de pequenos grupos homogneos e au-tossuficientes, voltados, preponderantemente, para a busca de alimentao. Nessas condies, quase no existia estratificao social, especializao do trabalho e condies de acumulao e reservas de alimentos, considerados elementos bsicos necessrios ao surgi-mento posterior de uma cidade.

    A possibilidade de existncia de reservas, ou excedentes alimentares, criou as condies de so-brevivncia dos primeiros aglomerados humanos, embora esses excedentes no tivessem, inicialmen-te, um sentido econmico, ou valor de troca. Tais aglomerados evoluram demogrfica e tecnicamente ao longo do tempo, tornando-se vilas, aperfeioando seus mtodos e tcnicas e chegando ao estgio que

    Sjoberg chamou de pr-industrial ou feudal. Nes-se segundo perodo j se estocavam alimentos pro-venientes tanto da agricultura quanto da criao de animais. Surgiram, entre outras coisas, a especiali-

    zao do trabalho e uma estrutu-ra de classes, sendo que a maior parte das sociedades pr-indus-triais j dispunha da metalurgia, do arado e da roda [...] elemen-tos capazes de multiplicar a pro-duo e facilitar a distribuio

    [...] (SJOBERG, 1972, p. 37). Outras caractersticas desse estgio foram, de um lado, as parcas fontes de energia disponveis alm da fora braal e da tra-o animal e, de outro, a disponibilidade da escrita usada para fins administrativos, contbeis, jurdicos, literrios e religiosos, com todas suas implicaes e desenvolvimentos diretos e indiretos.

    Singer (1975), descrevendo o processo de consti-tuio das cidades, afirmou que a produo do exce-dente alimentar, embora necessrio, no se constituiu em condio suficiente para seu surgimento. Foi pre-ciso que se criassem instituies sociais e relaes de dominao que assegurassem a transferncia desse excedente que ele chamou de mais-produto do campo para a cidade. Com o surgimento da cidade, num segundo momento, se deu a diviso do trabalho entre essas reas. O campo manteve suas atividades tradicionais e a cidade se desenvolveu com atividades produtivas prprias como [...] resultado de um pro-cesso de constituio de uma classe que, por ser do-minante, est livre das obrigaes da produo direta [...] (SINGER, 1975, p. 13). Para esse autor, portanto, a origem da cidade se confunde com o surgimento da sociedade de classes, sendo que essa precedeu aquela historicamente.

    Esse o contexto da emergncia das cidades pr-existentes era industrial, cujas funes eram administrativas, polticas, comerciais ou religiosas e que no necessariamente originaram as cidades industriais. Davis (1972, p. 16) mostrou isso quando afirmou:

    curioso notar que milhares de anos trans-correram desde o aparecimento das primeiras vilas at que as sociedades se urbanizassem no sculo XIX. tambm curioso notar que a regio onde surgiram as sociedades urba-

    A possibilidade de existncia de reservas criou as condies de sobrevivncia dos primeiros

    aglomerados humanos

  • DIva MaRIa FERlIn lopES

    BaHIa anlISE & DaDoS, Salvador, v. 19, n. 2, p.395-412, jul./set. 2009 397

    fundida, no provocou o reforo da cidade e sim seu quase desaparecimento enquanto sistema institucional e social relativamente autnomo, organizado em torno de objetivos especficos. Com efeito, a constituio da

    mercadoria enquanto engrenagem de base do sistema econmico, a diviso tcnica e social do trabalho, a diversi-ficao dos interesses econmicos e sociais sobre um espao mais vasto, a homogeneizao do sistema institucio-nal, ocasionam a irrupo da conjun-o de uma forma espacial, a cidade, e da esfera de domnio social de uma classe especfica, a burguesia.

    As argumentaes de Cas-tells (1983) e de Davis (1972)

    so concordantes quanto ao fato de a Revoluo Industrial ter provocado o surgimento de novas ci-dades sem reforar as preexistentes e emer-gncia da burguesia industrial, nesse caso, de acordo com Singer (1975). Acrescente-se, ainda, que a Revoluo Industrial acarretou mudanas substanciais nas relaes entre campo e cidade, pois, num primeiro momento, os residentes rurais se transformaram em consumidores de produtos industriais, cuja matria-prima provinha do campo e, posteriormente, revolucionou a [...] tecnologia agrcola, passando a fornecer ao campo seus prin-cipais instrumentos de produo: arado de ferro, fertilizantes, tratores, colhedeiras, energia eltrica, vacinas, etc. [...] (SINGER, 1975, p. 26). O proces-so descrito por Singer evidencia que, se em sua origem as cidades dependiam do campo, gradual-mente as relaes se tornaram de interdependn-cia entre esses espaos.

    CIDADE, URBANO E URBANIZAO

    A sntese histrica sobre a origem e formao das cidades as mostrou como espaos onde se concentraram as classes dominantes e onde as alteraes mais profundas ocorreram nas relaes sociais de produo, advindas do desenvolvimento industrial. Esse tambm o histrico do processo de urbanizao associado ao desenvolvimento do capitalismo na maioria das sociedades ociden-tais, sendo que, para Castells (1983, p. 16), urbani-

    nizadas Noroeste europeu no foi a que tinha sido ocupada pelas grandes cidades do passado; pelo contrrio, foi a regio onde a urbanizao tinha sido at ento extrema-mente baixa.

    Afirmando, portanto, que as sociedades se urbani-zaram a partir do sculo XIX, Davis se alinha aos autores que associaram o processo de urbanizao Revoluo Industrial, perodo ao qual Sjoberg (1972) atribuiu um terceiro nvel de complexidade na organizao social, caracterizado por uma diviso em classes, educao de massas e grande avano tecnolgico, em funo do surgimento e do uso de mquinas e do desenvolvimento de novas fontes de energia. Mas, para esse autor, s o primeiro dos perodos que mencionou pr-literrio ou, como ele chamou, da pr-alfabetizao seria no-urba-no. A urbanizao, para ele, no seria um processo decorrente apenas da Revoluo Industrial.

    Singer assim descreveu as transformaes cita-dinas decorrentes da Revoluo Industrial.

    Com o advento da Revoluo Industrial, as ci-dades experimentaram mudanas substanciais que levaram ao surgimento da cidade industrial moderna. O processo de industrializao teve por base uma profunda alterao nos modos de produo, expropriando o antigo arteso, o produtor direto, de suas ferramentas de traba-lho, transformando-o paulatinamente em traba-lhador assalariado. Nessas novas condies, o antigo produtor no mais possua os instrumen-tos de trabalho, bem como perdera o controle das condies de produo, que passaram s mos do empregador, que as subordinou ao capital (SINGER, 1975, p. 27).

    Com isso, Singer (1975) descreveu o surgimento do fabricante bem como da burguesia industrial e da fbrica, ambos em cenrio urbano e j nesse momento reconhecidamente capitalista. Observe-se, ainda, a expla-nao de Castells (1983, p. 22) quanto a esse perodo.

    O desenvolvimento do capitalismo industrial, ao contrrio de uma viso ingnua muito di-

    A Revoluo Industrial acarretou mudanas substanciais nas

    relaes