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  • MIGUEL NICOLELIS LIBRETO PREPARATRIO

  • (So Paulo, 1961)

    Neurocientista brasileiro e pesquisador da Universidade Duke. Seu trabalho referncia mundial no desenvolvimento de prteses neurais.

    A exploso tecnolgica que a nossa espcie propiciou nestes ltimos 100, 200 anos, est definitivamente influenciando que caminho evolutivo o nosso crebro vai seguir no futuro.

    MIGUEL NICOLELIS

    Expediente

    Fronteiras do PensamentoTemporada 2014

    CuradoriaFernando Schler

    Produo ExecutivaPedro Longhi

    Coordenao-geralMichele Mastalir

    Coordenao e EdioLuciana Thom

    PesquisaFrancisco AzeredoJuliana Szabluk

    Editorao e DesignLume Ideias

    Reviso OrtogrficaRenato Deitos

    www.fronteiras.com

  • 6 7

    Em 2014, o trabalho do neurocientista Miguel Ni-

    colelis foi destaque na imprensa em vrios pases. Reco-

    nhecido por liderar equipes de trabalho para estudos e

    construo de interfaces mquina-crebro, ele foi um dos

    responsveis pelo projeto do exoesqueleto que permitiu a

    um paraplgico dar o pontap inicial durante a cerim-

    nia de abertura da Copa do Mundo no Brasil.

    A trajetria de Nicolelis de estudar e desvendar os

    mistrios do crebro humano e sua integrao com os

    computadores uma referncia no mundo todo e ele

    um forte candidato a trazer um Prmio Nobel para o

    Brasil. Formado em Medicina pela Universidade de So

    Paulo, codiretor do Centro de Neuroengenharia da

    Universidade de Duke, na Carolina do Norte, Estados

    Unidos, onde lidera um grupo de cientistas que emprega

    ferramentas computacionais, robtica e mtodos neuro-

    fisiolgicos na pesquisa do desenvolvimento de prteses

    neurais para a reabilitao de pacientes que sofrem de

    paralisia corporal.

    O laboratrio coordenado pelo neurocientista pio-

    neiro nos estudos de codificao neural, interfaces cre-

    VIDA E OBRA

    bro-mquina e neuroprteses em humanos e primatas

    no humanos, alm de desenvolver uma abordagem

    integrativa para o estudo neurolgico e psiquitrico de

    desordens como a doena de Parkinson e a epilepsia. Ni-

    colelis tem experincia na rea de fisiologia, com nfase

    em neurofisiologia, atuando principalmente nos temas

    de informtica mdica, eletrofisiologia, sistemas senso-

    riais, sistema somestsico e prteses neurolgicas.

    Com diversos trabalhos divulgados em publicaes

    cientficas como Nature, Scientific American que o in-

    dicou como um dos 20 maiores cientistas do mundo e

    Science na qual foi o primeiro brasileiro a ter um artigo

    publicado na capa , o autor de um manifesto pelo

    futuro da cincia brasileira. No Manifesto pela cincia

    tropical, sugere que o Pas est diante de uma oportuni-

    dade nica de potencializar seu desenvolvimento cient-

    fico e educacional e prope 15 medidas necessrias para

    que o Brasil se torne uma liderana mundial na produo

    e no uso democratizante do conhecimento.

    Miguel Nicolelis teve seu trabalho com neuroprteses

    listado pelo MIT como uma das dez tecnologias que vo

  • 8 9

    mudar o mundo e foi agraciado com o prmio da Agn-

    cia de Projetos de Pesquisa Avanada do Departamen-

    to de Defesa norte-americano. autor dos livros Muito

    alm do nosso eu e O maior de todos os mistrios, entre

    outras publicaes em ingls.

    Atualmente, tambm professor titular do Departa-

    mento de Neurobiologia da Universidade Duke, profes-

    sor do Instituto Crebro e Mente da Escola Politcnica

    Federal de Lausanne na Sua e presidente do Instituto

    Internacional de Neurocincias de Natal Edmond e Lily

    Safra (IINN-ELS) no Rio Grande do Norte.

    O Brasil hoje um pas inserido no mercado internacional de cincia e, para avanar em cincia num pas como o nosso, preciso que existam projetos ambiciosos que vo alm da rotina. Se voc nunca sonhar alto, nunca vai conseguir mudar de nvel.

    Tambm a nossa inteno mostrar para o mundo um outro Brasil. Mostrar que aqui no Brasil tambm se pode fazer grandes projetos cientficos com impacto humanitrio e mostrar que existe um outro pas, um pas que cresceu muito nos ltimos anos, melhorou a vida de muita gente, mas que ainda pode fazer coisas muito impressionantes no s para os brasileiros, mas para todo o mundo.

    Meu intuito diz respeito criao de uma nova gerao de brasileiros. Produzindo no apenas cidados muito mais felizes, engajados, competentes , mas tambm engenheiros, mdicos, cientistas, professores Pessoas que tm outra viso de mundo. E de Brasil.

    O mais importante ns temos: o talento humano. Mas ele rapidamente sufocado por normas absurdas dentro das univer-sidades. No podemos mais fazer pesquisa de forma amadora. Devemos ter uma carreira para pesquisadores em tempo integral e oferecer um suporte administrativo profissional aos cientistas.

    No h dvida alguma de que as sociedades que investi-ram, tanto na transformao da cincia no motivo principal da sua atividade econmica quanto na educao cientfica e no processo de formao humana, tiveram e continuam a ter resultados espetaculares.

    IDEIAS

  • 10 11

    O futuro mais prximo vai ser em medicina e reabili-tao. No h dvida disso. Um sistema que desenvolvemos h 12 anos, de um marca-passo para epilepsia em ratos, est comeando a ser usado em dois testes clnicos, um na Cali-frnia e outro na Brown University. Mas grandes empresas de computao como Apple e Google j esto trabalhando na possibilidade de criar interfaces como essa, no invasivas, para computadores portteis, telefones. Ento, voc vai con-trolar ou interagir com o sistema operacional usando s a atividade eltrica do crebro. Vai ser o fim da tendinite.

    No temos a cultura da ao cientfica como patrimnio do Pas. Todo mundo conhece Machado de Assis, artistas, jo-gadores, economistas. No faz parte do nosso ethos enquanto cultura brasileira delinear o que a inteligncia criou na cincia. O Santos Dumont o maior cientista que o Brasil j criou, o maior neurocientista, o maior inventor. E nunca foi para a escola, ento foi quase repudiado nos livros da histria da cin-cia brasileira porque nunca teve diploma.

    Cincia hoje uma questo de soberania nacional, uma questo estratgica da humanidade e uma contri-buinte vital para a preservao da democracia no mundo. Porque, se no ajudar a produzir comida, novas formas de energia, de curar doenas, a espcie acaba. A cincia est no vrtice das decises.

    ESTANTE

    MUITO ALM DO NOSSO EU1 edio 2011 / Companhiadas Letras

    Neste livro, Miguel Nicolelis mostra que a humanidade est prestes a cruzar mais uma fronteira do conhecimento em direo compreenso do poder do crebro. Assim, explica como o crebro cria o pensamento e a noo que o ser humano tem de si mesmo (o seu self). A obra tambm procura descrever os passos que a cincia vem dando para a criao das interfaces crebro-mquina.

  • 12 13

    BEYOND BOUNDARIES 1 edio 2011 / Sem edio em portugus

    O livro baseado em pesquisas do autor com macacos ensinados a controlar os movimentos de um rob distante usando apenas os sinais cerebrais. Este trabalho de Nicolelis descobriu um mtodo para capturar a funo cerebral atravs da gravao de ricas sinfonias neurais em vez da atividade de neurnios individuais. Isso abriu caminho para pesquisas de novos tratamentos para a doena de Parkinson e para a criao de exoesqueletos para garantir a mobilidade de paraplgicos.

    O MAIOR DE TODOS OS MISTRIOSDe Giselda LaPorta Nicolelis e Miguel Nicolelis (com ilustraes de Nik Neves)1 edio 2013 / Companhia das Letras

    Um livro feito para os jovens leitores de 14 a 17 anos. Uma viagem pelo crebro humano e as ltimas descobertas da neurocincia mostrando que o mundo est prximo de uma revoluo digna dos melhores filmes de fico cientfica. Imagine que, em vez de conversar pelo celular ou pela internet, no futuro todos seremos capazes de conversar a distncia usando apenas o nosso crebro. Os autores contam com bom humor e clareza as ltimas descobertas da cincia a respeito do crebro.

  • 14 15

    PRAZER EM CONHECER A AVENTURA DA CINCIA E DA EDUCAO1 edio 2008 / Editora Papirus 7 Mares

    Neste livro, resultado de uma conversa mediada por Gilberto Dimenstein, o mdico Drauzio Varella e o neurocientista Miguel Nicolelis falam sobre suas prprias trajetrias. Entre a educao e a cincia, eles no tiveram dvidas de buscar novos desafios e de querer vencer algumas lutas consideradas difceis, como alertar um pas sobre os males do tabagismo ou desenvolver um mapeamento da rede neural.

    NA WEB

    SITE OFICIALwww.nicolelislab.net

    TWITTER@MiguelNicolelis

    FACEBOOK http://is.gd/Nicolelis1(https://www.facebook.com/pages/Miguel-Nicolelis/207736459237008)

    WIKIPEDIAhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_Nicolelis

    IINN-ELSPerfil de Miguel Nicolelis publicado no site do Instituto Internacional de Neurocincias de Natal Edmond e Lily Safrahttp://is.gd/Nicolelis2(http://www.natalneuro.org.br/organizacao/cientistas_iinn/index.asp)

  • 16 17

    ENTREVISTAS

    No laboratrio do NicolelisEntrevista para a revista Brasileiros, publicada em abril de 2014http://is.gd/Nicolelis3(http://www.revistabrasileiros.com.br/2014/04/15/no-laboratorio-do-nicolelis/#.U-uuLPldXZ1)

    IstoEntrevista para a revista Isto em fevereiro de 2013http://is.gd/Nicolelis4(http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/275968_ESTAMOS+A+CAMINHO+DE+CURAR+A+CEGUEIRA+)

    Nicolelis quer espalhar a cincia pelo BrasilEntrevista para o portal IG, publicada em julho de 2011, durante a Festa Literria de Paratyhttp://is.gd/Nicolelis5(http://ultimosegundo.ig.com.br/ciencia/miguel+nicolelis+quer+espalhar+ciencia+pelo+brasil/n1597087584972.html)

    A cincia pode ser um agentede transformao socialEntrevista para a revista Caros Amigos, publicada em maio de 2008http://is.gd/Nicolelis6(http://www.natalneuro.org.br/imprensa/pdf/2008_05_nicolelis.pdf )

    Roda VivaEntrevista concedida para o programa Roda Viva da TV Cultura em novembro de 2008http://is.gd/Nicolelis7(http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/506/entrevistados/miguel_nicolelis_2008.htm)

    VDEOS E LINKS

    Beyond BoundariesSite especial do livro Beyond Boundaries, de Miguel Nicolelis. Com trilha sonora, visualizao de pginas e agenda de eventos (em ingls)http://is.gd/Nicolelis8(http://beyondboundariesnicolelis.net/)

    Exoesqueleto na CopaMatria do SportTV sobre a exibio do exoesqueleto da equipe de Miguel Nicolelis na cerimnia de abertura da Copa do Mundohttp://is.gd/Nicolelis9(http://globotv.globo.com/sportv/copa-2014/v/jovem-com-exoesqueleto-da-pontape-inicial-da-copa-do-mundo-na-cerimonia-de-abertura/3415211/)

    Projeto Andar de NovoEntrevista para o Portal da Copa sobre o projeto Andar de Novo e o pontap inicial do exoesqueleto na Copa do Mundo de futebolhttp://is.gd/Nicolelis10(https://www.youtube.com/watch?v=LO5pq1Qz334)

    ExoesqueletoEntrevista para o Portal da Copa que mostra os detalhes do exoesqueletohttp://is.gd/Nicolelis11(https://www.youtube.com/watch?v=T0lPYeoe2Jg)

  • 18 19

    ARTIGO

    Alcanar a imortalidade tem sido uma promessa da

    cincia desde que nem cincia era. Um retrospecto de 5

    mil anos nos leva ao Egito dos faras, que acreditavam na

    vida alm da morte a razo de terem criado as primei-

    ras mmias , assim como, no muito longe, na regio

    do Tigre e do Eufrates, onde Gilgamesh, rei de Uruk, diz

    uma lenda, empreendeu uma longa e perigosa viagem

    em busca da imortalidade. As descobertas da cincia nas

    ltimas dcadas, impulsionadas pelo avano na tecno-

    logia, reforaram essa aspirao, presente na promessa

    da Singularidade, o momento em que, com um salto

    tecnolgico sem precedentes induzido por mquinas su-

    Jornalista e escritor de fico e no fico, com trabalhos sobre cincia e tecnologia publicados em revistas como SuperInteressante, Galileu, da qual tambm foi editor, e Piau, entre outras. Responsvel pela programao da Campus Party no Brasil em 2011.

    POR ALEXANDRE RODRIGUES

    O FUTURO DO CREBRO

    Primeiros passos do exoesqueletoEm vdeo, Miguel Nicolelis mostra os primeiros passos do exoesqueleto que permitiu a um paraplgico dar o chute inicial na Copa do Mundo de 2014http://is.gd/Nicolelis12(http://tvig.ig.com.br/noticias/ciencia/nicolelis-mostra-primeiros-passos-de-exoesqueleto-que-dara-chute-na-copa-534302cfd8c8cd0b7a000084.html)

    Ningum associa cincia com soberaniaEntrevista concedida ao blog Link do jornal O Estado de S. Paulohttp://is.gd/Nicolelis13(http://blogs.estadao.com.br/link/ninguem-associa-ciencia-com-soberania/)

    FlipEntrevista de Miguel Nicolelis na Flip para o programa Metrpolis da TV Culturahttp://is.gd/Nicolelis14(http://tvuol.uol.com.br/video/metropolis--entrevista-com-miguel-nicolelis-na-flip-04020C1A3962C0C11326)

    TED MEDPalestra de Miguel Nicolelis (em ingls)http://is.gd/Nicolelis15(https://www.youtube.com/watch?v=WFzvhZ1qhRg)

    Criamos outra forma de comunicao entre crebrosMatria do site Viomundo sobre o trabalho de criao de interfaces crebro-mquina liderado por Miguel Nicolelishttp://is.gd/Nicolelis16(http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/nicolelis-nos-criamos-outra-forma-de-comunicacao-entre-cerebros.html)

    A consolidao da memriaVdeo de Nicolelis publicado no canal de vdeos do site do Fronteiras do Pensamentohttp://is.gd/Nicolelis17(http://www.fronteiras.com/videos/player/?13,315)

  • 20 21

    perinteligentes, a imortalidade viria com a possibilidade

    de download de nossos crebros em computadores. Uma

    nova existncia, eterna e digital, a ns estaria reservada.

    A base da promessa da chamada Singularidade, cujo

    maior profeta Ray Kurzweil, futurista e hoje chefe de

    Engenharia do Google, a famosa Lei de Moore, concei-

    to estabelecido em 1965 por Gordon Moore, cofunda-

    dor da Intel, que, explicado grosso modo, diz que a capa-

    cidade de processamento das mquinas dobra a cada dois

    anos. Transformados em mquinas vivendo nelas, pelo

    menos , teramos a chance at mesmo de uma existncia

    fsica em um corpo robtico.

    Enquanto a Singularidade promete a transformao

    de humanos em mquinas, o futuro preconizado pelas

    pesquisas do neurocientista Miguel Nicolelis no nos

    tornar eternos, mas muito mais possvel e interessante.

    No viveremos para sempre em computadores, mas os

    integraremos a nossos corpos e, atravs deles, ser poss-

    vel no s estar em outros lugares como, a nossos descen-

    dentes, saber em qualquer outra poca quem fomos e at

    mesmo aquilo que pensamos.

    A interface crebro-mquina de Nicolelis descende de

    uma longa dinastia de descobertas. Em 1969, o neurofisio-

    logista espanhol Jos Delgado implantou dispositivos no c-

    rebro de um macaco e enviou sinais em resposta atividade

    do crebro, criando a primeira interface crebro-mquina-

    -crebro bidirecional. Ele tambm especulou que implantes

    cerebrais um dia podero ser usados para controlar mentes.

    Em 2002, John Chapin apresentou seus ratos-robs, ro-

    edores que, com os crebros guiados por impulsos eltricos

    atravs de um computador remoto, obedeciam a comandos

    para seguir direita ou esquerda ou escalar rvores.

    O prprio Nicolelis, no mesmo 2002, obteve a faa-

    nha de fazer um macaco controlar a distncia um brao

    rob. Feito que levou mais longe em 2008 ao fazer o

    animal controlar dos Estados Unidos o brao-rob no Ja-

    po. No ano passado, tambm fez dois ratos, novamente

    em continentes diferentes, se comunicarem capturando

    os pensamentos do crebro de um deles com um ele-

    trodo e enviando-os ao crebro do outro pela internet.

    Em certo sentido, essas descobertas no so uma sur-

    presa. Respostas neurais informaes do ambiente e

  • 22 23

    aprendizagem/adaptao com base nessa informao

    so componentes da evoluo do crebro humano. Nico-

    lelis prev um futuro em que um crebro far tudo sim-

    plesmente pensando, sem depender de movimentos do

    corpo e nem mesmo da linguagem. Mquinas obedece-

    ro s ordens recebidas sem fios a partir do crebro. Pes-

    soas sero capazes de se comunicar remotamente umas

    com as outras sem a necessidade de pegar um telefone ou

    escrever um e-mail, ou experimentar a superfcie de um

    planeta distante confortavelmente instaladas na sala de

    estar. E se a imortalidade no ser possvel, a humanida-

    de poder, em compensao, acessar os pensamentos de

    seus antepassados j mortos e reviver suas experincias.

    Muito alm do nosso eu, livro de divulgao cientfi-

    ca que lanou em 2011, faz uma crnica dessas ideias

    e a maneira como os experimentos sobre a interao

    homem-mquina tm sido realizados, uma histria da

    neurofisiologia e uma meditao pessoal das grandes e

    pequenas coisas da vida de um cientista. Milhes de anos

    atrs, nossos ancestrais foram alm de seus eus ao co-

    mear a usar ferramentas. Este passo levou a humanidade

    em direo a um crebro capaz de criar uma representao

    do mundo, seja atravs do pincel de Van Gogh, do avio de

    Santos Dumont ou de um romance de Guimares Rosa.

    Na teoria do crebro do neurocientista brasileiro, o gru-

    po neural (a populao de neurnios interconectados) a

    unidade elementar do pensamento em vez do nico neur-

    nio. Uma populao de neurnios, no apenas um deles,

    a unidade que detecta e responde s informaes. Esta

    uma viso que contrasta com a abordagem tradicional da

    neurocincia, que cava mais fundo em componentes cada

    vez menores, para explicar o funcionamento do todo.

    Um dos pilares da neurocincia de Nicolelis o prin-

    cpio da insuficincia do neurnio isolado: um neurnio

    sozinho no basta para um comportamento ou uma

    funo particular do ser vivo. Com isso, ele contesta as

    teses do reducionismo (cada neurnio possui uma fun-

    o especfica, seja a memria do que comeu no caf

    da manh, apertar parafusos ou jogar videogame) e do

    localizacionismo, que divide o crebro em regies, cada

    uma especializada em executar determinadas funes.

    A verdadeira unidade funcional do sistema nervoso, diz

    Nicolelis, uma rede neuronal, um conjunto de neur-

    nios ativado para as tarefas do dia a dia. Em vez de um

  • 24 25

    especialista, cada neurnio pode ser multitarefa e exercer

    diferentes funes.

    A teoria fundamenta o projeto Walk Again (Andar

    de Novo), um consrcio que envolve 100 cientistas de

    universidades e institutos de pesquisa no Brasil, Estados

    Unidos e Europa, desenvolvido no Centro de Neuroen-

    genharia da universidade norte-americana de Duke sob o

    comando de Nicolelis. O objetivo do projeto desenvol-

    ver uma interface crebro-mquina que permita s pes-

    soas com mobilidade reduzida, como paraplgicos, andar

    novamente usando a mente para controlar um mecanis-

    mo externo. As pesquisas tambm tm desdobramentos

    no tratamento do Alzheimer e do Mal de Parkinson.

    No futuro preconizado por Miguel Nicolelis, como em

    filmes de ao, as pessoas com deficincia comearo o dia

    vestindo o exoesqueleto, uma armadura parecida com a de

    super-heris como o Homem de Ferro. A partir da, usa-

    riam a atividade mental para controlar os movimentos no

    s para fazer as atividades do dia a dia, mas tambm para a

    reabilitao de msculos, ossos e do sistema cardiovascular.

    A pesquisa foi responsvel pelos passos que Juliano Pin-

    to, paraplgico do tronco inferior e membros inferiores, deu

    para chutar uma bola usando o exoesqueleto do projeto An-

    dar de Novo diante de 70 mil pessoas no estdio e 3 bilhes

    de espectadores pela TV, na abertura da Copa do Mundo

    no Brasil, em junho. O trabalho foi listado pelo Instituto de

    Tecnologia de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos,

    sobre as tecnologias que vo mudar o mundo.

    Nicolelis foi considerado, em 2004, um dos 50 lderes

    em tecnologia nos Estados Unidos pela revista Scientific

    American. Entre dezenas de prmios, foi o primeiro pes-

    quisador a receber no mesmo ano, em 2010, os prmios

    Pioneer e Transformative R01, concedidos pelos Insti-

    tutos Nacionais de Sade dos Estados Unidos. A revista

    poca listou-o, em 2009, como um dos 100 brasileiros

    mais importantes de todos os tempos. Em 2011, o papa

    Bento XVI o nomeou membro da Pontifcia Academia

    de Cincias. Os estudos o credenciam como candidato

    a ser o primeiro brasileiro a receber um prmio Nobel.

    Hoje em dia, vrios laboratrios de neurocincia dos

    Estados Unidos, Europa, sia e Amrica Latina usam

    seu paradigma experimental para estudar uma variedade

    de sistemas neuronais de mamferos. Dois livros de sua

    autoria se tornaram as obras mais citadas no campo de

  • 26 27

    tcnicas de registros com eletrodos mltiplos. Os estudos

    tm influenciado pesquisas em cincia da computao,

    robtica e engenharia biomdica.

    Caso raro de um cientista que chegou condio de

    popstar no Brasil, ele um defensor apaixonado do for-

    talecimento da educao, tecnologia e inovao e usa a

    prpria visibilidade para impulsionar a cincia no Brasil.

    Foi selecionado para liderar a Comisso do Futuro da

    Cincia Brasileira. Em 2010, divulgou o Manifesto da

    Cincia Tropical, propondo um novo paradigma para

    o uso da cincia como agente de transformao social e

    econmica no Brasil. O documento sugere que o pas se

    encontra diante de uma oportunidade nica para poten-

    cializar seu desenvolvimento cientfico e educacional e

    prope 15 medidas para alcanar a liderana mundial na

    produo e acesso ao conhecimento. O manifesto repete

    a nfase na descentralizao da produo cientfica e na

    aproximao entre pesquisa e escola, seguindo o exemplo

    do Instituto Internacional de Neurocincias de Natal,

    instituio que dirige no Rio Grande do Norte.

    Nascido em So Paulo, Miguel Nicolelis se formou

    em Medicina na Universidade de So Paulo, onde tam-

    bm cursou doutorado. torcedor do Palmeiras e costu-

    ma contar uma histria que o teria inspirado a buscar a

    msica dos neurnios costuma comparar o crebro a

    uma orquestra neural. Na USP, ainda estudante, numa

    madrugada resolveu dar uma caminhada durante um

    intervalo e ento ouviu uma sinfonia. Achou a melodia

    irresistvel e, ao segui-la at o segundo andar do prdio

    principal, chegou sala de Csar Timo-Iaria, professor

    da universidade e um dos maiores neurocientistas da his-

    tria do Brasil, que preparava uma aula. Do encontro

    nasceu uma amizade entre os dois e ele acabou se tornan-

    do pupilo do professor.

  • ANOTAESANOTAES