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4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plato. “O caso, dizia Sherlock Holmes, enquanto fumvamos nossos charutos e conversvamos aquela noite em nossa casa de Baker Street, um dos que nos foram a raciocinar de trs pra frente, dos efeitos s causas” Conan Doyle O Sofista inicia com um dilogo introdutrio que pretende estabelecer o assunto da conversao entre Scrates, Theodoro, Theeteto e um personagem chamado de o Estrangeiro de Elia, “companheiro tanto de Parmnides quanto de Zeno”1 Fica acordado que o tema do dilogo que se seguir ser acerca da definio de trs figuras importantes da vida grega: o sofista, o poltico e o filsofo. Como sabemos, Plato no escreveu um dilogo dedicado terceira parte da conversa, aquela onde a definio de filsofo seria investigada. No entanto, tanto a figura do sofista quanto a do poltico foram devidamente definidas em seus dilogos homnimos. Cabe, ento, ao Estrangeiro a tentativa de definir corretamente o que o sofista com o auxilio de um interlocutor para quem dirigir suas perguntas. Scrates prope, e o Estrangeiro aceita, que este interlocutor seja o jovem Theeteto. Aps uma demonstrao do mtodo que usar para definir a figura do sofista (218d-221c), O Estrangeiro de Elia parte para apresentao de suas definies. Seis definies so apresentadas nas sees iniciais do dilogo e recapituladas em 231c-e. A stima definio, entretanto, leva ao gnero de produtor de imagens que ainda dividido em arte da cpia (ei)kastikh)/ e arte da semelhana (fantastikh/ ), sendo que a primeira delas mantem as propores do modelo que copia enquanto a segunda delas distorce as propores. na discusso acerca da validade deste gnero que surgir o problema da possibilidade do discurso falso. Acusado de produzir imagens, o sofista lanar mo de uma srie de aporias relacionadas ao uso deste termo e prpria noo de imagem. importante notar que desde a enunciao do problema realizada a 1 ταρον δτν μφΠαρμενίδην καΖήνωνα [ταίρων] (216a 4).

4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

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Page 1: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

4O Problema da Falsidade no Discurso Segundo o Sofista de Plato

ldquoO caso dizia Sherlock Holmes enquanto fumvamos nossos charutos e conversvamos aquela noite em nossa casa de Baker Street um dos que nos foram a raciocinar de trs pra frente dos efeitos s causasrdquo

Conan Doyle

O Sofista inicia com um dilogo introdutrio que pretende estabelecer o

assunto da conversao entre Scrates Theodoro Theeteto e um personagem

chamado de o Estrangeiro de Elia ldquocompanheiro tanto de Parmnides quanto de

ZenordquoF

1Fica acordado que o tema do dilogo que se seguir ser acerca da

definio de trs figuras importantes da vida grega o sofista o poltico e o

filsofo Como sabemos Plato no escreveu um dilogo dedicado terceira parte

da conversa aquela onde a definio de filsofo seria investigada No entanto

tanto a figura do sofista quanto a do poltico foram devidamente definidas em seus

dilogos homnimos Cabe ento ao Estrangeiro a tentativa de definir

corretamente o que o sofista com o auxilio de um interlocutor para quem dirigir

suas perguntas Scrates prope e o Estrangeiro aceita que este interlocutor seja

o jovem Theeteto

Aps uma demonstrao do mtodo que usar para definir a figura do

sofista (218d-221c) O Estrangeiro de Elia parte para apresentao de suas

definies Seis definies so apresentadas nas sees iniciais do dilogo e

recapituladas em 231c-e A stima definio entretanto leva ao gnero de

produtor de imagens que ainda dividido em arte da cpia (ei)kastikh) e arte

da semelhana (fantastikh) sendo que a primeira delas mantem as

propores do modelo que copia enquanto a segunda delas distorce as propores

na discusso acerca da validade deste gnero que surgir o problema da

possibilidade do discurso falso Acusado de produzir imagens o sofista lanar

mo de uma srie de aporias relacionadas ao uso deste termo e prpria noo de

imagem importante notar que desde a enunciao do problema realizada a

1ἑταῖρον δὲ τῶν ἀμφὶ Παρμενίδην καὶ Ζήνωνα [ἑταίρων] (216a 4)

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assimilao entre o modo de ser das imagens que mostram e parecem sem

realmente serem e o modo de ser do discurso falso que diz algo sem dizer algo

verdadeiro

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236e)F

2

Tanto as imagens quanto os discursos falsos parecem possuir uma estranha

relao com aquilo que pretendem representar Ambos no so aquilo que

representam no entanto claramente satildeo alguma coisa Uma imagem de uma casa

pode parecer e mostrar (φαίνεσθαι e δοκεῖν) muito bem uma casa sem

realmente s-la No entanto ningum negaria que ela alguma coisa ela

realmente e verdadeiramente uma imagem De maneira semelhante um discurso

falso descreve ou expressa uma situao um fato no um fato real mas

inegavelmente algum tipo de fato um fato falso A analogia s completamente

entendida se levarmos em conta a relao entre a imagem e o fato descrito pelo

discurso falso Assim como a imagens de um co se caracteriza por natildeo ser

realmente um co o contedo de um discurso falso caracteriza-se por natildeo ser

realmente um fato No entanto ambos satildeo realmente aquilo que so uma imagem

de algo e um fato falso Como emblematicamente enuncia o Estrangeiro ldquotal

afirmao supe ser o no serrdquo

Os comentadores da primeira metade do sculo XXI parecem concordar

com o fato de que na seo dedicada exposio das aporias relacionadas noo

de no-ser Plato est tratando dos argumentos baseados no conceito de

existncia e na impossibilidade de referir-se a sujeitos inexistentes Essa posio

fica clara tanto nos comentrios quanto nas tradues de autores como Cornford e

2236d9 - 237a1 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to

gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta

a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron

kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave

tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte

xalepon

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Guthrie que infalivelmente traduzem to mh oAtilden por ldquoo no existenterdquo Tal como

nas primeiras interpretaes apresentadas no capitulo anterior sobre o argumento

de Parmnides estes autores atribuem a Plato argumentos semelhantes queles

dos paradoxos modernos sobre sujeitos inexistentesF

3F Por mais que no decorrer

dos comentrios Cornford parea distanciar-se da questo dos sujeitos

inexistentes sua incessante traduo de to mh oAtilden por ldquoo inexistenterdquo torna

pouco clara sua interpretao4F Alm disso governa o comentrio destes autores a

assuno de que Plato nesta seo inicial est isolando o sentido existencial do

verbo ldquoserrdquo para desqualificar seu uso na formula to mh oAtilden Toda a passagem

237b-239c estaria voltada para alegao de que ldquoo no-serrdquo equivale a ldquoo no

existenterdquo ou ldquoa no-entidade absolutardquo (absolute nonentity) e que tais palavras

ldquono podem ser ditas sem cair-se em contradiordquo (CORFORD1958208)

Em ldquoPlato On Not-beingrdquo (OWEN1970) recentemente o artigo mais

influente acerca das aporias do no-ser Owen criticas estas interpretaes j

tradicionais e procura oferecer uma explicao baseada sobretudo nas noes de

referncia e predio Para que tais noes sejam atribudas ao argumento contido

no Sofista Owen sustentar as teses de que

I) Plato est lidando com usos incompletos do verbo εἶναι

II) O argumento no necessita do ldquoisolamento de um verbo

existencialrdquo

Em seu artigo Owen concentra-se na defesa da tese II) deixando I) como

uma assuno prvia ou como a concluso imediata de II) Como veremos a

defesa de I) caber a comentadores como Frede Bostock Mcdowell que

dedicaram seus artigos s sees posteriores do dilogo onde solucionado o

problema da falsidade Mas para que o argumento sobre sujeitos inexistentes seja

excludo da discusso Owen tratar da passagem 237b7-239c8

3 Ver pagina 17 (CfQuine1953)4 Por exemplo no comentrio para linha 241b em que Corford parece tratar indistintamente a questo dos sujeitos inexistentes e a questo acerca dos estados-de-coisas representados por sentenas falsas (Cornford1952214)

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Segundo Owen a seo comea tratando o problema na sua forma

tradicional 237b7-e7 tem como objetivo demonstrar que ldquoo que no rdquo equivale a

nada portanto falar o que no = falar nada = no falar Conclui-se que se falar

falsamente falar o que no no h tal fala falsardquo (OWEN1970432) Somente

esta primeira parte estaria relacionada a questo dos sujeitos inexistentes e faria

uso da equao ldquono-serrdquo = ldquoo no existenterdquo = ldquonadardquoF

5

Logo aps (238a1-c11) o Estrangeiro baseia-se no fato de que para

mencionarmos ou pensarmos em algo necessariamente atribumos alguma

propriedade a esta coisa O exemplo usado pelo Estrangeiro o numero como

categoria gramatical se mencionarmos algo devemos lhe atribuir ou bem a

unidade ou bem a multiplicidade ou bem a dualidade no caso da lngua grega

que possui o dual para artigos e nomes Sendo assim ao mencionarmos ou

pensarmos em lsquoo no-serrsquo estamos necessariamente atribuindo-lhe a unidade o

que parece contraditrio tendo em vista que o ldquono-serrdquo no deve possuir

qualquer tipo de atributos Owen afirma que esta passagem pode ser vista como

contendo um argumento independente da passagem anterior mas ainda

reafirmando a equao ldquoo que no rdquo = ldquonadardquo

Somente quando deduzido que ldquoo que no rdquo no nos possibilita sequer

um atributo para mencionarmos sendo portanto impronuncivel (238b6-c10)

que ldquoo problema convertido em um problema sobre refernciardquo (OWEN

1970434) Nesta passagem e na passagem subseqiexclente (238d1-239c8) o

Estrangeiro estaria rejeitando a noo de um objeto sem qualquer determinao

isto negando a possibilidade de algum objeto (x) ao qual nenhuma propriedade

F possa ser aplicada Ao localizar a fonte dos problemas na impossibilidade de

conceber algo para o qual nenhum predicado pode ser atribudo Plato d adeus

ao antigo problema acerca dos sujeitos inexistentes e passa a analisar a equao ldquoo

que no rdquo = ldquonadardquo como introduzindo um erro acerca da negao e no acerca

do sentido existencial do verbo ldquoserrdquo

Owen conclui que sua exposio desta seo do dilogo ldquoprova que

possvel criar puzzles sobre o Nada sem confundi-los com puzzles sobre o no-

existenterdquo E ainda ldquomostra que a questo do Sofista traz estes puzzles para

5 Segundo Owen trata-se de uma referncia a antigos problemas citados em dilogos como Theeteto e Eutidemo

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discusso de maneira a levar naturalmente ao estudo da sintaxe sujeito-predicado

e do ldquo conectivordquoF

6Frdquo (OWEN1970437)

No restante do seu artigo Owen procura reafirmar suas teses

principalmente atacando as interpretaes tradicionais fundamentadas na noo de

existncia Eventualmente Owen atribui analises para sentenas localizadas nas

sees destinadas soluo do problema da falsidade (255-264) No entanto sua

argumentao est mais focada em desqualificar seus opositores do que oferecer

uma anlise pormenorizada do texto platnico Sua posio entretanto bem

claramente explicitada em afirmaes do tipo ldquoO uso do verbo ldquoserrdquo no qual o

Estrangeiro apia suas concluses o uso conectivo7F distribudo entre identidade

e predicaordquo (OWEN 1970443)

A anlise passo-a-passo das passagens dedicadas soluo do problema foi

realizada em diversos artigos que se seguiram e que endossam as principais teses

de Owen Os comentadores que sero expostos a seguir na sua grande maioria

nem ao menos mencionam o sentido existencial como uma possibilidade

interpretativa e todos sem exceo procuram realizar a tarefa deixada por Owen

a saber oferecer uma interpretao para a soluo do problema baseada nos usos

incompletos do verbo ldquoserrdquo

6 A frmula ldquo lsquo rsquo conectivordquo claramente significa a forma incompleta do verbo ldquoserrdquo7 Incompleto na nossa terminologia

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41A Anlise do Problema da Falsidade

Os comentadores divergem acerca de como deve ser feita esta anlise e at

mesmo se Plato foi bem sucedido em sua tentativa A passagem crucial se

estende de 255 at 264 quando o Estrangeiro demonstra a falsidade da sentena

Theeteto est voando Tradicionalmente esta parte do dilogo tem sido dividida

da seguinte forma

A primeira passagem vai de 255e8 a 257a12 e inicia-se com os

interlocutores concordando que as formas se encontram em relaes umas com as

outras Sendo que enquanto umas se prestam a uma comunidade mtua outras

no esto relacionadas entre si Tendo sido estabelecido isto o Estrangeiro

apresenta as relaes possveis entre os cinco gneros supremos ser o outro

o mesmo o repouso e o movimento E estabelece que cada forma no

cada uma das outras (movimento no repouso no o mesmo no o outro

no o ser) devido a sua relao com o outro A concluso que chega o

estrangeiro que ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no

rdquo (to mh oAtilden) ilimitadordquo

Existe certo consenso por parte dos comentadores em analisar as

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo presentes nesta passagem como identidade dizer que

movimento no repouso equivale a dizer que movimento no idntico ao

repouso ou seja outro que o repouso

A segunda passagem se estende de 257b1 a 258c5 Aqui o Estrangeiro nota

que ao dizermos que algo no grande no estamos nos referindo

necessariamente ao pequeno isto o oposto do grande mas a alguma coisa de

diferente E que a forma do ldquooutrordquo quando aplicada a cada coisa possui um

nome prprio O ldquooutrordquo aplicado ao belo por exemplo o no-belo

H uma predisposio por parte dos comentadores em analisar esta

ocorrncia do verbo ldquoserrdquo como envolvendo predicao negativa E segundo a

grande maioria dos comentadores esta a anlise do verbo ldquoserrdquo necessria para

resolver o problema da falsidade

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As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da

falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens

aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os

comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato

A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde

Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da

seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena

falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que

possamos analisar melhor a relao entre elas

I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men

e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no

rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF

8

O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo

tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido

sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de

identidade

II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave

eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta

ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas

que no sordquo 9

Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria

dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por

exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto

analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da

primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador

universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos

8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo

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aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da

generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos

estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por

Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)

Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma

interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que

aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de

discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que

cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas

podemos reconhecer trs grupos

1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela

incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo

ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a

passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est

usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)

(OWEN1970)

2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser

analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)

(MCDOWELL1982)

3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em

nenhuma das duas passagens (ECK1994)

Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem

sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre

este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em

comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo

negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para

que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa

preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente

analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo

Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas

passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio

maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as

formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a

citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a

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primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a

anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em

257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja

realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise

possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem

estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do

problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser

entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro

candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre

formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de

fato tudo que belo diferente da forma do Belo

Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na

noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita

que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o

carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia

platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que

entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o

Belordquo (CORNFORD1952p293)

A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um

conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas

elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por

exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo

(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como

ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto

tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre

possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de

ἄλλοF

10F e ἕτερονF

11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de

incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que

dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas

esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira

10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo

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passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de

formas

A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o

desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que

Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que

teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)

Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de

falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o

Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em

Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que

Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua

argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser

dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ

θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que

estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que

Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a

predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto

conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em

ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto

is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma

nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas

passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises

diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato

Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode

ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa

Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de

Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -

no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou

seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato

entende ldquoO Pequeno no o GrandeF

13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso

12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia

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(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de

aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto

a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre

Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar

esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente

ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa

pequena) diferente do que granderdquo

Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente

no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo

natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est

fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF

14F Mesmo assim

Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que

ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da

falsidade (FREDEp411)

A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as

passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so

necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em

Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)

critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos

I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo

especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais

sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao

negativardquo (ECK1995p23)

II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir

do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma

parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser

entendido como negando identidade entre formas

Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da

relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de

que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como

contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por

parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em

14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F

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questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de

identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato

entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para

compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como

pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo

ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa

interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do

verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o

projeto platnico

A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck

volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo

corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre

classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo

pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash

Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes

de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria

voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse

da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de

analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao

com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento

estabelecida em 257c7-d5F

15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas

(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns

no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do

diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes

das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)

15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-

μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς

οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο

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H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 2: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

62

assimilao entre o modo de ser das imagens que mostram e parecem sem

realmente serem e o modo de ser do discurso falso que diz algo sem dizer algo

verdadeiro

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236e)F

2

Tanto as imagens quanto os discursos falsos parecem possuir uma estranha

relao com aquilo que pretendem representar Ambos no so aquilo que

representam no entanto claramente satildeo alguma coisa Uma imagem de uma casa

pode parecer e mostrar (φαίνεσθαι e δοκεῖν) muito bem uma casa sem

realmente s-la No entanto ningum negaria que ela alguma coisa ela

realmente e verdadeiramente uma imagem De maneira semelhante um discurso

falso descreve ou expressa uma situao um fato no um fato real mas

inegavelmente algum tipo de fato um fato falso A analogia s completamente

entendida se levarmos em conta a relao entre a imagem e o fato descrito pelo

discurso falso Assim como a imagens de um co se caracteriza por natildeo ser

realmente um co o contedo de um discurso falso caracteriza-se por natildeo ser

realmente um fato No entanto ambos satildeo realmente aquilo que so uma imagem

de algo e um fato falso Como emblematicamente enuncia o Estrangeiro ldquotal

afirmao supe ser o no serrdquo

Os comentadores da primeira metade do sculo XXI parecem concordar

com o fato de que na seo dedicada exposio das aporias relacionadas noo

de no-ser Plato est tratando dos argumentos baseados no conceito de

existncia e na impossibilidade de referir-se a sujeitos inexistentes Essa posio

fica clara tanto nos comentrios quanto nas tradues de autores como Cornford e

2236d9 - 237a1 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to

gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta

a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron

kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave

tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte

xalepon

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63

Guthrie que infalivelmente traduzem to mh oAtilden por ldquoo no existenterdquo Tal como

nas primeiras interpretaes apresentadas no capitulo anterior sobre o argumento

de Parmnides estes autores atribuem a Plato argumentos semelhantes queles

dos paradoxos modernos sobre sujeitos inexistentesF

3F Por mais que no decorrer

dos comentrios Cornford parea distanciar-se da questo dos sujeitos

inexistentes sua incessante traduo de to mh oAtilden por ldquoo inexistenterdquo torna

pouco clara sua interpretao4F Alm disso governa o comentrio destes autores a

assuno de que Plato nesta seo inicial est isolando o sentido existencial do

verbo ldquoserrdquo para desqualificar seu uso na formula to mh oAtilden Toda a passagem

237b-239c estaria voltada para alegao de que ldquoo no-serrdquo equivale a ldquoo no

existenterdquo ou ldquoa no-entidade absolutardquo (absolute nonentity) e que tais palavras

ldquono podem ser ditas sem cair-se em contradiordquo (CORFORD1958208)

Em ldquoPlato On Not-beingrdquo (OWEN1970) recentemente o artigo mais

influente acerca das aporias do no-ser Owen criticas estas interpretaes j

tradicionais e procura oferecer uma explicao baseada sobretudo nas noes de

referncia e predio Para que tais noes sejam atribudas ao argumento contido

no Sofista Owen sustentar as teses de que

I) Plato est lidando com usos incompletos do verbo εἶναι

II) O argumento no necessita do ldquoisolamento de um verbo

existencialrdquo

Em seu artigo Owen concentra-se na defesa da tese II) deixando I) como

uma assuno prvia ou como a concluso imediata de II) Como veremos a

defesa de I) caber a comentadores como Frede Bostock Mcdowell que

dedicaram seus artigos s sees posteriores do dilogo onde solucionado o

problema da falsidade Mas para que o argumento sobre sujeitos inexistentes seja

excludo da discusso Owen tratar da passagem 237b7-239c8

3 Ver pagina 17 (CfQuine1953)4 Por exemplo no comentrio para linha 241b em que Corford parece tratar indistintamente a questo dos sujeitos inexistentes e a questo acerca dos estados-de-coisas representados por sentenas falsas (Cornford1952214)

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Segundo Owen a seo comea tratando o problema na sua forma

tradicional 237b7-e7 tem como objetivo demonstrar que ldquoo que no rdquo equivale a

nada portanto falar o que no = falar nada = no falar Conclui-se que se falar

falsamente falar o que no no h tal fala falsardquo (OWEN1970432) Somente

esta primeira parte estaria relacionada a questo dos sujeitos inexistentes e faria

uso da equao ldquono-serrdquo = ldquoo no existenterdquo = ldquonadardquoF

5

Logo aps (238a1-c11) o Estrangeiro baseia-se no fato de que para

mencionarmos ou pensarmos em algo necessariamente atribumos alguma

propriedade a esta coisa O exemplo usado pelo Estrangeiro o numero como

categoria gramatical se mencionarmos algo devemos lhe atribuir ou bem a

unidade ou bem a multiplicidade ou bem a dualidade no caso da lngua grega

que possui o dual para artigos e nomes Sendo assim ao mencionarmos ou

pensarmos em lsquoo no-serrsquo estamos necessariamente atribuindo-lhe a unidade o

que parece contraditrio tendo em vista que o ldquono-serrdquo no deve possuir

qualquer tipo de atributos Owen afirma que esta passagem pode ser vista como

contendo um argumento independente da passagem anterior mas ainda

reafirmando a equao ldquoo que no rdquo = ldquonadardquo

Somente quando deduzido que ldquoo que no rdquo no nos possibilita sequer

um atributo para mencionarmos sendo portanto impronuncivel (238b6-c10)

que ldquoo problema convertido em um problema sobre refernciardquo (OWEN

1970434) Nesta passagem e na passagem subseqiexclente (238d1-239c8) o

Estrangeiro estaria rejeitando a noo de um objeto sem qualquer determinao

isto negando a possibilidade de algum objeto (x) ao qual nenhuma propriedade

F possa ser aplicada Ao localizar a fonte dos problemas na impossibilidade de

conceber algo para o qual nenhum predicado pode ser atribudo Plato d adeus

ao antigo problema acerca dos sujeitos inexistentes e passa a analisar a equao ldquoo

que no rdquo = ldquonadardquo como introduzindo um erro acerca da negao e no acerca

do sentido existencial do verbo ldquoserrdquo

Owen conclui que sua exposio desta seo do dilogo ldquoprova que

possvel criar puzzles sobre o Nada sem confundi-los com puzzles sobre o no-

existenterdquo E ainda ldquomostra que a questo do Sofista traz estes puzzles para

5 Segundo Owen trata-se de uma referncia a antigos problemas citados em dilogos como Theeteto e Eutidemo

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discusso de maneira a levar naturalmente ao estudo da sintaxe sujeito-predicado

e do ldquo conectivordquoF

6Frdquo (OWEN1970437)

No restante do seu artigo Owen procura reafirmar suas teses

principalmente atacando as interpretaes tradicionais fundamentadas na noo de

existncia Eventualmente Owen atribui analises para sentenas localizadas nas

sees destinadas soluo do problema da falsidade (255-264) No entanto sua

argumentao est mais focada em desqualificar seus opositores do que oferecer

uma anlise pormenorizada do texto platnico Sua posio entretanto bem

claramente explicitada em afirmaes do tipo ldquoO uso do verbo ldquoserrdquo no qual o

Estrangeiro apia suas concluses o uso conectivo7F distribudo entre identidade

e predicaordquo (OWEN 1970443)

A anlise passo-a-passo das passagens dedicadas soluo do problema foi

realizada em diversos artigos que se seguiram e que endossam as principais teses

de Owen Os comentadores que sero expostos a seguir na sua grande maioria

nem ao menos mencionam o sentido existencial como uma possibilidade

interpretativa e todos sem exceo procuram realizar a tarefa deixada por Owen

a saber oferecer uma interpretao para a soluo do problema baseada nos usos

incompletos do verbo ldquoserrdquo

6 A frmula ldquo lsquo rsquo conectivordquo claramente significa a forma incompleta do verbo ldquoserrdquo7 Incompleto na nossa terminologia

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41A Anlise do Problema da Falsidade

Os comentadores divergem acerca de como deve ser feita esta anlise e at

mesmo se Plato foi bem sucedido em sua tentativa A passagem crucial se

estende de 255 at 264 quando o Estrangeiro demonstra a falsidade da sentena

Theeteto est voando Tradicionalmente esta parte do dilogo tem sido dividida

da seguinte forma

A primeira passagem vai de 255e8 a 257a12 e inicia-se com os

interlocutores concordando que as formas se encontram em relaes umas com as

outras Sendo que enquanto umas se prestam a uma comunidade mtua outras

no esto relacionadas entre si Tendo sido estabelecido isto o Estrangeiro

apresenta as relaes possveis entre os cinco gneros supremos ser o outro

o mesmo o repouso e o movimento E estabelece que cada forma no

cada uma das outras (movimento no repouso no o mesmo no o outro

no o ser) devido a sua relao com o outro A concluso que chega o

estrangeiro que ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no

rdquo (to mh oAtilden) ilimitadordquo

Existe certo consenso por parte dos comentadores em analisar as

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo presentes nesta passagem como identidade dizer que

movimento no repouso equivale a dizer que movimento no idntico ao

repouso ou seja outro que o repouso

A segunda passagem se estende de 257b1 a 258c5 Aqui o Estrangeiro nota

que ao dizermos que algo no grande no estamos nos referindo

necessariamente ao pequeno isto o oposto do grande mas a alguma coisa de

diferente E que a forma do ldquooutrordquo quando aplicada a cada coisa possui um

nome prprio O ldquooutrordquo aplicado ao belo por exemplo o no-belo

H uma predisposio por parte dos comentadores em analisar esta

ocorrncia do verbo ldquoserrdquo como envolvendo predicao negativa E segundo a

grande maioria dos comentadores esta a anlise do verbo ldquoserrdquo necessria para

resolver o problema da falsidade

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As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da

falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens

aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os

comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato

A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde

Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da

seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena

falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que

possamos analisar melhor a relao entre elas

I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men

e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no

rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF

8

O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo

tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido

sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de

identidade

II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave

eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta

ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas

que no sordquo 9

Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria

dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por

exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto

analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da

primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador

universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos

8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo

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aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da

generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos

estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por

Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)

Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma

interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que

aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de

discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que

cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas

podemos reconhecer trs grupos

1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela

incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo

ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a

passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est

usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)

(OWEN1970)

2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser

analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)

(MCDOWELL1982)

3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em

nenhuma das duas passagens (ECK1994)

Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem

sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre

este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em

comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo

negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para

que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa

preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente

analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo

Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas

passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio

maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as

formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a

citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a

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primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a

anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em

257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja

realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise

possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem

estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do

problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser

entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro

candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre

formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de

fato tudo que belo diferente da forma do Belo

Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na

noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita

que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o

carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia

platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que

entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o

Belordquo (CORNFORD1952p293)

A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um

conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas

elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por

exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo

(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como

ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto

tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre

possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de

ἄλλοF

10F e ἕτερονF

11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de

incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que

dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas

esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira

10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo

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passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de

formas

A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o

desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que

Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que

teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)

Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de

falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o

Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em

Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que

Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua

argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser

dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ

θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que

estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que

Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a

predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto

conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em

ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto

is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma

nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas

passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises

diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato

Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode

ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa

Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de

Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -

no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou

seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato

entende ldquoO Pequeno no o GrandeF

13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso

12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia

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(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de

aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto

a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre

Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar

esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente

ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa

pequena) diferente do que granderdquo

Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente

no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo

natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est

fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF

14F Mesmo assim

Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que

ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da

falsidade (FREDEp411)

A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as

passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so

necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em

Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)

critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos

I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo

especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais

sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao

negativardquo (ECK1995p23)

II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir

do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma

parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser

entendido como negando identidade entre formas

Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da

relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de

que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como

contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por

parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em

14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F

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questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de

identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato

entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para

compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como

pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo

ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa

interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do

verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o

projeto platnico

A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck

volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo

corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre

classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo

pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash

Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes

de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria

voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse

da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de

analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao

com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento

estabelecida em 257c7-d5F

15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas

(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns

no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do

diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes

das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)

15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-

μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς

οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο

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H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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77

De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 3: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

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Guthrie que infalivelmente traduzem to mh oAtilden por ldquoo no existenterdquo Tal como

nas primeiras interpretaes apresentadas no capitulo anterior sobre o argumento

de Parmnides estes autores atribuem a Plato argumentos semelhantes queles

dos paradoxos modernos sobre sujeitos inexistentesF

3F Por mais que no decorrer

dos comentrios Cornford parea distanciar-se da questo dos sujeitos

inexistentes sua incessante traduo de to mh oAtilden por ldquoo inexistenterdquo torna

pouco clara sua interpretao4F Alm disso governa o comentrio destes autores a

assuno de que Plato nesta seo inicial est isolando o sentido existencial do

verbo ldquoserrdquo para desqualificar seu uso na formula to mh oAtilden Toda a passagem

237b-239c estaria voltada para alegao de que ldquoo no-serrdquo equivale a ldquoo no

existenterdquo ou ldquoa no-entidade absolutardquo (absolute nonentity) e que tais palavras

ldquono podem ser ditas sem cair-se em contradiordquo (CORFORD1958208)

Em ldquoPlato On Not-beingrdquo (OWEN1970) recentemente o artigo mais

influente acerca das aporias do no-ser Owen criticas estas interpretaes j

tradicionais e procura oferecer uma explicao baseada sobretudo nas noes de

referncia e predio Para que tais noes sejam atribudas ao argumento contido

no Sofista Owen sustentar as teses de que

I) Plato est lidando com usos incompletos do verbo εἶναι

II) O argumento no necessita do ldquoisolamento de um verbo

existencialrdquo

Em seu artigo Owen concentra-se na defesa da tese II) deixando I) como

uma assuno prvia ou como a concluso imediata de II) Como veremos a

defesa de I) caber a comentadores como Frede Bostock Mcdowell que

dedicaram seus artigos s sees posteriores do dilogo onde solucionado o

problema da falsidade Mas para que o argumento sobre sujeitos inexistentes seja

excludo da discusso Owen tratar da passagem 237b7-239c8

3 Ver pagina 17 (CfQuine1953)4 Por exemplo no comentrio para linha 241b em que Corford parece tratar indistintamente a questo dos sujeitos inexistentes e a questo acerca dos estados-de-coisas representados por sentenas falsas (Cornford1952214)

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Segundo Owen a seo comea tratando o problema na sua forma

tradicional 237b7-e7 tem como objetivo demonstrar que ldquoo que no rdquo equivale a

nada portanto falar o que no = falar nada = no falar Conclui-se que se falar

falsamente falar o que no no h tal fala falsardquo (OWEN1970432) Somente

esta primeira parte estaria relacionada a questo dos sujeitos inexistentes e faria

uso da equao ldquono-serrdquo = ldquoo no existenterdquo = ldquonadardquoF

5

Logo aps (238a1-c11) o Estrangeiro baseia-se no fato de que para

mencionarmos ou pensarmos em algo necessariamente atribumos alguma

propriedade a esta coisa O exemplo usado pelo Estrangeiro o numero como

categoria gramatical se mencionarmos algo devemos lhe atribuir ou bem a

unidade ou bem a multiplicidade ou bem a dualidade no caso da lngua grega

que possui o dual para artigos e nomes Sendo assim ao mencionarmos ou

pensarmos em lsquoo no-serrsquo estamos necessariamente atribuindo-lhe a unidade o

que parece contraditrio tendo em vista que o ldquono-serrdquo no deve possuir

qualquer tipo de atributos Owen afirma que esta passagem pode ser vista como

contendo um argumento independente da passagem anterior mas ainda

reafirmando a equao ldquoo que no rdquo = ldquonadardquo

Somente quando deduzido que ldquoo que no rdquo no nos possibilita sequer

um atributo para mencionarmos sendo portanto impronuncivel (238b6-c10)

que ldquoo problema convertido em um problema sobre refernciardquo (OWEN

1970434) Nesta passagem e na passagem subseqiexclente (238d1-239c8) o

Estrangeiro estaria rejeitando a noo de um objeto sem qualquer determinao

isto negando a possibilidade de algum objeto (x) ao qual nenhuma propriedade

F possa ser aplicada Ao localizar a fonte dos problemas na impossibilidade de

conceber algo para o qual nenhum predicado pode ser atribudo Plato d adeus

ao antigo problema acerca dos sujeitos inexistentes e passa a analisar a equao ldquoo

que no rdquo = ldquonadardquo como introduzindo um erro acerca da negao e no acerca

do sentido existencial do verbo ldquoserrdquo

Owen conclui que sua exposio desta seo do dilogo ldquoprova que

possvel criar puzzles sobre o Nada sem confundi-los com puzzles sobre o no-

existenterdquo E ainda ldquomostra que a questo do Sofista traz estes puzzles para

5 Segundo Owen trata-se de uma referncia a antigos problemas citados em dilogos como Theeteto e Eutidemo

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discusso de maneira a levar naturalmente ao estudo da sintaxe sujeito-predicado

e do ldquo conectivordquoF

6Frdquo (OWEN1970437)

No restante do seu artigo Owen procura reafirmar suas teses

principalmente atacando as interpretaes tradicionais fundamentadas na noo de

existncia Eventualmente Owen atribui analises para sentenas localizadas nas

sees destinadas soluo do problema da falsidade (255-264) No entanto sua

argumentao est mais focada em desqualificar seus opositores do que oferecer

uma anlise pormenorizada do texto platnico Sua posio entretanto bem

claramente explicitada em afirmaes do tipo ldquoO uso do verbo ldquoserrdquo no qual o

Estrangeiro apia suas concluses o uso conectivo7F distribudo entre identidade

e predicaordquo (OWEN 1970443)

A anlise passo-a-passo das passagens dedicadas soluo do problema foi

realizada em diversos artigos que se seguiram e que endossam as principais teses

de Owen Os comentadores que sero expostos a seguir na sua grande maioria

nem ao menos mencionam o sentido existencial como uma possibilidade

interpretativa e todos sem exceo procuram realizar a tarefa deixada por Owen

a saber oferecer uma interpretao para a soluo do problema baseada nos usos

incompletos do verbo ldquoserrdquo

6 A frmula ldquo lsquo rsquo conectivordquo claramente significa a forma incompleta do verbo ldquoserrdquo7 Incompleto na nossa terminologia

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41A Anlise do Problema da Falsidade

Os comentadores divergem acerca de como deve ser feita esta anlise e at

mesmo se Plato foi bem sucedido em sua tentativa A passagem crucial se

estende de 255 at 264 quando o Estrangeiro demonstra a falsidade da sentena

Theeteto est voando Tradicionalmente esta parte do dilogo tem sido dividida

da seguinte forma

A primeira passagem vai de 255e8 a 257a12 e inicia-se com os

interlocutores concordando que as formas se encontram em relaes umas com as

outras Sendo que enquanto umas se prestam a uma comunidade mtua outras

no esto relacionadas entre si Tendo sido estabelecido isto o Estrangeiro

apresenta as relaes possveis entre os cinco gneros supremos ser o outro

o mesmo o repouso e o movimento E estabelece que cada forma no

cada uma das outras (movimento no repouso no o mesmo no o outro

no o ser) devido a sua relao com o outro A concluso que chega o

estrangeiro que ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no

rdquo (to mh oAtilden) ilimitadordquo

Existe certo consenso por parte dos comentadores em analisar as

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo presentes nesta passagem como identidade dizer que

movimento no repouso equivale a dizer que movimento no idntico ao

repouso ou seja outro que o repouso

A segunda passagem se estende de 257b1 a 258c5 Aqui o Estrangeiro nota

que ao dizermos que algo no grande no estamos nos referindo

necessariamente ao pequeno isto o oposto do grande mas a alguma coisa de

diferente E que a forma do ldquooutrordquo quando aplicada a cada coisa possui um

nome prprio O ldquooutrordquo aplicado ao belo por exemplo o no-belo

H uma predisposio por parte dos comentadores em analisar esta

ocorrncia do verbo ldquoserrdquo como envolvendo predicao negativa E segundo a

grande maioria dos comentadores esta a anlise do verbo ldquoserrdquo necessria para

resolver o problema da falsidade

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As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da

falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens

aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os

comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato

A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde

Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da

seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena

falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que

possamos analisar melhor a relao entre elas

I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men

e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no

rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF

8

O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo

tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido

sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de

identidade

II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave

eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta

ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas

que no sordquo 9

Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria

dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por

exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto

analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da

primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador

universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos

8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo

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aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da

generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos

estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por

Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)

Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma

interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que

aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de

discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que

cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas

podemos reconhecer trs grupos

1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela

incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo

ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a

passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est

usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)

(OWEN1970)

2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser

analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)

(MCDOWELL1982)

3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em

nenhuma das duas passagens (ECK1994)

Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem

sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre

este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em

comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo

negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para

que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa

preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente

analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo

Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas

passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio

maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as

formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a

citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a

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primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a

anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em

257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja

realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise

possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem

estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do

problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser

entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro

candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre

formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de

fato tudo que belo diferente da forma do Belo

Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na

noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita

que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o

carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia

platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que

entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o

Belordquo (CORNFORD1952p293)

A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um

conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas

elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por

exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo

(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como

ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto

tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre

possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de

ἄλλοF

10F e ἕτερονF

11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de

incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que

dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas

esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira

10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo

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passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de

formas

A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o

desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que

Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que

teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)

Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de

falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o

Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em

Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que

Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua

argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser

dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ

θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que

estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que

Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a

predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto

conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em

ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto

is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma

nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas

passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises

diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato

Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode

ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa

Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de

Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -

no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou

seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato

entende ldquoO Pequeno no o GrandeF

13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso

12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia

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(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de

aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto

a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre

Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar

esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente

ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa

pequena) diferente do que granderdquo

Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente

no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo

natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est

fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF

14F Mesmo assim

Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que

ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da

falsidade (FREDEp411)

A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as

passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so

necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em

Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)

critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos

I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo

especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais

sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao

negativardquo (ECK1995p23)

II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir

do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma

parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser

entendido como negando identidade entre formas

Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da

relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de

que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como

contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por

parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em

14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F

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questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de

identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato

entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para

compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como

pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo

ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa

interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do

verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o

projeto platnico

A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck

volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo

corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre

classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo

pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash

Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes

de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria

voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse

da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de

analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao

com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento

estabelecida em 257c7-d5F

15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas

(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns

no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do

diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes

das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)

15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-

μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς

οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο

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H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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84

dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 4: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

64

Segundo Owen a seo comea tratando o problema na sua forma

tradicional 237b7-e7 tem como objetivo demonstrar que ldquoo que no rdquo equivale a

nada portanto falar o que no = falar nada = no falar Conclui-se que se falar

falsamente falar o que no no h tal fala falsardquo (OWEN1970432) Somente

esta primeira parte estaria relacionada a questo dos sujeitos inexistentes e faria

uso da equao ldquono-serrdquo = ldquoo no existenterdquo = ldquonadardquoF

5

Logo aps (238a1-c11) o Estrangeiro baseia-se no fato de que para

mencionarmos ou pensarmos em algo necessariamente atribumos alguma

propriedade a esta coisa O exemplo usado pelo Estrangeiro o numero como

categoria gramatical se mencionarmos algo devemos lhe atribuir ou bem a

unidade ou bem a multiplicidade ou bem a dualidade no caso da lngua grega

que possui o dual para artigos e nomes Sendo assim ao mencionarmos ou

pensarmos em lsquoo no-serrsquo estamos necessariamente atribuindo-lhe a unidade o

que parece contraditrio tendo em vista que o ldquono-serrdquo no deve possuir

qualquer tipo de atributos Owen afirma que esta passagem pode ser vista como

contendo um argumento independente da passagem anterior mas ainda

reafirmando a equao ldquoo que no rdquo = ldquonadardquo

Somente quando deduzido que ldquoo que no rdquo no nos possibilita sequer

um atributo para mencionarmos sendo portanto impronuncivel (238b6-c10)

que ldquoo problema convertido em um problema sobre refernciardquo (OWEN

1970434) Nesta passagem e na passagem subseqiexclente (238d1-239c8) o

Estrangeiro estaria rejeitando a noo de um objeto sem qualquer determinao

isto negando a possibilidade de algum objeto (x) ao qual nenhuma propriedade

F possa ser aplicada Ao localizar a fonte dos problemas na impossibilidade de

conceber algo para o qual nenhum predicado pode ser atribudo Plato d adeus

ao antigo problema acerca dos sujeitos inexistentes e passa a analisar a equao ldquoo

que no rdquo = ldquonadardquo como introduzindo um erro acerca da negao e no acerca

do sentido existencial do verbo ldquoserrdquo

Owen conclui que sua exposio desta seo do dilogo ldquoprova que

possvel criar puzzles sobre o Nada sem confundi-los com puzzles sobre o no-

existenterdquo E ainda ldquomostra que a questo do Sofista traz estes puzzles para

5 Segundo Owen trata-se de uma referncia a antigos problemas citados em dilogos como Theeteto e Eutidemo

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discusso de maneira a levar naturalmente ao estudo da sintaxe sujeito-predicado

e do ldquo conectivordquoF

6Frdquo (OWEN1970437)

No restante do seu artigo Owen procura reafirmar suas teses

principalmente atacando as interpretaes tradicionais fundamentadas na noo de

existncia Eventualmente Owen atribui analises para sentenas localizadas nas

sees destinadas soluo do problema da falsidade (255-264) No entanto sua

argumentao est mais focada em desqualificar seus opositores do que oferecer

uma anlise pormenorizada do texto platnico Sua posio entretanto bem

claramente explicitada em afirmaes do tipo ldquoO uso do verbo ldquoserrdquo no qual o

Estrangeiro apia suas concluses o uso conectivo7F distribudo entre identidade

e predicaordquo (OWEN 1970443)

A anlise passo-a-passo das passagens dedicadas soluo do problema foi

realizada em diversos artigos que se seguiram e que endossam as principais teses

de Owen Os comentadores que sero expostos a seguir na sua grande maioria

nem ao menos mencionam o sentido existencial como uma possibilidade

interpretativa e todos sem exceo procuram realizar a tarefa deixada por Owen

a saber oferecer uma interpretao para a soluo do problema baseada nos usos

incompletos do verbo ldquoserrdquo

6 A frmula ldquo lsquo rsquo conectivordquo claramente significa a forma incompleta do verbo ldquoserrdquo7 Incompleto na nossa terminologia

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41A Anlise do Problema da Falsidade

Os comentadores divergem acerca de como deve ser feita esta anlise e at

mesmo se Plato foi bem sucedido em sua tentativa A passagem crucial se

estende de 255 at 264 quando o Estrangeiro demonstra a falsidade da sentena

Theeteto est voando Tradicionalmente esta parte do dilogo tem sido dividida

da seguinte forma

A primeira passagem vai de 255e8 a 257a12 e inicia-se com os

interlocutores concordando que as formas se encontram em relaes umas com as

outras Sendo que enquanto umas se prestam a uma comunidade mtua outras

no esto relacionadas entre si Tendo sido estabelecido isto o Estrangeiro

apresenta as relaes possveis entre os cinco gneros supremos ser o outro

o mesmo o repouso e o movimento E estabelece que cada forma no

cada uma das outras (movimento no repouso no o mesmo no o outro

no o ser) devido a sua relao com o outro A concluso que chega o

estrangeiro que ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no

rdquo (to mh oAtilden) ilimitadordquo

Existe certo consenso por parte dos comentadores em analisar as

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo presentes nesta passagem como identidade dizer que

movimento no repouso equivale a dizer que movimento no idntico ao

repouso ou seja outro que o repouso

A segunda passagem se estende de 257b1 a 258c5 Aqui o Estrangeiro nota

que ao dizermos que algo no grande no estamos nos referindo

necessariamente ao pequeno isto o oposto do grande mas a alguma coisa de

diferente E que a forma do ldquooutrordquo quando aplicada a cada coisa possui um

nome prprio O ldquooutrordquo aplicado ao belo por exemplo o no-belo

H uma predisposio por parte dos comentadores em analisar esta

ocorrncia do verbo ldquoserrdquo como envolvendo predicao negativa E segundo a

grande maioria dos comentadores esta a anlise do verbo ldquoserrdquo necessria para

resolver o problema da falsidade

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As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da

falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens

aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os

comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato

A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde

Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da

seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena

falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que

possamos analisar melhor a relao entre elas

I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men

e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no

rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF

8

O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo

tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido

sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de

identidade

II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave

eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta

ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas

que no sordquo 9

Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria

dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por

exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto

analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da

primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador

universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos

8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo

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aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da

generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos

estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por

Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)

Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma

interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que

aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de

discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que

cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas

podemos reconhecer trs grupos

1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela

incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo

ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a

passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est

usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)

(OWEN1970)

2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser

analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)

(MCDOWELL1982)

3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em

nenhuma das duas passagens (ECK1994)

Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem

sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre

este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em

comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo

negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para

que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa

preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente

analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo

Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas

passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio

maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as

formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a

citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a

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primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a

anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em

257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja

realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise

possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem

estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do

problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser

entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro

candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre

formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de

fato tudo que belo diferente da forma do Belo

Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na

noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita

que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o

carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia

platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que

entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o

Belordquo (CORNFORD1952p293)

A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um

conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas

elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por

exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo

(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como

ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto

tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre

possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de

ἄλλοF

10F e ἕτερονF

11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de

incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que

dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas

esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira

10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo

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passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de

formas

A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o

desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que

Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que

teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)

Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de

falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o

Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em

Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que

Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua

argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser

dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ

θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que

estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que

Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a

predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto

conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em

ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto

is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma

nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas

passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises

diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato

Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode

ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa

Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de

Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -

no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou

seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato

entende ldquoO Pequeno no o GrandeF

13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso

12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia

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(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de

aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto

a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre

Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar

esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente

ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa

pequena) diferente do que granderdquo

Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente

no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo

natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est

fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF

14F Mesmo assim

Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que

ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da

falsidade (FREDEp411)

A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as

passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so

necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em

Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)

critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos

I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo

especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais

sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao

negativardquo (ECK1995p23)

II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir

do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma

parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser

entendido como negando identidade entre formas

Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da

relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de

que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como

contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por

parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em

14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F

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questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de

identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato

entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para

compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como

pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo

ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa

interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do

verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o

projeto platnico

A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck

volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo

corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre

classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo

pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash

Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes

de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria

voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse

da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de

analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao

com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento

estabelecida em 257c7-d5F

15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas

(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns

no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do

diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes

das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)

15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-

μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς

οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο

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H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 5: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

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discusso de maneira a levar naturalmente ao estudo da sintaxe sujeito-predicado

e do ldquo conectivordquoF

6Frdquo (OWEN1970437)

No restante do seu artigo Owen procura reafirmar suas teses

principalmente atacando as interpretaes tradicionais fundamentadas na noo de

existncia Eventualmente Owen atribui analises para sentenas localizadas nas

sees destinadas soluo do problema da falsidade (255-264) No entanto sua

argumentao est mais focada em desqualificar seus opositores do que oferecer

uma anlise pormenorizada do texto platnico Sua posio entretanto bem

claramente explicitada em afirmaes do tipo ldquoO uso do verbo ldquoserrdquo no qual o

Estrangeiro apia suas concluses o uso conectivo7F distribudo entre identidade

e predicaordquo (OWEN 1970443)

A anlise passo-a-passo das passagens dedicadas soluo do problema foi

realizada em diversos artigos que se seguiram e que endossam as principais teses

de Owen Os comentadores que sero expostos a seguir na sua grande maioria

nem ao menos mencionam o sentido existencial como uma possibilidade

interpretativa e todos sem exceo procuram realizar a tarefa deixada por Owen

a saber oferecer uma interpretao para a soluo do problema baseada nos usos

incompletos do verbo ldquoserrdquo

6 A frmula ldquo lsquo rsquo conectivordquo claramente significa a forma incompleta do verbo ldquoserrdquo7 Incompleto na nossa terminologia

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41A Anlise do Problema da Falsidade

Os comentadores divergem acerca de como deve ser feita esta anlise e at

mesmo se Plato foi bem sucedido em sua tentativa A passagem crucial se

estende de 255 at 264 quando o Estrangeiro demonstra a falsidade da sentena

Theeteto est voando Tradicionalmente esta parte do dilogo tem sido dividida

da seguinte forma

A primeira passagem vai de 255e8 a 257a12 e inicia-se com os

interlocutores concordando que as formas se encontram em relaes umas com as

outras Sendo que enquanto umas se prestam a uma comunidade mtua outras

no esto relacionadas entre si Tendo sido estabelecido isto o Estrangeiro

apresenta as relaes possveis entre os cinco gneros supremos ser o outro

o mesmo o repouso e o movimento E estabelece que cada forma no

cada uma das outras (movimento no repouso no o mesmo no o outro

no o ser) devido a sua relao com o outro A concluso que chega o

estrangeiro que ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no

rdquo (to mh oAtilden) ilimitadordquo

Existe certo consenso por parte dos comentadores em analisar as

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo presentes nesta passagem como identidade dizer que

movimento no repouso equivale a dizer que movimento no idntico ao

repouso ou seja outro que o repouso

A segunda passagem se estende de 257b1 a 258c5 Aqui o Estrangeiro nota

que ao dizermos que algo no grande no estamos nos referindo

necessariamente ao pequeno isto o oposto do grande mas a alguma coisa de

diferente E que a forma do ldquooutrordquo quando aplicada a cada coisa possui um

nome prprio O ldquooutrordquo aplicado ao belo por exemplo o no-belo

H uma predisposio por parte dos comentadores em analisar esta

ocorrncia do verbo ldquoserrdquo como envolvendo predicao negativa E segundo a

grande maioria dos comentadores esta a anlise do verbo ldquoserrdquo necessria para

resolver o problema da falsidade

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As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da

falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens

aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os

comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato

A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde

Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da

seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena

falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que

possamos analisar melhor a relao entre elas

I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men

e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no

rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF

8

O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo

tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido

sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de

identidade

II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave

eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta

ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas

que no sordquo 9

Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria

dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por

exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto

analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da

primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador

universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos

8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo

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aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da

generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos

estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por

Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)

Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma

interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que

aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de

discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que

cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas

podemos reconhecer trs grupos

1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela

incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo

ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a

passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est

usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)

(OWEN1970)

2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser

analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)

(MCDOWELL1982)

3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em

nenhuma das duas passagens (ECK1994)

Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem

sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre

este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em

comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo

negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para

que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa

preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente

analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo

Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas

passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio

maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as

formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a

citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a

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primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a

anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em

257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja

realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise

possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem

estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do

problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser

entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro

candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre

formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de

fato tudo que belo diferente da forma do Belo

Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na

noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita

que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o

carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia

platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que

entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o

Belordquo (CORNFORD1952p293)

A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um

conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas

elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por

exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo

(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como

ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto

tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre

possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de

ἄλλοF

10F e ἕτερονF

11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de

incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que

dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas

esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira

10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo

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passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de

formas

A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o

desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que

Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que

teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)

Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de

falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o

Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em

Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que

Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua

argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser

dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ

θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que

estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que

Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a

predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto

conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em

ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto

is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma

nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas

passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises

diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato

Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode

ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa

Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de

Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -

no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou

seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato

entende ldquoO Pequeno no o GrandeF

13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso

12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia

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(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de

aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto

a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre

Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar

esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente

ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa

pequena) diferente do que granderdquo

Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente

no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo

natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est

fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF

14F Mesmo assim

Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que

ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da

falsidade (FREDEp411)

A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as

passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so

necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em

Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)

critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos

I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo

especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais

sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao

negativardquo (ECK1995p23)

II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir

do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma

parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser

entendido como negando identidade entre formas

Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da

relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de

que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como

contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por

parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em

14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F

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questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de

identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato

entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para

compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como

pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo

ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa

interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do

verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o

projeto platnico

A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck

volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo

corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre

classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo

pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash

Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes

de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria

voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse

da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de

analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao

com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento

estabelecida em 257c7-d5F

15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas

(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns

no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do

diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes

das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)

15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-

μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς

οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο

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H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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84

dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 6: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

66

41A Anlise do Problema da Falsidade

Os comentadores divergem acerca de como deve ser feita esta anlise e at

mesmo se Plato foi bem sucedido em sua tentativa A passagem crucial se

estende de 255 at 264 quando o Estrangeiro demonstra a falsidade da sentena

Theeteto est voando Tradicionalmente esta parte do dilogo tem sido dividida

da seguinte forma

A primeira passagem vai de 255e8 a 257a12 e inicia-se com os

interlocutores concordando que as formas se encontram em relaes umas com as

outras Sendo que enquanto umas se prestam a uma comunidade mtua outras

no esto relacionadas entre si Tendo sido estabelecido isto o Estrangeiro

apresenta as relaes possveis entre os cinco gneros supremos ser o outro

o mesmo o repouso e o movimento E estabelece que cada forma no

cada uma das outras (movimento no repouso no o mesmo no o outro

no o ser) devido a sua relao com o outro A concluso que chega o

estrangeiro que ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no

rdquo (to mh oAtilden) ilimitadordquo

Existe certo consenso por parte dos comentadores em analisar as

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo presentes nesta passagem como identidade dizer que

movimento no repouso equivale a dizer que movimento no idntico ao

repouso ou seja outro que o repouso

A segunda passagem se estende de 257b1 a 258c5 Aqui o Estrangeiro nota

que ao dizermos que algo no grande no estamos nos referindo

necessariamente ao pequeno isto o oposto do grande mas a alguma coisa de

diferente E que a forma do ldquooutrordquo quando aplicada a cada coisa possui um

nome prprio O ldquooutrordquo aplicado ao belo por exemplo o no-belo

H uma predisposio por parte dos comentadores em analisar esta

ocorrncia do verbo ldquoserrdquo como envolvendo predicao negativa E segundo a

grande maioria dos comentadores esta a anlise do verbo ldquoserrdquo necessria para

resolver o problema da falsidade

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As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da

falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens

aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os

comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato

A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde

Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da

seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena

falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que

possamos analisar melhor a relao entre elas

I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men

e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no

rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF

8

O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo

tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido

sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de

identidade

II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave

eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta

ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas

que no sordquo 9

Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria

dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por

exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto

analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da

primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador

universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos

8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo

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aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da

generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos

estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por

Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)

Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma

interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que

aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de

discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que

cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas

podemos reconhecer trs grupos

1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela

incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo

ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a

passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est

usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)

(OWEN1970)

2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser

analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)

(MCDOWELL1982)

3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em

nenhuma das duas passagens (ECK1994)

Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem

sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre

este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em

comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo

negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para

que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa

preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente

analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo

Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas

passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio

maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as

formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a

citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a

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primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a

anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em

257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja

realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise

possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem

estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do

problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser

entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro

candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre

formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de

fato tudo que belo diferente da forma do Belo

Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na

noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita

que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o

carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia

platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que

entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o

Belordquo (CORNFORD1952p293)

A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um

conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas

elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por

exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo

(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como

ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto

tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre

possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de

ἄλλοF

10F e ἕτερονF

11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de

incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que

dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas

esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira

10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo

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passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de

formas

A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o

desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que

Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que

teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)

Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de

falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o

Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em

Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que

Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua

argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser

dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ

θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que

estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que

Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a

predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto

conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em

ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto

is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma

nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas

passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises

diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato

Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode

ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa

Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de

Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -

no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou

seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato

entende ldquoO Pequeno no o GrandeF

13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso

12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia

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(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de

aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto

a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre

Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar

esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente

ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa

pequena) diferente do que granderdquo

Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente

no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo

natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est

fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF

14F Mesmo assim

Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que

ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da

falsidade (FREDEp411)

A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as

passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so

necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em

Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)

critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos

I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo

especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais

sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao

negativardquo (ECK1995p23)

II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir

do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma

parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser

entendido como negando identidade entre formas

Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da

relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de

que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como

contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por

parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em

14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F

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questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de

identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato

entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para

compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como

pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo

ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa

interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do

verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o

projeto platnico

A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck

volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo

corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre

classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo

pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash

Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes

de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria

voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse

da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de

analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao

com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento

estabelecida em 257c7-d5F

15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas

(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns

no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do

diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes

das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)

15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-

μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς

οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο

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H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 7: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

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As dificuldades comeam quando ao anunciar a soluo do problema da

falsidade (em 263b11) o Estrangeiro faz referncia primeira das duas passagens

aquela em que so expostas as relaes entre os gneros supremos e onde os

comentadores vem apenas no identidade Como explicar tal fato

A referncia parece bastante clara e j reconhecida ao menos desde

Cornford para quem Plato est ldquoinvocando as Formas e usando os resultados da

seo sobre as combinaesrdquo(isto 255-257) para obter o sentido da sentena

falsa (CORNFORD1952316) Vejamos as duas sentenas lado a lado para que

possamos analisar melhor a relao entre elas

I) Em 256e 5 temos Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men

e)sti to oAtilden aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) [isso] muito e ldquoo que no

rdquo(to mh oAtilden) [isso] ilimitadordquoF

8

O acrscimo do pronome demonstrativo como complemento ao verbo ldquoserrdquo

tem como objetivo explicitar que nesta passagem o verbo entendido

sintaticamente como incompleto e semanticamente como uma predicao de

identidade

II) J em 263b 11 temos polla men gar eAtildefamenFF oAtildenta periigrave

eAgravekaston eiaringnaiiquest pou polla de ou)k oAtildenta

ldquoDizamos que no caso de cada (coisa) h muitas (coisas) que so e muitas

que no sordquo 9

Entendendo predicativamente as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo isto seria

dizer No caso de cada coisa (incluindo Theeteto) h muitas coisas que so (por

exemplo sentado) e muitas que no so (por exemplo voando) No entanto

analisando 263b11 desta maneira ns a tornamos consideravelmente distinta da

primeira passagem em dois pontos Primeiro enquanto em 256 o quantificador

universal (eAgravekaston) aplica-se s formas (twfrac12n eisup1dwfrac12n) em 263 estamos

8 Apresento primeiramente a traduo de Mcdowell (1982)9 A presena da palavra eAtildefamen ( imperfeito ativo do verbo φημί na 1cent pessoa do plural -dizamos) indica que trata-se de uma referncia a algum resultado obtido anteriormente E no parece haver comentador que considere outra passagem seno 256e5 como a passagem em questo

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aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da

generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos

estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por

Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)

Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma

interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que

aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de

discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que

cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas

podemos reconhecer trs grupos

1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela

incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo

ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a

passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est

usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)

(OWEN1970)

2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser

analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)

(MCDOWELL1982)

3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em

nenhuma das duas passagens (ECK1994)

Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem

sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre

este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em

comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo

negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para

que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa

preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente

analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo

Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas

passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio

maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as

formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a

citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a

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primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a

anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em

257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja

realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise

possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem

estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do

problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser

entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro

candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre

formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de

fato tudo que belo diferente da forma do Belo

Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na

noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita

que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o

carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia

platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que

entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o

Belordquo (CORNFORD1952p293)

A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um

conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas

elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por

exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo

(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como

ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto

tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre

possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de

ἄλλοF

10F e ἕτερονF

11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de

incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que

dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas

esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira

10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo

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passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de

formas

A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o

desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que

Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que

teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)

Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de

falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o

Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em

Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que

Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua

argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser

dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ

θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que

estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que

Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a

predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto

conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em

ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto

is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma

nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas

passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises

diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato

Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode

ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa

Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de

Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -

no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou

seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato

entende ldquoO Pequeno no o GrandeF

13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso

12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia

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(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de

aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto

a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre

Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar

esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente

ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa

pequena) diferente do que granderdquo

Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente

no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo

natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est

fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF

14F Mesmo assim

Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que

ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da

falsidade (FREDEp411)

A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as

passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so

necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em

Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)

critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos

I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo

especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais

sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao

negativardquo (ECK1995p23)

II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir

do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma

parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser

entendido como negando identidade entre formas

Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da

relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de

que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como

contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por

parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em

14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F

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questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de

identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato

entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para

compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como

pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo

ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa

interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do

verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o

projeto platnico

A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck

volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo

corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre

classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo

pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash

Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes

de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria

voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse

da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de

analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao

com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento

estabelecida em 257c7-d5F

15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas

(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns

no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do

diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes

das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)

15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-

μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς

οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο

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H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 8: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

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aplicando-o a Theeteto Em segundo lugar enquanto em 256 a parte negativa da

generalizao s cobria casos de negao de identidade em 263 estamos

estendendo para predicao negativa Ambas as modificaes foram notadas por

Mcdowell (MCDOWELL1982 123-124)

Como podemos incorporar estas modificaes de maneira a oferecer uma

interpretao desejvel Esta interpretao deve dar conta do fato de que

aparentemente a passagem na qual est fundamentada a possibilidade de

discursos falsos trata apenas das relaes possveis entre as formas e conclui que

cada forma e no cada uma das outras Dentre as solues propostas

podemos reconhecer trs grupos

1)aqueles que explicam a referncia primeira das duas passagens pela

incapacidade de Plato de reconhecer a diferena entre estes dois usos do verbo

ldquoserrdquo De tal forma que ao introduzir a predicao negativa em 257b1-258c5 a

passagem acerca do no-belo Plato no se d conta de que s a partir da est

usando a noo necessria para capturar o sofista (BOSTOCK1984)

(OWEN1970)

2)aqueles que acreditam que a primeira passagem tambm pode ser

analisada em termos de predicao negativa (ACKRILL1957) (FREDE1992)

(MCDOWELL1982)

3)aqueles que acreditam no haver definitivamente predicao negativa em

nenhuma das duas passagens (ECK1994)

Dentre estes trs grupos de comentadores os dois primeiros so sem

sombra de dvida mais reconhecidos E grande parte dos trabalhos escritos sobre

este assunto toma como ponto de partida aquilo que estes dois grupos tem em

comum a opinio de que atravs da anlise do verbo ldquoserrdquo como predicaccedilatildeo

negativa que Plato fornece sua soluo para o problema da falsidade Ora para

que uma soluo do problema seja apresentada atravs da predicao negativa

preciso que a falsidade de sentenas do tipo ldquoScrates belordquo seja corretamente

analisada atravs da sentena ldquoScrates no belordquo

Definitivamente no tem se mostrado muito fcil relacionar estas duas

passagens e ainda oferecer uma soluo satisfatria para o problema O desafio

maior parece estar na maneira de relacionar a passagem acerca da relao entre as

formas (255e8-257a12) e a passagem acerca do no-belo de tal forma que a

citao da primeira passagem na soluo do problema torne-se natural Como a

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primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a

anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em

257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja

realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise

possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem

estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do

problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser

entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro

candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre

formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de

fato tudo que belo diferente da forma do Belo

Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na

noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita

que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o

carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia

platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que

entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o

Belordquo (CORNFORD1952p293)

A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um

conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas

elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por

exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo

(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como

ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto

tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre

possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de

ἄλλοF

10F e ἕτερονF

11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de

incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que

dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas

esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira

10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo

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passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de

formas

A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o

desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que

Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que

teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)

Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de

falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o

Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em

Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que

Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua

argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser

dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ

θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que

estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que

Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a

predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto

conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em

ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto

is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma

nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas

passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises

diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato

Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode

ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa

Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de

Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -

no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou

seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato

entende ldquoO Pequeno no o GrandeF

13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso

12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia

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(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de

aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto

a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre

Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar

esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente

ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa

pequena) diferente do que granderdquo

Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente

no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo

natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est

fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF

14F Mesmo assim

Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que

ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da

falsidade (FREDEp411)

A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as

passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so

necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em

Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)

critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos

I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo

especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais

sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao

negativardquo (ECK1995p23)

II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir

do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma

parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser

entendido como negando identidade entre formas

Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da

relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de

que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como

contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por

parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em

14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F

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questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de

identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato

entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para

compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como

pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo

ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa

interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do

verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o

projeto platnico

A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck

volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo

corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre

classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo

pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash

Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes

de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria

voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse

da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de

analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao

com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento

estabelecida em 257c7-d5F

15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas

(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns

no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do

diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes

das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)

15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-

μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς

οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο

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H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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84

dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 9: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

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primeira passagem se refere apenas a predicaes de identidade espera-se que a

anlise de predicaes negativas do tipo ldquoScrates no belordquo apresentada em

257b1-258c5 e supostamente necessria para a soluo do problema seja

realizada atravs da noo de diferena isto no identidade Caso esta anlise

possa ser extrada do texto a relao entre a primeira e a segunda passagem

estaria corretamente estabelecida e a citao de 256 durante a soluo do

problema estaria justificada No entanto a sentena obviamente no pode ser

entendida como ldquoScrates diferente do Belo (forma)rdquo o que seria o primeiro

candidato tendo em vista que a primeira passagem trata da no-identidade entre

formas Helena que sem dvida bela tambm diferente da forma do Belo de

fato tudo que belo diferente da forma do Belo

Alguns comentadores tentaram oferecer uma interpretao com base na

noo de incompatibilidade entre formas Primeiramente Cornford que acredita

que ldquoo no belordquo em questo no pode ser entendido como uma forma pois o

carter negativo que esta forma teria no seria condizente com a noo de idia

platnica Ao invs desta forma negativa de No-Belo Cornford prope que

entendamos ldquoo no belordquo como ldquoo nome coletivo de todas as Formas outras que o

Belordquo (CORNFORD1952p293)

A criao deste conjunto foi criticada por Sayre que prope em seu lugar um

conjunto formado pelas Formas relacionadas com Belo ldquode tal maneira que juntas

elas constituem um conjunto exaustivo e exclusivo A Forma no-Sentado por

exemplo consta de Andar Correr Saltar Estar de P assim por diante ()rdquo

(SAYRE1979) Desta maneira entenderamos ldquoScrates no belordquo como

ldquoScrates participa de alguma coisa que incompatvel com o Belordquo No entanto

tanto a interpretao de Cornford quanto a reformulao ad hoc feita por Sayre

possuem problemas Alm destas interpretaes traduzirem as ocorrncias de

ἄλλοF

10F e ἕτερονF

11F em 256-258 por ldquoincompatvelrdquo elas incorporam a noo de

incompatibilidade entre formas ou conjuntos de formas discusso coisa que

dificilmente pode ser extrada do texto platnico A despeito destes problemas

esta leitura da passagem torna-se incapaz de explicar a referncia primeira

10 Ocorrncias de ἄλλο em 256-258 (256c6 257d11 257e2) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo11 Ocorrncias de ἕτερον (255e10 256a4) onde seu significado segundo tal linha interpretativa deve ser ldquoincompatvelrdquo

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passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de

formas

A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o

desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que

Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que

teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)

Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de

falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o

Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em

Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que

Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua

argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser

dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ

θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que

estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que

Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a

predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto

conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em

ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto

is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma

nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas

passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises

diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato

Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode

ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa

Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de

Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -

no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou

seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato

entende ldquoO Pequeno no o GrandeF

13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso

12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia

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(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de

aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto

a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre

Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar

esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente

ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa

pequena) diferente do que granderdquo

Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente

no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo

natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est

fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF

14F Mesmo assim

Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que

ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da

falsidade (FREDEp411)

A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as

passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so

necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em

Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)

critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos

I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo

especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais

sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao

negativardquo (ECK1995p23)

II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir

do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma

parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser

entendido como negando identidade entre formas

Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da

relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de

que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como

contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por

parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em

14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F

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questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de

identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato

entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para

compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como

pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo

ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa

interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do

verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o

projeto platnico

A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck

volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo

corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre

classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo

pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash

Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes

de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria

voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse

da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de

analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao

com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento

estabelecida em 257c7-d5F

15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas

(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns

no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do

diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes

das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)

15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-

μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς

οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο

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H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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84

dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 10: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

70

passagem (255 a 257) onde no h nada sobre incompatibilidade ou conjunto de

formas

A dificuldade de explicar o uso de vrios sentidos do verbo ldquoserrdquo durante o

desenvolvimento da questo acerca da falsidade levou alguns a considerar que

Plato simplesmente no estava ciente das diferenas de uso do verbo O que

teria levado a inconsistncias no tratamento da questo (cfBOSTOCK1984)

Outro grupo de comentadores ofereceu interpretaes que livram Plato de

falcias e inconsistncias no entanto no parece nada fcil explicar porque o

Estrangeiro passa de um uso do verbo ldquoserrdquo a outro sem nenhum aviso Frede em

Platoacutes Sophist on false statements (FREDE1992) parte da assuno de que

Plato entende os dois casos como exemplos de um nico uso do verbo ldquoserrdquo Sua

argumentao apia-se em 258a7-812onde ao explicar que o ldquono-serrdquo um ser

dentre os outros seres o Estrangeiro ldquoespecifica uma natureza do ldquooutrordquo (ἡ

θατέρου φύσις) supostamente envolvida em todos os casos de ldquono-serrdquo que

estivemos considerandordquo (FREDE1992408) E ainda conclui a partir disto que

Plato no pode pretender solucionar o problema da falsidade distinguindo a

predicao negativa da negao de identidade Temos que assumir portanto

conclui Frede que h somente um sentido de ldquoserrdquo envolvido tanto em

ldquomovimento no repousordquo quanto em ldquoTheeteto no (est) voandordquo [Theeteto

is not flying] (FREDEp408) Ao assumirmos que Plato est lidando com uma

nica interpretao do verbo ldquoserrdquo podemos explicar a relao entre estas duas

passagens que usualmente consideraramos como oferecendo duas anlises

diferentes do verbo sem implicar com isso nenhuma confuso por parte de Plato

Frede como j foi dito argumenta que a primeira passagem tambm pode

ser entendida como contendo aquilo que chamamos casos de predicao negativa

Para que tal interpretao seja mantida preciso que se entenda a anlise de

Plato para sentenas do tipo ldquoX no Yrdquo ndash no caso de X e Y serem diferentes -

no como uma negao de identidade mas como ldquoatribuindo no ser a Xrdquo ou

seja como negando a predicao de Y a X Alm disso devemos supor que Plato

entende ldquoO Pequeno no o GrandeF

13Frdquo da mesma maneira como entende ldquoIsso

12 Καὶ τἆλλα δὴ ταύτῃ λέξομεν ἐπείπερ ἡ θατέρου φύσις ἐφάνη τῶν ὄντων οὖσα ldquoO mesmo diremos das outras coisas pois a natureza do outro como dizia est entre os seresrdquo13 O uso de maisculas em ldquoPequenordquo e ldquoGranderdquo indica que se tratam das formas Pequeno e Grande e no os objetos pequenos e grandes com os quais temos contato no nosso dia a dia

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(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de

aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto

a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre

Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar

esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente

ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa

pequena) diferente do que granderdquo

Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente

no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo

natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est

fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF

14F Mesmo assim

Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que

ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da

falsidade (FREDEp411)

A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as

passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so

necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em

Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)

critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos

I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo

especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais

sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao

negativardquo (ECK1995p23)

II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir

do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma

parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser

entendido como negando identidade entre formas

Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da

relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de

que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como

contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por

parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em

14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F

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questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de

identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato

entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para

compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como

pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo

ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa

interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do

verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o

projeto platnico

A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck

volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo

corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre

classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo

pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash

Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes

de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria

voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse

da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de

analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao

com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento

estabelecida em 257c7-d5F

15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas

(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns

no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do

diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes

das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)

15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-

μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς

οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο

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H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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84

dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 11: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

71

(uma coisa pequena) no granderdquo tendo em vista a mudana do campo de

aplicao do quantificador entre a primeira e a segunda passagem Pois enquanto

a primeira passagem trata da relao entre as formas a segunda fala sobre

Theeteto que certamente no uma forma Frede tambm pretende solucionar

esta diferena e oferece uma nica anlise para ambos os casos respectivamente

ldquoO Pequeno diferente do que granderdquo e ldquoIsso (uma determinada coisa

pequena) diferente do que granderdquo

Oferecendo uma interpretao que encontra paralelos onde aparentemente

no h algum Frede pode explicar a referncia primeira passagem como algo

natural tendo em vista que para ele durante toda esta parte do dilogo Plato est

fazendo uso do que acredita ser um nico sentido do verbo ldquoserrdquoF

14F Mesmo assim

Frede acha intrigante que a soluo do problema faa referncia passagem que

ldquono nos causa inquietaordquo se estamos preocupados com o problema da

falsidade (FREDEp411)

A fraqueza da interpretao de Frede est no fato de que para aproximar as

passagens e oferecer uma anlise unificada das ocorrncias do verbo ldquoserrdquo so

necessrios muitos acrscimos quilo que de fato est presente no texto Eck em

Falsity Without Negative Predication on Sophistes 255e-263d (ECK1995p23)

critica a interpretao de Frede com base em dois argumentos

I) ldquoA partir do fato de que somente uma natureza do ldquono serrdquo

especificada em 258a7 nada se segue acerca da questo se acaso um ou mais

sentidos de ldquono rdquo esto envolvidos em sentenas de no identidade e predicao

negativardquo (ECK1995p23)

II) Frede oferece um argumento incompreensvel ao concluir apartir

do fato de que Plato no identifica ldquoo no serrdquo com ldquoo diferenterdquo mas com ldquouma

parte do diferenterdquo que a sentena ldquoo pequeno no o granderdquo no deve ser

entendido como negando identidade entre formas

Com relao a I) concordamos com Eck no ponto que nada acerca da

relao entre predicao negativa e predicao de identidade se segue do fato de

que Plato aparentemente est entendendo toda sua abordagem da questo como

contendo um s uso do verbo ldquoserrdquo No entanto parece-nos vlida a tentativa por

parte de Frede de oferecer uma interpretao que aproxime as passagens em

14 Explicitado por Frede atravs da anlise ldquoX diferente do que Frdquo Supostamente vlida tanto para X no- F quanto para a falsidade de X F

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questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de

identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato

entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para

compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como

pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo

ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa

interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do

verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o

projeto platnico

A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck

volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo

corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre

classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo

pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash

Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes

de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria

voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse

da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de

analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao

com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento

estabelecida em 257c7-d5F

15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas

(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns

no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do

diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes

das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)

15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-

μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς

οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο

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H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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83

Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 12: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

72

questo De fato nada acerca da ldquopredicao negativardquo ou da ldquonegao de

identidaderdquo tal como ns as compreendemos se segue do que quer que Plato

entenda acerca do verbo ldquoserrdquo No entanto nossos esforos esto voltados para

compreender o que Plato entendeu acerca do problema da falsidade e como

pretendeu resolve-lo e no oferecer teorias lingiexclsticas acerca dos usos do verbo

ldquoserrdquo Se Plato s v um uso do verbo por toda a passagem ento nossa

interpretao do dilogo deve partir deste fato e nossas categorias de anlises do

verbo ldquoserrdquo s nos sero teis na medida em que nos ajudem a compreender o

projeto platnico

A segunda critica oferecida por Eck muito mais ofensiva e efetiva Eck

volta-se contra o fato de que Frede a partir da mera afirmao de que o ldquono-serrdquo

corresponde a ldquouma parte do diferenterdquo atribui uma teoria acerca da relao entre

classes e subclasses de coisas Para atribuir a anlise que deseja sentena ldquoo

pequeno no granderdquo ndash como vimos ldquoo pequeno diferente do que grandersquo ndash

Frede afirma que Plato ao falar do ldquogranderdquo e do ldquopequenordquo refere-se s classes

de coisas que so grandes e pequenas Toda a passagem 257b1 ndash 258c4 estaria

voltada para o esclarecimento de que a classe de coisas pequenas uma subclasse

da classe das coisas diferentes do que grande Alm de notar que este tipo de

analise distancia-se muito do que temos no texto Eck rejeita esta interpretao

com base na analogia entre as partes do ldquodiferenterdquo e as partes do conhecimento

estabelecida em 257c7-d5F

15F Como o conhecimento no foi ldquoparcelado em coisas

(pessoas) que conhecem ndash fsicos arquitetos ndash nem em coisas conhecidas ns

no temos razes para supor que diferena de X (sendo isso uma parte do

diferente) seja parcelada em subconjuntos de classes de coisas que so diferentes

das coisas Xrdquo (ECK1994 p24)

15 ΞΕ Ἡ θατέρου μοι φύσις φαίνεται κατακεκερματίσθαι καθάπερ ἐπιστήμη ΘΕΑΙ Πῶς ΞΕ Μία μέν ἐστί που καὶ ἐκείνη τὸ δ ἐπί τῳ γιγνό-

μενον μέρος αὐτῆς ἕκαστον ἀφορισθὲν ἐπωνυμίαν ἴσχει τινὰἑαυτῆς ἰδίαν διὸ πολλαὶ τέχναι τ εἰσὶ λεγόμεναι καὶἐπιστῆμαι ΘΕΑΙ Πάνυ μὲν οὖν ΞΕ Οὐκοῦν καὶ τὰ τῆς θατέρου φύσεως μόρια μιᾶς

οὔσης ταὐτὸν πέπονθε τοῦτο

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H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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83

Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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84

dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 13: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

73

H portanto uma mudana implicada na interpretao de Frede para toda

parte central do dilogo Ela implica a mudana por parte de Plato de sentenas

onde as propriedades so tratadas nominalmente ndash o grande no sentido de a forma

do Grande ndash para sentenas onde a propriedade usada para referir-se s coisas

que possuem esta propriedade o que quer que seja grande Mesmo que seja

possvel entender as passagens como contendo esta mudana parece estranho que

Plato passe de um uso a outro sem a menor cerimnia Principalmente tendo em

vista que a distino entre as coisas que possuem determinada propriedade e a

propriedade ela-mesma (kata au)to) bastante comum em dilogos anteriores

sendo inclusive essencialmente ligada formulao da teoria das idias (cf Fdon

103b)

A passagem onde esta mudana de funo de termos como ldquoo no granderdquo e

ldquoo no serrdquo torna-se mais problemtica 258c2-3

ouAgravetw de kaiigrave to mh oAumln kata tau)ton hAringn te kaiigrave eAtildesti mh oAtilden

e)nariqmon twfrac12n pollwfrac12n oAtildentwn eiaringdoj eAgravenF

16

Como em toda passagem precedente (257b1-258) os usos de termos como

ldquoo no belordquo e ldquoo no serrdquo so entendidos por Frede como significando ldquoas

coisas que no so grandesrdquo ldquoas coisas que so no serrdquo o surgimento desta

ocorrncia onde o no ser (to mh oAumln) caracterizado como ldquouma [forma]

dentre as muitas formas (eiaringdoj) que sordquo torna-se particularmente inexplicvel

Bostock (BOSTOCK1985) acredita que a passagem oferece as duas analises A

primeira ocorrncia seria ldquono ser era e no serrdquo e ofereceria um uso predicativo

(x no- F no sentido de que no possui o predicado F) A segunda parte da

sentena repetiria a expresso ldquoo no serrdquo como sujeito mas agora com uma

funo nominal ldquo[o No ser] uma dentre as muitas formas que sordquo

Alm do fato desta anlise oferecer duas interpretaes para uma mesma

ocorrncia do termo ldquoo no serrdquo ela no pode explicar a falta de parcimnia por

parte de Plato ao mudar de uma anlise para outra sem a menor indicao de que

estamos a cada momento nos referindo a coisas diferentes Simplesmente no

podemos admitir que Plato no esteja a par da diferena de uso Afinal o que

teria acontecido entre o Fdon e o Sofista No podemos aceitar que Plato ignora

16 ldquoDessa maneira ldquoo no serrdquo nele mesmo era e no ser uma dentre as muitas formas que sordquo

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uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 14: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

74

uma distinccedilatildeo tatildeo essencial quanto esta principalmente se considerarmos que foi

o proacuteprio Platatildeo quem apresentou esta diferenccedila em seus diaacutelogos anteriores

Sem querer me deter demasiadamente nos problemas textuais que natildeo satildeo

poucos decorrentes de uma interpretaccedilatildeo da questatildeo da falsidade atraveacutes da

predicaccedilatildeo negativa Apresentaremos o argumento de Mcdowell

(MCDOWELL1982) com o qual pretendemos demonstrar que mesmo uma anaacutelise

correta da predicaccedilatildeo negativa natildeo soluciona o problema da falsidade no

discurso tal como noacutes o caracterizamos

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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42A Insuficincia da Predicao Negativa para Solucionar o Problema da Falsidade

Mcdowell elabora uma resposta por parte do sofista bastante razovel O

sofista diria

ldquoAtributos como voando no so o tipo de coisa que eu considerei que uma descrio da falsidade deveria representar como no ser E no foi no sentido por voc explorado ndash no ser em relao a alguma coisa - mas precisamente no sentido que voc concorda ser problemtico ndash no ser nada ndash que eu considerei que uma descrio de falsidade teria que representar meus estados de coisas como no ser Voc no demonstrou que a descrio de falsidade que eu achei problemtica no necessria ditada pela natureza do conceito de falsidade e voc certamente no mostrou que ela no problemticardquo (MCDOWELL1982 p128)

Mcdowell parece notar que oferecer uma explicao acerca da predicao

negativa em nada tem a ver com a questo acerca da existncia de ldquoestados de

coisas ou situaes representadas por sentenas falsas Mcdowell concorda que o

tratamento oferecido pelo Estrangeiro acerca da falsidade de ldquoTheeteto (est)

voandordquo realizado atravs da predicao negativa ou em suas palavras consiste

na ldquoatribuio do que no ao seu sujeito em que voando no est em relao

com Theetetordquo No entanto afirma Mcdowell ldquose o problema for aquele acerca de

situaccedilotildees ou estados de coisas exposto anteriormente esta resposta () parece

irrelevanterdquo (MCDOWELL1982p127)

O problema acerca de situaes ou estados de coisas ao qual Mcdowell se

refere entendido da seguinte maneira como possvel referir-se a algum fato

falso se todo fato falso absolutamente no e portanto no pode ser dito Ou

usando o exemplo de Wittgenstein Como pode algum pensar aquilo que no o

caso Se eu penso que o Kings College est em chamas quando ele no est o

fato dele estar em chamas no existe Ento como eu posso pensar nistordquo (Brown

Book apud FERREIRA)

Um exemplo talvez esclarea melhor o problema Estamos assumindo que

as formas so entendidas por Plato como os verdadeiros referentes da nossa

linguagem Sendo assim o sentido das sentenas dado atravs da referncia a

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estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 16: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

76

estas formas Em uma teoria da linguagem como esta o sentido de uma dada

sentenccedila depende unicamente do fato a que se refere Portanto duas sentenccedilas que

se refiram ao mesmo fato teratildeo o mesmo significado

Exemplo 1

Sintaxe Existem somente 16 proposiccedilotildees XB XP YB YP WB WP ZB

ZP ~XB ~XP ~YB ~YP ~WB ~WP ~ZB ~ZP As oito primeiras satildeo

exemplos de predicaccedilatildeo positiva (X eacute Y) e as outras oito de predicaccedilatildeo negativa

(X natildeo eacute Y)

Ontologia

Se considerarmos X Y W e Z como os nomes dos quadrados e P e B como

preto e branco respectivamente teremos uma correspondecircncia natural entre fatos e

sentenccedilas Por exemplo as sentenccedilas afirmativas XP YB WP ZP satildeo dotadas de

sentido e verdadeiras No entanto as sentenccedilas XB YP WB e ZB por natildeo

possuiacuterem referente satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo nem falsas

nem verdadeiras

Em tais modelos de linguagem natildeo eacute possiacutevel formular sentenccedilas falsas

pois tais proposiccedilotildees satildeo desprovidas de sentido e portanto natildeo satildeo legitimas

proposiccedilotildees Mesmos os autores que negam que Platatildeo esteja tratando de questotildees

de existecircncia parecem adotar este mesmo tipo de explicaccedilatildeo para o problema do

falso parece ser o caso de Frede Eck Bostock entre outros

Podemos compreender o argumento de Mcdowell da seguinte maneira

Dada nossa caracterizaccedilatildeo do problema por mais que seja oferecida uma

interpretaccedilatildeo correta da relaccedilatildeo entre sentenccedilas falsas positivas do tipo XB e

sentenccedilas verdadeiras negativas (~XB) isso em nada ajuda a solucionar o

problema da carecircncia de referecircncia para estas sentenccedilas Como o problema estaacute na

carecircncia de uma entidade passiacutevel de ser representada pela sentenccedila falsas isto eacute

um item da ontologia que sirva de referecircncia para sentenccedila XB uma equivalecircncia

sintaacutetica natildeo pode oferecer uma soluccedilatildeo satisfatoacuteria a natildeo ser que a sentenccedila

negativa verdadeira possuiacutesse um referente o que natildeo eacute o caso

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De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 17: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

77

De fato ao solucionarmos o problema da falta de referncia para sentenas

falsas solucionaremos tambm o problema das sentenas negativas mas nada nos

leva a crer que a questo necessita ser tratada por intermdio das sentenas

negativas E mais caso a predicao negativa tenha algum papel no argumento

seu papel tem necessariamente que ser secundrio posto que o reconhecimento

da equivalncia entre sentenas falsas (XB) e sua equivalente negativa verdadeira

(~XB) no soluciona nem pode solucionar a questo

Em seu artigo Mcdowell conclui que o projeto platnico no pretende

solucionar a questo acerca da existncia dos estados de coisas expressos por

sentenas falsas Sua anlise do ldquono serrdquo estaria ligada realizao de um projeto

menos ambicioso se limitaria a esclarecer um engano com relao ao uso da

negao O centro da argumentao contida no Sofista consistiria em demonstrar

que ldquono ser xrdquo no deve ser confundido com ldquono ser nadardquo ldquoser o contrrio do

serrdquo com a negao operando diretamente sobre o verbo ldquoserrdquo e portanto

anulando a possibilidade de qualquer complemento para a predicao O engano

parmendico consistiria em no conseguir compreender ldquono rdquo como algo alm

do sinnimo de ldquoo contrrio de serrdquo Desta forma dado o engano com relao

negao quando tentamos capturar a falsidade de ldquoTheeteto (esta) voandordquo

dizendo que esta sentena atribui o que natildeo eacute a Theeteto estamos

inevitavelmente falando algo sem sentido

Solucionado este engano o Estrangeiro pode usar a prpria caracterizao

de falsidade que havia se mostrado problemtica uma sentena falsa representa o

que no como sendo ou o que como no sendo Com o erro acerca da

negao solucionado esta uma caracterizao da falsidade perfeitamente vlida

No entanto no tem nada a ver o com o problema acerca da existncia de estados

de coisas representados por sentenas falsas tal como expresso por Wittgenstein

acima

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 18: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

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43O Sofista sem Predicao Negativa

Apesar de concordarmos com o argumento de Mcdowell que parece

demonstrar a impossibilidade da resoluo do problema por meio da predicao

negativa discordamos que o problema da falsidade contido no sofista seja outro

que aquele acima apresentado

A interpretao do dilogo em termos de predicao negativa e no

identidade est na verdade fundada em uma noo bastante simplista acerca das

ocorrncias do verbo ldquoserrdquo na lngua grega F

17

Como o uso existencial no se mostra de maneira nenhuma um bom

candidato para compreenso do dilogo tendo em vista inclusive o grande

nmeros de ocorrncias incompletas do verbo (X Y) na parte central os

comentadores predispem-se a analisar o problema por meio da predicao

negativa De fato boa parte dos comentadores mais recentes tomam como certa a

posio exposta por Owen em seu artigo ldquoPlato on Not-Beingrdquo (OWEN1970)

Como vimos a tese defendida por Owen a de que o dilogo Sofista trata de

problemas relacionados s noes de ldquoreferncia e predicao e ao usos

incompletos do verbo serrdquo E ainda que ldquoo argumento no possui nem compele

nenhum isolamento de um verbo existencialrdquo Possuindo em sua parte central

apenas ocorrncias do verbo ldquoserrdquo ligadas semanticamente ao uso predicativo

(predicao e predicao de identidade) e sintaticamente entendidas com

incompletas (OWEN1970417)

Claramente a posio de Owen assume o paralelo sinttico-sembrvbarntico

defendido por Mill Este paralelo levaria Owen a ver em todos os usos absolutos

17 A anlise do verbo ldquoserrdquo foi durante muito tempo marcada pela dicotomia proposta por James Mill Baseado na distino sinttica entre o uso absoluto e o uso predicativo do verbo Mill props um paralelo sembrvbarntico Segundo ele sempre que o verbo estivesse em uma construo completa ndashabsoluta - (X ) seu significado seria existir e sempre que o verbo estivesse em uma construo incompleta ndash predicativa - (X Y) seu valor seria o de uma cpula destituda de significado sendo usado somente para respeitar a norma de que toda frase deve possuir um verbo finito Somente apartir das descobertas introduzidas por Charles H Kahn (KAHN1997) esta dicotomia foi questionada e as anlises do verbo ldquoserrdquo grego tornaram-se mais complexas Para maiores informaes consulte o primeiro captulo

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do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 19: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

79

do verbo ldquoserrdquo (X ) uma construo existencial No entanto como sua tese parte

do princpio de que a questo da existncia no faz parte da temtica central do

dilogo Owen caracteriza as ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo como

construes incompletas elpticas ou seja um uso predicativo (X Y) onde o

objeto (Y) deve ser suprido pelo contexto da passagem

Ora que o dilogo Sofista trate de problemas relacionados predicao e

referncia exatamente o que queremos se estamos dispostos a entender o

problema do dilogo como aquele relacionado possibilidade das sentenas falsas

possurem um estado-de-coisas ao qual se refiram O fato de podermos formular

este mesmo problema usando a palavra existncia em ldquoo problema acerca da

existncia de estados-de-coisas representados por sentenas falsasrdquo no faz com

que o problema esteja preso a alguma noo de existncia Muito menos que

Plato tenha alguma teoria acerca do que entendemos por existncia Podemos

sem dvida alguma assumir como Owen que o dilogo no oferece nenhum

tratamento acerca da noo de existncia e manter que o problema tratado

aquele acerca da carncia de referncia para sentenas falsas

Quanto anlise sinttica oferecida por Owen s ocorrncias do verbo ldquoserrdquo

no dilogo acreditamos que ela herda o carter simplista da dicotomia proposta

pro Mill assim como incorre no mesmo engano acerca do paralelismo sinttico-

sembrvbarntico Lesley Brown (BROWN1994) apresenta uma anlise crtica das

posies de Owen onde expe algumas fraquezas inerentes anlise sinttica

apresentada Brown defende as seguintes teses com relao ao verbo ldquoserrdquo grego

I) a distino entre dois usos sintaticamente bem delineados do

verbo ldquoserrdquo a saber o completo e o incompleto no fornece uma boa

caracterizao para os usos deste verbo em grego antigo

II) a maneira como o uso completo do verbo ldquoserrdquo definido por

Owen no oferece uma boa caracterizao para os usos deste verbo quando

encontrado em sua forma absoluta (X )

Para solucionar tal incapacidade dos mtodos de anlises estabelecidos

Brown prope que entendamos o uso completo do verbo de forma diferente Se

no lugar da definio tradicional do uso completo a saber

C1 um uso que no possui nem permite um complemento

adotarmos a seguinte definio

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C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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80

C2 um uso onde no h complemento (explicito ou elidido) mas que

permite um complemento

Ento a relao entre o uso completo e incompleto do verbo se tornaria

mais estreita Entendendo as ocorrncias do verbo ldquoserrdquo grego como C2

aproximaramos sua anlise daquela presente em verbos como ldquolecionarrdquo e

ldquocomerrdquo Nestes verbos apesar de uma ocorrncia absoluta (Maria est

lecionando) no possuir complemento ela permite um complemento isto no

seria um absurdo perguntar ldquoest lecionado o querdquo (BROWN199454)

Segundo Brown Owen caracteriza um uso completo do verbo ldquoserrdquo grego

como C1 Isso o teria levado a enganos com relao ao dilogo Sofista

Brown sustenta que certas passagens centrais do dilogo onde o verbo

ldquoserrdquo ocorre em sua forma absoluta devem ser lidas como um uso completo e

possuindo um sentido existencial No entanto sua nova caracterizao do uso

completo (C2) admite que estas ocorrncias permitam um complemento mesmo

que este complemento no seja oferecido pelo texto Isto permitiria manter a

interpretao existencial para certas passagens sem ter que discordar com Owen

acerca do sentido geral da questo levantada no Sofista Portanto Brown nega a

tese de Owen de que os usos do verbo ldquoserrdquo contidos no dilogo sejam

predominantemente incompletos mas mantm que o problema da falsidade est

relacionado com as noes de predicao e referncia

Na seo de seu artigo dedicada passagem 236-241 onde so expostos os

paradoxos inerentes noo de ldquono-serrdquo Brown mantm como Owen que o

ldquono-serrdquo a exposto e equacionado com to mhdamwfrac12j o(n ldquo(o que

absolutamente no rdquo (237b7) deve ser entendido como ldquoaquilo para o qual

nenhum F F ou seja algo que no possui determinao

algumardquo(BROWN199460) No entanto Brown sustenta que esta posio

compatvel com a traduo de ldquoto mh o(nrdquo por ldquono existenterdquo Como sua

caracterizao do uso completo do verbo ldquoserrdquo aproxima-o do uso predicativo

Brown pode sustentar teses que para Owen seriam excludentes a saber (i) que o

no ser a exposto deve ser entendido como aquilo que no possui nenhuma

determinao o que ldquopredicativamente nadardquo e (ii) representa um uso completo

do verbo ldquoserrdquo devendo ser traduzido por ldquoo no existenterdquo(BROWNp60)

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A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

18 Ver pgina 6

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 21: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

81

A importbrvbarncia do artigo de Brown para nossa discusso est no fato de que

ele ao romper com a dicotomia na interpretao do verbo ldquoserrdquo vislumbra

relaes que podem dar unidade discusso presente no Sofista sem com isso

distanciar demasiadamente a interpretao oferecida daquilo que de fato h no

texto Alm disso Brown demonstra que os critrios de avaliao sinttica usados

por Owen o levaram a posies facilmente atacveis tendo em vista que sua

interpretao depende de uma correo constante do texto Pois sempre que h

uma expresso do tipo (X ) Owen precisa encontrar um Y para formar (X Y)

Brown ao criticar Owen nos fornece material para dar uma explicao para

a importbrvbarncia dada predicao negativa por autores como Frede Mcdowell

Bostock entre outros Como estes autores seguem a linha interpretativa

desenvolvida por Owen (tanto Frede quanto Mcdowell citam Owen na introduo

de seus artigos) eles descartam a noo de existncia como fundamental e tendo

em vista que no vislumbram outra possibilidade adotam a noo de predicao

negativa como central para soluo do problema

Dada esta predisposio para entender o problema em termos de predicao

negativa os comentadores buscam uma passagem onde tal uso possa estar

presente Sem dvida se algum tratamento de predicao negativa pode ser

encontrado no dilogo este tratamento est em 257-258 a passagem do no-belo

No entanto para que esta passagem assuma um papel principal necessrio que

ela de alguma maneira esteja coerentemente relacionada com a passagem

anterior acerca da comunho das formas pois esta que citada pelo Estrangeiro

ao solucionar o problema

Caso tenhamos eliminado a predisposio em tratar a questo em termos de

predicao negativa a importbrvbarncia da segunda passagem torna-se secundria

pois como reconhecem os comentadores a citao de 256 em 263 parece indicar

que nada de muito importante ocorreu neste intervalo

(MCDOWELL1982p123) Ficamos portanto com a tarefa de fornecer uma

anlise de 256 na qual esta passagem oferea o argumento essencial para soluo

do problema

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 22: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

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44O Uso Veritativo uma Possvel Soluo

Retornando ao nosso modelo indicarei brevemente um caminho para uma

anlise de 256 que lhe o d o papel principal na soluo do problema da falsidade

no discurso Cada fato de nosso modelo representa uma unio entre formas o fato

1 representa a unio entre a forma ldquoxrdquo e a forma ldquopretordquo XP A introduo da

forma do outro como equivalente ao no-ser (o caso) nos levaria a um novo fato

XPoutro Desta maneira o universo de nossa ontologia de fatos se estenderia

da seguinte forma

1 xp 2xbo 3xyo 4xwo 5xzo

6yb 7 ypo 8 ywo 9yzo

10wp 11 wbo

A unio entre as formas ldquoxrdquo ldquobrancordquo e ldquooutrordquo que representa o fato 2 de

nossa ontologia seria o candidato adequado a referente para proposio falsa XB

Desta maneira a questo da falsidade resolvida muito simplesmente Em nossa

ontologia de fatos acrescentamos contra-fatos que servem de referente para

proposies falsas Como havamos notado anteriormente a soluo do problema

da falta de referente da proposio falsa XB tambm soluciona o problema com

relao proposio verdadeira ~XB Pois tendo as duas o mesmo significado

possuem o mesmo referente o fato XBO

Esta soluo me parece aplicvel ao texto de 255-256 Nesta passagem o

Estrangeiro estabelece as relaes possveis entre os gneros supremos e chega a

concluses do tipo ldquoo movimento o mesmo e no o mesmordquo Isto estaria

relacionado ao reconhecimento de dois conjuntos de formas o conjunto

Movimento Mesmo referente para as sentenas onde verdade dizer que ldquoo

movimento o mesmordquo e o conjunto Movimento Mesmo Outro referente para

sentenas onde falso dizer ldquoo movimento o mesmordquo A anlise da sentena

ldquoTheeteto est voandordquo seria esta sentena falsa porque Theeteto no est

ligado ao conjunto de formas [Voando Mesmo] mas sim ao conjunto [Voando

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Outro] e este exatamente o mesmo motivo porque verdadeiro afirmar que

ldquoTheeteto no est voandordquo Tendo utilizado a forma ldquoo outrordquo para estender sua

ontologia o Estrangeiro pode fazer a firmao de 256b11

Periigrave eAgravekaston aAtildera twfrac12n eisup1dwfrac12n polu men e)sti to oAtilden

aAtildepeiron de plhqei to mh oAtilden

Uma traduo que ressalta a linha interpretativa aqui proposta seria

ldquoAcerca de cada forma ldquoo que rdquo (to oAtilden) muito e ldquoo que no rdquo(to mh

oAtilden) ilimitadordquo

Onde ldquoo que rdquo diz respeito a todos os conjuntos de formas passveis de

servir de referncia a uma sentena verdadeira e ldquoo que no rdquo diz respeito aos

conjuntos referentes s sentenas falsas Note que nesta interpretao to oAtilden e

to mh oAtilden so entendidos como usos completos do verbo no carecendo

portanto de complemento Nesta passagem o Estrangeiro constata que no

modelo de linguagem que est propondo o nmero de contra-fatos imensamente

maior que o nmero de fatos

Esta interpretao da passagem toma como fundamental a anlise veritativa

do verbo ldquoserrdquo A anlise veritativa foi primeiramente proposta por Kahn e tem

se mostrado bastante eficiente na soluo de problemas de interpretao de

natureza similar ao que estamos investigando

Assim como no dito de ProtgorasF

18F a passagem 256b11 do Sofista possui

ocorrncias absolutas do verbo ldquoserrdquo Podemos analisar estas ocorrncias como

um uso completo do tipo C2 aquele proposto por Brown onde apesar de no

haver complemento o verbo permite uma complementao ou seja no

absurdo perguntar ldquo o caso que o querdquo ou em bom portugus ldquoo que o

casordquo Como notou Kahn o uso veritativo est estreitamente ligado forma

predicativa e isso nos permite manter o mesmo posicionamento de Owen e

Brown e muitos outros acerca do problema central do Sofista

De fato o uso veritativo j est presente na formulao do problema acerca

da validade dos estados de coisas correspondentes s sentenas falsas Nas

palavras do Estrangeiro de Elia

que realmente nos vemos frente a uma questo muito difcil pois mostrar e parecer sem ser dizer algo sem entretanto dizer a verdade so maneiras que trazem dificuldades tanto hoje como ontem e sempre Que modo encontrar para

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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Page 24: 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de … · 2018-01-31 · 4 O Problema da Falsidade no Discurso, Segundo o Sofista de Plat•o. “ caso, dizia Sherlock Holmes,

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dizer que o falso real sem que j ao proferi-lo nos encontremos enredados em contradiordquo (236d9-237a1)F

19F

19 atildeOntwj wOtilde makarie e)smen e)n pantapasi xalepv= skeyei to gar faiiquestnesqai tou=to kaiigrave to dokeiIacuten eiaringnai de mh kaiigrave to legein men aAtildetta a)lhqh= de mh panta tau=ta e)sti mesta a)poriiquestaj a)eiigrave e)n tfrac12 prosqen xron kaiigrave nu=n oAgravepwj gar eisup1ponta xrh yeudh= legein hAuml docazein oAtildentwj eiaringnai kaiigrave tou=to fqegcamenon e)nantiologiiquest mh sunexesqai pantapasin wOtilde Qeaiiquestthte xalepon

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