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    Falcias acadmicas, 14:

    o mito do colonialismo como causador de subdesenvolvimento

    Paulo Roberto de Almeida

    Resumo: Discusso sobre o papel do colonialismo no desenvolvimento das sociedades dominadas, contestando a viso politicamente correta desse processo como causador de subdesenvolvimento ou indutor de bloqueios nos avanos econmicos e sociais. Anlise histrica do fenmeno, com argumentos ponderados sobre a incorporao de sociedades menos avanadas aos grandes intercmbios globais permitidos pelo estabelecimento de vnculos de dependncia, hoje integrados ao processo de globalizao capitalista.

    Palavras-chave: Colonialismo, capitalismo, imperialismo, subdesenvolvimento.

    1. Introduo: uma inverso parcial

    na metodologia das falcias

    Antes mesmo de expor a falcia, e os argumentos que a apiam, peo licena a meus (poucos) leitores para inverter meus procedimentos habituais e explicitar aqui, desde j, minha refutao: no, o colonialismo no produziu subdesenvolvimento. Ao contrrio, ele promoveu o desenvolvimento dos povos submetidos a esse fenmeno, facilitou sua modernizao socioeconmica e acelerou a insero internacional dos pases e regies outrora incorporados economia mundial atravs do processo de dominao colonialista.

    (Um alerta preventivo, rpido, mas necessrio: no, este texto no pretende oferecer um elogio do colonialismo, no acredita que ele tenha sido um fenmeno positivo na histria da humanidade, no pretende desculpar os colonialistas por todos os malfeitos e sofrimentos incorridos pelos povos colonizados e no quer, tampouco, apresentar uma viso rsea dos processos reais; ele apenas pretende fazer uma leitura histrica realista,

    talvez revisionista, desse fenmeno to equivocadamente avaliado na literatura corrente, estabelecendo um balano que acredito mais conforme ao que efetivamente se passou, e tentando efetuar uma avaliao to honesta quanto possvel sobre o papel efetivo do colonialismo no destino ulterior dos povos e naes submetidos pelos imprios mais conhecidos.)

    Desculpo-me desde logo pela inverso metodolgica desta pea numa srie dedicada s falcias acadmicas mais comuns cuja lista e remisso s demais se encontra neste link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/FalaciasSerie.html mas que as evidncias a favor desta postura (apenas levemente revisionista) so to evidentes, se arrisco a redundncia, que me parece quase uma inutilidade ter de desmentir, de modo explcito, um dos mitos mais arraigados do pensamento acadmico, de maneira geral, e anticolonialista em particular. O mito que pretendo desmontar, aparentemente progressista, amplamente disseminado na comunidade universitria, com forte nfase,

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    obviamente, no chamado Terceiro Mundo (cuja morte acaba de ser decretada pelo presidente do Banco Mundial, mas que j era desprovido de qualquer significado prtico h muito tempo, talvez desde sempre).

    Muito bem: voltemos agora ao perfil usual desta srie, expondo inicialmente, e de boa f, os argumentos falaciosos que pretendemos desmantelar na sequncia, como tambm o hbito desta srie, alis, sua raison dtre. No vou remeter a um autor especial ou me referir a uma citao especfica, j que so muitos os que professam a crena nas caractersticas absolutamente perversas do colonialismo, como sendo ele o responsvel pelo subdesenvolvimento atual de tantos pases ditos perifricos ou dependentes. Segundo a concepo geral dos defensores da falcia, o colonialismo possui todos os vcios geralmente associados ao capitalismo, no preciso dizer e nenhuma virtude, se por este conceito entendemos uma contribuio benfica aos prprios povos colonizados: ele estaria no centro da condio atual das naes pobres.

    Ainda inicialmente, como todas as normas editoriais das revistas acadmicas exigem bibliografia e marco terico sim, tambm tenho uma falcia sobre essa tpica perversidade acadmica vou me contentar com algumas poucas referncias.

    Comeando pelas abordagens de amplo espectro histrico, recomendo, a todos aqueles que pretendem adquirir algum conhecimento sobre a histria econmica mundial e o desenvolvimento comparado dos povos e civilizaes, a leitura das seguintes obras de sntese geral: Jared Diamond, Armas, Germes e Ao (diversas edies em ingls; tambm disponvel, mas

    mais caro, em portugus); David Landes: A Riqueza e a Pobreza das Naes (idem); Rondo Cameron, A Concise Economic History of the World (vrias edies; ao que eu saiba, jamais traduzido e publicado no Brasil, mas disponvel em espanhol); Alan Beattie, False Economy: A Surprising Economic

    History of the World (idem). Informaes editoriais ao final.

    Saindo do genrico para o particular, permito-me remeter agora a alguns autores que se ocuparam dos imprios mais conhecidos e tambm do colonialismo, embora com finalidades diversas. Um dos historiadores britnicos mais prolficos da atualidade Niall Ferguson, que tem dois livros especialmente indicados para quem pretende ter uma viso mais equilibrada sobre os maiores imprios da era contempornea: Empire, sobre o de sua ptria de origem, e Colossus, sobre sua terra de adoo (na Columbia University). Posso citar tambm o economista indiano Deepak Lal, j autor de um excelente livro sobre a pobreza da economia do desenvolvimento criticando certos economistas desenvolvimentistas por inconsistncias elementares no raciocnio econmico e que comparece com um provocativo In Praise of Empires (2004).

    Indispensvel, tambm, citar o decano ou patrono de todos eles, o hngaro naturalizado britnico Peter Bauer, um dos raros economistas que conheceu por dentro o funcionamento do sistema colonial no momento da descolonizao, e que recomendou vivamente que no se iniciasse um programa de ajuda oficial ao desenvolvimento nos moldes assistencialistas que se desenhavam; mas que, ao contrrio, se procurasse integrar as futuras naes independentes na economia internacional pela via do

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    comrcio e da especializao produtiva. Bauer o autor de livros desmistificadores sobre o colonialismo e a economia do desenvolvimento (no daquela desmantelada por Lal; a sria, que, alis, em nada se distingue da economia normal); cito apenas trs: antes mesmo de iniciado o processo de descolonizao ele publicava um livro com recomendaes especficas sobre a integrao das colnias no sistema econmico mundial, Economic Analysis and Policy in Underdeveloped

    Countries (1957); uma sntese de suas crticas ao planejamento centralizado como resposta aos problemas dos pases em desenvolvimento pode ser encontrado em Dissent on Development (1971); finalmente, em Equality, the Third World, and Economic Delusion (1981), ele repassa todos os erros cometidos pela ajuda externa como soluo milagre pobreza e desigualdade nesses pases.

    Indo agora para a bibliografia falaciosa, creio que um autor em especial, muito utilizado no Brasil, poderia sintetizar toda uma comunidade de pretensos acadmicos anticolonialistas, valendo a designao para todos aqueles que partilham um conjunto bsico de premissas (equivocadas, por certo) que pretendem que o colonialismo atrasou o desenvolvimento dos pases vtimas da conquista e dominao, criando o que alguns autores entre eles Celso Furtado chamam de desenvolvimento do subdesenvolvimento. O representante tpico, em nvel de vulgarizao no bom sentido da palavra dessa tendncia, o uruguaio Eduardo Galeano, jornalista demagogo que passa por historiador e antroplogo, seguido de perto por esse monumento do anti-imperialismo acadmico que se chama Noam Chomsky. Os dois so, como no poderia deixar de ser, caricaturais e seria constrangedor, num

    ensaio com pretenses acadmicas como este, sequer pretender cit-los expressamente; eu o fao de maneira genrica, por duas razes muito simples: conheo as obras de ambos e tambm sei que elas so, inacreditavelmente, recomendadas, adotadas, seguidas religiosamente por legies de professores universitrios, por esse continente afora; os dois, alis, se beneficiam de copyrights ultracapitalistas graas aos anticapitalistas...

    Existem, claro, verses elegantes e refinadas, e tambm intelectualmente mais consistentes, dessa teoria do colonialismo subdesenvolvedor; elas esto representadas por nomes como Andr Gunder Frank, Immanuel Wallerstein (na vertente do capitalismo enquanto sistema-mundo), alm de outros, mais vinculados ao capitalismo perifrico, como Raul Prebisch, Celso Furtado e (bem abaixo, no plano intelectual) Theotonio dos Santos, sem esquecer o marxismo neoliberal (avant la lettre) da to dispensvel quanto intil teoria da dependncia de Fernando Henrique Cardoso, que no bem uma teoria e muito menos da dependncia. Com a possvel exceo deste ltimo autor, todos os demais se encontram na teoria do colonialismo como produtor de subdesenvolvimento estrutural e irremedivel. Vejamos agora a teoria mais de perto.

    2. O cerne da teoria do colonialismo:

    o que dizem os proponentes do mito?

    O que tm a dizer todos esses pensadores e acadmicos? Serei obrigado a sintetizar uma vasta literatura compulsada ao longo de anos; os leitores no tm a obrigao de acreditar em mim, por isso podem ir a algumas das fontes citadas. Mas existem tambm muitos autores estrangeiros com os quais trabalhei durante muito

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    tempo. Essencialmente, as teses tendem a afirmar as realidades seguintes.

    O mundo, tal como o conhecemos desde o incio da era moderna (e mesmo antes), feito de muitas sociedades, todas desiguais nos nveis de desenvolvimento socioeconmico, diferenciadas em sua relao com os recursos naturais e dotaes adquiridas, diversas em disponibilidade de insumos e energia e, sobretudo, em meios tcnicos de apropriao desses recursos e sua transformao produtiva, eventualmente em mercadorias capazes de competir internacionalmente. Isso elementar e no tem tanto a ver com o fenmeno do colonialismo; mas forma a base a partir da qual certas sociedades vo conseguir dominar sobre outras, menos dotadas tecnologicamente.

    Esse mundo, acreditam os partidrios da teoria, dividido em centro e periferia na verdade, qualquer coisa, a partir de uma mesa redonda, por exemplo, pode ser dividida em centro e periferia sendo que as economias mais avanadas se colocam no centro de um sistema de dominao, de explorao e de extrao de recursos das economias perifricas, submetendo e subordinando essas economias e sociedades menos avanadas tecnologicamente e que, por isso mesmo, so militarmente mais dbeis. Historicamente, esse fenmeno assumiu as formas do imperialismo e do colonialismo, dois processos diferentes na forma e na motivao, mas que muito frequentemente estiveram associados nos mesmos movimentos e ambos concorreram para conformar o mundo tal como o conhecemos hoje (alis, nos ltimos cinco sculos): um ncleo reduzido de imprios coloniais e de potncias imperiais, marcado quase exclusivamente pela dominao europia sobre milhes de pessoas,

    centenas de povos dispersos nas periferias colonizadas, praticamente todos os pases que hoje constituem o que passou a ser conhecido como Terceiro Mundo.

    A parte crucial da teoria do colonialismo segue estas linhas: esses povos, estruturados segundo princpios econmicos no capitalistas eventualmente pr-capitalistas, ou pertencentes a outros modos de produo, insuficientemente capitalistas tiveram o seu desenvolvimento autnomo interrompido e bloqueado pela invaso frequentemente brutal e com imensos sacrifcios humanos e ulterior dominao das potncias capitalistas da poca (portuguesa, espanhola, francesa, holandesa, inglesa ou britnica, episodicamente belga ou alem, etc.), situao que impediu e cerceou completamente suas possibilidades de desenvolvimento e de transformao soberana. O regime colonial instalado de maneira mais ou menos completa segundo as experincias histricas concretas indo da sujeio mais brutal, nos exemplos ibricos, at o indirect rule de algumas modalidades britnicas no apenas desestruturou integralmente as sociedades assim submetidas, como deformou de modo indelvel os sistemas econmicos e seus circuitos produtivos, constituindo, em quase todos eles, sistemas de plantao ou de extrao primria inteiramente voltados para os mercados externos, situao que persistiu at a atualidade.

    Essa extroverso das sociedades colonizadas marcou profundamente sua incorporao modernizao capitalista, determinando uma situao de dependncia estrutural que as converteu em simples abastecedoras das economias centrais e inteiramente subordinadas a elas, no que respeita

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    mercados, circuitos mercantis e fluxos de capitais (financiamentos ou investimentos). A transferncia de capitais principalmente sob as formas de investimentos diretos e emprstimos soberanos aprofundou os laos de dependncia e amarrou, de maneira profunda, as economias perifricas s centrais, criando fluxos de transferncia negativa de renda pelo intercmbio desigual, remessas de lucros, pagamentos de royalties, servio da dvida, etc. que aprofundaram a drenagem de recursos reais dessas sociedades, agora neocolonizadas, em benefcio das potncias imperiais.

    Existem, obviamente, variantes histricas especficas nessa descrio genrica do fenmeno colonizador, ou colonialista, assim como h anlises mais sofisticadas desse processo, colocando em evidncia os laos de dependncia recproca, ou de interao mutuamente benfica entre as economias avanadas e as ditas subdesenvolvidas. Mas o essencial da teoria pode ser assim resumido: o colonialismo foi nefasto e prejudicial, em todas as circunstncias, para as sociedades dominadas; ele atrasou, retrocedeu, inviabilizou seu desenvolvimento econmico autnomo, condenou-as a uma situao, ou mesmo condio, de dependncia estrutural, e preservou os laos de subordinao assimtrica mesmo depois de adquirida a independncia ou obtida a conquista gradual da autonomia poltica (que no mudou muito a situao efetiva no terreno econmico). Em ltima instncia, o colonialismo responsvel pelo subdesenvolvimento de tantos povos do Terceiro Mundo e pela sua situao marginal na economia mundial contempornea.

    Esta a apresentao do que eu considero ser uma completa falcia, mas

    que passa por verdade histrica em vrios manuais de histria utilizados nas academias.

    3. Restabelecendo a balana e

    corrigindo os equvocos histricos

    Os mitos em torno do colonialismo como obstrutor do desenvolvimento e, de fato, como produtor de subdesenvolvimento so to amplamente aceitos e to disseminados na academia como resultado de anos de orientao politicamente correta, ou seja, progressista e anti-imperialista, dos estudos nessa rea que resulta ser tarefa pouco prtica desmantel-los em texto to curto quanto este. Comecemos, contudo, por observar que vrios pases muito pobres da atualidade nunca foram colonizados, no sentido explcito da experincia, pelo menos no por potncias imperialistas e capitalistas como vulgarmente se cr. O Tibete e o Nepal, por exemplo, jamais conheceram a explorao capitalista, da mesma forma como o Afeganisto, que sempre combateu pelas armas quaisquer invasores imperialistas.

    Por outro lado, pases muito ricos, hoje, comearam como colnias, como os Estados Unidos e a Austrlia, para nada dizer de Hong Kong, uma colnia inglesa que agora uma colnia... chinesa (e uma das cidades-Estado, junto com Cingapura, mais avanadas e ricas que se pode conceber). Outros pases se desenvolveram tremendamente, sem jamais terem explorado qualquer colnia, como os escandinavos, ou a Sua. Um outro pas foi criado exatamente para ser uma nao independente desde a origem, a Libria, que no exatamente um modelo de desenvolvimento (e no por culpa dos americanos, que a criaram e proveram ajuda em diversas formas). Quanto a Cuba, por exemplo, que foi colnia informal americana durante

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    sessenta anos, conservou, nos ltimos 50 anos a mais completa independncia do imprio, tendo conhecido um processo de subdesenvolvimento raramente visto na Amrica Latina: do segundo posto na classificao dos indicadores sociais, caiu para vigsimo ou algo assim; por outro lado, se a explorao imperialista fosse sinnimo de subdesenvolvimento, no se compreende porque os dirigentes cubanos reclamam tanto do embargo americano: deveria ser um fator de progresso e de crescimento autnomo, no o contrrio. No vamos tratar aqui da completa falta de autonomia econmica efetiva de Cuba: depois de escapar por meios prprios da dependncia do imprio americano, ela se submeteu, voluntariamente, tutela da finada Unio Sovitica, pesadamente subsidiada que foi, durante largos anos, em troca de favores militares e de inteligncia na Amrica Latina e na frica; atualmente, se no fosse pelos generosos subsdios do caudilho venezuelano, a ilha do socialismo autocrtico provavelmente j teria sucumbido crise terminal de todos os socialismos.

    Mas comecemos do... comeo. Parece totalmente anacrnico, e bastante inconsistente, no plano analtico e conceitual, atribuir efeitos exclusivamente perversos experincia histrica do colonialismo europeu dos ltimos cinco sculos, quando se sabe que o fenmeno colonialista to velho quanto... a Bblia, ou melhor, quanto os tempos bblicos. Colonizados foram os judeus, os egpcios, os acdios e praticamente todos os povos da antiguidade clssica, sem excluir os imperialistas persas, mais tarde derrotados pelos mongis e devidamente colonizados (como os prprios chineses Han, por sinal, pelos mesmos mongis e, depois, pelos

    Manchus). Os hindus, civilizao to milenar quanto a dos chineses, sofreram vrias ondas de colonizao, tendo a dos invasores Mogis (islmicos) precedido a conquista pelos britnicos da Companhia das ndias Orientais, que depois entregaram todo o pas ao soberano de seu reino de origem. Os chineses, por sua vez, submeteram e mantiveram sob a tutela do Imprio do Meio vrios povos das cercanias, entre eles os tibetanos, os vietnamitas e os coreanos, sendo os japoneses considerados um povo semibrbaro que deveria lhes prestar subordinao poltica e pagar tributos; os prprios chineses foram humilhados, alguns sculos mais tarde, pelos mesmos europeus atrasados que eram repudiados at a metade do imprio Qing (1640-1911), assim como foram terrivelmente atacados pelos japoneses militaristas, que perpetraram as piores barbaridades durante boa parte do catico perodo da repblica capitalista (1911-1949). No se poderia explicar o sucesso, desde o incio do sculo 20, de uma cidade internacionalizada como Xangai se no fosse pelas invases sucessivas s guerras do pio (1839-1842) e a implantao de inmeras colnias estrangeiras na cidade; atualmente, se trata, certamente, da cidade mais internacionalizada e mais avanada da China ainda formalmente comunista (mas economicamente capitalista),1 retomando seu antigo papel de centro financeiro.

    Resumindo, no existe nada de especificamente ocidental no fenmeno

    1 Ver o ensaio imediatamente anterior desta srie: Falcias acadmicas, 13: o mito do socialismo de mercado na China, Espao Acadmico (ano 9, n. 101, outubro 2009, p. 41-50; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8295/4691).

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    do colonialismo, sistema amplamente praticado na prpria Amrica pr-colombiana, inclusive com requintes de crueldade, como no caso dos astecas, ou num sistema prximo ao da escravido, como praticado pelos incas. Guerras para captura de escravos, conquista de mulheres, aumento de territrios, saque de riquezas, converso forada e barbaridades diversas so prticas to disseminadas quanto a existncia de filsofos pregando a harmonia universal e a solidariedade entre os homens. Tribos rabes e povos muulmanos, por exemplo, imperialistas por excelncia e por vocao (j que praticando a converso forada como a Igreja catlica em seu tempo), sempre trataram os povos submetidos como inferiores socialmente, sujeitos ao pagamento de tributos e denegao dos direitos mais elementares, prticas muito diferentes dos romanos imperialistas, que acolhiam como cidados brbaros submetidos, tendo alguns deles chegado a ocupar postos de generais e mesmo de imperadores. Os gregos, que mantiveram oficialmente colnias no Mediterrneo como os fencios, por sinal foram por sua vez conquistados pelos macednios e escravizados pelos romanos, a quem eles ensinaram as boas maneiras e a boa cincia que eles detinham, e nas quais se conservaram superiores mesmo em regime de completa submisso.

    Resulta, pois, totalmente equivocado e anacrnico isolar os colonialismos ibricos e os europeus, de modo geral, como se eles representassem algo de historicamente indito ou de mais destruidor de culturas alheias do que os poucos exemplos aqui citados, dentre centenas de outros que se sucederam desde a revoluo agrcola da pr-histria. Os europeus conquistaram, sim, quase todos os povos nos continentes ao sul da Eursia, assim

    como em vrias outras regies que por acaso representassem quaisquer oportunidades de ganhos comerciais ou de extrao de riquezas; mas assim tambm o fizeram, absolutamente, todos os demais povos que estavam em condies militares e tecnolgicas de submeter outras naes porventura oferecendo tais possibilidades de ganhos. O colonialismo um fenmeno trans-histrico, diacrnico e praticamente universal. Os europeus foram, alis, colonizados pelos brbaros das estepes centrais, antes de se constiturem como sociedades nacionais e de passarem eles mesmos ao. O nome escravo, por sinal, vem de eslavos, os povos da Europa oriental que durante muito tempo forneceram mo-de-obra para os imprios estabelecidos na Eursia.

    4. A Cesar o que de Cesar: o Haiti

    precocemente independente, e

    atrasado...

    Toda a ideologia anti-colonialista tem a ver, no entanto, com o destino e a trajetria atual dos povos do Terceiro Mundo, cuja pobreza, desigualdade e outras iniqidades sociais so todas debitadas na conta do colonialismo europeu dos ltimos cinco sculos. Nada de mais equivocado e at impossvel de ser sustentado, a partir de um exame mais adequado da evoluo desses povos desde o incio dos processos colonizadores e, sobretudo, depois que ele deixou formalmente de existir (sim, sei que vrios analistas progressistas atribuem a persistncia daqueles mesmos traos ao neocolonialismo, mas os argumentos so tambm to tnues quanto inconsistentes).

    Um exemplo recente o do terremoto no Haiti e a mobilizao internacional em torno dos sofrimentos desse povo j to sofrido pode ilustrar no apenas os

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    equvocos da teoria do colonialismo como a absoluta m f de muitos acadmicos partidrios dessa doutrina. Inmeros artigos de opinio no deixaram de assinalar a pobreza absoluta do pas mais pobre da Amrica Latina, assinalando como causa a situao neocolonial do Haiti, que teria sido vtima da Guerra Fria, ao ter tido, durante longos anos, um ditador protegido pelo Imprio apenas por ter se colocado do lado certo na fase de confrontao global entre os dois sistemas. O simplismo foi to cansativamente repetido nos meios de comunicao do Brasil, que vale uma pequena reconstituio histrica, para restabelecer a verdade dos fatos.

    Em 1789, o Haiti, conhecido ento como Saint-Domingue, era um dos lugares mais ricos do mundo, e dos mais desiguais: uma minoria de plantadores franceses e seus auxiliares mulatos comandavam algumas centenas de milhares de escravos negros, produzindo 60% do caf mundial e 40% do acar importado pela Frana e pela Inglaterra. O valor da produo unitria por trabalhador era superior dos Estados Unidos de ento (a anlise de Engerman e Sokoloff; ver bibliografia). A revoluo dos escravos negros de 1791-1804 massacrou ou expulsou os senhores brancos, mas os mulatos e seus descendentes ocuparam o lugar deles. A histria do Haiti, desde ento, foi uma sucesso de lutas, golpes, revolues e quarteladas entre os dois grupos: os mulatos dominaram a maior parte do tempo, criando escolas para mulatos, mas nenhuma para negros. Desde a segunda metade do sculo 19 navios armados americanos visitavam regularmente o Haiti para proteger cidados e propriedades de americanos na ilha; eles o fizeram vrias vezes de 1857 a 1892 e todos os anos a partir de 1902, com exceo de 1910; cansados

    das visitas anuais, os americanos ocuparam o Haiti de 1915 a 1934, ano no qual os haitianos, agastados, por sua vez, com a ocupao colonial, expulsaram-nos (Heinl, 1996). Um presidente negro, Franois Duvalier, depois conhecido como Papa Doc, ganhou as eleies em 1957, contra as lideranas mulatas tradicionais, e manteve-se no poder, com ou sem apoio americano, at 1971, sendo substitudo sua morte pelo filho, Baby Doc, at 1986. O Haiti j estava totalmente pronto para entrar no triste e conhecido roteiro dos Estados falidos, a despeito de dcadas de assistncia pblica internacional, doaes dos rgos financeiros internacionais e assistncia humanitria de ONGs: ele deve continuar a viver de esmolas externas pelo futuro previsvel, sem que suas elites (que presumivelmente devem existir) se comovam com o fato (devem, alis, aproveitar...).

    Durante todo o perodo de alternncia negra ou mulata no comando do pas, a economia foi sendo inviabilizada no pela explorao capitalista que tinha deixado algumas estruturas de produo vinculadas economia mundial mas pelo completo isolamento do Haiti das correntes de comrcio e de investimento, por decises e escolhas devidas unicamente a suas elites dirigentes; a m educao do povo fez a sua parte, no sentido da degradao ambiental quase completa, ao ponto de praticamente inviabilizar qualquer atividade agrcola ou de produo mercantil, que ainda chegaram a representar fontes de riqueza quando a nao esteve mais intensamente vinculada aos Estados Unidos (como no caso de Cuba, alis, que retrocedeu do ponto de vista econmico, ao se desvincular do imprio). Atribuir ao colonialismo capitalista, portanto, o atraso de sociedades do Terceiro Mundo

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    no representa apenas uma deformao da histria real, como uma mistificao completa no caso do Haiti, a primeira colnia independente na Amrica Latina e a mais consistentemente subdesenvolvida pela ao de suas prprias elites e dirigentes polticos.

    5. Perguntas curtas, respostas breves

    sobre a modernizao colonialista

    A questo da responsabilidade do colonialismo na situao de pobreza contempornea de naes da atualidade certamente complexa, pois estamos em face de povos diversos, de civilizaes antigas, de sociedades sofisticadas, de tribos pr-histricas, enfim, de todo tipo de situao e de condies de explorao, contextos enfrentados pelos europeus de modos bastante variados, com sucessos diferenciados segundo os casos. Poderamos tentar resumir o problema em algumas perguntas-sntese, como as que formulo abaixo. As dimenses necessariamente breves deste ensaio no permitem responder em detalhe cada uma das questes, para o que remeto os interessados aos livros j citados como referncia de apoio ao aprofundamento do problema. Mas tentarei oferecer respostas curtas a cada uma delas, apontando contra-exemplos de como a literatura anti-colonialista tradicional peca por vieses inadmissveis, num trabalho de investigao histrica e sociolgica bem conduzido, e de como certa economia do desenvolvimento deforma e retarda ainda mais as possibilidades de recuperao do tempo perdido catch-up, ou rattrapage dos povos do chamado Terceiro Mundo. Vamos s questes.

    (1) Estavam os povos submetidos em

    evoluo para etapas superiores de

    organizao social, poltica e

    econmica, quando foram brutalmente

    interrompidos pelos europeus?

    No exatamente, embora alguns deles pudessem, efetivamente, efetuar uma lenta evoluo em direo de tecnologias superiores nos terrenos produtivo ou militar, como argumenta Jared Diamond; mas essa trajetria poderia levar dcadas, e mais provavelmente sculos. Todos os povos submetidos, com a exceo dos chineses e, parcialmente, dos indianos (um conglomerado de povos diversos), encontravam-se em etapas inferiores de desenvolvimento material, sem dispor de Estados organizados ou sequer de histria escrita. Pode-se deplorar a invaso e a submisso, mas vrios desses povos como astecas e incas, por exemplo j tinha praticado imperialismo e colonizao sobre povos anteriores em suas regies de atuao. A China j tinha estagnado econmica e tecnologicamente algum tempo antes de ser humilhada pelos ocidentais, que antes vinham humildemente pedir para fazer comrcio com o Imprio do Meio, tendo sido arrogantemente rechaados em diversas oportunidades. David Landes sintetiza bastante bem a inpcia de certos imperadores chineses que escolheram isolar o pas das influncias externas e com isso o condenaram ao atraso e fraqueza. A China, alis, foi bem mais humilhada, e esquartejada, pelo Japo militarista, uma antiga dependncia do Imprio do Meio, do que pelos ocidentais.

    (2) Teriam eles alcanado patamares

    similares, ou semelhantes, de avanos

    materiais e culturais e de domnio sobre

    seus prprios instrumentos de

    dominao e de explorao sobre a

    natureza e os processos produtivos, se

    no tivessem sido assim

    interrompidos?

    Duvidoso que isso ocorresse, pelo menos no ritmo e com a intensidade

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    tecnolgica conhecida pelo itinerrio europeu de avanos cientficos, logo transpostos para os terrenos industrial e militar. Processos histricos de desenvolvimento so sempre nicos e originais. Mas a disseminao de progressos materiais e culturais se d, justamente, pela abertura, pela importao, pela cpia indiscriminada e pelo aproveitamento de avanos j logrados por outros povos e civilizaes. Os europeus aprenderam um bocado com os chineses: so sempre citados a bssola, a plvora, o papel e a impresso. Muitas outras invenes da tradio tecnolgica chinesa foram avidamente buscadas pelos ocidentais, como a porcelana e a seda, por exemplo; eles depois aplicaram um pouco do que aprenderam na conquista da prpria China, j ento debilitada por elites ineptas e uma introverso fatal para suas pretenses de grande Estado autnomo e independente. Todos os demais povos colonizados no tinham condies de realizar um itinerrio de desenvolvimento bem sucedido armados apenas de suas dotaes prprias. Por mais que isto desagrade aos relativistas culturais, todos os avanos significativos da era contempornea, inclusive aqueles que esto sendo atualmente alcanados por Estados em rpido processo de modernizao como a China e a ndia, so o resultado da cincia e da tecnologia ocidentais, com aportes mnimos de outras culturas e civilizaes. A crescente interdependncia cientfica da pesquisa mundial deve alterar um quadro que, at aqui, foi dominado por nomes como Bacon, Galileu, Newton, Coprnico, Einstein e muitos outros. O avano econmico dos emergentes pode at alterar a balana do poder material no mundo, mas difcil imaginar um retrocesso cultural e cientfico dos

    atuais pases avanados ocidentais.

    (3) O processo de colonizao

    prejudicou, interrompeu, diminuiu as

    chances de progressos ulteriores, em

    funo de um projeto deliberado de

    retrocesso desses povos a uma

    condio inferior?

    A colonizao certamente representou uma violncia brutal contra muitos povos e civilizaes, destruindo Estados e culturas, e submetendo sociedades inteiras vontade unilateral de um punhado de estrangeiros dominadores, que passaram a extrair recursos e produtos das formaes assim submetidas pelos meios os mais diversos, geralmente destruidores de antigos costumes e instituies. Mas pelo simples fato de que os colonialistas e imperialistas detinham, justamente, tcnicas e instituies mais avanadas que os habilitaram a dominar e a explorar, do contrrio no poderiam faz-lo essa interao colocou os povos submetidos em contato com meios materiais e mecanismos prprios a um estgio superior de organizao social e produtiva, inserindo-os ainda que de maneira subordinada numa rede de intercmbios comerciais e de novos fluxos de fatores produtivos (entre eles, o mais precioso de todos, o capital intelectual) que, ao fim e ao cabo, os trouxeram modernidade capitalista, tal como a conhecemos atualmente. A colonizao pode no ter produzido, ela mesma, sociedades capazes de competir em igualdade de condies no cenrio econmico internacional; mas colocou as bases dessa possibilidade, que no teria sido alcanada, ou o seria muito dificilmente na sua ausncia. Na verdade, as nicas naes que retrocederam na busca do desenvolvimento e dos progressos materiais e sociais no foram aquelas que mantiveram seus vnculos com a

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    economia mundial, mas aquelas muitas na frica e no Oriente Mdio, algumas na Amrica Latina que decidiram cortar esses laos de subordinao e de dependncia e adotar uma via nacional prpria de desenvolvimento. Os fracassos so to evidentes (alguns to presentes atualmente, em torno do Brasil) que resultaria pattico retratar essas experincias fracassadas. No outro sentido, alguns exemplos j foram aqui citados, entre eles o de Hong Kong, uma colnia britnica e agora chinesa, cujo desempenho em termos de crescimento e de modernizao j tinha ultrapassado vrios indicadores da prpria metrpole muito tempo antes da descolonizao (que alis nunca se realizou; por interesse da China comunista, foi preservada a autonomia econmica, aduaneira e financeira da vibrante colnia).

    (4) Foram eles impedidos, depois, de

    retomar seus projetos nacionais de

    desenvolvimento, em funo da

    herana maldita da colonizao

    europia?

    A pergunta canhestra, e apenas formulada porque os idelogos do anticolonialismo acreditam, e afirmam, que o neocolonialismo continuou a marcar a trajetria dessas sociedades em sua fase independente. A herana maldita seria, obviamente, constituda pelos circuitos de produo e comercializao de alguns poucos produtos primrios, rigidamente preservados na era ps-colonial, e que dificultaram ou bloquearam os esforos de industrializao autnoma no perodo recente. A prpria construo desses vnculos de explorao e de comercializao, que a literatura da rea reputa totalmente negativa para os povos colonizados, e absolutamente feita em favor dos colonizadores, nem

    sempre beneficiou estes ltimos, de modo completo ou integral.

    Um balano honesto dos empreendimentos coloniais muitos deles decididos mais por razes de prestgio poltico e exibio de poder mundial, do que por necessidade econmica fundamental pode revelar, inclusive, um resultado negativo, como evidenciado nos estudos de Jacques Marseille sobre as aventuras coloniais da Frana (1989). Pesquisando o desempenho do capitalismo francs nas colnias exploradas, ele constata, finalmente, um balano negativo no plano contbil e a manuteno de um capitalismo arcaico, vivendo de suas reservas de mercado e incapaz de competir no cenrio internacional mais amplo. Na fase independente, as elites dirigentes construram seus pases da maneira que suas habilidades respectivas o permitiram. Cingapura, por exemplo, era pouco mais do que um entreposto comercial, com alguma guarnio militar, cercada de pntanos, quando os ingleses aceitaram sua independncia e a cidade se tornou autnoma da Malsia, que tinha pretenses sobre esse ponto estratgico: em pouco mais de trs dcadas as elites chinesas construram uma vibrante economia, atraindo a ateno dos lderes comunistas chineses, j impressionados pelos progressos de seus primos mais prximos de Hong Kong. Da mesma forma, depois de quatro dcadas de colonizao japonesa, os coreanos tinham, alm de tudo, um pas arrasado por uma das guerras mais terrveis da fase contempornea: os dirigentes da parte meridional conseguiram, com doses macias de educao, fazer do pas uma das economias mais competitivas do planeta, colocando-o nos primeiros lugares em desempenho tecnolgico e inovao industrial.

  • 23

    (5) Continuam eles bloqueados em seu

    desenvolvimento autnomo em

    funo dos efeitos delongados do

    colonialismo?

    Irrelevantes ambos os conceitos, j que, depois de quatro ou cinco dcadas de descolonizao, e 200 anos de vida independente na Amrica Latina, esse bode expiatrio no tem nenhuma responsabilidade sobre a situao atual e as perspectivas de desenvolvimento futuro de povos ainda atrasados. Os discursos de certos lderes da Amrica Latina certamente influenciados por idiotas como Galeano atribuindo a culpa pelo atraso de seus pases ao imperialismo que seria um tipo de colonialismo moderno so to ridculos que sequer merecem qualquer desmentido acadmico. A formao de recursos humanos principal fator de desenvolvimento em qualquer sociedade uma tarefa que pode levar duas ou trs geraes, mas crucial para as chances de progresso econmico e social, tarefa que incumbe inteiramente s elites nacionais: sua responsabilidade nesse particular total, e pretender responsabilizar o imperialismo pelo seu prprio fracasso no apenas equivocado, e sim moralmente desonesto e politicamente abjeto. Ao que se sabe, alis, as potncias colonizadoras continuaram acolhendo os filhos da independncia em suas universidades e formando recursos humanos em suas melhores escolas: o que os lderes dos pases independentes no fizeram, inclusive os de velha independncia como os da Amrica Latina, foi criar uma escola de massas de qualidade para integrar no letramento e nas matemticas elementares o grosso da populao desprovida de recursos prprios para aceder s escolas dos colonizadores.

    (6) As antigas potncias coloniais

    europias continuam a explorar e a

    extrair recursos de suas antigas

    colnias, dificultando ou impedindo,

    assim, seu desenvolvimento atual?

    No s as antigas metrpoles europias, mas tambm os novos imperialistas americanos e os novssimos colonizadores chineses; todos eles continuam a extrair recursos dos pases ditos em desenvolvimento. Mas isso est longe de constituir um obstculo ao seu progresso material, ao seu crescimento econmico e ao seu avano nos terrenos educacional ou social. Todos os pases, inclusive alguns desenvolvidos, exploram suas dotaes naturais e adquiridas, beneficiando-se daquilo que o velho David Ricardo chamou de vantagens comparativas relativas. Vrios pases do clube dos ricos so produtores e exportadores de matrias primas e de produtos agrcolas, sem que isso represente um fator de subdesenvolvimento ou atraso.

    Aparentemente, o prprio Brasil atravessaria, atualmente, os fenmenos da desindustrializao na verdade inexistente, mas agitado em funo da perda de espaos dos manufaturados em sua pauta exportadora e da crescente afirmao do agronegcio, um processo til, bem-vindo e totalmente compatvel com o seu perfil produtivo e suas vantagens naturais. O que o Brasil deve fazer no recusar essa vocao, e sim qualificar cada vez mais seus setores produtivos vinculados produo agrcola e extrao mineral, criando valor e inovando na transformao produtiva a partir daqueles setores em que ele imbatvel em termos de competitividade internacional. O agronegcio, longe de ser um fator de atraso como afirmam os ignaros econmicos do MST militantes absolutamente equivocados no plano de qualquer racionalidade

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    instrumental , constitui uma enorme vantagem econmica para o Brasil, necessitando mais incorporao de pesquisa cientfica e de melhorias tecnolgicas para criar ainda mais riqueza para a sociedade nacional, trazer divisas para o pas e inseri-lo mais profundamente nos circuitos da globalizao capitalista, uma realidade negada pelos militantes daquele movimento regressista e reacionrio. Vantagens comparativas e benefcios do livre comrcio existem e funcionam, por mais que certos economistas pretendam desqualificar esses processos to naturais quanto a lei da oferta e da procura.

    6. Concluso: o colonialismo como

    fator de progresso civilizatrio

    No preciso retomar os argumentos anteriormente citados para recusar a falcia evidenciada neste ensaio: a dos efeitos prejudiciais, e at destruidores, do colonialismo para o desenvolvimento autnomo de tantos pases e economias ditos em desenvolvimento, na terminologia politicamente correta dos funcionrios desses rgos inteis que se ocupam do desenvolvimento dos pases pobres. Como j demonstrado nos trabalhos de William Easterly (2002 e 2007), a assistncia oficial ao desenvolvimento pode ter feito mais mal do que bem aos povos assim assistidos, e isso a despeito de toda a benevolncia e humanitarismo das antigas potncias coloniais e de suas numerosas ONGs assistencialistas.

    O fato que o colonialismo, pelas vias tortas que sempre so as da histria, acabou unificando o mundo numa mesma economia global, sendo impedido de faz-lo em algumas circunstncias em funo do comportamento poltico exclusivista, no do capitalismo, enquanto sistema impessoal, mas de lderes polticos

    contaminados pela idia de prestgio nacional ou de hegemonia militar. O capitalismo, em si mesmo, trouxe progressos materiais e benefcios sociais. Sempre e quando o capitalismo foi impedido de exercer suas virtudes naturais no sentido de apropriar-se de produtos e servios em escala planetria, de disseminar suas mercadorias e, portanto, de facilitar a livre circulao dos fatores de produo capital, bens, know-how e recursos humanos as razes devem ser buscadas nas barreiras polticas artificialmente erigidas por governantes, no em virtude de suas limitaes intrnsecas. O capitalismo pode at ser desigual em seus mecanismos alocativos e de apropriao, mas ao visar unicamente lucros e retornos ampliados, ele absolutamente no discriminatrio quanto s fontes desses insumos e servios: ele no se importa com a cor das pessoas, sua religio, seu sistema poltico e suas crenas filosficas, ele apenas deseja fabricar, vender e lucrar, se possvel em todos os quadrantes da terra, do fundo da Amaznia ao deserto de Gobi, das estepes geladas da Sibria, aos campos inspitos de regies tropicais, das cidades avanadas do Ocidente s mais humildes aldeias africanas. Enfim, tudo motivo e oportunidade para sua expanso e sucesso econmico.

    O colonialismo no tem tanto a ver com o capitalismo, quanto com as pretenses de acumulao de riqueza por parte de agentes polticos, j que o capitalismo faria pela via do comrcio e do empreendimento produtivo o que o colonialismo faz pela via das armas e dos missionrios. Eventualmente os interesses de ambos podem se encontrar conjugados, mas no se trata de uma relao causal ou unvoca em suas manifestaes concretas, e sim de uma coincidncia histrica temporria. No

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    fundo e na substncia, o capitalismo dispensa o colonialismo, que mais bem o atributo de Estados-nacionais com poderes polticos muito concentrados e desejosos de extrair riquezas pela via mais direta possvel, que nem sempre a mais eficiente ou a mais compatvel com os interesses do capitalismo no longo prazo.

    Os principais agentes colonizadores da modernidade capitalista so as empresas multinacionais, com seus celulares, seus sistemas on-line, suas possibilidades de comunicao instantnea, e at as velhas empresas imperialistas, como a Coca-Cola, algumas petroqumicas, vrias farmacuticas, casas bancrias seculares que se misturam a novas corporaes surgidas do nada, ou melhor, de gnios da inovao e da competitividade, no que vai uma grande dose de especulao e at de esperteza. Essa colonizao planetria pelos modernos representantes das velhas companhias de comrcio e navegao, pelos sucessores de bandeirantes e pioneiros que penetravam em terras indevassadas pelo capital, deve continuar pelo futuro previsvel, quando o colonialismo ser apenas uma imagem distante nos livros de histria, uma excrescncia temporria na grande aventura humana da globalizao.

    Em ltima instncia, aqueles que atribuem ao colonialismo o baixo, ou o no desenvolvimento de tantos pases atrasados, ou subdesenvolvidos uma expresso contraditria, pois que o desenvolvimento um conceito relativo esto cometendo uma falcia, pois ele sempre significa, de uma maneira ou de outra, geralmente de forma indireta, uma confrontao de capacitaes diferenciadas entre dois povos e duas sociedades: por mais que a violncia implcita ao processo possa trazer

    custos temporrios e sofrimentos no plano social, no longo prazo estamos falando de uma incorporao da parte subordinada a patamares mais elevados de apropriao da natureza e da manipulao econmica dos fatores de produo, processo que deve necessariamente resultar em crescimento da produtividade e melhoria dos padres de vida. Uma espcie de penitncia no caminho da modernidade: considerando-se o papel destrutivo de antigos imprios extrativistas ou simplesmente escravocratas como alguns existentes na Amrica pr-colombiana, to decantada por alguns idiotas inteis pode-se concluir que o papel do colonialismo capitalista (ou seja, europeu) foi, ao fim e ao cabo, positivo, em propores desiguais, provavelmente. Mas a histria, sobretudo em sua vertente econmica, nunca um jogo de soma zero, no qual para que alguns ganhem os outros necessitem perder. Um julgamento ponderado o mnimo de respeito que podemos exibir em relao a fenmenos to complexos quanto o colonialismo.

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