7. Aplicação Da Lei Penal

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    Aplicação da lei penalA lei penal tem as seguintes características:a) imperatividade (aplica-se a todos independente de sua vontade ou concordância, háimposição da norma penal);b) exclusividade ( somente a ela cabe a tarefa de definir infrações penais);

    c) generalidade (incide sobre todos de modo geral); impessoalidade ( a norma é abstrata,não indica pessoas determinadas para incidência da norma, mas apenas acontecimentosfuturos a serem punidos).

    Espécies de normas penais:a) incriminadora - dispositivos penais que descrevem condutas e comina penas;b) norma não incriminadora – descreve certos parâmetros que são explicativos oucomplementares ou permite certas condutas.

    3.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

    3.2.1 Enunciado e breve histórico

    O inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal estabelece: “Não há crime sem leianterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, preceito repetido no art.1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena, semprévia cominação legal”, que já se encontrava no art. 153, § 16 da Carta Constitucionalde 1967, no § 27 do art. 141 da Constituição de 1946, no art. 122 da Constituição de1937, no § 26 do art. 113 da Constituição de 1934, no § 15 do art. 72 da Constituição de1891 e que constava do § 1 do art. 179 da Constituição do Império, de 1824, assim:“ninguém será sentenciado senão por autoridade competente e em virtude de lei anteriore na forma por ela prescrita”.

    Já o art. 1º do Código Criminal do Império, de 1830, dizia: “não haverá crime, ou delitosem uma lei anterior que o qualifique”, e o art. 3,

    “nenhum crime será punido com penas que não estejam estabelecidas nas leis, nem commais, ou menos, daquelas que estiverem decretadas para punir o crime no grau máximo,médio ou mínimo, salvo o caso em que aos juízes se permitir o arbítrio”.

    O Código Penal de 1890, no art. 1º, consignava:

    “Ninguém poderá ser punido por fato que não tenha sido anteriormente qualificadocrime, e nem com penas que não estejam previamente estabelecidas. A interpretaçãoextensiva por analogia ou paridade não é admissível para qualificar crimes, ou aplicar-lhes penas.”

    Princípios Constitucionais do Direito Penal - 3

    O princípio, apesar de expressar-se, comumente, na fórmula latina nullum crimen, nullapoena sine lege, não tem, como muitos pensam, sua origem no Direito Romano. Aí,apesar da existência de definições de crimes e penas, a punição sem lei anterior era

    permitida, a não ser num pequeno tempo, o de Silla, e com a ordo judiciorum

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    publicorum, em que a analogia passou a ser proibida1. No mais, todo o Direito Romanoaceitou a aplicação de penas sem prévia definição legal de crimes.

    Durante toda a Idade Média, em que prevaleceu o direito consuetudinário,

    “permitiu-se o plenum arbitrium dos juízes. Foi a idade de ouro das penas arbitrárias.Ao juiz só era vedado, quando muito, excogitar uma espécie nova de pena. E ao lado doarbítrio do juiz ainda havia o arbítrio do rei, de que foram atestado, em França, ascélebres lettres de cachet”2.

    JOSÉ FREDERICO MARQUES ensina que

    “as raízes do princípio de reserva legal nas normas punitivas encontram-se no Direitomedieval, mormente nas magníficas instituições do Direito ibérico. Nas Cortes de Leão,em 1186, declara AFONSO IX, sob juramento, que não procederia contra a pessoa epropriedade de seus súditos, enquanto não fossem chamados ‘perante a Curia’. E nas

    Cortes de Valladolide foi proclamado, em 1299, que ninguém pode ser privado da vidaou propriedade enquanto sua causa não for apreciada segundo o ‘fuero’ e o Direito. Em1351, essas mesmas Cortes pediram a Pedro I que ninguém fosse executado ou presosem investigação do foro e direito, no que acedeu o rei. E essa promessa foi depoisrenovada com ênfase por Henrique I, nas Cortes de Toro, em 1371”3.

    Na Inglaterra, o princípio constou, pela vez primeira, na Magna Charta de 1215, aotempo de João Sem Terra, com a proibição da analogia para definir crimes e aplicarpenas. Aí também se inscreveu o gérmen da idéia de limitar-se o poder do Estado emface da liberdade do indivíduo que, mais tarde, ganharia foros de princípio maior detodas as nações civilizadas.

    A fórmula latina foi elaborada por Feuerbach, no princípio do século XIX, mas oprincípio constou dos Bills of Rights, as constituições das colônias inglesas na Américado Norte, e foi incluído entre os direitos fundamentais do homem no Congresso de

    1 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,1955. v. 1, t. 1, p. 26.

    2 Idem p. 29. 3 Tratado de direito penal. Campinas: Bookseller, 1997. p. 181-182.

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    Filadélfia, de 1774, na Constituição Federal Americana de 1787, e consagrou-se no art.8º da Declaration des droits de l’homme et du citoyen, de 28-8-1789, assim: “nul nepeut être puni qu’en vertu d’une loi établié et promulgée antérieurement au delit etlégalement appliquée”.

    3.2.2 Significado

    É o mais importante dos princípios do Direito Penal, a base, a viga mestra, o pilar quesustenta toda a ordem jurídico-penal. Seu significado é claro e límpido. Só pode alguém

    receber uma resposta penal, uma pena criminal, se o fato que praticou estivesse,anteriormente, proibido por uma lei sob a ameaça da pena. O homem só pode sofrer a

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    pena criminal – ser privado da sua liberdade, em regra – se tiver realizado umcomportamento previamente definido como crime, por uma lei em vigor.

    Por mais imoral que seja uma conduta humana, a ela só corresponderá uma sançãopenal se, antes de sua prática, tiver entrado em vigor uma lei considerando-a crime.

    crime e, por isso, não merecerá nenhuma sanção do direito

    O incesto – prática de atos sexuais entre pai e filha ou mãe e filho, ou entre irmãos, semviolência, real ou moral –, apesar de, moralmente, repugnar a todos, não é

    “Antes de ser um critério jurídico-penal, o nullum crimen, nulla poena sine lege é umprincípio político pois representa um anteparo da liberdade individual em face daexpansiva autoridade do Estado. Em reação à estatolatria medieval, adotou-o aRevolução Francesa, incluindo-o em fórmula explícita, entre os direitos fundamentaisdo homem; e somente o retorno ao ilimitado autoritarismo do Estado pode explicar oseu repúdio nos últimos tempos, como aconteceu na Rússia soviética e na Alemanha deHitler.”4

    Significa, pois, o princípio que só a lei pode definir crimes e cominar penas. A ediçãode normas sobre crimes e penas é matéria reservada à lei, daí o nome de Princípio daLegalidade ou da Reserva Legal. O Princípio quer dizer: lei, anterior, no sentido estritoe certa.

    Só a lei ordinária, aprovada no Congresso Nacional, com observância de todas as regrasque regem o processo legislativo, vedada esta atividade ao legislador estadual ou

    distrital e municipal. Igualmente, não se admite a criação de crimes e penas por

    4 HUNGRIA, Nelson. Op. cit. p. 12.

    Princípios Constitucionais do Direito Penal - 5 meio de Medida Provisória ou de LeiDelegada. Do mesmo modo, em nenhuma hipótese, permite-se a utilização da analogiapara incriminar comportamentos ou cominar penas.

    Por outro lado, a Lei Penal há de ser certa, exata, precisa, proibida a utilização defórmulas excessivamente genéricas ou de interpretação duvidosa, devendo, pois, olegislador, no momento de definir os comportamentos humanos que deseja considerar

    crimes, evitar a utilização de expressões vagas ou ambíguas, a fim de que todos osindivíduos possam, com facilidade, compreender a extensão e o alcance das normas deproibição.

    Modernamente, na doutrina do magistral ALBERTO SILVA FRANCO, o princípioadquire novos significados. Segundo o maior dos penalistas brasileiros da atualidade, ocaráter material do princípio da legalidade impede a definição de crimes que

    “retratem atitudes internas, que se refiram a valores puramente morais, que incriminemsimples estados ou condições existenciais, que não comprometam interesses básicos dasociedade, que mencionem atos materiais não lesivos de nenhum bem jurídico, que seapóiem mais de uma vez no mesmo pressuposto fático ou que tratem igualmente

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    situações desiguais ou desigualmente situações iguais, fundando no puro arbítrio asrazões da igualdade ou da desigualdade”.5

    Isso quer dizer, entre outras coisas, que não pode o legislador definir como crime osimples pensar do homem, nem tampouco atitudes exclusivamente morais. Por isso,

    seria inconstitucional a lei que considerasse crime o simplesmente ser alguémhomossexual.

    maior relevância

    Nesse sentido, o princípio da legalidade dá origem aos princípios do fato, da lesividade,do ne bis in idem, e da igualdade, cuja importância adquire, no dia-a-dia,

    pensamento do homem, com o pecado, tarefa das religiões

    Só haverá crime se houver um fato; impossível a incriminação de atitudes puramentepsíquicas do homem. O Direito Penal não se importa com o simples

    Pouco importa o que ocorre puramente no interior do pensamento humano. O homempode desejar ardentemente, com toda a sinceridade, a morte de seu desafeto, e isso nadaimporta para o Direito Penal, desde que esta seja apenas uma atitude interna.

    5 Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 1995. p. 24.

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    Pode orar o tempo todo, para que ocorra tal ou qual fato lesivo, e se não passar dessaatitude puramente psíquica, tal acontecimento não passa de um indiferente penal.

    Por essa razão, o legislador está obrigado a só construir definições de crimes queconstituam fatos concretos, e não meros acontecimentos psicológicos, semconseqüência concreta.

    Do mesmo modo, não pode o legislador incriminar comportamentos humanos que nãosejam suficientemente idôneos para causar lesão ou, no mínimo, ameaçar de lesão obem jurídico.

    É o mais importante dos primados do Direito, e, segundo muitos, situando-se antes ealém do direito positivo, como conseqüência que é da inviolabilidade da dignidadehumana, um princípio concreto de direito natural.

    3.3 PRINCÍPIO DA EXTRA-ATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS FAVORÁVEL

    3.3.1 Enunciado

    O inciso XL do art. 5º da Constituição Federal dispõe: “A lei penal não retroagirá, salvo

    para beneficiar o réu.” A primeira parte do preceito: “a lei penal não retroagirá” é pura

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    reafirmação do princípio da legalidade, no ponto em que este impõe a anterioridade dalei penal.

    Cuidadosamente, o legislador constituinte, não satisfeito com impor a anterioridade dalei penal, veio, no inciso seguinte, reafirmar que a lei penal não pode retroagir, isto é,

    não pode ser aplicada a fatos acontecidos antes de sua vigência.

    Não havia necessidade, pois o princípio da reserva legal é claro ao dizer que só haverácrime e pena, se houver, previamente, uma lei anterior. Mas o objetivo não era o dereafirmar o princípio da legalidade, mas o de construir outro pilar sobre o qual sesustenta o Direito Penal, o de que a lei penal mais favorável retroagirá ou ultra-agirá.

    3.3.2 Significado

    É na segunda parte que está o preceito “salvo para beneficiar o réu”, cuja leitura há deser: a lei penal retroagirá para beneficiar o réu.

    O Direito é dinâmico como a sociedade. Os interesses sociais estão em constante

    Princípios Constitucionais do Direito Penal - 7 movimento e, à medida que sedesenvolve a sociedade, impõem-se mudanças na ordem jurídica. Novas conquistastecnológicas impõem novos tratamentos a questões que surgem no dia-a-dia.

    Valores substituem-se, formas de ver os fatos sociais alternam-se, de modo que se tornasempre necessária a criação de novas leis.

    A regra geral de aplicação da lei é a prevalência da lei do tempo do fato, decorrência doprincípio da legalidade (tempus regit actum). Aplica-se ao fato a lei vigente ao tempo desua prática.

    Leis sucedem-se, criando novos crimes, modificando o tratamento dado aos crimes jáexistentes, ora com maior severidade, ora abrandando a resposta penal e, até,simplesmente, extinguindo espécies de crimes.

    Nessas hipóteses, incide o princípio, que proíbe a retroatividade da lei mais severa: nãopoderá a lei mais grave ser aplicada aos fatos ocorridos antes de sua vigência. Se,contudo, a lei posterior é, de qualquer modo, mais benéfica, vai retroagir, para ser

    aplicada aos fatos acontecidos antes de sua vigência.

    Não podia ser diferente. A pena é a resposta que a sociedade dá aos indivíduos queatacarem, de modo grave, os bens jurídicos mais importantes. Se, em dado momento, asociedade entende que a pena deve ser menor do que era, é porque considera que aresposta ao crime praticado deve, igualmente, ser de menor intensidade. Se, a partir deuma nova lei, esta pena é mais branda, deve o ser para todos, inclusive para os quepraticaram o crime antes da lei.

    Não teria nenhum sentido punir alguém com uma pena que já não está em vigor. A penaé a medida da reprovação do comportamento humano. Se o fato antes punido mais

    severamente passa a ser, depois, punido com menor severidade é porque a sociedadeentendeu que a punição anterior – mais severa – não era justa. Se a reduziu é porque ela

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    não se justificava. E se não era justa antes, porque aplicá-la, depois de considerá-lainjusta?

    O inverso, punir alguém, com maior rigor que o previsto no tempo em que ele praticouo crime, seria injusto e iria de encontro à dignidade humana. Quando alguém pratica um

    fato definido na lei como crime, conhece a pena a ele correspondente, em qualidade eem quantidade. Se esta pena, depois da prática do fato, é aumentada, não pode, emnenhuma hipótese, ser aplicada àquele que violou a norma no tempo da lei anterior, sobpena de violar sua dignidade. Ele, ao violar a norma, sabia que o máximo que poderiareceber era a pena então vigente. Se, mesmo assim, violou a norma é porque aceitou, napior das hipóteses, sofrer aquela pena, somente ela, em qualidade e

    8 – Direito Penal – Ney Moura Teles quantidade, e não mais que ela. Aplicar-lhe penaentão inexistente – porque maior ou diferente – é violar o princípio da dignidade dohomem. É trair o indivíduo e o direito há de ser, sempre, verdadeiro e sincero.

    A lei penal que for mais favorável ao acusado da prática do crime sempre será aplicada,em qualquer hipótese. Por isso, diz-se que a lei mais benéfica é sempre extraativa: se elaé a lei posterior, é e sempre será retroativa; se ela é a lei do tempo do fato, é e serásempre ultra-ativa.

    A lei mais favorável é, pois, extra-ativa.

    3.4 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

    3.4.1 Enunciado e conceito

    Dispõe o inciso XLVI do art. 5º da Carta Magna:

    “A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a)privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação socialalternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.”

    Como se pode observar, o legislador constituinte não definiu o que seja individualizaçãoda pena, tarefa que cabe à doutrina.

    Individualizar significa particularizar, adaptar a pena ao condenado. A cada indivíduo,

    uma pena. Para particularizar a pena, a lei haverá, evidentemente, de balizar-se emparâmetros que, como não poderia deixar de ser, são o homem que violou a norma e ofato por ele praticado, cada qual, com suas particularidades, suas peculiaridades, suascaracterísticas próprias, subjetivas e objetivas, que os individualizam.

    Para adaptar a pena ao homem, seu destinatário, a lei levará em conta suascaracterísticas e as do fato realizado.

    A individualização da pena faz-se em três etapas: cominação, aplicação e execução.

    No primeiro momento da individualização, a tarefa incumbe ao legislador, que, ao

    definir os vários comportamentos humanos que considera crime – cumprindo, assim, oprincípio da legalidade –, estabelece, para cada um, uma pena, em qualidade e

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    Princípios Constitucionais do Direito Penal - 9 em quantidade. Esta é a chamada fase dacominação das penas.

    O legislador se orientará pela importância dos bens jurídicos e pela gravidade do ataquecontra eles perpetrados, estabelecendo, para cada comportamento considerado

    criminoso, uma qualidade e uma quantidade de pena, que será de maior severidade,conforme seja mais importante o bem e mais grave o ataque contra ele efetuado.

    Assim, a morte de um homem por outro, que a desejou, merecerá a mais severa daspenas. Já ao simples e leve ferimento do corpo humano, causado intencionalmente poroutro, corresponderá uma pena bem mais branda.

    Se o causador da lesão não a queria, nem a aceitava, mas foi descuidado, a pena serámais leve ainda.

    Isso porque a vida é um bem jurídico muito mais importante que a integridade corporal

    do indivíduo, e porque o comportamento de alguém que deseja causar um mal a outro émuito mais grave do que o de quem só agiu com descuido.

    Já a agressão à liberdade sexual da mulher – bem de maior valor – merecerá umareprimenda mais severa que a lesão corporal.

    Após fixar a natureza da pena, o legislador determina, abstratamente, um grau mínimo eum grau máximo, fixos, determinados, precisos, pelo que fica estabelecido um intervalodentro do qual a pena será aplicada ao caso concreto.

    Assim acontece com aquele homem que, intencionalmente, matar outra pessoa.

    Estará sujeito a uma pena privativa de liberdade por, no mínimo seis e, no máximo, 30anos. Se, todavia, obrigar uma mulher a uma relação sexual, a punição máxima nãoultrapassará os 10 anos de perda de sua liberdade.

    No Código Penal e na legislação penal complementar estão definidos todos os fatosconsiderados crimes, e cominadas as respectivas penas, em qualidade e quantidade.

    É este o primeiro momento da individualização. Nele o legislador dá o primeiro passopara adaptar a pena ao que vier a ser condenado. É a primeira particularização.

    Para os furtos, reclusão de um a quatro anos de detenção e multa. Para os estelionatos, omesmo grau mínimo e o máximo de cinco anos de reclusão e multa. Já se for um delitopróprio de funcionário público, o peculato (apropriar-se o servidor público de dinheiropúblico em proveito próprio, por exemplo), a pena ficará entre dois e 12 anos dereclusão, além da multa.

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    Para cada crime, uma pena, fixada abstratamente, e que paira sob todos os indivíduoscomo uma ameaça. Todos, portanto, têm conhecimento de que, se cometerem esse ou

    aquele crime, estarão sujeitos a essa ou àquela pena.

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    Se o homem, apesar da ameaça, não se intimida e pratica o fato definido como crime,poderá receber a pena correspondente. A pena será aplicada – pelo julgador – comobservância de normas legais que tratam da individualização.

    O julgador não é livre para escolher a qualidade nem a quantidade da pena.

    Se o infrator da norma tiver cometido um crime de estupro – constranger mulher àconjunção carnal mediante violência ou grave ameaça – o juiz deverá, em primeirolugar, verificar qual a qualidade e quantidade da pena cominada na lei, encontrando-asno art. 213 do Código Penal: “reclusão, de 6 a 10 anos”.

    Para estabelecer a pena concreta, a ser cumprida, o juiz deverá analisar as característicasdo infrator da norma e do fato por ele praticado.

    A primeira observação, a propósito, é de que a pena a ser aplicada não poderá ser nemalém nem aquém do necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

    Isto quer dizer que, dentro dos limites fixados – mínimo e máximo –, a pena deve serfixada de modo justo, exato.

    Para se alcançar esse difícil fim, manda o art. 59 do Código Penal que o juiz considerevárias circunstâncias, do homem, e do fato por ele praticado, que são: a culpabilidade,os antecedentes, a conduta social, a personalidade do infrator da norma penal, osmotivos, as circunstâncias e conseqüências do fato e o comportamento da vítima.

    É evidente que, tratando-se de um homem de passado ilibado, de personalidade pacífica,de boa índole, de conduta social respeitável, não haverá necessidade de uma quantidadede pena distante do grau mínimo. Se, ao contrário, tratar-se de pessoa que agiu commuita culpa, a pena haverá de se distanciar do grau mínimo, aproximando-se do graumáximo.

    Se, entre aquelas circunstâncias, umas favorecem, outras prejudicam o acusado, cabe ao juiz verificar quais preponderam e, entre elas, atentar para as que mais importam para odireito. As de natureza pessoal – a primariedade – haverão de ser relevadas, até porqueo fim e a razão de ser de toda a vida, da humanidade, é o homem, objetivo de todos nós.

    Princípios Constitucionais do Direito Penal - 1

    Após a fixação dessa que se chama pena-base, o julgador verificará se ocorremcircunstâncias agravantes, que se encontram definidas nos arts. 61 e 62 do CódigoPenal, e circunstâncias atenuantes, dos arts. 65 e 6 e, em conseqüência, agravará ouatenuará a pena-base.

    Em seguida, observará a existência de causas especiais de aumento ou de diminuição depena, previstas no Código Penal, seja na parte geral, seja na parte especial, aumentandoou diminuindo a pena, dentro das quantidades permitidas, chegando, então, à penadefinitiva.

    Fixada a pena definitiva, o juiz estabelecerá o regime de seu cumprimento, se privativa

    de liberdade, como manda o art. 3 do Código Penal, ou a substituirá, conformedetermina o art. 60, § 2º, e art. 4 do Código Penal.

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    anos de reclusão, conforme sejam as suas características e as do fato praticado

    Assim, terá particularizado a pena ao condenado. Com a individualização da pena, podeuma pessoa que cometeu um estupro ser condenada a seis, sete, nove ou a 10

    Desse modo, para um mesmo crime, cometido por duas pessoas, as penas aplicadas nãoserão, necessariamente, as mesmas. Se Pedro e Célio, irmãos, com mesmascaracterísticas, pela mesma razão, cometem em conjunto o mesmo crime e são amboscondenados, Pedro, de 20 anos, e Célio de 2, não receberão penas iguais, ainda quetodas as circunstâncias judiciais lhes sejam igualmente favoráveis ou desfavoráveis, poruma única razão: Pedro tem, em seu favor, uma circunstância atenuante que nãofavorece Célio: ter menos de 21 anos ao tempo do fato (art. 65, I, CP). Por isso, se, emface das circunstâncias judiciais, ambos receberem pena-base igual ao mínimo, aatenuante há de fazer a pena ficar aquém do mínimo legal.

    Esta é posição que se considera a justa, e que melhor será detalhada no Capítulo 17desta obra, onde esta segunda fase da individualização da pena, da mais altaimportância, será examinada de forma mais pormenorizada.

    Aplicada a pena, não sendo mais possível qualquer recurso contra a decisão que a fixou,o Estado adquire o título com o qual deverá executar a pena, que será cumprida pelocondenado. Também a execução da pena não pode ser igual para todos os condenados,que, além de terem cometido crimes distintos, são diferentes entre si, cada qual com suapersonalidade, sua necessidade de reprovação e prevenção.

    O inciso XLVIII do art. 5º da Constituição Federal estabelece: “a pena será

    12 – Direito Penal – Ney Moura Teles cumprida em estabelecimentos distintos, deacordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”.

    Individualizar, nesta fase, é proporcionar a cada condenado as oportunidadesnecessárias para que ele possa, durante e após o cumprimento da pena, ser reinserido nasociedade de modo a, posteriormente, poder ser aceito por ela e com ela viver em plenaharmonia.

    O art. 5º da Lei de Execução Penal (7.210/84) determina que o condenado seráclassificado, segundo seus antecedentes e personalidade, para orientação da

    individualização da pena. E o art. 6º manda que a classificação seja feita por uma

    Comissão Técnica, a quem compete elaborar um programa individualizador, que deveráser acompanhado no decorrer do cumprimento da pena.

    Os condenados serão submetidos a exame criminológico – técnico-pericial – capaz defornecer aos executores da pena os elementos indispensáveis à individualização daexecução da pena.

    Na prática, todavia, a situação é diferente. Infelizmente, o Estado brasileiro nãocumpriu, a contento, suas obrigações estatuídas pelas Leis nos 7.209 e 7.210, edificandoestabelecimentos penitenciários, dotando o sistema prisional das condiçõesindispensáveis à execução das penas privativas de liberdade.

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    O princípio da individualização da pena é uma garantia constitucional, devendo serobservado a fim de que cada indivíduo receba uma pena correspondente a suasnecessidades, em face de seu comportamento, e que seja apenas e não mais do que osuficiente para a reprovação que se lhe faz, pelo que ele fez e para a prevenção docrime.

    A Lei nº 8.072/90, ao determinar o cumprimento das penas aplicadas aos agentes doscrimes hediondos em regime fechado, integralmente, foi o mais contundente e vivoexemplo de violação do princípio da individualização da pena. O Supremo TribunalFederal, todavia, julgando o HC n° 82.959, declarou a inconstitucionalidade do § 1° doart. 2° da Lei n° 8.072/90, afastando, assim, a proibição da progressão do regime decumprimento da pena para os condenados por crimes hediondos, de tortura, de tráficoilícito de entorpecentes e de terrorismo.

    Se o juiz ficasse obrigado a fixar determinado regime de cumprimento de pena paracertos crimes – mormente o regime fechado –, estaria impossibilitado de individualizar,

    particularizar, o regime. Se o condenado por tal crime ficasse obrigado a cumprir suapena integralmente nesse regime, não teria havido, na execução, a individualização. Issoé da mais gritante obviedade, mas só depois de dezesseis anos é que o STFcompreendeu isso.

    Princípios Constitucionais do Direito Penal - 13

    A individualização só é possível e só é entendível se se puder concretizar nas três fases:cominação, aplicação e execução. Deixando de ser possível individualizar numa delas,não terá havido individualização. Em todas as etapas, o indivíduo condenado tem odireito à individualização de sua pena.

    3.5 PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL OU DA PERSONALIDADEDA PENA

    Dispõe o inciso XLV do art. 5º da Constituição Federal:

    “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar odano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aossucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.”

    A primeira parte desse preceito constou da primeira Constituição Brasileira, a de 1824,no § 20 do art. 179, tendo sido repetida nas de 1891 (art. 72, § 19), de 1934 (art. 113, §28), de 1946 (art. 141, § 30), e de 1967 (art. 153, § 13). Apenas a Carta de 1937 não oinseriu entre as garantias fundamentais.

    A Constituição de 1988, como não poderia deixar de ser, reafirmou-o, com umaimportante inovação. Ao lado da garantia individual aos sucessores do condenado, deque a pena não lhes será estendida, estabeleceu a garantia civil ao titular do bem jurídicolesado pela conduta criminosa, de executar, contra os sucessores do condenado, aobrigação de reparar o dano. Antes, essa garantia não tinha status constitucional,estabelecido apenas na legislação ordinária.

    3.5.2 Significado

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    O princípio é claro: só o condenado pode sofrer a pena criminal, seja ela privativa deliberdade, de multa, de prestação social alternativa, restritiva de direitos, seja qualqueroutra que vier a ser cominada.

    Hoje, pode-se pensar que essa afirmação é óbvia e, de tão indiscutível, nem precisava

    constar de uma norma, mormente constitucional.

    Todavia, voltando-se os olhos para a história, é possível verificar que o princípio

    14 – Direito Penal – Ney Moura Teles é uma conquista política penosa6. Em verdade,nos tempos primitivos, da vingança privada, a reação ao agressor do bem importantenão só era ilimitada, mas também se voltava contra o delinqüente e outros de seu grupo,familiar ou social.

    E tal comportamento grassou por longos anos, tanto que somente com as idéiasiluministas vitoriosas na França, foi insculpido na Declaração dos Direitos do Homem,

    de 1789.

    Basta lembrar que, no Brasil, três anos depois, ainda era lavrada e executada sentençapenal contra Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, da qual constou:

    “Na Capitania de Minas alguns Vassallos da dita Senhora, animados do espirito deperfida ambição, formaram um infame plano, para se subtrahirem da sujeição, eobediência devidda á mesma Senhora; pretendendo desmembrar, e separar do Estadoaquella Capitania, para formarem uma republica independente, por meio de uma formalrebellião, da qual se erigiram em chefes e cabeças (...). Portanto condemnam ao RéuJoaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes Alferes que foi da tropa paga daCapitania de Minas a quem com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas aolugar da forca e nella morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe sejacortada a cabeça e levada a Villa Rica aonde em o lugar mais publico della serápregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido emquatro quartos, e pregados em postes, pelo caminho de Minas no sitio da Varginha e dasSebolas aonde o Réu teve as suas infames praticas, e os mais nos sitios nos sitios (sic)de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, eseus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Camara Real, e acasa em que vivia em Villa Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chãose edifique, e não sendo proprio será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados,

    e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve na memoria a infamiadeste abominavel Reu.”7

    Como se vê, há pouco mais de 200 anos, ainda se fazia estender aos sucessores docondenado as conseqüências penais de seu comportamento, o que é inadmissível, já quefere a dignidade humana.

    Ninguém pode sofrer qualquer restrição em sua liberdade, nem qualquer 6CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Estrutura do direito penal. 2. ed. São Paulo: JoséBushatsky, 1976. p. 72.

    7 BRASIL. Biblioteca Nacional. Custos de devassa da Inconfidência Mineira. Rio deJaneiro: Ministério da Educação, 1938. v. 2, p. 145 s e 194.

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    Princípios Constitucionais do Direito Penal - 15 punição, por fato que não praticou, pordano que não causou, por acontecimento para o qual não concorreu.

    3.5.3 Reparação do dano

    A indenização do prejuízo causado pelo condenado é sanção civil, e por isso pode serestendida aos sucessores e contra eles executada, é óbvio, até o limite do valor dopatrimônio transferido.

    Se o condenado por crime contra o patrimônio vier a morrer logo após a sentençacondenatória irrecorrível, o prejuízo sofrido pela vítima poderá ser cobrado dossucessores do infrator da norma penal, que estarão obrigados a indenizar o credor,observado o limite do patrimônio que tiverem recebido. Se tiver sido transferido valorinferior ao da indenização, o credor só poderá executar o valor da importânciatransmitida. Se nada tiver sido transferido, nada poderá ser cobrado.

    Não podia ser diferente, já que, no direito das sucessões, são transmitidos obrigações edireitos, e estes só são partilhados após o cumprimento daquelas. Primeiro, pagam-se asdívidas do autor da herança e, somente após a liquidação de todas as suas obrigações,inclusive as tributárias e decorrentes da própria morte, é que se apura o saldo a partilhar.Como o dever de indenizar se inclui entre as dívidas do morto, só após seu pagamento éque os sucessores receberão a herança.

    A importância do preceito é considerar também os direitos da vítima do crime, porlongos anos esquecida pelo Direito Penal. Em sua tarefa de romper com a vingançaprivada e, depois, pública, o Direito Penal acabou por olvidar os direitos da vítima, quesó às vésperas do terceiro milênio voltou a colocar-se entre os interesses do DireitoPenal.

    A Lei nº 9.099/95, que instituiu no Brasil os juizados especiais criminais, privilegiandoa composição e a reparação do dano, constituiu o primeiro grande passo do legisladorordinário, para colocar os direitos da vítima do crime como uma das preocupações doDireito Penal.

    A pena de prestação pecuniária, instituída pela Lei nº 9.714/98, é outro institutoimportante para a proteção do direito da vítima, já que pode constituir-se emantecipação, no âmbito da jurisdição penal, da obtenção da reparação do dano causado.

    Se para evitar as perseguições, as arbitrariedades, a violência contra o delinqüente, oDireito Penal se posicionou e construiu os direitos do delinqüente, é

    16 – Direito Penal – Ney Moura Teles hora, mais do que nunca, de criar os instrumentospara, igualmente, proteger os direitos do ofendido, daquele que teve seus direitosviolados.

    3.6 PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO DAS PENAS

    3.6.1 Enunciado e significado

    Diz o art. 5º, XLVII, da Carta Magna:

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    “Não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art.84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.”

    A Constituição Federal proibiu, expressamente, a adoção dessas cinco espécies depenas, inserindo tal proibição no rol dos direitos e garantias fundamentais do homem, de

    modo que é impossível sua adoção em nosso direito, conforme manda o art. 60, § 4º,inciso IV: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a

    abolir: IV – os direitos e garantias individuais.”

    Essas penas foram banidas do ordenamento jurídico, porque não se coadunam com oestágio atual de desenvolvimento de nossa sociedade, uma vez que ferem a dignidadehumana e violentam profundamente o princípio da humanidade e do interesse social.

    Não passará muito tempo e no mesmo dispositivo constitucional (art. 5º, XLVII)certamente constará uma alínea a mais: “f) privativas de liberdade”, tempo em que seterá alcançado um novo estágio de civilização.

    Em verdade, como já se disse anteriormente, a própria pena privativa de liberdade é ummal, não resolve coisa alguma, ao contrário, traz enormes prejuízos para a sociedade. Ocaminho é outro, a criação de novas modalidades de sanções penais, com a abolição daprópria pena de prisão.

    3.6.2 Pena de morte

    Vigente no Brasil até o Código Criminal de 1830, a pena de morte, desde o advento da

    República, com o Código Penal de 1890, não consta do Direito Penal brasileiro, a nãoser como exceção, nos casos de guerra externa declarada, como resposta à agressãoestrangeira.

    A pena de morte é demonstração da mais absoluta irracionalidade que ainda

    Princípios Constitucionais do Direito Penal - 17 preside certos ordenamentos jurídicos.Em verdade, é resquício de pensamento autoritário que imaginava ser possível a criaçãode um mundo povoado por homens superiores, dotados de características diferenciadas,destinados a dominar os demais seres vivos sobre a face da Terra, neles incluídos oshomens das outras raças. Aceitá-la, no terceiro milênio, é de uma incongruência

    inominável. Trata-se de pena que apenas retribui o mal causado com outro mal. Revela,por isso, um pensamento grotesco, de quem não consegue entender a natureza humanae, especialmente, a daquele que delinqüiu.

    Ignora que o crime tem causas que não são combatidas, e que o homem que o cometeué, na maioria das vezes e antes de tudo, um desajustado social, um doente que nãorecebeu qualquer tratamento, e que não teve as mínimas oportunidades a que tinhadireito, para não delinqüir, vítima de uma sociedade desigual, injusta e desumana.

    Se o homicídio é crime, assim definido no Código Penal, porque se volta contra ointeresse público, igualmente a pena de morte não passa de um homicídio, oficializado,o que é mais grave, e atinge, igualmente, o interesse público.

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    O princípio humanitário exige que se busque a recuperação do condenado e não suaeliminação.

    O objetivo da sociedade há de ser eliminar o crime e não o criminoso. É precisocombater a doença, e não se acaba com ela matando o doente.

    O preceito exclui da proibição a hipótese de guerra declarada, sob a justificativa de quese trata de situação excepcionalíssima, em que há perigo para a própria soberania dopaís. Nem assim se pode aceitar a hipótese, especialmente nos dias de hoje em que,mesmo em se tratando de guerras, pugnam todos por tratamento humanitário aoshomens dos Estados beligerantes.

    3.6.3 Penas perpétuas

    Igualmente abomináveis, as penas de caráter perpétuo também violam os princípioshumanitários e do interesse social, ferem a dignidade humana e não apontam para a

    recuperação do condenado.

    Se ele não vislumbrar a perspectiva de voltar ao convívio social, não terá motivo paraaprender a respeitar os valores sociais.

    A pena de prisão perpétua é mais odiosa que a própria pena de morte. Se esta é, como sediz, irreparável, e só por isso hedionda, a manutenção de um homem encarcerado peloresto de seus dias é de uma crueldade inimaginável.

    18 – Direito Penal – Ney Moura Teles

    É próprio da natureza animal a vida em liberdade. Todos nasceram livres. O irracionalprivado de liberdade torna-se agressivo ou passivo. Em qualquer das hipóteses suanatureza resta violentada. Com o homem se dá o mesmo, com uma diferença: suaenorme capacidade de adaptação, que dá a aparência de que ele aceita a perda daliberdade, mas que na verdade significa sua redução a uma condição inumana, pior doque a do irracional, posto que, às vezes, nem reage.

    A proibição constitucional impõe ao legislador ordinário o dever de não cominar penasmuito elevadas, pois, se o fizer, poderá, na prática, estabelecer penas de caráterperpétuo.

    Se vier a ser cominada uma pena de, no máximo, 40 anos de reclusão, o condenado com20 anos somente sairá do presídio aos 60 anos, ou nem sairá, pois muito provavelmentemorrerá antes, especialmente se se levarem em conta as condições de vida em umpresídio.

    Além disso, esse princípio há de ser conjugado com o da humanidade e o do interessepúblico, pelo que se conclui que, sendo um dos fins da pena a recuperação dodelinqüente, não se pode mantê-lo por muito tempo privado de liberdade. Deconseqüência, não só são proibidas penas muito longas, mas o princípio exige acominação de penas não muito elevadas.

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    Desejando recuperá-lo, reinseri-lo no meio social, inclusive para que ele possa ser útil àsociedade, deve-se trabalhar para que o condenado possa viver o máximo possível comdignidade e com respeito aos valores importantes.

    A pena excessivamente longa, tanto quanto a perpétua, desestimula o condenado,

    quando não gera nele verdadeira revolta, capaz de transformá-lo não no recuperado quese almeja, mas no marginalizado indesejado.

    No Brasil, o limite máximo de cominação é de 30 anos, o que já é um tempo muitolongo, mormente se se considerar que a vida média do brasileiro pouco passa dos 70anos. Se o homem começar a cumprir sua pena aos 25 anos, pouco tempo de vida útillhe restará em liberdade.

    Em obediência ao preceito, o art. 75 do Código Penal estabelece que o tempo máximode cumprimento das penas privativas de liberdade é, igualmente, de 30 anos e que ocondenado a várias penas, cuja soma superar aquele limite, não cumprirá senão os 30

    anos, a não ser por fato posterior ao início da execução da pena (§ 1º e 2º).

    Lamentavelmente, nos últimos anos, o legislador brasileiro vem, influenciado pormanipuladores de opinião, marchando para exasperar penas de delitos de maiorgravidade, com o objetivo de diminuir sua incidência. Foi assim com a Lei dos Crimes

    Princípios Constitucionais do Direito Penal - 19

    Hediondos, e o que se colheu foi o aumento dessa criminalidade.

    É preciso caminhar exatamente no sentido contrário, o da diminuição do grau máximodas penas privativas de liberdade e o de sua limitação aos crimes de maior gravidade.Infelizmente, ainda é necessária a pena privativa de liberdade, que, por isso, há de serrestringida apenas aos casos em que for absolutamente indispensável. Como dizCERNICCHIARO, “repensar as penas excessivamente elevadas é pensar o homem”8.

    3.6.4 Trabalhos forçados

    A proibição da pena de trabalhos forçados harmoniza-se com as conquistas obtidas pelahumanidade contra o arbítrio e a prepotência.

    Os trabalhos forçados nas galés, de triste memória na história do Direito Penal,afrontam os princípios da humanidade e de respeito à dignidade do homem.

    Mormente quando se busca na pena a idéia de ressocialização, torna-se inadmissível aidéia de trabalhos forçados como pena criminal. Nem se coadunaria com o fim doregime escravagista, de mais de um século.

    Outra coisa, permitida e que deve ser incentivada, é a atividade laborativa nos presídios,cuja finalidade é a educação e, também, a produção, devendo, como é óbvio, serremunerado o trabalho do preso.

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    Não se confunde, igualmente, com a prestação de serviços à comunidade, que é umamodalidade de pena alternativa da mais alta importância e que é objeto de estudo noCapítulo 15 deste manual.

    O banimento existiu no Brasil durante o Império, ao lado do degredo e do desterro, e foi

    ressuscitado pela ditadura militar, como sanção política, mas, felizmente, vigorou porpouco tempo e foi expurgado do ordenamento jurídico.

    Banimento era a privação, para sempre, dos direitos de cidadania e proibição perpétuade habitar o território da nação. Degredo era a imposição ao condenado de residênciaem determinado lugar, que não o da moradia da vítima, dele não podendo sair, por umtempo determinado. Desterro era a proibição do condenado de residir ou mesmo ir aolugar do crime, ao de sua principal residência e ao da moradia da vítima,

    20 – Direito Penal – Ney Moura Teles por tempo determinado.

    O banimento era perpétuo no Império, mas o Código Penal de 1890, já no períodoRepublicano, o admitiu por tempo determinado; todavia, a Constituição de 1891 oaboliu, definitivamente.

    No regime de ditadura militar instaurada com o golpe de 1964, o banimento foiinstituído em 1968, não como pena criminal, mas como instrumento de ação do PoderExecutivo, que o aplicou a seus adversários políticos. Naquela época de trevas, tudo sefez.

    3.6.6 Penas cruéis

    Igualmente proibidas as penas cruéis, porque “o Estado não pode, na execução daspenas, infligir padecimentos físicos ou morais ao condenado. E mais. Vedado atécominar penas que, em si mesmas, conduzam a essa situação”9.

    É de todo óbvio. Nenhuma pena pode voltar-se contra a dignidade do ser humano. Ainflição de sofrimento físico ou moral, a tortura, física ou psicológica, a privação dascondições mínimas de existência, a desmoralização, a marcação a fogo, a amputação demembros, os maus-tratos, todos esses meios conhecidos e, infelizmente, utilizados nopaís há pouco tempo são terminantemente proibidos.

    A pena privativa de liberdade, por si só, já constitui enorme sofrimento para o homem,de modo que haverá de ser executada com todas as cautelas necessárias a fim de que ocondenado sofra apenas os efeitos da perda da liberdade. Nada além.

    Dessa forma, há de se verificar que, na quase totalidade dos casos, as penas de prisão noBrasil estão sendo cumpridas de modo cruel. São inúmeras as notícias de prisõessuperlotadas, onde 20 ou mais homens convivem em ambientes em que não poderiamficar nem quatro. É tratamento desumano e degradante, verdadeira crueldade, violadorda Carta Constitucional.

    Já de há muito que existem regras para o tratamento aos presos, detalhadas adiante, e

    não se pode admitir a continuidade do descuido do Estado brasileiro, que não se

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    preocupa com dotar o sistema de estabelecimentos adequados quantitativa equalitativamente.

    9 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Op. cit. p. 123.

    Princípios Constitucionais do Direito Penal - 21

    3.7 PRINCÍPIO DO RESPEITO AO PRESO

    Diz o art. 5º, XLIX, CF:

    “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” e o inciso L: “àspresidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhosdurante o período de amamentação”.

    O preceito se especifica no art. 38 do Código Penal: “O preso conserva todos os direitos

    não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito àsua integridade física e moral.” Também a Lei de Execução Penal (LEP) contémdispositivo semelhante: “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade físicae moral dos condenados e dos presos provisórios” (art. 40).

    O princípio abrange não apenas os condenados, mas também todos aqueles queestiverem presos, seja a prisão civil ou penal, processual ou definitiva.

    3.7.2 Significado

    O homem, apesar de condenado ou apenas preso, não deixa de ser humano, e continuacom todos os seus direitos, com exceção apenas dos incompatíveis com a perda daliberdade. De conseqüência, deve ser protegido, enquanto ser humano e cidadão.

    Principalmente, porque é um ser destituído de liberdade, incapaz de, por isso, defender-se em sua plenitude. O homem encarcerado, algemado, não é capaz de enfrentar a maiorparte das dificuldades e dos percalços da vida em prisão.

    O art. 41 da Lei nº 7.210 enumera direitos do preso: alimentação suficiente e vestuário;atribuição de trabalho e sua remuneração; previdência social; constituição de pecúlio;proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

    exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores,desde que compatíveis com a execução da pena; assistência material, à saúde, jurídica,educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer espécie de sensacionalismo;entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, deparentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de tratamentosalvo quanto às exigências da individualização da pena; audiência especial com odiretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade, em defesa dedireito; contato com o mundo exterior por meio de

    2 – Direito Penal – Ney Moura Teles correspondência escrita, da leitura e de outrosmeios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

    O art. 8 da LEP contém uma norma da mais alta importância:

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    “O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelhosanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a)salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação econdicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6 m2 (seismetros quadrados).”

    Lamentavelmente, a mesma lei, no art. 92, permite o alojamento do condenado emcompartimento coletivo, que atenda aos requisitos da alínea a do art. 8.

    para os sobreviventes e, com isso, chamar a atenção das autoridades responsáveis

    A realidade brasileira é outra. Não faz muito tempo o Brasil assistiu, pela televisão, ànotícia de que presos de Belo Horizonte, numa cela superlotada, chegaram ao ponto decelebrar um pacto de morte, mediante sorteio, a fim de obter mais espaço

    Não se esqueça ademais das mortes por asfixia e intoxicação por fumaça noutra cela, dacidade de São Paulo. Massacres como os do Carandiru continuam na memória de todos,quando dezenas de homens foram fuzilados sem a menor possibilidade de defesa.

    Na verdade, o que se pode afirmar é que a quase totalidade dos presos brasileiros estácumprindo penas em total desrespeito à Constituição e à Lei de Execução Penal. Penascruéis, com desrespeito à integridade física e moral dos condenados, são absolutamenteinconstitucionais.

    Infelizmente, é essa a realidade que o operador do Direito não pode ignorar. O maislamentável é que a situação se perpetua, integra o cotidiano, chega a parecer normal,

    passando a não mais indignar. De tanto visitar os presídios, as cadeias dos distritospoliciais, o operador do Direito corre o risco de ir-se acostumando com todas essasmazelas, e de se esquecer de combatê-las apropriadamente.

    Juízes, promotores e advogados, especialmente, não podem, em nenhum momento,descurar de seus deveres éticos, do senso de justiça e de humanidade, e devem, diantede quadros como aqueles, adotar as medidas indispensáveis à preservação da ordemconstitucional e da dignidade do homem, fim do Direito.

    Princípios Constitucionais do Direito Penal - 23

    3.8 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA

    Está no inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal:

    “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penalcondenatória.”

    Esse princípio, também chamado do estado de inocência ou da nãoculpabilidade,aparece pela primeira vez numa Constituição Brasileira, e significa uma das maioresconquistas do cidadão brasileiro às vésperas do terceiro milênio, como coroamento deuma série de vitórias do homem contra o arbítrio.

    3.8.2 Significado

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    Já se falou que a pena só pode ser aplicada pelo julgador, que é o funcionário do

    Estado encarregado de dizer o Direito, distribuindo a justiça. Para concluir, se alguémdeve sofrer a punição, o juiz adotará uma série de medidas, realizará um conjunto deatos, dirigirá várias atividades destinadas a descobrir a verdade: o homem é ou não

    culpado pelo que fez? Se for culpado, então sofrerá a pena.

    A descoberta da verdade dá-se no âmbito do processo, o conjunto daqueles atos queculmina com a prolação de uma decisão do juiz, chamada sentença. Essa sentença podeser atacada pelo condenado, e será submetida a instâncias superiores do PoderJudiciário, que poderão modificá-la ou não.

    Existe um conjunto de normas jurídicas que tratam do processo penal, da busca daverdade real, que devem ser obedecidas por todos os operadores do Direito Penal. Acerta altura, aquela decisão acerca do crime, sobre ser o homem culpado, torna-sedefinitiva, já não pode ser alterada dentro do processo. Diz-se, então, que a sentença

    penal condenatória transitou em julgado.

    Antes disso, enquanto está sendo processado, mesmo que estiver preso provisoriamente,ele não poderá ser considerado culpado.

    Talvez porque esteja inscrito em nossa Carta Magna pela vez primeira, o princípio nãotem sido bem compreendido, inclusive por instâncias superiores do Judiciário brasileiro.O preceito, no entanto, surgiu na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de1789, no art. 9º, e já estava inscrito na Declaração Universal de Direitos Humanos,aprovada pela Assembléia Geral da ONU, em dezembro de 1948, e não deveria ensejartanta incompreensão de nossos tribunais.

    24 – Direito Penal – Ney Moura Teles

    “O art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal, em virtude de uma redação não muitofeliz, permitiu no começo da sua vigência certa tergiversação interpretativa. Agora, noentanto, como bem destacou MAGALHÃES GOMES

    FILHO (1994, p. 30), com amparo no art. 5º, § 2º da CF, tornou-se indiscutível no nossoordenamento jurídico a extensão da presunção de inocência ‘desde que o CongressoNacional, através do Decreto Legislativo nº 27, de 26 de maio de 1992, aprovou o texto

    da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) eo Governo brasileiro, em 25 de setembro de 1992, depositou a Carta de Adesão a essaConvenção, determinando-se seu integral cumprimento pelo Decreto nº 678, de 06 denovembro de 1992, publicado no Diário Oficial de 09-1-92, p. 15.562 e s’. ReferidoPacto de San Jose, que também foi publicado na Revista Brasileira de CiênciasCriminais (do IBCCrim, nº 1, jan./mar. 1993, p. 253 e s.), em seu art. 8º, nº 1, consagrouo citado princípio, dizendo: ‘Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presumasua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.’10

    O preceito projeta-se principalmente no campo do direito processual penal – por, entreoutras conseqüências, impor o ônus da prova legal da ocorrência do fato e da

    culpabilidade do acusado ao acusador e permitir ao réu o direito ao silêncio, sem quepossa o julgador interpretá-lo em seu desfavor – mas tem também importante reflexo no

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    Direito Penal: nenhuma norma penal poderá estabelecer a responsabilidade com baseem fatos presumidos, porque ninguém pode ser punido por presunções, mas apenas porfatos reais.