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70ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA
DEFESA DO CONSUMIDOR
1
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL DA COMARCA DE
GOIÂNIA-GO
URGENTE. PEDIDO DE LIMINAR DE ANTECIPAÇÃO
DE TUTELA INAUDITA ALTERA PARS RELECIONADO
À ATUAÇÃO DAS “TORCIDAS ORGANIZADAS”.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, ora representado pelo Promotor
de Justiça infra-assinado, com ofício na área de Defesa do Consumidor, e que recebe
comunicações de estilo, pessoalmente, na Rua 23 esq. c/ Av. B, qd. 06, lts. 15/24, Jardim
Goiás, Sala T-42, nesta Capital, com fundamento no artigo 129, II, III e IX da Constituição
Federal; artigos 1º, II 2º, 3º, 5º, caput, 11 e 12, da Lei Federal 7.347, de 24.07.85, que
disciplina a Ação Civil Pública; nos artigos 6º, VI; 81, parágrafo único e incisos I, II e III; 82, I,
83, 84, caput e parágrafos 3º e 4º, 87 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de
11.09.90); bem como no Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei nº 10.671, de 15 de maio
2003) propõe a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, POR LIMINAR
INAUDITA ALTERA PARS,
em desfavor das seguintes pessoas jurídicas de direito privado:
1) Força Jovem Goiás, CNPJ 03.684.726/0001-89, associação presentada por
seu presidente Cleomar Marques de Paula, com sede na Rua 08, nº 365, Centro, Goiânia/GO;
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2) Torcida Esquadrão Vilanovense, CNPJ 06.055.076/0001-09, associação
presentada por seu presidente Mário Abrão Júnior, com sede na Av. B, Qd. 20, Lt. 05, Vila
Moraes, Goiânia/GO; e
3) Torcida Dragões Atleticanos, ente despersonalizado, representado por
Mauro Sérgio Batista, com sede à Avenida Perimetral, 921, Setor
Campinas, Goiânia – GO,
pelas razões de fato e de direito abaixo descritas:
I) DOS FATOS
Conforme apurado nos autos de Inquérito Civil Público anexos e amplamente
divulgado pelos órgãos de imprensa e redes sociais de comunicação, o jogo de futebol
realizado no Estádio Serra Dourada, dia 02/02/2013, sábado, às 17:00 horas, entre Goiás e
Vila Nova, foi precedido de atos de extrema violência entre integrantes das duas torcidas
organizadas, Força Jovem Goiás e Esquadrão Vilanovense, atos esses que se estenderam
durante e após o jogo, inclusive com danos pessoais e materiais de natureza grave.
O Comandante do Policiamento Metropolitano da Capital, em reunião realizada
nesta Promotoria, apresentou ofício (fls. 19) em que relata a ocorrência de confrontos
envolvendo as torcidas organizadas acima aludidas, os quais resultaram danos materiais e
tentativa de homicídio. No mesmo expediente solicita que seja proibida a entrada de
torcedores nos estádios de futebol com vestimentas, bandeiras, instrumentos musicais ou
qualquer tipo de material alusivo a qualquer facção de torcidas, nos jogos do Campeonato
Goiano de 2013. Medidas, estas, necessárias, como prevenção, para diminuir a violência nos
estádios e região metropolitana da Capital, assim como para a manutenção da paz, sossego
e segurança pública.
Posteriormente, conforme conversado, apresentou documento intitulado
ESTUDO DE SITUAÇÃO SOBRE TORCIDAS ORGANIZADAS (fls.21/22), acostado a um CD com
vídeos e imagens (fls. 20), em que, após citar fatos atuais e anteriores de violência,
envolvendo torcidas organizadas, arremata:
“6 – CONCLUSÃO. Com fulcro em todo o exposto, visando evitar
mortes por motivos fúteis, a banalização e incorporação da violência nos
estádios como acontecimento comum e normal em dias de jogos, ressaltando
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ainda, que essa medida pode evitar medidas mais drásticas como ocorre em
outros estados da federação como a extinção das torcidas organizadas e/ou a
realização de jogos com apenas uma torcida, solicitamos a proibição da
utilização, do uso, transporte, etc., por parte de torcedores e/ou
frequentadores do Estádio Serra Dourada de indumentárias, vestimentas,
objetos, bandeiras ou qualquer outro material, símbolo, sigla, etc., que faça
alusão a qualquer torcida organizada do estado durante o campeonato goiano
de 2013”.
A situação é recorrente, conforme se verifica dos documentos anexos, já tendo
inclusive sido objeto de ação judicial - Ação Civil Pública – Autos nº 201201388656 – 14ª
Vara Cível e Ambiental, na qual esta se baseia, hoje exaurida por realização do seu objeto.
Na referenciada ação foi concedida liminar, em que ficou determinado:
“a) A imediata suspensão das atividades das torcidas
organizadas FORÇA JOVEM GOIÁS, TORCIDA ESQUADRÃO
VILANOVENSE e TORCIDA DRAGÕES ATLETICANOS ficando proibido,
por consequência, liminarmente, a inscrição de novos associados, a
comercialização de ingressos no interior de suas sedes, o uso das
instalações físicas das sedes como ponto de encontro e/ou
organização de eventos, a contratação de veículos para transporte
particular de torcedores pelas torcidas organizadas, o uso e
comercialização de vestimentas, faixas, cartazes, bandeiras,
instrumentos musicais, e qualquer outro meio que possam identificá-
las em estádios de futebol, em qualquer jogo de qualquer
campeonato, e outros lugares públicos (por seus membros ou não) ou
em reuniões organizadas por seus membros.
b) A medida valerá para a requerida Torcida Dragões
Atleticanos pelo prazo inicial de 30 dias (trinta dias) e para as
requeridas Torcida Esquadrão Vilanovense e Força Jovem Goiás por
120 (cento e vinte dias).
Ponderou ainda o Comandante do Policiamento da Capital, na aludida reunião,
que a medida deveria incluir também a torcida organizada do Atlético Clube Goianiense,
Torcida Dragões Atleticanos, assim como se estender a qualquer jogo de qualquer
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campeonato, não se restringindo apenas aos jogos do campeonato goiano, posto que há
registro de confrontos envolvendo torcidas locais e torcidas organizadas de outros clubes de
outros Estados da Federação, em jogos de competição nacional.
II) DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 129, dispõe que “são funções
institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e a ação civil pública,
para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos”.
O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, estabelece:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das
vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título
coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos
deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja
titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos
os decorrentes de origem comum.
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados
concorrentemente: I - o Ministério Público;
Verifica-se, portanto, que o Parquet goza de legitimidade para a propositura da
presente ação.
Ultrapassada esta questão de cunho propedêutico, calha reconhecer que a Carta
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Magna (art. 5º, inciso XVII) elegeu a liberdade de associação para fins lícitos, vedada apenas
a de caráter paramilitar, como um direito fundamental do indivíduo. Todavia, o próprio
constituinte originário cuidou de excepcionar tal direito, prevendo que as associações
podem ter suas atividades suspensas por decisão judicial (art. 5º, inciso XIX, CF/88),
previsão constitucional corroborada na previsão contida no artigo 1.033, inciso V, do Código
Civil.
Portanto, o confronto do direito à livre associação com outros direitos, máxime
de índole constitucional (princípio da concordância prática ou harmonização), pode ensejar
a suspensão das atividades daquela.
No caso ora posto em questão, o direito fundamental (art. 5º, inciso XVII) à livre
associação das torcidas Esquadrão Vilanovense e Força Jovem Goiás encontra-se em rota de
colisão com o direito (social) difuso à segurança pública1, justificando-se, pois, a suspensão
de seus exercícios.
É cediço, os recorrentes episódios de violência perpetrados por membros das
referidas torcidas organizadas, colocam em xeque a paz social, na medida em que viola a
segurança de toda a sociedade, hoje envolta num sentimento, sem exagero, de medo em
face da atuação dessas associações.
Com efeito, a restrição às atividades das torcidas organizadas vem sendo
medida adotada com o fim de coibir a violência, a exemplo do que ocorreu no caso
retratado na ementa paulista que segue:
Mandado de segurança. Espetáculo esportivo. Regulamentação.
Proibição de utilização individual de vestimenta e bandeira (sem
haste ou suporte) representativos de torcida organizada.
Admissibilidade da proibição. Garantias de livre manifestação de
pensamento e de expressão asseguradas pela Constituição. Ar. 5º, IV
e IX, da CF. Direitos inibidos pelo sistema de segurança pública se a
conduta pessoal está identificada com torcidas organizadas colocam
em risco a segurança coletiva. Ação preventiva e imanente ao poder
1 “Nos termos da Constituição cidadã, art. 6º, caput, o direito à segurança pública é um direito
fundamental de segunda geração. É um direito social de todo cidadão e um dever do Estado.” (Apelação
Cível nº 061 (138/05), TJMMG, Rel. Fernando Galvão da Rocha, unânime, Publ. 16.09.2006).
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de polícia outorgado à Polícia Militar pela Constituição Federal (art
144). Recursos providos para denegar a segurança. (TJ/SP, AP. Civel
223.3035/8-00)
E não se olvida que a concordância prática de direitos constitucionais colidentes
deve atender ao princípio da proporcionalidade, de sorte que, preferencialmente, não
esvazie por completo nenhum dos direitos em colisão. Tanto que, no caso em apreço, não se
pretende tal esvaziamento, haja vista que a suspensão almejada envolve apenas as
atividades fins das requeridas e, ao menos por ora, ocorrerá por tempo determinado
(apenas trinta dias, a partir do deferimento da liminar).
Além do enfoque constitucional que o caso merece, impende conferir que o
Estatuto do Torcedor é de clareza solar ao assim prescrever no seu artigo 39-B:
Art. 39-B. A torcida organizada responde civilmente, de forma
objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus
associados ou membros no local do evento esportivo, em suas
imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento.
Já o artigo 39-A, da mesma Lei 10.671/2003, dispõe da seguinte forma:
Art. 39-A. A torcida organizada que, em evento esportivo, promover
tumulto; praticar ou incitar a violência; ou invadir local restrito aos
competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou
jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros,
de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três) anos.
Na verdade, o Estatuto do Torcedor, ao aparentemente limitar as sanções previstas
no artigo 39-A em evento esportivo, não retirou a possibilidade de aplicação de sanções para
atos perpetrados longe dos estádios, os quais podem ser impostos com arrimo no poder
geral de cautela, nos princípios gerais de direito, no Código Civil e na própria Constituição
Federal.
Portanto, deve-se afastar o critério geográfico contido no termo “em evento
esportivo” para adotar-se o critério teleológico, interpretando-o como “em razão do evento
esportivo”, exegese esta que mais se coaduna com o princípio da efetiva proteção aos
direitos do consumidor, do cidadão e com o direito difuso (social) à segurança, em
conformidade com precedentes da Justiça fluminense e paulista (notícia anexa).
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III) DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA2
A regra geral imposta pelo sistema do CPC (art. 333) é a de que o ônus da prova cabe ao
autor (em regra, portanto, o ônus da prova compete a quem alega).
Diversamente, o microssistema (aberto) processual de defesa dos interesses difusos
e coletivos, concebido em virtude da integração harmônica das regras processuais
estabelecidas na Lei da Ação Civil Pública (7.347/85) e no Código de Defesa do Consumidor
(8.078/90), em decorrência da conjugação impositiva entre tais diplomas (estabelecida pela
análise conglobante dos artigos 21 da LACP e 90 do CDC)3, previu a inversão do ônus da
prova como regra a ser seguida, sempre que as alegações do autor, a critério do juiz, forem
verossímeis (artigo 6º, VIII, do CDC).
Além disso, importa notar que o Ministério Público, ao propor ações civis públicas
age em prol da coletividade e não em seu próprio interesse. Este, sem dúvida alguma, se
afigura como mais um argumento apto a reforçar a opção feita pelo microssistema de
proteção coletiva pela regra da inversão do ônus da prova (que tem a pretensão de facilitar a
defesa da sociedade), atribuindo ao sujeito passivo da relação processual o ônus de
desconstituir as asserções do autor.
Nas pegadas dessas ideias, RODOLFO MANCUSO4 aduz que:
(...) em verdade, cabe salientar que hoje podemos contar com um
2 “Desse modo, considerada REGRA DE JULGAMENTO, a distribuição do ônus da prova não penaliza quem
não se desincumbiu da prova, apenas indicando uma presunção desfavorável a si quando da decisão. É a
transformação da compreensão subjetiva do onus probandi (a quem compete provar) em uma percepção
objetiva (apenas se utiliza a regra de ônus da prova quando da decisão da causa).
Percebe-se, então, que a tendência atual é de somente conferir importância ao ônus da prova quando
ausente ou insuficiente a prova produzida. É que se o juiz dispuser de provas suficientes para o seu
convencimento, pouco interessa quem a produziu, uma vez que a prova é do juízo e não das partes.
Somente quando o magistrado não consegue formar, pelo manancial probatório colhido, o seu juízo de valor
sobre os fatos postos à sua apreciação é que incide, como regra de julgamento, a distribuição do ônus da
prova. Este é o entendimento cimentado na jurisprudência (...). Tem-se, pois, um nítido caráter supletivo na
regra de distribuição do ônus da prova”. (FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil – Teoria Geral. 3ª ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 547)
3 “(...) o sistema das ações civis públicas e coletivas interage completamente (LACP, art. 21, e
CDC, art. 90)”. (MAZZILLI, Hugo Nigro. Aspectos Polêmicos da Ação Civil Pública. Juris Plenum, Caxias do Sul:
Plenum, v. 1, n. 97, nov./dez. 2007. 2 CD-ROM).
4 Ação Civil Pública. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 31.
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regime integrado de mútua complementariedade entre as diversas
ações exercitáveis na jurisdição coletiva: a ação civil pública
'recepcionou' a ação popular, ao indicá-la expressamente no caput
do art. 1º da Lei 7.347/85; a parte processual do CDC ... é de se
aplicar, no que for cabível, à ação civil pública (art. 21 da Lei
7.347/85); (...) finalmente ... o CPC aparece como fonte subsidiária
(CDC, art. 90, Lei 7.347/85, art. 19; LAP, art. 22).
No mesmo sentido, o talentoso professor MARCELO ABELHA5 leciona que:
(...) devido ao objeto deste trabalho versar sobre as relações de
consumo, procuraremos, sempre, ter como base a figura do
consumidor e seu respectivo Código. Entretanto, como dissemos,
dada à visceral interligação entre a Lei de Ação Civil e o Código de
Proteção e Defesa do Consumidor, quando falarmos em defesa do
consumidor em juízo, visando à tutela de direitos coletivos lato sensu
e seus princípios que serão minuciosamente analisados, nada impede
que, resguardadas algumas peculiaridades que dizem respeito às
normas materiais do Código de Defesa do Consumidor, possam (e
devam) ser estendidos aos demais direitos coletivos que, mesmo não
sendo relativos ao consumidor, possuam natureza coletiva.
Trilhando idêntico raciocínio, ao discorrer sobre o art. 90 do CDC, NELSON NERY
JÚNIOR aduz que “as normas processuais do CDC são aplicáveis às ações que versem sobre
direitos difusos e coletivos em geral”6. Em síntese: tem-se “a afirmação de um verdadeiro
sistema geral do processo coletivo (um Código de Processo Coletivo, em outras palavras),
formado pela parte processual do CDC e pela Lei da ação civil pública”7.
Como decorrência lógica desse regime de complementaridade estabelecido
5 Título III do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Juris Plenum, Caxias do Sul: Plenum, v. 1, n. 97,
nov./dez. 2007. 2 CD-ROM.
6 Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, 1402.
7 FARIAS, Cristiano Chaves. A inversão do ônus da prova nas ações coletivas: o Verso e o Reverso da
Moeada. In: Direito do Consumidor: Tutela Coletiva. Homenagem aos 20 anos da Lei da Ação Civil Pública.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 224.
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entre a LACP e o CDC, verifica-se, portanto, que a inversão do ônus da prova no caso
presente é medida justa e necessária.
IV) DA NECESSÁRIA CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR
Será realizado no próximo fim de semana, dia 16, outro clássico do futebol
goiano, Vila Nova e Atlético, às 17:00 horas, no Estádio Serra Dourada. Acontecimentos
pretéritos autorizam e justificam a preocupação externada pelas autoridades públicas, no
sentido de que sejam contidas as ações de vandalismo e violência, realizadas por integrantes
das ditas torcidas organizadas.
Os eventos recentes espelham que na situação sob comento os ânimos já
acirrados, evidentemente, podem se inflamar ainda mais, pondo em risco todos os
espectadores no estádio e os transeuntes no trajeto.
Baseado no princípio da efetividade do processo como instrumento da
jurisdição, o legislador tem se preocupado com a “tutela de urgência”, que, como é cediço,
pode revelar-se por meio de variados instrumentos. É exatamente por esse motivo que
alguns diplomas legais têm contemplado a matéria com o objetivo primordial de evitar a
ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação em virtude da demora do julgamento
da demanda.
Nesse caminhar, importa destacar o instituto da antecipação dos efeitos da
tutela, o qual encontra previsão expressa no art. 273 do CPC, nos seguintes termos:
Art. 273. O Juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde
que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da
alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação;
Avançando sobre o tema, insta exaltar a precisa lição de JOSÉ DOS SANTOS
CARVALHO FILHO8 sobre a previsão normativa vertida no art. 12 da LACP (“poderá o juiz
conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”):
8 Ação Civil Pública – comentários por artigo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 343.
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A tutela preventiva tem por escopo impedir que possam consumar-se
danos a direitos e interesses jurídicos em razão da natural demora na
solução dos litígios submetidos ao crivo do Judiciário. Muito
frequentemente, tais danos são irreversíveis e irreparáveis,
impossibilitando o titular do direito de obter concretamente o
benefício decorrente do reconhecimento de sua pretensão.
(...) A simples demora, em alguns casos, torna inócua a proteção
judicial, razão por que as providências preventivas devem revestir-se
da necessária presteza.
Nessa mesma toada, o art. 84 (e seus parágrafos) da Lei 8.078/90, aplicável ao
caso por força da conjugação dos arts. 21 da LACP e 90 do CDC, estabelece objetivamente
que:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação
de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da
obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento.
§ 3°. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo
justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz
conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o
réu.
§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa
diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for
suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável
para o cumprimento do preceito.
§ 5º. Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais
como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento
de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de
força policial.
Diante dessas sumárias razões, verifica-se que, in casu, estão presentes os
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DEFESA DO CONSUMIDOR
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requisitos legais para a concessão liminar9 da antecipação dos efeitos da tutela, no afã de
impedir a perpetração da atividade nociva que vem sendo praticada pelas requeridas, com
flagrante violação de várias normas cogentes, constitucionais e legais (presente, portanto, o
relevante fundamento da demanda).
A verossimilhança das alegações Ministeriais advém da notoriedade e dos
documentos que acompanham esta inicial. Por sua vez, a natural demora no julgamento da
presente ACP poderá causar, repise-se, novos atos de violência em praça pública.
Em suma: encontram-se preenchidos os requisitos para o deferimento da
medida liminar ora pleiteada, a saber: o relevante fundamento da demanda (fumus boni
juris) e o justificado receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora).
Sobre a necessidade da medida liminar, impende destacar o ensinamento de
JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE10, segundo o qual: “(...) o tempo decorrido entre o
pedido e a concessão da tutela definitiva, em qualquer de suas modalidades, pode não ser
compatível com a urgência de determinadas situações, que requerem soluções imediatas,
sem o quê ficará comprometida a satisfação do direito.”
Ante o exposto, com esteio nos arts. 12 da LACP e 84 (e parágrafos) do CDC, e
com espeque no princípio constitucional da proporcionalidade11, o Ministério Público do
Estado de Goiás requer antecipação de tutela e concessão liminar, inaudita altera pars,
como segue:
IV.1) Imediata suspensão parcial das atividades das torcidas
organizadas Força Jovem Goiás, Torcida Esquadrão Vilanovense e
9 “Por medida liminar deve-se entender medida concedida in limine litis, i. é, no início da lide, sem que
tenha havido ainda a oitiva da parte contrária. Assim, tem-se por liminar um conceito cronológico, caracterizado
por sua ocorrência em determinada fase do procedimento, qual seja, o seu início (...).” (DIDIER Jr., Fredie. Curso
de Direito Processual Civil. vol. 2. Salvador: JusPODIVM, 2007, p. 529-530).
10 Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 2ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2001, p. 113.
11 “(...) Observado o princípio da proporcionalidade entre o risco demonstrado de agressão ao meio
ambiente e os eventuais prejuízos suportados pelo particular, deve ser preservado o provimento judicial que
visa proteger o interesse coletivo.” (Agravo de Instrumento nº 2005.012898-7, 3ª Câmara de Direito Público do
TJSC, Rel. Luiz Cézar Medeiros. DJ 15.02.2006, unânime).
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Torcida Dragões Atleticanos, ficando estas impedidas de
desempenharem suas atividades fins nos próximos 5 (cinco) anos, a
partir do deferimento da liminar, bem como ficando expressamente
proibido, por consequência, o uso de vestimentas, faixas, cartazes,
bandeiras, instrumentos musicais ou a articulação de qualquer outro
meio que possa identificá-las como torcida organizada em estádios
de futebol (por seus membros ou não) ou em reuniões organizadas
por seus membros no referido período, até mesmo a combinação de
adereços, cores ou artifícios que remetam à atividade de torcida
organizada, sob pena de proibição de entrada no estádio em que será
realizada a partida de futebol, bem como a apreensão e perda do
material utilizado;
IV.2) seja fixada como multa diária – prevista nos artigos 12, § 2º, da
LACP e 84, § 4º, do CDC –, pelo descumprimento das determinações
acima, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), sendo a multa
eventualmente aplicada destinada ao Fundo de Defesa de Direitos
Difusos (em conformidade com o artigo 13 da LACP, com a ressalva
prevista no parágrafo único do mesmo artigo);
IV.3) sejam expedidos ofícios às Polícias Civil e Militar do Estado de
Goiás, à Guarda Municipal de Goiânia, à Federação Goiana de Futebol
(FGF) e à Agência Goiana de Esporte e Lazer (AGEL) para integral
cumprimento da liminar deferida; e
IV.4) Seja igualmente proibida nesta Capital, pelo período de 5
(cinco) anos, a prática de qualquer atividade de torcida organizada,
vinculada a clubes de outros Estados, nos dias de jogos de
competição nacional, assim como o acesso de torcedor ao Estádio
Serra Dourada, com bandeiras, indumentárias ou instrumentos
musicais que o caracterize como integrante de torcida organizada;
V.5) Sejam expedidos ofícios à Federação Goiana de Futebol (FGF) e à
Agência Goiana de Esporte e Lazer (AGEL) a fim de que informem
oficialmente, com comprovação nos autos, às federações e/ou
agências de esportes das demais Unidades da Federação, bem como
à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), sobre o comando do item
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anterior, para conhecimento e divulgação aos clubes de futebol a elas
vinculados, e que deverão realizar jogos no Estádio Serra Dourada.
V) DOS PEDIDOS DEFINITIVOS
Na defesa de uma ordem jurídica justa, do direito fundamental de se viver numa
sociedade segura, com estribo na fundamentação fática e jurídica deduzida nesta peça
inaugural, o Ministério Público do Estado de Goiás requer a prestação de uma tutela
efetivamente protetiva e, para tanto, apresenta os seguintes pedidos e requerimentos:
1) seja confirmada integralmente, por sentença, a medida liminar
pleiteada no “item IV” desta ação civil pública;
2) a citação das demandadas, para, querendo, contestar a presente
ação, sob pena de revelia e suas consequências jurídicas;
3) que as diligências oficiais sejam favorecidas pelo art. 172, § 2º, do
CPC;
4) a comunicação pessoal dos atos processuais, nos termos do art.
236, § 2º, do CPC, e do art. 41, inc. IV, da Lei 8.625/93;
5) a inversão do ônus da prova, conforme exposição feita no item
“III”;
6) a condenação das rés ao pagamento das “despesas processuais”;
7) o julgamento procedente de todos os pedidos contidos nesta ação.
Por fim, este Órgão Ministerial protesta, ainda, por provar o alegado (por ser a
inversão do ônus da prova uma “regra de julgamento”12 através de todos os meios de prova
12 “Quanto ao chamado ônus objetivo da prova, há que se afirmar, calcado nas lições da mais moderna
doutrina, que as regras sobre distribuição do ônus da prova são regras de julgamento, a serem aplicadas,
como já afirmado, no momento em que o órgão jurisdicional vai proferir seu juízo de valor acerca da
pretensão do autor”. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 12ª ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005, p. 404). CÂMARA cita em abono a sua tese os seguintes autores: Gian Antonio Micheli
e José Carlos Barbosa Moreira.