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A Arte de escrever como exercício de cidadania · A Arte de escrever como exercício de cidadania Autora: Aliete Casagrande Roveda1 ... Para estes, o valor do ler/escrever é “um

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A Arte de escrever como exercício de cidadania

Autora: Aliete Casagrande Roveda1

Orientador: Alexandre Sebastião Ferrari Soares2

Resumo

A produção do texto escrito tem sido objeto de discussões tanto no meio acadêmico quanto nas escolas de ensino básico. Tais discussões giram em torno dos objetivos a que se propõe a escrita na escola, já que esta normalmente é compreendida apenas como estrutura e não como um acontecimento. Leitor e escritor são considerados meras figuras solitárias sem relação com as instâncias sociais e discursivas, o que gera o fracasso no ensino da língua. Diante da necessidade de estimular na escola a formação de alunos leitores e que também se expressem com autonomia de pensamento, desenvolveu-se este Artigo como parte do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. O Artigo enfatiza o estudo de Cartas do Leitor, cuja aplicação envolveu alunos do 2º Ano do Curso Formação de Docentes da Educação Infantil Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A fundamentação teórica alicerçou-se em estudos de Análise de Discurso Francesa especificamente em Eni P. Orlandi para quem a Análise de Discurso nos coloca em estado de reflexão e nos leva a uma relação menos ingênua com a linguagem. Para a efetivação das atividades foram utilizados inúmeros e diversificados recursos. Dentre eles destacaram-se: pesquisa sobre os atos de leitura e escrita junto aos alunos, leitura e análise histórica de diversas modalidades de cartas, exibição de vídeos e finalização do projeto que culminou com a leitura de matérias da Revista Veja e encaminhamento de Cartas do Leitor para a referida revista. O presente trabalho teve êxito, na medida em que incentivou nos alunos participantes um novo olhar tanto sobre a leitura quanto sobre a escrita. Estas passaram e ser vistas não apenas como exercícios escolares, mas como construtoras de novos sentidos.

Palavras-chave: Leitura; Escrita; Produção de Sentidos.

1 - Especialista em Supervisão Escolar, Graduada em Letras Português e Literatura, docente no Colégio Estadual

Leonardo da Vinci, Professora PDE 2010.

2 - Doutor em Análise do Discurso, Graduado em Letras, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.

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Abstract

The production of written text has been the subject of discussion both in academia and in the elementary schools. These discussions revolve around the objectives to which it proposes to write in school, as this is usually understood only as a framework and not as an event. Reader and writer are considered mere solitary figures no relation with the social and discursive, which leads to failure in language teaching. Faced with the need to stimulate the formation of school readers and students who also express themselves with freedom of thought, this article was developed as part of the Educational Development Program - EDP, the Ministry of Education of Parana. The article emphasizes the study of letters of the player, whose application involved students of 2nd Year Course Teacher Training Early Years Early Childhood Elementary School. The theoretical alicerçou on studies of French Discourse Analysis specifically Eni P. Orlandi for whom discourse analysis puts us in a state of reflection and leads to a less naive with the language. For the realization of the activities were numerous and diverse resources used. Among them stood out: research on the acts of reading and writing with students, reading and historical analysis of several types of cards, video screenings and finalization of the project that culminated with the reading materials of Veja magazine and the forwarding of letters player for that magazine. This work was successful, in that it encouraged students participating in a new look as much about reading about writing. These came to be seen and not just as school exercises, but as construction of new meanings.

Keywords: Reading; Writing; Production of Meaning.

Introdução

Durante muitos anos os professores de língua portuguesa têm conduzido suas

práticas pedagógicas de forma descontextualizada, tanto em relação aos saberes que

seus educandos detinham, quanto ao que circulava na esfera social de comunicação. O

trabalho se delineava mais ou menos assim: em leitura, apenas atividades

estruturalistas ou historiográficas do texto literário; em análise linguística, mero repasse

de nomenclaturas gramaticais e na produção escrita, o texto como exercício silencioso

que ficava apenas entre professor e aluno.

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Esta realidade ainda permeia o cotidiano escolar, mas houve, nas últimas

décadas, um esforço por parte das políticas públicas de educação e dos educadores,

no sentido de desenvolver um ensino de língua portuguesa que promova o domínio

efetivo da fala, da leitura e da escrita. Teóricos de grande projeção fundamentaram e

nortearam os profissionais de todas as áreas de ensino na elaboração das Diretrizes

Curriculares da Educação Básica – DCE da Língua Portuguesa, que representam um

marco na construção de uma escola pública voltada para a democratização cada vez

maior e que garanta às classes populares o acesso ao mundo letrado, ao conhecimento

científico, à reflexão filosófica e ao contato com a arte.

Hoje, sob o enfoque das teorias críticas da Educação, as DCE visam a oferecer

a todos a oportunidade de acesso ao conhecimento. Para Frigotto (2004) apud Paraná

(2008, p.16) os sujeitos da Educação Básica, crianças, jovens e adultos, em geral

oriundos das classes assalariadas, urbanas ou rurais, devem ter acesso ao

conhecimento produzido pela humanidade que, na escola, é veiculado pelos conteúdos

das disciplinas escolares.

Considerando que a escola não tem promovido a educação com vistas à

formação cidadã de alunos leitores e que também se expressem com autonomia de

posicionamento frente a temas polêmicos que permeiam o contexto social,

desenvolveu-se este trabalho, cujo encaminhamento teórico, baseia-se em Análise de

Discurso Francesa, para a qual é importante refletir as relações entre o homem, a

natureza e a sociedade na história.

1 Novo olhar e novas Práticas

Para construir em língua portuguesa, uma proposta pedagógica que atenda

igualmente todos os educandos, independente de sua condição social, faz-se

necessário desenvolver práticas educativas baseadas em fundamentação teórica que

dê conta de explicar os diversos entraves que ocorrem no processo de ensino desta

disciplina. É preciso também que esta fundamentação auxilie os envolvidos neste

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processo a entender que o percurso histórico do ensino institucionalizado sempre

priorizou a cultura dominante, imposta às classes populares em detrimento da cultura

por elas produzida.

Um dos aspectos marcantes no que tange à leitura e à escrita, especialmente

com o advento da sociedade capitalista, refere-se à diferente valoração que ambas

recebem por parte de dominantes e dominados. Para estes, o valor do ler/escrever é

“um valor de produtividade e não um valor que afirma o sujeito e lhe franqueia a

diversidade de conhecimento” (Osakabe, 1982). Assim, para aqueles, leitura significa

fruição, lazer, ampliação de horizontes, de conhecimentos e de experiências e para

estes representa algo pragmático, ferramenta necessária à sobrevivência e ao acesso

ao mundo do trabalho.

Quanto à apropriação destes bens culturais, a história mostra que ambas,

leitura e escrita, foram por muito tempo privilégio de poucos. E quando se oportunizou o

acesso às camadas populares, isto significou, na maioria das vezes a renúncia do

próprio saber e do próprio discurso, quando não a sujeição ao saber e ao discurso do

dominante. Ou seja, para as camadas populares o processo de letramento não vai além

da alfabetização e a escola pública, cuja função deve ser a formação integral do

cidadão, acaba por repetir a estrutura social com sua divisão social de classes, de

trabalho e de consumo dos bens materiais.

Com a expansão da oferta de ensino, estendeu-se às camadas populares a

oportunidade de se inserir no sistema educacional, mas por outro lado vieram à tona

problemas que a escola enfrenta até hoje. Tais problemas dizem respeito à

inadequação das propostas pedagógicas em relação às necessidades dos alunos, cuja

oralidade apresenta variedades do português muito distantes do modelo praticado por

esta instituição. Em relação à escrita agrava-se ainda mais a situação.

Neste sentido, conforme Marcuschi (2005, p.16-17) a oralidade tem uma

“primazia cronológica” sobre a escrita, mas esta se tornou um bem social indispensável

para enfrentar o dia-a-dia seja nos centros urbanos ou na zona rural. Na sociedade

atual, tanto a oralidade quanto a escrita são imprescindíveis, mas enquanto

instrumentos de comunicação enfrentam a visão equivocada de que para cada falante

corresponde apenas um ouvinte e para cada escrevente há também apenas um leitor.

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Desconsidera-se, segundo Bakhtin (2003), que todo ato comunicativo se constitui num

enunciado e que tanto o falante quanto o escrevente esperam que seus enunciados

tenham uma compreensão responsiva, quer seja ela uma concordância, uma

participação, uma objeção ou outras possíveis respostas.

No âmbito escolar, normalmente se compreende e se ensina a língua como

uma estrutura e não como um acontecimento. O que se considera é o esquema

elementar da comunicação que dispõe seus elementos no seguinte processo

serializado: emissor, receptor, mensagem, código e referente, o que caracteriza simples

decodificação.

No intuito de buscar uma saída para o quadro que se apresenta, muitas vezes,

os professores lançam mão de ações pedagogistas que consistem em praticar

metodologias como receitas prontas, técnicas com veleidades de resolver em pouco

tempo os problemas crônicos da leitura e da escrita. Desconsideram os profissionais da

educação que, conforme o contexto que se apresenta, a escola continua sendo um

instrumento do qual a sociedade se utiliza para veicular a ideologia hegemônica e isto

se dá, no cotidiano escolar, no próprio material didático que é distribuído aos alunos.

Quanto às metodologias não é raro o emprego de exercícios que buscam apenas

repetir o que o texto já diz como se escritor e leitor fossem apenas figuras solitárias e

cujo encontro, que ocorre no texto, não estabelecesse relação alguma com as situações

sociais e discursivas. Daí o continuado fracasso no ensino de língua.

Para Orlandi (2007, p.21) “[...] a língua não é só um código entre outros, não há

essa separação entre emissor e receptor, nem tampouco eles atuam numa sequência

em que primeiro um fala e depois o outro decodifica etc.” Eles estão realizando ao

mesmo tempo o processo de significação e não estão separados de forma estanque.

Urge, portanto, repensar o trabalho com a leitura e a escrita e, repensá-los

significa abandonar as velhas formas de apresentação do texto ao aluno, aquelas em

que o texto representa entidade autônoma, auto-suficiente e insubordinável às reações

do leitor.

Segundo Orlandi (1986, p.50) “resgatado da perspectiva da linguagem como

instrumento de comunicação, o texto não é lugar de informações completas ou a serem

preenchidas, mas é processo de significação, lugar de sentidos”. Sendo assim,

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exercícios estruturais prontos em nada contribuem na formação de um leitor que possa,

a partir de suas experiências, atribuir sentidos ao que leu. O ato de ler não pode ser a

mera retirada de informações, pois desta forma se constituiria como análise de

conteúdo.

A abordagem precisa considerar o efeito de sentido entre interlocutores, objeto

de estudo da Análise de Discurso - AD, para a qual o texto, enquanto enunciado, não se

institui apenas linguisticamente como unidade de análise. Para a AD,

Um texto faz sentido não pela sua relação com um contexto, ou em decorrência de conhecimento que o leitor tem estocado, mas em função de uma memória discursiva, do interdiscurso, que o texto retoma e do qual é parte. (POSSENTI, 2002, p. 365)

Ainda, segundo o mesmo autor,

trabalhar com o texto exige, “romper com a concepção de sentido como projeto do autor; com a de um sentido originário a ser descoberto; com a concepção de língua como expressão das ideias de um autor sobre as coisas; com a concepção de texto transparente, sem intertexto, sem subtexto; com a noção de contexto cultural dado como se fosse uniforme. (POSSENTI, 2002, p.360)

A partir dessa premissa deduz-se que não é só o autor que dá sentido ao texto,

vez que a língua não é propriedade do autor e o texto vai além de sua materialidade.

Nesta mesma linha de pensamento, Orlandi considera que:

[...] não é só quem escreve que significa; quem lê também produz sentidos. E o faz, não como algo que se dá abstratamente, mas em condições determinadas, cuja especificidade está em serem sócio-históricas. Ou seja, nem o autor ocupa um lugar sagrado, nem o leitor é receptáculo inerte e neutro. Os sentidos por seu turno não pertencem a nenhum dos dois, são resultado da troca de linguagem. (ORLANDI, 1978, p. 58)

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Ao refletir sobre a forma como se desenvolvem as aulas destinadas ao ensino

da língua pode-se facilmente deduzir que se tornam maçantes porque não há um

sentido para o que se produz no âmbito escolar. Ou seja, tal qual preconiza Bakhtin

(2003) “[...] cada enunciado deve ser visto como uma resposta aos enunciados

precedentes e gerador de novas respostas”. Portanto, ainda segundo o mesmo autor,

se não houver direcionamento, endereçamento do enunciado não haverá enunciado.

Geraldi (1977), também propõe que “quem produz um texto deve fazê-lo de modo

interlocutivo, assumir-se como locutor e assim ter o que dizer, razão para dizer, como

dizer, interlocutores para quem dizer”.

Na instituição escolar, por falta de reflexão sobre a determinação histórica dos

processos de significação, geralmente não se leva em conta que a linguagem é um

fenômeno complexo cujas dimensões abrangem o tempo e o espaço das práticas do

homem. Consequentemente, em termos de leitura, por exemplo, considera-se o aluno

como um “leitor-ideal” inscrito no texto por antecipação quando o “leitor” é aquele que

se descobre na prática da leitura, configurada pelo seu lugar social.

No que tange à leitura, as Diretrizes Curriculares da Educação Básica

conceituam – na como um ato dialógico e interlocutivo. Isto propicia ao leitor

participação ativa, pois fica-lhe garantida a interação com o texto a partir de suas

experiências e vivência sócio-cultural. (PARANÁ, 2008)

Quanto ao professor, cabe – lhe o papel de mediador, no sentido de estimular

os alunos à realização de leituras significativas com vistas à formação de sujeitos

críticos e atuantes nas práticas de letramento da sociedade.

Para tanto, na seguinte citação de Lajolo (2001) evidencia-se que:

Somente uma leitura aprofundada, em que o aluno é capaz de enxergar os implícitos, permite que ele depreenda as reais intenções que cada texto traz. Sabe-se das pressões uniformizadoras, em geral voltadas para o consumo ou para a não-reflexão sobre os problemas estéticos ou sociais, exercidas pelas mídias. Essa pressão deve ser explicitada a partir de estratégias de leitura que possibilitem ao aluno “percepção e reconhecimento – mesmo que inconscientemente – dos elementos de linguagem que o texto manipula. (LAJOLO, 2001, p.45)

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Em relação ao exercício da escrita também a proposição de atividades tem

relevância, pois interfere significativamente sobre os objetivos a que se pretende

chegar. Assim, deve – se evitar o que Pécora (1983, p.68) chama de “estratégias de

preenchimento”. Nesta situação o aluno se depara diante da tarefa de escrever apenas

como cumprimento de uma ordem.

Leituras prévias sobre o tema que se quer desenvolver fazem com que o

educando tenha subsídios para desenvolver seu texto e se situe quanto à importância

daquele gênero na esfera social. As propostas de produção textual precisam

“corresponder àquilo que, na verdade, se escreve fora da escola – e, assim, sejam

textos de gêneros que têm uma função social determinada, conforme as práticas

vigentes na sociedade.” (ANTUNES, 2003, p.62-63).

Considerando então, que as propostas de produção textual precisam estar

relacionadas à determinada função social, é pertinente trabalhar com gêneros que

correspondam às práticas vigentes na sociedade (Antunes, 2003, p. 62-63). São

inúmeros os gêneros escritos que podem auxiliar o professor em suas aulas e aprimorar

a escrita dos alunos. Dentre eles destacam-se: convite, bilhete, cartaz, notícia, editorial,

artigo de opinião, relatórios, resumos, solicitações, requerimentos, crônica, conto,

poema, relatos e carta do leitor que será objeto de estudo desta pesquisa.

2 Avanços e Desafios – experiências e resultados

No primeiro momento da implementação os alunos foram motivados a

responder algumas questões relativas aos três eixos do ensino da língua que são a

oralidade, a leitura e a escrita. A análise dos dados colhidos no Colégio Estadual

Leonardo da Vinci, no município de Dois Vizinhos – PR, junto às 33 alunas do curso de

formação de Docentes no período de agosto de 2011 a outubro do mesmo ano,

delineou resultados bastante problemáticos e que indicam a necessidade de

intervenção a fim de que os alunos em questão passem a entender as aulas de língua

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portuguesa como um espaço em que se possa questionar a relação do sujeito com a

linguagem e de ambos com outros sujeitos, com os sentidos e com a história.

Neste aspecto, para Orlandi trabalhar com Análise de Discurso significa:

Problematizar as maneiras de ler, levar o sujeito falante ou leitor a se colocarem questões sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestações da linguagem. Perceber que não podemos não estar sujeitos à linguagem, seus equívocos, sua opacidade. Saber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos. (Orlandi, 2010, p.9)

O gráfico 1 mostra o posicionamento dos estudantes sobre os motivos que os

mobilizam à leitura.

Motivações dos alunos para a leitura

18%

46%

36%

Por fruição, prazer ou hábitoBuscar conhecimento nas diversas áreas Exigências de trabalhos escolares

Gráfico 1: Motivação dos alunos para a leitura Fonte: ROVEDA, 2011

Evidencia-se aqui a visão pragmática e utilitária que se tem sobre o ato de ler.

Daí a importância de um redirecionamento com metodologias que não estejam

centradas no ensino mecânico, mas que valorizem o leitor como alguém que produz

sentidos, “o signo pede assim a copresença de indivíduos (autor/leitor) no quadro das

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relações sociais (e não foras delas), no confronto de forças políticas e ideológicas.”

(ZILBERMAN e SILVA, p. 59, 2004)

A mesma autora afirma que [...] uma metodologia de ensino consequente deve

explicitar para o processo de leitura, os mecanismos pelos quais a ideologia torna

evidente o que não é e que, ao contrário resulta de espessos processos de produção de

sentido, historicamente determinados.

Ainda em relação à leitura, a maioria dos alunos (85%) indicara como maior

benefício os subsídios que esta lhes proporciona para produzir textos e resolver

questões propostas pela escola nas diferentes disciplinas. Apenas 15% afirmaram que

a leitura amplia seus conhecimentos, ajuda-os a entender o mundo e viver melhor.

Benefícios proporcionados pela leitura

85%

15%

Aumenta conhecimentos, auxilia na resolução de questões escolares

Amplia horizontes e ajuda a entender o mundo.

Gráfico 2: Benefícios proporcionados pela leitura Fonte: ROVEDA, 2011

No âmbito da produção escrita evidencia-se o que já havia sido confirmado no

cotidiano escolar. Segundo a pesquisa, os textos que eles (alunos) produziram na

escola serviram em sua maioria (72%) para obtenção de nota e preparação ao

vestibular e os demais (28%) atribuíram à escrita intraescolar a finalidade de

desenvolver a criatividade ou manifestar-se sobre temas polêmicos com alguma

repercussão social.

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Gráfico 3: Finalidades da escrita na escola

Fonte: ROVEDA, 2011

Os dados permitem deduzir que grande parte do fracasso nas redações resulta

de fatores relacionados às condições em que a produção acontece. Conforme as DCE

é preciso “que o aluno se envolva com os textos que produz.”

Também há referências em Bakhtin para quem “[...] todo enunciado é um elo na

cadeia da comunicação discursiva. É a posição ativa do falante nesse ou naquele

campo do objeto e do sentido” (p. 289, 2003).

Perguntados sobre seu posicionamento diante do ato da produção escrita,

(72%) disseram enfrentar dificuldades de expressar as ideias, pois se preocupam em

como estruturá-las corretamente nos aspectos sintáticos, e outros (28%) assumem-se

como alguém que tem o que dizer e consequente facilidade em produzir o texto escrito.

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Gráfico 4: O aluno e a produção textual Fonte: ROVEDA, 2011

Percebem-se pela leitura dos dados apontados no gráfico 4, resquícios do

ensino tradicional centrado mais na forma que propriamente naquilo que o aluno tem a

expressar. Ignora-se o espaço dele enquanto alguém que constrói a língua. Desta

forma, apenas repete o que os outros criaram.

Quanto às dificuldades encontradas para escrever um texto, (91%) consideram

como causa principal a falta de leitura que os subsidie para ter o que escrever. Os

demais (9%), culpabilizam a falta de clareza nas propostas de redação e a desconexão

entre o que se escreve na escola e fora dela.

Gráfico 5: Causas das dificuldades na produção Fonte: ROVEDA, 2011

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Este quadro evidencia uma visão de “mea culpa” em que o aluno atribui a si

mesmo e não ao sistema de ensino a responsabilidade pela deficiência em escrever. E

para sacramentar o fato giram nos meios midiáticos as famosas pérolas usadas pelos

próprios professores para fazer recair sobre o aluno uma defasagem que não é só dele.

A pesquisa revela também que em relação aos textos que produzem apenas

(21%) consideram-nos como uma forma de agir no mundo e ter alguma repercussão

social. Os demais se subdividem em (22%) que focalizam a importância na correção

ortográfica e sintática e a maioria (57%) estão mais preocupados em melhorar a escrita

para obter bons resultados em exames seletivos.

Gráfico 6: Causas das dificuldades na produção Fonte: ROVEDA, 2011

Isto demonstra uma postura voltada para as contingências mercadológicas do

ensino, em que o estudante produz seu texto numa espécie de ritual sem considerar as

condições de produção. Estas, segundo Orlandi, (2007, p.30), compreendem

fundamentalmente os sujeitos e a situação.

Assim, por exemplo, ao produzir um texto é preciso considerar as condições de

produção tanto no aspecto imediato, quanto no sentido amplo. No caso da escola, o

imediato relaciona-se aos suportes materiais fornecidos aos alunos (revistas, jornais,

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vídeos) e o amplo abrange o contexto sócio-histórico e ideológico sobre o assunto a ser

desenvolvido.

A soma desses fatores é que produz os efeitos de sentidos que se

presentificam na leitura e na escrita.

Diante da realidade que se esboçou, desenvolveu-se o projeto sob o título “A

prática da escrita como exercício de cidadania” e cujo foco são as Cartas do Leitor.

3 As Cartas no decorrer da História

Durante o projeto oportunizou-se aos alunos a análise de cartas diversas.

Primeiramente realizaram entrevistas com os familiares e pessoas conhecidas sobre

como eram escritas as cartas antigamente e foram feitos comentários sobre sua

frequência nos dias atuais.

Os alunos relataram que os avós costumavam contratar alguém, geralmente um

professor, para redigi-las. Aquele procedimento demonstra uma situação de

analfabetismo, de supervalorização da escrita, fato que se comprovou em fragmentos

do filma Central do Brasil, em que a escrevente, na pessoa de Fernanda Montenegro,

redige cartas para pessoas nordestinas e que de forma arbitrária o que será

encaminhado aos destinatários.

Esta atividade auxiliou no sentido de demonstrar que é preciso desmistificar a

visão beletrista sobre o ato de escrever. Reforçou ainda o que preconizam as DCE,

segundo as quais: “as propostas de produção textual precisam então corresponder

àquilo que, na verdade se escreve fora da escola e, assim, sejam textos de gêneros

que têm uma função social determinada conforme as práticas vigentes na sociedade.

(DCE apud ANTUNES, 2003, p.69)

Considerados estes aspectos, iniciou-se a análise de várias cartas, algumas de

cunho pessoal, outras de cunho histórico e literário. Também se traçou um paralelo

entre o passado destes escritos e a forma como são praticados atualmente. Um dos

textos analisados foi a Carta de Pero Vaz de Caminha, cuja leitura oportunizou aos

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alunos compreender que, ao nos comunicarmos, seja de forma oral ou escrita,

realizamos um processo de significação, que segundo a autora:

[...] não se trata de transmissão de informação apenas, pois, no funcionamento da linguagem, que põe em relação sentidos e sujeitos afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos e não meramente transmissão de informação. (ORLANDI, 2007, p.21)

Assim, a pesquisa acerca do referido documento histórico explicitou o

posicionamento dos portugueses diante da nova cultura, a dos nativos. Em relatos

orais, os alunos disseram ter descoberto que as cartas enviadas ao rei de Portugal

eram escritas com vistas a só mostrar os aspectos positivos da nova terra. Além disso,

antes de chegarem ao destinatário passavam por criteriosa correção. O objetivo era o

de relatar apenas os sucessos dos que aqui aportaram, o que quer dizer: acenar com a

possível conversão dos índios e com a existência de riquezas. Em suma, valorizar a

conquista material e espiritual. Em Análise de Discurso significa entender que todo o ato

de linguagem está sujeito à relação sujeito-linguagem-história e esta relação vincula-se

à ideologia.

No âmbito literário, com o uso da Internet, os alunos acessaram um fragmento

do texto “Carta ao Pai”, de Franz Kafka. Estudaram a biografia do autor e

estabeleceram relações entre o conteúdo expresso na carta e sua convivência com o

pai. A análise, ainda que superficial deste texto, permitiu desmistificar a imagem

idealizada de pai, que se construiu historicamente, já que Kafka expressa nele os

aspectos negativos da relação com o pai. Ao escrevê-la constitui-se como sujeito

discursivo que fala de uma posição, um lugar que ocupa para ser sujeito do que diz. Por

isso é que, segundo Orlandi (2007, p.66), em análise de discurso, se considera que o

que define o sujeito é o lugar do qual ele fala, em relação aos diferentes lugares de uma

formação social.

Levado a refletir sobre as condições de produção, o sujeito-leitor passa a

compreender a história de suas leituras e a história de leituras do texto. E compreender,

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na perspectiva discursiva, não é atribuir um sentido, mas conhecer os mecanismos

pelos quais se põe em jogo um determinado processo de significação.

3.1 As Cartas do Leitor e as Práticas Discursivas

O percurso histórico do ensino de Língua Portuguesa, os dados das avaliações

realizadas pelo MEC e as pesquisas acadêmicas mostram um Brasil que se encontra

quase em estado de analfabetismo funcional, o que requer a discussão e implantação

de novas práticas de ensino a fim de desenvolver o domínio efetivo da oralidade, da

leitura e da escrita. Estas, entendidas como meios de inserção dos cidadãos nas

diversas esferas sociais “para que eles possam compreender os discursos que os

cercam e terem condições de interagir com esses discursos. Para isso, é relevante que

a língua seja percebida como uma arena em que diversas vozes sociais se defrontam,

manifestando diferentes opiniões.” (PARANÁ, 2008, p.50)

Também segundo as mesmas diretrizes “quando se assume e língua como

interação, em sua dimensão linguístico-discursiva, o mais importante é criar

oportunidades para o aluno refletir, construir, considerar hipóteses a partir da leitura e

escrita de diferentes textos, instância em que se pode chegar à compreensão de como

a língua funciona e à decorrente competência textual”.

Isto posto, desenvolveu-se junto à turma um trabalho de análise de textos da

Revista Veja (Editora Abril- Edição 2218-Ano 44-Número 21-25/05/2011 Os adversários

do bom português, p.86), cujo teor girava em torno da aquisição, por parte do MEC, do

livro didático PARA VIVER MELHOR, da autora Heloísa Ramos.

Foram analisados os textos “Os adversários do bom português” (Renata Betti e

Roberta de Abreu Lima) e “Chancela para a Ignorância” (Lia Luft). Os objetivos desta

atividade consistiram em questionar sobre as condições de produção, que

compreendem os sujeitos e a situação e também refletir sobre a relação discursiva, em

que quem diz o faz de forma a ajustar seu dizer conforme as intenções a que se

propõe. Ou seja, de forma sucinta, mostrar ao aluno que “nem a linguagem, nem os

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sentidos, nem os sujeitos são transparentes: eles têm sua materialidade e se

constituem em processos em que a língua, a história e a ideologia concorrem

conjuntamente.” (ORLANDI, 2007, p.48)

A análise teve início a partir do primeiro título, o qual, diante de uma leitura mais

acurada, traz implícita uma disputa, já que há um adversário antagonista e cujos

protagonistas no caso, aqueles que empregam o português padrão são considerados

bons. Quanto à autora criticada, responsável pelo referido livro didático, se expressa

em relação ao uso da língua, da seguinte forma: [...] “é importante que o falante de

português domine as duas variedades e escolha a que julgar adequada à sua situação

de fala”. (Revista Veja, Editora Abril, Edição 2218-Ano 44-Número 21-25/05/2011, Os

adversários do bom português, p.87). A discussão detalhada dos textos citados deixou

claro o posicionamento do editor acerca do livro em questão e possibilitou entender

que, como se trata de uma revista de grande projeção nacional, passa despercebido, ao

leitor comum, o fato de que muitos dos assuntos que nela se veiculam não são gratuitos

e desinteressados. Salientam-se, nestes artigos de opinião, críticas contundentes ao

MEC, quanto ao fato de ter aprovado para as escolas públicas um material que,

segundo os articulistas citados, depunha contra um bom ensino da língua portuguesa.

As páginas amarelas da mesma edição apresentam a entrevista concedida por

Evanildo Bechara um dos mais respeitados especialistas da língua portuguesa. A

sequência do trabalho de análise consistiu no estudo de algumas perguntas e

respostas. Perguntado sobre a eficácia do “discurso cheio de erros de Português do ex-

presidente Lula”, Bechara, embora ferrenho defensor da norma padrão, reconheceu

que, “apesar das frequentes incorreções, Lula faz parte do grupo de políticos com

grande poder de retórica”. [...] “Os erros o aproximam do povo. [...] “Isso faz com que se

identifiquem com seu discurso.”

Pode-se inferir, a partir da resposta dada, a intenção do autor em atribuir ao

emprego da língua em sua variedade popular a aproximação entre locutor-interlocutor,

quando efetivamente sabe-se que, em se tratando do ex-presidente Lula, o que os

aproxima é o próprio discurso. Uma leitura mais atenta desta mesma citação

possibilitou aos alunos traduzir na prática a seguinte referência: “Como em um jogo de

xadrez, é melhor orador aquele que consegue antecipar o maior número de jogadas, ou

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seja, aquele que mobiliza melhor o jogo de imagens na constituição dos sujeitos.”

(ORLANDI, 2007, p.41-42)

Após o confronto dos textos estudados, os alunos facilmente entenderam que

se tratava de uma nova prática de leitura: a discursiva, que segundo a mesma autora

[...] “consiste em considerar o que é dito em um discurso e o que é dito em outro, o que

é dito de um modo e o que é dito de outro, procurando escutar o não-dito naquilo que é

dito, como uma presença de uma ausência necessária.” (ORLANDI, 2007, p.34)

Considerando a fundamentação teórica percebeu-se, em relação às Cartas do

Leitor, certo posicionamento parafrástico, que remete aos mesmos “espaços do dizer”,

ou seja, o leitor emitiu suas opiniões sobre formulações do mesmo dizer sedimentado.

Mas, independentemente do posicionamento daqueles leitores, se pensamos

discursivamente a linguagem, percebemos que a incompletude é a sua condição. Seja

de forma parafrástica, seja polissêmica, todo dizer é ideologicamente marcado e é na

língua que a ideologia se materializa.

Para comprovar o que se considerou em termos teóricos transcrevem-se aqui

alguns fragmentos das referidas cartas. Neles está bem marcado um posicionamento

ideológico que prioriza a visão elitista do ensino de língua, em que a linguagem culta se

sobrepõe à popular. Para tanto se valem de termos enfáticos e até de expressões

indelicadas e agressivas contra os falantes da língua, os teóricos, os professores e o

próprio MEC, como se pode verificar no que segue:

Um livro ironicamente intitulado Por Uma Vida Melhor, vem reforçar o estado caótico do ensino no Brasil. E o pior, com a anuência do Ministério da Educação. Que calamidade! (Lizia Maria Ramos Giampá – SP)

Parabéns à Procuradora Janice Ascari. Faço votos de que ela entre com ações contra esses assassinos da língua portuguesa. Cabe aqui uma pergunta à educadora Heloísa Ramos: devo aconselhar o meu filho, que estuda para os vestibulares, a usar a norma culta, a inculta ou a oculta? (Fernão Dias de Lima – SP)

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Trata-se da revolução dos ignorantes e semialfabetizados. De um governo que não prioriza a educação, o que podemos esperar? A roubalheira e a desordem estão na moda. Na Itália, faz-se uma cruzada para valorizar a família, o trabalho, a solidariedade e a fé. E nós, aqui, o que fazemos? Publicamos e adotamos livros que são um atentado à nossa língua. (Renato Tadeu dos Santos - RS)

Delineia-se na leitura destes fragmentos o posicionamento conservador e

seletivo em relação à língua. O que decorre disto é a manutenção da dicotomia entre os

que sabem falar e escrever em “bom português” e os outros, considerados marginais à

língua. Como nem todas as Cartas do Leitor são publicadas, o processo seletivo

provavelmente prioriza a chamada relação de forças. Embora a maioria dos textos

divulgados não pertença a especialistas da língua, seu teor ancora-se no discurso de

quem tem autoridade no assunto. Considerando a formação discursiva do editor,

grande número de leitores ajustam a ele seus dizeres e vão construindo “um sujeito ao

mesmo tempo livre e submisso, sujeito e ao mesmo tempo assujeitado (ORLANDI,

2007, p.50). Daí dizer que o sujeito só tem acesso a parte do que diz, já que para

produzir sentidos é afetado pela língua e pela história.

No caso dos autores das cartas em estudo, seu posicionamento sobre o que

seja um bom português já vem constituído historicamente e eles pertencem a uma

formação discursiva na qual inscrevem suas palavras e opiniões. Assim, tanto a revista

(locutor) quanto os autores das cartas (interlocutor) ocupam uma posição discursiva

permeada de caráter autoritário pela relação de linguagem que se estabelece.

Vale ressaltar que em alguns textos estas relações são evidentes e em outros

não. No âmbito da sala de aula cabe ao professor explicitar os efeitos destas relações e

o modo como se organizam os sentidos a fim de que o aluno não fique sob o efeito

destas relações e possa adentrar a novas maneiras de ler. Perceberá então que ao

longo do dizer há toda uma margem de não-ditos que também significam.

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4 A Prática da Escrita e a Cidadania

Na finalização do trabalho os alunos passaram a ler artigos diversos da Revista

Veja e tanto de forma individual como em grupo redigiram cartas e enviaram-nas por

email para a referida revista. Este momento foi muito interessante, pois tinham a

expectativa de que seus escritos fossem divulgados. Embora as cartas não tenham sido

publicadas, na avaliação do projeto emitiram pareceres bastante favoráveis a

importância tanto do projeto em si, como da grande valia dos estudos teóricos para

compreensão de quanto é importante ler e escrever com produção de sentidos.

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5 Considerações Finais

A pesquisa bibliográfica e as atividades arroladas neste artigo visaram à

promoção e ao estímulo do letramento do aluno pelo uso social da escrita,

oportunizando-lhe o aprimoramento enquanto cidadão e sua inserção no contexto

social. Para tanto, trabalhou-se no sentido de enfatizar a natureza funcional e interativa

da língua com leitura e análise de textos polêmicos.

Os estudos teóricos e práticos se alicerçaram em Análise de Discurso, pela qual

se buscou desenvolver junto aos alunos um novo olhar sobre os atos de leitura e

escrita. Estes considerados não apenas como exercícios mecânicos do cotidiano

escolar, mas como possibilidades de tratar a linguagem em seus aspectos sociais e

históricos.

Embora não se possa afirmar que o caminho tenha sido completamente

concluído, pode se prever que, a partir deste estudo, os que dele participaram não

serão os mesmos. Poderão, diante de novas experiências, reafirmar o fato de que os

sentidos são construídos em injunções sócio-históricas, razão pela qual faz-se

necessário problematizar a relação com o texto para compreender quais mecanismos

de produção de sentidos estão funcionando.

Assim, em todos os exercícios, procurou-se mostrar que nem os sujeitos nem

os sentidos estão definitivamente constituídos. O sujeito, ao dizer, se significa

influenciado pela língua e pelo mundo, pela experiência de vida. Tudo o que diz tem

carga ideológica e cada texto é heterogêneo em vários aspectos, especialmente quanto

às posições do sujeito.

Entender como um texto funciona significa compreendê-lo em suas dimensões

linguístico-históricas. Não se é autor ou leitor da mesma forma em diferentes tempos.

Não se pode, então, fazer uma leitura inocente do texto. Há sentidos silenciados e cada

palavra tem em sua essência sentidos que vão além da aparência.

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6 Referências Bibliográficas

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

GINZBURG, C. O queijo e os vermes. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

LAJOLO, M. Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo - 3 ed. São Paulo: Ática, 1997.

MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita. 6ed. São Paulo: Cortez, 2005.

MUSSALIM, Fernanda (Org.). Teoria do Discurso: Um caso de Múltiplas Rupturas. In: Introdução à Linguística - Fundamentos Epistemológicos. 2ed. São Paulo: Cortez, 2005, p.353-389.

ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 7ed. Campinas (SP): Pontes, 2007.

PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica Língua Portuguesa. Curitiba: SEED, 2008.