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Consulente: ABIAPE Ref.: Audiência Pública nº 039/2008 PARECER A atividade de autoprodução e a parcela de segurança energética do Encargo de Serviços do Sistema Brasília Junho de 2008

A atividade de autoprodução e a parcela de segurança energética do Encargo de ... · 2008-06-24 · II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. A atividade de autoprodução, o autoprodutor e a

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Consulente: ABIAPE Ref.: Audiência Pública nº 039/2008

PARECER

A atividade de autoprodução e a parcela de segurança energética do Encargo de Serviços do Sistema

Brasília Junho de 2008

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I. CONSULTA

I.1. Apresentação da consulta

1. Por ocasião da Audiência Pública nº 039/2008-ANEEL, a qual tem

por objeto colher subsídios para a elaboração de ato regulamentar que alterará a

formulação algébrica do cálculo do Consumo Médio de Referência para o

Pagamento de Encargo por Razão de Segurança Energética, a Associação Brasileira

dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica – ABIAPE – formula a

seguinte consulta:

“É possível vislumbrar vício de invalidade na iniciativa da ANEEL de

considerar, para fins de pagamento da parcela do Encargo de Serviços do

Sistema correspondente à segurança energética, apenas o consumo líquido

do agente?”

I.2. Etapas necessárias ao desenvolvimento da resposta à questão formulada

2. Para responder à questão formulada, é necessário:

(i) demonstrar as particularidades da atividade de autoprodução, da

figura do autoprodutor e da operação do Sistema Interligado Nacional – SIN;

(ii) discorrer sobre o Encargo de Serviços do Sistema – ESS – e, em

especial, sobre a sua parcela correspondente à segurança energética; e

(iii) avaliar se o fundamento para a cobrança da parcela do ESS

correspondente à segurança energética justifica a inclusão, na base de cálculo do

ESS, do montante de energia gerado para uso exclusivo por autoprodutor ou

produtor independente.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. A atividade de autoprodução, o autoprodutor e a operação do SIN

II.1.1. A atividade de autoprodução

II.1.1.1. A atividade de autoprodução e a legislação setorial anterior à Lei nº

9.074/95

3. Do Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934, que consubstancia o

“Código de Águas”, constam dispositivos a revelarem que, à época de sua edição –

e certamente antes de sua edição –, a atividade de produção de energia já era

explorada à semelhança da exploração hoje realizada por autoprodutores.

4. Embora não tenha empregado a expressão “autoprodução”, e nem

sequer tenha dedicado normas específicas para a regulação dessa atividade, o

Código de Águas fez, no seu artigo 139, o qual versa sobre a outorga do

aproveitamento das quedas d’água, referência à principal característica da atividade

de autoprodução, qual seja, a produção de energia elétrica para uso exclusivo:

“Art. 139. O aproveitamento industrial das quedas de águas e outras fontes de energia hidráulica, quer do domínio público, quer do domínio particular, far-se-há pelo regime de autorizações e concessões instituído neste Código. § 1º Independe de concessão ou autorização o aproveitamento das quedas d'agua já utilizadas industrialmente na data da publicação deste Código, desde que sejam manifestadas na forma e prazos prescritos no art. 149 e enquanto não cesse a exploração; cessada esta cairão no regime deste Código. § 2º Também ficam excetuados os aproveitamentos de quedas d'agua de potência inferior a 50 kws. Para uso exclusivo do respectivo proprietário. [...]”1

1 Original sem destaques.

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5. Ao tratar das conseqüências jurídicas decorrentes da decretação de

caducidade de concessões, o Código de Águas, em mais uma alusão à principal

característica da atividade de autoprodução, mencionou, em seu artigo 169, a

“produção de energia elétrica destinada a indústria do próprio concessionário”:

“Art. 169. As concessões decretadas caducas serão reguladas da seguinte forma: [...] II – No caso de produção de energia elétrica destinada a indústria do próprio concessionário, ficará este obrigado a restabelecer a situação do curso d’água anterior ao aproveitamento concedido, se isso for julgado conveniente pelo Governo.”2

6. Em compasso com o Código de Águas, o Decreto nº 41.019, de 26 de

fevereiro de 1957, que regulamenta os “serviços de energia elétrica”, também não

dedicou tratamento específico para a autoprodução, mas aludiu ao traço

característico dessa atividade ao elencar, em seu artigo 663, as faixas de potência

dos aproveitamentos energéticos e os correspondentes atos de outorga:

“Art 66. Depende de autorização federal a execução dos serviços: a) de produção de energia elétrica pelo aproveitamento de quedas d’água ou outras fontes de energia hidráulica de potência superior a 50 kW e

2 Original sem destaques. 3 “Art 65. Depende de concessão federal a exploração dos serviços: [...]

b) de produção de energia elétrica que se destine a serviços de utilidade pública Federais, Estaduais ou Municipais, ou ao comércio de energia, seja qual fôr a potência; [...]

Art 66. Depende de autorização federal a execução dos serviços:

a) de produção de energia elétrica pelo aproveitamento de quedas d’água ou outras fontes de energia hidráulica de potência superior a 50 kW e inferior a 150 kW e que se destinem ao uso exclusivo do respectivo permissionário;

b) de produção termoelétrica: [...]

II - de qualquer potência, desde que tenham por objetivo o comércio de energia ou o fornecimento a serviços de utilidade pública Federais, Estaduais ou Municipais. [...]

§ 2º São considerados de uso exclusivo dos respectivos permissionários a iluminação elétrica de estradas, ruas e logradouros, e os consumos domésticos em vilas operarias de indústrias providas de serviços próprios de energia e construídas em terrenos pertencentes a essas mesmas indústrias.”

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inferior a 150 kW e que se destinem ao uso exclusivo do respectivo permissionário; [...]”

7. Cumpre notar que tanto o Código de Águas quanto o Decreto nº

41.019/57, ao disporem sobre a característica típica da atividade de autoprodução,

aludem à produção de energia elétrica para “uso exclusivo”, sem fazerem menção a

“consumo”.

II.1.1.2. A atividade de autoprodução na Lei nº 9.074/95 e no Decreto nº 5.163/04

8. Já a Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, combinada com o Decreto nº

2.003, de 10 de setembro de 1996, (i) instituiu as figuras jurídicas do produtor

independente e do autoprodutor e (ii) inaugurou a conformação dos regimes

jurídicos das atividades de autoprodução e de produção independente de energia

elétrica, que se somariam ao então já existente regime de serviço público de

geração4.

9. No seu artigo 2º, o Decreto nº 2.003/96 assim conceituou a figura do

autoprodutor:

“Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se: II - Autoprodutor de Energia Elétrica, a pessoa física ou jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebam concessão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao seu uso exclusivo.”

4 O artigo 5º da Lei nº 9.074/95 evidencia que serviço público, produção independente e autoprodução constituiriam os três regimes de produção de energia elétrica:

“Art. 5º. São objeto de concessão, mediante licitação:

I - o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 1.000 kW e a implantação de usinas termelétricas de potência superior a 5.000 kW, destinados a execução de serviço público;

II - o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 1.000 kW, destinados à produção independente de energia elétrica;

III - de uso de bem público, o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 10.000 kW, destinados ao uso exclusivo de autoprodutor, resguardado direito adquirido relativo às concessões existentes.”

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10. Assim como o fizera o Código de Águas e o Decreto nº 41.019/57, o

Decreto nº 2.003/96, ao conceituar a figura do autoprodutor, empregou a expressão

produção de energia elétrica destinada a “uso exclusivo”.

11. No mesmo sentido está a definição de autoprodutor fixada pelo artigo

1º, § 2º, inciso V, do Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004:

“Art. 1o § 2o Para fins de comercialização de energia elétrica, entende-se como: [...] V - agente autoprodutor o titular de concessão, permissão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao seu uso exclusivo; [...]”

II.1.2. A figura do autoprodutor

II.1.2.1. As figuras do autoprodutor e do consumidor em uma mesma pessoa

jurídica

12. Em sua origem, o autoprodutor é um consumidor que optou por

investir no setor elétrico adquirindo ou construindo sua própria usina.

13. Ocorre que, ao receber outorga para gerar energia elétrica destinada a

seu uso exclusivo, o investidor, em relação à energia que gera, abandona a condição

de consumidor e assume a condição de gerador, de autoprodutor.

14. Muitas vezes, a geração do autoprodutor não é suficiente para atender

às suas necessidades de energia elétrica. Nesses casos, há uma parcela de energia

gerada para uso exclusivo e outra parcela adquirida de terceiros.

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15. Em relação à parcela de energia gerada para uso exclusivo,

caracteriza-se a figura do autoprodutor, ao passo que, em relação à parcela de

energia adquirida de terceiro, caracteriza-se a figura do consumidor.

16. Há, pois, uma figura híbrida, na medida em que uma mesma pessoa

jurídica pode assumir, a um só tempo, as condições de gerador e consumidor.

II.1.2.2. A inexistência de relação de consumo na parcela de geração de energia

elétrica para uso exclusivo

17. Certo é que a destinação da energia elétrica para uso exclusivo – traço

característico do regime de autoprodução5 – não enseja a formação de uma relação

5 Embora a destinação de energia para uso próprio seja característica típica da atividade de autoprodução, produtores independentes também podem destinar energia para seu uso exclusivo.

O artigo 11 da Lei nº 9.074/95, ao estabelecer que o produtor independente recebe concessão ou autorização para “produzir energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produzida”, já permitia inferir que parte da energia produzida poderia ter destinação outra que não ao comércio, ou seja, poderia ser destinada ao uso exclusivo do gerador:

“Art. 11. Considera-se produtor independente de energia elétrica a pessoa jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebam concessão ou autorização do poder concedente, para produzir energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produzida, por sua conta e risco.”

Depois, o § 10 do artigo 15 da Lei nº 9.074/95, com redação dada pelo artigo 8º da Lei nº 10.848/04, deixou expresso que produtores independentes poderiam utilizar, em suas unidades industriais, energia elétrica produzida por geração própria:

“Art. 8o Os arts. 4o, 11, 12, 15 e 17 da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações: [...]

Art. 15. [...]

§ 10. Até 31 de dezembro de 2009, respeitados os contratos vigentes, será facultada aos consumidores que pretendam utilizar, em suas unidades industriais, energia elétrica produzida por geração própria, em regime de autoprodução ou produção independente, a redução da demanda e da energia contratadas ou a substituição dos contratos de fornecimento por contratos de uso dos sistemas elétricos, mediante notificação à concessionária de distribuição ou geração, com antecedência mínima de 180 (cento e oitenta) dias.”5

Por sua vez, o Decreto nº 5.163/04 (i) reproduziu, em seu artigo 31, a redação conferida pela Lei nº 10.848/04 ao § 10 do artigo 15 da Lei nº 9.074/95 e (ii) destacou, em seu artigo 74, a possibilidade de os produtores independentes destinarem energia a uso exclusivo:

“Art. 31. A partir de 1o de janeiro de 2010, será facultada aos consumidores que pretendam utilizar em suas unidades industriais energia elétrica produzida por geração própria, em regime de autoprodução ou produção independente, a redução da demanda e da energia contratadas ou a substituição dos contratos de fornecimento por contratos de conexão e de uso dos sistemas elétricos, mediante notificação ao agente de distribuição ou agente vendedor, aplicando-se o disposto no art. 49. [...]

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jurídica, pois um mesmo sujeito – autoprodutor ou produtor independente – gera e

utiliza a energia produzida. Não há, pois, comercialização de energia, mas mera

transferência de energia no âmbito de uma mesma pessoa jurídica.

18. Consoante ensina Pontes de Miranda:

“A relação jurídica é entre pessoas, isto é, entre entidades capazes de ter direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções. [...] Relação jurídica é a relação inter-humana, a que a regra jurídica, incidindo sobre os fatos, torna jurídica.”6

19. Portanto, no que diz respeito à energia gerada para uso exclusivo, não

há relação jurídica, pois não há pessoas, na medida em que um só sujeito –

autoprodutor ou produtor independente – gera e utiliza a energia produzida.

20. Tanto não há relação jurídica que a destinação de energia para uso

exclusivo não sofre a incidência dos encargos relativos à CCCisolado, à CDE e ao

PROINFA, os quais incidem sobre a relação de consumo de energia elétrica, sobre a

relação jurídica de comercialização de energia elétrica entre um agente setorial e um

Art. 74. Os autoprodutores e produtores independentes não estão sujeitos ao pagamento das quotas da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, tanto na produção quanto no consumo, exclusivamente com relação à parcela de energia elétrica destinada a consumo próprio.”

Em compasso com a Lei nº 10.848/04 e com o Decreto nº 5.163/04, a Resolução Normativa/ANEEL nº 166, de 10 de outubro de 2005, também reconheceu, em seu artigo 19, incisos II a IV, a possibilidade de haver atendimento feito por empreendimento próprio de produção independente:

“Art. 19. As tarifas definidas conforme os arts. 15 a 17 deverão ser aplicadas ao consumo mensal de energia elétrica de cada unidade consumidora, observando os seguintes critérios: […]

II – TUSD – CCC isolado aplicada à parcela do consumo mensal, que exceda o atendimento feito por empreendimento próprio de produção independente e/ou de autoprodução, considerando todas as unidades consumidoras dos sistemas interligado e isolados;

III – TUSD – CDE S/ SE/ CO e TUSD – CDE N/ NE aplicadas sobre a parcela do consumo mensal que exceda o atendimento feito por empreendimento próprio de produção independente e/ou de autoprodução da unidade consumidora localizada nas respectivas regiões geoelétricas; e

IV – TUSD – PROINFA aplicada à parcela do consumo mensal, que exceda o atendimento feito por empreendimento próprio de autoprodução e/ou de produção independente, exceto aquela pertencente à Subclasse Residencial Baixa Renda cujo consumo seja igual ou inferior a 80 kWh/mês.” 6 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado: parte geral. Tomo I. Campinas: Bookseller, 2000, p. 169.

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consumidor final, conforme denotam os artigos 31 e 34 do Decreto nº 73.102/73, 3º,

incisos I e II, e 13, § 1º, da Lei nº 10.438/02:

(i) Decreto nº 73.102/73 “Art. 31. As CCC serão constituídas com as quotas de rateio que serão atribuídas as empresas concessionárias integrantes do GCOI - Sudeste e do GCOI - Sul, que distribuírem energia elétrica diretamente a consumidores finais, ou a outras empresas concessionárias que não as participantes dos mesmos GCOI. [...] Art. 34. A determinação das quotas que serão recolhidas às CCC, será efetuada conforme disposto neste Decreto, entre as empresas concessionárias mencionadas no artigo 31, na proporção da energia elétrica por elas vendida aos respectivos consumidores finais e as outras concessionárias que não as participantes dos respectivos GCOI.” (ii) Lei nº 10.438/02 “Art. 3º Fica instituído o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica - Proinfa, com o objetivo de aumentar a participação da energia elétrica produzida por empreendimentos de Produtores Independentes Autônomos, concebidos com base em fontes eólica, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa, no Sistema Elétrico Interligado Nacional, mediante os seguintes procedimentos: I – na primeira etapa do programa: [...] c) o valor pago pela energia elétrica adquirida na forma deste inciso I, os custos administrativos, financeiros e encargos tributários incorridos pela ELETROBRÁS na contratação, serão rateados, após prévia exclusão da Subclasse Residencial Baixa Renda cujo consumo seja igual ou inferior a 80kWh/mês, entre todas as classes de consumidores finais atendidas pelo Sistema Elétrico Interligado Nacional, proporcionalmente ao consumo verificado; II – na segunda etapa do programa: [...] i) o valor pago pela energia elétrica adquirida na forma deste inciso II, os custos administrativos, financeiros e os encargos tributários incorridos pela ELETROBRÁS na contratação, serão rateados, após prévia exclusão da Subclasse Residencial Baixa Renda cujo consumo seja igual ou inferior a 80kWh/mês, entre todas as classes de consumidores finais atendidos pelo Sistema Elétrico Interligado Nacional, proporcionalmente ao consumo verificado. [...] Art. 13. [...]

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§ 1o Os recursos da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE serão provenientes dos pagamentos anuais realizados a título de uso de bem público, das multas aplicadas pela ANEEL a concessionários, permissionários e autorizados e, a partir de 2003, das quotas anuais pagas por todos os agentes que comercializem energia com consumidor final, mediante encargo tarifário, a ser incluído a partir da data de publicação desta Lei nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição.”

21. Em razão de a obrigação de pagar os encargos setoriais em tela estar

vinculada à relação de consumo, à comercialização de energia com consumidor

final – e não à mera exploração da atividade de geração –, o artigo 19, incisos II a

IV, da Resolução Normativa nº 166, de 10 de outubro de 2005, fixou que, no

dimensionamento da Tarifa de Uso dos Sistemas de Distribuição – TUSD –,

encargos como CCCisolado, PROINFA e CDE não incidem sobre a parcela de

energia correspondente ao atendimento feito por empreendimento próprio de

produção independente e/ou autoprodução:

“Art. 19. As tarifas definidas conforme os arts. 15 a 17 deverão ser aplicadas ao consumo mensal de energia elétrica de cada unidade consumidora, observando os seguintes critérios: […] II – TUSD – CCC isolado aplicada à parcela do consumo mensal, que exceda o atendimento feito por empreendimento próprio de produção independente e/ou de autoprodução, considerando todas as unidades consumidoras dos sistemas interligado e isolados; III – TUSD – CDE S/ SE/ CO e TUSD – CDE N/ NE aplicadas sobre a parcela do consumo mensal que exceda o atendimento feito por empreendimento próprio de produção independente e/ou de autoprodução da unidade consumidora localizada nas respectivas regiões geoelétricas; e IV – TUSD – PROINFA aplicada à parcela do consumo mensal, que exceda o atendimento feito por empreendimento próprio de autoprodução e/ou de produção independente, exceto aquela pertencente à Subclasse Residencial Baixa Renda cujo consumo seja igual ou inferior a 80 kWh/mês.”

22. O reconhecimento dessa não-incidência dos encargos relativos à

CCCisolado, ao PROINFA e à CDE decorreu justamente da distinção entre parcela

de energia gerada para uso exclusivo e parcela de consumo.

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23. De fato, se os encargos incidem sobre a relação de consumo, em que

há um agente e um consumidor final, não há como vislumbrar tal incidência sobre a

energia gerada para uso exclusivo, porquanto, nessa hipótese, não se verifica essa

relação “agente/consumidor final”, mas mera transferência de energia no âmbito de

uma só pessoa jurídica.

24. A ausência de relação jurídica de consumo concernente à parcela de

energia gerada para uso exclusivo também fundamentou a edição:

(i) do artigo 74 do Decreto nº 5.163/04, o qual estabelece que, com

relação à parcela de energia destinada a uso exclusivo, os autoprodutores e

produtores independentes não estão sujeitos ao pagamento das quotas da CDE7; e

(ii) do artigo 14, § 1º, do Decreto nº 4.541/02, o qual estabelecia que o

rateio dos custos relativos ao PROINFA seria realizado mediante tarifas de

fornecimento ou encargos de consumidores livres, excluindo, assim, a cobrança

sobre a parcela destinada a uso exclusivo8; e

(iii) do artigo 16, inciso IV, do Decreto nº 2.003/96, a partir do qual se

verifica que o encargo relativo à CCCisolado incide somente sobre as parcelas de

energia comercializada com consumidor final por produtor independente9.

7 “Art. 74. Os autoprodutores e produtores independentes não estão sujeitos ao pagamento das quotas da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, tanto na produção quanto no consumo, exclusivamente com relação à parcela de energia elétrica destinada a consumo próprio.” 8 “Art. 14. A ANEEL regulará os procedimentos para o rateio entre todos os consumidores finais atendidos pelo Sistema Elétrico Interligado Nacional, dos custos descritos no art. 3º, inciso I, alínea "c", da Lei nº 10.438, de 2002 e da energia comprada pela ELETROBRÁS, nos termos dos arts. 8º a 12.

§ 1º O rateio de custos e da energia será feito proporcionalmente ao consumo individual verificado, devendo a cobrança de tais custos e o repasse da energia ser feitos por meio das concessionárias, permissionárias e autorizadas, com o rateio de custos realizado mediante tarifas de fornecimentos ou encargos de consumidores livres.” 9 “Art. 16. A partir da entrada em operação da central geradora de energia elétrica, o produtor independente e o autoprodutor sujeitar-se-ão aos seguintes encargos, conforme definido na legislação específica e no respectivo contrato: [...]

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II.1.3. A operação do Sistema Interligado Nacional

25. Cumpre ter em perspectiva que, mesmo em relação à parcela de

energia gerada para uso exclusivo, o autoprodutor não utilizará, necessariamente, a

energia por ele gerada.

26. Isso decorre do descolamento entre as relações comerciais e a

operação física das usinas hidrelétricas e térmicas no âmbito do Sistema Interligado

Nacional – SIN.

27. “Com vistas à otimização dos sistemas eletroenergéticos

interligados”10, foram atribuídas ao Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS

– as atividades de coordenação e controle da operação da geração e da transmissão

de energia elétrica integrantes do SIN11, bem como o despacho centralizado da

geração12.

IV - quotas mensais da ‘Conta de Consumo de Combustíveis – CCC’, subconta Sistemas Isolados, incidentes sobre as parcelas de energia comercializada com consumidor final por produtor independente, nos termos dos incisos II, IV e V do art. 23.” 10 Artigo 13, parágrafo único, alínea “a”, da Lei nº 9.648/98. 11 Artigo 13, caput, da Lei nº 9.648/98:

“Art. 13. As atividades de coordenação e controle da operação da geração e da transmissão de energia elétrica, integrantes do Sistema Interligado Nacional - SIN, serão executadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, mediante autorização do Poder Concedente, fiscalizado e regulado pela ANEEL, a ser integrado por titulares de concessão, permissão ou autorização e consumidores que tenham exercido a opção prevista nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, e que sejam conectados à rede básica.” 12 Artigo 13, parágrafo único, alínea “a”, da Lei nº 9.648/98:

“Parágrafo único. Sem prejuízo de outras funções que lhe forem atribuídas pelo Poder Concedente, constituirão atribuições do ONS:

a) o planejamento e a programação da operação e o despacho centralizado da geração, com vistas a otimização dos sistemas eletroenergéticos interligados; [...]” (Original sem destaques).

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28. Com efeito, a operação física das usinas de geração integrantes do

SIN é centralizada no ONS, que toma em consideração “condições técnicas e

econômicas para o despacho das usinas”13.

29. Logo, o concessionário ou autorizado responsável por usina sujeita a

despacho centralizado não tem controle sobre sua produção, produção essa que não

necessariamente corresponderá (i) aos compromissos mercantis do gerador, no caso

de venda de energia, ou (ii) à utilização de energia decorrente de geração própria do

autoprodutor.

30. A propósito do assunto, vale conferir passagens do “Módulo 4 –

Energias Asseguradas” e do “Módulo 5 – Encargos de Serviços do Sistema” das

Regras de Comercialização/Versão 2007:

“As gerações das usinas hidrelétricas e térmicas estão sujeitas ao despacho centralizado efetuado pelo ONS, considerando as disponibilidades das usinas que estão em condições de geração. Estas usinas são despachadas de modo a se obter minimização dos custos operativos e o menor custo marginal, em vista das afluências hidrológicas e armazenamento de água dos reservatórios, dos preços ofertados pelas usinas térmicas e as restrições operativas. Dessa forma, os perfis de geração dos Agentes sujeitos ao despacho centralizado, independente de seus compromissos de venda de energia baseados em seus certificados de Energia Assegurada, não têm controle sobre seu nível de geração.”14 “O Brasil, devido à predominância hidráulica do parque gerador, decidiu adotar o modelo de despacho centralizado (‘tight pool’), em que o Operador Nacional do Sistema (ONS) decide o montante a ser despachado por cada usina integrante do sistema interligado, com base em uma cadeia de modelos de otimização do uso da água estocada nos reservatórios.”15

13 Artigo 1º, § 4º, inciso I, da Lei nº 10.848/04:

“Art. 1º [...]

§ 4º Na operação do Sistema Interligado Nacional - SIN, serão considerados:

I - a otimização do uso dos recursos eletroenergéticos para o atendimento aos requisitos da carga, considerando as condições técnicas e econômicas para o despacho das usinas; [...]” 14 P. 19 do “Módulo 4 – Energias Asseguradas” das Regras de Comercialização/Versão 2007. 15 P. 5 do “Módulo 5 – Encargos de Serviços do Sistema” das Regras de Comercialização/Versão 2007.

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31. Em virtude da centralização do despacho das usinas, o Decreto nº

2.655, de 2 de julho de 1998, criou, com vistas à mitigação do risco hidrológico, o

Mecanismo de Realocação de Energia – MRE –, o qual assim funciona16:

(i) “a energia assegurada de uma usina corresponde à fração a ela

alocada da Energia Assegurada do Sistema”17;

(ii) “todas as usinas participantes [recebem] seus níveis de Energia

Assegurada independentemente de seus níveis reais de produção de energia, desde

que a geração total do MRE não esteja abaixo do total da Energia Assegurada do

Sistema”18, ou seja, “o MRE realoca a energia, transferindo o excedente daqueles

que geraram além de suas Energias Asseguradas para aqueles que geraram

abaixo”19; e

(iii) “se o total da produção destinada ao MRE das usinas

participantes for maior ou igual ao total das Energias Asseguradas (Energia

Assegurada do Sistema), cada usina terá alocação igual à sua Energia Assegurada,

mais uma parte do excedente, chamada de Energia Secundária”20, que “é alocada

a todas as usinas, na proporção de suas Energias Asseguradas”21.

16 Vale conferir a redação dos artigos 20, caput, e 21, caput e § 2º, do Decreto nº 2.655/98:

“Art. 20. As regras do MAE deverão estabelecer o Mecanismo de Realocação de Energia - MRE, do qual participarão as usinas hidrelétricas, com o objetivo de compartilhar entre elas os riscos Hidrológicos. [...]

Art. 21. A cada usina hidrelétrica corresponderá um montante de energia assegurada, mediante mecanismo de compensação da energia efetivamente gerada. [...]

§ 2º Considera-se energia assegurada de cada usina hidrelétrica participante do MRE a fração a ela alocada da energia assegurada do sistema, na forma do disposto no ‘caput’ deste artigo.” 17 P. 3 do Módulo 4 – Energias Asseguradas das Regras de Comercialização/Versão 2007. 18 P. 19 do Módulo 4 – Energias Asseguradas das Regras de Comercialização/Versão 2007. 19 Idem. 20 P. 20 do Módulo 4 – Energias Asseguradas das Regras de Comercialização/Versão 2007. 21 Idem.

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32. Verifica-se, pois, que o total da produção de energia das usinas

integrantes do MRE é alocado a cada qual das usinas na proporção da respectiva

energia assegurada.

33. Com efeito, ainda que, em relação à parcela de energia decorrente de

geração própria, o autoprodutor não utilize a energia proveniente de sua própria,

mas proveniente de usina de terceiro despachada por determinação do ONS, não

haverá relação de consumo.

34. Isso porque, nessa hipótese, não se estabelece relação jurídica de

consumo entre o autoprodutor e o concessionário ou autorizado que gerou energia

por determinação do ONS.

35. A circunstância de um gerador produzir a energia elétrica

correspondente à comercialização ou à utilização de outro decorre da operação

física do SIN, sem caracterizar relação de consumo entre os geradores.

36. Resta claro, portanto, que, mesmo quando a parcela de energia

correspondente à geração própria é gerada por terceiro, o autoprodutor não assume a

condição de consumidor, não se verifica relação de consumo entre o autoprodutor e

o gerador cuja usina foi despachada por ordem do ONS.

37. Retidas as particularidades relativas à atividade de autoprodução, à

figura do autoprodutor e ao descolamento entre as relações comerciais e a operação

física do SIN, cumpre discorrer sobre o Encargo de Serviços do Sistema – ESS – e,

em especial, sobre a sua parcela correspondente à segurança energética.

II.2. O ESS

II.2.1. O ESS no Decreto nº 2.655/98 e no Decreto nº 5.163/04

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38. O ESS, conforme revelam os artigos 18 do Decreto nº 2.655, de 2

de julho de 1998, e 59 do Decreto nº 5.163/04, tem por escopo cobrir custos em que

os agentes de geração incorrem para fazer frente às restrições relativas à

transmissão de energia elétrica no âmbito do SIN, as chamadas restrições elétricas:

(i) Decreto nº 2.655/98 “Art 18. As regras do MAE poderão prever o pagamento de um encargo destinado à cobertura dos custos dos serviços do sistema, inclusive os serviços ancilares, prestados a todos os usuários dos Sistemas Elétricos Interligados, que compreenderão, dentre outros: I - a reserva de capacidade, em MW, disponibilizada pelos geradores para a regulação da freqüência do sistema e sua facilidade de partida automática; II - a reserva de capacidade, em MVAr, disponibilizada pelos geradores, superior aos valores de referência estabelecidos para cada gerador em procedimentos de rede, necessária para a operação do sistema de transmissão; III - a operação dos geradores como compensadores síncronos, a regulação da tensão e os esquemas de corte de geração e alívio de cargas.” (ii) Decreto nº 5.163/04 “Art. 59. As regras e procedimentos de comercialização da CCEE poderão prever o pagamento de um encargo destinado à cobertura dos custos dos serviços do sistema, inclusive os serviços ancilares, prestados aos usuários do SIN, que compreenderão, dentre outros:

I - custos decorrentes da geração despachada independentemente da ordem de mérito, por restrições de transmissão dentro de cada submercado;

II - a reserva de potência operativa, em MW, disponibilizada pelos geradores para a regulação da freqüência do sistema e sua capacidade de partida autônoma;

III - a reserva de capacidade, em MVAr, disponibilizada pelos geradores, superior aos valores de referência estabelecidos para cada gerador em Procedimentos de Rede do ONS, necessária para a operação do sistema de transmissão; e

IV - a operação dos geradores como compensadores síncronos, a regulação da tensão e os esquemas de corte de geração e alívio de cargas.”

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39. Ao argumento de que, na forma como concebido pelos Decretos nºs

2.655/98 e 5.163/04, o ESS tinha por escopo fazer frente a custos de natureza

elétrica, seu pagamento é exigido em face dos autoprodutores que, em razão da

distância entre a usina e a carga, fazem uso dos sistemas de transmissão e de

distribuição, conforme explica a Nota Técnica nº 192/2008-SEM/ANEEL:

“13. Após a publicação da Resolução do CNPE, o ESS passou a ter, além das parcelas referentes aos Custos das Restrições de Operação e da prestação de Serviços Ancilares, uma parcela referente ao pagamento dos custos de usinas termelétricas despachadas por decisão do CMSE, denominada Encargo de Serviços do Sistema por razão de Segurança Energética, o qual deve ser rateado na forma já mencionada, constante do § 3º do art. 3º da Resolução CNPE nº 08, de 2007. 14. Assim, pode-se perceber que a diferença existente na forma de cálculo do consumo a ser considerado para fins do pagamento das parcelas de ESS referentes às Restrições de Operação, Serviços Ancilares e encargos por razão de Segurança Energética, consiste no fato de que para as duas primeiras parcelas, o pagamento é realizado proporcionalmente ao consumo de um determinado mês, ao passo que, para a terceira parcela, o pagamento deve ser rateado proporcionalmente ao consumo médio de energia nos últimos doze meses. 15. Destaque-se que o consumo sujeito ao pagamento do ESS, como acontecia antes da publicação da Resolução do CNPE, correspondia ao consumo líquido em cada ponto de medição, e agentes com unidades geradoras localizadas em outros sítios não podiam utilizar esta geração para abater de sua carga. 16. Tal procedimento justifica-se pelo fato de que o ESS correspondia apenas a parcelas de encargos justificados por razões de natureza elétrica.”

II.2.2. O ESS na Resolução/CNPE nº 8/2007

40. Sobreveio a Resolução/CNPE nº 8, de 20 de dezembro de 2007, a

qual, ao estabelecer que o Custo Variável Unitário – CVU – de usina termelétrica

despachada por decisão do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico – CMSE –

ou por ultrapassagem da Curva de Aversão ao Risco não será utilizado para a

determinação do Preço de Liquidação de Diferenças – PLD –, criou mais uma

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parcela do ESS, a qual tem por escopo fazer frente à diferença entre o CVU da

térmica despachada por decisão do CMSE e o Preço de Liquidação de Diferenças –

PLD:

“Art. 3º O Custo Variável Unitário - CVU de usina termelétrica despachada conforme o disposto no art. 2º ou devido a ultrapassagem da CAR não será utilizado para a determinação do Preço de Liquidação de Diferenças - PLD. [...] § 3º O custo adicional do despacho de usina acionada por decisão do CMSE, dado pela diferença entre o CVU e o PLD, será rateado proporcionalmente ao consumo médio de energia nos últimos doze meses por todos os agentes com medição de consumo do Sistema Interligado Nacional - SIN e será cobrado mediante Encargo de Serviços do Sistema por razão de segurança energética, conforme o disposto no art. 59 do Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004.”

41. Como revela o próprio § 3º do artigo 3º da Resolução/CNPE nº

8/2007, a nova parcela do ESS tem por escopo fazer frente a custos decorrentes da

necessidade de segurança energética.

42. Nesse sentido, o § 3º do artigo 3º da Resolução/CNPE nº 8/2007 (i)

fixa o consumo médio de energia nos últimos doze meses como base de cálculo do

Encargo e (ii) define, como sujeitos passivos do Encargo, todos os agentes com

medição de consumo do SIN.

43. Identificados os sujeitos passivos, a base de cálculo e a finalidade do

ESS, impõe-se analisar os aspectos jurídicos da proposta da ANEEL de que:

“a parcela do ESS associada ao custo da geração térmica despachada por segurança energética deve ser rateada proporcionalmente ao consumo líquido do agente, e não ao seu consumo bruto, posto que agentes com unidades geradoras localizadas ou não no mesmo ponto de consumo já contribuem para o incremento da segurança sistêmica e confiabilidade do SIN e, portanto, não podem ser onerados, para fins de pagamento de encargos, ao ponto de se desconsiderar sua geração injetada no sistema.”22

22 Fl. 3 da Nota Técnica nº 192/2008-SEM/ANEEL.

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II.3. A inclusão, na base de cálculo da parcela de segurança energética do

ESS, do montante de energia gerado para uso exclusivo por autoprodutor ou

produtor independente

II.3.1. A inexistência de consumo na parcela de energia destinada a uso exclusivo

do gerador

44. O primeiro fundamento determinante da proposta veiculada Nota

Técnica nº 192/2008-SEM/ANEEL reside na circunstância de a legislação setorial,

desde o Código Águas, tratar a geração de energia para uso próprio não como

consumo, mas como destinação de energia para uso exclusivo.

45. Logo, enquadrar a geração de energia para uso próprio como consumo

implicaria desconsiderar a distinção que a legislação estabelece entre consumo e

destinação de energia para uso exclusivo.

46. Com efeito, as razões que impedem a cobrança da parcela de

segurança energética do ESS sobre o montante de energia gerado para uso exclusivo

são as mesmas que fundamentaram o artigo 19, incisos II a IV, da Resolução

Normativa nº 166/05, o artigo 74 do Decreto nº 5.163/04, o artigo 14, § 1º, do

Decreto nº 4.541/02 e o artigo 16, inciso IV, do Decreto nº 2.003/96, os quais

explicitam que os encargos incidentes sobre o consumo de energia não incidem

sobre a parcela de energia destinada a uso exclusivo do gerador.

II.3.2. O princípio da isonomia

47. Em compasso com esse fundamento está a circunstância de a pessoa

jurídica, em relação à parcela de energia gerada para uso exclusivo, não assumir a

condição de consumidor, mas sim de gerador.

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48. Considerando que, em relação à parcela de energia gerada para uso

exclusivo, a pessoa jurídica assumir a condição de gerador, dispensar-lhe o mesmo

tratamento dado aos consumidores caracterizaria dupla violação ao princípio da

isonomia, pois, em tal hipótese:

(i) dar-se-lhe-ia o mesmo tratamento dispensado aos seus desiguais, os

consumidores; e

(ii) recusar-se-lhe-ia o tratamento dispensado aos seus iguais, os

geradores, que não onerados com a parcela de segurança energética do ESS.

II.3.3. A finalidade da parcela de segurança energética do ESS

49. A violação ao princípio da isonomia fica ainda mais evidente quando

se tem em perspectiva a finalidade da parcela de segurança energética do ESS, qual

seja: fazer frente a custos decorrentes da necessidade de segurança energética, de

dotar o sistema de confiabilidade de fornecimento.

50. A atividade de autoprodução já tem o condão de incrementar a matriz

energética, na medida em que o autoprodutor injeta energia no sistema,

contribuindo para a expansão do sistema e também para a redução global de custos

e de investimentos em novas instalações no sistema elétrico, desonerando o Estado

e os demais consumidores do dispêndio de recursos necessários para a expansão da

matriz energética.

51. Ao garantir seu próprio suprimento de energia, o autoprodutor alivia o

sistema, permitindo que aquele montante de energia antes destinado ao seu

consumo seja dirigido ao atendimento de outros consumidores.

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52. Assim, o autoprodutor, assumindo por si só a realização de

investimentos cujos custos teriam de ser partilhados entre todos os consumidores do

Sistema Interligado Nacional, amplia a matriz energética, bem como diminui e

posterga a necessidade de realização de investimentos em novas instalações no

sistema elétrico.

53. Na medida em que os autoprodutores já incrementam a matriz

energética, não é razoável incluir, na base de cálculo da parcela de segurança

energética do ESS, o montante de energia gerada para uso exclusivo

54. Com efeito, o fundamento para a cobrança da parcela de segurança

energética do ESS não pode ser oposto aos autoprodutores em relação ao montante

de energia gerada para uso exclusivo, pois, em relação a tal montante, esses agentes

já contribuem para a segurança energética.

III. CONCLUSÃO

55. Ao cabo do exposto, alcançam-se as seguintes conclusões:

(i) tanto o Código de Águas quanto o Decreto nº 41.019/57, ao

disporem sobre a característica típica da atividade de autoprodução, aludem à

produção de energia elétrica para “uso exclusivo”, sem fazerem menção a

“consumo”;

(ii) assim como o fizera o Código de Águas e o Decreto nº 41.019/57,

o Decreto nº 2.003/96 e o Decreto nº 5.163/04, ao conceituarem a figura do

autoprodutor, empregou a expressão produção de energia elétrica destinada a “uso

exclusivo”;

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(iii) ao receber outorga para gerar energia elétrica destinada a seu uso

exclusivo, o investidor, em relação à energia que gera, abandona a condição de

consumidor e assume a condição de gerador, de autoprodutor;

(iv) em relação à parcela de energia gerada para uso exclusivo,

caracteriza-se a figura do autoprodutor, ao passo que, em relação à parcela de

energia adquirida de terceiro, caracteriza-se a figura do consumidor;

(v) no que diz respeito à energia gerada para uso exclusivo, não há

relação jurídica, pois não há pessoas, na medida em que um só sujeito –

autoprodutor ou produtor independente – gera e utiliza a energia produzida;

(vi) tanto não há relação jurídica que a destinação de energia para uso

exclusivo não sofre a incidência dos encargos relativos à CCCisolado, à CDE e ao

PROINFA, os quais incidem sobre a relação de consumo de energia elétrica, sobre a

relação jurídica de comercialização de energia elétrica entre um agente setorial e um

consumidor final, conforme denotam os artigos 31 e 34 do Decreto nº 73.102/73, 3º,

incisos I e II, 13, § 1º, da Lei nº 10.438/02 e 19, incisos II a IV, da Resolução

Normativa nº 166/05;

(vii) se os encargos incidem sobre a relação de consumo, em que há

um agente e um consumidor final, não há como vislumbrar tal incidência sobre a

energia gerada para uso exclusivo, porquanto, nessa hipótese, não se verifica essa

relação “agente/consumidor final”, mas mera transferência de energia no âmbito de

uma só pessoa jurídica;

(viii) ainda que, em relação à parcela de energia decorrente de geração

própria, o autoprodutor não utilize a energia proveniente de sua própria, mas

proveniente de usina de terceiro despachada por determinação do ONS, não haverá

relação de consumo;

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(ix) a circunstância de um gerador produzir a energia elétrica

correspondente à comercialização ou à utilização de outro decorre da operação

física do SIN, sem caracterizar relação de consumo entre os geradores, ou seja,

mesmo quando a parcela de energia correspondente à geração própria é gerada por

terceiro, o autoprodutor não assume a condição de consumidor, não se verifica

relação de consumo entre o autoprodutor e o gerador cuja usina foi despachada por

ordem do ONS;

(x) ao estabelecer que o CVU de usina termelétrica despachada por

decisão do CMSE ou por ultrapassagem da Curva de Aversão ao Risco não será

utilizado para a determinação do PLD, a Resolução/CNPE nº 8/2007 criou mais

uma parcela do ESS, a qual tem por escopo fazer frente à diferença entre o CVU da

térmica despachada por decisão do CMSE e o PLD;

(xi) como revela o próprio § 3º do artigo 3º da Resolução/CNPE nº

8/2007, a nova parcela do ESS tem por escopo fazer frente a custos decorrentes da

necessidade de segurança energética;

(xii) o § 3º do artigo 3º da Resolução/CNPE nº 8/2007 fixa o consumo

médio de energia nos últimos doze meses como base de cálculo do Encargo e

define, como sujeitos passivos do Encargo, todos os agentes com medição de

consumo do SIN;

(xiii) enquadrar a geração de energia para uso próprio como consumo

implicaria desconsiderar a distinção que a legislação estabelece entre consumo e

destinação de energia para uso exclusivo;

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(xiv) as razões que impedem a cobrança da parcela de segurança

energética do ESS sobre o montante de energia gerado para uso exclusivo são as

mesmas que fundamentaram o artigo 19, incisos II a IV, da Resolução Normativa nº

166/05, o artigo 74 do Decreto nº 5.163/04, o artigo 14, § 1º, do Decreto nº 4.541/02

e o artigo 16, inciso IV, do Decreto nº 2.003/96, os quais explicitam que os

encargos incidentes sobre o consumo de energia não incidem sobre a parcela de

energia destinada a uso exclusivo do gerador;

(xv) considerando que, em relação à parcela de energia gerada para

uso exclusivo, a pessoa jurídica assumir a condição de gerador, dispensar-lhe o

mesmo tratamento dado aos consumidores caracterizaria dupla violação ao princípio

da isonomia, pois, em tal hipótese, dar-se-lhe-ia o mesmo tratamento dispensado

aos seus desiguais, os consumidores e recusar-se-lhe-ia o tratamento dispensado aos

seus iguais, os geradores, que não onerados com a parcela de segurança energética

do ESS;

(xvi) a atividade de autoprodução já tem o condão de incrementar a

matriz energética, na medida em que o autoprodutor injeta energia no sistema,

contribuindo para a expansão do sistema e também para a redução global de custos

e de investimentos em novas instalações no sistema elétrico, desonerando o Estado

e os demais consumidores do dispêndio de recursos necessários para a expansão da

matriz energética

(xvii) na medida em que os autoprodutores já incrementam a matriz

energética, não é razoável incluir, na base de cálculo da parcela de segurança

energética do ESS, o montante de energia gerada para uso exclusivo; e

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(xviii) o fundamento para a cobrança da parcela de segurança

energética do ESS não pode ser oposto aos autoprodutores em relação ao montante

de energia gerada para uso exclusivo, pois, em relação a tal montante, esses agentes

já contribuem para a segurança energética.

É o parecer, s.m.j.

Brasília, 23 de junho de 2008.

Julião Silveira Coelho

OAB/DF nº 17.202